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LÍVIA BARBOSA
. : :..~ .
...·. .
:-·
O JEITINHO BRASILEIRO
*
A ARTE DE SER MAIS IGUAL DO QUE OS OUTROS
ELSEVIER
INTRODUCÃO OU COMO O
- I
. ~. .
JÉITINHO ENTRA NA HISTÓRIA
·:.. ·.-:
.·
~t; ::~::; ~;:::::a~;~;~~~~~á~~ee~;:;:~ed~=p~: :~~
; -r·:;;:.. : · nos apercebermos das diferenças no tom emocional dos ambien-
·,::;_:~;::_{:._· t~s, .na visão do mundo, nos ritmos dos acontecimentos e das
;.;:~}~;;~~- :::. . · pessoas, nas reações diante de certos )fatos como morte, luto,
:'2::f:g~;.:~;;.: . . . nascimento, principalmente quando estes ocorrem em contex-
. -)~{if{f.~tQs institucionais semelhantes aos nossos de origem. Aconteci-
:.<:!,~~i}-:;~,·;.·.m~ntos corriqueiros, como festas, casamentos etc., de-estrutura,
:.;~~~~r-:.)<org~nização e objetivo semelhantes ou mesmo iguais aos nossos,
:\TH~~-~; :.:_;· . :~pJ:"esentam um "clima", na falta de termo mais técnico, inteira-
_.\Qt(Y)>. inente diferente. Esse clima não é percebido nem traduzível em
·. ·:v~v;<-/.: íe~mos cognitivos, mas é apreendido, afetivamente, nas relações
_:~ ~~-~~~~ ·: :. : el;t~e as pessoas e requer um esforço sistemático, do ponto de
);~:~j}~.y ~-- ::Y~sta intelectual,_para ser traduzível numa linguagem aproxima-
.. ·•· .!:· ~.-_;;:·~~e~te científica que abra espaço a discussões menos impressio-
·.{.~~as. . . . . _
· ··:#-~i-r:.Essas dimensões valorativas de que se revestem todos os atos
· . vida social, esse aspecto fluídico que escapa às rígidas análises
. !D-Qclelos e que impri~e ·toda a· especificidade do fenômeno
·foi, justamente, o que mais me mobilizou na minha expe-
',r#~':<M.'~>:--'.A . .lv.l.4 do Brasil. A_ distância nos pe~mit~ dar realce a deta-
-m~~:cme antes passav~ despercebidos e nos _força a. uma auto-
~:c r~~J!(~xao que ge~a, fataimente, uma nova concepção de nós mes-
~7
...: -......,.• --c. obj~to. que desenc~deou, nossa análise. QuancJ.o compa-
::-::~ :: ~!l~~c:;Qmp1e.mm!!n!~...~!~.~~~~-~~~g~---4~J.2ZQ.~o--Q~vtamente, !
/\·L~\· essa não é uma divisão estanque e rígida, mas baseada em ênfase. )
~'~$··::; O que podemos verificar, a partir dessas distinções, é que,
·.:::::~·~):r· .. ··quando a linha interpretativa procurava a explicação do Brasil
_/,:i{·:;:-:::._. por meio de seus processos políticos e econômicos, de sua "in-
:-~~1~;;;~_:_;:·_.-:·_fra:.estrutura", os dados voltavam-se para o conj1:1nto institucio-
:q~i{r.,. :·nal brasileiro, para a identificação da pr~sença ou ausência de
:.-.~;~2r}/'·d~terminados elementos e para a qualificação do tipo de relacio-
.-_i1.!H-r;~<·_..riamento entre as diferentes "classes" e grupos sociais: estrutura
-~!~;j~&~{C:·._)éudal, relações de trabalho pré-capitalistas, relações de domi-
::;f~ii,<~·:-~·:·· nância etc~ Quando, por outro lado, a ênfase procurava a expli-
;:.-r<·_::~.:~,- ·caÇão doBrasil por meio de sua "culhira", o que se privilegiava
_j}:~:·~;; _'. eram os "usos e costum~s" do povo brasileiro, sua estrutura fami-
:·'.._,... ,._. · liar, sua religiosidade etc. e as perguntas básicas voltavam-se
para a compreensão do j>aíS por meio das situações sociais con-
cretas. Ambos os tipos de intérpretação sempre se relacionaram
e ainda o fazem de forma excludente: o que um privilegia é justa-
mente o que o outro exclui.
Quando a visão "estrutural" predomina, o falar adquire cer-
ta densidade e complexidade. O sujeito da análise é a sociedade
brasileira e o objetivo central é tentar identificar as causas econô-
'!"""------------------------·--··---.
6 O JEITINHO BRASILEIRO
' I ~ 'llo
Parece-me que esse tipo de crítica, que tem seu lugar de ser,
se queremos realizar uma análise de campo intelectual do autor,
confunde, fora desse domínio, o que os filósofos da ciência têm
chamado "contexto da descoberta~', "contexto da justificação",
Nessa perspectiva, os preconceitos e os valores individuais de-
sempenham um papel importante no primeiro, enquanto são
pouco atuantes no segundo. A história da vida de um pesquisa-
dor, as fontes intelectuais em que se nutriu, o ambien.te social em
que se formou são aspectos importantes para esclarecer as moti-
vações que o levaram a escolher determinado tema, a ·esposar
certas idéias etc.- Entretanto, são irrelevantes para uma avaliação
crítica de suas teorias. Estas devem ser analisadas "pelos seus pró-
prios méritos lógicos'' {Kaplan & Manners, 1975, p. 48), isto é,
pela capacidade explicativa q~e possuem.
Portanto, o que é importante verificar, no nosso caso, .é se
essas diversas tentativas de aprender o Brasil consegairam ex-
plicar parte dos problemas que se colocaram. Parece quf!, ades-
peito de todas as críticas que se possa fazer a Casa gr{lnde e se1t-
zala (1933 ), Raízes do Brasil (1935), Cultura brasileira (1943) e
muitas outras obras desse período, é importante enfatizar que,
de modo geral, esses autores estavam preocupados em identifi·
car, descrever e interpretar o Brasil a partir do cotidiano. O que
era tomado como significativo por esses pensadores - e isto
pode ser verificado pela t'emática utilizada- era o emaranhado
das relações sociais do dia-a-dia, tanto na esfera doméstica
. ~: ..
:~
10 O JEITINHO BRASILEIRO
NOTA
1. Ver o artigo de José Augusto Drummond na Revista de Domingo, Jornal do
Brasil, de 01/ÔS/1985, no qual o referido aútor mendona alguns intelectuais
que são interditados em alguns departamentos universitários.
=: ·. ~
-:· :·
O JEITINHO ESCRITO:
VISÕES INTELECTUAIS
.. ~-- ..
.··:·:
((:
~~:::::/·:. '
::f~;:·.;-:. -~'Por favor, o sr. não pode dar um jeitinho?'' Essa frase talvez seja
~f·:t;\:. . ~ma das expressões mais populares n·o âmbito da sociedade ur-
~·~:~::;:: pâna bra~ileira. É difícil encontrar alguém, homem ou mulher,
,~:}:~::'<que nunca tenha lançado mão dessa frase, com voz macia, ares
~~!:;;t'simpáticos e olhos suplicantes. Ela explicita álguns dos múltiplos
:v=:::\:drámas sociais que fazem parte do nosso cotidiano, bem como
~-~~;,;.:·. ·_uma forma especial de resolvê-los.
;i{:::/:{·.· Embora muito usada e conhecida, pouco interesse despertou
.j
'f::ít:- do'. P..Onto de vista sociológico. A ausência de trabalhos expli-
;t?~ ,:·:ca-se, em parte, pela pouca relevância atribuída ao estudo do co-
(JÇ:;~_:· tidiano e pela própria tônica da historiografia brasileira, como
\~f·/.· vimos anteriormente.
· · Registrou-se, a partir de um levantamento feito, a. existência
,. de apenas cinco estudos que tratam o jeitinho sob uma. perspecti-
va mais sociológica, problematizando sua existência no interior
da sociedade brasileira. Embora diversos do ponto de vista esti-
lístico, esses trabalhos apresentam pontos em comum importan-
tes para os problemas que serão levantados.
I 14 O JEITINHO BRASILEIRO
GUERREIRO RAMOS:
FORMALISMO EJEITINHO
Ul1142S...J1cimei.rps estudos publicados sob~e. o jeitinh~ é. o de
A11>erto Guerrei;à"'R:amast~p~fêsentado i:io livroAdmíniSiraÇáo
·. ê· i(stt.ritégü{ãectesentJOlvímeniõ-'(i9 li6):··rr.iirã:erê,~Q:fe'l'iTiihlr é
~;;,~~te-gõria'·ê~!tttãLtii'(ocleaáãe6!â§il"é"Ix~~NãQgue seja atri-
lJutõ.,âe. cãrãt~;~n~donal,'-~~s-porq~;o jeitinho e outros meca-
nismos que ele denomina "processos crioulos" são comuns a vá- \
k
rios países latino-americanos, exatamente J2.QlH!:!~"J~!?,~-~~J~.ID
~~~a..;:g_~~!-Q~~E'"~~~is~~: Ségüiiélo-G\i'ei=reiro Ramos, essa \,,
\
'característica dos países~lãtino-americanos pode ser definida
como a discrepância existente entre as nossas instituições sociais,
políticas e jurídicas e ·as nossas práticas sociais. Entre o que é
prescrito e o que realmente ocorre; entre nossa constituição,
nossas leis e regulamentos e os fatos e as práticas reais do gover-
no e da sociedade. .
O formalismo nos países latino-americanos reflete, para
Guerreiro Ramos, uma estratégia global .dessas sociedades no
sentido de superar a fase de desenvolvimento em que se encon-
tram. A partir da promulgação de leis, decretos etc. que impli-
quem modificações formais de aspe~tos políticos e econômi-
cos, esses países conseguem adiar as tensões sociais existentes.
Portanto, sob esse ponto de vista, é um recurso ideológico do
qual lançam mão as elites dominantes com vistas a escamotear :a
realidade, na tentativa de, literalmente, "tapar o sol com a pe-
neira". Enquanto o formalismo é uma estratégia primária, o jei-
tinho seria uma estratégia secundária, isto é, suscitada pelo for-
malismo.
Guerreiro Ramos afirma ainda que o jeitinho estaria conde-
nado a desaparecer no futuro. Desde o momento em que as socie-
dades latino-americanas começassem a se desenvolver do ponto
de vista _econômico e social, seriam levadas a adotar estruturas
legais mais realistas que preconizariam seu desuso. Para esse fim,
a industrialização desempenharia importante papel. Segundo o
----·-· ---··-·-·-····--~-------
··:~~~t:.:·,~: ··
O Jeitinho Escrito: Visões Intelectuais
ROBERTO CAMPOS:
A ~UA! O NAMORO E O JEITINHO
17
;,li!ii~~~;~,1i1!!i
:·{··~·.:.!~''·\:·i.:· -~~gyg~~t~c;>~be~oÇampos, ~jeitinho não é u111ainstitui~ão
is~té·~!~~~.~~~:!~l~~~!~~iâfSüastruzêsestffo;igà-
.:t:*~t~~~~:~} (.·....Q. p_r!.meiro é deo~igem.hi~.§~ica. A instituição do jeito viceja
:~ '-: ~-.~os paí;~;-·r~trnõs:'~~isdo que-~~-~ anglo-saxões, porque, nos
.. _.;primeiros, as relações feudais perduraram por mais tempo, quer
.:~ho domínio jurídico quer no econômico. O feudalismo, como
;:~t indica o autor, é um re~ime. 9-S!"pr.ofund.ª-."dj:sfgü~ldã~e'jufíelica,
~~~rt~~~J~E~t:;~~·so~~;:~!;::;.~;::~
.x:. ;:_-gõveriiãnfpor'rêlãÇões·-vôiUiií~í~íicãsT·ã<}üei~~~,p~r fórmulas
'. :· impositivas.
':_t-:~,~::.:: . ·~.A. outra ca.usa que prOJ?~Ciílria. o florescimento do jeito nos ·.
· ·:~:::·~P.~~~~~:T~tf[~~n;;!llfj~~nid~s· e~e_;i~~:€~i~R
·:· :~:·. ~~":~~~,:.~.-~~~~~~la~~~~o'"!a~~.~ocl~L_,P::_:_~
·\. ·.·: -~!lgles, a le1 e t.J!!lª,..Çt~~tíllizaçao do.. ~~stu~'itcõmrnb'~·~taw e
··::\~~r·· . JJmi&gllf!ª~~~4~~ª§.º~~iPr~~~c:r~:it~~:~:§Iô.~iiisis~~a:"a€f.1?Jís-
·tú.~~ ,_tico e formal de relações. A lei magna da 'Ing1ãtêrrã~fiünêãrõfês
. iji\J, . -~it~'ê';,~Õrte~â~~~icã'iiâ.rêstringe-se a apenas algum'as páginas .
. ·.n~~- Para os latinos, o direito civil é um sistema apriorístico e formal
;'] .
18 O JEITINHO BRASILEIRO
.:lf~)~~~t~!~~;:~~~~~~
.>11'> ~11!~~;J;~tuãç~IJ~~~
~~~~o
. mitra observação que gostaria de fazer é quanto à idéia
.. de permFência ~e "práticas feudais" por mais tempo nos p·aíses
_làtinos e que teri~ perpetuado juridicamente as desigualdades
:· ·sociais existentes. Parece-me que esta colocação está um pouco
.dêslocada no tocante a Portugal e ao Brasil, visto que toda essa
·:·discussão a resp~ito da estrutura feudal, tanto aqui como lá, tem
. ·.:·sofrido constante revisão por historiadores e cientistas sociais.
.:··:. (Faoro, 1976; Godinho, 1971; Saraiva, 1983; Coelho, 1~83)
Nem Portugal nem Brasil jamais desenvolveram uma estru-
tura feudal da forma como ela se atualizou na França. Em Portu-
gal, os nobres e pequenos senhores jamais conseguiram,~e copsti-
tuir uma força de oposição ao rei, de forma a pulverizárem o po-
der central, como ocorreu na França e na Inglaterra..A relação
entre povo e nobreza, entre senhores e vassalos, jamais tomou a
20 O JEITINHO BRASILEIRO
~=,!~~;~~~~f~~~::C:::rede~ ·
ausência de uma norn;t~ universalizante."Ear.e_ç~~m~.9.l1.~;_g~~~~
,.,,!9~,~.2..i~l!!2.,.~2J~P.i~~ão~signifls~!!!..~..SE~n<!_~fç~esá:
.J?-~!!:.:_em do sis!~E!~Jsga\,ç,~~~dquire um~_E9.!!R-ªg~_wa~
. Ji~PJ1te.,,.e.nquan.J;ci~·ª,R!,~tlç.~~g~!~J:]:QJ!~!!l®:ªJ~gj,!im1lt:J:ratamen
·.,to~~--~~!.:~~1~4Q.~,dos".homens..,.~.n.g_~. ªi.~:.per.ante"'áfei.
Uma quarta observação sobre as· idéias de Roberto Campos
diz respeito à ética protestante· e à católica como responsáveis
por atitudes que possam gerar a prática que estamos estudando.
Sempre que se evocam razões religiosas, essas são mantidas num
grau tão alto de generalidade que se torna quase impossível con-
tra-argumentar ~om o autor. Portanto, só a título de sugestão,
gostaríamos de fazer alguns comentários adicionais, ãe cunho
puramente ensaÍstico, dentro da mesma linha do autor.
Segundo Roberto Campos, a rigidez do catolicismo versus o
utilitarismo protestante seria o fato que estaria na base do jeito.
Embora admitindo que ao longo da história o catolicismo tem
apresentado uma faceta extremamente "plástica", a verdade é
O Jeitinho Escrito: Visões Intelectuais 21
........
se estabelece é entre opecador e Deus, a expiação do pecado é fei-
ta por meio do procedimento digno, e não de oração; como a pe-
nitência católica. Portanto, pecar, infringir normas etc. 'me pare-
ce uni procedimento muito mais problemático no protest~ntis
mo do que no catolicismo. Neste, o acerto de contas dos homens
com Deus é permanente e não cumulativo como no outro, no
qual o balanço de toda uma vida é o fundamental para a avaliação
final do pecador. A confissão, o arrependimento e a penitência
de última hora não existem para apagar toda uma vida de peca-
do. São os termos em que se viveu, a própria vida, o que se tem
a
para-justificar glória eterna ou a própria condenação.
Por outro lado, a idéia do dogma, como criador de uma es-
trutura rígida para o catolicismo, me parece enganosa. Não é o
dogma que orienta a vida cotidiana do católico. Na condução do
seu comportamento, àdivindade de Jesus Cristo, a virgindade de
Maria, o mistério da Santíssima Trindade não têm influênéia pa-
radigmática como, por exemplo, possuem os dez mandamentos,
-sete sacramentos, os santos, as·almas, os mortos etc. Estes, sim,
dão as diretrizes básicas da condução da vida para o càtólico. É
. dentro desse filão e na maneira como esses aspect<:>s são concebi-
dos e vivenciados, por uma e outra religião, que se tem de procu-
rar as influências que encerram na sociedade latina e na an-
glo-saxã. Aliás, trabalho nesse sentido realizou Gilberto Freyre
em Casa grande e senza.la (1933), no qual procurou reconstruir
as relações entre os vivos e os diferentes níveis da hierarquia ce-
lestial. O tratamento dos santos por diminutivgs, as ~elações de
devoção com um elemento específico,· ou, ainda, a intimidade
que regia a maior parte dessas relações oferecem-nos subsídios
para que se repensem alguns desses aspectos.
OLIVEIRA TORRES:
ADAPTAÇÃO AO INESPERADO
Um outro autor expressivo que trata do jeitinho é João Camilo
de Oliveira Torres em Interpretação da realidade brasileira
O Jeitinho Escrito: Visões Intelectuais 21
.)!1~', ~:;~~~~:::c~!~ã:t::t::::;:~i~;;~::~;:::ad:a:::
';Af\;:;. dia~f;~~i:e~:"i':~:;,:j==~c~~:~:::~e::~er
i:'i;i~:··;;. ~HJ;ã;:r~~::~<§~~~~ihi~i~!Is~~:~2~sB!~~~i·:9]d~·-
peculiar;
.·. Ar<:.·:. · P,'ermitiram a criação desse tip() g~ #l.c;>sofia df!. yi_gª,..-9.,.~\!tPr
:":·~~;::?·<·. ~õ-s:·--o''prâtic'ô"~"~ t~Ó;i~~:-·s~~~do eie,· o i~Ú:o
·.~0~*-;r< ~nã. -êãp~ãc'iâaâê'de'ãdaptáç'''ã(fâ"sítliãç~Ões'i.'~.iiésp''; e~
.: ·..~ :'.~-~; .:·.~,.;:·~.· ~:: ;.~ :· :· •/. 7~o--;;t-"."teõf·''"""ô"'eJ:llfiorã:'menéi.õnââõ~~ítã
. ~Q!!...--.-~JS.~..""'_.zg__. ··-~--l.C.. . "'"""····---.,·=~--·'~'···é···,·~, ~·.·····
Q ...•. ..•.... . sua
. .-.:.~~ . · · classificação, não tor11a a aparecer no texto, deixancfô~.õ~Têitõr
f~§1\/:. ~P.J:t.ª:gg~Q.~~2;·;~~d~i!ª:::~s"'gtire::õ7é%Fô~prã1:Ico;~éit:âum
·.
·--
pecial de lidar cÕm situações imprevistas; resolver alguma coisa
no "sufoco", como disseram várias das pessoas que entrevista-
mos no decorrer deste estudo. -
Segundo Oliveira Torres, várias são as causas do jeitinho_,
sendo possível encontrá-las tanto no tipo de formação que rece-
bemo"s como nos desafios iniciais encontrados aqui pelos coloni-
zádores.
Entre as causas enfatizadas pelo autor, podemos distinguir
o tipo de formação humanística dada pelos jesuítas, de base ge-
neralista e, portanto, pouco capaz de resolver problemas defi-
nidos. Há ainda a crença brasileira nos dons naturais e nas q:ua-
lidades inatas da pessoa, que tem como conseqüência básica
nosso desprezo pelo trabaJho lento, pelo esforço persistente e
' I
sistemático etc.
A história, aiJflda;êgundo Oliveira Torres, também nos for-
nece alguns episódJds que podem ser apontados como responsá-
veis pelo nosso i.~Üinho. A partir de um breve paralelo traçado
com os Est~dos Únidos, o autor procura mostrar que 14 a imigra-
ção ocorreu em grupos familiares que adaptaram a cultura qde
traziam de seus país de origem às condições locais. No Bras1,
todo o movimento migratório se deu por meio de indivíduos iso-
lados de seus grupos familiares e de origem, os quais foram fo~- I·.
J·
:j
O Jeitinho Escrito: Visões Intelectuais 25
:·.\t;h:'
.ti}. · clusivamente empirista. Isto é, esse nosso mecanismo "parale-
J~~{: ~:~:o:=e~: ~~~::~:tência prática, que-plasma algo no
;I>;
::·::.-(:
~ª~if~i~~ffJ~~t~~~i.~~~éÀ~~I2
não só os tipos de jeito, mas também suas causas a pa~tir de nosso
background colo"nial.
26 O JEITINHO BRASILEIRO
- ..
O autor salienta ainda que todos esses cinco ppos -não são
mutufmente exclusivos. Podem ser encontrados de forma inter-
ligada, embora os dois primeiros sejam identifit.ad0s mais com a
· corrupção e o \terceiro. tamb!ém pos~a ser c~assificado assim, ain-
. da que, do ponto de vista moral, seJa considerado menos grave.
: O quarto e o quinto exemplos são casos típicos do jeito., no senti-
. ·,:.,.·.do de ·que objetivos públicos são atendidos pela evasão das nor-
·. · · mas estabelecidas.
o autor prossegue dizendo que, embora muito difundido, o
jeito nunca se tornou objeto de pesquisa dos cientistas sociais
nem dos advogados. A causa disso, segundo ele, pode ser atribuí-
.. · da a dificuldades no âmbito das relações pessoais; pois, sendo
· ·. ·... _. essa instituição tão intimamente ligada à corrupção, talvez seja
. . ~ais político fazer de conta que as regras correspondem ao que é
feito do que correr o risco de embaraçar os amigos ao apontar to-
: das essas disparidades .
. · ·. ·: ·:_ :. Pru;gJS:~ith,.Rgsen).não__~~-.PP4ç ~f!tender o desenvolvimento do
·_: ·
i~"§-·s~~ c) _seu ~ackgro~~d histó~i'~~-~ S{i~"rãfiês'pC>dem~er~n.:~~n---,. ~
·.. i[~~âS· iiQ._pªª$i4<ü1?!ni.&\!1~:s~~ainàQ.e@nclicronã:~~ª!Iiii!kS.,bra-
.~Y~l!!~~-~ relação . ao.funcionami~§§~?,:vemo~~A administração
. ._ portuguesa era autoritária, -'paternalista; particularista e ad hoc. A
<t~~slação era confusa, detalhista, numerosa, composta de alvarás,
:'~.<:Jitos, estatutos e cartas de lei, denominada de "legislação" extra-
_\;~gante ... Mesm.o o código filipino, estabelecido em 1603, manti-
.. ·~a a mesma característica particularista e ad hoc da legislação an-
. 'terior. Além de"'toda essa "confusão" legal, era virtualmente im-
... ·possível para Portugal fazê-la cumprir ~m todo o seu império. Com
· ·1 milhão de pessoas no século XV, sofria de falta de mão-de-obra
.-:' crônica para comandá-lo. Além do mais, a prática ibérica de enco-
rájar todos os funcionários, desde os mais graduados .ao mais hu-
milde dos vassalos, a apelarem diretamente para o rei, caso dis-
cordassem de qualquer ordem ou política estabelecida por um su-
perior, dificultava ainda mais a observância da legislação vigente.
,,;.·
.. ··~;:
. . Outra fonte 'geradora de mentalidade semelhante do jeito
/,-.. pode ser encontrada no "caráter português". Uma de suas car.::~r-
_·!.;}:;':·:
28 O J E I TI N H O BRAS I L E I R O
fW-'~!~t~~~~!~~~;J~~~:!~~1~~~t~l~.
~?;~;~;.- todª~ as ocor~ênêias'h!t-u.~a.~·~J~9~~íveis poriileio de umà)~á~~~a-"'
.
;~;t;~~·-.:: ~-,ç~~4~ãiiiaêf~e~--e~ filuitos ca~o~;J~s-~wiit~~i\s.íYe.L 'sihtaçÕes
:;x:~.; que, n~Ôrmâimente~ 'iios'países. Cíê" 'origem anglo-saxã, seriam da
/(: ... · alçada do ju_iz resolver sob o signo do bom senso, no Brasil, estão
<. ·.:~, predeterminadas por estatutos. Um outro aspecto dessa men.tali-
;·.:.~~ .d.ade é·a tendência de acreditar como resolvido tudo aquilo que é
i~\.. transformado em lei, sem se levar em conta se a sociedade tem
condições de observar o que foi estabelecido. Na medida em que
produz uma superabundância de legislação e uma falência em
construir suficiente flexibilidade nessa regulamentação, o lega-
30 O JEITINHO BRASILEIRO
·.-··
~fa~~~.r.~ptura políti~~-.ou.,soGial.,"~~b esse ponto de vista,
o jeito tem sido ·ae valor incalculável ao permitir que o sistema
brasileiro opere sem conflitos violentos.
. O autor conclui sua análise de "custos e benefícios" afirmançl()
·.. gue; eni6oraintl.meros'iesultadôs êiii'fermõs'de •âes·e..nvôlv:imeiitp'"
· ·: fossem õ15ticlos"'víáJelto~-~1~;·;ã·o~bãSícamenfe-oenefíêiõs·a--cui1:~-·
.. prazo·:""A:tongoyr~~!ilê.ito·e.ô"·ê·stil<?,:d.ê.J'i).@rãÇ~<5-qiie*êl'~tpêrmifÇ>
. :· ·. cõiitm:üãtéxisti~d~ constituem-se em ~m sério obsfáêufo~âô''(le~:··
rêquer
. :·. senyplV:im~.n:to.:~:ESte ii.ín ãlto.graü de. iritêgração-sõeial"itcõo:-\,
~:-·. · p~~ação comunitária, ao mesmo tempo em que coloca barreiras a
· . ·.·.:,: compo.rtamentos tradicionais, personalistas e autoritários. Tam-
. ' bém requer produtividade maior e distribuição de renda mais jus-
.. ··.: . ta. O sistema legal pode ser um dos instrumentos mais efetivos do
. Estado moderno pata promover a, interdependência social e a dis-
. · tribuição de rénda mais igualitária. Mas a existência de uma insti-
. tuiÇão comÓ o jeito permi~e que uma sociedade continue "perso-
. ·.' n~sta" em termos de comportamento, apesar do esforço estatal
\~m tentar modificar esse tipo de comportaniento pela via legal.
· .·.:.;,':.: Como se pode observar, a pesquisa de Keith Rosen procura
··~er detalhada e competente na tentativa· de estabelecer as liga-
. 'ções do jeito com os diversos compone1;1tes de nosso contexto
·social. A esse aspecto, pouco se pode acrescentar ao que foi dito
,e;· também; ao seu esforço de revestir de uma forma objetiva
!;iquilo que chamou "custos e benefícios" do jeito;, trazendo a dis-
cussão para 6 plano das situações sociais concretas, que podem
. muito nos ajudar na compreens~o da fenomenologia do jeito .
.. .- Entretanto, se pouco podemos acrescentar de imediato a seu as-
. pecto funcional, algumas observações a respeito do estudo como
'··.um todo e das suas conclusões podem ser de alguma valia.
· : · A primeira observação a ser feita.,~~~qu0',-etfil5õfa"'exa-l:tst:ivo
sob"Um'aeternrirtaâõ~aspectoro~têxt~ieva em consi~eraç~o ape-
]i~_~m 1adurtõ{é1ti'nho: aq\léle-coiicê;ii:~;,:t:~·a-seú-áspê~to.,;rde ins-
·:·. !!~ç~~- f>.ª~~!~I~M]!~~-~-Sisre"Inaiurfdíeoe,!iiJ:i.~l:rl'Ha
·.~.~~}.. .dª~sificaçá,<tf~itaàs ~ategõtias. d-<n:rurõrsem referênC1a ao siste-
..:·.f:}:::· ..Jlla"d~. dassificaçãóJocaJ~ · -"~--·..~-~-". ~·~·-·~-·~,,.~;.,...;;;;;;;;~--
32 O JEITINHO BRASILEIRO
1iê;;?t~~;t~1~ªªª~~~~~~:~:::~
l'r:·_·: 1.
.>;:· ·. · 2-. A estratégia do jeitinho, como fuga à formalização neutra
1;:: ~~~~~~~~?;~~:~:=~:::::::
t E·.
3.
Manifesta-se onde prevaleçam u~ sistema de hierarquiza-
I;,·
4
. !lt.~~~e~~;f~~1t~~:~~;;:~~~;~i· . .
S.. O jeitinho não está em extinção, mesmo com o avanço da
burocracia e de sua ótica racional e impessoal.
--------------·-· ··--· - ...
34 O JEITINHO BRASILEIRO
·t::-.-~~:?fl~:~~~:S~~!~~g~~~~.:~~';~
.·}.J:·~f:.;·: oféltinho . sê.trarisfôrffiõl.i"êin elêffiêirtõpãraaíg$âtiço cl~ no"ssa
,:.f.4,~7::· 1mecan1s111o
.-:.~::);:>:
~~~~ª~~-~~?"a~~~~.~-,~~~-~-~!~·:~.~~:!~~~=§l~~~~f~~!~;ri~~!.
. e aJ'Uste, qu: ~or
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asocte~a(le,
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si~~~õe~--éiü~~~ efii· Oütr~~--sô~~~4~4~;·-t1ãô=p;;~~~~~~e-
- . ·: qÚerê~talgiím ''~~pe~iente;,·~ côríiõ''fiiàs e 'outrÕsprÕceêl1mehios
. : búiõcrâtieosréY -ue também rtãõ exp-Irca·é;·por~qu:eilas~àüas úl-
. . -a despeito do inegável avanço da técnica e da in-
·. gústria, da racionalidade e da eficiência no país- o jeitinho, lon-
.ge. de se mostrar em extinção, está mais presente nos meios de
• • •• e no discurso do cotidiano do que em qualquer pe-
M
anterior?
·. . , _.i•: ·Arespo~ta a essas questões depende, a meu ver, da adoção de
.. · nova perspectiva que, em vez de privilegiar os aspectos
. s e funcionais do jeitinho, empreenda a análise do
.'s~u. significado simbólico. Abordar o jeitinho sob essa ótica im-
,plica desvendar o sentido desse mecanismo, que valor lhe é atri-
.J>tiído, o que norteia a sua atualização no contexto da sociedade
·. ht.asileira, tomando como ·ponto de partida a análise do conjunto
·..~~ representações a seu respeito. ·
...~:. ":: · Num primeiro momento, a investigação de seu caráter sim-
~ólico implica distingui-lo, en:quanto fato social, de situações
funcionais ou morfologicamente iguais a ele. Torna-se possível,
assim, considerar de outro ângulo a questão do caráter essencial-
··:r>:·;. mente brasileiro ou não do jeitinho. É que, do ponto de vista for-
. }_·,-··. mal e de operação prática, comportamentos semelhantf's pv1"'-
::~:··.{·
_.: .,
.:._~:
36 O JEITINHO BRASILEIRO
!
i
do jeitinho que, até então, tinham sido tratados como uma única
j·
coisa: dar um jeitinho e jeitinho brasileiro. O dar um jeitinho en- '!
quanto um drama social, momento privilegiado de nossa reali- l
dade, em que atualizamos nossos valores mais profundos, e o jei-
f-:
tinho brasileiro, elemento tomado como paradigmático em de-
terminados contextos para nos definir como país e como povo e
que deve ser encarado como uma forma nossa de fa~ar sobre o
que consideramos c~mo Brasil e como nos inserimos nele.
Embora intimamente ligados, dar um jeitinh<;> e jeitinho brasilei-
ro não se equivalem, atualizam valores diferentes e surgem rela-
cionados a diferentes domínios da sociedade brasileira. ·
A i.Q.vestigação do significado desse nosso mecanismo de "na-
L
l·
vegação social" nos moldes propostos implica um levantamento '
etnográfico em três níveis diferentes. No primeiro, é fundamental
mapear sua existência no interior de nosso universo social, de
modo a conhecer ,a sua gramática, isto é, as situações, os persona- I
gens e os domínios ade~uados ou não ao seu uso. No segundo, re-
,.,.·l
O Jeitinho Escrito: Visões Intelectuais 37
NOTA
· ;.:' 1. Não se trata de negarmos aqui a existência de instituição semelhante ao jeiti-
. nho em outras sociedades ou afirmarmos sua especifiádade brasileira. Nosso
· .. objetivo é impedir qualquer tentativa de atribuir uma substancia a esse mecanis-
. mo social e enfatizar o seu aspecto classificatório. Por exemplo, uma situação que
·:para nós pode ser considerada jeitinho, nos Estados Unidos, será simplesmente
.. classificada como ilegal ou desonesta. Por outro lado, a Argélia parece ter uma
· ·..· . ·.·forma semelhante à nossa para classificar determinadas situações. Segundo
. ·'. Bourdieu(1963), o chtara é uma classificação nativa para situações que ficam a
·.· . ~. meio caminho do legal e do ilegal, que implicam muitas vezes criatividade, 'jogo
· · de cintura etc. t forma institucionalizada, na Argélia, de burlar leis, regras e regula-
·,. mentes, principalmente entre as camadas operárias.
·:.:. .
······--
_2
.:. . NAVEGANDO EM ÁGUAS BRASILEIRAS:
O MAPA SOCIAL DO JEITINHO
O QUE É O JEITINHO
Um dos aspectos interessantes em relação ao jeitinho é seu cará-
ter "universal".- Todas as pessoas entrevistadas conhecem, prati-
cam ou fazem uso das expressões jeitinho brasileiro ou dar um
jeitinho. Quando essa locução.não é de imediato entendida, caso
raríssimo, uma sip.onímia vasta situa~ com facilidade, a pessoa a
respeito do que se está falando. Seus exemplos mais freqüentes e
significativos são: quebra-galho, malandragei"n, jogo de cintura,
ginga etc.
Além de ser conhecido e usado por todas as pessoas entrevis-
tadas, o jeitinho é pensado como algo utilizado por todos na so-
ciedade brasileira: do·''jontfnuo ao presidente~~j como, figurati-
vamente, disse um ~Ós entrevistados. Ou do "faxineiro ao em-
presário"~ como disse um estudante secundário.
Obviamente, á magnitude do jeito que o contínuo e· o presi-
dente podem dar ou pedir é inteiramente diferente. A qu~mtida-
Navegando em Águas Brasileiras: O Mapa Social do Jeitinho 41
//:\>.··
·.-_·_~,... de de recursos materiais, simbólicos e humanos que um e outro
;~.:,/{:. :.:. podem mobilizar explica a diferença, mas não desqualifica nem
(/;~::-~ . ··': un1 nem outro como usuário do jeito. Além do mais, para se dar
_;;;;~~.:.::_ ou conseguir um jeitinho é necessário apenas "boa vontade", se-
:~-?;:;/·' gundo a maioria dos informantes. Portanto, a diferença que se
:~; _ -:. (:.·. pode estabelecer entre os segmentos sociais em relação ao jeito
:4d{\ está mais ligada à sua magnitude do que à sua incidência.
;;;~~li:;:~::.··: . ;m.);:~lª_ção à definição do que é o jeitinho, não ocorr~r~m
;~{F/;,/ grand~s .Y~E!.~5.].~:ª~mtQd.<is:1r2~~Q~E;~~l:?.i~i!i.ti!i21~i~inPr~."
':i;>}:~ . :. utfi~fforn1_a '.'~special, de se r~solye~al&Ul11Probl~~~.R.~. ~!!!*.ê!r~~9
}.~: _~:·:·.:. . ~~!!~1I~~~.Êi9i~l~~i~.9-~-~1na··~-Qi~ÇKQ.-çiiªii~-ª'i~~i.:~!~ci~. ,7.~~-~:
f;r·::::. gêJ:lcia, seja sob af2!fi1a deburla a alguma reg~a O':J:D~,t".ffiª·-BJ;.~~s-
f:):~~i t~h-êiectââ;~~~~ se>lJ -~1Q~ffi;'êí~:f-9.Ê:~~iã.I~2:~~§psi.t~91L4a~Iíi~
~~;:::~:~_·.:. daae':]?:õrtanto~- para que uma deÚ!r~inada situação seja -cônsr-
~;~~r:t derãd; jeito, necessita-se de um aco.ntecimento imprevisto e ad-
.
~~<~:_:' ..r~rso ·aos objetivos do indiyíduo. Para resolvê-la, é necessário
~;;~i~~:. Üma maneira especial, isto é~ eficiente e rápida, para tratar do
:~é;Q.;:;,:/'p~oplema". Não serve qualquer estratégia. A que for adotada
~(:','~~.lll de produzir os resultado~· deseja_dos a curtíssimo prazo. E
ittFt)p.ais, a 11-ão ser estas qualificações, nenhuma outra se faz necessá-
se.
~~r;r· ~j~. para ca~acterizar o jeito. Não importa que a solução encon-
~fi"~~--~\ . tr~da seja definitiva ou não, ideal ou provisória, leg~l ou ilegal.
.,___::...;--__·~-' Embora tenhamos ~entado definir o jeito. de uma forma mais
~~i~>-::. P':l . menos objetiva e sintética, a partir das respostas das pessoas
~~f:(~nt~evist:das, e~ta não.é ~ma categoria ~e contornos tão nít!dos
~~~;,,::::.somo seria de supor, levando-se em conta o alto grau de umfor-
~{:~.~ w.ização das definições.apresentadas. O que é e o que não é jeito
~t~>-'variam bastante. Não existe um elemento sequer que pudésse-
~i:tr mos assinalar cuja presença configuraria uma situação que fosse _
~j{ definida por todos corpo jeito. Sabemos que o jeito se distingue
:~:t!·:.-· de outras categorias afins no' universo social brasileiro como fa-
V; .. •
:::··.:_.. vor e corrupção. Entretanto, é difícil estabelecer o que distingue
j;--_·:·. o jeito do favor ou da corrupção. Sabemos, por várias entrevis-
'. tas, que "jeitinho demais leva à corrupção" e que "não peço favor
..-. a qualquer um", embora não seja necessário se conhecer alguém
:~.:~
42 O JEITINHO BRASILEIRO
·.-_f~•?:· ~~f:::~!~:E:~~~=:E::a:::~~%E~~~~:;;r!
__.··r·:·:
._..,·.f.•.·.".:•:•.:,-::_:·.:
__ .: ~
. :··.,i·:··
.. .. :.·
I I
Embora houvéssemos apontado alguma~/distinçóes que
freqüentemente surgiram, ficou patente que/~m~ota no nível
I de representação simbólica a maioria admitisse uma distinção
entre essas duas categorias, na prática elas se encontram bas-
tante 'misturadas. Posso pedir a alguém para "quebrar o meu
galho'" e não infringir nenhuma regra, como posso pedir um
"favof" a alg-uém e transgredir alguma lei. A própria utilização
de um termo \ou outro também é muito problemática. A esse
respeito, poderemos dizer apenas que, quanto mais de última
44 O JEITINHO BRASILEIRO
I
hora é a situação, mais freqüente será a utilização do termo je;-
to ou "quebra-galho".
Em relação às distinções entre jeito e corrupção, embora ds
representações sejam mais ou menos claras, a prática, como no
caso anterior, encontra-se meio confusa. Para a maioria, o que
distingue um do outro é a existência ou não de alguma vanta-
gem material advinda da situação. Mesmo assim, existem situaf
ções que envolvem algum ganho ma,terial e que não são consi-
deradas corrupção e sim jeito. Por exemplo, dar uma "cerveja('
antecipada ao funcionário do Detran que faz a vistoria do seu
carro, dar um "dinheirinho" ao guarda que resolveu não multar
etc. Embora essas situações envolvam dinheiro, elas o fazem em
pequena quantidade e envolvem também muito "papo". Entre
jeito e corrupção, a distinção que grosso modo poderia ser feita
seria em relação-ao montante de dinheiro envolvido. Enquanto
tudo ficasse no nível da "cerveja", do "cafezinho" e da "gorje-
ta", seria jeito. Quando alcançasse níveis mais altos, adquiriria
matizes de corrupção. E;mbora a prática das pessoas entrevista-
das funcione dentro desses parâmetros, a representaÇão e o sig-
nificado atribuído irão variar de acordo com o discurso adota-
do .. Para as pessoas que atualizam um discurso "erudito" e
"condenatório" do jeito, o montante do dinheiro pesa, mas não _
é um critério absoluto; a transgressão da norma e a pouca credi-
bilidade institucional que a prática do jeito acarreta são consi-
deradas fundameJ;J.tais.
Um último aspecto a ser mencionado, em relação às distin-
ções atribuídas às,dif~~entes categorjas, é que a precisão da dife-
renciação aument~.a-medida que se eleva o nível educacional das
pessoas. Da mesm~ forma que a distinção entre jeito e corrupção
é mais acentuada dependendo do discurs6 das pessoas em re-
lação ao primeiro. Quanto mais favorável for a postura das pes-
soas em relação ao jeito, mais ela o achará distinto de corrupção.
Quanto mais crítico e negativo, mais semelhante.
Por tudo que foi dito anteriormente, ficou patente que, para
a maioria das pessoas, existe uma distinção clara no nível dare-
Navegando em Águas Brasileiras: O Mapa Social do Jeitinho 45
·q·çuido a seu uso. ·P~r outro lado, as pessoas corri um discurso ne-
.. g~~ivo também tendem a identificar situações como jeito, com
·inruor freqüência, pois a·intenção é sempre denunciar tal tipo de
.._~ituação.
. -Entretanto, de modo geral, as pessoas se confessavam usuá-
rias do jeitinho, talvez até mais do que o fizessem, mas o suficien-
·. te para acharem que essa era uma prática comum no cotidiano
brasileiro. Queremos enfatizar, contudo, o fundamental: as pes-·
soas "acreditam" qpe o jeito seja praticado, de forma diária e co-
tidiana, no nosso universo social.
! .
;
1
46 O JEITINHO BRASILEIRO
OS DdMfNIOS DO JÊÍTINHO
A burocracia é. o domínio, por excelência, do dar um jeito, confor-
me a maioria dos informantes. Segundo eles, é nesse setor que
mais freqüentemente se lança mão do expediente. Essa é uma
constatação que não surpreende, tendo em vista a rigidez e o for-
malismo da organização burocrática brasileira. Aqui, procura-se
prever toqas as situações possíveis. Regula-se tudo e todos, exceto
os direitos do Estad~ sobre o indivíduo-cidadão. No Brasil, o
Estado se faz presente a cada etapa de qualquer procedimento bu-
rocrático. Dessa feita, cria-se uma situação paradoxal, para uma
sociedade com setores altamente modernizados e individualistas.
Nela, o Estado deveria atuar apenas como mediador dos conflitos
de interesse, mas ele se toma a encarnação dos princípios hierár-
quicos e h o listas, separando-se inteiramente da sociedade. O Esta-
do desconfia de seus cidadãos e esses, do Estado. O primeiro, por
intermédio do sistema burocrático, checa e recheca cada afirma-
ção de seus usuários; esses vêem-se mergulhados numa rede de
exigências, muitas vezes iricómparlveis umas co~ as. outras.
O interessante é que, para sobreviver dentro desse sistema, a
solução escolhida, o jeito, parte de pressupostos opostos aos que
· norteiam a burocraCia. Enquanto a máquina burocrática é teori-
camente ·racional, impessoal, anônima e faz uso· dé cat:"ego!ias in-
telectUais; o jeito lança mão· de categorias emocionais. Com os
sentimentos, estabelece um espaço pessoal no domínio do im-
pessoal. E sua estratégia depende de fatos opostos ao da burocra-
cia como: simpatia, maneira de falar etc.
Se, por um lado, existe a representação firmemente ~stabele
cida de que no domínio burocrático o dar um jeito e expressões
·afins florescem, na prática, no entanto, verificamos que a sua
presença é registrada com tanta ou até mesmo mais freqüência.
em domínios que não poderiam ser singularizados exclusiva-
mente como burocráticos.
Se é ilustrativa para a nossa análise a indicação dos domínios
em que as pessoas se utilizam mais do jeito, é mais significativo
Navegando em Águas Brasileiras: O Mapa Social do Jeitinho 47
OS IDIOMAS DO JEITINHO
-:·qj~it~, como yimos_ariteriorrn.'ent~; é. riiri elemento "universal-
.>ni'e·n~e , conheqido ria sociedade brasileira. Além disso, em ter-
.fuos de representação simbólica, é· "utilizado" indistintamente
por todos os segmentos sociais e depende, portanto, para con-
_:·:··'~essão e sucesso, de fatores que não faz.em parte da identidade
. _,soCial de ·cada um. A seguir, veremos quais são esses fatores e
. como eles atuam. r.
O primeiro dos elementos considerados na pe~quisa foi o
. sexo das pessoas envolvidas na situação. Segunqo·a ~aiôria dos
entrevistados, independentemente de renda, educàção, status,
:..•.. ::;::.·.
dinheiro etc., o sexo das pessoas influi para·facilitar ou não a ob-
·:·~:. ?. r·· tenção de um jeitinho. Quando da situação participam homens e
mulheres, as coisas ficam mais fáceis. pois nesso;:~.c: rlP ~pvn r. .....,....
48 O JEITINHO BRASILEIRO
A TÉCNICA DO JEITINHO
. :Além das características individuais mencionadas anteriormen-
te," para ser bem-sucedido, o pedido do jeito tem de ser conduzi-
dÓ de determinada maneira. E, para que a situação fique sob con-
. . :. toda uma técnica especial é acionada de forma, em muitos
· c~os, inteiramente consciente por parte de quem pede. A estra-
·..tégi~ u~lizada é sempre envolver emocionalmente no "seu pro-
" a pessoa de quem se depende naquele momento. Para
, procura-se "apelar para os bons sentimentos", "boa vonta-
. e "compreensão" do interlocutor para a "situação". Utili-
( ~-á-se sempre uma argumentação do tipo "chorar miséria,, como
:·;;·disseram várias das pessoas entrevistadas, em que se procura en-
_;·: fatizar a precariedade da situação em que nos encontramos e a
.-."necessid~de "urgente" que se tem de resolvê-la.
· ::·:.: Esse tipo de técnica se torna bastante significativa se levar-
. ~:Os em conta que, no níyel da prática social das pessoas, as dife-
..~·· ·. que iremo·~ observar no tocante aos discursos sobre o jeito
·~~saparecem int~iramente. Esse tipo e forma de argumentação é
.: #o.mum a todos os segmentos estudados. Ter pressa, o trem atra-
... ~~~·;· dois professores marcar:am prova na mesma semana, a fila
:~~~~va I_Il'!.lito grande, não :tinha o livro na bibliote~a, m~ha mãe
.·. ··.:, ··_doe~te, preciso deste papel para ·h:oje etc. são todas justifi-
êáti:vas bastante co~uns e consideradas legítunas por todas as
·_ . pessoas. Se as -~b-servarmo~; contudo, verificaremos que são to- ·
.· :: das justificativas pessoais, pois isolam· quem as usa das demais
P.:~ssoas na mesma ~ituação. São argumentos que procuram
~ranspassar a esf~ra da responsabilidade individual e invadir a es-
. . fera de responsabilidade de terceirqs. Estar com pressa para con-
. ;eguir um documento seria, num universo anglo-saxão, proble-
ma da esfera privada d9 cidadão, não tendo a pessoa encarrega-
da de fornecê-lo nada a ver com isso.
Aqui, entretantó, não só compartilhamos com quem nos
deve fornecer, como também é uma das primeiras coisas a serem
ditas. Compartilhar os problemas pessoais da vida de cada um é
. .. . ··-·-··--· ------
····-····-~·
54 O JEITINHO BRASILEIRO
~
uma fila pela simples razão de que a pessoa que está antes tem
muitas cópias a tirar ou muitas compras a pagar. Essa situaÇão não
111 envolve nenhum critério de eficiência, produtiv~dade etc., por
'1.~
parte de quem presta·: o serviço. Envolve apenas o éritério de
precedênci~ pror o~dem de chegada. Embora seja um critério muito
!·
! usado em det~rn1Ínadas situações, como as mencionadas anterior-
mente, ele nãdé absoluto na ordenação de determinadas situações
na soci~dadclbrasileira, na qual o critério da "necessidade pessoal"
I
r
~;
(digamos assim, na ausência de um termo melhor) é mais impera-
tivo. Portanto, a primeira atitude de quem precisa de alguma coisa
é declinar seus problemas de "ordem pessoal", pois esses lhe da-
rão precedência em relação a quem chegou primeiro.
Jeitinho
. . ·1. Tipo que freqüenta as zonas 1. Expediente ambíguo. Situa-se
. ambíguas da ordem social e . entre o favor considerado
·: J9caliza-se nos lugares honesto e positivamente
.':. irítersticiais da sociedade. caracterizado e a corrupção
desonesta, percebida de forma
negativa.
:; 2. Ser que se situa dentro da 2. Instituição nem legal nem
· classificação nativa entre o ilegal, mas paralegal.
.honesto e o marginal.
· 3. . Vive no mundo da 3. Procedimento social defmido
· ·_'improvisação, do sentimento comq uma forma de criatividade
é;·da criatividade.
:: ..
e de improvisação, criando
espaços pessoais em domínios
imp~ssoais.
4.: Um .ser altamente 4. Processo individualizante;
.mdividualizado seja ·pelo modo baseia-se, para sua eficácia, na
.· .:~e andar, ~alar ou vestir-se. identidade "pessoal, do
indivíduo. ·
·.f'Vive sempre do· e no presente. . 5. Não é unia forma de ação
Não tem um projeto de vida · social planejada. Surge e é
. defin~do. utiÍizada a partir da situação.
F<;>nte: Roberto DaMata (1979) Fonte: Pesquisa realizada.