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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE HUMANIDADES
CURSO DE HISTÓRIA
DISCIP. DE HIST. DO BR. MONÁRQUICO
PROF. DR. ANTONIO DE RUGGIERO
GABRIELLA KNEVITZ

A ESCRAVIDÃO NO BRASIL: A MENTALIDADE SOBRE O SISTEMA


ESCRAVISTA, A VIDA DE ESCRAVO E A INTERFERÊNCIA INGLESA.

2020
APRESENTAÇÃO

Reconhecendo e mostrando aspectos do sistema escravista e a sua indução para


com a sociedade branca e negra da época, faço neste trabalho uma crítica sobre o olhar
que temos hoje sobre a pessoa escravizada, tanto da historiografia e quanto da sociedade
em si. Arriscando cair no anacronismo, mas tentando evitá-lo ao máximo, tento trazer
aqui uma outra perspectiva sobre o escravizado, tentando perceber nele o aspecto
humano e a sua -condição- de escravo, e não condição escravo humano. Acredito que
seja importante culturalmente fazer essa análise nessa perspectiva, sendo relevante para
romper com a estrutura racista que nasceu do histórico da escravidão.

INTRODUÇÃO
A mentalidade social promovida pela atividade da escravidão e pela sua lógica
economicista, favoreceu a cultura da subordinação da pessoa negra, ação cultural
compreendida pela sociedade como sujeita ao determinismo da escravidão. Essa
estrutura social, estabelecida sobre as bases de uma mentalidade de desprezo sobre os
negros, fixou-se também sobre a mentalidade deles, fazendo reger a segregação entre os
próprios escravizados, o que na finalidade acabava dando mais durabilidade a esse tipo
de mão-de-obra. Contudo, a passividade nunca foi a única a ser expressa pelos
escravizados, a atividade de resistência também foi ativa durante todo o período
imperial, mesmo que em diferentes proporções nos diferentes períodos. Para entender a
vida do escravizado é importante estudá-la pelo ponto de vista do escravo, o que
tentaremos fazer aqui a partir do olhar para as condições e aspectos da vida da pessoa
escravizada.
O posicionamento brasileiro frente à pressão inglesa mostra a importância dessa
mão-de-obra para o estado na época e a incapacidade de encarar o escravizado como
indivíduo, isso ocorreu por conta da mentalidade. A longa duração da escravidão no
Brasil, onde se desdobravam as reivindicações pelo direito a ter escravo, a tentativa de
negociação com a Inglaterra, para não saírem prejudicados, e o pertencimento da uma
estrutura social com raízes na escravidão demonstra a incapacidade do país em lidar
com a situação de forma positiva. E, para entender o sistema escravista em sua atividade
no dia a dia, é relevante notar o ponto de partida do senhor de escravo para tratar o seu
escravizado de tal forma.
A ESCRAVIDÃO NO BRASIL
A mentalidade no Brasil sobre o regime escravocrata, no período monárquico,
era moldada por uma lógica economicista pré-capitalista de obtenção de lucros, e uma
das questões pautadas pela historiografia é: “Até que ponto o desmanchar da ordem
escravista no Brasil se confundiu com uma crise política da monarquia (...)” (pg, 18. O
BRASIL IMPERIAL). Partindo isso, é claro que não se pode definir uma resposta
concreta, todavia é importante perceber a notoriedade da carência do aspecto
humanitário na ação abolicionista, que nascia das raízes do pensamento escravista, e por
isso mesmo a abolição só poderia ser encarada como um desastre para o país e sua
econômia. Não se tinha, frente ao escravo, uma percepção de ser humano, apenas se via
tal mercadoria como o que era propriedade, e por isso, ele era submetido ao trabalho
duro e à outros mandos, aos quais deveria aceitar de boa vontade, do contrário, seriam
castigados. Contudo, a condição de escravo não demandava apenas do esforço de
trabalho, pois não sendo protegidos por leis concretas, essas pessoas estavam
condenadas a respeitar qualquer tipo de exigência dos seus senhores. A grande maioria
dos donos de terras tinham escravos e acabavam castigando-os de modo físico, na
maioria das vezes não moderadamente, assim como com humilhações e outras formas,
como se pode notar na seguinte citação: “(...) devido à desproporção entre os sexos, os
senhores costumavam atribuir uma escrava a quatro parceiros e eles que se
arranjassem.” (pg 1, FLORENTINO, Manolo; GOMES, José. 1997). A partir desta
citação, é notório que estando na condição de escravo, esses indivíduos eram obrigados
a viver e limitar suas vidas para aceitar as vontades de seus senhores. Isso não quer
dizer que todos os senhores de escravos baseavam a relação senhor-escravo na
violência, historiadores relataram que existiu senhores que tinham relação com certos
escravos onde não cabia a violência, o controle se fazia psicologicamente, por exemplo
através de acordos de alforria, mas isso não se tratava de uma questão de respeito ou de
tolerância com um ser, mas sim, uma forma de manter maior controle sobre a sua
propriedade. Voltando a citação anterior, mais especificamente sobre a questão da
mulher escravizada, é importante perceber a sua condição que não se daria por
finalizada com a abolição, e, assim como a mutação do tratamento frente a etnia negra,
o tratamento frente a mulher negra adquiriria mudanças vivendo sem o sistema
escravista.
A lógica economicista era baseada no âmbito da maior produtividade, o que era
independente das condições de vida ou da estabilidade do escravo, a importância desse
meio de trabalho era apenas obter lucros para os senhores. Segundo Florentino e
Gomes, “[o tráfico transatlântico] (...) fazendo vir ao Brasil negros em muito boa conta,
possibilitava intensificar a jornada de trabalho do cativo até o seu limite e, logo após,
substituí-lo com facilidade.” (pg, 2. FLORENTINO, Manolo; GOMES, José. 1997).
Nesse sentido, é perceptível que a vida do escravo era apenas limitada ao seu trabalho,
ou seja, a levar lucros e, também, era uma forma estratégica de evitar gastos com certas
despesas, relativas aos cativos que já não produziam tanto. Seria essa uma racionalidade
econômica do senhor, apontado pelos autores como o “homo economicus”. Na lógica da
mentalidade atual, é necessário compreender que para os donos de terras, que viviam
em um período em que o trabalho estava baseado, em grande parte, na mão de obra
escrava, precisavam obter êxitos com as suas plantações, e diante disso era necessário
que pudessem controlar os seus escravos de forma negativa. Frente a isso, “O senhor
escravista, pelo contrário, devia obrigar os eu cativo a trabalhar e a obedecer, se
quisesse continuar dono de coisas e gente.” (pg, 3. FLORENTINO, Manolo; GOMES,
José. 1997). nessa perspectiva, percebe-se que a tendência do pensamento escravocrata
é inevitável, além disso, os aspectos paternalista, racista e conservador faziam presença
na atitude dos proprietários, já que eram parte da forma de mentalidade, podemos notar
isso também na seguinte citação: “É certo que, desejoso de maximizar seus lucros, o
senhor de escravos tendia a adotar um cálculo econômico “moderno”, já que se achava
preso a uma engrenagem econômica ampla sobre a qual exercia desprezível influência.”
(pg, 3. FLORENTINO, Manolo; GOMES, José. 1997).
A VIDA COMO ESCRAVIZADO

1. Condições e relações entre os escravizados


A vida dos escravos não tinha como complicações apenas a relação com o
senhor, o contato amigável entre os escravizados era mais uma impossibilidade do que
uma possibilidade. Isso porque essa divisão entre eles era causada pela lógica do
sistema escravista, visando o seu bom funcionamento. Era preferível um conjunto de
escravos de diferentes origens, línguas, costumes e etnias, para trabalhar nas fazendas,
de forma a distancia-los e, assim, evitar possíveis exaltações organizadas; isolados,
geralmente, os escravos não se encorajavam a se rebelar e eram controlados mais
facilmente, dessa forma, os senhores evitavam maiores problemas. Além das barreiras
impostas pelo sistema escravista, a desunião ocorria também por diferenças pessoais,
além de culturais, que projetava o distanciamento entre escravos, como bem apontou o
autor: “Reunião forçada e penosa de singularidades e desseme lhanças (...). Tê-lo assim,
contudo, significa igualmente a inusitada idéia de que por sobre [palavra não
identificada] este conjunto de disparidades não pairava necessariamente Um poder
maior, capaz a reduzi-lo à unidade.” (pg, 7. FLORENTINO, Manolo; GOMES, José.
1997). Dessa forma, havia nos escravos a dificuldade de aderir a relações, estando ele
imbuído também, muitas vezes, por um forte preconceito e pela competição. A
competição se dava pela busca ou mantimento de lugares privilegiados no modo de
trabalho e na vida escrava, sobre isso o autor aponta:
“Os plantéis, mormente os mais numerosos, deviam assemelhar-se a
lugares privilegiados da dissensão e do conflito. São inúmeros os vestígios
conhecidos das clivagens que apartavam e desuniam a escravaria. Os relatos
dos viajantes são riquíssimas, neste sentido, chamando a atenção para a difícil
convivência entre africanos e crioulos, ou entre os próprios africanos.” (pg, 5.
FLORENTINO, Manolo; GOMES, José. 1997)

Sobre o distanciamento presente, partindo dos escravizados, os negros julgavam


os mulatos, e os viam como “raça maldita”, sustentando essa informação o autor apoia-
se na colocação, da primeira metade do século XIX, de Jean Baptista Debret, que diz:
“na sua crença, Deus a princípio criou apenas o homem branco e o homem negro” (pg,
6. FLORENTINO, Manolo; GOMES, José. 1997). Outrossim, o aspecto importante a
analisar aqui é como a relação entre escravos representava uma ameaça política, ou seja,
as divergências entre os escravos não era apenas um atrativo para os senhores, mas sim,
uma forma de manter o regime potencialmente satisfatório por mais tempo.
“Espécie de meta-nós, era o parentesco escravo a possibilidade e o
cimento da comunidade cativa. Era o solvente imprescindível a senhores e
escravos, por intermédio do qual se tecia a paz das senzalas. Ao cativo, ele
tornava possível esconjurar a anomia, pelo abastecimento de regras através das
quais a vida poderia ser vivida” (pg, 8. FLORENTINO, Manolo; GOMES,
José. 1997)

Referente a citação anterior, autor aponta uma interessante questão sobre a importância
das relações entre escravos. A senzala era o espaço que confinava o escravo (ou, nesse
caso, como disse o autor, o “estrangeiro” isto é, numa perspectiva antropológica) à
solidão, por variadas questões organizacionais do sistema, e, consequentemente,
impossibilitava a aproximação afetiva entre aqueles em condição de escravos. Dessa
forma, é possível perceber que os laços de familiaridades e de amizade, entre os
escravos formavam a união, de pessoas sistematicamente desfavorecidas, que
beneficiava mutuamente os indivíduos por meio da cooperação e do apoio entre eles.
Partindo da importante segregação entre escravos para o escravismo, a questão central
aqui é a discreta, minuciosa e potencial quebra da reprodução estrutural de mão-de-obra
cativa, a partir da formação de vínculo entre os escravizados, que provavelmente
proporcionaria uma força social que poderia se rebelar, e aderir à busca por melhores
condições de vida e até pela liberdade. Na prática, obviamente, traria resultados
graduais, mas o que se deve notar aqui é a potencialidade dessa união.

2. A resistência dos escravizados


Por muito tempo as pessoas escravizadas aceitaram sua condição e, como as
outras pessoas da época, acreditavam que a vida da escravidão era a única compatível
para a sua capacidade, isso confere à mentalidade vigente. Entretanto, apesar da sua
aceitabilidade frente a condição imposta à sua RAÇA, durante o período escravocrata,
principalmente após o período da chegada a família real ao Rio de Janeiro (1808), mas
com mais frequência em meados de 1820, os escravos se rebelaram de diversas formas.
A rebeldia dos escravos dependia muito da sua condição de vida, nesse caso,
curiosamente, os escravizados privilegiados tendiam mais a se rebelar, como apontou
João J. Reis e Eduardo Silva, dependia também do acontecimento da quebra de
costumes ou de vínculo familiar. Agora, mais especificamente sobre as formas de
rebeldia dos escravos, analisemos algumas das diversas que foram praticadas. Individual
ou coletivamente organizadas, optou-se, por roubos, assassinatos, sabotagens, suicídios,
entre outras, essas ações foram percebidas pelos autores como uma ampla resistência
sociocultural. As fugas podiam expressar a reivindicação por razão de quebras de
acordo, por “direitos” cedidos e desrespeitados pelos senhores, ou então a reivindicação
por algo, podendo ser interpretada como uma espécie de greve, cometida
individualmente, ocorrida pela quebra de laços familiares, maus-tratos físicos ou morais
ou pela venda do escravizado para outro senhor. É importante também notar a
importância da formação dos quilombos, que, a partir das fugas de vários escravos,
retratavam a formação um grupo de resistentes, tendo seu estabelecimento nas matas,
podendo ser uma fonte de fortalecimento entre os ex-escravos. Com o crescimento da
mentalidade abolicionista sobre a sociedade, ocorrido desde 1870, mas com grande
influência em 1886, tal que José Reis e Eduardo Silva chamaram de “a quebra do
paradigma”, as fugas se tornaram muito mais frequentes, os escravizados são mais
impulsionados a tentar a sua vida nas cidades, apoiando-se no seu trabalho. Com a
propaganda abolicionista, a abolição progressiva, os indivíduos da sociedade acabam
por apoiar os escravos e condenar quem ainda forçava esse tipo de sistema, exemplo
disso é a própria polícia. Para entender a intensidade das reivindicações por liberdade,
pelos escravos, e a adesão da sociedade sobre essa camada, observemos a seguinte
citação:
“Santos, uma cidade portuária transformava-se na Meca debandados.
A área vizinha de Cubatão e o quilombo do Jabaquara (...) eram exemplos
vivos da quebra do paradigma tradicional e, nesse sentido, de um tipo
qualitativamente novo de resistência, que (p. 72) poderíamos chamar
“quilombo abolicionista”. Os quilombolas, que chegam a 10 mil, ergueram
seus barracos com dinheiro recolhido entre comerciantes. A população local,
inclusive mulheres, protege o quilombo das investidas policiais e parece “tirar
da façanha” – como escreveu Emília Viotti – verdadeiro “padrão de glória”.”
(pg, 8. REIS, João José; SILVA, Eduardo. 1989)
A ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO: A QUESTÃO DOS INTERESSES E
PERSPECTIVAS
A escravidão no Brasil duraria até meados da segunda metade do século XIX,
sendo o último país no mundo a adotar a abolição. A elite, classe que dominava os
debates políticos, não se questionavam eticamente sobre o contexto escravocrata, já que
aos olhos da sociedade, o único papel que os escravizados compunham era o do trabalho
braçal. E, a escravidão, sendo uma das peças principais da sobrevivência econômica
brasileira e um sistema de tantos anos, fazia parte da estrutura social e econômica da
época. Leis como Eusébio de Queiroz, de 1850, do Ventre Livre, de 1871, dos
Sexagenários, de 1885, demonstram a efetividade da pressão britânica, e do “ “temor
salutar” das revoltas dos africanos” (pg, 20. Texto 7) juntamente com a vontade de
atrasar a abolição. A efetivação da abolição na legislação brasileira, através da Lei
Áurea, de 1888, na verdade, demonstra no documento o resultado da ação inglesa,
fixando o decreto em um parágrafo e com apenas dois artigos, determinando apenas e só
o fim do sistema escravista.
“Art. 1º: É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no
Brasil.
Art. 2º: Revogam-se as disposições em contrário.”
(Lei Áurea, 1888)

Hebe Mattos demonstra muito bem muito bem o sentido e a repercussão disso no
contexto pós escravista. A autora aponta que a abolição não levou à emancipação
gradual, pelo contrário, deixou a população liberta presa em uma cadeia caracterizada
pelo subdesenvolvimento, e em um sistema de segregação e subordinação. Para isso, se
efetivou a gramática racial e leis que faziam a classificação e hierarquização da
escravaria, efetivando uma estrutura que diferenciava os negros, percebidos como
adversos da sociedade branca. Por isso, com bem apontou a autora, a cidadania ficou
restrita aos brancos, e quando se refere aos negros, a cidadania ficou relacionada a raça.
Fazendo um parêntese agora, essa questão pautada por Mattos, é muito válida na
atualidade, já que esse foi o caminho para onde estamos; seria as condições dos negros
de hoje análogas a escravidão, particularmente, eu percebo que sim. Contudo, é
necessário ressaltar que esse posicionamento, que acompanhava o feito da abolição, se
dava por uma questão de uma estrutura social muito rígida, onde todos, até mesmo os
escravizados, entendiam que isso ocorria por uma questão determinista.
O século XIX seria um período conturbado para o governo e para a elite
brasileira, já que se desdobrava o século de reivindicação pelo abolicionismo. A
resposta do Brasil à Inglaterra nesse contexto, era de forma a permanecer com a
escravidão o máximo possível, mas tentando agradar de alguma forma os ingleses, já
que se tratava de uma questão decisiva para o país, tanto economicamente quanto
socialmente. Exemplo disso é que, por volta de 1810, o Brasil havia entrado em acordo
com a Inglaterra, tal visava a limitação do comércio de escravos nos domínios
portugueses, mas as ações do imperador ficaram na teoria, pois na prática, a chegada
dos escravos aumentou; essa medida, assim como outras tomadas, foi chamada por
historiadores posteriormente de “para inglês ver”, e até 1820, o comportamento
brasileiro foi de imobilidade e desprezo frente ao abolicionismo. Em 1823, havia grupos
políticos brasileiros moderados que incentivavam a abolição, mas apoiavam que deveria
acorrer de forma gradual e segura, de forma a não prejudicar o país, já que os cativos
compunham a base da mão de obra e, por tanto, da economia brasileira. Esse debate
gerou divergências na elite política.
Segundo Jaime Rodrigues, a questão da importância do trabalho escravo referia-
se principalmente à agricultura, que precisava da mão de obra escrava, já que no
momento, era a única existente: “Desejaria a Comissão que principiasse desde já esta
proibição; mas considerando quanto a lavoura e os principais estabelecimentos
mananciais de riqueza do Brasil estão dependentes dos braços escravos[...] convém em
que é necessário tolerar-se de quatorze anos, como propõe o autor do projeto.” (pg, 102.
O INFAME COMÉRCIO, 1994), tal questão nunca foi reconhecida pelo governo
britânico. Analisando agora a questão da sobrevivência econômica brasileira, é possível
entender o seu descaso com a abolição, nos moldes da população branca daquela época,
já que se tratava de uma questão nacional. O ato inglês exigia que a abolição fosse
também tomada pelo Brasil, já que o resto dos países aceitaram, e nesse caso, para a
Inglaterra, a questão era do seu pertencimento como soberania nacional e de não
parecer, aos olhos do mundo, que davam preferência à América do Sul, por tanto, a
pressão britânica foi muito mais pesada ao Brasil, que se tornava resistente. O Brasil
tentou negociar com a Inglaterra, pedindo que tivesse preferência no mercado britânico,
assim como pediu a revogação da taxa de 15% sobre a importação dos produtos da
Inglaterra para o Brasil.
Outrossim, em relação ao posicionamento britânico, o abolicionismo se tornou
um dos símbolos de sua identidade no início do XIX, entretanto, o seu interesse na
abolição, parece não estar presente em uma questão humanitária, mas sim, não só
decorria de uma evolução nos debates racionalistas que decorriam, como de um
interesse de reafirmação de sua soberania. Em torno da questão abolicionista, é
interessante perceber que outros países, como por exemplo os Estados Unidos com os
nortistas, estavam interessados na abolição por uma questão de lógica capitalista, ou
seja, no aumento do número da população consumista e pela mão de obra barata. No
Brasil, a pressão inglesa teria resultados por volta de 1950, mas abolição era não era um
interesse, mas sim uma saída para o fim da pressão inglesa e para o comércio
internacional, além do reconhecimento de independência do Brasil pelos ingleses. Dessa
forma, em um âmbito global, é notório que o abolicionismo poderia refletir em diversos
interesses, muitas vezes ligado a resultados economicamente positivos para o país,
numa época em que o liberalismo era uma influência, o interesse econômico mais ainda
engajaria o contexto mundial.
Para o Brasil, o confronto entre os países também tocava na questão na
soberania, envolvendo os interesses, a honra, a dignidade e a sua independência: “[...] o
comércio de escravos deve acabar, mas deve acabar quando assim o quiser a nação
brasileira, livre, soberana e independente dos caprichos e da vontade do governo de
Inglaterra.” (pg, 106. O INFAME COMÉRCIO). Foi reconhecido que a pressão inglesa
era uma ameaça à nação brasileira e no debate dentro da Câmara Legislativa, falou-se
em tomar a decisão sem a interferência; sendo assim, é notório que havia um choque
entre questão do fim do tráfico e o projeto de “nação”. Outrossim, a perda da
propriedade (o escravo) causou prejuízo e ressentimento aos senhores, que entendiam o
trabalho escravo como um direito inquestionável, tal causou repercussões no uso dessa
mão-de-obra pelos senhores, já que se encontrava ameaçada e suscetível de punição. E o
aderir de “trabalhadores” ex-escravos que eram pagos com uma quantia miserável, foi
uma forma de aderir a abolição sem encontrar-se tão prejudicado. Dentre os tratados
abolicionistas, o de 1831 visava pena e julgamento dos infratores no tribunal
estrangeiro, pelo descumprimento à lei de proibição do tráfico, isso gerou uma aliança
entre os senhores, os traficantes e as autoridades do Império. Em 1841, com a
resistência brasileira, os traficantes ficaram sob jurisdição de um tribunal especial,
enquanto os senhores ficariam na alçada da justiça comum, essa medida foi melhor
aceita pelos senhores, depois disso a resistência dos senhores foi muito menor. O autor
aponta que por esses motivos, assim como pela adesão cada vez maior da mão de obra
do imigrante, a abolição do tráfico ocorreu após 1850, em vez de 1831:
“Alinhei até aqui diversas motivações para tentar compreender por
que o fim do tráfico ocorreu depois de 1850 e não após 1831. Entre essas
motivações, encontrava-se: a maior coesão de parcelas da elite política; o
esgotamento do projeto de construção do mercado de mão-de-obra, baseado
exclusivamente no escravo como alicerce da produção; o vínculo estreito entre
“corrupção dos costumes” e a escravidão; a manutenção do direito de
propriedade existente; a pressão inglesa e a necessidade de garantir soberania
perante ela.” (pg, 118. O INFAME COMÉRCIO).
BIBLIOGRAFIA

LEI ÁUREA, 1888.


RODRIGUES, Jaime. O INFAME COMÉRCIO. Campinas. Edit.: Unicamp, 1994.
GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O BRASIL IMPERIAL. Rio de Janeiro. Edit.:
Civilização Brasileira, 2010
REIS, João José; SILVA, Eduardo. NEGOCIAÇÃO E CONFLITO: A RESIS
TÊMCIA NEGRA NO BRASIL ESCRAVISTA. São Paulo. Edit.: Companhia das
Letras, 1989.
FLORENTINO, Manolo; GOES, José Roberto. A PAZ NAS SENZALAS:
FAMÍLIAS ESCRAVAS E O TRÁFICO ATLÂNTICO. Rio de Janeiro. Edit.:
Civilização Brasileira, 1997.
AULAS DE HISTÓRIA DO BRASIL MONÁRQUICO DO PROF. ANTÔNIO DE
RUGGIERO.

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