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O MODELO AS/AD:

BREVE DESCRIÇÃO

Vitor Manuel Carvalho


1G202 – Macroeconomia I
Ano lectivo 2008/09
O Modelo AS/AD: Breve Descrição

NOTA PRÉVIA
Este texto tem por objectivo ilustrar, de forma muito simples, uma estruturação básica do
modelo AS/AD. A sua leitura deverá ser acompanhada pela leitura dos capítulos 12 e 13 do
livro adoptado na disciplina: Michael Burda e Charles Wyplosz (2005), Macroeconomics –
A European Text, 4rd ed., Oxford University Press. Deverá ser tido em consideração que
nas aulas apenas foi feita a estruturação e aplicação do modelo AS/AD para o caso de uma
grande economia aberta ao exterior.

O MODELO AS/AD
A passagem do modelo IS/LM para o modelo AS/AD implica o abandono de um dos
pressupostos mais fortes do modelo: o facto dos preços dos bens e serviços serem fixos. Ao
abdicarmos deste pressuposto estamos a proporcionar ao modelo um horizonte temporal de
análise bastante mais alargado, que irá desde o curto prazo, caracterizado por alguma
rigidez de preços e salários1, até ao longo prazo, onde preços e salários são geralmente
tidos como perfeitamente flexíveis.

O facto dos preços passarem a ser variáveis resulta na introdução de uma nova variável
fundamental no modelo, a taxa de inflação, implicando a rejeição da curva da oferta
agregada subjacente ao modelo IS/LM, a qual é horizontal (perfeitamente elástica), e de
tudo o que a mesma representa, nomeadamente a subjugação da oferta à procura de bens e
serviços, deixando os produtores de responder passivamente a alterações na procura. O
abandono do pressuposto da rigidez total de preços vai levar-nos a estudar algo que até ao
momento tinha sido negligenciado no nosso plano lectivo: o lado da oferta de uma
economia e a formação dos preços dos bens e serviços.

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A rigidez dos preços dos bens e serviços e dos salários é usualmente justificada na literatura com a
existência de custos de ajustamento, vulgarmente designados por custos de menu, e de contratos que devem
ser cumpridos. Os custos de menu são geralmente identificados com custos de impressão e distribuição de
novas tabelas de preços, custos administrativos inerentes ao processo de decisão dos novos preços e custos
relacionados com possíveis alterações ao nível da carteira de clientes.

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A CURVA DA OFERTA AGREGADA (AS)


Sabendo que os preços podem variar, como podemos derivar a curva da oferta agregada?
A forma mais simples de derivarmos a curva da oferta agregada (AS) será através da
conjugação da Lei de Okun com a evidência da Curva de Phillips.

A Lei de Okun diz-nos que tende a existir uma relação inversa entre as variações da
procura de bens e serviços, e consequentemente do produto, e as variações do desemprego,
uma vez que um aumento da procura gera uma necessidade de resposta por parte da oferta,
o que implica o aumento da utilização dos diferentes factores produtivos, incluindo o
trabalho. Logo, um aumento da procura de bens e serviços tende a gerar um aumento do
emprego, ou seja uma diminuição do desemprego. Genericamente a Lei de Okun poderá
representar-se da seguinte forma:
_ _
U − U = −g (Y − Y) , g’(⋅) > 0, (1)
_ _
onde (U − U) representa os desvios do desemprego face ao desemprego natural, e (Y − Y)
os desvios do produto relativamente ao produto de pleno emprego, o que geralmente se
designa por output gap.

Por sua vez, a Curva de Phillips é uma relação empírica, descoberta em finais da década de
50 do século XX, que tem por base uma correlação negativa entre as variações do
desemprego e as variações dos salários nominais. A partir dos estudos originais de A.W.
Phillips, evoluiu-se para uma relação entre variações do desemprego e inflação (π) do tipo:
_
π = −h (U − U) , h’(⋅) > 0 . (2)

A conjugação da Lei de Okun (1) com a Curva de Phillips (2) permite-nos afirmar que:
_ _
π = −h {−g (Y − Y)} ⇒ π = f (Y − Y) , f’(⋅) > 0 , (3)

ou seja, existe uma relação positiva entre o output gap e a inflação. Um aumento na oferta
de bens e serviços, traduz-se, tudo o resto constante, num aumento do output gap que,

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através da Lei de Okun, implica uma redução do desemprego relativamente ao seu nível
natural tendendo, se acreditarmos na Curva de Phillips, a elevar o valor da inflação. Eis a
lógica desta curva da oferta agregada, a qual é, como facilmente percebemos, positivamente
inclinada (figura nº 1).

Figura nº 1: A curva da oferta agregada (AS)


inflação

AS

Y-Y

Esta será a curva AS que vamos utilizar no nosso modelo?


Não. A Curva de Phillips não foi bem aceite por todos, sendo posta em causa, pouco após
ter sido descoberta, por alguns autores, entre os quais se destaca Milton Friedman. Porém,
até ao dealbar da década de 70 a lógica empírica da Curva de Phillips parecia ajustar-se
correctamente à realidade das economias. Foi nesta década do século passado que a
estrutura empírica de Phillips se desvanece, coincidindo com um período de estagflação
(aumentos simultâneos da inflação e do desemprego) que afecta as principais economias
mundiais na sequência do primeiro choque petrolífero. Sendo a Curva de Phillips
questionada, também o é a curva AS que derivámos atrás.

O que aconteceu à Curva de Phillips?


Perante as dificuldades de conjugação com o contexto macroeconómico dos anos 70, a
Curva de Phillips foi reestruturada de forma a conseguir explicar a nova evidência
empírica, nomeadamente a questão da estagflação. A reformulação da Curva de Phillips

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originou o que se costuma designar pela Curva de Phillips Aumentada (pelas expectativas e
pelos choques na oferta):

___

πt = πe − b (U − U) + s (4)

De acordo com esta nova formulação, para além de uma relação inversa entre inflação e
variações do desemprego, quer as expectativas de inflação que os choques na oferta têm um
papel importante na determinação da taxa de inflação.

Quando falamos de expectativas de inflação, pensamos prioritariamente na inflação


subjacente às negociações salariais, factor determinante na evolução dos salários nominais
e consequentemente dos preços dos bens e serviços. Daí πe ser usualmente designada por
inflação subjacente. Note-se que o processo gerador da inflação acaba por ser um processo
circular, uma vez que o verdadeiro valor da taxa de inflação acaba por estar directamente
relacionado com o seu valor esperado que é utilizado nas negociações salariais. A lógica
deste encadeamento reside no facto de uma inflação subjacente superior gerar subidas
superiores dos salários nominais, que induzirão maiores custos de produção e
consequentemente o aumento generalizado dos preços, acabando por se traduzir num maior
valor da inflação.

Uma questão pertinente que poderá surgir respeita ao processo de formação da inflação
subjacente. Numa abordagem muito simples à questão, podemos referir que o processo de
formação de expectativas para a inflação subjacente às negociações salariais engloba, numa
lógica inerente à utilização de expectativas racionais, dois tipos de análise: uma, que é
usualmente designada por forward looking, onde os agentes envolvidos procuram olhar
para o futuro, tentando prever a influência da evolução futura esperada da economia sobre
o valor da inflação, gerando uma parcela esperada da inflação subjacente; outra, baseada
numa análise backward looking, onde os agentes olham para o passado, procurando corrigir
os erros cometidos nas previsões então elaboradas, gerando uma parcela indexada da
inflação subjacente.

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Choques na oferta (s) referem-se a alterações anormais e significativas dos custos de


produção, particularmente dos chamados “custos não laborais”, isto é, custos directamente
relacionados com outros factores produtivos para além do factor trabalho, como os custos
do capital ou a terra, os custos das matérias primas e subsidiárias, etc. Um exemplo típico
destes choques exógenos na oferta são os choques petrolíferos que consistem num aumento
súbito e significativo dos preços dos produtos petrolíferos, que alteram substancialmente as
condições de custo da generalidade das empresas.

Então qual é a “verdadeira” Curva da Oferta Agregada?


Conjugando a Curva de Phillips Aumentada (4) e a Lei de Okun (1), obtemos a
“verdadeira” Curva da Oferta Agregada de curto prazo (Ascp) (figura nº 2).
___

πt = πe + a (Y − Y) + s (5)

Figura nº 2: A curva da oferta agregada


de curto prazo (AScp)
Inflação

ASc p

Y-Y

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A CURVA DA OFERTA AGREGADA (AS) − O CURTO E O LONGO PRAZO


Quais são as principais características da curva da Oferta Agregada de curto prazo
(AScp)?
Como podemos observar na representação da expressão (5) na figura nº 2, a curva AScp
apresenta, tal como esperaríamos, uma inclinação positiva, definida pela função a, que está
intimamente relacionada com a reacção da taxa de inflação à situação conjuntural do
mercado de trabalho, definida a partir dos desvios da taxa de desemprego face à taxa de
desemprego natural. Genericamente, a inclinação da AScp pode explicar-se pela reacção dos
salários a alterações no mercado de trabalho, ou seja, uma diminuição da taxa de
desemprego face ao seu nível de equilíbrio, que, pela Lei de Okun, significa um aumento
do produto face ao seu nível potencial, tende a aumentar o poder negocial dos sindicatos,
que procurarão repercurtir esse facto num aumento da margem salarial. O aumento dos
salários daí resultante aumentará os custos de produção e tenderá a ser repercutido sobre os
preços de venda e, portanto, a resultar num aumento da inflação, explicando a inclinação
positiva da AScp.

Por outro lado, note-se que alterações na posição da AScp, ou seja deslocações para cima
(esquerda) ou para baixo (direita) da mesma, estão directamente relacionadas com
alterações da inflação subjacente e com a eventual ocorrência de choques da oferta. Um
aumento nas expectativas da inflação subjacente às negociações salariais e/ou a ocorrência
de um choque da oferta que agrave os custos de produção, será algo que, para um mesmo
nível de produção, tenderá a agravar os preços de venda e, consequentemente, a inflação,
resultando numa deslocação para cima (esquerda) da AScp.

Mas, se estamos a falar da curva AS de curto prazo, certamente existirá uma de longo
prazo. Como será representada essa ASLP?
Como sabemos, no longo prazo o produto tende a convergir para o seu nível de pleno
emprego, o que, tendo em atenção a estrutura da AS, equivale a assumirmos que o longo
prazo será caracterizado pela total ausência de incerteza, que se reflectirá no facto da
inflação subjacente igualar a inflação efectivamente verificada, e pela ausência de choques

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na oferta (s = 0). Nesta situação, a curva AS transforma-se numa recta vertical, que
designaremos por ASLP, expressa por:

___ ___

Y = Y ⇔ (Y − Y) = 0 (6)

Comparando as curvas de curto e longo prazo (figura nº 3), concluímos que enquanto no
longo prazo o produto estará sempre ao nível correspondente ao pleno emprego dos
factores, sendo admissíveis apenas variações ao nível da taxa de inflação, no curto prazo o
produto pode flutuar em torno do seu nível potencial, sendo essas flutuações acompanhadas
por eventuais alterações da inflação.

Figura nº 3: A curva da oferta agregada (AS)


no curto e no longo prazo
inflação
AS LP
AS cp

_
0 Y- Y

Uma vez definidas as curvas da oferta agregada de curto e longo prazo, vamos agora
concentrarmo-nos no estudo da procura agregada, procurando definir a curva AD.

O LADO DA PROCURA E A CURVA DA PROCURA AGREGADA (AD)


Vimos que o modelo IS/LM representava o lado da procura de uma economia, tendo por
base que a oferta se ajustaria ao nível desejado da procura. Como tal, será possível
utilizar esse modelo para a dedução da curva da procura agregada?
A dedução da curva representativa da procura agregada de curto prazo (AD) terá como
ponto de partida, exactamente, o modelo IS/LM, passando a considerar a possibilidade de

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variação contínua dos preços, ou seja, introduzindo uma nova variável: a taxa de inflação.
Tendo subjacente a reacção do lado da procura de uma economia face a alterações da taxa
de inflação, a curva AD que vamos deduzir representa o conjunto das diferentes
combinações entre valores da inflação e do gap do produto que garantem o equilíbrio
simultâneo dos diferentes mercados que constituem essa economia, ou seja que garantem o
equilíbrio geral do modelo IS/LM. A dedução da curva AD que iremos fazer tem como
pressuposto que estamos perante um grande economia aberta.

Então, como se deduz a AD?


A curva AD traduz a relação entre inflação e a variação da quantidade procurada, a qual
pode ser obtida recorrendo aos efeitos que alterações da inflação geram no modelo IS/LM.
Observando a figura nº 4, o painel superior representa uma situação de equilíbrio
conjuntural numa grande economia aberta associada a uma taxa de inflação π0. Ou seja,
para uma inflação π0, o produto de equilíbrio será Y0. A partir daqui derivamos um
primeiro ponto da curva AD. Se em vez de π0 a inflação fosse superior (π1, por exemplo), o
stock real de moeda tenderia a decrescer a um ritmo mais acentuado, gerando a deslocação
para a esquerda da curva LM e portanto uma diminuição do produto (ou mais
concretamente da taxa de crescimento do produto e, portanto, do gap do produto).
Combinando a inflação π1 com o novo gap obtemos um segundo ponto da AD.

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Figura nº 4: Dedução da curva da procura agregada

i
LM1 (inf1)
LM0 (inf0)

E1
E0

IS0

Y1 Y0 Y

inflação

E'1
inf1

inf0 E'0

AD

Y1 -Y Y0-Y Y-Y

Desta forma concluímos que, numa grande economia aberta, a curva AD tem uma
inclinação negativa pois um aumento da inflação, ao reduzir a oferta real de moeda e,
consequentemente, ao determinar um nível superior para a taxa de juro, tende a provocar
uma diminuição da procura agregada. Se em vez de considerarmos uma grande economia
aberta, considerarmos uma pequena economia aberta, seja num regime de câmbios fixos,
seja num regime de câmbios flexíveis, chegaremos à conclusão que a curva AD é sempre
negativamente inclinada.

Já vimos que a curva AD tem uma inclinação negativa. Mas que factores determinam
possíveis deslocações da AD?

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Relativamente a deslocações da AD, poderemos dizer que esta curva se deslocará sempre
que se deslocam a IS e/ou a LM, excepto quando as deslocações destas curvas são
originadas, como vimos atrás, por alterações da inflação (sendo a inflação uma variável
endógena da AD, uma alteração desta variável originará uma deslocação ao longo da AD).
Como vimos quando analisámos o modelo IS/LM, as deslocações destas duas curvas
estavam dependentes de uma série de alterações, entre as quais se destacam aquelas que
resultam de políticas activas de gestão da procura, nomeadamente de políticas orçamentais
(alterações ao nível dos gastos públicos, dos impostos ou das transferências do sector
público para o sector privado) e monetárias (alterações da oferta nominal de moeda).
Sempre que estamos perante uma política de gestão da procura expansionista, a deslocação
para a direita da IS e/ou da LM, fará deslocar a AD em igual sentido. Políticas
contraccionistas farão deslocar a AD para a esquerda. Também não devemos esquecer que
estas deslocações da AD podem resultar de choques específicos sobre as diferentes
componentes da procura agregada.

O EQUILÍBRIO GERAL NO MODELO AS/AD


Será que podemos falar em equilíbrio geral no modelo AS/AD, à semelhança do que foi
feito no modelo IS/LM?
Claro que sim! O equilíbrio geral no modelo AS/AD deriva da intersecção das duas curvas
do modelo, ou seja da igualdade entre a oferta agregada e a procura agregada, como
podemos ver na figura nº 5. Dada a forma de derivação das curvas do modelo, este
equilíbrio tem subjacente um equilíbrio geral também no modelo IS/LM. Tendo em atenção
que derivámos duas curvas AS, também podemos definir dois tipos de equilíbrio geral: de
curto prazo, definido entre a AD e a AScp; e de longo prazo, definido pela AD e a ASLP.

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Figura nº 5: Equilíbrio no modelo AS/AD


inflação
ASL P
AScp

e
inflação

AD

0 Y-Y

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