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Psicologia do Trânsito: reflexões sobre os fundamentos da avaliação psicológica

nesse campo do saber1

Amanda Guerra2
Jade Caroline Leite3
Jorge Lira4
Lysandrez Ferreira5
Maria Estela Assis6
Wellington Azevedo7

1. O trânsito e a sua importância no contexto social: considerações iniciais

O fenômeno trânsito, no contexto mundial, tem sido alvo de preocupações em


função da proporção alarmante de acidentes e das consequências na vida das pessoas
envolvidas nesses eventos, além das questões climáticas e de saúde pública implicadas
nessa problemática.
No Brasil, mais especificamente, temos assistido a histórias muito desoladoras de
pessoas que perderam suas vidas, fruto da imprudência de condutores, seja pelo uso
de bebidas alcóolicas ao volante, seja pela direção imprudente, o que torna,
extremamente, relevante refletir sobre essa problemática à luz da Psicologia do
Trânsito.
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia, no documento Caderno de
Psicologia do Trânsito e Compromisso Social (2000, p.9), compreendem que toda a
prática pedagógica deve se respaldar na ética e na cientificidade e na responsabilidade
social, por isso, a importância do psicólogo, no que diz respeito à área do trânsito, para
atestar a “aptidão” do condutor e validar a atuação dos motoristas atuais, considerando
que a vida de milhões de pessoas que circulam, cotidianamente, por entre ruas e
rodovias. Nesse sentido, o psicólogo do trânsito se configura, na sua atuação,
corresponsável por cada cidadão que é habilitado para guiar um veículo. Assim,
Oferecer um serviço de qualidade à população como um todo implica
cercar-se de todos os recursos técnicos necessários para se ter certeza
de que aquele que obtém e mantém uma carteira de habilitação, foi,

1
Trabalho apresentado ao professor Carlos Henrique Freira da disciplina Fundamentos da Avaliação
Psicológica, como requisito para composição da primeira nota da 1ª. AV.
2
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
3
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
4
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
5
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
6
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
7
Discente do curso de Psicologia, da Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA).
naquele momento, avaliado dentro de rigorosos critérios (CPF, 2000,
p.9)

2. Notas sobre a Psicologia do Trânsito

A psicologia aplicada ao trânsito, no contexto brasileiro, remete aos anos 30, do século
passado, em função das demandas econômicas do país. Para isso, deram-se início às
primeiras “aplicações de instrumentos psicológicos de orientação e seleção profissional dos
profissionais (CRISTO e SILVA e ALCHIERI, 2007, p. 189) que iriam trabalhar nas
ferrovias em São Paulo. Em função da necessidade de desenvolver e implementar medidas
de prevenção para buscar solucionar os graves problemas de segurança e de saúde, advindos
do surgimento de automóveis caminhões, emerge a contratação de psicólogos pelo Detran-
RJ.
Vale destacar que os Departamentos de Trânsito, enquanto parte integrante do
Sistema Nacional de Trânsito, foram criados em 09/1966, pelo Decreto-lei 5.108. Houve
uma modificação dessa regulamentação pelo Decreto-lei no. 237, efetivamente,
regulamentado, em 1968, pelo Decreto-lei 62.127, de modo que essa nova organização
permitiu que cada Estado brasileiro criasse seu próprio Detran. Esse novo marco legal
exigiu que cada Detran dispusesse de um conjunto de serviços para cumprimento de suas
atribuições, dentre eles, o serviço médico e psicotécnico (CRISTO e SILVA e
GÜNTHER, 2009).
Esta exigência reconheceu a importância dos fatores psicológicos na
segurança viária, principalmente, para serem avaliados no processo de
habilitação; além do mais, ampliou o mercado de trabalho para o
psicólogo, cuja profissão havia sido regulamentada em 1964 (CRISTO
e SILVA e GÜNTHER, 2009).
.
Nesse sentido, na atualidade, no contexto do trânsito, ainda se tem uma ideia
equivocada de que o psicólogo cumpre a exclusiva função de aplicador de testes, quando,
de verdade, sua atuação, em nível macro, é, fundamentalmente, voltada ao bem-estar das
pessoas, compreendendo o porquê de terem acontecido tais acidentes, projetando novas
medidas de prevenção para que não voltem a ocorrer. Para tanto, busca na avaliação
psicológica, diagnosticar se o condutor possui as habilidades necessárias para conduzir um
veículo (FONTANA e FEGADOLLI, 2016, p.41).
Nessa direção, a Psicologia do Trânsito é vista como um campo disciplinar que
dialoga com outras subáreas da Psicologia e com outras áreas do conhecimento, podendo
ser definida sob duas perspectivas: a) uma área da Psicologia que investiga “os
comportamentos humanos no trânsito e os fatores e processos externos e internos,
conscientes e inconscientes que os provocam ou os alertam” (ROZESTRAN, 1999, p.9);
b) um campo multidisciplinar: por envolver um interface com diversas vertentes da
Psicologia, como a Psicologia Ambiental e a Psicologia Social e áreas afins (CFP, 2009).

3. Normas e procedimentos para a perícia psicológica no contexto do trânsito: a


Resolução no. 1, de 07 de fevereiro de 2019.

O dispositivo legal acima supracitado afirma que os candidatos à Carteira


Nacional de Habilitação (CNH) e condutores de veículos automotores será realizada nos
padrões de uma avaliação psicológica, em seu Artigo 1, inciso 1º.
O documento, vai, ainda, definir a perícia psicológica como sendo uma avaliação
psicológica direcionada a responder uma demanda legal específica (BRASIL, 2019, p.2).

É um fenômeno técnico-cientifico de coleta de dados, estudos e


interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos,
que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-
se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e
instrumentos – reconhecidas pela Psicologia. No contexto do trânsito,
ela deve ser realizada por psicóloga (o) qualificada (o) no assunto
(BRASIL, 2019, p.2).
Ademais, nesse documento, são instituídas as habilidades mínimas do candidato
à CNH e do condutor de veículos automotores, as quais deverão ser avaliadas: aspectos
cognitivos; quanto ao juízo crítico/comportamento, por meio de entrevista e de criação de
situações hipotéticas que tratem de reações/decisões adequadas às situações no trânsito,
tempo de reação, percepção de comportamentos adequados ações no trânsito; quanto aos
traços de personalidade.
Nessa Resolução também são deliberados os instrumentos a serem utilizados na
avaliação psicológica, ficando a cargo do psicólogo a decisão de quais testes psicológicos
serão usados na Perícia Psicológica, desde que com o parecer favorável do Sistema de
Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Esse documento caracteriza dos instrumentos de avaliação: a entrevista
psicológica, cuja finalidade é possibilitar ao psicólogo os subsídios técnicos sobre
conduta, comportamentos, conceitos, valores e opiniões dos candidatos; o teste
psicológico, visto como uma medida objetiva e padronizada de uma amostra do
comportamento do sujeito, possuindo a função fundamental de mensurar diferenças ou
mesmo semelhanças entre indivíduos ou entre as reações do mesmo indivíduo em
momentos distintos (BRASIL, 2019, p.3).
Nesse texto de lei, há as prescrições quanto à aplicação dos testes psicológicos: a)
atender com rigor as instruções contidas nos seus manuais; b) não usar cópias
reprográficas ou originais com baixa qualidade de impressão para não incidir em postura
antiética; c) estabelecer o rapport antes da aplicação dos testes; d) durante o rapport,
identificar as condições físicas e psíquicas do candidato examinado; e) observar aspectos
de funcionalidade no caso de pessoas com deficiência; f) registrar as observações do
comportamento durante a aplicação dos testes psicológicos; g) observar as condições do
ambiente na aplicação dos testes.

4. Avaliação psicológica no contexto do trânsito: revisão de pesquisas entre 2006 e


2015
No estudo investigado, feito nas bases de dados PEPSIC, SCIELO e LILACS, foi
constatado que o maior número de estudos se refere à investigação das propriedades
psicométricas dos testes usados na avaliação (SILVA, ALVES e ROSA, 2015)

AUTORES FENÔMENO TESTE UTILIZADO

Rueda (2006) Relação entre a memória e a Teste Pictórico de Memória


inteligência em 51 candidatos à (TEPIC-M) e o Teste Conciso
obtenção da CNH, com idade de Raciocínio (TCR)
variando entre 18 e 33 anos.
Rueda e Lamounier (2006 Diferenças em relação ao sexo, Teste PMK (Psicodiagnóstico
escolaridade e idade em 126 Miocinético)
candidatos à obtenção da CNH,
com idade entre 18 e 55 anos
Já Raad, Cardoso, Nascimento e Efeito que a ansiedade poderia Escala de Ansiedade do
Alves (2008) ter sobre os candidatos à Inventário Beck (BAI) em 54
Carteira Nacional de pessoas que pleiteavam a CNH,
Habilitação - CNH na realização com idade variando entre 18 e
da prova teórica-técnica e da 29 anos.
prova de prática veicular
Rueda e Gurgel (2008) Possíveis diferenças no Teste de Teste de Atenção Concentrada
Atenção Concentrada (TEACO- (TEACO-FF)
FF) em função da escolaridade e
da categoria (A, AB, B, C, D, E)
pleiteada da Carteira Nacional
de Habilitação (CNH) em 698
pessoas da região nordeste do
Brasil (Bahia e Sergipe) com
idades entre 18 a 58 anos
Tawamoto e Capitão Compararam os indicadores de Teste das Pirâmides Coloridas
(2010) agressividade e irritabilidade em de Pfister (TPC)
100 motoristas, sendo 50
infratores e 50 não-infratores
Nakano, Sampaio e Silva (2011) Investigaram a atenção e Teste de Atenção Concentrada -
inteligência de candidatos à AC e o Teste R-1
primeira habilitação em relação
à influência das variáveis sexo e
escolaridade em uma amostra de
169 pessoas, com idades entre
18 e 70 anos (77 mulheres e 92
homens), dos três níveis
escolaridade que participavam
do processo de avaliação
psicológica em clínica
credenciada ao DETRAN de
uma cidade do interior do
Estado de São Paulo
Silva (2014) Investigou a R-1: Teste Não Verbal de
unidimensionalidade do R-1: Inteligência
Teste Não Verbal de
Inteligência em uma amostra de
409 candidatos à obtenção,
renovação e mudança de
categoria da CNH

Referências:

CRISTO e SILVA, Fábio H; ALCHIERI, Carlos. Avaliação psicológica da personalidade


de condutores: uma revisão de literatura. Psico-USF, v. 12, n. 2, p. 189-196, jul./dez. 2007.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pusf/v12n2/v12n2a07.pdf

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Caderno de Psicologia de Trânsito e


Compromisso Social. Brasília, 2000.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. RESOLUÇÃO Nº 1, DE 7 DE


FEVEREIRO DE 2019. Institui normas e procedimentos para a perícia psicológica no
contexto do trânsito e revoga as Resoluções CFP nº 007/2009 e 009/2011. Disponível em:
https://www.in.gov.br/materia//asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/62976927/d
o1-2019-02-12-resolucao-n-1-de-7-de-fevereiro-de-2019-62976886

FONTANA, Maísa Aparecida; FEGADOLLI, Claudia. Avaliação psicológica no


contexto do trânsito: estudo de caso de motorista com acidente vascular. Bol. psicol, São
Paulo , v. 66, n. 144, p. 37-46, jan. 2016 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-
59432016000100005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 17 mar. 2021.

ROZESTRATEN, Reinier J. A. Psicologia do Trânsito: conceitos e processos básicos.


São Paulo: EPU/EDUSP

SILVA, Marlene Alves da; ALVES, Irai Cristina Boccato; ROSA, Helena Rinaldi.
Avaliação psicológica no contexto do trânsito: revisão de literatura do período de 2006 a
2015. Bol. psicol, São Paulo , v. 65, n. 143, p. 157-174, jul. 2015 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S00065943201500020000
5&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 17 mar. 2021.

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