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SOCIEDADE, CULTURA

E CONTEMPORANEIDADE
SOCIEDADE, CULTURA
E CONTEMPORANEIDADE
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meio sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

AUTORIA DO CONTEÚDO PROJETO GRÁFICO


Camila Pigozzo UVA
Cristiana Lopes
Leticia Borges DIAGRAMAÇÃO
Luiz Guilherme Moreira UVA
Margot Barcia
Michele Vieira

CURADORIA DO CONTEÚDO
Katia Puente

REVISÃO
Janaina Senna
Janaina Vieira
Lydianna Lima
SUMÁRIO

Apresentação 6
Autores 8

UNIDADE 1

Identidade cultural, diversidade e coexistência plural 11


• Cultura e Identidade: categoria conceitual que se afirma para a

compreensão da diversidade

• Conflitos de identidade: processo etnocêntrico e intolerância

• Diversidade: o desafio contemporâneo da coexistência plural

UNIDADE 2

Direitos humanos, afirmações identitárias e o legado 33


sociocultural de matriz africana e de matriz indígena no
Brasil
• Direitos humanos e afirmações identitárias

• A expressão da diversidade cultural indígena e os movimentos identi-


tários indígenas na formação da identidade nacional

• A diáspora negra na formação cultural brasileira e a politização do


conceito de raça
SUMÁRIO

UNIDADE 3

Histórico e marcos da Educação ambiental 66


• Aspectos históricos da Educação Ambiental

• Marcos teóricos referenciais: as grandes conferências

• Ética e valores, da teoria à prática: reduzindo os impactos ambientais

UNIDADE 4

Desenvolvimento científico/tecnológico e o mundo do 93


trabalho
• Desenvolvimento tecnocientífico e reconfigurações no ambiente de

Trabalho

• Desemprego tecnológico, eliminação e criação de profissões

• Máquinas ou humanos: reflexões sobre o grau de importância do ser

humano frente à evolução da Inteligência Artificial


APRESENTAÇÃO

Quando ouvimos falar em sociedade, cultura, ciência, meio ambiente e tecnologia somos
levados a pensar como esses temas podem contribuir para nossa formação profissional.

Então considere os seguintes pontos:

O que podemos afirmar é que a contemporaneidade nos coloca diante de muitos desa-
fios e precisamos de certas habilidades que são chave no mundo de hoje. Elas podem,
inclusive, representar um diferencial no mundo do trabalho:

• Ter empatia.
• Estar predisposto a ouvir outros tão diferentes de nós.
• Respeitar e colaborar para objetivos comuns.
• Ser imparcial e solidário.
• Ter autocrítica.
• Desenvolver uma atitude afirmativa diante dos obstáculos.
• Em síntese, ativar nossa capacidade de compreensão cultural e tornar a socieda-
de em que vivemos e trabalhamos menos intolerante com o outro.

Um ponto de partida para essas habilidades é exercitar o nosso olhar diante das ques-
tões culturais que se apresentam diariamente. Desenvolver uma atitude sobre a di-
ferença que permita colaborar para um mundo mais sustentável, fraterno, humano e
menos excludente.

A nossa Constituição Federal de 1988, em seus artigos 205 e 206, destaca inclusive
que devemos desenvolver, também por meio da educação, competências que tornem o
sujeito capaz de lidar com tais problemas, conviver com a pluralidade de ideias, promo-
ver e incentivar sua colaboração com a sociedade e fornecer meios para o exercício da
cidadania, qualificação para o trabalho e desenvolvimento pessoal.

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A disciplina Sociedade, Cultura e Contemporaneidade foi desenvolvida com esse obje-
tivo. Queremos conectar você com assuntos que fazem parte do seu cotidiano. Afinal,
além de desenvolver nossas habilidades para lidar com novos dados, tecnologias, resol-
ver situações complexas e exercer liderança, não podemos deixar de exercitar outras
ferramentas que possibilitem a cada um de nós estabelecer da melhor forma possível
nossas interações humanas.

Ao longo dessa jornada de aprendizagem vamos, juntos, explorar temas para provocar o
pensamento e contribuir para o seu posicionamento pessoal perante a vida.

Assim, convidamos para uma experiência imersiva e provocativa, de forma dialógica,


interativa e direta com temas-chave do mundo global: direitos humanos e inclusão, mul-
ticulturalismo, relações interétnicas, meio ambiente e sustentabilidade.

É isso que vamos estudar no decorrer das unidades. Vamos lá?

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AUTORES

CAMILA PIGOZZO
Bióloga. Doutora em Ciências pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS
(BA), mestre em Ecologia e Biomonitoramento e bacharel em Ciências Biológicas pela Uni-
versidade Federal da Bahia – UFBA. Docente e coordenadora dos cursos de licenciatura e
bacharelado em Ciências Biológicas do Centro Universitário Jorge Amado – Unijorge. Na
pesquisa, atua em temas relacionados ao meio ambiente, especialmente Ecologia.

CRISTIANA LOPES
Graduação em Filosofia e Serviço Social. Mestrado em Filosofia pela Universidade Fede-
ral da Bahia – UFBA (2010). Especialização em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Exten-
são em Educação pela Universidade do Estado da Bahia – Uneb em 2006. Atualmente, é
editora do Cabine Cultural (www.cabineculutral.com), canal de crítica de arte; assistente
social perita do Tribunal de Justiça da Bahia; professora do Centro Universitário Jorge
Amado – Unijorge nos cursos de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia, Administração,
Redes e Recursos Humanos; professora de Direitos Humanos e Economia Solidária na
Associação Sons do Silêncio – AESOS, que trabalha com inclusão, sobretudo de surdos,
no Projeto Libras para Todos. Fez mestrado sanduíche entre a Universidade de São Paulo
– USP e a Universidade Federal da Bahia – UFBA por meio do programa de cooperação
acadêmica – Procad, também participou do Projeto BNB/PNUD, com experiência nas
áreas de gestão de participação comunitária, educação popular, projetos sociais, planeja-
mento e capacitação em oficinas de intervenção. É também professora-tutora habilitada
pelo Programa de Formação de Tutores da Universidade Veiga de Almeida – UVA-RJ e
pelo Curso de Formação de Tutores da Universidade Federal da Bahia – UFBA

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LETICIA BORGES
Doutoranda em Direito pela Universidade Veiga de Almeida – UVA, mestra em Direito pela
Universidade Gama Filho – UGF. Professora auxiliar de Direito Internacional e Direitos
Humanos na UVA, professora auxiliar de Direito Civil e História do Direito na Universidade
Estácio de Sá – Unesa. Palestrante na área de direitos humanos.

LUIZ GUILHERME MOREIRA


Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense – UFF (2015), mestre em His-
tória Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (2010), graduado e licen-
ciado em História pela UFRJ (2001). Professor da rede municipal de Armação dos Búzios
e Cabo Frio. Professor da Universidade Veiga de Almeida – UVA e do Instituto ProMinas/
Cândido Mendes, onde ministra os encontros presenciais de Metodologia Científica do
curso de pós-graduação lato-sensu, modalidade EAD, atuando também como professor
orientador de TCCs. Em 2010, recebeu menção honrosa no Concurso de Monografias
promovido pelo Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro por sua dissertação de mes-
trado. Neste mesmo ano publicou Os índios na história da Aldeia de São Pedro de Cabo
Frio - séculos XVII-XIX, em coautoria com Janderson Bax Carneiro. Em 2012, lançou o
Atlas histórico e geográfico escolar de São Pedro da Aldeia, em coautoria com Maria Ca-
tarina da Silva Azevedo. Em 2013, lançou o documentário A pesca artesanal em Armação
dos Búzios (Iphan/Secretaria de Educação de Armação dos Búzios). Em 2016, foi um dos
organizadores do livro Cabo Frio 400 anos (1615-2015), publicado pelo Instituto Brasileiro
de Museus — Ibram).

MARGOT BÁRCIA
Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mes-
tre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em
Comunicação Social - Jornalismo (UFRJ) e em Pedagogia pela Universidade do Grande
Rio. Leciona em cursos de graduação e pós-graduação, nas modalidades presencial e a
distância, nas áreas de Comunicação e Educação. Autora de material didático para edu-
cação à distância. Experiência em coordenação pedagógica de cursos e em programas
de formação de professores.

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MICHELE VIEIRA
Doutora e mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesqui-
sadora do Laboratório de Pesquisa em Culturas e Tecnologias da Comunicação (Labcult).
Possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo e Publicidade) pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1999), graduação em História pela Universidade
Gama Filho (2005) e especialização em História Contemporânea pela Universidade Cân-
dido Mendes (2006). Foi jornalista de 1997 a 2003 e assistente de pesquisa do CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas (2003-2004). Atualmente é professora dos cursos de Publicida-
de e Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), das Faculdades
Integradas Hélio Alonso (Facha) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA).

KATIA PUENTE
Doutoranda Psicanálise,Saúde e Sociedade UVA/RJ. Mestre em Sociologia - UFRJ (1996).
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Bacharelado
-1991 Licenciatura - 1996). Professora Adjunta Universidade Veiga de Almeida. Professor
DOC I Sociologia Seeduc-RJ . Professor Pós-Graduação Especialização Tecnologia e Mí-
dias UVA-RJ. Supervisora Acadêmica Prograd. Autora e tutora de disciplina EaD UVA/
Ilumno (Graduação - Sociologia Geral e Sociologia da Educação; Pós-Graduação Lato
Sensu Educação e Tecnologia - Cultura, Tecnologia e Trabalho). Co-autora disciplina gra-
duação Ead Antropologia e Educação. Autora Curso Avaliação de Aprendizagem em Ead
para Professor (Ilumno Brasil). Co-autora e tutora do curso Formação de Tutores Ead
UVA (Epic-Canvas).Grupos de Pesquisa: Inovação na Gestão Educacional - UVA-RJ/ Uni-
sinos, Currículo, Tecnologias Educacionais e Formação Docente UVA-RJ e O diagnóstico
em psicanálise e suas contribuições para a prática clínica UVA/FUNADESP. Áreas de
Concentração: Ensino superior. Formação Docente e EAD. Avaliação. Tecnologia Educa-
cional. Ativismo e Juventude.

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UNIDADE 1

Identidade cultural, diversidade e


coexistência plural
INTRODUÇÃO

Esta unidade mostrará que o conceito de “cultura” é dinâmico, portanto, está sempre
sendo (re)construído. Dessa maneira, os problemas e as questões relevantes da contem-
poraneidade interferem no modo como se dá esse processo, em especial os oriundos da
globalização, que resultou em um (re)desenhar das fronteiras socioeconômicas. A cons-
trução da identidade é fundamental para o posicionamento de qualquer agente social no
mundo contemporâneo. O que lhe permite construir memórias e narrativas individuais
e coletivas, percebendo o seu pertencimento ou não a um universo cultural, dando luz
à diversidade cultural. Ao mesmo tempo, ao se estabelecer essas barreiras culturais,
muitos conflitos podem ocorrer por conta da intolerância causada pelo etnocentrismo.
Como saída para esse problema, temos que buscar uma coexistência plural, respeitando
a diversidade cultural.

OBJETIVO

Nesta unidade você será capaz de:

• Reconhecer as instituições sociopolíticas enquanto territórios de intercâmbio,


cruzamentos, conflitos e coexistência da diversidade cultural, atendendo ao de-
safio contemporâneo da coexistência das diferenças.

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Cultura e Identidade: categoria conceitual
que se afirma para a compreensão da
diversidade

A cultura, inicialmente, pode ser definida como o modo pelo qual as diferentes socieda-
des entendem o mundo em que vivem e agem dentro dele. Dessa maneira, está condicio-
nada a uma temporalidade, no nosso caso, à contemporaneidade, sendo, portanto, um
processo histórico. Como é uma expressão humana, a cultura só surge quando a própria
humanidade aparece.

Cultura é um tema chave para compreender os fenômenos sociais e distingue o que é


natural do que é cultural. Veja a diferença.

• Natural: O natural é tudo que diz respeito às leis biológicas, que transcende as nor-
mas, os hábitos e costumes, e que não é peculiar a nenhum grupo social humano
particular, portanto, é universal.
• Cultural: Já o cultural é tudo que depende da tradição social, de comportamento
aprendido, que é particular a determinada sociedade e depende de suas regras.

Para compreender a diversidade cultural, não é necessário viajar a terras distantes, es-
trangeiras. Na nossa civilização, encontramos costumes culturais bem diferentes entre
si. Por exemplo, no Brasil, em áreas rurais, é mais comum dormir e acordar cedo, a noite
é reservada ao descanso. Já as grandes cidades funcionam 24 horas por dia, a noite é
cheia de atrações, de baladas frequentadas principalmente pelos jovens.

Tudo isso é cultura?

Para o antropólogo, a resposta é sim, uma vez que cultura é tudo aquilo capaz de superar
a dependência do homem em relação aos fatores ambientais. Assim, a luta do homem
desde sua origem é diferenciar, na construção de sua existência, o que é natural do que é
cultural. Veja a explicação de Laraia (2013):

A grande qualidade da espécie humana foi a de romper com suas pró-


prias limitações: um animal frágil, provido de insignificante força física,
dominou toda a natureza e se transformou no mais terrível dos predado-
res. Sem asas, dominou os ares; sem guelras ou membranas próprias,

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conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser
o único que possui cultura. (LARAIA, Roque Barros de. Cultura: um con-
ceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 24)

A cultura se classifica em material (objetos, ferramentas, instrumentos) e imaterial (o


que não é concreto, ou seja, valores, costumes), cada uma compreende bens e produtos
construídos pelo homem ao longo de sua história.

Há também inúmeros outros bens para a cultura imaterial, que inclui:

• Conhecimento: O saber acumulado através de gerações


• Normas: São as regras, convenções, que definem o modo de agir dos indivíduos
em certas situações.
• Valores: Elementos abstratos consagrados por um indivíduo, grupo ou sociedade,
que orientam suas ações. Exemplos: liberdade, sucesso, eficiência, igualdade, pro-
gresso.
• Crenças: Atitude de aceitação de uma proposição por parte dos indivíduos que
fundamenta sua ação. Podem ser pessoais, públicas, declaradas, supersticiosas,
extravagantes etc.
• Padrões de conduta, hábitos e costumes: Face um dado problema, alguns povos
desenvolvem e transmitem às gerações seguintes formas peculiares para lidar com
cada situação. Se os resultados forem positivos, passam a ser repetidas. Assim, são
adotadas pelo grupo e se tornam padrões de ação. Por exemplo, qualquer morador
de uma grande cidade sabe que, ao chegar diante de um prédio com botões na
porta, estará diante de um interfone e deve tocá-lo para entrar no local. Talvez um
membro de uma outra cultura fique em frente ao edifício durante horas até alguém
lhe explicar o que já é padrão para nós.
• Mecanismos que estabelecem uma divisão de funções e posições sociais
definidas: Todos os grupos estabelecem relações sociais e definem posições
para seus membros. Mas isso pode variar. Por exemplo, em nossa sociedade, tra-
dicionalmente (ou seja, culturalmente) o papel de provedor da família sempre foi
do homem – pai de família – e a mulher estava destinada a cuidar do lar (“dona
de casa”). No entanto, as mudanças em algumas sociedades contemporâneas
geram e ampliam outra divisão de funções, com a mulher se transformando em
“chefe de família”, mantendo financeiramente a casa. Estamos diante de outro me-
canismo cultural. Atualmente, alguns homens casados não trabalham, ou apenas
atuam em meio período, e realizam as atividades domésticas antes destinadas
especificamente às mulheres.

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Para refletir

Agora que você já conhece qual é o conceito antropológico de cultura, é impor-


tante não confundir com o conceito que o senso comum atribui à cultura. E por
que? Para o senso comum, cultura é entendida como: conhecimento empírico,
ou seja, adquirido pela observação dos fatos, pelas experiências, vivências, que
é passado de geração a geração. Ou seja, é o modo de pensar da maioria das
pessoas, e não está fundamentado em leis e teorias científicas, que precisam
ser comprovadas para serem aceitas como verdadeiras. E não podemos tomar
decisões seja na vida pessoal ou profissional com base no senso comum.

Para o senso comum, cultura é entendida como:

Domínio artístico, sofisticação, sabedoria. Ex.:“Os africanos não têm a cultura dos euro-
peus.”; Domínio intelectual, grau de instrução, volume de informação, quantidade de títu-
los acadêmicos, inteligência. Ex.:“Maria não tem cultura, mas João é culto.” “Analfabeto
não tem cultura”; Civilização. Ex.:“A cultura inglesa é mais civilizada do que a cultura dos
índios Yanomami”; Sinônimo de estética e entretenimento. Ex.:“Nesta seção do jornal,
você verá os eventos culturais da semana: teatro, cinema, exposições, shows.”

A cultura, portanto, é um elemento altamente complexo, rico e, acima de tudo, único


(particular).

O processo de globalização aproximou inúmeras sociedades e culturas,


portanto identidades culturais diversas.

Apesar disso, não se pode negligenciar que a cultura também deve ser vista na relação
com outras culturas, sempre, visto que seus formuladores, os inúmeros povos, estão
sempre em um processo de interação. Tal procedimento é fundamental. É o que nos
permitirá questionar a realidade de nossa própria sociedade, com seus valores, hábitos,
atitudes, conflitos, tensões etc., que, à primeira vista, nos parecem ser “naturais” e “nor-
mais”, quando na verdade estão longe de serem.

No seio dessa preocupação em estudar as diversas culturas, surgiu também a neces-


sidade de compará-las. Para isso, buscou-se dois caminhos: Hierarquizar as culturas
x Negar a hierarquização. Muitas pesquisas e trabalhos optaram por trilhar o primeiro
caminho. Tentava-se enquadrar as culturas num processo linear e teleológico.. Todavia,

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esse modelo recebeu inúmeras críticas de intelectuais que escolheram o segundo cami-
nho. Afirmavam que o processo de classificação/hierarquização cultural não poderia ser
aplicado a todas as sociedades ocidentais e tampouco a todas as sociedades humanas.
Se, portanto, comparar as culturas tendo como norte aquele primeiro caminho é proble-
mático, o segundo também se apresenta arriscado. Uma vez que quando se procede
na comparação de culturas, sempre a fazemos pelo olhar de nossa cultura, ou seja, do
ponto de onde se observa. Portanto, eivado de classificações e conceitos da cultura do
observador. Tudo passa a ser relativo. Porém, mesmo esse relativismo carrega em si um
problema, pois as interconexões culturais dos diferentes povos foram, são e serão feitas
por meio de relações de poder que são desiguais e, portanto, hierarquizantes. Nem sem-
pre é fácil analisar as culturas tendo isso em mente.

O mesmo problema se apresenta quando analisamos o interior de uma cultura nacio-


nal, uma vez que as sociedades nacionais são divididas em diferentes classes e grupos
sociais, regiões, religiões etc., que também carregam em si relações de poder que são
desiguais e hierarquizantes, assim como as relações internacionais.

Um outro aspecto importante nesse estudo é a identidade cultural.

Para refletir

Todos temos uma identidade. Se lhe perguntarem qual ou quais são as caracte-
rísticas que temos e que nos são fundamentais para a construção de nossa(s)
identidade(s), saberemos responder. Mas, será que sabemos exatamente o que
é identidade? Como ela é construída?

O conceito de identidade começou a adentrar com mais ênfase nas ciências sociais na
contemporaneidade quando se procurava analisar alguns problemas oriundos da globa-
lização. Com ele vieram alguns adjetivos, como identidade cultural, identidade nacional,
identidade étnica, identidade social etc.

No que nos interessa aqui, iremos enfatizar a identidade cultural. Já estudamos o que é
cultura, nos resta entender o que é identidade e como ela se constrói.

Para uma primeira aproximação, podemos pensar em nossa Carteira de Identidade,


documento oficial que identifica o cidadão no Brasil. Nela temos uma série de dados

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como nome, filiação, data de nascimento, naturalidade etc. Todas essas informações
irão acompanhar o indivíduo por toda a sua vida, sendo, portanto, fixos. Mas, será que a
identidade é realmente fixa? Valeria por toda uma vida?

Podemos começar a tentar responder essa resposta nos apropriando da ideia do senso
comum, que define a identidade a partir da percepção de um indivíduo de que ao longo
do tempo mantém algumas características. De modo a se tornar único e por oposição
diferente dos demais. Tal como o exemplo acima.

Mas, em se tratando de identidade cultural na contemporaneidade (o tema de nossa


disciplina), temos que levar em consideração outros elementos que são capitais como a
maneira pela qual o indivíduo/grupo representa o seu passado, as condutas, os atos que
praticou e como planeja seu futuro. Quando esse processo ocorre de modo compartilha-
do, ou seja, quando um determinado grupo de pessoas mantém essas mesmas caracte-
rísticas ao longo de um tempo, passamos a ter não mais uma identidade individual, mas
uma identidade cultural.

Importante

Um dos teóricos mais importantes a respeito da identidade é Stuart Hall. Ele


queria conceituar o termo “hibridização”. Como os demais, estava preocupado
com as questões oriundas da globalização, mais precisamente com a chama-
da descolonização ou movimentos pós-coloniais, quando as antigas colônias
europeias, localizadas sobretudo nos continentes africanos e asiáticos, consti-
tuíram-se como nações independentes no pós-guerra.

O autor sublinhou que as ciências sociais e humanas têm revisto o conceito


de identidade colocando em xeque a ideia de que ela seria “integral, originária
e unificada”.

Tal questionamento levaria ao abandono de uma visão a respeito da identidade (incluindo


as identidades étnica e cultural) calcada numa racionalidade do sujeito que opera e constrói
a sua identidade. Todavia, essa crítica esbarra em dois problemas em relação ao conceito:

1. Surgiu em um contexto que fora superado, mas, no entanto, não se criou nenhum
outro conceito que pudesse ser usado em sua substituição.

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2. Diz respeito à impossibilidade de “enquadrar” a ação do indivíduo dentro dos li-
mites da identidade, não havendo um ajuste de suas ações a uma totalidade a qual
pertence. Mas, entender que as ações por vezes são realizadas fora de uma expec-
tativa relacionada à identidade a que pertence, sendo paradoxal.

Deste segundo ponto emerge uma série de questões apontadas pelo autor, uma das
quais a substituição do conceito de “identidade” por “identificação”. A identificação pos-
sui uma série de elementos herdados da psicologia freudiana, como a idealização e a
ambivalência.

• Idealização: porque é fundada na fantasia, no inconsciente, numa projeção que


se daria de forma cristalina entre o “outro” que não o “eu”, que na verdade não cor-
responde à realidade.
• Ambivalência: porque os laços, ou seja, as características usadas para a constru-
ção da identidade podem ser apropriadas dos polos opostos.

No mundo globalizado, a formação das identidades culturais, sobretudo as ligadas a gru-


pos que foram forçados a migrarem de suas regiões de origem, utilizam a história como
uma ferramenta que lhes confere uma unidade. Todavia, o que temos que ter em mente
é que o analista social não pode ver essa instrumentalização do passado de modo que
torne este grupo engessado naquela temporalidade. Ou seja, os membros do grupo não
estão preocupados em perceber como o grupo é, mas o que se tornou, como está sendo
representado e como essa representação afeta o grupo.

Tal mecanismo leva a rever um conceito importante para a identidade e que também
está ligado a temporalidades pretéritas, a noção de tradição. Ela deixa de ser vista como
algo que perdura no tempo para ser encarada como algo que se (re)itera, que se (trans)
forma. De tal modo que preservar essa tradição não significa voltar às raízes, mas enten-
der como essa tradição inventada (fantasiada, ficcional) foi construída.

Em outras linhas, não se busca viajar ao passado para pegar essa tradição materializada
e trazê-la para o presente, tal como se fosse um objeto concreto. Mas ir além. Procurar
entender como essa tradição pretérita foi manipulada, lapidada, lasqueada, envernizada
etc. até chegar ao presente.

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Importante

Essa construção da identidade cultural é realizada dentro de instituições e gru-


pos que possuem interesses específicos, não apenas em seu seio, mas na re-
lação com outros grupos. Portanto, é uma construção repleta de relações de
poder externas e internas. Sua finalidade principal é demarcar de forma clara
a pertença e, por conseguinte, a exclusão do “outro”. Não estando no centro de
suas preocupações estabelecer uma unidade em seu interior. Assim, a homo-
geneidade desse grupo está longe de ser natural e de existir de fato. Caracteri-
za-se por uma invenção, por uma ficção, quando se define que determinadas
características daquele grupo serão as fundamentais para a construção de
suas identidades e não outras.

Para Stuart Hall as identidades culturais seriam pontos de encontros entre um discurso
que nos obriga a nos situarmos em um lugar social, que possui um significado próprio,
e a própria subjetividade do ator social. Quando um ator atribui-se ou a ele é atribuído
uma identidade cultural assume uma determinada posição social, que não deixa de ser
uma representação construída não pelo que ela é, mas por aquilo que não é. Deste modo
as identidades culturais não podem nunca ser iguais já que eivada de subjetividade e do
lugar que o sujeito ocupa. Além mais como os sujeitos ocupam vários lugares sociais
possuem várias identidades, que podem ser ambíguas e contraditórias. Como também
depende das subjetividades, que sempre se apresentam mutáveis, dos autores, elas são
temporárias.

Nesse processo de construção da identidade cultural a memória é fundamental. Mas,


assim como a identidade, seu conceito apresenta uma série de características que preci-
sam ser mais bem detalhadas.

Importante

Paul Ricouer (1913-2005): filósofo francês.

Um dos estudos mais importantes a respeito da memória e como ela influência


não apenas as narrativas culturais, mas a própria identidade cultural foi o realizado
por Paul Ricoeur (2005). Para o autor, a memória individual e a memória coletiva

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são frutos de um mundo em comum. A memória individual busca na memória co-
letiva a legitimação de seu discurso pelo fato de se expressar em uma linguagem
que é coletiva, a cultura. Ao mesmo tempo, a individualidade e o coletivo possuem
uma relação muito íntima, não apenas porque o coletivo é um conjunto de indi-
víduos, mas porque a memória coletiva se expressa por um daqueles indivíduos
que compõem o coletivo. Mas para além da relação entre a memória coletiva e a
individual, haveria um terceiro elemento a que chamou de os próximos.

A memória é um termo polissêmico, portanto, com vários significados, que opera ter-
mos ambíguos, como nos lembra Margarida de Souza Neves. A autora destacou que
o conceito trabalha com “o tempo lembrado e o tempo da lembrança; o individual e o
coletivo; o registro e a invenção; o material e o simbólico; a rememoração e o esqueci-
mento; as paixões e os interesses; a informação e o ocultamento; a razão e a emoção
[...]” (2009, p. 22).

Nossos pais, por exemplo, nos trazem vivências que estão em nossa memória, mas de
certo modo “adormecidas”. Grupos sociais também podem ter papel similar. Eles evo-
cam experiências, que poderíamos chamar de história ou de narrativa cultural, que não
foram vividas por nós, mas nos reconhecemos naquelas pessoas que as vivenciaram e
as construíram.

Os próximos seriam espaços de mediação entre o coletivo e o individual, que permi-


tem que haja entendimento entre ambos e assimilação ou negação dos caracteres cole-
tivos no indivíduo e vice-versa. Atuam como filtros dos elementos que saem da memória
coletiva e entram ou são barrados na memória individual e vice-versa. Como a memória
opera muitas vezes por informações que foram vivenciadas por outrem, como vimos,
estes próximos são fundamentais, uma vez que são eles que trazem essas informações
para os atores. No entanto, sua importância não resulta apenas no fato de nos apresen-
tar informações desconhecidas. Eles muitas vezes nos fazem lembrar de memórias que
foram por nós esquecidas.

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Conflitos de identidade: processo
etnocêntrico e intolerância

Vamos refletir um pouco sobre esse tema?

Com a intensificação do processo de globalização, as diversas culturas existentes no


mundo passaram a ter mais contato. Em resposta a esse movimento tivemos dois pro-
cessos. Um primeiro, o processo de “hibridismo cultural”. E, o segundo, em que os con-
flitos e as tensões tornam-se mais claros, calcado no etnocentrismo e na intolerância
para com o “outro”, ou seja, aquele que não compartilha de sua cultura e em sua grande
maioria acabam gerando conflitos, muitos dos quais violentos.

Aqui vamos discutir alguns pontos que dizem respeito aos conceitos de etnocentrismo e
intolerância, de modo que possam ser úteis quando, nas aulas e unidades, estudarmos
alguns dos conflitos de identidade culturais existentes na contemporaneidade e como
poderemos superá-los.

O conceito de etnocentrismo talvez seja o mais fácil de trabalhar dentre os que foram
apresentados e os que ainda veremos ao longo deste curso. Poderíamos rapidamente
começar a defini-lo buscando o significado etimológico da palavra Etnocentrismo.

O passo inicial seria desmembrá-lo em dois termos (CUNHA, 2012, p. 274 e 142):

• Etno - Segundo Antônio Geraldo da Cunha, “etn(o)” provem do grego étnhos que
significa raça, povo. A ideia foi apropriada pela linguagem científica internacional a
partir do século XX.

• Centro - O conceito “centro” originou-se do latim centrum, que por sua vez teria
surgido do grego kéntron, tendo sido apropriado pela geometria para designar o
“ponto para onde convergem as coisas”.

Assim facilmente veríamos que Etnocentrismo foi um conceito criado pelas ciências so-
ciais e humanas para dizer que a cultura de um determinado povo seria central, o ponto
de partida. Todavia, não basta dizer que a cultura é uma chave de entendimento de um
povo, de uma sociedade.

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Mas de que cultura estamos falando? De quem analisa ou de quem é
analisado?

Rapidamente, não hesitaríamos em responder que dos dois, tanto do analista quanto do
analisado. O analista pode ter uma visão etnocêntrica da cultura que observa. Por sua
vez, o analisado também pode ter um olhar etnocêntrico ao se deparar com outras cultu-
ras, como denunciaria o analista não etnocêntrico.

Tal fato enseja alguns problemas, mas o fundamental é pontuar que ambos partem da
questão central do conceito, ou seja, da visão de determinado povo de que sua cultura
é a mais importante, correta, perfeita, excelente e normal. De modo que quem não lê o
mundo por essa cultura estaria em um grau de humanidade menor ou não estaria nem
mesmo nesta categoria. Mas a questão não é tão simplória assim.

A visão etnocêntrica acarreta, portanto, em um posicionamento em relação às demais


culturas em que os seus referenciais culturais são centrais. Ao pensar e refletir sobre as
demais culturas, levamos nossa maneira de entender o mundo para outras sociedades.
O que mostra a imensa dificuldade de lidar com a diferença e o diferente e pensar a seu
respeito. Mas, o problema não se restringe à esfera do pensamento da abstração, ele
também se materializa quando se precisa estabelecer relações sociais com indivíduos
de outras culturas. Nessa relação acabamos por estranhar, apresentar hostilidades e até
ter medo do outro pelo simples fato de ser diferente.

Portanto, longe de ser apenas uma questão abstrata, entendida como não sendo algo
prático e palpável, o etnocentrismo se apresenta de forma objetiva, mesmo que no cam-
po dos sentimentos, que não deixam de ser abstrações, mas que se expressam em ações
concretas. Cabe sublinhar que ao estudar a história da humanidade a questão do etno-
centrismo aparece de forma constante, assim como em nosso cotidiano mais elementar.

Dessa maneira, o que temos que salientar, se realmente quisermos construir um mundo
“solidário” e “democrático em sua plenitude”, mais justo e menos excludente, é que há a
necessidade de se entender como se expressam esses etnocentrismos, qual a sua ra-
zão, como atuam nas emoções, nos sentimentos das pessoas etc.

22
Exemplo

Uma saída possível é romper com o silêncio do “outro” quando o tratamos de


modo etnocêntrico. Dito de outra forma, geralmente, quando abordamos o “ou-
tro” o fazemos por meio de uma representação criada por nós mesmos, e não
a empreendida pelo “outro”. Negamos assim o caráter humano de fala do “ou-
tro”, já que o consideramos incapazes de se expressarem e formularem uma
visão de mundo. Nessa representação que fazemos, não há nenhuma barreira,
nenhum limite, tudo é possível de acordo com a intenção que se tem ao criar
aquela representação.

Cabe ainda dizer que esta representação fica à mercê de uma lógica ideológica e de
contextos que não estão ligados à cultura representada. Passam a ser instrumentos que
podem ser manipulados de modo ambíguo, podendo ser positivada ou negativada, como
é feita na maior parte das vezes.

Importante

É preciso lembrar que o etnocentrismo não ocorre apenas nas relações de cul-
turas externas, também pode se expressar em relações dentro de uma mesma
cultura com grupos/classes sociais diferentes. Desta feita se faz uma repre-
sentação estereotipada a respeito de determinados grupos/classes sociais que
em nosso cotidiano mais comezinho apresentam diferenças que resultam em
conflitos, tais como mulheres, velhos, homossexuais, negros, pessoas que pra-
ticam determinadas religiões etc.

Alguns autores pontuam que o primeiro passo para o início da globalização teria aconte-
cido ainda na Idade Moderna (1453-1789), na chamada Era dos Descobrimentos, cujos
movimentos mais importantes foram a descoberta da América por Cristóvão Colombo
(1492), a chegada de Vasco da Gama às Índias (1498) e a descoberta do Brasil por Pedro
Álvares Cabral (1500). Esses acontecimentos levaram os europeus a travarem contatos
com uma imensa gama de culturas diferentes. Assim, muitos pensadores da Moder-
nidade, que ficaram conhecidos como Renascentistas, naturalmente com os olhos da
Modernidade, logo começaram a tentar entender aquelas inúmeras culturas.

23
Nesse movimento, com intensidade bem menor que o da Globalização, houve alteração
das fronteiras, contato com outros povos e culturas, desenvolvimento de tecnologias que
diminuíram as distâncias espaciais e de comunicação. Mas, para o que nos interessa
aqui, o europeu se relacionou com os “outros” vendo-se obrigado a pensar a diferença.
O momento foi crucial porque nascia de modo bem embrionário a necessidade de se
formular um pensamento a respeito das diferenças, embora ainda de um jeito muito in-
formal e sem rigores conceituais.

Essa época, que também ficou conhecida como a era da “Descoberta do Homem e do
Mundo”, deve-se destacar igualmente que não foi importante apenas porque o homem
europeu conheceu e se deparou com outras culturas.

Mas, porque ao olhar os “outros” obrigava-se a olhar para dentro, o que o levou a desco-
brir a si mesmo e a questionar alguns de seus valores e atitudes.

Para refletir

O discurso sobre o “outro”, na verdade, começará a ganhar corpo em outro mo-


mento importante para os europeus, quando houve uma reestruturação das suas
áreas coloniais. Dessa forma, se a época dos descobrimentos, na Modernidade,
inaugurou o colonialismo, o século XIX, na contemporaneidade, com a suprema-
cia dos países capitalistas industriais, daria início a outro tipo de contato que ficou
conhecido como Neocolonialismo ou Imperialismo. Foi o momento em que de-
terminadas áreas do globo ainda não tocadas ou tocadas de forma muito super-
ficial por aquele primeiro processo de dominação, o colonialismo, passaram a ser
controladas pelos países europeus, sobretudo na África e na Ásia.

Mais um passo de expansão e domínio da cultura europeia ocidental frente às demais ex-
pressões culturais fora dado, o que para diversos autores também se insere no processo
de globalização.

O choque cultural propiciado pelo “outro” novamente veio à tona. No entanto, já não era
mais calcado em uma visão de mundo religiosa, mas científica, na qual o cientificismo
deveria explicar o mundo. Surgia a Antropologia, com a preocupação de compreender e
elucidar o funcionamento das diferentes culturas.

24
Questão esta que tinha a preocupação de hierarquizar as culturas. No bojo desse proces-
so, surgiu o conceito de Evolucionismo Social. O termo “Evolucionismo” havia sido cunha-
do naquele mesmo século pelo cientista natural Charles Darwin e tentava explicar por
meio de uma metodologia científica a origem e a evolução das espécies, que, em suma,
poderia ser resumida ao fato de que somente as espécies mais bem adaptadas ao meio
ambiente evoluem e por conta disso se perpetuam no tempo conseguindo se reproduzir
e transmitir as suas características para as futuras gerações.

A ideia do evolucionismo foi levada para a Antropologia que acabou por formular a ideia
de que a cultura europeia ocidental era mais desenvolvida, mais civilizada que as demais.
A noção de progresso passou a guiar as análises antropológicas e as sociedades foram
classificadas de acordo com o seu grau de evolução.

Alguns antropólogos evolucionistas observavam o caminho que levou as sociedades do


primitivismo à civilização. Para isso identificavam em seu seio a existência de estruturas
políticas formais. A humanidade teria percorrido um caminho de sociedades sem Estado,
portanto sem política, até o aparecimento de sociedades possuidoras de Estados comple-
xos, centralizados, hierarquizados e ordenados, tal qual os europeus do século XIX. Mas, as
sociedades primitivas, na infância da humanidade, não teriam desaparecido nos oitocentos,
elas estariam naquelas áreas coloniais (África e Ásia), onde uma série de características
negativas, aos olhos dos europeus, lhes eram atribuídas como a barbárie, o paganismo, o
atraso, a ignorância (falta de ciência) etc. Como dever civilizacional, cabia aos países euro-
peus civilizados, na fase madura da humanidade, o ônus de “salvá-las” do atraso, levando à
civilização. Tal visão caracteriza um olhar etnocêntrico, uma vez que estabelece como fator
mais importante da cultura o elemento político, que seria universal e não particular.

Apesar dos problemas etnocêntricos apontados, Everardo Rocha (1984) observa um


ponto positivo a respeito dessa visão evolucionista. Essa antropologia do século XIX,
no que pese ter tachado o “outro” de primitivo, reconheceu que o mesmo fazia parte da
natureza humana, tal qual o europeu.

Uma das formas de expressão do etnocentrismo é a intolerância. Essa, por sua vez, nada
mais é do que a não aceitação de qualquer elemento ou contato com o “outro”.

Movimentos de intolerância podem ocorrer nas mais variadas escalas, seja por exem-
plo pelo genocídio de um povo (localizado dentro ou fora das fronteiras do Estado-
-nação a que pertenço) ou na perseguição ao meu vizinho que professa uma religião
diferente da minha.

A resposta dada pelos que sofrem a intolerância também se apresenta diversa. Pode re-
sultar ainda em mais violência, desde a simbólica até a física, ou no silêncio total da vítima.

25
Diversidade: o desafio contemporâneo da
coexistência plural

Vamos iniciar este tópico enfatizando que nós que vivemos em uma sociedade contem-
porânea temos um desafio, qual seja: a construção de uma sociedade na qual possa
existir e se manifestar de modo pacífico as diferentes expressões culturais. Para isso, al-
gumas barreiras devem ser vencidas, como o etnocentrismo que se manifesta na intole-
rância, como visto na aula passada. Desse modo cabe à sociedade desenvolver políticas
públicas que atuem na questão apontada.

Porém, para pensar essas questões alguns pontos têm que ser revistos e derrubados.
Um dos quais é a herança que ainda temos hoje da importância do tempo, ou melhor,
da história, como uma linha evolutiva teleológica. Como vimos na aula passada, era por
meio do tempo que se poderia visualizar o desenvolvimento dos povos/culturas na esca-
la civilizacional.

Ao abandonarmos essa noção, podemos entender que cada uma das sociedades e de
suas culturas são uma expressão do particular. O fato abre espaço para a relativização
das sociedades/culturas, na medida em que cada uma caminharia por trilhas que lhes
seriam próprias e únicas. Desse modo, por exemplo, pode-se entender que ao contrário
da noção de tempo linear, baseado em causas e consequências que possuímos, diversas
sociedades produziram, produzem e produzirão outras relações com o tempo.

Algumas de modo circular, em que características vão e vem de forma natural. Ou-
tras trabalham com o tempo espelhado, ou seja, um tempo “perfeito” anterior a esse
vivido, que deve servir de espelho (modelo) e, portanto, sempre sendo reproduzido.

O processo é muito difícil e por vezes impossível de ser compreendido. Afinal, estamos
acostumados com esse tempo linear e que não tem volta, o que torna bastante difícil
visualizar um tempo circular em que as coisas se repetirão.

A questão abre uma discussão: como lidar com essas diferenças? As análises e as ferra-
mentas analíticas precisam dar conta dessa complexidade de sociedades/culturas. No-
vos conceitos precisam ser formulados, velhos conceitos precisam ser esquecidos ou
(re)formados. É esse processo que permitirá um novo olhar para o “outro”, para que se
possa entendê-lo por ele mesmo, e não explicá-lo por nós. De tal modo que não se bus-

26
cam mais leis gerais, mas sim interpretar a maneira pela qual as inúmeras sociedades
procuraram viver suas vidas, ou seja, produziram suas próprias culturas.

Conhecer essas culturas é fundamental porque são experiências sociais e culturais do


vivido que podem servir de modelos alternativos à nossa própria sociedade e cultura.
O “outro” então ganha um novo patamar. Deixa de ser o que precisa ser “educado”,
“civilizado” para ser o que pode nos ensinar a construir uma sociedade melhor. Deve-
-se destacar aqui que também está por se (re)fundar o conceito de cultura. Ou seja, a
abertura para que o “outro” também seja produtor de cultura, a criação de sentidos e
significados criados pelos homens para os seus atos, desde os mais simples e banais
aos mais complexos.

Esses significados aprisionam seus produtores de modo que orientam as suas ações.
É por meio da análise desses significados que se pode extrair dados sobre determinada
sociedade, que evidenciaram quem ela é, o que pensa, o que faz.

Esses ensinamentos são importantíssimos para que se possa na con-


temporaneidade construir sociedades que respeitem a diversidade cul-
tural com a implementação de uma coexistência plural.

Para isso, devemos levar essa visão para diversos níveis de escala. Sejam as internacio-
nais, as interétnicas, na relação com o colega de trabalho, com o vizinho etc. O que co-
mumente não é feito! Tal mecanismo permitirá que os indivíduos pertencentes à “minha”
sociedade ou às “outras” sociedades reconheçam que as diferenças entre ambos são
escolhas, dentre infinitas possibilidades, e que respeitá-las é um ato de generosidade e
de humanidade. Só assim se poderá romper a visão hierarquizante das culturas pertinen-
tes, a visão etnocêntrica.

Todavia, para que se construa um mundo mais plural, há a necessidade de se desenvol-


ver políticas públicas que tenham esse objetivo. Elas não pairam no ar, no etéreo, são
formuladas por indivíduos, que estão inseridos nessas mesmas sociedades nas quais as
políticas irão atuar. Desta feita, é desnecessário sublinhar que todas as características da
sociedade contemporânea, mesmo aquelas que se queira combater, estarão presentes
nas referidas políticas.

Nesse sentido, a diversidade cultural entra na ordem do dia no mundo contemporâneo.

27
Para refletir

Walter Mignolo (2000) destacou que esse fenômeno pode ser chamado de “di-
versalidade”, ou seja, um projeto universal de respeito às diversidades que se
apresenta como uma alternativa contrária ao movimento de homogeneidade
cultural que expressaria os interesses das classes globais hegemônicas. A “di-
versalidade” seria a compreensão de que a diversidade cultural é a chave para
a criatividade, a busca de uma sociedade cosmopolita crítica que procura dialo-
gar com o particular e o global, e não a adoção de um modelo que se pretende
único para toda a humanidade.

Mas levar em consideração que a diversidade cultural deve ser um bem universal, ou
seja, algo buscado por todos enseja a manutenção do mesmo problema presente na
globalização, qual seja: como lidar com a relação entre o global e o fragmentado?

No seio dessa discussão uma questão a ser observada é que algumas conotações que
nos parecem universais, tais como muitas das combatidas pelos que lutam a favor da
diversidade cultural, surgiram dentro de expressões culturais ocidentais, portanto de cul-
turas fragmentadas que se tornaram globais, porém calcadas no etnocentrismo. Desse
modo, até que ponto “direitos humanos”, “democracia”, “desenvolvimento material”, “de-
senvolvimento tecnológico”, “cientificismo”, “competição”, “racionalidade”, “empreendedo-
rismo”, “mercado” etc. devem ser valores globais?

Tais valores não evidenciariam relações de poder de quem os define? Não seriam uma
expressão da capacidade das sociedades ocidentais em definir o que é desejável para as
demais culturas, impondo um etnocentrismo disfarçado e solapando as diferenças cul-
turais? Essa imposição de valores globais não caracterizaria um monopólio cultural? Não
seria um meio de (re)produção das elites globais? Tais questionamentos foram feitos de
forma brilhante pelo antropólogo Gustavo Lins Ribeiro (2009).

28
Importante

Resgatando a questão proposta, em relação ao modo de lidar com o global e o


fragmentado, Ribeiro (2009) aponta que a melhor saída seria o que chamou de
“particularismo cosmopolita”. Um discurso que traz em si as questões globais
e que tem a pretensão de ser incorporado pelas outras culturas. A ideia “cos-
mopolita” se insere no que foi dito acima, um conceito europeu que se pretende
universal, enfatiza um conjunto ou uma determinada característica que extra-
pola as fronteiras nacionais e se impõe ao globo. Encara a diferença cultural de
forma positiva e luta para que essas diferentes sociedades consigam estabele-
cer diálogos e trocas de modo igualitário, criando solidariedade entre os povos.

Todavia, dentro desse quadro há uma tensão fruto de sua ambiguidade, visto ser muito
difícil (re)conciliar valores globais com os particulares, devido aos diferentes processos
históricos e culturais existentes. O discurso de solidariedade faz com que esse particula-
rismo seja o mais facilmente aplicável, tanto para quem defende o processo de globali-
zação como para quem luta contra ele. São adotados por instituições de alcance global,
que podem ser divididas em duas esferas. Por isso a busca pela valorização da empatia
e do respeito a um mundo cada vez mais multicultural.

MIDIATECA

Para ampliar o seu conhecimento veja o material complementar da Unidade 1,


disponível na midiateca.

29
NA PRÁTICA

Hoje nas redes sociais observamos cada vez mais a necessidade de empatia
e valorização da diversidade cultural. Isso reduziria uma cultura do ódio que se
propaga nesses espaços, do desrespeito, da falta de ética e cidadania. Ser um
sujeito global, não é só ser capaz de ter acesso ao avanço científico e tecno-
lógico presente num mundo que se socializa cada vez mais de forma digital.
Demanda de cada um de nós dialogar com a cultura e coexistência plural.

30
Resumo da Unidade 1

No primeiro momento trabalhamos os aspectos da cultura e da identidade cultural


e seus desdobramentos impulsionados pela sociedade cada vez mais globalizada.
Em seguida, trabalhamos os conflitos provocados pela intolerância e etnocentrismo.
Por fim, discutimos os desafios de viver a diversidade na sociedade contemporânea.

CONCEITO

Trabalhamos os conceitos de cultura, identidade cultural, memória e narra-


tiva cultural e etnocentrismo, diversidade cultural

31
Referências

CHICARINO, Tathiana (Org.) Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2014.

DAMATTA, Roberto. Você tem cultura? Artigo publicado no Jornal da Embratel, RJ, 1981.

DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Prefácio do


livro de mesmo nome, 2007.

HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade
e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 103-133.

NEVES, Margarida de Souza. Nos compassos do tempo. A história e a cultura da memó-


ria. In: SOIHET, Rachel; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; AZEVEDO, Cecília; GONTI-
JO, Rebeca (Orgs.). Mitos, projetos e práticas políticas - Memória e Historiografia. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 21-33.

RIBEIRO, Gustavo Lins. Diversidade Cultural enquanto Discurso Global. In: Avá, 2009, nº 15.

RICOEUR, Paul. A memória. A história. O esquecimento. Campinas: Unicamp, 2005.

ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

32
UNIDADE 2

Direitos humanos, afirmações


identitárias e o legado sociocultu-
ral de matriz africana e de matriz
indígena no Brasil
INTRODUÇÃO

Nesta unidade vamos estudar como podemos pensar os direitos humanos, as afirma-
ções identitárias contemporâneas e como se expressa a diversidade cultural dos inú-
meros povos indígenas existentes no Brasil. Também abordaremos a importância da
diáspora negra africana que, entre outras coisas, foi fundamental por “fundar” as religiões
híbridas no Brasil, comumente chamadas de afro-brasileiras, que são obrigadas, cada
vez com mais frequência, a lidarem com a intolerância por parte de outras práticas reli-
giosas. Todo esse processo, fruto do legado sociocultural das matrizes culturais indíge-
nas e afro-brasileiras, é fundamental para a (re)construção da identidade brasileira e das
suas identidades regionais.

OBJETIVO

Nesta unidade você será capaz de:

• Reconhecer o legado sociocultural de matriz africana e indígena na composi-


ção identitária nacional e regional, em uma perspectiva de afirmação política,
questionamento dos estereótipos no convívio social a fim de quebrar padrões
de pensamento e julgamento do outro.

34
Direitos humanos e afirmações identitárias

A formação da democracia e da cidadania, por meio da efetivação dos


direitos humanos é o único objeto capaz de efetivar as garantias mínimas
dos direitos essenciais aos homens.

A cidadania deve ser compreendida como um conceito dinâmico, pois se renova e se


altera de forma constante diante das transformações sociais, dos contextos históricos
e das mudanças de paradigmas ideológicos. Essas alterações são fundamentais para a
compreensão da cidadania, pois cidadão é o indivíduo que vive de acordo com um con-
junto de normas jurídicas pertencentes a uma comunidade, politicamente e socialmente
organizada na forma de Estado, em que o exercício dos direitos e deveres civis, políticos
e sociais estão estabelecidos na Carta Magna de seu país.

Para refletir

Exercer a cidadania é ter consciência dos binômios formados pelos direitos e


obrigações, garantindo que esses sejam efetivados sempre de forma interli-
gada a fim de contribuir para uma sociedade mais equilibrada e justa. Exercer
a cidadania é, então, estar em pleno gozo dos direitos constitucionais, sendo
preparado para isso o cidadão por meio da educação.

A cidadania brasileira é concedida à pessoa nascida em território brasileiro ou que solici-


ta a sua naturalização, no caso de estrangeiros.

Ampliando o foco

Art. 12 CRFB/88: São brasileiros:

I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangei-
ros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

35
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que
sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na
República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem,
em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
d) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que ve-
nham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo,
pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
e) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que
sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na
República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida
a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Cons-
titucional nº 54, de 2007)

II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos
originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano inin-
terrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Fede-
rativa do Brasil há mais de trinta anos ininterruptos e sem condenação penal,
desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federa-
tiva do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal,
desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

A cidadania deve ser entendida como um processo contínuo, uma construção coletiva,
propiciadora da concretização dos direitos humanos. Sua conceituação perpassa tanto
a situação de fato explicitada no artigo transcrito acima, como a prática da tomada de
consciência de seus direitos e a realização dos deveres. Isso implica no efetivo exercício
dos direitos civis, políticos e socioeconômicos, bem como na participação do bem-estar
da sociedade. A cidadania, portanto, deve ser entendida como processo contínuo, uma
construção coletiva, significando a concretização dos direitos humanos.

36
DEVERES DO CIDADÃO
1. Votar para escolher os governantes.
2. Cumprir as leis.
3. Educar e proteger seus semelhantes.
4. Proteger a natureza.
5. Proteger o patrimônio público e social do país.

DIREITOS DO CIDADÃO
1. Direito à saúde, educação, moradia, trabalho, previdência social e lazer.
2. O cidadão é livre para escrever e dizer o que pensa de forma não anônima.
3. Liberdade religiosa e de fé, bem como sua manifestação.
4. Liberdade de trabalho, ofício ou profissão, mas a lei pode pedir estudo e formação
específica.
5. Liberdade patrimonial, onde cada pessoa administra seus bens da forma que
desejar.
6. Liberdade plena de ir e vir em tempo de paz.

Ser cidadão implica não se deixar oprimir nem subjugar, mas enfrentar o desafio que for
para defender e exercer seus direitos humanos, valores, princípios e normas que definem
o respeito à vida e à dignidade.

E a democracia? Pode ser conceituada como o regime político em que a soberania é


exercida pelo povo.

A palavra “democracia” tem origem no grego demokratía, que é composta por demos,
que significa “povo” e kratos, que significa “poder”. Nesse sistema político, o poder é exer-
cido pelo povo por meio do sufrágio universal.

Compreender a união da democracia com os direito humanos é também entender a


ligação daquela com a igualdade e liberdade, pois, desde a Grécia Clássica, a igualdade
é um dos pilares da democracia, que pode ser traduzida no princípio da isonomia. Nas
modernas constituições democráticas, esse princípio aparece embasando os direitos
humanos, como na Constituição Federal Brasileira de 1988:

artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade.

37
Esse princípio impede que, no Brasil, alguns atos abomináveis retornem e se instalem
no seio da sociedade, tais como a escravidão, a discriminação racial, religiosa, ideológi-
ca, por conta da posição social ou, ainda, a aplicação de direitos por razões de ordem
pessoal. Também é a base precípua, que garante a igualdade jurídica, de sufrágio e de
acesso às oportunidades.

Contudo, a realidade mostra que, por conta das desigualdades sociais e econômicas,
muitos cidadãos encontram-se alijados dos instrumentos necessários para usufruir ple-
namente de seus direitos, situação esta que é alterada com a educação do povo.

O segundo desdobramento da democracia é o princípio da liberdade, que


constitui na verdade o fundamento e o fim desse sistema político.

Os direitos de liberdade são objetivos e devem ser compreendidos de maneira ampla.


Eles garantem desde o livre exercício das atividades físicas, intelectuais e morais, até a
inviolabilidade do domicílio e da propriedade. Entretanto, possuem em seu âmago uma
parcela de subjetividade, quando ocorre tutela à livre manifestação do pensamento, à
livre locomoção, à liberdade de crença e de religião, bem como à liberdade sexual.

Destaca-se que, no tocante à liberdade de pensamento e de crença, ela se configura


como um direito absoluto. Essas categorias, mesmo que sujeitas à opressão governa-
mental, não podem ser impostas, pois vivem e se desenvolvem no mundo do interno e
pessoal. Nos demais casos, a liberdade é sempre relativa, pois encontra-se disciplinada
e condicionada pelo Estado por meio de seu ordenamento jurídico.

Constituição do Brasil compromete-se, nos artigos 1º, 2º e 3º, com a observância da


democracia em seu território e com a realização de seus elementos; no art. 4º, com o
respeito aos princípios democráticos e de direitos humanos no âmbito internacional e, no
art. 5ºe nos seguintes, define o conteúdo dos direitos e as garantias fundamentais o que
deixa claro serem a democracia, a cidadania e os direitos humanos elementos indubitá-
veis do Estado brasileiro.

38
Importante

Os direitos humanos podem ser divididos em duas categorias:

Direitos individuais: têm como sujeito ativo um indivíduo humano.


Direitos coletivos: são aqueles que envolvem a coletividade como um todo, uma
sociedade.
2.1 Direitos individuais homogêneos: sendo os de origem, como previstos no
art. 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor.
2.2. Direitos difusos: são aqueles transindividuais de natureza indivisível, de que
sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato,
conforme o art. 81, parágrafo único, I do Código de Defesa do Consumidor.

Uma dos formas de garantir os direitos é estabelecer marcos legais que protejam os
direitos de todos, principalmente das minorias sociais e culturais.

Discriminações baseadas em caráter racial com distinção de cor, de raça, de sexo, de idio-
ma e de religião, assolaram a humanidade e causaram feridas em todas as sociedades.

Ampliando o foco

Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia


e a Intolerância Correlatas.

Esta convenção visa proteger todas as minorias de todas as formas de intolerância.

A conferência de Durban visa estimular intercâmbios entre os Estados mem-


bros, as instituições especializadas e as organizações não governamentais
com o desenvolvimento de programas de ações para a prevenção, a educação
e reparações, cooperações e o reforço dos mecanismos de colaborações com
o objetivo de efetivar a luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia
e a intolerância associada.

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Deveres dos Estados-membros:

• Impedir manifestações de racismo, discriminação racial e xenofobia, espe-


cialmente em relação a migrantes, refugiados e requerentes de asilo.
• Promover uma maior participação e oportunidades para as pessoas de ori-
gem africana e asiática, os povos indígenas e os indivíduos pertencentes a
minorias étnicas, religiosas e linguísticas.
• Garantir que a discriminação não contamine de forma aberta ou velada o
acesso ao emprego, aos serviços sociais e aos cuidados de saúde.
• Efetividade máxima da liberdade de expressão com a proibição da incitação
ao ódio.
• Proibição de atividades violentas, racistas e xenófobas de grupos que te-
nham ideologias de supremacia.

Por isso na atualidade, na sociedade global, em especial na brasileira, devemos lutar


contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância correlatas e impedir
uma nova onda de violações maciça dos direitos humanos.

Por sua diversidade, a cultura brasileira é constantemente lembrada e (re)afirmada por


nós brasileiros, como por outras nações, como uma das mais ricas do mundo. Isso se
deve ao nosso processo de formação histórico e ao seu corolário, ou seja, ao proces-
so de hibridização que ocorreu ao longo daquele processo de várias culturas, dentre as
quais se destacam três grandes vertentes: a indígena, a portuguesa e a africana. No en-
tanto, com bastante frequência, essa positividade se dá apenas no campo do discurso.

Na prática, seja pela ausência e/ou pela incompetência das políticas públicas, desenvolvi-
das pelas diversas esferas do poder público, seja o municipal, Estadual ou federal, ou até
mesmo por ignorância e pelo desleixo de entidades privadas e de indivíduos isoladamen-
te, essa visão não se dá de forma objetiva. Manifestações culturais, que fogem do padrão
hegemônico (branco, ocidental, jovem, masculino e cristão), são comumente vistas de
modo intolerante pela sociedade como um todo, gerando conflitos simbólicos e físicos.

No Brasil, um dos pontos de partida para superar essa intolerância é conhecer a expres-
são de nossa diversidade cultural.

40
Identidades de gênero e orientação sexual: o sexismo e a
homofobia em debate. As tensões geracionais: conflitos e
convivência social

Observamos duas tensões existentes na contemporaneidade. A primeira de caráter etá-


rio e a segunda de caráter de gênero.

Como vimos, a identidade cultural de uma classe/grupo/povo/indivíduo é dinâmica, já


que absorve ou reforça suas características identitárias de modo a dialogar com as ques-
tões que se colocam no presente. Uma dessas identidades culturais está ligada ao cará-
ter etário e geracional dos indivíduos, a qual gera conflitos que comumente chamamos
de “choque de gerações”.

Identidade cultural geracional, você sabe o que é?

A identidade cultural geracional está intimamente relacionada ao tempo, assim como à


própria vida de seus membros. Em se tratando de pessoas, nada mais natural que o ve-
lho dito popular: nascer, desenvolver, reproduzir e morrer. Para fechar esse ciclo natural, o
indivíduo nasce como um bebê, reproduz-se quando atinge a fase adulta e morre quando
já é idoso. O ciclo também nos remete a um processo natural, ou seja, de que o indivíduo
jovem hoje se tornará idoso amanhã. Esse ciclo nos permite refletir: será que a identidade
cultural não está ligada a essas etapas da vida, as quais reforçariam o caráter dinâmico?
Uma das questões que iremos tratar, aqui, é exatamente a tensão que se apresenta hoje
na sociedade contemporânea a respeito dos choques de geração. Uma tensão que gera
conflitos nos quais, em sua grande parte, os idosos saem derrotados.

Parte desses problemas e conflitos geracionais tem origem nos valores que são consi-
derados positivos em nossa sociedade. Em nosso mundo contemporâneo, baseado no
avanço da tecnologia e no desenvolvimento industrial, atribuímos aos idosos as imagens
de um passado que deve ser negado pelo jovem no presente, posto que já superado,
sendo, portanto, inútil. O futuro também se torna problemático por conta da incerteza
da vida. Os jovens veem nos idosos doentes, fracos fisicamente, senis etc. o seu próprio
futuro. Dessa forma, os afastam ou até mesmo os exterminam como se estivessem ex-
tirpando esses problemas de si mesmos.

Contudo, quem são os idosos no Brasil?

41
Segundo o Estatuto do Idosos (Lei nº 10.741/2003), são considerados idosos as pessoas
com mais de 60 anos. Esses possuem a prerrogativa de que seus direitos sejam resguar-
dados pelo Estado juntamente com os demais cidadãos.

Como se sabe, as leis só são criadas quando existe um problema a ser solucionado. Sen-
do assim, se, em nossa sociedade, tal questão, a exclusão do idoso, não se apresentasse,
ou seja, se esses atores tivessem seus direitos respeitados, tal lei não seria necessária.

Todavia, no que pese a existência de um grupo de pessoas, que se chamam de idosos,


definido por sua faixa etária, esse não possui uma identidade homogênea e sim plural.
Ao contrário de outras identidades, a do idoso não é construída por uma memória cole-
tiva do grupo a que pertence, não faz parte de um “grupo minoritário” e não é construída
em uma relação de oposição. Ela é associada ao mundo do trabalho, ou seja, quando se
atinge uma determinada idade na qual é possível se aposentar e sair do mundo laboral.
Porém, ser idoso é mais do que isso!

A categoria idosa, como todos as categorias, é histórica. Portanto, ser idoso, hoje, não
significa ser idoso em outros períodos históricos, que, por exemplo, poderiam nem ter
essa categoria. Por outro lado, em nossa sociedade contemporânea, cada um dos ido-
sos, ao passar por aquele ciclo natural descrito acima, o faz de maneira diferente. Cada
um deles passa por experiências únicas, que serão fundamentais para a criação de sua
identidade cultural de idoso.

Deve-se destacar que essa identidade cultural também opera de acordo com os variados
contextos sociais. Assim, envelhecer para as mulheres não significa a mesma coisa do
que para os homens. Tornar-se maduro para as classes mais abastadas economicamen-
te não é o mesmo que tornar-se maduro para as classes menos abastadas economi-
camente. Por outro lado, o indivíduo pode ser visto como “velho” no seio de sua família,
enquanto no âmbito laboral não.

A questão geracional no Brasil começou a se tornar mais patente nos anos de 1990,
quando o crescimento demográfico evidenciou a grande quantidade de idosos, que co-
meçavam a se movimentar para que seus direitos fossem respeitados. Todavia, discus-
sões conceituais apareceram muito lentamente e, consequentemente, muitos dos pro-
blemas, a que esses personagens passavam ou passam, não eram abordados, como,
por exemplo, a violência, sobretudo a empreendida contra a mulher idosa.

Como compreender a questão da sexualidade?

42
Michel Foucault (1984), um dos sociólogos mais respeitados, defendeu que, na moder-
nidade, a característica mais importante para definir a identidade seria a sexualidade. A
identidade sexual seria uma das mais importantes, visto que ela atua diretamente no cor-
po do indivíduo e em sua faceta mais íntima e privada. Ao mesmo tempo, o corpo sexual
seria a menor escala local que dialoga com as escalas globais. O processo de globali-
zação, como vimos, redefiniu as identidades, uma das quais a sexual, e como resposta
a ele, o par da identidade sexual (homem e mulher) se acentuou. Por outro lado, dentro
desses polos, houve uma fragmentação. Assim, não há mais “homens” e sim “homens”
de diferentes etnias, religiões, classes sociais etc. Dito isso, para compreender a cultura
na contemporaneidade, deve-se analisar a construção da identidade sexual.

O que nos resta perguntar é: no mundo contemporâneo, essas identidades binárias são
suficientes para entender as identidades sexuais dos indivíduos? Para a caracterização de
um desses polos, basta dizer que ele “é” o que o “outro” não “é”? Essas duas identidades
dão sentido a todas as pessoas que vivem em um sem número de sociedades? Porém, não
seriam as identidades dinâmicas, de modo que as identidades sexuais também seriam?

As identidades são requisitadas por quem as têm, sendo construídas de forma dialógica
com as estruturas e relações de poder existentes em uma determinada sociedade e que
operam contra a desigualdade e a opressão. Nesse sentido, com a globalização na con-
temporaneidade tornando-se cada vez mais intensa, cabe a pergunta: a quais interesses
respondem a definição das identidades sexuais binárias?

Definir novas identidades sexuais não interessa aos homens (heterossexuais). Contudo, as
outras identidades sexuais que surgem respondem às necessidades dessas categorias?

Mesmo a identidade sexual bipolar pode ser realmente válida? O indivíduo caracterizado
como homem é, em todos os contextos, só homem?

Foucault (1984), ao estudar a história da sexualidade, concluiu que essas identidades


fechadas começaram a ser elaboradas depois do século XVIII. Assim, deve-se subli-
nhar que essa identidade sexual fora construída, não sendo natural. Para edificá-las, é
fundamental dominar a língua na qual se fala e o discurso sobre esse processo. Por
isso, dominar a palavra, que resultará em um conceito, é fundamental não apenas para
definir a sua identidade sexual, mas a dos outros também, o que se expressa em uma
relação de poder.

As pessoas tornam-se homossexuais nas sociedades contemporâneas, como sublinha-


ram Peter Fry e Edward MacRae (1985), devido a pressões sociais, visto que atuam na

43
sociedade de modo a não se enquadrarem nas identidades sexuais binárias (homem e
mulher). Os autores vão chamar a atenção para o fato de que as explicações a respeito
de como uma pessoa se torna homossexual (seja religiosa, biológica, científica etc.) são
expressões de ideologias, portanto, desnecessárias de serem sublinhadas, eivadas de
conflitos e de relações de poder. Elas são muito mais reflexos de outros contextos sociais
do que da homossexualidade em si.

Essas pressões sociais acabam, por meio de seus diversos atores, produzindo discursos
confusos a respeito das práticas sexuais, que têm, em seu bojo, a preocupação de formu-
lá-los para reproduzir a dominação vigente, de modo que é necessário revê-los. A ques-
tão tem tido bastante visibilidade na contemporaneidade, em um mundo que viu explodir
o (re)surgimento de identidades. Inclusive, atualmente, o combate à homossexualidade é
tido como uma violação dos direitos humanos.

Inclusão, deficiência e contexto social: possibilidades e


desafios das políticas de acessibilidade

No mundo contemporâneo, também temos outros conflitos culturais que são menos ex-
plícitos do que os que foram trabalhados até aqui. Isso se deve ao fato de que a violência,
que ocorre em seu interior, é muito mais simbólica do que física. É o caso dos indivíduos
que possuem algum tipo de deficiência e que, por conta disso, têm dificuldades de serem
incluídos em um contexto social mais amplo, sendo-lhes negado a acessibilidade, não ape-
nas por conta da ausência de políticas públicas que tenham esse objetivo, mas também
quando elas existem, mostram-se totalmente ineficazes, o que por si só já seria um reflexo
da atenção que a sociedade demanda para a questão e para quem sofre essa violência.

Nos últimos anos, um dos temas correntes em relação ao respeito à diversidade se dá


com a discussão em torno da questão da acessibilidade das pessoas portadoras de al-
gum tipo de deficiência, um dos direitos básicos reconhecidos por inúmeros países em
acordos e documentos internacionais.

Porém, o que seria “deficiência”?

A Organização Mundial da Saúde – OMS, por meio da Classificação Internacional da


Funcionalidade – CIF (2001, p. 13), definiu “deficiências” como “problemas nas funções
ou nas estruturas do corpo, tais como, um desvio importante ou uma perda”.

44
Deve-se destacar que não se classifica pessoas, mas sim características relacionadas
a determinadas particularidades da saúde. Sendo assim, temos pessoas portadoras de
deficiência e não pessoas deficientes.

Ao observarmos a história da humanidade, vemos que, em seu percurso, houve diversos


episódios nos quais os portadores de deficiência física ou mental sofreram inúmeros pro-
cessos de violência, seja física ou simbólica. Na contemporaneidade, infelizmente, também
mantemos esse processo, seja porque (re)construímos estigmas e estereótipos para es-
ses atores e/ou porque eles não se enquadram nos estigmas e estereótipos considerados
ideais. Tal fato leva-nos a adotar ações negativas contra esses agentes, calcadas na discri-
minação, levando-os à exclusão social dos inúmeros espaços de vida coletiva.

A pessoa com deficiência*, antes mesmo de ir para uma escola, já sofre em uma socieda-
de pautada pela exclusão quando de seu nascimento, na sua própria família, independen-
temente do tipo de família ao qual estejamos nos referindo, sejam as ditas heteroafetivas,
as homoafetivas, as poliafetivas, as com maior ou menor escolaridade, as mais bem
estruturadas ou as menos estruturadas economicamente, embora essas últimas sejam
as que sofrem mais.

Os primeiros a se depararem com uma pessoa portadora de deficiência são os pais, que
logo se fazem uma série de perguntas, algumas das quais incidem sobre o futuro de seus
filhos quando eles tiverem falecido. Como será a interação social de seus filhos na socie-
dade, também é outra indagação bastante comum. Os pais não estão preparados para
lidar com a questão, porque os profissionais que os cercam enfatizam, em seus diagnós-
ticos, as limitações das deficiências de seus filhos e raras vezes informam como esses
poderiam se desenvolver para vencê-las. Por outro lado, em termos sociais, as mídias
pouco falam a esse respeito ou quando o fazem é de modo bastante superficial e precon-
ceituoso, afinal, elas também são um reflexo dos valores que imperam na sociedade.

Nesse processo, os pais são fundamentais, já que serão os grandes responsáveis por
fazer a mediação entre seus filhos e a sociedade, sendo que esses também precisam de
ajuda especializada.

Um passo extremamente importante é criar mecanismos e instituições que fortaleçam,


de fato, os direitos dessas pessoas. Para tal, devem ser direcionadas mais verbas ao
setor, que naturalmente seriam aplicadas na contratação de profissionais capacitados
a atuarem nas inúmeras áreas. Além disso, deve-se abrir espaço para que os próprios
indivíduos portadores de deficiência também participem do processo de decisão.

*
O termo pessoa com deficiência foi estabelecido pela Lei Brasileira de Inclusão no seu artigo 2º. Link da lei: http://
www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm

45
A mídia deve ser chamada a participar de modo mais positivo, promovendo ações inclu-
sivas e mostrando, em seus canais, atitudes positivas a respeito dessa parcela da popu-
lação. Ela deve ter, em seu interior, equipes de análise e crítica dos conteúdos produzidos
que atuem juntamente com os conselhos de defesa da pessoa portadora de deficiência,
evidenciando, assim, possíveis erros que possam cometer.

Por último, cabe lembrar que, para a criação de uma sociedade em que se respeite a
diversidade cultural, esses personagens, como todos os outros, independentemente
de suas características culturais, carecem de ser incluídos na sociedade e, por conta
disso, necessitam ter acesso a todos os recursos gerados por ela. Além disso, a inclu-
são e a acessibilidade dos portadores de deficiência significam também um fator de
ordem econômica, visto que eles podem e devem ser inseridos no sistema produtivo
de nossa sociedade, o que fatalmente diminuiria o seu custo social para com esses
agentes. Portanto, o problema de inclusão não é apenas individual, nem familiar, mas
de toda a sociedade.

46
A expressão da diversidade cultural indíge-
na: a construção do conceito de etnia. Movi-
mentos identitários indígenas na formação
da identidade nacional

Vamos iniciar nosso tópico 2 pensando o cenário da população indígena. No Brasil, segun-
do o censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
existem hoje 896 mil indivíduos que se declaram indígenas. Esse quantitativo confirma
um crescimento que já se apresentava expressivo no censo que foi realizado em 1991. Na-
quele ano, havia 294 mil indígenas no Brasil. No censo seguinte, em 2000, contabilizou-se
743 mil indígenas. Esse crescimento pode ser melhor visualizado em um gráfico.

População indígena segundo os censos do IBGE de 1991, 2000 e 2010.

1000
900
800
700 População indígena
600 no Brasil em mil
500
400
300
200
1991 2000 2010

Fonte: IBGE.

O crescimento não se deu única e exclusivamente por características demográficas, ou


seja, pelo fato de que nasceram mais indivíduos do que morreram, mas porque mais pes-
soas passaram a se reconhecer como indígenas, em especial, nas áreas urbanas. Pelo
senso comum, tal processo é bastante difícil de se compreender, uma vez que se associa
as culturas indígenas ao meio rural, pois entende-se que, se o indígena se desloca para a
cidade, deixando para trás sua aldeia, ele deixaria de pertencer a alguma etnia indígena.

47
Ampliando o foco

Esses indígenas falam 274 línguas e pertencem a 305 etnias diferentes. Tais
números precisam de um estudo mais aprofundado, uma vez que algumas
das línguas declaradas podem ser variações, assim como as etnias podem ser
subgrupos étnicos. Apesar desses ajustes, os números são importantíssimos
e já nos mostram uma característica muito importante, que costuma passar
desapercebida. Ou seja, não é possível falar de uma cultura indígena, mas sim
de culturas indígenas.

Etnia

O conceito de etnia começou a ser construído a partir do momento em que se criticava


o conceito de raça, já no século XIX. Tais conceitos, por vezes, são utilizados como sinô-
nimos, quando, na verdade, não são. Etnia apareceu nas ciências sociais, no século XIX,
para definir um grupo de indivíduos que tinham a mesma língua e os mesmos costumes.
Esse conceito foi criado pelo antropólogo francês Vacher de Lapouge para definir tudo
o que dizia respeito às características culturais, portanto, inventadas pelos homens, em
oposição à raça, que eram as características físicas, assim, natural, herdadas pelos ho-
mens. Contudo, o conceito ficou mais refinado com a definição proposta pelo sociólogo
alemão Max Weber. Segundo esse autor, os grupos étnicos acreditam que possuem a
mesma origem cultural, enquanto a raça é definida por sua origem cultural e biológica,
logo, natural.

O que se deve destacar é que a definição, proposta e mais aceita pelos cientistas sociais
a respeito da etnia, indica-nos que a questão natural (biológica) está longe de ser a mais
importante, ou seja, o fato de ter uma origem em comum real que determinaria o perten-
cimento a uma determinada etnia. Sendo capital, na verdade, o fato de que os indivíduos
compartilham e acreditam que possuem uma origem comum, corroborada pelo fato de
terem costumes e atos semelhantes, tais como religião e língua, o que chamamos de
cultura. Ela é, portanto, uma construção daquele grupo e, para que continue a existir, seus
membros devem sempre acreditar nessa crença e se sentir pertencentes a ela.

Esse conceito vem sendo denunciado por alguns antropólogos como etnocêntrico, uma
vez que é aplicado nas sociedades primitivas (tribais) em oposição ao conceito de Nação
(com N maiúsculo) para os “Estados civilizados”.

48
O conceito, no entanto, é extremamente importante, porque tem sido utilizado de forma
bastante objetiva. Sendo assim, têm sido reivindicado direitos específicos pelo fato de o
indivíduo pertencer a um grupo étnico específico, ou seja, de o grupo ter uma identidade
étnica (etnicidade) particular. Se por um lado o conceito pode ser positivo, por conta do
que acaba de ser exposto, por outro lado, ele pode ser negativo, uma vez que acaba por
reafirmar o etnocentrismo. Tal problema ocorre porque, ao fazer com que o indivíduo se
insira em uma determinada etnicidade, isso pode levá-lo a atitudes de repulsão às de-
mais etnicidades, como já vimos.

Dessa forma, a aceleração da globalização e a consequente mudança de percepção que


temos a respeito do tempo e do espaço, passam por um processo de compressão e
as etnicidades passam instrumentos políticos utilizados dentro dos Estados-nação, mas
igualmente em escala global. Assim, conflitos políticos têm se mostrado como sendo
étnicos, que buscam a afirmação de cidadania.

Como dito acima, existem hoje, no Brasil, aproximadamente 305 etnias diferentes, o que
daria algo em torno de 300 culturas indígenas distintas. No exíguo espaço que dispomos,
só é possível traçar um quadro geral dessas culturas. Para isso, vamos citar alguns dos
critérios criados por estudiosos, para mais uma vez evidenciarmos essa riqueza cultural
e a dificuldade em classificá-las.

Um dos que tentaram agrupar essas culturas foi o linguista Aryon Dall´lgna Rodrigues,
em 1972. O autor utilizou três critérios, a saber:

• O tipo físico - Ou seja, suas características raciais. Os índios, no Brasil, são classi-
ficados como mongoloides, tendo as mesmas origens que os povos orientais.
• O tronco linguistico - Subdivididos em três:
o Tupi – Divididos em sete famílias, sendo a mais importante a tupi-guarani.
o Macrojê – Na qual se inclui a família jê, que é composta em especial pelas
línguas kayapó, timbira e akuen. Ainda teriam mais quatro famílias menores.
o Arauak – Composta pela família arauak, sendo a mais importante a arawá.
o Outras famílias ainda não agrupadas, como: karib, tukâno, pano, xirianá,
txapakura, mura, maku, nambikwára, guaicuru.
o Ainda existiriam línguas isoladas que não se filiam a nenhuma família lin-
guística.
o Línguas que não se têm informações suficientes para que possam ser clas-
sificadas.
o Línguas que não possuem mais falantes.

49
Para saber mais a respeito das línguas indígenas, leia SCHRÖDER, Peter. Curt Unckel
Nimuendajú: um levantamento bibliográfico. Tellus. Campo Grande, n. 24, p. 39-76, jan./
jun.2013

• Diferenças culturais - Mesmo os índios que possuem a mesma língua não têm o
mesmo modo de vida. Por vezes, grupos indígenas que possuem famílias linguísti-
cas diferentes têm modos de vida mais parecidos porque habitam regiões próximas,
mantendo contatos culturais. Todavia, os grupos indígenas brasileiros são divididos
em dois grupos.
o Caçadores e coletores que se tornaram agricultores – Localizados no cer-
rado brasileiro, eles têm na prática da horticultura sua principal atividade com
o cultivo da batata-doce. Em épocas de seca, pequenos grupos praticam a
coleta, a caça e a pesca no cerrado. Em relação aos bens culturais, eles não
possuem cerâmica nem objetos para tecer fios e canoas.
o Aldeias agrícolas da floresta tropical – Localizados em lugares acessíveis,
que possuem grande quantidade de água, em especial na bacia amazônica.
Não possuem alto grau de desenvolvimento tecnológico e de complexidade
social, tal qual as culturas andinas pré-colombianas.

Para saber mais sobre Aryon Dall´lgna Rodrigues, acesse o link: www.etnolinguistica.org.

Em termos de aculturação dos índios, outra classificação foi feita por Eduardo Galvão,
em 1959. O estudioso considerou as características de dinâmica social e as relações que
esses povos estabelecem com o tempo e com o espaço, dividindo os indígenas em 11
áreas, com algumas subáreas.

1. Norte-amazônica,
2. Juruá-Purus,
3. Guaporé.
4. Tapajós-Madeira,
5. Alto Xingu,
6. Tocantins-Xingu,
7. Pindaré-Gurupi,
8. Paraguai (Chaco),
9. Paraná,
10. Tietê-Uruguai,
11. Nordeste.

50
Fonte: Indios do Brasil.

Outra classificação foi feita por Darcy Ribeiro, em 1957, levando em consideração a
situação de contato dos grupos indígenas com a sociedade nacional, dividindo-os em
quatro grupos.

Grupos isolados - Grupos que ainda não fizeram o contato ou apresentam alguma hosti-
lidade ao fazê-lo. Habitam ou vagueiam em áreas que ainda não foram colonizadas.

Grupos em contatos intermitentes - Grupos que se situam em regiões de baixa den-


sidade demográfica, como o Centro-Oeste e a Amazônia. A maior parte desses grupos
encontra-se protegida, pelo menos oficialmente, pelo Estado brasileiro, visto que estão
em reservas indígenas.

Grupos em contatos permanentes - Grupos que apresentam algum grau de preserva-


ção de seus elementos culturais, como língua, religião, cultura material etc., mas depen-
dem do fornecimento de objetos e bens para a sua sobrevivência.

Grupos integrados - Grupos que perderam suas línguas e outras características cultu-
rais, porém ainda preservam a sua identidade cultural. Todavia, também dependem eco-
nomicamente da sociedade envolvente (Estado brasileiro) para a sua sobrevivência. Eles
lutam pela preservação de suas terras e pela manutenção de suas identidades indígenas.

51
Tais classificações são importantes, em especial, no campo da análise social. Contudo,
a classificação mais importante foi dada por Darcy Ribeiro. Segundo ele, “índio é todo
indivíduo reconhecido como membro de uma comunidade de origem pré-colombiana,
que se identifica como etnicamente diversa da nacional e é considerado indígena pela
população brasileira com quem está em contato”.

Para refletir

Suas palavras foram tão importantes que, em 1973, ao se criar o Estatuto do


Índio, por meio da lei n° 6.001/1973, uma pequeníssima variação delas acabou
por compor o artigo 3º dessa legislação, que definiu o que é ser índio e o que é
uma comunidade indígena, a saber:
Art. 3º Para os efeitos de lei, ficam estabelecidas as definições a seguir discri-
minadas:

I - Índio ou Silvícola - É todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana


que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas
características culturais o distinguem da sociedade nacional;

II - Comunidade Indígena ou Grupo Tribal - É um conjunto de famílias ou comu-


nidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação
aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou
permanentes, sem contudo estarem neles integrados. (BRASIL, 1973)

Essa legislação também fez uma classificação oficial a respeito dos grupos indígenas,
segundo ela:

Art. 4º Os índios são considerados:

I - Isolados - Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e


vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional;

II - Em vias de integração - Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos


estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas acei-
tam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão
nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento;

52
III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno
exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições caracterís-
ticos da sua cultura.

(BRASIL, 1973)

Acesse o Estatuto do Índio pelo link www.planalto.gov.br.

A Constituição de 1988 deu um novo tratamento aos indígenas, enfatizando, sobretudo,


o direito de permanecerem enquanto indígenas e o usufruto de suas terras ancestrais.
Para dar conta dessas mudanças, foram apresentados inúmeros projetos de lei para re-
ver o Estatuto do Índio, o que não ocorreu, entretanto. Somente em 1994, uma comissão
parlamentar, criada dois anos antes, propôs o Estatuto das Sociedades Indígenas para
substituir o Estatuto do Índio. Contudo, ele permanece parado até então, sobretudo por
conta da pressão da bancada de parlamentares ruralistas, que lutam para dificultar as
demarcações das terras indígenas ou até mesmo extingui-las.

Enquanto isso, em 2014, uma comissão no Congresso Nacional aprovou a proposta de


Emenda Constitucional nº 215 de 2010, que, em linhas gerais, ataca o direito das popula-
ções tradicionais (índios e quilombolas) em relação à questão fundiária. O tema é bastan-
te polêmico, mas o principal ponto incide no fato de que as novas demarcações de terras
deixariam de ser feitas pelo governo federal (para os casos dos indígenas e quilombo-
las) e pela Funai (para os indígenas), as quais passariam a ser feitas pelo Congresso
Nacional por meio dos deputados federais e senadores, o que dificultaria imensamente
tais demarcações, visto o número de parlamentares envolvidos com a referida bancada
ruralista. Em 2016, o senador Telmário Motta (PDT-RR) propôs um projeto de lei (PLS nº
169/2016) criando o Estatuto dos Povos Indígenas, porém, ele permanece parado.

O dia 7 de fevereiro foi instituído pelo decreto presidencial nº11696 de 12 de junho de 2008
como o dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Mas ainda há muito para conquistar.

Contribuições culturais indígenas

Chegou a hora de olharmos algumas das inúmeras contribuições das culturas indígenas
à cultura nacional brasileira. De um modo geral, essa contribuição tem sido negligencia-
da e a sociedade brasileira não consegue ou não quer vê-la, o que nos causa estranheza,
posto que muitas delas são importantíssimas para a economia mundial, isso sem falar
no conhecimento científico. Essas contribuições são exemplos claros de “crioulização do

53
mundo”, ou seja, como essas culturas pré-colombianas contribuíram imensamente para
a cultura global.

Um legado cultural importante que as culturas indígenas trouxeram para a cultura brasi-
leira diz respeito a algumas crenças, lendas e mitologias que foram adaptadas ou sim-
plesmente incorporadas, sendo muitas delas de origem na cultura (tradição) oral, como
duendes e assombrações. Esses seres moram no fundo dos rios ou nos cantões das
florestas, materializam-se em entidades naturais ou sobrenaturais, como botos, cobras
grandes, curupiras, anhangás, sacis etc.

Ampliando o foco

Muitas plantas também são importantes para o uso medicinal em nossa socie-
dade, embora algumas não tenham sido incorporadas à medicina tradicional
(científica).
Ipecacuana – Usada contra a diarreia e na indústria farmacêutica.
Jaborandi – Usado como sudorífico e depurativo e na indústria farmacêutica.
Copaíba – Usada para curar feridas. No século XVIII, passou a ser usada pelos
ocidentais contra infecções nas vias urinárias.
Quina – Usada para a cura da malária.
Alguns alucinógenos também têm origem nas plantas da América, como o ah-
uyasca ou caapi, o ipadu ou coca.

Para finalizar, não poderíamos deixar de abordar um dos legados culturais mais impor-
tantes que os índios nos deram, o mutirão. Uma instituição amplamente utilizada, sobre-
tudo em comunidades carentes no Brasil, em especial na área da construção civil, que
instaura a ajuda mútua entre seus vizinhos, os quais se reúnem para executar um traba-
lho coletivo, que pode beneficiar toda a comunidade ou apenas um de seus participantes.

54
A diáspora negra na formação cultural bra-
sileira: a politização do conceito de raça

Vimos que os conceitos de raça e etnia por vezes são usados de forma equivocada como
sinônimos. Como naquela aula o objetivo era trabalhar com o conceito de etnia, acaba-
mos apenas por desenvolvê-lo. Neste tópico 3, portanto, vamos analisar o de raça. O tema
é bastante complexo. Por isso, iremos observar apenas alguns pontos que tocam direta-
mente a questão da cultura brasileira, sendo ainda mais pontual, abordando o legado das
culturas africanas e afro-brasileira para a formação da brasilidade.

No imaginário popular, raça possui um significado diferente do científico (acadêmico)


e está vinculado à ideia original do conceito que data do século XIX. Naquela oportuni-
dade, definia-se como um conjunto de características biológicas, portanto naturais, que
um determinado grupo de pessoas possuía. Embora o termo já fosse utilizado na época
moderna, porém com outras definições, seria no início da Idade Contemporânea, inau-
gurada pela Revolução Francesa (1789), portanto na virada do século XVIII para o XIX,
que o conceito de raça, como entendemos hoje, passaria a se firmar. Era o momento no
qual se construíam os Estados nacionais e estavam em voga a história natural e a antro-
pologia física. Naquele contexto, a história da humanidade, ou melhor, o surgimento da
humanidade, passava a ser explicado pela poligenia, ou seja, pela existência de diversas
raças humanas.

Todo esse quadro acabava por definir raça como um conjunto de pessoas que possuíam
as mesmas características físicas que determinavam sua condição moral, suas atitudes
mentais e o seu comportamento. Sendo assim, cultura, na verdade, passou a ser sinôni-
mo de raça. Entretanto, deve-se sublinhar que, no limite, essa cultura independia da ação
humana, já que era determinada pela natureza. Essa visão acabou por se impor, classifi-
cando as raças como superiores e inferiores, naturalmente dentro de um quadro no qual a
“raça branca europeia cristã (caucasiana)” era a mais desenvolvida. Nesse cenário como
quadro de fundo, também havia a teoria do darwinismo social, já no século XIX, juntamen-
te com teorias eugênicas, uma prática médica e criminológica que defendia a influência
da raça em determinadas doenças e práticas criminais.

Parte desse pensamento, em especial a ideia de que os seres humanos possuem origens
diferentes e que essas levam à construção de diversas raças, como a branca, a negra, a
amarela etc., continua a perdurar no senso comum.

55
Inúmeras ciências de diversos campos já abandonaram essa ideia. Hoje, o consenso cien-
tífico diz que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie (Homo sapiens) e sua
subespécie (Homo sapiens sapiens). Uma das primeiras ciências a defender essa visão
foi a biologia, em especial os geneticistas. Esses estudiosos mostraram que entre “bran-
cos”, “negros” e “amarelos” há uma parcela muito pequena de genes que os diferem, o que
não justificaria a existência de várias raças.

A questão ainda é bastante problemática, porque, como as ciências, sejam elas quais fo-
rem, são um discurso produzido por pessoas e instituições, eivadas de valores, situadas
em uma determinada sociedade, alguns estudiosos ainda teimam em utilizar o conceito
de raça tal qual o formulado no século XIX.

Outros campos tentam (re)formular o conceito de raça e ainda o usam de forma objetiva,
até porque, como vimos, o conceito no senso comum continua sendo aplicado. Dessa
forma, o conceito de raça aproxima-se dos de etnia e de cultura. O que se pretende com
isso é observar a maneira como a sociedade, em especial a contemporânea, lida com as
diferenças culturais, o que seria útil para analisar o racismo/preconceito/etnocentrismo.
A raça deixa de ser um conceito natural/biológico para se tornar social, que estipula e im-
põe o lugar social de determinados grupos e instaura desigualdades sociais e identidades
culturais. Nesta aula, iremos utilizar esse conceito de raça.

A raça negra, trazida por meio da diáspora africana para o Brasil, foi fundamental para a
formação da cultural brasileira. A afirmativa pode ser comprovada tanto quantitativamen-
te como qualitativamente. Em termos quantitativos, o último censo realizado pelo IBGE,
em 2010, foi bastante importante, como pode ser visto no quadro. Os números do censo
de 2010 mostram que pela primeira vez, após a abolição da escravatura no Brasil (1888), o
número de pessoas “não brancas” (preta + parda + amarela + indígena + sem declaração),
aproximadamente 99 milhões, ultrapassou o de “brancos”, que corresponde à aproxima-
damente 91 milhões de indivíduos na população brasileira.Assim, na população brasileira,
temos 48 % de brancos, 51 % de pretos e pardos e 52 % de não brancos.

Sem
Raça/etnia
declaração

Ano Total Branca Preta Parda Amarela Indígena

1872 9.930.478 3.787.289 1.954.452 3.801.782 - 386.955 -

1890 14.334.215 6.302.198 2.097.426 4.638.795 - 1.295.796 -

1900 17.438.434 - - - - - -

56
1920 30.635.605 - - - - - -

1940 41.236.315 26.171.778 6.035.869 8.744.365 242.320 - 41.983

1950 51.944.397 32.027.661 5.692.657 13.786.742 329.082 - 108.255

1960 70.191.370 42.838.639 6.116.848 20.706.431 482.848 - 46.604

1970 93.193.070 - - - - - -

1980 119.011.052 64.540 .467 7.046.906 46.233.531 672.251 - 517.897

1991 146.815.791 75.704924 7.335.139 62.316.060 630.659 294.131 534.878

2000 169.799.170 90.647.461 10.402.450 66.016.783 866.972 701.462 1.164.042

2010 190.755.799 91.051.646 14.517.961 82.277.333 2.084.288 817.963 6.608

Fonte: IBGE.

(%) de raça/etnia da população brasileira segundo o Censo de 2010


52

52 51

50 48 Brancos
(%) Não brancos
48 Pretos e pardos

46
raça/etnia

Tais números, mais uma vez, mostram a importância da camada afro-brasileira (preta +
parda) para a cultura brasileira. E não devemos deixar de sublinhar o fato de que esses
números expressam a maneira pela qual a própria população se enxerga, uma vez que
seus dados foram pautados pelo princípio da autodeclaração. Assim, eles nos mostram
que a população, no Brasil, se entende como “não branca” em sua maioria. Nesse sen-
tido, cabe a pergunta: será que os elementos culturais dessas outras matrizes culturais
têm sido valorizados e reconhecidos por parte da população?

Como para o caso indígena, a resposta é negativa. Já para a cultura afro-brasileira, a


questão é um pouco menos problemática, o que com toda a certeza está ligada ao pro-
cesso histórico da formação de nossa sociedade contemporânea. Não é à toa, mais
uma vez, que somente agora, como evidenciado acima no censo de 2010, a parcela da
população branca deixou de ser majoritária no quadro demográfico.

57
Se por um lado esse número, aos olhos da sociedade brasileira, apareceu como uma no-
vidade, aos olhos de alguns, apareceu como bem interessante. Por outro lado, os olhares
internacionais já creditavam o Brasil como o país de maior população afrodescendente
fora da África.

Grande parte desses indivíduos são descendentes de vítimas da diáspora negra motiva-
da pelo tráfico Atlântico de escravos africanos, que vigorou durante a Era Moderna e par-
te da Contemporânea, uma vez que ele só foi oficialmente extinto em 1850. Não se sabe
ao certo quantas vítimas o comércio de almas fez, mas algumas estimativas, muitas das
quais apresentam números muito diferentes, dão conta que desembarcaram na Amé-
rica cerca de 10 milhões de pessoas, que vinham de inúmeras áreas, as quais davam
uma determinada identidade a esses sujeitos, posto que, aos seus nomes cristãos, eram
acrescentadas suas “nações” (portos de onde tinham saído na África, que não necessa-
riamente eram os seus lugares de origem), como Benguela, Mina, Angola, Cassange etc.

Dessa maneira, é muito difícil identificar de onde vêm sua origem cultural, mas, no ge-
ral, esses africanos, com suas inúmeras culturas, acabam sendo classificados em dois
grandes grupos:

A civilização congo-angolana (Congo, Benguela, ovambo, Cabinda, Angola, macua, angi-


co etc.), cuja cultura é chamada de “banto”. Ela esteve presente em todos os momentos
do tráfico de escravos.

Os da região do Golfo da Guiné (iorubá, jeje, hauçá e nagô), cuja cultura é chamada de
“sudanesa”. Em especial, eles foram mais traficados para as regiões Nordeste, do açúcar,
e Sudeste, do ouro.

O legado cultural desses povos pode ser sentido em várias facetas de modo qualitativo,
na filosofia e nas doutrinas religiosas, que conferem uma estrutura aos cultos de diversas
religiões populares no Brasil. Assim, várias religiões, que são depreciativamente chama-
das de “macumbas”, são modalidade de candomblés, de minas. Macumba, vale lembrar,
é um instrumento de percussão, cuja origem remonta ao continente africano, o qual era
utilizado nessas expressões religiosas.

Essas expressões sagradas hibridizaram-se com outras de diversas matrizes, como as


indígenas e a branca, dando origem a outras, como, respectivamente, as encantarias e
a umbanda. Contudo, mesmo algumas modalidades de candomblés e de minas não fi-
caram, também, sem sofrer algum tipo de mudança ao longo de todo esse período. Elas

58
igualmente passaram por processos de hibridização, o que muitas vezes não é ressalta-
do por seus praticantes, que preferem enfatizar uma falsa pureza e tradição.

Alguns estudiosos começaram a destacar que muitos desses candomblés não eram
africanos e sim afro-brasileiros. Eles sublinhavam que aquelas práticas religiosas, realiza-
das em solo brasileiro, haviam perdido uma de suas principais características, o culto aos
antepassados familiares ou o de suas aldeias, de modo que era impossível cultuá-los.

Assim, esses cultos acabaram por ser substituídos pelo culto aos orixás, seres mágicos
que controlam a natureza, para continuarem a se diferenciar das demais práticas reli-
giosas. Além do mais, no processo de escravidão e de encontro de etnias africanas nas
senzalas, houve um processo de incorporação e fusão (hibridização) de culturas diversas
que transformariam os candomblés.

Além da religião, outros legados culturais dos afro-brasileiros são importantíssimos para
a formação da identidade e da cultura brasileira. Mas a religião ainda é uma das mani-
festações que mais geram intolerância e se dá exatamente em relação às religiões de
matrizes afro-brasileiras. As religiões de matriz africana que desembarcaram no Brasil,
ao longo da diáspora, instalaram-se, basicamente, no meio urbano. Inicialmente, suas
práticas aconteciam dentro do foro individual por meio de rituais voltados para a cura
física e psíquica de um indivíduo que se encontrava doente. Fazia-se, então, o uso de
adivinhações, limpezas espirituais, rezas, medicações etc.

As pessoas que conduziam tais rituais incorporavam seus ancestrais ou diziam atuar
sob suas orientações. No início, esses rituais eram, praticamente, originários dos povos
bantos, mas logo depois, outros povos da África ocidental também começaram a prati-
car suas religiões, em especial nesse segundo grupo, o qual trouxe o culto de algumas
divindades que protegiam as suas coletividades na África, como suas aldeias, cidades e
Estados. Essas divindades eram ligadas aos elementos da natureza, como a água (rios
e mares), montanhas, florestas, às atividades realizadas na natureza, como a caça e a
pesca e aos fenômenos naturais, como vento, trovão etc.

Sendo assim, aqueles primeiros lugares, chamados de “casa de dar fortuna”, ou seja,
o espaço no qual o doente isoladamente ia buscar uma melhora na sua saúde, na sua
sorte e no seu bem-estar, deram lugar aos famosos “calundus”, ambientes no qual se re-
uniam várias pessoas de forma organizada, onde se instalava um panteão de divindades
africanas e se estabelecia, também, uma hierarquia sacerdotal. Em suma, as práticas
religiosas começaram a se estruturar, criar hierarquias, ritos, filosofia e a se construírem
enquanto uma religião com uma forma específica.

59
Dos bantos, essas religiões herdaram o culto aos chefes de linhagens e aos seus heróis
fundadores (ancestrais), enquanto do oeste-africano, o legado foi mais voltado para o
culto a tudo o que dizia respeito à natureza e às divindades que protegiam determinadas
ações humanas. Tudo, porém, tinha um princípio unificador de que a interação da força
vital do universo não poderia ser abalada, tanto no plano material quanto no espiritual.
Todos os elementos da natureza (do qual se inclui o homem, os animais, vegetais e mi-
nerais) deveriam permanecer unidos, tendo cada um deles uma função nesse equilíbrio.

Os primeiros registros escritos desses curadores apareceram no Brasil na segunda me-


tade do século XVII. Naquele momento, o termo “calundu” já era bastante comum. So-
mente no início do século XIX que o termo “vodum” e “candomblé” passaram a ser re-
gistrados. Todavia, seria apenas na segunda metade dos novecentos que o candomblé
passou a se organizar, em especial nas regiões da Bahia e do Rio de Janeiro. Em seu seio,
surgiram lideranças capitais no campo da política e da religião, compostas por afro-bra-
sileiros e por africanos. Nos anos de 1970, por conta de uma série de questões, algumas
das quais já vistas neste curso, como a aceleração da globalização e o (re)viver étnico,
as religiões afro-brasileiras passaram a se reestruturar e conquistaram um espaço social
importante. Nos anos de 1990, inúmeros sacerdotes de religiões afro provenientes de
Cuba instalaram-se no Brasil, quando houve um renascer do culto do orixá Ifá (divindade
que representa o saber e o conhecimento), que se tornou a base para os cultos de outros
orixás de origem ioruba. Esse movimento, especialmente no Rio de Janeiro, ganhou bas-
tante força.

O candomblé, no Brasil, acabou dando nome à religião de grupos iorubás e jejes, prove-
nientes do oeste africano, que cultuam orixás e voduns. Provavelmente, os jejes já esta-
vam presentes no Brasil no século XVIII na região das minas e dali teriam introduzido tais
práticas ao se misturarem com os escravos de origem banto.

Os terreiros mais importantes de tradição jeje, no entanto, estão localizados em outras


regiões: em São Luís (MA), a Casa das Minas, e, em Salvador (BA), o Bogum.

Todavia, por conta de uma melhor organização, os terreiros de tradição iorubá da região
do Keto acabaram se tornando os mais famosos. Os mais populares ficam em Salvador,
como o da Barroquinha, embrião do terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, considera-
do por alguns o mais antigo do Brasil. Esse teria dado origem, no século XIX, ao candomblé
do Alaketo, que mais tarde ajudaria na fundação de dois outros terreiros importantíssimos,
o Axé Opô Afonjá (com atuação marcante nos anos de 1930, quando o candomblé se con-
solidava) e o Gantois (frequentado por inúmeras personalidades brasileiras, cujo carisma
da ialorixá Menininha do Gantois foi fundamental para o seu crescimento).

60
Já o candomblé banto teria se estruturado por hibridização com os candomblés de tra-
dição jeje-nagô dos calundus devido ao uso de muitas práticas e rituais parecidos. Há
ainda os candomblés conhecidos como xangô nordestino e batuque gaúcho, que são
variações dos de origem iorubá.

Outra religião importante de matriz afro é a umbanda. Umbanda é uma palavra de origem
quimbundo que possui vários significados, dentre os quais o de “medicina”. Sua origem
remete à ideia de práticas visando à cura física e/ou espiritual. Inicialmente, ela era utiliza-
da por ritos de bantos no sudeste brasileiro. Muitos chamam essa prática pejorativamen-
te de “macumba”. Em sua essência, a umbanda reúne elementos de diversas religiões,
como as africanas, o catolicismo popular e o kardecismo. Não se sabe ao certo como
se deu sua criação, porém, uma de suas explicações dão conta que ela teria surgido em
1908, em um centro espírita kardecista. Naquela oportunidade, uma entidade indígena,
protestando contra a discriminação existente naquele centro, que hierarquizava os espíri-
tos, de modo que os africanos, os indígenas e as crianças eram tidos como “atrasados”,
informou que criaria uma nova religião tendo como base tais espíritos.

A umbanda, assim como outras religiões afro, passou a adotar práticas sincréticas, ne-
gando inclusive seu caráter inicial de resgate da africanidade original. Ela começou a
se apresentar mais “científica” e menos “primitiva” ao se aproximar mais de vertentes e
elementos de religiões europeias em vez de religiões afro. No entanto, nas linhas mais
tradicionais, o culto aos pretos velhos (antigos escravos africanos), caboclos (chefes e
antepassados indígenas), orixás iourubanos cristianizados e crianças continuam a ter
grande espaço. Sua prática sincrética continua forte. Dessa maneira, por exemplo, os
espíritos infantis são associados aos santos do catolicismo Cosme e Damião e ao orixá
duplo iourubano Ibêji, que protege os gêmeos e as crianças em geral.

Estudos mostram que os conflitos motivados pela intolerância religiosa no Brasil têm
aumentado e não são exclusivos da contemporaneidade. Portanto, não são novidade.
Vale lembrar que durante todo o período colonial (1500-1822), a única religião permiti-
da no Brasil era o catolicismo. Já no império (1822-1889), com a outorga da primeira
Constituição brasileira (1824), o catolicismo passou a ser a religião do império. Porém,
em seu artigo 5º, havia a permissão de outras práticas religiosas, desde que executadas
em espaço doméstico sem a construção de templos específicos. Pesquisadores que
estudam a intolerância no Brasil contemporâneo sublinham que tal fenômeno está liga-
do ao crescimento de religiões neopentecostais por conta da crença dessas, no qual é
necessário eliminar o demônio, assim como suas ações do mundo. Os neopentecostais
afirmam ainda que outras religiões têm se esforçado muito pouco em tal empreitada ou
elas mesmas são um disfarce não apenas desse demônio, mas também de suas ações.

61
Essa última característica tem sido creditada às religiões de matriz africana, embora mui-
tas de suas práticas tenham origem nessas religiões que combatem.

As igrejas neopentecostais, atualmente, vivem uma terceira onda de crescimento, inicia-


da nos anos de 1970, com algumas características diferentes das duas outras ondas,
e, por isso, receberam o prefixo de “neo” (novo). Algumas identidades passaram a ser
comum a essas igrejas, como, por exemplo, o descarte do ascetismo, a ênfase no prag-
matismo, a gerência empresarial, a valorização da teologia da prosperidade, o uso cons-
tante da mídia para a conversão e propaganda e, para o que nos interessa mais de perto,
o caráter central da teoria de luta espiritual contra as demais religiões, especialmente as
que possuem algum grau de espiritismo, sejam as religiões afro-brasileiras ou até mes-
mo o espiritismo.

Como vimos, a parcela da população brasileira que professa religiões afro-brasileiras é


muito pequena, sendo, segundo o censo de 2010, apenas 0,31%. O que nos levaria a pen-
sar: seria realmente útil abrir uma guerra contra uma parcela tão pequena a ser converti-
da e conquistada? Não seria melhor abrir fogo contra religiões que possuem uma parcela
maior de adeptos, como, por exemplo, o próprio catolicismo romano?

A questão não reside no número em si, mas na estratégia utilizada para a conversão
de novos fieis e a sua manutenção. Haveria no Brasil uma demanda por expressões
religiosas que se pautem em sistemas de mediações mágicas e experiências de transe
religioso. A essa característica se somaria a proposta de exacerbação do avivamento
(a manifestação de Deus entre os homens) dos neopentecostais. Combater as religiões
afro-brasileiras e espíritas não estaria ligado ao fato de lhes retirarem fiéis, mas sim a
combater a possibilidade de elas conseguirem ofertar àquelas pessoas as mediações
mágicas e experiências de transe que demandam. Os neopentecostais, no limite, pro-
curam ter o monopólio desse ritual, no que são ajudados, sem sombra de dúvida, pelo
respeito social que a religião cristã possui na sociedade, ao contrário das religiões afro-
-brasileiras, que historicamente são associadas a fatores negativos.

Ou seja, ainda temos muito para aprender em termos de coexistência cultural.

62
MIDIATECA

Para ampliar o seu conhecimento veja o material complementar da Unidade 2,


disponível na midiateca.

NA PRÁTICA

Apesar de no Brasil adotarmos um discurso de que nossa cultura é rica por conta
do somatório de matrizes culturais distintas (indígena, portuguesa e africana),
ainda continuamos a valorizar os elementos lusos em detrimento dos demais, de
modo que as religiões de matrizes africanase a forma de vida indígenas são vis-
tas com preconceito e como “menores”. Podemos observar ainda na atualidade,
um processo de “menosprezo” e quando se pensou em criar uma cultura nacio-
nal, sua importância foi relegada, como ainda o fazemos atualmente.

Por isso a luta por vozes produzidas a partir do seu “lugar de fala”, a partir dos
grupos que vivenciam essas culturas afim de participar de debates para defen-
der sua identidade cultural. Uma delas é evitar uso de elementos de sua cultura
material fora do contexto, como roupa de índio como fantasia de carnaval ou
mesmo músicas que reproduzem preconceitos.

63
Resumo da Unidade 2

Nesta unidade, estudamos a importância dos direitos humanos na construção de afir-


mações identitárias. Também observamos como os conceitos de etnia e de raça foram
construídos e como eles são utilizados, ainda hoje. Sublinhamos que, por vezes, ambos
são usados equivocadamente como sinônimos. Destacamos igualmente que o senso
comum reúne em uma única categoria cultural as inúmeras etnias indígenas, não con-
siderando a imensa diversidade étnica existente entre os povos pré-colombianos antes
do contato, assim como na contemporaneidade. Listamos contribuições indígenas para
a (re)formação da identidade e da cultura contemporânea brasileira. Vimos também que
outras etnias provenientes da África foram fundamentais para esse processo. Esses po-
vos desembarcaram aqui por conta da diáspora africana, que se deu entre 1530 e 1850.
E, por fim, vimos que a intolerância contra práticas culturais, originárias desses povos,
continuam a existir no Brasil contemporâneo, em especial as que se manifestam no cam-
po religioso, o que faz com que nossa sociedade brasileira atual não respeite a diversida-
de cultural, embora formule um discurso contrário.

CONCEITO

Trabalhamos os conceitos de etnia, raça, direitos humanos e legislação, demo-


cracria e cidadania, discriminção e preconceito, identidade cultural geracional,
identidade sexual, pessoa com deficiência, identidade indígena, identidade afri-
cana, religiosidade afro-brasileira e coexistência cultural.

64
Referências

CARNEIRO, Si. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011,
p. 119-136.

CUNHA, M. C.; CESARINO, P. N. Políticas culturais e povos indígenas. São Paulo: Unesp, 2016.

GUIMARÃES, A. S. A. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa.


São Paulo, v. 29, n. 1, jan./jun. 2003.

HEYWOOD, A. Ideologias políticas: do feminismo ao multiculturalismo. São Paulo: Ática,


2010, p. 21-44. Disponível na Biblioteca Virtual.

IANNI, Otavio. Dialética das relações sociais. Estudos Avançados. São Paulo, v. 18, n.
50, jan./abr. 2004.

LOEWE, Daniel. Multiculturalismo: direitos culturais. Caxias do Sul: Educs, 2011, p. 9-14.

NILMÁRIO, Miranda. Por que Direitos Humanos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Biblio-
teca virtual UVA - Pearson.

OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: MÉTODO: 2016

PINSKY, J.; PINSKY, C. Fanatismo, Fanatismo. In: PINSKY, J.; PINSKY, C. (org.). Facetas
do fanatismo pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contex-
toHall, 2004, p. 9-14.

65
UNIDADE 3

Histórico e marcos da
Educação Ambiental
INTRODUÇÃO

Tudo faz mais sentido quando contextualizado e essa é a proposta desta unidade: revelar
as circunstâncias do surgimento da educação ambiental, acima de tudo nos cenários an-
tropológico e filosófico, passando pelas questões políticas, econômicas e sociais. Quan-
do entendemos o contexto do surgimento de uma ideia, de uma proposta, de um campo
do conhecimento, o estudo fica mais interessante.

OBJETIVO

Nesta unidade você será capaz de:

• Contextualizar o surgimento da educação ambiental no mundo e no Brasil.

67
Aspectos históricos da Educação ambiental

A população humana tem passado por muitas transformações.

Vamos entender um pouco mais sobre isso e localizar a educação am-


biental nesse cenário de mudanças?

Segundo Alves (2017), a literatura demográfica revela que a população mundial era de
cerca de cinco milhões de habitantes no ano 8000 antes de Cristo, chegando a aproxi-
madamente 300 milhões no ano 1 da Era Cristã e atingindo um bilhão de pessoas por
volta do ano 1800.

A taxa de crescimento demográfico foi de 0,05% ao ano por aproximada-


mente 10 mil anos.

Em 2019, o relatório Perspectivas mundiais de população 2019: destaques, publicado pela


Divisão de População do Departamento da ONU de Assuntos Econômicos e Sociais,
indica que a população mundial deve crescer em dois bilhões de pessoas nos próximos
30 anos, passando de 7,7 bilhões de indivíduos para 9,7 bilhões em 2050. O estudo ainda
concluiu que a população mundial poderá alcançar seu pico por volta do final do atual
século, chegando a quase 11 bilhões de pessoas em 2100.

O que aconteceu com a taxa de crescimento populacional humano?

A resposta é relativamente simples: a taxa de mortalidade caiu e a longevidade aumentou


— frutos das revoluções passadas pela humanidade, entre elas as revoluções industriais.

As revoluções industriais

Na primeira Revolução Industrial, no final do século XVIII, James Hargreaves e Richard


Arkwright revolucionaram as máquinas de fiar e James Watt aumentou a eficiência do
motor a vapor. As locomotivas e os navios a vapor revolucionaram os transportes de
passageiros e de carga, expandindo as fronteiras e as migrações humanas.

68
Um novo modelo de produção e consumo começou a apresentar resulta-
dos práticos, e os avanços científicos e tecnológicos permitiram a evolu-
ção da manufatura movida a energia não animal (SCHWAB, 2019).

Ainda segundo Schwab (2019), na segunda Revolução Industrial, na virada do século XIX
para o XX, os avanços foram ainda maiores com a introdução da iluminação elétrica, o
aço, o motor de combustão interna, o petróleo, o telefone, o automóvel, o avião etc. Nos
últimos dois séculos, os avanços da população e da economia superaram tudo o que foi
feito nos últimos 200 mil anos.

A terceira Revolução Industrial, também conhecida como Revolução Digital, começou na


década de 1960, assim chamada por ter sido impulsionada pelo desenvolvimento dos
semicondutores em mainframe, da computação pessoal (décadas de 1970 e 1980) e da
internet (década de 1990).

Para Schwab (2019), a quarta Revolução Industrial acontece na virada do século XXI e
está baseada na terceira revolução, a digital, sendo que a atual está pautada em uma
internet mais robusta e móvel, com dispositivos menores, mais poderosos e acessíveis,
além da inteligência artificial e da aprendizagem automática.

Primavera silenciosa

Note por quantas mudanças a humanidade já passou desde seu surgimento, vivendo em
cavernas, praticando o modo de vida nômade, até chegarmos ao modo de vida atual, re-
sidente e consumista. Antes das revoluções industriais tivemos a revolução da agricultu-
ra, quando domesticamos animais e plantas e pudemos fixar moradia. Em intensidades
diferentes a existência humana sempre implicou o uso dos recursos naturais, de forma
que é intuitiva a relação entre esse consumo e o tamanho da população humana. Assim,
atribui-se à primeira Revolução Industrial o aumento súbito da exploração dos recursos
e da degradação ambiental.

Foi nesse momento que surgiu uma obra que despertou a discussão sobre meio ambien-
te: o livro Primavera silenciosa (Silent Spring), em 1962, de autoria de Rachel Carson,
escritora, cientista, bióloga e ecologista norte-americana.

69
A importância dessa obra se dá por tratar-se de um livro dedicado a alertar os leitores so-
bre os impactos da ação humana no meio ambiente e criticar práticas como a utilização
de insumos químicos e o despejo de dejetos industriais na natureza.

Segundo Bonzi (2013), apesar de todas as críticas que a obra recebeu quando publicada e
ainda na época de seu artigo, a esse livro pode ser atribuída nada menos que a fundação
do movimento ambientalista moderno. Linda Lear, biógrafa da autora, conta que, após
a publicação do primeiro trecho, “o alerta de Rachel Carson desencadeou um debate na-
cional sobre o uso de pesticidas químicos, a responsabilidade da ciência e os limites do
progresso tecnológico” (LEAR, 2010), sendo o mesmo mérito atribuído por Lopes (2011).

Pereira (2012), em seu artigo que comemora os 50 anos dessa publicação, afirma:

Em 1962, a bióloga norte-americana Rachel Carson (1907-1964) publi-


cou uma das obras mais importantes do século 20. Primavera silenciosa
é considerado o primeiro alerta mundial contra os efeitos nocivos do uso
de pesticidas na agricultura. O livro influenciou a criação da agência de
proteção ambiental (EPA) nos Estados Unidos e inspirou movimentos
ambientalistas em diversos países. O livro de Carson, porém, mais que
um alerta contra os agrotóxicos, divulgou uma mensagem ética: a rela-
ção do homem com a natureza está no caminho errado e precisa mudar.

Por suscitar essa discussão inovadora em meio ao frenesi do desenvolvimento econô-


mico, Primavera silenciosa é uma obra amplamente citada como marco histórico da
educação ambiental, uma vez que esta pode ser entendida como o conjunto de proces-
sos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhe-
cimentos, habilidades, atitudes e competências voltados para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua susten-
tabilidade (BRASIL, 1999).

Importante

Tomar conhecimento e consciência dos problemas ambientais é o primeiro


passo rumo a esse processo ao qual a Política Nacional de Educação Ambien-
tal se refere.

70
Desenvolvimento sustentável

A preocupação e o alerta de Carson já vinham sendo sentidos mundo afora com os pro-
testos e as manifestações questionando os valores da sociedade capitalista e os proble-
mas de ordem social e política que ocorreram nos anos 1950 e 1960.

Segundo Ramos (2001), tais mobilizações estariam criando um clima favorável para o
envolvimento da sociedade civil e impulsionando o fortalecimento dos movimentos so-
ciais em torno dos quais se agrega e amplia o ambientalismo. Na América Latina e, espe-
cialmente, no Brasil, segundo Pires et al. (2014), esses movimentos foram mais intensos
na década de 1980. Segundo Reigota (2012), essa diferença temporal é justificada pelo
período da ditadura militar vivida no Brasil, uma vez que, “por aqui, enfrentar com discur-
sos ecologistas a ditadura militar era correr risco de vida, de prisão ou exílio”.

Ampliando o foco

Vale dizer que é possível encontrar citações de levantamento da bandeira da


ecologia como referência à educação ambiental, cabendo aqui um esclareci-
mento muito importante: não são sinônimos. A ecologia pode ser definida de
várias formas; uma delas e talvez a mais completa seja a definição de Krebs
(2001), de que é o estudo científico das relações que determinam a distribuição
e a abundância de organismos.

É, então, nesse contexto de expansão econômica, de mudança do modelo de produção


em larga escala que surge a ideia de que nossas ações impactam profundamente o
meio ambiente, podendo gerar consequências sem precedentes para as gerações futu-
ras. Isso nos leva a outro conceito intimamente relacionado à educação ambiental, mas
que também não é seu sinônimo: o de desenvolvimento sustentável.

Ideia que surge na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento –


CMMAD, criada em 1983, o desenvolvimento sustentável não é uma ciência ou um ór-
gão, mas um conjunto de atitudes que nos garante atender às demandas do presente
sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Essas atitudes incluem o uso
racional dos recursos naturais, evitando seu esgotamento e permitindo suas renovação
e perpetuação, que, no entanto, são incompatíveis com o modelo atual da sociedade

71
humana, baseado no consumo, na obsolescência programada e perceptiva e na rotativi-
dade do descartável.

Ampliando o foco

Outro conceito relacionado, mas também distinto, é o da sustentabilidade. Se-


gundo Boff (2012), o termo surgiu, originalmente, na Alemanha, em 1560, na
província da Saxônia, a partir da preocupação em relação ao uso racional das
florestas, de forma que elas pudessem se regenerar e se manter permanente-
mente. Sustentabilidade é uma característica ou condição de um processo ou
sistema que permite sua permanência, em certo nível, por um determinado pra-
zo. O princípio da sustentabilidade aplica-se tanto a um único empreendimento,
a uma pequena comunidade, como ao planeta inteiro.

Política ambiental

A construção do conceito de desenvolvimento sustentável continuou durante a Cúpula


Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, da ONU, realizada em Joanesburgo,
África do Sul, em 2010. A Declaração de Joanesburgo estabeleceu que o desenvolvimen-
to sustentável baseia-se em três pilares:

I. Desenvolvimento econômico.
II. Desenvolvimento social.
III. Proteção ambiental.

No entanto, para garantir a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável, faz-se ne-


cessária uma política ambiental: o conjunto de normas, leis e ações públicas visando à
preservação do meio ambiente em um dado território.

A política ambiental pode ser considerada como um conjunto de instrumentos à dispo-


sição do Estado para alterar a alocação de recursos, de forma a reduzir o consumo de
bens e serviços escassos sujeitos a externalidades negativas, tais como: o ar, que age
como veículo de descarga de resíduos de processos de combustão e de diversos pro-
cessos industriais; os recursos hídricos, que são receptores de efluentes derivados de
processos industriais e da própria vida humana; e vários outros.

72
A política ambiental pode ser tratada em diversas esferas, desde as leis
municipais até os acordos internacionais, uma vez que os interesses po-
dem ser de uma única cidade ou de toda a humanidade.

Por mais que exista uma política ambiental forte e bem elaborada, o caminho mais efi-
ciente para alcançar a sustentabilidade é a educação ambiental, uma vez que esta inspira
mudança de hábitos e valores.

A Política Nacional do Meio Ambiente brasileira foi criada em 1981 e já fazia referência à
educação ambiental, que só foi brindada com uma política própria no Brasil — a Política
Nacional da Educação Ambiental — em 1999.

A seguir, abordaremos detalhes sobre eventos, congressos, conferências, simpósios, reu-


niões e documentos que marcaram a trajetória da educação ambiental no mundo.

73
Marcos teóricos referenciais: as grandes
conferências

Não existe um consenso sobre quando exatamente a educação ambiental surgiu, mas
sabe-se que uma série de eventos marca sua história e seu fortalecimento.

Vamos conhecer um pouco dos principais eventos que contribuíram para


a educação ambiental que temos hoje no Brasil e no mundo.

Em 1972, 10 anos depois do lançamento da obra que mudou a forma de o mundo ver e
pensar meio ambiente, Primavera silenciosa, o Clube de Roma, que reunia especialistas
preocupados com o tema, publica Os limites do crescimento, um relatório com previsões
pessimistas sobre o futuro da humanidade enfocando o modelo de exploração dos re-
cursos e o de produção.

Conferência sobre ambiente humano

Ainda em 1972, acontece a Conferência sobre Ambiente Humano, realizada em Esto-


col- mo, na Suécia, na qual a Organização das Nações Unidas – ONU estende as discus-
sões sobre meio ambiente ao campo da educação.

Ampliando o foco

A Conferência sobre Ambiente Humano foi a primeira da história a reunir 113


Estados, 250 organizações não governamentais e diversas unidades ou agên-
cias especializadas da própria ONU para debater as questões pertinentes ao
meio ambiente (BARD et al., 2017).

O Brasil participou da conferência, aprovando a declaração final resultante, chamada De-


claração de Estocolmo de 1972, que possui um preâmbulo com sete pontos e 26 prin-
cípios, sendo que o último contém uma declaração contra as armas nucleares. Pedrini
(2000) considera que seja um marco histórico para a educação ambiental, pois foi reco-
nhecida como instrumento-chave na solução da crise ambiental internacional.

74
Segundo o Ministério do Meio Ambiente – MMA:

A Recomendação 96 da Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano nomeia


o desenvolvimento da Educação Ambiental como um dos elementos mais críticos para
que se possa combater rapidamente a crise ambiental do mundo. Esta nova Educação
Ambiental deve ser baseada e fortemente relacionada aos princípios básicos delineados
na Declaração das Nações Unidas na Nova Ordem Econômica Mundial.

Para Piovesan (2015), a educação ambiental foi, ainda, apresentada como instrumento
de efetivação do direito ambiental, uma necessidade e um direito do homem ao desen-
volvimento sustentável, uma vez que...

...é apenas por meio da educação que o homem será conscientizado


quanto ao meio ambiente e às questões ambientais.

Outro desdobramento importante da conferência foi a criação do Programa das Nações


Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma, sediado em Nairóbi, no Quênia, o qual passou
a dividir com a Unesco as preocupações pertinentes ao meio ambiente, no âmbito das
Nações Unidas, tendo como objetivos: manter o estado do meio ambiente global sob
contínuo monitoramento, alertar povos e nações sobre problemas e ameaças ao meio
ambiente e recomendar medidas para melhorar a qualidade de vida da população sem
comprometer os recursos e serviços ambientais das gerações futuras.

Programa internacional de Educação ambiental – Piea

Em 1975, três anos depois da conferência, ainda como parte de seus desdobramentos,
especificamente da Recomendação nº 96, a ONU lança o Programa Internacional de
Educação Ambiental – Piea, de responsabilidade da Unesco e do Pnuma:

• Objetivando promover o intercâmbio de informações, investigação, formação e


elaboração de material educativo.
• Visando à elaboração de estratégias globais para a proteção do meio ambiente e
dos recursos naturais.

Segundo Bard et al. (2017), como parte do Piea, a Unesco e o Pnuma promoveram dois
importantes eventos que se tornaram os marcos da educação ambiental:

• O Seminário Internacional de Educação Ambiental, em Belgrado, na ex-Iugoslá-


via, em outubro de 1975.

75
• A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, Geór-
gia, integrante da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, em
outubro de 1977.

Ampliando o foco

Ainda segundo Bard et al. (2017), em 1975, o Seminário Internacional de Edu-


cação Ambiental, em Belgrado, contou com a participação de 65 Estados, e
desse evento nasceu a Carta de Belgrado, que estabelece metas e princípios da
educação ambiental. Já na conferência de Tbilisi, no documento chamado De-
claração de Tbilisi, definiram-se diretrizes, estratégias e ações até hoje adotadas
por especialistas da área.

Uma leitura cuidadosa da Carta de Belgrado e da Declaração de Tbilisi revela que ambas
apresentam prolongamentos da Declaração de Estocolmo que inspiraram e reverberam
a nossa Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 9.795/1999.

Por todos esses eventos, a década de 1970 se destaca na história da edu-


cação ambiental.

Congresso internacional sobre Educação e formação sobre


o meio ambiente

Já na década de 1980, uma série de eventos sinalizou o agravamento da crise ambiental,


como a tragédia de Bhopal, em 1984, na Índia, com o vazamento de toneladas de gás
tóxico em uma fábrica americana de pesticidas, e o acidente nuclear de Chernobyl (1986),
na então União Soviética – URSS. Esses eventos levaram a ONU a promover, em 1987,
em Moscou, o Congresso Internacional sobre Educação e Formação Ambiental, um
encontro de caráter não governamental que reafirmou os princípios de educação am-
biental e assinalou a importância e a necessidade de pesquisas e da formação na área.

Ainda em 1987 foi elaborado o relatório O nosso futuro comum, também chamado Re-
latório de Brundtland, resultado dos estudos realizados pela Comissão Mundial sobre
o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD, também conhecida como Comissão
Brundtland, criada em 1983 com o objetivo principal de analisar a equação formada pela
questão ambiental e pelo desenvolvimento para propor um plano de ações (BARD et

76
al., 2017). Esse documento critica o modelo adotado pelos países desenvolvidos, ressal-
tando os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade
de suporte dos ecossistemas, apresentando o conceito de desenvolvimento sustentável
como:

“O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes sem com-


prometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias ne-
cessidades.”

Ampliando o foco

Também em 1987 a Unesco e o Pnuma realizaram, em Moscou, o Congresso


Internacional sobre Educação e Formação Ambiental, evento no qual foram
analisadas as conquistas e as dificuldades da educação ambiental e discuti-
da uma estratégia internacional de ação e promoção da educação e formação
ambientais para a década de 1990, reiterando-se os conceitos em relação à
educação ambiental debatidos na Conferência de Tbilisi.

Rio-92 e fórum Global

Segundo Pires et al. (2014), especificamente no Brasil, a década de 1980 foi marcada pela
explosão dos movimentos sociais. Um marco foi a criação da Política Nacional do Meio
Ambiente — Lei Federal nº 6.983/1981 —, que enfatiza a educação ambiental como um
dos princípios para a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental,
devendo ser para todos.

Em 1988 a Constituição Federal é promulgada e, no Capítulo VI (sobre meio ambiente),


artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, determina ao poder público a promoção da educação
ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação
do meio ambiente.

Ainda segundo Pires et al. (2014), é a partir dessa década que muitos educadores pas-
sam a se denominar “ambientais”, promovendo encontros estaduais, nacionais e latino-
-americanos, vistos como espaços de discussão e construção de práticas educativas
voltadas à temática ambiental.

77
Diante de tudo isso a ONU declara o ano de 1990 como o Ano da Educação Ambiental
e, então, inicia-se a organização da Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento das Nações Unidas, a ser realizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, ape-
lidada de Rio-92 (ou Eco-92). Desse encontro, alguns documentos importantes foram
gerados: uma declaração de princípios (Carta da Terra) e a Agenda 21.

Ampliando o foco

Agenda 21

Plano de ação para o desenvolvimento sustentável com um capítulo inteiro de-


dicado à educação ambiental.

Ainda em 1992 acontece o Fórum Global, com a participação de ambientalistas, sindi-


ca- listas, ONGs e lideranças indígenas de todas as partes do mundo. Nesse evento é
assi- nado o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsa-
bilidade Global, reconhecendo o papel central da educação ambiental como processo di-
nâmico, em permanente construção e traçando as diretrizes de um plano de ação social.
Também é fundada a Rede Brasileira de Educação Ambiental – Rebea, composta por
ONGs, edu- cadores e instituições ligadas à educação.

Uma série de eventos e documentos merecem destaque no cenário brasileiro:

• 1994 – Lançamento do Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA,


cujo objetivo seria consolidar a educação ambiental como política pública.
• 1995 – Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs defendem que o estudo
do meio ambiente esteja articulado e seja transversal às diversas áreas do conheci-
mento.
• 1999 – Promulgação da Lei Federal nº 9.797/1999, que institui a Política Nacio-
nal de Educação Ambiental – Pnea e cujo artigo 2º reforça: “A educação ambiental
é um componente permanente da educação nacional, devendo estar presente, de
forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em ca-
ráter formal e não formal.” Essa política foi regulamentada em 2002 pelo Decreto
Federal nº 4.281.

78
Rio+20 e Educação para o desenvolvimento sustentável – Eds

Também em 2002, no cenário internacional, a ONU promove uma segunda Cúpula Mun-
dial sobre o Desenvolvimento Sustentável, dessa vez em Joanesburgo, na África do Sul. O
encontro reuniu dirigentes de 193 nações com o objetivo de avaliar a implementação da
Agenda 21 e das convenções assinadas na conferência Eco-92. Em um dos documentos
oficiais do evento, recomendou-se que a ONU promovesse um decênio dedicado à Edu-
cação para o Desenvolvimento Sustentável – EDS, o que aconteceu em dezembro do
mesmo ano, quando o período de 2005 a 2014 foi instituído como a década da educação
para o desenvolvimento sustentável.

Ainda em um cenário marcado pela crise na Europa, pelas desigualdades de crescimento


e de poder entre os países e pelo enfraquecimento dos Estados nacionais e dos movi-
men- tos sociais diante dos interesses financeiros, acontece, no Brasil, em 2012, a Con-
ferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.

Conhecida como Rio+20, a reunião atraiu líderes de mais de 180 nações para uma dis-
cussão sobre o desenvolvimento sustentável. Na II Jornada Internacional de Educação
Ambiental, um dos eventos paralelos ao encontro, foi elaborado o Plano de Ação do
Tra- tado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Glo-
bal, que incluiu a formação da Rede Planetária de Educação Ambiental com a função de
assegurar a continuidade e a expansão das ações após a Rio+20, especialmente aquelas
já previstas no tratado.

Para Piovesan (2015):

O século XX é o período em que inicia e intensifica-se o reconhecimento internacional


da Educação Ambiental para a efetivação do direito am- biental das presentes e futu-
ras gerações à vida digna em um meio am- biente sadio, como sendo fator importante
no processo de evolução da relação homem/natureza, o que somente se alcançará por
intermédio da educação no que se refere às questões ambientais e à necessidade de
mudança da forma de desenvolvimento econômico atual.

79
Ética e valores

Segundo a Conferência Intergovernamental de Tbilisi (1977):

A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificações de


conceitos, objetivando o desenvolvimento das habili- dades e modificando as atitudes
em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos,
suas culturas e seus meios biofísicos. A educação ambiental também está relacionada
com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhora da qua-
lidade de vida.

Nesse conceito anunciado em um dos primeiros eventos que marcaram a trajetória da


educação ambiental no mundo, podemos destacar a relevância dos valores e da ética
como inerentes a qualquer processo de educação ambiental.

Para chegarmos à ética e aos valores preconizados na educação ambiental, faremos


uma breve retrospectiva sobre a forma como nós humanos nos relacionamos com o
meio ambiente que nos rodeia, entendendo as mudanças ocorridas na concepção filosó-
fica acerca da natureza.

Segundo Battestin (2008), a análise de distintos períodos históricos vividos pelo ser hu-
mano nos leva a diferentes concepções acerca da natureza e do ser humano, pois as
maneiras de pensar e repensar as formas de vida e de mundo foram modificadas com o
passar dos tempos.

Na filosofia antiga, anterior a Sócrates, os filósofos não faziam uma separação entre
homem e natureza e concordavam que as transformações e os movimentos que consti-
tuem a natureza e a própria existência poderiam ser deduzidos das propriedades de uma
única substância que formaria todo o cosmos. Apesar de mudanças nos tipos de ques-
tionamentos, os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles mantinham a ideia de harmonia
e pertencimento à natureza.

Até por volta do século XV a visão de mundo era marcada por poucos conflitos. Durante
a Idade Média as comunidades eram pequenas e viviam em harmonia com a natureza,
sendo que o tempo pertencia a Deus — nesse período, a visão de mundo dominante era
o teocentrismo.

80
Ampliando o foco

Teocentrismo
Deus como o centro de tudo.

Isso até acontecerem fortes mudanças e revoluções advindas da física e da astronomia:

• Nicolau Copérnico definindo que a Terra seria um planeta, deixando assim de ser
o centro do Universo.
• Galileu revelando que a experiência tornar-se-ia uma fonte de conhecimento para
explicar os fenômenos da natureza.

A revolução científica do século XVII marcou o domínio da ciência pela técnica a partir
do momento em que ela busca seu próprio método, desvinculado da reflexão filosófica.

A filosofia moderna representa o começo da busca pelo saber, pela téc-


nica, sendo enfatizado o desenvolvimento do método científico.

A Idade Moderna foi um período que causou grandes mudanças até hoje sentidas, tendo
o filósofo, físico e matemático René Descartes enfatizado as oposições entre:

• Homem e natureza.
• Sujeito e objeto.
• Espírito e matéria.

Desse modo, surgia o antropocentrismo.

Ampliando o foco

Antropocentrismo
É a concepção de que o homem seria o proprietário da natureza e de que todos
os conhecimentos deveriam ser úteis à vida, assim como é a ideia de natureza
como recurso, como meio para se atingir um fim, de forma que o homem não
seria parte dela, mas sim seu usuário.

81
Segundo Coimbra e Rech (2017), a concepção antropocêntrica teve ampla aceitação
no mundo ocidental a partir das proposições racionalistas que pressupunham a razão
como atributo exclusivo da espécie humana. Nesse sentido, Gonçalves (2010) afirma
que a ideia do “homem não natural”, exterior ao meio em que vive, solidificou-se com a
sociedade industrial a partir do capitalismo.

A banalização das outras espécies e dos recursos que compõem o meio ambiente a fim
de atender às exigências do desenvolvimento econômico vai de encontro à realidade de
que tais elementos são finitos ou possuem uma capacidade de regeneração muito menor
que o potencial destrutivo do homem, de forma que o capitalismo desenfreado às custas
dos recursos naturais encontrou seu ponto de fraqueza: a necessidade da manutenção do
meio para que o progresso econômico possa acontecer (COIMBRA; RECH, 2017).

Essa percepção culmina em movimentos sociais inspirados em obras como a Prima-


vera silenciosa, de Rachel Carson, publicada em 1962, que por sua vez impulsionam
discussões no âmbito mundial como a Conferência de Estocolmo, em 1972 — indicativos
de que a concepção filosófica acerca da natureza estaria mudando.

O filósofo australiano Peter Singer propôs, na década de 1970, uma ética para nortear as
ações humanas que poderiam resultar em danos ao bem-estar ou destruição da vida de
qualquer ser senciente — um ser capaz de sentir dor e prazer.

A ética ambiental sencientista rompe o paradigma antropocêntrico quando


atribui valor moral à comunidade dos seres sencientes, na qual incluem-se
aqueles que possuem sensibilidade à dor e prazer (COIMBRA; RECH, 2017).

Ainda nas décadas de 1970 e 1980, surge o ecocentrismo, ou fisiocentrismo, concebido


a partir dos estudos de Arne Naess (1973) e de Aldo Leopold (1989) e que se refere à pos-
tura ética em que todas as formas de vida não humanas possuem valor próprio e a natu-
reza, e todos seus elementos, antecede o homem, sendo este parte integrante daquela.
Tal concepção representa o reconhecimento de que a espécie humana é apenas uma
entre tantas outras e acentua a mútua relação de dependência entre todos os entes da
natureza, sejam vivos ou não, sob uma clara influência da ecologia clássica (COIMBRA;
RECH, 2017).

Na visão ecocêntrica a medida do valor moral de qualquer ser ou elemento individual é


sua relação com a comunidade, de forma que a coletividade sobrepõe a individualidade.

82
Quase na mesma época, surge o biocentrismo, teoria desenvolvida por Paul W. Taylor
(1987) que também ultrapassa a barreira da restrição moral aos seres humanos, am-
pliando-a a todas as entidades naturais vivas. O diferencial é que o biocentrismo valoriza
todos os indivíduos.

A visão biocêntrica funda-se no valor individual de cada vida, humana ou não humana,
em detrimento da visão holística de um ecossistema global, bem como nega o harmôni-
co equilíbrio entre as espécies.

Para refletir

Essas mudanças na concepção filosófica acerca da natureza, segundo Av-


zaradel (2013), teriam sido impulsionadas pela chamada crise ambiental con-
sequente das ações do homem que, em última instância, ameaçam a própria
espécie humana, situação que exige soluções e saídas de ordem puramente
tecnológicas, uma vez que tal situação nos obriga a (re)pensar nossa existência
enquanto seres vivos sob várias perspectivas, inclusive éticas.

Ética ambiental

Entendemos que ética, segundo Lima (1999), seja a exteriorização dos juízos morais
(ciência da conduta) ou, ainda, a filosofia que estuda a conduta do ser humano e os crité-
rios pelos quais valoram os comportamentos e a escolha.

A partir do momento em que nossa concepção filosófica passa a valori-


zar elementos da natureza, rompendo com a visão utilitarista, pode-se
dizer que começamos a praticar a ética ambiental.

As discussões sobre a ética ambiental têm como referencial teórico principal a obra do
filósofo Hans Jonas (1903-1993), especialmente o chamado princípio ético da respon-
sabilidade (BATTESTIN, 2008).

Em 1979 Hans Jonas publica sua obra mais importante, O princípio responsabilidade:
ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, na qual busca a base de uma nova
ética da responsabilidade.

83
Estimulado pelos diversos desastres ambientais, Hans Jonas defende uma concepção
ética em que prescreve princípios para a idade da técnica, chamada de Ética de Res-
ponsabilidade, na qual os mundos animal, vegetal e mineral, a biosfera ou a estratosfera
passam a fazer parte do âmbito da responsabilidade.

O futuro da humanidade em seu habitat planetário determina uma ética


baseada em uma relação de responsabilidade.

Para Ximenes (2011), a relação entre ética ambiental e educação ambiental é simbiótica,
sem a qual dificilmente a humanidade pode realizar as amplas mudanças necessárias
em — e para — sua existência.

Assim, chegamos ao “x” da questão. Apesar das mudanças filosóficas de concepção do


homem em relação ao meio (do antropocentrismo ao biocentrismo), essa percepção não
é para todos. Não é toda a comunidade planetária que é sensível à ética ambiental e aos
valores associados. Em verdade, poucos entendem a importância de um desevolvimento
sustentável, justamente por ignorarem (usando aqui esse termo para além de desconhe-
cer, “não compreender”) a forma como temos explorado os recursos e as consequências
dessas ações para as gerações atuais e futuras, bem como para a manu- tenção da
biosfera. Assim, é por isso que a educação ambiental é tão necessária, sendo um pro-
cesso contínuo e multidisciplinar que objetiva promover a mudança de hábitos por meio
do conhecimento.

Quais são os impactos e riscos ambientais provenientes dos avanços


tecnológicos? Seria isso pensar em desenvolvimento sustentável?

As questões ambientais influenciam os padrões governamentais de maneira geral,


isso é inquestionável. Nesse sentido, as atividades produtivas precisam dialogar com o
meio ambiente para a própria sobrevivência da empresa no mercado e no entorno em
que ela está localizada. Ela precisa, necessariamente, estar integrada às questões am-
bientais. Já abordamos o tema ambiental na unidade 3, mas vamos agora articular com
o aspecto técnocientífico.

Em 1998 foi criada a Lei nº 9.605, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e isso inclui qualquer tipo
de atividade, sejam elas vindas de empresas, instituições, particulares, ou não. Mais do
que necessária, não é mesmo?

84
Sabemos que a competitividade e o desejo de lucro são fatores que levam algumas em-
presas a tomar decisões irreparáveis em relação ao meio ambiente. Por isso mesmo é
preciso pensar em formas de controle, justamente para que outras vidas não sejam pre-
judicadas e colocadas em risco por conta de interesses individuais.

É inquestionável, portanto, que os desastres causaram tragédias terríveis no meio am-


biente e na sociedade. Nossa tentativa é refletir agora sobre as formas sustentáveis
paraapropriarmo-nos da melhor maneira de nos relacionarmos com o meio ambiente.
Assim, vamos citar alguns pontos positivos desses avanços tecnocientíficos, como as
desco- bertas de cura e vacina para algumas doenças como sarampo, hanseníase etc.,
aumento na troca de informações e conhecimentos de maneira rápida, uso produtivo e
criativo da agricultura por meio de replantio, uso de satélites, diminuição no uso de fertili-
zantes, uso de placas de energia solar, produção de biocombustível a partir do plantio de
cana-de--açúcar, uso das tecnologias para tratamento de água e resíduos, reutilização de
água e resíduos. Ou seja, pensar o desenvolvimento sem afetar nosso capital ambiental
e nem a qualidade de vida de seus habitantes. Vamos ver alguns conceitos importantes?

Sustentabilidade

É quando o uso e a exploração dos recursos naturais não comprometem a nossa


sobrevivência e a das gerações que ainda virão, ou seja, quando o meio ambiente é
considerado importante e parte do processo.

Educação ambiental

É quando o processo de formação do indivíduo agrega valores, não só econômicos,


políticos ou sociais, mas também valores ambientais e de conservação do meio.

Desenvolvimento sustentável

É quando pensamos o progresso associado às questões do meio ambiente e en-


tende- mos o processo de relação do homem com o meio de maneira sistêmica e
interligada.

Assim, precisamos fazer uso consciente dos recursos naturais sob pena de nos dizimar-
mos em nome do progresso, do capitalismo e do lucro. O desenvolvimento civilizatório
precisa pensar as consequências do uso inadequado dos nossos recursos básicos de
sobrevivência. O crescimento econômico precisa andar de mãos dadas com a questão
ambiental, ou seja, precisamos fazer uso racional dos nossos recursos naturais e nos tor-

85
narmos mais produtivos e menos poluentes. Precisamos fazer bem essa conta para nos
mantermos vivos. Precisamos pensar essa questão de forma ética e sistêmica.

Da teoria à prática: reduzindo os impactos ambientais

Veremos algumas dicas para melhorar nossa relação com o meio ambiente. Podemos
começar nossas mudanças em casa, com a simples prática dos 3Rs: Reduzir, Reaprovei-
tar (ou Reutilizar) e Reciclar.

Reduzir - Quanto menos consumimos, menos recursos extraímos da natureza e menos


teremos que descartar.

Reaproveitar (Reutilizar) - Dar outro uso ao que iríamos descartar. Tudo o que é produ-
zido utiliza energia e matéria-prima, portanto temos que aproveitar ao máximo os mate-
riais, que é também uma forma de economizar energia.

Reciclar - Tudo que não pudermos reaproveitar deve ser direcionado para reciclagem. A
reciclagem gera renda e emprego para muitas pessoas, além de evitar o descarte que só
irá agravar o problema do lixo.

Pegada ecológica é uma outra forma de se posicionar diante do tema ambiental. O con-
ceito de pegada ecológica ou capacidade de suporte apropriada foi elaborado pelo en-
genheiro mecânico suíço Mathis Wackernagel e pelo biólogo canadense William Ernest
Rees na metade da década de 1990.

De acordo com Wackernagel (1994, p. 68), a pegada ecológica ou capacidade de suporte


apropriada é o território requerido agora neste planeta para suportar o estilo de vida atual
indefinidamente.

Nota-se, portanto, que o valor da pegada ecológica é dinâmico, variando no tempo e no


espaço, visto que as necessidades e estilos de vida das pessoas mudam ao longo do
tempo e variam de acordo com cada país (embora, em última análise, a pegada seja uma
só para toda a humanidade, pois só temos um planeta). Isto significa que os cálculos da
pegada ecológica precisam ser constantemente revistos.

O conceito de pegada ecológica foi bem recepcionado pelo movimento ambientalista e


tornou-se amplamente difundido, sendo hoje a principal medida do consumo de recursos
naturais pela humanidade.

86
De acordo com a Rede da Pegada Global (Global Footprint Network – GFP, fundada e
dirigida pelo próprio Mathis Wackernagel), desde a década de 1970 a humanidade vem
consumindo recursos naturais a uma taxa maior do que a capacidade de reposição da
natureza. De acordo com estas informações, concluímos que nossa pegada no planeta é
cada vez maior. Esta situação é muito grave. Portanto, a gravidade da situação exige uma
verdadeira revolução de costumes em escala global, o que é, obviamente, uma meta bas-
tante difícil de ser alcançada. Mesmo assim, medidas simples como a prática dos 3Rs
já são um bom começo, mas é preciso ir além se quisermos que nossos descendentes
usufruam dos recursos do planeta
.

87
MIDIATECA

Para ampliar o seu conhecimento veja o material complementar da Unidade 3,


disponível na midiateca.

NA PRÁTICA

Apesar de termos visto que as temáticas educação ambiental, ética ambiental,


desenvolvimento sustentável e sustentabilidade já ocupam lugar de destaque
nos debates locais, nacionais e internacionais, ainda vivenciamos consequên-
cias de atitudes antropocêntricas que valorizam os ganhos econômicos em
detrimento dos bens naturais. Um exemplo disso é o avanço do desmatamen-
to na Amazônia. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inep
revelam que nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020 foram emitidos
alertas para 796,08 km² da Amazônia, um aumento de 51,45% em relação ao
mesmo período de 2019. São dados como esse que sugerem a relevância da
concepção, da implementação e do monitoramento de projetos de educação
ambiental e que ainda temos muito trabalho pela frente até que a consciência
ambiental seja comum a toda a humanidade.

88
Resumo da Unidade 3

Ao longo desta unidade você teve a oportunidade de entender o surgimento da educação


ambiental em um contexto integrado, associando-o às mudanças vividas nos diversos
campos da existência e da vida humana, compreendendo que a educação ambiental está
intimamente relacionada à ética ambiental, que entende a importância e a urgência de
estratégias que promovam o desenvolvimento sustentado para garantir a perpetuação da
nossa espécie.

CONCEITO

Trabalhamos os conceitos de movimento ambientalista, educação ambiental


(conjunto de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade cons-
troem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
voltados para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade), s
​ ustentabilidade,
desenvolvimento sustentável, política ambiental, ética ambiental, prática am-
biental (3Rs), pegada ecológica.

89
Referências

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92
UNIDADE 4

Desenvolvimento científico/
tecnológico e o mundo do trabalho
INTRODUÇÃO

Nesta unidade vamos discutir as reconfigurações do mercado de trabalho por conta do


desenvolvimento tecnocientífico e como profissionais e empresas precisaram e preci-
sam se estruturar para acompanhar as mudanças e permanecerem no mercado. Discuti-
remos também o chamado desemprego tecnológico e as novas profissões que são con-
sequências desse processo de evolução. Discutiremos a sociabilidade e a cultura digital,
virtual e a dimensão do real; usos e apreensões de tecnologias emergentes e, sobretudo,
o grau de importância do ser humano frente às evoluções.

OBJETIVO

Nesta unidade você será capaz de:

• Identificar alternativas para a valorização da atuação profissional dentro de


um contexto de profundas mudanças provocadas pela evolução científica e
tecnológica.

94
Desenvolvimento tecnocientífico e reconfi-
gurações no ambiente de trabalho

Hoje assistirmos a uma disputa entre tecnologia e costume/tradição. Mas a tecnologia, tal
qual a ciência, que facilita muito os nossos processos cotidianos, além de ser ferramen-
ta do capitalismo, tende a ganhar. Mas o que é tecnologia? Se fizermos uma busca no
Google ou em qualquer dicionário, vamos ver que a tecnologia está relacionada a termos
como “técnica”, “método”, “instrumento” ou mesmo “habilidade” e “processo”, que denotam
a maneira como o homem produzia ou produz um bem ou como alcança algum objetivo.
Se isso é verdade, desfazemos alguns equívocos nossos quando pensamos na tecnologia
associada normalmente a um aparelho eletrônico, não é mesmo? Se a gente consegue
responder “sim”, estamos a meio caminho de compreender essa perspectiva histórica
da evolução e da tecnologia. Em Abbagnano (2000, p. 942), tecnologia “é o estudo dos
processos técnicos de determinado ramo da produção industrial ou de vários ramos”, ou
seja, o conceito de técnica se confunde em vários sentidos com o conceito de tecnologia.
Cita, ainda, o conceito de tecnocracia, que se refere a quando a técnica é usada como ins-
trumento de poder ou controle social. Dessa forma, se pensarmos a humanidade como
um todo, vamos perceber que tudo o que diz respeito a ela está associado à capacidade
humana de criar, de encontrar meios para sobreviver e de pensar formas de adaptar-se ou
estruturar o meio em que vive para deixá-lo mais agradável ou mais funcional.

Se por um lado as empresas e a própria sociedade precisaram adaptar-se aos avanços


tecnológicos e até entendê-los como um fator de progresso social, por outro houve e há
também a necessidade de se perguntar sobre nossa responsabilidade em meio a esse
progresso. Responsabilidade e talvez as consequências dessas inovações em nosso meio,
não é mesmo? É inegável que todos os níveis — econômico, político, social etc. — sofreram
fortes transformações tecnológicas e científicas. Mas não há sentido algum em discutir
sobre tecnologia e ciência sem tomar como parâmetro para quem elas servem ou a quem
estão subordinadas, ou seja, sem levar em consideração o homem ou a sociedade.

Nesse sentindo, o período contemporâneo é marcado, sobretudo, pela velocidade das


descobertas científicas e de informações na era digital, já que passamos pelos automó-
veis, pelos aviões, pelas televisões, pelos avanços na área genética etc. Então, o termo
“tecnologia” se associa cada vez mais ao termo “inovação”, que não tem nem tempo nem
espaço como limites. Assim, todos nós precisamos acompanhar as mudanças e nos
adaptarmos cada vez mais, sobretudo quando falamos no mercado de trabalho, mesmo
que hoje, se pensarmos na questão capitalista, necessariamente sejamos levados a re-
fletir também sobre as questões política e econômica.

95
Para refletir

A tecnologia muda nossos estilos de vida. Esse pode ser nosso norte para es-
tudarmos, a partir de agora, a perspectiva da ciência, do mercado de trabalho
e da noção de competitividade em que toda inovação tecnológica faz pensar.

Por isso, muitas áreas, profissões e profissionais precisaram se reinventar por conta das
mudanças tecnológicas e dos avanços científicos pelos quais passamos enquanto so-
ciedade. Precisamos reconfigurar nossa relação com o ambiente como um todo e mais
especificamente com o ambiente de trabalho de maneira geral. Foram mudanças sócio-
-históricas, políticas e econômicas em todos os âmbitos de nossas relações sociais e
mudanças mais estruturais em relação aos nossos instrumentos de trabalho.

Nesta perspectiva, há uma espécie de exigência do próprio mercado para que haja um
investimento cada vez maior nessas novas ferramentas consequentes dos avanços
tecnológicos, sobretudo por se tratarem de espaços altamente competitivos. Além da
infraestrutura há a necessidade também de se capacitar a equipe de trabalho para se
adequar a esses avanços.

Um exemplo no fordismo

Essa questão de necessidade de reestruturação esteve presente em vários momentos


de nossa história, como na chamada Segunda Revolução Industrial, que é até hoje tida
como referência automobilística: o fordismo. O mais incrível é que a empresa existe até
hoje. As linhas de montagem e o uso de esteiras de rolagem mudaram completamente
a forma de se lidar com a produção, inclusive expandindo-se e servindo como exemplo
para outras áreas, como a siderurgia e a indústria têxtil.

O fordismo foi, sem sombra de dúvida, uma revolução nos modos de produção. Quando
falamos em linhas de montagem ou linhas de produção queremos dizer com isso que
cada empregado dentro da fábrica seria responsável apenas por uma função ou apenas
por uma parte de todo o processo que geraria um produto final, ou seja, apenas uma
parte do todo. O objetivo, portanto, era produzir o máximo possível no menor tempo pos-
sível já que o mercado estava se expandindo, ou seja, ganhar tempo na produção e assim
diminuir custos e aumentar os lucros.

96
Um exemplo dessa diminuição de
custo usada pela empresa nes-
se período foi a escolha de uma
única cor para todos os carros.
Assim, todos os carros da Ford
eram pintados de preto. A tinta
preta à época tinha o menor pre-
ço e o menor tempo de secagem,
além de toda a comodidade que
isso representava naquele perío-
Linha de produção de modelo da Ford em 1928.
do. Outra coisa que era importan-
te no fordismo era o fato de que,
se o empregado executava a mesma função, ele se tornava cada vez mais eficiente e
cada vez se apropriava mais daquela função, tornando-se, portanto, um especialista na-
quilo que fazia.

É bem verdade que muitas críticas pertinentes foram feitas a essa forma de trabalho. O
que queremos destacar é, sobretudo, a maneira como nos adaptamos e fazemos uso
das tecnologias.

Ampliando o foco

Veja nossa dica de filme para saber a quais críticas ao capitalismo estamos
nos referindo.

Pesquise e assista ao filme Tem-


pos modernos. O filme é uma
crítica aos modelos de produ-
ção baseados na divisão do tra-
balho e à produção em massa,
também ao processo de repe-
tição e alienação que as linhas
de montagens podem gerar no
indivíduo. Conhecido por ser es-
crito, dirigido e protagonizado
por Charlie Chaplin, o filme retrata a vida de um funcionário de uma fábrica e
torna-se conhecido por criticar o avanço do capitalismo e a desumanização
na época da Revolução Industrial.

97
Exemplo

Um outro exemplo visto no toyotismo

Das diferenças entre taylorismo e fordismo surge o toyotismo. Considerado


uma espécie de avanço do fordismo, no toyotismo o processo de produção se-
ria adequado às demandas do mercado de trabalho, ou seja, não se teria mais
um dos problemas atribuídos ao fordismo, que foi a produção em massa de
carros sem que fossem todos consumidos, ficando em estoque. Assim, além
do recurso parado, havia o problema de necessitar de espaço físico para arma-
zenamento dos carros produzidos.

No estilo Toyota os carros seriam produzidos de acordo com a demanda e a


necessidade do cliente ou do mercado, sem desperdício de tempo e dinheiro.
Outra diferença é que o trabalhador teria conhecimento de todas as etapas do
processo de produção. Se no fordismo o controle de qualidade era feito apenas
na última etapa da linha de produção, no toyotismo esse controle acontecia o
tempo inteiro, em todas as etapas, evitando, assim, determinados custos caso
houvesse algum problema.

Por que trouxemos esses dois exemplos na área organizacional? Para dizer, sobretu-
do, que todo ambiente de trabalho sofre ou precisa sofrer alteração ou se reestruturar
para adequar-se ao desenvolvimento tecnocientífico. Inauguram-se novos paradigmas
socioeconômicos e novos setores são criados, como veremos no próximo tópico. Há
uma nova leitura dos padrões de exigência em relação às empresas. As organizações
que saem na frente são aquelas que fazem o melhor uso de sua equipe de trabalho, das
potencialidades do mercado e dos recursos tecnológicos disponíveis.

Hoje, por exemplo, não cabe mais o discurso de que não se sabe usar um computador,
de que não se sabe usar as ferramentas de comunicação por aplicativos de conversa e
videoconferências e de que não se usam as redes sociais. Aquele que quer estar adequa-
do ao ambiente de trabalho precisa adaptar-se, precisa se reconfigurar, precisa se capaci-
tar e se adequar às novas formas do mercado de trabalho e da sociedade como um todo.

A era digital é, sem dúvida alguma, uma mudança estrutural em toda forma de relaciona-
mento. Isso em todos os ambientes e em todos os níveis: social, familiar e mais ainda no
ambiente socioprodutivo e profissional. Há uma exigência do mercado de trabalho e pre-
cisamos nos enquadrar sob pena de sermos substituídos ou de não sermos requisitados.

98
Ciência, tecnologia e sociedade necessariamente dialogam nessa necessidade ou exi-
gência. É como se a nossa relação social estivesse vinculada ao trabalho. Dominique
Schnapper, uma socióloga francesa que discute sobre trabalho e sociologia urbana, em
seu livro intitulado Contra o fim do trabalho, publicado em 1998, diz que:

Se hoje devemos repensar o estatuto do trabalho, devemos fazê-lo sem


negligenciar este elo original, que continua a ser fundamental, entre o
trabalho produtivo e a cidadania. O cidadão moderno adquire a sua dig-
nidade trabalhando. (1998, p. 15)

A nossa identidade parece confundir-se com aquilo que produzimos.

99
Desemprego tecnológico, eliminação e
criação de profissões

Como em muitas das coisas que podemos discutir, há duas faces de uma mesma moe-
da quando falamos em avanços tecnocientíficos. Ao mesmo tempo que temos o surgi-
mento e a criação de novas profissões consequentes dos avanços tecnológicos, temos
também desemprego e eliminação de outras formas de trabalho.

Você consegue lembrar-se de alguma profissão que hoje não tem mais
espaço? Com bem pouco esforço lembramo-nos de várias, não é mesmo?

A substituição das atividades ou produtos artesanais por mercadorias, que são resultado
de um processo técnico ou construído a partir das máquinas, já foi discutido um pouco
na primeira unidade quando falamos dos momentos históricos marcados por revolu-
ções tecnológicas. Falamos também da necessidade de reestruturação do trabalhador
no tópico anterior e agora, mais especificamente, vamos tentar pensar sobre a ideia do
chamado desemprego tecnológico.

Acompanhamos um número considerável de pessoas que perderam seus empregos e


viraram motoristas de aplicativos ou pequenos empreendedores. Pessoas, inclusive, que
não tinham tanta afinidade com as novas tecnologias oferecidas por um aparelho de
celular e que precisaram se modernizar para sobreviver. Antes, quando havia algum pro-
blema com nossa linha telefônica ou algum problema em nosso número, procurávamos
uma loja física ou um funcionário da empresa para resolvê-lo. Hoje, as lojas físicas pare-
cem concentrar seu objetivo na venda de novos aparelhos e de planos ou combos. Todo
o resto é resolvido pelo telefone. Antes, todas as nossas contas eram pagas em agências
bancárias. Hoje, conseguimos efetuar todas as operações e pagamentos pela tela do
celular, o que causou o fechamento de inúmeras agências físicas. Essa é uma tendência
cada vez maior, que nos leva a “pensar o mercado” a partir da exclusão de profissões
como gerente de banco ou caixa.

De um lado, há a leitura desse movimento como progresso, do outro lamentamos tam-


bém muitas perdas e exclusões. Hoje, temos mão de obra sendo substituída por robôs
e/ou circuitos digitais. A utilização de máquinas sempre foi tida, na maioria das vezes,
por empresários e economistas de linha mais capitalista, como sinônimo de aumento
de produtividade, aumento de lucros e, consequentemente, aumento de frentes novas de

100
empregos caso haja expansão nos negócios, já que seriam ferramentas utilizadas para
facilitar as atividades do trabalhador.

É fato também que nem sempre ou pouco se discutiu, por exemplo, sobre a quantidade
de trabalhadores que foram descartados por conta dessas mesmas máquinas, sinôni-
mos de progresso como dito mais acima. Em seu livro intitulado O capital, Karl Marx, fi-
lósofo, sociólogo, historiador e economista diz que a finalidade da maquinaria capitalista
é, sem dúvida, um meio de produção de mais-valor. Ou seja, ela existe para o aumento
do lucro do empregador. Para ele, na manufatura, o revolucionamento (palavra criada por
ele) do modo de produção começa com a força de trabalho; na grande indústria, com o
meio de trabalho.

Nesse sentido não dá para desconsiderar que o aumento do número de máquinas e


meios tecnológicos é também o descarte de profissões e da classe trabalhadora:

Na manufatura, os trabalhadores, individualmente ou em grupo, têm de


executar cada processo parcial específico com sua ferramenta manual.
Se o trabalhador é adaptado ao processo, este último também foi previa-
mente adaptado ao trabalhador. Este princípio subjetivo da divisão deixa
de existir na produção mecanizada. O processo total é aqui considerado
objetivamente, por si mesmo, e analisado em suas fases constitutivas, e
o problema de executar cada processo parcial e de combinar os diversos
processos parciais é solucionado mediante a aplicação técnica da me-
cânica, da química etc. (MARX, 2013. p. 454)

Dessa forma, o que fica claro quando lemos a situação de maneira crítica é o avanço
que leva em consideração, sobretudo, as necessidades de um mercado consumidor e
de uma sociedade capitalista. Marx também vai dizer mais à frente, sobre o modo de
produção na indústria, que um “revolucionamento” leva a outro “revolucionamento” e nos
dá um exemplo:

Assim, a fiação tornou necessário mecanizar a tecelagem, e ambas tor-


naram necessária a revolução mecânico-química no branqueamento, na
estampagem e no tingimento. Por outro lado, a revolução na fiação do
algodão provocou a invenção do gin para separar a fibra do algodão da
semente, o que finalmente possibilitou a produção de algodão na larga
escala agora exigida. Mas a revolução no modo de produção da indústria

101
e da agricultura provocou também uma revolução nas condições gerais
do processo de produção social, isto é, nos meios de comunicação e de
transporte. (MARX, 2013. p. 457)

Apesar de não ser uma leitura marxista propriamente dita, usamos o pretexto das novas
exigências e revoluções no processo de produção que ele traz na citação acima para
dizer que, da mesma forma que é inevitável reconhecer o descarte de algumas profis-
sões, como falamos no início desse tópico, também reconhecemos o fato de que houve
inclusão de várias outras profissões exatamente por conta da evolução tecnológica e
científica. Podemos citar algumas dessas profissões: profissionais que trabalham com
controle, produção e organização de dados, ou seja, as profissões da área de tecnologia
como um todo, sobretudo, da tecnologia da informação, como o profissional chama-
do de big data, os engenheiros de softwares e desenvolvedores de aplicativos. Temos
também os gestores de desenvolvimento de negócios de inteligência artificial, influencer
digital, professores tutores de ensino na modalidade on-line, designers de redes sociais,
especialista em e-commerce etc.

Como em muitas das coisas que podemos discutir, há duas faces de uma mesma moe-
da quando falamos em avanços tecnocientíficos. Ao mesmo tempo que temos o surgi-
mento e a criação de novas profissões consequentes dos avanços tecnológicos, temos
também desemprego e eliminação de outras formas de trabalho.

Você consegue lembrar-se de alguma profissão que hoje não tem mais
espaço? Com bem pouco esforço lembramo-nos de várias, não é mesmo?

A substituição das atividades ou produtos artesanais por mercadorias, que são resultado
de um processo técnico ou construído a partir das máquinas, já foi discutido um pouco
na primeira unidade quando falamos dos momentos históricos marcados por revolu-
ções tecnológicas. Falamos também da necessidade de reestruturação do trabalhador
no tópico anterior e agora, mais especificamente, vamos tentar pensar sobre a ideia do
chamado desemprego tecnológico.

Acompanhamos um número considerável de pessoas que perderam seus empregos e


viraram motoristas de aplicativos ou pequenos empreendedores. Pessoas, inclusive,
que não tinham tanta afinidade com as novas tecnologias oferecidas por um aparelho
de celular e que precisaram se modernizar para sobreviver. Antes, quando havia algum
pro- blema com nossa linha telefônica ou algum problema em nosso número, procuráva-
mos uma loja física ou um funcionário da empresa para resolvê-lo. Hoje, as lojas físicas

102
parecem concentrar seu objetivo na venda de novos aparelhos e de planos ou combos.
Todo o resto é resolvido pelo telefone. Antes, todas as nossas contas eram pagas em
agências bancárias. Hoje, conseguimos efetuar todas as operações e pagamentos pela
tela do celular, o que causou o fechamento de inúmeras agências físicas. Essa é uma
tendência cada vez maior, que nos leva a “pensar o mercado” a partir da exclusão de
profissões como gerente de banco ou caixa.

É inevitável reconhecer o descarte de algumas profissões, como falamos no início desse


tópico, também reconhecemos o fato de que houve inclusão de várias outras profissões
exatamente por conta da evolução tecnológica e científica. Podemos citar algumas des-
sas profissões: profissionais que trabalham com controle, produção e organização de
dados, ou seja, as profissões da área de tecnologia como um todo, sobretudo, da tecno-
logia da informação, como o profissional chamado de big data, os engenheiros de soft-
wares e desenvolvedores de aplicativos. Temos também os gestores de desenvolvimento
de negócios de inteligência artificial, influencer digital, professores tutores de ensino na
modalidade on-line, designers de redes sociais, especialista em e-commerce etc. Diferen-
te do que se pensa, as profissões do futuro não estão necessariamente relaciona- das à
área da tecnologia da informação, ou o chamado TI. A abrangência é muito maior quan-
do levamos em conta toda relação que as tecnologias têm com a sociedade como um
todo. Elas estão relacionadas ao meio ambiente, às comunicações, à saúde etc.

O site Educa Mais Brasil traz uma lista de 10 profissões futuristas. São elas:

Detetive Analisa os dados coletados pelo big data e propõe soluções rela-
de dados cionadas a eles.

Gerente de Propõe estratégias para conteúdos e publicações nas redes/mí-


mídias sociais dias sociais.

Tem sido muito necessário, já que estamos passando por diversas


Consultor de transformações e inseguranças em relação à estabilidade financei-
aposentadoria ra relacionada à aposentadoria. O consultor de aposentadoria vai
fazer projeção para os proventos futuros.

Analistas Vai pensar em alternativas para as organizações em relação ao


de energias
que há de mais sustentável em relação a elas.
alternativas

103
Vai pensar estruturas administrativo-técnicas para hospitais ou re-
Engenheiro
des hospitalares. Pensa, sobretudo, em alternativas e soluções por
hospitalar
meio de tecnologias.

Já falamos um pouco na unidade anterior. É aquele profissional


Big Data
que vai gerenciar o conjunto de dados coletados.

Desenvolvedores O profissional que desenvolve e implementa sistemas operacio-


de softwares nais de acordo com as necessidades dos clientes ou empresas.

Analista Analisa todo tipo de valor, patrimonial, mobiliário etc., e realiza todo
financeiro tipo de modelagem de orçamento ou custo.

Profissional que vai pensar as ações e atividades das empresas a


partir de sua adequação às normas e regras existentes. É aquele
Logística e
que conhece todos os processos burocráticos da área logística e
compliance
vai pensar estrategicamente como as empresas compram e como
vão se adequar a tal cenário.

Profissional que cria e desenvolve produtos e serviços pensando,


Designer
inclusive, em identidade e estratégias de comunicação e imagem
de inovação
das empresas.

Se pensarmos em áreas específicas podemos citar mais algumas profissões. Por exem-
plo, na área da saúde temos o técnico em telemedicina, regulamentado pelo Conselho
de Medicina, e que atende, na modalidade a distância, pacientes que moram em zonas
distantes. Também temos o chamado bioinformacionista, que trabalha desenvolvendo
medicamentos a partir de informações genéticas.

Na área administrativa ou educacional temos o mercado de criação de cursos on-line e


criadores de videoaulas. Na área jurídica temos o perito forense digital, que trabalha com
crimes cibernéticos — tão comuns na atualidade — e que tem sido muito requisitado,
inclusive em delegacias para solucionar crimes na área digital.

Como vimos, os exemplos são inúmeros e há uma ponta de esperança pelo simples fato
de sermos altamente capazes de nos reinventar o tempo inteiro. Quem um dia pensou
que existiria um profissional que faz especulação de moedas alternativas, as chamadas
criptomoedas?

104
Ampliando o foco

O que são criptomoedas? São um meio de troca, que faz uso de base de dados
criptografados criando índices mercadológicos e novas moedas eletrônicas.
Temos como exemplo a bitcoin, a primeira criptomoeda ou dinheiro eletrônico/
commodity, considerada a primeira moeda digital mundial, e que revolucionou
transações financeiras pela internet.

Para refletir

Incrível, não é mesmo? Tecnologia, conhecimento, criatividade e inovação


são as principais ferramentas para lidarmos com toda a rapidez com que
mudamos e com a quantidade de informações próprias dos avanços cien-
tíficos e tecnológicos.

105
Máquinas ou humanos: reflexões sobre o
grau de importância do ser humano frente à
evolução da Inteligência Artificial

Como funciona o raciocínio humano? Existem ferramentas e meios capa-


zes de reproduzir o que o homem pensa? O que você acha?

A tarefa de tentar compreender como funcionam os nossos pensamentos não é recente.


Desde sempre, na história da filosofia, essa vontade e busca existe. Entretanto, é mes-
mo possível transferir nossas sinapses cerebrais para um computador? Nesse terceiro
tópico seguiremos discutindo, portanto, quais são as discussões acerca do processo de
“maquinização” de seres humanos ou mesmo se é possível dizer que sistemas racioci-
nam ou não.

Exemplo

Quando pensamos sobre o conceito de inteligência artificial, logo nos vem à


mente o questionamento se seremos ou não substituídos por robôs. Entretan-
to, a inteligência artificial vai muito além disso. Nós já fazemos uso da inteligên-
cia artificial no nosso dia a dia. Por exemplo, quando digitamos uma palavra
incorreta e um corretor ortográfico dos aparelhos celulares a corrige. Ou então
quando ele nos oferece como opção as palavras que mais usamos para conti-
nuar as frases que escrevemos. Ou quando nossos aparelhos são reconheci-
dos automaticamente pelo carro ou pelas caixas de som que já foram usadas
anteriormente. É como se a inteligência artificial estivesse diretamente ligada à
capacidade que algumas máquinas, aparelhos ou dispositivos têm de proces-
sar os dados e agirem de forma independente dos nossos comandos.

A partir da década de 1940 Alan Turing trouxe a pergunta sobre a possibilidade de as


máquinas pensarem ou demonstrarem algum tipo de comportamento tido como inteli-
gente e provocou os pensadores britânicos que pesquisavam cibernética a discutirem o
tema. Vários experimentos surgiram depois disso, mas foi sobretudo a partir da década
de 1980 que a chamada inteligência artificial configurou-se como modelo considerável e

106
usado por empresas, sobretudo nos Estados Unidos e no Japão. Já nessa época discu-
tia-se o uso de microchips e a interação homem-computador.

Exemplo

A inteligência artificial já é a base sólida para os processos de automação em


todos os setores. O mais incrível, porém, em relação à inteligência artificial é que
nós já estamos conectados e imbricados. Somos híbridos, nesse sentido. Esse
processo de automação já aparece em diversas atividades que executamos
sem que a gente se dê conta. Parece que não nos reconhecemos mais sem
ela. Já faz parte de praticamente todas as áreas com as quais a sociedade tem
contato: na área organizacional, no marketing digital. Na medicina, por exemplo,
temos automação em transplantes de órgãos e em várias cirurgias, que já são
feitas com o auxílio de máquinas, robótica e microcâmeras. Nas indústrias ou
fábricas vemos automação no controle de estoque, nas rotas de entrega, nos
registros de reclamação ou avaliação de serviço. Na área educacional temos os
softwares de gestão escolar e os monitoramentos de atividades. Vemos tam-
bém no uso dos códigos de barras dos boletos de pagamento, nos indicadores
de metas, nas campanhas com públicos específicos. Nesse sentido, discutir
automação ou inteligência artificial vai além de pensarmos se vamos ou não
ser substituídos por robôs.

Para refletir

Há quem diga que o homem e sua criatividade terão ainda mais valor e impor-
tância nesse processo, mas é constatável pela velocidade com que temos visto
esses avanços que muitas pessoas de fato não alcancem e, claro, muitas áreas
de atuação serão completamente automatizadas. Chegará o tempo em que
nossa maior preocupação não será com os avanços tecnocientíficos ou com
todas essas eras de revolução das máquinas. Haverá um tempo em que nossa
maior preocupação será com a energia, com a água e com o meio ambiente, ou
seja, com as nossas necessidades mais básicas.

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Conhecendo um pouco mais

Machine learning ou aprendizagem de máquinas

É parte do conhecimento sobre inteligência artificial e diz respeito ao reconhecimento de


padrões de dados para tomada de decisão. Um curso ou faculdade consegue, por meio
desses dados, prever, por exemplo, se haverá desistência dos alunos e promover por con-
ta disso uma grande ação de marketing. São estabelecidos padrões ou regras lógicas,
como aquelas dos corretores ortográficos nos nossos celulares. Por exemplo, existem
algumas palavras que foram pesquisadas anteriormente em algum site ou rede social, ou
mesmo que usamos com muita frequência, e o corretor armazena essa informação, dis-
ponibilizando-a em seguida quando digitamos as primeiras letras. São reconhecimentos
provenientes de algum algoritmo ou armazenamento de dados.

Realidade misturada

Faz uma combinação de cenas reais do mundo físico e cenas virtuais ou artificiais. Esse
ambiente é gerado por computadores por meio dos quais o usuário interage de maneira
intuitiva. Combina cores, formas, uma espécie de ambiente tridimensional. Os capacetes
de visualização e os óculos estereoscópicos usam a realidade misturada.

QR Code ou Código de Resposta Rápida

É um código de barras bidimensional, usado inicialmente na indústria automobilística


para rastreamento e que hoje tem sido bem comum. Eles ficaram bem conhecidos nas
lives que aconteceram durante a pandemia do Covid-19. Os cantores faziam shows e
seus patrocinadores, por meio do QRCode, vendiam seus produtos, davam descontos ou
direcionavam os usuários para as páginas de propagandas ou venda desses produtos.

Tecnologia RFID

Identificação por sinais de rádio ou radiofrequência. Usada em hospitais para controle


dos pacientes com pulseiras com etiqueta de tecnologia RFID e também em pedágios,
quando os carros são identificados e liberados por possuírem planos como “sem parar”.

Internet das coisas

A internet das coisas entende que qualquer objeto físico conectado pode ser programá-
vel. É uma espécie de conexão avançada de dispositivos e tecnologia sensorial.

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Computadores de vestir

São as tecnologias usadas em acessórios que estão frequentemente mais perto e com a
gente do que computadores e tablets. São as tecnologias, por exemplo, encontradas nos
smartwatches, também conhecidos como relógios inteligentes, ou mesmo em óculos
de alta tecnologia.

Nanotecnologia

São as tecnologias que utilizam as escalas nanométricas, ou escala atômica e molecular.


São usadas em microscópios e chips.

Energia renovável, alternativa ou limpa

Proveniente de recursos naturais ou de fontes que não geram grandes impactos ao meio
ambiente e que se renovam como sol, vento, chuva etc.

Acordo de Paris

Tratado assinado pelas nações em acordo sobre as questões do meio ambiente e que
decidiram pensar ações que minimizem a emissão de gases estufa e o aquecimento
global. Aprovado por 195 países. O Brasil assumiu o compromisso de contribuir para as
questões da sustentabilidade em 12 de setembro de 2016, compromisso, inclusive com
o reflorestamento e uso de energia renovável.

Fonte: Ministério do Meio Ambiente (2020).

Ampliando o foco

Pesquise e assista a série Black mirror, uma


série britânica de ficção científica, criada pelo
roteirista Charlie Brooker, que retrata situações
cotidianas geradas pelo uso de novas tecnolo-
gias. A série causa um certo incômodo exata-
mente por se mostrar mais do que real porque,
por mais que essa não seja uma escolha ne-
cessariamente, nós parecemos fazer parte de
cada episódio. Realidade, virtualidade e ficção

109
científica misturam-se e confundem-se, trazendo a questão dos avanços cien-
tíficos e tecnológicos como pauta de reflexão. A série vai além de uma simples
crítica à mídia moderna ou à tecnologia propriamente dita. Ela vai além, faz
pensar sobre a nossa relação com essas ferramentas e quais seriam nossas
posturas diante do encanto que um novo instrumento pode trazer. Vale muito a
pena conferir!

MIDIATECA

Para ampliar o seu conhecimento veja o material complementar da Unidade 3,


disponível na midiateca.

NA PRÁTICA

O que seria de nós se, ao passarmos por uma pandemia, não existissem as tec-
nologias e meios digitais, sobretudo as ferramentas de comunicação? Como
ficariam as reuniões de trabalho, já que fomos obrigados a estar em isolamento
social? Temos, inclusive, peças de teatro sendo encenadas ao vivo pelas redes
sociais ou algum aplicativo. Temos shows improvisados sendo feitos a partir
de lives e temos também muito desemprego, readaptações e o surgimento de
novas fontes de renda, como a fabricação de máscaras de proteção, vendas de
ring light com tripé e aumento considerável do mercado de delivery. Empresas
que não admitiam incluir em sua forma de atividade a venda pela internet preci-
saram se reinventar para não fechar as portas.

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Resumo da Unidade 4

Nesta unidade discutimos as novas configurações do mercado de trabalho, que in-


cluem o chamado desemprego tecnológico e quais foram as profissões que passaram
a fazer parte dessa nova configuração. Trabalhamos as novas nomenclaturas de usos
e mercados tecnológicos e as combinações já existentes entre o mundo físico e o mun-
do digital. Por fim, discutimos o processo de automação, inteligência artificial e seus
desdobramentos.

CONCEITO

Trabalhamos os conceitos de avanço tecnocientífico, reestruturação produtiva;


desemprego tecnológico; Fordismo; Taylorismo; Automação; Inteligência artifi-
cial; Internet das coisas; Tecnologia RFID; QR Code; Realidade misturada; Ma-
chine learning;. Acordo de Paris.

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Referências

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

ACORDO de Paris. Ministério do Meio Ambiente. Brasília, DF: MMA. Disponível em: https://
antigo.mma.gov.br/clima/convencao-das-nacoes-unidas/acordo-de-paris.html. Acesso
em: 10 jul. 2020.

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análise dos fatores culturais e contextuais. Revista de Administração Contemporânea.
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