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E CONTEMPORANEIDADE
SOCIEDADE, CULTURA
E CONTEMPORANEIDADE
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meio sem a prévia autorização desta instituição.
CURADORIA DO CONTEÚDO
Katia Puente
REVISÃO
Janaina Senna
Janaina Vieira
Lydianna Lima
SUMÁRIO
Apresentação 6
Autores 8
UNIDADE 1
compreensão da diversidade
UNIDADE 2
UNIDADE 3
UNIDADE 4
Trabalho
Quando ouvimos falar em sociedade, cultura, ciência, meio ambiente e tecnologia somos
levados a pensar como esses temas podem contribuir para nossa formação profissional.
O que podemos afirmar é que a contemporaneidade nos coloca diante de muitos desa-
fios e precisamos de certas habilidades que são chave no mundo de hoje. Elas podem,
inclusive, representar um diferencial no mundo do trabalho:
• Ter empatia.
• Estar predisposto a ouvir outros tão diferentes de nós.
• Respeitar e colaborar para objetivos comuns.
• Ser imparcial e solidário.
• Ter autocrítica.
• Desenvolver uma atitude afirmativa diante dos obstáculos.
• Em síntese, ativar nossa capacidade de compreensão cultural e tornar a socieda-
de em que vivemos e trabalhamos menos intolerante com o outro.
Um ponto de partida para essas habilidades é exercitar o nosso olhar diante das ques-
tões culturais que se apresentam diariamente. Desenvolver uma atitude sobre a di-
ferença que permita colaborar para um mundo mais sustentável, fraterno, humano e
menos excludente.
A nossa Constituição Federal de 1988, em seus artigos 205 e 206, destaca inclusive
que devemos desenvolver, também por meio da educação, competências que tornem o
sujeito capaz de lidar com tais problemas, conviver com a pluralidade de ideias, promo-
ver e incentivar sua colaboração com a sociedade e fornecer meios para o exercício da
cidadania, qualificação para o trabalho e desenvolvimento pessoal.
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A disciplina Sociedade, Cultura e Contemporaneidade foi desenvolvida com esse obje-
tivo. Queremos conectar você com assuntos que fazem parte do seu cotidiano. Afinal,
além de desenvolver nossas habilidades para lidar com novos dados, tecnologias, resol-
ver situações complexas e exercer liderança, não podemos deixar de exercitar outras
ferramentas que possibilitem a cada um de nós estabelecer da melhor forma possível
nossas interações humanas.
Ao longo dessa jornada de aprendizagem vamos, juntos, explorar temas para provocar o
pensamento e contribuir para o seu posicionamento pessoal perante a vida.
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AUTORES
CAMILA PIGOZZO
Bióloga. Doutora em Ciências pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS
(BA), mestre em Ecologia e Biomonitoramento e bacharel em Ciências Biológicas pela Uni-
versidade Federal da Bahia – UFBA. Docente e coordenadora dos cursos de licenciatura e
bacharelado em Ciências Biológicas do Centro Universitário Jorge Amado – Unijorge. Na
pesquisa, atua em temas relacionados ao meio ambiente, especialmente Ecologia.
CRISTIANA LOPES
Graduação em Filosofia e Serviço Social. Mestrado em Filosofia pela Universidade Fede-
ral da Bahia – UFBA (2010). Especialização em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Exten-
são em Educação pela Universidade do Estado da Bahia – Uneb em 2006. Atualmente, é
editora do Cabine Cultural (www.cabineculutral.com), canal de crítica de arte; assistente
social perita do Tribunal de Justiça da Bahia; professora do Centro Universitário Jorge
Amado – Unijorge nos cursos de Psicologia, Serviço Social, Pedagogia, Administração,
Redes e Recursos Humanos; professora de Direitos Humanos e Economia Solidária na
Associação Sons do Silêncio – AESOS, que trabalha com inclusão, sobretudo de surdos,
no Projeto Libras para Todos. Fez mestrado sanduíche entre a Universidade de São Paulo
– USP e a Universidade Federal da Bahia – UFBA por meio do programa de cooperação
acadêmica – Procad, também participou do Projeto BNB/PNUD, com experiência nas
áreas de gestão de participação comunitária, educação popular, projetos sociais, planeja-
mento e capacitação em oficinas de intervenção. É também professora-tutora habilitada
pelo Programa de Formação de Tutores da Universidade Veiga de Almeida – UVA-RJ e
pelo Curso de Formação de Tutores da Universidade Federal da Bahia – UFBA
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LETICIA BORGES
Doutoranda em Direito pela Universidade Veiga de Almeida – UVA, mestra em Direito pela
Universidade Gama Filho – UGF. Professora auxiliar de Direito Internacional e Direitos
Humanos na UVA, professora auxiliar de Direito Civil e História do Direito na Universidade
Estácio de Sá – Unesa. Palestrante na área de direitos humanos.
MARGOT BÁRCIA
Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mes-
tre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em
Comunicação Social - Jornalismo (UFRJ) e em Pedagogia pela Universidade do Grande
Rio. Leciona em cursos de graduação e pós-graduação, nas modalidades presencial e a
distância, nas áreas de Comunicação e Educação. Autora de material didático para edu-
cação à distância. Experiência em coordenação pedagógica de cursos e em programas
de formação de professores.
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MICHELE VIEIRA
Doutora e mestre em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesqui-
sadora do Laboratório de Pesquisa em Culturas e Tecnologias da Comunicação (Labcult).
Possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo e Publicidade) pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (1999), graduação em História pela Universidade
Gama Filho (2005) e especialização em História Contemporânea pela Universidade Cân-
dido Mendes (2006). Foi jornalista de 1997 a 2003 e assistente de pesquisa do CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas (2003-2004). Atualmente é professora dos cursos de Publicida-
de e Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), das Faculdades
Integradas Hélio Alonso (Facha) e da Universidade Veiga de Almeida (UVA).
KATIA PUENTE
Doutoranda Psicanálise,Saúde e Sociedade UVA/RJ. Mestre em Sociologia - UFRJ (1996).
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Bacharelado
-1991 Licenciatura - 1996). Professora Adjunta Universidade Veiga de Almeida. Professor
DOC I Sociologia Seeduc-RJ . Professor Pós-Graduação Especialização Tecnologia e Mí-
dias UVA-RJ. Supervisora Acadêmica Prograd. Autora e tutora de disciplina EaD UVA/
Ilumno (Graduação - Sociologia Geral e Sociologia da Educação; Pós-Graduação Lato
Sensu Educação e Tecnologia - Cultura, Tecnologia e Trabalho). Co-autora disciplina gra-
duação Ead Antropologia e Educação. Autora Curso Avaliação de Aprendizagem em Ead
para Professor (Ilumno Brasil). Co-autora e tutora do curso Formação de Tutores Ead
UVA (Epic-Canvas).Grupos de Pesquisa: Inovação na Gestão Educacional - UVA-RJ/ Uni-
sinos, Currículo, Tecnologias Educacionais e Formação Docente UVA-RJ e O diagnóstico
em psicanálise e suas contribuições para a prática clínica UVA/FUNADESP. Áreas de
Concentração: Ensino superior. Formação Docente e EAD. Avaliação. Tecnologia Educa-
cional. Ativismo e Juventude.
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UNIDADE 1
Esta unidade mostrará que o conceito de “cultura” é dinâmico, portanto, está sempre
sendo (re)construído. Dessa maneira, os problemas e as questões relevantes da contem-
poraneidade interferem no modo como se dá esse processo, em especial os oriundos da
globalização, que resultou em um (re)desenhar das fronteiras socioeconômicas. A cons-
trução da identidade é fundamental para o posicionamento de qualquer agente social no
mundo contemporâneo. O que lhe permite construir memórias e narrativas individuais
e coletivas, percebendo o seu pertencimento ou não a um universo cultural, dando luz
à diversidade cultural. Ao mesmo tempo, ao se estabelecer essas barreiras culturais,
muitos conflitos podem ocorrer por conta da intolerância causada pelo etnocentrismo.
Como saída para esse problema, temos que buscar uma coexistência plural, respeitando
a diversidade cultural.
OBJETIVO
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Cultura e Identidade: categoria conceitual
que se afirma para a compreensão da
diversidade
A cultura, inicialmente, pode ser definida como o modo pelo qual as diferentes socieda-
des entendem o mundo em que vivem e agem dentro dele. Dessa maneira, está condicio-
nada a uma temporalidade, no nosso caso, à contemporaneidade, sendo, portanto, um
processo histórico. Como é uma expressão humana, a cultura só surge quando a própria
humanidade aparece.
• Natural: O natural é tudo que diz respeito às leis biológicas, que transcende as nor-
mas, os hábitos e costumes, e que não é peculiar a nenhum grupo social humano
particular, portanto, é universal.
• Cultural: Já o cultural é tudo que depende da tradição social, de comportamento
aprendido, que é particular a determinada sociedade e depende de suas regras.
Para compreender a diversidade cultural, não é necessário viajar a terras distantes, es-
trangeiras. Na nossa civilização, encontramos costumes culturais bem diferentes entre
si. Por exemplo, no Brasil, em áreas rurais, é mais comum dormir e acordar cedo, a noite
é reservada ao descanso. Já as grandes cidades funcionam 24 horas por dia, a noite é
cheia de atrações, de baladas frequentadas principalmente pelos jovens.
Para o antropólogo, a resposta é sim, uma vez que cultura é tudo aquilo capaz de superar
a dependência do homem em relação aos fatores ambientais. Assim, a luta do homem
desde sua origem é diferenciar, na construção de sua existência, o que é natural do que é
cultural. Veja a explicação de Laraia (2013):
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conquistou os mares. Tudo isto porque difere dos outros animais por ser
o único que possui cultura. (LARAIA, Roque Barros de. Cultura: um con-
ceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 24)
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Para refletir
Domínio artístico, sofisticação, sabedoria. Ex.:“Os africanos não têm a cultura dos euro-
peus.”; Domínio intelectual, grau de instrução, volume de informação, quantidade de títu-
los acadêmicos, inteligência. Ex.:“Maria não tem cultura, mas João é culto.” “Analfabeto
não tem cultura”; Civilização. Ex.:“A cultura inglesa é mais civilizada do que a cultura dos
índios Yanomami”; Sinônimo de estética e entretenimento. Ex.:“Nesta seção do jornal,
você verá os eventos culturais da semana: teatro, cinema, exposições, shows.”
Apesar disso, não se pode negligenciar que a cultura também deve ser vista na relação
com outras culturas, sempre, visto que seus formuladores, os inúmeros povos, estão
sempre em um processo de interação. Tal procedimento é fundamental. É o que nos
permitirá questionar a realidade de nossa própria sociedade, com seus valores, hábitos,
atitudes, conflitos, tensões etc., que, à primeira vista, nos parecem ser “naturais” e “nor-
mais”, quando na verdade estão longe de serem.
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esse modelo recebeu inúmeras críticas de intelectuais que escolheram o segundo cami-
nho. Afirmavam que o processo de classificação/hierarquização cultural não poderia ser
aplicado a todas as sociedades ocidentais e tampouco a todas as sociedades humanas.
Se, portanto, comparar as culturas tendo como norte aquele primeiro caminho é proble-
mático, o segundo também se apresenta arriscado. Uma vez que quando se procede
na comparação de culturas, sempre a fazemos pelo olhar de nossa cultura, ou seja, do
ponto de onde se observa. Portanto, eivado de classificações e conceitos da cultura do
observador. Tudo passa a ser relativo. Porém, mesmo esse relativismo carrega em si um
problema, pois as interconexões culturais dos diferentes povos foram, são e serão feitas
por meio de relações de poder que são desiguais e, portanto, hierarquizantes. Nem sem-
pre é fácil analisar as culturas tendo isso em mente.
Para refletir
Todos temos uma identidade. Se lhe perguntarem qual ou quais são as caracte-
rísticas que temos e que nos são fundamentais para a construção de nossa(s)
identidade(s), saberemos responder. Mas, será que sabemos exatamente o que
é identidade? Como ela é construída?
O conceito de identidade começou a adentrar com mais ênfase nas ciências sociais na
contemporaneidade quando se procurava analisar alguns problemas oriundos da globa-
lização. Com ele vieram alguns adjetivos, como identidade cultural, identidade nacional,
identidade étnica, identidade social etc.
No que nos interessa aqui, iremos enfatizar a identidade cultural. Já estudamos o que é
cultura, nos resta entender o que é identidade e como ela se constrói.
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como nome, filiação, data de nascimento, naturalidade etc. Todas essas informações
irão acompanhar o indivíduo por toda a sua vida, sendo, portanto, fixos. Mas, será que a
identidade é realmente fixa? Valeria por toda uma vida?
Podemos começar a tentar responder essa resposta nos apropriando da ideia do senso
comum, que define a identidade a partir da percepção de um indivíduo de que ao longo
do tempo mantém algumas características. De modo a se tornar único e por oposição
diferente dos demais. Tal como o exemplo acima.
Importante
1. Surgiu em um contexto que fora superado, mas, no entanto, não se criou nenhum
outro conceito que pudesse ser usado em sua substituição.
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2. Diz respeito à impossibilidade de “enquadrar” a ação do indivíduo dentro dos li-
mites da identidade, não havendo um ajuste de suas ações a uma totalidade a qual
pertence. Mas, entender que as ações por vezes são realizadas fora de uma expec-
tativa relacionada à identidade a que pertence, sendo paradoxal.
Deste segundo ponto emerge uma série de questões apontadas pelo autor, uma das
quais a substituição do conceito de “identidade” por “identificação”. A identificação pos-
sui uma série de elementos herdados da psicologia freudiana, como a idealização e a
ambivalência.
Tal mecanismo leva a rever um conceito importante para a identidade e que também
está ligado a temporalidades pretéritas, a noção de tradição. Ela deixa de ser vista como
algo que perdura no tempo para ser encarada como algo que se (re)itera, que se (trans)
forma. De tal modo que preservar essa tradição não significa voltar às raízes, mas enten-
der como essa tradição inventada (fantasiada, ficcional) foi construída.
Em outras linhas, não se busca viajar ao passado para pegar essa tradição materializada
e trazê-la para o presente, tal como se fosse um objeto concreto. Mas ir além. Procurar
entender como essa tradição pretérita foi manipulada, lapidada, lasqueada, envernizada
etc. até chegar ao presente.
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Importante
Para Stuart Hall as identidades culturais seriam pontos de encontros entre um discurso
que nos obriga a nos situarmos em um lugar social, que possui um significado próprio,
e a própria subjetividade do ator social. Quando um ator atribui-se ou a ele é atribuído
uma identidade cultural assume uma determinada posição social, que não deixa de ser
uma representação construída não pelo que ela é, mas por aquilo que não é. Deste modo
as identidades culturais não podem nunca ser iguais já que eivada de subjetividade e do
lugar que o sujeito ocupa. Além mais como os sujeitos ocupam vários lugares sociais
possuem várias identidades, que podem ser ambíguas e contraditórias. Como também
depende das subjetividades, que sempre se apresentam mutáveis, dos autores, elas são
temporárias.
Importante
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são frutos de um mundo em comum. A memória individual busca na memória co-
letiva a legitimação de seu discurso pelo fato de se expressar em uma linguagem
que é coletiva, a cultura. Ao mesmo tempo, a individualidade e o coletivo possuem
uma relação muito íntima, não apenas porque o coletivo é um conjunto de indi-
víduos, mas porque a memória coletiva se expressa por um daqueles indivíduos
que compõem o coletivo. Mas para além da relação entre a memória coletiva e a
individual, haveria um terceiro elemento a que chamou de os próximos.
A memória é um termo polissêmico, portanto, com vários significados, que opera ter-
mos ambíguos, como nos lembra Margarida de Souza Neves. A autora destacou que
o conceito trabalha com “o tempo lembrado e o tempo da lembrança; o individual e o
coletivo; o registro e a invenção; o material e o simbólico; a rememoração e o esqueci-
mento; as paixões e os interesses; a informação e o ocultamento; a razão e a emoção
[...]” (2009, p. 22).
Nossos pais, por exemplo, nos trazem vivências que estão em nossa memória, mas de
certo modo “adormecidas”. Grupos sociais também podem ter papel similar. Eles evo-
cam experiências, que poderíamos chamar de história ou de narrativa cultural, que não
foram vividas por nós, mas nos reconhecemos naquelas pessoas que as vivenciaram e
as construíram.
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Conflitos de identidade: processo
etnocêntrico e intolerância
Aqui vamos discutir alguns pontos que dizem respeito aos conceitos de etnocentrismo e
intolerância, de modo que possam ser úteis quando, nas aulas e unidades, estudarmos
alguns dos conflitos de identidade culturais existentes na contemporaneidade e como
poderemos superá-los.
O conceito de etnocentrismo talvez seja o mais fácil de trabalhar dentre os que foram
apresentados e os que ainda veremos ao longo deste curso. Poderíamos rapidamente
começar a defini-lo buscando o significado etimológico da palavra Etnocentrismo.
O passo inicial seria desmembrá-lo em dois termos (CUNHA, 2012, p. 274 e 142):
• Etno - Segundo Antônio Geraldo da Cunha, “etn(o)” provem do grego étnhos que
significa raça, povo. A ideia foi apropriada pela linguagem científica internacional a
partir do século XX.
• Centro - O conceito “centro” originou-se do latim centrum, que por sua vez teria
surgido do grego kéntron, tendo sido apropriado pela geometria para designar o
“ponto para onde convergem as coisas”.
Assim facilmente veríamos que Etnocentrismo foi um conceito criado pelas ciências so-
ciais e humanas para dizer que a cultura de um determinado povo seria central, o ponto
de partida. Todavia, não basta dizer que a cultura é uma chave de entendimento de um
povo, de uma sociedade.
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Mas de que cultura estamos falando? De quem analisa ou de quem é
analisado?
Rapidamente, não hesitaríamos em responder que dos dois, tanto do analista quanto do
analisado. O analista pode ter uma visão etnocêntrica da cultura que observa. Por sua
vez, o analisado também pode ter um olhar etnocêntrico ao se deparar com outras cultu-
ras, como denunciaria o analista não etnocêntrico.
Tal fato enseja alguns problemas, mas o fundamental é pontuar que ambos partem da
questão central do conceito, ou seja, da visão de determinado povo de que sua cultura
é a mais importante, correta, perfeita, excelente e normal. De modo que quem não lê o
mundo por essa cultura estaria em um grau de humanidade menor ou não estaria nem
mesmo nesta categoria. Mas a questão não é tão simplória assim.
Portanto, longe de ser apenas uma questão abstrata, entendida como não sendo algo
prático e palpável, o etnocentrismo se apresenta de forma objetiva, mesmo que no cam-
po dos sentimentos, que não deixam de ser abstrações, mas que se expressam em ações
concretas. Cabe sublinhar que ao estudar a história da humanidade a questão do etno-
centrismo aparece de forma constante, assim como em nosso cotidiano mais elementar.
Dessa maneira, o que temos que salientar, se realmente quisermos construir um mundo
“solidário” e “democrático em sua plenitude”, mais justo e menos excludente, é que há a
necessidade de se entender como se expressam esses etnocentrismos, qual a sua ra-
zão, como atuam nas emoções, nos sentimentos das pessoas etc.
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Exemplo
Cabe ainda dizer que esta representação fica à mercê de uma lógica ideológica e de
contextos que não estão ligados à cultura representada. Passam a ser instrumentos que
podem ser manipulados de modo ambíguo, podendo ser positivada ou negativada, como
é feita na maior parte das vezes.
Importante
É preciso lembrar que o etnocentrismo não ocorre apenas nas relações de cul-
turas externas, também pode se expressar em relações dentro de uma mesma
cultura com grupos/classes sociais diferentes. Desta feita se faz uma repre-
sentação estereotipada a respeito de determinados grupos/classes sociais que
em nosso cotidiano mais comezinho apresentam diferenças que resultam em
conflitos, tais como mulheres, velhos, homossexuais, negros, pessoas que pra-
ticam determinadas religiões etc.
Alguns autores pontuam que o primeiro passo para o início da globalização teria aconte-
cido ainda na Idade Moderna (1453-1789), na chamada Era dos Descobrimentos, cujos
movimentos mais importantes foram a descoberta da América por Cristóvão Colombo
(1492), a chegada de Vasco da Gama às Índias (1498) e a descoberta do Brasil por Pedro
Álvares Cabral (1500). Esses acontecimentos levaram os europeus a travarem contatos
com uma imensa gama de culturas diferentes. Assim, muitos pensadores da Moder-
nidade, que ficaram conhecidos como Renascentistas, naturalmente com os olhos da
Modernidade, logo começaram a tentar entender aquelas inúmeras culturas.
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Nesse movimento, com intensidade bem menor que o da Globalização, houve alteração
das fronteiras, contato com outros povos e culturas, desenvolvimento de tecnologias que
diminuíram as distâncias espaciais e de comunicação. Mas, para o que nos interessa
aqui, o europeu se relacionou com os “outros” vendo-se obrigado a pensar a diferença.
O momento foi crucial porque nascia de modo bem embrionário a necessidade de se
formular um pensamento a respeito das diferenças, embora ainda de um jeito muito in-
formal e sem rigores conceituais.
Essa época, que também ficou conhecida como a era da “Descoberta do Homem e do
Mundo”, deve-se destacar igualmente que não foi importante apenas porque o homem
europeu conheceu e se deparou com outras culturas.
Mas, porque ao olhar os “outros” obrigava-se a olhar para dentro, o que o levou a desco-
brir a si mesmo e a questionar alguns de seus valores e atitudes.
Para refletir
Mais um passo de expansão e domínio da cultura europeia ocidental frente às demais ex-
pressões culturais fora dado, o que para diversos autores também se insere no processo
de globalização.
O choque cultural propiciado pelo “outro” novamente veio à tona. No entanto, já não era
mais calcado em uma visão de mundo religiosa, mas científica, na qual o cientificismo
deveria explicar o mundo. Surgia a Antropologia, com a preocupação de compreender e
elucidar o funcionamento das diferentes culturas.
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Questão esta que tinha a preocupação de hierarquizar as culturas. No bojo desse proces-
so, surgiu o conceito de Evolucionismo Social. O termo “Evolucionismo” havia sido cunha-
do naquele mesmo século pelo cientista natural Charles Darwin e tentava explicar por
meio de uma metodologia científica a origem e a evolução das espécies, que, em suma,
poderia ser resumida ao fato de que somente as espécies mais bem adaptadas ao meio
ambiente evoluem e por conta disso se perpetuam no tempo conseguindo se reproduzir
e transmitir as suas características para as futuras gerações.
A ideia do evolucionismo foi levada para a Antropologia que acabou por formular a ideia
de que a cultura europeia ocidental era mais desenvolvida, mais civilizada que as demais.
A noção de progresso passou a guiar as análises antropológicas e as sociedades foram
classificadas de acordo com o seu grau de evolução.
Uma das formas de expressão do etnocentrismo é a intolerância. Essa, por sua vez, nada
mais é do que a não aceitação de qualquer elemento ou contato com o “outro”.
Movimentos de intolerância podem ocorrer nas mais variadas escalas, seja por exem-
plo pelo genocídio de um povo (localizado dentro ou fora das fronteiras do Estado-
-nação a que pertenço) ou na perseguição ao meu vizinho que professa uma religião
diferente da minha.
A resposta dada pelos que sofrem a intolerância também se apresenta diversa. Pode re-
sultar ainda em mais violência, desde a simbólica até a física, ou no silêncio total da vítima.
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Diversidade: o desafio contemporâneo da
coexistência plural
Vamos iniciar este tópico enfatizando que nós que vivemos em uma sociedade contem-
porânea temos um desafio, qual seja: a construção de uma sociedade na qual possa
existir e se manifestar de modo pacífico as diferentes expressões culturais. Para isso, al-
gumas barreiras devem ser vencidas, como o etnocentrismo que se manifesta na intole-
rância, como visto na aula passada. Desse modo cabe à sociedade desenvolver políticas
públicas que atuem na questão apontada.
Porém, para pensar essas questões alguns pontos têm que ser revistos e derrubados.
Um dos quais é a herança que ainda temos hoje da importância do tempo, ou melhor,
da história, como uma linha evolutiva teleológica. Como vimos na aula passada, era por
meio do tempo que se poderia visualizar o desenvolvimento dos povos/culturas na esca-
la civilizacional.
Ao abandonarmos essa noção, podemos entender que cada uma das sociedades e de
suas culturas são uma expressão do particular. O fato abre espaço para a relativização
das sociedades/culturas, na medida em que cada uma caminharia por trilhas que lhes
seriam próprias e únicas. Desse modo, por exemplo, pode-se entender que ao contrário
da noção de tempo linear, baseado em causas e consequências que possuímos, diversas
sociedades produziram, produzem e produzirão outras relações com o tempo.
Algumas de modo circular, em que características vão e vem de forma natural. Ou-
tras trabalham com o tempo espelhado, ou seja, um tempo “perfeito” anterior a esse
vivido, que deve servir de espelho (modelo) e, portanto, sempre sendo reproduzido.
O processo é muito difícil e por vezes impossível de ser compreendido. Afinal, estamos
acostumados com esse tempo linear e que não tem volta, o que torna bastante difícil
visualizar um tempo circular em que as coisas se repetirão.
A questão abre uma discussão: como lidar com essas diferenças? As análises e as ferra-
mentas analíticas precisam dar conta dessa complexidade de sociedades/culturas. No-
vos conceitos precisam ser formulados, velhos conceitos precisam ser esquecidos ou
(re)formados. É esse processo que permitirá um novo olhar para o “outro”, para que se
possa entendê-lo por ele mesmo, e não explicá-lo por nós. De tal modo que não se bus-
26
cam mais leis gerais, mas sim interpretar a maneira pela qual as inúmeras sociedades
procuraram viver suas vidas, ou seja, produziram suas próprias culturas.
Esses significados aprisionam seus produtores de modo que orientam as suas ações.
É por meio da análise desses significados que se pode extrair dados sobre determinada
sociedade, que evidenciaram quem ela é, o que pensa, o que faz.
Para isso, devemos levar essa visão para diversos níveis de escala. Sejam as internacio-
nais, as interétnicas, na relação com o colega de trabalho, com o vizinho etc. O que co-
mumente não é feito! Tal mecanismo permitirá que os indivíduos pertencentes à “minha”
sociedade ou às “outras” sociedades reconheçam que as diferenças entre ambos são
escolhas, dentre infinitas possibilidades, e que respeitá-las é um ato de generosidade e
de humanidade. Só assim se poderá romper a visão hierarquizante das culturas pertinen-
tes, a visão etnocêntrica.
27
Para refletir
Walter Mignolo (2000) destacou que esse fenômeno pode ser chamado de “di-
versalidade”, ou seja, um projeto universal de respeito às diversidades que se
apresenta como uma alternativa contrária ao movimento de homogeneidade
cultural que expressaria os interesses das classes globais hegemônicas. A “di-
versalidade” seria a compreensão de que a diversidade cultural é a chave para
a criatividade, a busca de uma sociedade cosmopolita crítica que procura dialo-
gar com o particular e o global, e não a adoção de um modelo que se pretende
único para toda a humanidade.
Mas levar em consideração que a diversidade cultural deve ser um bem universal, ou
seja, algo buscado por todos enseja a manutenção do mesmo problema presente na
globalização, qual seja: como lidar com a relação entre o global e o fragmentado?
No seio dessa discussão uma questão a ser observada é que algumas conotações que
nos parecem universais, tais como muitas das combatidas pelos que lutam a favor da
diversidade cultural, surgiram dentro de expressões culturais ocidentais, portanto de cul-
turas fragmentadas que se tornaram globais, porém calcadas no etnocentrismo. Desse
modo, até que ponto “direitos humanos”, “democracia”, “desenvolvimento material”, “de-
senvolvimento tecnológico”, “cientificismo”, “competição”, “racionalidade”, “empreendedo-
rismo”, “mercado” etc. devem ser valores globais?
Tais valores não evidenciariam relações de poder de quem os define? Não seriam uma
expressão da capacidade das sociedades ocidentais em definir o que é desejável para as
demais culturas, impondo um etnocentrismo disfarçado e solapando as diferenças cul-
turais? Essa imposição de valores globais não caracterizaria um monopólio cultural? Não
seria um meio de (re)produção das elites globais? Tais questionamentos foram feitos de
forma brilhante pelo antropólogo Gustavo Lins Ribeiro (2009).
28
Importante
Todavia, dentro desse quadro há uma tensão fruto de sua ambiguidade, visto ser muito
difícil (re)conciliar valores globais com os particulares, devido aos diferentes processos
históricos e culturais existentes. O discurso de solidariedade faz com que esse particula-
rismo seja o mais facilmente aplicável, tanto para quem defende o processo de globali-
zação como para quem luta contra ele. São adotados por instituições de alcance global,
que podem ser divididas em duas esferas. Por isso a busca pela valorização da empatia
e do respeito a um mundo cada vez mais multicultural.
MIDIATECA
29
NA PRÁTICA
Hoje nas redes sociais observamos cada vez mais a necessidade de empatia
e valorização da diversidade cultural. Isso reduziria uma cultura do ódio que se
propaga nesses espaços, do desrespeito, da falta de ética e cidadania. Ser um
sujeito global, não é só ser capaz de ter acesso ao avanço científico e tecno-
lógico presente num mundo que se socializa cada vez mais de forma digital.
Demanda de cada um de nós dialogar com a cultura e coexistência plural.
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Resumo da Unidade 1
CONCEITO
31
Referências
CHICARINO, Tathiana (Org.) Antropologia social e cultural. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2014.
DAMATTA, Roberto. Você tem cultura? Artigo publicado no Jornal da Embratel, RJ, 1981.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade
e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 103-133.
RIBEIRO, Gustavo Lins. Diversidade Cultural enquanto Discurso Global. In: Avá, 2009, nº 15.
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UNIDADE 2
Nesta unidade vamos estudar como podemos pensar os direitos humanos, as afirma-
ções identitárias contemporâneas e como se expressa a diversidade cultural dos inú-
meros povos indígenas existentes no Brasil. Também abordaremos a importância da
diáspora negra africana que, entre outras coisas, foi fundamental por “fundar” as religiões
híbridas no Brasil, comumente chamadas de afro-brasileiras, que são obrigadas, cada
vez com mais frequência, a lidarem com a intolerância por parte de outras práticas reli-
giosas. Todo esse processo, fruto do legado sociocultural das matrizes culturais indíge-
nas e afro-brasileiras, é fundamental para a (re)construção da identidade brasileira e das
suas identidades regionais.
OBJETIVO
34
Direitos humanos e afirmações identitárias
Para refletir
Ampliando o foco
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangei-
ros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
35
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que
sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na
República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem,
em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
d) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que ve-
nham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo,
pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional de
Revisão nº 3, de 1994)
e) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que
sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na
República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida
a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Cons-
titucional nº 54, de 2007)
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos
originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano inin-
terrupto e idoneidade moral;
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Fede-
rativa do Brasil há mais de trinta anos ininterruptos e sem condenação penal,
desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federa-
tiva do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal,
desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
A cidadania deve ser entendida como um processo contínuo, uma construção coletiva,
propiciadora da concretização dos direitos humanos. Sua conceituação perpassa tanto
a situação de fato explicitada no artigo transcrito acima, como a prática da tomada de
consciência de seus direitos e a realização dos deveres. Isso implica no efetivo exercício
dos direitos civis, políticos e socioeconômicos, bem como na participação do bem-estar
da sociedade. A cidadania, portanto, deve ser entendida como processo contínuo, uma
construção coletiva, significando a concretização dos direitos humanos.
36
DEVERES DO CIDADÃO
1. Votar para escolher os governantes.
2. Cumprir as leis.
3. Educar e proteger seus semelhantes.
4. Proteger a natureza.
5. Proteger o patrimônio público e social do país.
DIREITOS DO CIDADÃO
1. Direito à saúde, educação, moradia, trabalho, previdência social e lazer.
2. O cidadão é livre para escrever e dizer o que pensa de forma não anônima.
3. Liberdade religiosa e de fé, bem como sua manifestação.
4. Liberdade de trabalho, ofício ou profissão, mas a lei pode pedir estudo e formação
específica.
5. Liberdade patrimonial, onde cada pessoa administra seus bens da forma que
desejar.
6. Liberdade plena de ir e vir em tempo de paz.
Ser cidadão implica não se deixar oprimir nem subjugar, mas enfrentar o desafio que for
para defender e exercer seus direitos humanos, valores, princípios e normas que definem
o respeito à vida e à dignidade.
A palavra “democracia” tem origem no grego demokratía, que é composta por demos,
que significa “povo” e kratos, que significa “poder”. Nesse sistema político, o poder é exer-
cido pelo povo por meio do sufrágio universal.
artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-
reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade.
37
Esse princípio impede que, no Brasil, alguns atos abomináveis retornem e se instalem
no seio da sociedade, tais como a escravidão, a discriminação racial, religiosa, ideológi-
ca, por conta da posição social ou, ainda, a aplicação de direitos por razões de ordem
pessoal. Também é a base precípua, que garante a igualdade jurídica, de sufrágio e de
acesso às oportunidades.
Contudo, a realidade mostra que, por conta das desigualdades sociais e econômicas,
muitos cidadãos encontram-se alijados dos instrumentos necessários para usufruir ple-
namente de seus direitos, situação esta que é alterada com a educação do povo.
38
Importante
Uma dos formas de garantir os direitos é estabelecer marcos legais que protejam os
direitos de todos, principalmente das minorias sociais e culturais.
Discriminações baseadas em caráter racial com distinção de cor, de raça, de sexo, de idio-
ma e de religião, assolaram a humanidade e causaram feridas em todas as sociedades.
Ampliando o foco
39
Deveres dos Estados-membros:
Na prática, seja pela ausência e/ou pela incompetência das políticas públicas, desenvolvi-
das pelas diversas esferas do poder público, seja o municipal, Estadual ou federal, ou até
mesmo por ignorância e pelo desleixo de entidades privadas e de indivíduos isoladamen-
te, essa visão não se dá de forma objetiva. Manifestações culturais, que fogem do padrão
hegemônico (branco, ocidental, jovem, masculino e cristão), são comumente vistas de
modo intolerante pela sociedade como um todo, gerando conflitos simbólicos e físicos.
No Brasil, um dos pontos de partida para superar essa intolerância é conhecer a expres-
são de nossa diversidade cultural.
40
Identidades de gênero e orientação sexual: o sexismo e a
homofobia em debate. As tensões geracionais: conflitos e
convivência social
Parte desses problemas e conflitos geracionais tem origem nos valores que são consi-
derados positivos em nossa sociedade. Em nosso mundo contemporâneo, baseado no
avanço da tecnologia e no desenvolvimento industrial, atribuímos aos idosos as imagens
de um passado que deve ser negado pelo jovem no presente, posto que já superado,
sendo, portanto, inútil. O futuro também se torna problemático por conta da incerteza
da vida. Os jovens veem nos idosos doentes, fracos fisicamente, senis etc. o seu próprio
futuro. Dessa forma, os afastam ou até mesmo os exterminam como se estivessem ex-
tirpando esses problemas de si mesmos.
41
Segundo o Estatuto do Idosos (Lei nº 10.741/2003), são considerados idosos as pessoas
com mais de 60 anos. Esses possuem a prerrogativa de que seus direitos sejam resguar-
dados pelo Estado juntamente com os demais cidadãos.
Como se sabe, as leis só são criadas quando existe um problema a ser solucionado. Sen-
do assim, se, em nossa sociedade, tal questão, a exclusão do idoso, não se apresentasse,
ou seja, se esses atores tivessem seus direitos respeitados, tal lei não seria necessária.
A categoria idosa, como todos as categorias, é histórica. Portanto, ser idoso, hoje, não
significa ser idoso em outros períodos históricos, que, por exemplo, poderiam nem ter
essa categoria. Por outro lado, em nossa sociedade contemporânea, cada um dos ido-
sos, ao passar por aquele ciclo natural descrito acima, o faz de maneira diferente. Cada
um deles passa por experiências únicas, que serão fundamentais para a criação de sua
identidade cultural de idoso.
Deve-se destacar que essa identidade cultural também opera de acordo com os variados
contextos sociais. Assim, envelhecer para as mulheres não significa a mesma coisa do
que para os homens. Tornar-se maduro para as classes mais abastadas economicamen-
te não é o mesmo que tornar-se maduro para as classes menos abastadas economi-
camente. Por outro lado, o indivíduo pode ser visto como “velho” no seio de sua família,
enquanto no âmbito laboral não.
A questão geracional no Brasil começou a se tornar mais patente nos anos de 1990,
quando o crescimento demográfico evidenciou a grande quantidade de idosos, que co-
meçavam a se movimentar para que seus direitos fossem respeitados. Todavia, discus-
sões conceituais apareceram muito lentamente e, consequentemente, muitos dos pro-
blemas, a que esses personagens passavam ou passam, não eram abordados, como,
por exemplo, a violência, sobretudo a empreendida contra a mulher idosa.
42
Michel Foucault (1984), um dos sociólogos mais respeitados, defendeu que, na moder-
nidade, a característica mais importante para definir a identidade seria a sexualidade. A
identidade sexual seria uma das mais importantes, visto que ela atua diretamente no cor-
po do indivíduo e em sua faceta mais íntima e privada. Ao mesmo tempo, o corpo sexual
seria a menor escala local que dialoga com as escalas globais. O processo de globali-
zação, como vimos, redefiniu as identidades, uma das quais a sexual, e como resposta
a ele, o par da identidade sexual (homem e mulher) se acentuou. Por outro lado, dentro
desses polos, houve uma fragmentação. Assim, não há mais “homens” e sim “homens”
de diferentes etnias, religiões, classes sociais etc. Dito isso, para compreender a cultura
na contemporaneidade, deve-se analisar a construção da identidade sexual.
O que nos resta perguntar é: no mundo contemporâneo, essas identidades binárias são
suficientes para entender as identidades sexuais dos indivíduos? Para a caracterização de
um desses polos, basta dizer que ele “é” o que o “outro” não “é”? Essas duas identidades
dão sentido a todas as pessoas que vivem em um sem número de sociedades? Porém, não
seriam as identidades dinâmicas, de modo que as identidades sexuais também seriam?
As identidades são requisitadas por quem as têm, sendo construídas de forma dialógica
com as estruturas e relações de poder existentes em uma determinada sociedade e que
operam contra a desigualdade e a opressão. Nesse sentido, com a globalização na con-
temporaneidade tornando-se cada vez mais intensa, cabe a pergunta: a quais interesses
respondem a definição das identidades sexuais binárias?
Definir novas identidades sexuais não interessa aos homens (heterossexuais). Contudo, as
outras identidades sexuais que surgem respondem às necessidades dessas categorias?
Mesmo a identidade sexual bipolar pode ser realmente válida? O indivíduo caracterizado
como homem é, em todos os contextos, só homem?
43
sociedade de modo a não se enquadrarem nas identidades sexuais binárias (homem e
mulher). Os autores vão chamar a atenção para o fato de que as explicações a respeito
de como uma pessoa se torna homossexual (seja religiosa, biológica, científica etc.) são
expressões de ideologias, portanto, desnecessárias de serem sublinhadas, eivadas de
conflitos e de relações de poder. Elas são muito mais reflexos de outros contextos sociais
do que da homossexualidade em si.
Essas pressões sociais acabam, por meio de seus diversos atores, produzindo discursos
confusos a respeito das práticas sexuais, que têm, em seu bojo, a preocupação de formu-
lá-los para reproduzir a dominação vigente, de modo que é necessário revê-los. A ques-
tão tem tido bastante visibilidade na contemporaneidade, em um mundo que viu explodir
o (re)surgimento de identidades. Inclusive, atualmente, o combate à homossexualidade é
tido como uma violação dos direitos humanos.
No mundo contemporâneo, também temos outros conflitos culturais que são menos ex-
plícitos do que os que foram trabalhados até aqui. Isso se deve ao fato de que a violência,
que ocorre em seu interior, é muito mais simbólica do que física. É o caso dos indivíduos
que possuem algum tipo de deficiência e que, por conta disso, têm dificuldades de serem
incluídos em um contexto social mais amplo, sendo-lhes negado a acessibilidade, não ape-
nas por conta da ausência de políticas públicas que tenham esse objetivo, mas também
quando elas existem, mostram-se totalmente ineficazes, o que por si só já seria um reflexo
da atenção que a sociedade demanda para a questão e para quem sofre essa violência.
44
Deve-se destacar que não se classifica pessoas, mas sim características relacionadas
a determinadas particularidades da saúde. Sendo assim, temos pessoas portadoras de
deficiência e não pessoas deficientes.
A pessoa com deficiência*, antes mesmo de ir para uma escola, já sofre em uma socieda-
de pautada pela exclusão quando de seu nascimento, na sua própria família, independen-
temente do tipo de família ao qual estejamos nos referindo, sejam as ditas heteroafetivas,
as homoafetivas, as poliafetivas, as com maior ou menor escolaridade, as mais bem
estruturadas ou as menos estruturadas economicamente, embora essas últimas sejam
as que sofrem mais.
Os primeiros a se depararem com uma pessoa portadora de deficiência são os pais, que
logo se fazem uma série de perguntas, algumas das quais incidem sobre o futuro de seus
filhos quando eles tiverem falecido. Como será a interação social de seus filhos na socie-
dade, também é outra indagação bastante comum. Os pais não estão preparados para
lidar com a questão, porque os profissionais que os cercam enfatizam, em seus diagnós-
ticos, as limitações das deficiências de seus filhos e raras vezes informam como esses
poderiam se desenvolver para vencê-las. Por outro lado, em termos sociais, as mídias
pouco falam a esse respeito ou quando o fazem é de modo bastante superficial e precon-
ceituoso, afinal, elas também são um reflexo dos valores que imperam na sociedade.
Nesse processo, os pais são fundamentais, já que serão os grandes responsáveis por
fazer a mediação entre seus filhos e a sociedade, sendo que esses também precisam de
ajuda especializada.
*
O termo pessoa com deficiência foi estabelecido pela Lei Brasileira de Inclusão no seu artigo 2º. Link da lei: http://
www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
45
A mídia deve ser chamada a participar de modo mais positivo, promovendo ações inclu-
sivas e mostrando, em seus canais, atitudes positivas a respeito dessa parcela da popu-
lação. Ela deve ter, em seu interior, equipes de análise e crítica dos conteúdos produzidos
que atuem juntamente com os conselhos de defesa da pessoa portadora de deficiência,
evidenciando, assim, possíveis erros que possam cometer.
Por último, cabe lembrar que, para a criação de uma sociedade em que se respeite a
diversidade cultural, esses personagens, como todos os outros, independentemente
de suas características culturais, carecem de ser incluídos na sociedade e, por conta
disso, necessitam ter acesso a todos os recursos gerados por ela. Além disso, a inclu-
são e a acessibilidade dos portadores de deficiência significam também um fator de
ordem econômica, visto que eles podem e devem ser inseridos no sistema produtivo
de nossa sociedade, o que fatalmente diminuiria o seu custo social para com esses
agentes. Portanto, o problema de inclusão não é apenas individual, nem familiar, mas
de toda a sociedade.
46
A expressão da diversidade cultural indíge-
na: a construção do conceito de etnia. Movi-
mentos identitários indígenas na formação
da identidade nacional
Vamos iniciar nosso tópico 2 pensando o cenário da população indígena. No Brasil, segun-
do o censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE,
existem hoje 896 mil indivíduos que se declaram indígenas. Esse quantitativo confirma
um crescimento que já se apresentava expressivo no censo que foi realizado em 1991. Na-
quele ano, havia 294 mil indígenas no Brasil. No censo seguinte, em 2000, contabilizou-se
743 mil indígenas. Esse crescimento pode ser melhor visualizado em um gráfico.
1000
900
800
700 População indígena
600 no Brasil em mil
500
400
300
200
1991 2000 2010
Fonte: IBGE.
47
Ampliando o foco
Esses indígenas falam 274 línguas e pertencem a 305 etnias diferentes. Tais
números precisam de um estudo mais aprofundado, uma vez que algumas
das línguas declaradas podem ser variações, assim como as etnias podem ser
subgrupos étnicos. Apesar desses ajustes, os números são importantíssimos
e já nos mostram uma característica muito importante, que costuma passar
desapercebida. Ou seja, não é possível falar de uma cultura indígena, mas sim
de culturas indígenas.
Etnia
O que se deve destacar é que a definição, proposta e mais aceita pelos cientistas sociais
a respeito da etnia, indica-nos que a questão natural (biológica) está longe de ser a mais
importante, ou seja, o fato de ter uma origem em comum real que determinaria o perten-
cimento a uma determinada etnia. Sendo capital, na verdade, o fato de que os indivíduos
compartilham e acreditam que possuem uma origem comum, corroborada pelo fato de
terem costumes e atos semelhantes, tais como religião e língua, o que chamamos de
cultura. Ela é, portanto, uma construção daquele grupo e, para que continue a existir, seus
membros devem sempre acreditar nessa crença e se sentir pertencentes a ela.
Esse conceito vem sendo denunciado por alguns antropólogos como etnocêntrico, uma
vez que é aplicado nas sociedades primitivas (tribais) em oposição ao conceito de Nação
(com N maiúsculo) para os “Estados civilizados”.
48
O conceito, no entanto, é extremamente importante, porque tem sido utilizado de forma
bastante objetiva. Sendo assim, têm sido reivindicado direitos específicos pelo fato de o
indivíduo pertencer a um grupo étnico específico, ou seja, de o grupo ter uma identidade
étnica (etnicidade) particular. Se por um lado o conceito pode ser positivo, por conta do
que acaba de ser exposto, por outro lado, ele pode ser negativo, uma vez que acaba por
reafirmar o etnocentrismo. Tal problema ocorre porque, ao fazer com que o indivíduo se
insira em uma determinada etnicidade, isso pode levá-lo a atitudes de repulsão às de-
mais etnicidades, como já vimos.
Como dito acima, existem hoje, no Brasil, aproximadamente 305 etnias diferentes, o que
daria algo em torno de 300 culturas indígenas distintas. No exíguo espaço que dispomos,
só é possível traçar um quadro geral dessas culturas. Para isso, vamos citar alguns dos
critérios criados por estudiosos, para mais uma vez evidenciarmos essa riqueza cultural
e a dificuldade em classificá-las.
Um dos que tentaram agrupar essas culturas foi o linguista Aryon Dall´lgna Rodrigues,
em 1972. O autor utilizou três critérios, a saber:
• O tipo físico - Ou seja, suas características raciais. Os índios, no Brasil, são classi-
ficados como mongoloides, tendo as mesmas origens que os povos orientais.
• O tronco linguistico - Subdivididos em três:
o Tupi – Divididos em sete famílias, sendo a mais importante a tupi-guarani.
o Macrojê – Na qual se inclui a família jê, que é composta em especial pelas
línguas kayapó, timbira e akuen. Ainda teriam mais quatro famílias menores.
o Arauak – Composta pela família arauak, sendo a mais importante a arawá.
o Outras famílias ainda não agrupadas, como: karib, tukâno, pano, xirianá,
txapakura, mura, maku, nambikwára, guaicuru.
o Ainda existiriam línguas isoladas que não se filiam a nenhuma família lin-
guística.
o Línguas que não se têm informações suficientes para que possam ser clas-
sificadas.
o Línguas que não possuem mais falantes.
49
Para saber mais a respeito das línguas indígenas, leia SCHRÖDER, Peter. Curt Unckel
Nimuendajú: um levantamento bibliográfico. Tellus. Campo Grande, n. 24, p. 39-76, jan./
jun.2013
• Diferenças culturais - Mesmo os índios que possuem a mesma língua não têm o
mesmo modo de vida. Por vezes, grupos indígenas que possuem famílias linguísti-
cas diferentes têm modos de vida mais parecidos porque habitam regiões próximas,
mantendo contatos culturais. Todavia, os grupos indígenas brasileiros são divididos
em dois grupos.
o Caçadores e coletores que se tornaram agricultores – Localizados no cer-
rado brasileiro, eles têm na prática da horticultura sua principal atividade com
o cultivo da batata-doce. Em épocas de seca, pequenos grupos praticam a
coleta, a caça e a pesca no cerrado. Em relação aos bens culturais, eles não
possuem cerâmica nem objetos para tecer fios e canoas.
o Aldeias agrícolas da floresta tropical – Localizados em lugares acessíveis,
que possuem grande quantidade de água, em especial na bacia amazônica.
Não possuem alto grau de desenvolvimento tecnológico e de complexidade
social, tal qual as culturas andinas pré-colombianas.
Para saber mais sobre Aryon Dall´lgna Rodrigues, acesse o link: www.etnolinguistica.org.
Em termos de aculturação dos índios, outra classificação foi feita por Eduardo Galvão,
em 1959. O estudioso considerou as características de dinâmica social e as relações que
esses povos estabelecem com o tempo e com o espaço, dividindo os indígenas em 11
áreas, com algumas subáreas.
1. Norte-amazônica,
2. Juruá-Purus,
3. Guaporé.
4. Tapajós-Madeira,
5. Alto Xingu,
6. Tocantins-Xingu,
7. Pindaré-Gurupi,
8. Paraguai (Chaco),
9. Paraná,
10. Tietê-Uruguai,
11. Nordeste.
50
Fonte: Indios do Brasil.
Outra classificação foi feita por Darcy Ribeiro, em 1957, levando em consideração a
situação de contato dos grupos indígenas com a sociedade nacional, dividindo-os em
quatro grupos.
Grupos isolados - Grupos que ainda não fizeram o contato ou apresentam alguma hosti-
lidade ao fazê-lo. Habitam ou vagueiam em áreas que ainda não foram colonizadas.
Grupos integrados - Grupos que perderam suas línguas e outras características cultu-
rais, porém ainda preservam a sua identidade cultural. Todavia, também dependem eco-
nomicamente da sociedade envolvente (Estado brasileiro) para a sua sobrevivência. Eles
lutam pela preservação de suas terras e pela manutenção de suas identidades indígenas.
51
Tais classificações são importantes, em especial, no campo da análise social. Contudo,
a classificação mais importante foi dada por Darcy Ribeiro. Segundo ele, “índio é todo
indivíduo reconhecido como membro de uma comunidade de origem pré-colombiana,
que se identifica como etnicamente diversa da nacional e é considerado indígena pela
população brasileira com quem está em contato”.
Para refletir
Essa legislação também fez uma classificação oficial a respeito dos grupos indígenas,
segundo ela:
52
III - Integrados - Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno
exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições caracterís-
ticos da sua cultura.
(BRASIL, 1973)
O dia 7 de fevereiro foi instituído pelo decreto presidencial nº11696 de 12 de junho de 2008
como o dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Mas ainda há muito para conquistar.
Chegou a hora de olharmos algumas das inúmeras contribuições das culturas indígenas
à cultura nacional brasileira. De um modo geral, essa contribuição tem sido negligencia-
da e a sociedade brasileira não consegue ou não quer vê-la, o que nos causa estranheza,
posto que muitas delas são importantíssimas para a economia mundial, isso sem falar
no conhecimento científico. Essas contribuições são exemplos claros de “crioulização do
53
mundo”, ou seja, como essas culturas pré-colombianas contribuíram imensamente para
a cultura global.
Um legado cultural importante que as culturas indígenas trouxeram para a cultura brasi-
leira diz respeito a algumas crenças, lendas e mitologias que foram adaptadas ou sim-
plesmente incorporadas, sendo muitas delas de origem na cultura (tradição) oral, como
duendes e assombrações. Esses seres moram no fundo dos rios ou nos cantões das
florestas, materializam-se em entidades naturais ou sobrenaturais, como botos, cobras
grandes, curupiras, anhangás, sacis etc.
Ampliando o foco
Muitas plantas também são importantes para o uso medicinal em nossa socie-
dade, embora algumas não tenham sido incorporadas à medicina tradicional
(científica).
Ipecacuana – Usada contra a diarreia e na indústria farmacêutica.
Jaborandi – Usado como sudorífico e depurativo e na indústria farmacêutica.
Copaíba – Usada para curar feridas. No século XVIII, passou a ser usada pelos
ocidentais contra infecções nas vias urinárias.
Quina – Usada para a cura da malária.
Alguns alucinógenos também têm origem nas plantas da América, como o ah-
uyasca ou caapi, o ipadu ou coca.
Para finalizar, não poderíamos deixar de abordar um dos legados culturais mais impor-
tantes que os índios nos deram, o mutirão. Uma instituição amplamente utilizada, sobre-
tudo em comunidades carentes no Brasil, em especial na área da construção civil, que
instaura a ajuda mútua entre seus vizinhos, os quais se reúnem para executar um traba-
lho coletivo, que pode beneficiar toda a comunidade ou apenas um de seus participantes.
54
A diáspora negra na formação cultural bra-
sileira: a politização do conceito de raça
Vimos que os conceitos de raça e etnia por vezes são usados de forma equivocada como
sinônimos. Como naquela aula o objetivo era trabalhar com o conceito de etnia, acaba-
mos apenas por desenvolvê-lo. Neste tópico 3, portanto, vamos analisar o de raça. O tema
é bastante complexo. Por isso, iremos observar apenas alguns pontos que tocam direta-
mente a questão da cultura brasileira, sendo ainda mais pontual, abordando o legado das
culturas africanas e afro-brasileira para a formação da brasilidade.
Todo esse quadro acabava por definir raça como um conjunto de pessoas que possuíam
as mesmas características físicas que determinavam sua condição moral, suas atitudes
mentais e o seu comportamento. Sendo assim, cultura, na verdade, passou a ser sinôni-
mo de raça. Entretanto, deve-se sublinhar que, no limite, essa cultura independia da ação
humana, já que era determinada pela natureza. Essa visão acabou por se impor, classifi-
cando as raças como superiores e inferiores, naturalmente dentro de um quadro no qual a
“raça branca europeia cristã (caucasiana)” era a mais desenvolvida. Nesse cenário como
quadro de fundo, também havia a teoria do darwinismo social, já no século XIX, juntamen-
te com teorias eugênicas, uma prática médica e criminológica que defendia a influência
da raça em determinadas doenças e práticas criminais.
Parte desse pensamento, em especial a ideia de que os seres humanos possuem origens
diferentes e que essas levam à construção de diversas raças, como a branca, a negra, a
amarela etc., continua a perdurar no senso comum.
55
Inúmeras ciências de diversos campos já abandonaram essa ideia. Hoje, o consenso cien-
tífico diz que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie (Homo sapiens) e sua
subespécie (Homo sapiens sapiens). Uma das primeiras ciências a defender essa visão
foi a biologia, em especial os geneticistas. Esses estudiosos mostraram que entre “bran-
cos”, “negros” e “amarelos” há uma parcela muito pequena de genes que os diferem, o que
não justificaria a existência de várias raças.
A questão ainda é bastante problemática, porque, como as ciências, sejam elas quais fo-
rem, são um discurso produzido por pessoas e instituições, eivadas de valores, situadas
em uma determinada sociedade, alguns estudiosos ainda teimam em utilizar o conceito
de raça tal qual o formulado no século XIX.
Outros campos tentam (re)formular o conceito de raça e ainda o usam de forma objetiva,
até porque, como vimos, o conceito no senso comum continua sendo aplicado. Dessa
forma, o conceito de raça aproxima-se dos de etnia e de cultura. O que se pretende com
isso é observar a maneira como a sociedade, em especial a contemporânea, lida com as
diferenças culturais, o que seria útil para analisar o racismo/preconceito/etnocentrismo.
A raça deixa de ser um conceito natural/biológico para se tornar social, que estipula e im-
põe o lugar social de determinados grupos e instaura desigualdades sociais e identidades
culturais. Nesta aula, iremos utilizar esse conceito de raça.
A raça negra, trazida por meio da diáspora africana para o Brasil, foi fundamental para a
formação da cultural brasileira. A afirmativa pode ser comprovada tanto quantitativamen-
te como qualitativamente. Em termos quantitativos, o último censo realizado pelo IBGE,
em 2010, foi bastante importante, como pode ser visto no quadro. Os números do censo
de 2010 mostram que pela primeira vez, após a abolição da escravatura no Brasil (1888), o
número de pessoas “não brancas” (preta + parda + amarela + indígena + sem declaração),
aproximadamente 99 milhões, ultrapassou o de “brancos”, que corresponde à aproxima-
damente 91 milhões de indivíduos na população brasileira.Assim, na população brasileira,
temos 48 % de brancos, 51 % de pretos e pardos e 52 % de não brancos.
Sem
Raça/etnia
declaração
1900 17.438.434 - - - - - -
56
1920 30.635.605 - - - - - -
1970 93.193.070 - - - - - -
Fonte: IBGE.
52 51
50 48 Brancos
(%) Não brancos
48 Pretos e pardos
46
raça/etnia
Tais números, mais uma vez, mostram a importância da camada afro-brasileira (preta +
parda) para a cultura brasileira. E não devemos deixar de sublinhar o fato de que esses
números expressam a maneira pela qual a própria população se enxerga, uma vez que
seus dados foram pautados pelo princípio da autodeclaração. Assim, eles nos mostram
que a população, no Brasil, se entende como “não branca” em sua maioria. Nesse sen-
tido, cabe a pergunta: será que os elementos culturais dessas outras matrizes culturais
têm sido valorizados e reconhecidos por parte da população?
57
Se por um lado esse número, aos olhos da sociedade brasileira, apareceu como uma no-
vidade, aos olhos de alguns, apareceu como bem interessante. Por outro lado, os olhares
internacionais já creditavam o Brasil como o país de maior população afrodescendente
fora da África.
Grande parte desses indivíduos são descendentes de vítimas da diáspora negra motiva-
da pelo tráfico Atlântico de escravos africanos, que vigorou durante a Era Moderna e par-
te da Contemporânea, uma vez que ele só foi oficialmente extinto em 1850. Não se sabe
ao certo quantas vítimas o comércio de almas fez, mas algumas estimativas, muitas das
quais apresentam números muito diferentes, dão conta que desembarcaram na Amé-
rica cerca de 10 milhões de pessoas, que vinham de inúmeras áreas, as quais davam
uma determinada identidade a esses sujeitos, posto que, aos seus nomes cristãos, eram
acrescentadas suas “nações” (portos de onde tinham saído na África, que não necessa-
riamente eram os seus lugares de origem), como Benguela, Mina, Angola, Cassange etc.
Dessa maneira, é muito difícil identificar de onde vêm sua origem cultural, mas, no ge-
ral, esses africanos, com suas inúmeras culturas, acabam sendo classificados em dois
grandes grupos:
Os da região do Golfo da Guiné (iorubá, jeje, hauçá e nagô), cuja cultura é chamada de
“sudanesa”. Em especial, eles foram mais traficados para as regiões Nordeste, do açúcar,
e Sudeste, do ouro.
O legado cultural desses povos pode ser sentido em várias facetas de modo qualitativo,
na filosofia e nas doutrinas religiosas, que conferem uma estrutura aos cultos de diversas
religiões populares no Brasil. Assim, várias religiões, que são depreciativamente chama-
das de “macumbas”, são modalidade de candomblés, de minas. Macumba, vale lembrar,
é um instrumento de percussão, cuja origem remonta ao continente africano, o qual era
utilizado nessas expressões religiosas.
58
igualmente passaram por processos de hibridização, o que muitas vezes não é ressalta-
do por seus praticantes, que preferem enfatizar uma falsa pureza e tradição.
Alguns estudiosos começaram a destacar que muitos desses candomblés não eram
africanos e sim afro-brasileiros. Eles sublinhavam que aquelas práticas religiosas, realiza-
das em solo brasileiro, haviam perdido uma de suas principais características, o culto aos
antepassados familiares ou o de suas aldeias, de modo que era impossível cultuá-los.
Assim, esses cultos acabaram por ser substituídos pelo culto aos orixás, seres mágicos
que controlam a natureza, para continuarem a se diferenciar das demais práticas reli-
giosas. Além do mais, no processo de escravidão e de encontro de etnias africanas nas
senzalas, houve um processo de incorporação e fusão (hibridização) de culturas diversas
que transformariam os candomblés.
Além da religião, outros legados culturais dos afro-brasileiros são importantíssimos para
a formação da identidade e da cultura brasileira. Mas a religião ainda é uma das mani-
festações que mais geram intolerância e se dá exatamente em relação às religiões de
matrizes afro-brasileiras. As religiões de matriz africana que desembarcaram no Brasil,
ao longo da diáspora, instalaram-se, basicamente, no meio urbano. Inicialmente, suas
práticas aconteciam dentro do foro individual por meio de rituais voltados para a cura
física e psíquica de um indivíduo que se encontrava doente. Fazia-se, então, o uso de
adivinhações, limpezas espirituais, rezas, medicações etc.
As pessoas que conduziam tais rituais incorporavam seus ancestrais ou diziam atuar
sob suas orientações. No início, esses rituais eram, praticamente, originários dos povos
bantos, mas logo depois, outros povos da África ocidental também começaram a prati-
car suas religiões, em especial nesse segundo grupo, o qual trouxe o culto de algumas
divindades que protegiam as suas coletividades na África, como suas aldeias, cidades e
Estados. Essas divindades eram ligadas aos elementos da natureza, como a água (rios
e mares), montanhas, florestas, às atividades realizadas na natureza, como a caça e a
pesca e aos fenômenos naturais, como vento, trovão etc.
Sendo assim, aqueles primeiros lugares, chamados de “casa de dar fortuna”, ou seja,
o espaço no qual o doente isoladamente ia buscar uma melhora na sua saúde, na sua
sorte e no seu bem-estar, deram lugar aos famosos “calundus”, ambientes no qual se re-
uniam várias pessoas de forma organizada, onde se instalava um panteão de divindades
africanas e se estabelecia, também, uma hierarquia sacerdotal. Em suma, as práticas
religiosas começaram a se estruturar, criar hierarquias, ritos, filosofia e a se construírem
enquanto uma religião com uma forma específica.
59
Dos bantos, essas religiões herdaram o culto aos chefes de linhagens e aos seus heróis
fundadores (ancestrais), enquanto do oeste-africano, o legado foi mais voltado para o
culto a tudo o que dizia respeito à natureza e às divindades que protegiam determinadas
ações humanas. Tudo, porém, tinha um princípio unificador de que a interação da força
vital do universo não poderia ser abalada, tanto no plano material quanto no espiritual.
Todos os elementos da natureza (do qual se inclui o homem, os animais, vegetais e mi-
nerais) deveriam permanecer unidos, tendo cada um deles uma função nesse equilíbrio.
O candomblé, no Brasil, acabou dando nome à religião de grupos iorubás e jejes, prove-
nientes do oeste africano, que cultuam orixás e voduns. Provavelmente, os jejes já esta-
vam presentes no Brasil no século XVIII na região das minas e dali teriam introduzido tais
práticas ao se misturarem com os escravos de origem banto.
Todavia, por conta de uma melhor organização, os terreiros de tradição iorubá da região
do Keto acabaram se tornando os mais famosos. Os mais populares ficam em Salvador,
como o da Barroquinha, embrião do terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, considera-
do por alguns o mais antigo do Brasil. Esse teria dado origem, no século XIX, ao candomblé
do Alaketo, que mais tarde ajudaria na fundação de dois outros terreiros importantíssimos,
o Axé Opô Afonjá (com atuação marcante nos anos de 1930, quando o candomblé se con-
solidava) e o Gantois (frequentado por inúmeras personalidades brasileiras, cujo carisma
da ialorixá Menininha do Gantois foi fundamental para o seu crescimento).
60
Já o candomblé banto teria se estruturado por hibridização com os candomblés de tra-
dição jeje-nagô dos calundus devido ao uso de muitas práticas e rituais parecidos. Há
ainda os candomblés conhecidos como xangô nordestino e batuque gaúcho, que são
variações dos de origem iorubá.
Outra religião importante de matriz afro é a umbanda. Umbanda é uma palavra de origem
quimbundo que possui vários significados, dentre os quais o de “medicina”. Sua origem
remete à ideia de práticas visando à cura física e/ou espiritual. Inicialmente, ela era utiliza-
da por ritos de bantos no sudeste brasileiro. Muitos chamam essa prática pejorativamen-
te de “macumba”. Em sua essência, a umbanda reúne elementos de diversas religiões,
como as africanas, o catolicismo popular e o kardecismo. Não se sabe ao certo como
se deu sua criação, porém, uma de suas explicações dão conta que ela teria surgido em
1908, em um centro espírita kardecista. Naquela oportunidade, uma entidade indígena,
protestando contra a discriminação existente naquele centro, que hierarquizava os espíri-
tos, de modo que os africanos, os indígenas e as crianças eram tidos como “atrasados”,
informou que criaria uma nova religião tendo como base tais espíritos.
A umbanda, assim como outras religiões afro, passou a adotar práticas sincréticas, ne-
gando inclusive seu caráter inicial de resgate da africanidade original. Ela começou a
se apresentar mais “científica” e menos “primitiva” ao se aproximar mais de vertentes e
elementos de religiões europeias em vez de religiões afro. No entanto, nas linhas mais
tradicionais, o culto aos pretos velhos (antigos escravos africanos), caboclos (chefes e
antepassados indígenas), orixás iourubanos cristianizados e crianças continuam a ter
grande espaço. Sua prática sincrética continua forte. Dessa maneira, por exemplo, os
espíritos infantis são associados aos santos do catolicismo Cosme e Damião e ao orixá
duplo iourubano Ibêji, que protege os gêmeos e as crianças em geral.
Estudos mostram que os conflitos motivados pela intolerância religiosa no Brasil têm
aumentado e não são exclusivos da contemporaneidade. Portanto, não são novidade.
Vale lembrar que durante todo o período colonial (1500-1822), a única religião permiti-
da no Brasil era o catolicismo. Já no império (1822-1889), com a outorga da primeira
Constituição brasileira (1824), o catolicismo passou a ser a religião do império. Porém,
em seu artigo 5º, havia a permissão de outras práticas religiosas, desde que executadas
em espaço doméstico sem a construção de templos específicos. Pesquisadores que
estudam a intolerância no Brasil contemporâneo sublinham que tal fenômeno está liga-
do ao crescimento de religiões neopentecostais por conta da crença dessas, no qual é
necessário eliminar o demônio, assim como suas ações do mundo. Os neopentecostais
afirmam ainda que outras religiões têm se esforçado muito pouco em tal empreitada ou
elas mesmas são um disfarce não apenas desse demônio, mas também de suas ações.
61
Essa última característica tem sido creditada às religiões de matriz africana, embora mui-
tas de suas práticas tenham origem nessas religiões que combatem.
A questão não reside no número em si, mas na estratégia utilizada para a conversão
de novos fieis e a sua manutenção. Haveria no Brasil uma demanda por expressões
religiosas que se pautem em sistemas de mediações mágicas e experiências de transe
religioso. A essa característica se somaria a proposta de exacerbação do avivamento
(a manifestação de Deus entre os homens) dos neopentecostais. Combater as religiões
afro-brasileiras e espíritas não estaria ligado ao fato de lhes retirarem fiéis, mas sim a
combater a possibilidade de elas conseguirem ofertar àquelas pessoas as mediações
mágicas e experiências de transe que demandam. Os neopentecostais, no limite, pro-
curam ter o monopólio desse ritual, no que são ajudados, sem sombra de dúvida, pelo
respeito social que a religião cristã possui na sociedade, ao contrário das religiões afro-
-brasileiras, que historicamente são associadas a fatores negativos.
62
MIDIATECA
NA PRÁTICA
Apesar de no Brasil adotarmos um discurso de que nossa cultura é rica por conta
do somatório de matrizes culturais distintas (indígena, portuguesa e africana),
ainda continuamos a valorizar os elementos lusos em detrimento dos demais, de
modo que as religiões de matrizes africanase a forma de vida indígenas são vis-
tas com preconceito e como “menores”. Podemos observar ainda na atualidade,
um processo de “menosprezo” e quando se pensou em criar uma cultura nacio-
nal, sua importância foi relegada, como ainda o fazemos atualmente.
Por isso a luta por vozes produzidas a partir do seu “lugar de fala”, a partir dos
grupos que vivenciam essas culturas afim de participar de debates para defen-
der sua identidade cultural. Uma delas é evitar uso de elementos de sua cultura
material fora do contexto, como roupa de índio como fantasia de carnaval ou
mesmo músicas que reproduzem preconceitos.
63
Resumo da Unidade 2
CONCEITO
64
Referências
CARNEIRO, Si. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro, 2011,
p. 119-136.
CUNHA, M. C.; CESARINO, P. N. Políticas culturais e povos indígenas. São Paulo: Unesp, 2016.
IANNI, Otavio. Dialética das relações sociais. Estudos Avançados. São Paulo, v. 18, n.
50, jan./abr. 2004.
LOEWE, Daniel. Multiculturalismo: direitos culturais. Caxias do Sul: Educs, 2011, p. 9-14.
NILMÁRIO, Miranda. Por que Direitos Humanos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Biblio-
teca virtual UVA - Pearson.
OLIVEIRA, Fabiano Melo Gonçalves de. Direitos humanos. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: MÉTODO: 2016
PINSKY, J.; PINSKY, C. Fanatismo, Fanatismo. In: PINSKY, J.; PINSKY, C. (org.). Facetas
do fanatismo pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São Paulo: Contex-
toHall, 2004, p. 9-14.
65
UNIDADE 3
Histórico e marcos da
Educação Ambiental
INTRODUÇÃO
Tudo faz mais sentido quando contextualizado e essa é a proposta desta unidade: revelar
as circunstâncias do surgimento da educação ambiental, acima de tudo nos cenários an-
tropológico e filosófico, passando pelas questões políticas, econômicas e sociais. Quan-
do entendemos o contexto do surgimento de uma ideia, de uma proposta, de um campo
do conhecimento, o estudo fica mais interessante.
OBJETIVO
67
Aspectos históricos da Educação ambiental
Segundo Alves (2017), a literatura demográfica revela que a população mundial era de
cerca de cinco milhões de habitantes no ano 8000 antes de Cristo, chegando a aproxi-
madamente 300 milhões no ano 1 da Era Cristã e atingindo um bilhão de pessoas por
volta do ano 1800.
As revoluções industriais
68
Um novo modelo de produção e consumo começou a apresentar resulta-
dos práticos, e os avanços científicos e tecnológicos permitiram a evolu-
ção da manufatura movida a energia não animal (SCHWAB, 2019).
Ainda segundo Schwab (2019), na segunda Revolução Industrial, na virada do século XIX
para o XX, os avanços foram ainda maiores com a introdução da iluminação elétrica, o
aço, o motor de combustão interna, o petróleo, o telefone, o automóvel, o avião etc. Nos
últimos dois séculos, os avanços da população e da economia superaram tudo o que foi
feito nos últimos 200 mil anos.
Para Schwab (2019), a quarta Revolução Industrial acontece na virada do século XXI e
está baseada na terceira revolução, a digital, sendo que a atual está pautada em uma
internet mais robusta e móvel, com dispositivos menores, mais poderosos e acessíveis,
além da inteligência artificial e da aprendizagem automática.
Primavera silenciosa
Note por quantas mudanças a humanidade já passou desde seu surgimento, vivendo em
cavernas, praticando o modo de vida nômade, até chegarmos ao modo de vida atual, re-
sidente e consumista. Antes das revoluções industriais tivemos a revolução da agricultu-
ra, quando domesticamos animais e plantas e pudemos fixar moradia. Em intensidades
diferentes a existência humana sempre implicou o uso dos recursos naturais, de forma
que é intuitiva a relação entre esse consumo e o tamanho da população humana. Assim,
atribui-se à primeira Revolução Industrial o aumento súbito da exploração dos recursos
e da degradação ambiental.
Foi nesse momento que surgiu uma obra que despertou a discussão sobre meio ambien-
te: o livro Primavera silenciosa (Silent Spring), em 1962, de autoria de Rachel Carson,
escritora, cientista, bióloga e ecologista norte-americana.
69
A importância dessa obra se dá por tratar-se de um livro dedicado a alertar os leitores so-
bre os impactos da ação humana no meio ambiente e criticar práticas como a utilização
de insumos químicos e o despejo de dejetos industriais na natureza.
Segundo Bonzi (2013), apesar de todas as críticas que a obra recebeu quando publicada e
ainda na época de seu artigo, a esse livro pode ser atribuída nada menos que a fundação
do movimento ambientalista moderno. Linda Lear, biógrafa da autora, conta que, após
a publicação do primeiro trecho, “o alerta de Rachel Carson desencadeou um debate na-
cional sobre o uso de pesticidas químicos, a responsabilidade da ciência e os limites do
progresso tecnológico” (LEAR, 2010), sendo o mesmo mérito atribuído por Lopes (2011).
Pereira (2012), em seu artigo que comemora os 50 anos dessa publicação, afirma:
Importante
70
Desenvolvimento sustentável
A preocupação e o alerta de Carson já vinham sendo sentidos mundo afora com os pro-
testos e as manifestações questionando os valores da sociedade capitalista e os proble-
mas de ordem social e política que ocorreram nos anos 1950 e 1960.
Segundo Ramos (2001), tais mobilizações estariam criando um clima favorável para o
envolvimento da sociedade civil e impulsionando o fortalecimento dos movimentos so-
ciais em torno dos quais se agrega e amplia o ambientalismo. Na América Latina e, espe-
cialmente, no Brasil, segundo Pires et al. (2014), esses movimentos foram mais intensos
na década de 1980. Segundo Reigota (2012), essa diferença temporal é justificada pelo
período da ditadura militar vivida no Brasil, uma vez que, “por aqui, enfrentar com discur-
sos ecologistas a ditadura militar era correr risco de vida, de prisão ou exílio”.
Ampliando o foco
71
humana, baseado no consumo, na obsolescência programada e perceptiva e na rotativi-
dade do descartável.
Ampliando o foco
Política ambiental
I. Desenvolvimento econômico.
II. Desenvolvimento social.
III. Proteção ambiental.
72
A política ambiental pode ser tratada em diversas esferas, desde as leis
municipais até os acordos internacionais, uma vez que os interesses po-
dem ser de uma única cidade ou de toda a humanidade.
Por mais que exista uma política ambiental forte e bem elaborada, o caminho mais efi-
ciente para alcançar a sustentabilidade é a educação ambiental, uma vez que esta inspira
mudança de hábitos e valores.
A Política Nacional do Meio Ambiente brasileira foi criada em 1981 e já fazia referência à
educação ambiental, que só foi brindada com uma política própria no Brasil — a Política
Nacional da Educação Ambiental — em 1999.
73
Marcos teóricos referenciais: as grandes
conferências
Não existe um consenso sobre quando exatamente a educação ambiental surgiu, mas
sabe-se que uma série de eventos marca sua história e seu fortalecimento.
Em 1972, 10 anos depois do lançamento da obra que mudou a forma de o mundo ver e
pensar meio ambiente, Primavera silenciosa, o Clube de Roma, que reunia especialistas
preocupados com o tema, publica Os limites do crescimento, um relatório com previsões
pessimistas sobre o futuro da humanidade enfocando o modelo de exploração dos re-
cursos e o de produção.
Ampliando o foco
74
Segundo o Ministério do Meio Ambiente – MMA:
Para Piovesan (2015), a educação ambiental foi, ainda, apresentada como instrumento
de efetivação do direito ambiental, uma necessidade e um direito do homem ao desen-
volvimento sustentável, uma vez que...
Em 1975, três anos depois da conferência, ainda como parte de seus desdobramentos,
especificamente da Recomendação nº 96, a ONU lança o Programa Internacional de
Educação Ambiental – Piea, de responsabilidade da Unesco e do Pnuma:
Segundo Bard et al. (2017), como parte do Piea, a Unesco e o Pnuma promoveram dois
importantes eventos que se tornaram os marcos da educação ambiental:
75
• A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tbilisi, Geór-
gia, integrante da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, em
outubro de 1977.
Ampliando o foco
Uma leitura cuidadosa da Carta de Belgrado e da Declaração de Tbilisi revela que ambas
apresentam prolongamentos da Declaração de Estocolmo que inspiraram e reverberam
a nossa Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei nº 9.795/1999.
Ainda em 1987 foi elaborado o relatório O nosso futuro comum, também chamado Re-
latório de Brundtland, resultado dos estudos realizados pela Comissão Mundial sobre
o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD, também conhecida como Comissão
Brundtland, criada em 1983 com o objetivo principal de analisar a equação formada pela
questão ambiental e pelo desenvolvimento para propor um plano de ações (BARD et
76
al., 2017). Esse documento critica o modelo adotado pelos países desenvolvidos, ressal-
tando os riscos do uso excessivo dos recursos naturais sem considerar a capacidade
de suporte dos ecossistemas, apresentando o conceito de desenvolvimento sustentável
como:
Ampliando o foco
Segundo Pires et al. (2014), especificamente no Brasil, a década de 1980 foi marcada pela
explosão dos movimentos sociais. Um marco foi a criação da Política Nacional do Meio
Ambiente — Lei Federal nº 6.983/1981 —, que enfatiza a educação ambiental como um
dos princípios para a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental,
devendo ser para todos.
Ainda segundo Pires et al. (2014), é a partir dessa década que muitos educadores pas-
sam a se denominar “ambientais”, promovendo encontros estaduais, nacionais e latino-
-americanos, vistos como espaços de discussão e construção de práticas educativas
voltadas à temática ambiental.
77
Diante de tudo isso a ONU declara o ano de 1990 como o Ano da Educação Ambiental
e, então, inicia-se a organização da Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-
mento das Nações Unidas, a ser realizada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, ape-
lidada de Rio-92 (ou Eco-92). Desse encontro, alguns documentos importantes foram
gerados: uma declaração de princípios (Carta da Terra) e a Agenda 21.
Ampliando o foco
Agenda 21
78
Rio+20 e Educação para o desenvolvimento sustentável – Eds
Também em 2002, no cenário internacional, a ONU promove uma segunda Cúpula Mun-
dial sobre o Desenvolvimento Sustentável, dessa vez em Joanesburgo, na África do Sul. O
encontro reuniu dirigentes de 193 nações com o objetivo de avaliar a implementação da
Agenda 21 e das convenções assinadas na conferência Eco-92. Em um dos documentos
oficiais do evento, recomendou-se que a ONU promovesse um decênio dedicado à Edu-
cação para o Desenvolvimento Sustentável – EDS, o que aconteceu em dezembro do
mesmo ano, quando o período de 2005 a 2014 foi instituído como a década da educação
para o desenvolvimento sustentável.
Conhecida como Rio+20, a reunião atraiu líderes de mais de 180 nações para uma dis-
cussão sobre o desenvolvimento sustentável. Na II Jornada Internacional de Educação
Ambiental, um dos eventos paralelos ao encontro, foi elaborado o Plano de Ação do
Tra- tado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Glo-
bal, que incluiu a formação da Rede Planetária de Educação Ambiental com a função de
assegurar a continuidade e a expansão das ações após a Rio+20, especialmente aquelas
já previstas no tratado.
79
Ética e valores
Segundo Battestin (2008), a análise de distintos períodos históricos vividos pelo ser hu-
mano nos leva a diferentes concepções acerca da natureza e do ser humano, pois as
maneiras de pensar e repensar as formas de vida e de mundo foram modificadas com o
passar dos tempos.
Na filosofia antiga, anterior a Sócrates, os filósofos não faziam uma separação entre
homem e natureza e concordavam que as transformações e os movimentos que consti-
tuem a natureza e a própria existência poderiam ser deduzidos das propriedades de uma
única substância que formaria todo o cosmos. Apesar de mudanças nos tipos de ques-
tionamentos, os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles mantinham a ideia de harmonia
e pertencimento à natureza.
Até por volta do século XV a visão de mundo era marcada por poucos conflitos. Durante
a Idade Média as comunidades eram pequenas e viviam em harmonia com a natureza,
sendo que o tempo pertencia a Deus — nesse período, a visão de mundo dominante era
o teocentrismo.
80
Ampliando o foco
Teocentrismo
Deus como o centro de tudo.
• Nicolau Copérnico definindo que a Terra seria um planeta, deixando assim de ser
o centro do Universo.
• Galileu revelando que a experiência tornar-se-ia uma fonte de conhecimento para
explicar os fenômenos da natureza.
A revolução científica do século XVII marcou o domínio da ciência pela técnica a partir
do momento em que ela busca seu próprio método, desvinculado da reflexão filosófica.
A Idade Moderna foi um período que causou grandes mudanças até hoje sentidas, tendo
o filósofo, físico e matemático René Descartes enfatizado as oposições entre:
• Homem e natureza.
• Sujeito e objeto.
• Espírito e matéria.
Ampliando o foco
Antropocentrismo
É a concepção de que o homem seria o proprietário da natureza e de que todos
os conhecimentos deveriam ser úteis à vida, assim como é a ideia de natureza
como recurso, como meio para se atingir um fim, de forma que o homem não
seria parte dela, mas sim seu usuário.
81
Segundo Coimbra e Rech (2017), a concepção antropocêntrica teve ampla aceitação
no mundo ocidental a partir das proposições racionalistas que pressupunham a razão
como atributo exclusivo da espécie humana. Nesse sentido, Gonçalves (2010) afirma
que a ideia do “homem não natural”, exterior ao meio em que vive, solidificou-se com a
sociedade industrial a partir do capitalismo.
A banalização das outras espécies e dos recursos que compõem o meio ambiente a fim
de atender às exigências do desenvolvimento econômico vai de encontro à realidade de
que tais elementos são finitos ou possuem uma capacidade de regeneração muito menor
que o potencial destrutivo do homem, de forma que o capitalismo desenfreado às custas
dos recursos naturais encontrou seu ponto de fraqueza: a necessidade da manutenção do
meio para que o progresso econômico possa acontecer (COIMBRA; RECH, 2017).
O filósofo australiano Peter Singer propôs, na década de 1970, uma ética para nortear as
ações humanas que poderiam resultar em danos ao bem-estar ou destruição da vida de
qualquer ser senciente — um ser capaz de sentir dor e prazer.
82
Quase na mesma época, surge o biocentrismo, teoria desenvolvida por Paul W. Taylor
(1987) que também ultrapassa a barreira da restrição moral aos seres humanos, am-
pliando-a a todas as entidades naturais vivas. O diferencial é que o biocentrismo valoriza
todos os indivíduos.
A visão biocêntrica funda-se no valor individual de cada vida, humana ou não humana,
em detrimento da visão holística de um ecossistema global, bem como nega o harmôni-
co equilíbrio entre as espécies.
Para refletir
Ética ambiental
Entendemos que ética, segundo Lima (1999), seja a exteriorização dos juízos morais
(ciência da conduta) ou, ainda, a filosofia que estuda a conduta do ser humano e os crité-
rios pelos quais valoram os comportamentos e a escolha.
As discussões sobre a ética ambiental têm como referencial teórico principal a obra do
filósofo Hans Jonas (1903-1993), especialmente o chamado princípio ético da respon-
sabilidade (BATTESTIN, 2008).
Em 1979 Hans Jonas publica sua obra mais importante, O princípio responsabilidade:
ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, na qual busca a base de uma nova
ética da responsabilidade.
83
Estimulado pelos diversos desastres ambientais, Hans Jonas defende uma concepção
ética em que prescreve princípios para a idade da técnica, chamada de Ética de Res-
ponsabilidade, na qual os mundos animal, vegetal e mineral, a biosfera ou a estratosfera
passam a fazer parte do âmbito da responsabilidade.
Para Ximenes (2011), a relação entre ética ambiental e educação ambiental é simbiótica,
sem a qual dificilmente a humanidade pode realizar as amplas mudanças necessárias
em — e para — sua existência.
Em 1998 foi criada a Lei nº 9.605, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas
derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e isso inclui qualquer tipo
de atividade, sejam elas vindas de empresas, instituições, particulares, ou não. Mais do
que necessária, não é mesmo?
84
Sabemos que a competitividade e o desejo de lucro são fatores que levam algumas em-
presas a tomar decisões irreparáveis em relação ao meio ambiente. Por isso mesmo é
preciso pensar em formas de controle, justamente para que outras vidas não sejam pre-
judicadas e colocadas em risco por conta de interesses individuais.
Sustentabilidade
Educação ambiental
Desenvolvimento sustentável
Assim, precisamos fazer uso consciente dos recursos naturais sob pena de nos dizimar-
mos em nome do progresso, do capitalismo e do lucro. O desenvolvimento civilizatório
precisa pensar as consequências do uso inadequado dos nossos recursos básicos de
sobrevivência. O crescimento econômico precisa andar de mãos dadas com a questão
ambiental, ou seja, precisamos fazer uso racional dos nossos recursos naturais e nos tor-
85
narmos mais produtivos e menos poluentes. Precisamos fazer bem essa conta para nos
mantermos vivos. Precisamos pensar essa questão de forma ética e sistêmica.
Veremos algumas dicas para melhorar nossa relação com o meio ambiente. Podemos
começar nossas mudanças em casa, com a simples prática dos 3Rs: Reduzir, Reaprovei-
tar (ou Reutilizar) e Reciclar.
Reaproveitar (Reutilizar) - Dar outro uso ao que iríamos descartar. Tudo o que é produ-
zido utiliza energia e matéria-prima, portanto temos que aproveitar ao máximo os mate-
riais, que é também uma forma de economizar energia.
Reciclar - Tudo que não pudermos reaproveitar deve ser direcionado para reciclagem. A
reciclagem gera renda e emprego para muitas pessoas, além de evitar o descarte que só
irá agravar o problema do lixo.
Pegada ecológica é uma outra forma de se posicionar diante do tema ambiental. O con-
ceito de pegada ecológica ou capacidade de suporte apropriada foi elaborado pelo en-
genheiro mecânico suíço Mathis Wackernagel e pelo biólogo canadense William Ernest
Rees na metade da década de 1990.
86
De acordo com a Rede da Pegada Global (Global Footprint Network – GFP, fundada e
dirigida pelo próprio Mathis Wackernagel), desde a década de 1970 a humanidade vem
consumindo recursos naturais a uma taxa maior do que a capacidade de reposição da
natureza. De acordo com estas informações, concluímos que nossa pegada no planeta é
cada vez maior. Esta situação é muito grave. Portanto, a gravidade da situação exige uma
verdadeira revolução de costumes em escala global, o que é, obviamente, uma meta bas-
tante difícil de ser alcançada. Mesmo assim, medidas simples como a prática dos 3Rs
já são um bom começo, mas é preciso ir além se quisermos que nossos descendentes
usufruam dos recursos do planeta
.
87
MIDIATECA
NA PRÁTICA
88
Resumo da Unidade 3
CONCEITO
89
Referências
BONZI, R. S. Meio século de Primavera silenciosa: um livro que mudou o mundo. Desen-
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Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília: Presidência da Repú-
blica, 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm. Acesso
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GONÇALVES, C. W. P. Os (des)caminhos do meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Contexto,
2010.
LEAR, L. Introdução. In: CARSON, R. Primavera silenciosa. São Paulo: Gaia, 2010.
LEOPOLD, A. A Sand County Almanac, and Sketches Here and There. New York: Oxford
University Press, 1989.
LIMA, A. O. R. de. Ética global: legislação profissional no terceiro milênio. São Paulo: Iglu,
1999.
PIRES et al. Educação ambiental: conceitos e práticas na gestão ambiental pública. Rio
de Janeiro: Inea, 2014. 52p. il.
91
SCHWAB, K. A quarta revolução industrial. Tradução Daniel Moreira Miranda. 2. ed. São
Paulo: Edipro, 2019.
92
UNIDADE 4
Desenvolvimento científico/
tecnológico e o mundo do trabalho
INTRODUÇÃO
OBJETIVO
94
Desenvolvimento tecnocientífico e reconfi-
gurações no ambiente de trabalho
Hoje assistirmos a uma disputa entre tecnologia e costume/tradição. Mas a tecnologia, tal
qual a ciência, que facilita muito os nossos processos cotidianos, além de ser ferramen-
ta do capitalismo, tende a ganhar. Mas o que é tecnologia? Se fizermos uma busca no
Google ou em qualquer dicionário, vamos ver que a tecnologia está relacionada a termos
como “técnica”, “método”, “instrumento” ou mesmo “habilidade” e “processo”, que denotam
a maneira como o homem produzia ou produz um bem ou como alcança algum objetivo.
Se isso é verdade, desfazemos alguns equívocos nossos quando pensamos na tecnologia
associada normalmente a um aparelho eletrônico, não é mesmo? Se a gente consegue
responder “sim”, estamos a meio caminho de compreender essa perspectiva histórica
da evolução e da tecnologia. Em Abbagnano (2000, p. 942), tecnologia “é o estudo dos
processos técnicos de determinado ramo da produção industrial ou de vários ramos”, ou
seja, o conceito de técnica se confunde em vários sentidos com o conceito de tecnologia.
Cita, ainda, o conceito de tecnocracia, que se refere a quando a técnica é usada como ins-
trumento de poder ou controle social. Dessa forma, se pensarmos a humanidade como
um todo, vamos perceber que tudo o que diz respeito a ela está associado à capacidade
humana de criar, de encontrar meios para sobreviver e de pensar formas de adaptar-se ou
estruturar o meio em que vive para deixá-lo mais agradável ou mais funcional.
95
Para refletir
A tecnologia muda nossos estilos de vida. Esse pode ser nosso norte para es-
tudarmos, a partir de agora, a perspectiva da ciência, do mercado de trabalho
e da noção de competitividade em que toda inovação tecnológica faz pensar.
Por isso, muitas áreas, profissões e profissionais precisaram se reinventar por conta das
mudanças tecnológicas e dos avanços científicos pelos quais passamos enquanto so-
ciedade. Precisamos reconfigurar nossa relação com o ambiente como um todo e mais
especificamente com o ambiente de trabalho de maneira geral. Foram mudanças sócio-
-históricas, políticas e econômicas em todos os âmbitos de nossas relações sociais e
mudanças mais estruturais em relação aos nossos instrumentos de trabalho.
Nesta perspectiva, há uma espécie de exigência do próprio mercado para que haja um
investimento cada vez maior nessas novas ferramentas consequentes dos avanços
tecnológicos, sobretudo por se tratarem de espaços altamente competitivos. Além da
infraestrutura há a necessidade também de se capacitar a equipe de trabalho para se
adequar a esses avanços.
Um exemplo no fordismo
O fordismo foi, sem sombra de dúvida, uma revolução nos modos de produção. Quando
falamos em linhas de montagem ou linhas de produção queremos dizer com isso que
cada empregado dentro da fábrica seria responsável apenas por uma função ou apenas
por uma parte de todo o processo que geraria um produto final, ou seja, apenas uma
parte do todo. O objetivo, portanto, era produzir o máximo possível no menor tempo pos-
sível já que o mercado estava se expandindo, ou seja, ganhar tempo na produção e assim
diminuir custos e aumentar os lucros.
96
Um exemplo dessa diminuição de
custo usada pela empresa nes-
se período foi a escolha de uma
única cor para todos os carros.
Assim, todos os carros da Ford
eram pintados de preto. A tinta
preta à época tinha o menor pre-
ço e o menor tempo de secagem,
além de toda a comodidade que
isso representava naquele perío-
Linha de produção de modelo da Ford em 1928.
do. Outra coisa que era importan-
te no fordismo era o fato de que,
se o empregado executava a mesma função, ele se tornava cada vez mais eficiente e
cada vez se apropriava mais daquela função, tornando-se, portanto, um especialista na-
quilo que fazia.
É bem verdade que muitas críticas pertinentes foram feitas a essa forma de trabalho. O
que queremos destacar é, sobretudo, a maneira como nos adaptamos e fazemos uso
das tecnologias.
Ampliando o foco
Veja nossa dica de filme para saber a quais críticas ao capitalismo estamos
nos referindo.
97
Exemplo
Por que trouxemos esses dois exemplos na área organizacional? Para dizer, sobretu-
do, que todo ambiente de trabalho sofre ou precisa sofrer alteração ou se reestruturar
para adequar-se ao desenvolvimento tecnocientífico. Inauguram-se novos paradigmas
socioeconômicos e novos setores são criados, como veremos no próximo tópico. Há
uma nova leitura dos padrões de exigência em relação às empresas. As organizações
que saem na frente são aquelas que fazem o melhor uso de sua equipe de trabalho, das
potencialidades do mercado e dos recursos tecnológicos disponíveis.
Hoje, por exemplo, não cabe mais o discurso de que não se sabe usar um computador,
de que não se sabe usar as ferramentas de comunicação por aplicativos de conversa e
videoconferências e de que não se usam as redes sociais. Aquele que quer estar adequa-
do ao ambiente de trabalho precisa adaptar-se, precisa se reconfigurar, precisa se capaci-
tar e se adequar às novas formas do mercado de trabalho e da sociedade como um todo.
A era digital é, sem dúvida alguma, uma mudança estrutural em toda forma de relaciona-
mento. Isso em todos os ambientes e em todos os níveis: social, familiar e mais ainda no
ambiente socioprodutivo e profissional. Há uma exigência do mercado de trabalho e pre-
cisamos nos enquadrar sob pena de sermos substituídos ou de não sermos requisitados.
98
Ciência, tecnologia e sociedade necessariamente dialogam nessa necessidade ou exi-
gência. É como se a nossa relação social estivesse vinculada ao trabalho. Dominique
Schnapper, uma socióloga francesa que discute sobre trabalho e sociologia urbana, em
seu livro intitulado Contra o fim do trabalho, publicado em 1998, diz que:
99
Desemprego tecnológico, eliminação e
criação de profissões
Como em muitas das coisas que podemos discutir, há duas faces de uma mesma moe-
da quando falamos em avanços tecnocientíficos. Ao mesmo tempo que temos o surgi-
mento e a criação de novas profissões consequentes dos avanços tecnológicos, temos
também desemprego e eliminação de outras formas de trabalho.
Você consegue lembrar-se de alguma profissão que hoje não tem mais
espaço? Com bem pouco esforço lembramo-nos de várias, não é mesmo?
A substituição das atividades ou produtos artesanais por mercadorias, que são resultado
de um processo técnico ou construído a partir das máquinas, já foi discutido um pouco
na primeira unidade quando falamos dos momentos históricos marcados por revolu-
ções tecnológicas. Falamos também da necessidade de reestruturação do trabalhador
no tópico anterior e agora, mais especificamente, vamos tentar pensar sobre a ideia do
chamado desemprego tecnológico.
100
empregos caso haja expansão nos negócios, já que seriam ferramentas utilizadas para
facilitar as atividades do trabalhador.
É fato também que nem sempre ou pouco se discutiu, por exemplo, sobre a quantidade
de trabalhadores que foram descartados por conta dessas mesmas máquinas, sinôni-
mos de progresso como dito mais acima. Em seu livro intitulado O capital, Karl Marx, fi-
lósofo, sociólogo, historiador e economista diz que a finalidade da maquinaria capitalista
é, sem dúvida, um meio de produção de mais-valor. Ou seja, ela existe para o aumento
do lucro do empregador. Para ele, na manufatura, o revolucionamento (palavra criada por
ele) do modo de produção começa com a força de trabalho; na grande indústria, com o
meio de trabalho.
Dessa forma, o que fica claro quando lemos a situação de maneira crítica é o avanço
que leva em consideração, sobretudo, as necessidades de um mercado consumidor e
de uma sociedade capitalista. Marx também vai dizer mais à frente, sobre o modo de
produção na indústria, que um “revolucionamento” leva a outro “revolucionamento” e nos
dá um exemplo:
101
e da agricultura provocou também uma revolução nas condições gerais
do processo de produção social, isto é, nos meios de comunicação e de
transporte. (MARX, 2013. p. 457)
Apesar de não ser uma leitura marxista propriamente dita, usamos o pretexto das novas
exigências e revoluções no processo de produção que ele traz na citação acima para
dizer que, da mesma forma que é inevitável reconhecer o descarte de algumas profis-
sões, como falamos no início desse tópico, também reconhecemos o fato de que houve
inclusão de várias outras profissões exatamente por conta da evolução tecnológica e
científica. Podemos citar algumas dessas profissões: profissionais que trabalham com
controle, produção e organização de dados, ou seja, as profissões da área de tecnologia
como um todo, sobretudo, da tecnologia da informação, como o profissional chama-
do de big data, os engenheiros de softwares e desenvolvedores de aplicativos. Temos
também os gestores de desenvolvimento de negócios de inteligência artificial, influencer
digital, professores tutores de ensino na modalidade on-line, designers de redes sociais,
especialista em e-commerce etc.
Como em muitas das coisas que podemos discutir, há duas faces de uma mesma moe-
da quando falamos em avanços tecnocientíficos. Ao mesmo tempo que temos o surgi-
mento e a criação de novas profissões consequentes dos avanços tecnológicos, temos
também desemprego e eliminação de outras formas de trabalho.
Você consegue lembrar-se de alguma profissão que hoje não tem mais
espaço? Com bem pouco esforço lembramo-nos de várias, não é mesmo?
A substituição das atividades ou produtos artesanais por mercadorias, que são resultado
de um processo técnico ou construído a partir das máquinas, já foi discutido um pouco
na primeira unidade quando falamos dos momentos históricos marcados por revolu-
ções tecnológicas. Falamos também da necessidade de reestruturação do trabalhador
no tópico anterior e agora, mais especificamente, vamos tentar pensar sobre a ideia do
chamado desemprego tecnológico.
102
parecem concentrar seu objetivo na venda de novos aparelhos e de planos ou combos.
Todo o resto é resolvido pelo telefone. Antes, todas as nossas contas eram pagas em
agências bancárias. Hoje, conseguimos efetuar todas as operações e pagamentos pela
tela do celular, o que causou o fechamento de inúmeras agências físicas. Essa é uma
tendência cada vez maior, que nos leva a “pensar o mercado” a partir da exclusão de
profissões como gerente de banco ou caixa.
O site Educa Mais Brasil traz uma lista de 10 profissões futuristas. São elas:
Detetive Analisa os dados coletados pelo big data e propõe soluções rela-
de dados cionadas a eles.
103
Vai pensar estruturas administrativo-técnicas para hospitais ou re-
Engenheiro
des hospitalares. Pensa, sobretudo, em alternativas e soluções por
hospitalar
meio de tecnologias.
Analista Analisa todo tipo de valor, patrimonial, mobiliário etc., e realiza todo
financeiro tipo de modelagem de orçamento ou custo.
Se pensarmos em áreas específicas podemos citar mais algumas profissões. Por exem-
plo, na área da saúde temos o técnico em telemedicina, regulamentado pelo Conselho
de Medicina, e que atende, na modalidade a distância, pacientes que moram em zonas
distantes. Também temos o chamado bioinformacionista, que trabalha desenvolvendo
medicamentos a partir de informações genéticas.
Como vimos, os exemplos são inúmeros e há uma ponta de esperança pelo simples fato
de sermos altamente capazes de nos reinventar o tempo inteiro. Quem um dia pensou
que existiria um profissional que faz especulação de moedas alternativas, as chamadas
criptomoedas?
104
Ampliando o foco
O que são criptomoedas? São um meio de troca, que faz uso de base de dados
criptografados criando índices mercadológicos e novas moedas eletrônicas.
Temos como exemplo a bitcoin, a primeira criptomoeda ou dinheiro eletrônico/
commodity, considerada a primeira moeda digital mundial, e que revolucionou
transações financeiras pela internet.
Para refletir
105
Máquinas ou humanos: reflexões sobre o
grau de importância do ser humano frente à
evolução da Inteligência Artificial
Exemplo
106
usado por empresas, sobretudo nos Estados Unidos e no Japão. Já nessa época discu-
tia-se o uso de microchips e a interação homem-computador.
Exemplo
Para refletir
Há quem diga que o homem e sua criatividade terão ainda mais valor e impor-
tância nesse processo, mas é constatável pela velocidade com que temos visto
esses avanços que muitas pessoas de fato não alcancem e, claro, muitas áreas
de atuação serão completamente automatizadas. Chegará o tempo em que
nossa maior preocupação não será com os avanços tecnocientíficos ou com
todas essas eras de revolução das máquinas. Haverá um tempo em que nossa
maior preocupação será com a energia, com a água e com o meio ambiente, ou
seja, com as nossas necessidades mais básicas.
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Conhecendo um pouco mais
Realidade misturada
Faz uma combinação de cenas reais do mundo físico e cenas virtuais ou artificiais. Esse
ambiente é gerado por computadores por meio dos quais o usuário interage de maneira
intuitiva. Combina cores, formas, uma espécie de ambiente tridimensional. Os capacetes
de visualização e os óculos estereoscópicos usam a realidade misturada.
Tecnologia RFID
A internet das coisas entende que qualquer objeto físico conectado pode ser programá-
vel. É uma espécie de conexão avançada de dispositivos e tecnologia sensorial.
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Computadores de vestir
São as tecnologias usadas em acessórios que estão frequentemente mais perto e com a
gente do que computadores e tablets. São as tecnologias, por exemplo, encontradas nos
smartwatches, também conhecidos como relógios inteligentes, ou mesmo em óculos
de alta tecnologia.
Nanotecnologia
Proveniente de recursos naturais ou de fontes que não geram grandes impactos ao meio
ambiente e que se renovam como sol, vento, chuva etc.
Acordo de Paris
Tratado assinado pelas nações em acordo sobre as questões do meio ambiente e que
decidiram pensar ações que minimizem a emissão de gases estufa e o aquecimento
global. Aprovado por 195 países. O Brasil assumiu o compromisso de contribuir para as
questões da sustentabilidade em 12 de setembro de 2016, compromisso, inclusive com
o reflorestamento e uso de energia renovável.
Ampliando o foco
109
científica misturam-se e confundem-se, trazendo a questão dos avanços cien-
tíficos e tecnológicos como pauta de reflexão. A série vai além de uma simples
crítica à mídia moderna ou à tecnologia propriamente dita. Ela vai além, faz
pensar sobre a nossa relação com essas ferramentas e quais seriam nossas
posturas diante do encanto que um novo instrumento pode trazer. Vale muito a
pena conferir!
MIDIATECA
NA PRÁTICA
O que seria de nós se, ao passarmos por uma pandemia, não existissem as tec-
nologias e meios digitais, sobretudo as ferramentas de comunicação? Como
ficariam as reuniões de trabalho, já que fomos obrigados a estar em isolamento
social? Temos, inclusive, peças de teatro sendo encenadas ao vivo pelas redes
sociais ou algum aplicativo. Temos shows improvisados sendo feitos a partir
de lives e temos também muito desemprego, readaptações e o surgimento de
novas fontes de renda, como a fabricação de máscaras de proteção, vendas de
ring light com tripé e aumento considerável do mercado de delivery. Empresas
que não admitiam incluir em sua forma de atividade a venda pela internet preci-
saram se reinventar para não fechar as portas.
110
Resumo da Unidade 4
CONCEITO
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Referências
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tps://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2018/06/17-fatos-e-curiosidades-sobre-vi-
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112