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Agrupamento de Escolas de Vila Cova

Escola Básica e Secundária de Vila Cova


ENSINO SECUNDÁRIO
FILOSOFIA 10º ANO

3. Dimensão da ação humana e dos valores


3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas
perspetivas filosóficas.

A ética deontológica de Kant

Immanuel Kant (1724-1804) é o defensor da teoria ética


deontológica e responde ao problema da fundamentação da moral da
seguinte forma:
(1) o bem último é a boa vontade;
(2) o que torna uma ação moralmente correta é o facto de ser
executada por uma boa vontade, ou seja, é o facto de esta ter sido
motivada pelo cumprimento do dever.

As ideias principais da teoria deontológica de Kant:

1. Intenções e tipos de ações: o valor moral de uma ação não depende das consequências
que dela resultam, mas da intenção do sujeito ou agente. Uma ação tem valor moral
quando a intenção do agente é cumprir o dever pelo dever (Cumpre o dever sem
«segundas intenções»).
Kant distingue dois tipos de ações: ações conformes ao dever e ações por dever.
Para mostrar esta diferença, Kant utiliza o exemplo de um merceeiro que pode agir tendo
por base duas máximas diferentes, a saber:
a) Sê honesto, se não queres perder clientes.
b) Sê honesto porque esse é o teu dever.

No 1º caso, o comerciante é honesto, mas não age por dever, pois age com base no
interesse egoísta de não perder clientes. No segundo caso, o comerciante age por dever,
porque age honestamente apenas pelo facto de ser essa a sua obrigação. Neste último
caso, a ação praticada por dever tem valor moral.

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Para além de ações por dever e conformes ao dever, há também ações que são
contrárias ao dever:
Tipos de ações
por dever conformes ao dever contrárias ao dever
Ações motivadas pelo Ações que respeitam as Ações imorais que não
cumprimento do dever, regras morais ou sociais cumprem as normas morais
sem interesse pessoal. instituídas, mas que são nem são praticadas por
praticadas por interesse, dever.
porque daí resulta um
benefício ou a satisfação de
algo.
Ex.: não mentir para Ex.: não roubar por receio Ex.: roubar, matar, torturar,
cumprir a obrigação moral; de ser apanhado; não mentir, quebrar promessas,
não roubar porque é mentir por medo de ser etc.
incorreto fazê-lo, etc. castigado, etc.
MORALIDADE LEGALIDADE IMORALIDADE

2. O dever e a lei moral: as ações por dever são as únicas com valor moral e, portanto,
boas. Agir por dever constitui um dever absoluto ou categórico, ou seja, um dever que
não admite exceção. Deveres deste tipo são, por exemplo, “não matar”, “não mentir” e
“não roubar”.
As ações por dever têm origem na razão, que se expressa através de uma lei a que Kant
chama lei moral. A lei moral é uma lei da consciência racional 1, válida para todos os
homens e em todas as sociedades e em todos os tempos. Logo, não diz que temos que
fazer isto ou aquilo nesta ou naquela situação. Diz como nos devemos comportar em todas
as situações.

3. A máxima e os tipos de imperativos: imperativo hipotético e imperativo


categórico.
Kant considera que ao agir é como se estivéssemos a seguir uma máxima, isto é, uma
regra ou princípio que nos manda agir de uma determinada forma. Assim, as máximas
traduzem-se em imperativos que seguimos, como por exemplo,
a) “Não mintas, se não quiseres perder a credibilidade”, “Não copies no exame, se
correres o risco de ser apanhado” ou
b) “Ajuda os amigos em necessidade”, “Cumpre as tuas promessas”.

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A lei moral é uma lei racional (criada e imposta pela razão a si mesma – a priori). Esta lei é universal, pois está
presente na consciência de todos os seres racionais. Ela é formal, uma vez que indica a forma como se deve agir; como
cumprir as normas ou os deveres morais presentes na consciência de todos os seres racionais.

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Existe uma diferença entre eles. Os primeiros são imperativos hipotéticos e os dois
últimos, imperativos categóricos. Qual é a diferença?

IMPERATIVOS
HIPOTÉTICOS CATEGÓRICOS
Expressam condições a serem cumpridas Expressam obrigações ou deveres
em função de desejos e interesses do incondicionais que o agente deve realizar,
agente. mesmo que sejam contrários aos seus
desejos ou interesses.
O imperativo hipotético é particular e O imperativo categórico é universal e
contingente. necessário.

O imperativo hipotético prescreve que O imperativo categórico prescreve que


uma ação é boa porque é um meio uma ação é boa se for realizada por puro
necessário para conseguir algum respeito à representação da lei em si
propósito ou fim. mesma.

«Se queres X, então terás de fazer Y». «Deves fazer X, sem mais».

Exemplo: Se queres ser bem visto, então Exemplo: Não deves mentir.
cumpre as tuas promessas.

3.1. O Imperativo categórico: as duas formulações.

O imperativo categórico é o único critério válido que devemos seguir para decidir se
um ato é ou não moralmente permissível.

Kant apresenta duas formulações do imperativo categórico, a “Fórmula da lei


universal” e a “Fórmula da humanidade”.

a) “Fórmula da lei universal”: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao
mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.

O teste para determinar se uma ação é moralmente correta é o seguinte: 1 - Que regra
(máxima) estamos a seguir se realizarmos esta ação? 2 - Estamos dispostos a que essa
regra (máxima) seja seguida por todos e em todas as situações? Assim, temos que tentar
perceber: i) se é possível todos agirem segundo essa regra; e, caso isso seja possível, ii)
se podemos querer que assim seja.
Por exemplo, a máxima “Faz promessas que não tencionas cumprir”, passa o primeiro
requisito?

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b) “Fórmula da humanidade”: Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto
na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e
nunca simplesmente como meio.

Para respeitar as pessoas devemos respeitar a sua racionalidade. É errado tratar os seres
humanos apenas como meros meios para atingir um fim, como faz o empresário que
abandona os trabalhadores à sua sorte assim que descobre poder fabricar noutro lado os
mesmos produtos com custos inferiores. Para Kant, a pessoa tem de ser tratada mesmo
por ela própria, sempre como um fim em si mesma e nunca apenas como um meio, porque
é o único ser vivo que pode agir moralmente. O valor da pessoa humana é absoluto.
A ética de Kant valoriza a dignidade humana e, por causa disso, o respeito pelos direitos
humanos.

4. Boa vontade ou vontade boa:


A vontade que age por respeito pela lei moral ou imperativo categórico tem o nome de
boa vontade ou vontade boa. A boa vontade é a única coisa absolutamente boa, o bem
supremo. Só quando um agente age com a intenção de cumprir o dever pelo dever é que
age de boa vontade.

5. Autonomia e Heteronomia da vontade:


Ao agir por dever, a boa vontade é uma vontade autónoma. O agente moral é autónomo
quando age por dever, aceita a lei moral, criada pela sua própria razão, não sendo
influenciado por autoridades morais exteriores e superiores à razão, como, por exemplo,
a Igreja.
A vontade heterónoma é aquela que é incapaz de vencer o conflito entre a ordem da razão,
o dever e os interesses e inclinações sensíveis. A vontade é heterónoma quando não tem
a razão como fonte da obrigação e se rege pelo que a religião ou a sociedade em geral
possam pensar, o que é um sinal de menoridade moral.

6. A ética de Kant enfrenta as seguintes críticas:

- não resolve conflitos entre deveres: a perspetiva deontológica de Kant considera que
há deveres absolutos (obrigações), que não admitem exceção; nos casos em que ocorrem
conflitos de obrigações, a ética kantiana parece não dar uma resposta satisfatória. Assim,
salvar uma vida, quando esse ato está ao nosso alcance, e não mentir são deveres
absolutos; mas há casos em que, para salvar uma vida, é necessário mentir, como no caso
das pessoas que conheciam o paradeiro de judeus e tinham de mentir a quem os perseguia
se quisessem salvá-los; a solução da ética kantiana para o conflito de obrigações não é
clara;

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- dado que as intenções puras não derivam senão da adesão da vontade à razão, por mais
sinceros que sejam os sentimentos de piedade, de amor ou de amizade que um indivíduo
nutre por outro, as suas ações não serão válidas se a sua vontade encontra neles o motivo
da sua ação;

- implica, erradamente, que só temos obrigações morais para com seres racionais, morais
e autónomos;

- não é consistente com o facto de haver máximas imorais universalizáveis;

- desculpa a negligência bem-intencionada, pois ignorar as consequências das ações para


a sua avaliação moral é contraintuitivo quando o agente, apesar de uma intenção boa, a
do cumprimento do dever, é tão descuidado que origina consequências desastrosas
devidas à sua incompetência e ignorância.

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