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ESPECIALIZAÇÃO EM ESTRUTURAS DE CONCRETO E FUNDAÇÕES

MODULO: CONCRETO ARMADO II

CISALHAMENTO: CÁLCULO DA ARMADURA


TRANSVERSAL EM VIGAS
Eng. Me. André Luís L. Velame Branco
Professor, Projetista e Consultor de Cálculo Estrutural

Aula adaptada do material elaborado pelo Prof. Marcos Alberto Ferreira


da Silva.
INTRODUÇÃO
As vigas submetidas a um carregamento vertical qualquer,
com ou sem força normal, estão trabalhando em flexão
simples ou composta não pura (presença de momento
fletor e força cortante). Neste caso surgem na seção
transversal, além das tensões normais, tensões
tangenciais que equilibram a força cortante.

Quadro 1 – Tipos de flexão e tensão atuantes na seção transversal


Flexão Momento fletor Força cortante Tensões atuantes na seção
(M) (V)
Pura Constante V=0 σ (normal)
Não pura Variável V≠0 σ (normal) e τ (tangencial)
Ao contrário da situação em que é possível existir
momento fletor sem força cortante (flexão sem
cisalhamento), não é possível a existência de trechos da
viga em que ocorra cortante sem momento (cisalhamento
sem flexão).

Dessa forma, na flexão não pura, juntamente às tensões


tangenciais, sempre atuam tensões normais de flexão,
formando um estado duplo de tensões, com tensões
principais de tração e compressão, em geral, inclinadas
em relação ao eixo da viga (será visto adiante). É um
problema de solução complexa, com mecanismos
resistentes essencialmente tridimensionais.
No estudo do cisalhamento influem:
• forma da seção;
• variação da forma da seção ao longo da peça;
• esbeltez da peça (l/d ≥ 2);
• disposição das armaduras transversais e longitudinais;
• aderência;
• condições de apoio e carregamento, etc.

A consideração de (l/d ≥ 2) é para que o estudo se resuma


às vigas, nas quais a seção transversal permanece plana
após a deformação, pois quando a relação é inferior a 2 as
seções transversais sofrem um "empenamento", não
continuando plana após a deformação; a estrutura com
tais características é chamada de viga parede (Figura 1).
Figura 1 – a) viga (seção após a deformação permanece plana); b) viga parede
(seção sofre um empenamento após a deformação)
Para cargas de pequena intensidade, em que as tensões
de tração não superam a resistência à tração do concreto
(estádio I), o problema da análise das tensões tangenciais
é simples; quando se aumenta o carregamento e o
concreto torna-se fissurado (estádio II), é produzido um
complexo reajuste de tensões entre concreto e armadura,
que podem crescer até chegar à ruptura. Na alma da viga,
as tensões de compressão são resistidas pelo concreto
comprimido, que se mantém íntegro entre as fissuras
(bielas comprimidas), e as tensões de tração são resistidas
por uma armadura transversal.

A armadura transversal proporciona segurança frente aos


distintos tipos de ruptura e, ao mesmo tempo, mantém a
fissuração dentro de limites admissíveis.
Na Figura 2 estão esquematizados alguns tipos de colapso que podem
ocorrer em vigas por causa da ação da força cortante: a) a ruptura é
por escoamento da armadura transversal; b) o concreto da biela
comprimida na alma da viga é esmagado; c) o colapso ocorre por falha
na ancoragem da biela junto ao apoio (escorregamento da armadura
longitudinal).
Figura 2 – Situações de colapso em uma viga por causa do cisalhamento
a) escoamento armadura; b) esmagamento concreto; c) falha na ancoragem
Segundo Furlan Junior (1995), ainda pode ocorrer ruptura por força
cortante-flexão e por flexão da armadura longitudinal (Figura 3). No
primeiro caso, o concreto do banzo comprimido é esmagado em
decorrência do "avanço“ das fissuras diagonais nessa região. No
segundo caso, surgem deficiências localizadas na região da armadura
longitudinal que apresenta resistência insuficiente para suportar a
flexão localizada causada pelo apoio das bielas entre os estribos.
Figura 3 – Mais situações de colapso em uma viga por causa do cisalhamento
a) por força cortante-flexão ; b) por flexão da armadura longitudinal

b)
a)
A seguir mostram-se fotos de ensaios, destacando alguns
dos tipos de ruína por cisalhamento em vigas.

Colapso em uma viga por causa do cisalhamento


Colapso em uma viga por causa do cisalhamento
Colapso em uma viga por causa do cisalhamento
Colapso em uma viga por causa do cisalhamento
Colapso em uma viga por causa do cisalhamento
TENSÕES NORMAIS E TANGENCIAIS EM UMA VIGA
Em uma viga de seção constante, sujeita à flexão simples não pura, as
tensões normais (σ) e tangenciais (τ) variam de fibra a fibra ao longo
da altura da seção (Figura 4).

Figura 4 – Distribuição das tensões normais e tangenciais em uma seção retangular


M
σ= ⋅y
I
V ⋅ Ms
τ=
bw ⋅ I
Em um elemento solicitado por tensões normais e
tangenciais, sempre é possível encontrar um plano com
uma inclinação α no qual as tensões tangenciais são
nulas, e as normais alcançam seus valores máximo e
mínimo, que são as chamadas tensões principais.

Essas tensões podem ser determinadas em qualquer


ponto de qualquer seção da peça, analiticamente ou por
meio do Círculo de Mohr.
Seja uma viga sujeita à flexão simples (Figura 5), da qual
se deseja obter as tensões principais em dois pontos da
seção transversal: um na região comprimida (ponto 1) e
outro na linha neutra (ponto 2).
Figura 5 – Pontos para análise das tensões principais de uma viga
simplesmente apoiada sob carregamento uniforme.
Figura 6 – Determinação das tensões principais ( σ1 e σ2) nos pontos 1 e 2 da
viga, por meio do círculo de Mohr
τ
σ

σ
τ σ
σ σ
σ σ σ
τ
σ

σ
σ

τ
τ

σ
σ

σ σ σ
τ σ
σ
Para um estado duplo de tensões em vigas (Figura 7), segundo Mohr:
2 2
σ x +σ  σ x −σ y σ x +σ  σ x −σ y 2 ⋅ τ xy
+   +τ 2xy ; σ −   +τ 2xy ; tg2α =
y y
σ1= 2 =
2  2  2  2  σ x −σ y
Figura 7 – Estado plano de tensões e direções principais
σ
σ
τ σ

σ σ τ
τ σ
σ
σ
τ
σ

σ σ σ σ
τ
Como em vigas pode-se fazer σy = 0, e, fazendo τxy = τ, as
equações anteriores ficam:

2 2
σ σ x  σ σ x  2⋅ τ
σ 1 = +   +τ 2 ; σ
x
2 = −   +τ ; tg2α =
x 2
2  2  2  2  σx

Na linha neutra e abaixo, o concreto não contribui na


resistência às tensões normais de tração, que são
equilibradas apenas pela armadura longitudinal, e,
portanto , σx = 0, que nas equações anteriores resulta:

σ 1 = + τ 2 =+ τ ; σ 2 = − τ 2 =−τ ; tg2α = ∞ → 2α = 90o → α = 45o


Conclusões:

• Na linha neutra, as tensões principais σ1 (tração) e σ2


(compressão) estão inclinadas a 45° em relação ao eixo
da viga e são iguais, em intensidade, às tensões
tangenciais τ;
• As fissuras no concreto são perpendiculares à direção
da tensão principal de tração (Figura 7);
• As tensões principais de tração σ1 devem ser resistidas
por uma armadura de cisalhamento que atravesse as
fissuras;
• As tensões principais de compressão σ2 são resistidas
pelo concreto comprimido localizado entre as fissuras
(bielas de concreto).
ANALOGIA DE TRELIÇA DE MÖRSCH
No inicio do século XX , Mörsch propôs uma teoria para
determinar a armadura de cisalhamento necessária ao
equilíbrio de uma viga de concreto armado, em que o
mecanismo resistente da viga no estádio II (fissurada)
pudesse ser associado ao de uma treliça e que as
armaduras e o concreto equilibrassem, conjuntamente, a
força cortante.

O modelo proposto não foi inicialmente bem aceito, mas


com o desenvolvimento de técnicas de ensaio de
estruturas constatou-se que ele poderia ser empregado,
desde que fossem feitas correções adequadas. Ainda hoje,
este é o modelo usado.
Figura 8 – Viga na iminência da ruptura e os tipos de fissura que podem ocorrer
A partir da configuração da viga na ruptura, Mörsch
idealizou um mecanismo resistente assemelhando viga a
uma treliça, de banzos paralelos e isostática, em que os
elementos resistentes são as armaduras longitudinal e
transversal e o concreto comprimido (nas bielas e na
região da borda superior), cujas interseções formam os
nós da treliça (Figura 9).

O conceito de bielas de compressão (concreto íntegro


entre as fissuras) é importante, pois mostra como o aço e
o concreto se unem para transferir cargas, assim também
como o concreto comprimido trabalha e tem participação
importante na resistência ao cisalhamento de peças
fletidas.
Figura 9 – Analogia da treliça clássica de Mörsch
Os elementos da treliça (Figura 10) são:

1. banzo superior comprimido: formado pela região


comprimida de concreto acima da linha neutra, de altura x;
2. banzo inferior tracionado: formado pelas barras da
armadura longitudinal de tração;
3. montantes ou diagonais tracionadas: formadas pela união
dos estribos que cruzam uma certa fissura; podem ter
inclinação (α), em relação ao eixo longitudinal da viga,
entre 45° e 90°;
4. diagonais comprimidas: formadas pelas bielas de
compressão (concreto íntegro entre as fissuras), que
colaboram na resistência e têm inclinação de 45° em
relação ao eixo da peça.
Figura 10 – Treliça análoga de Mörsch para os casos de estribos e barras
dobradas
Uma viga na iminência de colapso pode ser representada por uma
treliça, em equilíbrio, com as forças internas e externas representadas
na figura abaixo. Para o cálculo das forças nas barras da treliça devem
ser feitas as seguintes hipóteses:

a) a treliça é isostática;
b) os banzos são paralelos;
c) a inclinação das fissuras e, portanto das bielas comprimidas é de 45°;
d) a inclinação (α) da armadura transversal pode variar entre 45° e 90°.

Equilíbrio das
componentes verticais:
R 1 −P1 − P2 = Fat ⋅ senα

Força cortante solicitante


na seção S:
VS =R 1 −P1 −P2
Fat ⋅ senα = VS
Fat = A sw ⋅ n ⋅ f yd
VSd
Fat ⋅ senα = VSd → Fat =
senα
z ⋅ (1 + cotα ) VSd
A sw ⋅ ⋅ f yd =
s senα
z+z ⋅ cotα z ⋅ (1 + cotα )
n= =
s s
z ⋅ (1 + cotα ) VSd
A sw ⋅ ⋅ f yd =
s senα
A sw VSd 1
= ⋅
s senα f yd ⋅ z ⋅ (1+cotα )
volume de aço l ⋅ Asw l ⋅ Asw Asw
ρ sw,α = = = =
volume de concreto bw ⋅ d ⋅ s bw ⋅ s ⋅ l ⋅ senα bw ⋅ s ⋅ senα
Asw VSd 1
= ⋅
s ⋅ bw ⋅ senα bw ⋅ z f yd ⋅ senα ⋅ senα ⋅ ( 1+cot α )
VSd 1
ρ sw,α = 1,10 ⋅ ⋅
bw ⋅ d f yd ⋅ senα ⋅ (senα + cos α )
VSd
Chamando = τ Sd
bw ⋅ d
1,10 ⋅ τ Sd 1
ρ sw,α = ⋅
f yd senα ⋅ (senα + cos α )
Admitindo z=d 1,10
Asw ⋅ d ⋅ f yd ⋅ (senα + cos α )
s=
1,10 ⋅ VSd
No caso mais usual, em que são empregados estribos
verticais, o ângulo de inclinação da armadura é α = 90°, e
as equações anteriores ficam bastante simples, reduzindo-
se a:

A sw
ρ sw,90 =
bw ⋅ s

1,10 ⋅ τ Sd
ρ sw,90 =
f yd

A sw ⋅ d ⋅ f yd
s=
1,10 ⋅ VSd
Em uma viga de seção retangular, de dimensões bw e d, em que atua
uma força cortante VSd, e para o mesmo tipo de aço, é mais econômico
utilizar estribos verticais ou armadura inclinada a 45° (o custo da mão
de obra utilizada para executar o serviço não será computado)?

1,10 ⋅ τ Sd
ρ sw ,90 =
f yd

1,10 ⋅τ Sd 1 1,10 ⋅τ Sd 1 1,10 ⋅τ Sd


ρ sw, 45 = ⋅ = ⋅ =
f yd sen 45 ⋅ ( sen45 + cos 45) f yd 2  2 2 f yd

⋅ + 
2  2 2 

Assim, conclui-se que, sendo a taxa de armadura igual em cada caso, o


volume de aço é o mesmo nos dois casos, e, portanto o custo é igual.
Entretanto, deve-se considerar que:
Barras dobradas:
• a execução é mais difícil;
• devem ser sempre utilizadas junto com estribos, e só podem resistir
no máximo a 60% do esforço cortante (item 17.4.1.1.3 da norma);
• como são executadas a partir da armadura longitudinal, têm bitola
maior que os estribos, e o controle da fissuração fica prejudicado;
• a ancoragem das bielas de concreto da treliça, junto a região
tracionada, é deficiente;
• havendo apenas barras dobradas há um efeito de “fendilhamento” do
concreto junto à ancoragem da biela (ver figura abaixo).
Estribos verticais (alguns tipos são mostrados na Figura abaixo):
• apresentam maior facilidade de execução e montagem;
• podem ser melhor distribuídos e podem ter diâmetro menor que as
barras longitudinais favorecendo a aderência e fissuração;
• auxiliam na montagem da armadura longitudinal;
• podem resistir sozinhos a todo o esforço cortante;
• auxiliam na distribuição de tensões de tração que se produzem pela
transmissão de esforços entre concreto e aço.
https://www.youtube.com/watch?v=210D6Q34r
Vw
https://www.youtube.com/watch?v=in0dp-
UF4SE
https://www.youtube.com/watch?v=K8NStnz-
P9Y
https://www.youtube.com/watch?v=5VjIkseZ7fs
https://www.youtube.com/watch?v=rZ18soCJy
Pk
VERIFICAÇÃO DAS BIELAS DE CONCRETO
COMPRIMIDAS
As tensões normais de compressão em uma biela podem
ser obtidas, de maneira aproximada, fazendo o equilíbrio
das forças atuantes em uma seção que corta um conjunto
de bielas.

O modelo desenvolvido por Montoya é útil para se ter uma


idéia do comportamento das tensões de compressão nas
bielas de uma viga fletida, e de onde surgiram alguns dos
valores limites especificados pelas normas. Valores mais
confiáveis só são possíveis de obter através de análises
experimentais.
Seja uma viga, na ruptura, seccionada por um plano com
inclinação α, na direção da armadura transversal, e com as bielas
inclinadas de um ângulo β como a mostrada na Figura abaixo. A
partir dos elementos conhecidos, relaciona-se o valor do esforço
cortante na seção transversal com o da tensão normal de
compressão nas bielas de concreto.
BC ⋅ senα = z → BC =z senα AB = z ⋅ senβ ⋅ (cotα + cot β )
BC ⋅ cos Φ = AB ⇒ AB = ( z senα ) ⋅ cos Φ FR = σ c ⋅ ( AB ) ⋅ bw
∆ ABD : ⇒ (α −Φ )+β =90 ⇒ Φ=α +β −90 VSd = FR ⋅ sen β = σ c ⋅ bw ⋅ ( AB ) ⋅ sen β
Substituindo Φ em AB, resulta : VSd
σc =
AB =
z
⋅ cos (α + β − 90) =
z
⋅ cos [α − (90 − β )] bw ⋅ ( AB) ⋅ senβ
senα senα VSd 1
σ = ⋅
bw ⋅ z sen 2 β ⋅ (cotα + cotβ )
c
⋅ [cosα ⋅ cos(90−β ) + senα ⋅ sen(90−β )] =
z
AB =
senα
τ max = VSd (bw ⋅ z )
 cosα ⋅ senβ senα ⋅ cosβ 
= z ⋅  +  τ max
σ =
 senα senα  c
sen 2 β ⋅ (cotα + cotβ )
fazendo z = d 1,10 :
VSd 1
σ c = 1,10 ⋅ ⋅
bw ⋅ d sen 2 β ⋅ (cotα + cot β )
lembrando que VSd (bw ⋅ d ) = τ Sd :
1,10 ⋅τ Sd
σc =
sen 2 β ⋅ (cotα + cotβ )
Quadro 2 – Valores de tensão normal na biela de concreto em diversas situações
Armadura transversal α β = 45o β = 30o
Estribos 90o σc = 2 ⋅ τ max σc = 2,31⋅ τ max
Barras dobradas 45o σc = τ max σc = 1,47 ⋅ τ max

As tensões de compressão nas bielas não devem causar


esmagamento do concreto, e para isso as tensões de cisalhamento
atuantes na viga devem ser limitadas a determinados valores, de
modo que a segurança da viga não fique comprometida.

Esses limites são dados pelas normas com base, principalmente,


em resultados experimentais, Os limites dados pela
NBR 6118:2014 serão vistos a seguir, junto com o modelo de
verificação do estado limite último devido à força cortante em
elementos lineares.
TRELIÇA GENERALIZADA DE MÖRSCH

Com o desenvolvimento e crescimento das pesquisas


experimentais, verificou-se que o cálculo através da treliça de
Mörsch conduz a uma armadura transversal exagerada, ou seja, a
tensão real atuante na armadura é menor que a obtida pelo modelo
de treliça. Essa diferença pode ser atribuída principalmente aos
seguintes fatores:
• a treliça é hiperestática (os nós não podem ser considerados como articulações
perfeitas);
• nas regiões mais solicitadas pela força cortante, a inclinação das fissuras, e,
portanto, das bielas, é menor que os 45o admitidos por Mörsch;
• parte do esforço cortante é absorvido na zona de concreto comprimido (devido
à flexão);
• os banzos não são paralelos (o banzo superior - comprimido - é inclinado);
• as bielas de concreto estão parcialmente engastadas na ligação com o banzo
comprimido, e, assim, são submetidas à flexo-compressão, aliviando os
montantes ou diagonais tracionados;
• as bielas são mais rígidas que os montantes ou diagonais tracionados, e
absorvem uma parcela maior do esforço cortante do que aquela determinada
pela treliça clássica;
• a quantidade (taxa) de armadura longitudinal influi no esforço da armadura
transversal.
Todos esses fatores fazem com que a tensão na armadura
transversal seja menor que as obtidas com o esquema da teoria
clássica de Mörsch, e isso deve ser considerado no seu
dimensionamento. Entretanto, é fácil perceber que introduzi-los
todos no cálculo da treliça levaria a dificuldades matemáticas
consideráveis, e então a solução foi adotar modelos simplificados,
mantendo os princípios do modelo de treliça, mas também com
base em resultados de ensaios, resultando no que se chama de
treliça generalizada de Mörsch.

Na NBR 6118:2014, são apresentados dois modelos de cálculo,


dependendo da inclinação que se adote para as diagonais de
compressão (bielas comprimidas), e que englobam o cálculo da
armadura transversal e a verificação das tensões de compressão
nas bielas.
ESTADO-LIMITE ÚLTIMO DE ELEMENTOS LINEARES SOB FORÇA CORTANTE

De acordo com a NBR 6118:2014, a resistência da peça, em uma determinada


seção transversal, será satisfatória quando forem verificadas, simultaneamente,
as seguintes condições:
VSd ≤ VRd 2
VSd ≤ VRd 3 = Vc + Vsw
VSd − força cortante solicitante de cálculo, na seção;
VRd2 − força cortante resistente de cálculo, relativa à ruína das diagonais comprimidas de
concreto, de acordo com os modelos de cálculo I ou II;
VRd3 = Vc + Vsw, é a força cortante resistente de cálculo, relativa à ruína por tração
diagonal;
Vc − parcela de força cortante absorvida por mecanismos complementares ao de treliça;

Vsw − parcela de força cortante resistida pela armadura transversal, de acordo com os
modelos I ou II.
O modelo I (objeto do item 17.4.2.2 da norma) admite que as
diagonais de compressão são inclinadas de θ = 45° em relação ao
eixo longitudinal do elemento estrutural, e admite ainda que a
parcela complementar Vc tem valor constante, independente de
VSd. Na prática, esse o modelo mais utilizado; é o que será
abordado no curso. Nesse modelo a resistência da peça é
assegurada por:

a) Verificação das tensões de compressão nas bielas de concreto


(compressão diagonal do concreto):
VSd ≤ VRd 2, I = 0,27 ⋅ α v 2 ⋅ f cd ⋅ bw ⋅ d
com α v 2 = (1 − f ck / 250 ), sendo f ck em MPa
Essa verificação pode ser feita em função das tensões tangenciais
solicitante de cálculo e resistente (última):

VSd VRd 2, I 0,27 ⋅ (1 − f ck / 250) ⋅ f cd ⋅ bw ⋅ d


≤ ⇒ τ Sd ≤ τ Rd 2, I =
bw ⋅ d bw ⋅ d bw ⋅ d

τ Sd ≤ τ Rd 2, I = 0,27 ⋅ (1 − f ck / 250) ⋅ f cd (MPa)


b) Cálculo da armadura transversal
Para o cálculo da armadura transversal, a parcela da força cortante
(VSW) a ser absorvida pela armadura é dada por:

Vsw = VRd3 − Vc
sendo que a força cortante resistente de cálculo V Rd3 dever ser no
mínimo igual à força cortante solicitante de cálculo V Sd. Assim:
Vsw = VSd − Vc
Portanto, a parcela da força cortante a ser resistida por armadura
transversal é a diferença entre a força cortante solicitante de
cálculo e a parcela de força cortante absorvida por mecanismos
complementares ao de treliça, ou seja, a parcela resistida pelo
concreto íntegro entre as fissuras.
O valor de Vc é obtido para diversas situações de solicitações; no
caso de flexão simples e flexo-tração com a linha neutra cortando
a seção, vale:
Vc = 0,6 ⋅ f ctd ⋅ bw ⋅ d
em que
f ck ,inf 0,7 ⋅ f ct ,m 0,7 ⋅ 0,3 2/3 2/3
f ctd = = = ⋅f = 0,15 ⋅ f (valor de cálculo da
γc γc 1,4 ck ck

resistência à tração do concreto);

d - altura útil da seção;


b w - menor largura da seção.
A força cortante resistida pela armadura transversal em uma certa seção é dada
por:
A 
Vsw =  sw  ⋅ 0,9 ⋅ d ⋅ f ywd ⋅ (sen α + cos α)
 s 
s − espaçamento entre elementos da armadura transversal ASW , medido
segundo o eixo longitudinal da peça;
fywd − tensão na armadura transversal passiva, limitada ao valor fyd no caso de
estribos e a 70% desse valor no caso de barras dobradas, não se
tomando, para ambos os casos, valores superiores a 435 MPa;
α − ângulo de inclinação da armadura transversal em relação ao eixo
longitudinal do elemento estrutural, podendo-se tomar 45° ≤ α ≤ 90°.

No caso de estribos verticais, que é o usualmente empregado, tem-se:


 A sw 
Vsw =  ⋅ 0,9 ⋅ d ⋅ f ywd
 s 
Em termos de tensões e taxa de armadura transversal, pode-se
escrever as seguintes equações:
Vsw V V
= Sd − c ⇒ τ sw = τ Sd − τ c
bw ⋅ d bw ⋅ d bw ⋅ d

1 1,11 ⋅ τ sw 1
ρsw,α = τ sw ⋅ = ⋅
0,9 ⋅ f ywd ⋅ sen α ⋅ (sen α + cos α) f ywd sen α ⋅ (sen α + cos α)

1,11 ⋅ τsw
ρsw ,90 =
f ywd
(no caso de estribos verticais)
c) Força cortante resistida para uma determinada quantidade
de armadura transversal
Conhecida a quantidade de armadura transversal em uma viga
(área Asw e espaçamento s) e a resistência característica do
concreto à compressão, é possível encontrar a força cortante
resistida pela viga por meio da expressão:

VR = 644 ⋅ b w ⋅ d ⋅ ρ sw ,α ⋅ f ywd ⋅ sen α ⋅ (sen α + cos α) + 0,10 ⋅ f 


2/3
 ck 

(VR em kN → para fywd e fck em MPa, bw e d em metros)

 2 / 3
VR = 644 ⋅ b w ⋅ d ⋅ ρ sw ,90 ⋅ f ywd + 0,10 ⋅ f 
 ck 

(para estribos verticais)


PRESCRIÇÕES PARA O DETALHAMENTO DA ARMADURA TRANSVERSAL

Como visto, as armaduras destinadas a resistir aos esforços de


tração provocados por forças cortantes podem ser constituídas por
estribos e barras dobradas. Para detalhar a armadura transversal de
uma viga devem ser observadas diversas recomendações,
estabelecidas pela NBR 6118:2003, tais como: cobrimento;
ancoragem; ganchos e diâmetros internos de dobramento.

a) Quantidade mínima de estribos


Nos elementos lineares submetidos à força cortante, deve sempre
existir uma armadura transversal mínima. Fazem exceção: os
elementos em que bw > 5⋅d (d é a altura útil da seção), que devem
ser tratados como laje; as nervuras de lajes nervuradas espaçadas
de menos de 60 cm; e alguns casos particulares de pilares e
elementos lineares de fundação.
Particularmente no caso das vigas, conforme o item 17.4.1.1.1 da
NBR 6118:2014, deve existir sempre uma armadura transversal mínima,
constituída por estribos colocados em toda a sua extensão, com a seguinte taxa
geométrica:
A sw f ctm
ρsw ,α = ≥ ρswα, min = 0,2 ⋅
b w ⋅ s ⋅ sen α f ywk
Asw – área da seção transversal dos estribos;
s – espaçamento entre os estribos, medido segundo o eixo longitudinal da
peça;
α – inclinação dos estribos em relação ao eixo longitudinal da peça;
bw – largura média da alma;
fywk – valor característico da resistência ao escoamento do aço da armadura
transversal;

f ctm = 0,3 ⋅ 3 f ck
2
resistência média à tração do concreto
b) Características dos estribos

Os estribos para a força cortante podem ser fechados ou abertos. Segundo


o item 18.3.3.2 da NBR 6118:2014, os estribos devem ter um ramo
horizontal que envolva as barras da armadura longitudinal de tração
(região de apoio das diagonais, ou bielas), e ser ancorados na extremidade
oposta.

O diâmetro da barra que constitui o estribo deverá atender aos seguintes


limites: 5mm ≤ φ ≤ bw/10

Quando a barra for lisa, seu diâmetro não poderá ser superior a 12 mm. No
caso de estribos formados por telas soldadas, o diâmetro mínimo pode ser
reduzido para 4.2 mm, desde que sejam tomadas precauções contra sua
corrosão.

O angulo de inclinação α das armaduras transversais em relação ao eixo do


elemento estrutural deve estar compreendido entre 45° e 90°.
c) Constituição da armadura transversal

A NBR 6118:2014 (item 18.3.3.1) permite que a armadura


transversal destinada a resistir aos esforços de tração
provocados por forças cortantes seja constituída de estribos,
combinados ou não com barras dobradas ou barras soldadas;
entretanto, se houver barras dobradas, estas não poderão
suportar mais do que 60% do esforço total a ser resistido pela
armadura transversal (item 17.4.1.1.3).

Podem ser utilizadas barras transversais soldadas,


devidamente ancoradas, combinadas com estribos fechados,
também mantida a proporção resistente de 60% para os
estribos (item 17.4.1.1.4).
d) Espaçamento entre elementos da armadura transversal

O espaçamento mínimo entre estribos, medido segundo o eixo longitudinal


do elemento estrutural, deve ser suficiente para permitir a passagem do
vibrador, garantindo um bom adensamento. O espaçamento máximo (s máx)
deve atender às seguintes condições, de acordo com o item 18.3.3.2 da
norma:

0,6 ⋅ d ≤ 300 mm se VSd ≤ 0,67 ⋅ VRd 2


s máx ≤
0,3 ⋅ d ≤ 200 mm se VSd > 0,67 ⋅ VRd 2
O espaçamento transversal (st,máx) entre ramos sucessivos de estribos não
deverá exceder os seguintes valores:

d ≤ 800 mm se VSd ≤ 0,20 ⋅ VRd 2


s t ,máx ≤
0,6 ⋅ d ≤ 350 mm se VSd > 0,20 ⋅ VRd 2
e) Cargas próximas aos apoios
De acordo com o item 17.4.1.2.1 da norma, para o cálculo da armadura
transversal, no caso de apoio direto (carga e reação de apoio aplicadas em
faces opostas do elemento estrutural, comprimindo-o), é permitido:
• considerar a força cortante oriunda de carga distribuída, no trecho entre
o apoio e a seção situada à distância d/2 da face do apoio, constante e igual
à desta seção (Figura abaixo);
• reduzir a força cortante devida a uma carga concentrada, aplicada à
distância a ≤ 2⋅d do eixo teórico do apoio, nesse trecho de comprimento a,
multiplicando-a por a/(2⋅d) (Figura abaixo).
Essas reduções não se aplicam à verificação da resistência à
compressão diagonal do concreto, ou seja, para a comparação
de VSd com VRd2 nos modelos I e II. No caso de apoios indiretos,
as reduções também não são permitidas.

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