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da localidade, esses elementos constituem análises necessárias para a compreensão da


conjuntura que levou ao processo de confirmação da opção pela separação do Brasil de
Portugal nesta antiga parte do Império Português.

3.4 “Dos males o menor”: a integração de Sergipe a “causa do Brasil”

O capitão Joaquim Martins Fontes, rico proprietário da vila de Lagarto, chegou ao


quartel de Caritá, na Bahia, em 16 de setembro de 1822. Considerado “um dos mais ativos e
ágeis” atuando naquele momento político, sua presença fez com que o capitão de ordenanças
mandasse “notificar os povos deste termo com armas nas mãos a defendermos nosso amado
príncipe regente”. Daquele quartel, o capitão Joaquim Martins Fontes escreveu à Junta da Vila
de Cachoeira informando que ali “não há pólvora nem bala e há falta de armamento”, e
solicitava “o socorro que nos é preciso em nome de vossa Alteza Real”. Alertava, ainda, o
cuidado que se devia ter para as “boiadas não irem para a infeliz comarca de Sergipe”, pois
podiam ser empregadas para alimentar tropas pois sabia que na Mata de Simão Dias, termo
próximo a Lagarto, o comandante da vila mandara reunir ali “200 homens em armas”, para
rebater os 150 soldados que seriam enviados para combater a facção que se opunha ao
governo de D. Pedro.129
Essa organização e planejamento militar nos leva a tentar esmiuçar, pela indicação da
proposta do capitão em agir em “defesa do nosso amado príncipe regente”, as condições e os
elementos que deflagram, em Sergipe e região próxima, o processo de construção e adesão ao
projeto de independência e constituição de uma nação brasileira liderado por D. Pedro. Além
disso, o destaque a episódios dessa natureza abre caminho para o conhecimento a respeito das
formas de mobilização de outras regiões em torno desse projeto e sugere a indicação
significativa de que coube aos grupos locais um espaço de expressiva atuação no movimento
de adesão e efetivação da Independência.

129 Correspondência do capitão de ordenanças Francisco de Carvalho para o comandante Joaquim Pires de
Carvalho e Albuquerque. AMARAL, Braz do. História da Independência na Bahia. Salvador: Livraria
Progresso Editora, 1957, p.260, nota 2.
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Essa reflexão parece necessária para a discussão acerca das atitudes dos agentes locais
nessa etapa da dinâmica política, uma vez que a presença e ação de Labatut em Sergipe são
apontados pela historiografia local como fundamentais para a submissão das forças
oposicionistas à Independência, embaraçando a possibilidade de se verificar as motivações
próprias na localidade e sua atuação para consolidar esse projeto. Algumas interpretações,
entretanto, relativizam sua participação, a exemplo de Maria Thétis Nunes. 130
Muito dessa impressão sobre o papel decisivo de Labatut para a sujeição de facções
contrárias a Independência em Sergipe, acredita-se, encontra respaldo na presença de opiniões
com esse teor presentes nas fontes documentais em que os agentes do processo histórico
avaliaram as questões dessa forma. Como se observa na explicação dada sobre a situação de
confronto que naquele momento “dividia a província entre os que anelavam pelo sucesso da
causa de Portugal e os que se expunham pela do Brasil. É fácil ver o que aconteceria entre
povos estranhos em política, intolerantes e extremamente ciosos [...] durou isto até que
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transitou o general Labatut”.
De fato, pode-se reconhecer que a chegada de Labatut à região favoreceu o grupo pró
D. Pedro desde que essa atribuição seja enquadrada na perspectiva de que sua presença foi o
fator que criou as condições para a desmobilização política de forças militares chefiadas por
importantes líderes políticos. Deve-se igualmente atentar que a vitória da ideia da construção
do país indepedente chefiado por D. Pedro foi o resultado de atitudes e alinhamentos
enraizados em outros estímulos e condicionantes, relacionados aos desdobramentos do
processo político na localidade. Além disso, enquanto discurso dirigido ao governo imperial,
a valorização do desempenho de Labatut, expressa por exemplo nessa documentação,
funcionava para criar um vínculo de reconhecimento a uma importante figura de estima do
Imperador.
As tropas de Labatut desembarcaram em Maceió, na capitania de Alagoas, alcançaram
o Rio São Francisco, estacionando em Penedo. Numa primeira tentativa de atravessar este rio
para chegar a Sergipe, foram impedidos por soldados posicionados nessa província e que
apoiavam o General Madeira.

130 Ver NUNES, Maria Thétis. A passagem do general Labatut pela província de Sergipe. Sua importância nas
lutas da Independência da Bahia. Anais da reunião da SBPH. Curitiba: 1995, p.252.

131 Documentos Inéditos. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, n.23, v.23, 1959,
p.123.
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Quando o general decidiu forçar a passagem, o capitão-mor Bento de Mello,


comandante do terço estacionado na margem sul do rio São Francisco, que “deveria estorvar a
passagem”, não resistiu e os soldados de Sergipe abandonaram seus postos e “uns outros
tantos desertaram, mudando para o Exército de Labatut, aclamando D. Pedro Imperador”.
Deram livre passagem às tropas que entraram a província e iniciaram a marcha em direção a
Salvador, ao mesmo tempo em que promoveram as adesões das vilas, pelo caminho. 132
Porém, ressalte-se que um importante ato de Aclamação a D. Pedro em Sergipe não foi
133
obra do Exército Pacificador. Realizada em 24 de setembro na vila de Campos do Rio Real,
teve por líder o proprietário João Dantas Reis Portátil e suas tropas.134 Atuou no movimento
autonomista iniciado em Cachoeira, local onde era membro da Junta governativa e incorporou
a vila Itapicuru às lutas pela Independência. Com seus dois filhos, Inácio e João, organizou
2.000 homens que agiram de acordo com as orientações recebidas do Conselho e do
comandante Pedro Labatut. Assim, partiu para Sergipe, extinguindo as resistências e
oposições à causa do Brasil e “fazendo os patriotas” sergipanos e participando das aclamações
nas vilas de Campos, Lagarto, Santa Luzia e seu termo, Estância.135

132 Carta de José Barros Pimentel para o Coronel Joaquim Pires de Carvalho. In: AMARAL, Braz do. História
da Independência na Bahia. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957, p. 258; SOUZA, Antonio Moniz de.
Breve notícia sobre a revolução do Brasil... Viagens e observações de um Brasileiro. 3.ed. Salvador: Instituto
Histórico e Geográfico da Bahia, 2000 [1834], p.194-195.

133 Como ficaram conhecidas as tropas que combateram as forças portuguesas estacionadas em Salvador.

134 O capitão João Dantas Reis Portátil, nasceu em Itapicuru em 1773. Promovido a sargento-mor em 1807 e a
capitão-mor em 1814, obtendo licenças para uso de armas para si e seus pajens depois de ter sido maltratado
com tiros de espingarda por populares quando cobrava dízimos reais pelos sertões baianos. GUARANÁ,
Armindo. Diccionário Biobibliográfico sergipano. Aracaju: Governo de Sergipe, 1925.

135 João Dantas Reis Portátil foi eleito deputado do Conselho interino Provisório do governo da província da
Bahia e pela sua participação no movimento emancipatório recebeu posteriormente a condecoração oficial da
Ordem Imperial do Cruzeiro. Da sua atuação e envolvimento com o processo político em Sergipe, uma vez que
fartas referências sobre sua amizade com Joaquim Martins Fontes, também resultou o casamento do seu filho
João Dantas dos Reis Portátil Junior com Mariana Francisca da Silveira, filha de capitão-mor de Estância João
Martins Fontes, que participou ativamente nas questões e disputas pelo governo da província após a
Independência. Na união entre estas duas famílias, encontra-se a origem do importante político baiano do
Império, Cícero Dantas Martins, Barão de Jeremoabo. Em Sergipe, o irmão de Mariana Francisca da Silveira
Dantas, Joaquim Martins Fontes ocupará papel de destaque na dinâmica política da Regência e do Segundo
Reinado, sendo eleito deputado provincial e um dos políticos mais influentes da província oitocentista. Essas
referências apontam caminhos para reconhecer, nos laços de casamento, importante elemento para dar coesão às
elites locais e regionais. Sobre a família Dantas na Bahia Ver: DANTAS, Maurício Tourinho. Descendência do
capitão-mor João Dantas dos Imperiais Itapicuru. Salvador: Etera, 2000. REIS, João Dantas Martins dos.
Descendência de João Martins Fontes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju,
v.XVII, n.22. p.220-221.
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Mapa 8
Movimento das tropas para a
adesão de Sergipe à Independência

Fonte: FRANÇA, V.; CRUZ, M. T. Atlas Escolar Sergipe, 2007, adaptado.

Legenda:
Tropas do general Labatut(saídas de Penedo- Alagoas
Tropas do Capitão Mor João Dantas dos Reis (saídas
de Itapicuru - Bahia

Numa carta do general Labatut dirigida a João Dantas, encontramos a referência de


sua participação no processo de adesão da comarca, uma vez que o general francês louvava
suas “distintas provas de patriotismo e a favor de sua alteza real na ocasião em que a
província de Sergipe dividida em partidos revolucionários se opunha a Aclamação de vossa
alteza e a entrada das tropas do Exército Pacificador do meu comando”, em que o capitão

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