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George Orwell: conheça o clássico livro ‘1984’

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Estudo

1984 denunciou as mazelas do totalitarismo e tornou-se um dos mais


influentes romances do século 20
Por Álvaro Oppermann 

“Era um dia frio e luminoso de abril, e os relógios davam 13 horas.” Assim começa um dos romances
mais citados do século 20. A frase omite o ano da ação, mas isso seria redundante, pois ele dá nome à
obra: 1984. Só a menção ao título desencadeia uma avalanche de associações mentais: comunismo,
polícia política, nazifascimo, tortura… O livro ganhou fama por tratar de forma ficcional de uma das
grandes mazelas contemporâneas, o totalitarismo.

Escrito pelo jornalista, ensaísta e romancista britânico George Orwell e publicado em 1949, o texto
nasceu destinado à polêmica. Foi traduzido em 65 países, virou minissérie, filmes, inspirou
quadrinhos, mangás e até uma ópera. Mas – ah!, estava demorando – ganhou renovados holofotes em
1999, quando a produtora holandesa Endemol batizou seu reality show (formato que chegou à TV nos
anos 1970), de Big Brother, o mais sinistro personagem, ou melhor, entidade do livro.
Big Brother no filme 1984, inspirado no livro de George Orwell YouTube/Reprodução

O pai da ideia, John de Mol, nega de pés juntos a inspiração, mas há outras associações possíveis
além do nome do programa. A origem do título 1984 é controversa. Orwell supostamente queria “O
Último Homem da Europa”, mas seu editor Frederick Warburg insistiu que trocasse por algo mais
comercial. O texto foi concluído em 1948 e o nome traz os dois dígitos finais invertidos. Era uma forma
de dizer que a distopia descrita não era uma ameaça distante.

Enredo

A história tem Londres como cenário (na fictícia Oceânia). Tudo gira em torno do Grande Irmão.
“Quarenta e cinco anos, de bigodão preto e feições rudemente agradáveis”, o Big Brother é o líder
máximo. Assumiu o poder depois de uma guerra de escala global (análoga à Segunda Guerra, porém
com mais explosões atômicas), que eliminou as nações e criou três grandes estados transcontinentais
totalitários. A Oceânia reúne a ex-Inglaterra, as ex-Américas, ex-Austrália e Nova Zelândia e parte da
África. É um mundo sombrio e opressivo.

Cartazes espalhados pelas ruas mostram a figura bisonha da autoridade suprema e o slogan: “O
Grande Irmão está de olho em você”. E está mesmo, literalmente, graças às “teletelas”. Espalhadas nos
lugares públicos e nos recantos mais íntimos dos lares, elas são uma espécie de televisor capaz de
monitorar, gravar e espionar a população, como um espelho duplo. A intimidade era tão devassada ali
quanto na casa do Projac que sediou a última edição do Big Brother Brasil.

O protagonista é Winston Smith. Funcionário do Departamento de Documentação do Ministério da


Verdade, um dos quatro ministérios que governam Oceânia, sua função é falsificar registros históricos,
a fim de moldar o passado à luz dos interesses do presente tirânico (prática, aliás, comum na União
Soviética).

A opressão era física e mental. A Polícia das Ideias atuava como uma ferrenha patrulha do
pensamento. Relações amorosas estavam entre as muitas proibições. Nesse cenário de submissão onde
não há mais leis, mas sim inúmeras regras determinadas pelo Partido, ninguém nunca viu o Grande
Irmão em pessoa. Uma sacada genial do autor: o tirano mais amedrontador é também aquele mais
abstrato.

Winston detesta o sistema, porém evita desafiá-lo além das páginas de seu diário. Isso muda quando
se apaixona por Júlia, funcionária do Departamento de Ficção. O sentimento transgressor o faz
acreditar que uma rebelião é possível. Mas combater o regime não é nada fácil. Enredada numa trama
política, a “reeducação” dos amantes será brutal.

Raros escritores tiveram o privilégio de virar adjetivo. George Orwell (um pseudônimo) foi um deles.
Seu nome de batismo na Igreja Anglicana é Eric Arthur Blair. Se Marcel Proust deu origem a
“proustiano”, por causa das ricas descrições memorialistas, o termo “orwelliano” virou sinônimo dos
vívidos e sinistros porões do totalitarismo. Não que, como romancista, ele seja comparável a James
Joyce, Franz Kafka ou Proust. Os críticos costumam ser mais positivos sobre seus ensaios. Ainda assim
não são unânimes. O grande legado de Orwell é mesmo sua lucidez política.

Nascido na Índia, em 1903, filho de um funcionário colonial inglês, ele nunca levou vida fácil. Cursou
uma escola da elite (Eton). Em vez de seguir o caminho seguro (matricular-se numa universidade
chique como Oxford), entrou para a Polícia Imperial da Índia. Lá conheceu de perto a truculência do
Império Britânico no esforço de controlar os nativos. Orwell tinha tudo para ser promovido, mas,
escandalizado, largou a farda e foi levar uma vida boêmia em Paris e Londres. Nessa época, beirou a
mendicância. Em 1936, viajou para a Espanha para lutar contra o franquismo, na Guerra Civil. Foi
ferido no pescoço e dali em diante só conseguiria falar em tom baixo. Dizia ser um socialista
democrático. Já um amigo, o escritor Malcolm Muggeridge, o definiu como “um sujeito que é fácil de a
gente amar, mas difícil de ter por perto”. Uma de suas marcas pessoais era um rígido senso de justiça e
de busca da verdade. Alguns o admiravam por isso. Outros o viam como um grande chato. O certo é
que essa característica o ajudou a se desencantar das utopias políticas, inclusive a soviética,
impiedosamente atacada também em A Revolução dos Bichos (1945). “A aceitação de qualquer
disciplina política parece ser incompatível com a integridade literária”, afirmou, inconformado com a
subserviência dos intelectuais aos regimes de direita ou de esquerda.

Poucos descreveram tão bem a tortura política. Nas páginas de 1984, O’Brien, um figurão do Partido,
usa um método especialmente cruel: o flagelo com ratos. “Eles saltarão sobre seu rosto e começarão a
devorá-lo. Às vezes atacam primeiro os olhos. Às vezes abrem caminho pelas bochechas e devoram a
língua”, diz a Winston.

Dedo-duro

Num episódio controverso (e não comprovado), Orwell entregou ao serviço secreto britânico, em 1949,
uma lista de 130 simpatizantes do comunismo, entre eles J.B. Priestley e Charles Chaplin. O autor foi
procurado quando estava hospitalizado, tratando-se de uma tuberculose. Ele morreu no ano seguinte.

A obra do escritor é profética também sobre a questão da quebra de privacidade. O avanço tecnológico
permite um amplo monitoramento (dos satélites às microcâmeras). Em Nova York, a ONG New York
Civil Liberties Union protesta hoje contra a existência de 40,76 câmeras instaladas por quilômetro
quadrado em Manhattan. Uma coisa, porém, Orwell não pôde antever: o gosto atual pelo
exibicionismo/voyeurismo (o que vale tanto para a moçada do Big Brother quanto para certos usuários
do Youtube, Facebook e afins).

“As pessoas agora detestam acima de tudo o anonimato. Explorar o privado virou uma forma de
participação pública”, diz a especialista em comunicação Cosette Castro, da Universidade Pública de
Barcelona. “Na obra de Orwell, é o governo que observa tudo através de câmeras – ele fala de
autoritarismo e não de voyeurismo, como é nosso caso”, disse John de Mol, criador do Big Brother,
numa entrevista à revista VEJA. Mas Orwell faz questão de frisar que existe um nexo indissolúvel
entre voyeurismo e totalitarismo. No livro, é evidente o prazer de O’Brien em imiscuir-se na vida dos
outros. Em As Sombras do Amanhã, de 1945, o historiador Johann Huizinga demonstrou que uma das
chaves para o sucesso dos regimes autoritários é estimular a bisbilhotice alheia. Todo mundo gosta de
um pouco de fofoca e muitos ditadores já usaram isso a seu favor, para coletar informações sobre os
cidadãos.

“Temos curiosidade de saber como o outro dorme, come, toma banho. O Big Brother propicia uma
resposta a esse anseio”, diz Cosette. O fenômeno do reality show, que talvez tivesse escandalizado o
escritor, é mundial. No Brasil, faz sucesso há dez anos. “O reality show é um laboratório do qual a
audiência também faz parte”, afirma Cosette Castro, referindo-se ao poder dos telespectadores de
decidir o destino dos participantes dos programas. O Big Brother da ficção foi superado pelo Grande
Irmão da realidade.

Teletelas

“Viveremos uma era em que a liberdade de pensamento será de início um pecado mortal e mais tarde
uma abstração sem sentido”, disse Orwell. As teletelas do livro são ferramentas de controle. Estão em
todo canto. Transmitem mensagens e monitoram ao mesmo tempo.
Novafala

No mundo de 1984, a língua ganha novos termos, e palavras antigas, novas acepções. A semântica é
distorcida para criar um estado de torpor e confusão. Isso está expresso no lema do Partido único:
“Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”.

Grande Irmão

Ditador e líder do Partido. É dever da população amá-lo, embora nunca tenha sido visto em pessoa.
Foi inspirado em Josef Stalin e representa o perigo do totalitarismo, junto com a teletela. Nas ruas,
cartazes mostram seu rosto e dizem “O Grande Irmão está de olho em você”.

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