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Parte Geral ­ Doutrina

Embargos de Declaração e Seus Efeitos

LUIZ ARTUR DE PAIVA CORRÊA
Professor do Curso de Direito da Universidade de Uberaba­MG
Advogado.
 

SUMÁRIO:1.  Introdução;2.  Considerações  sobre  o  recurso  de  embargos


declaratórios;3. Sentenças passíveis de sofrerem embargos;4. Os efeitos inerentes
aos  embargos  declaratórios,  contidos  no  CPC  vigente;5.  O  efeito  modificativo
(inovativo)  da  sentença  via  embargos  declaratórios;6.  Prazo  e  efeito  interruptivo
dos embargos declaratórios;7. Objetivo primordial do processo;Bibliografia.

1. Introdução
Apesar de os embargos declaratórios encontrarem­se arrolados expressamente entre os recursos pelo
antigo Código de 1939, em seu art. 808, V, bem como por leis anteriores, e, atualmente disciplinado no
CPC vigente, em seu art. 535, I e II, com a alteração dada pela Lei nº 8.950/94, o certo é que a sua
natureza recursal é questionada por alguns processualistas, que lhes negam o caráter de recurso. Por tal
razão não tem merecido atenção especial da doutrina que, de modo geral, limita­se a reproduzir antigas
lições oriundas do direito português.

2. Considerações sobre o recurso de embargos declaratórios
Os embargos declaratórios são suscitados sempre que a sentença, ou o acórdão, encontrar­se com
obscuridade ou contradição (CPC, art. 535, I), ou ainda quando for omitido ponto sobre o qual devia
pronunciar­se o juiz ou tribunal (CPC, art. 535, II). Não se tem aceito a interposição do recurso
estudado para o efeito de se modificar ou inovar a sentença embargada, sob o argumento de que o
mesmo não possui o juízo de retratação, encontrado no agravo de instrumento, e atualmente no recurso
de apelação (CPC, art. 296).
Contudo, modestamente, procuraremos demonstrar que tal regra, formulada em termos quase
absolutos na doutrina, hoje está totalmente vesga diante da posição adotada pelo legislador processual
civil e, que se seguida a linha doutrinária já superada, e cegar­­se diante do texto legal, poderá traduzir­
se, na prática, em graves distorções e injustiças.
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Quando procuramos a motivação da superada doutrina, nos deparamos de imediato com a
incompatibilidade dos textos da legislação anterior atual, no Direito Positivo Brasileiro. Primeiramente
as Ordenações Afonsinas, que inadmitiam o Juízo de retratação: "Depois que o julguador der humma
Sentença definitiva em alguum Feito, nam há mais poder de há revoguar dando outra contraira; e se
revoguasse, e desse outra contraira depois, a outra segunda será nenhuuma por Direito." (L. III, 69,4).
Proibição também clara do Juízo de retratação decorria do preceito do art. 862, § 4º, do CPC, de 1939:
"Se os embargos forem providos, a nova decisão se limitará a corrigir obscuridade, omissão ou
contradição."
Tal regra, entretanto, não foi repetida no atual CPC e o legislador, muito a propósito de procurar sanar
injustiças, ao cuidar dos embargos declaratórios em primeiro grau, houve por bem em expressamente
admitir a possibilidade de alteração do julgado, conforme se conclui pela simples leitura de seu art.
463, II.

3. Sentenças passíveis de sofrerem embargos
Qualquer decisão judicial comporta embargos de declaração, tendo em vista que não podemos admitir
que decisões, mesmo que não sejam definitivas, e simplesmente interlocutórias, fiquem sem qualquer
remédio, mesmo eivada de obscuridade, contradição ou a omissão existente no pronunciamento,
podendo, inclusive, comprometer a possibilidade prática de cumpri­lo, como bem assevera o Prof.
BARBOSA MOREIRA.
E, conforme expõe o eminente Processualista acima citado: "Não tem a mínima relevância que se trate
de decisão de grau inferior ou superior, proferida em processo de cognição (de procedimento comum
ou especial), de execução ou cautelar. Tampouco importa que a decisão seja definitiva ou não, final ou
interlocutória." Assim sendo, entendemos que toda decisão/sentença, que tenha por finalidade
pronunciar­se sobre qualquer ato processual, seja final ou intermediário, comporta embargos
declaratórios.

4. Os efeitos inerentes aos embargos declaratórios, contidos no CPC
vigente
O Código de 1973, antes da edição da Lei nº 8.950/94, prendia­se à existência, para a interposição dos
embargos declaratórios, de obscuridade, dúvida, contradição ou omissão. Após a edição da Lei nº
8.950/94 foi suprimido o vocábulo "dúvida", que na verdade é uma conseqüência da obscuridade ou da
contradição que se observe no julgado, portanto totalmente inócua se apresentava.
A obscuridade pode se apresentar na fundamentação do acórdão (ou sentença) bem como no seu
decisum. Como bem ensina BARBOSA MOREIRA: "A falta de clareza é defeito capital em qualquer
decisão". Assim sendo, sempre que faltar clareza na exposição das razões de decidir, a ponto de uma
pessoa capaz e esclarecida, mas estranha ao mundo jurídico, não conseguir compreender o decisum,
caberá os embargos declaratórios. O ideal, que consistiria em poder qualquer pessoa comum
compreender o texto de sentenças e acórdãos, parece difícil de atingir, sobretudo em país, como o
nosso, de modesto nível cultural. Pois, referidas pessoas. por mais simples que sejam, mesmo que não
tenham conhecimentos jurídicos, capazes de compreenderem a fundamentação de uma sentença ou
acórdão, o têm para compreenderem a motivação inserida nos mesmos. O próprio Professor citado
alerta: "Em qualquer caso, a simplicidade ­ que não exclui a elegância ­ será preferível ao
rebuscamento pedante".
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A omissão ocorre quando o Juiz ou Tribunal deixa de apreciar questões relevantes suscitadas pelas
partes, ou que poderiam ser conhecidas de ofício. É bom lembrar que a falta de interposição dos
embargos declaratórios em tempo oportuno, quando ocorrer omissão, irá acarretar a preclusão da
matéria argüida e não apreciada e decidida, sendo vedado ao Tribunal conhecer da mesma, caso não
seja aquelas a serem conhecidas de ofício, pois em relação a estas não ocorre o instituto da preclusão
(CPC, art. 267, § 3º).
Em relação à contradição a mesma se verifica quando ocorrer, no mesmo processo, e através da
mesma sentença, pronunciamentos e decisões entre si inconciliáveis.
Quanto aos embargos declaratórios serem suscitados em razão de se verificar obscuridade, omissão ou
contradição, não há qualquer divergência entre os nossos doutrinadores e posicionamentos
jurisprudenciais.

5. O efeito modificativo (inovativo) da sentença via embargos
declaratórios
Para eliminar contradição entre o fundamento e o decisum da sentença, não pode o Magistrado, a toda
evidência, deixar de alterar a decisão, sob pena de persistir o conflito entre asserções constantes da
mesma.
Hoje ainda persiste uma relutância em se aceitar a modificação ou inovação da decisão através de
embargos declaratórios. Tal relutância não se verifica em relação ao "erro material", pois o
entendimento, quase que unânime, inclusive no STF, é no sentido de que "a contradição que vicia a
inteireza lógica do julgado constitui verdadeiro erro material, suscetível de modificação pela via de
embargos declaratórios" (RE 69.765, Rel. Min. Barros Monteiro, Ac. de 03.11.1972, RTJ 63/424).
O entendimento dos nossos Tribunais é no sentido de considerar o erro material como uma forma de
grave contradição cometida pelo julgador, e, que, abstraído o equívoco, fatalmente o resultado do
julgamento seria diverso.
A jurisprudência do TJMG há tempo reconhece a possibilidade de se modificar a sentença, via
embargos declaratórios, quando ocorrer erro material (Ap. 69.204, Rel. Des. Paulo Gonçalves; Ap.
69.886, Rel. Des. Humberto Theodoro).
Hodiernamente tem se admitido, também, o conhecimento dos embargos declaratórios, inclusive com
efeito modificativo, mesmo que não seja em caso de erro material, podendo, inclusive, ser na
apreciação das provas constantes nos autos do processo, quando ocorrer erro manifesto, a ponto de o
resultado da decisão ser outro, e não aquele constante na sentença, ou acórdão, que sofre os embargos.
O STJ tem abraçado idêntico entendimento, ou seja, tem admitido o uso de embargos declaratórios
"quando manifesto o equívoco", conforme nos informa o Prof. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR.
Em julgado constante na RT 565/173, encontramos decisão do TJRJ reportando­se ao STF e nos
informando que o mesmo tem "assentado que, por motivo de erro material ou de fato em julgamento
seu, é lícito, acolhendo­se embargos declaratórios, corrigir­se o julgado, sanando­se o equívoco. ainda
que tal importe modificação da decisão embargada".
Leia­se o julgado do TJMG: "O julgado pode ser alterado ou modificado por via dos embargos de
declaração, quando a respectiva decisão constituir produto de manifesto equívoco na apreciação da
prova" (Rel. Des. Valle da Fonseca, in DJMG de 29.03.1983).
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O já citado Prof. BARBOSA MOREIRA possui o mesmo entendimento acima, ao escrever: "Na
prática judiciária é sensível a tendência a ampliar essa possibilidade, para ensejar a correção de
'equívocos manifestos' por meio dos embargos de declaração".
O Prof. ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, em estudo inserido na RT 595/17, esclarece:
"Na potencialidade própria dos embargos de declaração está contida a força de alterar a decisão
embargada, na medida em que isso seja necessário para atender a sua finalidade legal de esclarecer a
obscuridade, resolver a contradição ou suprir a omissão verificada naquela decisão. Qualquer restrição
que se oponha a essa força modificativa dos embargos de declaração nos estritos limites necessários à
consecução de sua finalidade específica, constituirá artificialismo injustificável, que produzirá a
mutilação do instituto".
E, como bem se colocou o ilustrado Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Uberaba/MG, Dr.
EVERARDO LEONEL HOSTALÁCIO, em julgamento de embargos declaratórios, oportunidade em
que tornou sem efeito a sentença embargada, por equívoco em Certidão, de sua Secretaria, de
existência de decurso de prazo: "Quando nos submetemos a um julgamento, temos como premissa que
se encontra inserida nas garantias constitucionais, de que as 'regras do jogo', são previamente
determinadas pelo sistema legislativo vigente, num contexto de legitimidade conferida pela escolha de
representantes, incumbidos da elaboração da lei, e de acatamento das decisões oriundas da esfera
jurisdicional, porque baseadas na interpretação e aplicação de tais normas aos casos concretos,
verificados em cada conflito de interesses não resolvido e submetido ao conhecimento e decisão dos
órgãos jurisdicionados".

6. Prazo e efeito interruptivo dos embargos declaratórios
Antes da edição da Lei nº 8.950/94, o prazo para a interposição dos embargos de declaração variava
conforme se tratasse de decisão de primeiro grau (48 horas) ou de acórdão (5 dias). A reforma
processual uniformizou a disciplina, no que se refere ao prazo para o oferecimento dos embargos,
passando para 5 (cinco) dias, independentemente da decisão (interlocutória ou definitiva) ou acórdão.
O início para a contagem do prazo, para o oferecimento dos embargos, é o dies a quo da intimação da
decisão embargada. Os embargos não se encontram sujeitos a preparo, bem como não é aberta vista
para a parte contrária se manifestar, como ocorre, atualmente, no Agravo Retido. No CPC, antes da
reforma (Lei nº 8.950/94), a interposição dos embargos suspendia, simplesmente, o prazo para se
interpor qualquer outro recurso. Após a edição da lei da reforma processual, o efeito do oferecimento
dos embargos de declaração passou a interromper os prazos para a interposição de outros recursos,
sendo que este prazo recomeça a fluir ab initio, sem que se leve em conta o tempo porventura já
decorrido antes do oferecimento dos embargos. Contudo, caso os embargos não tenham sido
conhecidos (v.g., intempestivos), não haverá interrupção do prazo para a interposição de outro recurso,
o qual terá a sua fluência a partir da data da publicação da decisão embargada intempestivamente.

7. Objetivo primordial do processo
Atualmente a ciência processual encontra­­se na fase de sua evolução que autorizada doutrina
(CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE) identifica
como instrumentalista, ou seja, a "conscientização de que a importância do processo está em seus
resultados".
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É assente na doutrina jurídica, tanto de Direito Constitucional, tanto de Direito Constitucional, quanto
da teoria geral do processo, que os princípios do devido processo legal (due process of law) e da
prestação jurisdicional, enfeixam um notável conjunto de garantias de ordem constitucional a
assegurar aos cidadãos o acesso às decisões do poder judiciário, dentro dos moldes adredemente
previstos no ordenamento jurídico.
Não devemos ficar apegados às normas ultrapassadas, que engessam o Direito Processual, que é a
norma pela qual se aplicará, realmente, o direito buscado pelas partes litigantes, e que se encontra no
direito material.
O Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, citado em nota por BEDAQUE, disse: "A
doutrina processual de ponte, nos últimos tempos, tem dirigido os seus estudos para aspectos mais
relevantes que o simples conhecimento do processo como técnica de produção de atos e de
julgamento".
E sempre que houver uma norma que impeça a prestação jurisdicional, em sua plenitude. a mesma
deverá ser rechaçada pelo Magistrado, condutor do feito, e que possui o "Poder Divino" de decidir e
determinar os atos necessários e indispensáveis, bem como rever as suas decisões, quando as mesmas
encontrarem­se em desconformidade com as provas dos autos ou legislação vigente, mesmo que tenha
ocorrido simplesmente equívoco na apreciação das provas produzidas, e, não o indiscutível erro
material. Não procuramos abandonar a técnica processual em sua totalidade, mas simplesmente
harmonizá­la com o seu escopo, objetivo primordial, que é a aplicação da Justiça, da forma mais
simples e célere.

Bibliografia
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo ­ Influência do Direito Material sobre o
Processo. 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 1995.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Revista dos Tribunais nº 595/17.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 3ª ed., São Paulo: Malheiros,
1993.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª ed. Forense, 1998.
THEODORO JR., Humberto. Recursos ­ Direito Processual ao Vivo. 1ª ed., Rio de Janeiro. Aide
Editora, 1991.

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