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RESENHA

GROPPO, Luis Antônio. Autogestão,


Universidade e Movimento Estudantil.
Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
Pablo Mateus dos Histórico e implicações do modelo de autogestão primazia. Ainda tratando das contribuições das cor-
Santos Jacinto dentro do movimento estudantil rentes que iniciaram as discussões acerca da auto-
Graduando em gestão, além da já citada corrente anarquista, o autor
Psicologia pela Luis Antônio Groppo é bacharel em ciências relata que o socialismo preconizado por correntes
Universidade do Estado sociais, com doutorado na mesma área. No seu marxistas forneceu ideal de classe e coletividade que
da Bahia – UNEB. percurso de pesquisador, é possível perceber o seu foram mobilizadoras para os movimentos sociais que
aprofundamento nas questões que envolvem a adotaram a autogestão como método e/ou objetivo.
Contato: educação sócio-comunitária. Seguindo esta proposta Ainda neste capítulo, um exemplo é citado para
pablo.mateus@ investigativa, o autor produz o livro intitulado ilustrar a aplicação prática da autogestão no con-
hotmail.com Autogestão, Universidade e Movimento Estudantil. texto socialista: o caso da Iugoslávia. Neste caso, o
Nesta obra, são trabalhadas diversas temáticas governo liderado por Tito buscou reorganizar o mo-
que englobam o processo educativo no âmbito da delo de produção da nação, incentivando a criação de
autogestão, dentre elas: juventude, movimentos cooperativas de trabalhadores que funcionariam de
sociais, modelos administrativos e história dos modo relativamente autônomo, obedecendo às dire-
modelos universitários. trizes propostas pelo Estado, que permanecia cen-
O livro revela um conteúdo investigativo, na me- tralizado. A grande burocratização vista nesta situa-
dida em que o autor levanta dados históricos e rea- ção é apontada como principal razão pelo fracasso da
liza análises de cunho sociológico. Entretanto, no Iugoslávia cooperativista.
decorrer da leitura, percebe-se que, para além do re- Ao longo do capítulo, o autor passeia por outros
gistro dos fatos e da explanação acerca das organiza- conceitos que aparecem com frequência no decorrer
ções políticas que envolveram as lutas estudantis em do livro: cooperativismo, controle operário, associa-
busca de um modelo educativo mais autônomo, há ção, mercado, contrato e cogestão estão entre os
um claro objetivo prospectivo, através do qual o au- principais.
tor visa idealizar um modelo educacional mais liber- No segundo capítulo, Universidade e Movimento
tador, e incita o leitor a refletir acerca deste modelo. Estudantil, o autor faz uma retrospectiva da história
Seguindo uma lógica didática, o livro é organizado das universidades e dos modelos que elas aplicaram,
em quatro capítulos e conclusão, a saber: Capítulo 1: ao longo do tempo. Fica claro, no capítulo, que a uni-
Autogestão; Capítulo 2: Universidade e Movimento versidade sempre se coloca como reflexo da realida-
Estudantil; Capítulo 3: Movimento Estudantil e Auto- de política vigente, e define suas metas e práticas a
gestão; Capítulo 4: Autogestão e Neoliberalismo. partir desta realidade. Nos períodos de guerra, por
O primeiro capítulo do livro é intitulado Autoges- exemplo, a universidade se volta para a técnica e para
tão. Nele, o autor esboça questões conceituais que o produtivismo, e isso incomoda a categoria estudan-
serão mais aprofundadas nos capítulos seguintes. til crítica.
Uma delas é a diferenciação do que significa autoges- O capítulo aborda em primazia o que ficou conhe-
tão para o neoliberalismo, diferenciando o significado cido como “Maio de 68” – período que sustentou o
do termo para as correntes anarquistas. Segundo o ápice das movimentações estudantis pelo mundo,
autor, o neoliberalismo deturpa o conceito original em especial, nos Estados Unidos e Europa. Os estu-
de autogestão, fornecendo a ele uma lógica merca- dantes passam a contestar o real papel da universi-
dológica que nada tem a ver com a fundamentação dade, pondo em pauta a sua função perante a socie-
original, que traz a autonomia da coletividade como
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dade (que deveria ir além do simples fornecimento certas características do funcionamento das coope-
de força de trabalho). Contestam também o modelo rativas em busca de objetivos próprios (acumulação
hierarquizado de gestão universitária (é neste ponto e produtivismo).
que é cobrada uma participação da categoria discen- Neste capítulo, fica clara a postura do autor
te na tomada de decisão). Neste movimento, foram acerca das práticas capitalistas e sobre como este
postas em debate algumas dicotomias sustentadas sistema enfraqueceu os movimentos de classe, com
pelo padrão universitário, como: “alta cultura x cultu- práticas muitas vezes sorrateiras. Como exemplo, po-
ra popular” e “formação para educação x formação demos considerar a postura de algumas empresas
para o trabalho”. Vale destacar que toda essa discus- em delegar certo poder de fiscalização e decisão a al-
são não se restringiu à categoria estudantil, pois se guns funcionários, o que faz lembrar o sistema de co-
estende ao operariado, que compartilha dos ideais de gestão, devido à participação efetiva do trabalhador
autogestão e revela descontentamento em relação nos processos de trabalho. Entretanto, é ressaltado
às empresas. no livro que esta prática não reflete o que se prega
Aprofundando-se na temática estudantil, o capí- nas correntes socialistas e anarquistas acerca da au-
tulo 3, Movimento Estudantil e Autogestão, aborda tonomia do operário, pois o coloca em uma posição
os ideais vividos por aqueles que encabeçaram as que reafirma, por exemplo, a hierarquização.
revoltas nos anos 60. Além do anarquismo – e dentre Buscando elucidar a flexão do termo “autoges-
os seus temas, a autogestão – os estudantes tam- tão” pelo capitalismo, o autor organiza a explicação
bém se mostravam partidários de propostas socia- da seguinte maneira: nas correntes socialistas e
listas, sempre levando em consideração o fim das de- anarquistas, “autogestão” assume um sentido liber-
sigualdades de poder nos ambientes universitários. tário. É vida pessoal - e coletiva - conduzindo a ges-
Dentre os exemplos expostos, o autor cita um tão social. No neoliberalismo, ocorre uma inversão.
caso emblemático e decisivo para a tomada de força O meio social é ofuscado pelo mercado, e a gestão
dos estudantes, na luta pela emancipação. Na univer- pessoal – autogestão - é conduzida em função deste
sidade de Berkeley, a administração central passou meio.
a proibir que ocorressem, na instituição, discussões Em se tratando do paradigma capitalista há
acerca do comunismo e de “temas controversos”. como exemplo o modelo toyotista de gestão, que
Este ato desagradou a categoria discente, que se via prevê uma organização de trabalhadores exercendo
lesada pela proibição. Logo passaram a ocorrer pro- suas funções em células de produção. Estas células
testos frequentes que tiveram adesão de estudantes funcionam de modo relativamente autogerido, e os
e não estudantes. A universidade revidou com sus- trabalhadores são responsáveis pela tomada de deci-
pensões e com a convocação da força policial. A partir sões internas e execução de tarefas, porém permane-
dos acontecimentos, os estudantes organizaram-se cem submissos a uma chefia maior. Entretanto, nes-
e criaram o Movimento pela Livre Expressão (Free te modelo há claramente a submissão do trabalho ao
Speech Movement), que ganhou importância históri- mercado, já que as empresas adotam esta forma de
ca por propagar as bandeiras de reforma universitá- organização visando alcançar aumento da produção
ria, ética e autonomia estudantil. e, consequentemente, mais-valia. Para tanto, os tra-
Os movimentos ganharam força e, gradualmen- balhadores se veem incumbidos a gerar resultados,
te, os estudantes foram ganhando poder de decisão impulsionados por estratégias motivacionais como
nas universidades, mas, na maioria dos casos, não na a necessidade apresentar sempre melhores resulta-
forma de organização autogerida, e sim em espaços dos – que são facilmente associáveis a cada célula –
cogeridos formados paritariamente pelos segmen- e o estímulo à competitividade entre as células.
tos universitários. É importante ressaltar que este Já no modelo socialista e anarquista de autoges-
não era o objetivo principal de grande parte dos es- tão, a acumulação de bens não existe como foco. O
tudantes, que via o modelo de cogestão como um objetivo é libertário e a não existência de claras hie-
apaziguador dos debates discentes e que não con- rarquias que reafirmam as distinções entre patrões e
templavam a democracia buscada a priori. empregados nos ambientes produtivos e de tomada
O quarto capítulo – Autogestão e Neoliberalis- de decisão sugere uma ausência de exploração de
mo – aborda, de forma crítica, como o Estado neo- classe.
liberal se apropriou e alterou o conceito dos ideais No capítulo de conclusão, há uma retomada do
de autogestão expressos pelo operariado. Desde as processo histórico envolvendo as universidades, o
primeiras experiências cooperativistas, a classe tra- movimento estudantil e a autogestão, bem como
balhadora baseava-se nas necessidades comunitá- dos demais espaços nas quais esta temática foi tra-
rias. Mais tarde, o sistema capitalista se apropria de balhada. São citados pontos que foram tratados nos 194
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movimentos da década de 60 do século XX e que são que diz respeito à revolução pedagógica visada pelos
vistos hoje nos processos pedagógicos universitá- defensores desse modelo gestor. Como exemplo: o
rios. O autor também reafirma seu posicionamento modelo de cooperativas da Iugoslávia; as instituições
favorável à educação baseada na autogestão e jus- francesas que adotaram modelos com comissões
tifica que essa forma de organização não é utópica, paritárias, compostas por alunos e professores,
sendo possível e frutífera, quando bem pensada e efe- tendendo mais à cogestão que à autogestão; e
tuada. Entretanto, põe as concepções do socialismo as universidades americanas que adotaram o
heterodoxo como contraponto a esta ideia ampliada modelo de “universidades livres”, afastando-se
de autogestão. Dentro desta corrente socialista, só a exponencialmente dos debates socioeconômicos e
classe operária pode exercer um papel protagonista adentrando no campo hippie da contracultura.
em um processo revolucionário, o que enfraquece a Apesar de o título da obra sugerir o enfoque na
proposta do “poder estudantil” enquanto força mo- temática da educação, vários temas paralelos são
triz para uma revolução estrutural. trabalhados no decorrer do texto. Neste processo, há
Por esboçar um conteúdo histórico, e em função o esforço em se mostrar a associação dialética que
da extensa pesquisa realizada para a composição do existe entre, por exemplo, a classe operária, os mode-
livro, o autor se preocupa em trazer diversos exem- los econômicos e a categoria estudantil. Assim, ape-
plos no decorrer do texto. Os exemplos não são uni- sar da amplitude de temáticas esboçadas ser maior
laterais e assumem importante função de localização do que o título revela, o exposto não deixa de fazer
histórica e espacial dos fatos relatados. sentido ao leitor.
É importante notar que, apesar de o autor Atento à proposta do resgate histórico e da dis-
defender a bandeira da autogestão, ele não deixa de cussão sociológica sobre os vários espaços e movi-
trazer situações nas quais este ideal foi aplicado de mentos que adotaram a autogestão como postura
maneira pouco crítica ou submissa a estruturas que teórica e/ou prática, englobando aí os grupos estu-
refreavam o processo gerando ações fracassadas no dantis mais ou menos organizados, a universidade, as

Nancy Mora

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empresas e os sindicatos, pode-se considerar que o temática (em especial, em tempos como hoje, em que
autor foi exitoso em suas colocações. há mais espaços de crítica e reconstrução dos mode-
O livro traz um conteúdo que – apesar de delimi- los pedagógicos), esta leitura pode ser considerada
tado – permite o surgimento de críticas e reflexões essencial tanto para professores acadêmicos, quan-
acerca dos acontecimentos históricos, bem como to para estudantes, participantes ou não de movi-
associações com a realidade recente. Ainda que sutil- mentos sociais. Apesar da democratização que ocor-
mente, o autor propõe que o leitor observe o contex- reu nas universidades, como relatada na obra, ainda
to universitário atual e compreenda os aspectos que é difícil aplicar novas propostas educativas, principal-
foram fruto das mobilizações que ganharam força mente porque algumas ideias são pouco debatidas.
na década de 60 do século XX e estimularam outros Expandir o conhecimento acerca da autogestão e
grupos políticos desde então. dos ideais de autonomia que ela propõe acaba sendo
Considerando todas as discussões teóricas e enriquecedor para todos os envolvidos no processo
práticas trazidas no livro, bem como a relevância da educativo (de dentro e de fora da universidade).

Recebida em 07/01/2016
Aprovada em 27/03/2016

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