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GOVERNO BOLSONARO TRIBUNA i

Na ‘República das bananas’, o porte de armas é


abacaxi
Os recém-editados decretos presidenciais permitem que cidadão circule
portando uma arma desde que declare ir a um local de treinamento ou
manutenção —qualquer local, sem vínculo obrigatório com associação ou
clube

Manifestante pró-armas durante protesto em Brasília, em 9 de julho passado. ADRIANO MACHADO / REUTERS
CAROLINA RICARDO | BEATRIZ GRAEFF

18 FEV 2021 - 16:17

Jair Bolsonaro foi eleito com promessas de facilitar o acesso a armas de fogo
para a população, tentando lastrear essas propostas em alguma relação com Decretos para
aumento de
a segurança pública. Um dos primeiros atos normativos de seu Governo venda de armas
mirou exatamente esse objetivo e desde então foram editadas mais de 30 elevam
normas sobre o assunto. No entanto, a suposta preocupação com a insegurança
com Bolsonaro e
segurança logo se desmascarou no discurso ideológico impulsionado pelo tema pode
presidente, traduzido nos bordões “povo armado jamais será escravizado” e chegar ao STF
“não é sobre armas, é sobre liberdade”, entre outros. Além de revelar um
deslumbramento quase infantil pelos movimentos pró-armas dos Estados A macabra e
psiquiátrica
Unidos, trata-se de uma tentativa de apropriação cultural que não encontra e paixão de
nunca encontrou eco na sociedade brasileira. Bolsonaro pela
pólvora, por J.
Arias
Pesquisa de opinião realizada pelo Ibope em março de 2019 mostrou que
73% dos brasileiros são contrários à flexibilização de porte para cidadãos Bolsonaro
comuns e 61% são contrários a mais facilidade para possuir arma em casa. legisla, o Brasil
atira e a compra
No mesmo sentido, pesquisa do Datafolha em julho de 2019 registra que 66%
de armas
dos brasileiros avaliam que a posse de armas deve ser proibida, e 70% triplica
rejeitam o projeto do presidente Bolsonaro de facilitar o porte de armas,
chegando a 78% de rejeição entre as mulheres.

Assim, atendendo ao interesse de um pequeno grupo de apoiadores, a atual política


armamentista abre caminho para a criação de um estoque impressionante de armas e
munições concentrado nas mãos de alguns grupos restritos e está alicerçada sobre premissas
contrárias às evidências. Vamos abordar um exemplo emblemático.

Na República das bananas, Jair Bolsonaro criou legalmente o “porte de arma abacaxi”. Esse é o
apelido pelo qual youtubers entusiastas do direito às armas têm se referido ao instituto criado
por decreto presidencial que possibilita que alguns grupos de pessoas autorizadas a possuir

armas exclusivamente para fins de prática de tiro desportivo, caça ou coleção possam circular
pelas ruas carregando consigo uma arma municiada
pelas ruas carregando consigo uma arma municiada.

Para obter o “porte de arma abacaxi” tornando-se, digamos, um atirador desportivo, o


interessado precisa preencher os requisitos para obtenção de registro junto ao Comando do
Exército, que incluem comprovações de idoneidade e atestados de capacidade técnica e
aptidão psicológica, assim como comprovar que é filiado a uma associação ou clube de tiro e
que treina pelo menos seis vezes por ano, de acordo com as novas normas. Por fim, basta ter
consigo, em todos seus deslocamentos armado, o certificado de registro de arma de fogo e a
guia de tráfego.

Cumpridas essas condições, os recém-editados decretos presidenciais assegurarão ao


cidadão a possibilidade de circular pelas ruas portando uma arma municiada sem ser
importunado por qualquer autoridade policial, desde que declare a intenção de se dirigir a um
local de treinamento, instrução, competição ou manutenção ou declare estar retornando do
local. Em tempo: trata-se de qualquer local de treinamento, instrução, competição ou
manutenção, sem vínculo obrigatório com a associação ou clube a que é filiado.

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Caso o cidadão sinta que não é capaz de realizar os trâmites exigidos, apesar de todos os
esforços do Governo federal para reduzir a discricionariedade e desburocratizar os processos
de registro e aquisição de armas de fogo, as associações e clubes de tiro estão preparadas
para apoiar os interessados, por meio de despachantes que poderão ser contratados para
garantir que o processo seja concluído sem dores de cabeça, no menor prazo possível. E não
será difícil achar um clube que te atenda em qualquer cidade em que você quiser andar
armado: entre 2019 e 2020 houve um crescimento de 890% no número de entidades de tiro
desportivo registradas pelo Exército Brasileiro.

Além de todos os questionamentos sobre a legalidade desse “porte abacaxi” que burla o
Congresso da motivação desse ato que contraria evidências científicas e do custo coletivo
Congresso, da motivação desse ato que contraria evidências científicas e do custo coletivo
desse pacote de benefícios entregue para um seleto grupo identificado como CACs
(Caçadores, Atiradores e Colecionadores), existe uma questão que permanece sem resposta.

Qual é a justificativa para liberar a aquisição de até 60 armas de fogo, sendo 30 de uso restrito
(inclusive fuzis), para atiradores desportivos, independentemente da sua profissionalização,
pois assim são classificados ao comprovar apenas que possuem recursos para pagar a filiação
a uma associação e que realizam seis treinos de tiro em um ano? Vejam bem: seis treinos em
um ano. Um treino a cada dois meses. Sessenta armas. Nenhum atirador desportivo sério
acredita que um atirador iniciante precisa acessar essa quantidade de armas. É um deboche da
sociedade brasileira.

É vergonhoso o destaque que o presidente dá a seu projeto armamentista em meio ao conjunto


de inações que caracterizam seu Governo. E é inaceitável a quantidade de tempo e energia
mobilizada por essa pauta classista, em meio à crise sem precedentes na qual o mundo está
mergulhado.

As instituições de controle democrático precisam reagir a tempo e evitar que nos


transformemos na república das bananas e abacaxis. Que o Brasil possa, o mais cedo possível,
retomar o trilho do longo caminho que ainda temos que percorrer para consolidar no país
políticas de segurança comprometidas efetivamente com o bem-estar de toda a população e
com a garantia dos direitos fundamentais.

Carolina Ricardo é diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Beatriz Graeff é antropóloga e pesquisadora na área de Segurança Pública e Sistema de


Justiça Criminal.

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