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Direito Constitucional II

Regência: Prof. Doutor Carlos Blanco de Morais


Laura Garção
1B, ST12
TRANSFORMAÇÕES DA CONSTITUIÇÃO
AHKFAK
1. Tipologia sinóptica sobre as alterações constitucionais

● Constituições pretendem ter vigência indeterminada, mas as suas normas são


produto do seu tempo → ficam desajustadas ao se confrontar com novos factos e
realidades políticas, económicas e sociais
○ mutabilidade das constituições e a sua adaptação é fundamental para a sua
subsistência
● alterações constitucionais podem abranger duas realidades:
○ alteração total da constituição:​ substituição da constituição material por outra;
○ alteração parcial da constituição:​ modificação do conteúdo de um conjunto
limitado e disposições normativas da constituição sem alterar a sua
identidade substancial;

2. Alterações totais da Constituição

● ligam-se ao poder constituinte e à sua vontade → ato de vontade cuja força ou


autoridade permite estabelecer a constituição de um Estado
● podem ocorrer através de:
○ revoluções:​ factos anti-jurídicos que rompem com a ordem constitucional
vigente; a mudança constitucional não é feita usando as regras da ordem
constitucional substituída; não tem por base a legalidade, mas sim a
legitimidade;
○ transições constitucionais:​ A constituição prevê a mudança da ordem
constitucional, sendo portanto uma transição com base na legalidade; comum
em regimes em transição, em que se prevê uma sucessiva democratização
do regime (ex após uma revolução)
● tais fenómenos envolvem um ato de novação do poder constituinte
● expressão “total” deve ser relativizada → há uma modificação da Constituição
material, apesar de, em certos casos, algumas normas constitucionais da ordem
precedente subsistam

3. Alterações parciais da Constituição

● implicam modificações expressas ou implícitas numa parte limitada das normas


constitucionais, sem afetar o seu núcleo identitário
● alterações expressas:​ englobam a revisão constitucional e a derrogação
constitucional
● alterações implícitas:​ englobam a interpretação evolutiva e o fenómeno da mutação
informal da constituição

3.1 Alterações expressas

● revisão constitucional:
○ alteração expressa e parcial da constituição, que funciona como instrumento
de garantia do seu núcleo identitário
■ expressa:​ envolve produção de normas constitucionais através de um
processo especial e agravado estabelecido para o efeito na própria
constituição → reflete intencionalidade do poder constituinte a
habilitar modificações
■ parcial:​ não poder envolver todo o texto constitucional, visto que isso
significaria uma mudança total do seu núcleo identitário ou da ordem
constitucional → seria uma transição constitucional e não uma revisão
■ garantia:​ previne que a vontade popular expressa através do poder
constituinte seja desrespeitada ao pôr em causa a identidade central
da constituição
■ tem certos limites: materiais, formais, circunstanciais e temporais
○ antes considerava-se um ​poder constituinte derivado​, mas a doutrina
moderna defende que se trata de um ​poder constituído
■ tem de atuar dentro dos limites impostos pelo poder constituinte, não
tem liberdade total
○ é também uma forma de garantir a vigência da mesma
■ com o poder de revisão, garante-se a mutabilidade e adaptabilidade
da constituição a novas realidades, prevenindo a sua ​nominalização
○ normas constitucionais inconstitucionais:​ deriva da colisão de regras
produzidas por uma revisão constitucional com ​normas sobre a normação​,
que regem o seu processo de alteração

● derrogação constitucional com caráter derivado


○ também designada por alguns autores como ​auto-rutura constitucional
○ consiste numa quebra ou exceção de um princípio ou regra geral estruturante
de uma constituição, para um ou mais casos singulares, autorizada por um
norma da própria constituição
○ essa regra ou princípio continua a vigorar para a generalidade dos casos,
exceto para uma situação individual, regida por um regime excecional
■ o regime excecional consta na norma derrogatória
○ derrogação originária:​ quando a exceção se encontra no texto primitivo da
Constituição, que foi criada e pensada pelo poder constituinte
○ derrogação derivada:​ quando exceção for introduzida por uma revisão
constitucional ou através da aprovação de uma lei com valor constitucional
⇒ BLANCO MORAIS: derrogação constitucional só é instrumento de transformação da
constituição quando é ​derivada

3.2 As mutações informais da Constituição

● fenómeno em que normas em sentido material de conteúdo politicamente inovador,


geradas e consolidadas no tempo à margem do poder formal de revisão, são
aditadas à constituição, alteram o significado de disposições constitucionais vigentes
ou desvitalizam a sua eficácia
● consolidam-se no tempo gradualmente, sem reação da justiça ou de órgão de poder
○ prática reiterada que carece de tempo de aceitação e interiorização nos
tribunais e universo jurídico
● alterações formais e informais
○ formais:​ por via de revisões textuais
○ informais:​ alterações difusas que desvitalizam ou alteram o seu sentido, sem
que as normas sofram de qualquer alteração textual → ​mutações informais
da Constituição
● mutação formal é um fenómeno, não um instituto; produz impactos no plano da
interpretação constitucional, etc
● GOMES CANOTILHO → mutações constitucionais são:
○ endogenéticas:​ consistem num ato legítimo de interpretação (mutação está
então dependente da interpretação);
○ exogenéticas:​ envolvem a criação silenciosa de normas constitucionais fora
do processo de revisão, desviando-se do programa normativo → provoca
derrocada das suas normas
○ BLANCO: é uma ​construção restritiva​ da mutação, devido à sua simplicidade
será difícil qualificar mutações que não se enquadrem num dos tipos
● diferença entre mutação e interpretação constitucional evolutiva
○ interpretação evolutiva:​ para positivista e supra-positivistas, envolve
alterações no sentido dos preceitos
○ BOCKENFÖRDE: alterações na realidade da vida regida pelas normas, etc
→ geram criatividade normativa por via interpretativa que faz crescer
constituição, mas sem se poder falar de mutação informal

3.2.1 Fontes da mutação informal

● fontes fácticas de formação espontânea:


○ costume praeter e contra legem
○ práticas​ e ​convenções constitucionais ​consolidadas que alteram o
funcionamento do sistema político criando regras informais vinculativas ou
ordenadores (soft law)
○ desuso​ de princípios e regras que geram a nominalização progressiva ou
caducidade normativa
● fontes voluntárias:
○ geradas por manifestações de vontade infraconstitucional das instituições
políticas que vão desaplicando ou derrogando informalmente o sentido das
normas
○ caso das ​decisões legislativas e administrativas “contra constitutionem”​, do
direito positivo da UE​ contrário à normação constitucional escrita, e do
transconstitucionalismo cosmopolita​ corporizado em tratados que disciplinam
direitos fundamentais
● fontes jurisprudenciais de base interpretativa:
○ criam ou revelam de forma inovadora normas materialmente constitucionais
○ envolvem as ​sentenças aditivas de revisão constitucional​, e uma atividade
construtiva de desenvolvimento dos princípios constitucionais a partir de
fórmulas criadas nos Tribunais Constitucionais e no Tribunal de Justiça da
UE
⇒ BLANCO MORAIS: mutações constitucionais são sempre de acordo com
o Tribunal Constitucional pois é ele que pode ou não declarar a
inconstitucionalidade de uma norma; Tribunal tem a última palavra e pode
gerar mutações, sendo o controlador da constituição → mas quem controla o
controlador?

3.2.2 Valor jurídico-constitucional

● diferentes graus de valor jurídico-constitucional de normas geradas por mutação


informal
○ normas materiais cogentes e interiorizadas pela comunidade
○ normas cuja vinculatividade é precária e instável devidos às oscilações dos
agentes que a produziram, ao seu caráter recente e ao seu défice de
aceitação
○ diretrizes políticas com valor de “soft law” que ordenam o poder, mas cuja
contrariação não equivale a uma inconstitucionalidade, gerando apenas
censura política

3.3 A problemática da existência de uma Constituição “não oficial”

● mutações informais da constituição levam à sua nominalização, ou seja, à sua falta


de correspondência com a realidade → constituição ideal mas real diferente da
constituição democraticamente decidida
● em Portugal, é difícil falar de uma Constituição não oficial gerada por mutações
● mas certos autores defendem que há uma vivência constitucional paralela ao texto
oficial → pode-se reconduzi-la ao desenvolvimento constitucional causado pela
interpretação evolutiva e modificações implícitas da constituição
○ é um dos fatores de ​transfiguração constitucional (​ PAULO OTERO)
○ a doutrina defende que uma normatividade não oficial e por vezes ​contra
constitutionem​ gera o adormecimento das normas escritas e a emergência de
um conjunto de normas não escritas
■ exemplos citados pela doutrina: subversão informal do princípio
socialista; deslocação do primado legislativo da Assembleia da
República para o Governo, etc
● BLANCO MORAIS: acha que mutações ainda não chegaram ao ponto de criar uma
constituição não oficial
○ mudanças acima referidas foram maioritariamente feitas por emendas
constitucionais e revisões
○ mas: grande parte da constituição económica encontra-se desvitalizada por
força da integração de Portugal na UE
⇒ ​conclusão​: em Portugal, as principais alterações da constituição terão decorrido
de emendas formais e não de mutações informais geradas pela ação dos órgãos do
poder político
3.4 O problema dos limites jurídicos às mutações constitucionais criadas pela Justiça
Constitucional
kgkgkg
3.4.1 A questão dos limites

● HESSE: quais os limites jurídicos da mutação constitucional?


● doutrina distingue entre mutações formais conformes à constituição e mutações
inconstitucionais
● 2 parâmetros de referência:
■ limites externo:
● envolve a inconstitucionalidade das alterações informais da
constituição que impliquem o desrespeito pelos pilares do
compromisso político fundamental em torno da identidade
constitucional
■ mutação de fonte jurisprudencial:
● a criação emergente de uma solução interpretativa tem de
guardar fidelidade ao programa normativo posto pelo texto
constitucional, não se podendo transformar em direito
proposto pela Justiça Constitucional que emerge a partir do
nada

3.4.2 Mutações informais como expressão de poder constituinte atípico e difuso?

● será que uma mutação informal inconstitucional poderá tornar-se costume através
de comportamentos reiterados e uma aceitação tácita, que desculpará a
inconstitucionalidade?
● HESSE → assim mutação informal teria menos a ver com revisão constitucional
(que está predeterminada na lei) e mais com o poder constituinte (nova norma nasce
a partir de factos e decisionismo)
○ trata-se de uma forma difusa do poder constituinte, mas um poder
constituinte sem povo e sem vontade democrática legitimadora

3.4.3 As mutações e a responsabilidade da Justiça

● mutações constitucionais só subsistem com a aprovação (ou não oposição) dos


tribunais constitucionais, e uma boa parte do fenómeno das mutações surge da
jurisprudência constitucional
● função da justiça constitucional é independente e imparcial, e consiste no exercício
de uma atividade de controlo, sendo a interpretação um instrumento desse mesmo
controlo
○ se justiça constitucional decidir inovar politicamente através da interpretação,
deixa de exercer função de controlo imparcial, ao deixar de tentar revelar o
significado da norma e a ajustá-lo ao contexto do caso concreto
A REVISÃO CONSTITUCIONAL NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA EM VIGOR

LNKJANKJ
1. Revisão e conservação atualista da Constituição

● relação simbiótica entre revisão constitucional e rigidez


○ liberdade do decisor responsável pela ​revisão constitucional m ​ ove-se dentro
dos limites pré-estabelecidos pelo poder constituinte → atribuem ​rigidez
(maior dureza e estabilidade) às normas da Constituição
○ rigidez​ oferece sentido jurídico ao grande consentimento da vontade política
necessário para aprovar o ato de revisão → procedimento especial e
agravado destinado a refletir o alargado consenso, que imuniza o texto
constitucional a modificações fortuitas geradas por maiorias episódicas
● em abstrato, a rigidez é um limite material implícito de revisão → poder constituinte
configurou Constituição de 76 como uma constituição rígida ou híper-rígida;
○ a sua transformação num texto flexível mediante a abolição dos limites
formais de revisão significaria uma via livre para a desfiguração de
componentes fundamentais identitárias da constituição → consequência:
transição constitucional

2. Introdução às formas típicas de revisão constitucional em democracia

● formas típicas de revisão constitucional no paradigma democrático:


○ dimensão representativa​ → implicam sempre a alteração da constituição
mediante deliberação parlamentar
● processos de revisão → ligam-se ao órgão que procede com a revisão
○ exclusivamente representativos:​ assembleias representativas têm exclusivo
da revisão
■ assembleia geral:​ a assembleia normal que não é eleita
excecionalmente para o propósito da revisão (caso de Portugal), mas
a maioria e procedimento necessários para revisões são diferentes do
que para leis ordinárias,
● 1. ​modalidade comum:​ Parlamento ordinário, investido em
funções de revisão, tem a faculdade de deliberar sobre as
alterações com observância das regras especiais e agravadas
prescritas (ex.: Portugal, Espanha)
● 2. ​revisão por Parlamento renovado:​ iniciativa de revisão é
deliberada no Parlamento em funções, que é dissolvido tendo
em vista a sua renovação, passando o Parlamento eleito a
ficar investido de um mandato para rever a constituição (ex.:
Holanda)
● 3. ​revisão parlamentar sujeita a ratificação de estados
federados:​ em certas federações, envolve processo em que
emendas deliberadas pelo Parlamento federal carecem de
ratificação das assembleias de um determinado número de
estados federados (ex.: Estados Unidos)
■ assembleia especial:​ assembleia convocada para o efeito de rever a
constituição → ex.: Constituição norte-americana; processo que se
inclina a alterações que estejam entre revisões e transições
constitucionais
■ processos mistos de preponderância ou base representativa:
processos representativos com intervenção popular
● casos em que alteração deliberada por assembleia
parlamentar (geral ou especial) se encontra sujeita a ​referendo
popular obrigatório
● situações em que a deliberação parlamentar é eventualmente
aprovada a seguir a um ​referendo​, que pode ser dispensado
no caso da lei ser aprovada por maioria qualificada agravada

3. Os limites da revisão constitucional no ordenamento português

● Constituição de 1976 está sujeita a limites temporais, formais, circunstanciais e


materiais

3.1 Limites temporais

● limites temporais = regras que condicionam a prática de atos de revisão à


observância; obstáculo cronológico à revisão constitucional
● Constituição não pode ser alterada a todo o tempo, mas apenas em determinados
momentos → criação de um período “defeso” contra iniciativas que tentem modificar
a constituição
● revisões ordinárias:​ caracterizadas pela admissibilidade jurídica da sua realização
em cada quinquénio
○ art 284º/1 + 119º/1, a) → Assembleia da República é órgão competente para
rever a Constituição, volvidos 5 anos contados da data de publicação da
última revisão ordinária (revisões extraordinárias são desconsideradas nessa
contagem de tempo)
● revisões extraordinárias:​ revisão feita fora desse prazo de 5 anos; introdução de
modificações relevantes e inadiáveis, normalmente ligadas a compromissos
internacionais do Estado
○ art 284º/2 → adoção de poderes de revisão em qualquer momento requer
aprovação pelo Parlamento do início das negociações através de
hiper-qualificada​ de ⅘ dos deputados em efetividade de funções
■ a aprovação por ⅘ é apenas para relativa à iniciação das negociações
e ao investimento de poderes de revisão imediata
○ depois da iniciação das negociações, a aprovação da norma constitucional é
feita por uma maioria de ⅔ → art 286º/1
○ exigência de um largo consenso parlamentar e interpartidário, que, em regra,
excede a representação dos dois maiores partidos
○ evita corrida à revisão constitucional para resolver problemas menores
■ “frenesim constitucional” → período com várias revisões
constitucionais, até 2005
3.2 Limites formais

● procedimentos de produção normativa que Assembleia da República deve observar


no processo de aprovação e revelação das normas de revisão constitucional
● dois limites:
○ reserva de iniciativa​: apenas deputados têm iniciativa de revisão
constitucional, ao contrário dos grupos parlamentares (art 285º/1)
○ maioria de aprovação:​ aprovação das alterações à constituição por maioria
de ⅔ dos deputados em efetividade de funções (art 286º/1)
■ limite formal com maior peso → atribui rigidez às normas
constitucionais
■ implica alargado consenso parlamentar
■ ⇒ ​principal fator de estabilização relativa das normas
constitucionais

3.3 Limites circunstanciais

● limites a factos e situações específicas que precludem, durante a sua ocorrência, a


prática de atos de revisão constitucional
● estados de sítio e emergência: constituição não pode ser revista nesse âmbito
● lógica:
○ durante a vigência do estado de exceção ou necessidade pública → os
direitos, liberdades e garantias encontram-se suspensos
○ estado de sítio → compete às autoridades militares a sua administração ou
execução local
○ ⇒ cenários coativos e emocionais podem distorcer liberdade do legislador ou
frenar a liberdade de expressão no espaço público que deve rodear um
processo de revisão
○ se a Assembleia da República aprovar revisão constitucional e o Presidente
da República não concordar
■ o Presidente não tem poder de veto no âmbito de revisão
constitucional, e não pode pedir ao Tribunal Constitucional para
fiscalizar a constitucionalidade da revisão
■ mas se declarar estado de sítio, para o qual necessita da autorização
da Assembleia e de falar com o Governo, e este for aprovado, estaria
então impedido de promulgar a revisão constitucional → no entanto,
trata-se de uma situação muito improvável
■ BLANCO MORAIS: a promulgação é um ato obrigatório, visto que o
momento constitutivo da revisão constitucional radica na sua
aprovação parlamentar
3.4 Limites materiais

● consistem em disposições constitucionais, expressas ou implícitas, que impedem


que a revisão constitucional suprima ou altere normas incidentes sobre certas
matérias, ou que reduza o seu conteúdo fundamental
● vários princípios têm sido salvaguardados por estes limites, nomeadamente:
○ princípios do Estado de Direito, da separação de poderes, da dignidade da
pessoa humana, etc
○ na constituição portuguesa → limites são difusos e constam no artigo 288º
● lógica: os artigos anteriores ao limite não podem ser alterados; mas a norma em que
consta o próprio limite pode ser revista
● dupla revisão​ → é possível também na prática, como demonstrou a revisão de 1989;
seria possível superar um limite material simplesmente revendo a alínea que o
contém
● problemática quanto à intangibilidade dos limites materiais
○ tese da relevância absoluta:
■ teorizada por GOMES CANOTILHO
■ poder constituinte seria superior e prevaleceria sobre o poder de
revisão, sendo este, na realidade, um poder constituído
■ poder de revisão deve mover-se dentro dos limites do poder
constituinte, nos quais se encontram os limites materiais
■ norma que consagra irrevisibilidade de certas matérias seria então
inalterável, mesmo se não consagrar a sua própria irrevisibilidade → é
um limite material implícito
○ tese da dupla revisão:
■ sustentada por JORGE MIRANDA
■ natureza da cláusula de limites materiais é declarativa e não
constitutiva → assume função de garantia de princípios, tem o mesmo
valor que as restantes normas
■ haveria diferentes graus de princípios salvaguardados pelos limites:
● limites de primeiro grau → princípios de caráter nuclear, cuja
alteração implica a transição para uma nova constituição
material
● limites de segundo grau → cuja modificação não afetaria a
essência da constituição material
■ se um artigo não consagrar a sua própria irreversibilidade, pode o
mesmo ser suprimido ou alterado através de uma revisão ordinária
○ tese da irrelevância dos limites
■ SIEYÈS: as normas do poder constituinte e do poder de revisão são
hierarquicamente iguais, sendo todas as cláusulas pétreas
sustentadas pelo primeiro irrelevantes
○ BLANCO MORAIS: defende que o poder constituinte impõe ao poder de
revisão a observância de um conjunto de limites materiais
■ alguns dos limites referem-se ao ​núcleo identitário da Constituição​,
induzidos da ideia de direito inerente à constituição ⇒ limites
materiais intangíveis
4. O processo de revisão da Constituição de 1976
hahisnknAM
4.1 Órgão competente

● órgão exclusivamente competente para aprovar leis de revisão constitucional é a


Assembleia da República ⇒ ​modelo representativo simples de revisão
constitucional,​ realizado pelo Parlamento ordinário
● competência para aprovar leis de revisão depende de a Assembleia se encontrar
investida em poderes ordinários de revisão (art 284º/1) ou de ter deliberado por
maioria qualificada a assunção de poderes extraordinários de revisão constitucional
(art 284º/2)
● a Constituição não pode ser alterada por referendo → consagra o “Estado de
Partidos”

4.2 Fases processuais


jajaja
4.2.1 Iniciativa

● iniciativa do procedimento de revisão constitucional é exclusivamente reservada aos


deputados (art 285º/1) e não aos partidos ou grupos parlamentares
○ no caso de se ter iniciado o prazo constitucional que investe o Parlamento
em poderes de revisão, os deputados não se encontram obrigados a
desencadear o processo
● após um projeto ter sido apresentado, quaisquer outros devem ser apresentados no
prazo de trinta dias (285º/2) → favorece o cúmulo de todas as iniciativas num só
procedimento, propiciando uma ponderação global
● BLANCO MORAIS: defende que prazo é demasiado curto e pode gerar projetos de
revisão demasiado apressados
● não se prevê controlo preventivo de constitucionalidade das leis de revisão
constitucional

4.2.2 Fase instrutória

● fase instrutória decorre na ​Comissão Eventual para a Revisão Constitucional


(CERC) → procura-se buscar consensos entre os diversos projetos que devem ser
submetidos a votação no Plenário;
○ Comissão pode escutar pareceres de peritos ou de determinados cidadãos
○ não há dever de audição de entidades corporativas ou das regiões
autónomas
● percurso paralelo ao do processo legislativo constitucional; a par do processo
regulado na Constituição, os diretórios dos grandes partidos reúnem-se, num ato
particular ou privado, para acordar as alterações fundamentais
○ este facto tem gerado uma prática de efetiva revisão constitucional feita à
margem dos deputados
4.2.3 Fase constitutiva

● decorre em Plenário → momento mais relevante na formação de leis de revisão


constitucional
● alterações à constituição realizam-se mediante uma votação na especialidade,
apenas realizada em sessão plenária
○ as alterações são aprovadas por maioria de ⅔ dos deputados em efetividade
de funções
● alterações inseridas no lugar próprio do texto constitucional revestem a forma de:
○ substituições​ → modificação do texto de um preceito pré-existente
○ supressões​ → remoção de um preceito
○ aditamentos →​ introdução de um preceito novo
○ normas transitórias → ​ assumem igualmente valor constitucional, mas não
são definitivas

4.2.4 Fase certificatória

● corresponde ao ato de promulgação presidencial


● art 286º/3 → Presidente encontra-se vinculado à promulgação da lei de revisão
constitucional, pelo que não se pode falar de um verdadeiro controlo de mérito
● a promulgação de leis de revisão não consiste num ato constitutivo do processo de
revisão
○ é um ato instrumental de certificação da natureza da lei promulgada como lei
de revisão e condição da sua existência jurídica
● prazo promulgatório
○ constituição não fixa prazo promulgatório → lacuna deve ser suprida pela
aplicação analógica do prazo geral de promulgação das demais leis
parlamentares, ou seja, 20 dias (art 136º/1)
● controlo
○ lei de revisão não se encontra sujeita a referenda ministerial
■ papel do PR é lateralizado no processo de revisão, pelo que faz
sentido que o Governo, sendo responsável perante o Presidente e a
Assembleia, também o seja
○ Presidente não pode exercer fiscalização preventiva da lei de revisão
constitucional
■ mas, nos termos do artigo 281º, a), vários órgãos podem promover o
controlo sucessivo abstrato da lei de revisão
● recusa da promulgação
○ generalidade da doutrina considera que Presidente pode recusar a
promulgação do ato de revisão e devolver o mesmo à Assembleia da
República, se faltarem os requisitos fundamentais que o identifiquem como
lei de revisão constitucional
○ situação só pode ocorrer no caso de estarem em causa
inconstitucionalidades orgânico-formais​ que tornem o ato inidentificável
○ requisitos essenciais:
■ aprovação da Lei de Revisão pela Assembleia da República
■ observância dos limites temporais de revisão
■ aprovação das normas revistas por maioria de ⅔ dos deputados em
funções.

4.2.5 Fase integrativa de eficácia

● fase integrativa de eficácia tem lugar com a publicação da publicação da lei de


revisão no Diário da República
● verificada a publicação, esgota-se o poder de revisão
● se forem publicadas duas leis de revisão que sejam contraditórias:
○ se tiverem sido publicadas na mesma data, mas a segunda lei tiver sido
aprovada depois do ciclo de aprovação das restantes normas, considera-se a
existência de uma ​irregularidade formal​ que não implica a invalidade da
segunda lei
○ se tiverem sido publicadas em datas diferentes, a segunda carecerá de
validade ou mesmo de existência, visto que a publicação da primeira esgotou
o processo de revisão

ACEÇÕES DE CONSTITUIÇÃO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


ALSKDMAL
1. Conceção jusnaturalista

● jusnaturalismo → filosofia metafísica que sustenta que o direito natural consiste num
conjunto de princípios ou normas absolutamente vigentes, ou porque se inscrevem
na natureza do homem e das coisas, ou porque se inscrevem na consciência moral
informada da reta razão
● poder constituinte e os seus limites:
○ reconhecimento da existência de valores suprapositivos que constituem uma
refração imperfeita da essência divina
○ tais valores limitariam o poder constituinte e prevaleceriam sobre o direito
constitucional positivo, quer se encontrem ou não incorporados na
Constituição
○ valores refletem do primado de uma ordem moral superior de raiz
personalista, que deslegitima as normas constitucionais positivas que lhes
forem contrárias
○ cabe aos tribunais a tarefa de garantir o primado da referida ordem moral
● caracterização de constituição:
○ constituição como ordem de valores jusfundamentais, alicerçada na
dignidade da pessoa humana
○ destina-se a operar como estatuto jurídico dos cidadãos e dos seus direitos,
no quadro de uma sociedade livre, justa e solidarista
○ deve também operar como limite e pauta organizadora das instituições
estaduais
● funções e fins da constituição:
○ regulação de um Estado de direitos humanos fundamentais
○ tem como fim essencial a prossecução de uma função de integração da
diversidade pessoal, funcional e material numa ordem estadual estruturada e
pluralista
● estrutura das normas constitucionais:
○ normas constitucionais exibem morfologia aberta, de forma a incorporar
princípio de direito internacional e europeu, valores cosmopolitas traçados
em torno dos direitos fundamentais e as manifestações diversas de uma
sociedade pluralista
○ a abertura normativa permite que os valores incorporados na constituição se
possam ajustar a novas realidades políticas, sociais e culturais, mediante
uma atividade interpretativa e integrativa a realizar pelos tribunais
○ abertura das próprias normas em matéria de direitos fundamentais permite
que a Constituição cresça e evolua
● garantia da constituição e hermenêutica:
○ garantia assente na justiça constitucional, tribunais seriam os intérpretes das
normas
○ tribunais deverão prestar atenção aos valores superiores ao interpretarem as
norma constitucionais
● o jusnaturalismo tem várias vertentes, nomeadamente uma mais ​institucionalista​ e
outra mais ​teísta

1.1 Vertente do institucionalismo jusnaturalista

● partem do primado de princípios de direito suprapositivo e fundam-se em valores


ético-religiosos de matriz cristã
○ no entanto, concebem a ordem constitucional como uma realidade
institucional secularizada e autónoma das doutrinas metafísicas
● JORGE MIRANDA como defensor
● noção de Constituição em sentido material:
○ definição dogmática de Constituição → conjunto de normas jurídicas sobre a
estrutura, atribuições e competências dos órgãos supremos do Estado, sobre
as instituições do Estado e sobre a posição do cidadão no Estado
■ definição acompanhada por JORGE MIRANDA
○ função​ da Constituição → função integradora face à comunidade que ela
mesma constitui
● poder constituinte e os seus limites:
○ rejeição da noção que a Constituição é uma mera lei resultante de uma
decisão política
○ há acima da Constituição um direito supralegal e pré-estadual, superior às
normas constitucionais que lhe sejam contrárias; Constituição nasce de um
compromisso sobre o bem comum
■ normas constitucionais que violem direito natural carecem de
legitimidade
○ existência de limites transcendentes ao poder constituinte, que se baseiam
em princípios suprapositivos
○ JORGE MIRANDA: desenvolve noção de limites materiais transcendentes ao
poder constituinte
■ limites são informados por valores éticos superiores e por uma
consciência coletiva presa à Justiça e à dignidade da pessoa humana
■ normas que contrariem os valores, princípios e o Direito Internacional
Público serão inválidas ou ilegais
● garantia da constituição e a sua interpretação:
○ valoriza o papel dos tribunais constitucionais
○ sustenta modelo hermenêutico que não se restringe à subsunção, em que a
interpretação evolutiva e de valores teria como apoio a criatividade
jurisdicional
■ papel do juiz não se resume à atividade subsuntiva, mas também à
criação de Direito
○ interpretação através do método jurídico (saviniano), mas há uma
necessidade de ter em conta que a Constituição é a lei superior enformada
por valores

1.2 Vertente da teologia constitucional

● a corrente edificou-se sobretudo nos Estados católicos da Europa meridional, e cria


a sua teoria da constituição em torno de uma ordem de valores do cristianismo;
○ valores seriam incutidos nos cristãos através de Deus
○ nos agnósticos e ateus, seria através de uma interiorização do conceito da
dignidade humana fundada numa raiz antropológica
● fundamentos do direito e da constituição baseiam-se na essência divina e no direito
natural metafísico associado a uma ordem moral de raiz personalista
● PAULO OTERO como um dos defensores
● limites do poder constituinte:
○ complexo de valores personalistas que fundamentam direitos humanos
impõem-se ao poder constituinte
■ tais valores seriam a dignidade da pessoa humana, a liberdade,
desenvolvimento da personalidade, justiça, igualdade, etc →
demonstram conexão entre Estado e Constituição e os dogmas da
Igreja católica
○ os valores não têm primazia porque o legislador assim o quis, mas sim
porque os homens assim o querem por via intuitiva
○ é uma corrente crítica, criticando e debatendo se certas matérias deveriam
ou não ser constitucionalizadas
● definição e função da constituição:
○ definição não é unívoca
○ definição​ → constituição como lei fundamental que versa sobre a
organização e limitação dos poderes públicos, e que assegura os direitos e
liberdades numa estrutura social
■ PAULO OTERO: regula um Estado de direitos humanos, baseado em
valores centrais
○ funções​ → pluralidade de funções ideais, como integração dos cidadãos nos
valores que sustentam o Estado, criação de uma sociedade democrática
avançada, etc → mediação e integração axiológica e social
● estrutura normativa da Constituição:
○ paradigma da constituição aberta, baseado no constitucionalismo
moralmente reflexivo
○ PAULO OTERO: constituição aberta, formada por regras, princípios e
conceitos indeterminados que apelam ao balanceamento entre princípios e
valores
● garantia constitucional e metodologia interpretativa:
○ importância da consciência valorativa autónoma do juiz constitucional na
interpretação de valores e conceitos indeterminados → amplo poder
interpretativo concedido ao juiz
○ tem de estar de acordo com as mutações do tempo histórico e político e do
pensamento justo

2. Constitucionalismo moralmente reflexivo

● corrente criada como reação ao positivismo e ao direito natural assente na religião


● suprapositivismo axiológico​ → jusnaturalismo sem direito natural
○ ponto de partida desta construção são valores éticos associados aos valores
democráticos, ao princípio da justiça material e à garantia dos direitos
fundamentais numa sociedade pluralista
● GOMES CANOTILHO como um dos defensores
● conceção do poder constituinte:
○ todo o processo de formação constitucional é condicionado por uma ordem
prévia de valores éticos
○ envolve um contrato social tácito para a organização política da sociedade
entre uma pluralidade diversa de forças políticas, sociais e económicas
○ esta axiologia pré-constitucional pode formar a base fundamental da ordem
constitucional, como também a base para toda a atividade interpretativa do
juiz
● definição e função da constituição:
○ constituição forma um instrumento de limitação do poder numa sociedade
democraticamente organizada, recusando então a noção de que estados
autoritários têm constituições
■ recusa de um conceito neutro de constituição
○ constituição como conjunto de regras e princípios contidos numa lei
hierarquicamente superior
■ ordena poder político, separa e limita poderes e garante proteção dos
direitos dos cidadãos com base em valores compromissórios
○ funções
■ organização e limitação do poder
■ função integrativa de elementos como a incorporação de grande
valores e princípios que integram o consenso constitucional e agrega
os cidadãos (GOMES CANOTILHO)
■ integração social e criação de instrumentos participativos
■ direção jurídica
● estrutura normativa da constituição
○ defende-se uma ordem aberta de regras e princípios
○ constituição deve estar aberta à evolução histórica e às especificidades da
sociedade pluralista e da sociedade internacional em que se insere
■ assim, conseguirá transformar-se suavemente através da
interpretação e do direito supranacional europeu
○ divergência quanto à hierarquia entre princípios e regras:
■ CANOTILHO: igual hierarquia entre princípios e regras
■ DWORKIN: supremacia dos princípios face às regras, visto que
corporizam valores morais e de justiça
● ⇒ ​moralismo principiológico​ de Alexy
● justiça constitucional e hermenêutica:
○ especificidade da interpretação da constituição, sobre a qual o poder
jurisdicional tem a última palavra
○ insuficiência do método jurídico como via interpretativa
■ devido à “malha aberta” das normas constitucionais, é necessário
recorrer a outros métodos adicionais, como a ​ponderação
■ adaptação da interpretação ao ​ambiente normativo​, o que implica
creatividade
○ grande peso dos valores e princípios supralegais na atividade interpretativa

3. Neoconstitucionalismo e dirigismo constitucional

● ideologia jurídica​ do moralismo constitucional


● defende uma reconfiguração do princípio da separação de poderes, uma
reelaboração do regime aplicativo das normas constitucionais em matéria de direitos
fundamentais, e novos critérios de interpretação constitucional
● limites ao poder constituinte:
○ quanto a este ponto, a doutrina oscila
○ valorização da soberania popular e da decisão fundamental, mas há também
um reconhecimento dos condicionamentos valorativos, históricos, sociais e
económicos ao poder constituinte
● definição e função da constituição:
○ constituição, para além de organização jurídica do poder político, é
essencialmente uma ​carta de direitos fundamentais
○ constituição assume função dirigente
■ pretende irradiar a sua força normativa para todos os ramos do
direitos e domínios da vida coletiva, através da sua filosofia de ação e
estratégia política
○ papel utópico e transformador da constituição, é uma conceção monista
● estrutura normativa da constituição:
○ constituição aberta ao influxo de valores morais, fundados nos princípios da
igualdade, justiça e dignidade da pessoa humana
■ constituição condicionada por estes parâmetros axiológicos
supra-constitucionais
○ espaço de ação para tribunais criarem regras a partir de princípios
○ decomposição das normas em princípios e regras
■ supremacia dos princípios face às regras, visto que cada regra teria
um princípio como justificação
■ princípios como parâmetros da interpretação de regras
○ eficácia direta das normas que consagram direitos fundamentais
● garantia e interpretação da constituição
○ garantia de aplicação envolve leitura atualista do princípio da separação de
poderes → protagonismo do poder jurisdicional face ao legislativo
○ tribunais operam como legisladores negativos (eliminam normas
inconstitucionais) e como legisladores positivos (concretizando a constituição
e aplicando normas de criação jurisprudencial)
○ interpretação sem método específico, focada na ponderação e concretização
de princípios

4. Constitucionalismo cosmopolita

● nasce da ideia de uma constituição europeia → associação de Estados europeus


independentes deveria evoluir para uma federação; ou então, uma constituição
desacoplada de um Estado soberano
○ a melhor maneira de conceber o constitucionalismo europeu seria o
pluralismo constitucionalista​, que​ e
​ nglobaria as ordens jurídicas da União e
dos Estados, criando uma variante do “​ius commune​”
● jurisprudências nacionais debatiam sobre o valor de tratados em relação ao direito
nacional
○ ⇒ constitucionalismo cosmopolita tem como aspiração a criação de uma
constituição europeia, de modo a resolver o problema dos tribunais sobre
quem tem a última palavra: a UE ou as constituições nacionais
○ há uma pretensão de expandir para um “constitucionalismo global”
● ideias centrais:
1. desnacionalização do direito constitucional​ → constituição deixaria de estar
ligada ao Estado; haveria um trânsito jurídico-constitucional do nacionalismo
para o universalismo
2. soberania​ deixaria de ser um atributo exclusivo da constituição estadual →
haveria outros poderes que limitariam a soberania do Estado
a. direitos fundamentais seriam superiores à autoridade soberana,
vinculando o poder constituinte
3. limitação do protagonismo do povo como única fonte de legitimidade
constitucional → ​povo​ ​deixaria de ser o senhor da Constituição
a. no plano interno, pessoas que não integram o povo desse país
poderiam participar no processo deliberativo;
b. no plano externo, poderiam haver normas constitucionais não
imputadas ao povo
4. direitos fundamentais como direito comum
a. normas estaduais deveriam assumir caráter aberto, de modo a que
litígios internos possam ser resolvidos por jurisdições internacionais
b. autoridade soberana do Estado migraria para o poder de redes de
decisão transnacionais
5. conflitos entre jurisdições internas e externas
a. normas de direito interno teriam de se confrontar com outras normas
aplicáveis de ordens transnacionais
b. conformidade das jurisdições internas com as externas
6. sistema jurídico-constitucional geral
a. sistema jurídico constitucional compreenderia ordens dos vários
Estados-Membros
b. tratar-se-ia de uma construção pluralista moderada, que se
transformaria num monismo suave
7. caráter cosmopolita das constituições estaduais
a. constituições nacionais iriam compreender cláusulas de aplicação e
prevalência do direito internacional e supranacional nas ordens
internas
b. tribunais constitucionais teriam de tomar em consideração as
decisões dos tribunais internacionais
c. interpretação das constituições conforme ao direito europeu
8. constituição anti-dirigista do ponto de económico e social
a. deveria estar aberta à visão económica e financeira liberal
9. ⇒ Constituição cosmopolita:​ estatuto constitucional de um Estado aberto ao
direito transnacional, tendo no seu conteúdo patamares normativos
condicionados por normas heterónomas oriundas de outros sistemas com os
quais interage; em cada constituição há uma carta de direitos fundamentais,
que prima sobre a organização do poder político
● poder constituinte
○ desvalorização do ato constituinte, devido à limitação da soberania do Estado
por um universo transnacional
■ modelo da constituição cosmopolita dilui vontade popular constituinte
→ legitimidade não depende apenas da vontade popular, povo e
comunidade internacional são co-autores da constituição
○ constituição europeia nasceria sem um momento constituinte → vários
tratados seriam depois reconhecidos pelos tribunais como tendo valor
constitucional
● estrutura normativa
○ princípios constitucionais prevalecem sobre regras
○ há uma pluralidade de fontes normativas, oriundas do plano interno e externo
● garantia e justiça constitucional
○ valorização do papel dos tribunais como árbitros
○ tribunais como sede de resolução de conflitos entre ordens e sistemas
jurídicos diversos → interpretação da constituição envolveria aumento da
liberdade decisória dos tribunais, devido à abundância de princípios
5. A constituição positivista

● diferentes conceções no universo positivista


○ fundamento e caracterização da Constituição:
■ fundamento da constituição assenta numa regra superior de caráter
jus-internacional, sendo a constituição uma norma sobre a produção
de outras normas → KELSEN
■ constituição como decisão fundamental criadora de uma ordem
jurídica de domínio estatal → SCHMITT
○ presença de valores na constituição
■ constituição como regra superior sem valores morais → KELSEN
■ normas constitucionais podem eventualmente incorporar valores
morais → HART
○ conceito neutro de constituição
■ constituição como conceito neutro; constituição como ​norma
normarum​ e como estatuto de organização do poder, podendo vigorar
em qualquer regime → PALADIN
■ constituição como estatuto do poder e como tutela dos direitos
fundamentais, obrigatoriamente ligada à democracia → HABERMAS
○ abertura da constituição
■ constituição como conjunto de procedimentos aberto à sociedade e
que opera como instrumento de comunicação com outros sistemas
externos ao direito → HABERMAS
■ constituição como instrumento de fecho do sistema jurídico, no
quadro de uma conceção auto-referencial do direito → LUHMANN
● poder constituinte:
○ constituição como produto de uma decisão fundamental do povo
○ poder constituinte tem legitimidade popular e, consequentemente, não
observa limites jurídicos
○ KELSEN → constituição sujeita a uma norma fundamental hipotética
● conceção de constituição:
○ constituição como norma destinada a vincular e reger a produção das
restantes normas, a estabelecer regras sobre a organização e limitação do
poder político e a assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos
○ separação entre a moral e o direito constitucional
■ decisor constituinte pode por vontade própria incorporar valores
extrajurídicos na constituição; no entanto, esses valores não dispõem
de superioridade em relação às restantes regras constitucionais
● estrutura normativa da constituição:
○ normas constitucionais assumem caráter aberto
○ decomposição das normas em regras e princípios
○ quanto à eficácia de aplicação das normas constitucionais, todas as normas
valem juridicamente, embora devam respeitar o regime de aplicação
constante na constituição
■ na falta de regime, será necessário avaliar a aplicabilidade imediata
ou mediata de cada norma em concreto
● interpretação constitucional
○ correntes positivistas aceitam método saviniano de interpretação
○ sendo a constituição uma lei, embora mais aberta, deve ser interpretada
como as outras normas
○ no entanto, a constituição não regula todas as questões da vida política e
social, pelo que o juiz deverá integrar possíveis lacunas
○ rejeição do ativismo judicial; juízes como custódios da interpretação, mas
apenas como “legisladores negativos”

POSIÇÃO DA REGÊNCIA
jandkjsjan
1. Aceção positiva de Constituição

● Constituição é ​lei,​ cujas normas vinculam os demais atos jurídico-normativo e cuja


vinculatividade é salvaguardada pelos tribunais
○ é o estatuto de ​norma​ ​subordinante​ que lhe confere posição única no
ordenamento
● Constituição não é direito espontâneo, mas sim decidido através de um ​ato
constituinte​ fundado na vontade soberana do povo
● existência de um ​patamar normativo constitucional intermédio​ de natureza ​material​,
formado por normas jurisprudenciais que realizam interpretação autêntica e evolutiva
○ ou seja, constituição abrange situações que não estão explicitamente
consagradas nela através da interpretação autêntica feita pelos tribunais
constitucionai
○ mas, para esse patamar normativo ser válido, precisa de ter uma conexão
lógica com a Constituição positiva
● constituição pode, ou não, incorporar valores políticos ou morais nas suas normas
○ mas esses valores carecem de juridicidade e estão sujeitos a mudanças
ditadas pela evolução social e cultural
■ valores são realidades extrajurídicas
○ constituição não pode então ser vista como carta de valores → deve ser vista
como conjunto de normas jurídicas, cujos bens e interesses que tutelam
podem, ou não, representar valores
● valores não são parâmetros da validade da constituição → apenas relevam para a
interpretação das normas
● constituição não pode ser vista como um aglomerado de princípios, visto que contém
também regras, que são igualmente importantes
● ⇒ BLANCO MORAIS: defende um ângulo positivista eclético
○ positivismo​: pelo seu realismo jurídico e menor comprometimento axiológico
e ideológico, intenta descrever a fenomenologia jurídico-constitucional tal
como ela existe e se processa

2. Pontos focais de uma teoria positiva de Constituição


lksdklad,
2.1 Estado e Constituição
● Estado e Constituição, na sociedade contemporânea, predicam-se reciprocamente
○ Constituição nasce para organizar politicamente um Estado, e Estado
precede a Constituição, embora, por vezes, nasça após a aprovação da
mesma
● Teoria do Estado e Teoria da Constituição comunicam entre si
○ o constitucionalismo cosmopolita tenta retirar a estatalidade da constituição,
ao não imputar um ato constituinte a um povo em concreto
○ há quem defenda também que constituições podem nascer junto de tratados
de organizações internacionais e supranacionais, devido ao facto do direito
internacional que as rege ter traços constitucionais
○ ⇒ tais teses apresentam dificuldades argumentativas:
1. constituição é um ato jurídico interno (sendo reconduzível à vontade
do povo), enquanto as demais normas internacionais assumem
caráter externo (apenas são produto da vontade dos Estados)
2. tratados estão subordinados às constituições nacionais →
constituição é hierarquicamente superior aos tratados, podendo os
Estados desvincular-se dos mesmos se forem inconstitucionais
3. Direito Internacional Público ainda se encontra dependente do
consentimento dos Estados
a. o incumprimento de normas internacionais pode causar
sanções por parte das organizações internacionais mais
fortes, mas é o Estado que decide atribuir, ou não, valor
constitucional a essas normas
4. ius cogens​ não pode primar sobre as constituições dos Estados,
apenas sobre outras fontes de Direito Internacional
a. não existe aceitação alargada quanto à natureza cogente do
ius commune
5. difícil reconhecer natureza constitucional a entes não estaduais →
como estender natureza constitucional a organizações
supranacionais?

2.2 Sentido dogmático e sentido ideal de Constituição

● deve haver uma noção neutra de constituição, que possa englobar a constituição de
qualquer regime, daí a dicotomia entre constituição em sentido dogmático e em
sentido ideal
● Constituição material em sentido dogmático​ → lei suprema de um Estado que
estrutura a ordem jurídica, aprova o estatuto do poder político e dispõe sobre as
relações entre a sociedade e esse poder; comum a todos os Estados
● Constituição em sentido ideal​ → inerente ao paradigma do Estado de Direito
Democrático; norma criada por decisão fundamental imputada ao povo, que define
as tarefas do Estado, estrutura o sistema jurídico e opera como estatuto de
organização do poder político e da sua limitação, o qual é assegurada pela
separação de poderes, pela garantia dos direitos fundamentais das pessoas e pela
representação democrática dos cidadãos no exercício do poder
2.3 Poder constituinte e Constituição

● momento constituinte → envolve uma manifestação política de poder enformada por


uma determinada ideia de direito
○ é a mais alta manifestação de soberania popular
○ não observa limites jurídicos pré-existentes → nasce da força dos factos, é
legitimado pela vontade popular e cria bases da unidade política do Estado
● poder constituinte não se confunde com constituição:
○ poder constituinte
■ é uma realidade eminentemente política, decisão política fundamental
antecedente à produção de uma Constituição, não se confundindo
com a mesma
■ decisão fundacional da ordem jurídica estatal, ditando o conteúdo da
constituição
○ constituição
■ realidade normativa
■ direito decidido, consistindo numa lei fundamental de conteúdo
político e jurídico, vinculando todos os poderes por ela constituídos
■ constituição com produto de uma vontade política superior
● ⇒ no entanto, a constituição é no seu todo mais do que o poder constituinte
○ constituições crescem graças a revisões e interpretações atualistas das suas
normas
○ incorporam o direito posto no momento constituinte, mas evoluem, sem
prejuízo da estabilidade do seu núcleo identitário, já que o seu papel
integrador da diversidade envolve um ajustamento a transformações políticas
e sociais, como pressuposto da sua durabilidade
■ “constituição constituinte” não é idêntica à “constituição vivente”
● no entanto, a constituição vivente não é separável das linhas identitárias básicas
estabelecidas pelo poder constituinte, sob pena de uma transição ou mutação
constitucional
● cosmopolitismo constitucional defende a possibilidade de existência de uma
constituição sem poder constituinte
○ não é possível assumir que tratados internacionais formem uma constituição,
sem se imputar essa vontade ao povo; não têm legitimidade para tal, apenas
seriam uma ​constituição aparente

2.3.1 Constituição como norma decidida e não como contrato social

● Constituição é uma norma, e resulta de atos de decisão política com conteúdo


normativo
● grande parte da doutrina defende a constituição como sendo um contrato social
fundado num compromisso sobre o bem comum
● decisão fundamental pode revestir a natureza de um​ ato unilateral​ ou de um ​ato
plurilateral
○ no entanto, mesmo quando a constituição é aprovada através de um ato
plurilateral, ainda se pode falar de ​decisão constituinte
○ todas os atos de vontade de conteúdo igual fundem-se num ato final, que
culmina o processo de decisão e é imputado à vontade do povo ou da nação
● existe sempre uma vontade maioritária que prevalece e se impõe sobre as restantes,
sendo esta incorporada pela decisão constituinte

2.3.2 A incondicionalidade jurídica da decisão constituinte

● maior parte das constituições nasce de revoluções, ou seja, da força dos factos
● Constituição não é garantida por nenhum ordenamento superior, e observam-se
vários limites políticos, religiosos e culturais
○ no entanto, tais limites são metajurídicos e não são padrões jurídicos dessa
nova ordem, não podendo uma Constituição ser inválida por os desrespeitar
● poder constituinte soberano não sofre constrições jurídicas
○ poderá sofrer sanções políticas a nível internacional, mas tal não implica a
invalidade da constituição no plano interno e externo
● ⇒ não podem haver normas constitucionais que sejam consideradas inválidas por
valores ou normas extra-constitucionais, salvo no caso de uma autolimitação
○ poder constituinte não se submete a nenhuma ordem jurídica precedente

3. Funções da Constituição

● no seu sentido ideal, a constituição desempenha uma multiplicidade de funções:


○ função integradora, legitimadora, organizativa, ordenadora, garantística e
concetiva de tarefas estaduais

3.1 Função integradora da unidade política do Estado

● um dos objetivos prosseguidos permanentemente pela constituição é a ​unidade


política
○ cabe à constituição, como ponto de união entre sistema político e jurídico,
criar condições para que seja assegurada a exigência de unidade e
consequentemente a paz, etc
● modalidades de integração:
○ integração simbólica
■ figuras e institutos de referência que corporizem unidade nacional
■ regime político, Chefe de Estado como garante da independência e
unidade, soberania e integridade territorial, símbolos nacionais, etc
○ integração humana
■ tarefa de agregação gerada pela força jurídica dos direitos
fundamentais dos cidadãos
■ princípios da liberdade, igualdade, sufrágio universal, etc
○ integração funcional
■ fatores de coesão que decorrem do exercício das atividades de
Estado indispensáveis à sua conservação como coletividade viável
■ tais fatores de coesão são, por exemplo, a justiça, a segurança e o
mínimo de bem-estar coletivo
● outro tipo de integração assegurada poderá ainda ser aquela que resulta de
compromissos assumidos com a sociedade internacional
○ constituição deve garantir que obrigações internacionais sejam asseguradas,
e deve também procurar harmonizar o direito nacional com o internacional

3.2 Função legitimadora do regime político

● constituição legitima o regime político, interna e externamente


○ legitimidade política​ → aceitação, expressa ou tácita, pelo povo dos
fundamentos da autoridade do poder político-estadual
○ regime funda-se em princípios basilares de ordem política e é densificado
num conjunto de regras de ordem procedimental → se governantes os
respeitarem, serão tidos como legítimos
● justificação dos poderes soberanos através da Constituição

3.3 Função de organização e limitação do poder político

● Constituição é o estatuto jurídico do político


○ é a norma estruturante de todo o ordenamento do Estado
● Constituição deve estabelecer modelo de governação do Estado, constituindo a
base normativa que permite identificar o ​sistema político de governo
● visto que o poder se submete à constituição, esta tem também uma função de
limitação do poder político
○ Estado de Direito funda-se na separação de poderes

3.4 Função estruturante do sistema jurídico-normativo

● Constituição, para além de conter normas primárias que se aplicam diretamente na


regulação de condutas, contém ​normas secundárias​ sobre a produção e valor de
outras normas
○ daí a constituição ser uma ​norma normarum,​ sendo o parâmetro normativo
de outras normas
● normas constitucionais secundárias​ → identificam relações de separação ou
prevalência entre normas aplicáveis no ordenamento
○ 112º → enuncia valor normativo de diferentes categorias normativas de
direito interno
○ 16º/2 → estabelece integração e preferência entre normas constitucionais de
fonte interna e externa
○ art 8º → fixa critério de aplicação na relação de tensão entre normas de
direito interno e direito internacional público

3.5 Função de garantia dos direitos fundamentais


● ao limitar o poder político, a Constituição garante também os direitos fundamentais
das pessoas
● no entanto, a constituição é mais do que um repositório de direitos
○ só se pode falar em direitos fundamentais após os mesmos serem
reconhecidos pela constituição
● regente defende que a crescente criação de novos direitos contribui para o abalar da
hierarquia da constituição
● caráter multinível da proteção dos direitos humanos fundamentais nos Estados
europeus resulta da conjugação dos tratados com as constituições dos Estados, que
operam como norma de reconhecimento dos primeiros

3.6 Função concetiva das tarefas fundamentais do Estado

● constituições mais utilitárias apenas identificam fins básicos, enquanto as mais


programáticas definem mais e mais complexos fins
● parte anglo-saxónica e Europa do Norte → constituição é instrumento de Governo e
carta de direitos
● Europa do Sul e América Latina → constituição é maioritariamente utilizada por
maiorias políticas para garantir conquistas e condicionar o poder político

4. Estrutura normativa da Constituição

● generalidade das constituições rígidas, como a Constituição de 1976, são


compostas por ​princípios e regras constitucionais
○ regras e princípios dispõem de poder vinculante sobre o direito
infraconstitucional
○ atos podem ser julgados inconstitucionais por violarem princípios
● no entanto, BLANCO MORAIS defende que quanto menos determinado for o objeto
de um princípio, menor deverá ser a sua relevância como norma de controlo de
constitucionalidade
● normas constitucionais têm diferentes regimes de aplicação:
○ pode-se deduzir o regime da sua estrutura ou do que estiver disposto na
constituição;
○ quanto à aplicação, há diferentes tipos de normas:
■ normas auto-aplicativas
■ normas que dependem da emissão de leis complementares
■ normas dependentes de condições financeiras

ESTRUTURA POLÍTICO-NORMATIVA DAS CONSTITUIÇÕES RÍGIDAS

● Constituição é composta por:


○ preâmbulo
○ preceituado​ → corpo normativo
1. O preâmbulo

● preâmbulo​ → texto proclamatório e solene que precede o preceituado constitucional


e enuncia alguns dos valores e princípios, políticos e ideológicos, que presidiram ao
ato constituinte
○ decisor constitucional alude ao circunstancialismo histórico, político e jurídico
que rodeou a aprovação da constituição
○ ⇒ ​natureza do preâmbulo levanta controvérsia
● vários preâmbulos têm caráter politicamente “sacro”, tal como o da constituição dos
EUA, enquanto outros assumem um expressivo detalhe prescritivo, chegando a
serem incorporados com força jurídica como normas constitucionais, tal como o
preâmbulo da constituição francesa de 1958
○ no entanto: várias constituições não possuem preâmbulo
○ preâmbulo ​não é elemento necessário d ​ a constituição, sendo um elemento
natural de constituições feitas em momentos históricos de rutura ou grande
transformação político-social
● alteração do preâmbulo​ → preâmbulo é parte integrante da Constituição, só
podendo ser alterado ou suprimido respeitando os ​limites de revisão​ estabelecidos
para as normas constitucionais
● valor jurídico do preâmbulo​ → valor jurídico assume natureza variável: depende do
que a constituição estabelecer ou, no seu silêncio, da relação entre os seus
princípios com a realidade política
○ pode assumir valor normativo ou relevância política
○ ⇒ ​no entanto, considera-se que geralmente o preâmbulo constitucional n ​ ão
possui força normativa,​ não vinculando o parâmetro constitucional

1.2 Irrelevância jurídica do preâmbulo da Constituição de 1976

● doutrina diverge quanto à relevância jurídica do preâmbulo:


● irrelevância jurídica:
○ preâmbulo é texto proclamatório sem aptidão para se erigir como parâmetro
de constitucionalidade ou de interpretação de outras normas
○ tem valor puramente histórico ou simbólico, o que permite melhor
compreender as ideologias que prevaleceram no ato constituinte
○ argumentos contra a sua relevância:
1. não tem formulação normativa, mas sim poética
2. princípios constantes no preâmbulo não têm autonomia face aos
consagrados no preceituado constitucional, devido à sua
desatualidade ou redundância
3. carga ideológica do preâmbulo não corresponde com o preceituado
integrador do pluralismo político-social
○ defendida por BLANCO MORAIS
● relevância jurídica plena:
○ preâmbulo vincula autonomamente o direito infraconstitucional, com um
estatuto normativo idêntico ao do preceituado da Constituição
○ defendido por GOMES CANOTILHO
● relevância jurídica indireta:
○ preâmbulo não tem natureza jurídica cogente; no entanto, os seus princípios
operam como instrumento interpretativo dos princípios presentes no
preceituado constitucional
○ no entanto:
■ desadequação entre carga ideológica preambular e as sucessivas
revisões do preceituado da Constituição seriam fator de contradição
○ defendido por JORGE MIRANDA

2. Preceito e norma constitucional

● constituição é composta por ​normas jurídicas​, ou seja por critérios de decisão que se
encontram aptos a produzir efeitos jurídicos garantidos no plano jurisdicional e
político, e que são vinculativos para os poder públicos
● normas constam de ​preceitos
○ preceitos​ → enunciados textuais estruturados em orações, dos quais defluem
comandos jurídicos gerais; preceitos e normas são interdependentes, já que
não pode haver norma sem disposição textual
● preceito pode conter uma pluralidade de normas cumuladas; pode conter sentidos
diferentes, cabendo ao Tribunal Constitucional interpretar num dos sentidos; pode
conjugar-se com outros preceitos, para dessa conjugação extrair uma norma

3. Tipologia das normas constitucionais


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3.1 Critério funcional

● normas podem desempenhar diferentes funções


● quanto à sua ​função estruturante:​
○ secundárias:​ têm por objeto a produção, qualificação e a validade de outras
normas jurídicas do ordenamento
○ primárias:​ aplicam-se diretamente às relações institucionais, assim como as
normas auto-aplicativas relativas a direitos, liberdades e garantias
● quanto às ​funções que desempenham em razão das matérias que disciplinam:​
○ substanciais:​ ditam critérios que regem a identidade material do Estado, a
definição do regime político e os direitos fundamentais dos cidadãos
○ organizativas:​ regula o estatuto do poder político; construção do sistema de
governo, identificação dos órgãos de soberania e os demais órgãos
constitucionais, as respetivas competências, etc
■ as normas organizativas apresentam 4 subtipos:
1. normas de competência​ → estabelecem poderes dos órgãos e os
respetivos limites
2. normas estatutárias dos titulares dos órgãos​ → definem regras sobre
o exercício de certos cargos, como direitos, deveres e regalias e os
respetivos limites
3. normas de forma ou de processo​ → definem tramitação do itinerário
relativo à designação de titulares do poder, ao processo de tomada de
decisões e ao modo de revelação de atos jurídicos
4. normas de qualificação​ → determinam forma e atributos jurídicos de
atos jurídico-públicos ditados pelos órgãos constitucionais e o
respetivo regime jurídico

3.2 Critério da determinabilidade - regras e princípios

● normas desdobram-se em regras e princípios constitucionais, sendo ambos


vinculativos sobre todo o ordenamento jurídico
○ normas podem ser julgadas inconstitucionais se violarem algum princípio
constitucional, segundo o artigo 277º/1
● princípios​ → enunciados jurídicos de valores de ordem política ou moral, dotados de
um ​elevado grau de indeterminação​, dirigidos à p​ rossecução de um fim​ e
concebidos como mandatos de otimização que ordenam algo que deve ser realizado
na medida das possibilidades​ jurídicas e fáticas existentes;
● regras​ → mandados de definição que determinam condutas imperativas
○ nas constituições contemporâneas, as regras predominam quantitativamente
sobre os princípios; no entanto, pode haver princípios implícitos no texto
○ ⇒ ​enquanto as regras se podem resumir a normas de conteúdo funcional, os
princípios são enunciados de bens jurídicos

3.2.1 Relações entre regras e princípios

● princípios não são hierarquicamente superiores às regras


○ salvo disposição em contrário na constituição, as normas têm todas a mesma
hierarquia e valor formal
● maior parte das regras pode reconduzir a um princípio, explícito ou implícito; no
entanto, os princípios não têm precedência sobre a regra, podendo apenas elucidar
o seu significado
● ALEXY entende que a regra prevalece sobre o princípio, visto que os princípios
podem entrar em colisão e deixar coisas por decidir
● HUMBERTO ÁVILA ensina que os princípios são normas parciais, que não
pretendem gerar uma solução específica, mas sim contribuir juntamente com outras
razões para a tomada de uma decisão
● colisão entre normas:
○ antinomias solucionam-se, em primeiro lugar, com os critérios lógicos de
cronologia e especialidade (entre regras e entre regras e princípios)
■ ⇒ sendo a regra especial em relação a um princípio, esta deveria
prevalecer
○ no caso da colisão entre princípios, caso a resolução com critérios lógicos for
impossível, a mesma deverá ser resolvida através da ponderação dos
mesmos
■ um dos princípios terá de ceder, sem que a sua cedência envolva a
sua invalidade ou revogação
3.3 Abertura das normas constitucionais

● constituições modernas são leis com elevado grau de abertura normativa


○ há uma de discricionariedade na interpretação de normas constitucionais,
que aumenta proporcionalmente à sua generalidade e indeterminação, o que
permite à constituição durar no tempo e ajustar-se a situações não
exatamente previstas
● abertura manifesta-se em três dimensões:
○ axiológica
■ princípios e até certas regras que contenham valores morais passam
a ter significado jurídico à luz de argumentação política e filosófica
■ leva a uma certa incerteza na aplicação do direito, visto que diferentes
correntes filosóficas têm visões diversas quanto às possibilidades
normativas que decorrem desses valores
■ uma constituição com excesso de abertura a valores extrajurídicos
torna-se uma constituição incerta, visto que fica mais dependente da
interpretação dos intérpretes
○ externa
■ respeita ao impacto que o Direito internacional e a jurisprudência dos
tribunais constitucionais de outros Estados têm no sentido das
normas constitucionais
■ incluem-se, neste âmbito, as “cláusulas abertas” em matéria de
direitos fundamentais, bem como a prevalência do direito europeu e
de normas de organizações internacionais
○ morfológica
■ normas constitucionais com enunciados polissémicos e
indeterminados conferem mais poder à Justiça Constitucional para
concretizar normativamente tais conceitos
■ expressa-se na “estrutura de malha aberta” que caracteriza a nossa
constituição, permitindo que esta subsista no tempo por se poder
ajustar à realidade política da época, através de uma evolução da sua
interpretação

4. Princípios fundamentais da Constituição de 1976

● são princípios fundamentais aqueles que representam as bases identitárias da


ordem constitucional → definem a natureza do Estado, da constituição, do regime e
do sistema de direitos fundamentais
● princípios encontram-se presentes na constituição material e a sua subsistência é
garantida pelos ​limites materiais​ à revisão da Lei Fundamental
○ a sua alteração ou supressão constitui uma fraude à própria constituição ou
até uma transição constitucional
● são a essência dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático,
consagrado no artigo 8º/4
● apesar de não possuírem uma hierarquia formal superior, estes princípios assumem
uma função principal na constituição
● podemos encontrar, entre estes princípios fundamentais,​ princípios reitores do
Estado de Direito​ e ​princípios de ordem política

4.1 Princípios reitores do Estado de Direito


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● princípio da independência nacional
○ constitui fundamento dos restantes princípios, reflete essência histórica de
Portugal, distinguindo-nos de estados federados
○ advém da realidade do próprio Estado soberano, presente o artigo 1º
■ independência está intimamente ligada ao conceito de soberania, que
é uma qualidade identitária do poder político de um Estado
○ soberania engloba duas vertentes:
■ interna​ → via coerciva do Estado perante os governados
■ externa​ → capacidade dos órgãos de poder estadual representarem
internacionalmente o Estado e os seus interesses
○ independência nacional não é algo estático, visto que depende da sua
organização interna e da sua sustentabilidade financeira
■ por exemplo, a adesão à União Europeia representa uma limitação
voluntária da soberania nacional
● princípio da dignidade da pessoa humana
○ pessoa humana enquanto valor e bem jurídico; dignidade como exigência de
respeito
○ é o enunciado jurídico de um valor antropológico, espiritual e universal,
representado na exigência de respeito pela pessoa humana
■ vertente antropológica​ → tem como objeto o Homem enquanto ser
único, individual e irrepetível
■ vertente espiritual​ ​→ Homem tem plena consciência de si próprio,
manifestada no seu discernimento e autodeterminação
■ vertente universal​ ​→ tentativa de universalização da pessoa humana
enquanto valor, por exemplo através da DUDH
○ respeito pela dignidade envolve duas dimensões:
■ valorização da autodeterminação individual
■ proibição de condutas que sujeitem o ser humano a situações
degradantes
○ tratado no artigo 1º como uma das bases a República Soberana
○ assume caráter vago e polissémico, podendo ter uma pluralidade de
sentidos, o que, segundo BLANCO MORAIS, pode contribuir para uma
banalização do princípios
○ origem deste princípio encontra-se na doutrina social da Igreja e no
jusnaturalismo,​ atingindo um caráter normativo aquando da sua
constitucionalização
○ é um critério de interpretação e um padrão direto de decisões de
inconstitucionalidade
● princípio da proteção constitucional reforçada dos direitos, liberdades e
garantias
○ direitos, liberdades e garantias são posições jurídicas ativas
○ representam a maior expressão de autodeterminação individual do ser
humano e de proteção da sua esfera
○ são um pressuposto do Estado de Direito, sendo tidos como superiores aos
direitos sociais, económicos e culturais → superioridade é atribuída por meio
da proteção adicional que lhes é conferida, por via do artigo 18º
● princípio da proporcionalidade
○ é tido como uma decorrência do Estado de Direito
○ é um significado geral da proibição de decisões do poder público que se
revelem arbitrárias e excessivas e de que resultem desvantagens ou
sacrifícios desnecessários e injustificados para os respetivos destinatários
○ decompõe-se em três sub-princípios, conjugados numa sequência relacional
integrada:
■ adequação → ​medidas restritivas da liberdade devem ser aptas a
realizar o fim
■ necessidade​ → ato de restrição deve impor o meio mais suave ou
menos restritivo que precise de ser utilizado para atingir o fim em vista
■ proporcionalidade stricto sensu​ → meios restritivos devem
situar-se numa justa medida, impedindo a adoção de medidas legais
excessivas em relação aos fins obtidos
○ ⇒ a violação de um destes basta para ser norma ser declarada
inconstitucional
○ princípio da proporcionalidade combina-se com o princípio da proteção da
confiança
● princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança
○ segurança jurídica → ​ imperativo de garantia da certeza da ordem jurídica,
nas suas dimensões de estabilidade, coerência, e igualdade
■ permite aos cidadãos organizarem as suas vidas no respeito da
previsibilidade e calculabilidade normativa de expectativas de
comportamento e das consequências das suas ações
■ pressupõe mínimo de previsibilidade em relação aos atos de poder
○ princípio da confiança​ → é uma dimensão do princípio da segurança jurídica
○ critérios para determinar uma violação do princípio da tutela da confiança:
■ Estado gera comportamentos capazes de gerar expectativa da sua
continuidade
■ expectativas dos cidadãos devem ser legítimas e fundadas
■ cidadãos devem ter feito planos de vida tendo em conta essa
expectativa
■ medida deve ser justificada à luz do critério da proporcionalidade
● princípio da igualdade
○ é uma imposição aos poderes públicos de um tratamento igual de todos os
seres humanos perante a lei, e uma proibição de discriminações
materialmente fundadas
○ tem várias vertentes
■ dimensão negativa​ → proibição aos poderes públicos de levar a
cabo discriminações arbitrárias, positivas ou negativas
■ dimensão positiva​ → obrigação de tratar igual o que é igual e
diferente o que é diferente
■ dimensão subjetiva​ → princípio declara direito subjetivo, suscetível
de invocação direta a partir da constituição
■ dimensão objetiva​ → dever do Estado garantir a igualdade nas suas
decisões
○ componente do princípio da dignidade humana
○ usado várias vezes como parâmetro de constitucionalidade
● princípio de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva
○ representa direito sobre direitos: permite possível garantia dos restantes
direitos fundamentais
○ base do Estado de direito democrático, do qual se podem retirar outros
direitos, incluindo
■ direito de acesso aos tribunais
■ direito ao patrocínio jurídico
■ direito a um advogado
■ garantia do segredo de justiça
■ direito a decisão em prazo razoável
■ direito a um processo equitativo
■ direito a procedimentos judiciais céleres e prioritários para garantir a
tutela efetiva dos direitos, liberdades e garantias
● princípio da constitucionalidade e da legalidade
○ envolve duas dimensões:
■ subordinação do Estado à constituição
■ subordinação dos atos jurídico-público à Lei Fundamental

4.2 Princípios de ordem pública

● princípio da separação de poderes


○ paradigma de um poder político limitado e não concentrado
○ cada órgão soberano deve conter-se nos limites das competências que lhe
são atribuídas, de modo a observar uma repartição funcional de atribuições
públicas
○ corolários
■ critério orgânico de respeito mútuo no exercício de competências
● cada órgão deve respeitar as competências dos restantes,
atribuídas pela constituição
■ critério de repartição nuclear de funções
● cada órgão tem para si o núcleo essencial de uma função
● no entanto, pode haver funções partilhadas
■ não concentração de funções numa só instituição
● envolve a não atribuição ao mesmo órgão de mais que um
conteúdo nuclear
■ responsabilidade política mediante submissão a controlos
interorgânicos
● dimensão negativa do princípio da separação de poderes
● princípio democrático
○ ligado ao valor da democracia política, ou seja, a designação dos
representantes deve resultar de um expresso consentimento por parte do
povo, através de eleições livres e regulares
○ tem os seguintes corolários:
■ exprime-se através da democracia representativa e, subsidiariamente,
da democracia referendária
■ princípio democrático é o fundamento do regime político
■ candidaturas às instituições representativas parlamentares são
reservadas aos partidos políticos
■ forma de escrutínio proporcional consagrada como método-base do
sistema eleitoral para o Parlamento
■ critério maioritário de decisão é a expressão do princípio democrático
● princípio do Estado unitário
○ deste princípio resulta uma unidade do poder constituinte e a existência de
apenas uma constituição
○ consagra um limite material da revisão constitucional, ainda que reconheça
uma autonomia político-administrativa às regiões autónomas, e uma
autonomia administrativa às autarquias locais
● princípio do Estado social
○ traduz-se num dos fins políticos da República
○ resume-se na entrega ao Estado de um estatuto político de promoção da
igualdade entre cidadãos, de assistência aos mais desfavorecidos e de
criação de sistemas públicos de prestações sociais e culturais
○ representa um complemento do Estado de Direito

FUNÇÃO DO ESTADO-ORDENAMENTO
AKSKS
1. Elementos do Estado

● paradigma de ​Estado de Direito contemporâneo​ coincide com o conceito de


Estado-Ordenamento​ → coletividade territorial na qual está fixado um povo e se
encontra instruído um poder político soberano, cuja atividade exercida no âmbito de
um ordenamento jurídico visa a satisfação dos interesses gerais
● elementos do Estado:
○ povo
■ conjunto de pessoas ligadas a uma determinada coletividade territorial
através do vínculo jurídico da nacionalidade
○ território
■ espaço físico de uma coletividade territorial, delimitado por fronteiras
terrestres, marítimas e aéreas
○ poder político soberano
■ sistema de órgãos que desempenham funções de autoridade
qualificadas pela sua supremacia
■ órgãos de autoridade sujeitos a um grau variável de limites jurídicos e
políticos
■ imposição coerciva da vontade dos órgãos aos governados no plano
interno e representação dos interesses independentes da mesma
coletividade no plano internacional
○ ordenamento jurídico
■ sistema regido e composto pelo direito bem como pelas autoridades
competentes para o produzir, aplicar e fiscalizar

1.1 Estado-Ordenamento e Estado-Pessoa

● Estado-Ordenamento integra na sua esfera várias pessoas jurídicas coletivas de


caráter público
○ entidade primária com caráter dominante:
■ Estado-Pessoa
○ entidades secundárias:
■ dotadas de diferentes graus variáveis de autonomia face ao
Estado-Pessoa
■ pessoas coletivas territoriais → estados federados, regiões
autónomas, etc
■ pessoas coletivas não territoriais → universidades, etc

2. Funções do Estado como atividades jurídico-públicas


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2.1 Atividades jurídicas e não jurídicas

● interesses prosseguidos pelo Estado são os seus ​fins


○ tradicionalmente, os fins principais consistem na ​segurança​, ​justiça,​ e
bem-estar​ → consagrados total- ou parcialmente no art 9º da CRP
○ para além dos acima mencionados, existem outros objetivos tais como a
promoção da igualdade de género​, p​ roteção e promoção do património
cultural​, etc
● prossecução dos fins do Estado realizam-se através de atividades públicas, que
podem ou não pressupor a prática de atos jurídicos (​atividades jurídicas ​e​ não
jurídicas​)
○ o caráter jurídico de uma atividade deve ser medido pela natureza jurídica
dominante dos atos produzidos ao seu abrigo
○ o mesmo não implica que todos os atos ou condutas devam ter,
necessariamente, essa natureza jurídica
● ⇒ assim sendo, os órgãos constitucionais podem aprovar no exercício da função
políticas:
○ atos políticos que produzem efeitos jurídicos (ex.: veto presidencial)
○ atos e condutas políticas desprovidas de natureza jurídica (ex.: mensagens
do Presidente da República
2.2 Conceito de função do Estado

● funções estaduais​ → todas as atividades jurídico-públicas desenvolvidas pelas


autoridades do Estado, tendo em vista a realização dos seus fins
● atividade estadual​ → conjunto de atos produzidos permanentemente por decisão de
autoridades públicas e que se agrupam numa relação de semelhança, em razão de
critérios identitários de natureza material, formal ou orgânica
● funções são exercidas, em razão da sua especificidade, pelos órgãos do Estado nos
termos e no âmbito das competências previstos na Constituição
○ função jurisdicional → ​ atividade reservada aos tribunais, incluindo tribunais
arbitrais
○ função legislativa​ → repartida por órgãos de soberania (Assembleia e
Governo) e por órgãos regionais (assembleias legislativas das regiões)
○ função administrativa​ → repartida por órgãos soberanos (Governo), órgãos
constitucionais, coletividades territoriais autónomas (regiões e autarquias) e
por privados investidos em funções de autoridade

3. Conceções históricas sobre as funções do Estado

● Aristóteles:
○ formas puras de governação (monarquia, aristocracia, democracia)
continham as funções do Estado
○ dependendo do detentor do poder, as funções concentravam-se num só ou
numa pluralidade de pessoas
○ regime misto evitaria a concentração de poderes
● Maquiavel:
○ acolhe também as formas mistas de poder, defendendo que na realidade as
formas se reduzem à Monarquia, e à República aristocrática ou democrática
○ limitação da autoridade através da combinação de poderes
● Locke:
○ referência do liberalismo aristocrático e individualista, justificando assim a
monarquia constitucional inglesa ⇒ governo misto
○ quadripartição de funções: ​legislativa​, e ​ xecutiva,​ ​federativa​ e ​prerrogativa
○ funções não estão rigidamente separadas, devem comunicar entre si
● Montesquieu:
○ defende governo misto, nomeadamente monarquia dominada pela
aristocracia
○ tripartição das funções: ​legislativa​, ​executiva,​ ​jurisdicional
○ defende a existência de freios e contrapesos
● Benjamin Constant:
○ defende existência dos poderes executivo, legislativo e jurisdicional, mas
adiciona o poder moderador do rei acima dos restantes
○ semipresidencialismo irá herdar esta conceção do poder moderador
● Marcelo Caetano:
○ elabora construção integral das funções do Estado, distinguindo entre
funções jurídicas e não jurídicas
○ não jurídicas → atividades política e técnica
○ jurídicas → legislativa e executiva

3.1 Conceções atuais das funções de Estado

● Marcelo Rebelo de Sousa e Gomes Canotilho:


○ elaboram uma quadripartição de funções: política, legislativa, administrativa e
jurisdicional
○ partem das referências específicas às funções acima referidas na
Constituição de 1976
● Jorge Miranda:
○ esboça tripartição caracterizada por uma função política ​lato sensu
(decomposta nas atividades legislativa e política ​stricto sensu​), uma função
administrativa e uma função jurisdicional

4. Posição da Regência

● BLANCO MORAIS defende a tripartição de Jorge Miranda, por duas razões:


1. conceção apresentada refere as funções que pressupõem a prática de atos
jurídicos (atos garantidos pela coercibilidade do Direito), e lateraliza outras
funções de caráter instrumental
2. posição condensa dentro da função política ​lato sensu​ as atividades
legislativa e política ​stricto sensu​, sendo estas atividades que pressupõem a
adoção de critérios políticos de decisão
● a função política já não é considerada uma função não jurídica ou uma atividade de
governo como era antigamente, pelo que já não é autonomizada da função
legislativa
○ no Estado Social de Direito, a lei já não é reduzida a uma simples regra
jurídica, sendo concebida como um instrumento político por excelência ⇒
torna-se ato típico da função política e define-se pelo seu conteúdo político
● argumentos que apontam fragilidade da conceção:
1. implicação da redução da atividade legislativa a uma subfunção
2. não autonomização das responsabilidades públicas no domínio da política
externa

4.1 Função subordinante e funções subordinadas

● CARRÉ DE MALBERG: separação de poderes só é verdadeiramente viável se não


houver uma separação verdadeira e efetiva, ou seja, se os poderes comunicarem
entre si ⇒ ​interdependência de poderes
○ defende também a supremacia da lei sobre os atos da Administração e os
atos jurisdicionais
● função primária:
○ função política​ → constitui atividade primária, apenas vinculada no plano
interno à Constituição ou a atos oriundos dessa mesma função política
■ a supremacia da função política sucede-se, então, com a atividade
legislativa e político ​stricto sensu
● funções secundárias:
○ funções de natureza administrativa e jurisdicional;
○ vinculam-se à atividade legislativa, como componente normativa
subordinante da função política
○ no entanto, a vinculação acima referida apresenta dimensões relativas:
■ função jurisdicional pressupõe ​dimensão específica e autónoma do
controlo de constitucionalidade​ → atividade corretiva e repressiva da
lei; tribunais subordinam-se à lei, mas desaplicá-la se esta ofender a
Constituição

5. Função política em sentido amplo

● função política​ → atividade de ordenação da vida coletiva assente em valores,


ideologias e programas, e exercida em benefício da mesma coletividade
○ deve-se distinguir a função política da política como “técnica”, ou seja, como
o conjunto de instrumentos aptos à aquisição, conservação e exercício do
poder
● no contexto de um Estado de Direito Democrático, a atividade política supõe:
○ que órgãos competentes para o seu exercício tomem decisões fundadas no
bem comum no preenchimento dos fins do Estado
○ que as decisões sejam tomadas com um expressivo grau de liberdade e
mediante os atos constitucionalmente prescritos para o efeito
○ que as decisões definam inovatoriamente o interesse público a prosseguir
● função política constitui macro-atividade pública com vários “ramos”
○ assume-se como poder dominante entre as funções constituídas
○ supõe o exercício de responsabilidades normativas e de governação, que se
destinam a definir primariamente o interesse público de uma coletividade
■ responsabilidades normativas​ → supõem produção de critérios
inovatórios de decisão, traduzidos em leis, convenções e normas
atípicas de conteúdo político
■ responsabilidades de governação​ → supõem prática de atos políticos,
de conteúdo singular
○ caracterização das atividades públicas é marcada por critérios ​orgânicos​,
formais​ e ​materiais
● exercício da função política implica a tomada de decisões e de critérios de decisão
inovatórios ou primários, sendo a Constituição a principal fonte dos limites jurídicos
○ daí haver um expressivo grau de liberdade, não apenas na interpretação dos
fins do Estado, mas também na definição do modo como estes devem ser
preenchidos
● há diversos graus de liberdade no exercício da função política ⇒ mesmo que os atos
dessa mesma função não devam observância a atos oriundos de outras funções, a
constituição define​ r​ elações de dependência​ em certas situações:
○ entre atos praticados no âmbito da mesma atividade ou sub-função
■ no âmbito da atividade legislativa, existem leis que se subordinam a
outras leis de hierarquia material superior
■ na esfera da atividade política ​stricto sensu​, existem normas da
função política (como o decreto presidencial de declaração de estado
de sítio) cuja produtividade jurídica se encontra dependente de outros
atos políticos
○ entre atos oriundos das diferentes atividades que compõem a função política
■ situações como a subordinação da atividade legislativa ao sentido
vinculante de uma decisão referendária, sendo esta uma norma
atípica da atividade política ​stricto sensu​; subordinação do ato
referendário à lei orgânica do referendo

5.1. Atividade legislativa

● a atividade legislativa define-se na base de critérios materiais, formais e orgânicos


○ não podemos caracterizar a atividade legislativa sob um ponto de vista
meramente material
● como identificar a atividade legislativa?
○ segundo o ​princípio da legalidade democrática​ (art 3º/3), a exigência da
submissão dos tribunais e da Administração pública a esse mesmo princípio
(203º, 266º/2), conjugados com o ​princípio da tipicidade da lei​ (112º/5)
○ é legitimada pelos princípios da constitucionalidade e do sufrágio popular
direto e secreto, tem primazia em relação às demais funções constituídas do
Estado
○ não observa vínculos que não os ditados pela constituição ou outros atos
aprovados ao abrigo da função política
● elementos substanciais
○ normatividade política, inovação e supremacia hierárquica sobre funções não
políticas
● elementos formais
○ prática permanente de atos jurídico-públicos que devem revestir uma das três
formas previstas no artigo 112º/1
○ não existem manifestações da atividade legislativa que não revistam os três
tipos legislativos em referência e que não sigam os procedimentos que lhes
correspondem
● elementos orgânicos
○ consiste numa atividade jurídico-pública que se encontra reservada à
competência da Assembleia, do Governo e das assembleias legislativas
regionais
○ tais órgão devem mover-se no âmbito das suas competências constitucionais
○ mais nenhum órgão constitucional pode exercer a atividade legislativa
● resumindo:
○ a atividade legislativa é a atividade político-normativa, traduzida num poder
de criação e modificação da ordem jurídica, operado pelos órgãos
competentes para o efeito, cujos atos assumem a forma de lei e vinculam o
exercício das demais funções estaduais
○ atos podem revestir caráter ​primário​ ou ​sub-primário

5.2 Atividade política ​stricto sensu

● é juridicamente mais livre que a atividade legislativa


○ embora estejam ambas sujeitas à constituição, esta controla todos os atos
legislativos, mas não todos os atos políticos
● critério formal
○ envolve a emissão de atos singulares e atos normativos
■ por sua vez, a atividade legislativa apenas se traduz na emissão de
normas jurídicas
○ atos normativos e não normativos da atividade política ​stricto sensu
assumem formas variadas de caráter não legislativo
■ entretanto, os atos da atividade legislativa revestem todos a forma de
lei
○ podemos falar de atos políticos com e sem eficácia jurídica
● podemos distinguir atos políticos de normas da função política
○ atos políticos
■ aprovados pelos órgãos constitucionais competentes para o exercício
da função política
■ assumem conteúdo individual e concreto
■ sentido imperativo que deles emana projeta-se exclusivamente na
esfera jurídica dos órgãos do poder político → são atos não
normativos, não tendo eficácia inter-subjetiva (ex.: aprovação de
moções)
○ normas da função política
■ ex.: decreto normativo do Presidente que declara estado de sítio
■ podem assumir formas, conteúdos, finalidades e graus de
vinculatividade diferentes

6. A função administrativa

● função administrativa​ → atividade traduzida na concretização e execução das leis e


na satisfação permanente das necessidades coletivas, mediante atos, contratos e
atuações materiais, feitos por órgãos e agente dotados de iniciativa e parcialidade
na prossecução do interesse público
● elementos substanciais
○ natureza dependente da função administrativa
■ encontra-se vinculada à constituição e à lei
■ validade dos atos administrativos dependem de habilitação legal e da
respetiva conformidade com a lei
○ princípios típicos que presidem a atuação dos seus órgãos
■ constitucionalidade, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça
○ prossecução do interesse público através da satisfação permanente das
necessidades coletivas
○ centros de decisão administrativa devem exibir iniciativa e parcialidade na
prossecução do interesse público
● elementos orgânicos
○ órgãos e agentes que desenvolvem atividade administrativa→ art 266º/2
● elementos formais
○ atos
■ normativos​ → regulamentos administrativos, que são normas gerais e
abstratas, subordinadas à constituição e à lei
■ administrativos​ → decisões de órgãos da Administração que visam
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta
○ contratos
■ acordos plurilaterais de vontades celebrados entre entidades públicas
ou entre estas e particulares, e que se destinam à constituição,
modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa

7. Função jurisdicional

● função jurisdicional​ → atividade que resolve questões de direito que emergem de


interesses ou posições conflituantes, através da aplicação da constituição e das leis,
mediante decisões que em regra assumem caráter individual e concreto e são
tomadas pelos tribunais, órgãos que se caracterizam pela sua ​passividade,
imparcialidade e independência
● elemento substancial
○ objeto da função → operação intelectual de resolução de questões que
envolvem a aplicação do direito
○ fim da atividade jurisdicional → composição concreta ou abstrata de litígios
derivados de posições e interesses contrapostos, mediante a resolução de
uma questão jurídica
○ natureza subordinada → destina-se a dar aplicação à constituição e à lei,
estando os decisores constitucionais submetidos às mesmas
■ os tribunais podem, no entanto, proceder à interpretação e integração
autorizada da lei ⇒ interpretação e integração apenas não poderá ter
eficácia externa
■ podem também julgar a invalidade de leis contrárias à constituição
● elemento orgânico
○ tribunais como centros de poder formados por juízes, que desenvolvem a
função jurisdicional com independência
○ constituição define diferentes classes de tribunais
● elemento formal
○ reconduz-se às decisões jurisdicionais, qualificáveis como sentenças
○ conteúdo das sentenças é, em regra, individual e concreto, sem prejuízo das
declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral
OS ATOS JURÍDICO-PÚBLICOS
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1. Conceito

● ato jurídico-público​ → decisão imputada aos órgãos de uma entidade coletiva que se
mostra apta à produção de consequências jurídicas na prossecução dos fins
públicos a que a mesma se encontra adstrita
● sendo uma ​decisão,​ o ato é produto da exteriorização de vontade imputável a um
ente público
● o grau de liberdade de disposição do ato é maior ou menor, consoante a natureza da
função:
○ é ​maior​ numa função dominante como a ​função política​, em sentido estrito e
na atividade legislativa
■ atividade legislativa é que permite a existência de uma liberdade
conformadora do conteúdo dessa vontade, que apesar de tudo pode
ser limitada pela constituição
○ é ​menor​ em funções subordinadas à legalidade, tal como a ​atividade
administrativa​ e ​jurisdicional
● atos jurídico-públicos são normalmente imputados aos órgãos públicos → são atos
do Estado no exercício de um poder político, sujeito a normas de direito público
○ no entanto, existem situações em que o ato é praticado por um ente de
natureza jurídica privada, que desempenha funções públicas ao abrigo de um
poder público de autoridade que lhe foi concedido por uma pessoa coletiva
pública
● o que confere ao ato produzido a natureza ​jurídico-pública​ é a ​função pública
○ os efeitos jurídicos desses atos são caracterizados pela manifestação
unilateral de um ​poder de império​ sobre os seus destinatários
○ esse poder de império é assegurado pela ​coercibilidade​ que assiste ao direito
● princípios da constitucionalidade​ → a validade das leis e dos demais atos do Estado
e de quaisquer entidades públicas depende da sua conformidade com a constituição
(art 3º/3)

2. Pressupostos do ato jurídico-público: órgão, vontade e competência

● os pressupostos são o ​órgão​, a v​ ontade psicológica e


​ a ​competência
● pressupostos jurídicos​ → parâmetros que condicionam a prática do ato; são as
condições prévias indispensavelmente reunidas para que o ato possa ser produzido
conforme o direito
○ podem assumir:
■ natureza subjetiva​ → órgão e vontade funcional
■ natureza mista​ → competência; compreende uma dimensão objetiva
e subjetiva
● órgãos​ → centros institucionais de poder que exprimem uma vontade funcional, em
nome de uma pessoa coletiva pública, da qual resulta a prática do ato
○ essencial, visto que sem a criação de um órgão para o exercício de uma
dada competência não existe ato, visto que o Estado, como pessoa coletiva,
carece de uma estrutura organizatória institucional para poder decidir
○ imputação → recondução do ato à vontade gerada por um órgão em nome
da pessoa coletiva pública
● vontade psicológica​ → formação intelectiva da volição dos titulares de um
determinado órgão quanto à tomada de uma decisão, que, como vontade declarada,
assume natureza de um ato jurídico-público
○ órgãos decidem através da atuação de pessoas físicas, os seus ​titulares
○ titulares agem acionados pela ​vontade psicológica​ (formação da decisão de
agir), que antecede a ​vontade declarada​ (forma e conteúdo do ato decidido)
○ vontade psicológica é um pressuposto subjetivo → para haver uma decisão,
é necessário que o órgão queira livremente decidir, sem a coação do titular
● competência​ → atribuição a um órgão, com eventual exclusão dos demais, do poder
funcional de aprovar atos jurídico-públicos no âmbito de determinada matéria e nos
limites de um determinado espaço e tempo
○ pressuposto ​misto​, visto que comporta uma componente subjetiva (exercício
por parte de um órgão) e outra objetiva (reconhecimento de um poder)

3. Elementos fundamentais: forma e conteúdo

● da vontade funcional declarada no ato, emergem dois elementos que devem


necessariamente encontrar-se presentes em qualquer decisão: a ​forma​ e o ​conteúdo
● forma​ → modo como ato é produzido e revelado
○ a formação de atos por órgãos com competência para tal ocorre através de
um itinerário específico, designado de procedimento produtivo
○ revelação stricto sensu:​ título jurídico que é atribuído ao ato formado e
permite a sua identificação externa
○ Constituição regula diretamente um número de procedimentos produtivos,
com relevo para a lei
■ mesmo não regulando diretamente outros atos, pode impor-lhes
formalidades produtivas avulsas que devem ser respeitadas (ex.: no
caso de decretos-leis e decretos-legislativos regionais)
● conteúdo​ → reconduz-se ao ​objeto​ e ao ​fim​ do ato
○ objeto​ → disposições materiais que configuram a vontade declarada e o
conjunto de situações jurídicas ou fáticas sobre as quais a declaração incide
○ fim​ → sentido ou objetivo que ato visa preencher
● ⇒ apesar de haver alguma liberdade inerente à configuração do objeto, os atos
estão vinculados aos fins constitucionais que prosseguem
○ à exceção dos atos políticos, não sujeitos a fiscalização constitucional, o
legislador encontra limites internos quanto à definição do objeto, fixados na
constituição e em legislação reforçada
○ ex.: quando o Governo legisla em âmbito da sua competência concorrencial
ou exclusiva, tem uma maior liberdade do que quando legisla mediante
autorização legislativa
4. Tipologia elementar de atos jurídico-públicos

● formulada por JORGE MIRANDA, que para efeitos classificatórios atende à vontade
e ao objeto
● quanto ao ​critério da vontade:​
○ atos livres ou devidos
■ livres​ → autor goza do poder de os praticar ou não
■ devidos​ → autor é obrigado a praticá-los
○ atos simples, complexos unipessoais ou complexos pluripessoais
■ simples​ → praticados por um só órgão
■ complexos unipessoais​ → implicam concerto de vontades diversas de
órgãos e titulares pertencentes à mesma pessoa coletiva
■ complexos pluripessoais​ → resultam de um concerto de vontade de
órgãos pertencentes a pessoas coletivas diferentes
○ decisões ou deliberações
■ decisões → ​ atos de vontade de um órgão singular
■ deliberações​ → atos jurídicos de vontade imputados a órgãos
colegiais
● em razão do ​objeto:
○ atos de eficácia interna ou externa
■ de eficácia interna​ → esgotam a sua produtividade na esfera jurídica
do órgão que emite o ato, ex.: atos administrativos de gestão interna
da AR
■ de eficácia externa​ → efeitos são projetados em destinatários
diversos do órgão que emite o ato
○ atos declarativos ou constitutivos
■ declarativos​ → atestam uma situação jurídica já constituída
previamente
■ constitutivos​ → criam, modificam ou extinguem situações jurídicas
pela sua prática
○ atos-condição ou atos-objeto
■ atos-condição​ → vinculam o conteúdo de outros, sendo pressuposto
necessário da sua produção ou validade
■ atos-objeto → ​atos vinculados no seu conteúdo pelos atos-condição
○ atos normativos ou não normativos
■ normativos​ → implicam aprovação de leis e de outros atos
jurídico-públicos de conteúdo geral e abstrato
■ não normativos​ → decisões públicas não legislativas com conteúdo
individual e concreto, como os atos políticos e atos administrativos

OS ATOS NORMATIVOS

1. Conceito e estrutura do ato normativo


● como identificar os atos jurídico-públicos que assumem natureza de normas
jurídicas?
● constituição não consagra conceito unitário de norma jurídica → definição de norma
como regra com conteúdo ​geral e abstrato​ parece estar desatualizada
○ constituição apenas define que certas normas devem revestir caráter geral e
abstrato, nomeadamente as restritivas de direitos, liberdades e garantias
○ ⇒ ​a contrario sensu,​ podemos afirmar que a constituição permite regras de
caráter mais concreto e individual
● parte da doutrina entende que à luz da constituição de 1976, a lei é definida pela
politicidade​ do seu conteúdo, pela sua ​forma​ e pela sua ​força
○ no entanto, o artigo 268º prevê ato administrativos lesivos de direitos
“independentemente da sua forma” → podem existir leis com conteúdo
idêntico ao ato administrativo?
○ ato administrativo é uma atividade executiva, que por definição se encontra
vinculada à lei
■ ↳ conteúdo não é politicamente inovador como a lei, nem supõe
liberdade conformadora na sua edição; a sua forma não é a legal, o
seu valor é menor que o da lei (112º/5)
○ ⇒ se houver leis que esgotam efetivamente o seu conteúdo num ato
administrativo, elas dificilmente poderão passar por normas
● não se pode escolher como característica definidora de lei a ​generalidade​, visto que
várias leis individuais, tendo previsões políticas inovadoras, não se reduzem a atos
administrativos
● conceito de norma para o STA:
○ STA tem uma aceção ​material​ de norma
○ admite que atos administrativos aprovados sob a forma de decreto-lei não
serão inconstitucionais, visto que tal seria admitido pelo art 268º/4 e visto que
o Governo dispõe de competências legislativas e administrativas
○ por outro lado, o mesmo nãos seria aceite para leis da Assembleia, visto que
a mesma não exerce a função administrativa
● conceito de norma para o TC:
○ tem uma aceção ​funcional ​de norma
○ norma é toda a regra de conduta ou critério de decisão
○ TC defende que leis da Assembleia podem incorporar eventualmente atos
administrativos; objeto da atividade administrativa pode também ser objeto de
lei
○ no entanto, equaciona limites à extensão vertical do conteúdo da lei:
○ ⇒ defende a existência de um núcleo essencial da administração; admite a
possibilidade de uma intromissão da Assembleia na esfera puramente
administrativa do Governo, em domínios próprios da sua esfera puramente
executiva

1.1 Posição adotada pela Regência

● defende noção funcional de norma


● generalidade​ deve constituir elemento estrutural da caracterização da norma jurídica,
como critério de decisão aplicável a uma pluralidade indeterminada de destinatários
● abstração​ não deve constituir elemento permanente de definição de norma, visto
que não abrange regras que se esgotam na regulação de um facto determinado e
circunscrito no tempo
● ⇒ ​ou seja:​ normas são, por regra, gerais e também abstratas, exceto se revestirem
a natureza de atos legislativos, os quais se caracterizam por ser critérios de decisão
de ​conteúdo político​, dotados da ​forma​ e de ​força geral de lei​,
independentemente do seu conteúdo ser geral e abstrato ou individual e concreto

2. Normas da atividade política em sentido estrito


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2.1 O ato referendário nacional

● referendo é forma de expressão da democracia semi-direta, exercida no âmbito da


função política → a sua realização depende da combinação da vontade dos órgãos
de poder que propõem o referendo (Assembleia ou Governo) e que o convocam
(Presidente), com a vontade do eleitorado, que aprova ou rejeita o mesmo
● integra-se na função política em sentido estrito (115º/3), visto que é um exercício de
expressão eleitoral
○ incide sobre questões de relevante interesse nacional, que devem ser
decididas pelo Governo através da aprovação de um ato legislativo
○ decisão reporta-se a matérias atribuídas às atividades política ​stricto sensu​ e
legislativa
● ato referendário consiste num critério de decisão que é parâmetro ao legislador e
também da lei
○ é um ato normativo; é uma decisão-regra com conteúdo vinculativo
● critérios materiais:
○ só podem ser objeto de referendo os atos com ​natureza de lei​ ou ​convenção​;
ficam excluídos atos políticos
○ só deve incidir sobre uma matéria
○ número de perguntas não deve exceder as três, e as mesmas devem ter
resposta de sim ou não

2.1.1 Síntese procedimental

● iniciativa:
○ iniciativa primária compete ao Governo e à Assembleia, mediante resolução
parlamentar ou resolução de Conselho de Ministros
○ está também prevista uma iniciativa condicionada apresentada em sede
parlamentar, reconhecida a grupos de cidadãos eleitores (mínimo 75.000)
○ esta iniciativa popular é atípica, visto que se exerce junto do Parlamento e
não junto do Presidente
● controlo preventivo obrigatório da constitucionalidade e legalidade:
○ segundo o art 115º/8, o Presidente submete obrigatoriamente as propostas
referendárias a um controlo preventivo de constitucionalidade e legalidade
junto do TC
■ Presidente deve fazê-lo nos 8 dias subsequentes à publicação da
proposta
○ TC dispõe de 25 dias para decidir
● convocação:
○ Presidente tem plena liberdade para convocar, ou não, mediante decreto, um
referendo que lhe seja proposto
■ tal decreto não se encontra sujeito a referenda ministerial
■ convocação não pode ser superada por confirmação parlamentar
○ propostas recusadas não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa,
salvo demissão do Governo ou dissolução da Assembleia
○ caso o TC se pronuncie pela não inconstitucionalidade da proposta, o
Presidente dispõe de 25 dias para convocar o referendo
○ há limites temporais para a convocação do referendo
● efeitos:
○ só será vinculativo se número de votantes for superior a metade dos eleitores
inscritos no recenseamento
■ se tal não se verificar, o referendo apenas será equivalente a uma
consulta não vinculativa
○ resposta negativa ao referendo vinculativo → é um comando normativo no
sentido negativo, Presidente não pode promulgar diplomas com aquele
conteúdo; se o fizer, a lei será ​ilegal
○ resposta positiva ao referendo → AR ou Governo têm 60 ou 90 dias para
aprovar diploma, não podendo o Presidente vetar por razões de discordância
com o conteúdo (apenas se achar que o mesmo contraria o referendo)

2.2 As resoluções normativas - normas regimentais

● regimentos dos órgãos colegiais constituem ​normas estatutárias,​ relativas à


organização e funcionamento dos mesmos, podendo também dispor sobre os
direitos e deveres dos seus titulares
○ regras têm função subsidiária face à constituição e à lei, devendo observar os
seus dispostos, sob pena de inconstitucionalidade (art 281º/1,c))
● não assumem natureza legislativa, visto que são aprovados sob forma de resolução
● têm conteúdo essencialmente interno, mas podem ter eficácia externa
● são normas sobre a normação, ao conter critérios de decisão sobre a produção de
outras → no entanto, a constituição ​não lhes confere caráter vinculativo
○ violação de regras regimentais por atos legislativos não prejudica validade
destes
● no entanto, se a constituição deixar certas matérias reservadas ao regimentos, a sua
violação por lei implica a inconstitucionalidade desta (160º/1,b))

3. Normas da função administrativa - o regulamento


● função administrativa visa a satisfação de interesses e do bem comum, podendo
fazê-los de diversas formas:
○ atos administrativos → individuais e concretos
○ contratos administrativos
○ regulamentos administrativos → gerais e abstratos
● a Administração Pública não limita a sua atividade à resolução de problemas
concretos inerentes à satisfação das necessidades coletivas que a função
administrativa prossegue → ela supõe igualmente a feitura de ​regulamentos
administrativos
● regulamentos administrativos​ → normas gerais e abstratas que, seja em execução
das leis, seja habilitada por estas, regulam as relações jurídicas administrativas e
fundamentam a prática de atos administrativos
○ lei não consegue regular todos os domínios da vida coletiva, visto que:
■ a sua politicidade é incompatível com normas não inovatórias e
puramente executivas
■ o procedimento para a aprovação de leis é mais agravado e moroso
do que para a edição de normas administrativas
■ há domínios específicos de reserva da administração
● elementos do regulamento:
○ art 135º CPA: “regulamentos são normas jurídicas gerais e abstratas, que, no
exercício de poderes administrativos, visem produzir efeitos externos”
○ elemento substancial
■ regulamentos são normas jurídicas ​gerais e abstratas​; assim sendo,
podemos reconhecer, ​a contrario sensu​, que há normas de direito
público desprovidas de generalidade e abstração
○ elemento funcional
■ regulamentos são normas produzidas “​no exercício de poderes
administrativos​”
■ invocação dos poderes funcionais que têm faculdade de produzir
normas regulamentares
■ alude a órgãos que, por habilitação legal, podem exercer a função
administrativa
○ atributo consequencial no âmbito da eficácia
■ regulamentos são normas administrativas destinadas a produzir
efeitos externos
■ só são regulamentos as normas administrativas com eficácia
intersubjetiva, e que não se esgotem no interior de uma pessoa
coletiva (os que não sejam regulamentos internos)

3.1 Parâmetros normativos das normas regulamentares

● segundo o art 143º do CPA, o regulamento administrativo deve respeitar:


○ a Constituição
○ o Direito Europeu e as convenções internacionais
○ a lei ordinária
○ os princípios gerais do direito administrativo
○ outros regulamentos de hierarquia superior
● princípio da legalidade:
○ precedência de lei​ → administração pública tem de atuar dentro dos limites
da lei, só podendo atuar se a lei a habilitar a tal
○ preferência de lei →​ regulamentos estão sujeitos à lei; se atos, contratos ou
regulamentos administrativos contrariarem a lei, os mesmos serão ilegais

3.2 Sinopse sobre o parâmetro de legalidade dos regulamentos

● quanto aos ​pressupostos de aprovação​ e à ​limitação legal da densidade reguladora


dos regulamentos, a ordem jurídica prevê:
○ regulamentos independentes:
■ podem conter disciplinas tendencial ou parcialmente inovatórias, em
termos próximos das leis
■ no entanto, carecem da pré-existência de uma lei que defina a
competência objetiva ou subjetiva para a sua emissão
● a falta de invocação de tal lei implica uma
inconstitucionalidade formal
■ regulamentos independentes devem assumir a forma de decreto
regulamentar, quando aprovados pelo
○ regulamentos autónomos:
■ normas administrativas (independentes ou de execução) emitidas por
órgãos integrantes da Administração autónoma
■ os órgãos da Administração autónoma, como as autarquias, as
universidades e as regiões autónomas, tendem a prosseguir
interesses próprios
○ regulamentos de execução:
■ dispõem de menor densidade reguladora, limitando-se a
complementar ou a concretizar as normas legais
● ex portarias e despachos normativos
■ regulamentos de execução devem invocar expressamente a lei que
complementam, sob pena de​ inconstitucionalidade formal
● regulamentos independentes do Governo devem assumir a forma de ​decreto
regulamentar
○ pode-se então inferir que será inconstitucional toda a norma legislativa que
não definir um regime jurídico, e que remeta para outro regulamento do
Governo que não o decreto regulamentar (como portarias e despachos
normativos) a disciplina desse mesmo regime, limitando-se a estabelecer a
competência objetiva e subjetiva da emissão da norma regulamentar
correspondente
○ ⇒ ​problema​: apenas decretos regulamentares estão sujeitos ao veto e
promulgação do Presidente, pelo que tal implicaria uma fuga à fiscalização
● constituição não admite ​regulamentos delegados​ → normas administrativas que,
mediante habilitação ou autorização legal, derroguem, integrem ou interpretem atos
legislativos (contra princípio da tipicidade da lei, art 112º/5)
4. Relações de hierarquia e lateralidade entre regulamentos administrativos

● hierarquia dos regulamentos governamentais, como estabelecido pelo CPA (art


138º/3 CPA):
○ decretos regulamentares ​→ hierarquia sustentada nos critérios orgânicos,
formais e materiais
○ resoluções normativas do Conselho de Ministros​ → critérios orgânicos e
formais
○ portarias
○ despachos ​(regulamentos individuais emitidos por um ministério ou
secretariado)
● critérios das relações de prevalência entre regulamentos do Estado e entidades com
poder regulamentar (autarquias, regiões, etc):
○ nas relações entre regulamentos do Estado e de outras coletividades
territoriais autónomas, o ​critério da hierarquia​ é limitado pela incidência do
critério da competência
○ daqui resultam:
■ ​relações de lateralidade​ → opera o critério da competência, que
ocorre sempre que a constituição e a lei atribuam a um dado ente
poderes exclusivos de regulação de um dado domínio material num
dado âmbito territorial
■ relações de preferência aplicativa​ → (mas não de revogação);
regulamentos de órgãos de grau superior têm preferência aplicativa
sobre os de órgãos inferiores, em domínios de concorrência paralela

A LEI NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS - A TEORIA DA LEI


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1. Lei na Ordem Constitucional de 1976 - reserva de lei em sentido vertical e
horizontal

● Constituição não define explicitamente a noção de lei, mas avança com critérios
positivos e negativos para a sua caracterização
○ doutrina convergiu para um sentido eclético de ato legislativo, tendo os
juspublicistas privilegiado a sua vertente formal e os jusprivatistas a sua
dimensão material
● será que os atos individuais e concretos, ou gerais e concretos, que são aprovados
com forma de lei, assumem efetiva natureza legislativa?
○ é importante verificar se constituição autoriza a lei a assumir qualquer
conteúdo, ou se lhe impõe necessariamente um conteúdo geral e abstrato
○ pode o legislador parlamentar e governamental, em qualquer circunstância,
emprestar às leis por si editadas o conteúdo que considera mais conveniente,
mesmo se este consistir num ato individual e concreto de aplicação de outras
leis?
■ ⇒ o mesmo seria enquadrável numa atividade administrativa, o que
implicaria uma apropriação pelo legislador de funções que estariam
normalmente confiadas à Administração
● reserva horizontal de lei:
○ a Assembleia detém a competência genérica para fazer leis sobre todas as
matérias (161º, c)), salvo as reservadas ao Governo, que por sua vez pode
legislar em todos os domínios não reservados ao Parlamento (198º/1)
■ ⇒ existe então uma ​reserva total de lei em sentido horizontal​,
podendo a lei dispor sobre todas as matérias sem exceção
● reserva vertical de lei.
○ situação é mais complexa no plano vertical
○ será que a densidade reguladora, ou seja, o grau de detalhe da lei, pode ser
de tal modo intenso que implique a ​expropriação por via legal do domínio
confiado constitucionalmente à autonomia privada, à atividade
administrativa e jurisdicional​?

1.1 Reserva vertical de lei e os seus limites

● TC defende a existência de domínios de ​autonomia privada​ garantidos contra


excessos de intromissão da lei no plano vertical
○ Ac nº 374/2004 (sobre negociação e contratação coletiva de trabalho)
■ ⇒ a lei, mesmo nas zonas de reserva, não pode ser densa ao ponto
de esvaziar os direitos reconhecidos aos privados
○ lei apenas pode reger a área, delimitando-a ou restringindo-a, mas deixando
um núcleo de matérias minimamente significativo
● quanto à tensão entre as funções legislativa e administrativa, será necessário aferir o
grau de legitimação dos atos do poder legislativo, como atividade dominante, para
ocupar o ​domínio material da Administração
○ jurisprudência e doutrina converge na seguinte ideia:
○ ⇒ segundo o princípio da separação de poderes, a lei não pode absorver
integralmente, no plano vertical, o universo material útil correspondente ao
exercício da função administrativa
● TC admite a existência de um ​núcleo essencial​ da atividade administrativa, imune a
apropriações abusivas por parte do poder legislativo
○ no entanto, fá-lo para delimitar as competências entre o Parlamento e o
Governo
● ao haver âmbitos materiais reservados à função administrativa, tal implicará que
uma lei que ofenda ou se aproprie do núcleo dessa função seja tida como
inconstitucional,​ por ofensa ao princípio da separação de poderes
● no entanto, a maior parte dos autores não se opõe à validade de atos
administrativos praticados sob forma de lei, desde que os mesmos sejam sindicáveis
junto da jurisdição administrativa

2. Lei e regulamento
● TC e STA reconhecem que ​não existe​ uma reserva geral de regulamento
governativo
○ fora de domínios específicos onde haja uma reserva necessária de
regulamento (autarquias, regiões, etc), a lei pode dispensar da sua
concretização por normas administrativas
● lei parlamentar pode, em função da sua hierarquia superior, revogar normas
regulamentares e ocupar domínios antes regidos por regulamentos
○ no entanto, essa mesma lei deve observar um conjunto de limites ao seu
poder revogatório, devido ao respeito que deve ter pelo núcleo da função
administrativa reservado ao Governo
● precisões necessárias:
○ lei tem de respeitar núcleo das funções própria do Governo
○ ato legislativo não pode revogar um regulamento sem ter previamente
revogado a norma legal que o habilitou
○ Governo não pode ser vinculado a exercer o seu poder regulamentar por
instruções da Assembleia
○ ⇒​ reserva vertical de lei aplica-se não só à prática de atos administrativos
por lei parlamentar, mas também ao domínio regulamentar

2.1 Sucessão das leis no tempo e regulamentos

● caducidade:
○ regulamento caduca:
■ com a verificação do termo ou condição resolutiva, se se encontrar
sujeito aos mesmos
■ com a revogação das leis que regulamentam, salvo se forem
compatíveis com a lei nova enquanto esta não for regulamentada
● revogação inter-regulamentar:
○ regulamento só pode ser revogado se essa revogação for acompanhada por
nova regulamentação, para evitar vazios jurídicos
○ se não houver nova regulamentação, a vigência do regulamento será
mantida até à entrada em vigor do novo regulamento
○ ⇒ no entanto, se a lei habilitante for revogada, entende-se que o legislador
quis deixar de disciplinar normativamente dado domínio material (revogando
então o regulamento)

3. Síntese sobre a problemática do conceito e do conteúdo da lei

● critérios constitucionais implícitos favorecem tese que caracteriza a lei em função da


sua ​forma, conteúdo político e força geral
● constituição identifica lei na base de uma tipificação de forma (112º/1) e de
hierarquia (112º/5), apenas impondo, cumulativamente, exigências de generalidade
e abstração do seu conteúdo a um número restrito de leis
● caracterização de lei por BLANCO MORAIS funda-se em critérios de ordem positiva
e estrutural
● quanto ao conteúdo político:
○ deliberação da lei é sempre precedida por um critério político de decisão,
visto que a atividade legislativa é uma subfunção da política
● quanto à forma:
○ o princípio da tipicidade da lei (112º/3) determina a ​inexistência​ de atos
legislativos fora dos três tipos específicos previstos (lei, decreto-lei e decreto
legislativo regional)
● quanto à força:
○ força geral de lei resulta do nexo causal entre superioridade hierárquica da lei
sobre as demais normas de natureza não específica
○ potência de valor baseia-se:
■ no princípio da legalidade, que supra-ordena os atos da função
legislativa face aos demais (art 203º e 266º/2)
■ e no princípio da tipicidade da lei, que proíbe a suspensão, alteração,
integração ou revogação da lei por outros atos normativos de distinta
natureza (112º/5)

3.1 Conclusão quanto à noção de lei

● lei​ → todo o critério político de decisão produzido e revelado sob a forma de lei pelos
órgãos titulares da função legislativa e que exprime uma relação de supremacia
sobre as demais normas internas e infraconstitucionais, desprovidas de natureza
política
● quanto ao conteúdo:
○ constituição não coloca barreiras ao conteúdo
○ legislador pode legislar sobre aquilo que julgar oportuno, salvo se a
constituição impuser generalidade e abstração a leis que incidam sobre
certos domínios, ou se a constituição consagrar domínios de reserva total
para a administração pública, que vedem a intromissão vertical dos atos
legislativos da atividade regulamentar

4. Reserva de lei em sentido amplo

● corresponde a um domínio material necessário de legalidade, o que implica:


○ prioridade exclusiva de regulação primária de matérias previstas na
constituição por parte de ​atos legislativos
■ daqui resulta um domínio material necessário de norma legal
inovadora e razoavelmente densa
○ interdição de deslegalizações na esfera das matérias que a constituição
atribui à lei
○ supremacia da lei sobre o regulamento, estando isto traduzido no princípio da
legalidade (precedência e preferência de lei)
● reserva de lei funda-se no princípio da separação de poderes (111º/1) e no princípio
representativo

4.1 Reservas específica de lei


● certas matérias encontram-se reservadas a certas formas específicas ou a certas
categorias de leis, devendo a lei assumir características especiais de caráter
material, orgânico ou formal
● quanto ao conteúdo:
○ reserva de lei geral e abstrata → 1 ​ 8º/3
○ reserva de lei de conteúdo geral → ​leis de bases (112º/2); devem apenas
fixar princípios e diretrizes gerais destinados a serem desenvolvidos por
outras leis
○ reserva de lei de conteúdo necessariamente não retroativo​ → 18º/3, 29º/2,
103º/3
● quanto ao órgão:
○ reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia​ → 161º, b), f), g)
e h); 164º
○ reserva relativa da Assembleia​ → 165º
○ reserva exclusiva de competência legislativa do Governo​ → 198º/2, reserva
de decreto-lei
○ reservas exclusivas de competência legislativa das regiões autónomas​ → a
nível de competências mínimas, 227º/1, l), n) e p)

5. A tipicidade da lei

● para além do seu conteúdo político, a lei é caracterizada pela sua​ forma e força
● a forma e a força de lei são valoradas no artigo 112º/1 e 5 pelo ​princípio da
tipicidade da lei
● deste preceito decorre que:
○ a fonte da lei reside na constituição
○ lei (​lato sensu​) decompõe-se em três formas específicas: lei (​stricto sensu)​ ,
decreto-lei e decreto legislativo regional
○ lei não pode ser objeto de interpretação, integração, modificação, suspensão
ou revogação com eficácia externa por atos não legislativos, nem que ela
própria autorize
■ daqui resulta uma ​força geral de lei​, ou seja, uma potência de valor
emergente de um nexo de conexão entre a posição hierárquica da lei
no ordenamento e a sua aptidão para revogar e resistir à revogação
intentada por outros atos não legislativos
○ nenhuma lei (englobando também decreto-lei e decreto legislativo regional)
pode criar outras formas e categorias de atos legislativos; apenas a
constituição o pode fazer

6. Pressupostos de admissibilidade das deslegalizações

● deslegalização​ → consiste numa operação determinada pela lei, através da qual


esta confere natureza regulamentar a normas que, anteriormente, revestiam forma e
valor legal
● certas formas de deslegalização são claramente inconstitucionais:
○ leis que desgraduam alguns dos seus preceitos ou preceitos de outras leis,
conferindo-lhes natureza regulamentar, pese o facto das mesmas incidirem
sobre matérias que a constituição comete à reserva de lei
○ lei rebaixa alguns dos seus preceitos, permitindo a sua revogação ou
modificação por normas regulamentares (violando o 112º/5)
○ lei que deslegaliza dada matéria, mas limita-se a conferir a sua regulação a
um regulamento de execução, como uma portaria, quando a sua emissão
reclamaria a forma de decreto regulamentar
○ nas regiões: estatutos são normas legais distribuidoras de tarefas nas
regiões → assim sendo, se o estatuto reservar certa matéria aos decretos
legislativos regionais, um mesmo não poderá revogar um regime inovador
constante noutro decreto e remeter para uma norma regulamentar
● no entanto, é admissível que fora da reserva de lei um ato legislativo altere algumas
das suas normas para um nível regulamentar ou que remeta para um regulamento
administrativo a regulamentação de certas matérias (desde que estejam claramente
fixados os critérios)

RELAÇÕES ENTRE CATEGORIAS DE LEIS NO ORDENAMENTO PORTUGUÊS


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1. Princípios estruturantes das relações inter-legislativas

● há uma necessidade de o operador jurisdicional solucionar antinomias entre normas


● o conflito nem sempre pode ser resolvido com base na hierarquia material, de
competência ou de procedimento agravado, mas sim atendendo a juízos de
ponderação, a partir de princípios constitucionais reitores do Estado de Direito
democrático
○ no entanto, não é possível julgar a inconstitucionalidade de uma norma
apenas através dos princípios: se assim fosse, seria possível uma lei revogar
uma lei reforçada, apenas por consagrar princípios materiais do Estado de
Direito
■ isto levaria a uma distorção da vontade do decisor democrático por
parte do intérprete, e levaria também a uma falta de segurança
jurídica
● assim sendo, deve-se aferir se a norma em questão tem condições lógicas e
orgânico-formais para ser convocada, antes de examinar a validade material à luz
dos princípios constitucionais de recorte axiológico
○ ⇒ os critérios estruturantes das relações entre leis devem ter precedência
aplicativa sobre os princípios constitucionais de ordem material
○ antes de se fiscalizar a constitucionalidade no plano material, há que aferir se
a norma é formalmente eficaz

2. Antinomias no contexto das relações inter-legislativas


● antinomia legislativas​ → situações reais ou aparentes de desconformidade ou
oponibilidade entre o conteúdo de atos legislativos, quando os mesmo prosseguem
um fim comum e incidem sobre as mesmas matérias, mas se contradizem
● as antinomias podem ser qualificadas como:
○ aparentes​ → quando solucionadas através de critérios objetivos e lógicos,
imediatamente aplicáveis (como o critério da cronologia, lei posterior revoga
a anterior)
○ perfeitas​ → quando a colisão entre leis não contraria o disposto na
constituição (ex.: prevalência da lei especial sobre a geral)
○ imperfeitas​ → quando uma norma legal colide invalidamente com outra,
nomeadamente por violação de reservas de competência, de procedimento,
entre outros aspetos vinculativos pela constituição
○ totais​ → quando a colisão envolve integralmente dois preceitos normativos
○ parciais​ → quando a mesma oposição se restringe a parcelas normativas
● a resolução de antinomias deve ser resolvida através de critérios lógicos ou
teleológicos

2.1 Critérios lógicos

● emergem em qualquer ordenamento democrático-pluralista, independentemente de


se encontrarem explicitamente consagrados na constituição; são condições
imanentes da sua coerência, unidade e vocação de completude

2.1.1 Critério da cronologia

● previsto nos artigos 1º e 2º do Código Civil, fundando-se no caráter inesgotável da


função legislativa → visto que o legislador legislar a todo o tempo, a manifestação
mais recente da sua vontade deve prevalecer sobre a anterior
● pressupostos da aplicação deste critério:
○ sucessão cronológica entre duas leis
○ existência de um conteúdo isomórfico (identidade de fim) e isométrico
(identidade de âmbito de aplicação) das duas leis em tensão
○ existência de uma intenção revogatória na lei nova, ainda que tácita
● preenchidos os pressupostos, a colisão é resolvida por meio de uma automaticidade
que pode ter caráter explícito (lei nova dispõe expressamente sobre a cessação de
vigência da lei antiga) ou implícito (intérprete assume a cessação da lei antiga)
● o critério da cronologia é de ​caráter supletivo​ face aos demais, não se aplicando
quando em contraste com os princípios teleológicos
● antinomias aparentes são o objeto primário de incidência deste critério

2.1.2 Princípio da especialidade

● quando duas leis de densidade ou extensão distinta regulam de modo diverso a


mesma situação de facto, o ordenamento concede prevalência à previsão menos
ampla (lei especial) sobre a mais ampla (lei geral) ⇒ lei especial revoga lei geral
● a relação de especialidade entre duas leis é essencialmente uma relação de
cabimento → a proposição legal menos extensa cabe no âmbito da mais extensa
○ lei especial envolve regime normativo especial, incidindo apenas num
determinado setor da lei geral e determinado para este uma normação
própria
○ a ​lex specialis​ exprime vontade particularizadora que procura afastar um
setor da ​facti-species
● BLANCO MORAIS: lei excecional pode ser considerada uma especialidade
qualificada, ao determinar uma solução contrária à do regime geral → efeito de
aplicação preferencial de uma lei especial ou excecional sobre a lei geral será o
mesmo
● prevalência da lei especial é justificada pelo Estado de Direito → lei especial atende
às particularidades da situação de facto, visando também a justiça
● ⇒ princípio da especialidade prevalece sobre o da cronologia, mas cede perante os
critérios teleológicos

2.2 Critérios teleológicos

● resultam e uma opção específica de programação de política constitucional para a


estruturação das relações entre leis num Estado em concreto (pelo que a sua
incidência varia de ordenamento para ordenamento)
○ a sua consagração depende da arquitetura do sistema político de governo,
da divisão de tarefas entre órgãos e do modelo de organização territorial

2.2.1 Princípio da hierarquia

● supõe estrutura escalonada entre leis, onde as de escalão superior prevalecem


sobre as de escalão inferior (verticalidade kelseniana)
● no entanto, este princípio tem tido algumas transformações resultantes da divisão de
tarefas entre órgãos, o que levou à criação de diferentes espécies de hierarquia
● hierarquia formal
○ aptidão de uma lei de grau superior revogar ou condicionar a validade de
outras leis de grau inferior, sem que o contrário possa acontecer
○ no ordenamento português, tem-se adotado a ​tese da norma de
reconhecimento​, compatível com o princípio da tipicidade da lei (112º/5)
■ segundo a mesma, uma lei encontra-se num escalão superior quando
essa hierarquia lhe é reconhecida, expressa ou implicitamente, pela
norma superior, a Constituição
■ a elevação de uma categoria legal a um escalão superior depende da
intenção específica manifestada por parte do decisor constitucional
○ os​ estatutos político-administrativos​ são a única subcategoria legal ordinária
de hierarquia formal superior às restantes (dispõem de hierarquia material e
formal)
■ ⇒ isto porque a constituição os destaca como parâmetro material
vinculante e padrão de controlo da legalidade de todas as restantes
categorias normativas, tornando a validade do estatuto apenas
tributária da constituição
■ o estatuto não pode ser ilegal por entrar em colisão com outras leis
reforçadas; ele é a única lei reforçada dotada de hierarquia superior
● hierarquia material:
○ faculdade de certas leis de natureza subordinante poderem vincular o
conteúdo de outras leis, que com elas devam existir numa posição
subordinada
○ ao contrário da hierarquia formal, que é uma hierarquia integral, a hierarquia
material é ​parcial​ assumindo uma geometria variável
○ a lei subordinante é o protótipo matricial de outras leis, contendo princípios,
diretrizes, orientações de ação e proibições de contradição
○ prevalência material acontece no cenário típico de duas leis coexistentes
dentro da mesma matéria, em que um dos atos legislativos vincula o outro
■ no entanto, nenhuma das leis detém em si uma maior um menor
força, tudo se reconduz às relações entre os atos legislativos
■ a mesma lei pode ser subordinante e subordinada, como acontece em
casos de “correntes normativas” → lei de bases subordina decreto-lei,
que subordina regulamento
○ prevalência material ocorre em três quadros de referência:
■ concorrência complementar​: relação entre leis de base/de
enquadramento e atos legislativos de desenvolvimento ou execução
■ concorrência derivada:​ relação entre lei de autorização parlamentar e
atos legislativos autorizados, que a mesma habilita e condiciona
■ concorrência alternada​: leis de base ou de enquadramento vinculam
conteúdo de diplomas legais que as invocam como seu parâmetro de
referência
■ ⇒ há ainda uma ​concorrência paralela​, entre os órgãos de soberania
e as regiões: depois da extinção das leis gerais da república em 2004,
deixou de existir uma hierarquia material dos princípios destas leis
sobre os diplomas legais das regiões

2.2.2 Princípio da competência

● justifica a atribuição a um determinado órgão, com a eventual exclusão dos demais,


do poder de editar atos legislativos em relação a uma matéria, num espaço territorial
determinado e num prazo devido
● critério pressupõe uma separação de órgãos, de categorias legais e de esferas
materiais ⇒ fundamento é princípio da separação de poderes e a divisão de tarefas
● competência reveste natureza mista, ao abarcar:
○ elementos formais​ → órgãos de poder e os títulos legislativos que selam as
normas aprovadas por esses mesmos órgãos
○ elementos substanciais​ → titularidade do poder de legislar; reserva material
onde o referido poder incide; âmbito territorial e eventualmente temporal da
sua incidência normativa
● a titularidade pode assumir duas modalidades:
○ primária​ → órgão constitucionalmente previsto para editar atos legislativos,
de conteúdo inovatório, sobre determinadas matérias; é o caso da
Assembleia da República, e, em certas matérias, o Governo e as regiões
autónomas
○ sub-primária​ → órgão que dela seja portador deve uma necessária
observância a limites paramétricos fixados por certas leis interpostas entre a
constituição e as normas legais editadas ao abrigo desse poder; ex.: Governo
pode legislar, mas tem de respeitar a autorização
● reserva de lei pode decompor-se em:
○ reserva total​ → pressupõe que todo o regime inovatório de uma matéria deve
ser esgotada, em termos de densificação, pela legislação de um determinado
órgão
○ domínio reservado​ → supõe a existência de dois âmbitos materiais presentes
na órbita da mesma matéria, afetos à regulação de leis diferentes que
poderão ser emitidas por órgãos diferentes
● existe um efeito secundário eventual do princípio da competência, articulado com o
da cronologia, que pressupõe fenómenos de tensão constitutiva entre atos
legislativos
○ caso de autorizações legislativas em que o diploma autorizado, emitido pelo
Governo, revoga um conjunto de legislação precedente da Assembleia,
podendo ,por seu turno, o diploma autorizado ser revogado pelo órgão
habitualmente competente, num quadro de avocação de poderes

● corolários do princípio da competência no ordenamento português

○ reserva de constituição na delimitação das competências legislativas


■ apenas a constituição pode fixar as competências legislativas, não
podendo a lei ordinária fazê-lo; no entanto, é possível retirar
competências implícitas da Lei Fundamental, desde que não haja
uma apropriação do núcleo de competência reconhecido a outro
órgão
○ consumpção de uma reserva de densificação total
■ ao órgão que tem a reserva do poder legislativo, está interdita a
possibilidade de legislar de forma incompleta, indeterminada ou
imprecisa, de modo a que venha outro órgão completar os seus
preceitos
○ taxatividade constitucional das delegações legislativas
■ 111º/2 → autorizações legislativas de um órgão para o outro
dependem de uma expressa habilitação constitucional
■ Governo não pode subdelegar os seus poderes para as assembleias
legislativas regionais
○ tempus regit actum
■ se normas constitucionais atributivas de competências legislativas a
um órgão forem objeto de revisão constitucional, tal facto não afetará
a validade das leis produzidas ao abrigo do direito constitucional
antigo
■ efeito da revisão vale apenas para o futuro ⇒ princípio da segurança
jurídica
○ restrições ao regime de fixação de limites à atividade legislativa
■ órgão só pode limitar exercício de competência legislativa de outro
nos termos estritos da constituição
■ Assembleia não pode fixar, numa lei de autorização legislativa, limites
ao diploma autorizado tão estritos e detalhados que retirem o sentido
útil ao mesmo, mas também não se pode restringir a uma enunciação
demasiado generalizada que redundam numa inconstitucionalidade
por desvio do poder

2.2.3 Princípio do procedimento agravado

● cria uma maior rigidez de certas leis ordinárias, como consequência da associação
entre uma reserva de competência exclusiva de ato legislativo e um trâmite de
produção especializado que a constituição determina para o ato
● todas as leis de valor reforçado são um produto exclusivo do poder parlamentar,
integrando-se toda na reserva da competência da Assembleia e das assembleias
legislativas regionais
○ a essencialidade política da matéria coberta pela reserva justifica que a
constituição lhe tente incutir o mais elevado grau de exclusividade
○ tramitação agravada visa produzir decisão que é política e normativamente
mais intensa do que a comum, sendo necessários consenso mais alargados
● leis orgânica​ → disciplinam matérias às quais se reconhece uma importância
para-constitucional e que são aprovadas por ​maioria absoluta​ dos deputados
efetivos; são a categoria legal típica de lei regida pelo princípio do procedimento
agravado
● leis com procedimento agravado podem, de acordo com o princípio da hierarquia
formal e da competência, revogar ou alterar leis de caráter comum, mas não podem
conferir ou transmitir rigidez às normas legais simples
● infração de leis de valor reforçado envolve inconstitucionalidade indireta

2.3 Cúmulo, colisão e preferência de critérios

● critério da competência​ prevalece sobre os demais


● critério hierárquico prevalece sobre os critérios lógicos e completa o critério da
competência
● critério do procedimento agravado promove relações de separação ou lateralidade
entre categorias legais atribuídas à competência do mesmo órgão
○ é um critério complementar em relação aos princípios da hierarquia e da
competência
● critérios lógicos são supletivos face aos teleológicos, ocupando o da cronologia a
última posição

OPERATIVIDADE LEGISLATIVA
AJJAJA
1. Noção de operatividade legislativa

● operatividade legislativa​ → lei em ação; conjunto de efeitos manifestados pela


norma legal nas suas relações

CATEGORIAS DE ATOS LEGISLATIVOS


KKAKK
1. Atos legislativos comuns e atos legislativos de valor reforçado

● atos legislativos comuns​ devem definir-se como todos aqueles:


○ cujo procedimento formativo corresponde ao itinerário geral de produção
ordinária fixado na constituição (procedimento não é caracterizado pelo seu
caráter especializado ou agravado)
○ cujas normas se encontrem investidas numa hierarquia comum, nos termos
dos artigos 112º/1 e 2, não assumindo natureza de padrão de referência de
outros atos legislativos
● leis de valor reforçado​ → resultam da conjugação dos critérios previstos no art.
112º/3 e no art. 281º/1, b)
○ são normas legais que se devam fazer respeitar, passiva ou ativamente, por
outros atos legislativos, sob pena de ilegalidade destes últimos
○ respeito passivo​ → advém do procedimento agravado de produção; ex.: leis
orgânicas, leis aprovadas por maioria de ⅔ e leis geradas por reserva de
iniciativa heterónoma
○ respeito ativo​ → resulta da capacidade de certas leis condicionarem
conteúdo de outras normas; ex.: leis de base, leis de enquadramento e leis
de autorização

2. Noção de lei reforçada na Constituição atual

● não há uma definição dogmática de lei de valor reforçado


● legislador convoca critérios ligados à parametricidade material e ao procedimento
agravado como requisitos alternativos e não necessariamente cumulativos
● para identificar leis e valor reforçado, o legislador menciona:
○ dois critérios formais
■ leis orgânicas
■ leis aprovadas por maioria de ⅔
○ critério material
■ leis que sejam pressuposto normativo de outras → leis de bases, leis
de autorização legislativa, leis de enquadramento
○ critério misto de caráter residual
■ leis que por outras devam ser respeitadas
● leis que não são ato-condição ou pressuposto de outras, mas
que devem fazer-se respeitar ⇒ leis de bases e de
enquadramento do universo concorrencial, quando invocados
por decretos-leis e decretos legislativos regionais como seu
parâmetro
● leis duplamente reforçadas pela parametricidade material e
pelo procedimento ⇒ estatutos político-administrativos, leis
das grandes opções dos planos, lei do Orçamento de Estado,
etc
● resumindo, as leis têm valor reforçado em razão do seu ​procedimento especial e
agravado​, tendo assim uma maior rigidez; e em razão da sua ​parametricidade
material​, seja por constituírem um pressuposto necessário de outras normas, que
devam ser respeitadas por outras
● BLANCO MORAIS critica noção de lei reforçada à luz da constituição atual
○ critica heterogeneidade de leis abrangidas pelo artigo, que leva à
redundância e descaracterização dos diferentes tipos de lei com valor
reforçado
○ apresenta definição para lei de valor reforçado ⇒ “lei reforçada é uma que
se faz respeitar, ativa e passivamente, por outro atos legislativos, sob pena
de ser considerada ilegal”

3. Leis reforçadas pelo procedimento e pela parametricidade material, e leis


duplamente reforçadas

● leis reforçadas pelo procedimento


○ estribam o seu valor normativo em elementos constitutivos orgânico-formais
○ constituem expressão exclusiva do poder parlamentar
○ constituem atos de densidade variável que manifestam efeitos através da sua
rigidez → intenta consumir integralmente a matéria da sua reserva
○ revogam a demais legislação ordinária sem serem revogadas
○ destinam-se a limitar decisor maioritário, favorecendo um maior consenso
● leis reforçadas pela parametricidade material
○ hierarquia material assume-se como um atributo puramente substancial
○ resultam de uma titularidade pluri-institucional da função legislativa (ex.: leis
de bases emitidas pela AR ou pelo Governo
○ albergam normas incompletas que exprimem operatividade por via do seu
lado ativo, vinculando o conteúdo de outros atos → partilha matéria com
outras leis, fixando-lhes princípios e diretrizes
○ não se destinam a revogar outras leis, mas sim a coexistir com elas
○ respeitam à partilha de tarefas no exercício da função legislativa
● leis duplamente reforçadas
○ portadoras de uma maior rigidez do que a legislação comum, e vinculam
materialmente o conteúdo de outras leis
○ ex.: estatuto político-administrativo, lei do Orçamento de Estado
4. Apreciação na especialidade às categorias legais com valor reforçado

● apenas uma parte das leis orgânicas é sujeita a uma votação obrigatória na
especialidade em Plenário
● votação na especialidade das normas que compõem as leis orgânicas encontra-se
sujeita a uma pluralidade de maioria qualificadas: maioria simples como regra;
maioria absoluta num caso (255º); e maioria de ⅔ no respeitante a três matérias
● sub-categoria específica das leis orgânicas em matéria eleitoral depende de uma
reserva de iniciativa das assembleias legislativas regionais

LEIS REFORÇADAS PELO PROCEDIMENTO


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1 As leis orgânicas

● é a única categoria de lei reforçada cujo valor foi expressamente reconhecido pela
constituição
● leis orgânicas abarcam os seguintes domínios (art 166º/2, 164º e 255º)
○ matérias político-institucionais de âmbito nacional
○ disciplina de direitos fundamentais de natureza política
○ matérias relativas à autonomia territorial, que se decompõem em:
■ domínios de natureza eleitoral
■ domínios de natureza financeira
■ domínios de natureza organizativa
● integram a reserva absoluta de competência da Assembleia
○ assim sendo, decretos-leis e decretos legislativos regionais não podem tratar
de matérias correspondentes, sob pena de inconstitucionalidade orgânica
● reserva de procedimento agravado leva à inconstitucionalidade formal de qualquer
lei parlamentar aprovada que trate das matérias do domínio material reservado às
leis orgânicas
● requisitos formais:
○ título formal e numeração própria
○ aprovação​ → aprovação é feita por maioria absoluta dos deputados em
efetividade de funções
■ algumas leis orgânicas exigem ainda a aprovação da lei na
especialidade, sendo esta geralmente feita por maioria simples
(116º/3)
■ no entanto, algumas leis orgânicas exigem aprovação na
especialidade por maioria absoluta
○ controlo de mérito​ → veto qualificado
■ caso o PR vetar politicamente o diploma, a superação do mesmo
apenas ocorre mediante confirmação do diploma por maioria de ⅔,
desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade
de funções
○ fiscalização preventiva​ → há um alargamento do espectro de órgãos
legitimados a iniciar semelhante processo de controlo ao PM e a ⅕ dos
deputados da Assembleia
■ há um regime de promulgação vedada que impede ao Chefe de
Estado de promulgar o decreto num prazo de 8 dias após o envio do
decreto ao PM, e, se se tiver desencadeado um processo de
fiscalização preventiva, enquanto o TC não se pronunciar sobre a
questão
○ há uma ​reserva de plenário​ para efeitos de votação na especialidade de leis
orgânicas

2 Leis e disposições de lei aprovadas por uma maioria de ⅔

● leis de valor reforçado são também aquelas que carecem de aprovação por maioria
de ⅔, por força do artigo 112º/3
● no caso das ​leis​, 168º/6 não esclarece se apenas é necessária a maioria de ⅔ na
votação final global, ou se engloba também a votação na generalidade e na
especialidade
○ BLANCO MORAIS: face à ambiguidade do texto, defende que a maioria de ⅔
se aplica na votação na generalidade, na especialidade e na votação final
global
○ JORGE MIRANDA: apenas é necessária maioria de ⅔ na votação final global
● no caso das ​disposições​ de lei que carecem de ⅔, a constituição não especifica, de
novo, de qual das votações se trata
○ no entanto, assume-se que a maioria é apenas exigida na ​especialidade,​
requerendo as restantes apenas maioria simples
○ assume-se que é na especialidade, visto que é nesta fase que o diploma é
votado norma a norma
● relativamente ao veto, podemos verificar que constituição é omissa relativamente a
estas leis estarem, ou não, sujeitas a um ​veto qualificado​, não as inscrevendo no
136º/3
○ será que se deve aplicar a regra geral do 136º/2? → se o fizéssemos,
tratar-se-ia de um veto simples, pelo que a maioria necessária para o reverter
seria menos onerosa do que a maioria requerida para aprovar a lei
○ confirmação deve estar sujeita ao mesmo regime oneroso que a votação

LEIS REFORÇADAS PELA PARAMETRICIDADE MATERIAL


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1. Leis de bases

● consistem numa categoria legal que contém princípios e diretrizes genéricas - as


bases gerais - que traçam opções políticas primárias e fundamentais de determinado
regime jurídico
○ são normas de grande generalidade, que se destinam a ser desenvolvidas
por outras leis, que lhes estão subordinadas
● as bases legais são:
○ normas primárias de caráter incompleto​ → não têm caráter auto-aplicativo
nem eficácia intersubjetiva; carecem de desenvolvimento por legislação
subordinada
○ normas com supremacia hierárquica material​ → tal supremacia traduz-se
numa supra-ordenação funcional em relação à legislação que procede ao seu
desenvolvimento
○ normas de direção política​ → traduzem um programa normativo que define
linhas mínimas de uniformidade, apresentando uma generalidade normativa
qualificada e incompleta
● competência para a aprovação:
○ Assembleia, Governo e assembleias legislativas regionais podem aprovar
bases
○ no entanto, a maioria das bases gerais integram-se na reserva legislativa da
Assembleia
○ Assembleia pode produzir leis de base no âmbito da sua reserva absoluta,
reserva relativa ou no âmbito da área concorrencial com o Governo
○ Governo pode aprovar decretos-leis de bases mediante autorização
legislativa, na esfera da reserva relativa da Assembleia, e no âmbito da
concorrência alternada com a Assembleia e paralela com as assembleias
legislativas regionais
○ Assembleias legislativas regionais podem aprovar decretos legislativos
regionais de bases, mediante autorização legislativa, nas matérias
respeitantes a bases previstas na reserva relativa da Assembleia, excluindo
algumas matérias constantes no art 227º/1, b)
● competência para o desenvolvimento:
○ apesar de se concordar que o Governo e as assembleias legislativas
regionais dispõem da competência para desenvolver leis de base, a doutrina
não é unânime quanto à competência da Assembleia para o fazer
○ há quem defenda, ao abrigo do artigo 161º, c), que a Assembleia tem
competência para desenvolver as leis de base , em concorrência com o
Governo
○ outros negam, no todo ou em parte, essa faculdade ao Parlamento,
defendendo a existência de domínios reservados ao Governo quanto a essa
atividade
○ BLANCO MORAIS: defende existência de um domínio complementar
reservado ao Governo
○ TC: admite que o Governo e o Parlamento concorrem no desenvolvimento
das bases de reserva parlamentar

1.1 Bases gerais reservadas à Assembleia da República

● no caso de haver uma reserva absoluta, são bases que apenas podem ser
aprovadas pela Assembleia; no caso de reserva relativa, também o Governo e, em
certas matérias, as assembleias legislativas regionais, mediante autorização
legislativa
● predicados a propósito destas bases:
○ órgãos que dispõem de competência para desenvolver estas bases apenas o
podem fazer através do ato legislativo
■ desenvolvimento de bases gerais dos regimes jurídicos mediante
regulamento administrativo é ​inconstitucional
○ desenvolvimento de bases tem de ter em conta as diretrizes fixadas pelas
leis de bases e a existência de legislação nesse mesmo domínio
○ lei de bases respeitante à reserva da Assembleia deve ser respeitada pelos
atos legislativos emitidos pelo Governo e pelas assembleias legislativas
regionais, visto que lei de bases é o seu ato pressuposto, o que implica que:
■ o Governo e as assembleias legislativas não podem inovar acerca
dos domínios tratados na lei de bases de reserva parlamentar, sob
pena de ​inconstitucionalidade orgânica
■ a legislação de desenvolvimento não pode contrariar as bases, sob
pena de ​ilegalidade​ do ato legislativo
■ o Governo e as assembleias legislativas têm de invocar as bases
respeitantes ao desenvolvimento que realizam, sob pena de
inconstitucionalidade formal
■ em caso de omissão total de bases, o Governo e as assembleias
legislativas não podem emitir legislação sobre essa matéria, sob pena
de ​inconstitucionalidade orgânica​ (há falta de pressuposto legal)
● pode a Assembleia da República legislar em detalhe sobre certa matéria, sem
invocar as bases gerais de reserva parlamentar, ou pode aprovar disciplina
pormenorizada, sem a pré-existência de bases?
○ BLANCO MORAIS: defendendo a reserva governamental do
desenvolvimento de bases de reserva parlamentar, tal seria organicamente
inconstitucional
○ entendendo que a Assembleia pode desenvolver as suas próprias bases,
então:
■ leis parlamentares não são obrigadas pela CRP a invocar as leis de
bases ​parlamentares
■ leis parlamentares não são obrigadas a respeitar as bases gerais a
cujo desenvolvimento procedem
■ deve-se ao princípio da competência → se Assembleia tem
competência para aprovar bases e a legislação que as desenvolve,
então pode prescindir de invocar as leis já aprovadas por ela mesma
■ ⇒ Assembleia pode renunciar à sua competência para emitir
determinada lei de bases, emitindo apenas legislação detalhada que
esgote toda a matéria em causa

1.2 Bases da esfera concorrencial

● bases da esfera concorrencial podem ser indistintamente editados pelo Governo e a


Assembleia, ao abrigo das normas que fundamentam as competências concorrentes
(161, c) e 198º/1, d))
● assim sendo, prevalece o princípio da cronologia e leis e decretos-leis de base
podem revogar-se mutuamente
● quanto à relação entre as bases da esfera concorrencial e a legislação de
desenvolvimento, é importante reter que:
○ visto que a constituição nada prevê sobre as bases da esfera concorrencial,
ambos o Governo e o Parlamento podem legislar no plano do detalhe, sem a
existência prévia de bases gerais → bases gerais não constituem
ato-pressuposto
○ havendo um ato legislativo de bases feito por um dos órgãos, eles podem:
■ desenvolver essa lei
■ revogar a lei mediante novo ato legislativo de bases ou de detalhe
■ aprovar atos legislativos de conteúdo parcialmente contrário às bases,
que as derrogue tacitamente
● relativamente ao ​poder legislativo do Governo​, podemos destacar dois cenários:
1. decreto-lei, por pura vontade do Governo, uma lei de bases como seu
parâmetro de referência
a. Governo auto-vincula-se, nos termos do artigo 112º/2
b. se não respeitar lei de bases à qual se vinculou, decreto sofre de
ilegalidade
2. decreto-lei, por inexistência de obrigação, não invoca lei de bases
preexistente como seu parâmetro
a. Governo não se encontra sujeito à auto-vinculação do 112º/2
b. assim sendo, este decreto-lei pode revogar ou alterar, expressa ou
tacitamente, essas bases
● ⇒ lei de bases da área concorrencial é uma ​lei de valor reforçado enfraquecida
○ natureza reforçada das leis de bases da área concorrencial decorre do quarto
critério do art 112º/3 → leis que por outras devam ser respeitadas
● bases aprovadas no domínio concorrencial entre os órgãos de soberania vinculam a
legislação comum das regiões autónomas

1.3 Aceção material do conceito constitucional de bases gerais

● noção de princípios e bases gerais dos regimes reclama a edição de leis de caráter
complementar que as desenvolvam → uma simples norma geral não pode ser tida
como base
● bases constituem normas e princípios não exequíveis por si próprios que não podem
ser concretizados por via regulamentar ou por ato administrativo
○ bases não têm eficácia intersubjetiva

1.4 Em que consistem e não consistem bases gerais?

● não são tidas como bases gerais:


○ as disposições normativas que não garantam ao legislador liberdade para
complementar o regime jurídico em questão
○ normas que procedam a meras remissões para outras leis
○ se houver ​reserva de densificação total​ atribuída à Assembleia, a mesma
será responsável por consumir toda a matéria em questão, não podendo
compartilhá-la com o Governo
■ se Assembleia emitir bases em área da sua reserva em que as
mesmas não são consentidas, essa lei de bases incorre em
inconstitucionalidade material​, fundada em desvio de poder
■ decreto-lei que desenvolver tal base incorre em ​inconstitucionalidade
orgânica
■ equivalente é: no domínio da competência concorrencial alternada, o
fenómeno de decretos-leis ou leis ordinárias de tipo comum que
reclamam a sua regulamentação por regulamento administrativo, mas
que acabam por ser concretizadas por outro decreto-lei, que invocam
geralmente o art 198º/1,c)

1.5 Vicissitudes da relação entre a lei de bases e a legislação complementar

● revogação da legislação complementar por uma lei de bases


○ papel das leis de bases não é o de revogar legislação complementar, mas
sim o de coexistir com a mesma, prevalecendo materialmente sobre esta
○ no entanto, se estivermos perante uma ​lei de bases de matéria concorrencial​,
esta pode revogar quer legislação complementar da lei de bases revogada,
quer legislação que subsistia antes de existirem bases gerais sobre a matéria
em causa
■ ⇒ prevalecem os princípios da cronologia e da especialidade
○ quanto às ​bases da reserva absoluta​ da Assembleia, a possibilidade de estas
revogarem legislação complementar depende do entendimento doutrinal
■ BLANCO: defendendo a reserva governamental de desenvolvimento
de bases, afirma que essa revogação incorreria em
inconstitucionalidade orgânica
■ no entanto, para quem não defende essa reserva governamental, é
possível admitir que uma lei de bases emitida pela Assembleia possa
revogar legislação complementar → poderia fazê-lo através de uma
norma revogatória como cavaleiro de lei de bases
● revogação supressiva de lei de bases não determina caducidade automática da
respetiva legislação complementar
○ vigência da legislação complementar não depende da lei de bases que a
condiciona
○ devido a tal facto e à segurança jurídica, não ocorre caducidade automática
da legislação complementar quando se dá a revogação da lei de bases
○ no caso de substituição de lei de bases, a legislação complementar tem de
ser confrontada com a lei nova vigente, não se podendo manter em vigor se
lhe for contrário, sob pena de ilegalidade
● efeitos da alteração da lei de bases na respetiva legislação complementar:
○ alterações feitas à lei de bases não levam à caducidade das normas legais
de desenvolvimento, mas obrigam a que estas sejam alteradas, de maneira a
assegurar a conformidade entre as mesma
● emissão da legislação de detalhe sem prévia aprovação de uma lei de bases num
domínio de reserva parlamentar
○ se a lei de bases e a legislação complementar forem indispensáveis para dar
exequibilidade a normas constitucionais não exequíveis por si próprias,
estamos perante ​inconstitucionalidade por omissão

2. As leis de enquadramento

● leis de enquadramento (ou leis-quadro) não se encontram definidas na constituição


● leis-quadro​ → atos legislativos paramétricos a outras leis que estabelecem vínculos
normativos de densidade variável às normas legais que as desenvolvem e
concretizam, fixando regras procedimentais que dispõem sobre aspetos da produção
das segundas
● as leis-quadro são:
○ normas primárias sobre a normação​, que projetam vínculos materiais e
procedimentais sobre a legislação mais detalhada
○ materialmente superiores​ em termos de hierarquia
○ leis de parametricidade variável​, visto que podem ser idênticas às leis de
bases, apenas fixando princípios e diretrizes gerais, como podem também ter
um ​quid pluris
● competência para edição e desenvolvimento de leis de enquadramento
○ parte da doutrina defende que leis de enquadramento se distinguem das leis
de bases por integrarem ​obrigatoriamente​ a reserva da Assembleia, visto que
as leis-quadro previstas na constituição integram a reserva absoluta desse
órgão
■ no entanto, o ordenamento admite a existência de leis-quadro, tanto
no âmbito das matérias da reserva absoluta da Assembleia, como
também no âmbito da matéria concorrencial entre esta e o Governo
■ às leis-quadro da esfera concorrencial aplica-se um ​regime idêntico
ao das leis de bases nas mesmas circunstâncias​ ⇒ ambos os órgãos
podem criar e desenvolver leis-quadro
○ quanto às leis-quadro constitucionalmente previstas, a sua densificação pode
ser feita de diferentes maneiras:
■ art 227º/1, i) → desenvolvimento por decretos legislativos regionais
■ art 227º/1, n) → fixa procedimento e princípios gerais, que devem ser
observados pelas leis que os executem
■ art 164º, r) → habilita lei do Orçamento do Estado e os decretos
legislativos regionais que aprovem os orçamentos das regiões
■ art 293º → desenvolvimento feito por decretos-leis
■ art 256º/1 → desenvolvimento por ato parlamentar
● revogação não substitutiva​ de uma lei-quadro não leva à caducidade da legislação
que dela depende
● quanto à ​revogação substitutiva​, esta implica modificações nos diplomas
dependentes da lei revogada, sob pena de ilegalidade dos mesmos
● situações que não carecem de adaptação da legislação habilitada:
○ lei-quadro que habilita a lei do OE → vigoram princípios de anualidade
orçamental

2.1 Conteúdo normativo das leis-quadro

● há consenso na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade das leis-quadro


conterem tanto princípios e bases como normas paramétricas mais detalhadas
● estas leis fixam com algum pormenor regras jurídicas estruturantes
○ alguns autores, relativamente às leis-quadro que se inserem na reserva
parlamentar, defende, que estas devem ser normativamente densificadas →
devem conter disposições procedimentais e não dispensam de atos
legislativos subsequentes
○ outros defendem que leis-quadro podem conter referências normativas
características das leis de bases, não se limitando, no entanto, a estas →
devem estabelecer parâmetros procedimentais através de normas dotadas
de algum detalhe
● estrutura normativa das leis-quadros não é uniforme, podendo conter:
○ princípios e bases gerais​ dos regimes cuja exequibilidade depende de
legislação complementar
○ normas procedimentais detalhadas​ que rejam a produção dos atos
legislativos vinculados
○ critérios gerais inovatórios de caráter essencial​ para a definição do regime
jurídico
● diferentes categorias de leis-quadro:
○ leis integradas na reserva parlamentar que constituição define explícita ou
implicitamente como de enquadramento
○ leis auto-qualificadas como de enquadramento mas que incidem sobre
matéria respeitante às bases gerais reservadas à Assembleia da República
○ as que são emitidas na esfera concorrencial entre a Assembleia e o Governo
e que assim se auto-qualificam
● ⇒ BLANCO MORAIS: defende que leis-quadro são tidas como sub-categorias de
leis de bases, diferindo destas pelo seu ​quid pluris​ → fixação de procedimentos,
normas estatutárias e até regimes gerais

3. Regimes gerais

● normas legais da reserva da competência da Assembleia, aplicáveis a uma


pluralidade indeterminável de destinatários
● admitem a emissão de leis especiais que regulem várias dimensões de um objeto
comum
● ao contrário das leis de bases, leis de autorização e leis-quadro, são ​diretamente
exequíveis​, não carecendo necessariamente de imediação legal
● BLANCO MORAIS discorda com a conceção do valor reforçado dos regimes gerais
4. Leis de autorização legislativa

● nos termos dos artigos 165º e 227º/2, b), a Assembleia pode, relativamente a todas
as matérias da sua reserva relativa de competências, conferir autorizações
legislativas ao Governo, e pode também, em apenas algumas dessas matérias,
conferir autorizações legislativas às assembleias legislativas regionais
● autorizações assumem natureza de ​delegação de poderes​, visto que supõem:
○ norma habilitante que permite a um órgão ​normalmente competente
(Assembleia) autorizar um órgão ​eventualmente competente​ (Governo e
assembleias legislativas) a exercer poderes públicos sobre matérias da
competência do primeiro
○ possibilidade de o órgão normalmente competente condicionar o exercício de
poderes que delega
○ suscetibilidade de o órgão normalmente competente avocar para si os
poderes que delegou
● com a delegação de poderes, verifica-se que:
○ Assembleia dispõe de liberdade plena para delegar faculdades legislativas
sobre uma matéria que lhe está reservada
○ Assembleia atua como órgão normalmente competente e os órgãos
beneficiários como órgãos eventualmente competentes
○ atos legislativos autorizados não podem ser emitidos antes da entrada em
vigor da lei delegante, que é seu ​pressuposto necessário​, e devem
subordinar-se aos limites nela fixados
○ lei de autorização encontra-se investida de uma hierarquia material em
relação aos diplomas autorizados, que será inconstitucionais e ilegais no
caso de a violarem
○ utilizando a autorização, os órgãos eventualmente competentes entram num
eixo de concorrência derivada com a Assembleia → podem revogar normas
legais parlamentares anteriormente existentes no objeto e âmbito da
autorização

4.1 Conteúdo necessário da lei de autorização

● 165º/2 → lei de autorização legislativa tem de ser clara quanto ao ​objeto​, o ​sentido​,
a ​extensão​ e a ​duração​ da mesma
● conteúdo da lei de autorização é necessariamente incompleto, por não regular a
matéria diretamente
● tensão entre lei de autorização e decreto-lei ou decreto legislativo regional
autorizado é regulada por:
○ o princípio da competência → lei de autorização delimita matérias
○ hierarquia material → fixa diretrizes
● violação das diretrizes:
○ se decreto-lei autorizado não observar ​sentido​ da autorização ⇒ viola
princípio da hierarquia material (112º/2), sendo então ilegal (281º/1,b))
■ no entanto, TC tem declarado a ​inconstitucionalidade orgânica​ dos
mesmos
○ se ato legislativo ultrapassar ​objeto e extensão​ ⇒ lesa princípio da
competência ⇒ ​inconstitucionalidade orgânica
○ se violar limites temporais ⇒ ​inconstitucionalidade orgânica

4.2 Conteúdo mínimo juridicamente admissível

● ordenamento não permite ​autorizações em branco,​ não se podendo esta resumir à


enunciação de uma matéria e dos seus limites gerais
● também não são admitidas ​autorizações implícitas​, visto que a vontade de autorizar
tem de estar semanticamente presente
● requisitos:
○ objeto​ → matéria sobre a qual a delegação de poderes incide; pode incluir
mais que uma matéria e pode operar por via remissiva
○ extensão​ → delimitação vertical e horizontal, especificando os aspetos sobre
os quais, dentro do objeto, irá incidir a autorização
○ sentido​ → basta lei de autorização ditar de forma clara os fins a prosseguir
pela lei delegada
○ duração​ → não pode superar o período de uma legislatura, ou seja, 1 ano
● prática constitucional tem levado a que o pedido de autorização legislativa seja
acompanhado por um anteprojeto do decreto-lei a autorizar
○ quanto às regiões, a apresentação do anteprojeto é obrigatória (227º/2)
● se lei de autorização não preencher requisitos mínimos de densificação dos limites,
esta incorrerá em ​inconstitucionalidade material​, fundada em desvio de poder

4.3 Cessação da autorização legislativa

● autorização cessa por utilização, caducidade e revogação


○ utilização​ → princípio da irrepetibilidade; autorização não pode ser utilizada
mais que uma vez, mas tal não prejudica a sua utilização parcelar; para
alterar um decreto-lei emitido ao abrigo de uma autorização legislativa, será
necessário pedir uma nova autorização
○ caducidade​ → autorização legislativa cessa quando se finda o prazo nela
fixado para a sua utilização; caduca também com o termo da legislatura, com
a dissolução da Assembleia, com a demissão do Governo, e ainda com a
dissolução das assembleias legislativas
○ revogação​ → Assembleia pode revogar autorização a qualquer tempo, mas
tal não afetará a validade ou eficácia dos decretos-leis já produzidos ao
abrigo da mesma; equivale a uma avocação de poderes
■ se Assembleia aprovar uma lei sobre o objeto que está presente na
autorização antes de esta ter sido utilizada, estamos perante uma
revogação tácita​ da autorização
● Assembleia pode alterar os decretos-leis autorizados; no entanto, é duvidoso que
possa fazer o mesmo quanto aos decretos legislativos regionais
● ⇒ ​se autorização for inconstitucional, essa inconstitucionalidade afetará também a
legislação autorizada

LEIS DUPLAMENTE REFORÇADAS


kakak
1. Estatutos político-administrativos

● estatutos são tidos como ​a mais reforçada da leis de valor reforçado


○ caracterizam-se pela sua natureza reforçada e pela sua hierarquia superior
em relação às demais leis
● estatuto caracteriza-se como lei estruturante da organização e funcionamento das
instituições das coletividades regionais insulares
○ moldura jurídica de natureza estadual que opera como título jurídico
sub-constitucional da autonomia regional, mas que assume também papel
complementar em relação à constituição
○ estatuto encontra-se subordinado à constituição

1.1 Objeto

● reserva de estatuto:
○ TC reconhece existência de reserva de estatuto ⇒ reserva circunscreve-se
ao ​desenvolvimento, explicitação e concretização​ das normas no título
“regiões autónomas” da constituição
○ constituição determina que são ​conteúdo necessário de estatuto:
■ natureza das entidades e princípios estruturantes que fundamentam o
regime autonómico da região
■ delimitação do âmbito geográfico das regiões
■ direitos e obrigações das regiões, bem como a definição dos seus
poderes constantes no art 227º
■ órgãos de governo próprio, as suas competências e regras
fundamentais, bem como modo de designação e estatuto dos titulares
desses órgãos (226º, 227º, 231º e 231º/7)
■ aspetos procedimentais relacionados com a aprovação de atos
jurídico-públicos autonómicos
■ regras estruturantes de organização e funcionamento interno da
administração regional
○ falta de um destes pontos leva a um ​défice estatutário
○ penetração da lei estadual ou regional em matéria da reserva necessária de
estatuto implica ​inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade orgânica
● cavaleiros estatutários:
○ presença de disciplinas normativas nos estatutos que não integram matéria
estatutária
○ tais normas não gozam de valor reforçado, e levam à insegurança jurídica ao
incluir nos estatutos matérias que não lhes pertencem
○ BLANCO MORAIS: defende que cavaleiros deveriam ser tomados como
inconstitucionais, por seguirem um procedimento mais agravado do que
aquele que a constituição lhes destina
■ no entanto, o TC não tem estas normas como inconstitucionais, mas
sim apenas como normas estranhas à reserva de estatuto

1.2 Limites do poder normativo estatutário no âmbito das relações Estado-regiões

● normas estatutárias não podem:


○ ao invés de densificarem matéria necessariamente integrada na reserva de
estatuto, remetem a sua regulação para outras atos legislativos de valor não
estatutário, quer estaduais ou regionais
○ estatuto não está autorizado a suprimir poderes dos órgãos de soberania ou
outros órgãos constitucionais, ou a limitar esses poderes para além do que
decorre do mandato constitucional relativo a essas limitações
■ estatuto dos órgãos estaduais têm de ser definidos por constituição e
por lei da República
○ não pode condicionar administração estadual periférica cujas competências
dependem exclusivamente do Governo da República
○ não podem imprimir valor reforçado a leis regionais, já que esse valor
normativo constitui uma reserva de constituição que cria tipicidade de lei
○ estatutos não podem fixar cláusulas inovatórias que limitem poderes
estaduais que não decorram da constituição

1.3 Hierarquia e rigidez

● hierarquia
○ formal e material, deriva da parametricidade do estatuto (art 281º/1, c) e d)),
que lhes permite vincular materialmente, no estrito objeto estatutário,
qualquer outra lei ordinária do ordenamento português
○ estatuto não pode ser considerado ilegal em razão de uma colisão com outra
norma
● rigidez
○ destina-se a garantir o valor hierárquico
○ rigidez é consequência de dois tipos de agravamento procedimental: um de
ordem geral, abarcando todas as normas do estatuto, e o outro de natureza
parcial, abarcando apenas normas relativas a algumas matérias específicas
○ agravamento produtivo geral​ → concretiza-se numa reserva de iniciativa das
assembleias legislativas, sem condicionamentos temporais
■ concretiza-se com outro trâmite de natureza ​secundária e
confirmativa​: parecer obrigatório não vinculativo, produzido pelas
assembleias legislativas regionais na eventualidade de rejeição de
projeto pela Assembleia
■ podem os estatutos fixar maiorias necessárias para a apresentação
de propostas?
● ⇒ se for necessária uma maioria mais elevada para a
apresentação de propostas do que para a aprovação delas na
Assembleia, a região estaria a violar a reserva constitucional
de determinação de força de lei, ao fazê-lo por lei ordinária
● no entanto, TC não declarou a inconstitucionalidade desta
norma
○ agravamento produtivo especial​ → 168º/6; normas que definam os domínios
materiais de âmbito regional deve ser votadas na especialidade por ⅔
● lei duplamente reforçada
○ no plano procedimental → reserva de iniciativa e maioria de ⅔ quanto a
disposições sobre matérias de competência legislativa regional
○ no plano da parametricidade material → 112º/3 e 281º/1, b) e c); lei deve ser
respeitada perante outras

2. Leis das grandes opções dos planos

● difícil delimitar materialmente o núcleo do objeto destas leis, que abrangem várias
áreas
● parametricidade:
○ a sua parametricidade face às outras leis é reduzida, devido à fraca
densidade das suas diretrizes, à ausência de poder de aderência em relação
a outras leis que não a do OE e a sua sobreponibilidade isomórfica e
isométrica com uma pluralidade de lis
○ quanto à relação com o Orçamento de Estado, existe:
■ precedência indicativa das leis das GOP em relação à lei do OE​ →
OE deve harmonizar-se com a lei as GOP, devendo haver uma
prioridade cronológica da segunda em relação à primeira; no entanto,
a sua publicação pode ser feita simultaneamente
■ compatibilização da elaboração da lei do OE à das leis da GOP →
elaboração da lei do OE deve ser feita de harmonia com a lei das
GOP anual
○ ⇒ leis das GOP anuais dispõem um poder vinculante de intensidade mínima
● rigidez:
○ trâmites agravados de produção​ → reserva de iniciativa governamental,
consulta do Conselho Económico e Social

3. Lei do Orçamento de Estado

● reserva material da lei do OE é caracterizada por um núcleo compacto


● reserva orçamental pode ser alargada a outras áreas materiais conexas, acima de
tudo através da lei de enquadramento orçamental, que vincula o conteúdo da lei do
OE e fixa regras relativas à sua organização e elaboração
● duas dimensões do conteúdo da reserva orçamental:
○ núcleo orçamental​ → receitas necessárias para cobrir despesas do Estado e
da Segurança Social
○ reserva potestativa de orçamento​ → integrado pelas matérias orçamentais
conexas ao núcleo do orçamento
● ⇒ pode acontecer que a lei do OE contenha cavaleiros orçamentais; no entanto,
estes não podem assumir valor reforçado
● parametricidade material:
○ contém diretrizes avulsas, que vinculam materialmente os atos legislativos
que lhes devem respeito
○ 165º/5 → autorizações legislativas em matéria fiscal só caducam no termo do
ano económico a que respeitam ⇒ garante estabilidade orçamental
● rigidez:
○ procedimento especializado → reserva de iniciativa do Governo
○ outros mecanismos de rigidificação, como a norma travão
○ lei de enquadramento do OE não pode colidir com a constituição,
especialmente com o 112º/5
● lei de conteúdo vinculado:
○ lei do OE encontra-se material e procedimentalmente vinculada à lei de
enquadramento orçamental
○ cadeia de leis reforçadas e ordinárias, em que a lei de enquadramento opera
como norma de referência do conjunto

A ATIVIDADE LEGISLATIVA DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

1. O primado da Assembleia da República no exercício da atividade legislativa

● núcleo essencial da atividade legislativa radica necessariamente na Assembleia


como instituição parlamentar → à luz da separação de poderes, tem primado no
exercício da ​função legislativa
○ não significa necessariamente que seja o órgão que produza mais leis (sendo
esse o Governo)
○ significa, sim, que conserva na sua esfera de competência as leis
materialmente mais importantes, e que pode condicionar o exercício de
função legislativa de outros órgãos (como o Governo e as assembleias
legislativas regionais)
● manifestações do primado legislativa da Assembleia:
○ 161º, c) → ​competência legislativa genérica,​ pode legislar horizontalmente
sobre todas as matérias não reservadas a outros órgãos
○ 161º, 164º, 165º → extensa ​reserva absoluta e relativa​ de competência
legislativa, decorrendo daí que as matérias politicamente mais relevantes se
situam maioritariamente no domínio do poder do Parlamento
○ leis reforçadas pelo procedimento (como leis orgânicas, e leis e disposições
aprovadas por ⅔) inserem-se na reserva absoluta do Parlamento
○ leis reforçadas pela parametricidade material radicam na esfera de poder da
Assembleia
○ 165º/1, b) → pode autorizar o Governo e as assembleias legislativas
regionais a exercer funções legislativas situadas no âmbito da sua reserva
relativa
○ controlo do exercício da função legislativa através da apreciação parlamentar
○ caráter suspensivo do veto presidencial em relação a decretos da
Assembleia

2. Tipologia das competências legislativas

● a Assembleia pode exercer dois tipos de competência legislativa:


○ competência genérica
○ competência reservada

2.1 Competência legislativa genérica

● reflexo do primado da Assembleia do exercício da função legislativa


● faculdade do Parlamento poder legislar sobre todas as matérias, exceto as
reservadas pela constituição ao Governo
● fundamenta o poder da Assembleia em legislar sobre matérias não discriminadas na
constituição e que compõem o ​domínio concorrencial alternado​ com o Governo,
onde lei ou decreto-lei posterior revoga o anterior
● supõe também a faculdade do Parlamento legislar para todo o território ou para
parte dele
○ no entanto, no âmbito regional, a legislação autonómica tem preferência
aplicativa, à luz do princípio da especialidade, sobre as leis da Assembleia
que incidem sobre a ​esfera concorrencial paralela

2.2 Competência legislativa reservada

● reserva absoluta:
○ supõe a faculdade exclusiva da Assembleia legislar sobre um conjunto de
matérias, com a exclusão dos demais órgãos legislativos
○ abrange as matérias de maior essencialidade política ou aquelas que
reclamam a intervenção necessária e insubstituível da representação do
povo radicada no Parlamento
○ compreende domínios previstos no artigo 164º, para além dos artigos 161º,
b), f), g) e h)
● reserva relativa:
○ integra matérias relativamente às quais o Parlamento pode legislar a todo o
tempo, independentemente de, a pedido do governo ou das assembleias
legislativas, conceder a estes órgãos uma autorização legislativa (165º/2 e
segs)
○ Parlamento, enquanto órgão normalmente competente, pode avocar a todo o
tempo os poderes que delegou, mediante revogação da autorização
○ Governo pode ser beneficiário de uma autorização relativamente a todas as
matérias previstas no 165º/1
■ as assembleias legislativas apenas podem legislar, nos termos do
227º/1, b), sobre algumas dessas matérias, no âmbito regional

3. Densidade reguladora variável das lei incidentes sobre as diferentes reservas da


Assembleia

● sobre as diferentes matérias que lhe são reservadas, a Assembleia edita ​leis de
densidade reguladora distinta
○ densidade reguladora​ → nível de concretização ou pormenorização
normativa que comporta o conteúdo de uma dada lei, aferido em termos do
grau de generalidade e abstração das suas regras
● leis que fixam disciplina primária com normas de expressiva generalidade e
abstração têm ​baixo grau de densidade reguladora
● leis que editam regimes pormenorizados e disciplinas especiais de objetivo detalhe
ostentam um ​elevado grau de densidade reguladora
● em certas matérias, ou seja, as esferas da ​reserva parlamentar integral:​
○ há uma ​reserva de densificação total​ → lei parlamentar tem de consumir a
integridade do respetivo âmbito, não podendo reparti-lo com decretos-leis e
decretos legislativos regionais
● quanto às ​normas legais paramétricas:
○ Parlamento pode restringir-se a uma disciplina de reduzida densidade, na
medida em que as normas-parâmetro devem apenas ocupar o domínio
reservado de caráter primário relativo a uma dada matéria
○ o ​domínio sub-primário​ deve então ser deferido à regulação de leis
complementares subordinadas, com maior densidade e emitidas pelo próprio
Parlamento ou por outros órgãos legislativos
○ no entanto: o domínio sub-primário das normas legais não equivale à
natureza secundária das normas administrativas
■ leis do domínio sub-primário podem assumir nível relevante de
novidade ⇒ são sub-primárias do ponto de vista do seu conteúdo,
visto que este deve respeitar os princípios, diretrizes e regras gerais
constantes nas leis paramétricas
● podemos então distinguir:
○ âmbito total da reserva parlamentar
■ universo integral de uma disciplina normativa de uma matéria tem de
ser consumida por lei da Assembleia com expressiva densidade
reguladora
■ não são admitidas leis de bases ou de enquadramento, leis de
autorização legislativa e regimes gerais nesse âmbito
■ atos legislativos de outros órgãos que regulem parcelas dessa
matéria, não tendo conteúdo administrativo, serão ​organicamente
inconstitucionais
○ âmbito geral da reserva parlamentar
■ implica que a lei da Assembleia se reduza à disciplina (não
necessariamente densa) de um ​regime geral
■ o próprio Parlamento ou outros órgãos podem editar legislação
especial de conteúdo mais denso, a qual não poderá derrogar ou ser
desconforme ao regime geral
○ domínio reservado de bases ou de enquadramento
■ corresponde à disciplina menos densa da legislação parlamentar
■ pressupõe a edição de normação primária e vinculante do conteúdo
de outras leis
■ deve coexistir, como disciplina subordinante, com legislação
complementar muito mais densa → pode ser editada pelo próprio
órgão, ou por órgãos com competência legislativa de desenvolvimento
○ domínio eventual de primariedade delegante
■ se a Assembleia pretender conferir uma autorização legislativa ao
Governo ou às assembleias legislativas, adota uma disciplina primária
não necessariamente densa e projetada exclusivamente no conteúdo
de outras leis
■ destina-se a fixar limites sobre o ato legislativo autorizado

PROCEDIMENTO LEGISLATIVO PARLAMENTAR


ajajajaj
1. Noção de procedimento legislativo

● procedimento legislativo​ → sucessão encadeada de atos ou fases tidos como


juridicamente necessários para a produção e revelação de uma norma legal, por
parte de um órgão competente para o efeito
○ corresponde ao itinerário de produção de uma lei dotada de forma específica
○ cada forma legal supõe um procedimento próprio com caráter geral
● stricto sensu​ → procedimento é integrado por atos de iniciação processual, atos
instrutórios, atos aprovatórios, atos de controlo de mérito e atos de publicação
● lato sensu​ → no mesmo procedimento podem haver vários atos de iniciativa, vários
atos aprovatórios e diversas formas de controlo político
○ devemos agrupar atos de natureza idêntica em ​fases
● procedimento pode assumir natureza de procedimento comum ou especial
○ procedimento comum​ → tramitação dos atos típicos de uma forma legal
fixada pela constituição e por normas regimentais
○ procedimento especial​ → supõem a adoção de trâmites dotados de
elementos diferenciados em relação ao procedimento comum
■ podem consistir num “​quid minus”,​ ou seja, na eliminação de trâmites
⇒ ​procedimentos abreviados ou de urgência
■ podem consistir também num “​quid pluris”​ , adicionando trâmites
suplementares ⇒ ​procedimentos agravados ou especialidades
adicionais de produção

2. A iniciativa legislativa
● caracteriza-se por ser o momento de iniciação do procedimento legislativo
parlamentar
● consiste na fase em que os titulares da Assembleia e os de outros órgãos investidos
constitucionalmente nesse poder de iniciação legislativa colocam em marcha o
procedimento legiferante, mediante apresentação de projeto ou proposta de lei
● a apresentação de um ato de iniciativa legislativa não supõe nenhuma garantia da
sua discussão ou votação
○ PAR pode rejeitar projetos ou propostas de lei que tenham
inconstitucionalidades ou vícios formais evidentes

2.1 Competência ou iniciativa legislativa

● iniciativa e competência distinguem-se através do poder que lhes é inerente


○ competência:
■ pressuposto do ato legislativo, consistindo no poder funcional
atribuído a um órgão para aprovar uma norma legal em função da
matéria, do território e eventualmente do tempo
○ iniciativa:
■ estádio integrativo da componente formal do ato legislativo,
respeitante ao procedimento produtivo da lei, destacando-se como a
sua primeira fase
● no procedimento legislativo parlamentar, os sujeitos com poder de iniciativa não são
necessariamente os mesmos que intervêm no exercício da competência legislativa
para a aprovação das leis da Assembleia
● iniciativa interna​ → quando deputados e grupos parlamentares exercem a iniciativa
sob a forma de ​projeto-lei
● iniciativa externa​ → quando são órgãos constitucionais diversos da Assembleia ou
sujeitos inorgânicos a exercer o poder de iniciativa (como o Governo, as
assembleias legislativas regionais e grupos de cidadãos), devendo fazê-lo sob forma
de ​proposta de lei
○ neste caso, há um conjunto de órgãos ou sujeitos que têm a faculdade de pôr
em marcha o procedimento, mas que não intervêm no exercício da
competência legislativa, traduzida na aprovação do ato
○ pode assumir ​caráter reservado​ em relação a certos atos legislativos:
■ leis das grandes opções dos planos e da Lei do Orçamento do Estado
⇒ reservadas ao Governo​ (161º, g))
■ estatutos político-administrativos das regiões autónomas e as
respetivas alterações ​⇒ reservadas às assembleias legislativas
regionais (226º/1 e 4)
■ leis orgânicas relativas à eleição de deputados às assembleias
legislativas das regiões ⇒ ​reservadas às mesmas assembleias
○ ⇒ assim sendo, os deputados e grupos parlamentares não dispõem de
iniciativa originária sobre as matérias referidas, sem prejuízo de poderem
dispor de ​iniciativa derivada​ (podem apresentar projetos-lei com propostas de
alteração)
● reserva externa supõe um maior assentimento inter-orgânico na feitura de certas
leis, correspondendo a propósitos pactícios ou fiduciários
○ ⇒ daqui resulta também uma ​maior rigidez​ das normas produzidas com
esse trâmite agravado, sendo então um pressuposto para o seu ​valor
reforçado
○ outros atos legislativos devem respeitá-las sob pena de ilegalidade ou
inconstitucionalidade formal

2.2 Limites ao ato de iniciativa

● norma-travão
○ proibição determinada pelo 167º/2 aos deputados, assembleias legislativas
regionais e grupos de cidadãos eleitores
■ não podem apresentar projetos ou propostas de lei que envolvam, no
ano económico em curso, um aumento da despesa ou uma
diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento
● assembleias legislativas regionais
○ 167º/1 → só podem apresentar propostas de lei que incidam sobre matérias
da competência da Assembleia que digam respeito às mesmas regiões
■ tem, então, de haver um​ especial nexo de conexão​ com as regiões,
seja por lhes respeitarem especificamente, seja por implicarem a
tutela de domínios que devam assumir uma especial configuração na
região
● iniciativas originárias vedadas aos deputados e grupos parlamentares
● limites impostas por lei à iniciativa dos cidadãos
○ lei 17/2003 → 20.000 cidadãos eleitores, deve respeitar limites materiais e
formais impostos

2.3 Vicissitudes da iniciativa legislativa

● projetos e propostas de lei rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão
legislativa salvo renovação da Assembleia (167º/4)
● se atos de iniciativa legislativa não tiverem sido votados na sessão legislativa em
que tiverem sido apresentados, os mesmos ​não​ caducam (167º/5), não carecendo
de renovação na sessão legislativa seguinte, salvo termo da legislatura
● caducidade do ato de iniciativa ocorre com a demissão ou dissolução do órgão
proponente, salvo as iniciativas legislativas que já tenham sido votadas na
especialidade, no caso do termo da legislatura da Assembleia

3. A instrução

● visa recolher dados, pareceres e outros elementos cognitivos que permitam aos
decisores apreciar a oportunidade e o conteúdo da iniciativa legislativa
● pode implicar exame puramente interno em comissão, ou, adicionalmente, a
realização de audições externas
3.1 Exame interno em comissão

● simples apreciação em comissão constitui forma de ​instrução interna


○ implica a elaboração de um parecer sobre as iniciativas legislativas pela
comissão especializada em razão da matéria (art 135º a 137º RAR)
○ pode-se, em certas circunstâncias, constituir-se uma comissão eventual
● tendo em vista a elaboração do parecer, a comissão pode:
○ proceder a estudos, requerer informações, pareceres e a audição de peritos
e especialistas
● se a constituição nada mencionar quanto à obrigação de realização de consultas
externas, apenas se realizará a interna ⇒ é ​genérica

3.2 Consultas e audições externas

● Assembleia, em comissão, procede a consultas ​obrigatórias​ e ​facultativas​ a


entidades externas, podendo realizar audições individuais ou coletivas
● consultas obrigatórias em sede de procedimento legislativo:
○ consultas são obrigatórias quando determinadas pela constituição,
instrumento de direito internacional público ou da União Europeia com valor
reforçado
● órgão de consulta e concertação:
○ art 92º/1 → Conselho Económico e Social: órgão de consulta no domínio das
políticas económica e social

3.3 Trâmites de consulta

● atividade instrutória realiza-se, em concomitância, com os estádios que integram a


fase constitutiva, nomeadamente os momentos de discussão na generalidade e
especialidade
● autarquias locais​:
○ comissão parlamentar competente deve promover a consulta da Associação
Nacional de Municípios e da Associação Nacional de freguesias
● legislação de trabalho​:
○ arts 56º/2, a) e 54º/5, d) ⇒ é prevista a participação de sindicatos e
comissões de trabalhadores, exigindo a precedência de audição, consulta ou
pronúncia dessas entidades
○ o Tribunal Constitucional tem sancionado o incumprimento da obrigação
constitucional de audição e consulta de trabalhadores com
inconstitucionalidade formal
● regiões autónomas:
○ não é a comissão especializada que promove a audição, mas sim o
Presidente da Assembleia da República
○ procedimento de audição é tramitado nos estatutos de autonomia (227º/1,
v)), sendo que essas regras apenas regem a conduta dos órgãos regionais e
não os de soberania; a Lei 40/96, aplicável aos órgãos de soberania; e nas
regras constantes nos regimentos da Assembleia e do Governo
○ o que é o “interesse específico das regiões”?
■ TC: atos soberanos que incidam de forma particular, e
consequentemente diversa, numa ou em amba as regiões ou versem
sobre interesses predominantemente regionais

4. A fase constitutiva

● aprovação da lei exprime a sua fase constitutiva, que se prende à expressão de um


ato de vontade pelo órgão titular da competência legislativa
● há que considerar três fases aprovatórias:
○ discussão e votação na generalidade
○ discussão e votação na especialidade
○ votação final global

4.1 Discussão e votação na generalidade

● discussão na generalidade ​em sessão Plenária​ de iniciativas apreciadas em


comissão parlamentar, pressupõe um debate que incida sobre os princípios e o
sistema do ato de iniciativa, ou seja, sobre ​a o espírito e a estrutura interna do ato
pré-legislativo
○ debate compreende a apresentação da iniciativa pelo seu ator, pedidos de
intervenção de cada grupo parlamentar e de deputados únicos ou não
inscritos
● após a discussão na generalidade, cada projeto ou proposta de lei é votado em
Plenário
○ ⇒ uma votação favorável apenas garante que o ato de iniciativa será objeto
de votação na especialidade, não garantindo a sua aprovação quer na
especialidade quer na votação final global
● deliberação correspondente a esta fase processa-se por ​maioria simples​ (art 116º/3)
○ no entanto, BLANCO MORAIS defende que a votação na generalidade das
leis a que se reporta o artigo 168º/6, a) e b) se deve processar por maioria de

4.2 Discussão e aprovação na especialidade

● discussão e votação na especialidade versa sobre cada artigo, número ou alínea de


um projeto ou proposta de lei
● art 169º/3 → órgão da Assembleia onde se realiza a discussão e votação na
especialidade é o ​Plenário
○ se o Plenário não deliberar expressamente que essa votação se processa em
comissão especializada, decorre do preceito constitucional que será o
Plenário a realizar essa tarefa
○ ⇒ no entanto: art 150º RAR determina que, salvo alguns casos, a discussão
e votação na especialidade se realiza em ​comissão
■ trata-se de uma prática constitucional e de um costume ​contra legem
○ de qualquer maneira, o Plenário pode avocar para si a todo o tempo a
votação na especialidade a requerimento de pelo menos 10 deputados
● reserva de Plenário​ → são objeto de necessária votação na especialidade em
sessão plenária:
○ 168º/4 e 5 ⇒ ​reserva explícita
○ 168º/6 ⇒ ​reserva implícita

4.3 Votação final global

● Após a discussão e votação na especialidade, procede-se à votação final global em


sessão plenária
● é o momento constitutivo da aprovação da lei
○ ⇒ é por meio da votação final que a Assembleia exprime uma manifestação
definitiva de vontade normativa, com a forma de decreto, sendo o mesmo
enviado para promulgação pelo Presidente da República → decreto apenas
ganha existência jurídica como lei se for promulgado
○ falta de votação final global prejudica a imputação da lei ao Parlamento e
supõe a ausência da vontade declarada
● quando aprovado em comissão, o texto é enviado para Plenário para votação final
● votação final global não é precedida de discussão, podendo, no entanto, cada grupo
parlamentar fazer uma declaração de voto oral

4.4. Redação final

● após a votação final global, a comissão competente em razão da matéria procede à


redação final dos atos aprovados
○ no entanto, não pode alterar o pensamento legislativo, apenas pode
aperfeiçoar o estilo e a sistematização do texto
○ se um preceito for objeto de uma modificação que altere objetivamente o
sentido da norma aprovada, este será ​juridicamente inexistente​ por falta de
imputação do ato ao órgão competente
● a redação final tem lugar no prazo definido pela Assembleia, ou, na sua falta, no
prazo de 5 dias

5. Fase de controlo de mérito


jajaja
5.1 A promulgação e o veto no quadro dos poderes de controlo político do Presidente

● a fase de controlo de mérito corresponde ao estádio em que o ato legislativo


aprovado pela Assembleia é remetido sob forma de decreto ao Presidente da
República para promulgação
● é uma fase autónoma de heterocontrolo político exercido pelo Presidente sobre um
ato normativo do Parlamento
○ Presidente aprecia livremente o conteúdo do diploma e formula um juízo de
oportunidade negativo ou positivo
5.1.1 Relação entre procedimentos de controlo político e de fiscalização preventiva

● Presidente dispõe de 20 dias, contados desde a receção de qualquer diploma da


Assembleia, para usar a sua faculdade de promulgar ou vetar
○ se tiver dúvidas sobre a conformidade do ato com a constituição pode, no
prazo de 8 dias a contar desde a receção do decreto, suscitar a fiscalização
preventiva da constitucionalidade junto ao TC (278º/1 e 3)
● se o TC se decidir pela ​inconstitucionalidade​ do decreto, o Presidente deve vetar o
decreto ⇒ esse veto por inconstitucionalidade assume a natureza de ​veto
translativo​, diferente do veto político
○ diploma é subsequentemente devolvido ao Parlamento, seguindo o processo
previsto no artigo 279º
○ a Assembleia pode então desistir do diploma, proceder a alterações
(tornando-se então um diploma diferente, devendo passar de novo pela fase
de controlo de mérito) ou pode confirmar o veto através de maioria absoluta
ou superior
● se o TC se decidir pela ​não inconstitucionalidade,​ o Presidente terá um prazo de 20
dias, a partir da data de publicação da decisão jurisdicional, para promulgar ou vetar
o diploma
● ⇒ Presidente deve exercer controlo de constitucionalidade de um ato legislativo
antes do controlo político

5.1.2 A promulgação

● ato de promulgação não significa uma co-decisão ou co-responsabilização do


Presidente com o ato legislativo do Parlamento
○ significa que as valorações positivas superaram as negativas no juízo do
Presidente
● podemos distinguir, na prática, entre promulgação simples da com reservas:
○ promulgação com reservas​ → Presidente acompanha o ato promulgatório de
uma mensagem onde exprime preocupações e objeções sobre o ato e os
demais aspetos relativos à sua concretização legal e aplicação
■ procura tornar claro o distanciamento presidencial em relação à lei
que promulga
● quanto aos seus limites, a promulgação pode ser qualificada como:
○ livre​ → decorre da regra geral do artigo 136º/1
○ obrigatória​ → no caso das leis de revisão constitucional, dos decretos
vetados e depois confirmados pela Assembleia, e das leis conformes a ato
referendário de sentido positivo
○ vedada​ → em caso de fiscalização preventiva de decreto sujeito a
promulgação como lei orgânica, Presidente não pode promulgar nos 8
primeiros dias

5.1.3 O veto

● veto sobre decretos do Parlamento assume natureza ​suspensiva


● em caso de veto suspensivo, o Parlamento tem três alternativas:
○ desiste do diploma
○ confirma o diploma vetado​ mediante voto favorável da maioria absoluta ou
maioria agravada de ⅔, se se tratar de diplomas que devam ser promulgados
como leis orgânicas ou se incidirem sobre as matérias previstas no artigo
136º/3
■ veto simples​ ​→ quando incide sobre matéria que careça de maioria
absoluta dos deputados para o reverter
■ veto qualificado​ → quando incide sobre ato que reclame maioria de
⅔ para o veto ser revertido
○ reformulação do diploma vetado​, tendo em vista a reapreciação do ato pelo
Presidente
● reapreciação do diploma vetado é feito por iniciativa do Presidente da Assembleia ou
por um décimo dos deputados (160º/1 RAR)
● se Assembleia confirmar o decreto, o Presidente deverá promulgá-lo no prazo de 8
dias
○ se o diploma for alterado, será enviado para o Presidente como se de um
novo diploma se tratasse
● veto pode-se tratar de:
○ veto-sanção​ → discordância absoluta do Presidente em relação ao mérito
global do diploma
○ veto construtivo​ → implica uma discordância parcial em relação à
oportunidade do diploma, mas pode o Presidente apontar para maneiras de
ultrapassar esse impedimento presidencial em sede parlamentar
● tendo o veto político e o veto por inconstitucionalidade naturezas diversas, poderá o
Presidente vetar politicamente, invocando razões de constitucionalidade?
○ artigo 136º/1, em conjunto com os arts. 278º e 279º → se Presidente tiver
dúvidas sobre a constitucionalidade, deve promover a fiscalização preventiva,
não exercendo o veto político
○ assim sendo, se o Presidente invocar explicitamente razões de
constitucionalidade para vetar politicamente, poderá incorrer em
inconstitucionalidade material​ por desvio de poder
○ no entanto, essa inconstitucionalidade não comporta consequências jurídicas

5.2 A referenda ministerial

● controlo político do Governo sobre os atos do Presidente da República


○ traduz-se na assinatura por parte do Primeiro-Ministro e dos ministros
competentes em razão da matéria dos atos político do Presidente enunciados
no artigo 140º/1
○ a falta de referenda determina a inexistência jurídica do ato
● traduz-se num ato certificatório, pelo que não histórico da sua recusa
○ a recusa de referenda em sede de promulgação de leis só faria sentido em
situações extrema
■ ⇒ como a promulgação de leis inconstitucionais de especial
gravidade ou outros atos presidenciais inválidos, que pusessem em
causa a ordem constitucional
○ recusa como controlo ordinário, apenas por razões de discordância, criaria
conflito político entre o Governo, o Presidente e o Parlamento
■ ⇒ estaria em causa o regular funcionamento das instituições
democráticas, pelo que o Governo poderia ser demitido

6. Fase integrativa de eficácia: publicação e entrada em vigor

● art 119º/1, c) → obriga a publicação das leis promulgadas no Diário da República,


sendo que a falta dessa publicação importa a ​ineficácia jurídica desse ato
● o início de vigência ocorre na data fixada no diploma, nunca podendo ser no mesmo
mesmo dia da publicação (Lei Formulário, art 2º/1)
○ se nada for determinado a esse respeito, a entrada em vigor ocorre após a
vacatio legis​ de 5 dias

APRECIAÇÃO PARLAMENTAR DE ATOS LEGISLATIVOS DE OUTROS ÓRGÃOS


ajajaj
1. Natureza e características gerais do instituto

● constitui uma manifestação do primado da Assembleia sobre os restantes órgãos


constitucionais, no que respeita ao exercício da função legislativa
○ traduz-se na faculdade da Assembleia, respeitando certos limites temporais e
circunstanciais, poder apreciar o mérito de grande maioria dos decretos-leis e
dos decretos legislativos regionais autorizados, tendo em vista a sua
cessação de vigência ou modificação, precedida de uma suspensão de
eficácia

2. Atos sujeitos a apreciação

● encontram submetidos a apreciação parlamentar:


○ todos os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência
exclusiva do Governo (169º/1)
○ os decretos legislativos regionais que tenham sido objeto de autorização
legislativa da Assembleia (227º/4)

3. Pressupostos, iniciativa e admissão

● a apreciação parlamentar pode ser requerida por um mínimo de 10 deputados, para


efeitos de cessação de vigência ou de alteração, nos 30 dias subsequentes à
publicação do ato legislativo
● requerimento deve indicar o decreto-lei e a sua data de publicação, e, caso seja um
decreto-lei autorizado,​ a respetiva autorização, devendo ainda conter uma sucinta
justificação dos motivos
4. Votação

● votação na generalidade incide sobre a cessação de vigência


● votação na especialidade incide sobre propostas de alteração, as quais podem ser
objeto de votação final global

5. Caducidade

● se não se registar pronúncia parlamentar sobre pedido de cessação de vigência, ou


no caso de se ter deliberado introduzir emendas e a respetiva lei não ter sido votada
até ao termo da sessão legislativa em curso ⇒ processo considera-se caduco
● se Governo ou assembleias legislativas regionais revogarem o decreto-lei ou o
decreto legislativo regional durante o processo de apreciação, este caducará por
falta de objeto

6. Apreciação parlamentar para efeitos de alteração

● forma da alteração
○ todo o tipo de modificações devem revestir a forma de lei
● procedimento
○ procedimento interno referente às alterações encontra-se previsto no art 196º
do RAR
● suspensão de vigência
○ suspensão, no caso de um decreto-lei autorizado, caduca decorridas 10
sessões plenárias sem que a Assembleia se tenha pronunciado a título final

7. Apreciação parlamentar para efeito de cessação de vigência

● forma do ato de cessação


○ reveste a forma de resolução da Assembleia
○ no caso de aprovada a cessação de vigência do decreto-lei, este deixará de
vigorar como se de uma revogação se tratasse
○ não poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão legislativa

A ATIVIDADE LEGISLATIVA DO GOVERNO

1. Tipologia das competências legislativas do Governo

● de acordo com os artigos 198º/1, a), b) e c), e 198º/2, o Governo é o titular dos
seguintes tipos de competências:
○ competências concorrenciais alternadas
○ competências exclusivas
○ competências complementares
○ competências delegadas
1.1 Competências concorrenciais alternadas

● nas suas relações jurídico-normativas com a Assembleia, o Governo dispõe da


faculdade de legislar sobre todas as matérias, menos as reservadas pela
Constituição ao Parlamento
○ há um grande campo de confluência de matérias não enumeradas
constitucionalmente, onde os dois órgãos podem simultaneamente legislar na
área de competências concorrenciais
● concorrência assume natureza ​alternada:
○ os dois órgãos podem legislar a todo o tempo e aplica-se às relações entre
atos legislativos de igual hierarquia o critério cronológico ⇒ lei posterior
revoga anterior
● com as assembleias legislativas das regiões autónomas o Governo desenvolve uma
concorrência paralela
○ emite diplomas (sobre matérias não explicitamente reservadas pela
constituição aos órgãos de soberania) para vigorarem no todo ou em parte do
território
○ no entanto, se decretos-leis colidirem com decretos legislativos regionais que
incidirem sobre matérias de “âmbito regional”
■ estes últimos têm nas regiões ​aplicação preferencial sobre
decretos-leis,​ na qualidade de leis de conteúdo especial, assumindo
os atos legislativos do Governo uma natureza supletiva

1.2 Competências exclusivas

● art 198º/2 → é da exclusiva competência do Governo legislar sobre a matéria


respeitante à sua organização e funcionamento
○ corresponde às chamadas “leis orgânicas” do Governo, dos Ministérios, e
das direções gerais
● decretos-leis reportados a estes domínios não podem ser submetidos a apreciação
parlamentar (169º/1) e, se vetados pelo Presidente, o Governo não os poderá
transformar em proposta de lei, visto que o Parlamento não tem competência para
legislar sobre tais matérias

1.3 Competência complementar

● a competência complementar encontra-se expressamente prevista no artigo 198º/1,


c) e implicitamente na alínea a) do mesmo preceito
○ corresponde à faculdade de o Governo desenvolver e concretizar ​leis de
bases​, ​leis de enquadramento​ e ​regimes gerais​ mediante decretos-leis de
conteúdo sub-primário → encontram-se materialmente subordinados a essas
leis, que são o seu parâmetro e têm valor reforçado
● quanto às leis ou decretos-leis de bases aprovadas no âmbito da esfera
concorrencial, os decretos-leis de desenvolvimento só lhes estão vinculados se as
invocarem como parâmetro
○ se tal não acontecer: à luz do critério cronológico, um decreto-lei simples
pode revogar ou derrogar um ato legislativo de bases concorrencial

1.4 Competência delegada

● art 198º/1, b) → compete ao Governo aprovar decretos-leis em matérias da reserva


relativa de competência da Assembleia, mediante autorização desta, formalizada em
lei

O PROCEDIMENTO LEGISLATIVO GOVERNAMENTAL


jajaja
1. Iniciativa

1.1 Titularidade

● iniciativa legislativa interna cabe ao membro do Governo proponente → em regra, é


o Ministro competente em razão da matéria
● o próprio Primeiro-Ministro pode sujeitar a aprovação, em Conselho de Ministros,
projetos que não constem da respetiva Agenda
○ neste caso, estamos perante uma iniciativa derrogatória do procedimento
externo e interno comum, ditada por razões de urgência ou de sigilo

1.2 Natureza em razão do objeto normativo

● há que distinguir:
○ iniciativas legislativas internas dos membros do próprio executivo​ →
formalizam-se em propostas de decreto-lei submetidas a aprovação do
Conselho de Ministros
○ propostas de lei​ → atos de iniciação legislativa oriundos dos membros do
Governo que são remetidas ao Conselho de Ministros para aprovação como
propostas de lei, seguindo-se a sua submissão à Assembleia para discussão
e aprovação

1.3 Estádio da iniciativa legislativa

● estádio de impulsão ​→ consiste no conjunto de operações metodológicas que


concorrem para a colocação em marcha da iniciação do procedimento legislativo
● elemento central é o impulso legislativo, ou seja, a decisão de legislar
○ ato prévio e inicial de vontade no sentido de colocar em movimento um
processo legiferante cuja conclusão terá lugar através de uma decisão
legislativa
● impulso legislativo é condicionado por conjunto de requisitos e pressupostos:
○ definição do problema impulsionante
■ iniciativa deve ser fundamentada por critérios de necessidade
■ deve haver uma realidade insatisfatória que requer solução
○ formação da estratégia de decisão
■ determinação de objetivos e recursos necessários
○ conceção do diploma
■ feitura do texto normativo do diploma
○ formalização da iniciativa
■ remissão do projeto de decreto-lei ao Secretário de Estado da
Presidência do Conselho de Ministros

2. A fase instrutória

● fase de instrução desdobra-se nos seguintes estádios:


○ saneamento e acompanhamento
■ Secretário de Estado da Presidência do Conselho pode submeter
projetos de diploma a um controlo de validade e qualidade formal e
material, realizado pelo seu gabinete e, eventualmente, órgãos
auxiliares
■ compreende poder de determinar a devolução do diploma se os seus
vícios não puderem ser logo reparados
■ poderão ser articuladas alterações ao projeto
○ circulação pelos gabinetes ministeriais
■ circulação é promovida pelo SEPCM
■ atividade destinada a promover acesso aos diplomas e as suas
avaliações de impacto por todos os ministros
■ gabinetes podem formular objeções e comentários sobre o projeto de
diploma
○ reunião de secretários de Estado e atos complementares
■ destina-se a preparar processo de agendamento dos diplomas
submetidos à aprovação do Conselho de Ministros
■ liberta ministros do trabalho técnico de construção final do diploma
■ responsabiliza membros do Governo quanto ao conteúdo dos
diplomas circulados
■ projetos podem ser alvo de aprovação com ou sem alterações e ainda
aprovados na generalidade
○ audição das regiões autónomas
■ promoção da audição das regiões sobre diplomas da competência do
Governo que lhes respeitem

3. Fase de aprovação

● métodos de aprovação:
○ Conselho de Ministros é o órgão que aprova decretos-leis do executivo, bem
como as propostas de lei que o Governo apresenta junto da Assembleia
■ é um órgão colegial → aplica-se o disposto no artigo 116º/3
○ deliberações podem ser tomadas por ​votação​ ou ​consenso
○ é possível que o Primeiro-Ministro imponha, até certos limites, a sua vontade
quanto à aprovação de diplomas normativos em Conselho
■ daí haver uma ​colegialidade imperfeita​ do Conselho de Ministros
● modalidades de aprovação:
○ aprovação respeita, em regra, as prioridades constantes da agenda do
Conselho de Ministros
○ muitas vezes, se não houver objeções na reunião de Secretários de Estado,
o diploma é aprovado por consenso neste último órgão
■ muitos diplomas são, portanto, sujeitos a um único ato de aprovação
○ volvida a aprovação, o decreto colhe as assinaturas do Primeiro Ministro e
dos Ministros competentes em razão da matéria

4. Controlo de mérito

4.1 Promulgação e veto

● art 136º/4 → decreto aprovado pelo Conselho de Ministros, depois de assinado pelo
Primeiro-Ministro e pelos ministros competentes, é remetido ao Presidente da
República para promulgação
○ Presidente deve promulgar ou exercer o seu veto, no prazo de 40 dias
contados da receção desse decreto ou da publicação da decisão de não
constitucionalidade pelo TC
● veto político​ → para diplomas do Governo, é insuperável, tendo caráter ​absoluto

4.2 Referenda ministerial

● ato de promulgação carece de referenda ministerial, sob pena de inexistência


jurídica do ato

4.3 Fase integrativa de eficácia

● atos promulgados são publicados no Diário da República, sob pena de inexistência


jurídica

A ATIVIDADE LEGISLATIVA DAS REGIÕES AUTÓNOMAS

1. A natureza das regiões com autonomia político-administrativa

● República Portuguesa → Estado unitário com uma regionalização


político-administrativa de caráter periférico
○ Estado português é estado unitário que respeita a organização e
funcionamento do regime autonómico insular
○ ⇒ regime jurídico que, compreendendo dois arquipélagos, os investe na
natureza jurídica de regiões dotadas de autonomia político-administrativa,
com órgãos de governo próprios e tituladas por estatutos autonómicos
● Estado português é unitário:
○ existência de uma só fonte de poder constituinte e uma só constituição →
regiões autónomas são regidas por leis estatutárias
■ estatutos são uma categoria de lei de valor reforçado, cuja iniciativa
resulta das assembleias regionais mas cuja aprovação compete à
Assembleia
○ existência de figuras comissariais do Estado Português nas regiões
■ assumem poderes vicariantes do Presidente da República nessas
coletividades, destinados a garantir exigências de unidade e
solidariedade nacionais
○ princípios da unidade e solidariedade nacionais
■ garantem um mínimo denominador comum no processo de decisão
político-legislativo dotado de relevo imediato para todos os cidadãos
■ regiões autónomas não podem ultrapassar âmbito regional no
exercício dos seus poderes normativos

2. Critérios estruturantes de repartição da função legislativa entre Estado e regiões

● diferentes modelos de ​repartição horizontal​ de poderes legislativos entre Estado


entes autónomos:
○ modelo de lista única estadual​ → paradigma federal clássico, supõe a
enumeração constitucional das competências do poder central numa lista de
matérias relativas aos órgãos de soberania, ficando por exclusão as matérias
não enumeradas diferidas às coletividades autónomas
○ modelo de lista automática​ → enumeração das competências regionais na
constituição, sendo que as matérias não listadas ficam na competência dos
órgãos do Estado
○ modelo de lista plural​ → pressupõe enumeração constitucional das matérias
da competência do poder central e dos poderes autonómicos, a definição do
elenco dos domínios de concorrência entre ambos e a eventual consagração
de cláusulas de determinação de competências estaduais e autonómicas em
relação a matérias residuais
● há uma necessidade de solucionar conflitos normativos entre entes autónomos e
Estado através de critérios auxiliares, como por exemplo:
○ cláusulas de supletividade, cláusulas de subsidiariedade e critérios relativos à
identificação de poderes implícitos

3. Linhas axiais do sistema vigente de repartição de competências legiferantes

3.1 Distribuição horizontal de competências: modelo de lista plural

● paradigma da ​lista plural​ conservou-se com a revisão constitucional de 2004:


○ equaciona-se duas listas constitucionais de poderes estaduais e regionais, e
uma lista sub-constitucional de enumeração de poderes regionais
○ estatutos têm papel central na discriminação de matérias da competência
regional nas quais incidem os poderes legislativos autonómicos
● listagens na constituição:
○ matérias de competência estadual, exclusivamente reservadas aos órgãos de
soberania
○ matérias de competências legislativas regionais com caráter:
■ delegado
■ complementar
■ mínimo
○ remissão das restantes matérias de competência autonómica para terceira
lista regionais sub-constitucional inscrita nos estatutos
■ estatuto coexiste num ​universo concorrencial paralelo​ com
competências dos órgãos de soberania integradas numa reserva
móvel
● para efeitos de separação ou delimitação de domínios numa mesma matéria,
recorre-se ao uso de limites à competência regional sediados em ​cláusulas gerais,​
como é o caso dos conceitos jurídicos indeterminados do “​âmbito regional​”
● outro reforço da listagem das competências regionais resulta da imposição de uma
taxatividade da enumeração constitucional e estatutária dos poderes legislativos das
regiões
○ regiões apenas podem legislar sobre as matérias listadas nos estatutos, não
podendo legislar sobre matérias que não estejam explicitamente versadas
nos mesmos
○ será ​organicamente inconstitucional​ um ato legislativo que incida sobre uma
matéria que não seja previamente definida como de âmbito regional no
estatuto (sem prejuízo do disposto nos artigos 227º/1, b) e c))
○ estatutos não poderão consagram cláusulas abertas de caráter residual para
poderem legislar sobre matérias indeterminadas e não previstas nos
estatutos (ofenderia o artigo 110º/2 e padeceria de desvio de poder)

3.2 Parâmetros da repartição de competências: limites das competências regionais

● no novo sistema de repartição dos domínios materiais de competências estaduais e


regionais, foram eliminados dois dos limites à legislação regional:
○ as leis gerais da República
■ eliminação das leis gerais da República mostrou-se positiva, por
eliminar a insegurança jurídica associada às mesmas e os conflitos
entre as mesmas e a legislação regional
○ o limite positivo do interesse específico regional
■ tal limite foi substituído pelo conceito de “âmbito regional”
● limite do “âmbito regional” comporta um elemento espacial e um elemento
substancial:
○ espacial​ → alude fundamentalmente à projeção de uma matéria no âmbito
geográfico ou espacial de uma região
■ ex.: matéria do turismo: tendo especificidades diferentes nas regiões
autónomas, deve decompor-se numa esfera geral de incidência
estadual e numa esfera especial de caráter regional, sendo então
reguladas por leis distintas
■ apenas se a lei regional for revogada sem substituição é que a lei
geral aprovada pelo Estado poderá aplicar-se na região
○ substancial​ → ligado à ideia de especialidade regional dos bens e interesses
tutelados
■ neste caso será preciso aferir se um ato legislativo regional, mesmo
se apenas aplicável na região, se projeta sobre interesses e fins
qualificados de ordem geral e unitária
■ segundo o TC, se tal acontecer, as normas serão ​organicamente
inconstitucionais,​ visto que invadem um domínio implícito da reserva
de competência dos órgãos de soberania
■ ⇒ limite de âmbito regional tem uma estreita conexão com o limite da
reserva dos órgãos de soberania na sua dimensão implícita

4. Linhas de força do modelo vertical: a tipologia das competências legislativas


regionais

● distribuição vertical​ → modalidades de competências legislativas que as regiões


podem exercer numa relação de harmonia com os limites de natureza unitária que
as vinculam
● cada tipo de competência legislativa encontra-se pautada por limites gerais e limites
específicos

4.1 A competência legislativa comum

● competência legislativa comum​ → prevista nos artigos 227º/1, a) e 112º/4


○ tem como objeto o maior acervo de matérias sujeitas ao exercício de poderes
legislativos regionais
○ decretos legislativos regionais correspondentes devem-se circunscrever a
uma matéria de âmbito regional ⇒ essa matéria deve constar nos estatutos
político-administrativos e não pode exceder o âmbito regional; não pode
também violar a reserva explícita ou implícita dos órgãos de soberania

4.1.1 Critérios reitores do exercício da competência legislativa regional comum

● competência legislativa comum exerce-se nos seguintes critérios:


○ regiões apenas podem legislar no limite do respetivo âmbito regional, em
matérias enumeradas no correspondente estatuto
○ matérias disponíveis à regulação regional não podem invadir a reserva de
competência dos órgãos de soberania, quer pelas matérias expressamente
reservadas a esses órgãos (matérias da lista estadual), quer pelos domínios
materiais residuais não enumerados
○ nos casos de concorrência paralela entre leis do Estado e das regiões em
matérias não reservadas expressamente aos órgãos de soberania, verifica-se
em certas matérias que os decretos legislativos regionais disciplinam um
domínio parcelar correspondente ao âmbito regional e que a legislação da
República disciplina o restante domínio
○ em situações concretas pode-se invocar o ​princípio da subsidiariedade,​ o que
permite que a regulação de um domínio em particular seja cometida às
regiões, se a legislação regional exibir uma maior eficácia e adequação
○ lei do Estado que invadir domínio regional ​não​ será organicamente
inconstitucional ⇒ aplicar-se-á como direito supletivo ou subsidiário

4.1.2 Decretos legislativos regionais inovatórios e leis de bases da República

● se o Governo ou a Assembleia aprovarem um ato legislativo de bases, com eficácia


geral para todo o território, em matéria concorrencial entre o Estado e as
coletividades insulares:
○ atos legislativos regionais deverão observar essas bases gerais sob pena de
ilegalidade
● havendo um decreto legislativo regional que colida com bases gerais em legislação
superveniente, o legislador autonómico deve alterá-lo de modo a harmonizar o seu
conteúdo com as normas paramétricas
○ concorrência entre Parlamento e Governo é ​alternada,​ enquanto entre o
Estado e as regiões é ​paralela
■ ou seja, num domínio de matérias não expressamente reservadas a
nenhum dos dois, as respetivas leis sobre a mesma matérias fluem
em âmbitos distintos que se lhes encontram implicitamente
reservados, não se podendo revogar reciprocamente
○ a competência regional de desenvolvimento de bases não distingue bases da
reserva parlamentar em relação a bases da área concorrencial
○ quando o Governo desenvolve bases parlamentares da esfera concorrencial,
pode validamente revogá-las ou derrogá-las
■ já as regiões não podem revogar leis estaduais, visto que estas,
segundo os artigos 227º/1, c) e 112º/2, se encontram vinculadas aos
princípios e bases dos regimes
○ leis de bases fixam mínimo denominador comum unitário, não se justificando
que as regiões as possam desrespeitar
● ⇒ decretos legislativos regionais que contrariem as bases gerais emitidas no
domínio concorrencial serão ​ilegais
○ norma estatutária que autorize essa inobservância será ​materialmente
inconstitucional

4.2 As competências delegadas

● regiões podem aceder a algumas das matérias da reserva relativa da Assembleia,


mediante autorização legislativa
○ exclui-se dessas matérias as mais relevantes para a unidade do Estado
● entre as matérias que podem ser objeto de autorizações legislativas às regiões
encontram-se diversas bases
○ BLANCO MORAIS questiona o sentido dessa inclusão → qual o sentido das
regiões poderem aprovar bases gerais que elas próprias irão desenvolver?
● propostas de lei de autorização devem ser acompanhadas do anteprojeto do decreto
legislativo regional a autorizar → significa um condicionamento do processo de
delegação
○ leis de autorização devem conter requisitos típicos
○ ⇒ no entanto, o legislador autonómico não se encontra vinculado a editar leis
com o mesmo conteúdo do anteprojeto
● autorizações legislativas caducam com o termo da legislatura, ou com a dissolução
da Assembleia ou da assembleia legislativa da região
○ decretos legislativos regionais devem invocar a correspondente lei de
autorização e pode ainda ser sujeitos a apreciação pela Assembleia ⇒ no
entanto, a Assembleia não pode introduzir alterações nos mesmos

4.3 A competência complementar

● art 227º/1, c) → desenvolvimento dos princípios e bases gerais para o âmbito


regional
○ faculdade de desenvolver e concretizar conteúdo de leis de bases e leis de
enquadramento, e ditar disciplinas legais de conteúdo especial não contrárias
a regimes gerais da reserva da Assembleia
● é permitido o desenvolvimento para o âmbito regional de qualquer base geral, sem
aceção de matéria, abrangendo em tese as áreas concorrenciais e os domínios da
reserva absoluta e relativa da Assembleia, tal como as matérias cobertas por
decretos legislativos regionais de bases
● há que considerar as seguintes leis parâmetro, para o exercício de competências
legislativas complementares:
○ leis de bases da reserva dos órgãos de soberania e aplicáveis a todo o
território nacional
○ leis de bases respeitantes a matérias não reservadas aos órgãos de
soberania, com âmbito geral
○ decretos legislativos regionais de bases, habilitados por uma lei de
autorização legislativa dos órgãos de soberania
● ⇒ órgãos de soberania podem ditar leis de bases fora da respetiva reserva, ou seja,
no universo concorrencial, que deverão ser respeitadas por toda a legislação
regional emitida ao abrigo da competência comum
● concorrência entre órgãos de soberania e órgãos regionais assume natureza de
concorrência paralela,​ o que implica critérios regulatórios diferentes (âmbito regional
e reserva implícita dos órgãos de soberania)
○ ou seja, uma lei regional complementar não pode revogar uma lei de bases
estadual, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade orgânica
● no entanto, ​neste domínio em concreto​ (concorrencial) → edição de legislação
regional não depende de prévia edição de legislação de princípios do Estado,
podendo as normas regionais ser aprovadas na ausência desses princípios

4.4 As competências mínimas


● faculdades legislativas diretamente exercitáveis, encontrando-se os mesmos
poderes misturados com outros de natureza administrativa
● uma destas responsabilidades regionais assume caráter tendencialmente primário →
art 227º/1, n)
● outras exercem-se respeitando leis estaduais paramétricas → art 227º/1, h), i), p)

5. Síntese sobre as relações de tensão entre leis do Estado e leis das regiões

● solução de antinomias no plano jurisdicional


○ caem no âmbito das desaplicações legais fundadas em juízos de
inconstitucionalidade:
■ violação dos limites impostos pelas leis de autorização legislativa por
decretos legislativos regionais autorizados
■ incursão da norma legal do Estado ou de decreto legislativo regional
na reserva de estatuto
■ violação do limite positivo do âmbito regional por decreto legislativo
regional
○ tribunais, na situação de violação de leis de valor reforçado, podem julgar a
ilegalidade de:
■ decretos legislativos regionais que ofendam as normas paramétricas
das bases gerais, leis de enquadramento e regimes gerais da reserva
da Assembleia, ou outras leis com valor reforçado
■ leis dos órgãos de soberania que ofendam direitos regionais
constantes dos estatutos de autonomia e os decretos legislativos
regionais que violem o disposta nos referidos estatutos

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