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O Mito
O mito (Gr. μυθος) significa um tipo bastante especial de discurso, pois é uma narrativa de
caráter simbólico de uma cultura. O mito procura explicar a realidade, os fenômenos naturais, a
origem do Homem e Mundo por meio de deuses, semi-deuses e heróis.. Podendo ser considerado
fictício ou imaginário e às vezes mentiroso3.
O mito, portanto é a produção cultural de um povo que o leva a enxergar a realidade
através desta “visão de mundo”. A explicação mitológica não aceita ser discutida. O elemento
central do mito é a tentativa de explicar as coisas pela vertente sobrenatural, mistério, sagrado e
mágico4.
A insatisfação com a explicação mitológica sobre a existência do mundo através do
sobrenatural e divino leva ao rompimento com o mito, ou seja, a filosofia nasce justamente na
tentativa de explicar o mundo fora da visão religiosa ou mítica, mas apenas pela razão humana 5.
É abandonada a visão sobrenatural ou divina e adotam-se critérios através da razão para explicar
o mundo natural (Gr. φύσις), pelas causas naturais6.
1
MARCONDES, Danilo. Iniciação a história da Filosofia dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. ¹0ª ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed, 2006, p. ¹9.
2
Idem, p. ¹9
3
Idem, p. 20.
4
Idem, p. 20.
5
Idem, p. 2¹.
6
Idem, p. 2¹.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 3
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7
Idem, p. 24.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 4
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3. Por que o pensamento mítico passa a ser considerado insatisfatório?
As Escolas
a) Escola Jônica – Floresceu em Mileto durante todo o século VI a.c. Fundador da escola jônica
é considerado Tales de Mileto (585? a.C.) e juntamente com seus discípulos ficaram
conhecidos como a Escola de Mileto. Caracterizavam-se sobretudo pelo interesse pala Physis.
Outros filósofos desta escola foram Anaximandro (6¹0-547 a.c); Anaxímenes (585-528 a.c);
Xenófanes de Colofon (580-480 a.c); Heráclito de Éfeso (500 a.c).
b) Escola Italiana – Caracterizava-se por uma visão de mundo mais abstrata. Pitágoras, fundador
da escola pitagórica, nasceu em Samos (530 a.C.). Segundo o pitagorismo, a essência da
realidade é representado pelo número, isto é, pelas relações matemáticas. Outros filósofos
desta escola foram Alcmeon de Crotona (início séc. V a.c); Filolau de Crotona (final séc. V
a.c); Parmênides de Eléia (500 a.c); Zenão de Eléia (464 a.c) e Melisso de Samos (444 a.c);
8
Idem, p. 30.
9
Idem, p. 32.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 5
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Outros filósofos da Escola Jônica foram Anaximandro (6¹0-547 a.c) o principal discípulo
de Tales. Segue Anaxímenes (585-528 a.c) discípulo de Anaximandro. Xenófanes de Colofon
(580-480 a.c) que não era grego, mas viajou para Grécia para estudar. Outro filósofo importante
deste período foi Heráclito de Éfeso (500 a.c) que viveu entre o VI e o V século. Pode-se resumir
a sua doutrina nos princípios seguintes:
1. a essência da realidade é o vir-a-ser, o fogo, pois tudo muda, tudo está sujeito a um fluxo
eterno.
2. o vir-a-ser é luta, revezar-se de vida e de morte.
3. este vir-a-ser e esta oposição são reconduzidos à estabilidade e à unidade pela harmonia,
pela sabedoria, universais, que determinam o acordo entre as oposições.
Outra Escola que se destacou foi a Italiana. Esta se divide em Pitagorismo e Eleática. Seu
representante mais importante do Petagorismo foi Pitágoras, que representa a permanência de
elementos míticos e religiosos no pensamento filosófico10. Sendo a principal contribuição dessa
escola foi a doutrina em que o número é o elemento básico explicativo da realidade11.
Já na Escola Eleática tem-se como maior expoente Parmênides, também de Eléia; viveu na
primeira metade do século V. Ele distingue a ciência (gr. gnwsiv) que nos dá a verdade e é
construída pela razão da opinião (gr. δόξα) donde provém o erro e é dependente do sentido.
10
Idem, p. 32.
11
Idem, p. 33.
12
Idem, p. 34.
13
Idem, p. 34.
14
Idem, p. 34.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 6
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Esse dois são representantes de duas doutrinas importantes para o desenvolvimento da
segunda parte do pensamento grego, o Monismo (Há apenas átomos e pelo movimento deles as
coisas vieram a existência) e o Mobilismo (concepção segundo a qual a realidade natural se
caracteriza pelo movimento, considera todas as coisas estando em fluxo). Além de formarem a
maior controvérsia da filosofia antiga foram base para desenvolvimento da filosofia platônica.
Heráclito de Éfeso (540?-470 a.C.) tem uma famosa frase que diz “tudo passa” (gr. πάντα
ῥεῖ)15. Então julga como real a mudança, ou seja, considera todas as coisas estando em fluxo.
Considera o elemento primordial o fogo, porém utiliza como ilustração de movimento a figura
do rio. Ele afirma que “não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque o rio não é
mais o mesmo... e nós também não somos mais os mesmos”16.
Já Parmênides Eleia (530-460 a.C.) como já foi dito distingue a ciência (gr. gnwsiv) que
nos dá a verdade e é construída pela razão da opinião (gr. δόξα) donde provém o erro e é
dependente do sentido. Para ele a substância primordial das coisas é o ser uno, idêntico,
imutável, eterno, determinado.
A doutrina de Parmênides tem uma concepção monista (concebe uma realidade única)17 em
que há necessidade de que toda mudança deixe algo essencial que permaneça para identificar o
objeto. O esboço da doutrina sustenta o seguinte:
1. Unidade e a imobilidade do “Ser”;
2. O mundo sensível é uma ilusão;
3. O “Ser” é Uno, Eterno, Não-Gerado e Imutável.
4. Não se confia no que vê (a essência é o que permanece).
Essas ideias de Parmênides são consideradas como início da “ontologia” (é a parte da
filosofia que trata da natureza do ser). Parmênides fundou a metafísica ocidental com sua
distinção entre o Ser e o Não-Ser (“positiva” e “negativa”). Utiliza usa os termos metafísicos de
“ser” e “não-ser”. O não-ser era apenas uma negação do ser. Para demonstrar isto utilizou de um
poema onde afirmou “o ser é e o não-ser não é”. Isto demonstra que a realidade em seu sentido
mais profundo é imutável e se houver a mudança o que era deixa de ser e passa a ser outra
coisa18.
É de suma importância a questão do “Ser” de Parmênides. Pois toda concepção filosófica
sobre Deus é analisada a partir do “Ser” de Parmênides.
Questões para fixação:
15
Idem, p. 35.
16
Idem, p. 36.
17
Idem, p. 36.
18
Idem, p. 36.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 7
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1. Qual o sentido e a importância da contribuição dos filósofos pré-socráticos para a
formação e o desenvolvimento da tradição filosófica?
2. Como se caracteriza a distinção entre a escola jônica e as escolas italianas?
3. Quais os principais argumentos de Parmênides e dos monistas contra Heráclito e os
mobilistas?
Contexto Histórico
Neste novo período grego, depois das grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império
persa, houve um triunfo político da democracia. Então o pensamento de Sócrates e dos Sofistas
devem ser entendidos dentro deste contexto histórico e Sócio-político20. Houve um progressivo
enriquecimento proveniente do comércio marítimo produzindo assim uma classe mercantil
politicamente muito influente. Neste contexto não apenas os aristocratas (gr. αριστοκρατία, de
άριστος - melhores; e κράτος - poder), literalmente poder dos melhores, é uma forma de governo
na qual o poder político é dominado por um grupo elitista. Assim há uma ascensão ao governo
de um grupo que não fazia parte da elite21.
Então o regime democrático propõe um entendimento mútuo e leis iguais para todos, além
de dar possibilidade de outras pessoas façam parte do governo grego. Era necessário um preparo
para se estar no governo, pois as decisões são tomadas por consenso, o que acarreta persuadir,
convencer, justificar e explicar22. Para isto compreende-se a importância em se adquirir a
oratória, eloquência e a capacidade de persuasão. Os sofistas se encaixam neste contexto.
19
Idem, p. 42.
20
Idem, p. 40.
21
Idem, p. 4¹.
22
Idem, p. 4¹.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 8
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Os sofistas
Os sofistas aparecem dentro do contexto da mudança a Tirania e Oligarquia (gr. ολιγαρχία,
de oligoi – poucos; e arche – governo. Significa literalmente “governo de poucos”) para a
democracia (gr. de demov – povo; kratov - força - regime de governo em que o poder de
tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos, direta ou indiretamente, por meio de
representantes eleitos).
O termo “sofista” significava “sábio”. Eles eram filósofos e educadores, além de mestres
da eloquência e retórica, sendo largamente retribuídos (os antigos mestres não cobravam pelo
ensino)23. O termo sofista e sofisma acabaram por adquirir uma conotação pejorativa.
Os maiores sofistas foram quatro: Protágoras, Górgias, Hípias e Pródicos.
A ideia do Sofista Protágoras que afirma “o homem é a medida de todas as coisas” quer
dizer que as coisas são como ao indivíduo em particular (subjetividade) e um relativismo prático,
demolidor da moral (assunto a ser tratado em Gnosiologia).
Já o Sofista Górgias afirma que “nada existe; e se algo existisse, seria incognoscível; e
mesmo se fosse cognoscível, seria incomunicável”.
Compreende-se neste ceticismo que não há conhecimento. Essas concepções são
combatidas por Sócrates, Platão e Aristóteles.
Se é relativa a verdade, logo posso satisfazer o sentimento, impulso, paixão, sensualismo,
dando lugar ao utilitarismo ético. A moral é um empecilho que mortifica o homem.
Sócrates
Sócrates nasceu em Atenas (470-399 a.C.), sua mãe era parteira, ideia que permeará
grandemente sua filosofia, que é considerada o nascimento da filosofia clássica, posteriormente
desenvolvida por Platão (seu discípulo) e Aristóteles24. Sócrates é acusado em 399 por crimes
contra o Estado, de corromper a mocidade e alterar a religião nacional. Vê-se claramente
conotação política por suas críticas contra o governo. Sócrates os acusava de desvirtuamento da
democracia ateniense (grande parte dos deputados e senadores eram alunos dos Sofistas).
Preferiu morrer do que negar duas idéias ou viver numa terra estranha, pois fugir seria renegar
suas idéias e princípios25.
23
Idem, p. 42.
24
Idem, p. 44.
25
Idem, p. 45.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 9
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A introspecção é a característica dominante da personalidade socrática, e se exprime no
famoso “conhece-te a ti mesmo” além da celebra frase que sintetiza toda sua filosofia “só sei que
nada sei”.
Sócrates não deixou escrito algum, mas estabeleceu um método de análise conceitual para
o conhecimento. Sua ênfase era o debate e o ensinamento oral. Porém sua filosofia chegou até
nós através de Platão. Este é um ponto de controvérsia, nos diálogos platônicos chamados
“socráticos” a filosofia que Platão diz ser de Sócrates na realidade é uma interpretação Platônica
do ensino socrático26.
Através do debate Sócrates buscava a definição de uma determinada coisa, geralmente uma
virtude ou qualidade moral. Mesmo alcançando diversas respostas prosseguia com seu método
de análise conceitual para sair da opinião-senso comum (gr. δόξα) para a ciência (episteme) na
busca pelo universal. Trata-se de um exercício intelectual em que a razão humana deve descobrir
por si própria àquilo que busca. O mestre deve apenas indicar um caminho a ser percorrido pelo
próprio individuo27.Esse método é conhecido como “maiêutica” (dar a luz, parto), tem seu nome
inspirado na profissão de sua mãe, que era parteira. Sócrates entendia que a verdade estava no
interior do Homem. Era dividido em dois momentos:
1. No primeiro levava os seus discípulos ou interlocutores a duvidar de seu próprio
conhecimento a respeito de um determinado assunto;
2. No segundo os levava a conceber, de si mesmos, uma nova idéia, uma nova opinião sobre
o assunto em questão.
Geralmente os diálogos socráticos são aporéticos (gr. aporia – impasse) ou inconclusivos.
Pois concebia que a função do filosofo não é transmitir um saber pronto e acabado, mas fazer
que o indivíduo através da dialética (método de diálogo cujo foco é a contraposição e
contradição de idéias que leva a outras idéias) dê a luz as suas próprias idéias28. Neste ponto que
se encaixa a frase “só sei que nada sei”, pois somente o reconhecimento da ignorância nos
permite buscar o saber. Ou seja, ser sábio e reconhecer sua ignorância.
26
Idem, p. 45.
27
Idem, p. 47.
28
Idem, p. 48.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 10
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4. Quais as contribuições dada pelos sofistas ao desenvolvimento do pensamento e da
cultura dos gregos?
5. Como podemos situar Sócrates nesse mesmo contexto em oposição aos sofistas?
6. Qual é objetivo de análise conceitual socrático e como a maiêutica se encaixa no
processo?
Platão
Platão (428-347 a.C.) nasceu em Atenas e foi discípulo de Sócrates. Era de uma família da
aristocracia ateniense29. Os seus pensamentos estão voltados para a reflexão e do saber além do
conhecimento científico. Era de origem nobre e aos vinte anos passou a receber o ensino de
Sócrates, este duraram dez anos30. Fundou uma Escola chamada de Academia com vertente à
especulação metafísica.
A filosofia platônica tem um fim prático, moral. Porém estende sua investigação ao campo
metafísico e cosmológico, quer dizer, a toda a realidade. Mantém a distinção entre o
conhecimento sensível, a opinião, e um conhecimento intelectual, a ciência; particular e mutável
o primeiro, universal e imutável o segundo. Concebe o conhecimento oriundo do conhecimento
intelectual, ou seja, do mundo ideal, universal e imutável.
A questão do conhecimento (Gnosiologia) é o aspecto central da filosofia de Platão. Pois
para ele a principal tarefa da filosofia é estabelecer como podemos avaliar determinadas
pretensões ao conhecimento e a filosofia oriunda disto seria a legisladora da cultura de uma
sociedade estabelecida com uma função crítica31.
Para Platão a o conhecimento é a posse de uma representação correta do real32.
29
Idem, p. 55.
30
Idem, p. 56.
31
Idem, p. 50.
32
Idem, p. 51.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 11
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A alma tem uma função mediadora entre as idéias e a matéria, a que comunica ordem e
vida. Platão distingue três espécies de almas: concupiscível (vegetativa), irascível (sensitiva),
racional (inteligente), que são próprias, respectivamente, da planta, do animal e do homem. A
alma racional está no corpo humano como em prisão, em exílio, a que é condenada por uma
culpa cometida quando estava no mundo das idéias, sua pátria verdadeira, donde, em
conseqüência dessa culpa, decaiu.
O mundo material, o cosmos platônico, resulta da síntese de dois princípios opostos: as
idéias e a matéria. O Demiurgo plasma o caos da matéria sobre o modelo das idéias eternas,
introduzindo-lhe a alma, princípio de ordem e de vida.
A natureza do homem é racional e na sua racionalidade que o homem realiza a sua
humanidade. Entretanto, esta natureza racional do homem encontra no corpo não um
instrumento, e sim um obstáculo. A moral platônica, portanto, é uma moral de renúncia ao
mundo (ascética), e o homem realiza o seu destino além deste mundo, na contemplação do
mundo das idéias. Nesta ascese moral, Platão distingue quatro virtudes cardeais (fundamentais):
a sabedoria, a fortaleza, a temperança, a justiça.
A morte para Platão é uma libertação inteiramente da sensibilidade e uma volta para o
mundo ideal; as dos homens mergulhados inteiramente na matéria, vão para um lugar de
danação.
Segundo “A República” Platão estabelece o estado ideal a ser dividido em três classes
sociais: (1) Os filósofos, conhecedores da realidade, aos quais cabe o governo da república; (2)
Os guerreiros, a quem cabe a defesa interna e externa do estado, de conformidade com a ordem
estabelecida pelos filósofos; (3) Os produtores - agricultores e artesãos - submetidos às duas
classes precedentes, cabendo-lhes a conservação econômica do estado. Chamado comunismo
platônico, que não é materialista, econômico, e sim espiritual, ascético.
O Mito da Caverna
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 12
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SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma
alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada
livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que
permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto.
Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho
escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os
espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.
GLAUCO - Imagino tudo isso.
SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima
dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais
objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.
GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!
SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus
companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?
GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.
SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?
GLAUCO - Não.
SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes
dariam os nomes que elas representam?
GLAUCO - Sem dúvida.
SÓRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que
os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?
GLAUCO - Claro que sim.
SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
GLAUCO - Necessariamente.
SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que
laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar,
a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 13
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deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora que ele
responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade
e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que
lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se
persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.
SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor?
Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?
GLAUCO - Certamente.
SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando
estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz
do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos
homens tem por serem reais?
GLAUCO - A princípio nada veria.
SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só
discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente
erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor
do dia.
GLAUCO - Não há dúvida. SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol,
primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.
GLAUCO - Fora de dúvida.
SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o
ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na
caverna.
GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.
SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá
se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos
que lá ficaram?
GLAUCO - Evidentemente.
SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente
distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou
marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que
falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o
herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a
vida que antes vivia?
GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira
antiga.
SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se
em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como
submersos em trevas?
GLAUCO - Certamente.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 14
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SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se
afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em
discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter
subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o
mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
GLAUCO - Por certo que o fariam.
SÓCRATES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o
que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que
sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é
este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a
dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode
conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz
e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo,
cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
- Extraído de "A República" de Platão. 6ª ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291
Dialética
O diálogo é o meio pelo qual a reflexão ocorre. Tem o objetivo de desmascarar os sofismas
e encontrar a realidade. Assim a filosofia corresponderia a um método para atingir o ideal em
todas as áreas, sendo este pelo rompimento e superação do senso comum, estabelecendo o que
deve ser aceito universalmente, independente de origem, classe ou função. É o abandono do
mundo sensível (passageiro e mutável) e uma busca pelo mundo das idéias (eterno, imutável)33.
A dialética é assim também um processo de abstração, que permite com que se chegue à
definição de conceitos. Não há respostas prontas, mas um processo de radicalização da discussão
que nos conduz a reconhecer nossa fragilidade e ver além do físico, a essência34.
Isto através das seguintes oposições:
OPINIÃO × VERDADE
DESEJO × RAZÃO
INTERESSE PARTICULAR × INTERESSE UNIVERSAL
SENSO COMUM × FILOSOFIA
Então a verdade é atingida pela filosofia através da razão35.
Para Platão a filosofia é um projeto Político. Pois ela tem como objetivo a transformação
da Realidade. Não como a tirania, mas como uma aristocracia do saber36. É um processo de
conhecimento que se dá pela doutrina da reminiscência ou anamnese (hipótese inatista –
33
Idem, p. 51.
34
Idem, p. 53.
35
Idem, p. 52.
36
Idem, p. 52.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 15
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conhecimento é inato). Assim conhecer é achar o universal, isso se faz em abandonar o sensível
através da reminiscência (recordação). É olhar para dentro da alma e relembrar as coisas antes de
encarnar no corpo material e mortal37.
Crítica a Platão
A principal crítica consiste na rejeição do dualismo representado pela teoria das Idéias.
Centra-se na suposição de Platão de existir relação o mundo inteligível e o sensível. Há dois
tipos de relações, interna e externa. Vejamos exemplo:
a b a b
37
Idem, p. 59.
38
Idem, p. 69.
39
Idem, p. 69.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 16
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Figura 1 Figura 2
Na figura 1 se claramente que existem elementos em comum entre (a) e (b) então é
considerada uma relação interna e possível de ser explicada. Já na figura 2 não existem
elementos em comum entre (a) e (b) então é considerada uma relação externa. E necessita de
inúmeros pontos externo para tenta-la explicar. Mas na concepção de Aristóteles nenhuma das
duas figuras pode explicar a relação entre o mundo sensível e o inteligível. Para evitar esse tipo
de problema o filosofo propõe um novo ponto de partida (caminho) para sua metafisica, sua
concepção de real evitando dualismo dos dois mundos.40.
40
Idem, p. 71.
41
Idem, p. 72.
42
Idem, p. 72.
INTRODUÇÃO A HISTÓRIA DA FILOSOFIA I 17
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(1) Essência e acidente - Essência é aquilo que faz com que a coisa seja o que é; e acidente são as
características mutáveis e variáveis da coisa.
Essência – “Sócrates é um ser humano”
Acidente - “Sócrates é calvo”
(2) Necessidade e contingência – As características essenciais são necessárias, ou seja, a coisa
não pode deixar de tê-la ou deixa de ser o que é.
Necessidade – É necessário que Sócrates seja ser humano.
Contingência – É contingente que seja calva.
(3) Ato e potência – Permite explicar a mudança e a transformação. A semente é, em ato,
semente, mas contém em potencia a árvore. A árvore é árvore em ato, mas tem potencia de ser
lenha.
Causalidade
Aristóteles apresenta a noção de causalidade, concebendo quatro causas: (1) Causa formal;
(2) Causa material; (3) Causa eficiente; (4) Causa final;
(1) Causa formal — é a forma ou modelo das coisas (um objeto se define pela sua forma), o que
é x?
(2) Causa material — é a matéria de que é feita uma coisa (a matéria na qual consiste o objeto),
de que é feito x?
(3) Causa eficiente — consiste na causa primária da mudança (aquilo ou aquele que tornou
possível o objeto), por que x é x?
(4) Causa final — é a razão de algo existir (a finalidade do objeto), para que x? A visão
aristotélica é teleológica (gr. telov – finalidade)43.
Categorias
Categorias (gr. Κατηγοριαι) é o texto que abre o “Corpus aristotelicum” (conjunto de
textos lógicos de Aristóteles). As categorias
As categorias são: substância (gr. οὐσία), o que; quantidade (gr. ποσόν), o quanto;
qualidade (gr. ποιόν), relação (gr. πρός τι), com o que se relaciona; lugar (gr. ποῦ), onde está;
tempo (gr. ποτέ), quando; estado (gr. κεῖσθαι), como está; hábito (gr. ἔχειν), circunstância; ação
(gr. ποιεῖν), atividade; paixão (gr. πάσχειν), passividade. Algumas vezes, as categorias são
também chamadas de classes. Explicando: exemplos de substância, homem, cavalo; de
quantidade, de dois côvados de largura, ou de três côvados de largura; de qualidade, branco,
43
Idem, p. 74.
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gramatical; de relação, dobro, metade, maior; de lugar, no Liceu, no Mercado; de tempo, ontem,
o ano passado; de estado, deitado, sentado; de hábito, calçado, armado; de ação, corta, queima;
de paixão, é cortado, é queimado.
Estoicismo
Escola fundada em 300 a.C. por Zenão Cítio (332-262 a.C.). Estoicismo (gr. stoá, pórtico)
é assim chamado por causa do costume de reunirem para ensinar num dos pórticos da cidade. A
filosofia estóica é composta por três partes fundamentais: Física (metafísica), lógica
(gnosiologia), e a ética (moral, juntamente com a política).
44
Idem, p. 84.
45
Idem, p. 85.
46
Idem, p. 86.
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Na filosofia estóica a felicidade (gr. eudaimonia) consiste na tranquilidade (gr.
ataraxia) e é encontrada através do autocontrole, contenção, austeridade, aceitando o curso da
vida. A verdadeira virtude é a indiferença e a renúncia a todos os bens do mundo, os quais não
dependem de nós, porquanto nos podem ser tirados e nos amargurar. Com tais ensinos muitos
afirmam que o cristianismo lançou mão dos pensamentos estóicos para formar sua ética47.
Epicurismo
Escola fundada por Epicuro (341-270 a.C.), nasceu em Atenas. Como no estoicismo divide
a filosofia em lógica, física e ética. A filosofia é a arte de bem viver. A ética do epicurismo é um
caminho para felicidade. Assim como a estóica postula que a felicidade (gr. eudaimonia) é
obtida pela tranquilidade ou imperturbabilidade (gr. ataraxia). Porém divergiam na forma de
encontrar essa tranquilidade. Para os estóicos se encontra a felicidade pela ausência de
perturbação, pois tudo está pré-determinado. Já para os epicureus a felicidade está no uso
equilibrado dos apetites (necessidades naturais) com austeridade e moderação (gr. Hedoné)48.
Ceticismo
O ceticismo clássico começa com Pirro de Elis (362-275 a.C.) e é a doutrina que afirma
que não se pode obter nenhuma certeza absoluta a respeito da verdade, o que implica numa
condição intelectual de questionamento permanente e na inadmissão da existência de fenômenos
metafísicos, religiosos e dogmas. Essa posição já é em si contraditória, pois nega aquilo que
afirma.
O ceticismo visa alcançar a paz almejada negando não apenas a ação, mas também o
pensamento que implica na pesquisa, na escolha, na responsabilidade, na perturbação.
Sexto Empírico define assim o ceticismo:
O resultado natural de qualquer investigação é que aquele que investiga ou bem
encontra o objeto de sua busca, ou bem nega que seja encontrável e confessa ser
ele inapreensível, ou ainda, persiste na sua busca... Clitômaco, Carnéades e
outros acadêmicos consideram a verdade inapreensível, e os céticos continuam
buscando (Marcondes, 2006, p. 94).
47
Idem, p. 92.
48
Idem, p. 92.
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de algo ser falso49. A noção de époche (suspensão do juízo) é o aspecto central do argumento
cético.
Segundo Pirro três questões fundamentais desenvolvem o ceticismo:
(1) Qual a natureza das coisas? Nem os sentidos nem a razão nos permitem conhecer as coisas
como são, e todas as tentativas resultam em fracasso;
(2) Como devemos agir em relação à realidade que nos cerca? Mais exatamente: porque não
podemos conhecer a natureza das coisas, devemos evitar assumir posições acerca disto;
(3) Quais as consequências dessa nossa atitude? O distanciamento que mantemos leva-nos à
tranquilidade.
Com essa postura, segundo Pirro, pode-se alcançar a ataraxia ou impertubabilidade, e
alcançando assim a felicidade (eudaimonia). Essa postura é um Modus Vivendi, pois não rompe
com a vida prática, mas apenas um modo de vivê-la com moderação e tranquilidade 50. Assim
diante da impossibilidade de decidir, se suspende o juízo e ao fazer isto se descobre livre as
inquietações.
BIBLIOGRAFIA
BLACKBURN, Simon. Dicionário e filosofia. Trad. Desidério Murcho. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar editora, ¹997.
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da filosofia: Ser, saber e fazer. ¹4 ed. São Paulo: Saraiva, ¹999.
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4 ed. Atual. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar editora, 2006.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Trad. Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolia.
Edição revista e ampliada. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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Brasileiro de Filosofia e Ciência. 2004.
MARCONDES, Danilo. Iniciação a história da Filosofia dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. ¹0ª
ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2006.
MONDIN, Batista. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Trad. J. Renard.
São Paulo: Paulus, ¹980.
49
Idem, p. 95.
50
Idem, p. 95.