Você está na página 1de 6

O negro e sua representação literária brasileira:

A representação do negro na literatura brasileira, o traz a partir de diversos


esteriótipos da estética branca dominante e eurocêntrica em suas obras, o que
desfavorece ainda mais esse grupo social, fixando uma imagem negativa e
menosprezada em nossa sociedade, proporcionando a propagação do racismo e
preconceito. O negro aparece na literatura brasileira muito mais como tema do que
como voz autoral, sendo ela escrita predominantemente por autores brancos, em
que o negro é objeto de obras que reafirmam os estigmas raciais. Em relação a
literatura brasileira, Duarte (2013) pontua:
Examinados os manuais – componente significativo dos mecanismos
estabelecidos de canonização literária –, verifica-se a quase completa
ausência de autores negros, fato que não apenas configura nossa
literatura como branca, mas aponta igualmente para critérios críticos
pautados por um formalismo de base eurocêntrica que deixa de fora
experiências e vozes dissonantes, sob o argumento de não se
enquadrarem em determinados padrões de qualidade ou estilos de
época. ( DUARTE, Eduardo, 2013, p.146)

A presença de persongens negros nessas obras, quando existente, ocorre em


sua maioria, a partir de papéis secundários de coadjuvante ou de violões.
Personagens negros como protagonistas é um caso raro de se ver. Sobre o
personagem negro na literatura brasileira, Duarte (2013) afirma:

Enquanto personagem, o negro ocupa um lugar menor na literatura


brasileira.1 Na prosa, é um lugar muitas vezes inexpressivo, quase
sempre de coadjuvante ou, mais acentuadamente no caso dos
homens, de vilão. E isto desde os começos da produção letrada no
país. (DUARTE, Eduardo, 2013, p.147)

A figura do negro apareceu primeiramente na literatura durante o quinhentismo,


as pequenas passagens o mostravam durante sua saída da Africa para chegar no
Brasil, uma forma melhor de explicar esse relato é dizer que é o transporte de escravos
nos navios mercantes.
Gregório de Matos traz de volta o negro durante o período barroco, o poeta
mostrava uma relutância ao falar do escravo negro, ele tinha uma visão extremamente
racista deles, insultando-os e colocando-os em uma posição inferior à dele em vários
de seus textos, que foram construídos com um tom de desprezo e repúdio. Em seus
versos satíricos e demolidores, como os do “Juízo anatômico dos achaques que
padecia o corpo da República em todos os seus membros e inteira definição do que
em todos os tempos é a Bahia”, poema de que vale destacar a seguinte passagem:
Que falta nesta cidade?... Verdade.
Que mais por sua desonra?... Honra.
Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha.
Quem a pôs neste rocrócio?... Negócio.
Quem causa tal perdição?... Ambição.
E a maior desta loucura?... Usura.
Notável desaventura
De um povo néscio e sandeu
Que não sabe que o perdeu
Negócio, ambição, usura.
Quem são seus doces objetos?... Pretos.
Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.
Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
Dou ao demo a gente asnal,
Que estima por cabedal
Pretos, mestiços, mulatos

Este poema que foi citado acima, onde Gregório relata sobre a época de fome
que o estado da bahia passava, ele usa várias de suas palavras satíricas, tanto para
os de alta sociedade como para os mais pobres, que eram representados por negros,
mestiços e mulatos, onde neste trecho destacado, eles levam a culpa por tudo que a
bahia estava passando, pois esses buscavam uma melhoria social, e faltavam com a
verdade, não tinam honra e nem vergonha, ou seja, o autor afirmava que eles eram
prejudiciais a sociedade baiana, como afirma no poema, só queriam saber de
“negócio”, “ambição” e “usura”.
Mas como o barroquismo é marcado pela dualidade, em suas poesias não era
diferente, por exemplo: enquanto o homem era representado como uma criatura
selvagem e nojenta, a mulher negra era representada com erotismo, ela era sensual
e desejada pelos homens, fossem eles escravos ou senhores, a mulata era tratada
somente como objeto sexual. No poema a seguir, podemos ver a sexualização da
mulher negra nas obras de Gregório de Matos:
MULATA ANICA
Achei Anica na fonte – lavando roupa
sobre uma pedra
Mais corrente, que a mesma água –
mais limpa que a fonte mesma(...)
Conchavamos que eu voltasse – na
segunda e quarta-feira,
Que fosse à costa da ilha – e não
pusesse o pé em terra,
Que ela viria buscar-me – com
segredo e diligência,
Para na primeira noite – lhe dar uma
sacudidela.
Depois de feito o conchavo – passei o
dia com ela,
Eu deitado a uma sombra – ela
batendo na pedra.
Tanto deu, tanto bateu - co’a abarriga
e co’as cadeiras,
Que me deu a anca fendida – mil
tentações de fedê-la! (...)

Gregório de Matos (1636-1696)

Outro autor que relatou a face de cor foi Padre Antônio Vieira, figura
fundamental na conversão dos índios para o catolicismo, não foi diferente com o
negro, o padre dizia que havia uma vantagem para esses homens em virem para o
Brasil, estavam sendo escravizados, mas aquilo os deixava mais próximos da palavra
do senhor.
Passando desapercebido pelo século XIII, o negro volta a aparecer no período
do romantismo, tanto na poesia quanto na prosa, um dos autores mais conhecidos
deste período é o poeta Castro Alves, que foi considerado o “poeta dos escravos”,
sempre demonstrou em suas obras não concordar com a escravidão dos negros,
porém, como o restante do autores da época, ele também mencionava os negros a
partir de esteriótipos, fato que notamos nestas estrofes da obra “O navio negreiro”:
[...]
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas Rega
o sangue das mães.
[...] ( ALVES, 1997, p. 280)

Segundo Brookshaw (1983), Castro Alves ainda via os negros como a raça
maldita, os descendentes de Caim que tinham sido expulsos do paraíso para as areias
ardentes da África; reproduziu o mito europeu que considerava a África um continente
pobre e sem civilização.
Castro Alves, apesar de lutar contra o tráfico de negros e a favor da abolição,
também não deu a voz aos negros, mencionava-os com um certo distanciamento, sem
o reconhecimento do negro como um sujeito que pode ter valor cultural, seus próprios
heróis e sua voz no mundo, onde todos esses aspectos foram deixados de lado por
Castro Alves, um exemplo disso, podemos ver também no poema “O navio Negreiro”,
onde ele coloca os negros a
pedirem socorro aos “heróis” do novo mundo, sendo que esses mencionados
não representam em nada o negro e sua cultura, pelo contrário só traz a tona a
colonização e escravidão.
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca! esse pendão dos
ares!
Colombo! fecha a porta dos teus
mares! (ALVES, 1997, p. 283)

Visamos então que até mesmo os escritores que se interessavam em escrever


sobre a escravidão e condena-la, traziam a tona as questões do preconceito e
esteriótipos que sondavam os negros, sem conseguir aniquilar toda esse conceito
racista que foi fixado em nossa sociedade, não conseguiam dar um lugar digno para
os negros, ou eram vitimizados a ponto de serem escrachados, ou eram vistos como
miseráveis. Os chamados “abolicionistas”, como por exemplo: Bernardo Guimarães,
Castro Alves e Fagundes Varela, condenavam a escravidão, porém traziam o negro
com diversos esteriótipos, como: escravo imoral, vítima, demônio, infantilizado,
submisso, etc.
Em Escrava Isaura de Bernardo Guimarães (1872), podemos encontrar o
chamado escravo submisso, fiel e que supera tudo que passou na escravidão através
do seu branqueamento, visamos isto na personagem protagonista Isaura, que é filha
de mãe negra e pai português, e tem a pele clara. Veja um trecho do romance, em
que Isaura conversa com sinhá Malvina:
“– Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão
de pensar que és maltratada, que és uma
escrava infeliz, vítima de senhores
bárbaros e cruéis. Entretanto passas aqui
uma vida, que faria inveja a muita gente
livre. Gozas da estima de teus senhores.
Deram-te uma educação, como não tiveram
muitas ricas e ilustres damas, que eu
conheço. És formosa e tens uma cor linda,
que ninguém dirá que gira em tuas veias
uma só gota de sangue africano.
[...]
– Mas senhora, apesar de tudo isso que sou
eu mais do que uma simples escrava? Essa
educação, que me deram, e essa beleza,
que tanto me gabam, de que me servem?...
São trastes de luxo colocados na senzala
do africano. A senzala nem por isso deixa
de ser o que é: uma senzala.
– Queixas-te de tua sorte, Isaura?
– Eu não, senhora: apesar de todos esses
dotes e vantagens, que me atribuem, sei
conhecer o meu lugar.”

A conversa demostra os esteriótipos existentes, a branquitude como motivo de


beleza, sendo assim, colocando toda herança vinda dos negros como ruim e maldita,
evidencia também o amparo dos senhores com a escrava e a continuação desse
estado de coisas que se encerra com a fala de Isaura “sei conhecer o meu lugar”.‘

Na prosa, o negro não aparece como protagonista nas histórias, ele é sempre
tratado como uma figura que está inserida no cotidiano da burguesia, um servente
para eles, podemos encontrar o negro Caracterizado como subalterno e serviçal, é o
estereótipo que o coloca como incapaz. Presente em obras como O demônio
familiar(1857), de José de Alencar, que conta a história de um escravo chamado
Pedro, cujo sonho é ser cocheiro e para isso ele promoverá encontros e desencontros.

O realismo e o naturalismo são escolas literárias que se propõe a mostrar a


sociedade como ela de fato é, com seus defeitos sendo escancarados pelos autores,
e mesmo aquilo que a sociedade na época, e em alguns casos até hoje, via como
absurdo, eram colocados em xeque nas obras. Ambas as escolas se pautam em duas
correntes cientificas: Darwinismo e Determinismo, que trazem ao personagens e
acontecimentos conhecimento cientifico, uma verdade cientifica, mas no caso do
negro, ele é bestializado, seu conhecimento e cultura são deixados de lado e o que
prevalece são os instintos humanos, a violência, animalidade, mesmo que isso não
seja algo específico do povo negro, é o que muitas obras fazem parecer. A análise
comportamental da sociedade que é uma forte característica dessa época literária
mostra a mestiçagem que acontecia como um retrocesso, e pode ser notada em obras
como “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, que traz duas personagens marcantes:
Bertoleza e Rita Baiana. A Bertoleza, em determinado momento da obra, se mostra
feliz ao voltar para o português, e é dito pelo autor que essa felicidade se dá ao fato
que ela procurava um homem superior aos de sua raça.Bertoleza, do romance O
cortiço (1900), de Aluísio Azevedo:
Bertoleza é que continuava na cepa
torta, sempre a mesma crioula suja,
sempre atrapalhada de serviço, sem
domingo nem dia santo: essa, em
nada, em nada absolutamente,
participava das novas regalias do
amigo: pelo contrário, à medida que
ele galgava posição social, a
desgraçada fazia-se mais e mais
escrava e rasteira. João Romão subia
e ela ficava cá embaixo, abandonada
como uma cavalgadura de que já não
precisamos para continuar a viagem.

Chegando no modernismo temos a publicação de “Poemas Negros” por Jorge


de Lima, em 1941, a intenção do autor era a de mostrar a importância do negro na
sociedade, dizer a seu leitor o papel fundamental essa figura para a criação da
abundância de culturas que percorre o sangue brasileiro, que aquela pele que muito
lutou era tão parte da história do país quanto qualquer outra.
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?]
Essa negra Fulô!
(Trecho poema Essa Negra Fulô de Jorge de Lima)

Você também pode gostar