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Doutor em Ciências pelo Programa de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo – FFLCH-USP (2008), com mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho – FCT-Unesp (1994) e graduação em Geografia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade
de São Paulo (1990). Professor titular na UNIP e na Fundação Armando Alvares Penteado, em cursos de graduação e
pós-graduação. Tem experiência em estudos socioambientais municipais e regionais. Atua principalmente nas linhas
de pesquisa ligadas a epistemologia da geografia, metodologias de planejamento, qualificação dos usos de recursos
(diagnóstico e prognóstico socioambiental) associada à adequação das políticas públicas às demandas locais.
Possui graduação em Economia pela UNIP (1995) e é mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração
e coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade, tanto na modalidade presencial quanto
na Educação a Distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente nas áreas ligadas ao setor de
transporte de passageiros, atuando há 29 anos no ramo.
CDU 32
A-XIX
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Vitor Andrade
Ricardo Duarte
Lucas Ricardi
Sumário
Ciência Política
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ .........................................................................9
1.1 O fenômeno político: poderes, política e ciência política ................................................... 10
1.2 Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social.................................................... 14
1.3 Política no plano da existência........................................................................................................ 29
2 CIÊNCIA DO PODER E DA POLÍTICA........................................................................................................... 39
2.1 A política e sua institucionalização: das formas elementares de poder
aos arranjos sociais de Estado ................................................................................................................ 42
3 O FENÔMENO POLÍTICO: PODERES, CONTRATOS, REGRAS E NORMAS..................................... 43
3.1 Classificações de grupos políticos.................................................................................................. 46
4 ORIGENS E CONCEITOS DO ESTADO......................................................................................................... 51
Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS..................................................................................... 57
5.1 Teoria geral do Estado......................................................................................................................... 67
5.1.1 População e demografia....................................................................................................................... 85
5.1.2 Território: aspectos físicos, biológicos e culturais...................................................................... 90
5.1.3 Governo: soberania e autonomia...................................................................................................... 95
5.1.4 Fronteiras internas.................................................................................................................................. 97
6 O ESTADO CONTEMPORÂNEO: POPULAÇÃO OU POVOS? FRACASSO
DA AUTODETERMINAÇÃO ..............................................................................................................................111
6.1 Povos: quem são o povo, a nação e os estrangeiros.............................................................112
6.2 Estado‑nação como solução e problema..................................................................................117
Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ...........................................................................................132
7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização ................................................................133
7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses,
“espaço interestatal”................................................................................................................144
7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas........................................ 150
8 O PENSAMENTO CLÁSSICO SOBRE A POLÍTICA E A VARIEDADE DE
ORGANIZAÇÕES DE PODER: O CRIVO DA FILOSOFIA..........................................................................160
8.1 Platão e o nascimento da reflexão sobre a política..............................................................163
8.2 Aristóteles, as constituições e a dinâmica da polis ..............................................................171
8.3 Maquiavel, a política e o Estado moderno ..............................................................................175
8.4 Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social......................................................178
8.5 Locke, a comunidade política e o direito à propriedade.....................................................189
8.6 Montesquieu e a distribuição social dos poderes..................................................................194
8.7 Rousseau e as bases do Estado democrático...........................................................................198
APRESENTAÇÃO
Este livro-texto foi pensado como mais um meio de comunicação entre professores e alunos, com o
propósito de estimular dúvidas nos discentes. Sim, dúvidas. As dúvidas são preciosas e merecem muito
respeito do educador, pois, além de colocá-lo em movimento, permitem que esteja alerta, sempre à
procura de melhores soluções. É preferível questionar a dar respostas prontas de terceiros. O poder da
dúvida, da curiosidade que a enraíza, do enfrentamento do erro (que nos afasta de nossas ignorâncias)
é proporcional à abertura ao incômodo, à estranheza, ao desconcerto. De fato, traz sensações com
imenso potencial de aprendizado efetivo. Aproveite as provocações (bifurcações e incertezas) para sentir
e experimentar portas e caminhos. Trata-se de ter experiências.
A obra parte dos saberes vividos e de experiências, no plano comum da existência (política), e segue
em direção aos principais elementos e temas da ciência política, pois avaliamos que desse modo os
conceitos adquirem mais sentido.
Tais caminhos devem-se à nossa grande preocupação com a distância entre os estudantes e os
assuntos analisados. A leitura pode ser uma mediação ineficiente entre aluno e conhecimento, quando
o texto é mero desfile de questões e temas indistintos. Como transformar essa relação?
Nossa pequena contribuição nessa imensa maratona em direção ao conhecimento envolve algumas
escolhas. As principais delas são: preferimos sempre as alternativas às certezas; o debate a doutrinas;
preferimos, portanto, a exposição de lados e versões a uma racionalidade única. E, mais importante, queremos
que o estudante tenha genuíno interesse pela política, que o atravessa em todas as suas relações, bem como
pelos assuntos institucionais do poder, que definem, também, sua existência como ser social, cidadão.
Assim, examinaremos os temas poder e política, primeiramente, no nível da vida cotidiana, do mundo
da vida, bem como os rumos do poder no plano das questões de Estado, povo, nação e território. Desse
modo, devem surgir questões para o aluno sobre suas relações com as formas e ações da política.
As discussões sobre o Estado envolvem a dimensão nacional (“o dentro” do país), o “entre-nações” e
o espaço internacional (“o fora” do país, o global).
O texto traz, por fim, os autores responsáveis pelas bases do pensamento político clássico e moderno,
perfilado durante os demais capítulos, que examinam seus fundamentos filosóficos.
INTRODUÇÃO
A ideia condutora deste livro-texto é a política, a arte e a técnica de alcançar aquilo de que se
precisa, o que se deseja.
Destacaremos o valor da política nas diversas fases da vida. Veremos como ela se manifesta em
situações cotidianas e nas relações internacionais.
7
É fato que não podemos sobreviver sem água, do mesmo modo que não conseguimos construir
relações sociais e melhorar a condição de vida de um povo sem a política, tamanha a sua relevância.
Falaremos do nascimento da política e o que motivou sua existência. Vamos trazer à tona a discussão
sobre natureza e cultura, como bases de nossas necessidades psicossociais. Também abordaremos como
as práticas políticas tornam-se objeto de interesse científico, com as ciências políticas.
Em nossa análise, ilustraremos as formas sociais, instituições, que construímos para alcançar o
progresso. Passaremos, então, ao plano mais elaborado da engenharia política de congregação das
necessidades e dos desejos, o Estado nacional. Com isso, não estamos afirmando sua excelência ou
superioridade sobre outras alternativas de organização social, muito pelo contrário, esclarecemos suas
mazelas e vícios, muito maiores que suas virtudes.
Encerraremos nosso estudo acentuando os olhares dos clássicos do pensamento político, recorrendo
aos temas tratados durante o livro-texto, porém com o crivo filosófico. Assuntos que terão destaque
são: liberdade, organização, economia, sobrevivência, força, propriedade e convivência.
8
CIÊNCIA POLÍTICA
Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ
Falar sobre política nos leva a um dualismo (caráter antagônico, irreconciliável, das forças
constitutivas). Foquemos essa dualidade: um lado representa os planos da ação efetiva, das práticas; o
outro, os planos da crença e da teoria, das instituições.
Dito de outro modo, a política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas
instituições, com regras e objetivos abstratos.
Neste livro-texto, destacaremos a política como condição humana (tudo é ligado à diversidade de
posições, divergências e convergências) e como dimensão social (uma via de realização social dos poderes).
Vamos traçar duas perspectivas sobre a distribuição do poder, no âmago da relação indivíduo‑sociedade,
das escalas locais às internacionais.
Como encontrar a unidade, as conexões entre a política individual (interna), dos sujeitos privados,
agentes em busca de realização social, e a política coletiva (externa), dos agregados de interesses,
associações de agentes com interesses convergentes, ou não, reunidos pela democracia?
Política é, então, o exercício individual e coletivo do poder, está em toda parte, com regras, normas
e contratos (direito e legalidade) e seus graus de legitimidade. O que há de bastante palpável na política
é sua condição existencial e reflexiva, portanto, objeto teórico da filosofia e da ciência.
Dahl (1988, p. 5-6) sugere que todo o conhecimento acumulado não é “panaceia para compreensão”
e solução de questões políticas, pois algumas perguntas, desde as muito antigas ou clássicas até as
mais contemporâneas, permanecem sem respostas. “Exigem novas perspectivas e problematizações e
reflexões, baseando-se de modo crítico em Aristóteles, Weber e Lasswell”.
O autor reconhece as bases teóricas que vêm da Antiguidade grega, assim como os nomes
consagrados do pensamento sobre política. Nessa linha, seleciona os citados representantes (três) de
diferentes períodos, afirmando que, “indubitavelmente, tudo que Aristóteles e Weber chamariam de
‘político’ seria ‘político’ também para Lasswell”, mas este estenderia a abrangência da sua definição de
modo a “incluir algumas coisas que Weber e Aristóteles deixariam de fora: uma empresa e um sindicato,
por exemplo, teriam aspectos ‘políticos’” (DAHL, 1988, p. 4).
O trabalho de Dahl é um clássico. Se, por um lado, como dissemos, ele relativiza a importância da
reflexão clássica, por outro, corrobora a expansão do conceito de política ao conceituá-la como sistema
político: “Vamos definir, portanto, um sistema político, audaciosamente, como qualquer estrutura
persistente de relações humanas que envolva controle, influência, poder ou autoridade, em medida
significativa” (DAHL, 1988, p. 13-14).
Zygmunt Bauman, na obra Em Busca da Política, expõe o absurdo da vida social baseada em
crenças contraditórias.
As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que
costumam ter crédito hoje – nossas crenças – não são exceção. Com efeito,
achamos que a questão da liberdade, por exemplo, pelo menos na “nossa
parte” do mundo, está concluída e (descontando correções menores aqui
e acolá) resolvida da melhor maneira possível. De qualquer forma, não
sentimos necessidade (de novo, salvo irritações menores e fortuitas) de ir
para as ruas protestar e exigir maior liberdade do que já temos ou achamos
ter. Mas, por outro lado, tendemos a crer com a mesma convicção que pouco
podemos mudar – sozinhos, em grupo ou todos juntos – na maneira pela
qual as coisas ocorrem ou são produzidas no mundo. Acreditamos também
que, se pudéssemos mudar alguma coisa, seria inútil e até irracional pensar
em um mundo diferente do que existe e aplicar os músculos em fazê-lo
surgir por acharmos que é melhor do que este aqui. Como cultivar essas
duas crenças ao mesmo tempo é um mistério para qualquer pessoa treinada
11
Unidade I
As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia
lógica. Nem uma nem outra é, de forma alguma, fantasiosa. Nossa
experiência comum tem mais do que o suficiente para sustentar cada uma
delas. Somos bem realistas e racionais ao acreditar no que acreditamos.
Por isso, é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a
nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios. E é importante saber
também como podemos viver com essa contradição; e, sobretudo, por que
a maior parte do tempo não a notamos e, quando o fazemos, não ficamos
particularmente preocupados (BAUMAN, 2000, p. 10).
O filósofo polonês afirma que estamos sem pontes e sem lugares prontos para empreender os
desafios de reanimação da política, identificando os impasses.
Concluindo seu raciocínio, destaca: “À falta de pontes firmes e permanentes e com as habilidades
de tradução não praticadas ou completamente esquecidas, os problemas e agruras pessoais não se
transformam e dificilmente se condensam em causas comuns” (BAUMAN, 2000, p. 11).
Para Bauman (2000, p. 11), vivemos em um tempo de política esvaziada. Com “pessoas que se sentem
inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade, [elas] não
podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. E continua:
– foi retirada da política, essas instituições não podem fazer muito para
fornecer segurança ou garantias. O que podem fazer e o que fazem o mais
das vezes é deslocar a ansiedade difusa e dispersa para um único elemento
de Unsicherheit – o da segurança, único campo em que algo pode ser feito
e visto. O problema, porém, é que se fazer algo efetivamente para curar ou
ao menos mitigar a inquietude e incerteza exige ação unificada, a maioria
das medidas empreendidas sob a bandeira da segurança são divisórias,
semeiam a desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar
inimigos e conspiradores por trás de toda discordância e divergência,
tornando, por fim, ainda mais solitários os que se isolam. O pior de tudo:
se tais medidas nem chegam perto da verdadeira fonte da ansiedade,
desgastam toda a energia que essas fontes geram, energia que poderia
ser utilizada de modo muito mais efetivo se canalizada para o esforço
de trazer o poder de volta ao espaço público politicamente administrado
(BAUMAN, 2000, p. 11).
Observação
Para ele, “o verdadeiro poder ficará à distância segura da política e a política permanecerá impotente
para fazer o que se espera da política”. Seu projeto de resgate da política afirma, explicitamente, que
esta deve “exigir de toda e qualquer forma de união humana que se justifique em termos de liberdade
humana para pensar e agir, e pedir que deixe o palco caso se recuse ou não consiga fazê-lo” (BAUMAN,
2000, p. 11-14).
A busca de Zygmunt Bauman é a de uma ágora possível, de um espaço público de qualidade, com “o
poder de volta ao espaço público politicamente administrado”. Para ele, o poder foi retirado da política.
Diz que isso implica um corte entre a imanência do poder republicano e seu plano institucional, abstrato.
Acentua que há um declínio do questionamento, que devemos pensar em liberdades individuais e
coletivas, debatendo o assunto.
• Qual é a relação entre globalização capitalista, esvaziamento da política (com a retirada do poder),
incerteza, insegurança e falta de garantias?
— Unsicherheit.
13
Unidade I
— Pontes! Assevera que elas são necessárias para refazer os caminhos cortados.
A política no plano existencial, em seu sentido mais concreto, das relações sociais cotidianas, é o
que ocupa Bauman. Põe-se de frente com o descrédito generalizado com a política, o fazer político
institucionalizado, embora também enxergue esperança na política (re)conquistada, ressignificada; daí,
o título de seu livro – Em Busca da Política.
Assim como o professor emérito Giannotti, Bauman vê a contradição como pedra de toque para
a discussão, a reflexão. Seu ponto de partida é a constatação de crenças contraditórias perfazendo
as tramas da modernidade: uma crença desmedida na liberdade; a outra, na impossibilidade de que
essa liberdade sirva à mudança. O autor assume as dificuldades lógicas e ontológicas em lidar com
essas perspectivas.
Observação
Lembrete
O poder não é apenas sobre poder fazer as coisas por si mesmo, é também
fazer com que sejam realizadas por outros. Ao império direto sobre o
mundo, acrescenta-se, assim, um império indireto, que é ao mesmo tempo
um império sobre os outros (CLAVAL, 1979, p. 11-12).
Paul Claval (1979, p. 11) sublinha a todo momento que “a vida social está inscrita no espaço e no
tempo”, lembra em toda a sua obra que “é feita de ação sobre o meio e interação entre os homens.
Conecta pessoas que, para sobreviver, devem obter do meio ambiente a alimentação, a energia e as
matérias-primas de que precisam”.
Há unidade em sua concepção de vida social, pois o ambiental e o social transformam-se nas
dimensões física, biológica e cultural do poder. E há ubiquidade da política, como quer e acerta Robert
Dahl (CLAVAL, 1979, p. 13).
Paul Claval abriu as trilhas antropológicas e geográficas (estatuto do humano e de sua territorialidade
diversa) da reflexão e espacialização do poder. Assim, a cultura, marca original de cada grupo, requer
“comunicações que reduzem a viscosidade natural e a opacidade do espaço”, somente desse modo
sendo mantida e reproduzida (1979, p. 11).
O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da evolução, produzindo toda a
degradação ambiental a que estamos sujeitos, ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas
relações pelo surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos:
15
Unidade I
Ele passa a enumerar os casos gerais com a finalidade de exemplificar e apontar um panorama de
relações comuns de poder, no seio da vida humana.
A relação de poder assume sua dimensão social através dos conflitos que
a criança vive com seu pai. Seus impulsos profundos a transformam em
direção a sua mãe, mas ela encontra em seu pai um rival com quem é
invejável; ela aspira a eliminá-lo para permanecer mestre do que é mais
caro para ela. O pai aparece como o intruso, o outro, o representante de uma
ordem externa que é violenta, mas devemos aceitar se queremos entrar no
jogo dos adultos e nos tornar adultos.
Fora do grupo primário, o poder tem outras raízes [além] das dificuldades da
aculturação – mas tira proveito, quando se manifesta, dos reflexos ambíguos
que a socialização criou para todos.
político: você não deve permitir que outros ganhem mais do que você ganha
(CLAVAL, 1979, p. 12-13).
Claval (1979, p. 14) caracteriza o contrato social como “metáfora” ou “mito” fundador do pensamento
sobre o social da modernidade. Assevera que “a aceitação de regras comuns facilita a vida social, libera
o indivíduo da obsessão da má-fé: ele sabe que será tratado com justiça enquanto as convenções forem
respeitadas pelas partes. Isso permite ampliar a esfera da vida de relação” (p. 128). Contrato social,
fundado no movimento contratualista, ou ainda jusnaturalista, como um grande acordo que a todos
envolve tanto nas obrigações quanto nos direitos, é fundamental ao raciocínio político, por isso será
tratado de modo crítico em vários trechos do livro-texto.
A síntese de seu raciocínio deveria estar na base da reflexão, das ações e intervenções na realidade,
pois Paul Claval, já em suas primeiras linhas, aponta a divisão entre os que insistem “nos mecanismos,
nos automatismos, nas regulações inconscientes e benéficas” e os que, como ele próprio em seu livro,
pretendem mostrar que “o jogo social nunca é inocente”, pois, “atrás das retroações que limitam
aparentemente o poder dos indivíduos, desmascara-se a ideologia que oculta os mecanismos reais e
leva a esquecer o peso desigual dos participantes e os que instituíram as regras sociais e com elas se
beneficiam” (CLAVAL, 1979, p. 7).
A referida cisão está na base do pensamento moderno, separando a realidade, posta, de um lado, sob
o foco de perspectivas naturalizantes que, no limite, instituem o funcionamento perfeito de sistemas
(os referidos automatismos, mencionados por Claval) e, de outro, sob o foco de perspectivas de fundo
político (que não deixam de ser filosóficas e/ou científicas). São visões de mundo diferentes por serem
baseadas em equilíbrio ou conflitos; são determinantes das práticas sociais.
Paul Claval (1979), ao tratar o que chama de “geometria das formas elementares de poder”, apresenta os
dois tipos básicos de relação de poder, o que se submete ao “poder puro” e o que se conforma à “autoridade”.
• o poder puro: caracterizado pela ação da força no alcance dos objetivos de uns sobre os outros, o que
também define a escala necessária ao estabelecimento das estruturas e dos instrumentos de aplicação;
• a autoridade: de base ideológica e econômica, aceita, portanto, sob efeito de acordos quanto à
delegação e representatividade, bem como de discursos indutores das ações.
Claval procura dar conta das espacializações do poder nas várias escalas, além de se debruçar sobre
o que denomina “geometria das formas complexas de poder”, demonstrando como é erigida a trama
social. Para tanto, aponta as relações:
18
CIÊNCIA POLÍTICA
A principal busca de Paul Claval, articuladora das demais, é pelas territorialidades (regiões mantidas,
ocupadas) e territorializações (em processo de ocupação).
Os conceitos espaciais são fundamentais para a reflexão sobre a realidade e para nela interferir.
Eles são vitais em razão da condição espacial de todos os seres e coisas. São eles: lugar, território,
região e espaço geográfico. Eles têm papel crucial na lida com as estratégias dos agentes em exercício
de seus poderes.
Saiba mais
Lembrete
Para Paul Claval (1979), estudioso da vida social, nossa sociedade indaga ansiosamente sobre o
poder. Ele comenta obras que marcaram seu tempo em busca de esclarecimento das origens, formas e
papéis do poder no mundo contemporâneo. Contudo, elas tratam, infelizmente, de agregados abstratos
(índices estatísticos isolados, indicadores de atividade econômica, política, cultural), sem suas raízes
ecológicas, sem os habitat, sem as distâncias a percorrer, sem dispersões a organizar, concebendo as
entidades sociais como desprovidas de território, de modo “a-espacial”. É nessa frente que Paul Claval
quer atuar, compreendendo as estruturas de “grandes grupos em grandes países”, garantindo “sua
colaboração em tarefas de monitoramento e controle” dos recursos planetários.
19
Unidade I
Há uma discussão essencial sobre a vitalidade política e cultural dos espaços públicos, em especial
com Jürgen Habermas, Richard Sennett, Roberto DaMatta e Nelson Saldanha.
A relevância dos espaços públicos para o exercício social de construção histórica e simbólica do
humano (sociabilidade, convivência, trocas em geral) é expressa tanto em atividades locais, como ganhar
as ruas, em blocos de carnaval ou manifestações políticas, quanto em eventos regionais, nacionais e
globais, como movimentos sociais de maior alcance por educação, saúde e políticas públicas.
Quando escrevia Espaço e Poder, Paul Claval (1979) via uma retomada das questões de poder pelos
pesquisadores, colocando em primeiro plano o papel do poder, da dominação, da influência ou da
autoridade. Contudo, segundo o autor, “insistia-se sobretudo nos mecanismos, nos automatismos, nas
regulações inconscientes e benéficas”.
O autor reitera continuamente a intenção de clarificar “o jogo social”, que “nunca é inocente”, o
que se descobre analisando movimentos e estratégias históricas (determinantes, em diferentes graus)
que interferem limitando, deslocando e neutralizando o poder de cada indivíduo. Daí a importância
dos estudos territoriais dos processos sociais no desmascaramento das racionalidades e ideologias que
ocultam as intenções reais dos agentes promotores da dinâmica institucional (os que instituíram as
regras sociais e com elas se beneficiam), fazendo-nos esquecer o peso político desigual entre estes
e os participantes comuns. O problema maior é que se comuns são alguns, não há comunicação que
unifique. Então, surge a questão: como ser povo além da artificialidade de nação?
Para ele:
Uma constante de seu raciocínio é o interesse pelos “aspectos concretos da vida social, pela articulação
espacial dos grupos, pelas redes que os unem, pelas fronteiras que os separam, pelos domínios por onde
se estendem” (CLAVAL, 1979, p. 7-8).
O geógrafo francês aponta a satisfação corrente no meio acadêmico com respostas superficiais do
tipo: “uma coletividade, uma classe ou um indivíduo são capazes de impor sua vontade aos outros”.
Então, ele diz: tudo fica explicado? Apenas aparentemente, segundo ele, porque
20
CIÊNCIA POLÍTICA
Um tema, mais especificamente uma via de interpretação dos avanços nos estudos do poder, diz
respeito à identificação das modernizações de TI:
O autor associa os estudos de Foucault a certas pesquisas realizadas em outros países, nos
Estados Unidos, particularmente, onde os teóricos das organizações fizeram progredir um pouco,
nas mesmas linhas, a teoria do exercício do poder. Ao mencionar o trabalho de Robert Dahl,
diz que ele superou as teses sobre a origem da riqueza, mostrando também os “limites das
generalizações de Floyd Hunter, de Wright Mills e, em uma geração anterior, de Robert Lynd”
(CLAVAL, 1979, p. 9).
A teoria das organizações, em suas vertentes experimental ou especulativa, envereda tanto por
caminhos pouco conhecidos quanto por outros pouco ou nada evidentes, em busca da gênese e lógica
de agrupamentos sociais, sendo preciosa nessa empreitada, pois, ao basear-se em estudos etnográficos,
arqueológicos, historiográficos, geográficos, de história da economia, entre outros, concorre para
restaurar a compreensão complexa.
21
Unidade I
“Na medida em que a autoridade e o poder variam em função das doutrinas daqueles que os exercem
ou sofrem, a contribuição da reflexão normativa, desde Hobbes, Locke ou Rousseau, integrou-se, mas
sob uma forma nova, à teoria contemporânea dos aspectos espaciais do poder” (CLAVAL, 1979, p. 9).
Saiba mais
Paul Claval enumera as relações intrínsecas entre a sociedade e o poder. Diz que as diferenças que
nos caracterizam não podem ser confundidas com desigualdades! Nessa conjuntura, é vital destacarmos
um trecho sobre o assunto, feito pelo doutor em geografia Gilvan Charles Cerqueira de Araújo.
[...]
1. Sobre o poder
Gérard Lebrun (1981) faz um retorno histórico do poder. Basicamente, o autor elabora
uma dialética epistemológica entre a concepção clássica de poder dominador e coercitivo,
historicamente ligado à ideia de Estado, e também busca e reflete sobre a crítica às teorias
anglo-saxônicas do poder enquanto “soma zero” – uma herança da teoria dos jogos, na qual
em algum momento, para cada dominado, haverá um dominante e vice-versa, fechando
o sistema em si. Nesse sentido é que o autor nos apresenta a definição da ideia de poder,
aproximando-se do poder enquanto manifestação de forças:
Durante toda sua exposição, Lebrun (1981) valoriza o importante papel dos teóricos
renascentistas e modernos em suas elucubrações a respeito do Estado. Em uma tentativa de
aliar as teorias clássicas de poder central do soberano ao poder multifacetado e diluído dos
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Unidade I
Segundo Foucault (1979), há uma diferenciação das forças existente entre os indivíduos
de uma sociedade. Isso quer dizer que o poder não está localizado apenas em uma direção,
localidade ou organismo, como os Estados, escolas e prisões, mas sim em todas as trocas de
experiência dos sujeitos.
O viés econômico que permeia a história é inegável, mas o importante é não deixar para
trás o substrato que tanto as instituições quanto os interesses econômicos fundamentam,
ou seja, a repressão, a dominação e a manipulação não só dos soberanos, mas também
de todos que por alguma contingência específica estiverem exercendo o domínio sob
outro indivíduo ou comunidade: “o poder é essencialmente repressivo. O poder é o
que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso
contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, isto não é uma
novidade” (FOUCAULT, 1979, p. 175).
24
CIÊNCIA POLÍTICA
Não há por que negar a mobilidade escalar do poder, indo dos mais colossais aparelhos
estatais de controle até os comandos imperativos vociferados por coronéis ou burocratas
em vilas e comunidades isoladas. Assim, conseguimos extrair o caráter “essencialista” do
poder, colocando-o como forças em processos contraditórios de manifestação:
E nessa reflexão entre o poder, o jogo de forças e a validação da autoridade é que Arendt
explora a violência como expressão máxima de visibilidade concreta do poder manifestado.
No entanto, assim como há a necessidade dessa aceitação coletiva, a autora também reitera
que devemos conceber o poder em seu formato impessoal, coletivo, multiverso para além
do indivíduo:
O poder acaba por se enraizar das instituições para os seus representantes pessoais, e o
instrumento de sua perduração diante da população subalterna será a mais clara possível, a
violência: “[...] Os que vivem sob um déspota não tem nenhum interesse pessoal em obedecer
às injunções que lhe são feitas ou respeitar as proibições que vêm limitar sua liberdade. Se
o senhor não pudesse recorrer à força física, ninguém se curvaria às suas ordens” (CLAVAL,
1979, p. 23).
1
“O uso da força é um dos elementos da vida internacional. Nos Estados, o governo dispõe do monopólio
legal do recurso à violência e o utiliza para tornar impossível o uso privado da coação física: a imagem normal
da vida política é a de relação desenvolvida pacificamente pela negociação e a concessão, ou de regimes calmos,
estabelecidos depois de breves choques, revoluções ou guerra civis: mesmo quando estas se prolongam, a luta
armada surge como um elemento anormal contra a natureza” (BURDEAU, 2005, p. 203).
25
Unidade I
Por essa razão, as punições aos dissidentes à ordem dominante serão avassaladoras e
inegociáveis; assim o foram com os revoltosos na Bahia, no Maranhão, em Minas Gerais
e no Rio de Janeiro e, mais do que punir, o objetivo principal era utilizar este símbolo do
mando do poder como exemplificação para as outras pessoas, a favor ou não de algum tipo
de posicionamento contrário aos comandos do rei.
Em concordância tanto com Foucault como com Arendt, Georges Burdeau (2005) diz
que o poder é o encontro desigual de forças. A manifestação dessa desigualdade gerará a
visibilidade do poder enquanto diminuição ou sobrepujamento dos dominados diante do
comando e ordens de quem domina [...] “todo o problema do Poder se deve a essa dualidade
dos elementos que o constituem e se influenciam reciprocamente: a vontade de um chefe
e o poder de uma ideia que, a um só tempo, o sustenta e o supera” (BURDEAU, 2005, p. 6).
Eis que chegamos então à questão central da qual nos propomos tratar, que é a relação
entre o Estado e o território. Não apenas geógrafos voltados a assuntos ligados à política irão
defender o estudo dessa relação. A negligência da geografia para com a política é lembrada
por Foucault (1979) em sua afirmação do protagonismo do espaço e dos geógrafos.
à ideia do Estado, ele exige, para que a ideia não se desagregue, que o Estado se empenhe
em aprimorar as relações entre os indivíduos e seu contexto geográfico”. Por essas razões,
os geógrafos possuem lugar cativo no aprofundamento de estudos a respeito dessa relação,
por seu arcabouço teórico e fundamentação conceitual:
O que autor está afirmando nada mais é que a preocupação em unir esferas
complementares, em uma análise que se volte para elementos como sociedade civil, território,
instituições estatais, história cultural, características econômicas (e observemos que ele
critica o economicismo da história, assim como Foucault), e a revalidação da importância
da superestrutura. Em suma, para se falar de indivíduo e sociedade, há de se ter em mente
que entre a terra e o homem há muito mais que instintos, valoração monetária e fins de
uso imediato.
[...]
28
CIÊNCIA POLÍTICA
[...].
2
“Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional
e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’”
(HAESBAERT, 2004, p. 3).
29
Unidade I
O excerto a seguir traz uma parte do raciocínio complexo de Hannah Arendt sobre a política nas
escalas e circunstâncias individual e planetária:
Um tema que lhe é muito caro, a preservação da vida, depreende da tensão entre os imperativos
da política interna (ações que dependem do indivíduo) e as ameaças da política externa (relações que
tomam o indivíduo), internacional.
Reafirmamos, em consonância com Zygmunt Bauman, aquilo que nos move neste livro-texto: a
política somente é importante porque está na vida diária, no cotidiano de todos. Ela está em toda
parte, em qualquer passo dado. Assim, precisamos levar esse conteúdo para a política profissional,
institucionalizada.
O texto que destacaremos a seguir é da obra 10 Lições sobre Hannah Arendt (2012), de
Luciano Oliveira.
31
Unidade I
Terceira lição
[...]
Quando Arendt se refere à política em um sentido positivo, está se referindo ao que foi a
experiência da polis grega! Arendt, recordemos, foi aluna de Heidegger e deste guardou algo
do seu método: “A volta dele aos filósofos gregos, sua luta com a etimologia mesma das
palavras que eles utilizaram, para lhes recapturar a primeira e fresca apreensão da maravilha
e terror do Ser”. Seguindo suas pegadas, Arendt repetidas vezes explicita a sua visão da
política como estando baseada na experiência grega clássica. Em A Condição Humana, um
capítulo sobre o que seria a essência da ação política se chama, exatamente, “A solução
grega”. E mais tarde dirá:
A resposta sobre o que seria tal essência, que ela exploraria mais sistematicamente no
livro de 1958, já está no conjunto de manuscritos [...] em alemão que só em 1993 foram
publicados na Alemanha, com o título Wast ist Politik?, e que Jerome Kohn publicou em uma
versão inglesa com o título Introdução na política, preservando assim a ideia de introducere
– “fazer entrar”. Foi na Grécia Antiga – mais exatamente em Atenas –, na época de seu
maior esplendor, que ela, a política, apareceu, em um espaço um tanto simbólico que os
gregos chamaram de polis. Ali, os homens livres e iguais – aqueles que estavam libertos
das necessidades laborais da vida – compareciam e davam-se à experiência política por
excelência, a ação, ou seja, o ato de vir a público e, em companhia de seus pares, iniciar com
palavras e atos algo novo cujo resultado não podia ser conhecido de antemão.
32
CIÊNCIA POLÍTICA
Viriam daí, de um lado, a hostilidade platônica ao reino das opiniões múltiplas e voláteis
vigentes na polis, onde as decisões seriam fruto de um exercício permanente de discussão e
persuasão, e, de outro, a valorização da figura do “rei-filósofo”, espécie de expert detentor de
um saber acima da plebe e gozando de um privilégio sobre os cidadãos ordinários. Começava
a decadência da política como o agir comum de cidadãos livres, daí em diante – em um
processo que chegou ao paroxismo nos tempos modernos – reduzidos, quando muito, à
condição de eleitores ocasionais. Confundem-se aqui processos históricos e culturais que
incluem desde a decadência de Atenas e, posteriormente, da República romana, até a
desvalorização da “esfera política” promovida pelo cristianismo, ao assimilá-la “ao mundo
terrestre da concupiscência”.
Em suma, um mal necessário. A conexão entre essa “volta aos gregos” e a crítica a Marx
se aclara quando se considera que a participação na polis nada tinha a ver com finalidades
práticas como a satisfação das necessidades, assunto doméstico por definição. Ou seja,
enquanto Arendt, na esteira dos gregos, vê na política a mais nobre atividade humana, Marx a
vê como um estorvo do qual convém um dia se livrar. Entendamo-nos: Marx é, como Arendt,
um libertário. Afinal, o que quer a revolução tão esperada por ele senão libertar o homem
do império da necessidade? Mas é aqui, justamente, que as coisas se complicam. Lembremos
que o grego que tinha assento na polis era um homem liberto das necessidades materiais da
existência, e, portanto, livre para discutir e deliberar com seus pares, igualmente libertos. Havia
o mundo privado da casa, no qual tais necessidades eram satisfeitas à base da dominação
sobre as mulheres e os escravos, e no qual não havia que se falar em deliberação, e havia a
“esfera pública”, na qual não havia dominação, mas igualdade. Entre uma coisa e outra, nada.
Não havia o que Arendt vai chamar de “sociedade” ou de “o social”. Por uma série de razões
33
Unidade I
que não vem ao caso abordar – até pela imensidão do assunto –, posteriormente ao declínio
da polis ocorreu um fenômeno que adquirirá uma importância cada vez maior e que Arendt
assim descreve: “A esfera da vida e de suas necessidades práticas, que na Antiguidade como
na Idade Média fora considerada a esfera privada por excelência, ganhou uma nova dignidade
e adentrou a arena pública em forma de sociedade”.
Estamos aqui diante de um fenômeno que nos é inteiramente familiar: uma concepção
de política “na qual o Estado é visto como uma função da sociedade”, algo como “um mal
necessário em prol da liberdade social”, prevalecente no mundo moderno. É aqui onde se
introduz a crítica a Marx, que se alguma finalidade vê na política é justamente a de pôr-se
a serviço dessas necessidades, evidentemente para superá-las, e, com isso, decretando seu
próprio fim, por ter se tornado supérflua.
Marx, para Arendt, atribuíra ao trabalho uma importância suprema na vida humana [...].
Hannah Arendt e Zygmunt Bauman são fundamentais nesse assunto, pois ambos procuram
a vida nos conceitos, em seu conteúdo social. Vão além do exercício teórico, seus trabalhos são
exercícios políticos.
Nesse ponto do texto, enfatiza-se a face mais elementar, mais básica da política, aquela do nosso
dia a dia. Quando queremos ou precisamos seguir uma direção, trilhar um caminho, trata-se de ação
política, conforme acentua Arendt, citada por Lincoln de Abreu Penna em sua resenha sobre a autora:
E o autor continua:
[...] A esses três elementos de todo agir político – ao objetivo que persegue,
à meta que idealiza e pela qual se orienta e ao sentido que nele se revela
durante sua execução – agrega-se um quarto, aquele que na verdade jamais
é motivo imediato do agir, mas que o põe em andamento. Vou mencionar
esse quarto elemento de princípio do agir e com isso sigo Montesquieu, que,
em sua discussão sobre as formas do Estado, em Esprit des Lois, descobriu
esse elemento pela primeira vez. Se se quiser entender esse princípio em
termos psicológicos, pode-se então dizer que é a convicção básica que
um grupo de homens compartilha entre si, e essas convicções básicas
que desempenharam um papel no andamento do agir político nos foram
transmitidas em grande número, embora Montesquieu só conheça três delas
– a honra nas monarquias, a virtude nas repúblicas e o medo nas tiranias.
Se nos basearmos em José Arthur Giannotti (2014), vamos encontrar três classes de contradição:
uma, idealista, representada por Hegel; outra, materialista, defendida por Marx; a última, com Carl
Schmitt à frente.
Para Giannotti (2014, p. 4), “a política é muito mais que disputa pelo poder”. Afirma que “disputa é
entendida de diversas maneiras, mas, tanto à esquerda como à direita, principalmente como contradição”.
O autor mostra, porém, que a contradição (“no seu sentido estrito, a contradição, como junção de
uma proposição e sua negativa, bloqueia o pensamento”) pode ser uma via privilegiada de análise e
reflexão. Contradição que tanto pode travar o encadeamento do raciocínio quanto abri-lo, como faz
Hegel (GIANNOTTI, 2014, p. 4).
35
Unidade I
Hegel faz dela o núcleo de qualquer devir, mas para isso pensa o ser e o nada
se determinando mutuamente, vindo a ser a partir dessa tensão. Ao pensar
a luta de classes como uma contradição, Marx se ajusta a esse modelo.
Somente assim pode ver nos conflitos do capital e do trabalho um vetor que
os supere e conserve suas potencialidades, criando outra figura que abriria
uma nova época da história. No entanto, se a contradição é uma figura do
discurso, como ela pode penetrar todo o real? Somente se ambos, o discurso
e o real, tiverem a mesma estrutura (GIANNOTTI, 2014, p. 4-5).
Trata-se de uma equivalência ontológica entre realidade e linguagem. Isto é, ao serem ambas
revestidas do mesmo material e ordenadas pelo mesmo sentido, remetem uma à outra. Ao perscrutarmos
a realidade, estaríamos em condição de falar (e pensar sobre ela), enquanto o discurso nos levaria até a
realidade. É um procedimento próprio da condição de equivalência ou de ontologias homólogas. É por
isso que a linguagem pode trazer o real (tem essa aspiração e esse potencial) como raciocínio encadeado.
Saiba mais
A contradição é fundamental para a comunicação didática. Assim, Giannotti aponta o modo como
Karl Marx abriu-se para o tema:
Marx nunca poderia aceitar esse “idealismo” [de Hegel]. Contudo, essa recusa
deixa uma sobra no seu pensamento político. A passagem do capitalismo
para o socialismo demanda a destruição do Estado, que no fundo é a
imagem das relações capitalistas posta a serviço delas, e a substituição da
política pela organização racional dos assuntos humanos. O resultado, como
sabemos, foi o terror revolucionário, cada vez mais terror quando se tornava
menos revolucionário (GIANNOTTI, 2014, p. 5).
36
CIÊNCIA POLÍTICA
E o autor continua:
[...]
Convém indicar àqueles poucos amigos que me têm lido no decorrer dos
anos o salto que este novo texto pretende dar. Até agora não tinha me
dado conta do alcance do potencial explicativo que ganha a contradição
quando assume um sentido. Em vez de se reduzir à conjunção de um signo
proposicional e sua negação, ela passa a articular um ato de negação que se
nega em um determinado jogo de linguagem. Consiste em uma “atividade”
de contradizer que, se não exprime algo, não deixa de exteriorizar o bloqueio
de duas atividades expressivas, as quais incitam uma decisão que, como tal,
37
Unidade I
Poderíamos ser tentados a pensar que nossa herança democrática nos protege
automaticamente dessas ameaças. É uma ideia equivocada. Nossa própria
tradição exige que se examine a história a fim de compreender as fontes
mais profundas da tirania e de refletir sobre as respostas apropriadas. Os
americanos não são mais sábios do que os europeus que viram a democracia
dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo [suas exacerbações...]
no século XX. Nossa única vantagem é poder aprender com a experiência
deles. E este é um bom momento para isso (SNYDER, 2017, p. 7).
Definir ciência política é entrar no plano do pensamento sobre a política que vimos na prática; é
preciso, então, trazê-la como ação, viva, e como história.
Como já estudamos, há na formação da ciência política uma dualidade e, por vezes, uma visão
dualista fundante:
39
Unidade I
• ciência que busca explicar a unidade complexa por meio de concepções, modelos e
instrumentos mecânicos simplórios, reproduzindo a realidade de modo a transfigurá-la, por
vezes até mesmo inconscientemente.
No primeiro caso, as buscas dependem de disposições concretas, perdendo potência no senso comum.
Se não perderem, podem alcançar um nível colaborativo. No segundo cenário, no plano teórico‑abstrato,
há elaborações institucionais, projetos para administrar as ações individuais. Apresentam certa dubiedade:
a institucionalização da vida social tem por retórica e panaceia o projeto político e a melhoria da vida
coletiva, e há imenso descrédito do aparato institucional (estatal), dificilmente público. Isto é, viver é
um fenômeno existencial precípuo e, em decorrência disso, organizamos de modo dissimétrico nossas
próprias ações, com a permissão da cisão social.
Conforme Matheus Passos (2017), ciência política é o estudo do fenômeno político, tanto no sentido
amplo quanto naquele mais estrito. Enquanto no primeiro plano trata-se da análise do fato propriamente
dito, no outro, o objeto de interesse volta-se para os aspectos institucionais, do Estado, de seu aparelho
e das relações estabelecidas em torno dele.
Amparado em Norberto Bobbio, Matheus Passos (2017) define esse nível dos fatos como tudo o que
é ligado à cidade, ao urbano, ao civil, ao público e que é pertinente às dinâmicas sociais. Diz que é a arte
do governo de uma maneira geral, assemelhando-se à política no plano da existência, do modo como
destacamos há pouco. Já no sentido estrito, a política remete aos termos de referência polis e Estado,
isto é, política institucional, profissional.
Já vimos que o saber sobre a política, tanto o clássico como o contemporâneo, é bastante politizado,
pois pensa com propósito, é político, representa setores da sociedade, é motivado por ideias.
Se temos os clássicos, a exemplo de Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Locke
e tantos outros, hoje temos a disciplina acadêmica e científica, debruçada sobre o fenômeno político,
com a específica denominação de ciência política. Em geral, dizemos que é uma área do conhecimento
que se institucionalizou nas universidades anglo-saxãs, particularmente estadunidenses, influenciando
países europeus desenvolvidos, e mais tarde também os “periféricos”.
Matheus Passos (2017) expande o sentido da política para o plano da existência. A diferença entre
filosofia política e ciência política, segundo ele, é que a filosofia trata do que deve ser, e a ciência, do que é.
Acentuaremos dois exemplos dessa relação de poder. De início, imaginemos um sujeito A atuando
sobre o sujeito B. Para que a relação ocorra, é necessário o seguinte:
• O sujeito B deve alterar o comportamento em função de A (de acordo com as ações e intenções
dele). Se houver mudança de comportamento, mas não aquela preconizada pelo sujeito A, ele não
cumpriu a relação de poder.
Agora, temos a figura do pai e do filho. O pai (poder) pode dar palmadas em seu filho. Os meios, as
vias de exercício do poder, são sempre territoriais. O poder potencial é expresso pela ameaça, já o atual
é o que está sendo exercido.
Leonardo Avritzer (2016) diz que a ciência política no Brasil tem surgimento tardio (impulsionada no
período discricionário da ditadura militar) e a divide em três fases:
• Heroica (1960-1985): influência dos Estados Unidos da América, com os programas de fomento.
desenho da república ideal; Leviatã (1651), de Hobbes, que pretende dar uma justificação
racional e, portanto, universal da existência do Estado e indicar as razões pelas quais
os seus comandos devem ser obedecidos; e O Príncipe (1513), de Maquiavel, na qual,
ao menos em uma de suas interpretações (a única, aliás, que dá origem a um “ismo”, o
maquiavelismo), seria mostrado em que consiste a propriedade específica da atividade
política e como se distingue ela enquanto tal da moral.
Por “ciência política” entende-se hoje uma investigação no campo da vida política
capaz de satisfazer a essas três condições: a) o princípio de verificação ou de falsificação
como critério da aceitabilidade dos seus resultados; b) o uso de técnicas da razão que
permitam dar uma explicação causal em sentido forte ou mesmo em sentido fraco do
fenômeno investigado; c) a abstenção ou abstinência de juízos de valor, a assim chamada
“valoratividade”. Considerando as três formas de filosofia política descritas, observe-se que
a cada uma delas falta ao menos uma das características da ciência. A filosofia política
como investigação da ótima república não tem caráter valorativo; como investigação do
fundamento último do poder, não deseja explicar o fenômeno do poder, mas justificá-lo,
operação que tem por finalidade qualificar um comportamento como lícito ou ilícito, o que
não se pode fazer sem a referência a valores; como investigação da essência da política,
escapa a toda verificação ou falsificação empírica, na medida em que isso que se chama
presunçosamente de essência da política resulta de uma definição nominal e, como tal, não
é verdadeira nem falsa.
Como vimos, a política pode ser tomada em dois planos, mas nos interessa, agora, considerá‑la
sob a ótica da unidade. Assim, as práticas individuais e sociais (as ações e os “fatos”) sofreriam
transformações com os impactos do campo jurídico-institucional, adaptando-se a estes ao mesmo
tempo que os fosse criando (claro que isso é mais verdadeiro para aqueles mais próximos do poder
decisório). Contudo, de qualquer forma, os planos não seriam dicotômicos, mas complementares e
42
CIÊNCIA POLÍTICA
mutuamente conversíveis. Seria preciso explicar como a vida comum se torna formal, institucional,
como ela se mundaniza ao pautar, ao determinar as ações individuais.
Também é preciso procurar no tempo os princípios longínquos de organização, como diz Luiz
Fernando da Silva Pinto (2012, p. 49-50):
“É possível fazer sobre esse mito do contrato social toda uma série de interpretações e de filosofias
políticas. Elas têm certos traços comuns. Elas despem as hierarquias religiosas tradicionais de sua
influência política: já não é mais em um além transcendente que a autoridade encontra suas raízes”
(CLAVAL, 1979, p. 130).
43
Unidade I
Em Espaço e Poder, Claval trata dos fundamentos ideológicos do mundo contemporâneo. Examina
ideologias sociais, iniciando pela Reforma e sua influência no contrato social. O traço comum entre elas
é um certo igualitarismo. O mito fundador é o do pacto “celebrado entre todos os membros do povo de
Deus” (CLAVAL, 1979, p. 129).
Hobbes é o teórico de um sistema político no qual o poder e a autoridade são ilimitados, vivendo
em meio a inúmeros conflitos e insegurança em todos os níveis; pleiteava, portanto, um ambiente com
direitos consolidados por um soberano forte. Todavia, “todos possuem a mesma aptidão de aceitar o que
se conforma aos termos do pacto, ou de rejeitar o que o contradiz” (CLAVAL, 1979, p. 130).
O Estado hegeliano corresponde a essa visão, racionalizando o poder institucional que prefigura as
bases do Estado moderno.
Segundo o autor, são concepções que “não têm a complexidade das pirâmides de regras e o
prestígio das sociedades de ordens: comportam apenas dois estágios, o da autoridade e o da massa
que lhe está submissa”. E reitera: “A versão hobbesiana do contrato social prolonga, portanto, no
mundo racional, a visão tradicional da hierarquia política e a liberta daquilo que vinha limitar o
exercício da vontade do príncipe: ela o libera do magistério moral que a Igreja e a religião exerciam
até então” (CLAVAL, 1979, p. 131).
Duas proposições diferentes, a de John Locke e a de Jean-Jacques Rousseau, são mais determinantes
no pensamento contemporâneo.
Ele coloca o poder em um circuito que parte dos cidadãos, remonta até o
soberano, para descer de novo até eles: o príncipe não está mais acima de
tudo, ele é a emanação do conjunto, pensa por ele, age por ele e leva em
conta seus problemas, suas dificuldades e as soluciona quando a iniciativa
individual não o pode fazer (CLAVAL, 1979, p. 133).
Rousseau modifica o mito do contrato social ao introduzir a ideia da perversidade engendrada pela
sociedade. Destaca a necessidade de assinar um novo contrato para um mundo melhor. Será o fruto de
uma ação coletiva ou de um movimento de entusiasmo? O início de uma era de inocência? A Revolução
Francesa inaugura uma série de revoluções que levam aos estados totalitários que Hegel justifica pela
ideia de um mundo em construção. A violência até encontra sua justificativa na grandeza do trabalho
a ser feito.
Marx apreende o poder do esquema hegeliano, mas para ele o que está no fim da história não é a
ideia, mas o homem. Ele percebeu que o proletariado é o instrumento da última fase da história: é o
único grupo consciente das transformações necessárias para o fim.
44
CIÊNCIA POLÍTICA
Do contrato, podemos, então, retomar a ideia de unidade, algo próximo da síntese anunciada por
Paulo Sérgio Peres (2008, p. 54):
Seja pela perspectiva da dimensão política do comportamento, seja pela da abordagem das
representações institucionais, há um deslocamento pendular da “análise econômica dos fenômenos
políticos sob a ótica dos paradoxos das decisões coletivas e a crise do behaviorismo a partir da segunda
metade da década de 1960” (PERES, 2008).
O autor também encontra a corrente neoinstitucional, que tem como característica teórica central
a síntese epistemológica e metodológica de parte do comportamentalismo com parte do “antigo”
institucionalismo. Suas preocupações são: neoinstitucionalismo; comportamentalismo; história da
ciência política e instituições políticas.
Para Locke e Montesquieu, os poderes ou a divisão dos poderes representam a pedra de toque para
a discussão do modo como determinada nação se governará.
Se, então, a política (em seu sentido banal, e até mesmo formal) e aquilo que dela transparece
emergem como aparência e como motivações intrínsecas, envolvem a ética e a melhoria de status,
sempre há distorções e patologias, e é também verdadeiro que somente fazemos política porque
podemos! Autonomia e emancipação! Ambas são alicerçadas no poder. É preciso ser livre para ter poder,
só assim há república!
45
Unidade I
Liberdade leva-nos à ideia de república, de democracia, e seus agentes são os recebedores do destino
das ações.
A ideia de contrato é um recurso muito parcial, mas didático, para expressar o jogo de obrigações
e deveres dos agentes associados. A alternativa seria uma história minudente das construções
institucionais (societais) dos acordos baseados na moral, no medo da dominação, nos desafios
momentâneos dos grupos...
O contrato social ou o grande acordo de obrigações entre as partes, para Norberto Bobbio (1896,
p. 61), é “o princípio de legitimação das sociedades políticas” estabelecido sobre consenso. O autor
desenvolve essa ideia demonstrando de que modo os direitos dos contratos, do natural ao civil (público
e privado), desenrolam-se historicamente.
[...] Gostaria de reunir alguns dos temas do estudo como um todo. Afirmei
que, hoje em dia, os programas políticos radicais devem basear-se em uma
conjunção da política de vida e da política gerativa. As questões de política de
vida tornaram-se proeminentes graças à influência conjunta da globalização
e da destradicionalização – processos que possuem forte conotação ocidental,
mas que estão afetando as sociedades em todo o mundo. Os planos de ação
política precisam ser de caráter gerativo, na medida em que a reflexividade
passa a ser o elo entre os dois outros grupos de influência. A política de vida
está centrada no seguinte problema: como viveremos após o fim da natureza
e da tradição? Tal questão é “política” no sentido amplo, de que ela implica
um julgamento entre diferentes afirmações de modo de vida, mas também no
sentido mais restrito, de que ela se impõe profundamente em áreas ortodoxas
de atividade política (GIDDENS, 1996, p. 279).
Se Leach (1983) nos lembra dos perigos das classificações baseadas em modelos instrumentalizados,
como o evolucionista, Giddens nos remete ao jogo ideológico entre direita e esquerda.
Leach (1983) segue a linha crítica que explicita as intenções subjacentes na utilização dos
termos, nunca neutros, como primitivos ou subdesenvolvidos (por causa do parâmetro europeu),
46
CIÊNCIA POLÍTICA
Quanto à esquerda e à direita, continuamos com Norberto Bobbio, que atribui à classificação papel
fundamental na ciência política:
Não obstante ser a díade seguidamente contestada por muitas partes e com
vários argumentos – e de modo mais intenso, mas sempre com os mesmos
argumentos, nestes tempos recentes de confusão geral – as expressões
“direita” e “esquerda” continuam a ter pleno curso na linguagem política.
Todos os que as empregam não dão nenhuma impressão de usar palavras
irrefletidas, pois se entendem muito bem entre si.
Dividir objetos e bens e classificar a realidade são ações, intelectuais e/ou políticas, baseadas no
poder; são sempre atos de poder.
Há inúmeras qualificações lançadas sobre o tecido social, não vamos nos estender nesse mérito.
Trata-se da própria escolha dos nomes, dos termos de referência. É o universo da comunicação, que
aproxima e afasta, dependendo de quanto as pessoas dominam as regras, os códigos.
Desse modo, as chancelas de direita e de esquerda para atitudes e bandeiras políticas, para Bobbio e
Anthony Giddens, são razoavelmente atuais e funcionam contemporaneamente e, embora necessitem
de revisões, apresentam dados de realidade. São etiquetas e atribuições mais fáceis de manejar, mesmo
com toda a volatilidade mencionada.
Há cerca de meio século, porém, Max Weber criou uma classificação que
tem tido ainda maior influência entre os cientistas sociais contemporâneos.
Weber limitou sua atenção aos sistemas em que o governo era aceito como
legítimo, e sugeriu que os líderes dos sistemas políticos poderiam defender
sua legitimidade e que os membros desses sistemas [poderiam] aceitá-la
com base em três critérios:
1) Tradição.
3) Legalidade.
A cada uma destas três bases de legitimidade corresponde uma forma “pura”
de autoridade: [a tradicional, a carismática e a legal].
Outras classificações, mais polêmicas ainda, trazem termos como: estigmas, classes sociais e estratos.
“À base do critério histórico, a tipologia mais corrente e mais acreditada junto aos historiadores das
instituições é a que propõe a seguinte sequência: Estado feudal, Estado estamental, Estado absoluto,
Estado representativo” (BOBBIO, 1994, p. 114).
A antropologia política traz seu importante arcabouço para entendermos a diversidade das
organizações sociais, deslocando o foco da análise linear “viciada” e de racionalidade ultrapassada.
51
Unidade I
Estes princípios pretendem constituir uma teoria histórica do Estado e ser uma
alternativa à teoria contratualista. Esta foi uma teoria útil quando surgiu porque validou,
legitimou do ponto de vista ideológico, a transformação dos súditos em cidadãos, sendo,
portanto, ingrediente da teoria histórica, mas ela própria não tem base na realidade
histórica, nem tem condições de explicar a evolução política das sociedades modernas
ou capitalistas, ou seja, não dá conta do desenvolvimento político que vem efetivamente
ocorrendo desde a revolução capitalista.
52
CIÊNCIA POLÍTICA
1. Os homens são guiados por suas necessidades inatas ou por seus instintos de: (a)
sobrevivência, (b) convivência e (c) justiça.
3. Nas sociedades primitivas, nas quais não existe a produção regular de um excedente
econômico (produção que excede o consumo necessário à sobrevivência), essas normas
são definidas de forma tradicional e consensual, independendo de um poder superior para
torná-las coercitivas (o Estado). (Nelas não há “estado de natureza” – uma guerra de todos
contra todos: existe apenas guerra permanente entre as tribos ou clãs).
5. Surgem, então, as leis (as norma sociais dotadas de coercitividade) e o Estado Antigo:
o sistema legal e a organização que o garante.
7. A lei imposta pelo Estado Antigo ou lei oligárquica não é uma “lei natural”; é
simplesmente a lei dotada de validade que a oligarquia logra impor com êxito à sociedade.
10. A sociedade passa, assim, a ser dividida entre os ricos (a oligarquia) e os pobres, ou
o povo.
11. A validade da lei oligárquica depende: (a) da segurança que garante aos súditos
(a qual atende minimamente a sua necessidade de sobrevivência); (b) do grau de
desequilíbrio de forças entre a oligarquia e o restante da sociedade – o povo; e (c)
53
Unidade I
12. A lei oligárquica terá tanto mais validade quanto maior for o poder da oligarquia em
relação ao povo, e, portanto, quanto mais for aceita sua lei.
13. O poder da oligarquia em relação ao povo será tanto maior e sua lei terá tanto mais
validade quanto maior for sua vantagem em relação a duas variáveis básicas: conhecimento
e comando de força militar.
15. Graças a sua força, essa lei oligárquica é dotada de coercitividade; não é mera norma
social, mas norma do Estado.
[...].
Norberto Bobbio (1988) traz as noções de público e privado, que assumem funções vitais na
institucionalização das relações de poder, nas configurações políticas.
Esse caminho também é trilhado por Atilio A. Boron (1994). O autor fala em “estadolatria” para
evidenciar as posturas acríticas, naturalizantes, que tomam o Estado como inexorável, destacando
uma fatalidade.
54
CIÊNCIA POLÍTICA
Resumo
Exercícios
A) Immanuel Kant.
B) Thomas Hobbes.
C) John Locke.
E) Nicolau Maquiavel.
55
Unidade I
Análise da questão
E) Alternativa correta.
Justificativa: Maquiavel antecede o contratualismo, por isso não adere aos termos Estado de Natureza
e Contrato Social, porém deixa claro sua opinião ao falar que a natureza humana é essencialmente má
e que os seres humanos querem obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo
o bem quando forçados a isso.
“Os conceitos de Sociedade e Estado, na linguagem dos filósofos e estadistas, têm sido empregados
ora indistintamente, ora em contraste, aparecendo então a Sociedade como círculo mais amplo e o
Estado como círculo mais restrito. A Sociedade vem primeiro; o Estado, depois.
[...]
O Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a Antiguidade aos nossos dias.
Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade”.
As alternativas a seguir destacam etapas que compõem a evolução histórica do Estado, EXCETO:
A) Estado feudal.
B) Estado estamental.
C) Estado terrorista.
D) Estado absolutista.
E) Estado representativo.
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