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Ciência Política

Autores: Prof. Adilson Rodrigues Camacho


Prof. Maurício Felippe Manzalli
Colaboradores: Prof. Maurício Felippe Manzalli
Profa. Viviane Paes Macedo
Professores conteudistas: Adilson Rodrigues Camacho / Maurício Felippe Manzalli

Adilson Rodrigues Camacho

Doutor em Ciências pelo Programa de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo – FFLCH-USP (2008), com mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho – FCT-Unesp (1994) e graduação em Geografia (bacharelado e licenciatura) pela Universidade
de São Paulo (1990). Professor titular na UNIP e na Fundação Armando Alvares Penteado, em cursos de graduação e
pós-graduação. Tem experiência em estudos socioambientais municipais e regionais. Atua principalmente nas linhas
de pesquisa ligadas a epistemologia da geografia, metodologias de planejamento, qualificação dos usos de recursos
(diagnóstico e prognóstico socioambiental) associada à adequação das políticas públicas às demandas locais.

Maurício Felippe Manzalli

Possui graduação em Economia pela UNIP (1995) e é mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração
e coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade, tanto na modalidade presencial quanto
na Educação a Distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente nas áreas ligadas ao setor de
transporte de passageiros, atuando há 29 anos no ramo.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C172c Camacho, Adilson Rodrigues.

Ciência Política / Adilson Rodrigues Camacho, Maurício Felippe


Manzalli – São Paulo: Editora Sol, 2018.

224 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-005/18, ISSN 1517-9230.

1. Política. 2. Estado. 3. Filosofia. I. Manzalli, Maurício Felippe.


II. Título.

CDU 32

A-XIX

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Vitor Andrade
Ricardo Duarte
Lucas Ricardi
Sumário
Ciência Política

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ .........................................................................9
1.1 O fenômeno político: poderes, política e ciência política ................................................... 10
1.2 Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social.................................................... 14
1.3 Política no plano da existência........................................................................................................ 29
2 CIÊNCIA DO PODER E DA POLÍTICA........................................................................................................... 39
2.1 A política e sua institucionalização: das formas elementares de poder
aos arranjos sociais de Estado ................................................................................................................ 42
3 O FENÔMENO POLÍTICO: PODERES, CONTRATOS, REGRAS E NORMAS..................................... 43
3.1 Classificações de grupos políticos.................................................................................................. 46
4 ORIGENS E CONCEITOS DO ESTADO......................................................................................................... 51

Unidade II
5 ESTADO, HISTÓRIA E ELEMENTOS ESSENCIAIS..................................................................................... 57
5.1 Teoria geral do Estado......................................................................................................................... 67
5.1.1 População e demografia....................................................................................................................... 85
5.1.2 Território: aspectos físicos, biológicos e culturais...................................................................... 90
5.1.3 Governo: soberania e autonomia...................................................................................................... 95
5.1.4 Fronteiras internas.................................................................................................................................. 97
6 O ESTADO CONTEMPORÂNEO: POPULAÇÃO OU POVOS? FRACASSO
DA AUTODETERMINAÇÃO ..............................................................................................................................111
6.1 Povos: quem são o povo, a nação e os estrangeiros.............................................................112
6.2 Estado‑nação como solução e problema..................................................................................117

Unidade III
7 A POLÍTICA NO ÂMBITO INTERNACIONAL ...........................................................................................132
7.1 Colonização e autodeterminação: decolonização ................................................................133
7.2 Blocos, grupos e demais associações de poder por interesses,
“espaço interestatal”................................................................................................................144
7.2.1 Governança supranacional: a Organização das Nações Unidas........................................ 150
8 O PENSAMENTO CLÁSSICO SOBRE A POLÍTICA E A VARIEDADE DE
ORGANIZAÇÕES DE PODER: O CRIVO DA FILOSOFIA..........................................................................160
8.1 Platão e o nascimento da reflexão sobre a política..............................................................163
8.2 Aristóteles, as constituições e a dinâmica da polis ..............................................................171
8.3 Maquiavel, a política e o Estado moderno ..............................................................................175
8.4 Hobbes e os pressupostos da teoria do contrato social......................................................178
8.5 Locke, a comunidade política e o direito à propriedade.....................................................189
8.6 Montesquieu e a distribuição social dos poderes..................................................................194
8.7 Rousseau e as bases do Estado democrático...........................................................................198
APRESENTAÇÃO

Este livro-texto foi pensado como mais um meio de comunicação entre professores e alunos, com o
propósito de estimular dúvidas nos discentes. Sim, dúvidas. As dúvidas são preciosas e merecem muito
respeito do educador, pois, além de colocá-lo em movimento, permitem que esteja alerta, sempre à
procura de melhores soluções. É preferível questionar a dar respostas prontas de terceiros. O poder da
dúvida, da curiosidade que a enraíza, do enfrentamento do erro (que nos afasta de nossas ignorâncias)
é proporcional à abertura ao incômodo, à estranheza, ao desconcerto. De fato, traz sensações com
imenso potencial de aprendizado efetivo. Aproveite as provocações (bifurcações e incertezas) para sentir
e experimentar portas e caminhos. Trata-se de ter experiências.

A obra parte dos saberes vividos e de experiências, no plano comum da existência (política), e segue
em direção aos principais elementos e temas da ciência política, pois avaliamos que desse modo os
conceitos adquirem mais sentido.

Tais caminhos devem-se à nossa grande preocupação com a distância entre os estudantes e os
assuntos analisados. A leitura pode ser uma mediação ineficiente entre aluno e conhecimento, quando
o texto é mero desfile de questões e temas indistintos. Como transformar essa relação?

Nossa pequena contribuição nessa imensa maratona em direção ao conhecimento envolve algumas
escolhas. As principais delas são: preferimos sempre as alternativas às certezas; o debate a doutrinas;
preferimos, portanto, a exposição de lados e versões a uma racionalidade única. E, mais importante, queremos
que o estudante tenha genuíno interesse pela política, que o atravessa em todas as suas relações, bem como
pelos assuntos institucionais do poder, que definem, também, sua existência como ser social, cidadão.

Assim, examinaremos os temas poder e política, primeiramente, no nível da vida cotidiana, do mundo
da vida, bem como os rumos do poder no plano das questões de Estado, povo, nação e território. Desse
modo, devem surgir questões para o aluno sobre suas relações com as formas e ações da política.

As discussões sobre o Estado envolvem a dimensão nacional (“o dentro” do país), o “entre-nações” e
o espaço internacional (“o fora” do país, o global).

O texto traz, por fim, os autores responsáveis pelas bases do pensamento político clássico e moderno,
perfilado durante os demais capítulos, que examinam seus fundamentos filosóficos.

Ótima leitura a todos!

INTRODUÇÃO

A ideia condutora deste livro-texto é a política, a arte e a técnica de alcançar aquilo de que se
precisa, o que se deseja.

Destacaremos o valor da política nas diversas fases da vida. Veremos como ela se manifesta em
situações cotidianas e nas relações internacionais.
7
É fato que não podemos sobreviver sem água, do mesmo modo que não conseguimos construir
relações sociais e melhorar a condição de vida de um povo sem a política, tamanha a sua relevância.

Falaremos do nascimento da política e o que motivou sua existência. Vamos trazer à tona a discussão
sobre natureza e cultura, como bases de nossas necessidades psicossociais. Também abordaremos como
as práticas políticas tornam-se objeto de interesse científico, com as ciências políticas.

Em nossa análise, ilustraremos as formas sociais, instituições, que construímos para alcançar o
progresso. Passaremos, então, ao plano mais elaborado da engenharia política de congregação das
necessidades e dos desejos, o Estado nacional. Com isso, não estamos afirmando sua excelência ou
superioridade sobre outras alternativas de organização social, muito pelo contrário, esclarecemos suas
mazelas e vícios, muito maiores que suas virtudes.

Trataremos da política na escala internacional, ou seja, entre os Estados-nações, ressaltando o nível


de operação dos agentes globais.

Encerraremos nosso estudo acentuando os olhares dos clássicos do pensamento político, recorrendo
aos temas tratados durante o livro-texto, porém com o crivo filosófico. Assuntos que terão destaque
são: liberdade, organização, economia, sobrevivência, força, propriedade e convivência.

8
CIÊNCIA POLÍTICA

Unidade I
1 A POLÍTICA: O QUE É, COMO ACONTECE E POR QUÊ

A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, sua


natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres
humanos um habitat no qual eles [possam] mover-se e respirar sem esforço
nem artifício. O mundo – artifício humano – separa a existência do homem
de todo ambiente meramente animal, mas a vida, em si, permanece fora
desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos
os outros organismos vivos. Recentemente, a ciência vem-se esforçando
por tornar “artificial” a própria vida, por cortar o último laço que faz do
próprio homem um filho da natureza. O mesmo desejo de fugir da prisão
terrena manifesta-se na tentativa de criar a vida em uma proveta, no desejo
de misturar, “sob o microscópio, o plasma seminal congelado de pessoas
comprovadamente capazes a fim de produzir seres humanos superiores” e
“alterar(-lhes) o tamanho, a forma e a função”; e talvez o desejo de fugir
à condição humana esteja presente na esperança de prolongar a duração
da vida humana para além do limite dos cem anos. Esse homem futuro,
que, segundo os cientistas, será produzido em menos de um século, parece
motivado por uma rebelião contra a existência humana tal como nos foi
dada – um dom gratuito vindo do nada (secularmente falando) –, que ele
deseja trocar, por assim dizer, por algo produzido por ele mesmo. Não há
razão para duvidar de que sejamos capazes de realizar essa troca, tal como
não há motivo para duvidar de nossa atual capacidade de destruir toda a
vida orgânica da Terra. A questão é apenas se desejamos usar nessa direção
nosso novo conhecimento científico e técnico – e esta questão não pode ser
resolvida por meios científicos: é uma questão política de primeira grandeza
e, portanto, não deve ser decidida por cientistas profissionais nem por
políticos profissionais (ARENDT, 1981, p. 1-2).

Falar sobre política nos leva a um dualismo (caráter antagônico, irreconciliável, das forças
constitutivas). Foquemos essa dualidade: um lado representa os planos da ação efetiva, das práticas; o
outro, os planos da crença e da teoria, das instituições.

Dito de outro modo, a política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas
instituições, com regras e objetivos abstratos.

Nossos pensadores clássicos da política tratam-na evidenciando a vida comum e as instituições.


Mais adiante também o faremos, mais ou menos ao modo de Paulo Sérgio Peres (2008).
9
Unidade I

1.1 O fenômeno político: poderes, política e ciência política

Neste livro-texto, destacaremos a política como condição humana (tudo é ligado à diversidade de
posições, divergências e convergências) e como dimensão social (uma via de realização social dos poderes).
Vamos traçar duas perspectivas sobre a distribuição do poder, no âmago da relação indivíduo‑sociedade,
das escalas locais às internacionais.

Como encontrar a unidade, as conexões entre a política individual (interna), dos sujeitos privados,
agentes em busca de realização social, e a política coletiva (externa), dos agregados de interesses,
associações de agentes com interesses convergentes, ou não, reunidos pela democracia?

Política é, então, o exercício individual e coletivo do poder, está em toda parte, com regras, normas
e contratos (direito e legalidade) e seus graus de legitimidade. O que há de bastante palpável na política
é sua condição existencial e reflexiva, portanto, objeto teórico da filosofia e da ciência.

Dahl (1988, p. 5-6) sugere que todo o conhecimento acumulado não é “panaceia para compreensão”
e solução de questões políticas, pois algumas perguntas, desde as muito antigas ou clássicas até as
mais contemporâneas, permanecem sem respostas. “Exigem novas perspectivas e problematizações e
reflexões, baseando-se de modo crítico em Aristóteles, Weber e Lasswell”.

Como podemos ver em Dahl,

Sobre esta questão, um importante ponto de partida (embora não


inteiramente claro) é a obra de Aristóteles, Política, escrita entre 335 e 332
a.C. Na primeira parte da Política, Aristóteles argumenta contra os que
alegam que todos os tipos de autoridade são idênticos. Procura distinguir a
autoridade do líder político, em uma associação ou polis (cidade), de outros
tipos de autoridade, tais como a exercida pelo senhor sobre o escravo, pelo
marido sobre a esposa, pelos pais sobre os filhos.

Aristóteles admite, porém, que pelo menos um aspecto da associação


política é a existência de autoridade, ou governo. Com efeito, Aristóteles
define a polis, ou associação política, como “a associação mais soberana
e inclusiva”. Para ele, a constituição é “a organização de uma polis, com
respeito a seus órgãos, de modo geral, mas especialmente com referência
àquele órgão particular, que é soberano em todos os assuntos”.

Um dos critérios utilizados por Aristóteles para classificar as constituições é


a determinação da parte do corpo coletivo em que se localiza a autoridade
ou o governo.

Desde os tempos de Aristóteles, acreditava-se que uma relação política


devia implicar de algum modo a autoridade, o governo ou o poder. Assim,
por exemplo, um dos mais importantes sociólogos modernos, o alemão Max
10
CIÊNCIA POLÍTICA

Weber (1864-1920), afirmou que uma associação devia ser considerada


política na medida em que “a implementação da sua ordem é levada a cabo
continuamente, dentro de uma certa área, mediante a aplicação e a ameaça
da força física por parte dos administradores”. Portanto, embora Weber
tenha acentuado o aspecto territorial da associação política, do mesmo
modo como Aristóteles, ele especificou que uma relação de autoridade ou
de governo constituía uma das suas características essenciais.

Para dar um último exemplo, um importante cientista político contemporâneo,


Harold Lasswell, define a ciência política, enquanto disciplina empírica, como
“o estudo da formação do poder e da participação do poder”, afirmando que
um “ato político” é uma ação executada “em uma perspectiva de poder”
(DAHL, 1988, p. 4).

O autor reconhece as bases teóricas que vêm da Antiguidade grega, assim como os nomes
consagrados do pensamento sobre política. Nessa linha, seleciona os citados representantes (três) de
diferentes períodos, afirmando que, “indubitavelmente, tudo que Aristóteles e Weber chamariam de
‘político’ seria ‘político’ também para Lasswell”, mas este estenderia a abrangência da sua definição de
modo a “incluir algumas coisas que Weber e Aristóteles deixariam de fora: uma empresa e um sindicato,
por exemplo, teriam aspectos ‘políticos’” (DAHL, 1988, p. 4).

O trabalho de Dahl é um clássico. Se, por um lado, como dissemos, ele relativiza a importância da
reflexão clássica, por outro, corrobora a expansão do conceito de política ao conceituá-la como sistema
político: “Vamos definir, portanto, um sistema político, audaciosamente, como qualquer estrutura
persistente de relações humanas que envolva controle, influência, poder ou autoridade, em medida
significativa” (DAHL, 1988, p. 13-14).

Zygmunt Bauman, na obra Em Busca da Política, expõe o absurdo da vida social baseada em
crenças contraditórias.

As crenças não precisam ser coerentes para que se acredite nelas. E as que
costumam ter crédito hoje – nossas crenças – não são exceção. Com efeito,
achamos que a questão da liberdade, por exemplo, pelo menos na “nossa
parte” do mundo, está concluída e (descontando correções menores aqui
e acolá) resolvida da melhor maneira possível. De qualquer forma, não
sentimos necessidade (de novo, salvo irritações menores e fortuitas) de ir
para as ruas protestar e exigir maior liberdade do que já temos ou achamos
ter. Mas, por outro lado, tendemos a crer com a mesma convicção que pouco
podemos mudar – sozinhos, em grupo ou todos juntos – na maneira pela
qual as coisas ocorrem ou são produzidas no mundo. Acreditamos também
que, se pudéssemos mudar alguma coisa, seria inútil e até irracional pensar
em um mundo diferente do que existe e aplicar os músculos em fazê-lo
surgir por acharmos que é melhor do que este aqui. Como cultivar essas
duas crenças ao mesmo tempo é um mistério para qualquer pessoa treinada
11
Unidade I

no raciocínio lógico. Se a liberdade foi conquistada, como explicar que


entre os louros da vitória não esteja a capacidade humana de imaginar um
mundo melhor e de fazer algo para concretizá-lo? E que liberdade é essa
que desestimula a imaginação e tolera a impotência das pessoas livres em
questões que dizem respeito a todos?

As duas crenças não combinam, mas cultivar ambas não é sinal de inépcia
lógica. Nem uma nem outra é, de forma alguma, fantasiosa. Nossa
experiência comum tem mais do que o suficiente para sustentar cada uma
delas. Somos bem realistas e racionais ao acreditar no que acreditamos.
Por isso, é importante saber por que o mundo em que vivemos continua a
nos enviar esses sinais evidentemente contraditórios. E é importante saber
também como podemos viver com essa contradição; e, sobretudo, por que
a maior parte do tempo não a notamos e, quando o fazemos, não ficamos
particularmente preocupados (BAUMAN, 2000, p. 10).

O filósofo polonês afirma que estamos sem pontes e sem lugares prontos para empreender os
desafios de reanimação da política, identificando os impasses.

O aumento da liberdade individual pode coincidir com o aumento da


impotência coletiva na medida em que as pontes entre a vida pública e
a privada são destruídas ou, para começar, nem foram construídas; ou,
colocando de outra forma, uma vez que não há uma maneira óbvia e fácil
de traduzir preocupações pessoais em questões públicas e, inversamente, de
discernir e apontar o que é público nos problemas privados. Em nosso tipo
de sociedade, as pontes estão de modo geral ausentes e a arte da tradução
raramente é praticada em público.

Enquanto a arte da tradução se encontra no atual e lamentável estágio,


as únicas queixas ventiladas em público são um punhado de agonias e
ansiedades pessoais que, no entanto, não se [tornam] questões públicas
apenas por estarem em exibição pública (BAUMAN, 2000, p. 10-11).

Concluindo seu raciocínio, destaca: “À falta de pontes firmes e permanentes e com as habilidades
de tradução não praticadas ou completamente esquecidas, os problemas e agruras pessoais não se
transformam e dificilmente se condensam em causas comuns” (BAUMAN, 2000, p. 11).

Para Bauman (2000, p. 11), vivemos em um tempo de política esvaziada. Com “pessoas que se sentem
inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade, [elas] não
podem realmente assumir os riscos que a ação coletiva exige”. E continua:

As instituições políticas existentes, criadas para ajudá-las a combater


a insegurança, são de pouca ajuda. Em um mundo que se globaliza
rapidamente, em que grande parte do poder – a parte mais importante
12
CIÊNCIA POLÍTICA

– foi retirada da política, essas instituições não podem fazer muito para
fornecer segurança ou garantias. O que podem fazer e o que fazem o mais
das vezes é deslocar a ansiedade difusa e dispersa para um único elemento
de Unsicherheit – o da segurança, único campo em que algo pode ser feito
e visto. O problema, porém, é que se fazer algo efetivamente para curar ou
ao menos mitigar a inquietude e incerteza exige ação unificada, a maioria
das medidas empreendidas sob a bandeira da segurança são divisórias,
semeiam a desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar
inimigos e conspiradores por trás de toda discordância e divergência,
tornando, por fim, ainda mais solitários os que se isolam. O pior de tudo:
se tais medidas nem chegam perto da verdadeira fonte da ansiedade,
desgastam toda a energia que essas fontes geram, energia que poderia
ser utilizada de modo muito mais efetivo se canalizada para o esforço
de trazer o poder de volta ao espaço público politicamente administrado
(BAUMAN, 2000, p. 11).

Observação

Unsicherheit, para Zygmunt Bauman (2000, p. 11), é uma palavra


poderosa e um sinal dos tempos. Diz o seguinte: “o mais sinistro e
doloroso dos problemas contemporâneos pode ser mais bem entendido
sob a rubrica Unsicherheit, termo alemão que funde experiências
para as quais outras línguas podem exigir mais palavras – incerteza,
insegurança e falta de garantia”.

Para ele, “o verdadeiro poder ficará à distância segura da política e a política permanecerá impotente
para fazer o que se espera da política”. Seu projeto de resgate da política afirma, explicitamente, que
esta deve “exigir de toda e qualquer forma de união humana que se justifique em termos de liberdade
humana para pensar e agir, e pedir que deixe o palco caso se recuse ou não consiga fazê-lo” (BAUMAN,
2000, p. 11-14).

A busca de Zygmunt Bauman é a de uma ágora possível, de um espaço público de qualidade, com “o
poder de volta ao espaço público politicamente administrado”. Para ele, o poder foi retirado da política.
Diz que isso implica um corte entre a imanência do poder republicano e seu plano institucional, abstrato.
Acentua que há um declínio do questionamento, que devemos pensar em liberdades individuais e
coletivas, debatendo o assunto.

Nesse contexto, Bauman traz à tona duas questões:

• Qual é a relação entre globalização capitalista, esvaziamento da política (com a retirada do poder),
incerteza, insegurança e falta de garantias?

— Unsicherheit.
13
Unidade I

• Qual é o seu projeto de sociedade?

— Pontes! Assevera que elas são necessárias para refazer os caminhos cortados.

A política no plano existencial, em seu sentido mais concreto, das relações sociais cotidianas, é o
que ocupa Bauman. Põe-se de frente com o descrédito generalizado com a política, o fazer político
institucionalizado, embora também enxergue esperança na política (re)conquistada, ressignificada; daí,
o título de seu livro – Em Busca da Política.

Assim como o professor emérito Giannotti, Bauman vê a contradição como pedra de toque para
a discussão, a reflexão. Seu ponto de partida é a constatação de crenças contraditórias perfazendo
as tramas da modernidade: uma crença desmedida na liberdade; a outra, na impossibilidade de que
essa liberdade sirva à mudança. O autor assume as dificuldades lógicas e ontológicas em lidar com
essas perspectivas.

Observação

Bauman se refere a uma expectativa próxima daquela que um garoto


tem de fazer 18 anos para emancipar-se, tornar-se independente. Retrata
uma idealização de ruptura, de liberdade sem medidas. Normalmente,
desmentida, insatisfeita.

As estruturas sociais (horizontais e verticais), tomadas do ponto de vista histórico, são


formas‑conteúdo cujas dimensões vêm continuamente reelaborando e aprofundando laços
pessoais e coletivos – desenraizando-se culturalmente – conforme sua organização política.
A direção, a fisionomia e a territorialidade de um povo e/ou de uma nação dependem da
configuração do poder, como bem acentua o geógrafo Paul Claval (1979), figura que estudaremos
mais adiante. Ele é um dos grandes responsáveis por integrar as racionalidades antropológicas,
etnológicas, geográficas, econômicas e políticas, encadeando fenômenos complexos de modo
simples e didático, sem reducionismos.

Lembrete

A política está no mundo da vida, no cotidiano de todos, bem como nas


instituições, com regras e objetivos abstratos.

1.2 Como o poder aparece: diferenças e desigualdade social

Poder alguma coisa é estar em condições de realizá-la. A análise do


poder é, em um primeiro sentido, a análise da gama de ações que se
sabe aplicar à modificação do meio, explorá-lo e dele retirar o que é
necessário para a vida.
14
CIÊNCIA POLÍTICA

O poder não é apenas sobre poder fazer as coisas por si mesmo, é também
fazer com que sejam realizadas por outros. Ao império direto sobre o
mundo, acrescenta-se, assim, um império indireto, que é ao mesmo tempo
um império sobre os outros (CLAVAL, 1979, p. 11-12).

Os fatos do poder têm uma dimensão espacial que se relaciona com os


elementos que eles incorporam. São fatos organizacionais que envolvem
a mobilização de recursos físicos e dependem indiretamente da maneira
como são explorados e utilizados pela sociedade; são fatos relacionados,
cujo alcance varia muito com a quantidade de informação, cuja troca
promove a legibilidade dos códigos adotados. A geometria das formas mais
puras de poder, relação hierárquica absoluta e autoridade, é relativamente
simples, porque coloca apenas um pequeno número de elementos. A
geometria dos fatos de influência aparece como mais complexa e mais
variável: a cada figura da dominação associa-se um tipo particular de
configuração. É importante analisar esta geometria das formas básicas de
poder (CLAVAL, 1979, p. 21).

Paul Claval (1979, p. 11) sublinha a todo momento que “a vida social está inscrita no espaço e no
tempo”, lembra em toda a sua obra que “é feita de ação sobre o meio e interação entre os homens.
Conecta pessoas que, para sobreviver, devem obter do meio ambiente a alimentação, a energia e as
matérias-primas de que precisam”.

Há unidade em sua concepção de vida social, pois o ambiental e o social transformam-se nas
dimensões física, biológica e cultural do poder. E há ubiquidade da política, como quer e acerta Robert
Dahl (CLAVAL, 1979, p. 13).

Paul Claval abriu as trilhas antropológicas e geográficas (estatuto do humano e de sua territorialidade
diversa) da reflexão e espacialização do poder. Assim, a cultura, marca original de cada grupo, requer
“comunicações que reduzem a viscosidade natural e a opacidade do espaço”, somente desse modo
sendo mantida e reproduzida (1979, p. 11).

O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da evolução, produzindo toda a
degradação ambiental a que estamos sujeitos, ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas
relações pelo surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos:

Vários níveis podem ser distinguidos:

1) A situação mais simples é a do poder puro: a relação é perfeitamente


dissimétrica, o que comanda não deve nada àqueles que ele dirige; ele pode
usá-los como meios para alcançar os fins que ele estabeleceu para si mesmo;
ele age dando ordens e executando-as sem hesitação.

15
Unidade I

2) O exercício do poder é facilitado quando aqueles que a ele estão


submetidos aceitam a situação como natural e reconhecem a legitimidade
da autoridade.

3) A dissimetria nem sempre é tão marcada como no poder puro e na


autoridade; aparece nas relações em que cada qual dá e recebe, mas
desigualmente: aí estamos lidando com jogos de influência.

4) Finalmente, há casos em que o desequilíbrio não é percebido pelos atores do


relacionamento: a liberdade de alguns é reduzida sem que se apercebam; então,
falamos sobre o efeito da dominação inconsciente (CLAVAL, 1979, p. 12).

Para o autor, as dificuldades em pesquisar e estudar as questões diretamente ligadas ao poder


dão‑se porque assumem múltiplas formas: “para alcançar os mesmos resultados, as sociedades utilizam
tipos de relação muito diferentes, o que explica a variedade de organizações espaciais dos grupos e a
complexidade de sua arquitetura” (CLAVAL, 1979, p. 12). Ele diz que as raízes do poder estão nesse duplo
eixo: submissão ecológica antropocêntrica (toda a natureza está à mercê dos interesses humanos) e
sujeição de outros seres humanos (o que contraria as principais máximas éticas de igualdade).

Assim, o geógrafo destaca uma questão de ordem fundamental:

A igualdade de filósofos e moralistas é postulada: é o que qualquer


indivíduo merece, qualquer que seja sua idade e suas forças, na medida
em que seja, será ou estará na posse das capacidades que tornam a
dignidade humana. Situações reais têm desigualdades de fato. O poder
é a consequência: é muito natural, mesmo que vá contra as aspirações
idealistas (CLAVAL, 1979, p. 12).

Ele passa a enumerar os casos gerais com a finalidade de exemplificar e apontar um panorama de
relações comuns de poder, no seio da vida humana.

a) A criança chega em um estado de dependência absoluta. Ela tem habilidades,


mas estas não se desenvolvem automaticamente. Potencialidades exigem,
para se revelar, estímulos fornecidos pelo ambiente material e social. Sem
relações com o mundo e com os outros, a aculturação seria impossível: os
modelos que permitem entender o que está acontecendo e se preparar para
as escolhas são feitos pela sociedade, em particular a sociedade próxima dos
pais, o grupo primário (CLAVAL, 1979, p. 12).

O autor detalha o modo como essas relações ocorrem:

A criança vive muito fortemente sua dependência: ela precisa de proteção,


amor e carinho para resistir ao ambiente que a rodeia e ameaça. Ela é, desde
cedo, a experiência ambígua das relações de poder: ela constantemente se
16
CIÊNCIA POLÍTICA

confronta com a vontade de seus pais em sua conquista do meio ambiente;


este traz-lhe, no entanto, a segurança que lhe é necessária. A atitude
resultante é composta de revoltas e submissão aceita porque expressa
humilhação e alívio: é nesse sentido que Pierre Legendre fala do amor da
censura que lhe parece caracterizar a nossa sociedade.

A relação de poder assume sua dimensão social através dos conflitos que
a criança vive com seu pai. Seus impulsos profundos a transformam em
direção a sua mãe, mas ela encontra em seu pai um rival com quem é
invejável; ela aspira a eliminá-lo para permanecer mestre do que é mais
caro para ela. O pai aparece como o intruso, o outro, o representante de uma
ordem externa que é violenta, mas devemos aceitar se queremos entrar no
jogo dos adultos e nos tornar adultos.

Fora do grupo primário, o poder tem outras raízes [além] das dificuldades da
aculturação – mas tira proveito, quando se manifesta, dos reflexos ambíguos
que a socialização criou para todos.

b) O poder às vezes nasce do uso do constrangimento físico: a imposição


da força obriga sua vontade. Enquanto somente podem confiar em seus
músculos e sua determinação, sua ação rapidamente encontra um limite:
aqueles que são dominados podem unir-se e libertar-se.

O poder também nasce da capacidade de alguns para influenciar aqueles que


os atendem: ao serem atraentes, convincentes... Pressionando, eles aceitam
seus pontos de vista, provocam dedicação, despertam anexos. Assim, vemos
que nos grupos emergem líderes cuja autoridade é reconhecida pela maioria
e que [eles] conseguem influenciar o comportamento de todos.

Que o poder assim tem raízes psicológicas individuais e coletivas é


indubitável, mas, se não encontrasse outra justificativa, permaneceria tão
limitado em suas manifestações que dificilmente mereceria ser estudado.
Além disso, implementando uma multidão de relações opostas, seus efeitos
quase se cancelariam.

c) O poder é indispensável para a solução de um grande número de problemas.


O ambiente resiste à iniciativa dos homens: quando estão isolados, algumas
empresas lhes são proibidas. Para tirar o máximo partido do meio ambiente,
as ações devem ser organizadas. No campo da vida de relação, é o mesmo:
desde que não tenhamos certeza dos termos de uma troca, desde que não
existam convenções para dar valor constante aos bens, os signos ou os seres
que passam de um a outro, as questões são exaustivamente solucionadas
uma a uma; cada transação pode avançar ou recuar na escala de prestígio
de consideração e de influência; a preocupação igualitária dá-lhe um valor
17
Unidade I

político: você não deve permitir que outros ganhem mais do que você ganha
(CLAVAL, 1979, p. 12-13).

Claval (1979, p. 14) caracteriza o contrato social como “metáfora” ou “mito” fundador do pensamento
sobre o social da modernidade. Assevera que “a aceitação de regras comuns facilita a vida social, libera
o indivíduo da obsessão da má-fé: ele sabe que será tratado com justiça enquanto as convenções forem
respeitadas pelas partes. Isso permite ampliar a esfera da vida de relação” (p. 128). Contrato social,
fundado no movimento contratualista, ou ainda jusnaturalista, como um grande acordo que a todos
envolve tanto nas obrigações quanto nos direitos, é fundamental ao raciocínio político, por isso será
tratado de modo crítico em vários trechos do livro-texto.

A síntese de seu raciocínio deveria estar na base da reflexão, das ações e intervenções na realidade,
pois Paul Claval, já em suas primeiras linhas, aponta a divisão entre os que insistem “nos mecanismos,
nos automatismos, nas regulações inconscientes e benéficas” e os que, como ele próprio em seu livro,
pretendem mostrar que “o jogo social nunca é inocente”, pois, “atrás das retroações que limitam
aparentemente o poder dos indivíduos, desmascara-se a ideologia que oculta os mecanismos reais e
leva a esquecer o peso desigual dos participantes e os que instituíram as regras sociais e com elas se
beneficiam” (CLAVAL, 1979, p. 7).

A referida cisão está na base do pensamento moderno, separando a realidade, posta, de um lado, sob
o foco de perspectivas naturalizantes que, no limite, instituem o funcionamento perfeito de sistemas
(os referidos automatismos, mencionados por Claval) e, de outro, sob o foco de perspectivas de fundo
político (que não deixam de ser filosóficas e/ou científicas). São visões de mundo diferentes por serem
baseadas em equilíbrio ou conflitos; são determinantes das práticas sociais.

Paul Claval (1979), ao tratar o que chama de “geometria das formas elementares de poder”, apresenta os
dois tipos básicos de relação de poder, o que se submete ao “poder puro” e o que se conforma à “autoridade”.

• o poder puro: caracterizado pela ação da força no alcance dos objetivos de uns sobre os outros, o que
também define a escala necessária ao estabelecimento das estruturas e dos instrumentos de aplicação;
• a autoridade: de base ideológica e econômica, aceita, portanto, sob efeito de acordos quanto à
delegação e representatividade, bem como de discursos indutores das ações.

Claval procura dar conta das espacializações do poder nas várias escalas, além de se debruçar sobre
o que denomina “geometria das formas complexas de poder”, demonstrando como é erigida a trama
social. Para tanto, aponta as relações:

• entre indivíduo e sociedade;


• sociais ou impessoais;
• societais ou customizados;
• societárias, pertinentes às instituições políticas.

18
CIÊNCIA POLÍTICA

A principal busca de Paul Claval, articuladora das demais, é pelas territorialidades (regiões mantidas,
ocupadas) e territorializações (em processo de ocupação).

Os conceitos espaciais são fundamentais para a reflexão sobre a realidade e para nela interferir.
Eles são vitais em razão da condição espacial de todos os seres e coisas. São eles: lugar, território,
região e espaço geográfico. Eles têm papel crucial na lida com as estratégias dos agentes em exercício
de seus poderes.

Saiba mais

A respeito dos conceitos elencados, recomendamos o texto de


Werther Holzer:

HOLZER, W. Uma discussão fenomenológica sobre os conceitos de paisagem


e lugar, território e meio ambiente. Território, ano lI, n. 3, p. 77-85, jul./dez. 1997.

Lembrete

O poder sobre a natureza está na base da economia elementar e da


evolução, produzindo toda a degradação ambiental a que estamos sujeitos,
ao passo que o poder de uns sobre outros se reflete nas relações pelo
surgimento de dissimetrias e desequilíbrios acintosos.

Para Paul Claval (1979), estudioso da vida social, nossa sociedade indaga ansiosamente sobre o
poder. Ele comenta obras que marcaram seu tempo em busca de esclarecimento das origens, formas e
papéis do poder no mundo contemporâneo. Contudo, elas tratam, infelizmente, de agregados abstratos
(índices estatísticos isolados, indicadores de atividade econômica, política, cultural), sem suas raízes
ecológicas, sem os habitat, sem as distâncias a percorrer, sem dispersões a organizar, concebendo as
entidades sociais como desprovidas de território, de modo “a-espacial”. É nessa frente que Paul Claval
quer atuar, compreendendo as estruturas de “grandes grupos em grandes países”, garantindo “sua
colaboração em tarefas de monitoramento e controle” dos recursos planetários.

Há organizações hierárquicas emergentes, e Claval (1979) as chama de poder puro, designando‑as


como incapazes de criar a coesão indispensável às sociedades modernas. Também a questão da
autoridade é trazida à reflexão, por fornecer a liga simbólica necessária a quaisquer projetos de expansão
de grupos e sociedades. Todavia, Paul Claval adverte que o jogo de influências e o alargamento de
domínios desencadeiam tensões que, o mais das vezes, confrontam-na. A autoridade, em meio aos
sistemas de crença que lhe dão amparo e algum sentido, materializa-se (ou “espacializa-se”) no mundo
como divisões em espaços, mais fechados e privativos que abertos. Entra em cena a discussão sobre a
função do público, suas definições e expressões.

19
Unidade I

A autoridade desempenha uma atribuição geográfica elementar em nosso mundo. Na medida em


que os sistemas de crença nos quais se baseia são questionados, toda a divisão do mundo em grandes
espaços é colocada em xeque (se trouve en porte à faux).

Há uma discussão essencial sobre a vitalidade política e cultural dos espaços públicos, em especial
com Jürgen Habermas, Richard Sennett, Roberto DaMatta e Nelson Saldanha.

A relevância dos espaços públicos para o exercício social de construção histórica e simbólica do
humano (sociabilidade, convivência, trocas em geral) é expressa tanto em atividades locais, como ganhar
as ruas, em blocos de carnaval ou manifestações políticas, quanto em eventos regionais, nacionais e
globais, como movimentos sociais de maior alcance por educação, saúde e políticas públicas.

Quando escrevia Espaço e Poder, Paul Claval (1979) via uma retomada das questões de poder pelos
pesquisadores, colocando em primeiro plano o papel do poder, da dominação, da influência ou da
autoridade. Contudo, segundo o autor, “insistia-se sobretudo nos mecanismos, nos automatismos, nas
regulações inconscientes e benéficas”.

O autor reitera continuamente a intenção de clarificar “o jogo social”, que “nunca é inocente”, o
que se descobre analisando movimentos e estratégias históricas (determinantes, em diferentes graus)
que interferem limitando, deslocando e neutralizando o poder de cada indivíduo. Daí a importância
dos estudos territoriais dos processos sociais no desmascaramento das racionalidades e ideologias que
ocultam as intenções reais dos agentes promotores da dinâmica institucional (os que instituíram as
regras sociais e com elas se beneficiam), fazendo-nos esquecer o peso político desigual entre estes
e os participantes comuns. O problema maior é que se comuns são alguns, não há comunicação que
unifique. Então, surge a questão: como ser povo além da artificialidade de nação?

Para ele:

O poder surge, assim, como um elemento de explicação indispensável,


que é, porém, mais invocado do que analisado: denunciam-se os modelos
clássicos de equilíbrio para ressaltar a existência de conflitos e tensões onde
antes não se viam a harmonia e o entendimento. Na massa considerável
das publicações que dão destaque ao papel dos fatos da dominação, é
surpreendente constatar a pobreza das reflexões sobre a natureza do poder,
a diversidade de suas manifestações e seu lugar no conjunto da arquitetura
social (CLAVAL, 1979, p. 7).

Uma constante de seu raciocínio é o interesse pelos “aspectos concretos da vida social, pela articulação
espacial dos grupos, pelas redes que os unem, pelas fronteiras que os separam, pelos domínios por onde
se estendem” (CLAVAL, 1979, p. 7-8).

O geógrafo francês aponta a satisfação corrente no meio acadêmico com respostas superficiais do
tipo: “uma coletividade, uma classe ou um indivíduo são capazes de impor sua vontade aos outros”.
Então, ele diz: tudo fica explicado? Apenas aparentemente, segundo ele, porque
20
CIÊNCIA POLÍTICA

Seria esquecer a influência da distância e da extensão: dependendo


de como um homem age sobre os outros, impondo-lhes sua vontade
pela força, ou levando-os a aceitar a autoridade de que está investido,
ou jogando com seus dons e a simpatia que sabe criar à sua volta, ou
tirando partido de sua posição econômica, de sua situação geográfica
ou de sua aptidão para inventar novas soluções e fazer com que sejam
adotadas, os limites espaciais de sua influência variam. Em certos casos,
nada retém os impulsos que partem dele; em outros, sua dominação se
detém quase que imediatamente. As sociedades são modeladas pelo
alcance das relações assimétricas: algumas são necessariamente curtas;
outras unem, sem nada perder de sua eficácia, os pontos mais distantes
(CLAVAL, 1979, p. 8).

Um tema, mais especificamente uma via de interpretação dos avanços nos estudos do poder, diz
respeito à identificação das modernizações de TI:

A cibernética e a teoria dos sistemas revolucionaram a pesquisa em ciência


política, ressaltando a análise das redes de relação e dos circuitos de
informação: o modelo de autorregulação ou de sujeição recém-explorado
no domínio das ciências aplicadas não definia um tipo de organização que
operava em qualquer corpo político? (CLAVAL, 1979, p. 8-9).

Tais estudos impulsionaram as modelizações e quantificações de uma vertente das ciências


políticas, mas não muito exitosa. Para Paul Claval (1979, p. 9), Michel Foucault foi o grande
responsável pelos avanços das ideias nesse campo, evidenciando as “técnicas de controle e de
vigilância, fazendo-se historiador minucioso do grande ‘encarceramento’ da época clássica e, depois,
dos procedimentos penitenciários”, explorando os meios de o todo social coagir moral e fisicamente
seus membros, “exercendo em relação a eles uma inquisição mais ou menos permanente. Assim,
o poder que ele analisa não é, simplesmente, negativo: é repressão, certamente, mas também
inovação, instituição de ordem nova” (CLAVAL, 1979, p. 9).

O autor associa os estudos de Foucault a certas pesquisas realizadas em outros países, nos
Estados Unidos, particularmente, onde os teóricos das organizações fizeram progredir um pouco,
nas mesmas linhas, a teoria do exercício do poder. Ao mencionar o trabalho de Robert Dahl,
diz que ele superou as teses sobre a origem da riqueza, mostrando também os “limites das
generalizações de Floyd Hunter, de Wright Mills e, em uma geração anterior, de Robert Lynd”
(CLAVAL, 1979, p. 9).

A teoria das organizações, em suas vertentes experimental ou especulativa, envereda tanto por
caminhos pouco conhecidos quanto por outros pouco ou nada evidentes, em busca da gênese e lógica
de agrupamentos sociais, sendo preciosa nessa empreitada, pois, ao basear-se em estudos etnográficos,
arqueológicos, historiográficos, geográficos, de história da economia, entre outros, concorre para
restaurar a compreensão complexa.

21
Unidade I

Claval acentua o seguinte:

Interessamo-nos pela sua faceta mais importante para compreender a


arquitetura espacial das sociedades e para apreender o jogo das assimetrias
que ao mesmo tempo limita e garante o exercício da liberdade. A grande
lição dos fatos do poder é que não há, no espaço, liberdade sem um mínimo
de organização, que essa organização é uma ameaça para cada pessoa e
restringe a autonomia das escolhas: as alienações da humanidade moderna
têm sua origem no desenvolvimento de dominações indispensáveis à
formação de áreas de grande circulação e de livre deslocamento (CLAVAL,
1979, p. 10).

Para Paul Claval,

A autoridade apresentou menos atrativos aos pesquisadores contemporâneos:


eles só a abordam sob um aspecto, de tal maneira lhes parece difícil
justificá-la no âmbito de uma sociologia ou de uma “politicologia” racionais.
Os historiadores e os juristas não sofrem do mesmo constrangimento: não
são teóricos da adequação perfeita dos meios aos fins, mas constatam a
existência de autoridades reconhecidas como legítimas pelos que estão a
ela sujeitos; entre eles, Jean Gottmann encontrou o essencial da inspiração
de sua grande obra sobre o território – uma das que mais contribuíram para
o conhecimento racional das relações entre o poder e o espaço (CLAVAL,
1979, p. 9).

O pesquisador francês segue a exposição sobre política mencionando o papel fundamental de


Max Weber na definição do ponto de partida da análise moderna ao estabelecer as categorias poder,
autoridade, dominação ou influência.

“Na medida em que a autoridade e o poder variam em função das doutrinas daqueles que os exercem
ou sofrem, a contribuição da reflexão normativa, desde Hobbes, Locke ou Rousseau, integrou-se, mas
sob uma forma nova, à teoria contemporânea dos aspectos espaciais do poder” (CLAVAL, 1979, p. 9).

Saiba mais

Recomendamos os textos de Viviane Forrester e de Jacques Généreux


sobre os horrores da economia e da política. Généreux dialoga com as teses
de Forrester.

FORRESTER, V. Horror econômico. São Paulo: Unesp, 1997.

GÉNÉREUX, J. O horror político. São Paulo: Bertrand, 1999.


22
CIÊNCIA POLÍTICA

Paul Claval enumera as relações intrínsecas entre a sociedade e o poder. Diz que as diferenças que
nos caracterizam não podem ser confundidas com desigualdades! Nessa conjuntura, é vital destacarmos
um trecho sobre o assunto, feito pelo doutor em geografia Gilvan Charles Cerqueira de Araújo.

Notas sobre as relações de poder e o território

[...]

1. Sobre o poder

Inevitavelmente, a fundamentação dessas características territoriais perpassa pelo


conceito de poder, por isso [são] necessárias algumas concepções de poder e suas fontes de
emanação para com o território. Nessa relação do poder com o território é que inicialmente
a concepção de poder se torna importante e, após esse passo, leva o conceito para suas
zonas de uso corrente e também mais complexas, como o Estado, os governos e as classes
sociais.

Dos principais autores que tratam da problemática do poder, faremos uso de um


concentrado conjunto de propostas, contando com uma pequena genealogia do conceito
feita por Lebrun (1981); o poder discursivo e a maneira pela qual o poder ora foi tratado
em sua proximidade com a economia, ora em relação à ciência jurídica, e como superar
essa dicotomia de Michel Foucault (1979); a figuração do poder e suas formas extremadas
nos conflitos sociais e sua relação com o uso da violência, em Hannah Arendt (1994); as
interpretações políticas do poder em seu formato vertical de ação ao longo da história dos
Estados e suas formas de governo, em Burdeau (2005) e Dallari (1976).

Gérard Lebrun (1981) faz um retorno histórico do poder. Basicamente, o autor elabora
uma dialética epistemológica entre a concepção clássica de poder dominador e coercitivo,
historicamente ligado à ideia de Estado, e também busca e reflete sobre a crítica às teorias
anglo-saxônicas do poder enquanto “soma zero” – uma herança da teoria dos jogos, na qual
em algum momento, para cada dominado, haverá um dominante e vice-versa, fechando
o sistema em si. Nesse sentido é que o autor nos apresenta a definição da ideia de poder,
aproximando-se do poder enquanto manifestação de forças:

Em suma, o poder não é um ser, “alguma coisa que se adquire, se


toma ou se divide, algo que se deixa escapar”. É o nome atribuído a
um conjunto de relações que formigam por toda parte na espessura
do corpo social (poder pedagógico, pátrio poder, poder do policial,
poder do contramestre, poder do psicanalista, poder do padre etc.)
(LEBRUN, 1981, p. 8).

Durante toda sua exposição, Lebrun (1981) valoriza o importante papel dos teóricos
renascentistas e modernos em suas elucubrações a respeito do Estado. Em uma tentativa de
aliar as teorias clássicas de poder central do soberano ao poder multifacetado e diluído dos
23
Unidade I

contemporâneos, o autor propõe a transferência da dominação pela manipulação estatal,


vistas nos dias de hoje pela aliança simbiótica entre liberalismo e regimes democráticos de
governo. Portanto, para o autor, “o Estado moderno é menos abertamente dominador, e
mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a desobediência do que em preveni-la.
É feito menos para punir do que para disciplinar” (LEBRUN, 1981, p. 33).

Segundo Foucault (1979), há uma diferenciação das forças existente entre os indivíduos
de uma sociedade. Isso quer dizer que o poder não está localizado apenas em uma direção,
localidade ou organismo, como os Estados, escolas e prisões, mas sim em todas as trocas de
experiência dos sujeitos.

A crítica do filósofo francês é pautada em duas extremidades de contrariedade em


relação às concepções históricas de poder. Por um lado, temos, como Lebrun (1981) ressalta,
a tradição do poder estatal na figura do soberano, por outro, a corrente marxista de
alinhamento do poder com as forças produtivas no desenrolar da história pelas sociedades.
Nas palavras de Foucault, temos a seguinte situação entre esses dois extremos:

No caso da teoria jurídica clássica, o poder é considerado como um


direito de que se seria possuidor como de um bem e que se poderia,
por conseguinte, transferir ou alienar, total ou parcialmente, por um
ato jurídico ou um ato fundador de direito, que seria da ordem da
cessão ou do contrato. O poder é o poder concreto que cada indivíduo
detém e que cederia, total ou parcialmente, para constituir um poder
político, uma soberania política. Nesse conjunto teórico a que me
refiro, a constituição do poder político se faz segundo o modelo
de uma operação jurídica que seria da ordem da troca contratual.
[...] No outro caso – concepção marxista geral de outra coisa, da
funcionalidade econômica do poder. Funcionalidade econômica no
sentido de que o poder teria essencialmente como papel manter
relações de produção e reproduzir uma dominação de classe que
o desenvolvimento e uma modalidade própria da apropriação das
forças produtivas tornaram possível. O poder político teria nesse caso
encontrado na economia sua razão de ser histórica (FOUCAULT, 1979,
p. 174-175).

O viés econômico que permeia a história é inegável, mas o importante é não deixar para
trás o substrato que tanto as instituições quanto os interesses econômicos fundamentam,
ou seja, a repressão, a dominação e a manipulação não só dos soberanos, mas também
de todos que por alguma contingência específica estiverem exercendo o domínio sob
outro indivíduo ou comunidade: “o poder é essencialmente repressivo. O poder é o
que reprime a natureza, os indivíduos, os instintos, uma classe. Quando o discurso
contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, isto não é uma
novidade” (FOUCAULT, 1979, p. 175).

24
CIÊNCIA POLÍTICA

Não há por que negar a mobilidade escalar do poder, indo dos mais colossais aparelhos
estatais de controle até os comandos imperativos vociferados por coronéis ou burocratas
em vilas e comunidades isoladas. Assim, conseguimos extrair o caráter “essencialista” do
poder, colocando-o como forças em processos contraditórios de manifestação:

A partir do momento em que tentamos escapar do esquema


economicista para analisar o poder, encontramo-nos mediatamente
na presença de duas hipóteses: por um lado, os mecanismos do
poder seriam de tipo repressivo, ideia que chamarei por comodidade
de hipótese de Reich; por outro lado, a base das relações de poder
seria o confronto belicoso das forças, ideia que chamarei, também
por comodidade, de hipótese de Nietzsche (FOUCAULT, 1979, p. 176).

Outra importante representante do pensamento político e filosófico contemporâneo,


Hannah Arendt (1994) – apesar de haver concordância com o pensamento de Michel
Foucault, a autora resgata a importância do poder coletivo, caso assim não fosse, a própria
ideia de Estado perderia o seu fundamento1 –, aprofunda a questão do poder de repressão
do Estado, por meio da validação legítima do uso da violência adquirida pela justificativa de
consenso de nomeação do aparelho estatal como protetor da ordem social.

E nessa reflexão entre o poder, o jogo de forças e a validação da autoridade é que Arendt
explora a violência como expressão máxima de visibilidade concreta do poder manifestado.
No entanto, assim como há a necessidade dessa aceitação coletiva, a autora também reitera
que devemos conceber o poder em seu formato impessoal, coletivo, multiverso para além
do indivíduo:

O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo


e permanece em existência apenas na medida em que o grupo
conserva‑se unido. Quando dizemos que alguém está “no poder”, na
realidade nos referimos ao fato de que ele foi empossado por um
certo número de pessoas para agir em seu nome (ARENDT, 1994, p. 36).

O poder acaba por se enraizar das instituições para os seus representantes pessoais, e o
instrumento de sua perduração diante da população subalterna será a mais clara possível, a
violência: “[...] Os que vivem sob um déspota não tem nenhum interesse pessoal em obedecer
às injunções que lhe são feitas ou respeitar as proibições que vêm limitar sua liberdade. Se
o senhor não pudesse recorrer à força física, ninguém se curvaria às suas ordens” (CLAVAL,
1979, p. 23).

1
“O uso da força é um dos elementos da vida internacional. Nos Estados, o governo dispõe do monopólio
legal do recurso à violência e o utiliza para tornar impossível o uso privado da coação física: a imagem normal
da vida política é a de relação desenvolvida pacificamente pela negociação e a concessão, ou de regimes calmos,
estabelecidos depois de breves choques, revoluções ou guerra civis: mesmo quando estas se prolongam, a luta
armada surge como um elemento anormal contra a natureza” (BURDEAU, 2005, p. 203).
25
Unidade I

Por essa razão, as punições aos dissidentes à ordem dominante serão avassaladoras e
inegociáveis; assim o foram com os revoltosos na Bahia, no Maranhão, em Minas Gerais
e no Rio de Janeiro e, mais do que punir, o objetivo principal era utilizar este símbolo do
mando do poder como exemplificação para as outras pessoas, a favor ou não de algum tipo
de posicionamento contrário aos comandos do rei.

Em concordância tanto com Foucault como com Arendt, Georges Burdeau (2005) diz
que o poder é o encontro desigual de forças. A manifestação dessa desigualdade gerará a
visibilidade do poder enquanto diminuição ou sobrepujamento dos dominados diante do
comando e ordens de quem domina [...] “todo o problema do Poder se deve a essa dualidade
dos elementos que o constituem e se influenciam reciprocamente: a vontade de um chefe
e o poder de uma ideia que, a um só tempo, o sustenta e o supera” (BURDEAU, 2005, p. 6).

Além de Burdeau (2005), haverá outros autores que reafirmarão a importância do


poder em grande magnitude, o poder do Estado. Essa concepção clássica, apesar de termos
demonstrado a opinião dos autores em ultrapassá-la, ainda é recorrente nos estudos
jurídicos e políticos. Por isso, assim como Lebrun (1981) lembra-nos da importância do
poder estatal, é Dallari (1976, p. 40) que apresenta algumas diretrizes quando o interesse
for discutir o Estado e suas maneiras de uso e manifestação do poder:

a) O poder, reconhecido como necessário, quer também o


reconhecimento de sua legitimidade, o que se obtém mediante o
consentimento dos que a ele se submetem.

b) Embora o poder não chegue a ser puramente jurídico, ele age


concomitantemente com o direito, buscando uma coincidência entre
os objetivos de ambos.

c) Há um processo de objetivação, que dá precedência à vontade


objetiva dos governados ou da lei, desaparecendo a característica de
poder pessoal.

d) Atendendo a uma aspiração à racionalização, desenvolveu-


se uma técnica do poder, que o torna despersonalizado (poder do
grupo, poder do sistema), ao mesmo tempo que busca meios sutis de
atuação, colocando a coação como forma extrema.

Eis que chegamos então à questão central da qual nos propomos tratar, que é a relação
entre o Estado e o território. Não apenas geógrafos voltados a assuntos ligados à política irão
defender o estudo dessa relação. A negligência da geografia para com a política é lembrada
por Foucault (1979) em sua afirmação do protagonismo do espaço e dos geógrafos.

E também mais enfaticamente temos Burdeau (2005, p. 15) defendendo a retomada


dos estudos históricos sobre o Estado e o território, pois, se o território “[...] é assim ligado
26
CIÊNCIA POLÍTICA

à ideia do Estado, ele exige, para que a ideia não se desagregue, que o Estado se empenhe
em aprimorar as relações entre os indivíduos e seu contexto geográfico”. Por essas razões,
os geógrafos possuem lugar cativo no aprofundamento de estudos a respeito dessa relação,
por seu arcabouço teórico e fundamentação conceitual:

As dimensões espaciais dos fatos do poder foram negligenciadas. A


geografia política voltou-se prematuramente para a análise do Estado
e não soube dissecar as engrenagens dos governos e sua articulação
sobre a sociedade civil. A parte de influência, autoridade e poder
que existe na sociedade civil à margem das estruturas propriamente
políticas foi esquecida pela maioria dos sociólogos e economistas e
exagerada pelos marxistas que negaram a importância do Estado,
elemento da superestrutura, tratado com um desprezo um pouco
altaneiro. Uma visão justa dos problemas implica que a extensão
e a distância sejam levadas em conta em toda interpretação dos
elementos sociais, e que seja concedido um lugar às assimetrias das
arquiteturas sociais (BURDEAU, 2005, p. 215).

O que autor está afirmando nada mais é que a preocupação em unir esferas
complementares, em uma análise que se volte para elementos como sociedade civil, território,
instituições estatais, história cultural, características econômicas (e observemos que ele
critica o economicismo da história, assim como Foucault), e a revalidação da importância
da superestrutura. Em suma, para se falar de indivíduo e sociedade, há de se ter em mente
que entre a terra e o homem há muito mais que instintos, valoração monetária e fins de
uso imediato.

O poder e suas relações na sociedade possuem diferentes faces de manifestação, a


depender da situação em que ele está sendo analisado, por isso há, como afirma Foucault,
ora a tendência econômica, ora a histórica ou cultural.

E justamente por se tratar de uma conceituação de primeira grandeza nas ciências


sociais é que o poder terá na geografia um lugar cativo, relacionado a estudos específicos
no que tange à sua expressão espacial. E nesse sentido nos voltamos agora à maneira pela
qual o poder passa a ser estudado na ciência geográfica, ou seja, por meio de seu potencial
político, econômico e cultural.

2. Poder e espaço geográfico, as faces do território

[...]

Pode-se, nesse momento, propor um aprofundamento em relação a esse importante e


imprescindível conceito-chave do pensamento geográfico que é o território. Vejamos o que
diz Marcos Saquet (2007, p. 142) sobre o território, apresentando-nos uma definição ampla
e contundente sobre esse conceito:
27
Unidade I

O homem age no território, espaço (natural e social) de seu habitar,


produzir, viver objetiva e subjetivamente. O território é um espaço
natural, social e historicamente organizado e produzido, e a
paisagem é o nível do visível e percebido desse processo. O território
é chão, formas espaciais, relações sociais, e tem significados;
produto de ações históricas (longa duração) que se concretizam em
momentos distintos e superpostos, gerando diferentes paisagens.
Há, no território: identidade e/ou enraizamento e conexões nos
níveis nacional e internacional; heterogeneidade e unidade;
natureza e sociedade; um processo histórico com definições
territoriais específicas para cada organização social e o aparente,
que corresponde à paisagem.

Reincidentemente, com a premissa espacial, o próprio Raffestin (1993) nos conecta


diretamente com o que foi exposto anteriormente sobre as relações de poder, mas nesse
caso essas relações são observadas e analisadas em sua expressão espacial, ou melhor,
geograficamente. Para o autor:

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território.


O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma
ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um
programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço,
concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o
ator “territorializa” o espaço. [...] O território, nessa perspectiva,
é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia, [seja]
informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo
poder (RAFFESTIN, 1993, p. 143).

E por meio dessa citação voltamos à situação, ou seja, a ação do poder em um


determinado lugar (sítio), configurando assim o que outros autores chamarão da presença
política e da própria política no espaço geográfico, que acabou por se tornar ao longo dos
anos um dos ramos mais profícuos de estudos pela geografia.

Na confluência da presença das relações de poder no espaço geográfico com a potência


material de análise desse posicionamento é que o território se fortalece epistemologicamente.
Em suma, é pelo território que a materialidade da realidade objetiva se torna passível de
análise teórica e metodológica pelo labor geográfico, pois nele se agregam a potência e
a inerência material do mundo em que vivemos em conjunto com as relações sociais (de
poder), formando múltiplos territórios e territorialidades.

E nesse entendimento do conceito de território consideram-se as facetas simbólica


e subjetiva que compõem esses territórios, pois além do domínio, controle e posse
da terra, há a filiação a essa área do espaço geográfico, que lhe dá uma significação

28
CIÊNCIA POLÍTICA

própria, engendrando as territorialidades,2 que, somadas às relações de poder, aumentam


consideravelmente o grau de importância que os territórios possuem para um indivíduo
ou uma sociedade: “A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem
de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima”
(SANTOS, 1996, p. 51).

[...].

Adaptado de: Araújo (2017, p. 24-32).

1.3 Política no plano da existência

Nos capítulos iniciais de Ética a Nicômaco, Aristóteles aplica o termo


“política” a um assunto único – a ciência da felicidade humana – subdividido
em duas partes: a primeira é a ética e a segunda é a política propriamente
dita. A felicidade humana consistiria em uma certa maneira de viver, e
a vida de um homem [seria] o resultado do meio em que ele existe, das
leis, dos costumes e das instituições adotadas pela comunidade à qual ele
pertence. Na zoologia de Aristóteles, o homem é classificado como um
“animal social por natureza”, que desenvolve suas potencialidades na vida
em sociedade, organizada adequadamente para seu bem-estar. A meta
da “política” é descobrir primeiro a maneira de viver que leva à felicidade
humana, e depois a forma de governo e as instituições sociais capazes de
assegurar aquela maneira de viver. A primeira tarefa leva ao estudo do
caráter (ethos), objeto da Ética a Nicômaco; a última conduz ao estudo da
constituição da cidade-Estado, objeto da Política. Esta, portanto, é uma
sequência da Ética, e é a segunda parte de um tratado único, embora seu
título corresponda à totalidade do assunto. Aliás, já na geração anterior a
Aristóteles, Platão, seu mestre, havia abrangido as duas partes do assunto
em um só diálogo – A República.

No esquema global das ciências segundo Aristóteles, a “política” pertence


ao grupo das ciências práticas, que buscam o conhecimento como um meio
para a ação, em contraposição às ciências teóricas (a metafísica e a teologia,
por exemplo), cujo conhecimento é um fim em si mesmo. As ciências práticas
se subdividem, por sua vez, em conformidade com a sistemática dicotômica
de Aristóteles, em dois grupos: as ciências “poiéticas” (ou seja, produtivas),
que nos ensinam a produzir coisas, e as ciências no sentido mais estrito, que
nos mostram como agir; as primeiras visam a algum produto ou resultado,
enquanto a prática mesma do conhecimento adquirido é o próprio fim no

2
“Portanto, todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional
e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’”
(HAESBAERT, 2004, p. 3).
29
Unidade I

caso das últimas. As primeiras incluem as profissões e os ofícios, e as últimas


abrangem as chamadas “belas-artes” (a música e a dança, por exemplo), que
são em si mesmas um fim.

A ciência prática por excelência é a “política”, isto é, a ciência do bem-estar


e da felicidade dos homens como um todo; ela é prática no sentido mais
amplo da palavra, pois estuda não somente o que é a felicidade (o assunto da
Ética), mas também a maneira de obtê-la (o assunto da Política); ao mesmo
tempo ela é prática no sentido mais estrito, pois leva à demonstração de
que a felicidade não é o resultado de ações, mas é em si mesma uma certa
maneira de agir (KURY, 1985, p. 7).

A política nasce da diversidade e se encaminha em busca da felicidade, é uma premissa ao modo


aristotélico e confirmado por Hannah Arendt. Então, fazemos política porque somos diferentes.
Assim, se fôssemos idênticos, algo bastante chato, não haveria política. Política é o resultado de
nossa condição humana, como bem afirma Hannah Arendt em seus livros A Condição Humana e
O Que é Política?

Somos diferentes, logo fazemos política. Parece muito simples.

O excerto a seguir traz uma parte do raciocínio complexo de Hannah Arendt sobre a política nas
escalas e circunstâncias individual e planetária:

Essa contradição [entre a liberdade política e a vida] manifesta-se


da maneira mais palpável porque sempre foi prerrogativa da política
exigir, em certas circunstâncias, o sacrifício da vida dos homens que
nela participam. Só que, é claro, essa exigência deve ser entendida
no sentido de exigir-se do indivíduo que sacrifique sua vida para o
processo de vida da sociedade; de fato, existe aqui uma relação que
pelo menos impõe um limite para o risco de vida: ninguém pode ou deve
arriscar sua vida se com isso colocar em perigo a vida da Humanidade.
Ainda voltaremos a examinar essa relação, que como tal chegou à
nossa consciência porque só agora dispomos da possibilidade de pôr
um fim à vida da Humanidade e de toda a vida orgânica; na verdade,
quase não existe uma categoria política e quase não existe um conceito
político tradicional que, medido nessa mais jovem possibilidade, não se
tenha demonstrado ultrapassado na teoria e inaplicável na prática e,
na verdade, justamente porque, em certo sentido, o que está em jogo
hoje, pela primeira vez, também na política externa, é a vida, ou seja, a
sobrevivência da Humanidade.

Mas essa relação da própria liberdade com a sobrevivência da


Humanidade não risca do mapa a oposição entre liberdade e vida, na
qual se assentou toda a coisa política e que continua decisiva para
30
CIÊNCIA POLÍTICA

todas as virtudes especificamente políticas. Até se poderia dizer, com


muito direito, que é esse próprio fato, de que hoje o que está em jogo
na política é a existência nua e crua de todos, o sinal mais evidente da
calamidade em que nosso mundo caiu – calamidade que, entre outras
coisas, consiste em a política ameaçar ser riscada da face da Terra.
Pois o risco a ser corrido por aquele que lida na esfera política – na
qual deve levar tudo a conselho, antes de sua vida – diz respeito não à
vida da sociedade ou da nação ou do povo, para o qual ele sacrificaria
sua vida; diz respeito muito mais à liberdade, tanto a própria como a
do grupo ao qual o indivíduo pode pertencer, e com ela a segurança
da existência do mundo no qual esse grupo ou esse povo vive, e que
ela construiu no trabalho de gerações para encontrar um alojamento
seguro e calculado a longo prazo para agir e conversar – quer dizer para
as verdadeiras atividades políticas. Em circunstâncias normais, ou seja,
nas circunstâncias que eram decisivas na Europa desde a Antiguidade
romana, a guerra era de fato apenas a continuação da política por
outros meios e isso significa que ela sempre podia ser evitada se um
dos adversários decidisse aceitar as exigências do outro. Tal aceitação
poderia custar a liberdade, mas não a vida.

Essas circunstâncias, como todos sabemos, hoje não existem mais;


quando olhamos para trás, elas nos parecem uma espécie de paraíso
perdido. Mas se o mundo em que vivemos agora também não deriva
e nem se explica – de maneira causal ou no sentido de um processo
automático – pelos tempos modernos, mesmo assim ele cresceu
no solo desses tempos modernos. No que concerne à coisa política,
isso significa que tanto a política interna para a qual o objetivo mais
elevado era a própria vida como a política externa que se orientava pela
liberdade como o bem mais elevado viam na força e no agir violento seu
verdadeiro conteúdo (ARENDT, 2002, p. 30).

Um tema que lhe é muito caro, a preservação da vida, depreende da tensão entre os imperativos
da política interna (ações que dependem do indivíduo) e as ameaças da política externa (relações que
tomam o indivíduo), internacional.

Reafirmamos, em consonância com Zygmunt Bauman, aquilo que nos move neste livro-texto: a
política somente é importante porque está na vida diária, no cotidiano de todos. Ela está em toda
parte, em qualquer passo dado. Assim, precisamos levar esse conteúdo para a política profissional,
institucionalizada.

O texto que destacaremos a seguir é da obra 10 Lições sobre Hannah Arendt (2012), de
Luciano Oliveira.

31
Unidade I

Terceira lição

[...]

Quando Arendt se refere à política em um sentido positivo, está se referindo ao que foi a
experiência da polis grega! Arendt, recordemos, foi aluna de Heidegger e deste guardou algo
do seu método: “A volta dele aos filósofos gregos, sua luta com a etimologia mesma das
palavras que eles utilizaram, para lhes recapturar a primeira e fresca apreensão da maravilha
e terror do Ser”. Seguindo suas pegadas, Arendt repetidas vezes explicita a sua visão da
política como estando baseada na experiência grega clássica. Em A Condição Humana, um
capítulo sobre o que seria a essência da ação política se chama, exatamente, “A solução
grega”. E mais tarde dirá:

Empregar o termo “político” no sentido da polis grega não é nem


arbitrário nem descabido. Não é apenas etimologicamente e nem
somente para os eruditos que o próprio termo, que em todas as
línguas europeias ainda deriva da organização historicamente ímpar
da cidade-Estado grega, evoca as experiências da comunidade que
pela primeira vez descobriu a essência e a esfera do político.

A resposta sobre o que seria tal essência, que ela exploraria mais sistematicamente no
livro de 1958, já está no conjunto de manuscritos [...] em alemão que só em 1993 foram
publicados na Alemanha, com o título Wast ist Politik?, e que Jerome Kohn publicou em uma
versão inglesa com o título Introdução na política, preservando assim a ideia de introducere
– “fazer entrar”. Foi na Grécia Antiga – mais exatamente em Atenas –, na época de seu
maior esplendor, que ela, a política, apareceu, em um espaço um tanto simbólico que os
gregos chamaram de polis. Ali, os homens livres e iguais – aqueles que estavam libertos
das necessidades laborais da vida – compareciam e davam-se à experiência política por
excelência, a ação, ou seja, o ato de vir a público e, em companhia de seus pares, iniciar com
palavras e atos algo novo cujo resultado não podia ser conhecido de antemão.

Diferentemente do que pode parecer ao senso comum, que tradicionalmente vincula o


“milagre grego” à época da imbatível tríade Sócrates-Platão-Aristóteles, a polis ateniense
que Arendt tanto admira é anterior ao período que Platão inaugura. Citando-a: “A política
como tal existiu tão raramente e em tão poucos lugares, que, falando historicamente,
só umas poucas épocas extraordinárias a conheceram”. Na Grécia Antiga, essa “época
extraordinária” já tinha passado quando emergiu o pensamento político grego que mais
conhecemos, do qual Platão e Aristóteles são os nomes mais conhecidos. Mas o período
inaugurado pelos diálogos socráticos já assinala a decadência da polis, e tal decadência,
pelo menos no plano teórico, chega a ser debitada na conta de ninguém menos do que
o próprio Platão – pelo seu esforço de “libertar o filósofo dos assuntos políticos”. Por que
isso? Porque foi a polis ateniense que condenou Sócrates à morte! A explicação é dada
pela própria Arendt:

32
CIÊNCIA POLÍTICA

O hiato entre a filosofia e a política se abriu historicamente com o


julgamento e condenação de Sócrates, que na história do pensamento
político é um momento crítico análogo ao julgamento e condenação
de Jesus na história da religião. Nossa tradição de pensamento político
começou quando a morte de Sócrates levou Platão a desesperar da
vida da polis.

Viriam daí, de um lado, a hostilidade platônica ao reino das opiniões múltiplas e voláteis
vigentes na polis, onde as decisões seriam fruto de um exercício permanente de discussão e
persuasão, e, de outro, a valorização da figura do “rei-filósofo”, espécie de expert detentor de
um saber acima da plebe e gozando de um privilégio sobre os cidadãos ordinários. Começava
a decadência da política como o agir comum de cidadãos livres, daí em diante – em um
processo que chegou ao paroxismo nos tempos modernos – reduzidos, quando muito, à
condição de eleitores ocasionais. Confundem-se aqui processos históricos e culturais que
incluem desde a decadência de Atenas e, posteriormente, da República romana, até a
desvalorização da “esfera política” promovida pelo cristianismo, ao assimilá-la “ao mundo
terrestre da concupiscência”.

Assim, Platão carrega a responsabilidade de ter substituído a práxis da persuasão


pela ideia de dominação na ordem do político. O movimento atinge sua culminância, no
alvorecer da Modernidade, com o pensamento de Hobbes, que estabelece uma equivalência
significativa entre o exercício do poder e o emprego da força bruta. Tal concepção tinha se
tornado natural às vésperas do século XX, estando presente em pensadores tão diferentes
quanto Marx ou Weber, autor da célebre definição do poder como o monopólio do exercício
da violência:

É nesse contexto que nasce a ideia de que a política é uma


necessidade, de que a política em sentido amplo é apenas um meio
para se alcançarem fins mais elevados situados fora dela e de que ela
deve, portanto, justificar-se em termos desses fins.

Em suma, um mal necessário. A conexão entre essa “volta aos gregos” e a crítica a Marx
se aclara quando se considera que a participação na polis nada tinha a ver com finalidades
práticas como a satisfação das necessidades, assunto doméstico por definição. Ou seja,
enquanto Arendt, na esteira dos gregos, vê na política a mais nobre atividade humana, Marx a
vê como um estorvo do qual convém um dia se livrar. Entendamo-nos: Marx é, como Arendt,
um libertário. Afinal, o que quer a revolução tão esperada por ele senão libertar o homem
do império da necessidade? Mas é aqui, justamente, que as coisas se complicam. Lembremos
que o grego que tinha assento na polis era um homem liberto das necessidades materiais da
existência, e, portanto, livre para discutir e deliberar com seus pares, igualmente libertos. Havia
o mundo privado da casa, no qual tais necessidades eram satisfeitas à base da dominação
sobre as mulheres e os escravos, e no qual não havia que se falar em deliberação, e havia a
“esfera pública”, na qual não havia dominação, mas igualdade. Entre uma coisa e outra, nada.
Não havia o que Arendt vai chamar de “sociedade” ou de “o social”. Por uma série de razões
33
Unidade I

que não vem ao caso abordar – até pela imensidão do assunto –, posteriormente ao declínio
da polis ocorreu um fenômeno que adquirirá uma importância cada vez maior e que Arendt
assim descreve: “A esfera da vida e de suas necessidades práticas, que na Antiguidade como
na Idade Média fora considerada a esfera privada por excelência, ganhou uma nova dignidade
e adentrou a arena pública em forma de sociedade”.

Estamos aqui diante de um fenômeno que nos é inteiramente familiar: uma concepção
de política “na qual o Estado é visto como uma função da sociedade”, algo como “um mal
necessário em prol da liberdade social”, prevalecente no mundo moderno. É aqui onde se
introduz a crítica a Marx, que se alguma finalidade vê na política é justamente a de pôr-se
a serviço dessas necessidades, evidentemente para superá-las, e, com isso, decretando seu
próprio fim, por ter se tornado supérflua.

Marx, para Arendt, atribuíra ao trabalho uma importância suprema na vida humana [...].

Fonte: Oliveira (2012, p. 19-21).

Hannah Arendt e Zygmunt Bauman são fundamentais nesse assunto, pois ambos procuram
a vida nos conceitos, em seu conteúdo social. Vão além do exercício teórico, seus trabalhos são
exercícios políticos.

Nesse ponto do texto, enfatiza-se a face mais elementar, mais básica da política, aquela do nosso
dia a dia. Quando queremos ou precisamos seguir uma direção, trilhar um caminho, trata-se de ação
política, conforme acentua Arendt, citada por Lincoln de Abreu Penna em sua resenha sobre a autora:

[...] Hannah não pretendia escrever um trabalho acadêmico clássico, uma


ciência política convencional. Desejava ocupar-se de uma outra dimensão
da política, aquela na qual ela se revela por inteiro, isto é, a política que tem
a ver com as condições básicas da existência humana. É esta introdução que
se propôs a examinar.

Partindo da premissa segundo a qual o sentido da política é a liberdade,


Hannah Arendt sugere que comecemos a recuperar o seu sentido original,
pois a história do século XX é a história, se não de sua supressão, pelo menos
de sua obstrução. A frequência de guerras e revoluções nesse século “têm
em comum entre si o fato de serem símbolos da força“, tornando o convívio
com a liberdade mais uma utopia do que uma conquista real e construtiva
(PENNA, [s.d.]).

Arendt destaca temas como pluralidade, diálogo e negociação:

“A política”, diz ela, “baseia-se na pluralidade dos homens”. Em seguida,


acrescenta, “política trata da convivência entre diferentes”. Assim, se a
pluralidade implica coexistência de diferenças, a igualdade a ser alcançada
34
CIÊNCIA POLÍTICA

através desse exercício de interesses, quase sempre conflitantes, é a liberdade,


e não a justiça, pois é aquela, a liberdade, que distingue “o convívio dos
homens na polis de todas as outras formas de convívio humano que eram
bem conhecidas dos gregos” (PENNA, [s.d.]).

E o autor continua:

[...] na política, temos de diferenciar entre objetivo, meta e sentido.

[...] A esses três elementos de todo agir político – ao objetivo que persegue,
à meta que idealiza e pela qual se orienta e ao sentido que nele se revela
durante sua execução – agrega-se um quarto, aquele que na verdade jamais
é motivo imediato do agir, mas que o põe em andamento. Vou mencionar
esse quarto elemento de princípio do agir e com isso sigo Montesquieu, que,
em sua discussão sobre as formas do Estado, em Esprit des Lois, descobriu
esse elemento pela primeira vez. Se se quiser entender esse princípio em
termos psicológicos, pode-se então dizer que é a convicção básica que
um grupo de homens compartilha entre si, e essas convicções básicas
que desempenharam um papel no andamento do agir político nos foram
transmitidas em grande número, embora Montesquieu só conheça três delas
– a honra nas monarquias, a virtude nas repúblicas e o medo nas tiranias.

Ao sustentar que a política é algo vital para os indivíduos e para a sociedade,


Hannah é atual. O fato de os políticos, os profissionais, estarem padecendo
uma rejeição tão grande por parte do cidadão comum não quer dizer
que o exercício da política esteja comprometido. Ao contrário, a vocação
“autárquica”, como diz Hannah, ou simplesmente o destino comum da
humanidade fortalece a sua convicção de que o “objetivo da política é a
garantia da vida no sentido mais amplo”. E este sentido, o da libertação, será
tão satisfatório quanto mais o homem puder caminhar em busca de seus
objetivos sem amarras institucionais (PENNA, [s.d.]).

Se nos basearmos em José Arthur Giannotti (2014), vamos encontrar três classes de contradição:
uma, idealista, representada por Hegel; outra, materialista, defendida por Marx; a última, com Carl
Schmitt à frente.

Para Giannotti (2014, p. 4), “a política é muito mais que disputa pelo poder”. Afirma que “disputa é
entendida de diversas maneiras, mas, tanto à esquerda como à direita, principalmente como contradição”.

O autor mostra, porém, que a contradição (“no seu sentido estrito, a contradição, como junção de
uma proposição e sua negativa, bloqueia o pensamento”) pode ser uma via privilegiada de análise e
reflexão. Contradição que tanto pode travar o encadeamento do raciocínio quanto abri-lo, como faz
Hegel (GIANNOTTI, 2014, p. 4).

35
Unidade I

Hegel faz dela o núcleo de qualquer devir, mas para isso pensa o ser e o nada
se determinando mutuamente, vindo a ser a partir dessa tensão. Ao pensar
a luta de classes como uma contradição, Marx se ajusta a esse modelo.
Somente assim pode ver nos conflitos do capital e do trabalho um vetor que
os supere e conserve suas potencialidades, criando outra figura que abriria
uma nova época da história. No entanto, se a contradição é uma figura do
discurso, como ela pode penetrar todo o real? Somente se ambos, o discurso
e o real, tiverem a mesma estrutura (GIANNOTTI, 2014, p. 4-5).

Trata-se de uma equivalência ontológica entre realidade e linguagem. Isto é, ao serem ambas
revestidas do mesmo material e ordenadas pelo mesmo sentido, remetem uma à outra. Ao perscrutarmos
a realidade, estaríamos em condição de falar (e pensar sobre ela), enquanto o discurso nos levaria até a
realidade. É um procedimento próprio da condição de equivalência ou de ontologias homólogas. É por
isso que a linguagem pode trazer o real (tem essa aspiração e esse potencial) como raciocínio encadeado.

Saiba mais

Para obter mais conhecimentos sobre ontologia e ontologia homóloga,


leia as seguintes obras:

MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. São Paulo:


Martins Fontes, 2006.

___. A fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

___. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2005.

A contradição é fundamental para a comunicação didática. Assim, Giannotti aponta o modo como
Karl Marx abriu-se para o tema:

Marx nunca poderia aceitar esse “idealismo” [de Hegel]. Contudo, essa recusa
deixa uma sobra no seu pensamento político. A passagem do capitalismo
para o socialismo demanda a destruição do Estado, que no fundo é a
imagem das relações capitalistas posta a serviço delas, e a substituição da
política pela organização racional dos assuntos humanos. O resultado, como
sabemos, foi o terror revolucionário, cada vez mais terror quando se tornava
menos revolucionário (GIANNOTTI, 2014, p. 5).

Aprofundando o tema, destacamos o excerto a seguir:

Contrapondo-se fervorosamente ao marxismo, o jurista alemão Carl


Schmitt também pensou a política como uma contradição, aquela entre

36
CIÊNCIA POLÍTICA

amigos e inimigos, que articularia os homens antes mesmo que o Estado


se organizasse como instância do poder – contradição que se resolve
quando os amigos se aglutinam em um soberano, aquele capaz de decidir
os casos de exceção. Nada mais natural então que aderisse ao nazismo
(GIANNOTTI, 2014, p. 6).

E o autor continua:

Mas é o caminho mais rápido para sublinhar que, ao partir da contradição


para tentar entender a política, abre-se uma brecha que pode encaminhar a
decisão para o lado do terror. Compreende-se, assim, por que alguns autores,
procurando evitar esse caminho, mergulham ou na solução bem ajustada
do comportamento racional em vista dos fins dados ou nos equilíbrios do
contrato social. No entanto, mudamos de patamar se levarmos em conta
que os conceitos de contradição e de decisão ganham novo sentido depois
do tsunami que atingiu a filosofia no século XX. Aliás, a história da filosofia
não é a narração dessas grandes avalanches? De um lado, a fenomenologia
heideggeriana retoma o conceito de práxis, ao dar enorme ênfase às
questões relativas à decisão, entendidas muito mais como abertura para
o Ser do que atividade meramente humana. E a abertura para o Ser é
configurada pela linguagem. De outro lado, Wittgenstein, ensinando que o
sentido das palavras se articula nos seus usos, passa a estudar a contradição
no nível das linguagens cotidianas. Definida formalmente, ela vale tão só
para os sistemas formais, deixando na sombra seu funcionamento nos
vários níveis do contradizer. Nesse novo universo, a contradição assume um
significado, o que não acontecia na lógica formal enquanto ela manteve a
matriz aristotélica. E, provida de significado, ela nos encaminha para um
novo questionamento da política.

Esse último ponto é tratado no Apêndice, que se ocupa particularmente


de Wittgenstein. Seria melhor que fosse lido como introdução, mas,
considerando sua relativa dificuldade, talvez seja conveniente mordê-lo no
fim. A dificuldade é que esse texto está sempre presente.

[...]

Convém indicar àqueles poucos amigos que me têm lido no decorrer dos
anos o salto que este novo texto pretende dar. Até agora não tinha me
dado conta do alcance do potencial explicativo que ganha a contradição
quando assume um sentido. Em vez de se reduzir à conjunção de um signo
proposicional e sua negação, ela passa a articular um ato de negação que se
nega em um determinado jogo de linguagem. Consiste em uma “atividade”
de contradizer que, se não exprime algo, não deixa de exteriorizar o bloqueio
de duas atividades expressivas, as quais incitam uma decisão que, como tal,
37
Unidade I

abre novas formas de exprimir, propiciando um novo jogo de linguagem e


novos procedimentos de juízo.

Muitas vezes, inspirado em Carl Schmitt, já me referira à política como o


conflito entre amigos e inimigos, mas como um dado que me obrigava a
pensá-la até suas raízes, quando os agentes se defrontam dispostos a
arriscar a própria vida. Agora essa oposição vem a integrar a essência da
política, ou melhor, determina uma regra a ser obedecida pelos agentes para
que eles próprios se tornem políticos. Procuro agora descrever o jogo de
linguagem que articula a política, descrever a sua gramática. Procedo, pois,
a uma análise conceitual.

Ao ser vista como contradição significativa, a luta entre amigos e inimigos


passa a exteriorizar uma comunidade entre eles, uma “mesmidade”, que,
embora não seja algo pressuposto, não é um nada. Vem a ser graças
ao comportamento que os agentes exteriorizam quando, no limite,
se dispõem a morrer para manter suas formas de vida ameaçadas por
outros. Pensando esse modo, livro-me da tradição grega que considerava
a política na polis ou, na mesma linha, no contrato social, na imaginação,
no Espírito Absoluto, no ser genérico do homem, e assim por diante. Em
outras palavras, deixo de ser obrigado a supor que a política se realiza
em uma sociedade já pronta para poder pensá-la como o que apronta a
sociedade para novas decisões.

Além do mais, se a contradição é quebrada pela decisão, esta não nasce


tão só de um ato criador totalizante, mas da instalação de novos jogos de
linguagem que abrem o espaço para poder dizer o sim, o não, assim como
para recuperar certas bases indubitáveis que amigos e inimigos possam
aceitar. Por isso, a contradição política melhor se resolve na democracia,
quando os representantes de cada grupo performam suas representações
levando em consideração a atividade dos inimigos.

Visto que a comunidade política se constitui tendo no horizonte a contradição


em processo entre amigos e inimigos, ela perde qualquer base objetiva ou
subjetiva. Não se apoia em um povo que legisla por e para si mesmo, dotado
de um poder constituinte, ou que recolhe uma tradição projetando-a para o
futuro. Também não se constitui por sujeitos dotados de direitos, sejam eles
conferidos pelo Estado, seja pelo simples fato de todos serem humanos. Ainda
menos pelo direito de ter direitos. Embora minha investigação se associe
aos autores que tentam pensar a constituição do sujeito político além dos
limites do Estado moderno, não é por isso que procuro o terreno firme de
uma polis ou de uma subjetividade. Ao admitir que o próprio sujeito político
se constitua mediante suas diversas exteriorizações, não sou obrigado a
supor algo que o determine, a não ser o próprio modo de se exteriorizar
38
CIÊNCIA POLÍTICA

de encontro ao inimigo. Desse modo, não é a própria contradição in fieri


[em via de se tornar] que delimita o espaço em que os juízos e as decisões
políticas se articulam? Em um regime ditatorial, o inimigo, depois de ser
identificado, tende a ser eliminado. Em um regime democrático, o inimigo,
reconhecido no horizonte, passa a ser reiteradamente neutralizado, criando
assim um novo espaço para que se mantenha a oposição entre adversários
e aliados. Nessas condições, porém, tudo trabalha para que a contradição
se torne opaca, deixando lugar para que tão só opere a governança do
cotidiano. Sem a possibilidade de morte no horizonte, o futuro se oculta
(GIANNOTTI, 2014, p. 4-12).

Timothy Snyder apresenta vinte lições do século XX adaptadas às atuais circunstâncias,


prevenindo‑nos que:

Poderíamos ser tentados a pensar que nossa herança democrática nos protege
automaticamente dessas ameaças. É uma ideia equivocada. Nossa própria
tradição exige que se examine a história a fim de compreender as fontes
mais profundas da tirania e de refletir sobre as respostas apropriadas. Os
americanos não são mais sábios do que os europeus que viram a democracia
dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo [suas exacerbações...]
no século XX. Nossa única vantagem é poder aprender com a experiência
deles. E este é um bom momento para isso (SNYDER, 2017, p. 7).

2 CIÊNCIA DO PODER E DA POLÍTICA

Estas têm sido questões centrais na demarcação teórica de dois tipos


de abordagem que competiram e dominaram o desenvolvimento da
ciência política desde os primeiros decênios do século XX, quais sejam, o
institucionalismo e o comportamentalismo.

No âmbito desse embate, e após duas “revoluções” de paradigma, uma


nova abordagem veio a prevalecer na análise do fenômeno político
nos últimos quarenta anos – o neoinstitucionalismo. Na verdade, o
paradigma neoinstitucional, atualmente, é hegemônico na ciência
política (PERES, 2008).

Definir ciência política é entrar no plano do pensamento sobre a política que vimos na prática; é
preciso, então, trazê-la como ação, viva, e como história.

Como já estudamos, há na formação da ciência política uma dualidade e, por vezes, uma visão
dualista fundante:

• dualidade nas práticas individual-coletivas em busca de sobrevivência e melhorias;

39
Unidade I

• ciência que busca explicar a unidade complexa por meio de concepções, modelos e
instrumentos mecânicos simplórios, reproduzindo a realidade de modo a transfigurá-la, por
vezes até mesmo inconscientemente.

No primeiro caso, as buscas dependem de disposições concretas, perdendo potência no senso comum.
Se não perderem, podem alcançar um nível colaborativo. No segundo cenário, no plano teórico‑abstrato,
há elaborações institucionais, projetos para administrar as ações individuais. Apresentam certa dubiedade:
a institucionalização da vida social tem por retórica e panaceia o projeto político e a melhoria da vida
coletiva, e há imenso descrédito do aparato institucional (estatal), dificilmente público. Isto é, viver é
um fenômeno existencial precípuo e, em decorrência disso, organizamos de modo dissimétrico nossas
próprias ações, com a permissão da cisão social.

Conforme Matheus Passos (2017), ciência política é o estudo do fenômeno político, tanto no sentido
amplo quanto naquele mais estrito. Enquanto no primeiro plano trata-se da análise do fato propriamente
dito, no outro, o objeto de interesse volta-se para os aspectos institucionais, do Estado, de seu aparelho
e das relações estabelecidas em torno dele.

Amparado em Norberto Bobbio, Matheus Passos (2017) define esse nível dos fatos como tudo o que
é ligado à cidade, ao urbano, ao civil, ao público e que é pertinente às dinâmicas sociais. Diz que é a arte
do governo de uma maneira geral, assemelhando-se à política no plano da existência, do modo como
destacamos há pouco. Já no sentido estrito, a política remete aos termos de referência polis e Estado,
isto é, política institucional, profissional.

Ambos os planos baseiam-se em relações de poder, agentes atuando e afetando-se mutuamente,


seja no plano da vida social prática, seja nas relações com o Estado.

Já vimos que o saber sobre a política, tanto o clássico como o contemporâneo, é bastante politizado,
pois pensa com propósito, é político, representa setores da sociedade, é motivado por ideias.

A política é prática, mas devemos refletir sobre suas intenções e direções.

Se temos os clássicos, a exemplo de Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Maquiavel, Hobbes, Locke
e tantos outros, hoje temos a disciplina acadêmica e científica, debruçada sobre o fenômeno político,
com a específica denominação de ciência política. Em geral, dizemos que é uma área do conhecimento
que se institucionalizou nas universidades anglo-saxãs, particularmente estadunidenses, influenciando
países europeus desenvolvidos, e mais tarde também os “periféricos”.

Matheus Passos (2017) expande o sentido da política para o plano da existência. A diferença entre
filosofia política e ciência política, segundo ele, é que a filosofia trata do que deve ser, e a ciência, do que é.

Ciência implica previsibilidade, e os elementos típicos do pensamento e do fazer científico são:


descrição, explicação e previsão. No que diz respeito à questão do poder, temos o Estado agindo sobre
a sociedade e vice-versa. Poder é a capacidade de um agente definir o comportamento de outro. O
exercício do poder dá-se pela via ideológica (convencimento); via econômica; via coercitiva.
40
CIÊNCIA POLÍTICA

Acentuaremos dois exemplos dessa relação de poder. De início, imaginemos um sujeito A atuando
sobre o sujeito B. Para que a relação ocorra, é necessário o seguinte:

• O sujeito A deve ter meios para mudar B.

• O sujeito B deve alterar o comportamento em função de A (de acordo com as ações e intenções
dele). Se houver mudança de comportamento, mas não aquela preconizada pelo sujeito A, ele não
cumpriu a relação de poder.

• O sujeito A deve realizar seus objetivos.

Agora, temos a figura do pai e do filho. O pai (poder) pode dar palmadas em seu filho. Os meios, as
vias de exercício do poder, são sempre territoriais. O poder potencial é expresso pela ameaça, já o atual
é o que está sendo exercido.

Leonardo Avritzer (2016) diz que a ciência política no Brasil tem surgimento tardio (impulsionada no
período discricionário da ditadura militar) e a divide em três fases:

• Heroica (1960-1985): influência dos Estados Unidos da América, com os programas de fomento.

• Estagnação relativa das universidades públicas (1985): aposentadorias e concentrações no eixo


São Paulo-Rio.

• Profissionalização e expansão (2000): abertura de cursos e formação de doutores.

Um pouco mais sobre a diferença entre filosofia e ciência política

Mais do que em seu desenvolvimento histórico, o Estado é estudado em si mesmo,


em suas estruturas, funções, elementos constitutivos, mecanismos, órgãos etc., como
um sistema complexo, considerado em si mesmo e nas relações com os demais sistemas
contíguos. Convencionalmente, hoje, o imenso campo de investigação está dividido
entre duas disciplinas até didaticamente distintas: a filosofia política e a ciência política.
Como todas as distinções convencionais, também esta é lábil e discutível. Quando
Hobbes chamava de philosophia civilis o conjunto das análises sobre o homem em suas
relações sociais, nela também compreendia uma série de considerações que hoje seriam
incluídas na ciência política. Ao contrário disso, Hegel deu aos seus Princípios de Filosofia
do Direito (1821) o subtítulo de Staatwissenschaft im Grundrisse, “Fundamentos da
ciência do Estado”. Na filosofia política, são compreendidos três tipos de investigação:
a) da melhor forma de governo ou da ótima república; b) do fundamento do Estado,
ou do poder político, com a consequente justificação (ou injustificação) da obrigação
política; c) da essência da categoria do político ou da politicidade, com a prevalente
disputa sobre a distinção entre ética e política. Essas três versões da filosofia política são
exemplarmente representadas, no início da Idade Moderna, por três obras que deixaram
marcas indeléveis na história da reflexão sobre a política: Utopia (1516), de More, com o
41
Unidade I

desenho da república ideal; Leviatã (1651), de Hobbes, que pretende dar uma justificação
racional e, portanto, universal da existência do Estado e indicar as razões pelas quais
os seus comandos devem ser obedecidos; e O Príncipe (1513), de Maquiavel, na qual,
ao menos em uma de suas interpretações (a única, aliás, que dá origem a um “ismo”, o
maquiavelismo), seria mostrado em que consiste a propriedade específica da atividade
política e como se distingue ela enquanto tal da moral.

Por “ciência política” entende-se hoje uma investigação no campo da vida política
capaz de satisfazer a essas três condições: a) o princípio de verificação ou de falsificação
como critério da aceitabilidade dos seus resultados; b) o uso de técnicas da razão que
permitam dar uma explicação causal em sentido forte ou mesmo em sentido fraco do
fenômeno investigado; c) a abstenção ou abstinência de juízos de valor, a assim chamada
“valoratividade”. Considerando as três formas de filosofia política descritas, observe-se que
a cada uma delas falta ao menos uma das características da ciência. A filosofia política
como investigação da ótima república não tem caráter valorativo; como investigação do
fundamento último do poder, não deseja explicar o fenômeno do poder, mas justificá-lo,
operação que tem por finalidade qualificar um comportamento como lícito ou ilícito, o que
não se pode fazer sem a referência a valores; como investigação da essência da política,
escapa a toda verificação ou falsificação empírica, na medida em que isso que se chama
presunçosamente de essência da política resulta de uma definição nominal e, como tal, não
é verdadeira nem falsa.

Fonte: Bobbio (1994, p. 55-56).

2.1 A política e sua institucionalização: das formas elementares de poder aos


arranjos sociais de Estado

A vida social limita-se, quando não institucionalizada, a sistemas estreitos,


dificilmente maiores do que o grupo primário [no qual] a criança é formada.
Em tal escala, os benefícios do grupo são modestos, embora indispensáveis
para a aculturação. As pessoas geralmente querem tirar mais proveito da
comunidade; elas querem se beneficiar da exploração eficiente do meio
ambiente, o que é permitido pela maior especialização e pelo uso de
equipamentos e materiais mais poderosos. Para conseguir isso, elas devem
quebrar as cadeias do universo limitado de interações espontâneas. A
institucionalização das relações empurra os limites do universo acessível,
mas abre a porta para as formas sociais de poder: é o outro lado da moeda
(CLAVAL, 1979, p. 14).

Como vimos, a política pode ser tomada em dois planos, mas nos interessa, agora, considerá‑la
sob a ótica da unidade. Assim, as práticas individuais e sociais (as ações e os “fatos”) sofreriam
transformações com os impactos do campo jurídico-institucional, adaptando-se a estes ao mesmo
tempo que os fosse criando (claro que isso é mais verdadeiro para aqueles mais próximos do poder
decisório). Contudo, de qualquer forma, os planos não seriam dicotômicos, mas complementares e
42
CIÊNCIA POLÍTICA

mutuamente conversíveis. Seria preciso explicar como a vida comum se torna formal, institucional,
como ela se mundaniza ao pautar, ao determinar as ações individuais.

Na unidade da ação, estariam o indivíduo e as estruturas conceituais e teóricas formalizadas como


instituições (campo contratual, para os contratualistas). Tal unidade é a saída para que o pensamento
científico dê conta da diversidade humana.

Também é preciso procurar no tempo os princípios longínquos de organização, como diz Luiz
Fernando da Silva Pinto (2012, p. 49-50):

A pesquisa aqui empreendida (O Trigo, a Água e o Sangue) relaciona-se


diretamente à aventura do homem em tempos muito remotos, buscando
identificar as raízes estratégicas do Ocidente, como já afirmado. Trata-se de
uma investigação razoavelmente complexa quando comparada ao tempo
de Atenas, Esparta e o mundo de Alexandre da Macedônia, uma vez que
documentos e referências escritas já são bem mais presentes. Outro fato
complicador é que durante vários milênios vão operar conjuntamente as
comunidades, as polis, a Suméria, os povos mesopotâmicos, os hititas, o Egito,
os fenícios, os gregos ásperos, os gregos micênicos e Creta, providenciando
todos eles as suas respectivas soluções de equilíbrio estratégico, os ambientes
estratégicos. Trocando experiências, mas não necessariamente todos unidos.
Aliás, de fato, desunidos.

Uma questão muito especial, já ressaltada, é a profunda influência dos


arranjos comunitários, antecedendo a organização das polis e a presença
dos caçadores-coletores, que durante milênios tiveram que praticar
desenhos autossustentados para sua própria sobrevivência. Assim, a
presente investigação confere um cuidado extremo à comunidade e seus
múltiplos aspectos, infelizmente ainda pouco enfatizada nos estudos
relativos à Grande Antiguidade. A meu ver, existe uma resistência natural dos
pesquisadores a abordar o tema comunitário – pelo menos no mundo rural
– pelo fato de não terem tido a oportunidade de vivenciar (como pessoas)
quadros semelhantes aos ocorridos no passado, uma vez que na sua maioria
massacrante podem ser definidos como do gênero homo urbanus. Da rua
calçada para a universidade na cidade! Homens do asfalto! Ou então de
sofisticados campi, gramados e arborizados.

3 O FENÔMENO POLÍTICO: PODERES, CONTRATOS, REGRAS E NORMAS

“É possível fazer sobre esse mito do contrato social toda uma série de interpretações e de filosofias
políticas. Elas têm certos traços comuns. Elas despem as hierarquias religiosas tradicionais de sua
influência política: já não é mais em um além transcendente que a autoridade encontra suas raízes”
(CLAVAL, 1979, p. 130).

43
Unidade I

Em Espaço e Poder, Claval trata dos fundamentos ideológicos do mundo contemporâneo. Examina
ideologias sociais, iniciando pela Reforma e sua influência no contrato social. O traço comum entre elas
é um certo igualitarismo. O mito fundador é o do pacto “celebrado entre todos os membros do povo de
Deus” (CLAVAL, 1979, p. 129).

Hobbes é o teórico de um sistema político no qual o poder e a autoridade são ilimitados, vivendo
em meio a inúmeros conflitos e insegurança em todos os níveis; pleiteava, portanto, um ambiente com
direitos consolidados por um soberano forte. Todavia, “todos possuem a mesma aptidão de aceitar o que
se conforma aos termos do pacto, ou de rejeitar o que o contradiz” (CLAVAL, 1979, p. 130).

O Estado hegeliano corresponde a essa visão, racionalizando o poder institucional que prefigura as
bases do Estado moderno.

Segundo o autor, são concepções que “não têm a complexidade das pirâmides de regras e o
prestígio das sociedades de ordens: comportam apenas dois estágios, o da autoridade e o da massa
que lhe está submissa”. E reitera: “A versão hobbesiana do contrato social prolonga, portanto, no
mundo racional, a visão tradicional da hierarquia política e a liberta daquilo que vinha limitar o
exercício da vontade do príncipe: ela o libera do magistério moral que a Igreja e a religião exerciam
até então” (CLAVAL, 1979, p. 131).

Duas proposições diferentes, a de John Locke e a de Jean-Jacques Rousseau, são mais determinantes
no pensamento contemporâneo.

Locke, ao propor o liberalismo democrático e representativo, fundamenta-o sobre a educação, signo


da mudança, e o trabalho, que a viabiliza, juntamente com a propriedade, como estudaremos adiante.
Se para Hobbes a propriedade é danosa e fonte de insegurança entre os seres humanos, para Locke é
anterior ao contrato, mas portadora das possibilidades individuais de progresso social do indivíduo.

Ele coloca o poder em um circuito que parte dos cidadãos, remonta até o
soberano, para descer de novo até eles: o príncipe não está mais acima de
tudo, ele é a emanação do conjunto, pensa por ele, age por ele e leva em
conta seus problemas, suas dificuldades e as soluciona quando a iniciativa
individual não o pode fazer (CLAVAL, 1979, p. 133).

Rousseau modifica o mito do contrato social ao introduzir a ideia da perversidade engendrada pela
sociedade. Destaca a necessidade de assinar um novo contrato para um mundo melhor. Será o fruto de
uma ação coletiva ou de um movimento de entusiasmo? O início de uma era de inocência? A Revolução
Francesa inaugura uma série de revoluções que levam aos estados totalitários que Hegel justifica pela
ideia de um mundo em construção. A violência até encontra sua justificativa na grandeza do trabalho
a ser feito.

Marx apreende o poder do esquema hegeliano, mas para ele o que está no fim da história não é a
ideia, mas o homem. Ele percebeu que o proletariado é o instrumento da última fase da história: é o
único grupo consciente das transformações necessárias para o fim.
44
CIÊNCIA POLÍTICA

Do contrato, podemos, então, retomar a ideia de unidade, algo próximo da síntese anunciada por
Paulo Sérgio Peres (2008, p. 54):

[...] Vários autores vêm discutindo as diferenças e as semelhanças entre as


vertentes neoinstitucionais das referidas áreas de conhecimento, bem como
das escolas que coabitam o campo da análise política. Contudo, curiosamente,
há poucos trabalhos concentrados no próprio desenvolvimento histórico de
tal paradigma na ciência política. Sob tal perspectiva, meu objetivo neste
texto é fazer uma breve reconstrução histórica do desenvolvimento teórico e
metodológico do paradigma neoinstitucionalista da ciência política a partir
da concepção de “revolução de paradigmas” – enquadramento também já
utilizado, em alguma medida, por alguns. Como procurarei mostrar, no caso
específico da abordagem política, tal revolução envolveu dois processos
sucessivos, sendo um deles de oposição e o outro de síntese. No primeiro
caso, uma oposição radical à abordagem comportamentalista que floresceu
nos anos de 1920-1930 e se tornou hegemônica ao longo das décadas de
1940-1950-1960; no segundo caso, a articulação sintética de elementos
do próprio comportamentalismo, com elementos do que se convencionou
chamar de antigo institucionalismo.

Seja pela perspectiva da dimensão política do comportamento, seja pela da abordagem das
representações institucionais, há um deslocamento pendular da “análise econômica dos fenômenos
políticos sob a ótica dos paradoxos das decisões coletivas e a crise do behaviorismo a partir da segunda
metade da década de 1960” (PERES, 2008).

O autor também encontra a corrente neoinstitucional, que tem como característica teórica central
a síntese epistemológica e metodológica de parte do comportamentalismo com parte do “antigo”
institucionalismo. Suas preocupações são: neoinstitucionalismo; comportamentalismo; história da
ciência política e instituições políticas.

Os contemporâneos, tanto os de linhagem crítica como os liberais clássicos, retomam e fundam


seu raciocínio necessariamente nos contratos, no contrato social moderno, com seus desdobramentos
jurídicos e políticos.

Para Locke e Montesquieu, os poderes ou a divisão dos poderes representam a pedra de toque para
a discussão do modo como determinada nação se governará.

Se, então, a política (em seu sentido banal, e até mesmo formal) e aquilo que dela transparece
emergem como aparência e como motivações intrínsecas, envolvem a ética e a melhoria de status,
sempre há distorções e patologias, e é também verdadeiro que somente fazemos política porque
podemos! Autonomia e emancipação! Ambas são alicerçadas no poder. É preciso ser livre para ter poder,
só assim há república!

45
Unidade I

Liberdade leva-nos à ideia de república, de democracia, e seus agentes são os recebedores do destino
das ações.

A ideia de contrato é um recurso muito parcial, mas didático, para expressar o jogo de obrigações
e deveres dos agentes associados. A alternativa seria uma história minudente das construções
institucionais (societais) dos acordos baseados na moral, no medo da dominação, nos desafios
momentâneos dos grupos...

O contrato social ou o grande acordo de obrigações entre as partes, para Norberto Bobbio (1896,
p. 61), é “o princípio de legitimação das sociedades políticas” estabelecido sobre consenso. O autor
desenvolve essa ideia demonstrando de que modo os direitos dos contratos, do natural ao civil (público
e privado), desenrolam-se historicamente.

3.1 Classificações de grupos políticos

E o colecionador do museu, como o administrador colonial e o nosso


antropólogo vitoriano evolucionista, tem uma verdadeira mania
classificatória. De fato, ele concebe a ciência do homem como uma espécie
de arte de classificação, sua tarefa sendo a de obter exemplares típicos das
etapas pelas quais tem caminhado a humanidade, no seu avanço até o nosso
tempo e, sobretudo, a nossa sociedade. O problema não é colocar os objetos
lado a lado (como fazem os museus modernos hoje em dia), mas situá‑los
um atrás do outro, dentro de um eixo temporal, revelador do progresso
(LEACH, 1983, p. 8-9).

[...] Gostaria de reunir alguns dos temas do estudo como um todo. Afirmei
que, hoje em dia, os programas políticos radicais devem basear-se em uma
conjunção da política de vida e da política gerativa. As questões de política de
vida tornaram-se proeminentes graças à influência conjunta da globalização
e da destradicionalização – processos que possuem forte conotação ocidental,
mas que estão afetando as sociedades em todo o mundo. Os planos de ação
política precisam ser de caráter gerativo, na medida em que a reflexividade
passa a ser o elo entre os dois outros grupos de influência. A política de vida
está centrada no seguinte problema: como viveremos após o fim da natureza
e da tradição? Tal questão é “política” no sentido amplo, de que ela implica
um julgamento entre diferentes afirmações de modo de vida, mas também no
sentido mais restrito, de que ela se impõe profundamente em áreas ortodoxas
de atividade política (GIDDENS, 1996, p. 279).

Se Leach (1983) nos lembra dos perigos das classificações baseadas em modelos instrumentalizados,
como o evolucionista, Giddens nos remete ao jogo ideológico entre direita e esquerda.

Leach (1983) segue a linha crítica que explicita as intenções subjacentes na utilização dos
termos, nunca neutros, como primitivos ou subdesenvolvidos (por causa do parâmetro europeu),
46
CIÊNCIA POLÍTICA

estratos de renda (neutralizando a concentração), índices e indicadores (manipuláveis, quando


desacompanhados de metodologia), além das referidas esquerda e direita (o mais das vezes servindo
ao maniqueísmo eleitoreiro).

Exemplo desse uso expansionista é o trecho de Leach:

Vale, entretanto, continuar assinalando que, na sociedade na qual floresce


uma antropologia evolucionista, floresce igualmente a ânsia da conquista.
Ou, como já colocou Hannah Arendt falando do imperialismo, a ânsia da
expansão pela expansão. Assim, se Cecil Rhodes dizia que, se pudesse, iria
anexar os planetas, Tylor, Spencer e Frazer classificariam todos os costumes,
situando-os em uma escala evolutiva apropriada. À megalomania de Cecil
Rhodes, sonhando nostalgicamente com a anexação de tudo, corresponde –
sem exageros – a perspectiva legislativa de Tylor, quando acredita que todo
o universo deve estar determinado. Nas suas palavras: “se em algum lugar
há leis, estas devem existir em toda parte”. O Império Britânico, portanto,
reproduz-se em vários níveis. Seus políticos desejam sua expansão. Seus
antropólogos ampliam as fronteiras da ciência do homem, descobrindo
“leis” e, assim fazendo, realizam a anexação social da magia, do sacrifício,
da religião exótica e elementar, da couvade, do casamento por captura e
de toda a legião de costumes que o mundo ocidental desvenda e com que
entra em contato após sua expansão. O trajeto da ciência é, pois, homólogo
ao ciclo da sociedade, que, por sua vez, tem a mesma curvatura do indivíduo
que elabora as ideias, transformando-as em teorias (LEACH, 1983, p. 8-9).

Quanto à esquerda e à direita, continuamos com Norberto Bobbio, que atribui à classificação papel
fundamental na ciência política:

Não obstante ser a díade seguidamente contestada por muitas partes e com
vários argumentos – e de modo mais intenso, mas sempre com os mesmos
argumentos, nestes tempos recentes de confusão geral – as expressões
“direita” e “esquerda” continuam a ter pleno curso na linguagem política.
Todos os que as empregam não dão nenhuma impressão de usar palavras
irrefletidas, pois se entendem muito bem entre si.

Nestes últimos anos, entre analistas políticos e entre os próprios atores da


política, boa parte do discurso político tem girado em torno da pergunta:
“Para onde vai a esquerda?”. São cada vez mais frequentes, a ponto mesmo
de se tornarem repetitivos e enfadonhos, os debates sobre o tema “o futuro
da esquerda” ou “o renascimento da direita”. Ajustam-se seguidamente as
contas com a velha esquerda para buscar a fundação de uma esquerda nova
(mas se trata sempre de esquerda). Ao lado da velha direita, derrotada, surgiu
com desejo de revanche uma “nova direita”. Os sistemas democráticos com
partidos numerosos continuam a ser descritos como se estivessem dispostos
47
Unidade I

em um arco que vai da direita à esquerda, ou vice-versa. Não perderam nada


de sua força significante expressões como “direita parlamentar”, “esquerda
parlamentar”, “governo de direita”, “governo de esquerda’”. No interior
dos próprios partidos, as várias correntes que disputam o direito de dirigir
segundo os tempos e as ocasiões históricas costumam se chamar com os
velhos nomes de “direita” e “esquerda”. Quando nos referimos aos políticos,
não temos nenhuma hesitação em definir, por exemplo, Occhetto como de
esquerda e Berlusconi como de direita (BOBBIO, 1995a, p. 63-64).

Continuando sua avaliação, ele acentua:

Não obstante as repetidas contestações, a distinção entre direita e esquerda


continua a ser usada. Se assim for, o problema se desloca: agora, não se
trata mais de comprovar sua legitimidade, mas de examinar os critérios
propostos para a sua legitimação. Em outras palavras: desde que “direita”
e “esquerda” continuam a ser usadas para designar diferenças no pensar
e no agir políticos, qual a razão, ou quais as razões da distinção? Não se
deve esquecer que a contestação da distinção nasceu precisamente da
ideia de que os critérios até então adotados ou não seriam rigorosos ou
ter-se-iam tornado enganosos com o passar do tempo e a mudança das
situações. Felizmente, ao lado dos contestadores, sempre existiram, e nestes
últimos anos são mais numerosos do que nunca, também os defensores, que
propuseram soluções para a questão do critério ou dos critérios. E como as
respostas dadas são mais concordantes que discordantes, a distorção acaba
sendo, de certo modo, por elas ratificada (BOBBIO, 1995a, p. 73).

Dividir objetos e bens e classificar a realidade são ações, intelectuais e/ou políticas, baseadas no
poder; são sempre atos de poder.

Há inúmeras qualificações lançadas sobre o tecido social, não vamos nos estender nesse mérito.
Trata-se da própria escolha dos nomes, dos termos de referência. É o universo da comunicação, que
aproxima e afasta, dependendo de quanto as pessoas dominam as regras, os códigos.

Desse modo, as chancelas de direita e de esquerda para atitudes e bandeiras políticas, para Bobbio e
Anthony Giddens, são razoavelmente atuais e funcionam contemporaneamente e, embora necessitem
de revisões, apresentam dados de realidade. São etiquetas e atribuições mais fáceis de manejar, mesmo
com toda a volatilidade mencionada.

Tratando das classificações, Robert Dahl destaca as dificuldades desse processo:

A “explosão de informação” a que nos referimos se fez acompanhar de uma


inundação de tipologias – propostas de classificação dos sistemas políticos.
Na verdade, o termo “tipologia” ficou tão na moda entre os cientistas
políticos, na década de 1960, que afastou outros termos perfeitamente
48
CIÊNCIA POLÍTICA

úteis, porém mais tradicionais, como “classificação”. No Sétimo Congresso


Mundial da Associação Internacional de Ciência Política, em 1967, sessões
inteiras foram devotadas ao tópico: “Tipologias dos Sistemas Políticos”.

Naturalmente, os esquemas de classificação dos sistemas políticos são


tão antigos quanto o próprio estudo da política. Aristóteles, por exemplo,
produziu uma classificação baseada em dois critérios: o número relativo dos
governantes (um, poucos ou muitos) e o critério de governo (se o “interesse
comum” ou o “interesse próprio”) (DAHL, 1988, p. 70).

Robert Dahl acrescenta a proposta de Max Weber:

Há cerca de meio século, porém, Max Weber criou uma classificação que
tem tido ainda maior influência entre os cientistas sociais contemporâneos.
Weber limitou sua atenção aos sistemas em que o governo era aceito como
legítimo, e sugeriu que os líderes dos sistemas políticos poderiam defender
sua legitimidade e que os membros desses sistemas [poderiam] aceitá-la
com base em três critérios:

1) Tradição.

A legitimidade pode basear-se “na crença estabelecida na santidade de


tradições imemoriais”, e na necessidade de obedecer a líderes que exercem
sua autoridade de acordo com a tradição. Para Weber, este é o exemplo mais
universal e primitivo de autoridade.

2) Qualidades pessoais excepcionais.

A legitimidade se baseia na “devoção à santidade específica e excepcional,


ao heroísmo ou caráter exemplar de um indivíduo”, e à ordem moral ou
política que ele revelou ou instituiu.

3) Legalidade.

A legitimidade se baseia na crença de que o poder é exercido de modo legal;


as regras constitucionais, leis e poderes das autoridades são aceitos como
obrigatórios porque são legais. O que é feito legalmente é tido como legítimo.

A cada uma destas três bases de legitimidade corresponde uma forma “pura”
de autoridade: [a tradicional, a carismática e a legal].

As classificações de Weber e de Aristóteles foram quase postas de lado


pelas novas tipologias da análise política. Alguns estudiosos sugerem que os
sistemas políticos podem ser classificados como autocráticos, republicanos ou
49
Unidade I

totalitários; outros, como sistemas de mobilização, teocráticos, burocráticos


ou de reconciliação; outros, ainda, como oligarquias modernizadoras,
totalitárias, tradicionais e tradicionalistas, além de democracias tutelares e
políticas, ou então como sistemas anglo-norte-americanos, europeus, pré-
industriais ou parcialmente industriais e totalitários; como sistemas políticos
primitivos, impérios patrimoniais, impérios nômades ou de conquista,
cidades-Estado, sistemas feudais, impérios burocráticos centralizados
e sociedades modernas (democráticas, autocráticas, totalitárias e
“subdesenvolvidas”). Dois investigadores aplicaram a técnica estatística
da análise de fatores (factor analysis) e 68 características de 115 países,
derivando indutivamente uma tipologia de oito espécies de sistema político.
(Outro autor abandonou a linguagem tradicional, propondo que os sistemas
políticos fossem classificados em amalgamados, prismáticos e refratados
(fused, prismatic, refracted) (DAHL, 1988, p. 71).

Robert Dahl fala em “uma inundação de tipologias” e de um momento seguinte: “depois da


inundação”, com reconsiderações.

Diante de tantas tipologias, cabe a pergunta: Qual delas é a melhor?


Obviamente, não há uma melhor tipologia. Existem milhares de critérios
para classificar os sistemas políticos; os mais úteis serão os que elucidarem
melhor o aspecto da política em que estivermos mais interessados. Um
geógrafo classificaria os sistemas políticos de acordo com a área que
ocupam; um demógrafo, pelo critério da população; um jurista, segundo seu
código legal. Um filósofo ou teólogo, interessado em identificar “o melhor”
sistema, usaria critérios éticos ou religiosos (DAHL, 1988, p. 71).

O autor continua expondo a arbitrariedade das classificações:

Um cientista social, querendo determinar como a revolução está associada


às condições econômicas, poderia classificar os sistemas políticos pela renda
relativa e a frequência dos movimentos revolucionários. Assim, como não há
uma “melhor maneira” de classificar as pessoas, não há um modo exclusivo
de distinguir e classificar os sistemas políticos que sejam melhores do que
os outros para qualquer propósito (DAHL, 1988, p. 71).

A antropologia política traz-nos um valioso arsenal para a empresa crítica:

O interesse da antropologia pela política existe desde os primórdios da


disciplina. No contexto da tradição evolucionista, que marcou a fase
inicial da antropologia, o foco recaía sobre as formas e sistemas de poder
em sociedades “primitivas”, cujas características deveriam ser comparadas
e classificadas em relação ao sistema político das sociedades modernas,
vistas como mais evoluídas. Em relação à suposta evolução das formas de
50
CIÊNCIA POLÍTICA

organização política, traçava-se uma linha que ia desde a “horda primitiva”


até o Estado moderno. Nessa época de hegemonia do evolucionismo, que
poderíamos situar entre as últimas décadas do século XIX e o início da
década de 1920, a grande maioria dos estudos antropológicos não tomava
a política como tema central de interesse, nem a antropologia política era
pensada ou formalizada como uma subárea de estudos (KUSCHNIR, 2007,
p. 9).

Outras classificações, mais polêmicas ainda, trazem termos como: estigmas, classes sociais e estratos.

4 ORIGENS E CONCEITOS DO ESTADO

“À base do critério histórico, a tipologia mais corrente e mais acreditada junto aos historiadores das
instituições é a que propõe a seguinte sequência: Estado feudal, Estado estamental, Estado absoluto,
Estado representativo” (BOBBIO, 1994, p. 114).

A antropologia política traz seu importante arcabouço para entendermos a diversidade das
organizações sociais, deslocando o foco da análise linear “viciada” e de racionalidade ultrapassada.

Ao dissociar o entendimento da política da presença de instituições


baseadas nos modelos da sociedade ocidental, a antropologia reafirmava a
importância da pesquisa etnográfica para um entendimento mais profundo
da vida social. A monografia de Evans-Pritchard sobre o sistema político Nuer
é um dos marcos dessa perspectiva de análise, por mostrar que o sistema de
parentesco era a chave da organização política daquela sociedade. A política
não se revelava pelo surgimento de uma instituição central, e sim pela
existência de um “relacionamento estrutural” de antagonismos persistentes
e equilibrados. Estes eram expressos no relacionamento com povos vizinhos
e entre diversos segmentos da sociedade Nuer e organizados em função
de situações sociais específicas. O entendimento da estrutura política Nuer
dependia da compreensão do princípio segmentário de organização dos
diversos grupos, da “lógica da situação” que os constituía e do permanente
conflito entre valores rivais dentro de um mesmo território (KUSCHNIR,
2007, p. 10).

Essas aproximações ao tema da institucionalização dos processos psicossociais encontram eco


em Paul Claval (1979, p. 95), quando este afirma o papel da “invenção da escrita” no “progresso das
instituições políticas”, discorrendo sobre o protagonismo dos detentores dos saberes letrados (escribas)
na organização da memória, do espaço e na reprodução social. Ele trata das redes de mudanças (ou
famílias de inovação) engendradas pelos copistas e pela imprensa, mencionando as formas tradicionais
de organização societal, chegando ao Estado.

Quanto às formas tradicionais, Claval afirma:

51
Unidade I

Não desapareceram, portanto, como as sociedades históricas: na Grécia


clássica, não se perdeu a lembrança das tribos entre as quais a humanidade
helênica se dividia inicialmente. Os grandes reformadores, como Clisteno,
empenham-se em remover os obstáculos que essas estruturas herdadas
opõem à evolução social (CLAVAL, 1979, p. 95).

Sobre o Estado, acentua o seguinte:

No escalão superior da vida social, as formas políticas são de dois tipos: o


Estado, ou o regime feudal. Trata-se de sistemas há muito complementares
e que se reclamam mutuamente, o que dá à história das civilizações
intermediárias um aspecto cíclico – na China, por exemplo, ou nas civilizações
islâmicas medievais, como mostram as reflexões de Ibn Khaldoun em seus
Prolegômenos. A sorte do Estado depende de suas dimensões: quando a
autoridade que permite o exercício do poder é de essência universalista,
nada limita de direito a construção política, mas os meios de administração
de que ela dispõe são insuficientes para assegurar sua perenidade. Se é
limitada a um território exíguo, o domínio do espaço e dos homens é mais
perfeito: cidade-Estado constitui a forma mais completa de construção
política do mundo tradicional (CLAVAL, 1979, p. 96).

O autor prossegue sua análise qualificando os princípios de organização:

A) Sujeições ecológicas e dados econômicos.

B) Transporte, moeda e troca.

C) Informação, comunicação e escrita.

D) Autoridade, ideologia e estruturas de comunicação (CLAVAL, 1979, p. 105).

Culmina sua digressão no Estado, assunto que estudaremos depois.

Agora vamos acentuar um trecho sobre a institucionalização das sociedades humanas

Trinta princípios sobre o surgimento e evolução do Estado

Estes princípios pretendem constituir uma teoria histórica do Estado e ser uma
alternativa à teoria contratualista. Esta foi uma teoria útil quando surgiu porque validou,
legitimou do ponto de vista ideológico, a transformação dos súditos em cidadãos, sendo,
portanto, ingrediente da teoria histórica, mas ela própria não tem base na realidade
histórica, nem tem condições de explicar a evolução política das sociedades modernas
ou capitalistas, ou seja, não dá conta do desenvolvimento político que vem efetivamente
ocorrendo desde a revolução capitalista.
52
CIÊNCIA POLÍTICA

Surge o Estado Antigo

1. Os homens são guiados por suas necessidades inatas ou por seus instintos de: (a)
sobrevivência, (b) convivência e (c) justiça.

2. Para tornarem os comportamentos previsíveis e, assim, poderem conviver, os homens


necessitam de regras de convivência ou normas sociais.

3. Nas sociedades primitivas, nas quais não existe a produção regular de um excedente
econômico (produção que excede o consumo necessário à sobrevivência), essas normas
são definidas de forma tradicional e consensual, independendo de um poder superior para
torná-las coercitivas (o Estado). (Nelas não há “estado de natureza” – uma guerra de todos
contra todos: existe apenas guerra permanente entre as tribos ou clãs).

4. No momento em que surge esse excedente, o esforço bem-sucedido de alguns


membros da sociedade para se apropriar desse excedente e transformá-lo em propriedade
privada ou comum de uma oligarquia torna necessária a criação de um poder soberano,
acima de todos os demais, [com um] Estado que defina as leis ou a ordem jurídica.

5. Surgem, então, as leis (as norma sociais dotadas de coercitividade) e o Estado Antigo:
o sistema legal e a organização que o garante.

6. O Estado Antigo ou original surge quando uma minoria se transforma em oligarquia


ao lograr impor unilateralmente sua lei (seu contrato) ao povo – ao restante da população
de uma determinada sociedade em formação. Não se pode, portanto, afirmar que o Estado
surgiu de um “contrato social”, pois um verdadeiro contrato implica liberdade de contratar
e justiça comutativa.

7. A lei imposta pelo Estado Antigo ou lei oligárquica não é uma “lei natural”; é
simplesmente a lei dotada de validade que a oligarquia logra impor com êxito à sociedade.

8. A lei oligárquica obriga apenas o povo, não a oligarquia, sendo, portanto,


necessariamente injusta (desigual) e arbitrária.

9. Através da lei, a oligarquia se apropria do excedente econômico, reduzindo os vencidos


na guerra à escravidão, impondo impostos e reduzindo os membros de sua sociedade (os
súditos da oligarquia) à servidão ou então à simples pobreza.

10. A sociedade passa, assim, a ser dividida entre os ricos (a oligarquia) e os pobres, ou
o povo.

11. A validade da lei oligárquica depende: (a) da segurança que garante aos súditos
(a qual atende minimamente a sua necessidade de sobrevivência); (b) do grau de
desequilíbrio de forças entre a oligarquia e o restante da sociedade – o povo; e (c)
53
Unidade I

da capacidade de persuasão dessa oligarquia de que sua lei atende minimamente ao


instinto de justiça dos homens.

12. A lei oligárquica terá tanto mais validade quanto maior for o poder da oligarquia em
relação ao povo, e, portanto, quanto mais for aceita sua lei.

13. O poder da oligarquia em relação ao povo será tanto maior e sua lei terá tanto mais
validade quanto maior for sua vantagem em relação a duas variáveis básicas: conhecimento
e comando de força militar.

14. Graças a sua vantagem de conhecimento, a oligarquia logra hegemonia


ideológico‑religiosa ou conhecimento, a oligarquia logra aceitação para sua lei.

15. Graças a sua força, essa lei oligárquica é dotada de coercitividade; não é mera norma
social, mas norma do Estado.

16. Cada oligarquia busca constituir um império – a unidade político-territorial


correspondente ao Estado Antigo na qual apenas o povo central (os súditos) está sujeito ao
conjunto das leis oligárquicas, enquanto as colônias estão sujeitas apenas às leis do império,
que asseguram a coleta dos impostos de forma que nelas sua cultura e suas próprias leis
continuam vigentes.

17. O “objetivo político” do Estado Antigo é apenas o da segurança.

[...].

Fonte: Bresser-Pereira (2010, p. 1-2).

Norberto Bobbio (1988) traz as noções de público e privado, que assumem funções vitais na
institucionalização das relações de poder, nas configurações políticas.

Robert Heilbroner (1988), na obra A Natureza e a Lógica do Capitalismo, ao analisar detalhadamente


o regime do capital (a composição e o movimento orgânico da acumulação capitalista), passa à
exposição dos papéis das esferas política e econômica na distribuição do poder e na constituição do
Estado nesse processo.

Esse caminho também é trilhado por Atilio A. Boron (1994). O autor fala em “estadolatria” para
evidenciar as posturas acríticas, naturalizantes, que tomam o Estado como inexorável, destacando
uma fatalidade.

54
CIÊNCIA POLÍTICA

Resumo

Nesta unidade, estudamos as nuances do poder e da política,


primeiramente, no nível da vida cotidiana, do mundo da vida, bem como os
rumos do poder no plano institucional (estatal).

Discutindo o fenômeno político, analisamos o poder, a política e a


ciência política. Nesse contexto, apresentamos as ideias sobre o poder e
como ele aparece – a questão de fundo é a desigualdade social.

Focalizamos a política no plano da existência. Passamos para o


pensamento científico sobre o poder e sobre a política.

Fizemos uma introdução às teorias do Estado, envolvendo


questionamentos interdisciplinares sobre os modos de o ser humano se
organizar, isto é, algo de teoria das organizações.

Também tratamos de poderes, contratos, regras e normas. Avaliamos as


classificações de grupos políticos e as origens e conceitos do Estado.

Exercícios

Questão 1. O contratualismo é reconhecido por tencionar explicar os caminhos que levam


as pessoas a formar governos e manter a ordem social. Com abertura de certos direitos para um
governo ou outra autoridade, o Contrato Social é uma corrente filosófica que emergiu nos séculos
XVI e XVIII.

As alternativas a seguir acentuam representantes contratualistas, EXCETO:

A) Immanuel Kant.

B) Thomas Hobbes.

C) John Locke.

D) Jean Jacques Rousseau.

E) Nicolau Maquiavel.

Resposta correta: alternativa E.

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Unidade I

Análise da questão

E) Alternativa correta.

Justificativa: Maquiavel antecede o contratualismo, por isso não adere aos termos Estado de Natureza
e Contrato Social, porém deixa claro sua opinião ao falar que a natureza humana é essencialmente má
e que os seres humanos querem obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo
o bem quando forçados a isso.

Questão 2. Leia o texto a seguir de Bonavides (1995):

“Os conceitos de Sociedade e Estado, na linguagem dos filósofos e estadistas, têm sido empregados
ora indistintamente, ora em contraste, aparecendo então a Sociedade como círculo mais amplo e o
Estado como círculo mais restrito. A Sociedade vem primeiro; o Estado, depois.

[...]

O Estado como ordem política da Sociedade é conhecido desde a Antiguidade aos nossos dias.
Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade”.

As alternativas a seguir destacam etapas que compõem a evolução histórica do Estado, EXCETO:

A) Estado feudal.

B) Estado estamental.

C) Estado terrorista.

D) Estado absolutista.

E) Estado representativo.

Resolução desta questão na plataforma.

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