Trabalho Final de Ética - Análise do filme “Eu, Daniel Blake”
O filme aborda a situação de um marceneiro profissional chamado Daniel
Blake. Após um ataque cardíaco intenso, seus médicos não quer liberá-lo para trabalhar, e por isso necessita da ajuda dos benefícios do estado. É nessa necessidade que nasce o primeiro dilema ético importante do filme, o excesso de burocracias e o papel das regras nesse ambiente de suposto cuidado ao trabalhador. Ao pedir ajuda no estabelecimento do Estado Inglês, Daniel Blake é desrespeitado, ignorado, desassistido e até expulso em uma cena. Seu primeiro contato é através de uma conversa presente na primeira cena do filme, onde uma “profissional de saúde” do call center começa a perguntar coisas que ele já havia respondido no formulário e conteúdos que nada tinham a ver com seu real problema, o ataque cardíaco e os benefícios governamentais. Presencialmente, o protagonista entre em contato quase que exclusivamente com profissionais que encaminham o problema para outros e até chegam a expulsá-lo por intervir na situação que Katie precisou ser ajudada pois estava sendo vítima da mesma violência, o que no filme é comprovado ser uma estratégia para fazê-lo desistir da ajuda estatal. Felizmente, algumas personagens do filme vão contra essa burocratização das relações e decidem oferecer um contato mais humano com Blake, com uma das funcionárias da previdência social e algumas pessoas na Lan House, oferecendo a ajuda que um único indivíduo pode oferecer, mas que provavelmente não resolveria o problema estrutural; apresentando um outro lado deste dilema ético: Se ater à regras e burocracias ou ajudar quem precisa ser ajudado? Daniel Blake se torna então uma figura de cuidado para Katie, a figura que ele não teve, para se sentir útil e ativo novamente, mesmo com sua condição médica. Também cuida do seu vizinho e é cuidado por ambos, que o ajudam a se recuperar, já que o Estado se recusa a entender que ele não pode mais trabalhar e deve se aposentar por invalidez, obrigando-o a procurar empregos e até a participar de cursos para construção de um CV, completamente ignorando sua liberdade individual. Outro dilema está presente na questão dos furtos da Katie. A personagem também vive dificuldades financeiras extremas, chegando a cozinhar o jantar para seus filhos e Daniel Blake, mentindo que já havia jantado, pois não havia comida para todo mundo. No Banco de Comida, um mercado social, Katie chega a abrir uma embalagem de comida da prateleira e começa a comer escondida pois estava com muita fome. Nesse local, o furto não foi resolvido de maneira violenta pela administração, que chegou a acolhê-la. Algumas cenas depois, Katie vai a um mercado privado para comprar algumas coisas, mas acaba sendo pega roubando algumas mercadorias de higiene básica. Então é chamada para a sala do gerente que não a pune, deixando-a ir embora com os produtos, chegando até a ser interrompida pelo segurança da loja para pedir desculpas e oferecer ajuda financeira. Nessas cenas podemos perceber a importância e a necessidade de suspender as regras e a lei em situações onde elas não cabem, preferindo um contato e uma resolução de conflitos mais humana e solidária. Por fim, Daniel Blake começa a praticar um cuidado excessivo com Katie, indicando estar apaixonado, no momento em que vai confrontá-la por causa de sua nova profissão, a prostituição. Isso também me fez perguntar os limites entre cuidado e invasão de privacidade, assim como os limites de um contato saudável. A última cena do filme é bem impactante, mostrando o funeral de Daniel Blake, que morreu logo antes do julgamento do seu processo contra a previdência social e com a leitura de seu discurso por Katie percebemos como o protagonista foi mais uma vítima das violências do Estado, que ao priorizar a lei acima dos humanos, desumaniza o cotidiano, afetando a saúde de quem precisaria proteger, seus cidadãos. Como psicólogo, e seguindo um dos pilares éticos de não causar nenhum dano, ou seja, não piorar a situação do paciente, iria acolher Daniel Blake de maneiras que estimulariam sua liberdade e protagonização da sua vida, já que seus problemas são quase paralisantes na medida em que não dependem da ação dele para serem resolvidos. Seria necessário que o psicólogo apresentasse uma visão crítica do que foi vivido por Blake, afim de instrumentalizá-lo para os próximos confrontos na Previdência Social, gerando autonomia e maior liberdade para o sujeito. É necessário também buscar, na rede de cuidado público, instituições que poderiam ajudá-lo nas barreiras burocráticas e legais do seu processo trabalhista, já que Daniel Blake não tem acesso à internet e tem dificuldades em encontrar essas informações. Como disse uma das funcionárias acolhedoras da previdência social, é uma escolha importante e difícil sair da previdência social sem ter nenhum outro tipo de renda, algo que poderia arriscar o futuro e a vida do paciente. Mas seria de extrema importância o psicólogo apoiá-lo nesse ataque ao sistema, um contracontrole necessário para estabelecê-lo como sujeito ativo que pode mudar o mundo, e que não apenas sofre as consequências de decisões alheias, como estava acontecendo na sua relação com o governo.