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544 DIRETRIZES ONCOLÓGICAS

Os tumores neuroendócrinos de estômago podem ser divididos em três tipos10,11


(Tabela 33.1).

Tabela 33.1. Classificação de NNEs (neoplasias neuroendócrinas) gástricas


Tipo I Tipo II Tipo III
Proporção entre as neoplasias 70-80% 5-6% 14-25%
neuroendócrinas gástricas
Características do tumor Pequenos < 1-2 cm, Pequenos < 1-2 cm, Únicos, geralmente grandes
múltiplos em 65% dos casos, múltiplos e polipoides > 2 cm, polipoides
polipoides em 78% dos casos e ulcerados
Condições associadas Gastrite atrófica do corpo Gastrinoma/MEN1 Nenhuma
Patologia TNE bem diferenciado TNE bem diferenciado TNE bem diferenciado ou
(G1, G2) (G1, G2) CNE (G1, G2, G3)
Nível sérico de gastrina elevado elevado normal
pH gástrico alto baixo normal
Risco de metástases 2-5% 10-30% 50-100%
Mortalidade relacionada ao 0 < 10% 25-30%
tumor

TNE GÁSTRICO TIPO I


São relacionados à hipergastrinemia secundária a gastrite atrófica crônica au-
toimune. Nesse cenário, ocorre lesão inflamatória das células parietais da mucosa oxín-
tica, com atrofia da mucosa de corpo e fundo e consequente diminuição da produção
de ácido. De modo reativo, as células G do antro aumentam a produção de gastrina. A
hipergastrinemia tem efeito trófico tanto nas células ECL (enterochromaffin-like) como nas
células epiteliais, induzindo hiperplasia e aumentando a probabilidade de transforma-
ção neoplásica.
Aspecto endoscópico: Habitualmente, esses pólipos são múltiplos, pequenos, me-
nores que 1-2 cm e o aspecto geral da câmara gástrica é de diminuição ou perda do
pregueamento habitual.
Anatomia patológica: As biópsias de corpo e fundo na gastrite autoimune de-
monstram mucosa de glândulas fúndicas com infiltrado inflamatório distribuído preferen-
cialmente na porção glandular, associado à lesão epitelial e atrofia glandular. Podem ser
notados agregados de células ECL. Os tumores neuroendócrinos apresentam aspecto his-
tológico bem diferenciado, composto por células homogêneas contendo núcleo redondo
pequeno, possuem baixo índice mitótico, Ki-67 < 1%, são restritos à mucosa/submucosa
e raramente produzem metástase. O diagnóstico, portanto, inclui a associação de TNE de
baixo grau e gastrite atrófica autoimune. Por esse motivo, é essencial obter espécimes do
corpo e fundo para análise histológica por patologista experiente.
Laboratório: A gastrina sérica em jejum está elevada e há presença de anticorpos
anticélulas parietais e/ou antifator intrínseco. Hemograma, perfil de ferro e vitamina
B12 (pela associação de anemia megaloblástica), função tireoidiana e glicemia (pelo risco
de associação com outras doenças autoimunes, como hipotireoidismo e DM1) também
devem ser averiguados.11
Capítulo 33 • TUMORES NEUROENDÓCRINOS 545

Deve-se ter o cuidado de suspender os inibidores de bomba de prótons por, pelo


menos, uma semana para evitar um nível de gastrina em jejum falsamente elevado12.
Não é recomendado, no entanto, solicitar nível sérico de cromogranina, já que pode ter
seu valor elevado pela gastrite autoimune, sem indicar presença de pólipo ou doença
metastática13. Evita-se, assim, um grande número de exames desnecessários, além do
estresse aos pacientes.
Imagem: Não são necessários exames de imagem como ressonância nuclear mag-
nética, tomografia computadorizada ou 68Ga-PET-TC, pelo baixo risco de metástase
associado a tumores de grau 114, mas pode ser indicado ultrassom endoscópico para o
estadiamento entre T1 (restrito à submucosa) e T2 (compromete a muscular própria) e
determinar a ressecabilidade por via endoscópica se lesões maiores que 1 cm. Tumores
gástricos tipo I maiores que 2 cm e com índice de proliferação maior que 2% podem se
relacionar a metástases, embora raros, e exames de imagem são justificados.15
Tratamento: Pode-se considerar observação e acompanhamento para os pólipos
menores que 1 cm, a cada 1 ou 2 anos, especialmente quando múltiplos. Ressecção en-
doscópica dos pólipos maiores que 1 cm, por técnicas de EMR (endoscopic mucosal resection)
ou ESD (endoscopic submucosal dissection)16 e acompanhamento com endoscopias seriadas
cerca de 1 a 2 anos após11. É condição rara, de exceção, a indicação cirúrgica neste
contexto, já que o risco de metástase é muito baixo, e deve ser discutida a indicação de
forma multidisciplinar.

TNE GÁSTRICO TIPO II


Pode ser esporádico ou associar-se a NEM-1 (neoplasia endócrina múltipla do tipo 1)
e síndrome de Zollinger-Ellison. Possuem um potencial de metastatização maior que os
TNEs tipo I. A NEM-1 é uma síndrome de múltiplos tumores por uma mutação no gene
supressor de tumor localizado no cromossomo 11, com a produção da proteína menina
truncada e, consequentemente, aumentando risco de neoplasias endócrinas, a saber: gas-
trinoma, habitualmente localizado em pâncreas ou duodeno, ou outros tumores de ilhotas
pancreáticas, hiperparatireoidismo e tumores de hipófise, geralmente prolactinomas. Em
pacientes portadores de NEM-1, o gastrinoma causa uma hipergastrinemia a qual, em
sinergia com a deficiência do gene supressor de tumor menina, leva à formação de pólipos
gástricos – tipo II – em até 13%. A síndrome de Zollinger-Ellison esporádica associa-se a
TNE gástrico tipo II em menos de 1% dos casos.
Os pacientes geralmente apresentam dores epigástricas e com frequência já estarão
usando inibidores de bombas de prótons (IBPs) e podem ter diarreia e esteatorreia asso-
ciadas à hipersecreção de ácido pelo estômago – a acidez causa inflamação do duodeno e
jejuno proximal, além de poder inibir a lipase.
Aspecto endoscópico: a mucosa apresenta espessamento de pregas e costuma ter
ulcerações pépticas, devido à intensa produção de ácido pelas células parietais, porém,
devido ao uso difundido de inibidores de bomba de prótons, esse aspecto frequentemente
é mascarado. Os pólipos podem ser ressecados ou biopsiados e é imprescindível a amos-
tragem de mucosa não neoplásica.
Anatomia patológica: os pólipos, ao microscópio, apresentam aspecto caracte-
rístico de TNE bem diferenciado. A mucosa de corpo e fundo apresenta hiperplasia de
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células parietais (glândulas oxínticas) e pode ser evidenciada, ainda, hiperplasia das célu-
las ECL (enterochromaffin-like).
Imagem: habitualmente, usa-se tomografia computadorizada com contraste trifá-
sico, RNM e/ou exame funcional Ga68 PET-TC. Ultrassom endoscópico tem alta sensi-
bilidade para localizar o gastrinoma (tumor primário) na parede duodenal ou mesmo no
pâncreas, outro sítio frequente.
Tratamento: consiste em alta dose de IBP para controle do sintoma e cirurgia
de ressecção do gastrinoma (duodenectomia ou nodulectomia) nos casos esporádicos.17
Não se recomenda cirurgia de Whipple. Nos casos de associados a NEM1, esses pacien-
tes geralmente apresentam múltiplos gastrinomas duodenais e com frequência metastá-
ticos para linfonodos, mas com excelente expectativa de vida quando tumores menores
que 2 cm. Por isso, geralmente não são operados pela morbidade cirúrgica e pouco
impacto é observado no curso da doença.18

TNE GÁSTRICO TIPO III


São esporádicos (não hereditários) e, geralmente, de comportamento agressivo. Não
estão relacionados a aumento de gastrina, que aparece normal (atentar para uso indiscri-
minado de IBP, que pode aumentar nível sérico de gastrina). Podem ser funcionantes, pro-
duzindo síndrome carcinoide atípica (espirros, taquicardias, arritmias, lacrimeja­mento,
por liberação de histamina) ou síndrome de Cushing, por secreção de ACTH.
Aspectos endoscópicos: são pólipos geralmente únicos e com tamanho entre
2-3 cm; podem ser ulcerados ou ter uma depressão central.
Anatomia patológica: possuem habitualmente alto índice de proliferação celular.
A biópsia da mucosa do estômago não neoplásico não demonstra gastrite autoimune nem
hiperplasia de ECL e glândulas oxínticas.
Imagem: O ultrassom endoscópico é importante para caracterizar a infiltração
da mucosa e acessar linfonodos regionais. Deve ser recomendada TC ou RNM, pois
têm risco maior que 50% para metástase ao diagnóstico. Pode-se aplicar o uso de
18
FDG-PET-TC nos tumores de alto grau.
Tratamento: Quando descartada doença metastática, a recomendação é cirurgia,
como num adenocarcinoma gástrico usual – está indicada gastrectomia, total ou parcial,
e linfadenectomia. Constitui situação de exceção a recomendação de tratamento endos-
cópico, e deve ser discutido o caso de forma multidisciplinar.
Não há estudos que suportem o uso de quimioterapia adjuvante, e a indicação tam-
bém deve ser avaliada em discussões multidisciplinares. No cenário metastático, estudos
retrospectivos embasam o uso de poliquimioterapia paliativa.19

Tumores neuroendócrinos de intestino delgado


Os TNEs do intestino delgado apresentam etiologia e prognóstico diferente depen-
dendo do sítio de origem e são deste modo tipicamente divididos em dois grupos, confor-
me a sua localização: tumores do duodeno/jejuno proximal e jejuno distal/íleo. Ambos os
grupos de tumores geralmente são bem diferenciados e são positivos para cromogranina

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