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Priscila Arantes 2* EDIGAO Editora Senac Sao Paulo — Sao Paulo - 2012 Transformagoes no campo da arte Sae-se, entretanto, que, depois da primeira metade do século, manifestou-se Pouco a POU- co uma corente de ideias que tentou introdu- zir uma relagao mais imediata entre a arte e seu plibico. Seu objetivo ere fazer 0 espectador par ticipar na propria elaboracao das obras de arte: Fazé-lo partiihar, assim, do tempo da criagao. Edmond Couchot, A tecnologia na arte: da fotografia a realidade virtual A morte da arte 0 trajeto seguido pela arte ~ de sua fase modema a contempora- nea - tem sido 0 de se conduzir a vida, negando gradativamente tudo aquilo que se relaciona de forma mais direta aos conceitos da estética tradicional: a moldura na pintura e o pedestal na escultura, a utilizagao do suporte de representagao, a exposigao em espagos corvencionais, como @rte ¢ midia: perspectvas da estética digital Et 32 museus ¢ galerias de arte, a dicotomia obra/publico. Nessa perspectiva, evidencia-se 0 emprego de materiais industriais e de uso cotidiano. Tijo- los, placas de aluminio e tubos de luz fluorescente sao fontes de experi- mentagdo estética na arte minimalista de Carl André e Donald Judd. A arte povera faz uso de materiais “desprovidos de valor”, como terra, areia ou detritos. E 0 espaco confinado da galeria é posto em debate quando Robert Smithson, Walter de Maria e Christo comecam a utilizar paisagens e ambientes naturais. Acrescente-se a esse repertorio o fato de que os meios de comunicacao e os suportes tecnologicos,' como video, compu- tador, fax, videotexto ¢ slow-scan ty, ou “televisao de varredura lenta”, comecam a fazer parte do cendtio artistico. Para alguns, esse itinerario seguido pela arte evidenciaria sua sentenga de morte. De fato, o tema da morte da arte surge na filosofia, mais precisa- mente na estética hegeliana,? migrando, posteriormente, para a pro- pria arte, quando as vanguardas artisticas do inicio do século XX comegam a romper com os valores estéticos herdados da tradicdo. Essa ruptura se produziu por meio de varios fatores que deram origem a uma série de movimentos artisticos no inicio do século XX e que forma- yam a base da arte contemporanea, na qual se insere a produgao artis- tica que lida com as midias digitais. Um dos fatores que contribuitam para essa transformacao foi a cri- se da representacdo, a ruptura com 0 ideal de representagiio da natureza (mimese) herdado da tradicao. Quando os pintores impressionistas, ao trocar o atelié pelo ar livre, comegam a apreender o objeto em sua Tomo de empréstimo a definigdo de técnica e tecnologia elaborada por Lucia Santaella em Cultura e artes do pés-humano: da cultura das midias & cibercultura (S40 Paulo: Paulus, 2003), p. 152: “Enquanto a técnica é um saber fazer [..] a tecnologia inclui a téenica, mas avanca além dela, Hé tecnologia onde quer que um dispositive, aparelho ou maquina for capaz de encamar, fora do corpo humano, um saber técnico, um conhecimento cientifico acerca: das habilidades técnicas cientificas”. Lucia Santaella, “A arte depois da arte", em José Wagner Garcia, Amazing Amazon: estética evolucionéria (S40 Paulo: Lemos, 2002), p. 9. 33 IB Transiomagoas no campo da arte Jeminosidade natural, a pintura naturalista, baseada na imitagao da natu- veza € no espaco racional renascentista, comeca a morter. A partir de pes- ‘guisas sobre variantes de cor e sobre a incidéncia da luz solar nos objetos maturais, Monet, Degas e Renoir, entre outros pintores impressionistas, abdicam da cor absoluta, abrindo as portas para a utilizacao da cor arbi- ‘varia, empregada de forma mais contundente pelos pintores fauvistas, amo Henri Matisse e André Derain. Ao tornar as cores arbitrarias, os artistas se libertam da fidelidade das cores dos objetos representados, 0 gue significa um primeiro passo tumo a crise da representacao. O Quadrado preto sobre fundo branco (1913), de Malevich, cau- sou espanto geral por ter levado ao extremo o despojamento que ma- nifestava a pintura ocidental em relagao ao ideal de representacao: nele, nao apenas a forma atinge total simplificagao, como também a cor de- separece. Em seu Branco sobre branco (1918), em que uma forma qua- drada branca quase desaparece sobre um fundo também branco, Malevich reduz de forma radical seu vocabulario, decretando o fim da pintura representativa. Les demoiselles d’Avignon (1906-1907), de Picasso, rompe com a representacdo naturalista, quiada pela perspectiva renascentista, de acordo com a qual o objeto era representado sob um unico ponto de vista. Apesar de empregar a perspectiva multipla, 0 cubismo analitico ainda trabalhava com a ideia de janela, de “vidro translicido” através do qual poderiamos contemplar o mundo representado. Sera na segun- da fase do cubismo, com o cubismo sintético (colagem), que podere- mos encontrar uma ruptura radical com a visdo de espago renascentista e, concomitantemente, com a visdo da arte como mimese, como repre- sentacao da natureza. Nessa fase, os cubistas comegam a introduzir na superficie da tela letras passadas em esténcil ou fragmentos de jornal. Com isso, 0 artista pretende criar novos efeitos plasticos e ultrapassar os limites da percepgao visual que estéo atrelados a uma visdo tradicio- One © midia: perspectives da estsica digtal Ml 344 nal da arte. Com o cubismo sintético trata-se de ultrapassar os limites das sensacées visuais que a pintura sugere, despertando no observador também as sensagoes tateis. Fragmentos de jornal, macos de cigarro, papéis de parede tira- dos da realidade e incorporados a superficie da tela sio indicadores da substituigio da representacdo da realidade por sua prépria apresenta- ¢&o. Abdicar do espaco ilusionista significa, nesse sentido, negar uma visto da arte que prega uma cépia servil da realidade. E por isso que Ferreira Gullar pode dizer que, quando a pintura abandona a represen- taco, a moldura perde seu sentido.? Nao se trata mais de erguer um espaco metaforico, ilusionista, no qual uma janela parece abrir-se re- cortando um “pedacinho do mundo”, e sim de incorporar a obra no espaco real e de emprestar a esse espago, pela aparigdo da obra, aten- do especial. A obra sai da tela para adentrar 0 espaco real, vivenciado plenamente pelo espectador. Quando Marcel Duchamp, no inicio do século XX, leva seus ready- ~mades para 0 universo da arte, é a mesma ideia que se amplia. Objetos feitos industrialmente, nao realizados pelo proprio artista, mas retira- dos do real, sto incorporados ao universo da arte. E importante lembrar que nos ready-mades duchampianos, assim como nos jogos coletivos (cadavre exquis}* desenvolvidos pelos artistas surrealistas, podemos ja encontrar, paralelamente a uma ruptura com os padrées tradicionais da obra de arte, um questionamento do papel do artista e da visdo do artista-génio no cenario mais geral da arte. A crise da representacdo e o questionamento do papel do artista colocados em debate no inicio do século XX trouxeram também um Ferreira Gullar, Etapas da arte anemones ae" cubismo & arte neoconereta (3* ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999). ‘Técnica utilizada pelos artistas surrealistas por meio da qual um grupo de pessoas cria, coletivamente, uma composigio textual ou imagética. Cada pessoa s6 pode ver o final do que © jogador anterior realizou. 35 I Transtormagées no campo ca arte rompimento com os suportes tradicionais de representagdo, como a pintura e a escultura. Embora ja no inicio do século XX, sobretudo com o dadaismo, 0 futurismo, 0 construtivismo russo e 0 suprematismo, os artistas te- nham procurado a utilizagdo de outros meios para expressar suas ideias, foi na década de 1960 que a expansio dos meios artisticos ocorreu de forma generalizada. Varios fatores contribuiram para essa mudan¢a. Com a industrializacdo em ascendéncia, os produtos gerados em serie sofreram crescente estetizagao e passaram a competir com os objetos artisticos. Houve também um progressivo desenvolvimento da tecnologia, provocando uma mudanga substancial em todos os aspec- tos da sociedade. A cultura de massa passou a ser uma realidade cada vez mais presente, afirmando-se na década de 1960 como um fendme- no impossivel de ignorar. A arte pop desarticulou as fronteiras entre a alta cultura e a cul- tura popular, levando para o campo da arte 0 jmaginario da cultura de massa e da sociedade de consumo. Claes Oldenburg, com suas escultu- yas, levou objetos do cotidiano, sobretudo aqueles ligados a alimenta- cdo - como hamburgueres, cachorros-quentes € sorvetes -, a producado artistica, enquanto Andy Warhol utilizou imagens da cultura de massa. Objetos e materiais da prépria realidade, como tijolos e lampadas de néon, também foram utilizados por Donald Judd e Dan Flavin, entre outros artistas minimalistas que reforcaram o tema da crise da arte, aproximando a arte da vida. Aestetizagao dos proprios meios de comunicagio, com o desen- volvimento da arte em video, por exemplo, faz parte dessa tendéncia de levar a vida a producio artistica. Nao € de estranhar, nesse sentido, que durante todo 0 século XX os tedricos da arte estivessem obstinados em reiterar o tema da morte da arte. ria © mia da esteica digital Hl 86 persper As artes participativas A partir dos anos 1960 é possivel encontrar, de forma mais expli- cita, trabalhos que procuram colocar em debate a visdo contemplativa do observador em relagdo ao objeto estético e ao espago ilusionista. Minimalismo, arte cinética, grupo Fluxus e instalagdes sao alguns dos nomes que poderiamos citar como referéncia a essa arte mais participativa, que, ao romper com o mutismo contemplativo preconi- zado pela arte tradicional, muitas vezes chama o publico a explorar a obra de arte com a utilizagdo de outros sentidos além do olhar. Esse € 0 caso de algumas das produgGes desenvolvidas pela arte minimalista. Quando Carl André dispés 137 tijolos refratarios em uma extensdo de 11,5 metros no ch4o de uma galeria, sua preocupacao era trabalhar com uma nova configuragdo espacial. A escultura, aqui, nao era apreendida pelo olhar, mas a partir de uma relagao participativa, na medida em que, para apreender a totalidade da obra, o publico era convidado a percorré-la com os pés. Quando o publico é chamado a tocar nos Bichos (anos 1960), de Lygia Clark, ou a vestir os Parangolés (1964), de Hélio Oiticica, é a mes- ma ideia que esta presente. O publico pode sentir a obra, vesti-la, toca- -la, sentir seu cheiro, seu gosto. Como afirma Ferreira Gullar: Enisso reside outro aspecto novo e importante desses nao abjetos de Lyaia Clark. E que, com eles, a relagao entre o espectador e a obra se modifica. O espectador — que jé entdo nao é apenas 0 espectador imével - é chamado a participar ativamente da obra, que nao se esgota, que ndo se entrega total- mente, no mero ato contemplativo: a obra precisa dele para serevelar em toda a sua extenso. Mas aquela estrutura mével possui uma ordem intema, exi- g@ncias, e por isso ndo bastard o simples movimento mec&nico da m&o para revelé-la. Ela exige do espectador uma particinagao integral, uma vontade de conhecimento e apreensao.® ° Ferreira Gular, Etapas da arte contemporanea: do cubismo a arte neoconcreta, cit., p. 256. 37 BB transicrmagées no campo da arte Nesse mesmo espirito, podemos citar algumas obras da arte cinética, como as de Jesus Soto e Julio Le Parc. Jesus Soto produziu a ideia de movimento a partir do desenvolvimento de estruturas vibratérias, como em Vibracdo (1965). O efeito de movimento se reali- zava quando 0 artista dispunha determinado objeto, como uma estru- tura de arame, sobre um fundo rugoso. 0 efeito cinético sé era possivel se 0 espectador se movimentasse diante da obra, fazendo-a vibrar. Vale a pena lembrar, ainda, os trabalhos do grupo Fluxus, que também procuraram romper com a relagdo contemplativa e passiva do publico em relacéo 4 obra de arte, como em Cut Piece (1964}, uma performance de Yoko Ono na qual o publico era convidado a cortar pedagos de suas roupas. A superacio dos limites do objeto e da obra de arte acabada, a preo- cupagdo com a participagao do publico, a utilizagao de novos suportes artisticos e a ruptura com o conceito de mimese sao alguns dos elementos norteadores da produgio artistica a partir dos anos 1950. O que acabou, por certo, para estes artistas era uma forma de fazer arte que postula uma tadicalizacao de oposigdes come arte/vida, pintura/escultura, publico/obra. A arte se mistura com a vida, e 0 publico ¢ chamado a “viver” a obra. No lugar do mutismo contemplativo ha uma praducdo que reclama a partici- pagdo do espectador. Ao mesmo tempo, a patticipagao ativa do espectador na produco da obra de arte sugere a ideia de processo, chamando a aten- do para a maneira como a obra se manifesta entre o publico. Confluéncias entre arte, ciéncia e tecnologia A partir do século XX, uma série de artistas comecou a trabalhar de forma mais sistematica na interface entre arte, ciéncia e tecnologia, Gite © micia Perspectivas da estética digit! # 38 com 0 objetivo de criar novas propostas estéticas que expressassem 0 espirito da sociedade industrial em desenvolvimento. Ja no inicio daquele século, os artistas futuristas, negando os valores do passado, fizeram uma apologia desenfreada dos avancos teenolagicos da sociedade industrial. No Manifesto futurista reveren- ciaram a velocidade e 0 movimento, postulando um novo culto 4 bele- Za, maquinico, no qual “um carro de cortida, sua carroceria ornamentada por grandes tubos que parecem serpentes com respiragdo explosiva {...] um automdvel estridente que parece correr como uma metralha é mais belo do que a Vitéria alada de Samotrdcia’.® A Garrafa no espaco (1912), de Umberto Boccioni, assim como 0 Dinamismo de um cao na coleira (1911), de Giacomo Balla, evidenciam a preocupagao dos artistas futu- ristas em desenvolver um objeto dinamico, que se manifestasse no flu- xo do espacotempo. Também dessa época so os Discos espirais (1923), de Marcel Duchamp: uma maquina motorizada formada por circulos desenhados em papel, colocados sobre uma placa rotativa. Quando a maquina gira- va, os desenhos pintados sobre sua placa circular pareciam formar cir- culos concéntricos, causando um efeito de espiral. No Manifesto realista (1920), Naum Gabo e Pevsner utilizam o termo cinético para referir-se as novas praticas artisticas que oferecem ao observador uma nova relacdo espacotemporal. Um dos exemplos mais interessantes foi a Construgdo cinética (1920), de Naum Gabo: uma vara metalica acionada por um motor elétrico. Nesse trabalho o artista rompe com a visdo tradicional da escultura (algo que se da no espago), para desenvolver a ideia de uma escultura que se manifesta no decorrer do tempo: renuncia a massa escultérica tradicional, propondo uma massa virtual que se forma a partir do movimento de uma haste metalica acionada por um motor elétrico, © Niko Stangos (org.), Conceitos da arte modema (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991), p. 71. 39 B transicrmacdes no campo da arte Jao Acessdrio de luz para um balé ou Modulador de luz e espaco (1923-1930), de Laszlo Moholy-Nagy, um dos pioneiros na utilizagao da juz edo movimento no campo da arte, era uma espécie de escultura maquinica que desenhava em tomo de seu eixo um amplo tecido de luz e sombra. £ importante lembrar, também, os trabalhos do artista experimen- tal suico Jean Tinguely. Oriundo da tradigdo dadaista, sua obra explorou e desafiou os limites da maquina e da tecnologia industrial. Homenagem a Nova York (1960), apresentada em 1960 no jardim do Museu de Arte Moderna de Nova York, era uma escultura cinética que se autodestruia no decorrer de sua atuacdo performatica. Jean Tinguely foi inovador nao somente na utilizacdo de dispositivos tecnolégicos no fazer artistico, mas também na importancia que dew 4 participacao do espectador na obra de arte. Em Cyclograveur (1960), 0 espectador era convidado a pedalar uma bicicleta para que um prego pudesse atingir um plano vertical; em Rotozazas (1967), o espectador jogava bola com uma maquina. Nicholas Shéffer também utilizou dispositivos tecnoldgicos so- fisticados para criar a sensagao de movimento, numa estética que se dava no tempo. Em Construcdo- Cibernética-Espaco-Dinamica (CYSP 1), de 1956, baseando-se na teoria cibernética de Norbert Wiener, utili- 20U dispositivos de controle para movimentar um arranjo escultural. Cabe ainda ressaltar a utilizacdo de tecnologias audiovisuais como fonte de expresso artistica, que, buscando romper com os paradigmas tradicionais da estética, abriu as portas para o desenvolvimento da videoarte no inicio dos anos 1960. ‘Um dos conceitos fundamentais que percorrem a estética do video, vale lembrar, ¢ a ideia de tempo: “[...] tempo inscrito na imagem, tem- po de transmissao da imagem e€ a duragao de tempo necessaria 4 sua apreensao sensoria”.’ T Christine Mello, Extremidades do video, tese de doutorado (Sao Paulo: PUC-SP, 2004), p. 140. @rie @ mica: perspectives da estética digital 40 Vale ressaltar que, apesar de o video trazer consigo 0 elemento tempo, podemos falar em “modalidades de temporalizagaio”, como des- taca Basbaum, referindo-se a outras praticas no campo da arte." A arte cinética, bem como o happening e a pratica da performance na arte tea- tral, que procuravam romper com as modalidades fixas e estaticas, tam- pém colocou em debate a ideia do fluxo temporal no campo da arte. Em Magnet TV (1965), com a ajuda de imas poderosos, Nam June Paik, um dos pioneiros no campo da videoarte, desviou o fluxo de elétrons no interior do tubo iconoscépio da televiséo. Na mesma épo- ca, Wolf Vostell, na videoinstalagao 6 TV-dé-coll/agen (1968), apre- sentou seis televisores que transmitiam imagens abstratas segundo um processo de desestruturacao (ou “dé-coll/agen”) do fluxo eletromag- nético, revelando a estratégia, empregada pelos primeiros artistas do video, de subversio e critica do meio televisivo como veiculo ideolégi- co e meio de comunicacio de massa. Afirma Arlindo Machado: Basicamente, os videoartistas dos anos 1960 visavam navegarna contracorrente das midias de massa (da televis4o princpaimente), promovendo um trabalho de corraséio dos aparelhos produtores de imagem técnica. Eles queriam, basica- mente, desintegrar a imagem especular consistente, produzida pelos dspositivos tecnoldgicos, ¢ intervir diretamente sobre 0 fluxo dos elétrons, criando configura ‘obese texturas desvinculadas de qualquer homologia com um modelo exterior? Slipcover (1966), de Les Levine, Video Corridor (1968), de Bruce Naumann," ¢ a instalagdo Wipe Cycle (1969), de Frank Gillette ¢ Ira Schneider, frutos das experimentagdes com imagens de feedback e time- -delay, foram algumas das primeiras instalacées no campo da videoarte. ® Ricardo Basbaum, “Formas do tempo", em Revista da Universidade de Séo Paulo, w* 1, Sio Paulo, USP-CCS, 1989. 2 Arlindo Machado, Maquina ¢ imaginério: 0 desafio das poéticas tecnolégicas (S80 Paulo: Edusp, 1993), p. 22 © Michael Rush, New Media in Late 20 Century Art (Nova York: Thames & Hudson, 1999). 41 EE trenstormagdes no campo da arte Esses trabalhos romperam com a “tradicional passividade” do publico em relacdo a imagem de tevé, integrando o espectador na obra e, dessa forma, colocando as experimentagdes em video nas prerrogativas mais gerais da arte contemporanea. Quando Nam June Paik comega a desenvolver projetos via satéli- te, €a mesma ideia que se amplia. Em Good Morning, Mr. Orwell (1984), o videoartista coreano produziu um trabalho via satélite com a colabo- racao de varios artistas de Nova York, Paris e Sao Francisco, tendo como base 0 romance de George Orwell, 1984. Contrariamente ao livro de Orwell, que enfatiza o aspecto negativo da midia como instrumento de manipulacéo da consciéncia, 0 objetivo de Paik foi mostrar o potencial cultural e participativo do video. No final dos anos 1960, Billy Kluver, Robert Rauchemberg e ou- tros artistas fundaram em Nova York o grupo Experimentos em Arte e Tecnologia (EAT), para atuar na interface da arte com a tecnologia. Um dos objetivos do grupo era possibilitar o desenvolvimento de propos- tas artisticas realizadas em coautoria entre artistas e engenheiros sob uma perspectiva interdisciplinar. Desde 0 inicio dos anos 1960, a interface entre a arte e a tecnologia jase torara uma das ténicas no campo da arte. No final dessa década, © curador e historiador Pontus Hultén inaugurou no Museu de Arte Moderna de Nova York uma das primeiras exposig6es de arte e tecnologia: The Machine as Seen at the End of the Mechanical Age, 0 que revelou, de certa forma, a entrada da area de arte e tecnologia para 0 mainstream artistico." Simultaneamente ao processo de aproximacdo entre arte e tecnologia, observa-se também, desde 0 inicio do século XX, um novo ™ Margot Lovejoy, Postmodem Currents: Art and Artists in the Age of Electronic Media (2° ed. Nova Jersey: Prentice Hall, 1997), p. 6. @re @ micia: perspectives da estética digital Ml 42 elo entre a arte e os diversos ramos das ciéncias. Importante ressaltar que a relacdo das artes com o mundo das ciéncias nao ¢ recente e muito menos fruto do século XX. Ja no Renascimento os artistas utilizavam uma série de preceitos cientificos - da geometria, anatomia, disseca- ¢40, Optica, teoria das cores, etc. - para desenvolver suas propostas estéticas. Foi a partir século XX, contudo, que essa interface ganhou maior amplitude e complexidade, como afirma Couchot: No decorrer da segunda metade do século XX, 0 leque de referéncias & ciéncia se alarga ainda mais. O campo tradicionalmente consagrado @ mate- matica e a Optica aumenta e se renova. A arte geométrica, os minimalistas, entre outros, mas nao somente, recorrem aos processos seriais e combinatérios; apart, os cinéticos, as leis da optica.* Em 2002, Stephen Wilson publica Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology.'* A publicagao revé 0 estado da arte e projetos desenvolvidos em varios paises do mundo, em um amplo mapeamento de trabalhos artisticos que incorporam conceitos da mate- matica, dos processos bioldgicos, das ciéncias fisicas e das ciéncias da computacao, entre outras. Fazendo uma retrospectiva histérica da rela~ c4o entre arte e pesquisa tecnocientifica, o autor assinala a importancia de ampliar 0 conceito de criacao artistica e da propria arte, ja que muitos dos experimentos contemporaneos lidam com materiais e suportes nao ortodoxos e com ferramentas ou ideias oriundas de “outyas” areas. Essas produgGes séo muitas vezes apresentadas em contextos e espagas nao tradicionais de exposic¢do, como laboratérios de pesquisa ou a internet. Langando um breve olhar para a historia da arte, podemos iden- tificar uma série de exemplos de como os artistas vém sendo influencia- ® Edmond Couchot, A tecnologia na arte: da fotografia 4 realidade virtual, trad. Sandra Rey (Porto Ategre: UFRGS, 2003}, p. 134. © Stephen Wilson, Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology (Cambridge MIT Press, 2002), p. 134. 43 BB Trenstormagies no campo da arte dos por diferentes ramos das ciéncias. Podemos lembrar, por exemplo, as influéncias que a matematica exerceu na arte concreta de Max Bill na primeira metade do século XX. Sua escultura Fita sem fim (1935) ilustra bem um problema matematico conhecido como “fita de Moebius”, ex- periéncia que revela a continuidade de uma superficie que anula 0 con- ceito euclidiano de espaco. Herbert W. Frank e Manfred Mohr, entre outros pioneiros na utilizagae da informatica na pratica artistica, ex- ploram o algoritmo para criar imagens. Podemos lembrar também a geometria fractal, uma das dreas da matematica que vem ganhando atencdo nos ultimos anos. Desenvolvida e sistematizada por Benoit Mandelbrot, ela coloca em xeque o sistema euclidiano de representagao, ao desenvolver um novo tipo de geometria, diferente da geometria classica. Muitos artistas lancaram mao da geome- tria fractal para realizar propostas estéticas, como o grupo brasileiro *.* (Asterisco Ponto Asterisco), que apresentou, em 1989, na XX Bienal In- ternacional de Sao Paulo, a instalagao Fractal Art ( figura 7). Contando coma participacao de Artemis Moroni, Paulo Cohn, Maria Rita Silveira de Paula, Antonio Rentes, Mitur Sakoda ¢ Wilson Sukorski, a instalagdo con- tinha imagens, videos e musicas geradas computacionalmente por meio de algoritmos fractais, esculturas de néon e sensores fotoelétricos. Utilizando sofisticada tecnologia, como radares e satélites que permitem a captagdo de informagio do espaco na Terra e vice-versa, os eventos em sky-arte, desenvalvidos fora e dentro do Brasil, também procuraram extrair as potencialidades estéticas que surgem do didlogo entre arte e ciéncia. Otto Pienne, um dos pioneiros na area de sky-arte, afirma que ela pode ser dividida em duas frentes: os trabalhos que so fruto das informacées capturadas do espago via satélite e aqueles que utilizam informacées capturadas da Terra.'* % Prank Popper, Art of the Electronie Age (Nova York: Harry N. Abrams, 1993). @ite «mri persoectivas da estétioa data Bl 44 Em geral, os trabalhos em sky-arte vao além da superficie da Ter- ta, situando-se na escala do espaco sideral. Invisiveis a olho nu, os saté- lites que navegam no espaco € os sensores e radares que habitam a Terra captam sinais micro e macro, impossiveis de ouvir ou ver pela percepgao humana normal. E nessa perspectiva, nessa “poética do invisivel”, que podemos situar a trilogia Sky and Life, Sky and Body e Sky and Mind, desenvolvida pelo artista brasileiro José Wagner Garcia nos anos 1980. Em Sky and Life, 0 objetivo foi captar sinais de vida de estrelas tipo G5, utilizando radares instalados na Terra. Os sinais eram convertidos em imagens fractais por meio de processos complexos de codificagao do si- nal captado e devolvidos ao espago como uma forma de resposta. Em Sky and Body, a ideia era captar imagens da Terra a partir do espago. Um balao estratosférico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), langado de Birigui, no estado de Sao Paulo, transportava um equipamen- to de slow-scan tv acoplado a uma camera de video que ia gravando e transmitindo as imagens da Terra em tempo real. Em Sky and Mind (figura 2), o artista desenhou no solo trigramas do 1 Ching que podiam ser vistos do espago e que foram fotografados a 800 quilémetros de altura pelo satélite Landsat 5-TM. Pesquisas na area da fisica e geologia e a utilizacgdo de materiais cientificos e de fendmenos naturais como agua e vento tém sido também elementos de poética nas maos dos artistas contemporaneos que se situ- am na fronteira entre arte, ciéncia e tecnologia. Nessa perspectiva, pode- mos destacar os trabalhos de Jurgen e Nora Clauss,'® que criam esculturas utilizando energia solar como recurso. Também nessa linha, podemos ci- tar o projeto Gira S.O.L. (Sistema de Observagao de Luz) ( figura 3), da equipe brasileira SCIArts, apresentado em 1999 no simposio Invencdes, do Instituto Itau Cultural. A ideia do projeto foi, a partir da utilizacdo de ma- © Stephan Wilson, Information Arts: Intersections of Art, Science and Technology, cit. 45 If Transiormagdes no campo da arte teriais intetigentes e de energia solar, desenvolver uma escultura que se movimentasse de acordo com 0 percurso solar. A SCIArts possui um nucleo fixo de pessoas, mas também desenvolve projetos com co-participantes (técnicos, cientistas, tedricos e artistas), conforme as caracteristicas de cada projeto. Na primeira fase do Gira S.0.L., participaram Enos Picazzio, George A. Oliva, Jorge Otubo e Rejane Cantoni, além dos integrantes da equipe — Milton Sogabe, Fernando Fogliano, Renato Hildebrand e Rosangella Leote. Ja 0 artista brasileiro Mario Ramiro, entre os anos de 1986 e 1991, iniciou, juntamente com suas criagdes em arte telematica, uma série de experién- cias que exploravam forcas fisicas. Ao lado de artistas de outros paises, como Takis, um dos primeiros a utilizar as forcas eletromagnéticas no campo da escultura, e David Durlach,'* Mario Ramiro realizou esculturas que ex- ploraram o campo magnético, como é 0 caso de Gravidade zero (1986). Nesse trabalho Ramiro liberou a escultura de sua base; para isso, criou um campo de forga eletromagnético, utilizado para controlar a acaio de gravi- dade sobre um pequeno objeto metalico suspenso, 0 que fez a escultura levitar. Ja Raquel Renno e Rafael Marchetti, em Non_Sensor (2004-2005), subvertem 0 uso do sistema motion capture para produzir distorgdes nes- se sistema como meio de construgao grafica pela interface criada. Guto Lacaz, artista brasileiro contemporaneo, criou para o Arte Cidade Il, em 1994, a obra Periscopio (#igliFa™!}, uma torre de 32 metros colocada no prédio da Light, no centro da cidade de Sdo Paulo. No interior da torre havia dois espelhos - de 3 metros por 2 metros, a 45 graus -, um no topo e outro na parte inferior. Pelos espelhos, um observador que estivesse na calcada poderia ver uma pessoa posicionada no quinto andar do prédio e vice-versa. Uma das caracteristicas da revolugdo da tecnologia da informa- ¢40, como bem assinala Manuel Castells, é a crescente convergéncia de " Ibidem. @re © mii perspectivas da estétioa digital Bt AB tecnologias especificas para um sistema integrado, no qual se torna impossivel distinguit em separado trajetorias anteriormente percebi- das como distintas. Diz 0 autor: Assim, 08 avangos decisivos em pesquisas biolégicas, como a identificagao dos genes humanos e segmentos de DNA humana, s6 conseguem seguir adiante por causa do grande poder da informética. Por outro lado, o uso de materiais biolégioos na microeletrénica, apesar de ainda muito distante de uma aplicagdo mais genérica, jé esiava em estagio experimental em 1995.7 Essa convergéncia serve ainda de material para experimentacgao de artistas contemporaneos que tém sua producao voltada para a interface entre biologia ¢ tecnologia. Robés que podem expandir capacidades de nosso corpo, criaturas artificiais que evoluem e se reproduzem e organis- mos artificiais que vivem simbioticamente com organismos naturais tém sido algumas das formas pelas quais os artistas contemporaneas, nessa convergéncia entre arte, ciéncia e tecnologia, tém colocado em debate esse hibridismo da cultura digital. Nesse cruzamento da arte com a bio- logia (denominado bioarte ou “arte transgénica”, entre outros nomes), destacam-se trabalhas com insetos, vegetais ¢ bactérias. Alguns artistas realizam trabalhos sobre vida artificial em silicio (in silicio), tendo como suporte o ambiente computacional. Karl Sims, por exemplo, em seu conhecido trabalho Galdpagos { figura S), exibido de 1997 a 2000 no Intercommunication Center de Téquio (ICC), utili- zou um software de programacao genética para fazer evoluir artificial- mente criaturas em computador. Na instalagéo, doze computadores simulavam o crescimento e o comportamento de uma populacgao de formas animadas abstratas. O visitante podia controlar a evolucaa dos organismos artificiais selecionando aqueles que The parecessem mais ” Manuel Castells, A sociedade em rede - a era da informagéo: economia, sociedade ¢ cultura, trad. Ronei Venancio Majer (Sto Paulo: Paz e Terra, 1999), p. 79. 47 BB Transiormagdes no campo da atte interessantes do ponto de vista estético. Como resultado, os organis- mos nao selecionados eram removidos, enquanto os organismos selecionados sobreviviam, acasalavam, passavam por mutagdes e se reproduziam.'* The Web of Life (figuifa’6 ), idealizado por Michael Gleich e de- senvolvido artisticamente por Jeffrey Shaw, em 2001, também explo- rou esse hibridismo entre arte, ciéncia e tecnologia. Nesse trabalho interativo, havia uma instalacdo permanente localizada no ZKM (sigla em alemdo para Centro de Arte ¢ Midia de Karlsruhe) e quatro instala- des moveis que circularam por diversas cidades do mundo. 0 interator era convidado a escanear as linhas de sua mao, que se transformavam em imagens virtuais integrantes do trabalho. Como o trabalho tinha seus terminais conectados, essas linhas se conectavam com linhas de outras maos, produzindo um grande work in progress coletivo e em fluxo constante. Poderiamos dizer que The Web of Life realizou uma espécie de metalinguagem de temas importantes da cultura digital. A linha da mao, como elemento que concede identidade ao sujeito, e sua fusdo, em tempo real, com outras linhas — e, portant, com outros sujei- tos -, funcionariam como uma espécie de grande metafora da ideia do sujeito coletivo, da intelig€ncia coletiva de que fala Pierre Lévy, tema recorrente nos debates sobre cibercultura. Mas acredito que 0 trabalho nao se encerra ai. Ja do titulo depreendemos a intencao do artista: The Web of Life, ou A teia da vida, é também o nome do livro de Fritjof Capra sobre a compreensao cientifica dos sistemas vivos.'® A proposta de Capra ¢ apresentar novas perspectivas sobre a natureza da vida, abrin- do caminho para uma auténtica interdisciplinaridade entre os fenéme- ® Maria Teresa Santoro & Rejane Cantoni, “Os herdeiros de Frankenstein”, disponivel em hitp:// www.uol.com.br/tropicofensaio 53_1617_1.shl. © Fritjof Capra, A tela da vida: uma nova compreensdo dos sistemas vivos, trad. Newton R. Bichemberg (S30 Paulo: Cultrix, 1996). @ite © mid parepectivas da estética digital Hi 48 nos psicoldgicos, bioldgicos, fisicos, sociais e culturais. Nesse sentido, 0 trabalho de Shaw ¢ uma grande metafora dos sistemas vivos. Nao se trata somente de fazer, aqui, uma metalinguagem da rede como siste- ma de comunicacao, mas de, a partir da potencializacao fluida e conectiva da rede, pensar nela como um grande ser vivo, como uma rede organi- ca que é computada em tempo real. Roy Ascott, um dos pioneiros da arte telematica, vé na conver- géncia entre informatica e biotecnologia uma nova era da trajetéria artistica: HA vérios anos, artistas que trabalham na extremidiade da net vémn explorando tecnologia da vida artiticia; mais recentemente, todo o campo da biotecnologia ‘comegau a ser incorporado a arte ~ neuraciéncia, genética, engenharia molecular, nanotecnologia. E um pequeno comego com relativamente pou- cos artistas envolvidos, mas que anuncia uma nova era e também uma trajetoria. artistica totamente nova, eo surgimento de uma cultura pés-biolégica.” De fato, 0 que podemos perceber é que a separacao entre arte, ciéncia e tecnologia esta hoje totalmente “sem limites”. O fisico Heisenberg, como mostra Giannetti, denomina essa tendéncia Entstaltung (0 oposto de Gestaltung}, isto é, deformacao, nao no “sen- tido de desfigurago, mas no de desconstrucao da forma”.”' Coincidentemente, a maioria desses trabalhos se realiza em pat- cerias nas quais artistas, engenheiros, bidlogos, fisicos e cientistas da computagdo se unem em uma proposta comum. Waldemar Cordeiro, por exemplo, jd nos anos 1960, beneficiou-se da parceria com 0 fisico Giorgio Moscati. José Wagner Garcia soube tirar proveito de suas par- cerias com engenheiros e pesquisadores do Instituto Nacional de Pes- » Roy Ascott, “Arte emergente: interativa, tecnodtica € amida”, em Elyeser Szturm, Anais do 1 Congreso Intemacional de Arte Tecnologia, Brasilia, UnB, 1999, p. 19. % Claudia Giannetti, Estética digital: sintopia de? arte, la ciencia y Ja tecnologia (Barcelona: Asociacién de Cultura Contemporénea LAngelot, 2002}, p. 19. 49 B Transiormacias no campo da arte quisas Espaciais (Inpe) para realizar seus trabalhos em sky-arte, Diana Domingues, mais recentemente, vem desenvolvendo seus trabalhos junto com o grupo Artecno. Todos esses trabalhos implicam a desmistificagdo de certos valo- res convencionais da obra de arte e do artista. A ideia de que a obra de arte € fruto de um génio criativo individual em profunda sintonia com © cosmos cai por terra. Ha cada vez menos pertinéncia em encarar os produtos ou processos estéticos contemporaneos como criagio indivi- dual, como manifestagdo do estilo de um génio singular, em vez de um trabalho em equipe. Processos de hibridagao Muitas das experimentagées na utilizagdo de dispositivos tecnoldgicos e cientificos no campo da arte vieram acompanhadas por um processo de hibridagdo entre meios, linguagens e suportes diver- sos. Hibrido, nesse contexto, significa “linguagens e meios que se mis- turam, compondo um todo mesclado e interconectado de sistemas de signos que se juntam para formar uma sintaxe integrada’.” Nesse sen- tido, apesar de varias produgées artisticas serem hibridas por sua pro- pria natureza, como 0 teatro e a opera, esses processos de hibridag’o se fizeram mais evidentes no decorrer do século XX, quando varios ar- tistas, procurando romper com os preceitos da estética tradicional, pre- conizaram a mistura, a interdisciplinaridade ¢ a sobreposicao de suportes ¢ linguagens antes separados. Ja em 1849 Richard Wagner, em seu ensaio “Outlines of the Artwork of the Future”, introduz o conceito de Gesamtkunstwerk, ou ” Lucia Santaella, Cultura ¢ artes do pés-humano: da cultura das midias 4 cibercultura, cit., p. 135, Gite @ rig perspectives da estéica cigital Ml 50 total artwork, cuja ideia basica era romper com a tradicional segrega- do entre as praticas artisticas impostas pelo pensamento renascentista.”” Com uma proposta hibrida, Wagner sugere integrar disciplinas tradi- cionalmente separadas em uma unica proposta artistica. Em “Theater, Circus, Variety”, Laszlé Moholy-Nagy trabalhou com aideia de um teatro da totalidade, no qual o espago, a luz, o movimen- to, 0 som e a composigao visual tinham a mesma importancia que a atuagao do ator no palco.” Em seu teatro da totalidade, a historia nar- rada desempenhava um papel téo importante quanto a verdadeira integragao e inter-relagdo entre todos os elementos da composic¢ao. Esse teatro devia ser visto como um grande organismo, no qual todas as partes contribuiam para o bom desenvolvimento do trabalho. Os artistas do grupo Fluxus, por sua vez, entendiam a obra de arte como intermidia, processo e fluxo, como rejeicéo a obra de arte como produto acabado. Para Richard Higgins, o conceito de intermidia dizia respeito nado somente a ruptura com as searas tradicionais da pin- tura e escultura, mas também as colagens nas quais se procurava mis- turar uma série de materiais em uma unica proposta estética. Ao mesmo tempo, 0 conceito de intermidia indicava também a ideia de “mistura” entre a obra de arte e o publico, em uma proposta estética que rompia com o ideal contemplativo preconizado pela estética tradicional. Se os processos de hibridagdo séo um elemento norteador da estética no século XX, seja pela mistura entre suportes e meios antes separados, seja pela participacdo do publico na obra, no 4mbito das midias digitais esse processo de hibridagéo toma-se mais complexo. Isso nao significa dizer que ja nado havia processos de hibridacao ante- ® Richard Wagner, “Outlines of the Artwork of the Future’, em Randall Packer & Ken Jordan {orgs.), Multimedia: from Wagner to Virtual Reality (Nova York: W. W. Norton & Company, 2001), p. 4. % Laszlé Moholy-Nagy, “Theather, Circus, Variety”, em Randall Packer & Ken Jordan (orgs.), Multimedia: from Wagner to Virtual Reality, cit. 51 Bi Tianstomagtes no campo da arte riormente, mas que, com as tecnologias digitais esse processo tomma-se 0 seu principio constitutivo, ja que a linguagem digital tem a possibili- dade de converter qualquer informacao (sonora, visual, impressa) em uma mesma linguagem.’> Para Edmond Couchot, as artes numéricas — tal como ele as no- meia — de certa forma dao continuidade aos processos de hibridacao ocoridos durante todo 0 século XX: Longe de se dispersar nas outras artes ou nas outras midias, © numérico as contamina, insidiosa, ras irreversivelmente. Sua forga de contaminagao se deve a simulagao e a seu poder de hibridagao. Ja que, decompondo a imagem, o texto, 0 Som, ou 0 gesto, em seus titimos elementos e os reduzindo a poucos simbolos que somente uma linquagem apropriada pode “compreender” e orde- nar, O numérico toma-se um meio de hibridago muito patente. Claro, o pixel, ou mais geralmente o bit, espécie de unidade genética que d acesso ao sentido, no 6 constituido como um gene. O temo permanece metaférico, mas ele designa um nivel de operagao sobre os dados quase genéticos; so os progra- mas, mais precisamente, que se aproximam dos genes. Certos programas s0 até mesmo inspirados por modelos genssticos. Mas essa hibridagao, se ela 6 bem o fruto do soff, isto é, da programacé, conservou todos os caracteres que ctermo toma emprestado de sua raiz grega (hybris) que designa excesso [...] 2° Tal hibridismo de midias (video, fotografia, etc.) e linguagens {sonora, visual, textual) ¢ acompanhado de uma mistura entre areas como a tecnologia e a ciéncia e de um rompimento com uma visio radical a respeito de oposigdes binarias como publico/obra, artificial/ natural. Nas produgdes que lidam com as midias digitais, conceitos percebidos dentro de uma cartografia espacial comum como dentro/ fora (como 0s trabalhos artisticos em realidade virtual, nos quais 0 usua- rio é convidado a utilizar um avatar que 0 representa no mundo virtual) * Lucia Santaella, Cultura ¢ artes do pés-humano: da cultura das midias 4 cibercultura, cit., p. 147, % Edmond Couchot, A tecnologia na arte: da fotografia realidade virtual, cit., p. 269. Gite e mda pectves da estética digita M 52 e perto/distante (como os trabalhos artisticos em telepresenga) assu- mem, no ciberespago, sentido questionavel. Roy Ascott afirma que as artes em midias digitais so essencial- mente hibridas nao somente porque o artista atua junto com enge- mheiros e cientistas, trazenda ao campo da arte propostas e questées provenientes do mundo das ciéncias, da manipulagdo genética, da vida artifical, da bioengenharia, etc., como também porque ele propde uma obra de arte que se desenvolve em tempo real a partir das intervencdes do interator.”” De fato, se fosse possivel resumir em uma s6 palavra a condicao da cultura digital, ndo poderiamos fugir da palavra hibridez. Sob 0 sig- no da interconexao, da inter-relacdo entre homens em escala planeta- ria, da obsessdo pela interatividade, da interconexao entre midias, informacées e imagens dos mais variados géneros, a cultura da atualidade vai se desenhando como um grande caleidoscépio. Experimentag6es artisticas pioneiras com os meios de comunicagao A interface das artes com as comunicacées ja ¢ antiga. Se quiser- mos ir bem longe, a estética da comunicagao tem inicio, como mostra Annateresa Fabris, em 1844, com a disputa de uma partida de xadrez por telégrafo.”* Mas é a partir do século XX que a estética da comunica- co se faz mais presente, quando artistas como Marinetti, Pino Masnata, Orson Welles e Laszlé Moholy-Nagy, entre outros, comecam a utilizar o ® Hans-Peter Schwarz, Media Art History: Are our Eyes Targets? (Karlsruhe/Munique: ZKM-Centet for Art and Media/Prestel, 1997), p. 17. ™ Anmateresa Fabris, “A estética da comunicac4o ¢ 0 sublime tecnolégico”, prefacio a Mario Costa, O sublime tecnolégico, trad. Dion Davi Macedo (Sa0 Paulo: Experimento, 1995), pp. 7-11. 53 IB Tansformagies no campo da ane telefone, 0 radio e outros meios de comunicac3o como meio expressi- vo. No “Manifesto radiofénico”, publicado na Gazzeta Del Popolo, em setembro de 1933, Marinetti e Pino Masnata propéem que o radio seja utilizado in Iiberta (livremente), a fim de expandir os recursos sonoros e expressivos das programacées radiofénicas usuais: ruidos, verbos em sua forma infinitiva e barulhos de maquina foram algumas das exigén- cias propostas no manifesto. No ja histérico programa radiofénico Guerra dos mundos, de 1938, Orson Welles simulou uma invasdo de marcia- nos no planeta Terra. Apesar de os anuncios, durante 0 programa, afir- marem que se tratava de uma pega de ficc4o, 0 panico tomou conta do publico ouvinte, o que revelou o poder do radio como veiculo de co- municacao. Em Quadros telefénicos (1924), Laszlé Moholy-Nagy utili- Zou 0 telefone como meio de expresso artistica: telefonou para uma empresa de confeccao de cartazes, solicitando a um funcionario que pintasse trés quadros, conforme suas especificagées — que foram dadas por telefone. Embora no tenha sido um evento telecomunicativo, no sentido estrito da palavra, esse ato explicitou a ideia de que o artista deveria estar fisicamente ausente do processo de criagao. Para 0 artista, a importancia estava muito menos no produto artistico produzido do que na ideia do produto, indicando 0 que seria, na década de 1960, 0 principio delineador da arte conceitual: Esta primeira experiéncia foi reconhecida pelo Museu de Arte Gonterporé- nea de Chicago como precursora da arte conceitual da década de 1960 na exposicdo de 14 de novembro a 14 de dezembro de 1969, intitulada Arte pelo Telefone. Tinta @ seis artistas foram requisitacios com um pedido para que dessem ou respondessem a um telefonema do museu instruindo ¢ explicando 208 funcionérios 0 que seriam suas respectivas conttibuigées para.a exposi- 0. O museu ficou entdo encarregado da produgaio e instalagéo das obras.”° ® Eduardo Kac, “Aspectos da estética das telecomunicagdes”, em Ménica Rector & Eduardo Neiva {orgs.), Comunicagio na era pés-modema (Petrépolis: Vozes, 1995), p. 189. Gre @ mide Perspactivas da estética digital M54 Merecem destaque, ainda, os trabalhos de arte postal (mail art). Embora nao tenha sido 0 primeiro movimento artistico a se preocupat com a comunicacio, foi um dos primeiros, na histéria da arte, a propor 0 trabalho em rede. Tilman Baumgartel vé a arte postal como a precur- sora nao tecnolégica dos trabalhos em arte telematica, por ter inaugu- rado o trabalho em rede muito antes do advento da intemet.?° Fundado nos anos 1960 pelo artista Ray Johnson, devemos também mencionar © grupo Fluxus como um dos primeiros movimentos a utilizar a arte postal. Uma das ideias que corriam entre os artistas da arte postal é que, utilizando 0 correio, a produco artistica poderia ser mais democratica e acessivel ao publico, saindo do circuito tradicional da galeria. Ao mesmo tempo, 0 trabalho realizado era menos importante que o pro- cesso comunicativo, transnacional, que se estabelecia entre os partici- pantes do evento. O emprego de tecnologias de telecomunicagéo como fonte de expressio artistica s6 teve pleno desenvolvimento nos anos 1970, quan- do varios artistas comecaram a utilizar suportes imateriais de comuni- cagao de forma mais sistematica, permitindo dar um passo além nas propostas da obra de arte como proceso. Com projetos de ordem glo- bal e a utilizag3o de satélites, slow-scan tv, redes de computadores pessoais, telefone e fax, entre outras formas de reproducao e distribui- cao de informaco, esse tipo de produgao nao privilegiou o objeto ou a imagem produzida. Seu enfoque estava muito mais no processo, no didlogo e na comunicagao bidirecional que se estabelecia entre os di- versos componentes do trabalho. A imagem, aqui, nao era criada para ser vista ou contemplada, mas para ativar um didlogo multidirecional ® Tilman Baumgartel, “Netart: on the History of Artistic Work with Telecomunications Media”, em Peter Weibel & Timothy Druckey {orgs.), Net Condition: Art and Global Media (Karlsruhe) Cambridge: ZKM-Center for Art and Media/MIT Press, 2002). 55 IB Teensformagdes no campo da arte entre artistas e participantes situados em lugares geograficamente dis- tantes. Superando uma visdo tradicional da midia de massa, cen- tralizadora da informacao, procurava-se disseminar 0 conceito de comunicacao bidirecional, na qual o usudria nao é mais um receptor passivo, mas Coparticipante de um processo de engendramento da in- formacao. Cabe ressaltar, como afirma Gilbertto Prado, que: [....amaior parte dos eventos em arte e telecomunicagées utilzancio compu- tadores e/ou outros meios anteriores ao advento da internet (1994) eram realizados a partir de redes efémeras, especialmente estruturadas para o evento. Eram propostas de artistas que se reuniam pontualmente para essas. patticipagées [...]. Uma vez 0 evento transcorrido, esse “grupo de patticipan- tes" ea “rede” estabelecida deixavam de existir(.... No caso particular da internet, uma vez que a acd termine, mesmo com a dissolugao do grupo, a estrutura de comunicagao se mantém.*" Nessa linha de produgao artistica, Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz apresentaram, em 1977, Satellite Arts Projects: a Space with no Geogra- phical Boundaries. Realizado em colaboragao com a agéncia espacial americana Nasa, esse evento teve como objetivo a produgao de uma ima- gem composta interativamente, via satélite: as distintas imagens de dan- carinos, localizados em espacos geograficamente distantes nos Estados Unidos, foram captadas via satélite, para posteriormente serem mixadas em uma mesma imagem, de forma que eles dancassem juntos. 0 slow-scan tv comeca a set usado como meio de experimenta- ¢40 artistica nos anos 1970. Na época, foi desenvolvido o projeto Hands across the Board (1978}, que ligava varias cidades (como Nova York, Memphis, Sao Francisco, Victoria, Toronto, Vancouver) em um evento ‘telecomunicativo. 3 Gilbertto Prado, “Experimentacdes artisticas em redes telematicas e web", em Lucia Ledo (org.), Interlab: labirintos do pensamento contemporéneo (Séo Paulo: luminuras, 2002}, p. 116. @rie @ midi persoectives da estética digital Ht 56 Organizado por Robert Adrian para a Bienal de Ars Electronica e desenvolvido pelo grupo Digital Arts Exchange (DAX), da Camegie-Mellon University, de Pittsburgh, Pensilvania, 0 projeto O mundo em 24 horas, de 1982, conectou durante 24 horas artistas em dezesseis cidades de trés continentes, trabalhando com fax, slow-scan tv e computadores. Nos anos 1980, Roy Ascott produziu La Plissure du Texte: a Planetary Fairy Tale (1983), um recital coletivo realizado por meio de telescriptores. Participantes de varias localidades do planeta elabora- ram um texto, privilegiando a criacao coletiva e em escala global, em homenagem a 0 prazer do texto, escrito por Roland Barthes. Stéphan Barron e Sylvia Hansmann criaram, em 1989, 0 projeto Lines, durante viagem realizada ao meridiano de Greenwich. A ideia do projeto foi enviar imagens, fotografias e desenhos, por fax, a diversos locais da Europa, inspirados nos lugares percorridos pela linha do meridiano. Em Paris, 0 grupo Art Réseaux, formado por Karen O'Rourke, Gilbertto Prado e Christophe Lé Francois, entre outros, realizou projetos como City Portraits (1989), que explorava as possibilidades de troca de imagens por telefone, construindo uma cidade imaginaria. A proposta desses eventos artisticos foi ultrapassar a atitude tra- dicional e contemplativa em relagdo ao objeto artistico. De certa forma, como mostra Giannetti, os trabalhos dos anos 1970 - que utilizaram os meios de telecomunicagao como recurso expressive — realizaram uma espécie de metacomunicacao.” Dentre as novidades desse tipo de produgdo em relagdo as pro- postas das artes participativas anteriores, destacam-se a ubiquidade (possibilidade de estar em todas as partes ao mesmo tempo) € a condi- cdo de imaterialidade desses projetos. ® Claudia Giannetti, Estética digital: sintopia del arte, la ciencia y la tecnologia, cit. 87 IB Tanstormagies no campo da arte A ideia de realizar uma obra que se desenvolve ao mesmo tempo em diversas lugares possibilitou, em relacdo as praticas participativas anteriores ~ como a instalagéo, por exemplo -, 0 modelo da teleparti- cipagao, ou participagao a distancia. O projeto de Kit Galloway e Sherrie Rabinowitz, por exemplo, ocorreu em trés espacos diferentes, ¢ a proposta da obra fluiu além dos limites espagotemporais, em uma malha de inter-relagdes de propostas pontuais: os dois bailarinos estavam localizados em espacos diversos dos Estados Unidos; mas 0 espaco de atuacao dos dois era virtual. Ao mesmo tempo, a possibilidade de realizar uma proposta ar- tistica de forma que rompesse com as distancias espagotemporais fa- yoreceu a comunicacdo intersubjetiva entre pessoas localizadas em pontos diversos do planeta, permitindo a criagdo coletiva e interpessoal, 0 trabalho em conjunto - 0 network - entre os artistas, a arte em rede. Amaorte € 0 declinio do objeto, contidos nas propostas mais gerais de ruptura com a estética tradicional, anunciaram © processo de desmaterializagao da obra de arte. Coma crise da representacdo, impul- sionada pelos movimentos de vanguarda do inicio do século XX, teve inicio um novo tipo de pratica artistica que nao levava em conta somente 0 aspecto objetual ou fisico da obra de arte. Tal concepgao se manifestou também com 0 advento das tecnologias de telecomunicacao e, poste- riormente, com os trabalhos artisticos em midias digitais, j4 que aqui a obra de arte se torna pura informacdo, percorrendo 0s fluxos de corrente elétrica que ligam um ponto a qualquer outro do planeta. Na exposicdo Imateriais, realizada em 1985 no Centro Georges Pompidou, Jean-Francois Lyotard investigava 0 processo de desmate- rializagdo da arte, inerente a uma sociedade pés-industrial na qual a informacao e os meios de comunicagéo comecam a ser fundamentais. Contando com trabalhos de David Rokeby e Roy Ascott, entre outros, 0 evento teve como propésito encenar uma antecipacdo do que poderia @rte © mica: perspectivas da estética digital I 5B ser 0 acervo de uma saciedade da pura informagio. “Ele nao teria mais nenhum ‘objeto’ para mostrar: toda a informacao disponivel estaria depositada sob a forma ‘imaterial’ em suportes opacos, tais como disquetes, fitas eletromagnéticas, hologramas, microfichas, etc.”, afir- ma Arlindo Machado.?? 0 termo imaterial reivindicava uma reavaliacao dos conceitos ar- tisticos tradicionais, expressando a ideia de que nao poderia mais ha- ver uma dicotomia entre as coisas que fazem parte do nosso mundo: o objeto, por exemplo, nao devia mais ser visto em contraponto ao sujei- to, nem o distante em relagdo ao longinquo. Nesse sentido, a arte é muito menos expresséio de determinado objeto do que resultado que se constréi na inter-relag3o entre os varios participantes de um evento em uma proposta comunicativa e em processo. Outro pensador que deve ser mencionado, principalmente no que diz respeito as novas possibilidades estéticas € tedricas trazidas pela utilizagdo artistica das comunicacées, ¢ Mario Costa, que estabeleceu, em 1983, ao lado do artista francés Fred Forest, as bases da estética da comunicagao. Nessa época, Costa redigiu um dos primeiros documen- tos sobre estética da comunicagdo, expondo os objetivos do grupo: “elaborar uma teoria estética e psicossociolégica ligada as novas teenologias da comunicagao € estabelecer um vinculo entre os artistas e os pesquisadores de todos os paises interessados no projeto”* Em sua tese, Costa reafirma a ideia de que a historia da arte € substancialmente a historia dos meios e das linguagens, e que os dis- positivos tecnolégicos produzem novas espécies de imagens, sons e formas que modificam a maneira de nos relacionarmos com as obras. Nesse sentido, para Costa, as novas tecnologias determinariam uma » ailindo Machado, Maquina ¢ imagindrio: 0 desafio das poéticas tecnolégicas, cit., p. 17. % Mario Costa apud Olga Kisseleva, Cyberart: um essai sur l'art du dialogue (Paris: UHarmattan, 1998), p. 95. 59 Ei tiensiomagdes no campo da arte reavaliagao dos conceitos estéticos fundados na ideia do belo e tevalidariam a ideia da estética do sublime: uma estética que romperia com as dicotomias entre sujeito/objeto, presente/ausente, distante/per- to, pois possibilitaria, pelos meios telecomunicacionais, a ruptura com as tradicionais dimensées espagotemporais. Ao mesmo tempo, as produgées artisticas baseadas na utilizagao dos sistemas telecomunicacionais permitiram aos artistas colocar em xe- que os espacos convencionais de exposigao de arte. De fato, com o aban- dono dos espagos das galerias e museus e a ocupagio de espagos publicos, Tuas e espacos naturais praticados pela /and art e pelo happening, entre outros movimentos dos anos 1960, os trabalhos de arte telematica”® evi- denciaram o rompimento com as distancias espacotemporais e assumi- tam sentidos mais amplos de ubiquidade, desmaterializaco, participacao, intercomunicacao intersubjetiva e processo. Pode-se dizer que os trabalhos de arte-comunicacdo baseados na transmissdo de textos, sons e imagens por meio de telefone, fax, slow- scan tv, satélite e televisio sao como uma espécie de antevisores e genitores da arte na internet, uma vez que potencializam o aspecto dialagico, em escala global, e em rede, entre pessoas localizadas em pontos diversos do planeta. * Segundo Frank Popper, foram Simon Nora e Alain Mine que inventaram, na década de 1980, 0 termo telemdtica para descrever as. tecnologias eletrOnicas derivadas da convergéncia dos computadores com os sistemas de telecomunicagdo que incorporam telefone, fax, telex, videotexto € slow-scan ty, entre outros. Ver Frank Popper, Art of the Electronic Age, cit. FIGURA 4 Instalagdo Fractal Art— grupo *.” (Asterisco Ponto Asterisco) Desenvolvida pelo grupo *.", a instalacdo Fractal Art fol apresentada na XX Bienal Internacional de S4o Paulo, no final da década de 1980. Contando com a participacao de Artemis Moroni, Paulo Cohn, Maria Rita Silveira de Paula, Antonio Rentes, Mitur Sakoda e Wilson Sukorski, a instalagao continha imagens, videos e miisicas geradas computacionalmenie por meio de algoritmos fractais. Ano de realizagao. 1989 8 3 2 i FIGURA 2 Sky and Mind (trabalho de sky-arte) ~ José Wagner Garcia Desenvolvido por José Wagner Garcia em fins da década de 1980, © trabalho de sky-arte Sky and ‘Mind tinha como objetivo captar imagens da superticie da Terra por sistemas de sensores que ‘operam em nfvel rematoe orbital Ano de seatizagao. 1986 Gira S.0.L. (Sistema de Observacao de Luz) — grupo SCIArts Gira S.0.L., desenvolvide pela jf Equipe Interdisciplinar SCIAVts, utilizou materiais inteligentes e anergia solar. A ideia do projeto foi desenvolver uma escultura fx que se movimentasse de acordo : com 0 percurso do sol. Partici- fama param na primeira fase do proje- to: Enos Picazzio, George A Oliva, Jorge Otudo ¢ Rejane Cantoni, além dos integrantes da equipe - Milton Sogabe, Fernando Fogliano, Renato Hildebrand e Rosangella Leot. ‘Ano de realizacagr. 1989 FIGURA 4 Periscépio— Guto Lacaz Periscopio, criado por Guto Lacaz para o Arte Cidade II, consistiu em uma torre de 32 metros colocada no prédio da Light, no centro da cidade de So Paulo. No interior da torre havia dois espelhos — de 3 Metros por 2 metros, a45 graus —, um no topo e outro na parte inferior. Pelos espelhos, um observador que estivesse na calgada poderia ver uma pessoa posicionada no quinio andar do prédio ¢ vice-versa. Ano de realizagao. 1994 Instalagao Galgpagos — Karl Sims Karl Sims, em Galéoagos, ulilizou um software de programaca0 g@- nética para evoluir artficialmente criaturas em computador. Ano de reaizagao: 1997 The Web of Life — Jeffrey Shaw e Michael Gleich The Web of Life, idealizado por Michael Gleich e desenvolvido artis- ticamente por Jeffrey Shaw, apresenta a convergéncia entre arte, ciéncia ¢ tecnologia. Trala-se de um trabalho interativo com uma instalag&o permanente localizada no ZKM (sigla em alemao para Centro de Arte e Midia de Karlsruhe) e quatro instalagties méveis que circularam por diferentes pontos do planeta de 2002 a 2004. Ano de sealizagao: 2001

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