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SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS

2007/2008

PARTE IV
O DIREITO CONSTITUCIONAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO
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CAPÍTULO 1
Conceitos básicos

Sumário

I - Ordenamento

II – Norma jurídica

III – Fontes de Direito

José Joaquim Gomes Canotilho 1


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2007/2008

I - Ordenamento

1. Muitas das arrumações sistemáticas desta Parte IV utilizam conceitos cujo


sentido deve ser esclarecido para facilitar a inteligibilidade de toda a exposição
subsequente. Fala-se, por exemplo, de “ordenamento”, de “ordem jurídica”, de
“sistema normativo”, de “fontes de direito”, de “normas jurídicas”.

2. O conceito de ordenamento transporta a ideia central de um conjunto de


elementos dispostos segundo uma certa ordem. Ao definir-se ordenamento tomando
em consideração: (1) conjunto de elementos (2) disposto segundo uma certa ordem,
estamos a aludir, simultaneamente, a um sentido que pressupõe um juízo sobre factos
– o ordenamento é uma composição formada por vários ordenamentos – e um
significado que pressupõe um juízo de valor – “ordenamento como conjunto de
elementos segundo uma certa ordem”. Os dicionários registam estes dois elementos:
“disposições de coisas segundo determinados princípios, de acordo com uma linha
racional” (Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das
Ciências de Lisboa).

3. Interessa-nos aqui o conceito de ordenamento jurídico, pretendendo-se


qualificar como tal um conjunto de elementos jurídicos, constitutivos de um sistema
de conjunto, igualmente jurídico. Em sentido próprio, é usual reconduzir ordenamento
a esta última ideia – o sistema ordenador global.

4. A elaboração e construção da perspectiva ordenamental é tributária da teoria


do ordenamento jurídico elaborada sobretudo por juspublicistas italianos do séc.
passado (Santi Romano, Massimo Giannini). Os ordenamentos pressupõem grupos
organizados (sujeitos), que se dotam de uma organização estável, e esta, por sua vez,
estrutura a emanação de normas para regular as relações entre os membros do grupo.
Neste contexto, a doutrina refere as componentes básicas de qualquer ordenamento:
pluri-subjectividade (pluralidade de sujeitos), organização e normação.

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5. Distinguem-se, frequentemente, entre ordenamentos jurídicos gerais em


virtude da pluralidade de interesses prosseguidos (ex. o ordenamento estatal) e
ordenamentos particulares que se limitam à prossecução de interesses específicos (ex.
ordenamento desportivo, ordenamento eclesiástico).

6. Dentro do ordenamento jurídico geral interessa-nos aqui, particularmente, o


ordenamento normativo porque vamos tratar da arrumação sistemática das normas
jurídicas dentro do ordenamento constitucional português.

II – Norma Jurídica

1. Uma imensidade de conceitos povoa o universo relacionado com as normas


jurídicas: “norma”, “normativo”, “normatividade”, “sistema de normas”, “hierarquia
de normas”. Também surdem muitos adjectivos ou qualificativos: “disposição
normativa”, “valor normativo”, “força normativa”, “efeito normativo”, “carácter
normativo”, “competências normativa”, “conteúdo normativo”, “edifícios normativo”.

2. Na linguagem dos juristas, a norma exprime em geral a ideia de regra e o


adjectivo normativo é entendido como sinónimo de obrigatório. Frequentemente, as
normas distribuem-se pelos “campos disciplinares”, “normas constitucionais”,
“normas pessoais”, “normas administrativas”, “normas civis”, “normas de processo”,
etc.

3. A norma está intimamente ligada ao problema das fontes de direito e à ideia de


normatividade. Num sentido aproximativo, regista-se uma concepção positivista e
formal do direito e da normatividade para exprimir o seguinte ponto de partida: (1) a
normatividade decorre da pertença da norma a um ordenamento; (2) o que pressupõe
que ela emana da autoridade competente e (3) foi feita segundo os procedimentos
exigidos neste ordenamento. Noutra concepção – a concepção deôntica – a
normatividade manifesta-se, desde logo, através do enunciado linguística revelador de
interdições, obrigações ou permissões.

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Na exposição subsequente interessam-nos os dois sentidos. Por um lado, a


exposição subsequente terá em conta a constitucionalização positiva do sistema
normativo. Por outro lado, muitas das exposições parcelares já feitas (ex. normas de
direitos fundamentais) pressupõem a concepção deôntica atrás referida.

4. No seu sentido mais alargado a norma é um instrumento ou um utensílio, um


objecto que serve de referência (o metro, o quilo, o esquadro, o fio de prumo) quer
para dirigir a nossa acção (construir como mero direito segundo o fio de prumo) quer
para permitir o controlo da observância da norma (ex. verificar com o fio de prumo se
uma parede está direita).

5. O étimo “norma” conduz os dois sentidos muito diferentes: o de normatividade


e o de normalidade. A norma é a formulação do “que deve ser” da regra em relação à
qual formulamos os nossos juízos (éticos, jurídicos). A norma é um modelo a seguir
(ex. os “mandamentos de Deus”, as normas de direitos fundamentais). Neste sentido
se fala de normatividade. Por outro lado, a norma pode insinuar “regularidade”,
“habitualidade”, “conforme a maioria dos casos” (“comportamento do homem
médio”, “comportamento desviante da norma”). Pode existir interferências porque
quer num sentido quer noutra a norma tende a servir de padrão ou de modelo de
referência. No entanto, quando aqui se fala da norma pretende-se acentuar a dimensão
de normatividade: como modelo concreto que serve para traçar ou medir ou como
modelo abstracto que serve para criar ou para julgar. Estas dimensões são
importantes: as normas da Constituição têm (1) um papel de direcção vinculando os
órgãos que a aplicam ou concretizam; (2) um papel de padrão de controlo que se
destina a propiciar a sua verificação (ex. esta ou em conformidade com a
Constituição). As normas que aqui vão estar em causa cumprem basicamente (mas
não só) estes dois papéis: são regras jurídicas vinculativas definidoras de
comportamentos acções e padrões de controlo.

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III – Fontes de Direito

1. É costume identificar normas jurídicas com fontes de direito. Deve evitar-se


esta identificação. O quadro da “fonte” é “simpático e refrescante” dizem os autores:
aponta para a origem e armazenamento do direito antes de ele ser corporizado em
normas jurídicas. Tal como água do banho não é fonte de água, também as normas
jurídicas não são a fonte do direito. Transportam (quando transportam) o direito.

2. Se as normas jurídicas incorporam na sua globalidade o direito, mas não são


fonte de direito, cabe perguntar quais são então as fontes de direito. Numa
aproximação tradicional ao problema é costume distinguir-se três tipos de “fontes”: as
fontes de revelação (“gerativas”, “postuladoras” de direito, as fontes de valoração do
direito e as fontes de conhecimento do direito. As fontes “gerativas” do direito são
múltiplas e heterogéneas. Abrangem dados naturais, dimensões espirituais, dimensões
históricas, que vão desde as relações de produção até às religiões, passando por ideias
éticas ou morais, pelos “ares do tempo”, pelas necessidades existenciais. As fontes
gerativas representam o húmus em que desenvolve o direito, mas não criam normas
jurídicas automaticamente aplicáveis. Estas decorrem das fontes de valoração que
pressupõem o exercício de normas de comportamento e de imposição autoritativa de
regras aferidas por “padrões”. “fundamentos” ou “princípios” como a justiça, a
igualdade, a liberdade, a segurança jurídica. É importante distinguir estes dois tipos de
fontes, pois muitas vezes as discussões dão centralidade ou dimensão de efectividade,
e de existência ou de facticidade presente na ideia de “fontes gerativas” (direito
efectivo) ou a dimensões principial ou de medida, presente nas fontes de valoração
(direito posto). Por fim, há que mencionar as fontes de conhecimento do direito, ou
seja, as fontes que permitem reconhecer algo como sendo direito, ou seja, todas as
directivas e medidas de actuação prescritivas de padrões de comportamento, fins e
medidas de actuação das entidades administrativas, e parâmetros de decisão jurídica
de conflitos. A forma externa destas fontes é hoje cada vez mais heterogénea: normas
escritas, direito consuetudinário, normas técnicas, etc. A regra é a de que os seus
pressupostos de criação e desenvolvimento estão definidos no direito positivo
estabelecido por autoridades competentes segundo procedimentos considerados
devidos ou adequados.

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