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Reitor
Carlos Antônio Levi da Conceição
Representantes Discentes
Leonardo Lennertz Marcotulio (Doutorando em Língua Portuguesa)
Juliana Esposito Marins (Doutoranda em Língua Portuguesa)
Secretária do Programa
Maria Urânia Pacheco Marinho
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
D536 Diadorim : Revista de Estudos Linguísticos e Literários. – N. 8, (2011) –. Rio
de Janeiro : UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011.
v.: vi.
Semestral
ISSN 1980-2552
1. Língua portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos.
2. Literatura brasileira – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 3. Literatura
portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 4. Literatura africana
(Português) – Discursos, ensaios e conferências. I. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas.
CDU 811.134.3+821.134.3(051)
Financiamento
Número 8 - 2011
Conselho Editorial
Alcir Pécora (Unicamp), Alfredo Bosi (USP), Parreira Duarte (PUC-MG), Lucia Helena
Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa), (UFF), Maria Antónia Coelho da Mota
Ângela Paiva Dionísio (UFPE), Ataliba (Universidade de Lisboa), Maria Emília
Teixeira de Castilho (USP), Benjamin Abdala Barcellos da Silva (UERJ), Maria Fernanda
Jr. (USP), Daniel Jacob (Universidade de Abreu (Universidade Nova de Lisboa), Maria
Colônia, Alemanha), Eneida Maria de Souza Fernanda Bacelar do Nascimento
(UFMG), Ferreira Gullar (poeta), Francisco (Universidade de Lisboa), Maria Lúcia dal
Ferreira de Lima (UEFS), Francisco Noa Farra (UFS), Maria Theresa Abelha Alves
(Universidade de Mondlane, Moçambique), (Faculdades Jorge Amado, Salvador), Marlene
Gilda Santos (UFRJ), Ida Maria Santos Ferreira de Castro Correia (UFRJ), Paulo Motta Oliveira
Alves (UFF), Ivan Junqueira (Academia (USP), Roberto Acízelo (UERJ), Rosa Virgínia
Brasileira de Letras), Ivo Barbieri (UERJ), Ivo Mattos e Silva (UFBA), Silvana Maria Pessoa
Castro (Universidade de Lisboa), Johannes (UFMG), Silvio Renato Jorge (UFF), Sonia
Kabatek (Universidade de Tübingen, Maria Lazzarini Cyrino (Unicamp), Tania
Alemanha), Jorge Macedo (poeta, Celestino de Macêdo (UNESP), Tânia
Moçambique), Konstanze Jungbluth Conceição Freire Lobo (UFBA), Uli Reich
(Universidade de Frankfurt, Alemanha), (Universidade de Colônia, Alemanha),
Laura Cavalcante Padilha (UFF), Lélia Maria Walnice Nogueira Galvão (USP)
Capa
Heloisa Fortes
PESQUISADOR CONVIDADO
ARTIGOS INÉDITOS
Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca ......... 161
Juanito Avelar
CURTAS RESENHAS
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. .... 421
por Eliete Figueira Batista da Silveira
As organizadoras
Silvia Figueiredo Brandão
Maria Eugênia Lamoglia Duarte
10
CONVIDADO
Este texto tem por tema a harmonização com a vogal alta em duas
variedades do português brasileiro, a do Sul/Sudeste e a do Norte/
Nordeste, detendo-se também na neutralização das médias. O estudo tem
por base o sistema vocálico definido em graus de abertura, a partir dos
quais se explicam neutralizações e assimilações.
1
PUCRS, CNPq.
‡ |
[+ab2] [-ab2]
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| | | | | |
| ‡ | ‡ |
C V CV C V
| | |
‡ | |
16
Vogal Contígua Total Peso relativo Total Peso relativo Total Peso Relativo
17
3. Suposições e análise
Diante das Tabelas apresentadas, que denotam a presença de ambas
as médias na pretônica, fechada e aberta, como produto de assimilações,
portanto, não distintivas na pauta pretônica, no sentido tradicional, partimos
do pressuposto de que tais vogais têm a mesma estrutura subjacente, isto é,
são subespecificadas (Kiparsky, 1993) quanto a [aberto 3], o traço que as
distinguiria (cf. 1). Ambas são [-ab1,+ab2]. Expondo-se, em função dos
objetivos, somente o traço assimilador da vogal gatilho, temos a representação
do processo de assimilação que produz as médias na pretônica em (10).
18
/ \ | /\ |
2
Sobre variação especificada, ver Barbosa da Silva, (1989).
19
b. V C V
| |
[abertura ] [abertura]
‡ |
[ + ab2] [-ab2] feliz > filiz
22
4. Conclusão
A harmonização com a vogal alta que, como os demais processos
asssimilatórios discutidos neste texto, tem o feito de tornar semelhantes
os segmentos de seu domínio, minimizando o esforço articulatório ao
reforçar o traço expandido, tem peculiaridades específicas.
Opera como harmonia privativa em variedades em que a
neutralização anula a vogal média aberta na pauta átona, privilegiando a
média fechada, e como harmonia gradiente em variedades em que ambas
as médias estão presentes na pretônica. A presença da média baixa na
pretônica abre espaço para a harmonia gradiente cujos efeitos podem ser
de duas ordens: a) cessar no primeiro passo, aumentando o número de
vogais médias fechadas e b) chegar aos efeitos finais, harmonizando as
vogais em favor da vogal alta.
Por fim, vale observar que, independentemente dos mecanismos
que venham a explicar a presença de ambas as médias na pretônica, em se
tratando da harmonia com a vogal alta, que deve contar com vogais
plenamente especificadas, o caminho fica aberto para a harmonia gradiente.
Referências
BARBOSA DA SILVA, Myrian. As pretônicas no falar baiano. Tese
(Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1989.
BACOVIC, “E. Local assimilation and constraint interaction”. In: LACY,
Paul de. The Cambridge handbook of phonology. Cambridge: Cambridge
University Press, 2007, pp. 335-352.
CLEMENTS, G; HUME, E. “The internal organization of speech sounds”.
In: GOLDSMITH, John (org.). The handbook of phonological theory. London:
Blackwell, 1995, pp. 245-306.
NASCIMENTO SILVA, A. As pretônicas no falar teresinense. Tese (Doutorado)
– PUCRS, Porto Alegre, 2009.
KIPARSKY, P. “Bloking in non derived environments”. In: HARGUS, S;
KAISSE, E. (orgs.). Phonetics and Phonology, vol. 4. Nova Iorque: Academic
Press, 1993, pp. 277-210.
RAZKY, A; SANTOS, E.G. dos. “O perfil geolinguístico da vogal /e/ no
Estado do Pará”. In: RIBEIRO, S. et ali. (org.). Dos sons às palavras. Salvador:
EDUFBA, 2009, pp. 17-40.
TRUBETZKOY, N. S. Principes de Phonologie. Paris: Editions Klincksiek, 1967.
23
Resumo
Este estudo diz respeito à harmonização gradiente com
a vogal alta e à assimilação que produz vogais médias
na pauta pretônica, em variedades do Norte/Nordeste,
tomando como ponto inicial o sistema da pretônica no
Sul/Sudeste.
Palavras chave: harmonização, assimilação, sistema
vocálico.
Abstract
This study concerns the gradient harmonization with
the high vowel and the assimilation which produces
mid vowels in the pretonic position, in varieties in the
North/Northeast, taking as a starting point the pretonic
system in the South/Southeast.
Keywords: harmonization, assimilation, vocalic system.
24
A
figura de Hermann Paul, embora não tenha sido
esquecida, é muitas vezes diminuída ou vista como a
de “mais um neogramático” atualmente. Visando reparar
essa visão, este artigo procura analisar a postura teórica e
alguns conceitos inovadores propostos por Paul, os quais foram cruciais para
o desenvolvimento da Linguística no século XX. Em especial, comparam-se
as posturas dele com as de gerativistas e sociolinguistas variacionistas no
tocante à aquisição de L1, velocidade e propagação de mudança, analogia e
mutação fonética e semântica, e previsibilidade das mudanças.
1. Os neogramáticos
No século XIX, os estudiosos da linguagem se concentravam
principalmente nas investigações comparativas entre as gramáticas de
diversas línguas, em especial das pertencentes ao tronco indo-europeu.
Todos sonhavam em reconstituir a “língua original”, da qual teriam vindo
todas as outras.
Pelo fim desse século, contudo, um grupo de pesquisadores surge
com uma proposta um pouco diferente: focar-se não nas línguas do
passado, mas nas do presente, não na escrita, mas na língua falada. Esses
pesquisadores, em sua maioria alemães, ficaram conhecidos como
neogramáticos. Engrossavam suas fileiras figuras como Brugman, Osthoff e
Hermann Paul, cujas obras são referência ainda hoje.
1
Doutoranda PUC-Rio
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30
2
Mais adiante, contudo, veremos opiniões diferentes para essa questão.
31
3
Ainda que este não seja o foco do trabalho, vale notar que, por esse trecho, se vê
a crença de Paul num processo de aprendizado por repetição (aparentemente bem
à moda comportamentalista) por parte das crianças. Os gerativistas estão entre os
maiores contestadores dessa teoria, justificando a rapidez e eficiência da aquisição de
língua materna pelo mecanismo dos princípios e parâmetros preexistente na mente
humana.
32
33
fonética” (Paul, 1983, p. 70), não havia ali uma modificação radical, e sim
um sentido de continuidade com a fala da geração anterior, sendo
quaisquer diferenças fonéticas sempre mínimas. Ou, em suas palavras:
“uma modificação no sentido mecânico [...] nasce gradualmente, duma
soma de modificações tão pequenas que dificilmente as podemos imaginar
uma diferença notável” (Paul, 1983, p. 65) e, sendo a mutação no sentido
mecânico o principal agente de mudança, também esta será gradual.
O mesmo não se dá na perspectiva de Lightfoot. Como a gramática
internalizada de um falante não suporta mudanças, essa só poderá ocorrer
“catastroficamente”, i.e., de modo abrupto no momento da aquisição. O
fato de uma pessoa, com o tempo, incrementar seu discurso com inovações
não é visto normalmente como alteração naquela estrutura adquirida,
mas como aprendizagem de outras gramáticas, opcionais e paralelas à sua.
Um dos principais argumentos em defesa dessa hipótese é o fato
de que, se uma simples divergência de parâmetro entre duas línguas pode
provocar diferenças radicais (e.g. os padrões SVO ou SOV de sentenças),
também as mudanças devem poder ser radicais. Além disso, a gradação
percebida no tempo não seria uma característica da mudança, mas sim de
sua difusão. A mudança em si não teria propriedades temporais, logo
seria catastrófica: “the natural way for linguists to think of this is that
different childhood experiences, different sets of primary linguistic data
(PLD), sometimes cross thresholds, which entails that the system shifts, and
that a new grammatical property results” (Lightfoot, 1999, p. 91, grifos nossos).
A justificativa de Lightfoot para a ilusão de mudança, isto é, a
existência de várias gramáticas internalizadas em um mesmo indivíduo,
dá conta de algumas contestações teóricas feitas aos gerativistas.
Basicamente, em situações de “variedade paramétrica”, como as
percebidas nos registros de inglês arcaico, a hipótese de mudança gradual
entraria em choque com a proposição de que, por exemplo, a ordem do
discurso SVO ou SOV é uma escolha paramétrica4 nas línguas (já que, em
inglês arcaico, ambas essas ordens são encontradas).
Sendo assim, pela suposição de gramáticas concorrentes, Lightfoot
não apenas garante a continuidade desse parâmetro (cada uma das
gramáticas internalizadas atendia a um parâmetro diferente), como
também reafirma sua teoria de difusão da mudança, a saber: quando há
gramáticas concorrentes, há instabilidade; e, onde há instabilidade, há
uma mudança em andamento. Em outras palavras, trata-se de um momento
4
Se parâmetros são termos binários para as línguas, não deveria ser possível dizer às
vezes sim e às vezes não para um mesmo dado valor.
34
5
Lightfoot (1999, p. 95) também coloca que uma mudança paramétrica sempre
acarreta alterações em todos os fenômenos ligados a ela, na superfície da língua.
35
36
a linha que separa esses dois usos é tênue6, é possível encontrar diversos
graus desse processo simultaneamente.
No processo de mutação semântica, contudo, e talvez mais até
que no de alteração fonética, a necessidade de uma corroboração social
é premente. Como diz o autor, “faz parte da natureza deste processo que
ele nasça dum emprego repetido e regular da significação originariamente
só ocasional” (Paul, 1983, p. 92).
O mesmo ocorre no caso das analogias: enquanto as formas
inéditas serão aceitas com mais facilidade (preenchendo uma carência da
língua), uma forma sinônima criada por analogia deverá contar – a fim
de que substitua uma outra existente – com o apoio de vários indivíduos
de um mesmo círculo, adotando o que, doutra forma, seria senão um
erro/engano de construção (Paul, 1983, p. 125).
6
“Entre esses dois pontos é possível uma gradação variadíssima” (Paul, 1983, p. 92).
37
7
Cf. LABOV, 1983, p. 213-4.
38
5. Considerações finais
Enfim, ainda que hoje os postulados dos neogramáticos e de
Hermann Paul estejam em boa parte ultrapassados, eles foram, sem dúvida,
essenciais enquanto base para os teóricos do século XX e, em certa
8
Vide a pergunta inicial de Weireinch, Labov e Herzog em sua obra conjunta: “se uma
língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como ela funciona
enquanto a estrutura muda?” (2006, p. 87, grifos nossos).
39
Referências
CASTILHO, Ataliba T. de. “Proposta funcionalista de mudança linguística:
os processos de lexicalização...” In: LOBO, T. et al. (org.). Para a história
do português brasileiro. Salvador: Edufba, 2006, v. 1, pp. 223-269.
CHOMSKY, Noam. “Conceitos de língua”. In: ______. O conhecimento da
língua: sua natureza, origem e uso. Porto: Caminho, 1994. cap. 2.
LABOV. “El mecanismo del cambio linguístico”. In: ______. Modelos
sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1983. cap. 7.
LAGARES, Xoán Carlos. “O século XIX e a perspectiva histórica”. Inédito,
rascunho de um capítulo do Manual de historiografia linguística, 2008.
LIGHTFOOT, David. “Uma ciência da história?” DELTA, São Paulo, v. 9,
n. 2, pp. 275-294, 1993.
LIGHTFOOT, David. “Gradualism and catastrophes”. In: ______. The
9
Como admite Tarallo (1990, p. 51), “a busca de regularidades nos resultados parece
ter garantido, tradicionalmente, o valor ‘científico’ dos modelos adotados”.
40
41
Resumo
Este artigo procura recuperar a importância do
trabalho de Hermann Paul para as correntes linguísticas
do século XX e XXI, mais especificamente para
gerativistas e variacionistas. Parte-se de uma
contextualização de Paul entre os neogramáticos e,
então, esclarecem-se alguns dos conceitos inovadores
de Paul, a saber: organismo psíquico, sua divisão dos
momentos da alteração fonética e o conceito de
imagem da memória. Analisam-se a concepção de
língua e o enfoque dado à mudança e variação
linguística pelo neogramático e por linguistas
modernos e demonstra-se como diversas ideias e
soluções de Paul foram importantes para a História dos
estudos da linguagem. Os temas discutidos
comparativamente nessas três correntes são: aquisição
de L1, velocidade e propagação da mudança, mutação
fonética e semântica e analogia, previsibilidade da
mudança.
Palavras-chave: Hermann Paul, neogramáticos,
gerativismo, sociolinguística variacionista
Abstract
This paper tries to emphasize the importance of
neogrammarian Hermann Paul’s work to the 20th and
the 21st century Linguistics, namely to generativists and
variationists. It begins looking at Paul’s work as a
neogrammarian and, then, clarifying some of his
innovative concepts: psychic organism, the division in
three moments of phonetic alteration and the concept
of image of memory. It analyzes the view of linguistic
change and variation by Paul and modern linguists, and
shows how several of his ideas were important to the
History of linguistic thought. The themes comparatively
reviewed here are: L1 acquisition, velocity and
propagation of change, phonetic and semantic
mutation, analogy, change previsibility.
Key words: Hermann Paul, neogrammarians, generative
linguistics, variationist sociolinguistics
42
1.
Introdução
A Sociolinguística Variacionista, impulsionada
especialmente pelos projetos que desenvolveram
bancos de dados, tem se mostrado um campo de
estudos altamente produtivo no cenário nacional dos estudos linguísticos,
contribuindo para uma ampla descrição do português brasileiro. O
quanto esta descrição reflete de fato a realidade social do Brasil em termos
linguísticos é uma questão que merece atenção, já que os bancos de
dados sociolinguísticos nem sempre refletem a estratificação da sociedade.
Assim é pertinente tecer reflexões sobre a forma de controle dos “fatores
sociais clássicos” em fenômenos de variação e mudança, especialmente
naqueles dos níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009), em que nem
sempre os efeitos do controle dos fatores sociais são estatisticamente
significativos nos estudos. Para ilustrar as reflexões, toma-se o banco de
dados VARSUL, a partir do qual se centra em discutir a questão da
homogeneização dos resultados em função da homogeneização da
amostra; alertar para a sobreposição de papéis sociais agrupados no rótulo
“faixa etária” (cf. Eckert, 1997; Freitag, 2005); e discutir um problema
encontrado no banco de dados VARSUL no que se refere à escolaridade:
o comportamento anômalo da faixa “ginasial”, com dados de trabalhos
que focam a amostra de Florianópolis e fenômenos semântico-discursivos.
1
Professora da Universidade Federal de Sergipe (rkofreitag@uol.com.br)
44
45
46
47
48
49
4. A escolaridade
O controle da variável escolaridade é bastante recorrente na
sociolinguística brasileira. De acordo com Bortoni-Ricardo (2004, p. 48),
“os anos de escolarização de um indivíduo e a qualidade das escolas que
frequentou também têm influência em seu repertório sociolinguístico.
Observe-se que esses fatores estão intimamente ligados ao estatuto
socioeconômico, na sociedade brasileira”.
Sobre os efeitos da escolaridade nas investigações do PEUL, no
Rio de Janeiro, Paiva e Scherre ponderam: “É possível também que a
influência da variável escolaridade reflita, na verdade, a ação da variável
classe social. Se assim for, as consequências são ainda mais perversas: não
se modificam variantes linguísticas, mas, sim, se excluem os indivíduos
que não possuem determinadas variantes linguísticas.” (Paiva; Scherre,
1999, p. 217-218)
A escolaridade, ou nível de escolarização, é um fator de
estratificação social do banco de dados VARSUL que tem apresentado
um comportamento irregular e pouco previsível em fenômenos de
variação em níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009). Apesar do
comportamento irregular, as pesquisas realizadas partem do pressuposto
de que a escolarização afeta os fenômenos de variação. Tomem-se os
casos da variação na expressão do passado imperfectivo (já apresentado
na seção 3), variação do passado anterior, ordem do quantificador,
expressão do futuro, variação entre presente do indicativo e subjuntivo,
concordância com o pronome tu, que foram analisados no banco de
dados VARSUL considerando a cidade de Florianópolis, com três faixas
etárias e três faixas de escolarização.
A expressão do passado anterior, analisada por Coan (1997), trata
da variação no uso de formas do pretérito perfeito vs. pretérito mais-que-
perfeito composto para codificar uma situação passada em relação a outra,
como em (3) e (4).
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(5)a. todos os meus tios ficaram muito chateados. (SC FLP FAC 20)
b. os meus tios todos ficaram muito chateados.
c. os meus tios ficaram todos muito chateados.
(6)a. porque ela conhecia as famílias todas. (SC FLP FBC 24)
b. porque ela conhecia todas as famílias.
c. porque as famílias, ela conhecia todas.
(7) A seleção que vai ter em março, de repente, faço carreira. (SC
FLP MAP 04)
(8) Tu não vais ter matéria pra estudar e chega no dia da prova tu
não consegues a média. (SC FLP MAG 10)
(9) Eu acho que o dia que o povo der conta de que a educação
é a base de tudo, acho que nós não teremos guerra, não teremos briga, não
teremos nada, pelo contrário, o mundo vai viver em paz. (SC FLP MBG 13)
(10) Ela tem muitos que ela não prefere, né? Aí é. Professor de
Física porque quer que ela vá de short curto: “Ah, mãe, não sei porque
ele quer que eu vou de short curto”. Porque ela vai de short mais comprido,
ele acha que tem que ser mais curto (SC FLP FAC 11).
(11) Assim tu queres parecer igual aquelas pessoas (SC FLP MJG 21)
51
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53
54
5 Considerações finais
A adoção de bancos de dados sociolinguísticos é uma maneira
mais otimizada de subsidiar estudos sociolinguísticos. As ponderações
tecidas neste texto, tomando por base a atuação de “fatores sociais
clássicos”, como a escolarização e a faixa etária, em fenômenos de variação
e mudança nos níveis gramaticais mais altos, podem auxiliar a
interpretação de resultados de outros estudos, nos mesmos moldes, assim
como podem balizar a constituição de novos bancos de dados e a
ampliação dos já existentes, na medida em que colaboram para que estes
reflitam, de fato, a realidade social do Brasil.
Referências
BACK, Angela C. Di Palma. O uso variável do quantificador universal no
sintagma nominal na língua falada de Florianópolis. Dissertação (Mestrado
em Linguística) — Programa de Pós-Graduação em Linguística,
Universidade Federal de Santa Catarina, 2000.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a
sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo:
Parábola, 2002.
CHAMBERS, J. K. Sociolinguistics. 2. ed. Oxford: Blackwell, 2003.
COAN, Márluce. Anterioridade a um ponto de referência passado: pretérito (mais
55
56
57
Resumo
Neste texto, são discutidos aspectos relacionados ao
controle dos fatores sociais “faixa etária” e
“escolarização” em estudos sociolinguísticos de cunho
variacionista, focando a estratificação social de bancos
de dados sociolinguísticos brasileiros. São discutidos
aspectos da constituição dos bancos de dados dos
projetos PEUL e VARSUL, com atenção aos efeitos da
homogeneização metodológica imposta à amostra,
especialmente no que se refere à faixa etária e
escolarização. Resultados de estudos de variação e
mudança em domínios gramaticais mais altos são
utilizados para respaldar a discussão.
Palavras-chave: Banco de dados sociolinguístico.
Homogeneização da amostra. Fatores sociais.
Abstract
In this paper aspects related to control of social factors
“age” and “education” in variacionist sociolinguistic
studies are discussed, focusing the social stratification
of sociolinguistic Brazilian databases. Aspects of
constitution of PEUL’s and VARSUL’s databases are
discussed with special attention to methodological
effects of homogenization that are imposed upon
sample, especially in relation to age and education.
Results of studies of variation and change in higher
grammatical domains are used to support the discussion.
Keywords: Sociolinguistic databank. Sample
homogenization. Social factors.
58
1.
Introdução
O sistema vocálico do português é alvo de
diversos processos fonológicos, devido a fatores
prosódicos, fonotáticos, ou, ainda, por questões de
ordem morfológica. De acordo com Battisti e Vieira (2005), as vogais que
mais sofrem a influência de processos fonológicos são as vogais médias.
Daí a importância dos estudos voltados para os fenômenos de variação,
bem como seus fatores condicionantes, envolvendo-as nas mais diversas
posições, sem perder de vista sua tonicidade.
Em relação a esses processos fonológicos, cujo alvo são as vogais
médias em posição pretônica, destacam-se a neutralização, a harmonia
vocálica e a redução. A neutralização é caracterizada pela perda de
contrastes ou oposições no sistema, como no caso da pretônica na palavra
‘morango’, que, embora possa receber pronúncias com a média baixa
‘m[n]rango’ ou com a média alta, ‘m[o]rango’, não acarretam oposições
em termos fonêmicos, por isso, é de natureza fonética. A harmonia vocálica
é um processo pelo qual as vogais assumem traços de segmentos vizinhos,
ou seja, assimilam a altura da vogal alta da sílaba seguinte, como ocorre
em p[e]pino > p[i]pinu, c[o]ruja > c[u]ruja. A redução vocálica é uma
1
Os autores Ana Carla Vogeley e Dermeval da Hora fazem parte do Projeto Casadinho,
financiado pelo CNPq, Proc. 620020/2008-3, parceria entre o Programa de Pós-
Graduação em Linguística da UFPB e o Programa de Pós-Graduação em Linguística
da USPB.
60
61
2 Metodologia
Trata-se de um estudo que teve origem em uma investigação de
campo, de caráter transversal e longitudinal, submetida à análise do
Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Católica
de Pernambuco – UNICAP. A pesquisa foi aprovada sob o nº 050/2009.
62
63
Variável dependente
Com base nas possibilidades de realização das vogais médias em
posição pretônica, no dialeto em questão, a forma como a vogal média
foi produzida corresponde à variável dependente. Assim, tem-se uma
possibilidade de análise ternária, envolvendo as seguintes variantes:
· Vogal média alta [e, o];
· Vogal média baixa [, n];
· Vogal alta [i, u].
Variáveis independentes
As variáveis independentes controladas dizem respeito a, de um
lado, variáveis linguísticas ou estruturais, como: (a) vogal da sílaba seguinte;
(b) contexto fonológico seguinte; (c) contexto fonológico precedente; e
(d) contiguidade da pretônica em relação à tônica (distanciamento da
tônica), de outro lado, a variáveis extralinguísticas ou sociais, como: (a)
idade; (b) sexo.
O target
Para estabelecer o target de aquisição, foi necessário recorrer aos
dados de um estudo prévio desenvolvido por Vogeley e Hora (2008)
sobre o emprego das vogais pretônicas no dialeto de Recife, cujos dados
foram coletados utilizando o mesmo instrumento de eliciação de fala e
64
65
(2)
p[u]liça [i]spelho
c[u]uja [i]scada
t[u]mate p[i]queno
j[u]elho m[i]nina
f[u]guete [i]stea
(3)
v[e]rm[e]lha
t[e]lh[a]do
s[o]rv[e]te
r[e]p[o]lho
b[o]b[o]leta ~ b[n]rb[o]leta
l[e]ão ~ l[]ão
68
69
(4)
v[i]tido c[u][u]ja j[u]elho
p[i]pino c[u]zinha f[u]guete
[i]pelho f[u]miga p[i]queno
[i]cova m[u]chila t[i]zoa
(5)
t[u]mate b[u]lacha
f[u]gã t[u]alha
b[u]neca [i]scola
c[u]lé [i]cova
70
3
Unidades linguísticas, como unidades fonológicas, palavras e estruturas sintáticas
cristalizadas, enquanto agrupamentos armazenados no léxico.
71
Vogal N 5 51 34 90 8
% 5 57 38
Plosiva [+dorsal] N 3 38 46 87 8
% 3 44 53
Apagamento N 43 71 88 202 19
% 21 35 43
4
Nesta tabela, temos a frequência das três variantes pelo fato de o Programa não rodar
com variável ternária o peso relativo, diferente da Tabela 5, em que temos apenas o
peso relativo referente a duas variantes: alta e média baixa. A Tabela 4 indica que as
variantes mais frequentes são: alta e média baixa, concorrendo entre si.
72
74
(7)
r[e]vista
s[o]vete
j[e]sus
4. Considerações finais
Em função do que se observou na análise, pode-se concluir que a
criança recifense reflete em sua fala o mesmo processo de variação
encontrado no adulto, exceto em alguns casos que poderiam refletir um
processo de difusão lexical, a exemplo do uso recorrente da palavra ‘Recife’,
75
Referências
BATTISTI, E.; VIEIRA, M. J. B. “O sistema vocálico do português”. In:
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76
77
78
Resumo
O sistema vocálico pretônico do português é alvo de
processos fonológicos, como neutralização, harmonia
vocálica e redução. Os estudos sobre as pretônicas, no
Brasil, são mais voltados para a variação, que para a
aquisição. No entanto, é necessário observar a aquisição
desses segmentos em crianças de situações dialetais
distintas, analisando como ocorre a variação na
aquisição. Considerando a hipótese de que a aquisição
da variação social é possível em crianças, o objetivo
deste estudo é investigar o comportamento variável das
vogais médias pretônicas, no processo de aquisição, em
crianças da cidade do Recife–PE. A amostra desta
pesquisa foi constituída por dezesseis crianças, com
idades entre 0:10;19 e 4 anos, sendo quatro observadas
de forma longitudinal e doze, transversal. Para a
eliciação da fala, foi feita atividade de nomeação, através
de um instrumento com 86 vocábulos balanceados,
considerando as possibilidades de neutralização,
redução e harmonia. Os dados transversais foram
analisados com a utilização do pacote estatístico
Goldvarb. Quanto aos processos fonológicos, o mais
comum foi o de assimilação, tanto no caso da harmonia,
como de redução, este com menor ocorrência. A
harmonia domina todos os outros processos,
considerando que ocorre não apenas entre as vogais
médias pretônicas e altas da sílaba tônica.
Palavras-chave: aquisição, variação, vogais médias
pretônicas.
Abstract
The portuguese pretonic vowel system is the target of
some phonological processes such as neutralization,
harmony and vowel reduction. Studies about pretonic
vowels, in Brazil, are more focused on the variation
than on the acquisition. Although children do not have
difficulties in the acquisition of vowels, it is possible to
note the acquisition in children from different dialectal
situations, analyzing how the variation occurs in the
acquisition. Assuming that the acquisition of social
79
80
1.
Introdução
Apesar de, no âmbito do português do Brasil,
haver um número bastante considerável de pesquisas
sobre a variação no vocalismo átono, observa-se que
há um predomínio considerável de investigações que tratam da análise
do contexto pretônico e um volume menor de estudos que descrevem as
vogais postônicas, sobretudo as átonas não-finais. Uma das razões para as
vogais átonas não-finais serem a “primas-pobres” dos estudos do vocalismo
português se deve ao seu contexto de realização: são as primeiras vogais
átonas das palavras proparoxítonas, o padrão acentual menos produtivo
da língua. O contexto postônico não-final é bastante particular, pois, além
dos fenômenos de neutralização, nota-se a ocorrência do cancelamento
da vogal.
Este estudo procura contribuir para a descrição do contexto átono,
focalizando a síncope da vogal postônica não-final, um fenômeno que
leva à regularização de vocábulos proparoxítonos ao padrão acentual
paroxítono (árvore > arvre, cócegas > cosca, pétala> petla, sábado > sabo),
considerado na fala popular urbana do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, neste trabalho, propõe-se investigar a frequência do
processo de apagamento da vogal átona não-final das proparoxítonas no
PB e a correlação entre os fatores linguísticos e extralinguísticos atuantes
1
Aluna do curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
(Área de concentração: Língua Portuguesa) e Bolsista da CAPES.
82
2
Clements (1990) define tal princípio como uma escala de soância, de acordo com
a qual os segmentos com a posição mais alta tendem a ocupar o núcleo da sílaba, e
os segmentos com a posição mais baixa tendem às margens. A escala segue a seguinte
ordem: Obstruintes > Nasais > Líquidas > Glides > Vogais, o que indica serem as
obstruintes os sons menos soantes e as vogais, os mais soantes.
83
3
Alguns estudos denominam as palavras biesdrúxulas de anteproparoxítonas, por
apresentarem o acento na sílaba anterior à antepenútima. Temos exemplos de
biesdrúxulos em português no âmbito do vocábulo fonológico, como em falávamos-te.
84
4
As paroxítonas, padrão acentual canônico do português, representam 63% desse
conjunto e as oxítonas, 25%.
5
Os autores consideram a natureza gráfica da vogal postônica não-final, e não a
realização desse segmento.
85
4. Objetivos
Com base na análise de inquéritos extraídos de um corpus que
retrata a realidade da fala popular urbana do Rio de Janeiro, esta pesquisa
investiga:
(a) a produtividade do fenômeno de síncope da vogal postônica
não-final e
(b) a coatuação de condicionamentos linguísticos e sociais para a
aplicação da regra de apagamento da vogal átona não-final e,
consequentemente, a regularização das palavras proparoxítonas em
paroxítonas.
5. Hipóteses
Toma-se por hipótese que a síncope da vogal postônica não-final
é um fenômeno bastante produtivo na fala popular urbana do Rio de
Janeiro. Dessa forma, o propósito é verificar como os condicionamentos
sociais e linguísticos atuam na realização do fenômeno.
86
87
6. Amostra e metodologia
O corpus utilizado nesta pesquisa provém da Amostra Censo.
Constituída por pesquisadores do Programa de Estudos sobre os Usos da
Língua (PEUL), a amostra é um banco de dados composto por entrevistas
com 64 informantes residentes em diversos bairros da área metropolitana
da cidade do Rio de Janeiro.
Neste trabalho são investigados vinte e cinco informantes, doze
homens e treze mulheres, distribuídos por três faixas etárias: 18 a 35 anos,
35 a 55 anos e mais de 56 anos. O grau de escolaridade dos informantes
neste corpus varia entre quatro e onze anos de escolarização, o que
compreende o primeiro e o segundo segmentos do ensino fundamental
e o ensino médio.
Nesta abordagem foram levantadas e codificadas 1317 ocorrências
de palavras proparoxítonas, analisadas a partir de uma variável dependente
que considerava três possibilidades:
(i) perda da vogal postônica não-final: É meu circlu todo é aqui.
(Seb09)
(ii) perda da vogal postônica e da consoante seguinte: Devia de ter
meus dez anos, sempre gostei de mexer com velocipi, bicicreta, certo? (Edu07)
(iii) vocábulo em que não ocorre o apagamento: botaria fábricas-
(Sam01)
Todavia, dado o pouco número de ocorrências de vocábulos que
apresentassem dois processos de síncope – a da vogal postônica não-final
e a da consoante seguinte, com 39 dados, em um total de 1317 –, optou-
se por amalgamar em uma só variável dependente as duas formas de
apagamento de segmentos consideradas – exemplificadas em (i) e (ii).
Com o apoio do instrumental teórico-metodológico oferecido
pela Sociolinguística Variacionista (Weireinch, Labov e Herzog, 1968;
Labov, 1972, 1994, 2004), os 1317 dados extraídos da amostra considerada
foram submetidos a um tratamento estatístico – possível graças à
ferramenta GOLDVARB 2001 – com o propósito de observar a atuação
de condicionamentos linguísticos e sociais no apagamento da vogal
postônica não-final. Foram estabelecidas doze variáveis – nove linguísticas
e três sociais – para medir o efeito dos condicionamentos.
88
7. Resultados
A tabela a seguir revela que condicionamentos foram
estatisticamente relevantes para o apagamento da vogal postônica não-
final na fala popular urbana.
Input da
regra inicial: .146
de .048
seleç ão:
Significância .000
89
APL/T % PR
labiais 85/354 24% .85
(ônibus, último)
alveolares 86/342 25% .59
(círculo, pérola)
velares 15/603 2% .25
(época, médico)
Input: .048 Significância: 0,000
90
APL/T % PR
obstruintes 74/865 8% .50
(época)
nasais 41/268 15% .31
(mínimo)
laterais 54/95 56% .67
(óculos)
vibrantes 17/78 21% .80
(abóbora)
Input: .048 Significância: 0,000
91
APL/T % P.R
labial 62/392 15% .34
(época)
alveolar 99/473 20% .73
(título, pérola, cócegas)
palatal 11/323 3% .30
(tínhamos, médico, último)
velar 19/55 34% .63
(óculos, fígado)
Input: .048 Significância: 0,000
92
APL/T % P.R
Dorsal 25/176 14% .58
(xícara)
Labial 78/275 28% .80
(cúmulo)
Coronal 89/866 10% .38
(tímido)
Input: .048 Significância: 0,000
APL/T % P.R
três sílabas 112/859 13% .41
(óculos)
mais de três sílabas 80/458 17% .64
(velo cípede)
Input: .048 Significância: 0,000
93
APL/T % P.R
94
APL/T % P.R
Nomes comuns 108/747 14% .47
(árvore)
Nomes próprios 38/91 41% .84
(Petrópolis)
Verbos 14/84 16% .44
(tínhamos)
Adjetivos 32/395 8% .45
(belíssima)
Input: 0.48 Significância: 0,000
95
APL/T % P.R
18 a 35 anos 20/304 6% .27
36 a 55 anos 80/528 15% .50
mais de 56 anos 92/485 18% .64
Input: .048 Signific ância: 0,000
96
APL/T % P.R
Homens 113/658 17% .62
Mulheres 79/659 11% .37
Input: .048 Significância: 0,000
97
8. Considerações finais
A análise empreendida aqui, com o intuito de observar a relação
entre condicionamentos linguísticos e sociais na aplicação da regra de
apagamento da vogal postônica não final na fala popular urbana do Rio
de Janeiro, observou:
98
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______. Principles of linguistic change. Vol.1: Internal Factors. Oxford/
Cambridge: Blackwell, 1994.
99
100
1.
Introdução
Línguas faladas em qualquer área territorial
significativa sofrem fragmentação regional: mudanças
gramaticais, de vocabulário ou fônicas que emergem
em um lugar não necessariamente se difundem a todos os demais, o que
faz surgir dialetos regionais, as chamadas variedades diatópicas. Essa
concepção de fragmentação linguística, da dialetologia, fundamenta-se
em uma ideia geográfica de lugar posteriormente assimilada pela
sociolinguística na noção de comunidade de fala: o falante localiza-se
socialmente em classe, gênero, entre outras categorias, e, geograficamente,
na comunidade de fala, que define o falar e circunscreve a população sob
estudo (Eckert, 2004). Mais recentemente, admite-se nos estudos
sociolinguísticos que a proveniência regional está impressa no vernáculo,
é indexada pela fala vernacular (Coupland, 2007).
Na linha de investigação sobre variação e mudança linguística
inaugurada por Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]), região e lugar
estão implicados em um dos problemas referentes aos fundamentos
empíricos da teoria, o problema da implementação, que pode ser
resumido na seguinte pergunta: o que explica as diferenças na ativação
de processos de variação e mudança numa mesma língua? Em outras
palavras: guardados os mesmos condicionamentos estruturais, por que os
1
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/CNPq
104
2
Sabbatini e Franzina (1977), que empregam termo correspondente (Região de
Colonização Italiana), explicam que a RCI corresponde especificamente às áreas das
ex-colônias de natureza pública, fundadas entre 1875 e 1892, na Encosta Superior do
Nordeste do Rio Grande do Sul. Atualmente, 55 municípios localizam-se nesse
território, entre eles Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha,
Garibáldi, São Marcos, Veranópolis, Antônio Prado. De acordo com Frosi e Mioranza
(1983) e Frosi (1989), o grupo de imigrantes era misto relativamente à província
italiana de origem, sendo quatro as regiões da Itália setentrional de que veio a maioria
deles: Lombardia, Vêneto, Fríuli Venezia-Giulia e Trentino-Alto Ádige.
105
3
Cf. dados do IBGE, censo 2010. Disponíveis em www.ibge.gov.br. Acesso em 13 de
março de 2011.
4
Banco de Dados de Fala da Serra Gaúcha, da Universidade de Caxias do Sul.
5
Disponível em: http://individual.utoronto.ca/tagliamonte/goldvarb.htm. Acesso em
21 de dezembro de 2010.
106
80
70
60
Pala tali za ção (%)
50 AP
CXS
40 FC
30
20
10
0
Alta f onológic a (ment ira) Alta fonética (gente)
108
6
As etnias alemã, italiana e fronteiriça, contempladas pela autora, são representadas
na amostra por informantes dos municípios gaúchos de Taquara, Veranópolis e
Livramento, respectivamente.
7
Entende-se por bilinguismo passivo o de indivíduos que apenas compreendem uma
das línguas, não falam, não escrevem, tampouco leem essa língua, que é não-dominante.
109
8
A Festa da Uva é realizada em Caxias do Sul a cada dois anos para celebrar a fruta
que lhe dá nome e é cultivada no município.
110
111
Tabela 2: Idade
Fatores Aplic./Total % Peso relativo
18 a 30 anos 3114/6146 51 0,86
31 a 50 anos 1599/5766 28 0,50
51 a 70 anos 1530/6080 25 0,42
71 ou mais anos 515/5171 10 0,14
TOTAL 6758/23163 29
Input 0,174 Significância 0,000
Idade
80
70
60
Pala taliza ção (%)
50 AP
CXS
40
FC
30
20
10
0
18 a 30 anos 31 a 50 anos 51 a 70 anos 71 ou mais anos
112
113
Local de residência
80
70
60
Pala taliza ção (%)
50 AP
CXS
40
FC
30
20
10
0
Zona urbana Zona rural
114
115
Qualidade da consoante-alvo
80
70
60
Pala tali za ção (%)
50 AP
CXS
40 FC
30
20
10
0
T (tia) D (dia)
116
117
118
5. Considerações finais
A análise de regra variável da palatalização na comunidade gaúcha
de Flores da Cunha repete e confirma os fatores condicionadores do
processo já verificados em outros municípios pertencentes à mesma região,
a RCI-RS: vogal alta fonológica /i/ e consoante-alvo desvozeada /t/
favorecem o processo, bem como os grupos etários jovens e a zona urbana
do município. Os resultados autorizam, portanto, que se pense em uma
região, e não em municípios específicos, quando de sua discussão e
interpretação. Ao mesmo tempo, permitem refletir sobre a questão do
refreio à implementação da palatalização no interior do estado, em
contraste com os altos índices de palatalização na capital do estado.
Viu-se que a economia forte e a percepção de pertença a uma
comunidade de mesma origem étnica, a italiana, reforça laços identitários
dos habitantes da RCI-RS com o local e impede a região de tornar-se tão
119
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COUPLAND, N. Style: language variation and identity. Cambridge:
Cambridge University Press, 2007.
120
121
122
123
Resumo
Análise de regra variável da palatalização das oclusivas
alveolares /t/ e /d/ no português falado em Flores da
Cunha (RS) e sua comparação com os índices
verificados em Antônio Prado (RS) e Caxias do Sul
(RS). Discussão do contraste entre a frequência total
de aplicação nos três municípios da antiga região
colonial italiana do Rio Grande do Sul, em torno de
30%, e a frequência total da capital Porto Alegre, de
90%.
Palavras-chave: português brasileiro; palatalização das
oclusivas alveolares; análise de regra variável;
implementação da variação e mudança fônica.
Abstract
Variable rule analysis of the palatalization of dental stops
in Portuguese as it is spoken in the Brazilian city of
Flores da Cunha, located in the state of Rio Grande do
Sul (RS). Comparison of the results obtained in Flores
da Cunha with the ones obtained in Antônio Prado
(RS) and Caxias do Sul (RS) in previous analysis.
Discussion of the contrast between the application rates
of those three cities, around 30%, and the application
rate of Porto Alegre, the capital city of the state, around
90%.
Keywords: Brazilian Portuguese; palatalization of
dental stops; variable rule analysis; implementation of
phonological variation and change.
124
I
ntrodução
Ao lado de fenômenos fonéticos que podem
caracterizar uma proposta de divisão dialetal do Brasil,
como a realização das vogais pretônicas ou a das
consoantes fricativas surdas e sonoras [s] e [z] em coda silábica, o /r/
retroflexo vem ocupando, nos últimos 50 anos, seu espaço na discussão
de pesquisadores, como Silva Neto (1960); Head (1973, 1978 e 1987);
Brandão (1995, 1997, 2007); Monaretto (1995); Callou (1997); Almeida
(2004); Cohen (2006) e Aguilera (2009).
Verificamos que o /r/ retroflexo, embora seja registrado em diversos
estados brasileiros, se concentra no interior do Paraná, de São Paulo, do Mato
Grosso do Sul; no Sul de Goiás, do Mato Grosso e de Minas Gerais. Sabendo-
se que há sempre uma pergunta no ar sobre a vitalidade ou debilidade desta
variante rótica no território brasileiro, este artigo tem como objetivo verificar
a atual situação do /r/ retroflexo em coda silábica no falar sulista de Minas
Gerais, em particular na cidade de Lavras, comparando dados atuais coletados
pelo projeto Atlas Linguístico do Brasil-ALiB com os registrados no Esboço de
um atlas linguístico de Minas Gerais (Ribeiro et al., 1977).
Até onde nos foi possível verificar, esta variedade de rótico não
foi trazida pelos portugueses durante a ocupação da terra recém
descoberta, nem constava do acervo fonético dos autóctones brasileiros.
1
CNPq-UEL
2
CAPES-UEL
3
O único atlas brasileiro que contempla os estados de uma região e não apenas um
estado é o ALERS – Atlas linguístico e etnográfico da região Sul (Koch et al., 2002).
4
O levantamento de todas as respostas mostrou a presença do retroflexo nos seguintes
pontos e informantes: 1A (1), 5GL (2), 6A (2), 8B (2), 9A (1), 9B (2), 11A (1), 11B
(1), 20 A (2), 20B (10), 21 A (1), 22 A (1), 22B(3), 23 A (1), 23B (2), 25 A (1), 29
A (12), 33 A (2), 34A (1), 35B (1), 42A (4), 43A (1), 43B (1), 50A (1).
5
Não consta a idade da informante 11A.
126
Faixa II, entre 50 e 80 anos). Já entre os homens, sete deles estão na faixa
II. Quanto à distribuição diatópica, considerando que a Bahia compreende
sete mesorregiões (do Extremo Oeste, do Vale São Franciscano, do Centro
Norte, do Centro Sul, do Sul, do Nordeste, e a Metropolitana de Salvador),
o /r/ retroflexo é mais frequente na Mesorregião do Centro Norte e do
Centro Sul e na do Vale São Franciscano, não tendo sido registrado,
apenas, na Mesorregião do Extremo Oeste.
No Esboço de um Atlas linguístico de Minas Gerais – EALMG –
(Ribeiro et al., 1977), um dos corpora desta pesquisa, o [}] está registrado
em 51 pontos dos 116 investigados, sobretudo nas localidades que
compõem as zonas do Triângulo, Alto Paranaíba, Alto São Francisco,
Campos das Vertentes e Sul. Está, pois, na rota dos bandeirantes do século
XVIII, que iam à busca de ouro e de pedras preciosas pelos caminhos do
atual território mineiro em direção a Cuiabá.
Quanto aos registros em Lavras, ponto 89 do EALMG, nosso objeto
de estudo neste artigo, a variante retroflexa foi registrada nas cartas 2
(arco-íris) e 3 (arco da velha). A carta 8 (mormaço) traz o /r/ vibrante velar
sonoro e a de nº 29 (salto mortal) o mesmo informante realiza o rótico
como vibrante alveolar sonoro. Esta oscilação no mesmo informante está
documentada na carta 47, que trata da isófona do [}], na qual Lavras,
ponto 89, se situa na área de intersecção da predominância do [}] e sua
alternância com outras variedades de /r/. É importante lembrar que,
para o EALMG, foi entrevistado um informante principal em cada
localidade, havendo casos em que, além deste, puderam os pesquisadores
contar com um ou dois informantes auxiliares cuja função era ratificar a
fala do principal. No caso de Lavras, consta um único informante, nascido
na localidade, com pais também naturais de Lavras, de 36 anos de idade
e com primário incompleto.
No Atlas linguístico de Sergipe – ALSE – (Ferreira et al., 1987) e no
Atlas Linguístico de Sergipe II – ALSE II – (Cardoso, 2005), o /r/ retroflexo
está sistematicamente documentado nos pontos 61 (Brejo Grande), 62
(Propriá), 64 (Gararu) e 65 (Curralinho), os dois primeiros na
microrregião de Propriá e os dois últimos na microrregião do Sertão
Sergipano do São Francisco. As cartas do ALSE, em que o /r/ está em
coda e se realiza como [}] nessas localidades, são as de nº 3- arco-íris; carta
4- outras designações para arco-íris (a[}]co-da-velha e a[}]co-celeste); carta
13- ma[}]gem; carta 17- onda (ca[}]neiro e carneiro de ma[}]), 45- papa
grossa de farinha de mandioca (esca[}]dado forma roticizada de escaldado),
carta 50- cinza ainda quente (resca[}]do por rescaldo), 65- ca[}]canhar, 69-
soutien (po[}]ta-seio, co[}]pinho, co[}]pete), 79- olho esbugalhado
127
(esbu[}]gado), 84- tipo de mestiço de pele preta, cabelo liso (cabo ve[}]de), 94-
abo[}]to, (97- cisco que cai no olho (a[}]gueiro), 99- conjuntivite (do[}]dólho,
do[}]dóio, do[}]dói), 113- cambalhota (sa[}]to mo[}]ta, 137- designações
do boi conforme a idade – 2ª fase (ma[}]mote por mamote), 144- onde se põe
o gado a pastar (so[}]ta por solta), 147- rabo do cavalo (ca[}]da por cauda).
Alguns registros de [}], alternando com o velar, ocorrem ainda nos pontos
52 Tomar do Geru e 53 Estância, que integram as microrregiões do Sertão
do Rio Real e do Litoral Sul Sergipano, nas cartas 65, 69, 94, 97 e 137,
sempre na voz masculina, ou seja, a do informante B. Quanto ao ALSE II,
com registros de /r/ retroflexo, temos os pontos já mencionados: 62, 64
e 65, sobretudo este último, conforme se comprova com as cartas de nº
33- bolha de queimadura (bo[}]bulha, ba[}]bulha), 40- calça de comprimento
aquém do normal (sa[}]ta riacho), 47- corrente que se usa pendente no pescoço
(vo[}]ta), 49- pirão preparado com água em que se cozinham ovos (esca[}]dado,
esca[}]fado), 54- quarto de dormir (qua[}]to) e 91- cuíca (po[}]ca). Nessas
cartas, o [}] distribui-se de forma equilibrada nas falas feminina e
masculina. Quanto à variável externa, ponto linguístico, essas localidades
se situam ao longo do curso do rio São Francisco, via usada para a passagem
sul J norte dos bandeirantes e mineiros durante os séculos XVII e XVIII.
O Atlas linguístico do Paraná – ALPR- (Aguilera, 2009) traz nove
cartas mistas6 com o /r/ em coda silábica interna (terça, árvore, pernilongo,
hortelã, borboleta, arco-íris, lagarto, parteira e tuberculose), cinco com /l/ em
coda, interna ou externa, passível de roticização7 (alçapão, sol, girassol,
anzol e calcanhar) e duas cartas com r em coda final (coador8 e flor). As
nove cartas que trazem as variantes com o /r/ em coda silábica interna
mostram que o [}] predomina em quase todas as mesorregiões9, exceto
nos pontos 27 (Guaíra) e 32 (Marechal Cândido Rondon), na mesorregião
Oeste; 48 (Capanema) e 56 (Barracão), na mesorregião Sudoeste; e 54
(Curitiba), na mesorregião Metropolitana de Curitiba, nos quais o tepe
[R] é categórico. No ponto 49 (Dois Vizinhos), também na mesorregião
Sudoeste, o [}] concorre com o [R]. A maior frequência do [R] foi
observada nas palavras arco-íris, lagarto (largato), parteira e tuberculose. Do
6
O ALPR traz também uma carta sintética para a distribuição diatópica de parteira.
7
É alta a frequência do rótico, nessas palavras, na modalidade retroflexa; no entanto
deixamos de computar os casos por não se tratar de regra categórica no Paraná.
8
O zero fonético é o mais frequente na realização dessa variante.
9
O Paraná compreende dez mesorregiões geográficas: 1. Noroeste; 2. Centro-Ocidental;
3. Norte Central; 4. Norte Pioneiro; 5. Centro-Oriental; 6. Oeste; 7. Sudoeste; 8.
Centro-Sul; 9. Sudeste; 10. Metropolitana de Curitiba (www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/
base_fisica/relacao_mun_micros_mesos_parana.pdf). Acesso em 05/03/2011.
128
Embora nos falte uma visão mais clara que complemente os mapas
do ALERS na área de São Paulo, parece evidente uma influência
paulista nesse movimento, iniciado a partir das antigas rotas de
tropeiros nos séculos XVII e XVIII.
129
Quadro 1
Carta tema /Estado Paraná Santa Catarina Rio G. do Sul Região Sul
49. gordura 35% 2% 1% 15%
50. corta 65% 22,5% 0,5% 22,5%
51. corda 65% 30% 0,5% 20%
52. fervendo 39% 4% 0% 15%
53. calor 46% 2% 0% 18%
130
131
132
133
134
100
Gráfico 3
80
63
55
60 Homens
44
37
40 Mulheres
20
0
Glotal Retroflexa
135
136
137
138
Referências
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silábica nos dados do Atlas linguístico do Brasil PR: um estudo geo-
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sociolinguísticos: os quatro vértices do GT da ANPOLL. Belo Horizonte:
Faculdade de Letras da UFMG, 2006. CD-ROM.
139
140
Resumo
O fato de sociolinguistas considerarem o /r/ retroflexo
ou caipira como estereótipo, uma forma estigmatizada
pelos falantes do Português Brasileiro (Tarallo, 1985), e
esta variante de rótico estar distribuída, principalmente,
pelo interior de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do
Sul, parte dos estados do Mato Grosso, Goiás e Minas
Gerais, nos leva a indagar se essa variante, em posição
de coda silábica, está perdendo espaço para outros
registros de rótico no PB. Para responder a questão,
propomos um estudo acerca da ocorrência do /r/
retroflexo na fala sul mineira, alicerçado em dois
corpora: o primeiro constituído dos registros nas cartas
do Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais –
EALMG – (Ribeiro et al., 1977), em 51 municípios; e
o segundo, com os dados coletados recentemente para
o Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), em Lavras, no sul
de Minas Gerais, localidade em que o /r/ retroflexo
era bastante produtivo no atlas de 1977. Passados mais
de 30 anos entre ambas as recolhas, propomos: (i)
verificar, nas respostas dadas aos Questionários
Fonético-Fonológico (QFF) do ALiB, nessa localidade,
a manutenção e/ou mudanças que possam ter ocorrido
em relação à frequência de uso do /r/ retroflexo; (ii)
discutir, à luz dos pressupostos teórico-metodológicos
da Sociolinguística Variacionista, as possíveis causas da
manutenção ou da mudança no registro oral dos
falantes atuais no que se refere ao /r/ retroflexo, tendo
em conta variáveis linguísticas e extralinguísticas.
Palavras Chave: /r/ retroflexo; Atlas Linguístico do
Brasil; Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais
Abstract
The fact that sociolinguists stereotype the retroflex /r/,
considered a stigmatized form by speakers of Brazilian
Portuguese (Tarallo, 1985), and that this variant is
distributed mainly through the interior of São Paulo,
Paraná, Mato Grosso do Sul, parts of the states of Mato
Grosso, Goiás and Minas Gerais, made us question
whether this variation is losing ground to other
141
142
1.
Introdução
É no léxico que se encontra uma grande
variedade regional e sociocultural do português do
Brasil. Assim, o léxico pode apresentar um papel
importante em termos de variação e mudança de uma língua.
Este artigo, inserido na esfera dos estudos lexicais realizados com
base nos dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB), tem como
objetivo investigar como a linguagem de indivíduos apresenta marcas
linguísticas específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade
de faixa etária a partir da utilização do léxico como fator diageracional
dos indivíduos no grupo etário do qual fazem parte. Assim, serão analisados
os itens do Questionário Semântico Lexical do Projeto ALiB referentes
aos campos semânticos corpo humano (conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos
da vida (menstruação e entrar na menopausa), a partir do repertório
linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e faixa II (50-65 anos),
com o intuito de verificar a seleção lexical realizada por distintas faixas
etárias das diferentes capitais do país.
Este trabalho se justifica pelo fato de o léxico possibilitar a
observação da leitura que uma comunidade faz de seu contexto e a
preservação de parte da memória sócio-histórica e linguístico-cultural da
comunidade, além de permitir o registro e a documentação da diversidade
1
Professora e Pesquisadora da UFBA
144
145
146
147
148
149
150
Exemplo 1:
(095)
INQ.- Como se chama aquela inflamação no olho que faz com
que o olho fique vermelho, amanheça grudado?
INF.- Conjuntivite.
INQ.- Mas o nome popular?
INF.- Mas, antigo também, as pessoas chamam dor d’olhos.
INQ.- Esse é o mais comum, não é?
INF.- Não, conjuntivite é o mais comum.
INQ.- Se eu perguntar pras pessoas mais da periferia?
INF.- Olha, talvez não... eu acho que sim, eu acho que a ideia do
dor d’olhos é uma ideia mais de um, de um, um traço de idade do que um
traço de, de nível sócio-econômico... (Inq 190-08- Vitória)
Exemplo 2:
(095)
INQ.- E aquela inflamação no olho que faz com que o olho fique
vermelho, amanheça grudado?
INF.- Aqui é chamado de dor d’olho... alguns fala conjuntivite por aí,
né? Mas o pessoal...
INQ.- ... mas aqui é...
INF.- ... mas antigamente era dor d’olho, agora que tá mudando,
chama conjuntivite. Conjuntivite, que o povo fala, né?
INQ.- Ahã.
INF.- Mas é dor d’olho. (Inq 108-05-Cuiabá)
151
152
Exemplo 3:
(121)
INF.- É menstruação, né?
INQ.- Tem um mais comum? Pode falar.
INF.- Não, ma, o nome de antigamente é muito feio.
INQ.- Fala!
INF.- Regras. (Inq. 138-03- Belo Horizonte)
Exemplo 4:
(121)
INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses, né. Como é
que se chama isso?
INF.- Aqui pra nós é tudo menstruação né?
INQ.- Isso. Tem algum nome mais folclórico, mais popular... Que
a gente falava quando era mais mocinha... Hoje eu tô do quê? O que que
veio pra mim...?
INF.- (risos) Aí não..., antigamente a gente, quando tava menstruada
lá muito, nos anos de guaraná de rolha, né (risos)
INQ.- Guaraná de rolha é bom!
INF.-A gente falava assim: “Ixe, eu tô de chico “ (risos) que eu achava
o máximo, né!
INQ.- É isso mesmo. No meu tempo também.
INF.- Aí que horror né. Agora cê fala menstruação é mais assim
delicado né! (risos). (Inq. 179-04-São Paulo)
Através desses exemplos, pode ser percebido que as informantes
da faixa etária mais avançada (as duas pertencem à faixa etária 2) lembram
e dão expressão às suas lembranças. Os depoimentos apontam para o
entendimento, por parte dos mais velhos, de que a vida mudou e junto
com ela também os itens lexicais para se referir ao fato de as mulheres
perderem sangue todos os meses.
A pergunta 122 do QSL se apresenta diatopicamente da seguinte
forma:
153
154
Exemplo 6:
(122)
INF. – (inint) chama amarrou o facão... ((risos))
INQ. – (inint) E esse amarrou o facão... sabe por que é que chama
amarrou o facão?
INF. – O facão? Porque, eh, suspendeu, num tem mais
menstruação...
INQ. – Ah...
INF. – (inint) já amarrou o facão num engravida mais... (risos) (INQ.
093-04- Salvador)
Nos exemplos, os informantes fazem escolhas lexicais que se
relacionam com sua época. Assim, é precisamente essa preocupação
simultânea com o “dizer” e com o “que dizer” que vai deixar evidente, no
texto falado, uma série de marcas responsáveis pela caracterização específica
de sua formulação, entre as quais as que sinalizam o trabalho de seleção
lexical através de itens lexicais denunciadores da faixa etária do informante.
4. Considerações finais
A análise do corpus possibilitou realizar o levantamento e a
documentação da diversidade lexical do português falado no Brasil,
seguindo os princípios da Geolinguística Pluridimensional, em que o
registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos. Nesse sentido, no
que diz respeito às denominações que recebem conjuntivite/dor d’olhos,
menstruação e entrar na menopausa, podem-se fazer algumas considerações
preliminares:
a) as designações enfocadas apresentam uma grande variação,
possibilitando a visualização da diversidade lexical e geolinguística do
português falado no Brasil;
155
Referências
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São Paulo, pp. 1-26, 1984.
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modernidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
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Londrina: UEL, 2001.
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HUDSON, Richard. La sociolingüística. Barcelona: Anagrama, 1981.
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discursive des catégories”. In: DUBOIS, Danièle (org.). Catégorisation et
cognition: de la perceptio au discourse. Paris: Kimé, 1997, pp. 291-313.
156
157
Resumo
Neste artigo se apresenta um dos aspectos de que se
ocupa o Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto
ALiB), o Léxico do português brasileiro. Dessa forma,
este trabalho investiga como a linguagem de indivíduos
apresenta marcas linguísticas específicas que constroem,
mantêm e projetam a identidade de faixa etária em
inquéritos do Projeto ALiB a partir da utilização do
léxico como fator diageracional dos indivíduos no
grupo etário do qual fazem parte. A metodologia
empregada consistiu na realização das seguintes etapas:
1) leitura de textos teóricos referentes ao tema
proposto; 2) escolha e formação do corpus, constituído
de inquéritos das capitais do Projeto ALiB; 3) análise
do corpus a fim de verificar marcas linguísticas
transmissoras da construção, projeção e manutenção
da identidade social de faixa etária. As análises dos
inquéritos selecionados buscam estudar os itens lexicais
presentes no campo semântico corpo humano
(conjuntivite/dor d’olhos) e ciclos da vida (menstruação
e entrar na menopausa), com o intuito de verificar a
seleção lexical realizada por informantes de diferentes
faixas etárias das diferentes capitais do país. A análise
do corpus possibilitou realizar o registro e a
documentação da diversidade lexical do português
falado no Brasil, seguindo os princípios da
Geolinguística moderna Pluridimensional em que o
registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos.
Palavras-chave: Geolinguística, Léxico, Variação.
Abstract
In this article, one of the aspects focused by the
Linguistic Atlas of Brazil Project (ALiB Project), the
Lexicon of the Brazilian Portuguese, is addressed.
Therefore, this paper investigates how individuals
language presents specific linguistic marks that
construct, maintain and project the age-group identity
in the questionnaire of the ALiB Project, based on the
use of the lexicon as a generational factor of individuals
within their age-group. The methodology used was
158
159
1.
Introdução
Dentre as construções do português brasileiro
em que ter e haver podem se alternar, incluem-se as
expressões de tempo decorrente (ETDs), destacadas
em itálico nos exemplos em (1)-(2) a seguir. Essas expressões servem
para indicar o tempo decorrido entre um estado de coisas e um
determinado ponto (nem sempre explícito no enunciado) do eixo
temporal. A ETD pode ser exata, indicando uma quantidade precisa de
tempo (com em há cinco anos ou tem duas horas), ou difusa, quando essa
quantidade é apresentada de modo inexato ou aproximado (como em há
algum tempo ou tem cerca de dois anos).2, 3
1
Docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
2
O estudo inicial que serviu de base a este trabalho foi feito em parceira com Sonia
Cyrino (IEL/Unicamp) e apresentado no VIII Seminário do PHPB (Para a História
do Português Brasileiro), sob o título Ter e Haver na história do português brasileiro:
variação, conservação e mudança (Avelar e Cyrino, 2010).
3
Os dados extraídos das amostras de fala analisadas serão apresentados entre aspas
e seguidos de sua fonte, com as seguintes informações: amostra (NURC-RJ ou CENSO)
e década, número do inquérito e, se for o caso, indicação de que se trata de um
indivíduo já entrevistado numa década anterior (Rec, de recontato). Os dados obtidos
por meio de introspecção serão apresentados sem aspas.
(2) a. “há muito tempo que eu não tenho tido contato com ela”
(CENSO/80 04)
b. “há doze anos que nós organizamos o natal dos velhinhos”
(CENSO/80 48)
c. “já é formada há bastante tempo” (CENSO/00 14 Rec)
d. “há muitos anos que eu não participo [de festa junina]”
(NURC-RJ/90 052 Rec)
4
Móia (1998) chama a atenção para o fato de que o complemento de haver em ETDs
pode ser um predicado de quantidades de tempo (como em há muito tempo) ou um
predicado temporal indicativo de intervalos (como em há cinco refeições). As ETDs com
ter também admitem as duas possibilidades, que não parecem, pelo menos à primeira
vista, ser um fator que influencie ou favoreça a ocorrência de um ou outro verbo.
162
5
Para a análise de expressões de tempo decorrente em português a partir de outras
perspectivas teóricas, vejam-se os estudos de Móia (1998) e Paiva (2010), entre outros.
163
6
As amostras de fala do projeto NURC (Década de 70, Recontato de 90 e Amostra
Complementar de 90) analisadas neste trabalho são do tipo “diálogo entre informante
e documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http://
www.letras.ufrj.br/nurc-rj
7
As amostras de fala do PEUL (Censo 1980, Censo 2000 e Indivíduos Recontactados
2000) analisadas neste trabalho também são do tipo “diálogo entre informante e
documentador”. Os inquéritos estão disponíveis no seguinte endereço: http://
www.letras.ufrj.br/peul
164
3.1 Clivagem
Um dos contrastes de (a)gramaticalidade que mais chamam a
atenção entre os casos com ter e haver diz respeito ao fato de que, quando
a forma verbal da expressão se encontra flexionada no presente do
indicativo, a ETD-haver pode ser clivada, mas não a ETD-ter. As construções
a seguir ilustram esse contraste.
8
Os juízos de (a)gramaticalidade em torno das propriedades abordadas se apoiam em
intuições do autor deste trabalho, nascido e criado na região metropolitana do Rio de
Janeiro.
165
166
(10) a. “já tem quarenta e sete anos que eu moro aqui” (CENSO/00
15 Rec)
b. “tem muito tempo que eu não passo lá” (CENSO/00 27)
c. “tem uns dois anos que a minha mãe não trabalha” (NURC-
RJ/90 03)
d. “tem dois anos seguidos que eu prefiro ir pra Petrópolis”
(CENSO/00 22)
e. “tem tempo que eu não vô” (CENSO/00 15)
(11) a. “...eu não tinha dinheiro, isso há cinco anos atrás...” (CENSO/
80 26)
b. ?? isso tem cinco anos atrás
(12) a. “há uns três anos atrás nosso barraco ia caindo” (CENSO/
80 10)
b. ?? tem uns três anos atrás nosso barraco ia caindo
(14) “Ele não foi nem eleito não. Isso já tem tempo atrás” (CENSO/
80 26)
167
(18) “nós temos o quê? nós temos praticamente seis anos... nós temos
praticamente seis anos que nós temos isso aqui” (Censo 80 –
Fal. 10)
168
(19) “eu tenho uns três anos... dois anos que eu viajo para o Espírito
Santo” (Censo 00 – Fal. 23)
(23) a. Tem/Há quanto tempo que aquela criança não toma banho?
b. Quanto tempo tem/*há que aquela criança não toma banho?
169
170
a forma há nas ETDs não deve ser tratada como um verbo, mas como um
item que compõe o sintagma nominal, equivalendo a uma categoria
prepositiva especializada na expressão de tempo decorrente. Conforme
destacado por Paiva (2010), essa ideia já aparece delineada em gramáticas
tradicionais, que chegam a classificar explicitamente a forma há nas
expressões relevantes como uma preposição. As ETDs-haver podem, dessa
perspectiva, ser equiparadas a sintagmas nominais preposicionados, com
há tendo sofrido um processo de gramaticalização por meio do qual perde
o estatuto verbal e passa a ser um constituinte do sintagma nominal. Essa
ideia converge para a proposta funcional de Paiva, para quem “a expressão
composta por haver não se caracterizaria como uma oração” (p. 147).
Vejamos como essa ideia permite explicar alguns dos contrastes
listados em (24).
Quanto ao contraste em (24a), o advérbio atrás é largamente
empregado em sintagmas nominais não-preposicionados que servem à
expressão de tempo decorrente, como nos exemplos a seguir.
Vale observar, nesse sentido, que itens adverbiais como atrás, antes,
adentro, acima, abaixo etc. são largamente empregados no interior de
sintagmas nominais com interpretação locativa temporal ou espacial, como
nos constituintes em itálico dos exemplos seguintes.
Esses fatos sugerem que a inserção de haver nas ETDs com atrás
destacadas em (26), como se pode observar em (28) a seguir, não altera o
estatuto nominal das expressões. A inserção de ter nessas mesmas ETDs, ao
contrário, resulta em agramaticalidade (ou, pelo menos, causa estranhamento,
como destacado em 3.3) porque a ETD-ter apresenta um estatuto oracional,
que não é compatível com o emprego do advérbio nas mesmas condições.
171
172
5. Análise quantitativa
A partir dos contrastes analisados nas seções anteriores, é possível
afirmar que a alternância entre ter e haver em ETDs da fala carioca é, na
verdade, resultado da sobreposição de dois padrões estruturais distintos
– um com propriedades oracionais e outro com propriedades nominais.
Cabe indagar se essa variação é estável ou se, ao contrário, é resultado de
um processo de mudança em progresso. Como destacado na introdução,
os resultados quantitativos sobre a distribuição de cada ETD entre os dois
grupos de indivíduos não vão numa mesma direção: entre os falantes sem
curso superior, os números apontam para uma variação estável, enquanto,
entre os falantes com curso superior, os números sugerem, à primeira
vista, um processo de mudança em progresso.
Os gráficos a seguir ilustram os percentuais de ocorrência nos
dois grupos. Entre os falantes com alto grau de instrução, conforme
ilustrado na Figura 1, a frequência das ETDs-haver cai de 100% para 77%
no intervalo de tempo considerado, enquanto as ETDs-ter, que não
ocorriam na década 70, chegam a 23% do total de ocorrências na década
de 90. Entre os falantes sem curso superior, conforme ilustrado na Figura
2, a frequência de cada ETD praticamente não se altera entre os dois
períodos.
173
HAVER TER
100%
100%
80% 77%
60%
40%
23%
20%
0%
0%
DÉC. 70 DÉC. 90
Figura 1: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre
indivíduos com curso superior, nas décadas de 70 e 90
HAVER TER
100%
80%
73% 72%
60%
40%
27% 28%
20%
0%
DÉC. 80 DÉC. 90
Figura 2: Frequências das ETDs com ter e haver na fala carioca, entre
indivíduos sem curso superior, nas décadas de 80 e 90
174
80% 86%
77%
60%
40%
20%
DÉC. 70 DÉC. 90
0%
FX. 1 FX. 2 FX. 3
Figura 3: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter) por
faixa etária na fala carioca, entre indivíduos com curso superior, nas
décadas de 70 e 90.
175
100%
93%
80% 75%
67%
75%
72%
60%
60%
40%
20%
DÉC. 80 DÉC. 90
0%
FX. 1 FX. 2 FX. 3
Figura 4: Frequências das ETDs com haver (contra as ETDs com ter)
por faixa etária na fala carioca, entre indivíduos sem curso superior, nas
décadas de 80 e 90
6. Conclusões
Os padrões de frequência apresentados na seção anterior indicam
que as ETDs-ter não eram parte da fala culta carioca na década de 70, mas
são produzidas pelos falantes com curso superior na década de 90. Esse
fato indicia uma tendência na direção de reduzir a polarização entre fala
culta e fala popular na cidade do Rio de Janeiro, pelo menos no que
concerne às construções com ter e haver.
O emprego de ter como o verbo canônico de orações existenciais,
em substituição a haver, é uma inovação do português brasileiro que estava
em processo de consolidação já no século XIX. A esse respeito, Júlio
Ribeiro menciona, em sua Grammatica Portugueza, que o emprego de ter
vinha “se tornando geral no Brasil, até mesmo entre as pessoas illustradas”
(1914, p. 296). No século XX, a pressão normativa contra o valor existencial
desse verbo aparece em gramáticas como as de Napoleão Mendes de Almeida,
176
para quem “constitui erro grave, e todo possível devemos fazer para evitá-
lo, empregar o verbo ter com a significação de existir” (2005, p. 42).
Essa pressão normativa parecia se refletir, de certa forma, na
variação entre ter e haver em construções existenciais da fala culta carioca
na década de 70, período em que haver, apesar de já ser menos frequente
que ter, ainda ocorria em cerca de 37% dessas construções (Callou e
Avelar, 2002). Na década de 90, esse percentual é reduzido para 2% entre
os falantes cultos mais jovens, evidenciando que a pressão normativa não
foi bem sucedida na tentativa de evitar o avanço de ter sobre haver.
Os padrões de frequência atestados para as ETDs também podem
estar relacionados ao insucesso da mesma pressão, com a fala culta se
aproximando da fala popular no que tange à variação entre as expressões
de tempo decorrente com os dois verbos. O perfil de mudança em tempo
aparente relacionado à curva de frequências por faixa etária entre os falantes
cultos da década de 90 (ver Figura 3) pode, dessa forma, ser apenas um
processo de acomodação ao panorama da variação atestado para o grupo de
falantes sem curso superior. A confirmação desse quadro só será possível
com o levantamento de dados da fala carioca culta e popular no Rio de
Janeiro do século XXI, trabalho que ainda está por ser feito.
Cabe uma última palavra sobre o fato de as ETDs serem um contexto
de resistência à supressão de haver, em contraste com o observado em outros
contextos frásicos nos quais esse item pode variar com ter. Esse contraste
pode estar relacionado à diferença entre a ETD-ter e a ETD-haver quanto ao
caráter oracional ou nominal da expressão. Tanto nas construções existenciais
quanto nas locuções verbais, haver preserva sua condição verbal. Em situações
desse tipo, pode entrar em jogo o chamado efeito de bloqueio (do inglês blocking
effect), que conduz à supressão de uma determinada forma linguística nos
casos em que duas formas funcionalmente idênticas entram em competição,
nos termos propostos em Kroch (1994) a partir da proposta de Aronoff
(1976). Esse parece ter sido o caso da disputa entre ter e haver em construções
existenciais e locuções verbais, nas quais as duas formas são funcionalmente
idênticas (ambas são verbos que servem praticamente às mesmas funções
gramaticais), o que resultou (ou vem resultando) na supressão progressiva
de uma delas – o verbo haver.
Em contraste, ter e haver não devem ser tratados como formas
funcionalmente idênticas nas expressões de tempo decorrente,
considerando que as ETDs-ter são oracionais, enquanto as ETDs-haver são
nominais. Como discutido na seção 4, isso implica o tratamento de haver
como um item preposicional, e não verbal, na constituição de tais
expressões. Por extensão, o efeito de bloqueio não se aplica às ETDs, o
177
que significa que, se nenhum outro fator entrar em jogo, nenhum dos
dois padrões de ETD está sob risco de ser suprimido. Se esta análise
estiver correta, pode-se prever que a variação entre a ETD-ter e a ETD-
haver ficará estável, revelando que o aumento da frequência das ETDs-ter
entre os falantes cultos não resulta de um processo de mudança em que
uma forma é substituída por outra, mas de uma despolarização entre fala
culta e fala popular no plano das construções com ter e haver.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa.
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DUARTE, Maria Eugênia L. “Sociolinguística paramétrica: perspectivas”.
178
179
Resumo
Este estudo focaliza expressões indicativas de tempo
decorrente com ter e haver na fala carioca, comparando
os padrões de frequência desses itens entre indivíduos
com e sem curso superior em dois recortes temporais
distintos. Os resultados mostram que, na passagem de
um para outro recorte, os indivíduos com curso
superior reduzem a frequência de haver, aproximando-
se do comportamento demonstrado pelos indivíduos
do outro grupo. O estudo também sugere que,
enquanto as expressões de tempo decorrente com ter
são oracionais, aquelas com haver são nominais, o que
permite explicar alguns contrastes sintáticos entre as
estruturas com esses itens.
Palavras-chave: variação, fala carioca, expressões de tempo
decorrente
Abstract
This study focalizes expressions of elapsed time with ter
‘to have’ and haver ‘to exist’/’there to be’ in carioca
dialect, comparing the frequencies of these items in
the speech of individuals with and without university
education in two different periods of time. The results
show that, from one period to another, individuals with
higher level of formal education reduced the frequency
of haver, approaching the behavior demonstrated by
the other. The study also suggests that, whereas the
expressions of elapsed time with ter are propositional,
those with haver are nominal, which allows to explain
some syntactic contrasts between the structures with
these items.
Keywords: variation, carioca speech, expressions of elapsed
time
180
I
ntrodução
Neste artigo, analisa-se a possibilidade de
ocorrência de um elemento adverbial locativo à esquerda
do sintagma preposicional locativo (SPLOC). Diversas
pesquisas (Paiva, 2002, 2003; Braga e Paiva, 2002; Martelotta e Leitão, 2002;
Melo e Oliveira, 2003; Santos e Oliveira, 2004) têm como objeto de estudo
as formas locativas aqui/cá, aí, ali, lá/acolá, embora não as focalizem em
ocorrências de locativo anteposto ao sintagma preposicional, na perspectiva
do tempo real de curta duração (Labov, 1994). Parte-se da discussão de que
a presença de um elemento morfológico definido no interior do SPLOC
favoreça o uso do locativo. São analisados dados de fala culta da cidade do
Rio de Janeiro (www.letras.ufrj.br/nurc-rj), com base nos pressupostos da
Teoria da Variação e Mudança Linguística (Weinreich, Labov e Herzog, 2006
[1968]). O objetivo é verificar a qual(is) restrição(ções) o fenômeno está
submetido e como se comportam a comunidade e o indivíduo no lapso de
tempo que separa as duas amostras. Os resultados indicam estabilidade
naquela e ora estabilidade, ora instabilidade neste. A relação entre os
diferentes padrões da comunidade e do indivíduo não permite afirmar se há
estabilidade ou mudança geracional.
Na primeira parte, há uma breve apresentação da hipótese. Na
segunda, algumas considerações sobre o estudo em tempo real de curta
1
Doutoranda do Programa de Letras Vernáculas (UFRJ).
1. Locativo e definitude
A análise dos exemplos de (01) a (03) indica que a agramaticalidade
das sentenças em (c) não ocorre devido à presença ou ausência do locativo
à esquerda do SPLOC, mas devido à ausência de um determinante no
sintagma preposicional2.
2
Embora seja possível discutir a aceitabilidade de algumas sentenças com SPLOCs
introduzidos pelas preposições de, para e a com determinante definido, o trabalho
concentra-se no uso da preposiçãoem devido a sua alta frequência como introdutora
de SPLOC (Thomé Viegas, 2008).
182
183
184
3. Corpora e metodologia
Para a realização do Estudo de Tendência, são analisadas
entrevistas de 22 informantes, distribuídos em três faixas etárias (de 25 a
35 anos, de 36 a 55 anos e de 56 anos em diante, respectivamente faixas
1, 2 e 3), pelos gêneros masculino e feminino e pelas décadas de 70 e de
90. Para a realização do Estudo de Painel, há 11 entrevistas com indivíduos
recontatados em um intervalo de tempo de 20 anos. Todos os informantes
possuem nível universitário. As amostras são do Projeto NURC-RJ e estão
disponíveis em www.letras.ufrj.br/nurc-rj.
Foram recolhidas todas as ocorrências de SPLOCs, independentemente
da presença ou ausência do advérbio locativo. Quanto à possibilidade de
inserção do locativo à esquerda do SPLOC, quando este não está
185
Estudo de Tendência
Faixas Amostra 70 Amostra 90
etárias Masculino Feminino Masculino Feminino
096 133 013 003
1 164 011 023 012
052 002 014 020
2 233 140 017 019
071 373 018 027
3 347 028
Idade
Entrevistas Gênero
Década de 70 Década de 90
(Recontato)
133 F 31 50
011 F 26 46
096 M 25 45
164 M 34 53
002 F 44 65
140 F 55 74
052 M 39 59
233 M 41 59
373 F 58 76
347 F 57 79
071 M 56 80
186
3
O Goldvarb X é uma ferramenta metodológica utilizada por sociolinguistas
variacionistas em análises estatísticas de dados (Sankoff, Tagliamonte e Smith, 2005).
4
A variação linguística pressupõe a existência de formas linguísticas alternativas, as
variantes, que configuram um fenômeno variável chamado de variável dependente. O
emprego do termo dependente deve-se ao fato de o uso das variantes não ser aleatório,
mas induzido por grupos de fatores, ou variáveis independentes, de natureza social
ou estrutural (Mollica, 2004).
5
Grupos de fatores ou variáveis independentes consistem nos parâmetros reguladores dos
fenômenos variáveis, exercendo pressão positiva ou negativa sobre o emprego das
formas variantes (Mollica, 2004).
6
Valor de aplicação é a variante escolhida pelo pesquisador (a depender dos objetivos
do estudo e do modo como se concebe a relação entre variação e mudança) como
aplicação da regra. O código de aplicação correspondente ao código dado a essa variante
deve ser informado ao programa computacional. No caso de uma variável binária, por
exemplo, é possível deduzir o valor da outra variante com a apresentação do valor de
aplicação (Guy e Zilles, 2007).
187
Locativo
Lá Aqui Ali Aí Total
Oco 114 98 20 2 234
% 49% 42% 8% 1% 100%
7
O input representa o nível geral de uso de uma das variáveis dependentes.
Geralmente, a variável que se deseja focalizar é a que funciona como valor de aplicação.
O valor do input deve se aproximar ao valor da variável focalizada. Quando isso não
acontece, significa que a distribuição dos dados não está equilibrada (Guy e Zilles,
2007). Nota-se que os valores dos inputs de cada amostra aproximam-se aos valores da
variável focalizada, expressos na Tabela 03.
188
Década de 70 Década de 90
Fatores Oco/Total % PR Oco/Total % PR
Topônimo 39/326 12% .66 54/368 15% .59
Espaço fechado 1 8/117 7% .52 32/93 34% .74
Espaço fechado 2 4/124 3% .30 2/111 2% .15
Espaço 5/149 3% .30 18/203 9% .44
Total 56/716 8% - 106/775 14% -
(14) LOC. [morei] no Rio sempre... salvo na infância que era AQUI
[na Gávea] eh... quando pequenininha depois... já fui pra
Lagoa e... e depois sempre Botafogo... até me casar em
sessenta sessenta e um fui pra Espanha... [133/70/F1/F]10 –
Topônimo.
8
O programa Goldvarb X apresenta os resultados do cruzamento das variáveis
linguísticas e extralinguísticas em peso relativo indicativo de maior ou de menor
favorecimento em relação à aplicação da regra (Guy e Zilles, 2007).
9
São classificados como topônimos os nomes próprios de lugares, os nomes de ruas, de
pontos turísticos e de estabelecimentos. Já espaço fechado 1 são termos que se referem
a local de moradia como casa, apartamento, edifício, sobrado, dentre outros, ou de
permanência, como hotel. Representam espaço fechado 2 termos que se referem a locais
fechados como cinema, loja, hospital, supermercado, igreja. Representam espaço termos
menos específicos como rua (sem o nome da mesma), chão, lugar, vila, bairro, país,
cidade, parque.
10
As referências dos exemplos indicam, respectivamente, o número do inquérito, a
amostra (70 ou Amostra Complementar (AC)), faixa etária (F1, F2 ou F3) e gênero
do locutor (F ou M).
189
Década de 70
Fator Oco/Total % PR
Determinante definido 43/496 9% .59
Sem categoria alguma 12/248 5% .40
Determinante indefinido 1/69 1% .24
Total 56/813 7% -
Tabela 06: O locativo e a (in)definitude do SPLOC na década de 70
[+definido] [-definido]
190
uma vez que se trata de nomes de estados e cidades que não aceitam a
determinação com artigo.
O cruzamento dos grupos caracterização do termo locativo contido no
SPLOC e (in)definitude morfológica do SPLOC mostra que a ocorrência de
locativo é maior quando, no SPLOC, há determinante definido e topônimo,
com 17% das ocorrências. Enquanto o determinante definido pode figurar
com os quatro tipos de lugar, topônimos, espaço fechado 1, espaço fechado 2
e espaço, o determinante indefinido só ocorre quando o termo no SPLOC se
refere aespaço fechado 1, conforme a Tabela 07.
Década de 70 Década de 90
Fator Oco/Total % PR Oco/Total % PR
Em 49/552 9% .60 100/623 16% .57
De 5/129 4% .37 3/86 3% .21
Para 1/59 2% .25 2/73 3% .31
Total 56/797 7% - 105/782 13% -
Tabela 08: O locativo e a preposição introdutora do
SPLOC nas duas épocas11
11
Em 70, houve somente uma ocorrência de preposição a com locativo à esquerda:
(01) Então eles vêm de lá pra cá, [...] Apesar de que já há muita casa boa na Tijuca
agora, mas o pessoal prefere ainda vir AQUI [a Copacabana]. [140/70/F2/F]
Em 90, devido à ausência de ocorrência da preposição a com locativo, resultado
categórico, ela foi retirada da análise para a obtenção do peso relativo.
191
(17) [em Belo Horizonte] a comida tem mais legume... tem mais
verdura... tem muito mais carne... que LÁ [no norte] a gente
comia camarão... né... às vezes comia até lagosta... né... tinha
um preço barato... né... peixe... peixe é uma delícia... né... já
AQUI [em Minas] não... come a carne muito gostosa... lingüiça...
[011/70/F1/F] – Preposição em.
Década de 90
Fator Oco/Total % PR
Adjunto adverbial locativo 61/319 19% .62
Adjunto adnominal locativo 21/192 11% .53
Complemento ve rbal 24/340 7% .36
Total 106/851 12% -
192
Dé cada de 90
Fator Oco/Total % PR
Estativo 57/277 20% .63
De processo culminado 3/24 12% .58
De culminação 8/72 11% .40
De processo 16/268 6% .40
Pontual 1/18 5% .31
Total 85/659 13% -
Tabela 10: O locativo e o tipo de verbo na década de 90
12
A classificação dos verbos segue Mira Mateus et alii (2003): a. estativo, em que se
incluem os verbos existenciais, os locativos, os epistêmicos, perceptivos e psicológicos
e os verbos copulativos; b. verbos de processo, são os meteorológicos, os inergativos de
atividade física e os de movimento; c. verbos de processo culminado, verbos de tipo
causativo ou agentivo; d. de culminação, geralmente, verbos que expressam movimento,
aparecimento e desaparecimento em cena e mudança de estado; e. pontuais, verbos
com somente um argumento selecionado para sujeito.
193
Década de 90
Fator Oco/Total % PR
[+definido] [+específico] 100/724 14% .53
[-definido] [+específico] 6/123 5% .34
Total 106/856 12% -
Tabela 11: O locativo e o efeito de definitude e de especificidade
do termo contido no SPLOC na década de 90
13
Termo [+definido] é aquele que está previamente no domínio do discurso, tanto um
nome repetido, quanto um subconjunto do referente. Assim, um termo [+definido] é,
obrigatoriamente, [+específico], já que está incluso no conjunto de outro termo
previamente dado (Lyons, 1999; Enç, 1991 apud Coelho, 2000). Neste trabalho, também
são classificados como [+definido] [+específico] os topônimos, por se tratar de nomes de
lugares definidos e específicos, os pontos cardeais e as partes do corpo, por se tratar de
lugares determinados em relação a lugares mais amplos. Já o termo [-definido] é aquele
introduzido no discurso. Pode estar ou não relacionado a referentes discursivos já
estabelecidos, correspondendo, respectivamente, aos traços de [+especificidade] e de
[-especificidade]. Um nome [-definido] [-específico] é absolutamente novo, pois é
introduzido no discurso e não relacionado a referente já estabelecido. Um nome [-
definido][+específico] é introduzido no discurso, porém incluso em um conjunto já
estabelecido contextualmente. Como a especificidade responde à condição de inclusão,
não haveria, de acordo com Enç (apud Coelho, 2000), termo [+definido] [-específico],
pois a definitude leva, obrigatoriamente, a inclusão.
14
No nível 1, o Goldvarb X apresenta os grupos de fatores analisados separadamente. O
grupo relevante é escolhido em termos de significância, cujo valor é o menor (Guy e
Zilles, 2007).
194
195
196
Década de 70 Recontato
Faixa etária Gênero Informante Oco % Oco %
133 5 5% 5 5%
1 Fem. 011 10 9% 3 5%
096 3 11% 3 7%
Masc. 164 1 3% - -
002 3 6% 1 11%
2 Fem. 140 8 11% 16 15%
052 4 11% 14 36%
Masc. 233 11 9% 8 7%
373 2 7% 1 7%
3 Fem. 347 2 1% 8 10%
Masc. 071 7 9% 13 8%
197
5. Considerações finais
As análises, referentes tanto ao Estudo de Tendência quanto ao
Estudo de Painel, indicam que não há um quadro bem delineado na fala
culta carioca quanto ao fenômeno observado.
O estudo da comunidade aponta variação estável, indicada pela
distribuição década/faixa etária. Porém, nota-se diferença em relação aos
fatores selecionados nas duas épocas: do total de seis grupos escolhidos
como relevantes, somente a caracterização do termo locativo contido no SPLOC
e a preposição introdutora do SPLOC se repetem.
Os resultados de 70 e de 90 apontam haver uma tendência, de
uma época para outra, à ampliação do uso do locativo. Em 70, a seleção
das variáveis caracterização do termo locativo contido no SPLOC, (in)definitude
morfológica do SPLOC e preposição introdutora do SPLOC indica haver um
tipo de SPLOC favorecedor do uso do locativo, resultando em uma
construção locativa: locativo + [preposição em + determinante definido +
topônimo]. Em 90, a restrição em relação ao fenômeno diminui, já que,
além dos três grupos selecionados em 70, listados acima, os grupos função
sintática do SPLOC, tipo de verbo e efeito de definitude e de especificidade do
termo contido no SPLOC também se mostram relevantes para o fenômeno.
Quanto ao Estudo de Painel, pode-se dizer que o indivíduo é ora
estável, ora instável.
A análise dos resultados não permite afirmar se se trata de um
padrão de estabilidade, com a comunidade e o indivíduo estáveis, ou de
mudança geracional, com a comunidade estável e indivíduo instável.
198
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lingüístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003, pp. 133-
143.
199
200
Resumo
Este artigo trata do uso do advérbio locativo posicionado
à esquerda do sintagma preposicional locativo. Sob a
perspectiva do tempo real de curta duração, são
realizados Estudos de Tendência e de Painel, com
corpora representativos da falada cidade do Rio de
Janeiro. A análise dos resultados mostra que o
fenômeno é estável na comunidade. Em relação ao
indivíduo, o fenômeno mostra-se ora estável, ora
instável. A associação dos comportamentos da
comunidade e do indivíduo não permite afirmar se se
está diante de um padrão de estabilidade ou de
mudança geracional.
Palavras-chave: Advérbio locativo, Sintagma preposicional
locativo, Rio de Janeiro, Estudo de Tendência, Estudo
de Painel.
Abstract
This article analyzes the use of a locative adverb before
a locative Preposicional Phrase. Following the
methodological approach to the study of change in
“short term real time”, we present a Trend Study and
a Panel Study using samples with Rio de Janeiro
speakers. The results show that the phenomenon in
the community is stable. In relation to the individual,
we attest stability and instability. The association of the
patterns obtained does not allow any conclusions
regarding stability or a generational change.
Keywords: Locative adverb, Locative Preposicional
Phrase, Rio de Janeiro, Trend Study, Panel Study.
201
I
ntrodução
Diversos estudos sociolinguísticos (Mollica,
1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004, Wiedemer, 2008,
2010a, 2010b; Vieira, 2009) sobre a regência variável
do complemento locativo do verbo ir vêm demonstrando a pertinência
de fatores extralinguísticos (idade, escolaridade, sexo/gênero, profissão)
e de fatores linguísticos no condicionamento de seleção das preposições
a/para/em. Sob uma perspectiva descritiva mais geral, fora do quadro da
Sociolinguística, Travaglia (1985) sustenta que a preposição é regida pelo
seu argumento ou adjunto e que a escolha da preposição se daria em
dois níveis diferentes: no nível sintático, a preposição seria selecionada
pelo verbo e, no nível semântico, ela se harmonizaria com o conteúdo
semântico do adjunto ou do argumento do verbo.
No presente trabalho2, pretendemos, a partir de uma abordagem
sincrônica e numa perspectiva sociolinguística, discutir os resultados da
análise de novos fatores linguísticos condicionantes na seleção das
preposições que complementam o verbo ir e, com isso, aprofundar as
justificativas e as hipóteses para os diferentes usos dessas preposições, alguns
dos quais podem ser observados nos exemplos de (1) a (3) abaixo:
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em estudos Linguísticos da Universidade
Estadual Paulista (UNESP-SJRP/FAPESP, Processo 09/50819-0). Email:
wiedemer@sjrp.unesp.br
2
Este texto retoma alguns dos resultados da dissertação de Wiedemer (2008), que
analisou a regência variável do verbo ir na fala catarinense.
(1) Ir + a
Em São Paulo não tem nada disso, né? Aí tem que ir a Santos, e Santos a gente
conhece também muito bem. (SC BL 24).3
(2) Ir + para
A gente vai pra praia, né? (SC BL 22).
(3) Ir + em
Ia conhecer era Pantanal e essa seria... um dos meus sonhos é ir no Pantanal.
(SC FL 10).
3
Códigos adotados pelo Projeto VARSUL para especificar entrevistas: estado (SC=Santa
Catarina), cidade (BL=Blumenau; FL=Florianópolis), número da entrevista (22).
4
O trabalho de Mollica (1996) é apresentado em dois capítulos (capítulos 6 e 12)
do livro Padrões sociolinguísticos: análise de fenômenos variáveis do português falado do
Rio de Janeiro (Silva e Scherre, 1996).
204
5
Mollica (1996) não separa as preposições a e para na análise.
205
206
6
Exemplo retirado do trabalho de Kewitz (2007, p. 24).
207
208
209
210
211
212
(07) Eles vieram pra Florianópolis porque todo mundo dizia que
Florianópolis era bom. Ilusão, né? Todo mundo dizia: “Ah, vai pra
Florianópolis, Florianópolis é bom, é melhor, tem serviço, isso e aquilo.”
Aí então eles vieram. Mas na época que eles vieram pra cá não tinha
ônibus, não tinha nada. (FLP 08) [espaço geográfico]
213
214
Preposições A PARA EM
Pesso a do Apl./total % PR Apl./total % PR Apl./total % PR
Discurso
A gente + P1 (eu, nós) 11 3/620 18 0,57 253/620 41 - 254/620 41 0,53
P2 8/58 14 0,48 19/58 33 0,44 31/58 53 0,59
P3 23/279 8 0,35 158/279 57 0,65 98/279 35 0,42
TOTAL 14 4/957 15 430/957 45 383/957 40
Input: .11 Sig.: .045 Input: .45 Sig.: .034 Input: .39 Sig.: .023
Significância
3º selecionado 2º selecionado 7º selecionado
P ESS OA DO Preposição
D IS CU R SO
A gen te+eu/nós (P1) A
P2 EM
P3 PARA
215
(13) [eu] olha, às vezes eu gostaria de ir mais longe assim, fazer um passeio,
isso e aquilo, mas, eu não gosto de dirigir, e, às vezes que eu ando na Cento
e Um pra mim não é um passeio, não é nada, isso é A última vez que eu fui
a Florianópolis, realmente, quando eu vinha de volta, era umas quatro ou
cinco horas da tarde, essa região de Florianópolis pra cá,... (SC FLP 24) [P1]
(15) Foi uma luta tremenda pra nós dois e os filhos. Botava tudo dentro
do Fusquinha, ela ia pra uma universidade, eu ia pra repartição e botava
os filhos na escola. (SC FLP 13) [P3]
7
Apresentamos aqui apenas o grupo de fatores tempo-modo-verbal, pois foi o único
selecionado pelo pacote estatístico. Ao leitor interessado na configuração dos outros
grupos de fatores, ver Wiedemer (2008).
216
(16) Na época [da] quando nós íamos para o colégio, na época caía geada
ainda, hoje não cai muita geada aqui. (SC BLU 03) [Pretérito imperfeito]
(17) E quando eu fui a São Paulo, eu trabalhei num escritório, uma firma
que vendia aço, no atacado. (SC BLU 05) [Pretérito perfeito]
(18) Não dá ânimo pra ir num campo de futebol ou clube que nós temos aqui
em Blumenau (SC BLU 03) [Outros]8
8
Esse fator engloba outros tempos verbais, bem como formas nominais do verbo que
não integram uma locução verbal.
217
Considerações finais
Ao longo deste trabalho buscamos evidenciar novos grupos de
fatores referentes à variação no uso das preposições a/para/em no
complemento locativo do verbo ir a partir dos resultados alcançados por
Wiedemer (2008), e apresentar outros fatores linguísticos que atuam na
variação/mudança do fenômeno investigado, além dos já investigados por
outros trabalhos (Mollica, 1996; Ribeiro, 1996, 2008; Vallo, 2004; Vieira,
2009).
Para tanto, inicialmente, exemplificamos o fenômeno de variação/
mudança das preposições a/para/em com base em diversos estudos
sociolinguísticos existentes, e também apresentamos os grupos de fatores
controlados por tais trabalhos.
Na sequência, apresentamos os resultados e análise de novos
fatores linguísticos (configuração do locativo; pessoa do discurso; tempo-modo-
verbal) que atuam na seleção das preposições a/para/em, que
complementam o verbo ir, e, com isso, sustentamos a multiplicidade de
fatores que envolvem o fenômeno.
Distanciamo-nos, aqui, da afirmação de Travaglia (1985), de que
a escolha da preposição se daria em dois níveis diferentes: no sintático,
218
Referências
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Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996, pp. 149-167 (Capítulo 6).
______. “Influência dos fatores sociais sobre a regência variável do verbo
219
220
Resumo
Neste artigo, apresentamos os resultados da análise de
novos fatores linguísticos como condicionantes na
variação/mudança das preposições a/para/em, que
introduzem complemento locativo do verbo ir, com
base em dados de amostras da fala de Santa Catarina
(Florianópolis, Blumenau e Lages), no sul do Brasil,
integrantes do Projeto VARSUL. Procuramos mostrar
que outros fatores linguísticos atuam na variação/
mudança linguística que envolve esse fenômeno, além
dos já apontados por trabalhos anteriores de cunho
sociolinguístico.
Palavras-chave: Verbo ir; preposições (a/para/em);
VARSUL; Sociolinguística.
Abstract
This paper presents the results of the analysis of new
linguistic factors which constrain the variation/change
in the use of prepositions a/para/em introducing the
locative complement of verb ir (to go), based on data
from samples of speech from Santa Catarina
(Florianópolis, Blumenau and Lages), in the south of
Brazil, which integrate the Project VARSUL. We try to
show that other linguistic factors act in the variation/
change that involves this phenomenon, besides those
already pointed out by previous sociolinguistic
researches.
Keywords: Verb to go(ir); prepositions (a/para/em);
VARSUL; Sociolinguistics.
221
1.
Apresentação
O objeto de investigação deste trabalho são as
construções de junção com que nem, que mostram alta
produtividade em textos da modalidade de enunciação
falada do português, onde atuam no estabelecimento de uma relação
semântica de comparação de igualdade. No exemplar em (01), extraído
de um inquérito da amostra IBORUNA, há uma associação, por
comparação, entre propriedades do quiabo e o modo de nascimento do
bebê, uma associação que é qualitativa por natureza:
(01) ela teve o nenê em cima da cama lá... o nenê guspiu que nem
quiabo pra fora... e num deu tempo de NADA… nem de levá(r) pra sala
de parto… (AC:030)
1
Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-SJRP/CNPq).
(02) depois que você assô(u) o bo::lo você coloca essas três clara...
batida com açúcar por cima que nem um suspiro... e volta lá no forno
(AC:142)
(03) (...) era tudo mais VE::lho assim... tudo rabiscado agora não... hoje
já é bonito:: as carteiras são todas no::vas que nem eu te falei né? (AC:042)
224
2. Fundamentos teóricos
2.1 Tendências em gramaticalização de juntores
Seguindo Heine (2003), entendo gramaticalização em dois sentidos:
2
Há casos em que, provavelmente pelo uso frequente, a construção com que nem
assume uma feição cristalizada, conforme as ocorrências: (i) vai BÊbedo me(s)mo que
nem ele só (AC:079); e (ii) comemos que nem... lou::cas... né? (AC:018). Dados desse
tipo não serão considerados aqui.
225
226
ESPAÇO
CCCC TEMPO
MODO
227
228
EIXO TÁTICO
PARATAXE HIPOTAXE
(estatuto igual) (estatuto desigual)
Elaboração Exposição: P isto é Q Orações relativas
Exemplificação: P por exemplo Q apositivas
Esclarecimento: P de fato Q
Extensão Co-ordenação de orações: Hipotaxe de orações em:
Adição (positiva e negativa): P e Q; não P nem Q Adição: P além d e Q
EXPANSÃO
3. Decisões metodológicas
O material de investigação compreende inquéritos do banco de
dados IBORUNA, que abriga amostras do português falado no noroeste
do estado de São Paulo. O material foi coletado sob os critérios da
sociolinguística variacionista, e está dividido em amostras censo (AC) e
amostras de interação (AI). Para este trabalho, selecionei aleatoriamente
quarenta inquéritos da AC. A partir desse material, foram apuradas as
frequências token e type, mostradas na Tabela 1.
229
(06) (...) uma amiga minha ela tinha o cabelo mais ou menos no
ombro... cortaram que nem da Giovana Antonelli assim... ficô(u) tudo
arrepia::do (AC:042)
230
(07) João é tão alto quanto Pedro (João e Pedro são igualmente altos)
(08) João canta como um rouxinol (João canta de modo similar a um
rouxinol)
(09) O Ronaldinho joga bem mas só que ele:: tá fazendo que nem uma
criancinha tá querendo fazer graça né? (AC:009)
231
(10) .. então:: pra mim ele se tornô(u) que nem um::... Darth Vader né?
(AC:148)
(11) ...depois de dobrá(r) o lençol tem que molhá(r) ele que nem as
fronha (AC:016)
(12) Inf.: forte que nem um... um to(u)ro ... (AC:100)
(13) Inf: capivara cada trinta dia cria três ou quatro é que nem coelho
Doc: é reproduz bastante né?
Inf: reproduz (AC:063)
232
3
A terminologia é de Price (1990), que propõe uma tipologia para as comparativas
de igualdade, em que são reconhecidos três tipos de construções: (i) oracional reduzida
(cf. a jovem é inteligente como seu irmão); (ii) oracional plena (cf. a jovem é inteligente como
seu irmão parece ser); e (iii) frasal relativizada (cf. a jovem é inteligente como seus pais
acreditam).
233
(18) Inf.: ah::... bonitinhas... antes não... éh::... num era NO::vo sabe?...
era tudo mais VE::lho assim... tudo rabisca::do... agora não... hoje já é
bonito::... as carte(i)ras são todas no::vas... que nem eu te falei né?... que
reformaram tudo... (AC:042)
(19) – “óh... fulano lá deu um tiro... lá... óh... fulano lá deu um tiro”–
aí vem tudo mundo:: a polícia vem atrás – “ô senhor tem espingarda?”–
– “tenho”– leva embora... chega... chega aí... uma hora uma certa hora da
noite aí que nem aconteceu comigo num [sei] se ocê:: sabe onde é o sítio
do L. (AC:063)
(21) Inf.: é... se você fô(r) analisá(r) tem MUIta coisa errada… porque
tem:: vamo(s) supor que nem aí que você me disse... tem muito lugar
assim com MUIto diNHE(i)ro... depositado MUIto dinhe(i)ro muitos bens
(AC:066)
234
(23) que o América tem um BAITA d’um estádio... mas... num sabe
usá(r)... posso citá(r) que nem:: o ano passado... teve (éh) teve/teve a final
do Santos aqui... o que tinha de... santis::ta tam(b)ém... e... isso dá lucro
só éh:: éh:: pra... pra::... pro time e e e tam(b)ém pra:: cidade. (AC:033)
(24) mas eu acho que vai melhorá(r) sim acho que a tendência é
melhorá(r)... que nem por exemplo o Hospital de Base tá equipado pa
recebê(r) qualquer tipo de doente... (AC:105)
(25) a gente ia sempre lá... tem uma sala enor::me acho que tem três
ou quatro banhe::(i)ros... tem uns... é BEM distribuída BEM bonita
mesmo... que já num adianta uma casa sê(r) grande que nem a minha
casa ficô(u) meia grande mas foi mal distribuída (AC:050)
235
M OD O
236
ELABORAÇÃO
237
238
Fonte: [o meu filho]S N [que]P R [nem é filho dele] OrNeg O meu filho não é filho dele
Reanálise:[o meu filho]S N [que nem (é) filho dele]OrM odal O meu filho é como filho dele
Fonte: [uma tecnologia]S N [que]P R [nem se sonhava existir]OrN eg Uma tecnologia que não se sonhava
Reanálise: [uma tecnologia] SN [que nem se sonhava existir]OrMo dal Uma tecnologia como se sonhava
ESTRUTURA INTERPRETAÇÃO
Fonte:[tão mais forte] [que] [nem ela tava entendendo]O rCo nsec Tão forte que nem ela entendeu
Reanálise:[tão mais forte] [que nem ela tava entendendo] OrMod al Tão forte como ela entend eu
Fonte: [tão forte] [que eu nem percebi a luz] O rC ons ec Tão forte que eu nem percebi a luz
Reanálise:[tão forte] [que Ø nem percebi a luz]O rModal Tão forte conforme percebi a luz
Conclusão
As construções com que nem têm um núcleo semântico-cognitivo
comum que está nas relações modais. Em cada contexto sintático, a noção de
modo se especializa e, só no domínio da hipotaxe, foram reconhecidos três
padrões. No primeiro, que nem traduz o modo do conteúdo do predicado;
no segundo, que nem traduz uma comparação por similaridade. Trata-se de
uma construção essencialmente qualitativa, aproximativa e contrastiva, em
que, mais do que propriamente comparar – como, por exemplo, quiabo e
nascimento do bebê, exemplo (01), ou Ronaldinho e criancinha, exemplo (09) –,
aponta, sobretudo, para as consequências que a comparação tem para a
240
Referências bibliográficas
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KORTMANN, Bernd. “Adverbial subordination: a typology and history of
241
242
Resumo
Neste trabalho, analiso aspectos da constituição e do
uso do juntor que nem, em dados da modalidade de
enunciação falada do português. A questão maior é
mostrar que a inserção de que nem no paradigma dos
juntores, por meio de processos de gramaticalização,
resulta em quatro novos padrões funcionais, que
refletem uma rede de parentesco semântico no
domínio das relações modais. As construções com que
nem são descritas a partir do pareamento entre forma
e significado, com o propósito de defender que
arquiteturas sintáticas diferenciadas contribuem para a
interpretação da polifuncionalidade semântica de que
nem; e que as fontes sincrônicas do português ajudam
a desvendar etapas do processo de reanálise de que e
nem, tendo em vista as tendências diacrônicas sobre
mudança de juntores nas línguas (Kortmann, 1997).
Palavras-chave: gramaticalização; junção; polissemia;
relações modais
Abstract
This work analyzes aspects of the constitution and use
of the juncture que nem, in data from Brazilian
Portuguese spoken modality. The major issue is to show
that the insertion of que nem into the paradigm of
junctures, through grammaticalization processes, results
in four new functional standards, which reflect a net of
semantic ‘kinship’ in the dominion of modal relations.
Constructions with que nem are described from the
pairing between form and meaning with the purpose
of advocating that differentiated syntactic architectures
contribute to the interpretation of semantic
polyfunctionality of que nem; and that synchronic sources
of Brazilian Portuguese help unveil stages of the
reanalysis process of que and nem, in view of the
diachronic trends on juncture change in languages
(Kortmann, 1997).
Keywords: grammaticalization; junction; polysemy;
modal relations
243
1.
Introdução
Um fato do português brasileiro contemporâneo
é a variação sintagmática dos circunstanciais temporais
e locativos, que podem ocupar diferentes posições na
oração (Neves, 1992; Ilari et alii, 1990; Martelotta, 1994; Macedo e
Santanché, 1998; Rocha, 2001; Paiva, 2002, 2008a; Oliveira, 2004; Cezário
et alii, 2004; Cezario, Ilogty de Sá e Costa, 2005; Cezario; Pacheco; Freitas,
2005; Brasil, 2005; Lessa, 2007; Andrade, 2005; Paiva et alii, 2007; Paiva,
2008a; Ilogti de Sá, 2009). É atestada, entretanto, uma tendência, paralela
na fala e na escrita, de que esses constituintes, particularmente os Spreps,
ocupem preferencialmente as margens da oração e evitem as posições
internas, como mostram os exemplos de (1) a (4):
(1) De sua janela no 10. andar, a moradora presencia uma troca de tiros.
(Escrita, JB, 23-10-02)
(2) Em pleno século 21, com os recursos de informática disponíveis para
a organização de banco de dados, não há desculpas para falhas como
esta. (Escrita, Jornal Extra, 9-01-04)
(3) De manhã, eles improvisaram um pagode numa das celas. (Escrita, O
Globo, 25-09-02)
(4) Ele foi tirar o Serginho no final. (Fala, Amostra Censo, fal. 02)
1
Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/CNPq)
2
As expressões backward-tie e forward-tie são emprestadas de Charolles (2003, 2005),
para quem os SPreps adverbiais funcionam como elos de ligação do discurso em dois
sentidos: remetem para informações já introduzidas no discuso ou remetem para o
discurso subsequente, indexando um conjunto de estados de coisas (cf. também Paiva,
2008b).
246
3
Essas entrevistas integram o Corpus Censo 1980, um banco de dados com 64 entrevistas
realizadas com homens e mulheres de diferentes faixas etárias (7-14 anos, 15-25 anos,
26-59 anos e + de 50 anos) e de três níveis de escolaridade (1 a 4 anos de escolaridade,
5 a 8 anos de escolaridade e ensino médio).
4
As duas amostras utilizadas neste estudo estão disponibilizadas no site
www.letras.ufrj.br/peul
247
5
Essa correlação está, na origem da postulação de um processo de inversão locativa,
corrente em línguas que não admitem sujeito nulo, como o inglês e o francês (cf.
Santos e Duarte, 2006).
6
Numa perspectiva funcionalista, Naro e Votre (1989) interpretam a configuração
XVS como resultado de um princípio de preservação, segundo o qual o deslocamento
de um constituinte (complemento ou satélite) pós-verbal para a periferia esquerda da
oração provoca a posposição do sujeito, numa forma de compensação sintagmática.
248
7
Outras particularidades morfossintáticas, como perda de flexão de nominativo, em
algumas línguas, ou falta de concordância com o verbo, decorrem desse processo de
destopicalização.
8
Rematização se refere aqui ao fato de que, nessas configurações, o sujeito introduz
informação nova, ou seja, integra a asserção.
249
9
Na opinião dos autores, essa característica seria, inclusive, mais relevante do que o
estatuto informacional do SN sujeito posposto, que pode, em alguns contextos, constituir
uma informação dada ou inferível.
10
Como mostra Cornish (2005), tal proposta pode ser discutida. Considerando o
contexto mais amplo, é possível constatar que, não raro, orações do tipo VS introduzem
referentes que ganham relevância tópica no discurso subsequente.
250
251
252
11
Estudos diacrônicos constatam, no entanto, a validade da hipótese acima em outros
estágios do português. Assim, Cezário et alii (2004) mostram que, no português
arcaico, a ocorrência de temporais em início de oração é nitidamente mais frequente
em orações com sujeito nulo. Tendência similar é observada por Gomes (2006) no
estudo da posição de circunstanciais locativos em documentos dos séculos XVIII e
XIX. Segundo o estudo de Gomes (2006), as diferenças são significativamente maiores
no século XVIII.
12
Destaquemos que, nesse último estudo, a proporção de constituintes adverbiais na
periferia esquerda equivale à que atestamos neste estudo.
13
Na escrita, podem ser encontrados casos como “declarou ontem o atacante vascaíno”.
253
(9) Todo dia, às onze horas, chega uma moça aí com marmita. (Fala,
Amostra Censo, fal. 10)
(10) E não apenas por isso, pois às primeiras sinalizações de mudança no
quadro de insolvência da seguridade pública, surgirá espaço no
mercado financeiro para o refinanciamento da dívida externa. (Escrita,
O Globo, 22-01-03)
14
Destaque-se que a grande maioria dos dados é do verbo chegar.
254
(11) Ao longo das horas surgirão elementos de maior controle sobre sua
ansiedade. (Escrita, Horóscopo, JB, 04-03-04)
15
Para muitos autores (cf. Fuchs e Fournier, 2003; Cornish, 2001, 2005), esses
consistiriam nos verdadeiros casos de inversão locativa, distinguindo-se dos casos de
inversão estilística.
255
(12) Aí no outro dia estava tudo bem. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 10)
(13) Aqui na minha rua já sumiu carro. (Fala, Amostra Censo 1980, fal. 07)
16
Nessas funções os SPreps circunstanciais possuem comportamento similar ao de
orações adverbiais, como destacado por Chafe (1984) e Haiman (1978).
256
257
(15) Mas fica lendo jornal, se distrai, não é? Ou então, vai à praia,
não é? E- e nos fundos também tem outra varanda grande, que dá
para os quarto, não é? Tem um varandão- varanda enorme! Nos
fundo é mais até- ele gosta mais até de ficar lá no fundo porque não-
parece assim mais aconchegante, não é, por causa do- dá assim
para os quartos e não- não tem vizinho, não tem nada. Então, ele
fica mais tranqüilo ali, quietinho ali lendo seu- seu jornal. Adora ler
um jornal, né? (Fala, Amostra Censo, fal. 47)
17
Minha tradução do original “qu’il n’y a pas rupture puis ouverture d’un nouveau
cadre, mais que l’on continue à parler de la même chose, au sein d’un cadre stabilisé.”
(Fucks e Fournier, 2003, p. 22)
258
259
260
261
6. Conclusões
Ao longo deste artigo, procuramos destacar, através de uma análise
empírica, as especificidades sintáticas, semânticas e discursivas da
configuração XVS nas modalidades falada e escrita do português.
Destacamos que o constituinte X nas orações com sujeito posposto reflete,
sem dúvida, muitas das restricões que operam sobre a posposição do
sujeito, dentre elas a restrição de monoargumentalidade, a natureza tética
da oração, o estatuto de informação nova do sujeito. Nesse sentido,
podemos dizer que a presença de um constituinte adverbial (locativo ou
temporal) na margem esquerda da oração e a posposição do sujeito
constituem, em muitos aspectos, duas faces do mesmo fenômeno,
favorecendo, assim, a tese de que a posposição do sujeito é quase
categoricamente acompanhada do preenchimento da posição mais à
esquerda da oração por um constituinte de natureza adverbial.
Do ponto de vista discursivo-funcional, apresentamos evidências de
uma certa complementaridade entre as configurações XVS e XSV.
Considerando o contexto mais amplo em que se inserem essas estruturas,
mostramos que o constituinte X em orações com sujeito posposto (XVS)
possui uma função discursiva mais restrita, funcionando como ponto de ligação
com o discurso anterior. Dessa forma, X tematiza a entrada em cena de
referentes novos. Confirma-se, assim, proposta já defendida por outros autores
quanto à necessidade de que a introdução de referentes ou eventos/estados
de coisas na sua integralidade requer um ponto de ancoragem locativa ou
temporal no qual entidades ou eventos passam a existir.
A configuração XSV, por sua vez, se caracteriza por maior
amplitude funcional: além de introduzir quadros de referência locativa
262
Referências bibliográficas
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pp. 85-95.
263
264
265
266
267
268
Resumo:
Diversos estudos já atestaram a estreita correlação entre
posposição do sujeito e presença de um constituinte
circunstancial locativo ou temporal na posição mais à
esquerda da oração. Neste artigo, retomamos essa
correlação sob a perspectiva da posição dos locativos e
temporais nas modalidades falada e escrita do
português contemporâneo. Através de uma análise
multivariacional, mostramos que a configuração XVS
reflete muitas das restrições sintático-semânticas e
discursivas que operam sobre a posposição do sujeito: é
mais recorrente com verbos inacusativos, principalmente
os que subcategorizam um complemento [+ locativo].
Sustentamos, no entanto, que uma descrição mais
adequada dessa estrutura requer considerar suas
propriedades discursivas com relação à estrutura XSV.
A análise indica uma certa complementaridade entre
as configurações XVS e XSV. Enquanto a segunda
permite operações discursivas do tipo backward tie e
forward tie, a configuração XVS fica mais restrita à função
tematizadora, em decorrência das suas propriedades
téticas/apresentativas.
Palavras-chave: periferia esquerda, circunstanciais,
sujeito posposto, construções inacusativas
Abstract:
Several studies have shown the narrow correlation
between the subject postposition and the presence of a
place or a time adverbial in the left periphery of the
sentence. In this article, we examine such a correlation
based on spoken and written contemporary Portuguese.
Through a multivariational analysis, we show that XVS
configuration reflects many of the morphosyntactic and
discoursive constraints which operate on the subject
postposition: it frequently occurs with unaccusative
structures, mainly those which subcategorize a
complement with the feature [+ place]. However, we
claim that a more adequate description of this structure
should consider its discoursive properties in relation
to the XSV structure. The analysis shows a certain
269
270
I
ntrodução
As gramáticas e os manuais da imprensa paulista
contemporânea, assumindo a função normalizadora de
regras linguísticas, são taxativos quanto ao emprego
do elemento onde, reconhecendo-lhe o caráter invariável em termos de
traços funcionais e a função de adjunto adverbial de lugar1, inclusive na
articulação de orações, ou seja, na função relacional.
Ignorando a variabilidade de usos de partículas como onde ou
relegando o uso não-padrão à condição de erro ou desvio, tais gramáticas
concebem a língua como um sistema homogêneo, esquivando-se das
incoerências sugeridas pelos dados reais, as quais em uma perspectiva
alternativa “... seriam explicáveis dentro de um modelo mais adequado
de uma língua diferenciada aplicado à comunidade de fala em seu todo,
modelo que inclui elementos variáveis dentro do próprio sistema”
(Weinreich, Labov & Herzog, 2006:104 [1968]).
A partir dessa perspectiva, propomo-nos a discutir as seguintes
questões:
1
Professora Titular da área de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de
São Paulo.
2
Doutoranda em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.
3
Doutor em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo.
4
Nesse sentido, os Manuais seguem as instruções da Nomenclatura Gramatical Brasileira
(NGB) que, por sua vez, ignora os complementos circunstanciais (Rocha Lima, 1972).
5
O trabalho se inscreve no âmbito do Projeto Temático de Equipe “História do
Português Paulista” (Fapesp/Proc. 06/55944-0).
272
6
Essas funções de onde já se acham presentes nas Cantigas de Santa Maria, texto galego-
português do século XIII (Bittencourt, 2003).
7
Rocha Lima (1982) é um dos poucos gramáticos que reconhecem também a função
argumental de onde.
8
Curiosamente, o socorro ao tipo de frase parece servir tão somente para classificar
os pronomes interrogativos. Veja que a gramática normativa não menciona a existência
de pronomes declarativos.
9
Quanto ao conteúdo semântico, um quarto recorte possível, onde é um elemento
indefinido. Esta diversidade de leituras possíveis atinge todos os elementos q (“quem”,
“quando”, “como”, etc.).
10
A designação ‘advérbio relativo’ é acolhida pela gramática portuguesa (Cunha &
Cintra, 1985:532).
273
2. A metaforização de onde
Entende-se por gramaticalização a mudança gradual e contínua
do estatuto categorial das palavras, no sentido de que itens lexicais podem
atualizar conteúdo essencialmente gramatical. Nesse sentido, o processo
de gramaticalização, fonte geradora de elementos gramaticais, é um
artefato descritivo e explicativo de fenômenos linguísticos sincrônicos e
diacrônicos de caráter nitidamente teleológico.
A alteração dos padrões funcionais dos itens é resultante da
interação de fatores pragmáticos e gramaticais (fonéticos, semânticos e
morfossintáticos); as instâncias de gramaticalização são identificadas pelos
seguintes parâmetros (Heine e Kuteva, 2007):
reinterpretação contextual;
perda de sílabas e propriedades suprassegmentais de um item
linguístico;
perda de traços do significado do item fonte e ganho de novos traços;
perda de propriedades morfossintáticas do padrão-fonte e ganho de
nova função.
A mudança gradual e contínua evoca a previsibilidade do processo,
ou seja, as alterações seguem estágios predeterminados, de que decorre
o caráter unidirecional da mudança, no sentido de que, ultrapassada uma
etapa do processo, o item não retorna ao estágio anterior. Esses estágios
274
(i) item lexical > (ii) item gramatical > (iii) clítico > (iv) afixo
pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade
11
O estágio inicial é lugar, uma vez que logo provém do nome latino locus (lugar). Por
metáfora, adquiriu o valor temporal e o estatuto categorial de advérbio.
275
(5) No mês passado acerca deste, hu sse começava o novo âno em Castella
(CDJ, 103)
(6) ... caa hera jaa comtra a vella da menhã omde ho sono mais carrega
aos homês (CDP, 346)
12
Oliveira (2001) observou a atitude reguladora de Fernão Lopes na questão da queda
do /d/ intervocálico. Enquanto Zurara desfazia o hiato criado com a queda desse
elemento seja pela ditongação seja pela crase, Fernão Lopes mantinha apenas o hiato.
276
(7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento.
(CDJ, 14)
(8) ... este allcaide foy em Portugal, onde lhe foy feuta muyta homrra e
gramd mercê (CDP, 1085)
(9) ...como achareys no rregimemto dos prymçipes, que [...] ledes e
ouvis, omde diz [...] (CDP, 206)
(10) Demtro dos ymfernos, omde nõ he all senão trevas... (CDP, 207)
3. A reanálise de onde
O processo de metaforização de hu e onde se restringe aos
contextos com antecedente. Em paralelo, assiste-se à progressiva
substituição do locativo hu pelo também locativo onde, entre o final dos
trezentos e meados dos quatrocentos. A implementação da mudança de
onde é facilmente observada quando se traça o perfil estatístico deste item
em contraposição a hu no português medieval.
OE CDJ CDP
nº o c. % nº oc. % nº oc. %
HU 93 65,49 30 13,22 01 0,30
ONDE 49 13 34,51 197 86,78 332 99,70
Total 142 100 227 100 333 100
13
Na verdade, onde tem 356 ocorrências no Orto do Esposo, aparecendo em 296 casos
como introdutor de referência na fórmula: “Onde diz”, “Onde conta”. Veja o exemplo:
Onde diz o salmista: A alma deles auorreceo toda uiãda e chegarõ ata as portas da
morte. (OE, 78)
14
Foram computadas apenas as ocorrências não preposicionadas.
277
(15) E ella, quando ueo ao luguar onde auia de seer degolada, fez oraçõ
a Deus (OE, 3)
(16) ...foy leuado o spiritu delle a huu loguar de torm~etos, onde antre
as outras cousas viu h~u~u clérigo ... (OE, 222)
(17) Omde aconteceu que huu demo serua a huu homê rico ê semelhança
dhuu domê. (OE, 317)
(18) Omde aquelle grande doutor Gregorio Nazareno, trautando de fugir
da cura de pastor das almas, diz assy:... (OE, 268)
(19) Da parte [d]a alma somos ê este mûdo como ê Egipto de treevas,
onde somos feridos cõ muytas chagas. (OE, 121)
(20) E da parte das coussas que nos som sugeytas somos ê grande periigo
e ê muytos males, ca todas as cousas som a nos laços, onde podemos
dizer uerdadeyramête que comemos [e bevemos] e vestimos laços.
(OE, 123)
(21) Tomade a espada do spiritu, que he a palaura de Deus. Onde os
sanctos homees e os monges antygos grande cuydado ouuerõ de
teer liuros das Sanctas Scripturas, per que o poderio do diaboo he
destroydo (OE, 42)
(22) Outrossy, o surdo pode melhor ouuyr co o ouvydo de alma, onde
muytas vezes aquelles que orã em silencio, querendo ~etender ssy
meesmos, çarrõ as orelhas cõ suas mããos (OE, 159)
278
(7) ...e chegou a Lixboa homde já achou muitos que viinhã ao sahimento.
(CDJ,14)
(23) ...nom podia hir homde ell pousava. (CDJ, 11)
(24) ...e lhe pregumtou omde era seu irmãão (CDJ, 156)
(25) ...e sobreveo Pero Rodriguez que acorreo aaquelles escudeiros, omde
já estavom pera seerem mortos ou presos (CDJ, 172)
(26) E vemdo dom Joahm como aquelles vinham trabalhados, volveo-se
com hos mouros, omde matarã logo sete, e dos nossos morreo hu.
(CDP, 500)
(27) ordenou que dom Pedro me pedisse este emcarrego, omde pellos
outros hera rrefusado. (CDP, 207)
4. Dialogando com o PB
Os dados do português medieval apresentam uma diversidade de
contextos de realização de onde também observada no português atual,
com antecedentes de natureza semântica variada e assumindo diferentes
15
Na Demanda do Santo Graal encontram-se exemplos de onde como complemento do
verbo falar: “[...] e fiz tanto de armas que o venci e assi é preitejado comigo que ja mais
nom saia da minha prisaam ataa que me mostre aquel cavaleiro onde me tanto falou”.
(DSG, 70).
279
(29) Após acreditar que o Messias viria do Brasil, depois de sua prisão nos
cárceres do Santo Ofício da Inquisição, iniciou um processo
psicológico, onde acabaria por declarar-se Messias [...].
280
281
Conclusões
Ao longo do presente estudo buscamos descrever e analisar o
comportamento de onde no português medieval e atual. A multiplicidade
de usos desse elemento linguístico mostra que, do ponto de vista
semântico, pode ocorrer associado a antecedentes de natureza variada,
não apenas locativos, mas temporais, humanos, conceituais, etc.
Consequentemente, suas funções sintáticas são também ampliadas,
podendo assumir a função de objeto indireto, complemento nominal e
sujeito, extrapolando, portanto, a função de adjunto adverbial postulada
pela Gramática Normativa.
A expansão do uso para além do valor locativo é decorrência do
processo de gramaticalização, que permite ao elemento assumir traços
semânticos menos concretos ou materiais, e, no caso de onde, associar-se
a elementos mais abstratos, gerando a possibilidade de variação. O
processo em questão é desencadeado pela existência de contextos em
que o antecedente se atualiza em posição distante do relativo na sentença,
ou se encontra implícito no texto. Esses fatores propiciam a associação
com outros elementos da sentença, linearmente mais próximos ou
explícitos. A leitura ambígua desses contextos gera novas interpretações
indutoras da reanálise do item, que continua a existir, mas passa a operar
de forma distinta – ou melhor, ampliada.
A semelhança de funções semânticas e sintáticas de onde no PM e
no PB não implica na equivalência plena entre as duas fases da língua,
ainda que, nos dois períodos da análise, seja possível identificar usos de
onde que se encaixam em todos os momentos da escala de gramaticalização.
Também não se pode afirmar que o PB dê continuidade ao processo de
gramaticalização iniciado no medieval, pois, se o processo é unidirecional,
deveria induzir à mudança do item, o que não se verificou. A justificativa para
a não-implementação de mudança parece residir na simultaneidade de
variação e estabilidade do item (Cf. Tarallo, 2002, p. 83), exemplificadas por
dois tipos de contexto, com (36) e sem antecedente (39):
282
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283
284
285
Resumo
O presente estudo tem como objeto o onde como
conector de orações em textos produzidos no
Português Medieval e no Português Brasileiro. A partir
de uma análise quantitativa e qualitativa, buscaremos
verificar os contextos de realização do item e descrever
suas características semânticas e funções sintáticas,
comparando os resultados obtidos para os dois
momentos da história da língua portuguesa. Para tanto,
aliamos os pressupostos teóricos da gramaticalização e
da sociolinguística variacionista laboviana.
Palavras-chave: locativo, orações, variação e mudança,
gramaticalização
Abstract
The present research analyzes the use of onde (where) as
a clause connector in Medieval Portuguese texts and
contemporary written Brazilian Portuguese. Based on
quantitative and qualitative analyses, we intend to check
the contexts of use of onde and to describe its semantic
characteristics and syntactic functions, comparing the
results obtained for two far apart moments in the history
of Portuguese. The analysis is based on the framework
of the Gramaticalization Theory and the Labovian
Sociolinguistic Variation Theory.
Keywords: Locative, clauses, variation and change,
grammaticalization
286
V
árias pesquisas têm constatado que as preposições em
português, e, em particular, na variedade brasileira do
português, estão sujeitas a processos que podem chegar
ao apagamento, à substituição de preposições ou à
especialização de sentidos (Tarallo, 1983; Castilho et al, 2002; Gomes,
2003, entre outros). Dada a relevância estrutural das preposições,
responsáveis, em grande parte, pelo estabelecimento de relações sintático-
semânticas no nível da sentença, a investigação de tais processos se reveste
de grande significação para o estudo da história da língua.
Os dois enunciados que compõem o título desse trabalho –
colhidos entre os dados que analisamos no presente estudo – ilustram o
processo de variação no uso de preposições que é o foco dessa investigação:
a alternância de preposições introdutoras de complementos que denotam
um sentido geral de “meta”, junto a predicadores verbais classificados, do
ponto de vista sintático-semântico, segundo a tipologia proposta em
Berlinck (1996). Os exemplos de (1) a (8) ilustram essas possibilidades:
*
O presente estudo está inserido no Projeto Mudança gramatical no português de São
Paulo: expressão pronominal e preposicional de argumentos, que integra o Projeto
Para a História do Português Paulista Paulista (PHPP) (FAPESP - Proc. no 06/55944-
0). Colaboraram nessa pesquisa as bolsistas de Iniciação Científica Letícia Cordeiro de
Oliveira Bueno (PIBIC/CNPq) e Lívia Henrique de Albuquerque (PIBIC/CNPq).
**
Docente da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Araraquara/CNPq-Processo no.
305837/2007-9).
288
289
290
291
292
1
Os índices de peso relativo reafirmam esse contraste: (i) complemento lugar: 0.755
(Estado), 0.535 (Combate), 0.770 (Getulino); (ii) complemento humano: 0.198 (Estado),
0.0 (Combate) e 0.193 (Getulino). Não obtivemos dados de tipo lugar em número
significativo nos exemplares d’ O Rio Claro.
293
Locativo Humano
Direção 39% 10%
(49/127) (1/10)
Mov./transf. 41% 0%
(18/44) (0/3)
Transf.Mat. 62% 3%
(26/42) (4/120)
Transf. Verbal - 5%
(4/86)
Tabela 2. Frequência de uso da preposição para, segundo o tipo
semântico do predicador verbal e a natureza semântica do complemento
2
Os resultados referem-se ao conjunto dos dados dos quatro jornais analisados. O
amálgama sintetiza uma correlação observada independentemente para cada um dos
periódicos.
294
(12) a. Chegados a São Paulo, em uma manhã, foram logo levados para
um casarão em uma rua deserta (Getulino, 23/12/1923)
b. [...] que quando na idade de sete annos, meu pae me levou á
escola, eu já amava a minha Patria, respeitava a minha bandeira,
sabia o nome dos meus gloriosos antepassados, [...] (Getulino, 9;9
1923 – editorial)
A PARA
Locativo 0.169 0.831
Humano 0.807 0.193
Tabela 3. Indíces de peso relativo, segundo a natureza semântica do
complemento
296
(14 )a. [...] appareceu uma das mais graciosas vendedoras que se dirigindo
para ele disse: ‘compre uma prenda para essa mocinha.’
(Getulino, 20/01/1924, Nota)
b. Ahi está a razão dos ápodos que em conúbio de escribas nos são
atirados, mas que felismente não nos attingem e tão pouco
engraquessem a nossa Penna, que sempre prompta é para causticar
os devassadores da classe mostrando para aquelles que
innocentemente reincidem em erro, apezar de não serem passíveis
de culpa, o verdadeiro cul [...inint...] (Getulino, 2/9/1923, Editorial)
c. Enviamos para á distincta preceptora os nosso parabens pelo
adiantamento de suas alumnas [...]. (O Estado de São Paulo, 03/01/
1910 – Os Municípios – Nota)
(15) a. Isso tanto os que se dedicam habitualmente á cultura algodoeira
como os que para ella appellaram como um lenitivo á desgraça da
geada” (Combate, 1918, Editorial))
b. E quantos descendentes dessa raça malsinada, levantando-se da
condição miseravel em surtos sublimados, alaram-se aos cimos onde
se reunem em choréa as musas e de lá troxeram para a nossa história
laureas immarcessiveis”. (Getulino,1923 Editorial)
297
3
Os estudos referentes aos séculos XVIII e XIX analisaram dados provindos de relatos
de viagem, peças de teatro e anúncios de jornais. Aqueles que focalizaram os estágios
atuais do PB analisaram amostras de língua falada ou de língua escrita (anúncios e
cartas de leitores/redatores).
298
299
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303
Resumo
O presente estudo focaliza a variação no uso de
preposições em contextos de complementação verbal
em textos jornalísticos publicados nas primeiras décadas
do século XX em jornais paulistas. O objetivo principal
é caracterizar tal variação em um momento que se situa
a meio caminho entre um estágio de predomínio quase
absoluto da preposição a (primeira metade do século
XIX) e um quadro em que se destaca a preposição
para como a variante dominante (fim do século XX).
Dois aspectos principais são levados em conta na análise:
(i) fatores de natureza semântica, associados ao verbo
e ao complemento e (ii) o gênero textual em que a
construção ocorre (editorial, anúncio, nota social,
notícia). A análise de dados segue a proposta teórico-
metodológica da Teoria da Variação e Mudança
Linguísticas (Weinreich, Labov, Herzog, 1968; Labov,
1972, 1994, 2001) e adota a concepção de gênero textual,
tal como estabelecida a partir de Bakhtin (1979) e outros
desdobramentos e aplicações atuais (Bazerman, 2005;
Fiorin, 2006; Marcuschi 2008), além das discussões
sobre gêneros nos jornais, presentes no trabalho de
Bonini (2003) e em estudos da área de Comunicação.
Os resultados revelam um quadro heterogêneo que
inclui contextos efetivamente variáveis (em que se
expressa um movimento físico, concreto, em direção
de uma meta que denota um lugar concreto) e
contextos quase impermeáveis à variante inovadora
(complementos que denotam um referente humano e
predicadores de transferência verbal/perceptual).
Palavras-chave: preposição, complementação verbal,
gênero textual, variação linguística, português
brasileiro
Abstract
This study analyses the variable use of prepositions
(particularly a and para) as verb complement in
newspaper articles published in the early decades of
the 20th century in São Paulo newspapers. The purpose
is to investigate such variation in a moment that lies
304
305
1.
Introdução
Descrevemos e analisamos, neste trabalho, o
processo de variação e mudança na concordância
verbal de terceira pessoa do plural, correlacionando-
o a três variáveis internas: posição do sujeito em relação ao verbo, traço [+/-
humano] do sujeito e tipo de verbo, que se mostraram importantes
condicionadoras da não marcação de concordância (cf. Monguilhott, 2001,
2009 e Carrilho, 2003). Nossa análise terá como base empírica amostras
de fala de quatro localidades de Florianópolis (PB) e de quatro localidades
de Lisboa (PE)3 e amostras de escrita catarinense e lisboeta4.
1
Docente da Universidade Federal do Amazonas em exercício provisório na
Universidade Federal de Santa Catarina.
2
Docente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPq - Processo 305345/
2008-6).
3
Nossa amostra de fala constitui-se de trinta e duas entrevistas de diferentes regiões:
16 sujeitos nascidos em Florianópolis e 16 em Lisboa. Desse total de 32 informantes,
16 cursaram até as séries finais do ensino fundamental e 16 cursaram o ensino
superior. Os dados de fala da amostra Florianópolis foram coletados entre 2006 e 2007
e os dados da amostra Lisboa foram coletados durante estágio de doutorado no exterior
realizado por Monguilhott, no período de agosto de 2007 a janeiro de 2008, na
Universidade de Lisboa, sob a orientação da Professora Doutora Ernestina Carrilho. O
estágio foi realizado com bolsa Capes, processo 0773/07-7, por meio do Programa de
Doutorado no País com Estágio no Exterior — PDEE.
4
Nosso corpus diacrônico inicia-se no século XIX, quando a imprensa é introduzida em
SC pelo Brigadeiro Jerônimo Francisco Coelho com o Jornal “O Catharinense”, em 28/
7/1831. Para manter a comparabilidade das amostras, as peças portuguesas também
foram consideradas a partir do século XIX, embora, em Portugal, se encontrem,
naturalmente, peças teatrais de épocas anteriores.
308
5
A aplicação da regra neste trabalho refere-se à não-marcação de concordância verbal
de terceira pessoa do plural.
6
A codificação refere-se à variedade do português (PB – Português Brasileiro, PE –
Português Europeu); à localidade (PB: RI – Ribeirão da Ilha, IN – Ingleses, CL –
Costa da Lagoa, RC – Região Central; PE: SI – Sintra, CA – Cascais, BE – Belém, RC
– Região Central); ao sexo (M – masculino, F – feminino); à idade (J – de 15 a 36
anos, V – de 48 a 76 anos), à escolaridade (F – ensino fundamental, S – ensino
superior) e ao número da entrevista.
7
Foram analisados todos os dados de construções que apresentavam variação na
concordância verbal de terceira pessoa, extraídos de cada uma das trinta e duas entrevistas
investigadas, obtendo um total de 697 dados para o PB e 607 dados para o PE. Para o
grupo de fatores posição do sujeito em relação ao verbo, temos um total de 528 dados para
o PB e 312 para o PE, pois os dados de sujeito nulo não puderam ser considerados.
310
· Traço [+humano]
(3) Todas as minhas amigas namoravam e Ø vinham às festas aqui
(PBRIFVS05)
· Traço [-humano]
(4) Tem várias etnias que contribuíram pra formação dessa nossa
ilha (PBRIMJS13)
311
8
A hipótese de Burzio dentro da Teoria Gerativa remonta às discussões de Perlmutter
(1976), feitas no quadro teórico conhecido como Gramática Relacional.
9
Uma das evidências do não recebimento de Caso acusativo é o fato de o argumento
interno selecionado por um verbo desse tipo não admitir um clítico acusativo, como
no exemplo: (a) Faltou um aluno. (b) *Faltou-o.
312
· Inacusativos
(5) Depois surgiu as carroças, os burros (PESIMJS13)
· Intransitivos
(6) Muitos escravos também trabalhavu nessa atividade
(PBRIMJS13)
· Transitivos
(7) Os alunos dão importância também pra esse profissional
(PBINFVS06)
· Cópula
(8) Como a maioria dos professores são catalães, é tudo em catalão,
os textos é tudo em catalão (PERCFJS16)10
10
Uma análise estatística preliminar mostrou que, na amostra de Lisboa, o verbo
copulativo é favorecedor da não marcação de concordância do verbo com o sujeito
(21%). Ao fazermos uma busca dos contextos sintáticos com verbos copulativos,
entretanto, percebemos que eram comuns exemplos em que o verbo concordava com
o predicativo. Nesse caso, em geral, os sintagmas nominais sujeitos eram marcados
com traço [- humano] e pareciam estar em uma posição de tópico. É como se tivéssemos
um pronome nulo neutro (como um isso) na posição do sujeito, como em: Os sonhos
[isso] é assim umas bolinhas, ótimo, de massa que aquilo depois é frito e depois passa-se no açúcar
e canela e as filhoses [isso] é assim compridas (PECAFJF11). Esse tipo de verbo merece, pois,
uma discussão em separado, que será deixada para uma outra oportunidade.
313
11
Uma importante discussão sobre o condicionamento da variável escolaridade sobre
a marcação de concordância verbal pode ser encontrada em Monguilhott (2009).
314
Verbo transitivo
Ordem SV 85% 15% 96% 4%
Ordem VS SEM DADOS SEM DADOS
Verbo intransitivo
Ordem SV 83% 17% 94% 6%
12
Ordem VS 17% 83% 100% 0%
Verbo inacusativo
Ordem SV 84% 16% 100% 0%
Ordem VS 29% 71% 61% 39%
12
Poucos foram os dados de VS encontrados com verbos intransitivos: cinco dados de
VS sem concordância, (5/6 = 83%) e apenas um dado de VS com concordância (1/
6 = 17%). Por este motivo, o percentual alto de VS sem concordância (83%) deve ser
relativizado.
315
316
13
Três foram os dados encontrados em contextos de intransitividade com traço [-
humano], dois na amostra de Florianópolis e um na amostra de Lisboa. Todos eles
foram encontrados em contextos de metonímia, em que uma entidade está
representando uma pessoa: (i) Os estudos culturais não trabalham com essa produção
(PBRCMJS16); (ii) Tem quarenta e seis barquinho que trabalha lá no verão (PBCLMVF03)
e (iii) Onde as gôndolas andam (PERCFVF04).
317
(18) As pessoas não sai do Ribeirão todo dia pra vim no centro
(PBRCMJS16)
3 Análise diacrônica do PB e do PE
Apresentamos agora a análise diacrônica do português escrito nos
séculos XIX e XX, com o intuito de observar o que acontece com algumas
14
Monguilhott (2009) traz resultados estatísticos sobre o condicionamento dessas
variáveis na marcação de concordância verbal de terceira pessoa do plural.
318
15
Não iremos controlar grupos de fatores condicionadores na nossa análise diacrônica,
em função do pequeno número de dados de não concordância encontrado.
Acreditamos que, se a nossa amostra fosse constituída de outros gêneros do discurso,
talvez tivéssemos mais dados. Esperamos investir na ampliação da amostra em
investigações futuras.
319
16
No século XIX, na amostra 1 (amostra do PB), encontramos dois dados sem
concordância, que foram desconsiderados neste trabalho, por conta de sua
especificidade. Vejamos: (i) João André: Eu te conheço; ficarias vermelho. Olha
Raimundo, nós marinheiros, nós que nos criamos sobre o convés, não devemos abaixar
a cabeça diante dessa súcia de biltres que não nos valem, nem no corpo, nem n’alma:
não nos misturemos, Raimundo; sejamos, sempre, francos marujos, e bons camaradas.
E com um milhão de diabos, quando alguém se engrilar mostra-se-lhe os dez
mandamentos. (Peça: Raimundo, 1868, p.40) (ii) D. Manoel: É o que acontece sempre
que se vive em contato imediato com o povo; toma-se amizades...relações, e esquece a
gente o que deve ao seu nome (Peça: Raimundo, 1868, p.58). Os dois exemplos de não
concordância são de construções de sujeito posposto marcadas com traço [- humano];
ambiente desfavorecedor da concordância também na nossa análise sincrônica. Cabe
salientar, entretanto, que essas construções são do tipo [verbo+se+SN], não controladas
na amostra sincrônica.
17
Os exemplos: São tanta as arruaça, os otomóve véve sempre a corrê que inté parece um raio.
Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos Raros, 1928, p.40) são diferentes
de todos os outros encontrados nas peças. Apresentam uma fala visivelmente caricatural
de uma pessoa não escolarizada. Por esse motivo não serão considerados nesta análise.
320
língua portuguesa (nas duas variedades) tanto com sujeito anteposto quanto
com sujeito posposto. A possibilidade de posposição nesse período, com
marca flexional distintiva no verbo, de certa forma, facilitaria o
reconhecimento do sujeito invertido como sujeito da sentença pelos falantes.
Por outro lado, no século XX, há indícios de um sistema com
concordância variável, principalmente na amostra 1 (PB), como os
exemplos de (22) a (28) atestam.
(23) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgam-
se felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67)
(26) Moambeiro: Eles pensam que é assim. Sai por aí atropelando a mãe
dos outros e não dão a mínima satisfação. (Peça: Stradivarius, 1993, p.15)
321
(30) Camponês – Ai, então vocemecê quer saber p’ra que serve a
Junta e o Grêmio? (Peça: O homem da bicicleta, 1978, p. 24)
18
A esse respeito, uma das regras de concordância verbal das gramáticas normativas
diz que “Quando o sujeito composto se pospõe ao verbo, este pode concordar com o
nome mais próximo”.
322
Gramática do PE
(31) a. Viram os meninos a Maria (VSO)
b. Viram a Maria os meninos (VOS)
c. Os meninos viram a Maria (SVO)
Gramática do PB
(32) a. ??Viram/Viu os menino(s) a Maria (VSO)
b. ??Viram/Viu a Maria os menino(s) (VOS)
c. Os menino(s) viu a Maria (SVO)
323
(33) Estes chofre precisa mêmo dum acorretivo (Peça: Ilha dos Casos
Raros, 1928, p.40)
324
(34) Walfrides: Elle è pobre, mas existe tantos pobres que julgam-
se felizes no mundo. (Peça: Waltrudes, o nauta veneziano, 1918, p.67)
5. Considerações finais
A partir dos resultados de análises empíricas e das considerações
teóricas levantadas neste trabalho, é possível dizer que:
. Os resultados da amostra de fala florianopolitana atestam que a
concordância verbal é preferencialmente não marcada em contextos em
que o sujeito está posposto a um verbo inacusativo que seleciona
principalmente sintagma [-humano]. Essa tendência de não marcação de
concordância já se reflete na escrita catarinense. Nas amostras diacrônicas
do século XIX, a marcação de concordância é categórica, enquanto, no
século XX, se percebe enfraquecimento da concordância, em especial
em contextos com sujeito marcado com traço [-humano], posposto a um
verbo inacusativo – mesmos ambientes sintáticos favorecedores de não
concordância na fala.
. Nos resultados da amostra de fala lisboeta, apesar de a frequência
de uso ser baixa, observa-se que a posposição do sujeito, o traço [-humano]
do sujeito e o verbo inacusativo também são indicadores da não marcação de
concordância verbal. O reflexo dessa variação ainda não aparece na escrita
lisboeta. Nas amostras diacrônicas de peças lisboetas, tanto do século XIX
quanto do século XX, percebe-se que a concordância de número é categórica
nos diferentes contextos sintáticos. Isso provavelmente se deve ao fato de o
sistema do PE (ainda) apresentar traço forte de flexão, que permite, por
exemplo, distinguir todas as pessoas flexionais do verbo.
· Acreditamos que o enfraquecimento da concordância verbal
nas amostras do português falado e escrito no Brasil, no século XX, tem
como efeito uma reorganização da oração, em que o sintagma nominal
passa da categoria de sujeito para a de objeto. O sujeito posposto ao
verbo, sem marcação de concordância verbal, é reanalisado como objeto
direto. Essa reanálise está na base da gramática do PB.
325
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LABOV, W. Principles of linguistic change - Internal factors. Cambridge: B.
Blackwell, 1994.
326
327
Resumo
Este trabalho tem como propósito investigar algumas
variáveis internas como possíveis fatores condicionadores
da variação na concordância verbal de terceira pessoa
do plural: posição do sujeito em relação ao verbo, traço
humano do sujeito e tipo de verbo, em dados de fala
e de escrita do Português do Brasil (PB) e do Português
Europeu (PE). Focalizamos os contextos de não
concordância no sentido de trazer algumas reflexões
teóricas sobre uma possível mudança na sintaxe do
português, principalmente do PB, desencadeada pelo
enfraquecimento da concordância verbal.
Palavras-chave: concordância verbal; posição do
sujeito; tipo de verbo; PB e PE.
Abstract
This paper aims to investigate the role of internal
constraints (subject position in relation to the verb,
[human] feature of the subject, verb type) on the
variation of third-person plural subject/verb agreement
in Portuguese, based on spoken and written data from
Brazilian and European Portuguese. We focus the
contexts of non-agreement in order to offer theoretical
reflections about a possible change in the syntax of
Portuguese, especially Brazilian Portuguese, triggered
by the weakening of the agreement system in its
grammar.
Keywords: subject/verb agreement; subject position;
verb type; Brazilian and European Portuguese.
328
1.
Introdução
De acordo com a abordagem tradicional, a
concordância é o mecanismo segundo o qual certas
expressões linguísticas se harmonizam quanto aos
traços morfossintáticos. Tal concepção pode ser exemplificada pela
definição apresentada por Almeida (1999, p. 441), para quem a
concordância “é o processo sintático pelo qual uma palavra se acomoda,
na sua flexão, com a flexão de outra palavra de que depende”. Este
processo pode se dar entre o sujeito e o verbo da oração, a concordância
verbal, ou entre os constituintes do sintagma nominal (SN), a concordância
nominal.
Na língua portuguesa, a marcação de concordância é considerada
obrigatória pela prescrição normativa, de modo que, numa sentença com
ideia de plural, todos os itens do SN devem trazer marcas explícitas de
plural, assim como o verbo com que o SN sujeito se relaciona, que deve
vir flexionado em pessoa e número, conforme se pode conferir no
exemplo em (01).
Como afirma Said Ali (1971), esse uso redundante da flexão não
é fruto de regras lógicas, mas de uma longa tradição na língua. O latim,
1
Doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura – UFBA/ CNPq.
por exemplo, possuía uma morfologia bastante rica que marcava no nome
o número, o gênero e o caso, este perdido na passagem para o português.
Assim, considerando que o flexionismo “é simplesmente um recurso da
língua, não uma imposição da lógica” (Melo, 1967: 168), torna-se
dispensável a marcação explícita da concordância em todos os elementos,
ocasionando a variação, tanto de número quanto de gênero.
A concordância de número está mais sujeita à variação no PB e não
se restringe a uma região ou classe social específica, atingindo, dessa forma,
tanto a norma culta quanto a popular, mas com frequências de usos diferentes.
Desde a década de 1970, esse fenômeno tem sido rigorosamente estudado
sob a perspectiva da Sociolinguística Variacionista, observando-se que a
variação é mais recorrente na fala popular e, por essa razão, estruturas em
que não se percebe a concordância carregam consigo uma marca de estigma,
que, no senso comum, remete à falta de escolarização.
No que diz respeito à variação na marcação da concordância verbal
de terceira pessoa, Naro (1981), investigando a fala de indivíduos
semiescolarizados do Rio de Janeiro, observou um nível de aplicação da
regra de 48%. O percentual aumenta consideravelmente quando se trata
da fala de pessoas escolarizadas, como evidenciam os resultados obtidos
nos trabalhos de Scherre e Naro (1997), no Rio de Janeiro, e Monguilhott
e Coelho (2002), em Florianópolis, que registraram, respectivamente,
73% e 79% para a variante com marca explícita. No português culto falado
no Rio de Janeiro, a frequência de uso da regra encontrada por Graciosa
(1991) foi de 94%. Depreende-se desses resultados que, na escrita
monitorada, dado o seu caráter conservador, não haveria espaço para os
famigerados “erros de concordância”, e a frequência de uso de marcas de
plural seria, então, maior do que a encontrada na fala, mesmo a culta.
Em geral, os trabalhos sobre a concordância verbal de terceira
pessoa focalizam a língua falada. Assim, com o objetivo de ampliar o
universo de análise deste fenômeno morfossintático, propõe-se um estudo
voltado para a modalidade escrita da língua, tomando para tanto
produções escritas de estudantes universitários. A escolha deste corpus pauta-
se também na crença de que, sendo a escola responsável por garantir ao
aluno o acesso às formas socialmente privilegiadas, sua influência na
aquisição da língua deve ser procurada nos estilos formais monitorados
(Bortoni-Ricardo, 2005). Investiga-se, dessa forma, se os estudantes, mesmo
produzindo textos que muitas vezes são objetos de avaliação, apresentam
variação na aplicação da regra da concordância verbal de terceira pessoa.
Para além disso, busca-se determinar a correlação entre fatores linguísticos
e extralinguísticos e o fenômeno estudado.
330
2. Aporte teórico-metodológico
O objetivo deste trabalho é determinar os padrões que regulam
a opção do falante em relação à aplicação ou não da regra de concordância
verbal de terceira pessoa no texto escrito e, para isso, recorre-se aos
princípios teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista
(Weinreich; Labov; Herzog, 2006 [1968]).
A Sociolinguística defende a inquestionável ideia de que a variação
e a mudança são inerentes às línguas humanas e não se dão ao acaso. Assim,
quando o falante seleciona uma forma linguística, dentre as possíveis para a
expressão de seu ato verbal, não o faz aleatoriamente, pois, como afirma
Naro (2007: 15), “[...] existem condições ou regras mudáveis que funcionam
para favorecer ou desfavorecer, variavelmente e com pesos específicos, o uso
de uma ou outra das formas em cada contexto”. Tais regras podem ser de
natureza interna ou externa ao sistema. Entende-se, assim, que o pressuposto
básico da Teoria da Variação é que a heterogeneidade linguística é presidida
por regras, o que garante a sistematicidade da variação e a funcionalidade do
sistema em que esta acontece.
Para o estudo em questão, foram utilizados 100 textos produzidos
por alunos de três instituições de ensino superior, localizadas em Salvador,
das quais duas são públicas (uma federal e uma estadual) e uma particular,
de pequeno porte. As produções escritas analisadas foram fruto de
atividades avaliativas realizadas em sala de aula, em que os estudantes
deveriam escrever resenhas, resumos e artigos de opinião, a depender da
proposta solicitada. Para manter alguma paridade nas avaliações, apenas
alunos dos cursos da área de humanas fizeram parte da investigação. Não
houve estratificação por sexo e por idade, porém essas variáveis foram
controladas através de uma ficha, que solicitava informações sociais, tais
como a existência ou não de outra formação acadêmica anterior, o tipo
de programa a que o aluno assiste na TV e no rádio, a frequência de
leitura, a frequência de uso da escrita na atividade profissional, além de
idade, sexo e semestre em que se encontra no curso.
No processo de elaboração do estudo, foram levantadas as
ocorrências com sujeito na terceira pessoa do plural, considerando-se
apenas os casos de concordância para os quais a gramática tradicional
não prevê variação2. Além disso, excluíram-se, desta análise, as frases de
estrutura passiva pronominal com sujeito no plural por terem aparecido
2
Verbos no infinitivo, por exemplo, não foram computados, visto que a Gramática
Tradicional aceita, em um mesmo contexto, infinitivos com e sem flexão.
331
332
Variantes Nº de ocorrências %
Aplicação d a regra d e
552 84,9
concordância
Não aplicação da regra de
98 15,1
concordância
Total 650 100
334
335
336
337
338
339
Caracterização semântica do
Apl./Total % P.R.
sujeito
340
a) Verbo transitivo
(17) Todos os brasileiros falam Português e nisso não há dúvidas.
b) Verbo intransitivo
(18) Além disto, língua e poder andam de mãos dadas.
c) Verbo de ligação
(19) ...os erros da elite são comuns e perdoáveis, já os erros do
“povão” são ridículos...
d) Verbo inacusativo
(20) ... não quer dizer que não exista grandes diferenças nesta
mesma língua.
341
342
atribuidores de Caso acusativo, fato que faz com que o sujeito da oração
pequena se mova em busca de Caso.
Segundo Mateus et al. (2003), a relação entre o sujeito e o
predicativo de frases copulativas é tão forte, que alguns gramáticos
chegaram a afirmar que o verbo copulativo parece não ter as propriedades
de um predicador e, por essa razão, são chamados de verbos de ligação.
Ainda conforme afirma a mesma autora, não se faz necessário retirar dos
verbos copulativos o estatuto de itens lexicais plenos, basta que se considere
a hipótese, já lançada acima, da existência de uma pequena oração, em
que o predicativo do sujeito é o predicador da oração. “A existência de
concordância entre o predicativo do sujeito e o constituinte com relação
de sujeito da frase constitui um argumento a favor da estrutura sintática
acima proposta [oração pequena]” (Mateus et al., 2003, p. 541).
A intensa relação existente entre o sujeito e o predicativo pode
ser a justificativa para o favorecimento da concordância verbal de terceira
pessoa, que se apresentou com o peso relativo de 0,70 e uma alta
frequência de 92%; porém, apesar da possibilidade já lançada, cogitou-se
a hipótese de a concordância verbal ter sido favorecida nos verbos de
ligação também por conta da saliência fônica, já que formas verbais como
é/são, está/estão se mostram significativamente salientes. Por essa razão,
realizou-se uma rodada complementar dos dados, excluindo a variável
tipo de verbo, e, como esperado, a variável saliência fônica foi selecionada.
O princípio da saliência fônica, proposto por Naro e Lemle (1976),
postula que, quanto maior for a diferença entre a forma verbal flexionada
e a forma verbal não flexionada, maior será a possibilidade de marcação
de número e pessoa no verbo. Assim, formas verbais como é/são, cuja
diferença no material fônico é bastante acentuada, seriam mais propensas
à flexão do que formas como bebe/bebem, em que se nota uma diferença
mínina entre a forma singular e a plural.
Para a investigação da variável saliência fônica, seguiu-se uma escala
(Naro, 1981), que parte dos verbos menos salientes, como bebe/bebem,
passando por verbos em que há acréscimo de segmento silábico na forma
flexionada, até chegar a um último nível, mais saliente, em que, além de
acréscimo silábico, ocorre mudança na raiz verbal, como em veio/vieram.
343
344
345
4. Considerações finais
A despeito do conservadorismo da modalidade escrita, o que a torna
mais refratária às mudanças que ocorrem na oralidade, e de a variação na
concordância verbal ser tipicamente mais observada na fala, este fenômeno
alcançou um índice expressivo de variação na escrita de estudantes
universitários, atingindo 15,1% de não utilização da regra. Como já ressaltado,
na avaliação desse resultado é preciso levar em conta que os estudantes ainda
não são considerados usuários plenos da norma culta escrita da língua.
As variáveis selecionadas pelo Goldvarb como relevantes para a
atuação do fenômeno morfossintático em estudo foram as que aparecem
recorrentemente também no estudo da fala. A realização, posição e distância
entre o sujeito e o verbo ratificou a ideia de que, quanto mais evidente for a
relação entre o sujeito e o verbo, maior será a aplicação da concordância. As
estruturas com o sujeito imediatamente anteposto revelaram maior
probabilidade de receberem a marca de plural, ao passo que aquelas em
que o sujeito está posposto tem probabilidade menor. Também para o
fenômeno em análise, o paralelismo discursivo se mostrou significativo,
partindo do conhecido princípio de que “marcas levam a marcas, e zeros
levam a zeros”. A concordância nominal no SN sujeito atua com base no princícpio
da coesão estrutural, que indica que é maior a possibilidade de aplicação
da regra de concordância verbal quando há aplicação da concordância
nominal no sujeito. A carcaterização semântica do sujeito mostrou que há
346
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347
348
Resumo
O objetivo deste estudo é investigar a variação na
aplicação da regra da concordância verbal de terceira
pessoa em textos de estudantes universitários. Com base
no modelo teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista, procura-se determinar os fatores
linguísticos e extralinguísticos que condicionam a
escolha do falante por uma das formas disponíveis. A
amostra analisada consta de cem textos de diversos
gêneros produzidos por alunos de diferentes cursos
de graduação, de duas faculdades públicas e uma
particular de Salvador. Para a análise dos dados,
recorreu-se ao programa estatístico GoldVarbX, que
fornece os cálculos da frequência e do peso relativo
necessários à discussão dos fatores que condicionam o
uso das variantes sob análise. Como fatores linguísticos,
o estudo apontou: realização, posição e distância do sujeito
em relação ao verbo, paralelismo discursivo, concordância
nominal no SN sujeito, caracterização semântica do sujeito,
tipo de verbo e saliência fônica; e entre os sociais: instituição
onde estuda e uso da escrita na atividade profissional.
Palavras-chave: Concordância verbal. Língua escrita.
Sociolinguística Variacionista.
Abstract
The aim of this study is to investigate the variation in
the application of the rule of third-person verb
agreement in texts of college students. Basing on the
Variacionist Sociolinguistic theoretical-methodological
model, it looks determine the conditioning of linguistic
and social factors on the option of the speaker by an
available form. The corpus consists of one hundred texts
from various genres produced by students of different
courses from public and private colleges in Salvador.
For data analysis, it was used statistical GoldVarbX
program that provides calculations of the frequency
and relative weight needed for discussion of factors that
influence the use of variants. Among linguistic factors,
the study pointed out: realization, position and distance
between the subject and the verb, formal parallelism, nominal
349
350
1.
Introdução
Atualmente, no português do Brasil (doravante
PB), observamos uma alternância entre nós e a gente
para representar a 1ª pessoa do plural, como podemos
ratificar em inúmeros estudos realizados nesta área: Albán e Freitas (1991),
Freitas (1991), Albán et al. (1991), Freitas (1997), Lopes (1993, 1998,
2007), Machado (1995), Naro et. al. (1999), Omena (1998, 2003), Seara
(2000), Zilles, Maya e Silva (2000), Zilles (2005, 2006, 2007), Menon,
Lambach & Landarin (2003), Borges (2004), Fernandes (2004), Silva
(2004), Vianna (2006) e outros. Discutiremos2, neste estudo, o uso e a
variação de nós e a gente com o intuito de averiguar se o pronome a
gente já está, de fato, inserido na língua escrita e falada dos alunos do
ensino fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da rede pública
de ensino de Florianópolis.
1
Professora efetiva da Educação Básica pelo município de Florianópolis/SC e tutora
da EAD/UFSC – Polo de Chapecó. Contato: anakellyborba@gmail.com.
2
Este estudo é resultado de minha dissertação de mestrado defendida em 5 de maio
de 2009, pela UFSC e com apoio da CAPES, sob orientação da Profª Drª Izete L.
Coelho. Há, na dissertação, com mais vagar, abordagem sobre tratamentos dispensados
às formas pronominais nós e a gente em gramáticas tradicionais (GT) e em estudos
sociolinguísticos – revisão de literatura.
352
353
3
Não houve tempo hábil para analisarmos todas as narrativas orais dos alunos das
quatro escolas; em virtude de greves, horários delimitados pelos professores para fazer
a pesquisa e outros, nossa coleta se alargou por um período maior do que o planejado.
4
Note que utilizamos os dados de escrita das quatro escolas, porém em relação aos
dados de fala, foram usados apenas os dados de fala da escola 3.
354
5
Este grupo de fatores marca morfêmica foi selecionado como o mais significativo em
todas as rodadas realizadas: (i) todos os dados de fala e escrita coletados, (ii) apenas
os dados de fala coletados na escola 3; (iii) apenas os dados de escrita das quatros
escolas, e, (iv) rodadas apenas com o tempo verbal, excluindo-se a saliência fônica.
355
356
“[...] bateu o recreio nós fomos pro recreio e depois nóis demo
a mochila pra ele.” (74M3f)
(7) A gente + P3
“Quase sempre a gente vai um monte [...] no shoppi” (50M3f)
(8) A gente + P4
“[...] a gente ficamo um pouco [...] e depois voltamo pra casa”.
(50F3f)
357
358
· SUJEITO PREENCHIDO
(9) Nós explícito + mos (verbo em P4)
(10) Nós explícito + O (verbo em P3)
(11) A gente explícito + O (verbo em P3)
(12) A gente explícito + mos (verbo em P4)
· SUJEITO NULO
(13) Nós implícito + mos (verbo em P4)
(14) Nós implícito + O (verbo em P3)
(15) A gente implícito + O (verbo em P3) – n/d em nossos dados.
(16) A gente implícito + mos (verbo em P4)
359
vez menos utilizados, em especial pela faixa etária dos mais jovens”.
Possivelmente, isto ocorre porque os mais jovens têm feito mais uso de a
gente do que os mais velhos e este pronome acompanha o verbo na 3ª
pessoa do singular – P3, ou seja, a marca não está colocada no morfema
do verbo e, em geral, ele é predominantemente empregado com sujeito
preenchido.
No entanto, resta-nos saber se a mudança que vem se
estabelecendo na fala do PB já está, igualmente, aplicada à escrita formal.
A partir de resultados da frequência de a gente, segundo realização de
cruzamento entre as variáveis fala/escrita e preenchimento do sujeito, os
índices de preenchimento de a gente são praticamente iguais na fala e na
escrita, 98% e 97%, respectivamente, em contraposição ao nós, com apenas
15% e 35%. Como fala Duarte (1993, 1995), o sujeito preenchido vem
sendo cada vez mais usado, pois ocorreram apenas 2% de uso de sujeito
nulo com a gente na fala e 3% na escrita. Por outro lado, o pronome nós
vem preferencialmente nulo nas duas modalidades: 85% na fala e 65% na
escrita. Em outras palavras, nossos resultados mostram que há uma
discrepância maior entre sujeito preenchido e sujeito nulo quando se
utiliza o pronome a gente do que quando se utiliza o pronome nós, tanto
na fala quanto na escrita.
6
O paralelismo formal 1 (sujeito-sujeito) foi o que se mostrou significativo no resultado
das rodadas.
360
7
Pretendemos continuar investigando o fenômeno relacionado ao paralelismo, mas
precisamos, ainda, dispor de uma metodologia mais adequada e definida para tal
estudo.
361
362
8
Todavia, ao realizarmos a primeira rodada, alguns fatores apresentaram KNOCKOUT
e, então, amalgamamos alguns graus, o que resultou nos graus 1 e 2. (Brustolin, 2009).
363
9
A tabela 5 ficou mais difícil de ser analisada devido aos amálgamas que fizemos, mas
confirma, de certa forma, a nossa hipótese inicial.
364
presente. Naro et al. (1999) sugerem que, pelo fato de o tempo presente
e o tempo pretérito terem a mesma forma na 1ª pessoa do plural, o
falante tem se valido, cada vez mais, da desinência -mos para assinalar o
tempo pretérito, em oposição à ausência de marca no presente.
Os nossos resultados ficaram muito próximos, e, embora em
Omena 1998 [1986] e Naro et al. (1999) o pretérito imperfeito seja mais
empregado com a gente, em nossos resultados, o índice deste para o
pronome a gente foi o mais baixo, corroborando os resultados de Lopes
(1993) uma vez que, nos dados da autora, houve um ligeiro favorecimento
para o pronome nós (66%) nesses contextos. Pensamos ser indispensável
citar que, em nosso estudo, a variável tempo verbal não foi selecionada
como significativa, porém a interdependência dos fatores saliência fônica
e tempo verbal nos parece evidente, visto que os alunos, ao narrarem um
acontecimento da vida deles, referem-se a eventos passados, marcando-os
temporal e cronologicamente10.
10
Realizamos também, rodada estatística sem a variável saliência fônica a fim de
verificar se os resultados se diferenciariam muito, porém, retirando a saliência fônica
do verbo, o resultado para a variável tempo verbal se apresentou o mesmo (Brustolin,
2009).
365
3.4.1. Sexo
Segundo Labov (1972, 2003), percebe-se que as mulheres tendem
a empregar as formas de maior prestígio, evitando formas estigmatizadas.
Todavia, o autor também menciona que, nos processos de mudança
linguística, as mulheres mostram-se mais inovadoras, introduzindo as
variantes “não-padrão”, quando essa forma não estiver marcada.
Com base em estudos da área, nossa expectativa se aproxima da
dos resultados alcançados por Zilles (2007) e também por Seara (2000)
e é de que as alunas tendam a utilizar o pronome a gente, tendo em vista
que ele não carrega muito estigma e como as pesquisas variacionistas, em
geral, têm demonstrado, as formas “bem aceitas” na sociedade geralmente
já estão na fala das mulheres.
3.4.2. Série
Para a análise dessa variável, realizamos a distribuição pelas quatro
séries integrantes do segundo segmento do ensino fundamental: 5ª, 6ª, 7ª
e 8ª.
366
11
Em geral, baseadas nos resultados de pesquisas já mencionadas, podemos perceber
que existe pouco estigma em relação ao pronome a gente no PB. O que é condenado,
na maioria dos casos em Florianópolis, é o uso da concordância não canônica com os
pronomes nós/a gente, ou seja, a gente acompanhado da marca morfêmica –mos e nós
acompanhado da marca morfêmica ∅.
367
4. Reflexões finais
Podemos dizer que o pronome a gente é mais utilizado pelos
alunos do ensino fundamental na fala e o pronome nós é mais utilizado
por estes alunos na escrita. Os resultados obtidos corroboraram algumas
das hipóteses que nortearam este estudo. Com base nos dados coletados,
podemos dizer que a variação dos pronomes nós e a gente é linguistica
e socialmente motivada.
Obtivemos como resultado para a oposição de modalidade (fala
x escrita) um maior emprego do pronome nós na escrita do que do
pronome a gente na escrita, porém para fala o uso de a gente suplantou
o de nós. A leitura dos resultados nos permite inferir que nas escolas da
rede pública de Florianópolis pesquisadas: (i) o pronome nós é mais
utilizado na escrita em detrimento do a gente, apesar de este já aparecer
na escrita; (ii) o pronome a gente é mais usado na oralidade (narrativas
de cunho pessoal) em detrimento do pronome nós; e (iii) apesar de a
gente já ter um grande espaço, o emprego do nós na escrita é
proporcionalmente maior do que o emprego do a gente na fala.
Ressaltamos, ainda, que o uso do pronome a gente, em geral, não
apresenta muito estigma e está correlacionado a variáveis extralinguísticas,
por exemplo, nível de formalidade, escrita versus fala e sexo dos falantes.
Contudo, acreditamos que o estigma no uso do pronome nós e a gente,
na maioria das vezes, está relacionado à realização da desinência verbal:
–mos (a gente cantamos) ou zero (nó(i)s canta ∅ ), e não à utilização dos
pronomes nós e a gente, acompanhados de verbos nas formas P4 e P3,
respectivamente. A partir dos resultados encontrados neste estudo,
salientamos, ainda, que a marca morfêmica foi a variável linguística
selecionada como a mais significativa em todas as rodadas e cruzamentos;
deste modo, podemos afirmar que um dos fatores que está regendo a
variação dos pronomes de primeira pessoa do plural nós e a gente são as
determinações no uso da desinência verbal, além de determinações
socioculturais do indivíduo.
Por fim, observamos que atualmente uma nova concepção de língua
orienta uma nova forma de pensar o ensino desta. Portanto, um dos
primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do educador deve ser o
reconhecimento da realidade sociolinguística presente na sala de aula e
na comunidade em que está atuando.
368
Referências
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culta brasileira”. Estudos lingüísticos e literários. nº 5, Salvador, UFBA. Agosto,
1991. pp. 103-116.
ALBÁN, Maria Del Rosário Suárez e FREITAS, Judith. “Nós ou A gente?”
In: Estudos lingüísticos e literários. nº 5, Salvador, UFBA. Agosto, 1991. pp.
75-89.
BAGNO, Marcos (org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004.
BORGES, Paulo R. S. A gramaticalização de “a gente” no português brasileiro.
Tese (Doutorado em Letras) — Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2004.
BRUSTOLIN, Ana Kelly Borba da Silva. Itinerário do uso e variação de nós
e a gente em textos escritos e orais de alunos do ensino fundamental da rede
pública de Florianópolis. Dissertação (Mestrado em Linguística) — UFSC,
Florianópolis, 2009.
COSTA, Sueli. O sujeito usado por crianças e adolescentes de Florianópolis: um
estudo da ordem e do preenchimento. Dissertação (Mestrado) — UFSC,
Florianópolis, 2003.
DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. A perda do princípio “Evite Pronome” no
Português Brasileiro. Tese (Doutorado) — Unicamp, Campinas, 1995.
____________. “Do pronome nulo ao pronome pleno: a trajetória do
sujeito no Português do Brasil”. In: Ian Roberts, Mary A. Kato (orgs.).
Português Brasileiro – Uma viagem diacrônica. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1993.
FERNANDES, Eliene Alves. “Fenômeno variável: nós e a gente”. In: HORA,
Demerval da (org.). Estudos Sociolingüísticos: perfil de uma comunidade. João
Pessoa, 2004, pp. 149-156.
FREITAS, Judith Mendes de Aguiar. Os pronomes pessoais sujeito no ensino
fundamental: teoria gramatical e orientação do professor. Salvador: Edufba. 1997.
LABOV, William. “Some sociolinguistic principle”. In: PAULSTON, C. B.;
TUCKER, G. R. (orgs.). Sociolinguistics: The essencial readings. Oxford:
Blackwell, 2003 [1969], pp. 234-250.
____________. “Building on empirical foundations”. In: W.P. LEHMANN
& Y. MALKIEL (orgs.). Perspectives on historical linguistics. Amsterdam/
Philadelphia: J. Benjamins, 1982, pp. 26-29 e pp. 55-89.
369
370
371
372
Resumo
O objetivo deste trabalho é descrever e analisar a variação
de nós e a gente (e suas possíveis realizações na desinência
verbal -mos e zero) na fala e escrita de alunos do ensino
fundamental (5ª, 6ª, 7ª e 8ª série) em quatro escolas da
rede pública de ensino de Florianópolis – região leste de
Santa Catarina. A análise está apoiada na Teoria da
Variação e Mudança Linguística delineada por Weinreich,
Labov e Herzog (1968) e Labov (1972, 2001, 2003) e leva
em conta a influência de fatores linguísticos e
extralinguísticos no condicionamento das formas em
variação. Esta pesquisa consistiu na observação do uso
“real” desses pronomes e se efetivou partindo de uma
proposta de narração solicitada aos alunos, que deveriam
relatar a respeito de um momento marcante da vida deles,
em conjunto, com outras pessoas – para se resgatar,
preferencialmente, a primeira pessoa do plural. As
amostras da pesquisa foram constituídas por produções
textuais e entrevistas orais, no período de maio a outubro
de 2008. Os resultados gerais já apontam para um uso
efetivo da forma a gente na fala e na escrita dos alunos,
com base nas rodadas que foram realizadas com a ajuda
do pacote estatístico VARBRUL. Verificamos os seguintes
contextos linguísticos e extralinguísticos favorecedores
para o uso de a gente na escrita e na fala, respectivamente:
(i) marca morfêmica do verbo que o acompanha (zero e
–mos), (ii) sujeito preenchido e nulo, (iii) modalidade:
fala e escrita, (iv) saliência fônica, (v) paralelismo formal,
(vi) sexo dos informantes e (vii) série (5ª, 6ª, 7ª e 8ª). Esse
quadro aponta para o ensino de língua em que um dos
primeiros objetivos e uma das primeiras atitudes do
educador deve ser o reconhecimento da realidade
sociolinguística presente na sala de aula.
Palavras-chave: variação/mudança linguística e ensino,
pronome, fala e escrita.
Abstract
The aim of this work is to describe and analyze the
change of nós and a gente (and their respective
realizations in the verbal ending –mos and null) in the
373
374
1.
Introducción
La discusión sobre la variación del español no
es algo reciente. Mucho se ha debatido en el siglo XX
respecto de los orígenes y las características del español
americano y sus principales rasgos distintivos. En este sentido, Fontanella
de Weinberg (1993) comenta que es inadecuado dividir el español en
dos bloques distintos, opuestos el uno al otro e internamente homogéneos
como se suele hacer al hablar de “español de España” y “español de
América”3. En la propuesta de Fontanella de Weinberg (1993), el español
americano es un conjunto de variedades lingüísticas habladas en América
definidas geográfica e históricamente sin olvidar el complejo y variado
carácter del proceso de colonización ni sus implicaciones lingüísticas.
Fontanella de Weinberg (1993) comenta que, a excepción del
uso del pronombre vos en América y del pronombre vosotros en España,
no hay una forma lingüística que sea exclusiva de una zona geográfica4.
1
Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do
Norte.
2
Doutorando da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
3
Es cierto que los estudios léxicos vienen desarrollándose y muchas investigaciones
sobre el léxico de cada país/región surgieron a lo largo del siglo XX dando origen
a diccionarios de argentinismos, cubanismos, peruanismos, mexicanismos etc. Sin
embargo, nos parece bastante prudente tener las observaciones de Fontanella de
Weinberg (1993) en mente al analizar otros niveles de la lengua.
4
Para una discusión muy interesante de este tema, ver Fanjul (2004).
5
El sistema de las fórmulas de tratamiento no depende simplemente del hecho de
que si la situación es formal o informal en el sentido de que si los hablantes se
conocen y tienen intimidad o no. Muchos otros factores juegan papel importante en
ese sistema, como discutido en Carricaburo (1997). Un ejemplo de esta complejidad,
que pasa por las relaciones de poder, es el caso en que un jefe de una empresa tiene
una secretaria mucho mayor que él. El jefe tiene los rasgos [+poder; -edad] y la
secretaria tiene los rasgos [-poder; +edad], hecho que genera un conflicto a la hora
de usar las fórmulas de tratamiento.
6
En este trabajo nos detenemos fundamentalmente en aspectos empíricos/descriptivos
de la cuestión. Es decir, presentamos datos. En trabajos futuros, se podrá utilizar los
datos presentados y los que añadan para reflexiones teóricas sobre variación y cambio
lingüístico además de las investigaciones pragmáticas y discursivas.
376
7
Para una exposición más detallada de este tema, ver Pinto (2007).
8
El voseo en otras regiones presenta diferentes desinencias en otros tiempos verbales
como señala Bertolotti (2011). No nos detendremos en la variación desinencial del
voseo en este trabajo pero un comentario es relevante para el caso del presente del
subjuntivo y sus funciones pragmáticas (entre ellas las de imperativo negativo): hay
variación entre la morfología verbal típica del voseo y la del tuteo dependiendo de
la función del subjuntivo. Fontanella de Weinberg (1979) muestra que en imperativo
menos tajante, como una sugerencia, se usan las formas del tuteo; por otro lado, en
un orden incisivo, se usan las formas propias del voseo.
377
9
Como señala Carricaburo (2003), el desgaste se debe al doble uso del vos: inferiores
se dirigían a superiores por vos como señal de respeto; superiores se dirigían a
inferiores por vos como señal de alejamiento.
10
Aquí caben dos comentarios. 1) El voseo en Chile es sentido como algo estigmatizado,
rural, no culto debido a la fuerte política de Andrés Bello en el siglo XIX para
exterminar el voseo; 2) Aunque la Región del Río de la Plata, en especial el Paraguay,
estuvo al borde del Imperio mucho tiempo, un caso diferente se encuentra en Buenos
Aires, que tuvo gran desarrollo a partir del siglo XVIII. Sin embargo, como señala
Alonso (1942), con el movimiento de “las lenguas nacionales”, parece que el voseo
en esa región ganó terreno como expresión de independencia lingüística.
378
I II III
-ais/-eis 11 -as/-es -ais/-is
-eis/-ais -es/-as -is/-ais
-is/-ais -is/-as -is/-ais
Cuadro 1: Tipos de voseo
Fuente: Rona (1967, p. 69-73)
11
La forma a la izquierda es la forma del presente de indicativo y la forma a la derecha
es la forma del presente de subjuntivo.
379
I II III IV
-ais/-eis -ás/-es13 -as/-es -ais/-is
-eis/-ais -és/-as -es/-as -is/-ais
-is/-ais -ís/-as -is/-as -is/-ais
12
Quizás, el problema de la clasificación de Rona (1967) en tres tipos de voseo se
deba a que no pone el acento gráfico en las desinencias del voseo de tipo II destacando
que son formas agudas. Estamos de acuerdo en que solamente hay tres desinencias
exclusivas del voseo. La cuarta desinencia es la desinencia del tuteo, empleada en el
voseo pronominal.
13
Aquí entra el problema de la variación en el presente de subjuntivo como discutido
en Fontanella de Weinberg (1979).
380
La autora justifica que las zonas de tuteo exclusivo son así debido
al contacto con el portugués del sur de Brasil, que también es tuteante,
y por una cuestión histórica de inmigración de colonos del noroeste de
la península ibérica.
Bertolotti (2006) intenta explicar la evolución de las fórmulas de
tratamiento en el español uruguayo. Según la autora, entre los siglos XVIII
y XIX, el Uruguay tenía las formas tú, para el tratamiento informal, y
vuestra merced/usted, para el tratamiento formal. Sin embargo, a fines del
siglo XX y comienzos del siglo XXI, las formas de tratamiento informal
presentan variación entre las formas vos y tú. La explicación gramatical de
Bertolotti (2006) para la variación es la de que el voseo entra por el
sistema pronominal, ya que en el siglo XIX registra casos de voseo
pronominal — como ilustrado en (3a). Dado el carácter pro-drop del
español uruguayo, tales ocurrencias son escasas14.
Los uruguayos han avanzado hacia el voseo y, hoy día, los jóvenes
son los que más se han volcado hacia el voseo pronominal, que, en la
sociedad montevideana, suena como una cuestión de “argentinización”
por el turismo de argentinos y los programas de televisión que son
emitidos en Uruguay (Carricaburo, 1997, p. 31-32).
En un estudio que se refiere a los mecanismos conversacionales
en el español uruguayo, Gabianni (2006) encontró en su corpus que los
14
La explicación pragmática que da Bertolotti (2006) para el incremento del voseo
es que fue usado como un mecanismo de cortesía que atenuaba el carácter grosero
de las formas tuteantes.
381
382
3. La metodología de la investigación
Nuestro corpus está compuesto por 60 publicidades y anuncios
colectados en la ciudad de Montevideo, capital de la República Oriental
de Uruguay, entre el 15 y el 18 de febrero de 2010. La intención de la
investigación fue la de verificar cuáles son las formas de tratamiento
utilizadas en la publicidad de esta ciudad y cómo está dispuesto el voseo
en este ámbito.
Para ello, entraremos en la parte del análisis cualitativo donde
analizamos algunos casos específicos y discutimos las posibles elecciones
del pronombre de acuerdo con la situación. Después, presentaremos un
análisis cuantitativo para descubrir el número de publicidades y anuncios
que presentan el voseo y también las otras formas (tú y usted), además de
los anuncios que presentan las dos formas y paradigmas dudosos.
Esta investigación se detiene a la lengua escrita, específicamente
el género textual “publicidad”. No investigamos fenómenos del habla y
tampoco se está afirmando que los anuncios y publicidades colectados en
Montevideo hayan sido producidos en esta ciudad o por hablantes nativos
de esta región (lo que sería imposible, además), sino mostraremos datos
recogido allí, lo que indirectamente puede reflejar algo.
Las publicidades y anuncios fueron recogidos a través de una
cámara digital en las calles de Montevideo y guardados en una tarjeta de
memoria para que fueran analizados en una computadora. Los anuncios
fueron clasificados en 5 carpetas de acuerdo a la forma de tratamiento
utilizada:
383
385
386
que nos hace inferir que este fenómeno es común en Montevideo, ya que
no hubo una preocupación en adaptar la parte del Visa a las formas
típicamente voseantes, que sería visitá.
Los casos en que formas de tratamiento diferentes aparecen en la
misma publicidad no se restringen a las segundas personas informales,
sino que hay mezcla con las formas del pronombre usted, que se usa para
casos de formalidad, como se muestra en la figura 5 a continuación:
17
Esto queda evidente por las reglas de acentuación gráfica. La acentuación tónica de
la forma tuteante es esdrújula, lo que implicaría en el uso de la tilde: infórmate. La
acentuación tónica de la forma voseante es grave, lo que excluye el uso de la tilde:
informate. Vale destacar que muchas publicidades no usan la acentuación gráfica, lo
que mantendría en duda si la forma verbal en discusión es tuteante o voseante. Sin
embargo, como hay acentuación gráfica en esta publicidad (véase la palabra afiliación),
queda claro que la forma es voseante.
387
embargo, el uso de contigo parece ser más difundido que el uso de con vos
en el español de Uruguay como complemento de preposición
(Carricaburo, 1997, p. 32).
Muchas de las propagandas y anuncios recogidos no fueron
elaborados necesariamente por uruguayos, sino que pueden haber venido
de otros países que poseen paradigmas diferentes al de la norma uruguaya,
o más específicamente, montevideana. Este trabajo tiene como objeto de
estudio, como descrito anteriormente, las publicidades encontradas en
Montevideo y no las propiamente producidas en esta ciudad, lo que
supondría un conocimiento más preciso de las empresas de publicidad y
traducción e inclusive de los empleados que han redactado los anuncios.
Sin embargo, podemos inferir que algunas de las publicidades fueron
realmente elaboradas en Uruguay, como es el caso de la del Teatro Solís:
388
389
390
18
Cf. Venâncio da Silva (2010) para una exposición más detallada.
391
Paradigma Paradigma
voseante tuteante
88,37 11,63
Los datos presentados arriba nos llevan a concluir que las formas
voseantes son las más usadas y preferidas en las propagandas encontradas
en la ciudad de Montevideo. Inclusive, dada la diferencia grande entre
publicidades con formas voseantes y publicidades con formas tuteantes,
se puede pensar que, si se analizan ocurrencias individuales de cada forma,
las formas voseantes seguirán siendo preferidas.
5. Consideraciones finales
La preferencia por las formas voseantes en las publicidades
colectadas en Montevideo es innegable. En el análisis cuantitativo, la mayor
parte de las publicidades muestra que el voseo es más extendido que el
tuteo y las formas de usted. Cuando este análisis se restringe a las
392
Referencias
ALONSO, Amado. Castellano, Español, Idioma nacional: historia espiritual de
tres nombres. 2. ed. Buenos Aires: Losada S.A., 1942.
BERTOLOTTI, VIRGINIA. Tú, vos y usted en América: sincronía y diacronía.
Mini-curso ministrado no XVI Congresso Internacional da ALFAL. Alcalá
de Henares. 2011.
19
Estamos concientes de que nuestro corpus es un corpus reducido derivado de un
trabajo inicial. Trabajos con corpus más robusto deben realizarse para confirmar o
rechazar estas afirmaciones.
20
Hemos consultado a hablantes nativos de Uruguay, quienes confirmaron este hecho.
393
394
Resumo:
Este texto apresenta a variação das formas de
tratamento de segunda pessoa do singular no espanhol
uruguaio. Nossa pesquisa se baseia na análise de
propagandas coletadas na cidade de Montevidéu e
mostra que, nesse gênero textual, o voseo é
predominante sobre o tuteo. Na primeira parte do texto,
introduzimos o tema da variação do espanhol
(americano); na segunda parte, apresentamos o
fenômeno do voseo e falamos da situação do voseo no
espanhol uruguaio; na terceira parte apresentamos a
metodologia empregada, uma análise qualitativa e uma
análise quantitativa para os dados coletados; por fim
tecemos algumas considerações sobre a questão. O
trabalho é essencialmente de cunho descritivo e tem o
objetivo de trazer novos dados para o tema em questão.
Palavras-chave: Diversidade lingüística; Espanhol
uruguaio; Formas de tratamento; Voseo.
Abstract:
This paper discusses the variation in the system of
address forms in the singular in Uruguayan Spanish.
The research is based on the analysis of advertising texts
gathered in the city of Montevideo. The results show
that in this textual gender voseo (use of vos form)
predominates over tuteo (tú form). In the first part of
the paper, we present the facts about the variation in
(Latin-American) Spanish; in the second part, we
present the phenomenon of voseo and discuss its
extension in Uruguayan Spanish; in the third part, we
present the methodology used in the research and a
quantitative and qualitative analysis of the collected data,
as well as some considerations about the phenomenon.
The present article is essentially a descriptive research
and it aims to capture new data for the topic in question.
Keywords: Linguistic diversity; Uruguayan Spanish;
Forms of address; Voseo.
395
I
ntrodução
No sistema verbal do português, a expressão de
anterioridade a um ponto de referência passado está,
canonicamente, associada às formas verbais pretérito mais-
que-perfeito simples (PMQPS, correspondendo à desinência -ra) e pretérito
mais-que-perfeito composto (PMQPC, correspondendo às perífrases ter ou
haver + particípio passado). Segundo Corôa (2005: 50), sentenças como Eu
tinha escrito a carta quando ele me telefonou e Eu (já) escrevera a carta quando ele
me telefonou são equivalentes, visto que “ambas relatam um evento ocorrido
antes de outro evento também já ocorrido quando do momento da fala”.
Investigações anteriores (cf. Coan, 1997; 2003) constatam a ausência da variante
simples de PMQP na fala informal, indicando um estado-de-coisas (EsC) em
momento temporal anterior à ocorrência de um outro EsC também passado.
Segundo Coan (op. cit.), na fala, a variação se estabelece entre a variante
PMQPC e a variante pretérito perfeito simples (PPS), que entra em
competição com a variante composta na expressão de passado do passado.
No entanto, a variação entre a forma simples e a perífrase de
pretérito-mais-que-perfeito pode ser atestada na modalidade escrita do
português brasileiro contemporâneo, principalmente nos seus registros
mais formais. Essa variação é focalizada, neste artigo, sob o prisma dos
pressuspostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista.
Segundo essa perspectiva, a língua é inerentemente variável, ou seja, dispõe
1
Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2
O estudo da mudança em tempo aparente toma como base a distribuição de variantes
linguísticas em diferentes faixas etárias. Pesquisas sociolinguísticas mostram que grupos
etários mais jovens tendem a liderar mudanças, que podem, gradativamente, se espalhar
na comunidade através de sucessivas gerações.
3
O estudo da mudança em tempo real pode ser de longa duração (comparando
estágios passados da língua) ou de curta duração. Para esse último caso, Labov (op.
cit.) propõe a conjugação de dois tipos de estudo que permitem a observação de dois
estados da língua em uma mesma comunidade de fala (estudo de tendência) ou no
próprio indivíduo (estudo de painel).
398
(1) Há dois anos, sua ex mulher Tatum O’Neil declarou que o jogador usara
esteróides no final de sua carreira desportiva (Extra, 13/01/04).
(2) Pessoas ligadas ao traficante garantiram que ele não tinha dado ordens
para o fechamento do comércio no Complexo do Jacarezinho e do
Complexo do Alemão, onde ele era chefe do tráfico de drogas (O
Povo, 07/01/04).
399
4
Vale esclarecer que a pequena diferença na data das duas amostras não compromete
a análise, visto que essa pesquisa não está interessada em depreender a trajetória das
variantes em estudo.
400
401
5
Não foram encontradas ocorrências da variante PMQPS na primeira pessoa do plural.
Nesse contexto, observaram-se apenas 6 ocorrências da variante PMQPC.
402
403
8
O jogo em questão entre o time espanhol Real Sociedad e o time francês Lyon ocorrera
na Espanha em 25/02/04. O segundo jogo entre esses times ocorreu em 09/03/04
na cidade de Lyon, na França. Em ambos os jogos o time francês vencera por 1 a 0.
No entanto, não há no texto informação explícita de que esses times se enfrentaram
em um segundo jogo e que este ocorreu na França. Segundo Coan (2000, p. 06),
denomina-se conhecimento pragmático esse “conjunto de informações (conhecimento
de mundo e da situação, crenças) não verbalizadas, mas partilhadas por falante e
ouvinte, e inferidas no ato da comunicação”.
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Conclusão
A análise aqui apresentada focalizou a variação linguística entre as
formas verbais canônicas de expressar anterioridade a um EsC passado,
com o propósito de identificar, no âmbito da escrita, os contextos de
manutenção da variante pretérito mais-que-perfeito simples. Os resultados
12
Na oposição entre variantes canônicas, do total de 16 ocorrências da variante PMQPS
codificando anterioridade a um ponto de referência passado em crônicas d’O Globo,
12 casos foram encontrados, particularmente, nas crônicas escritas por Luis Fernando
Veríssimo. Vale mencionar ainda que, das 12 ocorrências da variante PMQPS
encontradas nas crônicas de Veríssimo, 8 casos se encontram em uma crônica, em
particular, intitulada “A russa do Maneco”.
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Referências
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais tipificação e Interação. Ângela Paiva
Dionísio, Judith Chamblis Hoffnagel (orgs.). Revisão técnica Ana Regina
Vieira et al. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2004.
409
410
411
412
Resumo
Este artigo focaliza a variação entre as formas verbais
de pretérito mais-que-perfeito simples e composto na
expressão de um estado-de-coisas passado anterior a
outro, sob a perspectiva teórica da Sociolinguística
Variacionista. Nosso objetivo é investigar, na
modalidade escrita do português contemporâneo,
representada por diferentes textos jornalísticos, os
contextos gerais de resistência da variante pretérito
mais-que-perfeito simples, em desuso na modalidade
falada. Mostramos que o uso dessa variante tende a
estar significativamente relacionado à presença de
circunstanciadores temporais. Demonstramos, também,
a relevância das variáveis gênero discursivo e veículo.
Palavras-chave: Variação; pretérito mais-que-perfeito;
escrita; gênero discursivo.
Abstract
This article focuses on the variation between simple
and compound pluperfect tenses, used to express
action completed prior to a specific or implied past
time, based on the theoretical-methodological
presuppositions of Sociolinguistics. We aim to
investigate, in written language, the general contexts
of resistance of the simple variant, which is out of use
in spoken language. We show that the use this variant
is related to the presence of adverbs, prepositional
phrases or subordinate clauses which express time. We
also demonstrate the relevance of the discoursive
genres and types of newspapers and magazines.
Keywords: Variation; pluperfect tense; written
language; discoursive genres.
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1
Márcia Cristina de Brito Rumeu, Professor Adjunto da UFMG. Doutora em Língua
Portuguesa. E-mail: marciarumeu@uol.com.br
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1
Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Língua Portuguesa.
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1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas (UFRJ)
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1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas (UFRJ)
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431
Temática
As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e
as de número par se atêm aos estudos linguísticos.
No tocante aos estudos literários, aceitam-se colaborações
concernentes a:
Normas*
1. O trabalho deve ter extensão máxima de quinze laudas (ou 31.500
caracteres com espaços) e vir acompanhado de resumo (de até 830
caracteres com espaços), e três a cinco palavras-chave, seguidos de
abstract e keywords em inglês.
*
Adaptação das normas da ABNT realizada por Mônica Maria Rio Nobre e Violeta
Virginia Rodrigues, Docentes de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizadoras da Revista Diadorim - 6.
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posverna@letras.ufrj.br