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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

SUMÁRIO
1. CONSTITUIÇÃO .......................................................................................................................... 04

2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ................................................................................. 28

3. NACIONALIDADE E DIREITOS POLÍTICOS ................................................................................ 133

4. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA ......................................................................... 159

5. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................................................................... 171

6. PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ........................................................................... 200

7. PODERES ADMINISTRATIVOS ................................................................................................. 208

8. SERVIDORES PÚBLICOS ........................................................................................................... 227

9. ATO ADMINISTRATIVO ........................................................................................................... 243

10. PROCESSO ADMINISTRATIVO ............................................................................................... 258

11. LICITAÇÃO ............................................................................................................................. 269

12. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS .......................................................................................... 316

13. SERVIÇOS PÚBLICOS ............................................................................................................. 335

14. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................................................ 352

15. CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO ......................................................................................... 374

16. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ........................................................................................ 384

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CONSTITUIÇÃO

 CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO
Tradicionalmente os manuais de Direito Constitucional
apontam três concepções acerca do que se deve ser entendido
como Constituição: a sociológica, a política e a jurídica.

A concepção sociológica é apresentada por Ferdinand


Lassale, para quem a Constituição de um país expressa os veto-
res reais de poder nele dominantes e, em caso de eventual in-
congruência entre tais vetores e a Constituição escrita, fatal-
mente o texto escrito cederia às pressões do poder e não passaria de uma folha de papel. 1

A concepção política é defendida por Carl Schmitt. Para ele a Constituição, como norma fun-
damental de um Estado, somente poderia dispor a respeito de normas fundamentais, como a es-
trutura do próprio Estado e o reconhecimento de direitos fundamentais. Assim, todas as demais
normas que fugissem a esse estrito rol não seriam normas constitucionais, mas simples leis consti-
tucionais.2

A concepção jurídica amolda-se ao discurso da supremacia das regras constitucionais. A


Constituição ocupa o vértice da pirâmide hierárquica normativa e tem superioridade jurídica no
tocante às demais leis e atos normativos.3

 CLASSIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES DE CONSTITUIÇÃO


 QUANTO AO CONTEÚDO
Na verdade, esta classificação tem em foco as regras contidas na Constituição.

Regras materialmente constitucionais seriam somente aquelas concernentes à ideia preco-


nizada por Carl Schmitt: a de que a Constituição deveria dispor apenas sobre os aspectos funda-
mentais de um Estado e os direitos e garantias individuais. Costuma-se citar como exemplo desta
espécie a Constituição Norte Americana, embora as várias emendas subsequentes possam ter des-
virtuado tal característica.

Ao contrário, regras formalmente constitucionais seriam aquelas que poderiam perfeita-


mente ter sido dispostas por intermédio do legislador ordinário. Exemplo interessante é o do art.
242, § 2º, CF, relacionado à manutenção do Colégio Dom Pedro II na órbita federal.

1
Lassalle, Ferdinand. ¿Qué es una Constitución? 11. ed. Trad. W. Roces. México, Ediciones Coyoacán, 2004.
2
Veja-se, adiante, a distinção entre regras materialmente constitucionais e normas formalmente constitucionais.
3
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

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 QUANTO À FORMA
Quanto à forma as Constituições podem ser escritas ou não escritas. No tocante às não escri-
tas, não há um texto unificado: as regras resultam tanto de produção normativa esparsa quanto de
entendimentos jurisprudenciais solidificados.

 QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO


As Constituições dogmáticas são aquelas elaboradas por um Poder Constituinte, seja ele legí-
timo (Constituições promulgadas) ou ilegítimo (Constituições outorgadas).

Dogma significa o ponto fundamental e indiscutível de qualquer doutrina ou sistema.

“A expressão ‘dogmática’ vem de dogma, que se traduz em uma rede inquebran-


4
tável de conceitos. O positivismo jurídico marca o início da dogmática....”

Já as Constituições históricas são as decorrentes de costumes, de práticas reiteradas por de-


terminado povo. É de se notar que as Constituições não escritas, como a Inglesa, serão sempre
históricas, ao passo que as escritas jamais deixarão de ser dogmáticas.

 QUANTO À ORIGEM
As Constituições promulgadas, também chamadas de populares, democráticas e votadas,
são as Constituições elaboradas de forma legítima por representantes do povo eleitos com a possi-
bilidade de exercer o Poder Constituinte Originário. No Brasil tivemos as seguintes: 1891, 1934,
1946 e 1988.

As Constituições outorgadas são as impostas ao povo pelos detentores das reais fontes de
poder na época (lembrar da concepção de Ferdinand Lassale), independentemente e até mesmo de
forma contrária à vontade popular. Tivemos as seguintes: 1824, 1937, 1967 e 1969.

Alexandre de Moraes cita, ainda, as Constituições cesaristas, que seriam aquelas que, a des-
peito de outorgadas, dependeriam da ratificação popular mediante referendo.5

 QUANTO À EXTENSÃO
Há Constituições sintéticas, cujo clássico exemplo é a Constituição norte-americana pelo fato
de dispor basicamente a respeito de normas fundamentais à organização do Estado e aos direitos e
garantias individuais.

Por outro lado, existem Constituições analíticas. É o caso da Constituição de 1988 que, ao
“constitucionalizar” regras que poderiam ter sido objeto de simples leis ordinárias (normas for-
malmente constitucionais), acabou por se tornar uma carta política prolixa e sujeita a fortes ten-

4
BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal. Fundamentos para um Sistema Penal Democrático. 1
ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 06.
5
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 37.

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dências reformadoras. Importante ressaltar que não há hierarquia entre normas materialmente e
norma formalmente constitucionais.

 QUANTO À DOGMÁTICA
As Constituições influenciadas somente pela maior fonte de poder à época de sua elaboração
são chamadas de ortodoxas. A antiga Constituição Soviética é um bom exemplo. Desaconselhável
por não respeitar outras fontes ideológicas e, em razão disso, fadada a perder toda a força norma-
tiva6 em caso de ruptura do poder anterior.

As Constituições que buscam harmonizar todas as influências ideológicas existentes em uma


nação em determinado momento histórico, como a Constituição de 1988, são denominadas ecléti-
cas.

 QUANTO À ESTABILIDADE
 CONSTITUIÇÕES FLEXÍVEIS
Nelas não há previsão alguma a respeito de eventual procedimento diferenciado para fins de
alteração do texto constitucional. Para alterar o texto de tais Constituições bastaria um simples
procedimento relativo às leis ordinárias, por exemplo.

 CONSTITUIÇÕES SEMIFLEXÍVEIS OU SEMIRRÍGIDAS


As pertencentes a esta espécie contentar-se-iam com um procedimento diferenciado para
fins de alteração de seus textos. Um exemplo capaz de distanciá-las das constituições flexíveis seria
o seguinte: enquanto os textos das Constituições flexíveis poderiam ser alterados mediante proce-
dimento legislativo ordinário (votação da maioria simples em cada casa do Congresso Nacional), os
referentes às Constituições semiflexíveis somente admitiriam alteração mediante o respeito a um
procedimento um pouco mais dificultoso, como aquele previsto às leis complementares (maioria
absoluta dos membros das casas legislativas).

 CONSTITUIÇÕES RÍGIDAS
Aqui o procedimento a ser observado em qualquer proposta de alteração ao texto constitu-
cional é mais dificultoso ainda, pois, como no caso da CF/88, o art. 60 dispõe acerca do intrincado
processo legislativo relativo às emendas à Constituição: votação em dois turnos em cada casa legis-
lativa, aprovação por dois terços do total dos membros de cada casa. Ademais, não se pode olvidar
que são poucos aqueles que detêm o poder de apresentar proposta de emenda à Constituição,
como se pode ver no artigo 60 da Constituição Federal.7

 CONSTITUIÇÕES SUPER-RÍGIDAS

6
Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
7
Mais informações a respeito do procedimento na elaboração de Emendas à Constituição encontram-se no capítulo destinado à análise
do Processo Legislativo.

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Alexandre de Moraes atribui à CF/88 a classificação de super-rígida porque, além de o proce-


dimento a ser observado quando da pretensa alteração, há uma parte, segundo ele, imutável: o art.
60, § 4º.

Entretanto, sem deixar de concordar com esta subespécie, devemos lembrar que as “cláusu-
las pétreas” do art. 60, § 4º, não são imutáveis. O que essas normas, pertencentes ao que os ale-
mães chamam de “núcleo duro” da Constituição, não podem é ser abolidas. Por isso, parte da dou-
trina, ao se referir ao art. 60, § 4º, prefere a expressão “cláusulas de barreira”.

 CONSTITUIÇÕES IMUTÁVEIS
Não podem ser reformadas sob qualquer pretexto. Diante de tal peculiaridade logo perdem
sua imprescindível força normativa, pois, segundo Konrad Hesse,
“as constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam re-
bentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se
se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de
8
chamuscá-las”.

Fácil perceber que a ruptura, em tais casos, mostra-se inevitável, pois uma Constituição deve
retratar o presente com vistas a regular o futuro.

 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS


Os princípios constitucionais, longe de ter feição meramente programática, detêm intensa
força normativa e apresentam-se como bases de aplicação/conformação de todo o ordenamento
jurídico e, de acordo com Humberto Ávila, “os princípios não apenas explicitam valores, mas,
indiretamente, estabelecem espécies de premissas de comportamentos”.9

Segundo Paulo Bonavides, “o princípio imprime força, respeito e consistência ética e jurídica
às regras da Lei Maior, por ser, em sede de legitimidade, a norma das normas, a proposição das
proposições, alicerçando o sistema, cimentando o regime e compondo o laço de unidade na herme-
nêutica das Constituições”.10 Por isso que “a lesão a um princípio é, juridicamente, no constituciona-
lismo contemporâneo, a ofensa das ofensas”.11

 PRINCÍPIO REPUBLICANO
A República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito (CF, artigo 1º, caput). Dentre
os fundamentos da República brasileira encontra-se a soberania (CF, artigo 1º, inciso I).

8
Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
9
ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 17.
10
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92.
11
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 130.

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Nossa forma de governo é a republicana. A República é a forma de governo que tem como
principal característica eleição periódica do Chefe de Estado. A forma republicana de governo é um
dos princípios constitucionais sensíveis (CF, artigo 34, inciso VII, “a”).

 PRINCÍPIO FEDERATIVO
O Estado Brasileiro é organizado mediante uma aliança de estados chamada Federação.
Numa federação os estados ditos federados compõem um todo soberano. Entretanto, os mesmos
estados federados não detêm soberania: a eles resta atribuída tão somente parte da autonomia
política, como capacidade de auto-organização. Soberano é somente o todo resultante da junção
de todos os estados federados: a República Federativa do Brasil.

Neste ponto é imprescindível reforçar a constatação de que é a República Federativa do


Brasil o ente detentor de soberania. Não a União, pessoa jurídica de direito público interno. No
plano do Direito Internacional é a República Federativa do Brasil quem celebra acordos e assina
tratados, não a União Federal.

No Estado Unitário o Poder Legislativo é desempenhado por apenas um órgão. As leis são
nacionais e destinam-se, em regra, a todo o território ocupado pelo Estado. Admite-se
descentralização administrativa, mas sempre com subordinação hierárquica a uma autoridade
central. Costuma-se dizer que o Estado Unitário é a forma mais comum de Estado.12

O Estado Federal é composto por Estados-membros que integram a federação desde que
despidos do atributo da soberania. Difere do Estado Unitário essencialmente porque os Estados-
membros, na federação, exercem o poder de editar leis e detêm autonomia para se auto
organizar.13

Aos Estados-membros de uma federação, justamente por deterem a capacidade de auto-


organização, cabe a prerrogativa de confeccionar as próprias Constituições. Exercem, em tais
situações, Poder Constituinte. Entretanto esse poder é decorrente da Constituição da federação e,
portanto, juridicamente limitado.

Há, contudo, a chamada regra da participação, que permite aos Estados-membros que
tomem parte no processo de elaboração da vontade política da federação, intervindo com voz ativa
nas deliberações de conjunto. Este é um marcante traço distintivo entre Estado-membro federado
e um simples órgão administrativo descentralizado no Estado Unitário.

Por intermédio da regra da autonomia manifesta-se com toda a clareza o caráter estatal das
unidades federadas. Podem elas estatuir uma ordem constitucional própria, estabelecer a
competência dos três poderes que habitualmente integram o Estado e desempenhar uma imensa
gama de poderes, prerrogativas e atribuições que estejam de acordo com a Constituição Federal.

12
“Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, até final do século XVIII, não se conheceu senão o Estado Unitário. É dizer,
aquele em que há um único centro irradiador de decisões políticas expressas em lei” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e
Ciência Política. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 96).
13
“Exsurge a Federação como a associação de Estados (Foedus, foederis) para formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida
de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela ‘autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da
Constituição Federal’ (Sampaio Dória), caracterizadora dessa igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambas extraem suas competên-
cias da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal como disposto no pacto federal (Victor Nunes)” (ATALIBA,
Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 10).

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Paulo Bonavides leciona que “A posição dos Estados-membros no sistema federativo não se
cifra apenas no desempenho de sua autonomia constitucional em matéria legislativa, executiva ou
judiciária, senão que cumpre ver ao lado dessa autonomia aqueles pontos da organização federal
em que os Estados federados aparecem por sua vez tomando parte ativa e indispensável na
elaboração e no mecanismo da Constituição Federal”.14

Essa “postura ativa e indispensável” decorre do exercício do poder legislativo em âmbito


federal, por parte de um Estado-membro, a partir da participação nas deliberações parlamentares
do sistema bicameral.

Vários Estados federados (Brasil, Estados Unidos e Argentina, por exemplos) adotam o
bicameralismo, também chamado de legislativo dual: uma câmara composta por representantes do
povo, normalmente eleitos pelo sistema proporcional, e uma câmara composta por representantes
dos Estados, normalmente eleitos pelo princípio majoritário.

 PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
A concepção teórica de Estado de direito cumpre a missão de limitar o poder político para es-
tabelecer o império do direito, o “governo das leis e não dos homens”, o que pode aparentar mero
atrelar-se à “liberdade dos modernos” assente no distanciamento e na restrição do poder, na defe-
sa contra o mesmo.

Por sua vez, a concepção teórica de Estado democrático busca um poder, uma ordem de do-
mínio legitimada pelo povo na sua titularidade e no seu exercício, organizada e exercida em uma
dinâmica que não se desvincula do povo (na formulação de Lincoln: governo do povo, pelo povo,
para o povo), o que pode aparentar mero atrelar-se à “liberdade dos antigos”, amiga da convivên-
cia com o poder.

Ocorre, no entanto, que o princípio constitucional democrático renova estas concepções, ao


estabelecer para a democracia uma dimensão substancial (legitimidade) e duas procedimentais
(legitimação). A legitimidade está atrelada à prossecução concreta e participativa de determinados
fins e valores positivados (Estado de direito democrático – renovação sensivelmente diversa da
fórmula “para o povo”). A legitimação está vinculada a escolha dos governantes (teoria da demo-
cracia representativa) e a formas procedimentais de exercício do poder que permitem atuar em sua
concretização e renovar o controle popular (teoria da democracia participativa).

A dimensão positivada pela Constituição da legitimidade demonstra que o atual Estado de di-
reito limita o exercício não democrático do poder, assim como a democracia, em sua dimensão
substancial, deslegitima o poder exercido contra os valores positivados pelo direito, contra o direi-
to.

Estas facetas da democracia demonstram que esta constitui princípio jurídico informador,
“impulso dirigente” do Estado e da sociedade, fundamento radical e funcional de qualquer organi-
zação do poder. Desdobra-se em diversas normas principiológicas: soberania popular, renovação
dos titulares de cargos públicos, sufrágio universal, liberdade de propaganda, igualdade de oportu-

14
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 185.

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nidades nas campanhas eleitorais, separação e interdependências dos órgãos de soberania, entre
outros.

 PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES


A teorização sobre a necessidade da tríade de poderes foi esboçada pela primeira vez por
Aristóteles, na obra “A Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no “Segundo tratado
do governo civil”, que também reconheceu três funções distintas.15

Todavia, segundo Paulo Bonavides, nem Aristóteles e nem Locke sugeriram independência
ou separação dos poderes, o que somente ocorreu com Montesquieu, em O Espírito das Leis, “a
quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização
política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789”.16

O princípio da separação dos poderes foi esquematizado, tal qual conhecemos, na Europa
Continental do Século XVIII como técnica refratária ao poder absoluto. Com a separação dos
poderes retirava-se a possibilidade de os monarcas editarem leis e constituía-se um ramo
autônomo de poder, dotado de parcela de soberania porque fundamentado no discurso da
participação popular, com a específica prerrogativa de elaborar leis. Esse ramo de poder era o
Parlamento, órgão representativo pelo qual governados poderiam exercer alguma colaboração nos
atos de governo.17

Aponta-se que na Europa, após a Revolução Francesa e a inauguração do conceito de Estado


Moderno, o discurso da participação popular na direção dos destinos das nações atribuía mais
legitimidade ao Parlamento do que ao próprio Executivo. Difundiu-se a figura do Parlamento como
a mais pura conformação do governo do povo, pelo povo e para o povo.18

José Afonso da Silva afirma que, atualmente, o princípio da separação dos poderes não se
configura mais com a rigidez que norteou a sua elaboração. Para ele, a ampliação das atividades do
Estado contemporâneo impõe nova visão, admitindo-se outras formas de relacionamento entre o
Legislativo e o Executivo e destes com o Judiciário; fala-se agora não mais em “separação de
poderes”, mas em “colaboração de poderes” no parlamentarismo e em “técnicas de
interdependência orgânica” e “harmonia de poderes” no sistema presidencialista.19

Com efeito, no constitucionalismo moderno surgiram técnicas de controle com o nítido


objetivo de correção do rigorismo de uma rígida separação de poderes, implantada pela doutrina
liberalista a partir de Montesquieu. As mais conhecidas e eficazes técnicas emergem da teoria de
pesos e contrapesos.

O emprego dessas técnicas resulta presença do Executivo no Legislativo por meio do veto e
da mensagem e, segundo alguns, da delegação.

15
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
16
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
17
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 265-266.
18
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 266.
19
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113-114.

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No caso brasileiro, ao lado da independência, propugnou-se a harmonia entre os três


poderes. Evidentemente que não bastaria a mera afirmação feita no artigo 2° da CF para que os
poderes, independentes, fossem exercidos de forma harmônica. Por esta razão foram previstos, de
maneira fluida em grande parte do texto constitucional, diversos dispositivos capazes de balizar
todo o mecanismo de pesos e contrapesos idealizado pela Assembleia Nacional Constituinte.

O Presidente da República é julgado pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade


(art. 52, I, CF), depois de aprovado o processo pela Câmara dos Deputados (art. 51, I, CF),
funcionando como Presidente do procedimento o do Supremo Tribunal Federal (art. 52, parágrafo
único, CF).

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, por sua vez e assim como todos os demais
Ministros daquela corte é julgado, nos crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal (art. 52, II,
CF).

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, o Procurador-Geral da


República, o presidente e os diretores do banco Central somente são nomeados pelo Presidente da
República após prévia aprovação pelo Senado Federal (art. 84, XIV, CF).

O controle externo das finanças do Poder Executivo e do Poder Judiciário é realizado pelo
Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (arts. 70 e 71, CF).

O Presidente detém o poder de veto a projeto de lei ordinária se o considerar


inconstitucional ou contrário ao interesse público (art. 66, § 1º, CF). Todavia ao Legislativo restou
atribuída a possibilidade de, por voto secreto da maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão conjunta, providenciar à derrubada do veto (art. 66, § 4º, CF).

Medidas provisórias são passíveis de edição pelo Presidente da República, que deverá
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62, caput, CF).

 PRINCÍPIOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS


O artigo 4º da CF trata dos princípios a serem adotados pela República Federativa do Brasil
nas suas relações internacionais: independência nacional; prevalência dos direitos humanos;
autodeterminação dos povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução
pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade; concessão de asilo político.

Como se percebe, existe importante conexão entre os tradicionais critérios de justiça entre
os povos e os princípios que regem o Brasil nas relações internacionais. Essa mesma conexão pode
ser verificada na comparação do texto constitucional com o preâmbulo da Carta das Nações Unidas
(ONU):
“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do fla-
gelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos
indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mu-
lheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessá-
rias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de

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outras fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condi-


ções de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: a praticar a
tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas for-
ças para manter a paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princí-
pios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no inte-
resse comum; a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso eco-
nômico e social de todos os povos; Resolvemos conjugar os nossos esforços para a conse-
20
cução desses objetivos.”

Flávia Piovesan lembra que


“Na realidade, trata-se da primeira Constituição brasileira a consagrar um
universo de princípios a guiar o Brasil no cenário internacional, fixando valores a
orientar a agenda internacional do Brasil – iniciativa sem paralelo nas
21
experiências constitucionais anteriores.”

A simetria com a tradição internacional e a Carta da ONU justifica, sem a necessidade de


maiores ilações, os princípios da independência nacional, da igualdade entre os Estados e da não
intervenção. A autodeterminação dos povos é, na verdade, o pressuposto, o pano de fundo, para a
aceitabilidade de todos os princípios, dele logicamente decorrentes.

 PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS


Para Flávia Piovesan, “a prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no
âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do País no processo de elaboração de
normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca da plena
integração de tais regras na ordem jurídica interna brasileira”.22

A partir da clara opção pela prevalência dos direitos humanos no cenário internacional (arti-
go 4º, inciso II), a CF torna o sistema jurídico brasileiro permeável aos sistemas internacionais de
proteção aos direitos humanos, permitindo afirmar que
“a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações
com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhe-
cendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal.”
23

 SOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS E DEFESA DA PAZ

20
O artigo 11 da Carta das Nações Unidas contém regras específicas a respeito da proibição de luta armada: “1. A Assembleia Geral
poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que
disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos
membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente. 2. A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões
relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer membro das Nações Unidas, ou
pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro das Nações Unidas, de acordo com o artigo 35, nº 2, e, com excep-
ção do que fica estipulado no artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interes-
sados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles. Qualquer destas questões, para cuja solução seja necessária uma acção, será
submetida ao Conselho de Segurança pela Assembleia Geral, antes ou depois da discussão. 3. A Assembleia Geral poderá chamar a
atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais”.
21
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37.
22
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.
23
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.

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Significam não lançar mão de luta armada. Este princípio está em total harmonia com o
Preâmbulo da Carta das Nações Unidas (ONU), conforme mencionado acima.

Vale ressaltar que O artigo 11 da Carta das Nações Unidas contém regras específicas a
respeito da proibição de luta armada, determinando que a Assembleia Geral possa considerar os
princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os
princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá
fazer recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança, ou a
este e àqueles conjuntamente.

A Assembleia Geral poderá, também discutir quaisquer questões relativas à manutenção da


paz e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer membro das Nações
Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro das Nações
Unidas, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados
interessados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles. Qualquer destas questões, para cuja
solução seja necessária uma ação, será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembleia
Geral, antes ou depois da discussão.

Ainda, a Assembleia Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para


situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

 REPÚDIO AO TERRORISMO E AO RACISMO


O repúdio ao terrorismo e ao racismo, enquanto princípio que rege o Brasil nas relações in-
ternacionais, irradia-se pela própria Constituição e para todo o nosso sistema jurídico interno, pois
o terrorismo24 deve, por imperativo constitucional, ser considerado crime inafiançável e insuscetí-
vel de graça ou anistia, enquanto que a prática do racismo25 constitui-se em crime inafiançável e
imprescritível (CF, artigo 5º, incisos XLII e XLIII).26

24
"O repúdio ao terrorismo: um compromisso ético-jurídico assumido pelo Brasil, quer em face de sua própria Constituição, quer perante
a comunidade internacional. Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente CF, não se
subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essen-
ciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para
efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico
impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão
ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). A CF, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII),
não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes
políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção
que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de
que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos reves-
tidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade
política." (Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-8-2004, Plenário, DJ de 1º-7-2005.)
25
“Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressu-
posto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) Adesão do Brasil a tratados e
acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens
por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superiori-
dade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, ‘negrofobia’, ‘islamafobia’ e o antissemitismo.” (HC 82.424, Rel. p/ o ac.
Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.)
26
“Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros
seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os
padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o Estado
Democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza
a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e
evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o orde-

13
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS PARA O PROGRESSO DA HUMANIDADE


A cooperação entre os povos para o progresso da humanidade segue a tradição internacional
do dever de assistência a outros povos que estejam vivendo condições desfavoráveis que não os
permitam ter regimes políticos e sociais justos.

Os ideais humanitários têm fácil trânsito na comunidade internacional, mas é cada vez mais
importante a efetiva ação por parte dos países não miseráveis, afinal:
“A maior tragédia de nosso tempo é que um sexto da humanidade nem está na
escada do desenvolvimento. Um grande número de miseráveis da Terra está pre-
so na armadilha da pobreza, incapaz de escapar por si mesmo da privação mate-
rial extrema. Estão encurralados por doença, isolamento físico, estresse climático,
degradação ambiental e pela própria miséria. Embora existam soluções para au-
mentar suas chances de sobrevivência - seja na forma de novas técnicas agrícolas,
medicamentos essenciais ou mosquiteiros que podem limitar transmissão da ma-
lária -, essas famílias e seus governos simplesmente não contam com os meios fi-
27
nanceiros para fazer esses investimentos cruciais.”

A Organização das Nações Unidas tem uma série de políticas voltadas à ajuda huma-
nitária, à busca de melhores condições de vida nas localidades menos favorecidas, à prote-
ção de minorias, ao combate à fome e à miséria.

 CONCESSÃO DE ASILO POLÍTICO


A concessão de asilo político refere-se apenas a crimes políticos, perante os quais não
prosperam os Tratados de Extradição (CF, artigo 5º, inciso LII). A concessão de asilo político é ato de
soberania do Estado, está a cargo do Chefe do Executivo Nacional e dentro de seu âmbito de
discricionariedade, cabendo ao STF analisar a legalidade da medida.

Um dos casos de maior repercussão nos últimos anos envolveu pedido, feito pela República
Italiana, de extradição de Cesare Battisti, condenado pela prática de quatro homicídios enquanto
membro de organização revolucionária clandestina. A questão levada ao conhecimento do Plenário
de nossa Suprema Corte era saber se os atos praticados por Battisti configuravam crime político ou
de opinião. Acaso positiva a resposta, não seria possível a extradição ante a proibição do art. 5º,
inciso LII da CF, que determina que não será concedida a extradição de estrangeiro por crime
político ou de opinião.

Concluiu-se que os atos praticados por Battisti estariam configurados como crimes comuns,
pois “não configura crime político, para fim de obstar o acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade
institucional de Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou
conotação de reação legítima a regime opressivo” e, sendo assim, o caso “não caracteriza a
hipótese legal de concessão de refúgio, consistente em fundado receio de perseguição política, o

namento infraconstitucional e constitucional do País”. (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-
2003, Plenário, DJ de 19-3-2004)
27
SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005, p. 46.

14
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

pedido de extradição para regular execução de sentenças definitivas de condenação por crimes
comuns".28

 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA


Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: constituir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF,
artigo 3º). Como se percebe, os objetivos fundamentais são caracterizados por cinco verbos no
infinitivo. Objetivo é sinônimo de meta, missão. Fundamental é sinônimo de essencial. O artigo 3º
da CF arrola as quatro metas essenciais a serem atingidas; mostra os quatro horizontes a serem
alcançados; indica os caminhos a trilhar.

Enquanto os fundamentos (CF, artigo 1º) são os pilares de sustentação, os objetivos


fundamentais representam o endereçamento teleológico da República Federativa do Brasil, as
diretrizes a serem seguidas por todas as instâncias de poder e por toda e qualquer pessoa que
integre a República. Isso quer dizer que todos são diretamente responsáveis por constituir uma
sociedade livre, justa e solidária, por garantir o desenvolvimento nacional, por erradicar a pobreza
e a marginalização (e reduzir as desigualdades sociais e regionais) e também por promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

 NORMAS CONSTITUCIONAIS
 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
 COMPATIBILIDADE VERTICAL LEGISLAÇÃO/CONSTITUIÇÃO
Os métodos interpretativos estão em constante evolução, pois a interpretação nada mais faz
do que retratar, com base na realidade de cada época e nas crenças e valores do intérprete, o que
este é capaz de retirar de um texto com base em seu próprio alcance intelectual enquanto intérpre-
te.

O processo de interpretação das normas constitucionais suplanta o clássico (interpretação


gramatical, histórica, sistemática e teleológica) justamente porque continente de princípios e regras
próprias.

No direito comparado, os norte-americanos dispõem de um sistema de precedentes, deno-


minado case system. Lá, como vigora a tradição do common law, a maior parte da linha interpreta-
tiva recai na busca do precedente mais adequado. Dentre os alemães há grande influência do mé-
todo tópico aplicado aos problemas, em que se sustenta a supremacia do problema, do caso con-
creto, sobre o sistema jurídico positivado. Para a doutrina alemã,29 a interpretação se apresenta
como um método indutivo aberto de hermenêutica.

28
Ext 1.085, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 16-12-2009, Plenário, DJE de 16-4-2010
29
VIEHWEG, Theodor, Topica y jurisprudencia. Avila-Espanha: Taurus, 1964.

15
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Assim, a ordem jurídica positivada, o “dever ser”, funcionaria apenas como umas das refe-
rências, um dos argumentos a serem utilizados pelo intérprete na busca de solução adequada ao
caso concreto.

A Alemanha do pós Segunda Guerra Mundial foi o centro de maior produção filosófica volta-
da à argumentação de que se tornara imprescindível uma reconsideração dos valores pertinentes à
legitimidade de uma ordem jurídica. Nascia o pessimismo positivista. Neste sentido são as palavras
de Paulo Bonavides:
“Não sendo possível o retorno ao positivismo, a década de 50 viu abrir-se nova
crise no pensamento filosófico do Direito, de maneira que as dificuldades só foram
removidas a partir da publicação de Tópica e Jurisprudência, de Viehweg.
Representa essa monografia uma abertura de rumos e horizontes para a ciência
do direito. Com efeito, a ‘tópica’, ou ‘nova retórica’, inaugura um novo caminho
para o reconhecimento do Direito pelas vias argumentativas. A palavra de ordem
era pensar e repensar o ‘problema’, vinculando, como nunca talvez se tenha feito,
as soluções normativas à práxis e à realidade.
Com a ‘tópica’ a teoria material do Direito e da Constituição recebeu base incom-
paravelmente mais sólida para acometer as posições já enfraquecidas do forma-
30
lismo positivista.”

Atualmente destaca-se a corrente concretista, à qual vêm aderindo alguns constitucionalis-


tas contemporâneos:
“Sobre os alicerces da tópica buscou-se reconstruir o edifício filosófico do Direito.
Um dos argumentos dessa reconstrução, que apresentou o projeto mais brilhante
e engenhoso, na obra Teoria Estruturante do Direito, é o professor Friedrich Mül-
ler, da Universidade de Heildelberg, de cuja Faculdade de Direito já foi Decano. A
estrutura material do direito não é concebida por Müller unicamente em bases es-
táticas, mas segundo um modelo dinâmico de concretização. Não resta dúvida de
que depois do lançamento da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, há 50 anos,
e da Tópica e Jurisprudência, de Viehweg, há três décadas, o livro de Direito mais
importante que se imprimiu nos prelos da Alemanha é a Teoria Estruturante do
Direito, de Friedrich Müller, cuja aparição, nesta fase de pós-positivismo, desven-
da, com a combinação metodológica da realidade fática, do programa da norma
e do círculo normativo, o sentido estrutural e integrativo do Direito, conciliando,
fora do mero sincretismo e das convergências aparentes, os aspectos usualmente
31
desmembrados da norma, do fato e do valor.”

A escola concretista parte de premissas ligadas à insuficiência do positivismo. Para eles,


pressões axiológicas alheias ao binômio ser e dever ser não podem deixar de ser consideradas. Em
suma, sustentam a insuficiência do processo cego e dedutivo ligado unicamente à subsunção do
fato ocorrido no mundo fenomênico à regra abstratamente prevista.

Tanto a Tópica, acima referida, quanto a Teoria Estruturante do Direito foram aqui mencio-
nadas unicamente com dois objetivos:

30
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma
Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 207.
31
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma
Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 208.

16
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a) o de convidar o leitor a uma análise crítica do positivismo; e


b) demonstrar que sempre haverá muito a ser pesquisado e aprendido em termos de legi-
timidade normativa e efetiva aplicação das normas constitucionais.

Entre nós vigora a ideia de que o direito não tolera antinomias. Esta é a premissa básica da
qual parte todo o nosso processo de interpretação.

Como dito, a interpretação das normas constitucionais detém procedimentos específicos que
vão além do processo clássico. Entretanto, é bom salientar que a interpretação clássica não é aban-
donada na seara constitucional. Para a solução de antinomias são utilizados critérios de hierarquia
e de especialidade. Pelo critério hierárquico a regra superior prevalece sobre a inferior. Não há
maiores dificuldades de compreensão quando se imagina a pirâmide hierárquico-normativa enca-
beçada pela Constituição Federal. Ela prevalece em eventual conflito com a legislação ordinária; as
leis ordinárias prevalecem sobre os decretos oriundos do Executivo; os decretos executivos preva-
lecem sobre as portarias ministeriais, etc.

Para Eros Roberto Grau


“a interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em
qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do
texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do
32
sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.”

O segundo critério, o da especialização, também não oferece maiores problemas de compre-


ensão: a regra especial sempre prevalecerá sobre a geral (lex especialis derogat generalis). O pro-
cesso de interpretação funciona aqui, nas palavras de Fernando Capez,
“como se tivéssemos duas caixas diferenciadas uma da outra apenas por um laço
ou enfeite especializante. A norma especial não é necessariamente mais grave ou
33
mais ampla que a geral, ela é apenas... especial.”

Nada obstante, há duas espécies de conflitos normativos que não são solucionados mediante
a utilização desses dois critérios. São os conflitos de normas no espaço e no tempo, referentes,
respectivamente, à perspectiva do direito constitucional internacional e à do direito constitucional
intertemporal.

 DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL


A questão da eventual primazia dos tratados internacionais sobre a Constituição de um Esta-
do tem grande importância.

O art. 54 da Constituição da França dispõe que, quando um tratado internacional comportar


cláusula contrária à Constituição, a autorização para ratificação ou aprovação do tratado somente
pode ocorrer após a alteração do texto constitucional.34 Assim, embora não se mencione que o

32
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40.
33
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, parte Geral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 59.
34 “Si le Conseil constitutionnel, saisi par le Président de la République, par le Premier ministre, par le président de l’une ou l’autre
assemblée ou par soixante députés ou soixante sénateurs, a déclaré qu’un engagement international comporte une clause contraire à la
Constitution, l’autorisation de ratifier ou d’approuver l’engagement international en cause ne peut intervenir qu’après la révision de la
Constitution.”

17
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tratado tenha superioridade em relação à Constituição francesa, o compromisso internacional pode


desencadear processo de alteração do texto constitucional.

No Brasil, o entendimento do Supremo Tribunal Federal era o de que os tratados devida-


mente celebrados e incorporados ao ordenamento pátrio pertenciam ao mesmo nível hierárquico
da legislação ordinária, independentemente da temática veiculada.

Um exemplo poderá ilustrar este tópico. Há quem advogue a tese de que o Pacto de São José
da Costa Rica, por ser um tratado internacional celebrado pela República Federativa do Brasil e
incorporado ao nosso ordenamento mediante a publicação do Decreto 678/92, teria revogado as
disposições contidas no art. 4º, Decreto-lei 911/69, no quanto comporta a possibilidade de prisão
por dívida do depositário infiel.

O raciocínio se fundamenta na alegação de que o art. 7º, nº 7 da Convenção Americana sobre


Direitos Humanos, ao dispor sobre a possibilidade de prisão civil por dívida, silenciou a respeito da
questão do depositário infiel, limitando-se a admitir a prisão do devedor de pensão alimentícia.
Assim, como seria uma norma posterior ao mencionado Decreto-lei 911/69, teria derrogado a regra
nele constante no tocante à prisão do depositário infiel.

Entretanto, segundo o entendimento do STF – que, como dito linhas cima, considerava todos
os tratados internacionais como pertencentes ao mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias –,
o equívoco em tal silogismo seria patente: para a corrente adotada por apertada maioria no STF,
há regra constitucional a respeito da prisão civil, prevista no art. 5º, LXVII.35

A partir dela concluía-se, com base na supremacia das normas constitucionais, que o Pacto
de São José da Costa Rica, norma infraconstitucional, não teria o condão de minimizar a abrangên-
cia de uma norma constitucional. Por isso o STF, em reunião plenária, decidiu que o Pacto deveria
ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, sob pena de inconstitucionalidade.36

A doutrina vinha criticando a tese da pura e simples recepção de tratados internacionais com
base no art. 102, III, alínea “b”, CF.37 E o fazia com fundamento no art. 5º, §§ 1º e 2º, também da
CF, segundo os quais: as normas definidoras dos direitos e garantias individuais têm aplicação ime-
diata; e os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regi-
me e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte.

Os §§ 1º e 2º do art. 5º, CF, eram, até 31 de dezembro de 2004, os fundamentos constitucio-


nais à tese do Bloco de Constitucionalidade38 e, como óbvia consequência, à crítica há pouco men-
cionada.

O raciocínio está fundamentado na cisão do gênero tratados internacionais em duas espé-


cies: tratados internacionais de direitos humanos e tratados internacionais comuns. Assim, o en-

35
“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a
do depositário infiel”.
36
RTJ, 164:213, 1998, HC 73.044-SP, rel. Min. Maurício Correa.
37
“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III – julgar, mediante recurso extraor-
dinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou
lei federal”.
38
PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5 ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

18
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tendimento adotado pelo STF seria adequado apenas no tocante aos tratados internacionais co-
muns, pois eles teriam, seguramente, características infraconstitucionais por não encontrarem fun-
damento nos §§ 1º e 2º do art. 5º, CF.

Contudo, os tratados internacionais de direitos humanos, integrantes do chamado Bloco de


Constitucionalidade, teriam fundamento nas regras extensivas dos direitos fundamentais (art. 5º,
§§ 1º e 2º).

O Constituinte Derivado, com a publicação da Emenda Constitucional 45, acrescentou o § 3º


ao art. 5º, CF, segundo o qual
Art. 5º (...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem apro-
vados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Portanto, após a EC 45, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, desde
que preenchidos os requisitos do art. 5º, § 3º, CF, podem alcançar a mesma hierarquia de uma
Emenda à Constituição.

O STF, por ocasião do julgamento do RE 466343, alterou substancialmente seu entendimento


no tocante à hierarquia dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos. Com base
nesse precedente, no julgamento do HC 92.566, o STF declarou expressamente revogada a Súmula
619/STF, que autorizava a decretação da prisão civil do depositário judicial no próprio processo em
que se constituiu o encargo, independentemente do prévio ajuizamento da ação de depósito.

 DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL


 CONSTITUIÇÃO NOVA E A ORDEM CONSTITUCIONAL ANTERIOR
Chega a ser intuitiva a conclusão de que regras constitucionais anteriores à Constituição e
com ela incompatíveis são revogadas. Basta a aplicação da regra geral de que as normas posterio-
res revogam as anteriores incompatíveis.

Problema surge quando há normas constitucionais anteriores que não são incompatíveis com
a nova ordem constitucional. Seriam elas recepcionadas? Em caso de resposta afirmativa, poderiam
ser elas recebidas pelo novo ordenamento na qualidade de normas infraconstitucionais?

Teoricamente é possível tanto recepção material (normas contidas na Constituição anterior


permanecerem válidas no novo ordenamento) quanto desconstitucionalização das normas consti-
tucionais anteriores, caso em que a norma constitucional anterior, embora mantida válida, passa a
viger no novo ordenamento em nível infraconstitucional.

Não se pode olvidar que há necessidade de menção expressa na nova Constituição, o que
não existe na CF/88, motivo pelo qual, em nosso país, não há falar nestas remotas possibilidades.

 EMENDA CONSTITUCIONAL E A CONSTITUIÇÃO EM VIGOR

19
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Neste tópico, destaca-se a chamada constitucionalização de normas infraconstitucionais que


eram inconstitucionais à luz do texto original da Constituição.

Não se admite recepção de norma que já não encontrava suporte de validade sob a égide da
Constituição anterior. E a razão é simples: não compunha validamente o ordenamento jurídico, de
maneira que não há o que recepcionar.

Também não se pode pensar em convalidação de norma surgida anteriormente e inconstitu-


cional.39 O texto constitucional decorrente de emenda não é capaz de convalidar inconstitucionali-
dade formal originária. Admitir tal convalidação seria o mesmo que atribuir efeitos retroativos a
emenda constitucional, o que é vedado em nosso ordenamento.

Há precedente do STF neste sentido. O leading case consistiu na análise da constitucionali-


dade do art. 3º, Lei 9.718/98, e as argumentações são as que seguem abaixo.

O art. 195, CF arrola as situações passíveis de ensejar a cobrança das contribuições para a Se-
guridade Social. Diferentemente dos estritos tipos de imposto do art. 153 e do art. 156, a lista do
art.195 admite ampliação mediante a edição de Lei Complementar. É o que se retira de simples
leitura do art. 195, § 4º, CF.40

Acontece que a redação original do caput do art. 195 não previa a “receita” como base de
cálculo de contribuição social.41 Ou seja: a “receita bruta”, enquanto base de cálculo (como preten-
deu o legislador com a edição do art. 3º, Lei 9.718/98, ao ampliar a base de cálculo da COFINS),
durante a vigência da redação original do art. 195, I, CF, somente poderia ser admitida se respeita-
do o comando normativo do art. 195, § 4º, qual seja, a edição de lei complementar.

Não são necessárias maiores explicações para se verificar que a Lei Ordinária 9.718/98 am-
pliou de forma indevida o rol das bases de cálculo de contribuições para a Seguridade Social. A in-
constitucionalidade formal é evidente, porquanto desrespeitado o processo legislativo adequado.

A Lei 9.718/98 foi publicada quinze dias antes do advento da Emenda Constitucional 20.
Com a promulgação da EC 20 a “receita” passou a fazer parte do inciso I do art. 195, motivo pelo
qual houve quem defendesse a tese de que ela teria o condão de “convalidar”, de “constitucionali-
zar” o art. 3º, Lei 9.718/98.

Contudo, prevaleceu a tese da impossibilidade de convalidação. Lapidar a lição de José Sabi-


no da Silveira, Juiz Federal da 4ª Região:

39
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 22.
40
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da
empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho
pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o
faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentado-
ria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art.201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
§ 4º A Lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto
no art.154, I.
41
CF, artigo 195 na redação anterior à EC 20/98. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguin-
tes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II - dos trabalhadores; III -
sobre a receita de concursos de prognósticos.

20
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Ora, seria até dispensável tecer considerações sobre a rigorosa impossibilidade de a


Emenda Constitucional nº 20, por ser posterior à lei, estar dotada do poder mágico de
‘constitucionalizar’ uma regra legal que, nesse ponto, sequer chegou a ter existência vá-
lida no ordenamento jurídico. Nem mesmo o contínuo, desbragado e perigoso desprezo
às mais elementares regras e princípios constitucionais que hoje se vê no Brasil poderia
permitir tamanho absurdo. Essa ‘repristinação’ só é possível nos países em que a própria
Constituição a prevê, como é o caso de Portugal, por exemplo.
Nesse aspecto, aliás, se fosse considerada a ‘constitucionalização’ de leis por meio de
emendas constitucionais no Brasil, é muito fácil prever o que aconteceria: inúmeras ‘re-
formas antecipadas’ da Constituição, por meio de simples medidas provisórias, ao bel
prazer do chefe do executivo de plantão. É que bastaria editar a medida provisória in-
constitucional e, logo após, enviar um projeto de emenda constitucional ao Congresso,
42
de tal sorte a ‘constitucionalizar’ o ato legislativo.”

Isto porque, nas palavras do Min. Carlos Velloso, quando do julgamento do RE 390840:
“O dispositivo legal, § 1º do art. 3º, Lei nº 9.718, nasceu morto, porque inconstitucional.
Os atos inconstitucionais nascem mortos, são nulos e írritos, segundo velha e batida dou-
43
trina, a partir do famoso Marbury vs. Madison, de 1803, sob a inspiração de Marshall.”

 A CONSTITUIÇÃO NOVA E O DIREITO INFRACONSTITUCIONAL ANTERIOR


A continuidade da ordem jurídica ocorre quando a Constituição nova se depara com todo o
arcabouço normativo pré-existente e o recepciona quando com ela compatível. A respeito deste
tema da recepção, vale transcrever lição de Hans Kelsen:
“Uma grande parte das leis promulgadas sob a antiga Constituição permanece,
como costuma dizer-se, em vigor. No entanto, esta expressão não é acertada. Se
estas leis devem ser consideradas como estando em vigor sob a nova Constitui-
ção, isto somente é possível porque foram postas em vigor sob a nova Constitui-
ção, expressa ou implicitamente (...). O que existe, não é uma criação de Direito
inteiramente nova, mas recepção de normas de uma ordem jurídica por uma ou-
44
tra.” .

Em suma: o fundamento de validade de todas as regras infraconstitucionais anteriores tor-


na-se outro, qual seja, o da nova Constituição que, expressa ou implicitamente, recepciona o orde-
namento válido perante a ordem constitucional pretérita. Assim, o fenômeno da recepção é consti-
tutivo e não meramente declaratório.

Fixada esta premissa, pensemos sobre a possibilidade de ser reconhecida eventual inconsti-
tucionalidade formal superveniente.

Preliminarmente, temos de atentar ao fato de que a inconstitucionalidade material super-


veniente nada mais é do que a não recepção de norma infraconstitucional anterior e incompatível

42
Autos nº 1999.70.09.003593-6: Mandado de Segurança impetrado pelo Município de São João do Triunfo em face do Gerente Regional
de Arrecadação e Fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em Ponta Grossa (PR).
43 Para finalizar a questão o STF decidiu que não se poderia admitir a convalidação do art. 3º, do § 1º da Lei 9.718/97, já que eivado de
nulidade original insanável, decorrente de incompatibilidade com o texto constitucional vigente no momento de sua edição (RE
357950/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio e RE 346084/PR, rel. orig. Min. Ilmar Galvão).
44
KELSEN, Hans. Op. cit., p. 290.

21
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

com a nova Constituição. Já a inconstitucionalidade formal superveniente ocorreria quando a nova


Constituição, por exemplo, determinasse que alguma matéria somente poderia ser veiculada medi-
ante a edição de lei complementar.

Imaginemos uma lei ordinária que, além de anterior à nova Constituição, tivesse regulado a
matéria agora condicionada à edição de lei complementar. Seria necessária a edição de uma nova
lei, esta complementar, em atenção ao comando normativo da nova Constituição?

A questão é pacífica: não há necessidade. É que, se aquela lei ordinária que encontrava fun-
damento de validade da antiga Constituição atendia aos planos de existência e vigência/validade,
não há motivo algum para se exigir a edição de uma nova com base tão-somente em argumentos
formais. O princípio da continuidade da ordem jurídica fala por si mesmo.

Exemplo clássico é o Código Tributário Nacional, lei ordinária (5.172/66), recepcionada na


qualidade de lei complementar ante a norma veiculada pelo art. 146, CF.45

Também merece destaque a regra de que a lei ordinária anterior à nova Constituição, uma
vez recepcionada na qualidade de lei complementar, como no caso do CTN, somente poderá ser
alterada por outra lei de igual espécie, ou seja, outra lei complementar.

A recíproca também é verdadeira: uma lei complementar sob a égide de Constituição anteri-
or e recepcionada como simples lei ordinária pode facilmente ser alterada mediante a edição de
outra lei ordinária.

 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


 PECULIARIDADES DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
O objeto da interpretação/aplicação constitucional pode ser dividido em duas linhas:
1. Aplicação direta da norma constitucional como, por exemplo, a realização do plebisci-
to veiculado pelo art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;46

2. Verificação de compatibilidade vertical de uma norma inferior com as disposições


constitucionais (aqui a norma da Constituição funciona como paradigma).

As normas constitucionais têm peculiaridades a serem observadas pelo intérprete/aplicador.


Dentre tais peculiaridades podem ser mencionadas as seguintes:
a) superioridade hierárquica;

45
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
46
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

22
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) natureza da linguagem; e
c) caráter político.47

A questão relativa à natureza da linguagem merece destaque. As regras constitucionais, por


sua própria natureza, podem apresentar um altíssimo grau de abstração. Basta mencionarmos os
princípios da igualdade48, da moralidade49, da justiça social50, a função social da propriedade51, a
dignidade da pessoa humana52.

Quanto maior a abstração de uma norma, mais espaço de atuação, de discricionariedade,


dispõe aquele que a pretende interpretar/aplicar. A esse espaço de atuação J.J. Gomes Canotilho
diz que:
“Situadas no ‘vértice’ da ‘pirâmide normativa’, as normas constitucionais apre-
sentam, em geral, uma maior abertura (e, consequentemente, uma menor densi-
dade) que torna indispensável uma operação de concretização na qual se reco-
nhece às entidades aplicadoras um ‘espaço de conformação’ (‘liberdade de con-
53
formação’, ‘discricionariedade’) mais ou menos amplo.”

É verdade que grande parte das normas contidas na Constituição de 1988 não detêm tanto
grau de abstração como as há pouco mencionadas. Isto se deve ao fato de que se está diante de
uma Constituição analítica na qual há diversas normas só formalmente constitucionais.

As normas com alto grau de abstração são chamadas de princípios. Não existe exata defini-
ção do que seriam esses conceitos jurídicos indeterminados.

Como não há possibilidade de chegar-se a um consenso a respeito de qual seria um conceito


ideal de moralidade, justiça social ou dignidade da pessoa humana, a única maneira de serem apli-
cados esses conceitos jurídicos indeterminados seria mediante a análise isolada de cada caso con-
creto, de cada situação submetida ao crivo interpretativo.

Desta forma, resta fácil perceber que o intérprete desse tipo de norma tem maior espaço
interpretativo do que quando ele se depara com aquelas previstas de forma casuística.

Quando nos referimos às normas casuísticas, em franca oposição às normas abertas, quere-
mos nos reportar àquela espécie na qual o legislador busca fixar, do modo mais completo possível,
as situações concretas a serem por elas abrangidas.

A utilização de normas o mais específicas possível (tipos) é imprescindível no tocante à previ-


são das condutas penalmente relevantes, bem como naquelas capazes de viabilizar o surgimento
de um fato gerador tributário. Afinal, o que se espera, tanto do intérprete das normas penais incri-

47
Estas características são apontadas por Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmá-
tica constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Sairaiva, 2003, p. 107). Entretanto, o autor ressalta que há diversos outros modos
de apontar as peculiaridades das normas constitucionais e cita como exemplo as obras de J.J. Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Celso
Ribeiro Bastos e Raúl Casosa Usera.
48
Art. 5º, caput, CF
49
Art. 37, caput, CF
50
Art. 170, caput, CF
51
Arts. 5º, XXIII; 170, III; 182, § 2º; e 186, CF
52
Art. 1º, III, CF
53
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. 216.

23
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

minadoras, quanto daquele responsável pela análise de eventual subsunção de condutas humanas
à hipótese de incidência tributária (para usarmos a expressão de Ataliba54) é somente que ele apli-
que a norma abstratamente prevista acaso o fato ocorrido no mundo fenomênico, empiricamente
observável, esteja em perfeita consonância com o tipo. Não há muito espaço interpretativo.

De forma diametralmente oposta, quando o legislador, seja ele o Constituinte ou o ordinário,


utiliza-se de conceitos jurídicos indeterminados como a dignidade da pessoa humana e a função
social da propriedade (para ficarmos somente no nível constitucional), é imprescindível que o in-
térprete construa a norma aplicável a cada caso concreto. É por intermédio desse tipo de norma
que se busca a verdadeira concretização do direito. Os conceitos jurídicos indeterminados são os
alicerces de uma aplicação otimizada, realista e justa do direito, da norma ao caso concreto.

As cláusulas abertas conferem ao intérprete a possibilidade de atribuição da justiça a cada


caso concreto, além de conferir eficácia ao próprio texto legal, senão perene, mais duradoura do
que se estivesse ela circunscrita à casuística abstratamente prevista pelo legislador.

A força normativa55 é intensamente maior e assim permanece por muito mais tempo, pois as
pressões axiológicas, ainda que se alterem, poderão, no máximo, acarretar alguma diferença quan-
do da construção da norma no decorrer dos tempos. Jamais, entretanto, do próprio texto constitu-
cional.

Não se pode olvidar que, diante da clara abertura dos princípios, o Legislativo atribui ao Judi-
ciário o poder-dever de construir a norma em cada caso concreto. Assim, no caso dos princípios, a
jurisprudência detém forte influência, quase nos moldes do sistema de precedentes norte-
americano.

Por outro lado, é inegável que as regras constitucionais detenham forte caráter político. Se-
gundo Luís Roberto Barroso:
“Uma Corte Constitucional não deve ser cega ou indiferente às conseqüências po-
líticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao
bem comum. Mas somente pode agir dentro dos limites e possibilidades abertas
pelo ordenamento. Contra o direito o juiz não deve decidir jamais. Em caso de
56
conflito entre o direito e a política, o juiz está vinculado ao direito.”

As decisões do Supremo Tribunal Federal podem ser pintadas com cores políticas. Basta, para
tanto, lembrarmos da possibilidade de aquela corte limitar os efeitos de uma declaração de incons-
titucionalidade, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou d e outro
momento que venha a ser fixado (art. 27, Lei 9.868/99, e art. 11, Lei 9.882/99).57

A declaração de inconstitucionalidade, por atingir o plano de validade da norma, gera efeitos


retroativos (ex tunc). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal não pode estar alheio ao impacto que
as decisões lá proferidas possam causar em termos socioeconômicos.

54
ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
55 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
56
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112
57
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declara-
ção ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

24
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PARTICULARIDADES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL


Deve-se dar grande importância à interpretação sistemática da Constituição, pois é somente
mediante uma visão geral da Carta que se consegue respeitar o princípio da unidade da Constitui-
ção.

Este postulado preconiza que as normas constitucionais não podem ser analisadas de forma
isolada, como se fossem elementos autônomos, independentes, bastantes em si mesmos.

Os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. Eles
devem funcionar como horizontes interpretativos em qualquer processo de aplicação das regras
constitucionais. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem seguidos. Violar um princí-
pio é muito mais grave do que transgredir uma regra.58

 PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE
Em síntese aponta-se que:
a) em caso de dúvida, a inconstitucionalidade da norma não deve ser declarada;
b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da
norma com a Constituição, deve-se fazer uma interpretação conforme a Constituição.

 INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO


Havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma
com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o intérprete optar
pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor.

Trata-se de processo que se realiza mediante a observância dos seguintes passos:


a) escolha de uma interpretação da norma que a mantenha em harmonia com a Constitu-
ição;

b) a percepção de que se está a buscar um sentido para a norma que não seja o mais evi-
dente (interpretação literal);

c) escolha da interpretação mais coerente com a manutenção do texto legal e a conse-


quente exclusão de outras interpretações que pudessem acarretar incompatibilidade com
a Constituição.

Como se percebe, a interpretação conforme a constituição não é um simples procedimento


de hermenêutica, mas um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara
ilegítima uma determinada leitura da norma legal. Importante destacar que, diferentemente de

58
ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004; DWORKIN,
Ronald, Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

25
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

outras técnicas de controle da constitucionalidade, no caso da interpretação conforme, o texto


legal permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita.59

 A UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO
Importante postulado do processo de interpretação das normas constitucionais. Com base
neste postulado podemos resolver aparentes antinomias entre, por exemplo, a liberdade de mani-
festação do pensamento60 e o direito à honra e à intimidade61, entre o direito de propriedade62 e a
função social da propriedade63.

Para Paulo Bonavides,


“A unidade da Constituição na melhor doutrina do constitucionalismo contempo-
râneo só se traduz, compreensivelmente, quando tomada em sua imprescritível
bidimensionalidade, que abrange o formal e o axiológico, a saber, a forma e a
64
matéria, razão e valor.”

Isto porque, na aplicação do postulado da unidade constitucional, deve-se atentar à grande


importância dos princípios constitucionais, especialmente quando estão eles arrolados dentre os
fundamentos da República Federativa do Brasil.65 Afinal, “O princípio, sobretudo, é o substantivo da
ciência constitucional, a bússola de todas as Cartas Magnas na idade dos direitos fundamentais”.66

Nada obstante, lembre-se que não há hierarquia entre normas constitucionais originárias.

 FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO


De acordo com Ferdinand Lassale, questões em nível constitucional não deveriam ser trata-
das como questões jurídicas, mas, sim, políticas. Para ele, a Constituição de um país expressaria
somente as relações de poder nele dominantes num dado momento histórico-cultural: o poder
militar, o poder social, o poder econômico, além do poder intelectual (este ainda que em menor
proporção). Seriam somente tais fatores reais de poder os capazes de conformar a Constituição
real de um determinado país. Dessa forma, a chamada Constituição Jurídica não passaria de um
mero documento escrito, um pedaço de papel incapaz de, em confronto com a Constituição real,
exercer força normativa. Profetizou que no caso de conflito entre a por ele denominada folha de
papel e fatores reais de poder dominantes no país, seria inevitável a constatação de que a Constitu-
ição escrita acabaria, sempre, sucumbindo.67

59 O STF, ao analisar a constitucionalidade de disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias,
pela Receita Federal, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001,
regulamentada pelo Decreto 3.724/2001), conferiu-lhes interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta
qualquer outra que possa implicar afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do
Judiciário (RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio).
60
Art. 5º, IV, CF
61
Art. 5º, X, CF
62
Art. 5º, XXII, CF
63
Arti. 5º, XXIII, CF
64 BONAVIDES, Paulo, Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233.
65 Art. 1º, CF
66 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92.
67
LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1985.

26
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Konrad Hesse chamou a atenção para a necessidade de se analisar tanto o mundo real quan-
to o jurídico de forma harmônica, em seu inseparável contexto e no seu condicionamento recípro-
co.

Para ele, “uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto,
não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão”. Para aqueles que, como
Kelsen e seus seguidores, contemplam apenas a ordenação jurídica, a norma estaria em vigor ou
revogada, não havendo possibilidade de se chegar a outras conclusões. Em antítese, quem, como
Lassale, considera tão somente a realidade política e social (as reais fontes de poder) não tem con-
dições de compreender a problemática da força normativa das normas constitucionais, acarretan-
do a pura e simples negação do significado da ordenação jurídica.

Hesse, depois de dizer que “a radical separação, no plano constitucional, entre realidade e
norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço”, salientou que toda Consti-
tuição escrita, desde que escorada na realidade histórica, política, cultural e econômica de um país,
com vistas a regular situações futuras de forma eficaz, passível de ulteriores e alterações interpre-
tativas, é dotada de pretensão de eficácia.

Entretanto, essa pretensão de eficácia somente faria sentido se a práxis dos tribunais e de
todos aqueles que à Constituição estariam submetidos sinalizasse de forma a atribuir força norma-
tiva à norma escrita.

Assim, a Constituição real, a folha de papel de Lassale, deixaria de ter apenas uma pretensão
de eficácia limitada ao mundo jurídico, passando efetivamente a regular as situações objetivadas
quando da respectiva elaboração ou até mesmo, num futuro distante, as novas situações a ela
submetidas.

Tudo dependendo do que Hesse denominou vontade de constituição, necessariamente ine-


rente não só aos tribunais, mas, também, a todos aqueles que se encontram em situação de sub-
missão ao texto constitucional.68

Os argumentos que melhor se adaptam à busca de efetividade ao texto constitucional brasi-


leiro parece ser o de Hesse. Primeiro porque não acarreta a negação da própria Constituição e,
como consequência, do Direito Constitucional. Segundo porque, partindo do pressuposto de que o
texto constitucional é um retrato do presente com vistas a regular situações futuras, atribui-se
maior âmbito de atuação do intérprete de suas normas. Terceiro porque, nessa perspectiva, afasta-
se o risco de o texto necessitar de profundas reformas (ou até mesmo de substituição), por não
mais retratar a fonte de poder dominante em determinado momento histórico do país. Quarto
porque o texto constitucional brasileiro é dirigente69 em sua maior parte, necessitando de confor-
mação à realidade de um país continental, incapaz de atender às inúmeras situações juridicamente
abrangidas mediante simples critérios de subsunção.

Assim, pode-se afirmar que seria mesmo a práxis dos tribunais, aliada à vontade de constitu-
ição de todos aqueles submetidos à norma constitucional, a forma de se buscar adequação de uma
Constituição programática à dinâmica realidade brasileira. Nesse contexto da força normativa da
Constituição, pode-se invocar um método de interpretação (interpretação evolutiva), uma conse-

68
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
69
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

quência dele decorrente (a mutação constitucional)70 e um postulado (proibição de retrocesso)71


de inegável importância constitucional.

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMEN-


TAIS

 DIREITOS FUNDAMENTAIS
Trataremos, sob a denominação de Direitos Fundamen-
tais, os que, além de se caracterizarem filosoficamente como
Direitos Humanos, foram reconhecidos e positivados na Cons-
tituição Federal. Destacamos, desde logo, que as normas defi-
nidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata (art. 5º § 1º, CF).

 DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS


 DIREITO À IGUALDADE
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-
leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segu-
rança e à propriedade. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, caput e I,
CF).

O direito à igualdade, presente em duas ocasiões no pórtico da declaração dos direitos e ga-
rantias fundamentais, pode ser teoricamente analisado sob duas distintas perspectivas.

70
“A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais
de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança
informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da
República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e
transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a
sociedade contemporânea” (HC - 98893, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJE 25/09/2009).
71
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão
negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de
concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo
inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. Lapidar, sob
todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito
Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3): “O princípio da democracia econômica e social aponta
para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou
da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à
assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma
garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas
(reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de
desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana” (Voto do
Min. Celso de Mello em processo de suspensão de tutela antecipada - STA - 175 - no qual se discutia a questão do direito à saúde em
face do princípio da reserva do possível).

28
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A primeira, herança das formulações nos contextos de Estados Liberais, que tinham por es-
pecial característica a intervenção mínima nas relações travadas entre os cidadãos, baseava-se na
igualdade total perante a lei. Trata-se da igualdade formal, procedimental e insensível às grandes
desigualdades existentes entre os indivíduos. A concepção da igualdade formal perante leis gerais e
abstratas, dirigidas a todos indistintamente, tinha por escopo o estabelecimento de idêntico trata-
mento jurídico para todos. O pressuposto de que todos os homens são iguais e assim devem ser
tratados era compreendido como um valor absoluto, alheiro à possibilidade de consideração das
reais desigualdades e condições de cada indivíduo.72

A segunda é fruto da crise do Estado Liberal e uma das principais características do modelo
de Estado Social. Como se sabe, com a transição para o modelo de Estado Social, o aparato estatal
passa de mero espectador a protagonista em várias situações antes distantes da atuação liberal. No
quanto comporta os direitos fundamentais, o que se espera de um Estado Social não é o puro e
simples laissez faire, mas a ação em prol do acesso, por uma quantidade cada vez maior de indiví-
duos, aos direitos que formalmente estão garantidos na Constituição. Esse acesso também diz res-
peito à igualdade substancial, material, que transcende a formalidade da lei abstrata e genérica
aplicada a todos indistintamente, ascendendo ao patamar da igualdade de oportunidades, muitas
vezes com auxílio estatal na identificação de determinadas circunstâncias e/ou grupos que, sem
auxílio, sem políticas públicas de apoio e incentivo, permaneceriam ao largo de muitos dos direitos
fundamentais.

Vale dizer: não basta a mera proclamação da igualdade formal (todos são iguais perante a
lei); o que importa é reduzir as desigualdades com o objetivo de atribuir, tanto quanto possível,
igualdade material. Este é o aspecto positivo, ativo, do direito à igualdade.

 AÇÕES AFIRMATIVAS
Sob a perspectiva da igualdade material legitimam-se as políticas de apoio e, especialmente,
de promoção de grupos socialmente fragilizados. Tais políticas denominam-se ações afirmativas.
Note-se que toda e qualquer ação afirmativa demanda o reconhecimento de alguma desigualdade
e, a partir desse reconhecimento, atitudes estatais fundamentadas nas chamadas discriminações
positivas. Existem fortes fundamentos constitucionais que legitimam a discriminação positiva vol-
tada à diminuição de desigualdades.

O art. 3º arrola os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, os ca-


minhos a percorrer e os horizontes a alcançar. Dentre os objetivos fundamentais estão a constru-
ção de uma sociedade livre, justa e solidária (I), a erradicação da pobreza e da marginalização, bem
como a redução das desigualdades sociais e regionais (III) e a promoção do bem de todos, sem pre-
conceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (IV). As a-
ções afirmativas são políticas capazes de potencializar as chances de atingirmos tais objetivos.

72 “Sabemos, tal como já decidiu o STF (RTJ 136/444, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello), que o princípio da isonomia – cuja observância
vincula todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extin-
guir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei e b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera
numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador, que, no processo de formação do ato
legislativo, nele não poderá incluir fatores de discriminação responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. (...) A igualdade perante a
lei, de outro lado, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma
legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postula-
do pelo legislador, em qualquer das dimensões referidas, imporá, ao ato estatal por ele elaborado e produzido, a eiva de inconstitucio-
nalidade.” (AI 360.461-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-12-2005, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008)

29
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DO SEXO


O direito à igualdade, na perspectiva substancial, embora demande a comunhão de esforços
dirigidos à mitigação de desigualdades, não se coaduna com a utilização de discriminações exage-
radas, absurdas e desnecessárias:
“Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia
homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proi-
bição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao plu-
ralismo como valor sócio-político-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade,
inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da auto-
nomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pes-
soas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se
presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV
do art. 3º da CF, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de ‘promover o
bem de todos’. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo
dos indivíduos como saque da kelseniana ‘norma geral negativa’, segundo a qual ‘o que
não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Reco-
nhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘digni-
dade da pessoa humana’: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do
indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito pa-
ra a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte
da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos
da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade.
Cláusula pétrea. (...) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou
discriminatório do art. 1.723 do CC, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a
utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dis-
positivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,
pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é
de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável
heteroafetiva.” (ADI 4.277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJE de 14-10-
73
2011).

 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O art. 5º, II, traz o princípio da legalidade, que diz respeito à segurança do indivíduo em
matéria jurídica. Tal princípio visa o combate ao poder arbitrário do Estado, constituindo, assim,
necessária manifestação do Estado de Direito. Dessa forma, somente as espécies normativas
elencadas no art. 59, CF, elaboradas conforme o devido processo legislativo, são hábeis a criar
obrigações ao indivíduo. O indivíduo é, portanto, livre para fazer ou deixar de fazer qualquer coisa
que não esteja prevista em lei.

 DIREITO À VIDA E À INTEGRIDADE FÍSICA


O art. 5º, III, tutela o direito fundamental à vida e à integridade física, repelindo as práticas
incompatíveis com a vida e com a dignidade humana. A tortura constitui crime, e sua tipificação
legal encontra-se na Lei 9.455/97. O art. 1º da referida lei define o crime de tortura, nos seguintes
termos:

73
No mesmo sentido: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,Segunda Turma, DJE de 26-8-2011.

30
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 1º Constitui crime de tortura:


I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência
ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo.

 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA


O pensamento, em si, é absolutamente livre. A liberdade de expressão, por sua vez, constitui
fundamento essencial de uma sociedade democrática.

A manifestação do pensamento, embora livre, não pode ser feita de forma abusiva ou
descontrolada. Os excessos porventura ocorridos no exercício indevido do direito à liberdade de
expressão são passíveis de apreciação pelo Judiciário. A Constituição Federal assegura, de um lado,
a livre manifestação do pensamento, e, por outro, determina a responsabilização por aquilo que é
manifestado. Assim, veda-se o anonimato, ou seja, as pessoas são obrigadas a assumir a
responsabilidade do que exteriorizam, não podendo esconder-se sob o anonimato.

O STF julgou a ADPF 187, que tinha por temática central a legitimidade da criminalização da
chamada “Marcha da Maconha”. À Unanimidade, e, sessão plenária, a Suprema Corte,
“Julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito funda-
mental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a
Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da
defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, in-
74
clusive através de manifestações e eventos públicos.” (Informativo STF 631).

A ADPF 187 foi proposta pelo Procurador Geral da República com o objetivo de se obter, no
STF, resposta que vinculasse todos os tribunais e juízes do país, bem como a administração pública
de todas as esferas no tocante à questão da “Marcha da Maconha”, porquanto havia diversas in-
terpretações a respeito do alcance do art. 287, CP, no confronto com a pacífica transmissão, à soci-
edade, de convicções cidadãs contrárias à criminalização do uso da maconha. Em jogo estavam a
previsão legal de “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime” e a grande
preocupação em se prestigiar a liberdade de expressão, essencial à democracia e à própria legitimi-
dade de nossa República.

A questão demanda compreensão sistemática do art. 287, CP. Isto porque o Sistema Jurídico
Brasileiro, em sua totalidade, deve estar em harmonia com o texto da Constituição Federal e com
os valores subjacentes ao modelo de Estado adotado a partir de 05 de outubro de 1988, data de
promulgação da CF.

74 Utilizamos o caso da ADPF 187 para representar, com base na análise de disposição infraconstitucional pré-existente à CF/88, a revo-
lução paradigmática pela qual passou o Estado brasileiro e como os vetores interpretativos que emanam da CF/88 podem nortear a
postura do intérprete no contexto da liberdade de expressão e da censura. A polêmica em torno da temática da legalização das drogas
serve de pano de fundo à compreensão do alcance da liberdade de expressão em uma sociedade democrática e pluralista.

31
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Qualquer regra ou princípio, no âmbito infraconstitucional - como é o caso do Código Penal -,


que não esteja de acordo com a Carta Magna é considerado inconstitucional e, portanto, inválido,
impassível de aplicação prática.

Isso também vale no tocante às interpretações que possam ser atribuídas a esta àquela re-
gra, a este ou àquele princípio. Qualquer interpretação que destoe da inspiração constituinte ori-
ginária (ou derivada, em alguns casos) deve ser afastada porquanto inconstitucional, ilegítima,
arbitrária.

O contexto no qual, hoje, está inserido o art. 287 é indiscutivelmente outro daquele em que
publicado o Código Penal. O Código Penal adentrou a sistema brasileiro em 1940, por intermédio
da publicação do Decreto-lei 2.848/40 e sob a égide da Constituição de 1937. Esta, outorgada via
decreto presidencial no Governo Vargas, havia instituído o Estado Novo, com ímpares característi-
cas: previsão de pena de morte em tempos de paz (art. 122, 13), suspensão das imunidades parla-
mentares (art.169, especialmente o § 1º), supressão da liberdade partidária, censura prévia da im-
prensa, dos teatros e da radiodifusão (art. 122, 15, “a”), etc.

O contexto democrático de hoje pouco se assemelha ao momento de edição do Código Pe-


nal. A clara e indiscutível inspiração democrática, presente no Preâmbulo da CF/88, a eloquente
exposição das bases axiológicas nas quais se fundamenta esta República (art. 1º, CF) e um de seus
principais vetores direcionados à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF)
permitem firmar a necessidade de adequação interpretativa ao art. 287, CP.

Essa adequação interpretativa, na verdade, consubstancia-se numa legítima reconstrução de


significado ao que está ou não proibido pela norma que emana da figura típica descrita no art. 287,
CP. A estrutura paradigmática é outra. O parâmetro de conformação do Sistema Jurídico é a CF/88
e seu amplíssimo conteúdo cidadão, democrático e pluralista.

A República Federativa do Brasil fundamenta-se no pluralismo político (art. 1º, V, CF). O plu-
ralismo político viabiliza o trâmite da pluralidade de ideias, aspirações, opiniões, interesses e forças
da sociedade, que estão em permanente debate, em especial num país de proporções continentais,
cuja população resulta de riquíssima e diversificada colonização. A essência do pluralismo político é
a liberdade de exposição da mais variada gama de opiniões.

Além disso, a liberdade de expressão é direito fundamental (art. 5º, IV, CF) protegido por
cláusula de barreira (art. 60, § 4º, IV, CF) condicionado, apenas, pela vedação ao anonimato e, ob-
viamente, pelo conflito com direito fundamental de igual hierarquia que, eventualmente, com ele
esteja em conflito.

Nesta sociedade pluralista, juridicamente capitaneada pela CF/88, que elenca a liberdade de
expressão enquanto direito fundamental, o art. 287, CP, não tem a amplitude de outrora. A inci-
dência do art. 287, CP, está condicionada ao giro hermenêutico propiciado pela CF/88 e, conse-
quentemente, ao pleno exercício da liberdade de expressão consubstanciada no art. 5º, IV. Sedi-
mentado nesta (pré) compreensão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a
ADPF 187.

32
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A decisão foi tomada em controle concentrado de constitucionalidade. Portanto, dotada de


efeito vinculante. A partir de então restou afastada, em todo o território nacional, qualquer inter-
pretação do art. 287, CP, que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou
de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos pú-
blicos.

 VEDAÇÃO AO ANONIMATO
De acordo com o art. 5º, IV, CF,
Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

O anonimato é vedado em nosso ordenamento jurídico justamente para possibilitar que


qualquer pessoa seja responsabilizada pelos seus próprios atos, sempre que tais atos atinjam,
minimizem ou menosprezem direitos fundamentais tais quais:
a) o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,
moral ou à imagem (art. 5º, V, CF); e
b) a inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa, bem como o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, CF).

Não se está aqui a dizer que qualquer cidadão não seria parte legítima para denunciar, por
exemplo, toda e qualquer irregularidade eventualmente praticada por agente público. O que deve
ficar bem claro é que, diante da total vedação ao anonimato, explicitada como cláusula pétrea em
nossa Constituição Federal (art. 5º, IV, CF, c/c art. 60, § 4º, IV, CF), todo e qualquer cidadão pode –
e deve – fiscalizar o fiel desempenho das atribuições por parte de agentes públicos (e com muito
mais intensidade quando se trata de agentes políticos); só que, ao exercer a cidadania, na perspec-
tiva da democracia de fiscalização, ativa e participativa, esse mesmo cidadão deve, por imperati-
vo constitucional, identificar-se.

 DENÚNCIA ANÔNIMA E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL


A 2ª Turma do STF, no julgamento do HC 99490/SP (rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.11.2010)
“indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento de ações penais movidas
contra a paciente, sob a alegação de que estas supostamente decorreriam de investiga-
ção deflagrada por meio de denúncia anônima, em ofensa ao art. 5º, IV, da CF. Ademais,
sustentava-se ilegalidade na interceptação telefônica realizada no mesmo procedimento
investigatório. Reputou-se não haver vício na ação penal iniciada por meio de denúncia
anônima, desde que seguida de diligências realizadas para averiguação dos fatos nela
noticiados, o que ocorrido na espécie. Considerou-se, ainda, que a interceptação telefô-
nica, deferida pelo juízo de 1º grau, ante a existência de indícios razoáveis de autoria e
demonstração de imprescindibilidade, não teria violado qualquer dispositivo legal. Con-
cluiu-se que tanto as ações penais quanto a interceptação decorreriam de investigações
levadas a efeito pela autoridade policial, e não meramente da denúncia anônima, razão
pela qual não haveria qualquer nulidade.” (Informativo STF 610)

 LIBERDADE DE IMPRENSA E CENSURA

33
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O STF, por maioria, julgou procedente pedido formulado pelo PDT na ADPF 130 e declarou
que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) não foi recepcionada pela CF/88. De acordo com o Relator,
Ministro Ayres Britto:
“O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensa-
mento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgão
de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art.
5º da mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta
(inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada,
à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direi-
to ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profis-
sional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronoló-
gica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e
os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo
dos ‘sobre-direitos’ de personalidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do
pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do ti-
tular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais
alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação
constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direi-
tos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qual-
quer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonima-
to), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a
informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o
que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e
plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem
deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis,
penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a
posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liber-
dade de imprensa.” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plená-
rio, DJE de 6-11-2009).

 LIBERDADE DE IMPRENSA X PROTEÇÃO À INTIMIDADE


O Mandado de Segurança 24832 foi impetrado contra ato do Presidente da CPI da Pirataria,
que havia autorizado não só a permanência da imprensa no ambiente onde o impetrante prestaria
esclarecimentos, mas também a utilização de câmeras de televisão e de quaisquer outros instru-
mentos de gravação ou transmissão de imagens.75

Alegava-se que o ato impugnado perante o STF viabilizava franco desrespeito ao direito à
honra e à imagem do impetrante, diante da iminente possibilidade de indevida e abusiva exposição
na mídia (art. 5º, X, CF).

Em contraposição ao argumentado pelo impetrante, alegava-se que qualquer limitação de


acesso da imprensa no recinto configuraria contrariedade à garantia constitucional que assegura o
direito à informação, além de cerceamento do livre exercício de atividade de comunicação (arts. 5º,
XIV e IX, e 220, CF).

75 Utilizamos este caso concreto para demonstrar a dinâmica da discussão travada na colisão entre direitos de personalidade (imagem,
vida privada e honra) e a plena liberdade de informação jornalística.

34
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O Tribunal, por maioria, considerou prevalecentes a liberdade de informação jornalística e o


direito à informação (arts. 5º, IX, e 220, CF). Entendeu que o impetrante não demonstrara circuns-
tância que justificasse, de forma concreta, a necessidade de que sessão da CPI da Pirataria ocorres-
se com publicidade limitada. Salientou-se, por ocasião do julgamento, o fato de que eventual viola-
ção a direito individual seria passível de reparação por meio de ação de responsabilidade (art. 5º, X,
CF).

Votaram vencidos os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, que consi-
deravam não ser a restrição à publicidade ilegítima, pois tinha o objetivo de salvaguardar os direi-
tos à honra, à imagem e à intimidade do impetrante e, sob suas óticas, não prejudicava o direito à
informação (uma vez que não se impedia a presença da imprensa no recinto, mas somente o uso de
câmeras que possibilitassem a gravação da imagem do impetrante). Ressaltaram, ainda, que o caso
concreto evidenciava a necessidade de proteção do direito à honra, à imagem e à intimidade do
impetrante de eventual abuso de exposição na mídia, cuja eficácia não seria possível, senão de
forma preventiva.

A decisão do STF pode ser objeto de crítica, na medida em que, partindo do pressuposto da
colisão entre direitos fundamentais de igual hierarquia, sopesou as circunstâncias fáticas do caso
concreto e optou pela prevalência total de um em detrimento do outro, causando desprezo ao
núcleo essencial daquele direito ao qual se atribuiu menor relevância.

A alternativa mais adequada, em harmonia com o postulado da proporcionalidade,76 seria a


proposta pelos três Ministros que votaram vencidos, ao sugerirem que o conflito entre direitos
fundamentais demandava uma solução intermediária, qual seja: o ingresso da imprensa no recinto
(em homenagem à livre informação jornalística e ao direito à informação), desde que desprovida de
instrumentos que pudessem captar a imagem do impetrante (em respeito a seus direitos funda-
mentais de honra e imagem).

 EXERCÍCIO DO DIREITO DE CRÍTICA


Segundo o STF,
“Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opini-
ões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de ‘imprensa’, sinônimo perfei-
to de ‘informação jornalística’ (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de
liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício con-
creto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a
qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreve-
rente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e
civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se re-
fere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. A crítica jornalística em geral, pela sua rela-
ção de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura.
Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião
pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas,
conforme decisão majoritária do STF na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia
de que a locução ‘humor jornalístico’ enlaça pensamento crítico, informação e criação

76 A técnica da proporcionalidade permite que um direito em conflito se sobreponha a outro, ainda que de idêntica hierarquia, manten-
do-se o núcleo essencial do direito cuja aplicabilidade é afastada. O âmbito de proteção de um direito cede passo à maior amplitude de
outro.

35
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

artística.” (ADI 4.451-MC-REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário,
DJE de 1º-7-2011).

Destaque-se também trecho do voto do Ministro Celso de Mello no julgamento do RE


228177, ao analisar a questão da liberdade de imprensa e informação jornalística em relação a
pessoas figuras públicas ou notórias:
“É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabili-
dade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em
caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou,
até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas osten-
tar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois,
em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica,
apta a afastar o intuito doloso de ofender. Com efeito, a exposição de fatos e a veicula-
ção de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do di-
reito de crítica, descaracterizam o “animus injuriandi vel diffamandi”, legitimando, as-
sim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa.”

 REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA


Decidiu o STF que:
“O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício
das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e di-
fusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os
jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da
liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são ativida-
des que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas
de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, XIII, da
Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em con-
junto com os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que assegu-
ram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. (...) No cam-
po da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualifi-
cações profissionais. O art. 5º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por par-
te do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de
controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio aces-
so à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade,
caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente
vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de contro-
les estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar
uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de
profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que impe-
77
ram as liberdades de expressão e de informação.”

 LIBERDADE DE CONCIÊNCIA E DE CRENÇA

77
Jurisprudência do STF: Rp 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977 (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento
em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009)

36
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A liberdade de consciência é de foro íntimo, interessando apenas ao indivíduo, e não está


sujeita a qualquer forma de controle pelo Estado. Essa forma de liberdade compreende a liberdade
de crença, que nada mais é que a liberdade de foro íntimo em questões de natureza religiosa.
Assegura-se, assim, a liberdade de professar ou não alguma religião, de acreditar ou não em
alguma divindade.

A Constituição assegura, na forma da lei, a exteriorização da liberdade de crença, qual seja, a


liberdade de culto.

O art. 5º, VII, encerra um direito subjetivo daquele que se encontra internado em
estabelecimento coletivo, cabendo ao Estado a materialização das condições para a prestação
dessa assistência religiosa.

Tendo em vista a total liberdade religiosa assegurada pela Constituição, ninguém que se
encontre nessa situação poderá ser obrigado a utilizar-se da assistência religiosa.

A objeção ou escusa de consciência consiste no direito de não prestar serviço militar


obrigatório ou qualquer outra obrigação legal a todos imposta por motivo de crença religiosa,
filosófica ou política. Atualmente, na hipótese de objeção de consciência, exige-se a prestação de
serviço social alternativo.

 INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM


O art. 5º, X, CF, diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua viola-
ção.

A Constituição é um sistema e como tal deve ser interpretada. O dispositivo em questão é li-
mitador à regra do art. 220, CF. Contudo, sob a ótica do Ministro Ayres Britto, quando do julga-
mento da ADPF 130,
“primeiramente, assegura-se o gozo dos ‘sobre-direitos’ de personalidade em que se tra-
duz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente
depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual
desrespeito a direitos constitucionais alheios.”

Esse ponto de vista inviabiliza, por exemplo, o deferimento de eventual ação inibitória nos
casos em que o autor objetiva a proibição da reprodução, por empresa jornalística, de dados que
entende estarem acobertados pela inviolabilidade da intimidade e da vida privada, relegando ao
plano da eventual reparação pecuniária a discussão a respeito a publicação abusiva ou não condi-
zente com a verdade.

Como se trata de questão afeta à colisão de princípios constitucionais (vida privada, honra e
imagem x liberdade de expressão e liberdade de informação jornalística), somente o caso concreto
permite a análise adequada da melhor alternativa, sendo certo que soluções a priori são demasia-
damente genéricas e certamente fadadas à injustiça.78

78
Na análise de eventuais pedidos de tutela inibitória é importante ter em mente, em cada caso concreto que “(...) Tirante, unicamente,
as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o ‘estado de sítio’ (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias

37
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A riqueza de cada caso concreto é o fator diferencial na busca da solução mais adequada, es-
pecialmente no jogo da colisão entre princípios fundamentais.

Quanto à inviolabilidade do domicílio (inciso XI), a própria Constituição estabelece as exce-


ções. Nesse sentido, é possível entrar na casa sem o consentimento do morador nas seguintes
hipóteses: durante o dia, em caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro e, ainda, por
determinação judicial; durante a noite, somente em situações de flagrante delito ou desastre para
prestar socorro. A entrada no domicílio sem o consentimento do morador por determinação judici-
al somente poderá se dar durante o dia.

 SIGILO DE DADOS
É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

O indivíduo precisa ter segurança de que todas as suas comunicações pessoais, tanto as
feitas por cartas como as realizadas por telegramas ou telefonemas, não serão interceptadas por
outras pessoas. Essa inviolabilidade tutela, ao mesmo tempo, a liberdade de manifestação do
pensamento e o direito à intimidade das pessoas.

A possibilidade de quebra do sigilo só pode ser feita para investigação criminal ou instrução
processual penal. A lei que regulamentou este inciso é a Lei 9.296/96. O STF firmou entendimento
que, antes da edição do mencionado diploma legal, qualquer autorização judicial para a quebra do
sigilo de comunicações telefônicas, sob qualquer argumento, era inválida:
“Habeas corpus. Acusação vazada em flagrante de delito viabilizado exclusivamente por
meio de operação de escuta telefônica, mediante autorização judicial. Prova ilícita. Au-
sência de legislação regulamentadora. Art. 5º, XII, da CF. Fruits of the poisonous tree. O
STF, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei
definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, XII, da Constituição, não pode o
Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação crimi-
nal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos
termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros e-
lementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das in-
formações obtidas na escuta.” (HC 73.351, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 9-5-
1996, Plenário, DJ de 19-3-1999).

Chegou-se a argumentar que as autorizações judiciais seriam, antes do advento da Lei


9.296/96, viabilizadas com base no art. 57, II, “a”, Lei 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunica-

lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que ‘quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que
seja’. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e
jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria
Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (‘quando necessário
ao exercício profissional’); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos
‘meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão
que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao
meio ambiente’ (inciso II do § 3º do art. 220 da CF).” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-
2009).

38
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ções). Contudo, o STF não acolheu tal argumento em face da não recepção do Código Brasileiro de
Telecomunicações79.

Depois da regulamentação valem as regras da Lei 9.296/96, em especial as seguintes:


a) a interceptação somente pode ser admitida se houver indícios razoáveis da autoria ou
da participação em infração penal;
b) a prova não puder ser produzida por outros meios; e
c) ao fato investigando houver a previsão de pena de reclusão.

Ao crime de ameaça, por exemplo, previu-se pena de detenção. Logo, não é possível a que-
bra do sigilo telefônico em razão da investigação da possível ocorrência desse delito.

 ALGUNS JULGADOS SOBRE ESTE TEMA:


- Necessidade de fundamentação
“São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal, ban-
cário e telefônico, sem a devida fundamentação. Com esse entendimento, a Segunda
Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas nesta condi-
ção e, por conseguinte, determinar o seu desentranhamento dos autos de ação penal. Na
espécie, os pacientes foram denunciados pela suposta prática de crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional (Lei 7.492/1986, arts. 11, 16 e 22, caput), lavagem de dinheiro (Lei
9.613/1998, art. 1º, VI e VII, e § 4º), e formação de quadrilha (CP, art. 288), por promo-
verem evasão de divisas do país, efetuarem operação de câmbio não autorizada, opera-
rem instituição financeira clandestina e, ainda, movimentarem recursos e valores parale-
lamente à contabilidade exigida pela legislação. Ressaltou-se que a regra seria a inviola-
bilidade do sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII), o que visa, em última análise, a resguardar
também direito constitucional à intimidade (art. 5º, X). E, somente se justificaria a sua
mitigação quando razões de interesse público, devidamente fundamentadas por ordem
judicial, demonstrassem a conveniência de sua violação para fins de promover a investi-
gação criminal ou instrução processual penal. No caso, o magistrado de primeiro grau
não apontara fatos concretos que justificassem a real necessidade da quebra desses sigi-
los, mas apenas se reportara aos argumentos deduzidos pelo Ministério Público. Asseve-
rou-se, ademais, que a Constituição veda expressamente, no seu art. 5º, LVI, o uso da
prova obtida ilicitamente nos processos judiciais, no intuito precípuo de tutelar os direi-
tos fundamentais dos atingidos pela persecução penal.” (HC 96.056, Rel. Min. Gilmar
80
Mendes, julgamento em 28-6-2011, Segunda Turma, Informativo 633.)

- Sigilo de dados bancários e fiscalização tributária


O STF alterou o entendimento de que o acesso direito do fisco a informações cobertas pelo
sigilo bancário seria conflitante com o art. 5º, XII, CF. A impossibilidade de acesso direito a dados
bancários pelo fisco prevaleceu até 201681. A partir do julgamento conjunto das ADIs 2386, 2390,

79
HC 72.588, Rel. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 12-6-1996, Plenário, DJ de 4-8-2000. No mesmo sentido: HC 74.586, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 5-8-1997, Segunda Turma, DJ de 27-4-2001.
80
Vide: HC 80.724, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-3-2001, Primeira Turma, DJ de 18-5-2001.
81
Vide RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 15 dez 2010, Plenário, DJE de 10 mai 2011

39
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

2397 e 2859, Rel. Ministro Dias Toffoli, a Corte passou a entender de forma diversa. Segundo o
constante do Informativo STF 814, a maioria plenária, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso
de Mello, a partir do pressuposto de que “O que ocorreria não seria propriamente a quebra de
sigilo, mas a ‘transferência de sigilo’ dos bancos ao Fisco”, e desde que “comprovada a instauração
de processo administrativo”, entendeu que não se está a tratar propriamente de quebra de sigilo
bancário, mas sim de transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas
contra o acesso de terceiros, sem ofensa à CF.

- Interceptação telefônica x direito constitucional ao silêncio:


“(...) a Lei 9.296/1996 nada mais fez do que estabelecer as diretrizes para a resolução de
conflitos entre a privacidade e o dever do Estado de aplicar as leis criminais. Em que pese
ao caráter excepcional da medida, o inciso XII possibilita, expressamente, uma vez pre-
enchidos os requisitos constitucionais, a interceptação das comunicações telefônicas. E
tal permissão existe, pelo simples fato de que os direitos e garantias constitucionais não
podem servir de manto protetor a práticas ilícitas. (...) Nesse diapasão, não pode vingar
a tese da impetração de que o fato de a autoridade judiciária competente ter determi-
nado a interceptação telefônica dos pacientes, envolvidos em investigação criminal, fere
o direito constitucional ao silêncio, a não autoincriminação.” (HC 103.236, voto do Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-6-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.)

- Interceptação telefônica e prorrogações sucessivas:


“(...) É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica,
ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investiga-
ção diferenciada e contínua.” (Inq 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-
2008, Plenário, DJE de 26-3-2010).

- Interceptação telefônica como único meio de prova:


“É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada,
quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituos.” (Inq 2.424,
Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-2008, Plenário, DJE de 26-3-2010).

- Interceptação telefônica e transcrição integral das gravações:


“(...) O disposto no art. 6º, § 1º, da Lei federal 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta
a interpretação sensata de que, salvo para fim ulterior, só é exigível, na formalização da
prova de interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevan-
te para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.” (Inq 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso,
82
julgamento em 26-11-2008, Plenário, DJE de 26-3-2010).

- Sigilo bancário e quebra pelo TCU - impossibilidade:


“A LC 105, de 10-1-2001, não conferiu ao TCU poderes para determinar a quebra do sigi-
lo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses

82
No mesmo sentido: HC 105.527, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-3-2011, Segunda Turma, DJE de 13-5-2011; HC 92.020, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-9-2010, Segunda Turma, DJE de 8-11-2010.

40
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às
comissões parlamentares de inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas Comissões
Parlamentares de Inquérito (§ 1º e 2º do art. 4º). Embora as atividades do TCU, por sua
natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enu-
meradas no art. 71, II, da CF, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa
determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensi-
va, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida pri-
vada, art. 5º, X, da CF, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário(...).” (MS
22.801, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 17-12-2007, Plenário, DJE de 14-3-
2008.)

- Escuta ambiental - prova emprestada - admissibilidade:


“Prova emprestada. Penal. Interceptação telefônica. Escuta ambiental. Autorização judi-
cial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por au-
toridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento
administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrati-
vos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a
questão de ordem. Inteligência do art. 5º, XII, da CF e do art. 1º da Lei federal
9.296/1996. (...) Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em es-
cutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação
criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento adminis-
trativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram co-
lhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita
dessa prova.” (Inq 2.424-QO-QO, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 20-6-2007, Ple-
83
nário, DJ de 24-8-2007).

- Banco Central - quebra de sigilo - impossibilidade:


“Sigilo de dados – Atuação fiscalizadora do Banco Central – Afastamento – Inviabilidade.
A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no
campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo pre-
visto no inciso XII do art. 5º da CF.” (RE 461.366, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
3-8-2007, Primeira Turma, DJ de 5-10-2007.)

- Quebra de sigilo de dados x apreensão de computador em diligência de busca e apreen-


são:
“Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados – art. 5º, XII, da CF: ausên-
cia de violação, no caso. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13-12-
1994, Galvão, DJ 13-10-1995), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de
computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferên-
cia, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada – o
ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a consequente ofensa da
garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa – este segundo fundamento bas-
tante, sim, aceito por votação unânime, à luz do art. 5º, XI, da Lei Fundamental. Na es-

83
No mesmo sentido: Inq 2.424-QO, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 25-4-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.

41
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

pécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do


recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judici-
al. Não há violação do art. 5º, XII, da Constituição, que, conforme se acentuou na senten-
ça, não se aplica ao caso, pois não houve ‘quebra de sigilo das comunicações de dados
(interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encon-
travam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial’.” (RE 418.416, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-5-2006, Plenário, DJ de 19-12-2006).

- Escuta feita por terceiro sem autorização judicial - impossibilidade:


“Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de qua-
drilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocuto-
res. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos in-
terlocutores – cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito –
mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que
com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a in-
tervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das
comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada medi-
ante prévia e regular autorização judicial. A prova obtida mediante a escuta gravada por
terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor
insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado.
A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em
princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no en-
tanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada po-
licial, ainda que existente, não seria válido. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão
processual do registro da escuta telefônica clandestina – ainda quando livre o seu assen-
timento nela – em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocuto-
res no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal
cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha.” (HC 80.949, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 30-10-2001, Primeira Turma, DJ de 14-12-2001).

- Interceptação de correspondências em estabelecimento prisional - admissibilidade:


“A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de
disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmen-
te, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei
7.210/1984, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados,
eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir ins-
trumento de salvaguarda de práticas ilícitas.” (HC 70.814, Rel. Min. Celso de Mello, jul-
gamento em 1º-3-1994, Primeira Turma, DJ de 24-6-1994).

 LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE PROFISSÃO


A liberdade de ação profissional consiste na faculdade de escolha de trabalho que se
pretende exercer. É o direito de cada indivíduo exercer qualquer atividade profissional, de acordo
com as suas preferências e habilidades.

42
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Consagrou-se o direito ao livre exercício de profissão como norma de eficácia contida, pois a
Constituição previu a possibilidade de edição de lei que estabeleça as qualificações necessárias
para o seu exercício. Ressalte-se que a legislação somente poderá estabelecer condicionamentos
capacitários que apresentem nexo lógico com as funções a serem exercidas, jamais qualquer
requisito discriminatório ou abusivo.

 SIGILO DE FONTE E EXERCÍCIO PROFISSIONAL


É o direito constitucional de informar, de se informar e o de ser informado. O direito de
receber informações é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a
todos os cidadãos, com a finalidade de fornecimento de subsídios para formação de convicções
relativas a assuntos públicos.

No que se refere ao sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, a


Constituição apresenta a finalidade de garantir a toda a sociedade a ampla e total divulgação dos
fatos e notícias de interesse público. O sigilo da fonte é indispensável para o êxito de certas
investigações jornalísticas, e surge como corolário lógico da liberdade de informação.

“O sigilo profissional constitucionalmente determinado não exclui a possibilidade de


cumprimento de mandado de busca e apreensão em escritório de advocacia. O local de
trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode ser alvo de busca e apreen-
são, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando-se de local on-
de existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é indis-
pensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser exe-
cutada sobre a esfera de direitos de não investigados.” (HC 91.610, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 8-6-2010, Segunda Turma, DJE de 22-10-2010).

 LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
O inciso XV traz o direito de ir, vir e permanecer. Apenas em tempo de guerra haverá
possibilidades de maior restrição legal que, visando à segurança nacional e à integridade do
território nacional, poderá prever requisitos menos flexíveis.

O remédio constitucional para tutelar o direito de locomoção é o habeas corpus.

 LIBERDADE DE REUNIÃO
É o primeiro direito constitucional de manifestação coletiva. Não deixa de ser direito
individual, pois pertence ao indivíduo, mas é de expressão coletiva porque pressupõe uma
pluralidade de pessoas para que possa ser exercido.

Assim, o direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de expressão,


exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio
de ideias, a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicações.

 DIREITO DE ASSOCIAÇÃO
Regulado pelos incisos XVII a XXI.

43
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A liberdade de associação, assegurada pela Lei Maior, deve ser entendida como o
agrupamento de pessoas, organizado e permanente, para fins lícitos. Abrange o direito de associar-
se a outras pessoas para formação de uma entidade, o de aderir a uma associação já formada, o de
desligar-se da associação, bem como o de autodissolução das associações.

As associações podem ser criadas independentemente de autorização, sendo proibida a


interferência do Estado em seu funcionamento interno. Somente poderão ser compulsoriamente
dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o
trânsito em julgado.

As entidades associativas devidamente constituídas, quando expressamente autorizadas,


têm legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente, possuindo
legitimidade adcausam para, em substituição processual, defender em juízo direito de seus
associados.

Embora esteja assegurada a ampla liberdade de associação para fins lícitos, a Constituição
veda expressamente as associações de caráter paramilitar, que são aquelas que se organizam de
forma análoga às Forças Armadas. Isso porque o poder de coerção é restrito ao Estado, sendo que
a existência de organizações particulares organizadas de forma bélica não se coaduna com a
concepção de Estado Democrático de Direito.

 DIREITO DE PROPRIEDADE E FUNÇÃO SOCIAL


Toda pessoa física ou jurídica tem direito à propriedade, podendo o ordenamento jurídico
estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limites. O direito de propriedade,
constitucionalmente assegurado, garante que dela ninguém poderá ser privado arbitrariamente.

O direito constitucional adota uma concepção ampla de propriedade, a qual engloba


qualquer direito de conteúdo patrimonial, econômico, ou seja, tudo aquilo suscetível de ser
convertido em dinheiro.

São garantias do direito de propriedade: de conservação (ninguém será privado de seus bens
fora das hipóteses previstas na Constituição) e de compensação (caso privado de seus bens, o
proprietário deverá receber a devida indenização).

Tanto no art. 5º (XXII e XXIII), quanto no art. 170 (II e III), o Constituinte Originário referiu-se
ao direito de propriedade e, logo em seguida, à função social da propriedade. O art. 182, § 2º, CF,
estatui que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências funda-
mentais da ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. O art. 186, CF, por sua vez, dispõe que
a função social da propriedade rural é cumprida quando ela atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
a) aproveitamento racional e adequado;
b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e
d) exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.

44
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A referência constitucional à função social como elemento estrutural de definição do direito


à propriedade privada e da limitação de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção
abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma
concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações
para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada
categoria de bens objeto de domínio deve cumprir.

A Constituição, dessa forma, adotou a moderna concepção do direito de propriedade, pois,


ao mesmo tempo em que o consagrou como direito fundamental, deixou de caracterizá-lo como
incondicional e absoluto.

Segundo o STF
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa
grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente
(CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, obser-
vados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na
própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o a-
proveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos
naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realiza-
ção da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julga-
84
mento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004).

Para que a propriedade urbana atinja sua função social é necessário que atenda às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, § 2º, CF).

Para que a propriedade rural cumpra sua função social, é necessário que atenda, simultane-
amente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: apro-
veitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preserva-
ção do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; explora-
ção que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, CF).

Há diversas consequências, constitucionalmente estabelecidas, nos casos em que, à proprie-


dade, não se atribui a devida função social. O imóvel urbano que não atinja sua função social pode
ser objeto de edificação compulsória, IPTU progressivo e até desapropriação, sendo que, neste
caso, o pagamento é feito em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas (art.182, § 4º, CF). O imóvel rural que não atinja sua função
social também pode ser objeto de desapropriação, com pagamento de indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão (art. 184, caput, CF).85

Além da edificação compulsória, do IPTU progressivo (desrespeito à função social da proprie-


dade urbana) e da desapropriação (desrespeito à função social da propriedade urbana ou da pro-
priedade rural), a CF/88, em seu art. 243, prevê o instituto da expropriação, que difere da desapro-

84
No mesmo sentido: MS 25.284, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.
85 No caso de desapropriação para fins de reforma agrária, prevista no artigo 184, caput, as benfeitorias úteis e necessárias são indeni-
zadas em dinheiro (§ 1º). Atentar para a regra do artigo 185, segundo o qual são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra e a propriedade produ-
tiva.

45
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

priação por não legitimar o proprietário a nenhuma forma de indenização, seja prévia ou posterior,
em dinheiro ou títulos da dívida pública/privada. Trata-se de severa penalidade ao indivíduo em
cuja propriedade imóvel forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração
de trabalho escravo.

Com o mesmo rigor o parágrafo único do art. 243, CF, trata a questão de todo e qualquer
bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins ou da exploração de trabalho escravo: confisco sem indenização alguma.

Como se percebe, a CF/88 apresenta, de forma gradativa, as consequências nos diversos ca-
sos em que à propriedade não se agrega a necessária função social.

 DESAPROPRIAÇÃO
A transformação que a ideia de um Estado social introduz no conceito de direito à
propriedade privada, ao assinalar uma função social com efeitos delimitadores de seu conteúdo,
determina uma importante revisão do instituto da desapropriação, que se converteu em
instrumento posto à disposição do poder público para o cumprimento de suas finalidades de
ordenação da sociedade com justiça social.

Desapropriação é o ato pelo qual o Estado toma para si ou transfere para terceiros bens de
particulares, mediante o pagamento de justa e prévia indenização. Trata-se de forma originária de
aquisição da propriedade. Enquanto forma mais drástica de intervenção do Estado na economia,
somente é admissível nas hipóteses especialmente previstas na Constituição.

O inciso XXIV da Constituição estabelece as hipóteses de desapropriação, quais sejam:


a) por necessidade pública: a Administração defronta-se com problemas de emergência,
sendo a desapropriação indispensável para a realização de uma atividade essencial do
Estado;
b) por utilidade pública: a desapropriação, embora não imprescindível, é conveniente
para a realização de uma atividade estatal.
c) por interesse social: hipótese em que a desapropriação é conveniente para o
progresso social, em razão da justa distribuição da propriedade ou da adequação a sua
função social.
A desapropriação será realizada mediante indenização justa (de forma integral), prévia
(pagamento deve ser anterior ao ingresso na titularidade do bem) e em dinheiro (pagamento em
moeda corrente). Pagamentos em títulos públicos somente são admitidos em hipóteses
excepcionais previstas na própria Constituição.

 DIREITO DE REQUISIÇÃO
O Poder Público, em hipóteses de iminente perigo público, está autorizado a utilizar-se de
propriedade alheia, sem necessidade de prévia indenização. Porém, se de algum modo o uso da
coisa gerar prejuízo ao proprietário, este tem garantido o direito à indenização.

 PROTEÇÃO À PEQUENA PROPRIEDADE RURAL

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O inciso XXVI dispõe que a pequena propriedade rural não será objeto de penhora para
pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. Pretende-se, dessa forma, alavancar
o desenvolvimento rural do País, assentando a família na terra.

Nesse sentido, a pequena propriedade rural não pode ser objeto de penhora para
pagamentos de débito decorrentes de sua atividade produtiva, bem como deverá receber recursos
previstos em lei que financiem o seu desenvolvimento.

 DIREITOS AUTORAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL


Aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas o-
bras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar (art. 5º, XXVII, CF).

A exclusividade dos autores, no quanto comporta a utilização, a publicação ou a reprodução


de suas obras, é vitalícia, a não ser que, por contrato, sejam os direitos autorais transferidos a ter-
ceiros. Já no tocante a direitos autorais que são decorrentes de herança, a utilização, a publicação
ou a reprodução, pelos herdeiros, pode ser limitada a certo período. De acordo com o art. 41 da Lei
9.610/98 (Lei dos Direitos Autorais):
Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1º de
janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei
civil.

A principal preocupação constituinte, com relação aos direitos autorais, é com sua vocação
patrimonial individual. Mesmo após o falecimento do autor, os direitos autorais persistem no con-
texto patrimonial familiar por setenta anos. Somente após esse prazo - à exceção das hipóteses em
que o autor não tenha deixado sucessores ou seja desconhecido - a obra cai em domínio público
(art. 45, Lei 9.610/98).

O inciso XXIX do art. 5º, CF, por sua vez, trata do privilégio temporário, garantido aos autores
de inventos industriais e da proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e aos outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do país.

Como se percebe, os focos, no contexto do privilégio temporário e das proteções arroladas


no inciso XXIX são o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, diferen-
temente dos direitos autorais de que trata, de modo individualista, o inciso XXVII. O privilégio rela-
cionado aos inventos industriais é temporário porquanto existem preocupações meta-individuais:
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

A Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial), que regulamenta a concessão de patentes de


invenção e de modelo de utilidade86 e a concessão de registro de desenho industrial, dispõe que a
patente de invenção deve vigorar pelo prazo máximo de 20 anos e a de modelo de utilidade pelo

86 É com o registro da patente que se garante, ao autor, a propriedade de invenção ou modelo de utilidade (artigo 6º). A patente confe-
re ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com
estes propósitos o produto objeto de patente ou o processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado (artigo 42). Consi-
dera-se invenção a atividade criativa que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (artigo 8º). Consi-
dera-se modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou
disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação (artigo 9º).

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

prazo máximo de 15 anos (art. 40). Estipula também os prazos mínimos: 10 anos para a patente de
invenção e 7 anos para a patente de modelo de utilidade.

Uma das modalidades de extinção da patente é expiração de seu prazo de vigência (art. 78,
Lei 9.279/96), que pode ser de, no máximo, 20 anos para a invenção e 15 anos para o modelo de
utilidade. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público (art. 78, parágrafo único).

Como se percebe, a exclusividade do autor de invento industrial e de modelo de utilidade é


bem menor, em termos temporais, do que aquela conferida ao autor de obras distanciadas de apli-
cação na indústria. Se, por um lado, o Estado deve incentivar a atividade criativa na área da indús-
tria, garantindo certo privilégio aos inventores (que na verdade é um monopólio que vigor enquan-
to perdurar a vigência da patente), por outro deve assegurar, no interesse da sociedade, o desen-
volvimento tecnológico e econômico do país, que muitas vezes depende da possibilidade de, em
domínio público, uma invenção ou um modelo de utilidade ser explorado em regime de competiti-
vidade.

 DIREITO DE HERANÇA
Os incisos XXX e XXXI consagraram o direito à herança e o direito à sucessão, ambos
decorrentes do direito de propriedade, uma vez que reafirma a propriedade privada mesmo após a
morte do titular dos bens, com a consequente transmissão aos seus herdeiros.

O inciso XXXI protege os herdeiros brasileiros, estabelecendo que na sucessão de bens


estrangeiros situados no País aplica-se a lei que for mais favorável ao cônjuge ou filhos brasileiros
da pessoa falecida.

 DIREITO DO CONSUMIDOR
A previsão constitucional de defesa do consumidor denota a preocupação do legislador
constituinte com as modernas relações de consumo, e com a necessidade de proteção do
hipossuficiente economicamente.

No contexto dessa preocupação, sobreveio o Código de Defesa do Consumidor (Lei


8.078/90), regulamentando as relações de consumo e os mecanismos de proteção e efetividade
dos direitos do consumidor.

 DIREITOS DE CERTIDÃO E DE PETIÇÃO


Trazido pelos incisos XXXIII e XXXIV do art. 5º. O direito de certidão foi consagrado como
direito líquido e certo de qualquer pessoa à obtenção de certidão para defesa de um direito, desde
que demonstrado o seu legítimo interesse. A esse direito corresponde a obrigatoriedade do Estado,
salvo nas hipóteses constitucionais de sigilo, em fornecer as informações solicitadas.

A alínea “a” do inciso XXXIV estabelece o direito de petição, assegurando a qualquer pessoa
física ou jurídica, nacional ou estrangeira, a possibilidade de formular pedidos para a Administração
Pública em defesa de direitos próprios ou alheios, bem como o de formular reclamações contra
atos ilegais e abusivos cometidos por agentes do Estado.

48
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A finalidade do direito de petição, que é gratuito (independe do pagamento de taxas), é dar-


se notícia de fato ilegal ou abusivo ao Poder Público, para que providencie as medidas adequadas.

 PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO


Trazido pelo inciso XXXV, esse princípio garante a todos o acesso ao Poder Judiciário e
decorre do monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado.

Decorrência do postulado em questão é a inexistência de obrigatoriedade de esgotamento


da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição afastou a
necessidade da chamada jurisdição contenciosa ou instância administrativa de curso forçado. Não
se exige, pois, o exaurimento das vias administrativas para obter-se provimento judicial.

Uma exceção ao amplo acesso ao Judiciário é estabelecida pela própria Constituição, no seu
art. 217, § 1º, e diz respeito à justiça desportiva. O artigo referido exige o prévio acesso às
instâncias da justiça desportiva, nos casos de ações relativas à disciplina e às competições
desportivas, sem, no entanto, condicionar o acesso ao Judiciário ao término do processo
administrativo, pois a justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração
do processo, para proferir decisão final (art. 217, § 2º). Outra exceção existente consiste no habeas
data que igualmente requer prévio acesso na esfera administrativa (art. 5º, LXXII, e Lei 9.507/97).

• PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL


Os incisos XXXVII e LIII representam o chamado princípio do juiz natural, estabelecido para
assegurar a imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal. O referido
princípio constitui uma garantia fundamental na administração da Justiça de um Estado de Direito,
e deve ser interpretado de modo a proibir a criação de juízos ou tribunais de exceção (aqueles
criados após o fato, instituídos especialmente para julgar determinadas pessoas ou determinados
crimes) e a exigir o respeito absoluto às regras de determinação de competência. Assim, ninguém
pode ser processado por uma autoridade especialmente designada para o caso. Pelo contrário, há o
direito fundamental de ser julgado por juízo ou tribunal previamente instituído e competente.

• TRIBUNAL DO JÚRI
A Constituição pátria reconhece o Tribunal do Júri como uma prerrogativa democrática do
cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, e não por juízo de critério eminentemente
técnico, prevendo, expressamente, quatro preceitos de observância obrigatória à legislação
infraconstitucional que organizará a instituição:
a) plenitude de defesa: corolário lógico do princípio da ampla defesa previsto no inciso
LV do art. 5º;
b) sigilo das votações: preserva a adoção de critérios de íntima convicção por parte
dos jurados;
c) soberania dos veredictos: a decisão dos jurados será mantida, somente podendo
ser modificada por meio de recurso previsto pelo diploma processual penal, sendo que
a nova decisão será dada por novo Tribunal do Júri;
d) competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida: como último
preceito, a Constituição prevê a regra mínima de competência do Tribunal do Júri, não

49
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

impedindo que o legislador infraconstitucional lhe atribua outras e diversas


competências.
Cabe ressaltar, ainda, que a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos
contra a vida não é absoluta. A própria Constituição a afasta em hipóteses de prerrogativa de
função.

• PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL


Nos incisos XXXIX e XL encontra-se a consagração constitucional do princípio da reserva
legal em matéria penal, o qual limita a amplitude do exercício do poder punitivo (juspuniendi) do
Estado. Os princípios da reserva legal e da anterioridade no âmbito penal exigem, para a
configuração de um crime, a existência de lei formal devidamente elaborada pelo Poder
Legislativo, por meio das regras do processo legislativo constitucional; que a lei seja anterior ao
fato sancionado; e que a lei descreva especificamente um fato determinado.

De acordo com esses preceitos constitucionais, não se admite a criação de figuras penais ou
cominação de penas por medida provisória e a retroatividade da lei penal mais severa. Contrario
sensu, admite-se a retroatividade da lei penal mais benigna (mais favorável ao réu). Por essa razão,
o art. 2º, CP, estabelece que a lei penal, em regra, não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

• PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE DA PENA


Na ordem constitucional em vigor impera o princípio da pessoalidade da pena, segundo o
qual a pena não passará da pessoa do delinquente, não podendo suas consequências atingir
terceiros. Somente o autor da infração penal deve ser responsabilizado, sendo que a pena não
deve ser estendida a terceiros em geral. Também denominado postulado da intranscendência,
impede que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do
infrator87.

O inciso XLVI compreende o princípio da individualização da pena e estabelece algumas


modalidades de sanção penal.

O princípio da individualização da pena exige uma estreita correspondência entre a


responsabilização da conduta do agente e a sanção a ser aplicada, de maneira que a pena atinja
suas finalidades de prevenção e repressão. Dessa maneira, a imposição da pena depende do juízo
individualizado da culpabilidade do agente. Em outras palavras, deve haver uma estreita ligação
entre a pena aplicada e o grau de censurabilidade da conduta do agente.

Observe-se que no julgamento do HC 82.959, o Plenário do STF decidiu pela possibilidade de


progressão do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, julgando inconstitucional o
art. 2º, § 1º, Lei 8.072/90.

Além disso, o inciso XLVII consagrou como garantia individual do sentenciado a


impossibilidade de aplicação de determinadas espécies de penas, quais sejam: a pena de morte,
salvo em caso de guerra declarada; as penas perpétuas e de trabalhos forçados; a pena de
banimento (retirada forçada de um nacional de seu país); e, por fim, as penas cruéis.

87
STF, AC 1.033-AgR-QO.

50
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A vedação constitucional dessas penas assenta-se na imposição de respeito à dignidade da


pessoa humana (art. 1º, III).

• EXTRADIÇÃO
Os incisos LI e LII do art. 5º compreendem o tratamento constitucional do instituto da
extradição, que é o ato pelo qual um Estado entrega a outro uma pessoa acusada ou condenada
pela prática de uma infração penal para que seja julgada ou para que cumpra pena em outro país.

A extradição pode ser ativa, que é aquela requerida pelo Brasil a outros Estados soberanos,
ou passiva, quando outros Estados requerem-na ao Brasil.

A Constituição, prevendo autênticos direitos fundamentais individuais, assevera que:


a) o brasileiro nato nunca será extraditado;
b) o brasileiro naturalizado somente será extraditado [1] por crime comum, praticado
antes da naturalização ou [2] pela participação comprovada em tráfico ilícito de
entorpecentes ou drogas afins, não importando aqui se a participação se deu antes ou
depois da naturalização;
c) via de regra, o estrangeiro poderá ser extraditado, salvo nos casos de crime político
ou de opinião, ocasiões em que é vedada a sua extradição.

• DEVIDO PROCESSO LEGAL


Os incisos LIII e LIV trazem o princípio do devido processo legal, o qual configura uma garan-
tia de proteção da liberdade e da propriedade do indivíduo. Segundo esse princípio, o indivíduo
somente poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens se obedecido um processo legal-
mente estabelecido garantidor da possibilidade de defesa. Busca-se, assim, tutelar o cidadão con-
tra a atuação arbitrária do Estado.

O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão
ser assegurados aos litigantes em processos judiciais (cíveis ou criminais) bem como nos
procedimentos administrativos (inciso LV).

A garantia do contraditório e da ampla defesa significa que não deve ser tomada, pela
autoridade competente, nenhuma decisão sem a apreciação das razões de todas as partes
envolvidas, de forma a garantir a aplicação do princípio da igualdade também no plano processual.

• INADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS


A Constituição, estabelecendo uma importante garantia ao cidadão frente à ação
persecutória do Estado, estabeleceu, no inciso LVI, que são inadmissíveis no processo as provas
obtidas por meios ilícitos, ou seja, aquelas provas colhidas em infringência às normas legais e aos
direitos fundamentais do cidadão. Com efeito, a inadmissibilidade das provas ilícitas deriva da
supremacia dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de
uma liberdade pública para obtenção de qualquer prova.

51
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Nesse sentido, a prova ilicitamente obtida (por exemplo, confissões feitas mediante tortura,
interceptações telefônicas sem autorização judicial) é absolutamente nula, não podendo gerar
qualquer efeito no convencimento do juiz.

Com relação às provas decorrentes da prova ilícita, o Supremo Tribunal Federal tem
entendido que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, sendo nulas
tanto as provas produzidas de forma ilícita quanto aquelas surgidas em decorrência da prova ilícita,
ainda que obtidas de forma regular. Trata-se da aplicação da teoria dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree).

• PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


Estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”, o inciso LVII consigna o princípio da presunção da inocência, segundo o qual
antes da condenação definitiva em um processo criminal todos os cidadãos devem ser
considerados inocentes.

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é


constitucionalmente presumido inocente. Essa presunção somente poderá ser afastada com a
existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e
com a garantia da ampla defesa.

• PROIBIÇÃO DA PRIVAÇÃO DE LIBERDADE


Os incisos LXI a LXVI tratam deste tema. A regra constitucional geral é aquela que assegura a
liberdade do indivíduo. A privação de liberdade é considerada medida excepcional, somente
admitida nas situações previstas pela própria Carta Magna.

Sendo assim, o indivíduo somente poderá ser preso:


a) em caso de flagrante delito ou,
b) por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (não mais
se admite o mandado de prisão expedido por autoridade policial).

O texto constitucional, além de prever as duas hipóteses em que se permite a prisão do


indivíduo, elencou diversos requisitos para a validade da prisão: a prisão deve ser comunicada ao
juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; o preso deve ser informado de
seus direitos, inclusive o de permanecer calado (o silêncio do acusado não pode lhe causar nenhum
prejuízo) e o da assistência da família e de advogado; ao preso devem ser identificados os
responsáveis pela sua prisão e pelo seu interrogatório; a prisão ilegal deve ser imediatamente
relaxada; será ilegal a prisão efetuada quando a lei admitir liberdade provisória.

Além disso, o inciso LXVII veda a prisão civil por dívidas, admitindo somente nos casos de
inadimplemento (voluntário e inescusável) de obrigação alimentícia e do depositário infiel. Isto por
que a prisão civil é medida privativa de liberdade, sem caráter de pena, com a finalidade de
compelir o devedor a satisfazer uma obrigação.

52
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 GARANTIAS FUNDAMENTAIS
 DIREITO À INFORMAÇÃO
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado (art. 5º, XXXIII, CF).

O direito à informação, no tocante a questões de interesse particular ou coletivo, é bastante


amplo, cedendo apenas quando for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Esta
regra não pode ser confundida com a que trata do habeas data (art. 5º, LXXII, CF), que será adiante
analisada e que se restringe à busca de informações relativas à pessoa do impetrante, ou seja, a
informações de interesse individual.
Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso
amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício
do direito de defesa.

“Direito à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos


e entidades públicas. (...) Caso em que a situação específica dos servidores públicos é re-
gida pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta,
cargos e funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo
de informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial.
Sem que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas
exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso
XXXIII do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem
do conjunto da sociedade. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada,
pois os dados objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquan-
to agentes públicos mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais
agindo ‘nessa qualidade’ (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos
servidores, seja pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto
fragilizada com a divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco
pessoal e familiar que se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o
CPF e a CI de cada servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira
pública no seio de um Estado republicano. (...) A negativa de prevalência do princípio da
publicidade administrativa implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à
ordem pública.” (SS 3.902-AgR-segundo, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 9-6-
2011, Plenário, DJE de 3-10-2011).

 DIREITO DE PETIÇÃO
São a todos assegurados, independentemente de pagamento de taxas:
a) o direito de petição88 aos poderes públicos em defesa de direito ou contra a ilegalidade
ou abuso de poder;

88
“O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democráti-
co. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de perso-
nalidade jurídica –, com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos

53
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) a obtenção de certidões89 em repartições públicas, para defesa de direitos e


esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5º, XXXIV, CF).

Súmula Vinculante 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento


prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

“A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de


admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, pa-
ra consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º,
XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exi-
gência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na práti-
ca, em determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, as-
sim, em nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada proce-
dente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1.699-41 – posteriormente
convertida na Lei 10.522/2002 –, que deu nova redação ao art. 33, § 2º, do Decreto
70.235/1972. “ (ADI 1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 28-3-2007, Ple-
90
nário, DJ de 18-5-2007.)

Deve-se ter em mente também que a atuação do Poder Judiciário deve ser exercida em
tempo razoável, afinal, a tutela efetiva é a tutela dada em tempo adequado. Assim, reconhece o
Min. Ayres Britto que
“de nada valeria a CF declarar com tanta pompa e circunstância o direito à razoável
duração do processo (e, no caso, o direito à brevidade e excepcionalidade da internação
preventiva), se a ele não correspondesse o direito estatal de julgar com presteza. Dever
que é uma das vertentes da altissonante regra constitucional de que a ‘lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (inciso XXXV do art. 5º).
Dever, enfim, que, do ângulo do indivíduo, é constitutivo da tradicional garantia de
acesso eficaz ao Poder Judiciário (‘universalização da Justiça’, também se diz).” (HC
94.000, voto do Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-2008, Primeira Turma, DJE
de 13-3-2009.)

 INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO


A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito (art. 5º,
XXXV, CF). Esta é a garantia de livre acesso ao Judiciário e de inafastabilidade da jurisdição.91

tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva” (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário,
DJ de 8-9-1995).
89
“O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma
determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o
esclarecimento de situações. A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa
pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil públi-
ca. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando im-
pregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públi-
cas.” (RE 472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-2008, Segunda Turma, DJE de 29-8-2008.) No mesmo sentido: RE
167.118-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 28-5-2010.
90
No mesmo sentido: ADPF 156, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 18-8-2011, Plenário, DJE de 28-10-2011.
91
“Não há confundir negativa de prestação jurisdicional com decisão jurisdicional contrária à pretensão da parte" (AI 135.850-AgR, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento em 23-4-1991, Segunda Turma, DJ de 24-5-1991). No mesmo sentido: AI 791.441-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.

54
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Nesse sentido, o STF entende que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito
tributário (Súmula Vinculante 28).

Ainda referente às custas, mesmo em processos judiciais, em que pese seja necessário o
pagamento, o valor das custas não pode se mostrar abusivo. Esse entendimento é relevante nos
casos em que o valor da causa era demasiadamente elevado, gerando, assim, custas que
ultrapassavam os critérios de razoabilidade. Em razão disso, o STF editou a Súmula 667:
Súmula 667. Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária
calculada sem limite sobre o valor da causa.

Também é pacífico o entendimento de que não é necessário o esgotamento da via


administrativa para recorrer ao judiciário, entendimento que se estende, inclusive, no que se refere
ao direito previdenciário.

“No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Poder-se-ia partir para a distinção, colocando-se,
em planos diversos, a exclusão propriamente dita e a condição de esgotar-se, antes do
ingresso em juízo, uma determinada fase. Todavia, a interpretação sistemática da Lei
Fundamental direciona a ter-se o preceito com outro alcance, o que é reforçado pelo
dado histórico, ante a disciplina pretérita. O próprio legislador constituinte de 1988
limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase administrativa, para chegar-se à
formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto, (...) no § 1º do art. 217
(...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma
mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o
empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase
administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a
envolver disciplina e competições, sendo que a chamada justiça desportiva há de atuar
dentro do prazo máximo de sessenta dias, contados da formalização do processo,
proferindo, então, decisão final – § 2º do art. 217 da CF. Também tem-se aberta exceção
ao princípio do livre acesso no campo das questões trabalhistas. Entrementes, a norma
que versa sobre o tema está limitada aos chamados dissídios coletivos, às ações
coletivas, no que se previu, no § 2º do art. 114 da CF (...).” (ADI 2.139-MC e ADI 2.160-
MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13-5-2009, Plenário, DJE de
23-10-2009).

O livre acesso é, contudo, limitado pela capacidade postulatória. Já reconheceu o STF92 que
“A CR estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais
(art. 5º, XXXIV, a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade
postulatória litigar em juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a
presença de um advogado, considerado ‘indispensável à administração da justiça’ (art.
133 da CF e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no
rol das exceções, as ações protocoladas nos juizados especiais cíveis, nas causas de valor
até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da
CLT), não fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.”

92
AO 1.531-AgR, voto da Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2009

55
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Há, contudo, exceções, em que são dispensáveis a necessidade de advogado:


“Ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiais federais. Lei 10.259/2001, art.
10. Dispensabilidade de advogado nas causas cíveis. Imprescindibilidade da presença de
advogado nas causas criminais. Aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995. Interpretação
conforme a Constituição. É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às
partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos
juizados especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o STF já
firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo,
portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante
os juizados especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem compa-
recer pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a
causa não ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259/2001) e
sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9º da Lei
9.099/1995. Já quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio
da ampla defesa, é imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompa-
nhado de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de
advogado devidamente inscrito nos quadros da OAB ou defensor público. Aplicação sub-
sidiária do art. 68, III, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme, para excluir do âmbi-
to de incidência do art. 10 da Lei 10.259/2001 os feitos de competência dos juizados es-
peciais criminais da Justiça Federal.” (ADI 3.168, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento
em 8-6-2006, Plenário, DJ de 3-8-2007).

Por fim, deve ser destacado que, conforme entendimento do STF, não caracteriza violação
à inafastabilidade da jurisdição o arquivamento de execução fiscal por insignificância, a
arbitragem e a execução extrajudicial:
“Execução fiscal – Insignificância da dívida ativa em cobrança – Ausência do interesse de
agir – Extinção do processo (...). O STF firmou orientação no sentido de que as decisões,
que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do
interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do
valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (...) e da
inafastabilidade do controle jurisdicional (...).” (AI 679.874-AgR, Rel. Min. Celso de Mel-
93
lo, julgamento em 4-12-2007, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2008).

“Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; dis-


cussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmen-
te acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução
de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universa-
lidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declara-
da pelo Plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de
vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a
permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em
firmar o compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF.” (SE 5.206-AgR, Rel. Min. Se-
púlveda Pertence, julgamento em 12-12-2001, Plenário, DJ de 30-4-2004).

“Execução extrajudicial. Recepção, pela Constituição de 1988, do DL 70/1966. Esta Corte, em


vários precedentes (assim, a título exemplificativo, nos RE 148.872, RE 223.075 e RE 240.361),
tem-se orientado no sentido de que o DL 70/1966 é compatível com a atual Constituição, não

93
Em sentido contrário: RE 591.033, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 25-2-2011, com repercussão
geral.

56
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

se chocando, inclusive, com o disposto nos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º desta, razão por que
foi por ela recebido.” (RE 287.453, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-09-
94
2001, Primeira Turma, DJ de 26-10-2001).

 DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍDICO PERFEITO E COISA JULGADA


A lei não prejudicará do direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º,
XXXVI, CF).

Direito adquirido é o direito já incorporado ao patrimônio do titular. Difere da expectativa de


direito (por exemplo: aposentadoria já concedida e aposentadoria a ser conseguida daqui a alguns
meses).

Ato jurídico perfeito é aquele que já se completou em todas as suas fases, segundo a lei
vigente da época, tornando-se apto para produzir os seus efeitos.

Já a coisa julgada é a prestação jurisdicional contra a qual não cabe mais recurso.95

Sobre essa matéria, o STF já editou diversas súmulas, entre elas:


Súmula Vinculante 1. Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão
que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficá-
cia de acordo constante de termo de adesão instituído pela LC 110/2001.

Súmula 654. A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da CF, não é
invocável pela entidade estatal que a tenha editado.

Súmula 524. Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do


promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas.

Súmula 239. Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado e-


xercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.

Não há direito adquirido com relação ao regime jurídico, reconhece o STF que
“a supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as
eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja
invocado o direito adquirido.” (ADI 248, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-
1993, Primeira Turma, DJ de 8-4-1994).

Também não há falar em direito adquirido com relação à interpretação da lei:


“O que regula os proventos da inatividade é a lei (e não sua interpretação) vigente ao
tempo em que o servidor preencheu os requisitos para a respectiva (Súmula 359/STF).
Somente a lei pode conceder vantagens a servidores públicos. Inexiste direito adquirido

94
No mesmo sentido: AI 663.578-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-8-2009, Segunda Turma, DJE de 28-8-2009.
95
“A coisa julgada a que se refere o art. 5º, XXXVI, da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do art. 6º da Lei de Introdução do Código
Civil, a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada coisa julgada administrativa” (RE 144.996, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 29-4-1997, Primeira Turma, DJ de 12-9-1997).

57
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

com fundamento em antiga e superada interpretação da lei.” (MS 26.196, Rel. Min.
Ayres Britto, julgamento em 18-11-2010, Plenário, DJE de 1º-2-2011).

Nos casos de benefícios fiscais concedidos em lei, não há falar em direito adquirido quando
os fatos gerados são anteriores à vigência da lei. Nesse sentido:
“Imposto de renda. Dedução de prejuízos fiscais. Limitações. Arts. 42 e 58 da Lei
8.981/1995. Constitucionalidade. Ausência de violação do disposto nos arts. 150, III, a e
b, e 5º, XXXVI, da CF. O direito ao abatimento dos prejuízos fiscais acumulados em
exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do contribuinte.
Instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado. Ausência de direito
adquirido. A Lei 8.981/1995 não incide sobre fatos geradores ocorridos antes do início
de sua vigência. Prejuízos ocorridos em exercícios anteriores não afetam fato gerador
nenhum.” (RE 344.994, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 25-3-2009, Plenário,
DJE de 28-8-2009).

Há, contudo, direito adquirido com relação à direitos já incorporados ao patrimônio, ainda
que tais direitos venham a ser revogados por lei infraconstitucional posterior:
“O STF fixou entendimento no sentido de que a lei nova não pode revogar vantagem
pessoal já incorporada ao patrimônio do servidor sob pena de ofensa ao direito
adquirido.” (AI 762.863-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-10-2009, Segunda
Turma, DJE de 13-11-2009).

Como não há direito adquirido em face do regime jurídico, entende o STF que as condições
para a concessão de aposentadoria devem ser observadas com base no momento de sua
formalização:
“Art. 2º e expressão '8º' do art. 10, ambos da EC 41/2003. Aposentadoria. Tempus regit
actum. Regime jurídico. Direito adquirido: não ocorrência. A aposentadoria é direito
constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no
momento de sua formalização pela entidade competente. Em questões previdenciárias,
aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a
inatividade. Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos
na EC 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas, poderiam reclamar a
aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da EC 41/2003. Os
servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a aposentadoria
quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo
regime previdenciário estatuído na EC 41/2003, posteriormente alterada pela EC
47/2005. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 3.104, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007).

Tem-se admitido a relativização da coisa julgada em alguns casos, principalmente em razão


do avanço científico. Um bom exemplo disso é a possibilidade de divisão de ação declaratória de
paternidade em razão da realização de exame de DNA:
“(...) o Plenário, por maioria, proveu recurso extraordinário em que discutida a
possibilidade, ou não, de superação da coisa julgada em ação de investigação de
paternidade (...). Decretou-se a extinção do processo original sem julgamento do mérito
e permitiu-se o trâmite da atual ação de investigação de paternidade.” (RE 363.889, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgamento em 2-6-2011, Plenário, Informativo 629, com repercussão
geral)

58
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“(...) Na situação dos autos, a genitora do autor não possuía, à época, condições
financeiras para custear exame de DNA. Reconheceu-se a repercussão geral da questão
discutida, haja vista o conflito entre o princípio da segurança jurídica, consubstanciado
na coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), de um lado; e a dignidade humana, concretizada no
direito à assistência jurídica gratuita (CF, art. 5º, LXXIV) e no dever de paternidade
responsável (CF, art. 226, § 7º), de outro. (...) O Min. Dias Toffoli, Relator, proveu o
recurso para decretar a extinção do processo original sem julgamento do mérito e
permitir o trâmite da atual ação de investigação de paternidade. Inicialmente, discorreu
sobre o retrospecto histórico que culminara na norma contida no art. 226, § 7º, da CF
(...), dispositivo que teria consagrado a igualdade entre as diversas categorias de filhos,
outrora existentes, de modo a vedar qualquer designação discriminatória que fizesse
menção à sua origem. A seguir, destacou a paternidade responsável como elemento a
pautar a tomada de decisões em matérias envolvendo relações familiares. Nesse sentido,
salientou o caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível do reconhecimento do
estado de filiação, considerada a preeminência do direito geral da personalidade. Aduziu
existir um paralelo entre esse direito e o direito fundamental à informação genética,
garantido por meio do exame de DNA. No ponto, asseverou haver precedentes da Corte
no sentido de caber ao Estado providenciar aos necessitados acesso a esse meio de
prova, em ações de investigação de paternidade. Reputou necessária a superação da
coisa julgada em casos tais, cuja decisão (...) se dera por insuficiência de provas.
Entendeu que, a rigor, a demanda deveria ter sido extinta nos termos do art. 267, IV, do
CPC (...), porque se teria mostrado impossível a formação de um juízo de certeza sobre o
fato. Aduziu, assim, que se deveria possibilitar a repropositura da ação, de modo a
concluir-se sobre a suposta relação de paternidade discutida. Afirmou que o princípio da
segurança jurídica não seria, portanto, absoluto, e que não poderia prevalecer em
detrimento da dignidade da pessoa humana, sob o prisma do acesso à informação
genética e da personalidade do indivíduo. Assinalou não se poder mais tolerar a
prevalência, em relações de vínculo paterno-filial, do fictício critério da verdade legal,
calcado em presunção absoluta, tampouco a negativa de respostas acerca da origem
biológica do ser humano, uma vez constatada a evolução nos meios de prova voltados
para esse fim.” (RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 7-4-2011, Plenário,
Informativo 622, com repercussão geral).

Também é admitido, em casos criminais, o desarquivamento por novas provas:


“A decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério
Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está
coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem
novas provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza
a Súmula 524 deste STF.” (HC 95.211, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-3-2009,
Primeira Turma, DJE de 22-8-2011).

A coisa julgada pode, ainda, ser afetada pela declaração de inconstitucionalidade da lei que
embase a argumentação da sentença. Assim, um título judicial lastreado em lei que venha ser
declarada inconstitucional pode ser desconstituído. Contudo, a desconstituição não ocorre
automaticamente, para isso é necessária a propositura de ação rescisória.
“A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante
ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido
proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de

59
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível


de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação
que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em
sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de
constitucionalidade. A decisão do STF que haja declarado inconstitucional determinado
diploma legislativo em que se apoie o título judicial, ainda que impregnada de eficácia ex
tunc, como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada
(RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 – RTJ 201/765), detém-se ante a autoridade da coisa
julgada, que traduz, nesse contexto, limite insuperável à força retroativa resultante dos
pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte.” (RE 594.350, Rel. Min.
Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010).

São admissíveis no sistema jurídico brasileiro a aplicação de leis interpretativas, inclusive em


caráter retroativo, contudo, devem ser observados alguns requisitos, expressamente previstos pela
Constituição, em ordem a inibir a ação do poder público eventualmente configuradora de restrição
gravosa ao status libertatis da pessoa (art. 5º, XL, CF), ao status subjectionais do contribuinte em
matéria tributária (art. 150, III, “a”, CF) e a ‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais
(art. 5º, XXXVI, CF). Ou seja, para a prescrição de atos normativos com efeitos retroativos, não
podem ocorrer nenhuma das situações referidas.

Sobre esse tema, já reconheceu o STF:


“Quando do advento da LC 118/2005, estava consolidada a orientação da Primeira Se-
ção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação,
o prazo para repetição ou compensação de indébito era de dez anos contados do seu fa-
to gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º; 156, VII; e 168, I,
do CTN. A LC 118/2005, embora tenha se autoproclamado interpretativa, implicou ino-
vação normativa, tendo reduzido o prazo de dez anos contados do fato gerador para
cinco anos contados do pagamento indevido. (...) A aplicação retroativa de novo e redu-
zido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei
nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo
então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamen-
to quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, impli-
cam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confi-
ança e de garantia do acesso à Justiça. (...) Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º,
segunda parte, da LC 118/2005, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de
cinco anos tão somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias,
ou seja, a partir de 9-6-2005.” (RE 566.621, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-8-
2011, Plenário, DJE de 11-10-2011, com repercussão geral).

No tema dos concursos, o fundamento do ato jurídico perfeito, é usado para justificar a
necessidade do poder público em respeitar as determinações impostas pelos editais publicados:
“Dentro do prazo de validade do concurso, a administração poderá escolher o momento
no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a
qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e,
dessa forma, um dever imposto ao Poder Público. Uma vez publicado o edital do
concurso com número específico de vagas, o ato da administração que declara os
candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria
administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado
dentro desse número de vagas. (...) O dever de boa-fé da administração pública exige o

60
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do


concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à
segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da
segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a administração
torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de
seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela
impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as
regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do
certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de
forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança
jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o
comportamento da administração pública no decorrer do concurso público deve se
pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à
confiança nela depositada por todos os cidadãos.” (RE 598.099, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 10-8-2011, Plenário, DJE de 3-10-2011, com repercussão geral).

 VEDAÇÃO À CRIAÇÃO DE JUÍZO OU TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E POSTULADO DO


JUIZ NATURAL
A segurança jurídica, enquanto direito fundamental (art. 5º, caput, CF) e postulado à própria
configuração de um Estado democrático, demanda a estipulação de certas garantias que, em
conjunto, propiciem ao cidadão ambiente adequado para a prática de suas atividades quotidianas,
transitando pela legalidade e, acaso pratique alguma atitude considerada ilegal, tenha plenas
condições de mensurar as possíveis consequências de sua conduta. Com o respaldo do postulado
da segurança jurídica o indivíduo tem condições de antever, em termos jurídicos, as
consequências que incidem a partir da prática de qualquer conduta, agregando-se, com isso, forte
legitimidade aos atos praticados pelo Estado.

Uma das vertentes da plena incidência do postulado da segurança jurídica é a vedação à


existência de juízos ou tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Outra vertente consubstancia-se
na configuração do postulado do juiz natural,96 ou seja, do juiz equidistante dos interesses das
partes, investido de jurisdição antes do cometimento do delito submetido a seu julgamento (art.
5º, LIII, CF - “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”).97

96
"A definição constitucional das hipóteses de prerrogativa de foro ratione muneris representa elemento vinculante da atividade de
persecução criminal exercida pelo Poder Público. (...) O postulado do juiz natural, por encerrar uma expressiva garantia de ordem consti-
tucional, limita, de modo subordinante, os poderes do Estado – que fica, assim, impossibilitado de instituir juízos ad hoc ou de criar
tribunais de exceção –, ao mesmo tempo em que assegura ao acusado o direito ao processo perante autoridade competente abstrata-
mente designada na forma da lei anterior, vedados, em consequência, os juízos ex post facto" (AI 177.313-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 23-4-1996, Primeira Turma, DJ de 17-5-1996).
97
“(...) o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos,
ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao
Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional). O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia
constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exce-
ção) e assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade
competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto). (...) Vê-se (...) que a
cláusula do juiz natural, projetando-se para além de sua dimensão estritamente judicial, também compõe a garantia do due process, no
âmbito da administração pública, de tal modo que a observância do princípio da naturalidade do juízo representa, no plano da atividade
disciplinar do Estado, condição inafastável para a legítima imposição, a qualquer agente público, notadamente aos magistrados, de
sanções de caráter administrativo” (MS 28.712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-5-2010, DJE de 11-
5-2010).

61
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Súmula 704. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.

Postulado do juiz natural não é ferido pela convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para
substituir Desembargadores:
“Princípio do juiz natural. Relator substituído por Juiz convocado sem observância de
nova distribuição. Precedentes da Corte. O princípio do juiz natural não apenas veda a
instituição de tribunais e juízos de exceção, como também impõe que as causas sejam
processadas e julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado a partir de
critérios constitucionais de repartição taxativa de competência, excluída qualquer
alternativa à discricionariedade. A convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para
substituir Desembargadores não malfere o princípio constitucional do juiz natural,
autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999. O fato de o processo ter
sido relatado por um Juiz convocado para auxiliar o Tribunal no julgamento dos feitos e
não pelo Desembargador Federal a quem originariamente distribuído tampouco afronta
o princípio do juiz natural. Nos órgãos colegiados, a distribuição dos feitos entre
relatores constitui, em favor do jurisdicionado, imperativo de impessoalidade que, na
hipótese vertente, foi alcançada com o primeiro sorteio. Demais disso, não se vislumbra,
no ato de designação do Juiz convocado, nenhum traço de discricionariedade capaz de
comprometer a imparcialidade da decisão que veio a ser exarada pelo órgão colegiado
competente.” (HC 86.889, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 20-11-2007,
98
Primeira Turma, DJE de 15-2-2008).

Também não viola o princípio do juiz natural a redistribuição do processo para vara
especializada. Nesse sentido, já decidiu o STF:
“Provimento 275 do CJF da 3ª Região. Ilegalidade. Ofensa ao princípio do juiz natural.
Inocorrência. Premissa equivocada quanto à imputação feita aos pacientes. O provimen-
to apontado como inconstitucional especializou vara federal já criada, nos exatos limites
da atribuição que a Carta Magna confere aos Tribunais. A remessa para vara especiali-
zada fundada em conexão não viola o princípio do juiz natural.” (HC 91.253, Rel. Min.
99
Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Primeira Turma, DJ de 14-11-2007).

“(...) Inquérito supervisionado pelo Juiz Federal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu,
que deferiu medidas cautelares. Especialização, por Resolução do Tribunal Regional da
4ª Região, da Segunda Vara Federal de Curitiba/PR para o julgamento de crimes finan-
ceiros. Remessa dos autos ao Juízo competente. Ofensa ao princípio do juiz natural (art.
5º, XXXVII e LIII, da CF) e à reserva de lei. Inocorrência. Especializar varas e atribuir com-
petência por natureza de feitos não é matéria alcançada pela reserva da lei em sentido
estrito, porém apenas pelo princípio da legalidade afirmado no art. 5º, II, da CF, ou seja,
pela reserva da norma. (...) A legalidade da Resolução 20, do Presidente do TRF da 4ª
Região, é evidente. Não há delegação de competência legislativa na hipótese e, pois, in-
constitucionalidade (...).” (HC 85.060, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-9-
2008, Primeira Turma, DJE de 13-2-2009).

98
No mesmo sentido: RE 597.133, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 6-4-2011, com
repercussão geral.
99
No mesmo sentido: HC 96.104 Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010, Primeira Turma, DJE de 6-8-2010.

62
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro proveniente do tráfico. Compe-


tência da Justiça Federal. Especialização de vara por resolução. Constitucionalidade: au-
sência de ofensa do princípio do juiz natural (...) Especialização de Vara Federal por reso-
lução emanada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Constitucionalidade afirma-
da pelo Pleno desta Corte. Ausência de ofensa ao princípio do juiz natural.” (HC 94.188,
Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-8-2008, Primeira Turma, DJE de 17-10-2008).

“A remessa para vara especializada fundada em conexão não viola o princípio do juiz
natural.” (HC 91.253, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Pri-
meira Turma, DJ de 14-11-2007).

O postulado do juiz natural não é violado quando há e delegação, a Juiz de 1º grau de


jurisdição, da prática de atos afetos à instrução de processo originário no Tribunal, como, por
exemplo, a interrogação dos réus:
“Questão de ordem. Ação penal originária. Interrogatório. Juiz natural. Ofensa.
Inocorrência. Possibilidade de delegação. Constitucionalidade. A garantia do juiz natural,
prevista nos incisos LIII e XXXVII do art. 5º da CF, é plenamente atendida quando se
delegam o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais
das respectivas Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio. Precedentes citados.”
(AP 470-QO, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 6-12-2007, Plenário, DJE de 14-
3-2008).

 ALGUNS JULGADOS SOBRE ESTE TEMA:


- Postulado do juiz natural e desaforamento:
“Juiz natural de processo por crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri. Mas o
local do julgamento pode variar, conforme as normas processuais, ou seja, conforme
ocorra alguma das hipóteses de desaforamento previstas no art. 424 do CPP, que não
são incompatíveis com a Constituição anterior nem com a atual (de 1988) e também não
ensejam a formação de um 'tribunal de exceção'.” (HC 67.851, Rel. Min. Sydney Sanches,
100
julgamento em 24-4-1990, Plenário, DJ de 18-5-1990).

- Foro por prerrogativa de função e atos investigatórios:


“A inobservância da prerrogativa de foro conferida a Deputado Estadual, ainda que na
fase pré-processual, torna ilícitos os atos investigatórios praticados após sua
diplomação.” (HC 94.705, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-6-
2009, Primeira Turma, DJE de 7-8-2009).

- Foro por prerrogativa de função e desmembramento do processo:


“A racionalidade dos trabalhos do Judiciário direciona ao desmembramento do processo
para remessa à primeira instância, objetivando a sequência no tocante aos que não
gozem de prerrogativa de foro, preservando-se com isso o princípio constitucional do juiz

100
No mesmo sentido: HC 103.646, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 24-8-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-10-2010.

63
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

natural.” (AP 351, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de
101
17-9-2004).

 ANTERIORIDADE DA LEI PENAL


Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º,
XXXIX, CF). Trata-se do princípio da legalidade em matéria penal. Saliente-se que engloba tanto a
previsão anterior da tipicidade (conduta penalmente relevante) quanto a anterior previsão de pena
a ser aplicada no caso de eventual prática da conduta proibida. Trata-se, também, de proibição ao
tratamento, via instrumentos normativos inferiores à lei ordinária (decretos, instruções normativas,
circulares, etc.), bem como via medida provisória (vedação esta que está especificamente
explicitada no art. 62, § 1º, I, “b”, CF).

“A incidência de duas circunstâncias qualificadoras não determina, necessariamente, a


fixação de regime de pena mais gravoso do que o estabelecido na lei nem a vedação da
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Somente o
legislador penal pode estabelecer proibições para a fixação do regime aberto de
cumprimento da pena e para a substituição da pena.” (RHC 100.810, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 2-2-2010, Segunda Turma, DJE de 12-3-2010).

“Não pode o julgador, por analogia, estabelecer sanção sem previsão legal, ainda que
para beneficiar o réu, ao argumento de que o legislador deveria ter disciplinado a
situação de outra forma. Em face do que dispõe o § 4º do art. 155 do CP, não se mostra
possível aplicar a majorante do crime de roubo ao furto qualificado.” (HC 92.626, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-3-2008, Primeira Turma, DJE de 2-5-
2008).

 IRRETORATIVIDADE DA LEI PENAL


A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, CF). Trata-se do princípio da
irretroatividade da lei penal mais gravosa.102 Anote-se que a retroatividade da lei mais benéfica
alcança até mesmo as questões já julgadas.103

Sobre esta matéria, destacam as seguintes súmulas e jurisprudências:


Súmula 711, STF. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime
permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanên-
cia.

Súmula 611, STF. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das
execuções a aplicação de lei mais benigna.

101
No mesmo sentido: Inq 2.168-ED, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 15-4-2009, Plenário, DJE de 28-8-2009.
102
"A cláusula constitucional inscrita no art. 5º, XL, da Carta Política – que consagra o princípio da irretroatividade da lex gravior – incide,
no âmbito de sua aplicabilidade, unicamente, sobre as normas de direito penal material, que, no plano da tipificação, ou no da definição
das penas aplicáveis, ou no da disciplinação do seu modo de execução, ou, ainda, no do reconhecimento das causas extintivas da punibi-
lidade, agravem a situação jurídico-penal do indiciado, do réu ou do condenado" (AI 177.313-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamen-
to em 18-6-1996, Primeira Turma, DJ de 13-9-1996).
103
“Não retroatividade da lei mais benigna para alcançar pena já cumprida” (RE 395.269-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
10-2-2004, Segunda Turma, DJ de 5-3-2004).

64
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Alteração do CPP e tempus regit actum:


“A Lei 12.403/2011, na parte em que alterou o quantum da pena máxima para
concessão de fiança, é nitidamente processual e por isso se aplica o princípio do tempus
regit actum, não o da retroatividade da lei penal mais benéfica.” (ARE 644.850-ED, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-10-2011, Segunda Turma, DJE de 4-11-2011).

- Tráfico de entorpecentes. Comercialização de ‘lança-perfume’. Abolitio criminis:


“(...) A edição, por autoridade competente e de acordo com as disposições regimentais,
da Resolução ANVISA 104, de 7/12/2000, retirou o cloreto de etila da lista de substâncias
psicotrópicas de uso proscrito durante a sua vigência, tornando atípicos o uso e tráfico
da substância até a nova edição da Resolução, e extinguindo a punibilidade dos fatos
ocorridos antes da primeira portaria, nos termos do art. 5º, XL, da CF.” (HC 94.397, Rel.
Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-3-2010, Segunda Turma, DJE de 23-4-2010).

- Cumprimento de pena. Crimes hediondos:


“A fixação do regime inicial fechado de cumprimento de pena para os crimes hediondos
decorre de expressa previsão legal. A Lei 11.464/2007, no que tange à alteração
promovida na redação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, deve ter aplicação retroativa
por ser considerada mais benéfica ao sentenciado.” (HC 97.984, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 17-11-2009, Primeira Turma, DJE de 18-12-2009).

- Tráfico de drogas. Conversão de pena:


“Advento da nova lei de drogas (Lei 11.343/2006), cujo art. 44 veda, expressamente,
quanto aos delitos nele referidos, a conversão, em penas restritivas de direito, da pena
privativa de liberdade. Inaplicabilidade, contudo, desse novo diploma legislativo (lex
gravio) a crimes cometidos em momento anterior, quando ainda vigente a
Lei 6.368/1976 (lex mitior).” (HC 95.662, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-4-
104
2009, Segunda Turma, DJE de 26-6-2009.)

- Crime continuado e advento de lei mais severa:


“Direito intertemporal: ultra-atividade da lei penal quando, após o início do crime
continuado, sobrevém lei mais severa. Crime continuado (CP, art. 71, caput): delitos
praticados entre março de 1991 e dezembro de 1992, de forma que estas 22 (vinte e
duas) condutas devem ser consideradas, por ficção do legislador, como um único crime,
iniciado, portanto, na vigência de lex mitior (art. 2º, II, da Lei 8.137, de 27-12-1990) e
findo na vigência de lex gravior (art. 95, d e § 1º, da Lei 8.212, de 24-7-1991). Conflito de
leis no tempo que se resolve mediante opção por uma de duas expectativas possíveis:
retroatividade da lex gravior ou ultra-atividade da lex mitior, vez que não se pode cogitar
da aplicação de duas penas diferentes, uma para cada período em que um mesmo e
único crime foi praticado. Orientação jurisprudencial do Tribunal no sentido da aplicação
da lex gravior. Ressalva do ponto de vista do Relator, segundo o qual, para o caso de
crime praticado em continuidade delitiva, em cujo lapso temporal sobreveio lei mais

104
No mesmo sentido: HC 103.093, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-10-2010.

65
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

severa, deveria ser aplicada a lei anterior – lex mitior – reconhecendo-se a sua ultra-
atividade por uma singela razão: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu
(Constituição, art. 5º, XL).” (HC 76.978, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-9-
1998, Segunda Turma, DJ de 19-2-1999).

 DEVIDO PROCESSO LEGAL


Quer dizer que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal (art. 5º, LIV, CF). O devido processo legal, na concepção clássica, contenta-se com a legalidade
externa, formal, dos atos praticados. Basta que o ato esteja de acordo com previsão legal para que
se afirme o pleno respeito ao devido processo legal procedimental. Atualmente, a perspectiva é
outra: há possibilidade de se analisar a proporcionalidade e a razoabilidade dos atos. É a análise
do aspecto substancial do devido processo legal. Os postulados da proporcionalidade e da
razoabilidade são instrumentos aptos a possibilitar a verificação dos atos praticados pelo Poder
Público.105

A tradicional concepção do controle, pelo Judiciário, dos atos praticados pelo Executivo não
admitia a “intromissão” nas questões protegidas pelo manto da legalidade. Vale dizer: uma vez
verificada a legalidade do ato não caberia ao Judiciário analisar o aspecto substancial do ato. A
análise era puramente procedimental; externa; superficial.

Hoje em dia, entretanto, há forte tendência doutrinária e jurisprudencial que admite estar o
Judiciário apto à verificação da pertinência relativa entre o ato praticado e o fim almejado pelo
executor. A isso se tem denominado análise da razoabilidade e da proporcionalidade de um ato
administrativo que externamente até pode ser reputado legal. As perguntas passam a ser
formuladas pelo julgador. Inquire-se: ainda que (ou apesar de) legal, o ato praticado é razoável? É
proporcional? As premissas seriam as seguintes:
a) adequação (se o meio utilizado foi a melhor opção dentre as possíveis);
b) necessidade (se a magnitude da intervenção era mesmo imperiosa); e
c) proporcionalidade em sentido estrito (exame da relação custo-benefício; verificação
entre o fim almejado e o meio empregado).

Sobre o tema:
Súmula Vinculante 24. Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto
no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso


amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício
do direito de defesa.

105
“Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e
processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process
– constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reaso-
nableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer
atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento
judicial justo, com direito de defesa.” (ADI 1.511-MC, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-10-1996, Plenário, DJ de 6-6-
2003).

66
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Súmula 704, STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.

Súmula 323, STF. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos.

Súmula 70, STF. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo


para cobrança de tributo.

- Devido processo legal no âmbito administrativo:


“O entendimento desta Corte é no sentido de que o princípio do devido processo legal, de
acordo com o texto constitucional, também se aplica aos procedimentos administrativo.”
(AI 592.340-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 20-11-2007, Primeira
Turma, DJ de 14-12-2007).

- Devido processo legal e ordem de perguntas em audiência:


“A magistrada que não observa o procedimento legal referente à oitiva das testemunhas
durante a audiência de instrução e julgamento, fazendo suas perguntas em primeiro
lugar para, somente depois, permitir que as partes inquiram as testemunhas, incorre em
vício sujeito à sanção de nulidade relativa, que deve ser arguido oportunamente, ou seja,
na fase das alegações finais, o que não ocorreu.” (HC 103.525, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 3-8-2010, Primeira Turma, DJE de 27-8-2010).

- Devido processo legal substancial. Tipicidade Penal. Proporcionalidade:


“Receptação simples (dolo direto) e receptação qualificada (dolo indireto eventual).
Cominação de pena mais leve para o crime mais grave (CP, art. 180, caput) e pena mais
severa para o crime menos grave (CP, art. 180, § 1º). (...) O exame da adequação de
determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o
controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-
se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das
prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado
pela jurisprudência do STF, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não
pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele
deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Entendo, por isso
mesmo, que a tese exposta nesta impetração revela-se juridicamente plausível,
especialmente se se considerar a jurisprudência constitucional do STF, que já assentou, a
propósito do tema, a orientação de que transgride o postulado do devido processo legal
(CF, art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material (substantive due process of law), a
regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da
irrazoabilidade.” (HC 102.094-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 1º-7-2010, DJE de 2-8-2010).

Sobre o direito de apelar em liberdade:

67
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Violação aos princípios da igualdade e da ampla defesa. (...) O recolhimento do conde-


nado à prisão não pode ser exigido como requisito para o conhecimento do recurso de
apelação, sob pena de violação aos direitos de ampla defesa e à igualdade entre as par-
tes no processo. Não recepção do art. 594 do CPP da Constituição de 1988.” (RHC
83.810, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 5-3-2009, Plenário, DJE de 23-10-
2009).

“Art. 595 do CPP. Apelação julgada deserta em razão do não recolhimento do réu à pri-
são. Violação aos direitos e garantias individuais e aos princípios do Direito. (...) O não
recolhimento do réu à prisão não pode ser motivo para a deserção do recurso de apela-
ção por ele imposto. O art. 595 do CPP instituiu pressuposto recursal draconiano, que vi-
ola o devido processo legal, a ampla defesa, a proporcionalidade e a igualdade de tra-
tamento entre as partes no processo. (...).” (HC 84.469, Rel. Min. Joaquim Barbosa, jul-
gamento em 15-4-2008, Segunda Turma, DJE de 9-5-2008).

“Lei do crime organizado (art. 7º). Vedação legal apriorística de liberdade provisória. Con-
venção de Parlermo (art. 11). Inadmissibilidade de sua invocação. (...) Cláusulas inscritas nos
textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades ju-
diciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem,
em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso
sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, dentre outros prin-
cípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem
persecução penal instaurada pelo Estado. A vedação apriorística de concessão de liberdade
provisória é repelida pela jurisprudência do STF, que a considera incompatível com a presun-
ção de inocência e com a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados na
Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito. Precedente:
ADI 3.112/DF. A interdição legal in abstracto, vedatória da concessão de liberdade provisó-
ria, incide na mesma censura que o Plenário do STF estendeu ao art. 21 do Estatuto do De-
sarmamento (ADI 3.112/DF), considerados os postulados da presunção de inocência, do due
process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, analisado este na
perspectiva da proibição do excesso. O legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição
da existência de situação de real necessidade capaz de viabilizar a utilização, em cada situa-
ção ocorrente, do instrumento de tutela cautelar penal. Cabe, unicamente, ao Poder Judiciá-
rio, aferir a existência, ou não, em cada caso, da necessidade concreta de se decretar a pri-
são cautelar.” (HC 94.404, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-2008, Segunda
Turma, DJE de 18-6-2010).

“Tráfico de entorpecentes. (...) Prisão em flagrante. Óbice ao apelo em liberdade. In-


constitucionalidade: necessidade de adequação do preceito veiculado pelo art. 44 da Lei
11.343/2006 e do art. 5º, XLII, aos arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da constituição do Brasil.
(...) Apelação em liberdade negada sob o fundamento de que o art. 44 da Lei
11.343/2006 veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpe-
centes. Entendimento respaldado na inafiançabilidade desse crime, estabelecida no art.
5º, XLIII, da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de
inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. Inexistência de
antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma in-
fraconstitucional e da veiculada no art. 5º, XLIII, da Constituição do Brasil. A regra esta-
belecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A
prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o art. 5º, XLIII, estabele-
ce, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre
normas estaria instalado. A inafiançabilidade não pode e não deve – considerados os

68
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa


e do devido processo legal – constituir causa impeditiva da liberdade provisória. Não se
nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade
aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a socie-
dade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no or-
denamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em
situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tem-
pus. Impõe-se porém ao Juiz, nesse caso o dever de explicitar as razões pelas quais al-
guém deva ser preso cautelarmente, assim permanecendo.” (HC 101.505, Rel. Min. Eros
106
Grau, julgamento em 15-12-2009, Segunda Turma, DJE de 12-2-2010).

- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Necessidade:
“Necessidade de notificação prévia (CPP, art. 514). É da jurisprudência do Supremo
Tribunal (v.g. HC 73.099, Primeira Turma, 3-10-1995, Moreira, DJ de 17-5-1996) que o
procedimento previsto nos arts. 513 e seguintes do CPP se reserva aos casos em que a
denúncia veicula tão somente crimes funcionais típicos (CP, arts. 312 a 326). (...) Ao
julgar o HC 85.779, Gilmar, Informativo STF 457, o Plenário do Supremo Tribunal,
abandonando entendimento anterior da jurisprudência, assentou, como obter dictum,
que o fato de a denúncia se ter respaldado em elementos de informação colhidos no
inquérito policial, não dispensa a obrigatoriedade da notificação prévia (CPP, art. 514) do
acusado.” (HC 89.686, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-6-2007, Primeira
107
Turma, DJ de 17-8-2007).

- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade relativa:
“A ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do CPP constitui vício que gera
nulidade relativa e deve ser arguida oportunamente, sob pena de preclusão.
Precedentes. O princípio do pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo
concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato,
pois não se declara nulidade processual por mera presunção. Precedentes. A
jurisprudência deste STF assentou o entendimento de que o art. 514 do CPP tem por
objetivo ‘dar ao réu-funcionário a possibilidade de evitar a instauração de processo
temerário, com base em acusação que já a defesa prévia ao recebimento da denúncia
poderia, de logo, demonstrar de todo infundada. Obviamente, após a sentença
condenatória, não se há de cogitar de consequência de perda dessa oportunidade de
todo superada com a afirmação, no mérito, da procedência da denúncia’ (HC 72.198, DJ
de 26-5-1995).” (HC 97.033, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-5-2009, Primeira
Turma, DJE de 12-6-2009).

- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade absoluta:

106
Em sentido contrário: HC 108.652, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-8-2011, Primeira Turma, DJE de 8-9-2011.
107
No mesmo sentido: HC 95.969, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 12-6-2009; HC
96.058, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.

69
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Delito de concussão (...). Funcionário público. Oferecimento de denúncia. Falta de


notificação do acusado para resposta escrita. Art. 514 do CPP. Prejuízo. Nulidade.
Ocorrência. (...) O prejuízo pela supressão da chance de oferecimento de resposta
preliminar ao recebimento da denúncia é indissociável da abertura em si do processo
penal. Processo que, no caso, resultou em condenação, já confirmada pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no patamar de 3 (três) anos de reclusão. Na concreta
situação dos autos, a ausência de oportunidade para o oferecimento da resposta
preliminar na ocasião legalmente assinalada revela-se incompatível com a pureza do
princípio constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, mormente em matéria
penal. Noutros termos, a falta da defesa preliminar à decisão judicial quanto ao
recebimento da denúncia, em processo tão vincado pela garantia constitucional da
ampla defesa e do contraditório, como efetivamente é o processo penal, caracteriza vício
insanável. A ampla defesa é transformada em curta defesa, ainda que por um momento,
e já não há como desconhecer o automático prejuízo para a parte processual acusada,
pois o fato é que a garantia da prévia defesa é instituída como possibilidade concreta de
a pessoa levar o julgador a não receber a denúncia ministerial pública. Logo, sem a
oportunidade de se contrapor ao Ministério Público quanto à necessidade de instauração
do processo penal – objetivo da denúncia do Ministério Público –, a pessoa acusada
deixa de usufruir da garantia da plenitude de defesa para escapar à pecha de réu em
processo penal. O que traduz, por modo automático, prejuízo processual irreparável, pois
nunca se pode saber que efeitos produziria na subjetividade do magistrado processante
a contradita do acusado quanto ao juízo do recebimento da denúncia.” (HC 95.712, Rel.
Min. Ayres Britto, julgamento em 20-4-2010, Primeira Turma, DJE de 21-5-2010).

- Prescrição em perspectiva (ou virtual):


“Esta Suprema Corte, em diversos precedentes, já afastou a aplicação da prescrição em
perspectiva da pretensão punitiva estatal por falta de previsão legal.” (Inq 2.728, Rel.
108
Min. Menezes Direito, julgamento em 19-2-2009, Plenário, DJE de 27-3-2009).

- Ausência de alegações finais em processo penal. Necessidade de nomeação de defensor


dativo:
“Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído.
Intimação prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta.
Medida não providenciada pelo juízo. Julgamento subsequente da causa. Condenação do
réu. Inadmissibilidade. Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido
processo legal. Nulidade processual absoluta. Pronúncia. (...) Padece de nulidade
absoluta o processo penal em que, devidamente intimado, o advogado constituído do
réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes de proferir sentença
condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta.” (HC
92.680, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 11-3-2008, Primeira Turma, DJE de 25-4-
109
2008).

- Interrogatório por videoconferência:

108
No mesmo sentido: HC 97.599, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE de 16-4-2010.
109
No mesmo sentido: HC 95.667, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2010.

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Ação penal. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência.


Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a
cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla
defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do
local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da
igualdade e da publicidade. (...) Enquanto modalidade de ato processual não prevista no
ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado
mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação
alguma, nem citação do réu.” (HC 88.914, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-8-
110
2007, Segunda Turma, DJ de 5-10-2007).

- Interceptação telefônica. Transcrição integral das escutas. Desnecessidade:


“Habeas corpus. Medida cautelar. Processual penal. Pedido de liminar para garantir à
defesa do paciente o acesso à transcrição integral das escutas telefônicas realizadas no
inquérito. Alegação de ofensa ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF):
inocorrência: liminar indeferida. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das
degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são
investigados os ora pacientes, pois bastam que se tenham degravados os excertos
necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição,
ofensa ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF). Liminar indeferida.” (HC
91.207-MC, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11-6-2007, Plenário, DJ de
111
21-9-2007).

- Crime societário. Denúncia. Necessidade de individualização das condutas:


“Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492, de 1986). Crime societário.
Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos
acusados. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários,
entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado,
bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela
condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos.
(...) Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados.
Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa,
contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).” (HC
86.879, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 21-2-2006, Segunda Turma, DJ
de 16-6-2006).

- Denúncia anônima. Instauração de Inquérito Policial:


“(...) (a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente
considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que peças apócrifas não
podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem
produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito

110
Esta decisão foi tomada antes da alteração do Código de Processo Penal pela Lei nº 11.9000/2009. Com a alteração do CPP, o artigo
185, 2º passou a admitir a videoconferência: “Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das
partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de
sons e imagens em tempo real”.
111
No mesmo sentido: Inq 2.774, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-4-2011, Plenário, DJE de 6-9-2011.

71
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

(como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como
ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o
delito de ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.); (b) nada impede, contudo, que o
Poder Público provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas
informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e
discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com
o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover,
então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim,
completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas; e (c) o
Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito
policial, também pode formar a sua opinio delicti com apoio em outros elementos de
convicção que evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios
suficientes de sua autoria, desde que os dados informativos que dão suporte à acusação
penal não tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos anônimos.” (Inq
1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-2005,
112
Plenário, DJ de 11-11-2005).

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Habeas Corpus 126292/SP, Relator


Ministro Teori Zavascki, alterou entendimento consolidado no tocante à impossibilidade de
execução provisória da pena privativa de liberdade na pendência de recursos especial ou
extraordinário. A partir do julgamento do referido HC 126292/SP, a Corte, por maioria, vencidos os
Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), passou
a admitir o cumprimento de pena privativa de liberdade após a condenação em segundo grau de
jurisdição, mesmo na pendência de recursos especial ou extraordinário. Segundo o noticiado no
Informativo STF 814:
“A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de
apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência. (…) Para o sentenciante de primeiro
grau, ficaria superada a presunção de inocência por um juízo de culpa — pressuposto
inafastável para condenação —, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso,
à revisão por tribunal de hierarquia imediatamente superior. Nesse juízo de apelação, de
ordinário, ficaria definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa,
com a fixação, se fosse o caso, da responsabilidade penal do acusado. Então, ali que se
concretizaria, em seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame
de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devolutividade da matéria deduzida
na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo juízo ‘a quo’. Ao réu ficaria
assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau, respeitadas
as prisões cautelares porventura decretadas. Desse modo, ressalvada a estreita via da
revisão criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exauriria a
possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da
responsabilidade criminal do acusado. Portanto, os recursos de natureza extraordinária
não configurariam desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam
recursos de ampla devolutividade, já que não se prestariam ao debate da matéria fática
e probatória.”

112
No mesmo sentido: HC 106.664-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-5-2011, DJE de 23-5-2011; HC
99.490, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011; HC 95.244, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 23-3-2010, Primeira Turma, DJE de 30-4-2010.

72
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA


Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV,
CF). Nesse sentido:
Súmula Vinculante 28. É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito
de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédi-
to tributário.

Súmula Vinculante 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento pré-


vios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso


amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício
do direito de defesa.

Súmula Vinculante 5. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrati-


vo disciplinar não ofende a Constituição.

Súmula Vinculante 3. Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-


se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou re-
vogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da
legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Súmula 708, STF. É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da
renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.

Súmula 704, STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.

Súmula 701, STF. No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra deci-
são proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.

Súmula 523, STF. No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas
a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

- Quanto à amplitude do contraditório e da ampla defesa, já reconheceu o STF:


“(...) Afirmou-se que, a partir da CF/1988, foi erigido à condição de garantia constitucio-
nal do cidadão, quer se encontre na posição de litigante, em processo judicial, quer seja
mero interessado, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Asseverou-se que, a partir
de então, qualquer ato da administração pública capaz de repercutir sobre a esfera de
interesses do cidadão deveria ser precedido de procedimento em que se assegurasse, ao
interessado, o efetivo exercício dessas garantias.” (RE 594.296, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 21-9-2011, Plenário, Informativo 641, com repercussão geral).

- O contraditório não é, contudo, necessário em inquéritos administrativos:

73
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Descabe ter-se como necessário o contraditório em inquérito administrativo. O instru-


mento consubstancia simples sindicância visando a, se for o caso, instaurar processo
administrativo no qual observado o direito de defesa.” (RE 304.857, Rel. Min. Marco Au-
rélio, julgamento em 24-11-2009, Primeira Turma, DJE de 5-2-2010).

- Deve-se levar em conta também que não é qualquer vício que causa a nulidade do pro-
cesso, é necessário que seja demonstrada o prejuízo do réu:
“Não há, no processo penal, nulidade ainda que absoluta, quando do vício alegado não
haja decorrido prejuízo algum ao réu.” (HC 82.899, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento
113
em 2-6-2009, Segunda Turma, DJE de 26-6-2009).

- Demissão de servidor público. Processo administrativo. Necessidade:


“A jurisprudência desta Corte tem-se fixado no sentido de que a ausência de processo
administrativo ou a inobservância aos princípios do contraditório e da ampla defesa
tornam nulo o ato de demissão de servidor público, seja ele civil ou militar, estável ou
não.” (RE 513.585-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-6-2008, Segunda Turma,
114
DJE de 1º-8-2008)

- Interrogatório policial. Prova pericial. Quesitos pela defesa. Desnecessidade:


“A determinação de elaboração de laudo pericial na fase do inquérito, sem prévio ofere-
cimento de quesitos pela defesa, não ofende o princípio da ampla defesa. Posterior jun-
tada e oportunidade de manifestação da defesa e oferecimento de quesitos.” (AI
658.050-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 12-4-2011, Segunda Turma,
DJE de 29-4-2011).

- Indeferimento de diligências e liberdade do magistrado para apreciação das provas:


“Contraditório e ampla defesa: não ofende o art. 5º, LV, da Constituição acórdão que
mantém o indeferimento de diligência probatória tida por desnecessária. O mencionado
dispositivo constitucional também não impede que o julgador aprecie com total liberda-
de e valorize como bem entender as alegações e as provas que lhe são submetidas. Pre-
cedentes.” (AI 623.228-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-8-2007,
115
Primeira Turma, DJ de 14-9-2007).

- Oitiva de testemunhas. Presença do acusado:


“Pacífica a jurisprudência deste STF de ser relativa a nulidade decorrente do não compa-
recimento do acusado ao interrogatório das testemunhas (cf. HC 75.225), inexistindo,
por outro lado, indícios de prejuízo à defesa.” (HC 84.442, Rel. Min. Ayres Britto, julga-
116
mento em 30-11-2004, Primeira Turma, DJ de 25-2-2005).

113
No mesmo sentido: HC 104.767, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14-6-2011, Primeira Turma, DJE de 17-8-2011.
114
No mesmo sentido: RE 594.040-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 23-4-2010.
115
No mesmo sentido: RE 660.254-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 14-5-2010; RE 531.906-
AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em de 10-6-09, Segunda Turma, DJE de 26-6-09.
116
No mesmo sentido: HC 95.654, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-9-2010, Segunda Turma, DJE de 15-10-2010.

74
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Precatória. Oitiva de testemunhas. Presença do réu:


“Não é nula a audiência de oitiva de testemunha realizada por carta precatória sem a
presença do réu, se este, devidamente intimado da expedição, não requer o compareci-
mento.” (RE 602.543-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009, Plená-
rio, DJE de 26-2-2010, com repercussão geral).

“Audiência. Deslocamento de réu preso. Conveniência da administração? “O acusado,


embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nu-
lidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de
instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São ir-
relevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade
ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado
ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm – nem podem
ter – precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que de-
termina a Constituição (...).” (HC 86.634, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-
117
12-2006, Segunda Turma, DJ de 23-2-2007).

- Ausência de defesa prévia. Advogado regularmente intimado:


“A ausência de defesa prévia pelo defensor constituído – que foi pessoalmente notifica-
do a oferecê-la – não constitui, só por si, causa ensejadora de qualquer nulidade proces-
sual. Respeita-se o princípio constitucional do direito de defesa quando se enseja ao réu,
permanentemente assistido por defensor técnico, seu exercício em plenitude, sem a o-
corrência de quaisquer restrições ou obstáculos, criados pelo Estado, que possam afetar
a cláusula inscrita na carta política, assecuratória do contraditório e de todos os meios e
consequências derivados do postulado do due process of Law.” (HC 67.923, Rel. Min.
118
Celso de Mello, julgamento em 5-6-1990, Primeira Turma, DJ de 10-8-1990)

- Contraditório e ampla defesa: Inaplicabilidade ao Inquérito Policial:


“Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao in-
quérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda
que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do in-
diciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de
não se incriminar e o de manter-se em silêncio.” (HC 82.354, Rel. Min. Sepúlveda Per-
119
tence, julgamento em 10-8-2004, Primeira Turma, DJ de 24-9-2004).

- Nomeação de defensor dativo para mais de um réu. Colisão entre as teses defensivas.
Necessidade de demonstração de prejuízo:
“A colidência de teses defensivas é apenas invocável, como causa nullitatis, nas hipóte-
ses em que, comprovado o efetivo prejuízo aos direitos dos réus, a defesa destes vem a
ser confiada a um só defensor dativo (...).” (HC 70.600, Rel. Min. Celso de Mello, julga-
mento em 19-4-1994, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009).

117
No mesmo sentido: HC 94.216, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 19-6-2009. Em sentido
contrário: RE 602.543-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009, Plenário, DJE 26-2-2010, com repercussão geral.
118
No mesmo sentido: RHC 105.242, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 19-10-2010, Segunda Turma, DJE de 24-11-2010.
119
Vide: RE 481.955-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-5-2011, Primeira Turma, DJE de 26-5-2011.

75
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Interrogatório após a sentença:


“O interrogatório judicial, qualquer que seja a natureza jurídica que lhe reconheça –
meio de prova, meio de defesa ou meio de prova e de defesa – constitui ato necessário
do processo penal condenatório, impondo-se a sua realização, quando possível, mesmo
depois da sentença de condenação, desde que não se tenha consumado, ainda, o trânsi-
to em julgado (...).” (HC 68.131, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-
1990, Primeira Turma, DJE de 8-3-1991).

 INADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS


São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF).

- Para ser lícita, a queda de sigilo deve ser devidamente fundamentada:


“São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário
e telefônico, sem a devida fundamentação. Com esse entendimento, a Segunda Turma defe-
riu habeas corpus para reconhecer a ilicitude das provas obtidas nesta condição e, por con-
seguinte, determinar o seu desentranhamento dos autos de ação penal. (...) Ressaltou-se que
a regra seria a inviolabilidade do sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII), o que visa, em última análise, a
resguardar também direito constitucional à intimidade (art. 5º, X). E, somente se justificaria
a sua mitigação quando razões de interesse público, devidamente fundamentadas por or-
dem judicial, demonstrassem a conveniência de sua violação para fins de promover a inves-
tigação criminal ou instrução processual penal. No caso, o magistrado de primeiro grau não
apontara fatos concretos que justificassem a real necessidade da quebra desses sigilos, mas
apenas se reportara aos argumentos deduzidos pelo Ministério Público (...).” (HC 96.056, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-6-2011, Segunda Turma, Informativo 633).

Essa fundamentação não se restringe, contudo, ao fato investigado, autorizando a utilização


das evidências colhidas para a investigação de outros delitos inicialmente desconhecidos:
“Encontro fortuito de prova da prática de crime punido com detenção. (...) O Supremo
Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou com-
patível com o art. 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de intercep-
tação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi
objeto da interceptação, seja punido com detenção” (AI 626.214-AgR, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 21-9-2010, Segunda Turma, DJE de 8-10-2010).

Conversa telefônica gravada por um dos interlocutores não é considerada interceptação:


“Alegação de ofensa ao art. 5°, XII, LIV e LVI, da CF. Recurso extraordinário que afirma a
existência de interceptação telefônica ilícita porque efetivada por terceiros. Conversa
gravada por um dos interlocutores. Precedentes do STF. Agravo regimental improvido.
Alegação de existência de prova ilícita, porquanto a interceptação telefônica teria sido
realizada sem autorização judicial. Não há interceptação telefônica quando a conversa é
gravada por um dos interlocutores, ainda que com a ajuda de um repórter.” (RE
453.562-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma,
DJE de 28-11-2008).

76
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Indícios de prática criminosa. Sigilo de dados. Quebra. Possibilidade:


“Sigilo de dados – Quebra – Indícios. Embora a regra seja a privacidade, mostra-se pos-
sível o acesso a dados sigilosos, para o efeito de inquérito ou persecução criminais e por
ordem judicial, ante indícios de prática criminosa.” (HC 89.083, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 6-2-2009).

- Prova ilícita por derivação. Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada:


“(...) Inidoneidade jurídica da prova resultante de transgressão estatal ao regime constitu-
cional dos direitos e garantias individuais. A ação persecutória do Estado, qualquer que seja
a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode
apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia
constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilí-
citas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo. (...) A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório
(CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade
fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Pú-
blico, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo,
quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mes-
mo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo
brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene
retentum. Doutrina. Precedentes. (...) A questão da doutrina dos frutos da árvore envenena-
da (Fruits of the poisonous tree): A questão da ilicitude por derivação. Ninguém pode ser in-
vestigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate
de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probató-
rio, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se,
não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitu-
de originária. (...) A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envene-
nada’) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obs-
tante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo
vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito
de repercussão causal. (...) Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que ob-
teve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de
prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originaria-
mente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-se-
ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. A
questão da fonte autônoma de prova (an independent source) e a sua desvinculação causal
da prova ilicitamente obtida. Doutrina. Precedentes do STF (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. Celso
de Mello, v.g.) – Jurisprudência Comparada (A experiência da Suprema Corte americana): ca-
sos ‘Silverthorne Lumber co. v. United States (1920); Segura v. United States (1984); Nix v.
Willams (1984); Murray v. United States (1988)’, v.g..” (HC 93.050, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008).

 PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (art. 5º, LVI, CF). Com base nesse entendimento, foram editadas a seguinte súmula:

77
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Súmula Vinculante 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de funda-


do receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso
ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilida-
de disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do
ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Habeas Corpus 126292/SP, Relator


Ministro Teori Zavascki, alterou entendimento consolidado no tocante à impossibilidade de
execução provisória da pena privativa de liberdade na pendência de recursos especial ou
extraordinário. A partir do julgamento do referido HC 126292/SP, a Corte, por maioria, vencidos os
Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), passou
a admitir o cumprimento de pena privativa de liberdade após a condenação em segundo grau de
jurisdição, mesmo na pendência de recursos especial ou extraordinário.

- Processo Penal. Execução Provisória da pena. Possibilidade. Segundo o noticiado no In-


formativo STF 814:
“A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de ape-
lação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princí-
pio constitucional da presunção de inocência. (…) Nessa senda, a eventual condenação
representaria juízo de culpabilidade, que deveria decorrer da logicidade extraída dos e-
lementos de prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para
o sentenciante de primeiro grau, ficaria superada a presunção de inocência por um juízo
de culpa — pressuposto inafastável para condenação —, embora não definitivo, já que
sujeito, se houver recurso, à revisão por tribunal de hierarquia imediatamente superior.
Nesse juízo de apelação, de ordinário, ficaria definitivamente exaurido o exame sobre os
fatos e provas da causa, com a fixação, se fosse o caso, da responsabilidade penal do
acusado. Então, ali que se concretizaria, em seu sentido genuíno, o duplo grau de juris-
dição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla devo-
lutividade da matéria deduzida na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo ju-
ízo “a quo”. Ao réu ficaria assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de
segundo grau, respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. Desse modo,
ressalvada a estreita via da revisão criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias
ordinárias que se exauriria a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspec-
to, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. Portanto, os recursos de
natureza extraordinária não configurariam desdobramentos do duplo grau de jurisdi-
ção, porquanto não seriam recursos de ampla devolutividade, já que não se prestariam
ao debate da matéria fática e probatória. Noutras palavras, com o julgamento imple-
mentado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie de preclusão da matéria en-
volvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias
do STJ e do STF — recurso especial e extraordinário — teriam âmbito de cognição estrito
à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, juízo de in-
criminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela ins-
tância extraordinária, pareceria inteiramente justificável a relativização e até mesmo a
própria inversão, para a situação concreta, do princípio da presunção de inocência até
então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraor-
dinários, como o fazem o art. 637 do CPP e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. (…) A Corte
destacou, outrossim, que, com relação à previsão constitucional da presunção de não
culpabilidade, ter-se-ia de considerá-la a sinalização de um instituto jurídico, ou o dese-
nho de garantia institucional, sendo possível o estabelecimento de determinados limites.

78
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Assim, a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não


comprometeria o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em
que o acusado tivesse sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário
criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as
regras probatórias e o modelo acusatório atual.”

- Prisão preventiva. Requisitos na fundamentação:


“A prisão preventiva em situações que vigorosamente não a justifiquem equivale à
antecipação da pena, sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça,
mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio da presunção de não
culpabilidade, contemplado no plano constitucional (art. 5º, LVII, da Constituição do
Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória, a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos
excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o
sacrifício da liberdade individual em prol da viabilidade do processo.” (HC 95.009, Rel.
120
Min. Eros Grau, julgamento em 6-11-2008, Plenário, DJE de 19-12-2008).

- Concurso Público. Desclassificação de candidato que responde a inquérito ou ação penal


sem trânsito em julgado:
“Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º, LVII, da
CF, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal
sem trânsito em julgado da sentença condenatória.” (RE 559.135-AgR, Rel. Min. Ricardo
121
Lewandowski, julgamento em 20-5-2008, Primeira Turma, DJE de 13-6-2008).

- Prisão preventiva. Presunção de periculosidade. Inadmissibilidade:


“Prisão preventiva. Decreto fundado na periculosidade presumida do acusado.
Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Ofensa à presunção
constitucional de inocência. Constrangimento ilegal caracterizado. Aplicação do art.
5º, LVII, da CF. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na
periculosidade presumida do réu.” (HC 90.471, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 7-
122
8-2007, Primeira Turma, DJ de 14-9-2007).

- Maus antecedentes. Inquérito ou ação penal em andamento. Não configuração:


“A existência de inquérito e de ações penais em andamento contra o Apelante não é
suficiente, no caso concreto, para configurar os maus antecedentes, tendo em vista que
sequer é possível saber por quais crimes ele está respondendo.” (AO 1.046, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, julgamento em 23-4-2007, Plenário, DJ de 22-6-2007).

- Ação penal. Ônus da prova:

120
No mesmo sentido: HC 96.577, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-2-2009, Segunda Turma, DJE de 19-3-2010. Vide: HC
97.028, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.
121
No mesmo sentido: RE 634.224, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 14-3-2011, DJE de 21-3-2011.
122
No mesmo sentido: HC 88.721, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 29-5-2009.

79
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua
inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade
do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que,
em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o
réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o
acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei 88, de 20-12-1937, art. 20, 5). (...).”
(HC 73.338, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-8-1996, Primeira Turma DJ de
19-12-1996).

 DIREITOS DOS PRESOS


O Supremo Tribunal Federal, em 2015, por ocasião do julgamento da Arguição de
Descumprimento a Preceito Fundamental - ADPF 347, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski,
provocou verdadeira revolução paradigmática quanto ao agir institucional do Poder Judiciário em
relação ao sistema carcerário e os direitos dos presos.

Pela vez primeira a Corte mergulhou profundamente na análise da problemática, afirmando a


legitimidade do Poder Judiciário para determinações concernentes às políticas públicas
penitenciárias. Segundo o constante do Informativo STF 798:
“O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento
de preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coi-
sas inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma
ação também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as
lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omis-
sões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alega-
va-se estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado
de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistê-
mica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das auto-
ridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não ape-
nas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferi-
mento de liminar para que fosse determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem,
em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela
qual não se aplicam medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabele-
cidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e
Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até
90 dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a au-
toridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c)
que considerassem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário
brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e du-
rante o processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas al-
ternativas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida
em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que
viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos
presos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicio-
nal da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do
que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preser-
vando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo
de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamen-
te mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar o ilícito es-

80
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse muti-
rão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País,
que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às
medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo
Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.”

 RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL


É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, artigo 5º, inciso XLIX).

- Uso de algemas:
Súmula Vinculante 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado
receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou
de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

- Uso de algemas em audiência:


“O uso de algemas durante audiência de instrução e julgamento pode ser determinado
pelo magistrado quando presentes, de maneira concreta, riscos a segurança do acusado
ou das pessoas ao ato presentes.” (Rcl 9.468-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 24-3-2011, Plenário, DJE de 11-4-2011).

- Habeas corpus. Amplas hipóteses de cabimento:


“É cabível habeas corpus para apreciar toda e qualquer medida que possa, em tese,
acarretar constrangimento à liberdade de locomoção ou, ainda, agravar as restrições a
esse direito. Esse o entendimento da Segunda Turma ao deferir habeas corpus para
assegurar a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus
filhos e enteados. (...) De início, rememorou-se que a jurisprudência hodierna da Corte
estabelece sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de
forma mais direta, ao menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos.
Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria, por completo, o processo
de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar no sistema
jurídico brasileiro, sobretudo para conferir força normativa mais robusta à Constituição.
A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de abrangência dessa
ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito
criminal para tomada de depoimento, indiciamento de determinada pessoa, recebimento
de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e decisão
condenatória, entre outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da
humanidade como norte e asseguraria aos presidiários o respeito à integridade física e
moral *CF, art. 5º: ‘XLIX (...)’+. (...) Aludiu-se que a visitação seria desdobramento do
direito de ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a situação do apenado.” (HC
107.701, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma,
Informativo 640).

81
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Morte de detento. Responsabilidade do estado:


“Morte de detento por colegas de carceragem. Indenização por danos morais e
materiais. Detento sob a custódia do Estado. Responsabilidade objetiva. Teoria do Risco
Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em função do dever constitucional
de guarda (art. 5º, XLIX). Responsabilidade de reparar o dano que prevalece ainda que
demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos.” (RE 272.839, Rel. Min. Gilmar
123
Mendes, julgamento em 1º-2-2005, Segunda Turma, DJ de 8-4-2005).

 COMUNICAÇÃO DA PRISÃO
A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII, CF).

Uma das questões mais interessantes e atuais, diretamente relacionada com o dispositivo
constitucional sob análise e com o dispositivo comentado no item relativo ao relaxamento da
prisão ilegal envolve a chamada Audiência de Custódia, inaugurada em solo brasileiro a partir de
pioneiro projeto-piloto capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça na gestão do Presidente
Ricardo Lewandowski que, inclusive, proporcionou ambiente seguro para a edição da Resolução
CNJ 213/15, que “Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo
de 24 horas”.

O referido projeto-piloto foi levado a cabo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
através do Provimento Conjunto 3/15, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal instado a se manifestar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240/SP, Relator
Ministro Luiz Fux, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL.

Segundo o constante do Informativo STF 795:


“A Corte afirmou que o art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos,
ao dispor que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à
presença de um juiz”, teria sustado os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante
com esse preceito convencional. Isso em decorrência do caráter supralegal que os trata-
dos sobre direitos humanos possuiriam no ordenamento jurídico brasileiro, como ficara
assentado pelo STF, no julgamento do RE 349.703/RS (DJe de 5.6.2009). Ademais, a a-
presentação do preso ao juiz no referido prazo estaria intimamente ligada à ideia da ga-
rantia fundamental de liberdade, qual seja, o “habeas corpus”. A essência desse remé-
dio constitucional, portanto, estaria justamente no contato direto do juiz com o preso,
para que o julgador pudesse, assim, saber do próprio detido a razão pela qual fora preso
e em que condições se encontra encarcerado. Não seria por acaso, destarte, que o CPP
consagraria regra de pouco uso na prática forense, mas ainda assim fundamental, no
seu art. 656, segundo o qual “recebida a petição de ‘habeas corpus’, o juiz, se julgar ne-
cessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresen-
tado em dia e hora que designar”. Então, não teria havido por parte da norma em co-
mento nenhuma extrapolação daquilo que já constaria da referida convenção interna-
cional — ordem supralegal —, e do próprio CPP, numa interpretação teleológica dos
seus dispositivos. (…) O Provimento Conjunto 3/2015 não inovaria na ordem jurídica,

123
No mesmo sentido: AI 299.125, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-2009, DJE de 20-10-2009; AI
718.202-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 22-5-2009.

82
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

mas apenas explicitaria conteúdo normativo já existente em diversas normas do CPP —


recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei federal de conteúdo processual
— e da Convenção Americana sobre Direitos do Homem — reconhecida pela jurispru-
dência do STF como norma de “status” jurídico supralegal. Outrossim, inexistiria viola-
ção ao princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). De fato, não seria o ato norma-
tivo emanado do tribunal de justiça que criaria obrigações para os delegados de polícia,
mas sim a citada convenção e o CPP, os quais, por força dos artigos 3º e 6º da Lei de In-
trodução às Normas do Direito Brasileiro, teriam efeito imediato e geral, ninguém se es-
cusando de cumpri-los.”

 DIREITO AO SILÊNCIO
O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5º, LXIII, CF). Este dispositivo trata do
privilégio contra a auto-incriminação (“nemo tenetur se detegere”), bem como da garantia de que
o indivíduo preso seja assistido pela família e por defesa técnica.

Súmula Vinculante 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso


amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório
realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício
do direito de defesa.

- Inquérito sigiloso. Acesso aos autos pela defesa:


“Acesso dos acusados a procedimento investigativo sigiloso. Possibilidade sob pena de
ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa. Prerrogativa profissional dos
advogados. Art. 7, XIV, da lei 8.906/1994 (...). O acesso aos autos de ações penais ou
inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores,
configura direito dos investigados. A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído
tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da CF, que lhe
assegura a assistência técnica do advogado. Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB
estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de ‘examinar em qualquer
repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou
em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos’. Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a
superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.” (HC 94.387, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 18-11-2008, Primeira Turma, DJE de 6-2-2009).

- Falsa identidade e autodefesa:


“O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, LXIII, da CF/1988) não alcança aquele
que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus
antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).”
(RE 640.139-RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22-9-2011, Plenário, DJE de 14-10-
2011, com repercussão geral).

 IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO OU PELO INTERROGATÓRIO

83
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório
policial (art. 5º, LXIV, CF).

 RELAXAMENTO DA PRISÃO ILEGAL


A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV, CF). Não
se trata de faculdade e sim de obrigação do magistrado.
Súmula 697, STF. A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hedion-
dos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.

 LIBERDADE PROVISÓRIA
Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
com ou sem fiança (art. 5º, LXVI, CF).

- Prisão decorrente de flagrante. Amplitude da medida:


“Aquele que foi preso em flagrante, embora formalmente perfeito o auto respectivo
(CPP, arts. 304 a 306) e não obstante tecnicamente caracterizada a situação de
flagrância (CPP, art. 302), tem, mesmo assim, direito subjetivo à obtenção da liberdade
provisória (CPP, art. 310, parágrafo único), desde que não se registre, quanto a ele,
qualquer das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, a significar que a prisão em
flagrante somente deverá subsistir se se demonstrar que aquele que a sofreu deve
permanecer sob a custódia cautelar do Estado, em razão de se verificarem, quanto a ele,
os requisitos objetivos e subjetivos justificadores da prisão preventiva. (...) Constitui
situação de injusto constrangimento ao status libertatis do indiciado ou do réu a decisão
judicial que, sem indicar fatos concretos que demonstrem, objetivamente, a
imprescindibilidade da manutenção da prisão em flagrante, denega ao paciente a
liberdade provisória que lhe assegura o parágrafo único do art. 310 do CPP.” (HC 94.157,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 28-3-2011).

 EXTRADIÇÃO E CRIME POLÍTICO OU DE OPINIÃO


Extradição difere de expulsão porque aquela é a entrega de estrangeiro ou de brasileiro
naturalizado a país em face de delito praticado no exterior. Já a expulsão é a retirada forçada de
estrangeiro do território nacional que entrou ou permanece de maneira irregular ou praticou atos
atentatórios à ordem jurídica interna. Em poucas palavras: quando o motivo ocorre no exterior
pode ser caso de extradição; quando o motivo ocorre no Brasil pode ser uma questão de expulsão.

Cabe exclusivamente ao Presidente da República, fundado na conveniência e oportunidade,


decretar a extradição ou sua revogação. O decreto de expulsão tem a natureza jurídica de ato
administrativo discricionário fundado na soberania do Estado.

Isso não quer dizer que o procedimento de extradição esteja fora do controle de legalidade a
cargo do Judiciário. Na verdade, a discricionariedade do Presidente da República sempre estará
atrelada à anterior verificação da legalidade do ato por parte do Supremo Tribunal Federal: se o STF
concluir que a extradição é legalmente viável, o Presidente da República pode optar se acolhe ou
não o pedido de extradição. Contudo, se o STF decidir que a extradição não é legal ou não é

84
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

constitucional, o Presidente da República tem de se submeter à decisão do STF, não persistindo,


nesta hipótese, âmbito de discricionariedade.
Súmula 421, STF. Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado
com brasileira ou ter filho brasileiro.

De acordo com o art. 5º, LI, CF, nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em
caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.

Como se percebe, não há falar em extradição de brasileiros natos. Quanto aos naturalizados,
somente por crimes comuns praticados antes da naturalização e, nos casos de envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes, o crime pode ter sido praticado mesmo após a naturalização. Para a
concessão de extradição há necessidade de comutação, no país requerente, da pena de morte.
Entretanto, o STF vem reiteradamente decidindo que não se exige a comutação em se tratando de
prisão perpétua ou pena de trabalhos forçados.

O art. 5º, LII, CF, por sua vez, dispõe que não será concedida extradição de estrangeiro por
crime político ou de opinião. Por crime político ninguém pode ser extraditado, nem mesmo o
estrangeiro.

- Asilo político e extradição:


“A inextraditabilidade de estrangeiros por delitos políticos ou de opinião reflete, em
nosso sistema jurídico, uma tradição constitucional republicana. Dela emerge, em favor
dos súditos estrangeiros, um direito público subjetivo, oponível ao próprio Estado e de
cogência inquestionável. Há, no preceito normativo que consagra esse favor
constitutionis, uma insuperável limitação jurídica ao poder de extraditar do Estado
brasileiro. Não há incompatibilidade absoluta entre o instituto do asilo político e o da
extradição passiva, na exata medida em que o STF não está vinculado ao juízo formulado
pelo Poder Executivo na concessão administrativa daquele benefício regido pelo Direito
das Gentes. Disso decorre que a condição jurídica de asilado político não suprime, só por
si, a possibilidade de o Estado brasileiro conceder, presentes e satisfeitas as condições
constitucionais e legais que a autorizam, a extradição que lhe haja sido requerida. O
estrangeiro asilado no Brasil só não será passível de extradição quando o fato ensejador
do pedido assumir a qualificação de crime político ou de opinião ou as circunstâncias
subjacentes à ação do Estado requerente demonstrarem a configuração de inaceitável
extradição política disfarçada.” (Ext 524, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 31-10-
1989, Plenário, DJ de 8-3-1991).

- Caso Cesare Battisti:


“Não configura crime político, para fim de obstar o acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena
normalidade institucional de Estado Democrático de Direito, sem nenhum propósito
político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo. (...) Não
caracteriza a hipótese legal de concessão de refúgio, consistente em fundado receio de
perseguição política, o pedido de extradição para regular execução de sentenças
definitivas de condenação por crimes comuns, proferidas com observância do devido
processo legal, quando não há prova de nenhum fato capaz de justificar receio atual de

85
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

desrespeito às garantias constitucionais do condenado.” (Ext 1.085, Rel. Min. Cezar


Peluso, julgamento em 16-12-2009, Plenário, DJE de 16-4-2010).

- Extradição e exame do mérito do julgamento:


“A ação de extradição passiva não confere, ordinariamente, ao STF, qualquer poder de
indagação sobre o mérito da pretensão deduzida pelo Estado requerente ou sobre o con-
texto probatório em que a postulação extradicional se apóia, não cabendo, ainda, a esta
Corte Suprema, o exame da negativa de autoria invocada pelo extraditando em sua de-
fesa. Precedentes. Doutrina. O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o
regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro, não permite qualquer
indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior, justifi-
cou o ajuizamento da demanda extradicional perante o STF. Revelar-se-á excepcional-
mente possível, no entanto, a análise, pelo STF, de aspectos materiais concernentes à
própria substância da imputação penal, sempre que tal exame se mostrar indispensável
à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observân-
cia do princípio da dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do
delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o Estado estrangeiro a
requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro. Inocorrência, na es-
pécie, de qualquer dessas hipóteses.” (Ext 1.171, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 19-11-2009, Plenário, DJE de 25-6-2010).

- Conexão entre crimes políticos e comuns:


“Uma vez constatado o entrelaçamento de crimes de natureza política e comum, impõe
indeferir a extradição. Precedentes: Extradições 493-0 e 694-1 (...).” (Ext 994, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 14-12-2005, Plenário, DJ de 4-8-2006).

- Extradição nos casos de terrorismo. Crime político:


“Extraditabilidade do terrorista: necessidade de preservação do princípio democrático e
essencialidade da cooperação internacional na repressão ao terrorismo. O estatuto da
criminalidade política não se revela aplicável nem se mostra extensível, em sua projeção
jurídico-constitucional, aos atos delituosos que traduzam práticas terroristas, sejam a-
quelas cometidas por particulares, sejam aquelas perpetradas com o apoio oficial do
próprio aparato governamental, à semelhança do que se registrou, no Cone Sul, com a
adoção, pelos regimes militares sul-americanos, do modelo desprezível do terrorismo de
Estado (...). A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII, da CF – que veda a extradi-
ção de estrangeiros por crime político ou de opinião – não se estende, por tal razão, ao
autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a or-
dem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista. A extradição – en-
quanto meio legítimo de cooperação internacional na repressão às práticas de criminali-
dade comum – representa instrumento de significativa importância no combate eficaz ao
terrorismo, que constitui ‘uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz
e a segurança internacionais (...)’ (Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, Art.
11), justificando-se, por isso mesmo, para efeitos extradicionais, a sua descaracterização
como delito de natureza política.” (Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-
8-2004, Plenário, DJ de 1º-7-2005).

86
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 HABEAS CORPUS
Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer vi-
olência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º,
LXVII, CF).124

Este dispositivo deve ser analisado em conjunto com a regra do inciso XV, também do art. 5º,
CF125. Sendo assim, a lei pode limitar, na excepcionalíssima circunstância de guerra, o direito de
locomoção.

Importante destacar a regra do art. 142, § 2º, CF: “não caberá habeas corpus em relação a
punições disciplinares militares”. Esta regra deve interpretada no sentido da inviabilidade de discus-
são, via habeas corpus, do mérito das punições disciplinares militares. Não haveria, assim, óbice ao
habeas corpus nas hipóteses de desrespeito ao devido processo legal, seja na aplicação da penali-
dade militar ou no procedimento do qual ela resultou.

O habeas corpus consubstancia-se em procedimento previsto no rol dos direitos e garantias


fundamentais. Logo, protegido por cláusula de barreira (art. 60, § 4º, CF), de modo que é constitu-
cionalmente vedada sua supressão via emenda constitucional. Isso não significa, porém, que o
próprio Constituinte Originário não pudesse restringir o cabimento do habeas corpus em determi-
nadas situações como efetivamente o fez ao arrolar a medida excepcional do Estado de Sítio (art.
139, CF) e a vedação, mencionada no parágrafo anterior, no tocante ao mérito de punições discipli-
nares militares.

O paciente, no habeas corpus, é sempre a pessoa física. Pessoa jurídica não, a despeito de
possuir legitimidade ativa, ou seja, ser detentora da possibilidade de impetrar habeas corpus em
favor de pessoa física. Estrangeiros podem ser pacientes ou impetrantes, em defesa de próprio
direito, de habeas corpus.126

Ainda no tocante à legitimidade ativa, além do próprio paciente e da pessoa jurídica em fa-
vor dele, é possível a impetração pelo Ministério Público.127 Não há possibilidade de impetração

124 “A ação de habeas corpus não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi,
ambulandi, eundi ultro citroque do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926
– que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio
processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das
pessoas” (HC 102.041, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010). No mesmo sentido: HC
103.642, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 25-3-2011.
125
Art. 5º (...)
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer
ou dele sair com seus bens;
126 "O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do habeas
corpus, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção,
contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. (HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 16-9-2008, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009.) No mesmo sentido: HC 94.404, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-2008,
Segunda Turma, DJE de 18-6-2010. Vide: HC 102.041-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-2-2011, Segunda Turma,
Informativo 616.
127 "Habeas corpus. Legitimidade ad causam do Ministério Público. Ação que pretende o reconhecimento da incompetência absoluta do
juízo processante. O pedido de reconhecimento de incompetência absoluta do Juízo processante afeta diretamente a defesa de um
direito individual indisponível do paciente: o de ser julgado por um juiz competente, nos exatos termos do que dispõe o inciso LIII do art.
5º da CF. O Ministério Público, órgão de defesa de toda a Ordem Jurídica, é parte legítima para impetrar habeas corpus que vise ao
reconhecimento da incompetência absoluta do juiz processante de ação penal" (HC 90.305, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-
2007, Primeira Turma, DJ de 25-5-2007).

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

apócrifa, ou seja, despida de assinatura por parte do impetrante, embora seja plenamente viável a
impetração por pessoa sem habilitação junto à Ordem dos Advogados do Brasil.128

A autoridade judiciária competente para a análise da impetração não está adstrita ao pedido
ou à causa de pedir, donde se conclui que, em sede de habeas corpus, não há falar em sentenças
ou decisões com características ultra ou extra petita.129

O rito sumaríssimo do habeas corpus não admite dilação probatória.130 Assim, se, por e-
xemplo, buscar-se a anulação de sentença sob o argumento de que a decisão seria contrária à pro-
va dos autos, o meio correto seria a revisão criminal ou a apelação e não o remédio constitucional.

Habeas corpus não é recurso. É ação constitucional isenta do pagamento de custas. É possí-
vel a concessão de liminar em habeas corpus. O impetrante pode desistir da anterior impetração de
habeas corpus, que é sempre gratuita (art. 5º, LXXVII, CF). Além disso, no habeas corpus não há
falar em prescrição ou em decadência.131

Situação corriqueira no âmbito dos tribunais, em que as decisões finais nos habeas corpus
são tomadas em por intermédio de deliberações colegiadas, é o empate no julgamento. Nesse
caso, o empate é considerado como sendo decisão favorável ao paciente.132

Quanto à legitimidade passiva, esta pode ser preenchida tanto por autoridade pública (como
um Delegado de Polícia Federal, por exemplo), quanto por particular (internações em hospitais e
clínicas de custódia psiquiátrica). Note-se que a autoridade pública comete tanto ilegalidade quan-
to abuso de poder, enquanto o particular somente pode cometer ilegalidade.

São duas as espécies de habeas corpus: liberatório (ou repressivo) e preventivo (salvo-
conduto). Esta segunda espécie afigura-se presente quando alguém se achar na iminência de sofrer
violência ou coação na sua liberdade de locomoção. A jurisprudência, especialmente do STF, tem
atribuído enorme abrangência às hipóteses de cabimento do habeas corpus na modalidade preven-
tiva.133

128 "O CPP, em consonância com o texto constitucional de 1988, prestigia o caráter popular do habeas corpus, ao admitir a impetração
por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem. Assim, não é de se exigir habilitação legal para impetração originária do writ ou para
interposição do respectivo recurso ordinário. Precedente (HC 73.455)" (HC 86.307, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-11-
2005, Primeira Turma, DJ de 26-5-2006).
129 "Na apreciação de habeas corpus, o órgão investido do ofício judicante não está vinculado à causa de pedir e ao pedido formulados.
Exsurgindo das peças dos autos a convicção sobre a existência de ato ilegal não veiculado pelo impetrante, cumpre-lhe afastá-lo, ainda
que isto implique concessão de ordem em sentido diverso do pleiteado. (...)" (HC 69.421, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-
1992, Segunda Turma, DJ de 28-8-1992).
130 “O habeas corpus é garantia constitucional que pressupõe, para o seu adequado manejo, uma ilegalidade ou um abuso de poder tão
flagrante que se revele de plano (inciso LXVIII do art. 5º da Magna Carta de 1988). Tal qual o mandado de segurança, a ação
constitucional de habeas corpus é via processual de verdadeiro atalho. Isso no pressuposto do seu adequado ajuizamento, a se dar
quando a petição inicial já vem aparelhada com material probatório que se revele, ao menos num primeiro exame, induvidoso quanto à
sua faticidade mesma e como fundamento jurídico da pretensão” (HC 96.787, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 31-5-2011, Segunda
Turma, DJE de 21-11-2011).
131 “Habeas corpus. Alcance. O habeas corpus não sofre qualquer peia, sendo-lhe estranhos os institutos da prescrição, da decadência e
da preclusão ante o fator tempo” (HC 91.570, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).
132
“O empate na votação de habeas corpus, ausente um dos integrantes do Colegiado, deságua na imediata proclamação do resultado
mais favorável ao paciente.” (HC 94.701, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).
133
“É cabível habeas corpus para apreciar toda e qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de
locomoção ou, ainda, agravar as restrições a esse direito. Esse o entendimento da Segunda Turma ao deferir habeas corpus para
assegurar a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus filhos e enteados. (...) De início, rememorou-se que a
jurisprudência hodierna da Corte estabelece sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais
direta, ao menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos. Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria,

88
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O STF chegou a admitir a assistência no procedimento do habeas corpus. No leading case a


Suprema Corte admitiu a intervenção do credor fiduciário autor de ação civil de depósito, inclusive
para fazer sustentação oral.

Segue abaixo seleção de súmulas e jurisprudência do STF a respeito do habeas corpus:


Súmula 723. Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado,
se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto
for superior a um ano.

Súmula 695. Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.

Súmula 694. Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar
ou de perda de patente ou de função pública.

Súmula 693. Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou
relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única co-
minada.

Súmula 692. Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição,
se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi
ele provocado a respeito.

Súmula 431. É nulo julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia in-
timação ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus.

Súmula 395. Não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver so-
bre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.

- Habeas corpus. Não cabimento:


“A ação de habeas corpus constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada
com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do con-
junto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de
fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo
penal de conhecimento.” (HC 69.780, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-
134
1992, Primeira Turma, DJ de 17-6-2005).

- Habeas corpus. Tipicidade penal objetiva. Discussão. Possibilidade:

por completo, o processo de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar no sistema jurídico brasileiro,
sobretudo para conferir força normativa mais robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de
abrangência dessa ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito criminal para tomada de
depoimento, indiciamento de determinada pessoa, recebimento de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e
decisão condenatória, entre outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e asseguraria aos
presidiários o respeito à integridade física e moral *CF, art. 5º: ‘XLIX (...)’+. (...) Aludiu-se que a visitação seria desdobramento do direito de
ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a situação do apenado.” (HC 107.701, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-9-
2011, Segunda Turma, Informativo 640).
134
No mesmo sentido: HC 94.817, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“É possível a concessão de habeas corpus para a extinção de ação penal sempre que se
constatar ou imputação de fato atípico, ou inexistência de qualquer elemento que de-
monstre a autoria do delito, ou extinção da punibilidade. (...) Nas palavras de Reale Jú-
nior, tipicidade é a ‘congruência entre a ação concreta e o paradigma legal ou a configu-
ração típica do injusto’. Não preenchidos esses requisitos, inexiste justa causa para a ins-
tauração da persecução penal pelo Parquet.” (HC 102.422, Rel. Min. Dias Toffoli, julga-
mento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 14-9-2011).

- Habeas corpus. Tipicidade penal subjetiva. Discussão. Impossibilidade:


“A via estreita do habeas corpus não é adequada à discussão relativa ao dolo do pacien-
te, seja no tocante ao crime falimentar ou à gestão temerária, aferição esta adequada às
instâncias inferiores, no momento oportuno e com o apoio de todo o conjunto fático-
probatório.” (HC 93.917, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 2-6-2009, Segunda
Turma, DJE de 1º-7-2009).

- Habeas corpus. Atipicidade penal. Insignificância. Crime de Descaminho:


“Habeas corpus. Descaminho. Montante dos impostos não pagos. Dispensa legal de co-
brança em autos de execução fiscal. Lei 10.522/2002, art. 20. Irrelevância administrativa
da conduta. Inobservância aos princípios que regem o Direito Penal. Ausência de justa
causa. Ordem concedida. De acordo com o art. 20 da Lei 10.522/2002, na redação dada
pela Lei 11.033/2004, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais
serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da
Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade.
O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legal-
mente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a ou-
tros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. Ausência, na hipótese,
de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não
pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da ne-
cessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao
bem jurídico penalmente tutelado.” (HC 92.438, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento
135
em 19-8-2008, Segunda Turma, DJE de 19-12-2008).

- Habeas corpus. Atipicidade penal. Insignificância. Crime de Moeda Falsa:


“Moeda falsa. Art. 289, § 1º, do CP. Dez notas de pequeno valor. Princípio da insignifi-
cância. Inaplicabilidade. Desvalor da ação e do resultado. Impossibilidade de quantifica-
ção econômica da fé pública efetivamente lesionada. Desnecessidade de dano efetivo ao
bem supraindividual. Ordem denegada. A aplicação do princípio da insignificância de
modo a tornar a conduta atípica depende de que esta seja a tal ponto despicienda que
não seja razoável a imposição da sanção. Mostra-se, todavia, cabível, na espécie, a apli-
cação do disposto no art. 289, § 1º, do CP, pois a fé pública a que o Título X da Parte Es-
pecial do CP se refere foi vulnerada. Em relação à credibilidade da moeda e do sistema
financeiro, o tipo exige apenas que estes bens sejam colocados em risco, para a imposi-
ção da reprimenda. Os limites da culpabilidade e a proporcionalidade na aplicação da
pena foram observados pelo julgador monocrático, que substituiu a privação da liberda-

135
Em sentido contrário: HC 100.986, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 31-5-2011, Primeira Turma, DJE de 1º-8-2011.

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

de pela restrição de direitos, em grau mínimo.” (HC 93.251, Rel. Min. Ricardo Lewan-
dowski, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE 22-8-2008).

- Habeas corpus. Discussão sobre prisão preventiva. Superveniência de sentença condena-


tória:
“Esta Suprema Corte possui precedentes no sentido de que ‘a superveniência da sentença
condenatória prejudica o habeas corpus quando esse tenha por objeto o decreto de pri-
são preventiva, dado que passa a sentença a constituir novo título para a prisão.’ O pros-
seguimento do feito após a superveniência da sentença condenatória implicaria em i-
nadmissível supressão de instância, uma vez que o novo título prisional não foi submeti-
do à análise das instâncias inferiores.” (HC 97.649-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamen-
to em 15-9-2009, Segunda Turma, DJE de 9-10-2009).

- Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Excepcionalidade da medida:


“O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só
deve ser aplicada quando indiscutível a ausência de justa causa ou quando há flagrante
ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-constituída.” (RHC 95.958, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-8-2009, Primeira Turma, DJE 4-9-2009).

- Habeas corpus. Substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos:


“Habeas corpus. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (...)
A via de habeas corpus é incompatível com o exame dos requisitos de ordem subjetiva do
art. 44, III, do CP, sob pena do revolvimento de matéria fático-probatória, sem prejuízo
de a matéria ser submetida ao juízo das execuções criminais.” (HC 94.936, Rel. Min. Ri-
cardo Lewandowski, julgamento em 31-3-2009, Primeira Turma, DJE de 24-4-2009).

- Habeas corpus. Análise da pena-base fixada em sentença criminal (CP, artigo 59). Impos-
sibilidade:
“O habeas corpus não é a via adequada para a análise da pena-base quando sua exaspe-
ração tiver apoio nas circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do CP.” (HC 95.056,
Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 3-2-2009, Primeira Turma, DJE de 13-3-2009).

- Habeas corpus. Impetração sucessiva:


“É pacífica a jurisprudência deste STF no sentido da inadmissibilidade de impetração su-
cessiva de habeas corpus, sem o julgamento definitivo do writ anteriormente impetrado.
Tal jurisprudência comporta relativização, quando de logo avulta que o cerceio à liber-
dade de locomoção dos pacientes decorre de ilegalidade ou de abuso de poder (inciso
LXVIII do art. 5º da CF/88).” (HC 94.000, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-
2008, Primeira Turma, DJE de 13-3-2009).

- Habeas corpus. Nulidade absoluta no processo. Sentença transitada em julgado:

91
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Habeas corpus. Sentença condenatória. Nulidade processual absoluta. Coisa julgada. Ir-
relevância. Conhecimento e concessão. Prevalência da tutela constitucional do direito in-
dividual da liberdade. Precedentes. O habeas corpus constitui remédio hábil para argui-
ção e pronúncia de nulidade do processo, ainda que já tenha transitado em julgado a
sentença penal condenatória.” (HC 93.942, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 6-5-
2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008.)

- Habeas corpus. Trancamento de inquérito policial ou de ação penal:


“O trancamento de inquéritos e ações penais em curso – o que não se vislumbra na hipó-
tese dos autos – só é admissível quando verificadas a atipicidade da conduta, a extinção
da punibilidade ou a ausência de elementos indiciários demonstrativos de autoria e pro-
va da materialidade.” (HC 89.398, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-9-2007,
Plenário, DJ de 26-10-2007).

- Habeas corpus. Trancamento de ação penal por falta de justa causa. Superveniência de
condenação:
“A superveniência de sentença penal condenatória torna prejudicada a impetração que
visava ao trancamento da ação penal, por falta de justa (precedentes).” (HC 88.292, Rel.
136
Min. Eros Grau, julgamento em 13-6-2006, Segunda Turma, DJE de 4-8-2006).

- Habeas corpus. Trancamento de sindicância administrativa. Impossibilidade:


“Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. Sindicância administrativa.
Trancamento. Via processual imprópria. (...) Ampliar o raio de incidência do writ para
trancar sindicância administrativa significa desbordar da destinação constitucional desse
precioso instrumento de proteção do direito de ir e vir.” (RHC 85.105-AgR, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 28-6-2005, Primeira Turma, DJ de 16-9-2005).

- Habeas corpus. Condenação à pena pecuniária. Cabimento:


“Habeas corpus: cabimento quanto à condenação à pena de prestação pecuniária, dado
que esta, diversamente da pena de multa, se descumprida injustificadamente, converte-
se em pena privativa de liberdade (CP, art. 44, § 4º).” (HC 86.619, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 27-9-2005, Primeira Turma, DJ de 14-10-2005).

 MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL


Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado
por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art.
5º, LXIX, CF).

Mediante simples leitura do dispositivo constitucional podemos perceber que se trata de


uma ação constitucional subsidiária. Isto porque o direito a ser amparado por intermédio de man-

136
No mesmo sentido: HC 97.725, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE de 26-3-2010.

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

dado de segurança deve ser aquele que o pretenso impetrante não tem ao alcance duas outras
ações constitucionais, quais sejam: habeas corpus e habeas data.

São pressupostos à impetração de mandado de segurança:


a) ato de autoridade;
b) abuso de poder;
c) lesão ou ameaça de lesão; e
d) direito líquido e certo (não amparado por habeas corpus ou habeas data).

Ato de autoridade é todo aquele praticado por pessoa investida de parcela de poder público.
Evidentemente o preceito abrange tanto a administração direta (chefia do Poder Executivo e Minis-
térios) quanto a administração indireta (autarquias, agências reguladoras, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos).137
Alcança também atos praticados por particulares que ajam por delegação do Poder Público, uma
vez que, segundo a própria norma contida no inciso sob análise, o mandado de segurança é cabível
“quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pes-
soa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

A Lei 12.016/09, em seu art. 2º, dispõe ser considerada federal a autoridade coatora se as
consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.

Agentes públicos, que são meros executores de atos administrativos em obediência hierár-
quica não podem ser apontados como autoridades coatoras Nos termos do art. 6º, § 3º, Lei
12.016/09: considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da
qual emane a ordem para a sua prática.138

No tocante ao mandado de segurança impetrado em decorrência de omissão da autoridade


a lesão ou a ameaça de lesão decorrem justamente da inércia da autoridade competente para a
prática do ato.139 No caso de omissão na prática de algum ato administrativo o polo passivo deve
ser preenchido pela autoridade com atribuições para a prática de tal ato. E em caso de abuso de
poder praticado por autoridade incompetente? Nesta hipótese é ela quem deve figurar como auto-
ridade impetrada, afinal de contas foi ela a responsável pela ilegalidade.

137
A Lei 12.016/09 dispõe não caber mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de
empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (1º, § 2º).
138
“(...)A própria Lei 12.016, no intuito de se amoldar ao entendimento desta Corte, estipulou, no seu art. 6º, §3º, que não apenas a
autoridade que edita o ato mas também aquela que ordena a sua execução deverão figurar no polo passivo do writ (...).” (MS 27.851,
voto do Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 23-11-2011).
“Mesmo após a edição da Lei 12.016/2009, Lei do Mandado de Segurança, aquele que, na condição de superior hierárquico, não pratica
ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução de um ato não poderá figurar como autoridade coatora. Caso contrário,
o presidente da República seria autoridade coatora em todos os mandados de segurança impetrados contra ações ou omissões danosas
verificadas no âmbito federal.” (RMS 26.211, voto do Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 11-10-2011).
139
“Mandado de segurança. Recurso administrativo. Inércia da autoridade coatora. Ausência de justificativa razoável. (...) A inércia da
autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão
impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a
apreciação do recurso administrativo.” (MS 24.167, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 5-10-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007).

93
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A autoridade ocupa o polo passivo do mandado de segurança, Segundo o art. 6º, Lei
12.016/09, na petição inicial deve estar indicada, além da autoridade impetrada, a pessoa jurídica
que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.

O mandado de segurança pode ser impetrado tanto de forma repressiva como preventiva,
quando houver lesão ou ameaça de lesão.

E o interesse de agir, quando se configura? Neste aspecto, além de direito líquido e certo, há
imperiosa necessidade de demonstração, por parte do impetrante, de que há efetiva lesão ou
ameaça de lesão ao alegado direito líquido e certo. Portanto, é lógico que um mero projeto de lei
em tramitação numa das Casas Legislativas, por exemplo, ainda não tem o condão de acarretar a
mencionada lesão ou possibilidade de lesão, a não ser que seja o caso de algum dos parlamentares
que tenha direito seu, enquanto parlamentar, desrespeitado durante esse procedimento de trami-
tação do projeto de lei.140

A liquidez e a certeza relacionam-se a fatos, que devem ser comprovados de plano por oca-
sião da impetração. É que, no procedimento especial do mandado de segurança, não existe a fase
de instrução e, portanto, não se admite a chamada dilação probatória.141 A inicial é ajuizada, o juiz
concede ou não a liminar, a autoridade apontada como coatora é notificada para prestar informa-
ções em 10 dias, o Ministério Público emite parecer em 5 dias e o processo é encaminhado para
sentença.

Não raras vezes o impetrante relata que não teve acesso prévio aos documentos indispensá-
veis ao ajuizamento da inicial. A Lei 12.016/09 trata de duas possibilidades:
1. Quando é a própria autoridade que está de posse dos documentos, ela deverá provi-
denciar a apresentação no prazo que lhe é concedido para a prestação das informações
(art. 6º, § 2º);

2. Quando se tratar de documentos sob os cuidados de autoridade alheia à demanda, o


juiz deve ordenar, a exibição desse documento em 10 dias (art. 6º, § 1º).

Além da certeza quanto aos fatos, o direito líquido e certo somente se verifica quando tra-
tar-se de direito subjetivo próprio do impetrante. Esta afirmação deve ser compreendida com as
conformações decorrentes da regra veiculada pelo art. 5º, XXI, CF, pois este dispositivo permite que
“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar
seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

Quanto à legitimidade ativa, qualquer pessoa física ou jurídica que tiver direito líquido e cer-
to ameaçado ou violado podem impetrar mandado de segurança, inclusive o estrangeiro residente

140
“O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo
de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa
do parlamentar, apenas. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Min. Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Min. Celso
de Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Min. Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Min. Carlos Velloso, DJ 12-9-2003.” (MS
24.642, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 18-2-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004).
141
“O mandado de segurança não abre margem a dilação probatória. Os fatos articulados na inicial devem vir demonstrados mediante os
documentos próprios, viabilizando-se requisição quando se encontrarem em setor público.” (RMS 26.744, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 13-10-2009, Primeira Turma, DJE de 13-11-2009).

94
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

no exterior.142 Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas po-
derá requerer o mandado de segurança (art. 1º, § 3º, Lei 12.016/09). Além disso, é possível que
Art. 3º O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas,
de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o
seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente.

Não cabe mandado de segurança quanto se tratar de:


a) ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente
de caução;
b) decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;
c) de decisão judicial transitada em julgado (art. 5º, Lei 12.016/09).

Decai em 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado, o direito de
requerer mandado de segurança (art. 23, Lei 12.016/09). O decurso do prazo decadencial para o
mandado de segurança não obsta que a parte interessada, acaso respeitados os pressupostos pro-
cessuais e as condições da ação, demande a questão nas vias ordinárias.143

Ao despachar a inicial, o juiz deve ordenar que se dê ciência do feito ao órgão de representa-
ção judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresse no feito (art. 7º, Lei 12.016/09).

A concessão de liminar é cabível quando houver fundamento relevante e do ato impugnado


puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do im-
petrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica
(art. 7º, III, Lei 12.016/09). Deferida a medida liminar, o processo tem prioridade para julgamento.
Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistem até a prolação da sentença
(art. 7º, § 3º, Lei 12.016/09).

É vedada a concessão de liminar quando tiver por objeto a compensação de créditos tributá-
rios, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de
servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qual-
quer natureza (art. 7º, § 2º, Lei 12.016/09).

A autoridade impetrada não recebe citação, mas uma notificação para prestar informações
no prazo de 10 dias. Não há previsão legal para que a autoridade impetrada apresente contestação.

142 "Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre da
interpretação sistemática dos arts. 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LXIX, da Constituição atual. Recurso
extraordinário não conhecido" (RE 215.267, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-4-2001, Primeira Turma, DJ de 25-5-2001).
143 “Com o decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial de 120 dias, a que se refere o art. 23 da Lei 12.016/2009, extingue-se, de pleno
direito, a prerrogativa de impetrar mandado de segurança. (...) O termo inicial do prazo decadencial de 120 dias começa a fluir, para
efeito de impetração do mandado de segurança, a partir da data em que o ato do Poder Público, formalmente divulgado no Diário
Oficial, revela-se apto a gerar efeitos lesivos na esfera jurídica do interessado. (...) O ato estatal eivado de ilegalidade ou de abuso de
poder não se convalida nem adquire consistência jurídica pelo simples decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial a que se refere o art. 23
da Lei 12.016/2009. A extinção do direito de impetrar mandado de segurança, resultante da consumação do prazo decadencial, embora
impeça a utilização processual desse instrumento constitucional, não importa em correspondente perda do direito material, ameaçado
ou violado, de que seja titular a parte interessada, que, sempre, poderá – respeitados os demais prazos estipulados em lei – questionar,
em juízo, a validade jurídica dos atos emanados do Poder Público que lhe sejam lesivos” (MS 29.108-ED, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 11-5-2011, Plenário, DJE de 22-6-2011).

95
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não im-
pede que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimo-
niais (art. 19, Lei 12.016/09). Além disso, o pedido de mandado de segurança pode ser renovado
dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito (art. 6º,
§ 6º, Lei 12.016/09).

Nos casos de concessão da segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo


grau de jurisdição (art. 14, § 1º, Lei 12.016/09), embora seja admitida, em regra, a execução provi-
sória da segurança (art. 14, § 3º).

O procedimento do mandado de segurança não gera efeitos patrimoniais pretéritos.144 As-


sim, não se pode cogitar em almejar eventual restituição de valores indevidamente pagos. É por
isso que, em matéria tributária, por exemplo, não se admite a pretensão da repetição do indébito
via mandado de segurança.

Segue abaixo seleção de súmulas e jurisprudência do STF a respeito do mandado de seguran-


ça individual.
Súmula 632. É constitucional lei que fixa prazo de decadência para impetração de man-
dado de segurança.

Súmula 625. Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado
de segurança.

Súmula 512. Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de


segurança.

Súmula 510. Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada,


contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

Súmula 430. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo pa-
ra o mandado de segurança.

Súmula 271. Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em


relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela
via judicial própria.

Súmula 270. Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei
3.780, de 12-7-1960, que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa.

Súmula 269. O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

Súmula 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em
julgado.

144 “O art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009 dispõe que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença
concessiva de mandado de segurança somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do
ajuizamento da inicial do writ. Dessa forma, restabelecidos os proventos da embargante, pois considerado ilegal o ato da Corte de
Contas, o termo inicial para o pagamento é o ajuizamento do mandado de segurança” (MS 26.053-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 14-4-2011, Plenário, DJE de 23-5-2011).

96
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Súmula 267. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correi-
ção.

Súmula 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Súmula 101. O mandado de segurança não substitui a ação popular.

- Mandado de segurança. Polo passivo. Correção:


“Mostra-se válido o redirecionamento subjetivo do mandado de segurança quando a ini-
cial é aditada dentro do prazo de 120 dias da prática do ato impugnado” (MS 26.391,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13-4-2011, Plenário, DJE de 6-6-2011). Em sen-
tido contrário: “O mandado de segurança há de ser tomado conforme os parâmetros
subjetivos e objetivos retratados na inicial, não cabendo redirecionamento.” (MS 25.563-
AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-12-2010, Plenário, DJE de 10-2-2011).

- Mandado de segurança contra ato jurisdicional:


“É inadmissível a impetração de mandado de segurança para desconstituir ato revestido
de conteúdo jurisdiciona.” (RMS 27.241, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-6-
2010, Primeira Turma, DJE de 13-8-2010).

- Mandado de segurança contra ato jurisdicional:


“Com efeito, o mandado de segurança impetrado contra decisão judicial só é admissível
nas raras hipóteses em que ela não possa ser atacada por outro remédio processual, exi-
gindo-se ademais, a presença de direito líquido e certo (...).” (RMS 25.141, voto do Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-4-2008, Plenário, DJE de 30-5-2008).

- Mandado de segurança e tempus regit actum:


“Mandado de segurança. Lei superveniente. Não aplicação. Em mandado de segurança
não se aplica preceito de lei superveniente à impetração. O ato impugnado tem como
parâmetro obrigatório a legislação em vigor ao tempo de sua expedição. Agravo regi-
mental a que se nega provimento.” (RE 457.508-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
14-8-2007, Segunda Turma, DJ de 21-9-2007).

- Mandado de segurança. Desistência:


“A Jurisprudência do STF consolidou-se no sentido de que o impetrante pode desistir do
writ a qualquer momento antes do término do julgamento. Precedentes: AI-AgR-ED
377.361/DF, Rel. Min. Ellen Gracie; RE-AgR 349.603/SC, Rel. Min. Carlos Britto; RE
394.940/MG, Rel. Min. Celso de Mello.” (MS 24.584-AgR, Rel. p/ o ac. Min. Ricardo Le-
145
wandowski, julgamento em 9-8-2007, Plenário, DJE de 20-6-2008).

- Mandado de segurança. Desistência:

145
No mesmo sentido: AI 609.415-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 3-5-2011, Primeira Turma, DJE de 5-8-2011.

97
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“Não pode o impetrante, sem assentimento da parte contrária, desistir de processo de


mandado de segurança, quando já tenha sobrevindo sentença de mérito a ele desfavo-
rável.” (AI 221.462-AgR-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 7-8-2007, Primeira
Turma, DJ de 24-8-2007).

- Mandado de segurança. Desistência:


“É lícito ao impetrante desistir da ação de mandado de segurança, mesmo após eventual
sentença concessiva do writ constitucional, independentemente de aquiescência da auto-
ridade apontada como coatora ou da entidade estatal interessada, não se aplicando, em
tal hipótese, a norma inscrita no art. 267, § 4º, do CPC.” (RE 255.837-AgR, Rel. Min. Celso
de Mello, julgamento em 22-8-2000, Segunda Turma, DJE de 27-11-2009).

- Mandado de segurança e decreto de efeitos concretos. Cabimento:


“Se o decreto é, materialmente, ato administrativo, assim de efeitos concretos, cabe con-
tra ele mandado de segurança. Todavia, se o decreto tem efeito normativo, genérico, por
isso mesmo sem operatividade imediata, necessitando, para a sua individualização, da
expedição de ato administrativo, contra ele não cabe mandado de segurança. (Súmula
266).” (MS 21.274, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 10-2-1994, Plenário, DJ de 8-
146
4-1994).

 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO


O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representa-
ção no Congresso Nacional ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legal-
mente constituída e em funcionamento há apelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados (art. 5º, LXX, CF).

A legitimação dos partidos políticos cinge-se àqueles que têm representação no Congresso
Nacional. Basta um Senador ou um Deputado Federal. Note-se que não há falar legitimidade decor-
rente de representação de partido político perante Assembleias Legislativas ou Câmaras Distritais
ou Municipais. Assim, partidos que têm como representantes apenas Vereadores, Deputados Esta-
duais ou Deputados Distritais não detêm legitimidade ativa em sede de mandado de segurança
coletivo.

Em que pese a importância das questões a serem amparadas pelos partidos políticos,147 exis-
te interpretação extremamente restritiva no tocante à legitimidade a legitimidade neste aspecto,
concluindo que cabe aos partidos políticos somente a defesa de interesses políticos e eleitorais de
seus membros. Interessante notar que o art. 21, Lei 12.016/09, dispõe de forma mais ampla, confe-
rindo aos partidos políticos a possibilidade de, por intermédio do mandado de segurança coletivo,
atuar na defesa de interesses relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária.

Quanto às organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituí-


das, imprescindível que estejam em funcionamento há apelo menos um ano e atuem na exclusiva

146
No mesmo sentido: AI 271.528-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-11-2006, Primeira Turma, DJ de 7-12-2006.
147
“O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo e a defender os direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição Federal.” (Lei n˚ 9.096/95 , artigo 1˚).

98
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

defesa dos interesses de seus membros ou associados. Aqui um lembrete é muito importante: a lei
que rege a ação civil pública (Lei 7.347/85), em seu art. 5º, § 4º, dispensa o requisito da pré-
constituição há pelo menos um anos quando “haja manifesto interesse social evidenciado pela di-
mensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”. Isso não quer
dizer que, em se tratado de mandado de segurança coletivo (que tem sede constitucional), a pré-
constituição seja dispensada.

A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo é extraordinária. Vale dizer: a lei atri-
bui a alguém a defesa, em nome próprio, de direito alheio.148 Por isso é que não há falar na neces-
sidade de autorização expressa por parte daqueles que terão os direitos buscados pelas vias deste
remédio constitucional. O art. 21, Lei 12.016/09, dispensa, expressamente, a necessidade de auto-
rização.149

É perfeitamente possível a utilização do mandado de segurança, pelas entidades detentoras


da legitimação extraordinária, para a defesa de interesse da totalidade ou de apenas uma parte de
seus membros ou associados (art. 21, Lei 12.016/09).

Há dispositivo legal que exige a indicação do nome e endereço dos associados (art. 2º-A, pa-
rágrafo único, Lei 9.494/97).150 O STF já havia decidido no sentido da não aplicabilidade dessa dis-
posição ao mandado de segurança coletivo.151 A Lei 12.016/09 regulamentou integralmente tanto
o mandado de segurança individual quanto o mandado de segurança coletivo. Trata-se de instru-
mento legislativo posterior e especial em relação à Lei 9.494/97 que não contempla a exigência da
indicação do nome e endereço dos associados, de modo que, atualmente, não há falar em tal re-
quisito.

A Primeira Turma do STF, salientando que a exigência visa restringir a eficácia da sentença ao
âmbito territorial de competência do órgão que a prolata — conforme caput do referido artigo 2º:
“A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo... abrangerá apenas os substituídos que
tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão
prolator” —, entendeu que tal exigência não se aplica com relação aos órgãos da justiça que, como
o Superior Tribunal de Justiça, têm jurisdição nacional, porquanto abrangem todos os substituídos
onde quer que tenham domicílio no território nacional.152

Quanto à abrangência do mandado de segurança coletivo, a Lei 12.016/09, os direitos prote-


gidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:

148
“O inciso LXX do art. 5º da CF encerra o instituto da substituição processual, distanciando-se da hipótese do inciso XXI, no que surge no
âmbito da representação. As entidades e pessoas jurídicas nele mencionadas atuam, em nome próprio, na defesa de interesses que se
irradiam, encontrando-se no patrimônio de pessoas diversas. Descabe a exigência de demonstração do credenciamento.” (RMS 21.514,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 27-4-1993, Segunda Turma, DJ de 18-6-1993).
149
Súmula 629, STF. A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da
autorização destes.
150
“Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição
inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da
relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.”
151
“Não aplicação, ao mandado de segurança coletivo, da exigência inscrita no art. 2º-A da Lei 9.494/1997, de instrução da petição inicial
com a relação nominal dos associados da impetrante e da indicação dos seus respectivos endereços.” (RMS 23.769, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 3-4-2002, Plenário, DJ de 30-4-2004).
152
RMS 23.566-DF, rel. Min. Moreira Alves, 19-2-2002

99
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a) coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indi-
visível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica básica; e

b) individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de o-


rigem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associa-
dos ou membros do impetrante.153

No mandado de segurança coletivo, a sentença faz coisa julgada limitadamente aos mem-
bros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante (art. 22, caput, Lei 12.016/09).

O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os
efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desis-
tência de seu mandado de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impe-
tração da segurança coletiva (art. 22, § 1º, Lei 12.016/09).

No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do


representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de
72 horas (art. 22, § 2º, Lei 12.016/09).

À exceção destas características, que identificam o mandado de segurança coletivo, aplicam-


se, no que couber, as características do mandado de segurança individual.154

Segue abaixo seleção de súmulas do STF a respeito do mandado de segurança coletivo.


Súmula 630. A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda
quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Súmula 629. A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em


favor dos associados independe da autorização destes.

 MANDADO DE INJUNÇÃO
Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à na-
cionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF).

São pressupostos à impetração do mandado de injunção:


a) a existência de um direito previsto por norma constitucional despida de aplicabilidade
imediata;155 e

153
Note-se que não há previsão para o cabimento de mandado de segurança coletivo para a defesa de interesses difusos.
154 “Os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano jurídico-processual, a
utilização do writ mandamental coletivo. Atos em tese acham-se pré-excluídos do âmbito de atuação e incidência do mandado de
segurança, aplicando-se, em consequência, às ações mandamentais de caráter coletivo, a Súmula 266/STF.” (MS 21.615, Rel. p/ o ac.
Min. Celso de Mello, julgamento em 10-2-1994, Plenário, DJ de 13-3-1998).
155 “Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que ex-
pressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto
na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio destina-
do a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação

100
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) a falta de norma regulamentadora que viabilize o exercício do direito previsto na


Constituição (é justamente o caso de omissão, seja por parte do Legislativo ou do Executi-
vo, de medidas hábeis a tornar efetivo um direito constitucionalmente previsto).

Identifica-se, a partir da análise de implementação desses pressupostos, o sujeito ativo do


mandado de injunção: quem não puder usufruir direito constitucionalmente assegurado por norma
despida de aplicabilidade imediata, no contexto das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à so-
berania e à cidadania, pela falta de norma que regulamente o dispositivo constitucional. A capaci-
dade postulatória, contudo, não deixa de ser exigível.

O mandado de injunção serve como instrumento de controle concreto de inconstitucionali-


dade por omissão. Por isso devemos nos atentar à distinção entre o mandado de injunção e a ação
direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja competência para julgamento é exclusiva do Su-
premo Tribunal Federal, em controle abstrato.

A ADI por omissão pode ser impetrada pelos legitimados do art. 103, CF, e a decisão proferi-
da gera efeitos erga omnes. Já o mandado de injunção, individual ou coletivo, deve ser impetrado
por aqueles que, no caso concreto, são titulares do direito lesado pela omissão legislativa ou admi-
nistrativa. A decisão, neste caso, produz efeitos apenas inter partes.

A competência para o julgamento do mandado de injunção, diferentemente da relativa à a-


nálise de ADI por omissão, que é exclusiva do STF, é firmada em razão da natureza do cargo do qual
deveriam emanar os atos que por ventura estão sendo omitidos. A Constituição previu casos de
competência do STF (art. 102, I, alínea “q”) e do STJ (art. 105, I, alínea “h”). Nada impede, porém,
que, com base no princípio da simetria haja previsão, nas Constituições Estaduais, de órgãos com
competência para o processamento e julgamento de mandados de injunção em face de omissões
relativas a regras nelas previstas e despidas de aplicação imediata.

Quanto ao sujeito passivo o STF já pacificou o entendimento de que deve figurar como impe-
trado somente aquele órgão detentor da legitimidade para a edição da norma regulamentadora.156

Há possibilidade de impetração de mandado de injunção coletivo.157 Uma das primeiras de-


cisões neste sentido foi proferida no julgamento do MI nº 361, em que o STF admitiu como legiti-
mado ativo um sindicato de pequenas e médias empresas.

Nesse MI, o STF apresentou entendimento a respeito da limitação de juros em 12% ao ano,
então constantes no hoje revogado art. 192, § 3º, CF. De acordo com Luis Roberto Barroso, “em

que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe norma consti-
tucional que confira o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o Procurador-Geral da
República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF, qualquer preceito consubstanciador de deter-
minação constitucional para se que legisle, especificamente, sobre exploração de jogos de bingo.” (MI 766-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbo-
sa, julgamento em 21-10-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009).
156 “(...) o mandado de injunção há de dirigir-se contra o poder, o órgão, a entidade ou a autoridade que tem o dever de regulamentar a
norma constitucional, não se legitimando ad causam, passivamente, em princípio, quem não estiver obrigado a editar a regulamentação
respectiva” (MI 352-QO, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 4-9-1991, Plenário, DJ de 12-12-1997) No mesmo sentido: MI 1.231-
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 1º-12-2011.
157 “Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento
de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de
liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional” (MI 472, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-
2005, Plenário, DJ de 2-3-2001).

101
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

decisão dividida, de cunho muito mais político do que técnico, considerou não ser auto-aplicável a
regra inscrita no § 3º do art. 192 da Constituição...”.158 Na ocasião do julgamento o STF apenas fi-
xou a mora do Congresso.159

Uma questão que é muito debatida na doutrina relaciona-se aos efeitos a ser produzidos por
uma decisão em mandado de injunção. As mais diversas linhas argumentativas podem ser assim
resumidas:
a) Corrente não concretista: o órgão prolator da decisão deveria tão somente dar ciência à
autoridade impetrada a respeito da omissão verificada;

b) Corrente concretista individual intermediária: o órgão prolator da decisão deveria fixar


um prazo razoável para que a autoridade impetrada providenciasse a edição da norma regu-
lamentadora;

c) Corrente concretista individual direta: o órgão prolator da decisão deveria simplesmente


resolver o caso concreto posto a sua apreciação independentemente da edição da norma re-
gulamentadora;

d) Corrente concretista geral: o órgão prolator da decisão deveria resolver a questão exer-
cendo o poder regulamentar e suprindo a norma no caso concreto.

Todas as correntes acima resumidas têm como ponto de partida a preocupação com a possi-
bilidade de haver interferência indevida de um Poder noutro.

 CORRENTE NÃO CONCRETISTA


Inicialmente o STF firmou o entendimento de que os efeitos da decisão consistiriam apenas
em dar ciência da omissão ao órgão responsável pela necessária edição da norma regulamenta-
dora.160

Luís Roberto Barroso, defensor da tese da aplicação da decisão diretamente pelo Judiciário
no caso concreto, independentemente da edição da norma regulamentadora, cita alguns trechos
de descontentamento manifestado por José Carlos Barbosa Moreira:
“Conceber o mandado de injunção como simples meio de apurar a inexistência da
‘norma regulamentadora’ e comunicá-la ao órgão competente para a edição (o
qual, diga-se entre parênteses, presumivelmente conhece mais do que ninguém
suas próprias omissões...) é reduzir a inovação a um sino sem badalo. Afinal, para

158 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270.
159 “Esta Corte, ao julgar a ADI 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no § 3º do art. 192 da CF não era autoaplicável, razão
por que necessita de regulamentação. Passados mais de doze anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja
regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é capaz de
elidir a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao
Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão, deixando-se de fixar
prazo para o suprimento dessa omissão constitucional em face da orientação firmada por esta Corte (MI 361)” (MI 584, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 29-11-2001, Plenário, DJ de 22-2-2002).
160 “O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido,
nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de
atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de
inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra” (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 21-3-1990, Plenário, DJ de 20-4-1990).

102
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

dar ciência de algo a quem quer que seja, servia – e bastava – a boa e velha noti-
161
ficação.”

Este posicionamento perdurou durante longo período. No MI 534-4 e no MI 586-5 afirmou-se


que:
“O Supremo Tribunal Federal não pode obrigar o legislativo a legislar, mas apontar a mo-
ra e recomendar que a supra. Também não pode assegurar ao impetrante o exercício do
direito de greve, porquanto esse exercício está a depender de Lei Complementar que lhe
estabeleça os termos e limites.”

 CORRENTE CONCRETISTA INDIVIDUAL INTERMEDIÁRIA


Em nova visão, o STF passou a adotar o posicionamento de que caberia sim ao Judiciário es-
tabelecer prazo para que a autoridade providenciasse a edição da norma e, caso subsistisse a
omissão, surgiria ao impetrante o direito de pleitear em juízo indenização por perdas e danos. E,
mais: no caso de eventual condenação, por exemplo, da União em perdas e danos, posterior edição
da norma regulamentadora não teria o condão de prejudicar os efeitos da coisa julgada no tocante
à indenização. O leading case deste novo entendimento foi o MI nº 283-5162 e tinha como funda-
mento o art. 8º, § 3º, ADCT163.

A mudança de orientação da Suprema Corte consolidou-se no julgamento do MI nº 232-1164,


em que se discutia o alcance das disposições do artigo 195, § 7º, CF.165 O Supremo fixou prazo para
a edição da norma e, caso persistisse a omissão, o impetrante passaria a gozar automaticamente
da imunidade de que trata o mencionado dispositivo constitucional. O STF atribuiu ao mandado de
injunção, nesses casos, o efeito de transformar uma norma constitucional de eficácia limitada
(porque dependente da edição de uma norma regulamentar) em norma constitucional de eficácia
plena.

Importante destacar que, no tocante a eventual fixação de multa pelo descumprimento do


prazo estabelecido, o STF firmou entendimento de que tal fixação seria incabível.166

161 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263.
162
“Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a
prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, abste-
ve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar,
assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a
ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.” (MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello,
julgamento em 22-11-1991, Plenário, DJ de 26-6-1992).
163
Art. 8º (...)
§ 3º Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reserva-
das do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econô-
mica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação
da Constituição.
164
“Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito
constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra
o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da
obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra,
passar o requerente a gozar da imunidade requerida.” (MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-1991, Plenário, DJ de 27-3-
1992).
165
“São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências esta-
belecidas em lei.”
166
“O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de
obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa.” (MI 689, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 7-6-2006, Plenário, DJ de 18-8-2006).

103
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 CORRENTE CONCRETISTA INDIVIDUAL DIRETA


A implementação do direito do autor ocorre diretamente pelo Judiciário, sem comunicação
ao Poder competente para legislar. Segundo o Ministro Marco Aurélio:
“sob a minha ótica, o mandado de injunção tem, no tocante ao provimento judicial, efei-
167
tos concretos, beneficiando apenas a parte envolvida, a impetrante.”

Em 2007 foi julgado MI 721, no qual o impetrante, servidor público, pretendia fosse suprida a
lacuna legislativa em face da omissão na regulamentação do art. 40, § 4º, CF, para que lhe fosse
garantido o direito à aposentadoria especial. O art. 40, § 4º, CF, determina a adoção, via leis com-
plementares, de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servido-
res públicos que sejam portadores de algum tipo de deficiência, que exerçam atividades de risco ou
cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física.

Neste julgado a jurisprudência do STF evoluiu ao conceder o direito ao impetrante direta-


mente. Prestigiou-se o conteúdo mandamental e não meramente declaratório do MI.

Em voto-vista o Ministro Eros Grau, corroborando os argumentos lançados pelo Ministro


Marco Aurélio, indagou: “presta-se, esta Corte, quando se trata de apreciação de mandados de
injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?”

Acompanhando esta linha de pensamento manifestou-se o Ministro Carlos Britto:


“sendo assim, não faz sentido proferir uma decisão judicial também de eficácia limitada.
É uma contradição nos termos. A decisão judicial há de ser plenoperante, marcada pela
sua carga de concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da natureza da ação
constitucional agora sob julgamento.”

Sob estes argumentos, em 30/08/2007, por unanimidade, foi conferido pelo pleno do STF o
direito ao impetrante à aposentadoria especial, nos termos fixados no art. 57, Lei 8.213/91, que
dispõe sobre os planos de beneficio da Previdência Social.168

Interessante notar que, neste MI, o STF resolveu o caso concreto mediante a aplicação, à si-
tuação do impetrante, de dispositivo legal que havia regulamentado a aposentadoria especial para
o Regime Geral da Previdência Social, do qual os servidores públicos efetivos - como era o caso do
impetrante - estão excluídos.

 CORRENTE CONCRETISTA GERAL

167
MI 431-5
168
“Mandado de injunção. Natureza. Conforme disposto no inciso LXXI do art. 5º da CF, conceder-se-á mandado de injunção quando
necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da
ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia
considerada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência
de lei complementar. Art. 40, § 4º, da CF. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via
pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei 8.213/1991.” (MI 721, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007).

104
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O STF criaria a norma para o caso in concreto, solucionando o caso e impondo efeitos erga
omnes à decisão. Em março de 2007 assim se manifestou o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator
do MI 695, ao julgar omissão da regulamentação do aviso prévio (art. 7º, XXI, CF):
“seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo quanto à natureza e
eficácia do mandado de injunção, nos moldes do que se desenhou no MI 670, se não fora
169
o pedido.”

Contudo, por ocasião do julgamento simultâneo do MI 670, do MI 708 e do MI 712, O STF, ao


analisar a ausência de legislação específica que regulamentasse o direito constitucional de greve de
servidores públicos, julgou procedentes pretensões coletivas impetradas, respectivamente, pelo
Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado do Espírito Santo - SINDIPOL, pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos Trabalha-
dores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP e determinou a aplicação das Leis 7.701/88 e
7.783/89 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito constitucional
de greve dos servidores públicos civis,170 atribuindo, com isso, efeitos erga omnes à decisão:
“Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve
dos servidores públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência
do STF. Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no
âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica per-
tinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança ju-
rídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direi-
to de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que
o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para de-
terminar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia
fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do STF. (...) Em razão da evolu-
ção jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de
greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-
se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria.
Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especifi-
cados, determinar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações
judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis.”
(MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-
171
2008).

 LEI 13.300/16
Posteriormente a essa evolução jurisprudencial no âmbito do STF adveio a Lei 13.300/16 para
disciplinar o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo.

A disciplina legal esclarece que a falta de norma regulamentadora capaz de ensejar o cabi-
mento de mandado de injunção pode ser total ou parcial:

169
Note-se o pedido: “Requer, assim, dessa Augusta Corte, que seja comunicado o Órgão competente para a imediata regulamentação
da Norma Constitucional, garantido-se dessa forma o direito do Impetrante, que pela evidente omissão do Poder responsável, pela elabo-
ração da lei o Autor se encontra totalmente prejudicado.”
170
CF. Art. 37. (...)
VII - O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.
171
No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE
de 31-10-2008.

105
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 2º Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de nor-
ma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as
normas editadas pelo órgão legislador competente.

Pessoas naturais ou jurídicas detêm legitimidade ativa (impetrantes), podendo figurar no


pólo passivo (impetrados) o Poder, o órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma
regulamentadora (art. 3º).

Da mesma forma como ocorre em relação ao mandado de segurança, ao receber a petição


inicial a autoridade judiciária deve ordenar tanto a notificação do impetrado para prestação de
informações em 10 dias, bem como a “ciência do ajuizamento da ação ao órgão de representação
judicial da pessoa jurídica interessada” (art. 5º).

Após o encerramento do prazo de informações deve-se ouvir o Ministério Público, que “opi-
nará em 10 (dez) dias, após o que, com ou sem parecer, os autos serão conclusos para decisão” (art.
7º).

Reconhecido o “estado de mora legislativa”, ou seja, a falta total ou parcial de norma regu-
lamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, pode-se deferir a injunção para:
Art. 8º (...)
I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regu-
lamentadora;
II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou
das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interes-
sado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legis-
lativa no prazo determinado.

A própria lei, admite a dispensa da determinação a que se refere o inciso I “quando compro-
vado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido
para a edição da norma” (art. 8º, parágrafo único).

Quanto à amplitude da decisão, segundo os arts. 9º, 10 e 11:


Art. 9º A decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o ad-
vento da norma regulamentadora.
§ 1º Poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso
for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa
objeto da impetração.
§ 2º Transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos aos casos
análogos por decisão monocrática do relator.
§ 3º O indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da
impetração fundada em outros elementos probatórios.

Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido
de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstân-
cias de fato ou de direito.

106
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Parágrafo único. A ação de revisão observará, no que couber, o procedimento estabe-


lecido nesta Lei.

Art. 11. A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em rela-


ção aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma
editada lhes for mais favorável.
Parágrafo único. Estará prejudicada a impetração se a norma regulamentadora for e-
ditada antes da decisão, caso em que o processo será extinto sem resolução de mérito.

No que diz respeito ao mandado de injunção coletivo (arts. 12 e 13):


Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:
I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou indivi-
duais indisponíveis;
II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o
exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados
com a finalidade partidária;
III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída
e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos,
liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou as-
sociados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dis-
pensada, para tanto, autorização especial;
IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante pa-
ra a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos
necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado
de injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade inde-
terminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.

Art. 13. No mandado de injunção coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente
às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituí-
dos pelo impetrante, sem prejuízo do disposto nos §§ 1o e 2o do art. 9o.
Parágrafo único. O mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação
aos individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não
requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 (trinta) dias a contar da
ciência comprovada da impetração coletiva.

 HABEAS DATA
Conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
político;

107
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial
ou administrativo (art. 5º, LXXII, CF).172

O habeas data está regulamentado pela Lei 9.507/97 e tem procedimento similar ao do
mandado de segurança. O habeas data é gratuito e tem prioridade no quanto comporta a tramita-
ção em juízo, exceto em relação a habeas corpus e mandados de segurança.

Além do conhecimento de informações e da retificação de dados, previstas pela própria


Constituição, a Lei 9.507/97 criou outra hipótese de cabimento para o habeas data:
Art. 7º (...)
III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação
sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigá-
vel.

O habeas data difere da garantia à informação do art. 5º, XXXIII, porquanto não está restrito
às hipóteses de sigilo imprescindível à segurança nacional. A justificativa para a ausência de restri-
ção é: o interesse tutelado pelo habeas data é sempre relativo à pessoa do impetrante.173

Para que se tenha acesso ao Judiciário, via habeas data, é imprescindível que tenha havido
recusa à pretensão por parte da autoridade administrativa.174 Este entendimento está, inclusive,
sumulado pelo STJ:
Súmula 02. Não cabe o habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra “a”) se não houve recusa de
informações por parte da autoridade administrativa.

 AÇÃO POPULAR
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (art. 5º, LXXIII, CF).

Antes do advento da Constituição de 1988 a ação popular somente era cabível para proteção
ao patrimônio público. Agora, como se pode perceber mediante simples leitura do dispositivo cons-

172
“A ação de habeas data visa à proteção da privacidade do indivíduo contra abuso no registro e/ou revelação de dados pessoais falsos
ou equivocados. O habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo.” (HD 90-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 18-2-2010, Plenário, DJE de 19-3-2010).
173
“O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da CF, sua
impetração deve ter por objetivo ‘assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante’.” (HD 87-AgR, Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010).
174
“O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa
interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retifica-
ção dos registros; e (c) direito de complementação dos registros. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucio-
nal das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva
ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. O acesso ao habe-
as data pressupõe, entre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação,
torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais,
ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se
configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data.” (RHD 22, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 19-9-1991, Plenário, DJ de 1º-9-1995). No mesmo sentido: HD 87-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-
11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010.

108
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

titucional, as hipóteses de cabimento são bem mais amplas, abrangendo interesses difusos, como é
o caso do meio ambiente, por exemplo.175

Tradicionalmente se sustenta que a ação popular admite, na qualidade de sujeito ativo, so-
mente o cidadão, assim entendido aquele que está em pleno gozo dos direitos políticos. Considera-
se em pleno gozo dos direitos políticos aquele que detém a capacidade eleitoral ativa (efetiva pos-
sibilidade de votar). Dessa forma, seriam legitimados ativos os brasileiros natos e naturalizados,
maiores de 18 anos (ou 16 anos, dependendo de prévia inscrição como eleitor) que estivessem em
dia com as obrigações eleitorais.176

Celso Antonio Pacheco Fiorillo chama atenção a algumas curiosidades decorrentes da admis-
são somente daqueles em gozo de direitos políticos como legitimados ativos em ações populares.
Segundo sustenta, uma conclusão como essa era perfeitamente admissível quando o bem tutelável
pela ação popular era somente o patrimônio público, pois haveria relação pertinência entre a con-
dição de cidadão e o eventual interesse pela defesa do erário.177

Entretanto, segundo o autor, com o advento da CF/88 e o consequente incremento das hipó-
teses de cabimento da ação popular, a legitimidade ativa passou a ser bem mais abrangente. Fixa
como premissa, por exemplo, a tutela do meio ambiente, bem de interesse difuso como podemos
facilmente perceber depois de uma rápida passada de olhos pela regra do art. 225, caput, CF178.
Depois argumenta que em duas outras oportunidades o Constituinte usou o termo cidadão: no art.
58, § 2º, V, CF179, e no art. 64, ADTC180.

Se “cidadão” fosse somente aquele em gozo dos direitos políticos, uma pessoa que tivesse
com tais direitos políticos suspensos (um condenado por improbidade administrativa, por exemplo
– arts. 37, § 4º, e 15, V, ambos da CF) jamais poderia ser chamada para depor numa Comissão Par-
lamentar de Inquérito. E, mais: a um menor de 16 anos não seria jamais assegurado o direito a re-
ceber de forma gratuita um exemplar da Constituição da República.

É claro que a legitimidade ao ajuizamento de ação popular, segundo Fiorillo, estaria limitada
às questões envolvendo direitos difusos.181

Discute-se se bastaria a imoralidade para justificar o ajuizamento, a despeito de não ficar


comprovada eventual ilegalidade. A resposta só pode ser afirmativa, afinal de contas a moralidade
é um dos princípios da Administração Pública, insculpido no art. 37, caput, CF.

175
“Legitimidade dos cidadãos para a propositura de ação popular na defesa de interesses difusos (art. 5º, LXXIII, CF/1988), na qual o
autor não visa à proteção de direito próprio, mas de toda a comunidade (...).” (MS 25.743-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-
2011, Primeira Turma, DJE de 20-10-2011).
176
Teoricamente também é possível afirmar a possibilidade de o português equiparado, que tem disciplina constitucional específica (art.
12, § 1º, CF) atribuindo-lhe direitos inerentes ao brasileiro, ocupar o polo ativo de ação popular.
177
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.
178
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
179
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições
previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...)
§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (...)
V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão.
180
Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou
indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição,
que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas
da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.
181
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.

109
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Seria cabível ação popular preventiva? Sim, pois o moderno processo civil, fundado nos as-
pectos negativos (o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio à tutela de bens jurídicos) e
positivos (do processo deve ser extraída a máxima eficácia à tutela de bens jurídicos) da jurisdição,
não pode permanecer mais alheio a pressões axiológicas externas.182 Vale dizer: é muito mais eficaz
um processo capaz de evitar danos e ilícitos do que aquele voltado exclusivamente à tutela ressar-
citória de danos, muitas vezes despida de efeitos práticos.183

O objeto é a anulação do ato lesivo e condenação dos responsáveis ao ressarcimento ao erá-


rio. É claro que em se tratando de tutela preventiva (e aqui não podemos esquecer a inibitória, que
prescinde da comprovação de possíveis danos, contentando-se com a demonstração de possíveis
ilícitos) não há falar em anulação de ato lesivo ou condenação de alguém a ressarcir os danos.

A legitimidade ativa admite sucessão: qualquer cidadão ou o Ministério Público.184 O Minis-


tério Público, contudo, não tem legitimidade para o ajuizamento de ação popular. É possível tam-
bém a habilitação de qualquer cidadão na qualidade de litisconsorte ou assistente do autor da ação
popular (art. 6º, § 5º, Lei 4.717/65).

Vale lembrar que o Ministério Público deve acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a pro-
dução da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe
vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (art. 6º, §
4º, Lei 4.717/65).

A competência territorial para o processo e julgamento de ação popular é fixada a partir da


origem do ato impugnado (art. 5º, Lei 4.717/65). Afastadas estão as hipóteses de fixação da com-
petência em razão de foro por prerrogativa de função.185

Assim, a regra é a fixação da competência para processo e julgamento da ação popular no


primeiro grau de jurisdição, respeitadas, obviamente, as questões referentes às delimitações de
competência absoluta, por exemplo, entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal.186

182
“A instrumentalidade do processo é vista pelo aspecto negativo e pelo positivo. O negativo corresponde à negação do processo como
valor em si mesmo e repúdio aos exageros processualísticos”. “O aspecto positivo é caracterizado pela preocupação em extrair do proces-
so, como instrumento, o máximo de proveito quanto à obtenção dos resultados propostos” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumen-
talidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1987, p. 390).
183
“(...) Mas não é preciso esperar que os atos lesivos ocorram e produzam todos os seus efeitos, para que, só então, ela seja proposta.
No caso presente, a ação popular, como proposta, tem índole preventiva e repressiva ou corretiva, ao mesmo tempo. Com ela se pretende
a sustação dos pagamentos futuros (caráter preventivo) e a restituição das quantias que tiverem sido pagas, nos últimos cinco anos, em
face do prazo prescricional previsto no art. 21 da Lei da Ação Popular (caráter repressivo).” (AO 506-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, jul-
gamento em 6-5-1998, Plenário, DJ de 4-12-1998).
184
Lei 4.717/65. Art. 6º (...)
§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou crimi-
nal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.
185 "(...) Tratando-se de ação popular, o STF – com as únicas ressalvas da incidência da alínea n do art. 102, I, da Constituição ou de a
lide substantivar conflito entre a União e Estado-membro –, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompe-
tência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabili-
dade pelo ato questionado a dignitário individual – a exemplo do Presidente da República – ou a membro ou membros de órgão colegia-
do de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível – como sucede no mandado de segurança – ou na esfera penal – como
ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus – estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição. Essa não é a hipótese dos integran-
tes do CNJ ou do Conselho Nacional do Ministério Público: o que a Constituição, com a EC 45/2004, inseriu na competência originária do
Supremo Tribunal foram as ações contra os respectivos colegiado, e não, aquelas em que se questione a responsabilidade pessoal de um
ou mais dos conselheiros, como seria de dar-se na ação popular" (Pet 3.674-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-10-
2006, Plenário, DJ de 19-12-2006). No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de
16-10-2009.

110
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PREVENÇÃO
De acordo com o artigo 5º, § 3º, Lei 4.717/65,
Art. 5º (...)
§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem
posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.

A partir da literalidade desse dispositivo legal pode-se chegar às seguintes conclusões:


a) é viável a propositura de mais de uma ação popular contra as mesmas partes;
b) é viável a propositura de mais de uma ação popular contra as mesmas partes, ainda
que sejam utilizados os mesmos fundamentos.

A razão é simples: a Lei 4.717/65 está em plena consonância com o que dispõe o art. 5º, LXXI-
II, CF, segundo o qual
Art. 5º (...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)

Ora, se a cada cidadão brasileiro restou constitucionalmente outorgada a prerrogativa de va-


ler-se da ação popular para a defesa de interesses coletivos (moralidade pública, patrimônio públi-
co ou patrimônio de entidade de que o Estado participe) e de interesses difusos (meio ambiente e
patrimônio histórico e popular), não haveria coerência sistemática acaso a proposição de uma de-
manda por cidadão ou grupo de cidadãos obstasse a proposição de demandas posteriores por parte
de outros cidadãos.

Partindo-se das premissas acima aventadas (autorização legal para a veiculação de mais de
uma ação popular contras as mesmas partes e com base nos mesmos fundamentos, bem como a
legitimidade ativa de qualquer cidadão), percebe-se que a análise conjunta do art. 5º, LXXIII, CF, e
do art. 5º, § 3º, Lei 4.717/65, acarreta uma inegável conclusão: não há falar em litispendência en-
tre ação popular posteriormente ajuizada por cidadão ou grupo de cidadãos que não integraram o
polo ativo de ação popular anteriormente ajuizada contra partes idênticas e com base em idênticos
fundamentos.

Também há fortes motivos de ordem lógica:


a) não seria condizente com um mecanismo de exercício direto de democracia, constitu-
cional, literal e expressamente voltado a qualquer cidadão, um sistema jurisdicional aces-
sível apenas àqueles que primeiro ajuizassem sua demanda;

b) aceitando-se somente uma (a primeira) demanda, correr-se-ia o sério risco de estar-se


chancelando o ajuizamento de ação popular com aparência cidadã, mas mal instruída e

186 "A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra,
do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da
metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do STF, com base na
letra n do inciso I, segunda parte, do art. 102 da CF" (AO 859-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plená-
rio, DJ de 1º-8-2003).

111
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

maliciosamente voltada a servir como obstáculo intransponível a legítimas demandas pos-


teriores.

O fato de o § 3º do art. 5º, Lei 4.717/65, expressamente mencionar a prevenção do juízo ao


qual foi distribuída a primeira demanda para todas as ações posteriores é de extrema valia, em
decorrência da conexão.

 SUJEITOS PASSIVOS
A ação popular pode ser proposta em face de pessoas públicas ou privadas que tenham pra-
ticado ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, inclusive contra as autorida-
des, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado
o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiá-
rios diretos de tal ato (art. 5º, LXXIII, CF, e art. 6º, Lei 4.717/67).

O § 3º do art. 6º, Lei 4.717/65, traz uma importante disposição a respeito da sujeição passi-
va: a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação,
poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afi-
gure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

Segue abaixo seleção de jurisprudência do STF a respeito do mandado de segurança coletivo.


Súmula 365. Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

Súmula 101. O mandado de segurança não substitui a ação popular.

- Ação Popular. Capacidade Postulatória. Necessidade:


“A Constituição da República estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são
direitos fundamentais (art. 5º, XXXIV, a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não
tenha capacidade postulatória litigar em juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de
ação sem a presença de um advogado, considerado ‘indispensável à administração da
justiça’ (art. 133 da Constituição da República e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as res-
salvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no rol das exceções, as ações protocoladas nos jui-
zados especiais cíveis, nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei
9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho), não
fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.” (AO 1.531-AgR, voto da Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2009).

- Ação popular e atos de conteúdo jurisdicional. Não cabimento:


“(...) Os atos de conteúdo jurisdicional – precisamente por não se revestirem de caráter
administrativo – estão excluídos do âmbito de incidência da ação popular, notadamente
porque se acham sujeitos a um sistema específico de impugnação, quer por via recursal,
quer mediante utilização de ação rescisória. (...) Tratando-se de ato de índole jurisdicio-
nal, cumpre considerar que este, ou ainda não se tornou definitivo – podendo, em tal si-
tuação, ser contestado mediante utilização dos recursos previstos na legislação proces-
sual –, ou, então, já transitou em julgado, hipótese em que, havendo decisão sobre o mé-

112
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

rito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão.” (Pet 2.018-AgR, Rel. Min. Celso de
187
Mello, julgamento em 22-8-2000, Segunda Turma, DJ de 16-2-2001).

 DIREITOS SOCIAIS
Segundo o disposto no art. 6º, CF, na redação atribuída pela EC 90/15,
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à in-
fância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 DIREITOS DOS TRABALHADORES


No art. 7º, CF, estão arrolados os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Trata-se de re-
lação não exaustiva, na medida em que o próprio dispositivo admite a possibilidade de outros di-
reitos “*...+ que visem à melhoria” da condição social dos trabalhadores.

 RELAÇÃO DE EMPREGO PROTEGIDA CONTRA DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU


SEM JUSTA CAUSA
Segundo o disposto no art. 7º, I, CF, a relação de emprego deve ser protegida contra despe-
dida arbitrária ou sem justa causa, por meio de lei complementar, que preverá indenização com-
pensatória, entre outros direitos. Ante a importância desse direito para trabalhadores urbanos e
rurais, a própria Constituição, no art. 10, ADCT, dispõe o seguinte:
Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da
Constituição:
I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem
prevista no art. 6º, “caput” e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
a) do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção de a-
cidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato;
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o par-
to.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionali-


dade 1.721/DF, declarou a inconstitucionalidade do art. do § 2º do art. 453 da Consolidação das
Leis do Trabalho, introduzido pela Lei 9.528/97, nos seguintes termos:
“*...+ 2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federati-
va do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por
finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e,
por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c)
base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em
regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88,
desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sen-
tido de sua desejada continuidade. 3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como

187
No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de 16-10-2009.

113
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o re-


gular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-
passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento
de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera
automaticamente). 4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente
constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral
de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sis-
tema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou
daquele empregador. 5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordiná-
rio a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor
do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria
espontânea, sem cometer deslize algum. 6. A mera concessão da aposentadoria voluntá-
ria ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu
vínculo de emprego. 7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das
Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97.”

 SEGURO-DESEMPREGO
É direito dos trabalhadores o seguro seguro-desemprego, em caso de desemprego involun-
tá- rio (art. 7º, II, CF).

 FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO


É direito dos trabalhadores o acesso ao fundo de garantia do tempo de serviço (art. 7º, III,
CF).

Segundo já decidiu o STF,


“*...+ O FGTS, ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natu-
reza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da lei e por ela ser disciplinado *...+.”
188

Quanto ao prazo prescricional para a cobrança de valores não recolhidos ao FGTS, o STF,
superando entendimento anterior sobre prescrição em 30 anos, entende tratar-se de prescrição
quinquenal, tendo, inclusive, declarado inconstitucionais, com efeitos ex nunc, os arts. 23, § 5º, Lei
8.036/90, e 55, Regulamento do FGTS, aprovado pelo Decreto 99.684/90:
“Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art.
7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintená-
ria. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do
FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modula-
ção dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalida-
189
de com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”

188
RE 505403, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 14/10/2009, publicado em DJe-206 DIVULG 03/11/2009 PUBLIC 04/11/2009
189
ARE 709212, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015

114
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 SALÁRIO MÍNIMO
É direito dos trabalhadores o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz
de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, edu-
cação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (art. 7º, IV,
CF).

O primeiro requisito constitucional é a fixação do salário mínimo por via legislativa. Isso não
impede que, havendo autorização legal, o Presidente da República, através de decreto regulamen-
tar, proceda ao reajuste e ao aumento do salário mínimo mediante a aplicação dos índices previs-
tos em lei:
“*...+ 1. A exigência constitucional de lei formal para fixação do valor do salário mínimo
está atendida pela Lei 12.382/2011. 2. A utilização de decreto presidencial, definida pela
Lei 12.382/2011 como instrumento de anunciação e divulgação do valor nominal do sa-
lário mínimo de 2012 a 2015, não desobedece o comando constitucional posto no inciso
IV do art. 7º da CB. A Lei 12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de
afirmação de novos valores nominais para o período indicado (arts. 1º e 2º). Cabe ao
presidente da República, exclusivamente, aplicar os índices defini- dos legalmente para
reajuste e aumento e divulgá-los por meio de decreto, pelo que não há inovação da or-
190
dem jurídica nem nova fixação de valor.”

Ademais, a autorização legal para que o Poder Executivo realize os reajustes via decreto, a-
tendidos os índices estipulados em lei, longe de caracterizar desrespeito à Constituição, constitui,
na realidade, medida de ordem prática em atenção a outro comando normativo contido no mesmo
art. 7º, IV: os “*...+ reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.

Além de nacionalmente unificado, o salário mínimo deve ser capaz de atender a necessida-
des vitais básicas do trabalhador e de sua família “*...+ com moradia, alimentação, educação, saú-
de, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Embora o STF tenha julgado estar
prejudicada a ADI 1.442/DF pelo fato de a Medida Provisória 1.415, de 29 de abril de 1996, objeto
da demanda, ter perdido a eficácia, consta da ementa importante posicionamento sobre alegada
insuficiência do salário mínimo naquele contexto:
“*...+ SALÁRIO MÍNIMO – VALOR INSUFICIENTE – SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo - de-
finido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do
trabalhador e dos membros de sua família - configura um claro descumprimento, ainda
que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de a-
tuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe traba-
lhadora um piso geral de remuneração digna (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo
imperfeito, porque incompleto, o programa social assumi- do pelo Estado na ordem jurí-
dica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento reves- ti-
do da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público tam-
bém desres- peita a Constituição, também compromete a eficácia da declaração consti-
tucional de direitos e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a pró-
pria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações confi-

190
STF. Plenário. ADI 4568, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 03/11/2011

115
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

guradoras de omissão inconstitucional, ainda que se cuide de omissão parcial, refletem


comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado - além de gerar a
erosão da própria consciência constitucional - qualifica-se, perigosamente, como um dos
processos informais de mudança ilegítima da Constituição, expondo-se, por isso mesmo,
à censura do Poder Judiciário. [...]. A violação negativa do texto constitucional, resultante
da situação de inatividade do Poder Público - que deixa de cumprir ou se abstém de pres-
tar o que lhe ordena a Lei Fundamental - representa, notadamente em tema de direitos e
liberdades de segunda geração (direi- tos econômicos, sociais e culturais), um inaceitável
processo de desrespeito à Constituição, o que de- forma a vontade soberana do poder
constituinte e que traduz conduta estatal incompatível com o valor ético-jurídico do sen-
timento constitucional, cuja prevalência, no âmbito da coletividade, revela-se fator capaz
de atribuir, ao Estatuto Político, o necessário e indispensável coeficiente de legitimidade
social. *...+.”

O dispositivo veda a vinculação do salário mínimo “*...+ para qualquer fim”. Há jurisprudência
consolidada no STF a esse respeito, que ensejou a edição das seguintes súmulas vinculantes:
Súmula Vinculante 4. Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou
de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

Súmula Vinculante 6. Não viola a Constituição o estabelecimento de remuneração infe-


rior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.

Súmula Vinculante 15. O cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público


não incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo.

Nada obstante, o próprio STF registra precedentes de chancela tanto à indenização por da-
nos materiais e morais decorrente de responsabilidade objetiva do Estado, quanto à fixação de
pensão decorrente de indenização por responsabilidade civil do Estado indexadas ao salário míni-
mo. Isto porque “*...+ o art. 7º, IV, da CB não vedaria a utilização do salário mínimo como parâmetro
quantificador de indenização” 191 e, no caso da pensão alimentícia:
“A fixação de pensão alimentícia tem por finalidade garantir aos beneficiários as mes-
mas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral pelo texto constitu-
cional. De considerar-se afastada, por isso, relativamente a essa hipótese, a proibição da
192
vinculação ao salário míni- mo, prevista no inciso IV do art. 7º da Carta Federal *...+.”

 PISO SALARIAL PROPORCIONAL À EXTENSÃO E À COMPLEXIDADE DO TRA-


BALHO
É direito dos trabalhadores o piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do tra-
balho (art. 7º, V, CF). Não se está a tratar de salário mínimo, mas de piso referente a salário profis-
sional. A União Federal, no exercício de sua competência legislativa privativa, prevista no art. 22, I,
CF, editou a Lei Complementar 103/00, autorizando Estados Federados e Distrito Federal a instituir
o piso salarial de que trata o dispositivo em análise, nos seguintes termos:

191
STF - ADPF: 95 DF, Relator: Min. EROS GRAU, julgado em: 31/08/2006, publicado em: DJe-013 DIVULG 10/05/2007 PUBLIC 11/05/2007
192
RE nº 134.567, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 6/12/91

116
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de inici-
ativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7o da Constituição
Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, con-
venção ou acordo coletivo de trabalho.
§ 1º A autorização de que trata este artigo não poderá ser exercida:
I - no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governa-
dor dos Estados e do Distrito Federal e de Deputados Estaduais e Distritais;
II - em relação à remuneração de servidores públicos municipais.
§ 2º O piso salarial a que se refere o caput poderá ser estendido aos empregados do-
mésticos.

A referida LC foi editada em harmonia com a previsão do art. 22, parágrafo único, CF, segun-
do o qual:
Art. 22. [...]
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre ques-
tões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

A respeito da estipulação de piso salarial regionalizado, autorizada pela LC 103/2000 e previs-


ta em diversas leis estaduais, veja-se o entendimento do STF:
“*...+. o tratamento diferenciado aos trabalhadores agraciados com a instituição do piso
salarial regional visa reduzir as desigualdades sociais. A LC federal 103/2000 teve por ob-
jetivo maior assegurar àquelas classes de trabalhadores menos mobilizadas e, portanto,
com menor capacidade de organização sindical, um patamar mínimo de salário. A fim de
manter-se o incentivo à negociação coletiva (art. 7º, XXVI, CF), os pisos salariais regio-
nais somente serão estabelecidos por lei naqueles casos em que não haja convenção ou
acordo coletivo de trabalho. As entidades sindicais continuarão podendo atuar nas nego-
ciações coletivas, desde que respeitado o patamar mínimo legalmente assegurado. *...+.”
193

 IRREDUTIBILIDADE DO SALÁRIO
Os trabalhadores têm direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou
acordo coletivo (art. 7º, VI, CF). Note-se que a convenção ou o acordo coletivo são as únicas formas
admitidas no sentido da redução de salários de trabalhador.

 GARANTIA DE SALÁRIO
Aos trabalhadores que percebem remuneração variável é constitucionalmente garantido sa-
lário nunca inferior ao mínimo (art. 7º, VII, CF).

 DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO


Os trabalhadores têm direito ao décimo terceiro salário com base na remuneração integral
ou no valor da aposentadoria (art. 7º, VIII, CF).

193
ADI 4364, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011
EMENT VOL-02522-01 PP-00023 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 384-408 RSJADV ago., 2011, p. 57-71

117
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Devido a todos os empregados e avulsos, ativos e aposentados, com base no total da sua
folha de pagamento. As Leis 4.090/62 e 4.749/65 regulam o décimo terceiro salário, também cha-
mado de gratificação natalina. Segundo o entendimento firmado na Segunda Turma do STF,
“*...+. A natureza da gratificação natalina é remuneratória e integra, para todos os efei-
194
tos, a remuneração do empregado, conforme estabelece a Súmula 207-STF.”

 REMUNERAÇÃO DO TRABALHO NOTURNO SUPERIOR À DO DIURNO


Os trabalhadores têm direito à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (art.
7º, IX, CF).

 PROTEÇÃO DO SALÁRIO
Os trabalhadores têm direito à proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua re-
tenção dolosa (art. 7º, X, CF).

 PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS


Os trabalhadores têm direito à participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da re-
muneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei
(art. 7º, XI, CF).

Trata-se de dispositivo constitucional que, no entender do STF, dependia de regulamentação


legal.195 A regulamentação ocorreu a partir da edição da Medida Provisória 794, de 29 de dezembro
de 1994 e das sucessivas medidas provisórias que a reeditaram até a MP 1.982-76, de 26 de outu-
bro de 2000, convertida na Lei 10.101/00.

Segundo o disposto no art. 1º da referida lei, a participação dos trabalhadores nos lucros ou
resultados da empresa constitui “*...+ instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como
incentivo à produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI, da Constituição”.

O art. 2º, por sua vez, estipula que:


Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a em-
presa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhi-
dos pelas partes de comum acordo:
I - comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante
indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II - convenção ou acordo coletivo.

 SALÁRIO-FAMÍLIA
O salário -família é pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda, nos ter-
mos da lei (art. 7º, XII, CF).
194
RE 260922, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em
30/05/2000, DJ 20-10-2000 PP-00128 EMENT VOL-02009-04 PP-00862
195
RE 569441, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2014,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015

118
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 DURAÇÃO DO TRABALHO NORMAL


Os trabalhadores têm direito à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias
e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, me-
diante acordo ou convenção coletiva de trabalho (art. 7º, XIII, CF).

Segundo entendimento do STF, a ausência de controle da jornada de trabalho é admitida nos


casos de cargos de gestão.196

Com relação à possibilidade de jornada especial de trabalho, o STF analisou, em controle


concentrado de constitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.842/DF, Relator Minis-
tro Edson Fachin), na Sessão Plenária de 14 de setembro de 2016, a legitimidade da jornada de 12
horas de trabalho por 36 horas de descanso no caso dos bombeiros civis. Segundo noticiado no
Informativo STF 839:
É constitucional o art. 5º da Lei 11.901/2009 *“A jornada do Bombeiro Civil é de 12 (doze)
horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso, num total de 36 (trinta e seis)
horas semanais”].

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido for-
mulado em ação direta que questionava o referido dispositivo.

Segundo o Tribunal, a norma impugnada não viola o art. 7º, XIII, CF:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à me-
lhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acor-
do ou convenção coletiva de trabalho;

A jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso encontra respaldo na faculdade


conferida pelo legislador constituinte para as hipóteses de compensação de horário. Embora não
exista previsão de reserva legal expressa no referido preceito, há a possibilidade de negociação
coletiva. Isso permite inferir que a exceção estabelecida na legislação questionada garante aos
bombeiros civis, em proporção razoável, descanso de 36 horas para cada 12 horas trabalhadas,
bem como jornada semanal de trabalho não superior a 36 horas.

Da mesma forma, não haveria ofensa ao art. 196, CF. A jornada de trabalho que ultrapassa a
8ª hora diária pode ser compensada com 36 horas de descanso e o limite de 36 horas semanais.
Ademais, não houve comprovação, com dados técnicos e periciais consistentes, de que essa jorna-
da causasse danos à saúde do trabalhador, o que afasta a suposta afronta ao art. 7º, XXII, CF.

Vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio. Para eles,
era procedente o pedido para fixar interpretação conforme à Constituição no sentido de que a
norma poderia ser excepcionada por acordo coletivo ou pelo exercício legítimo da liberdade de
contratação das partes.

196
RE 563.851 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 26-2-2008, 2ª T, DJE de 28-3-2008.

119
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 JORNADA DE SEIS HORAS PARA O TRABALHO REALIZADO EM TURNOS I-


NINTERRUPTOS
Os trabalhadores têm direito à jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos i-
ninterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva (art. 7º, XIV, CF).

Segundo o verbete da Súmula 675, STF:


Súmula 675. Os intervalos fixados para descanso e alimentação durante a jornada de
seis horas não descaracterizam o sistema de turnos ininterruptos de revezamento para o
efeito do art. 7º, XIV, da Constituição.

 REPOUSO SEMANAL REMUNERADO


É direito dos trabalhadores o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domin-
gos (art. 7º, XV, CF).

 REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO


A remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do
normal é direito dos trabalhadores (art. 7º, XVI, CF).

Segundo já decidido pela Primeira Turma do STF:


“Agravo regimental no agravo de instrumento. Servidor público. Pagamento de serviço
extraordinário. Artigo 7º, inciso XVI, da Constituição Federal. Autoaplicabilidade. 1. O art.
7º, inciso XVI, da Constituição Federal, que cuida do direito dos trabalhadores urbanos e
rurais à remuneração pelo serviço extraordinário com acréscimo de, no mínimo, 50%, a-
plica-se imediatamente aos servidores públicos, por consistir em norma autoaplicável.”
197

 FÉRIAS ANUAIS REMUNERADAS


Os trabalhadores têm direito ao gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um
terço a mais do que o salário normal (art. 7º, XVII, CF). Vale dizer que, ao entrar em férias, o traba-
lhador deve receber o salário normal (remuneração integral), acrescido de 1/3.

O STF analisou, em sede de repercussão geral, temas que orbitam o direito ao terço de férias,
entre eles as temáticas do período aquisitivo, da ausência de previsão legal específica da possibili-
dade de pagamento do terço independentemente do efetivo gozo das férias. A decisão unânime
está assim ementada:
“DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CARGO
COMISSIONADO. EXONERAÇÃO. FÉRIAS NÃO GOZADAS: PAGAMENTO ACRESCIDO DO
TERÇO CONSTITUCIONAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO EM LEI. JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO. 1. O direito individual às férias é adquirido após o período de doze

197
AI 642528 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 25/09/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 11-10-
2012 PUBLIC 15-10-12

120
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

meses trabalhados, sendo devido o pagamento do terço constitucional independente do


exercício desse direito. 2. A ausência de previsão legal não pode restringir o direito ao
pagamento do terço constitucional aos servidores exonerados de cargos comissionados
que não usufruíram férias. 3. O não pagamento do terço constitucional àquele que não
usufruiu o direito de férias é penalizá-lo duas vezes: primeiro por não ter se valido de seu
direito ao descanso, cuja finalidade é preservar a saúde física e psíquica do trabalhador;
segundo por vedar-lhe o direito ao acréscimo financeiro que teria recebido se tivesse usu-
198
fruído das férias no momento correto. 4. Recurso extraordinário não provido.”

Segundo o entendimento consolidado no STJ, é ilegítima a incidência de contribuição social


sobre o terço de férias.199 Também está consolidado o entendimento do STF quanto à possibilidade
de o servidor público aposentado ser indenizado por não ter fruído, em tempo e modo oportunos,
férias adquiridas em atividade.200

 LICENÇA À GESTANTE
As trabalhadoras gestantes têm direito à licença, com a duração de 120 dias, sem prejuízo do
emprego e do salário (art. 7º, XVIII, CF).

O STF atribui considerável eficácia normativa a este dispositivo constitucional, porquanto de-
cidiu ser legítima a aplicabilidade da licença às gestantes militares201, além de ter firmado o en-
tendimento de que
“*...+ as servidoras públicas e empregadas gestantes, independentemente do regime jurí-
dico de trabalho, têm direito à licença- maternidade de 120 dias e à estabilidade provisó-
ria desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do art. 7º,
202
XVIII, da CB e do art. 10, II, b, do ADCT.”

Na mesma linha interpretativa, o STF também entende que a licença e a estabilidade previs-
tas no art. 7º, XVIII, CF, abrange a hipótese de licença adoção. Confira-se a ementa:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUI-
PARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1. A li-
cença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença
gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da i-
gualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princí-
pio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem
grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adapta-
ção, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de
se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encon-
tram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como ve-
dação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de
internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à

198
AI 813805, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 11/04/11, publicado em DJe-074 DIVULG 18/04/11 PUBLIC 19/04/11
199
AgRg no REsp: 721682 PR, Relator(a) Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em: 02/02/10, Segunda Turma, publicado em:
18/02/10
200
AI nº 594.001/RJ-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 6/11/06
201
ARE 986824, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 18/10/16, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG
20/10/2016 PUBLIC 21/10/16
202
RE 597.989-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 28/03/2011

121
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina
no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e
adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Vio-
lação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela
da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever refor-
çado do Estado de assegurar- lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão,
em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitan-
do o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado
para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus
assumido pelas famílias adotantes, que de- vem ser encorajadas. 5. Mutação constitu-
cional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do me-
nor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre fi-
lhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração
da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do ar-
tigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma
a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo to-
tal de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de
afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º,
XVIII, CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em
favor da mãe gestante. 8. Tese da repercussão geral: ‘Os prazos da licença adotante não
podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respecti-
vas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em
203
função da idade da criança adotada’.”

As declarações de inconstitucionalidade do art. 210, Lei 8.112/90, e dos §§ 1º e 2º do art. 3º,


Resolução 30/08 do Conselho da Justiça Federal, embora mencionadas na ementa do julgado acima
transcrito, não foram expressamente mencionadas na tese de repercussão geral. De todo modo,
considerando que os dispositivos veiculam prazos diferenciados em razão da idade da criança ado-
tada, mostra-se indubitável que a declaração de inconstitucionalidade decorre da tese de repercus-
são geral.

Por fim, ressalte-se que, se a empresa à qual a trabalhadora for vinculada estiver inscrita no
Programa Empresa Cidadã, a licença-maternidade pode ser prorrogada em 60 dias (art. 1º, I, Lei
11.770/08), desde que “*...+ a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto”, de-
vendo ser “*...+ concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o
inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal” (art. 1º, § 1º, I).

A prorrogação é igualmente garantida à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial pa-
ra fins de adoção de criança (art. 1º, § 2º, Lei 11.770/08).

A empregada perde o direito à prorrogação caso exerça atividade remunerada ou que não
mantenha a criança sob seus cuidados durante o período (art. 4º, parágrafo único, Lei 11.770/08).

 LICENÇA-PATERNIDADE
Os trabalhadores têm direito à licença-paternidade, nos termos fixados em lei (art. 7º, XIX,
CF).
203
RE 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016

122
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Nos termos do art. 10, § 1º, ADCT:


Art. 10. (...)
§1º Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo
da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.

Considerado o advento da Lei 11.770/08, são dois os prazos de licença-paternidade, a de-


pender do fato de a empresa estar ou não inscrita no Programa Empresa Cidadã.

Não estando a empresa inscrita no referido programa, o respectivo trabalhador tem direito
a fruir 5 dias de licença-paternidade, nos termos do art. 10, § 1º, ADCT.

Caso a empresa integre o programa, passa a ser aplicável a Lei 11.770/08, de modo que a li-
cença-paternidade pode ser prorrogada em 15 dias, além dos 5 dias estabelecidos no ADCT:
LEI 11.770/08
Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar:
II - por 15 (quinze) dias a duração da licença-paternidade, nos termos desta Lei, além
dos 5 (cinco) dias estabelecidos no § 1o do art. 10 do Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias.
(...)
§ 1º A prorrogação de que trata este artigo:
II - será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que o
empregado a requeira no prazo de 2 (dois) dias úteis após o parto e comprove participa-
ção em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.

A prorrogação é igualmente garantida ao empregado que adotar ou obtiver guarda judicial


para fins de adoção de criança (art. 1º, § 2º, Lei 11.770/08).

O empregado perde o direito à prorrogação caso exerça atividade remunerada ou que não
mantenha a criança sob seus cuidados durante o período (art. 4º, parágrafo único, Lei 11.770/08).

 PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER


A Constituição também arrolou entre os direitos das trabalhadoras a proteção do mercado
de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 7º, XX).

 AVISO PRÉVIO
O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de trinta dias, nos termos da
lei inclui-se entre os direitos dos trabalhadores (art. 7º, XXI, CF). Segundo o disposto no art. 1º, Lei
12.506/11:
Art. 1º O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, será conce-
dido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de
serviço na mesma empresa.
Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por
ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfa-
zendo um total de até 90 (noventa) dias.

123
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Antes do advento da Lei 12.506/01 era viável a impetração de mandados de injunção no STF
em decorrência da impossibilidade de exercício de direito constitucionalmente previsto, mas ainda
dependente de regulamentação legal: acesso a aviso prévio superior a 30 dias. O STF, num primeiro
momento, fixou a mora legislativa, limitando-se a comunicar o teor da decisão ao Congresso Nacio-
nal:
“Mandado de injunção: ausência de regulamentação do direito ao aviso prévio propor-
cional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição da República. Mora legislativa: critério ob-
jetivo de sua verificação: procedência, para declarar a mora e comunicar a decisão ao
204
Congresso Nacional para que a supra.”

Posteriormente, considerado o contexto em que se avizinhava a regulamentação legal do a-


viso prévio proporcional, o STF decidiu adiar o julgamento do MI 943 para, após o advento da Lei
12.506/11, aplicar judicialmente os mesmos parâmetros previstos na lei, bem como para autorizar
aos Ministros daquela Corte a aplicação monocrática do mesmo entendimento. Confira-se:
“Mandado de injunção. 2. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Art. 7º, XXI, da
Constituição Federal. 3. Ausência de regulamentação. 4. Ação julgada procedente. 5. In-
dicação de adiamento com vistas a consolidar proposta conciliatória de concretização do
direito ao aviso prévio proporcional. 6. Retomado o julgamento. 7. Advento da Lei
12.506/2011, que regulamentou o direito ao aviso prévio proporcional. 8. Aplicação judi-
cial de parâmetros idênticos aos da referida legislação. 9. Autorização para que os minis-
tros apliquem monocraticamente esse entendimento aos mandados de injunção penden-
tes de julgamento, desde que impetrados antes do advento da lei regulamentadora. 10.
205
Mandado de injunção julgado procedente.”

O STF também firmou o entendimento de que, nos mandados de injunção impetrados antes
da edição da Lei 11.506/11,
“*...+ o empregado possui interesse processual no writ para ter assegurado o seu direito
ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço na hipótese de tê-lo recebido em valor
206
inferior ao que seria devido uma vez regulamentado o dispositivo constitucional. *...+.”

 REDUÇÃO DOS RISCOS INERENTES AO TRABALHO


A redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segu-
rança constitui direito dos trabalhadores (art. 7º, XXII, CF).

Segundo o verbete da Súmula 736, STF:


Súmula 736. Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de
pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde
dos trabalhadores.

204
STF - MI: 695 MA, Relator: Min. SEPÚLEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, Julgado em 01/03/07, Publicado em 20/04/07
205
STF - MI: 643 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, Julgado em 06/02/13, Publicado em 02/05/13
206
STF - MI 618 MG, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgado em 29/09/14, Publicado em 02/10/14

124
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 ADICIONAL DE REMUNERAÇÃO PARA AS ATIVIDADES PENOSAS, INSALU-


BRES OU PERIGOSAS
Os trabalhadores têm direito ao recebimento de adicional de remuneração para as atividades
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei (art. 7º, XXIII, CF).

 APOSENTADORIA
A aposentadoria constitui direito dos trabalhadores (art. 7º, XXIV, CF).

 ASSISTÊNCIA GRATUITA AOS FILHOS E DEPENDENTES


A Constituição garante assistência gratuita aos filhos e dependentes dos trabalhadores urba-
nos e rurais, desde o nascimento até 5 anos de idade em creches e pré-escolas (art. 7º, XXV).

 RECONHECIMENTO DAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABA-


LHO
A Constituição arrola entre os direitos dos trabalhadores o reconhecimento das convenções e
acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI).

Com relação à amplitude normativa do dispositivo em análise, veja-se o precedente do STF


em controle concentrado de constitucionalidade:
“*...+ A celebração de convenções e acordos coletivos de trabalho constitui direito reser-
vado exclusivamente aos trabalhadores da iniciativa privada. A negociação coletiva de-
manda a existência de partes detentoras de ampla autonomia negocial, o que não se re-
aliza no plano da relação estatutária. A administração pública é vinculada pelo princípio
da legalidade. A atribuição de vantagens aos servidores somente pode ser concedida a
partir de projeto de lei de iniciativa do chefe do Poder Executivo, consoante dispõe o art.
61, § 1º, II, “a” e “c”, da Constituição do Brasil, desde que supervenientemente aprovado
207
pelo Poder Legislativo. *...+.”

Por ocasião do julgamento do mérito de repercussão geral no Recurso Extraordinário


590.415/SC o STF afirmou a seguinte tese de repercussão geral:
“A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de
adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação am-
pla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição
tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos
demais instrumentos celebrados com o empregado.”

No que diz respeito ao advento de inovação legislativa posteriormente à fixação de norma


coletiva de trabalho, a jurisprudência do STF caminha no sentido de que
“*...+ a legislação superveniente que altera a política salarial fixada em norma coletiva de
208
trabalho não viola o direito adquiri- do, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”

207
ADI 559, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, Julgado em 15/02/2006, DJ 05-05-2006
208
STF - RE: 593126 RN, Relator: Min. EROS GRAU, Julgado em 10/02/09, Segunda Turma, Publicado em 13/03/09

125
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PROTEÇÃO EM FACE DA AUTOMAÇÃO


A Constituição prevê, no art. 7º, XXVII, o direito à proteção em face da automação, na forma
da lei.

 SEGURO CONTRA ACIDENTES DE TRABALHO


Os trabalhadores têm direito ao seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do emprega-
dor, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (art. 7º,
XXVIII, CF).

Segundo o verbete da Súmula Vinculante 22:


Súmula Vinculante 22. Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as a-
ções de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de traba-
lho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não pos-
suíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da EC 45/2004.

O Seguro Acidente do Trabalho (SAT) a que se refere o art. 7º, XXVII, CF, é disciplinado pela
Lei 8.212/91 nestes termos:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do dis-
posto no art. 23, é de:
(...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade
laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações
pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores
avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de aci-
dentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja
considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja
considerado grave.

O STF já reconheceu a legitimidade da cobrança da contribuição ao SAT com incidência sobre


o total das remunerações pagas a empregados e a trabalhadores avulsos.209 Note-se que, nos ter-
mos do dispositivo acima transcrito, parte dos recursos do SAT devem ser destinados ao financia-
mento de aposentadoria especial (arts. 57 e 58, Lei 8.213/91). O STF já teve oportunidade de se
pronunciar a respeito do tema:
“O Supremo Tribunal Federal decidiu ser constitucional o artigo 22, II, da Lei n. 8.212/91,
com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 9.732/98, o qual expressamente estabele-
ce que a contribuição destinada ao seguro de acidente do trabalho também custeará o
210
benefício de aposentadoria especial *...+.”

209
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 742.458/DF. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 14 abr. 2009.
210
RE 365.913-AgR-ED, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 23.6.2006

126
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 AÇÃO QUANTO AOS CRÉDITOS RESULTANTES DAS RELAÇÕES DE TRABA-


LHO
Segundo o disposto no art. 7º, XXIX, CF, a ação do trabalhador quanto aos créditos resultan-
tes das relações de trabalho está sujeita a prazo prescricional de 5 anos para os trabalhadores ur-
banos e rurais, até o limite de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho.

 PROIBIÇÃO DE DIFERENÇA DE SALÁRIOS


A proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil também constitui direito dos trabalhadores (art. 7º, XXX,
CF).

Segundo o verbete da Súmula 683, STF:


Súmula 683. O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em
face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atri-
buições do cargo a ser preenchido.

A Segunda Turma do STF, apesar de a literalidade do dispositivo não mencionar nacionalida-


de, firmou entendimento assim ementado:
“CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO
EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILI-
DADE AO TRABALHADOR ES- TRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F, 1967,
art. 153, § 1º; C.F, 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obs-
tante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pesso-
al da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita
ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F, 1967,
art. 153, §1º; C.F, 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo,
qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionali-
211
dade, o credo religioso, etc., é inconstitucional.”

 PROIBIÇÃO DE QUALQUER DISCRIMINAÇÃO NO TOCANTE A SALÁRIO E


CRITÉRIOS DE ADMISSÃO DO TRABALHADOR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
É constitucionalmente proibida qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 7º, XXXI, CF).

 PROIBIÇÃO DE DISTINÇÃO ENTRE TRABALHO MANUAL, TÉCNICO E INTE-


LECTUAL
Também é constitucionalmente proibida a distinção entre trabalho manual, técnico e inte-
lectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7º, XXXII, CF).

 PROIBIÇÃO DE TRABALHO NOTURNO, PERIGOSO OU INSALUBRE

211
STF - RE: 161243 DF, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Julgado em 29/10/96, Segunda Turma, Publicado em DJ 19/12/97

127
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A Constituição proíbe trabalhos noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qual-


quer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos (art. 7º,
XXXIII).

O dispositivo tem nítido caráter de proteção, vocacionado a evitar a ocorrência do trabalho


por parte de menores em condições inapropriadas. Contudo, não parece correto interpretar o
dispositivo no sentido de se impedir contagem de tempo de serviço acaso comprovado o efetivo
trabalho. Neste sentido:
“*...+. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da
Constituição “não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exer-
ce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e de-
212
fesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos.”

 IGUALDADE DE DIREITOS
A Constituição, no art. 7º, XXXIV, prevê o direito à igualdade de direitos entre o trabalhador
com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

 TRABALHADORES DOMÉSTICOS
Art. 7º (...)
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos
previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI,
XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplifi-
cação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes
da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV
e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.

A primeira parte do dispositivo garante aos trabalhadores domésticos, independentemente


de outras condições, os seguintes direitos, bem como a sua integração à previdência social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas ne-
cessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,
lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que
lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração
variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposen-
tadoria;
X- proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acor-
do ou convenção coletiva de trabalho;
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por
cento à do normal;

212
RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 09/08/11

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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o sa-
lário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento
e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos
termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança;
XXIV - aposentadoria;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admis-
são por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão
do trabalhador portador de deficiência; e
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
de quatorze anos.

A segunda parte do dispositivo assegura ao trabalhador doméstico o acesso a outros direitos,


desde que “*...+ atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cum-
primento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e
suas peculiaridades”. Tais direitos são os seguintes:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos
termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros di-
reitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos
termos da lei;
XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) a-
nos de idade em creches e pré-escolas; e
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a inde-
nização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

 ASSOCIAÇÃO SINDICAL
 LIBERDADE SINDICAL
A associação profissional ou sindical é livre, atendidos os seguintes requisitos (art. 8º, CF):
Art. 8º
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado
o registro no órgão competente, vedados ao Poder Público a interferência e a interven-
ção na organização sindical; e
(...)
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.

129
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O Estado não pode interferir no funcionamento de sindicato, seja antes, durante ou depois
de sua criação. Exige-se apenas o registro no órgão competente.

 UNICIDADE SINDICAL
Segundo o disposto no art. 8º, II, CF, é vedada a criação de mais de uma organização sindical,
em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territori-
al, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior
a área de um Município.

Como se percebe, proíbe-se a existência de mais de um sindicato representativo da mesma


categoria profissional ou econômica em mesma base territorial. Quem decide a extensão dessa
área são os interessados, desde que não seja inferior a Município.

 ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS DO SINDICATO


Ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,
inclusive em questões judiciais ou administrativas (art. 8º, III, CF). O sindicato não depende de pro-
curação para defender tais interesses, já que esta deriva da própria Constituição.

É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas (art. 8º, VI, CF). É exigí-
vel, portanto, a participação dos sindicatos representativos das categorias profissionais ou econô-
micas nas Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.

 ESTABILIDADE PROVISÓRIA DO DIRIGENTE SINDICAL


É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro de sua candidatura a
cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até 1 ano após o final
do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei (CF, art. 8º, VIII).

O empregado, a partir do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação


sindical, não pode mais ser demitido, a não ser que cometa falta grave. Essa estabilidade provisória
perdura até a data de apuração dos votos para os não eleitos e até 1 ano após o término do man-
dato para os eleitos, ainda que na condição de suplentes.

 DIREITO DE GREVE
É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade
de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º, caput, CF), sendo
que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessi-
dades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF). Os abusos cometidos no exercício do direito de
greve sujeitam os responsáveis às penas da lei (art. 8º, § 2º, CF).

Estas disposições constitucionais são tratadas na Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício
do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadi-
áveis da comunidade. Em termos legais, a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou par-
cial, de prestação pessoal de serviços a empregador é considerada legítimo exercício do direito de
greve (art. 2º).

130
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Faculta-se a cessação coletiva do trabalho quando frustrada a negociação ou verificada a


impossibilidade de recursos via arbitral (art. 3º), devendo haver notificação da paralisação, com
antecedência mínima de 48 horas, à entidade patronal correspondente ou aos empregadores dire-
tamente interessados (art. 3º, parágrafo único).

Cabe à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia ge-
ral a fim de definir as reivindicações da categoria e deliberar sobre a paralisação coletiva da presta-
ção de serviços (art. 4º, caput). Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores
interessados deve deliberar para os fins previstos no caput, constituindo comissão de negociação
(art. 4º, § 2º).

A entidade sindical ou a comissão especialmente eleita representará os interesses dos traba-


lhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho (art. 5º).

Durante o exercício do direito de greve:


LEI 7.783/89
Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:
I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a ade-
rirem à greve;
II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores pode-
rão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.
§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao compareci-
mento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.
§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impe-
dir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Desde que observados os parâmetros da Lei 7.783/89, a participação em greve suspende o


contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acor-
do, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho (art. 7º, caput).

É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de


trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14213 (art. 7º,
parágrafo único).

Compete à Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público
do Trabalho, decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações,
cumprindo ao respectivo Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão (art. 8º).

213
Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o
empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em
prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à
retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os
serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da
paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a
paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de
trabalho.

131
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

São considerados serviços ou atividades essenciais:


Art. 10. (...)
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás
e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucle-
ares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária;
XII - atividades médico-periciais relacionadas com o regime geral de previdência social e
a assistência social;
XIII - atividades médico-periciais relacionadas com a caracterização do impedimento físi-
co, mental, intelectual ou sensorial da pessoa com deficiência, por meio da integração
de equipes multiprofissionais e interdisciplinares, para fins de reconhecimento de direi-
tos previstos em lei, em especial na Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da
Pessoa com Deficiência); e
XIV - outras prestações médico-periciais da carreira de Perito Médico Federal indispen-
sáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores fi-


cam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensá-
veis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 11). Consideram-se necessi-
dades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a so-
brevivência, a saúde ou a segurança da população (art. 11, parágrafo único).

Inobservada a garantia de prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das neces-


sidades inadiáveis da comunidade, o Poder Público assegurará sua prestação (art. 12).

Quando a greve envolver serviços ou atividades essenciais, as entidades sindicais ou os traba-


lhadores, conforme o caso, são obrigados a comunicar a decisão grevista aos empregadores e aos
usuários com antecedência mínima de 72 horas da paralisação (art. 13).

A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve,


deve ser apurada, conforme o caso, segundo as legislações trabalhista, civil ou penal (art. 15), de-
vendo o Ministério Público requisitar, independentemente de provocação, a abertura de inquérito
e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito (art. 15, parágrafo único).

A prática do lockout, ou seja, a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com
o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos
empregados é vedada (art. 17, caput), sendo assegurados aos trabalhadores, acaso configurado o
lockout, o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação (art. 17, parágrafo
único).

132
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NOS ÓRGÃOS COLEGIADOS


É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos
públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão ou deli-
beração (art. 10, CF).

 REPRESENTAÇÃO DOS EMPREGADOS JUNTO AOS EMPREGADORES


Nas empresas de mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante des-
tes com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores (art. 11, CF).
Qualquer filiado ao sindicado tem direito a voto nas deliberações sindicais. Esse direito é extensi-
vo ao filiado aposentado.

NACIONALIDADE E DIREITOS POLÍTICOS

 NACIONALIDADE
Nacionalidade é o vínculo jurídico que se estabelece
entre o indivíduo e determinado Estado, fazendo deste
indivíduo um componente do povo, capacitando-o a exigir
sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento dos deveres
impostos.

Cada Estado diz livremente quem são os seus


nacionais. Compete, pois, ao direito interno de cada Estado
definir quem são seus nacionais. O conceito de estrangeiro, portanto, fica por exclusão: quem não
for considerado nacional de um país é considerado estrangeiro.

A população de um país é formada por todas as pessoas que são juridicamente214 reconheci-
das como nacionais (e, por isso, integram o povo desse país) e por todos os estrangeiros residen-
tes.215 Segundo Francisco Rezek:
“Nacionalidade é um vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que
faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Esta-
do. Importante no âmbito do direito das gentes, esse vínculo político recebe, en-
tretanto, uma disciplina jurídica de direito interno: a cada Estado incumbe legislar
sobre sua própria nacionalidade, desde que respeitadas, no direito internacional,

214
Celso Ribeiro Bastos leciona que “povo é o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado. Se o território é o elemento material do
Estado, o povo é o seu substrato humano. Não pode, obviamente, haver Estado sem povo. O que determina se alguém faz ou não parte
do povo de um Estado é o direito. Daí porque ser a nacionalidade um vínculo jurídico. É por ela que o Estado considera alguém como seu
membro.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 18).
215
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 251.

133
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

as regras gerais, assim como as regras particulares com que acaso tenha se com-
216
prometido.”

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 15, dispõe que o Estado não
pode arbitrariamente privar o indivíduo de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de naciona-
lidade.

A nacionalidade, enquanto categoria jurídica, divide-se doutrinariamente em primária e se-


cundária:
“Nacionalidade primária, ou originária, é aquela que o indivíduo adquire por força
do nascimento. Portanto, o vinculo jurídico estabelecido emana de uma atribuição
unilateral do Estado, fazendo com que o indivíduo adquira a qualidade de nacio-
nal junto àquele, independentemente de sua vontade. Nacionalidade secundária,
ou adquirida, diferentemente, é aquela que provém de uma manifestação híbrida,
ou seja, de um lado, o indivíduo, apátrida ou estrangeiro, que solicita ou opta por
essa nova nacionalidade e, de outro, o Estado, que assente nessa escolha, forma-
217
lizando a naturalização.”

Assim, para fazermos a correlação com o texto constitucional, a nacionalidade originária se-
ria a dos brasileiros natos, enquanto que a nacionalidade secundária seria a dos brasileiros natura-
lizados.

 BRASILEIROS NATOS
De acordo com o art. 12, I, CF, são brasileiros natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde
que estes não estejam a serviço de seu país.

A regra geral adotada nesta alínea é de origem territorial (jus soli), pois o que importa para
determinação da nacionalidade é o local, o território no qual se dá o nascimento, mesmo em se
tratando de pais estrangeiros.

Contudo, o próprio dispositivo acaba por acolher, com a utilização da expressão “desde que
estes não estejam a serviço de seu país”, o critério sanguíneo (jus sanguinis), como exceção à re-
gra.218

Assim, se qualquer um dos pais estrangeiros de uma pessoa que nasça no Brasil estiver a ser-
viço de seu país, o que vale é a exceção á regra, ou seja: trata-se de estrangeiro.

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer de-
les esteja a serviço da República Federativa do Brasil.

216
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170.
217
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 252-
253.
218
“A advertência contida na Segunda parte da alínea – ‘desde que estes não estejam a serviço de seu país’ - abriu campo para a adoção
mitigada do critério jus sanguinis, ou seja, atribui-se ao indivíduo o status de nacional de acordo com a nacionalidade do genitor ou da
genitora.” (BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 478.)

134
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Esta alínea
“empalma o critério sanguíneo condicionado, pois, independentemente de qual-
quer outro aspecto, atribui a nacionalidade originária àquele que, nascido em ou-
tro país, seja filho de pai ou de mãe brasileiros (ambos ou apenas um), sob a con-
dição de que o genitor brasileiro lá esteja a serviço da República Federativa do
219
Brasil.”

A condição a que se referem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior é domi-
nada por Uadi Lamêgo Bulos como “critério funcional”, significando que “além do vínculo de sangue
é necessário que os pais brasileiros – sejam eles natos ou naturalizados – estejam cumprindo missão
oficial em nome do Brasil”.220

Assim, por exemplo, o filho de um diplomata brasileiro que esteja acreditado no Japão é con-
siderado brasileiro nato, ainda que lá ocorra o nascimento.

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam re-
gistrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federati-
va do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela naciona-
lidade brasileira.

A EC 54/07 alterou a redação original da alínea “c”, trazendo a possibilidade de o filho de pai
ou mãe brasileira, quando nascido no estrangeiro e registrado em repartição brasileira competente,
optar pela nacionalidade brasileira mesmo sem no Brasil fixar residência.

A EC 54/07 também alterou a redação original da alínea “c” no tocante ao momento em que
se admite a opção pela nacionalidade brasileira. Com efeito, antes da alteração era comum o ajui-
zamento de demandas para opção de nacionalidade em nome quem ainda não havia atingido a
maioridade. A EC 54/07 nada mais fez, neste ponto, do que reconhecer jurisprudência pacífica no
sentido de que a opção somente poderia ser feita após a maioridade, forte no argumento de a op-
ção consubstanciar-se direito personalíssimo e de natureza política.221

Assim, no caso dos nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira que não estão a serviço
do país, são duas as possibilidades, sendo em, em ambas, deve-se aguardar a maioridade civil. A
primeira decorre de registro em repartição brasileira competente e opção pela nacionalidade bra-
sileira. A segunda decorre de fixação de residência na República Federativa do Brasil e opção pela
nacionalidade brasileira.

Por se tratar de direito político, não se admite a representação na escolha da nacionalidade.


Deve-se aguardar a maioridade para poder fazer a opção. Trata-se de ato personalíssimo.

A competência jurisdicional para análise da pretensão de opção pela nacionalidade brasileira


é da Justiça Federal de Primeiro Grau (art. 109, I, CF).222

219
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255.
220
BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 479.
221
“A opção de nacionalidade é um direito personalíssimo e, como tal, só pode ser exercitado após o titular completar a maioridade”
(Apelação Cível n° 97.04.21723-4/PR; Terceira Turma; Relator Juíza Luíza Dias Cassales. DJ 27-05-1998).
222
CF, Art. 109. “Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública

135
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Atendidos os pressupostos constitucionais para deferimento da pretensão (nascimento no


estrangeiro + filho de pai ou mãe brasileira + residência no Brasil ou registro em repartição brasilei-
ra competente + opção pela nacionalidade brasileira), ao Juiz Federal cabe simplesmente o reco-
nhecimento da nacionalidade brasileira e, após o trânsito em julgado da sentença, a expedição de
ofício ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais a fim de que a opção seja inscrita no Livro
“E” daquele órgão (art. 32, § 4º, Lei 6.015/73).

Portanto, o provimento jurisdicional, no caso da opção pela nacionalidade brasileira, é decla-


ratório.

Existem dois posicionamentos doutrinários a respeito da necessidade de se ingressar em juí-


zo, após a maioridade, para se fazer a opção pela nacionalidade brasileira no caso de registro em
repartição brasileira competente logo após o nascimento. Para Uadi Lamêgo Bulos,
“o sujeito pode vir a residir no Brasil a qualquer tempo, mesmo depois de comple-
tar 18 anos, que será tido, automaticamente, como nacional, sem a necessidade
223
de chancela nacional.”

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior argumentam que
“com o nascimento, lavrado o respectivo termo, este deve ser transcrito na repar-
tição competente, servindo, pois, como opção provisória, a ser confirmada por
224
ocasião da maioridade.”

A nosso ver a opção pela nacionalidade, seja no caso de residência no país ou no caso de re-
gistro em repartição brasileira competente, por se tratar de direito personalíssimo, deve ser exer-
ci- do apenas pelo titular, após a maioridade. Assim, em ambos os casos, persistiria a necessidade
de ação perante a Justiça Federal.

Em ambas as situações da alínea “c” (registro em repartição brasileira competente e fixação


de residência no Brasil), enquanto persistir a menoridade – e, consequentemente, a impossibilida-
de de se optar pela nacionalidade brasileira –, a situação jurídica é diversa daquela relativa a
quem já atingiu a maioridade. Segundo entendimento do STF:
“A partir da maioridade, que a torna possível, a nacionalidade do filho brasileiro, nascido
no estrangeiro, mas residente no País, fica sujeita à condição suspensiva da homologa-
ção judicial da opção. Esse condicionamento suspensivo, só vigora a partir da maiorida-
de; antes, desde que residente no País, o menor - mediante o registro provisório previsto
no art. 32, § 2º, da Lei dos Registros Públicos - se considera brasileiro nato, para todos os
efeitos.” (RE 415957. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 16-09-2005).

Portanto, durante todo o período da menoridade civil, o indivíduo é considerado brasileiro


nato, desde que seja feito o registro provisório previsto no art. 32, § 2º, Lei 6.015/73. A partir da
maioridade, a nacionalidade permanece suspensa até que se implemente a condição da efetiva
opção pela nacionalidade brasileira.

federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. Sob a ótica do STJ: “Na linha de precedente da Segunda Seção, a Justiça Federal é
competente para apreciar "pedido de transcrição do termo de nascimento de menor nascida no estrangeiro, filha de mãe brasileira que
não estava a serviço do Brasil” (Conflito de Competência 18.074-DF, Rel. Min. César Asfor Rocha, 2ª Seção, 10/09/1997).
223
BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 482.
224
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 257.

136
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 BRASILEIROS NATURALIZADOS
De acordo com o art. 12, II, CF, são brasileiros naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários
de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade
moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Bra-


sil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a
nacionalidade brasileira.

 PROIBIÇÃO DE DISTINÇÃO
A lei não pode estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo casos pre-
vistos na Constituição (art. 12, § 2º, CF).

 CARGOS PRIVATIVOS DE BRASILEIROS NATOS


Dentre as distinções que a Constituição prevê está a reserva de alguns cargos a brasileiros
natos:
Art. 12. (...)
§ 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa.

Observe-se que o naturalizado não está impedido de ser Ministro de Estado, Deputado Fede-
ral ou Senador (só não pode presidir nenhuma das Casas), Procurador Geral da República e de per-
tencer a qualquer nível do Ministério Público. Quanto à magistratura, só não pode integrar o Su-
premo Tribunal Federal. Nas Forças Armadas pode chegar a sargento.

 FUNÇÃO PRIVATIVA DE BRASILEIROS NATOS


Outra distinção constitucionalmente prevista: o art. 89, VII, CF, prevê a participação, no Con-
selho da República (órgão superior de consulta do Presidente da República), de 6 cidadãos brasilei-
ros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois
eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados.

 EXTRADIÇÃO
Nenhum brasileiro nato pode ser extraditado, ao passo que o naturalizado, em caso de crime
comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de en-
torpecentes e drogas afins pode ser submetido a processo de extradição (art. 5º, LI, CF).

137
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 EMPRESAS JORNALÍSTICAS E DE RADIOFUSÃO


Segundo o artigo 222, caput, CF, a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão so-
nora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos, ou
de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

Como se percebe, embora haja certa diferenciação entre brasileiros natos e naturalizados,
não se pode afirmar que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens esteja fora do alcance de brasileiros naturalizados.

O art. 222, CF, também faz distinção entre brasileiros natos e naturalizados. Contudo, é im-
portante destacar que brasileiros naturalizados podem ser proprietários de tais empresas, bastan-
do que tenham sido naturalizados há mais de 10 anos.

Note-se também que pessoas jurídicas podem ser proprietárias de empresa jornalística e de ra-
diodifusão sonora e de sons e imagens, desde que implementem dois requisitos: sejam constituí- das
sob as leis brasileiras e tenham sede no País.

Seja como for, o § 1º do art. 222 dispõe que, em qualquer caso (propriedade de brasileiro
nato, de brasileiro naturalizado ou de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e com sede
no Brasil), pelo menos 70% do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros
natos ou naturalizados há mais de 10 anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das ativida-
des e estabelecerão o conteúdo da programação.

E o § 2º, por sua vez, prevê que a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção
da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez a-
nos, em qualquer meio de comunicação social.

 PERDA DA NACIONALIDADE
O artigo 12, § 4º, CF, arrola as duas hipóteses de perda da nacionalidade brasileira.

A primeira está relacionada única e exclusivamente com o brasileiro naturalizado, porquanto


decorre de cancelamento da naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao
interesse nacional.

A segunda é aplicável a brasileiros natos e naturalizados, sendo aplicável quando houver a a-


quisição de outra nacionalidade (regra geral), salvo em dois contextos (exceções).

As exceções à regra de perda da nacionalidade brasileira quando da aquisição de outra nacio-


nalidade acarretam a possibilidade jurídica da dupla nacionalidade e são as seguintes:
a) Reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira. Trata-se de benefí-
cio obtido pelo nacional brasileiro no exterior, situação comum em se tratando de brasi-
leiros descen- dentes de italianos, pois a Itália toma por base o jus sanguinis para deter-
minar a nacionalidade.

138
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) Imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado es-


trangeiro, como condição para a permanência em seu território ou para o exercício de di-
reitos civis. Quando o brasileiro, nato ou naturalizado, tiver de, para implementar condição
de permanência no estrangeiro ou de exercício de direitos civis, naturalizar-se em país es-
trangeiro, não há falar em perda da nacionalidade brasileira.225

As disposições constitucionais de perda da nacionalidade estão em consonância com o art.


15, Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 15
I) Todo homem tem direito a uma nacionalidade.
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar
de nacionalidade.

 PORTUGUÊS EQUIPARADO
Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de
brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos na Constitui-
ção (art. 12, § 4º, CF).

Os portugueses equiparados não perdem a condição de estrangeiros. Ele não são nem brasi-
leiros natos, nem brasileiros naturalizados. Entretanto, o Constituinte Originário assegurou-lhes os
mesmos direitos dos brasileiros naturalizados, desde que haja reciprocidade prevista na Constitui-
ção ou na legislação lusitanas. Assim, além de direitos civis, é possível a obtenção de direitos polí-
ticos.

Para a obtenção da igualdade de direitos prevista no art. 12, § 4º, CF, além da residência
permanente no Brasil, é necessário já se ter atingido a maioridade civil, e o pedido é feito ao Mi-
nistro da Justiça.

 APÁTRIDAS
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 15, dispõe que “Ninguém será
arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.

Segundo José Francisco Rezek


“esse duplo preceito sucede, no contexto do artigo, à afirmação de que todo indi-
víduo tem direito a uma nacionalidade – regra que recolhe unânime simpatia,
mas que carece de eficácia garantida, por não ter um destinatário identificável.”
226

Além da declaração do direito a nacionalidade e das proibições à arbitrária privação da na-


cionalidade e do direito à mudança de nacionalidade (art. 15, Declaração Universal dos Direitos do
Homem), aponta-se uma inovação prevista no art. 20, 2, Convenção Americana sobre Direitos Hu-

225
“Para que acarrete a perda da nossa nacionalidade, a naturalização voluntária, no exterior, deve necessariamente envolver uma
conduta ativa e específica” (REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 180).
226
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 172.

139
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

manos (Pacto de São José da Costa Rica): “Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em
cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra”.

Assim, ao menos com relação aos Estados signatários do Pacto de São José da Costa Rica,
mostra-se extremamente improvável a situação do apátrida, ou seja, do indivíduo que não é nacio-
nal de país algum.

 DIREITOS POLÍTICOS
 SOBERANIA POPULAR
Os direitos políticos constituem um desdobramento do
princípio democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, CF,
que afirma todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente.

Assim, os direitos políticos constituem-se num conjunto de regras disciplinadoras da


atuação da soberania popular, permitindo ao cidadão o exercício concreto da liberdade de
participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania.

De acordo com o art. 14, CF, a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito,
referendo e iniciativa popular.

 SUFRÁGIO
O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de
eleger e de ser eleito. Dessa forma, o direito de sufrágio se apresenta em duas grandes dimensões:
o direito de votar e o direito de ser votado.

As palavras sufrágio e voto têm sido, ao longo do tempo, utilizadas como sinônimas, quando,
na verdade, não o são. A própria redação do art. 14, CF, ao dizer que o sufrágio é universal e o voto
é direto, secreto e tem valor igual, confere-lhes significados diferentes.

Sufrágio é direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, de ser
eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.

No Brasil, por imposição da própria CF, o sufrágio é universal. Vale dizer: o direito de votar e
ser votado é concedido a todos os nacionais, independentemente de fixação de condições de
nascimento, econômicas, culturais ou outras características especiais. A existência, no direito
brasileiro, de requisitos de forma, como necessidade de alistamento eleitoral e de fundo, como
nacionalidade e idade mínima, não retiram a universalidade do sufrágio.

Na democracia, o povo, com mais ou com menos requinte, governa-se a si mesmo e decide o
seu destino. Faz-se representar, sendo o voto o instrumento da representação. O voto é, o
instrumento da democracia formal, procedimental.

140
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O povo é a fonte de todo o poder, mas não é o poder. O povo vota em representantes, que
são seus delegados e que agem em seu nome. Nas democracias o povo é a única fonte de poder,
que o transmite, em eleições periódicas, aos seus representantes.

O direito de sufrágio, no tocante ao direito de eleger, ou seja, a capacidade eleitoral ativa, é


exercido por meio do direito do voto, que é o instrumento de exercício do direito de sufrágio.

O voto é direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social
de soberania popular na democracia representativa, mesmo porque, no Brasil, ele é obrigatório
para maiores de 18 e menores de 70 anos de idade.

Por disposição do art. 7º, Lei 6.091/74, o eleitor que deixar de votar e não se justificar
perante o Juiz Eleitoral até 60 dias após a realização da eleição incorre na multa de 3 a 10% sobre o
salário mínimo da região, imposta pelo Juiz Eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367, Lei
4.737/65.

Pelo art. 16 daquela mesma lei, o eleitor que deixar de votar por se encontrar ausente de seu
domicílio eleitoral deverá justificar a falta, no prazo de 60 dias, por meio de requerimento dirigido
ao Juiz Eleitoral de sua Zona de inscrição, que mandará anotar o fato na respectiva folha individual
de votação. Estando no Exterior no dia em que se realizarem eleições, o eleitor terá o prazo de 30
dias, a contar de sua volta ao País, para a justificação.

No Brasil, entre 1891 e 1930 e de 1946 a 1964, a prática foi a da eleição direta, ou seja, a
eleição de representantes pelo voto direto de cada eleitor. Depois de 1964, com o regime
autoritário estabelecido, adotou-se a eleição indireta: somente por meio do voto dos membros do
Poder Legislativo eram eleitos o Presidente da República o Vice-Presidente da República, os
Governadores de Estados Federados e os respectivos Vice-Governadores.

Foi com o advento da Emenda Constitucional 15/80 que se restabeleceu a eleição direta
para Governadores e Vice-Governadores. Mais tarde, com a promulgação da Emenda
Constitucional 25, já em 1985, restou novamente implantada a eleição direta para Presidente e
Vice-Presidente da República.

A eleição direta, assim como a indireta, convive bem em qualquer regime democrático,
desde que, à toda evidência, assegure-se a liberdade do voto sem intimidação ou coação, sem a
edição de um regime de exceção, que é a mutilação do Estado de Direito.

O art. 14, ora em comento, contém a expressão “voto direto e secreto”. Com isso, não houve
recepção de parte do art. 2º do Código Eleitoral que, por ter sido editado em 1965, em pleno
regime autoritário, permitia a eleição indireta.

 PLEBISCITO, REFERENDO E INICIATIVA POPULAR


Além do voto direto e secreto, os incisos do art. 14, CF, estatuem que a soberania popular
também é também exercida por meio de plebiscito, de referendo e de iniciativa popular.

Essa disposição constitucional é repetida pelo art. 1º, Lei 9.709/98, que é a lei reguladora
destas três dimensões do exercício da soberania popular no Brasil.

141
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de
acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao


povo, pelo voto, aprovar ou não o que lhe tenha sido submetido.

Convocado o plebiscito em relação a projeto legislativo ou medida administrativa,


evidentemente ainda não efetivados, têm suas tramitações suspensas até a proclamação do
resultado das urnas.

O referendo é convocado em momento posterior a ato legislativo ou administrativo,


cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

O referendo pode ser convocado no prazo de 30 dias, a contar da promulgação de lei ou


adoção de medida administrativa que se relacione de maneira direta com a consulta popular (Lei
9.709/98).

Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder


Executivo, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta
de, no mínimo, um terço dos membros que compõem qualquer uma das Casas do Congresso
Nacional (art. 3º, Lei 9.709/98).

Qualquer assunto, desde que relevante e de interesse nacional, pode ser levado à consulta
direta do povo, quer anteriormente ao ato, mediante plebiscito, quer posteriormente, por meio de
referendo. Com respeito ao plebiscito, ele é obrigatório para decidir a respeito dos assuntos
previstos nos §§ 3º e 4º do art. 18, CF.227

A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados,


subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco
Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (art. 61, § 2º,
CF).

Tendo em vista tratar-se de projeto de lei elaborado por pessoas do povo, o art. 13, § 2º, Lei
9.709/98, veda a rejeição de projeto de lei de iniciativa popular por vício de forma, cabendo à
Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais
impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

 PROCESSO ELEITORAL
 ALISTAMENTO ELEITORAL

227
CF, Art. 18. “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Fede-
ral e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 3º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou
desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e
o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e depen-
derão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade
Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”

142
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O alistamento antecede o voto, como um processo eleitoral afim ou secundário. O


alistamento é realizado com a qualificação e a inscrição do eleitor. Por qualificação entende-se a
prova de que o cidadão satisfaz às exigências legais para exercer o direito de voto. Por inscrição
entende-se a inclusão do nome do eleitor qualificado no rol dos eleitores.

Assim, o alistamento é um processo eleitoral que consiste na composição da identidade, da


idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do eleitor,
habilitando-o à inclusão na lista de eleitores para fins de voto, de elegibilidade e de filiação
partidária, após a expedição do respectivo título eleitoral.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos


para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os maiores de 16 anos e menores de 18 anos (art. 14,
§ 1º, CF).

Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos (art. 14, § 2º, CF).

Os §§ 1º e 2º do art. 14, CF, tratam da chamada capacidade eleitoral ativa, ou seja, da


possibilidade de votar. É o exercício do direito de sufrágio.

A partir do advento da Constituição de 1988 o exercício da capacidade eleitoral ativa se


opera pelas disposições nela previstas. Assim, como o Constituinte Originário ampliou o universo
daqueles que votam – pois incluídos, como facultativamente alistáveis e detentores do direito de
voto, os analfabetos e aqueles que têm idades entre dezesseis e dezoito anos – não há falar em
recepção dos arts. 4º a 6º, Código Eleitoral.

Observe-se que os estrangeiros não detêm capacidade eleitoral ativa, motivo pelo qual não
podem votar nas eleições brasileiras. Assim, a primeira conclusão é a de que somente os brasileiros
natos e naturalizados estariam aptos a eleger representantes no Brasil (art. 14, § 2º, CF). Contudo,
conforme mencionado no tópico da nacionalidade, existe ainda o caso do português equiparado,
ao qual, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro naturalizado (civis e, inclusive, políticos). Portanto, o português equiparado, enquanto
houver reciprocidade por parte de Portugal com relação aos brasileiros lá residentes, tem
capacidade eleitoral ativa.

 CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
São condições de elegibilidade: nacionalidade brasileira; pleno exercício dos direitos
políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na circunscrição; filiação partidária; e idade
mínima (art. 14, § 3º, CF).

O art. 14, § 3º, ao dispor sobre as condições de elegibilidade, trata da chamada capacidade
eleitoral passiva, ou seja, da possibilidade de ser votado.

 NACIONALIDADE BRASILEIRA
A condição da nacionalidade brasileira apresenta-se em relação a todos os cargos eletivos.

143
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PLENO EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS


Este requisito deve ser analisado em conjunto com as regras do art. 15, CF, segundo o qual é
vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta;
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir
obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII, CF;228 improbidade
administrativa, nos termos do art. 37, § 4º, CF.229

Preliminarmente, lembremos que é expressamente vedada a cassação de direitos políticos.

Somente os brasileiros natos, naturalizados e os portugueses equiparados que possuem


capacidade eleitoral ativa. Portanto, o brasileiro naturalizado que tiver cancelada a respectiva
naturalização, por sentença transitada em julgado, perde os direitos políticos no Brasil.

A incapacidade civil absoluta: não acarreta perda, mas suspensão de direitos políticos.

Outra hipótese de suspensão – e não de perda – de direitos políticos decorre de condenação


criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. Os efeitos da condenação
perduram enquanto não extinta a pretensão executória estatal, seja pelo cumprimento da pena ou
pela prescrição.

Já a recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do


art. 5º, VIII, CF, ocasiona a perda dos direitos políticos.

Por fim no caso de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º, a CF prevê a
suspensão dos direitos políticos.

 ALISTAMENTO ELEITORAL
Conforme mencionado acima, o alistamento antecede o voto, como um processo eleitoral
afim ou secundário. O alistamento é um processo eleitoral que consiste na composição da
identidade, da idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do
eleitor, habilitando-o à inclusão na lista de eleitores para fins de voto, de elegibilidade e de filiação
partidária, após a expedição do respectivo título eleitoral.

 DOMICÍLIO ELEITORAL NA CIRCUNSCRIÇÃO


Domicílio, residência e habitação são coisas diferentes, pela sua graduação e importância.
Uma pessoa pode habitar em um local sem nele residir, pois pode estar apenas de passagem; pode,
ainda, ter a residência em um local, sem nela fixar domicílio porque este decorre da fixação de
residência com ânimo definitivo.

228
Art. 5º. “VIII - Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invo-
car para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
229
Art. 37. “§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

144
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O Código Eleitoral é expresso quanto à determinação do domicílio eleitoral. Este é


importante não somente para o efeito da inscrição, a fim de se obter o título eleitoral, mas ainda
como condição de elegibilidade.

O Código Eleitoral, em seu art. 42, parágrafo único, dispõe que, para o efeito da inscrição, é
domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente e, verificando-se ter o alistado
mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

Percebe-se, assim, que o Código Eleitoral não fez coincidir o domicílio eleitoral com o
domicílio civil. Justifica-se: o domicílio eleitoral prescinde da análise do ânimo de fixação em
determinado lugar de forma definitiva.

De acordo com o art. 9º da Lei das Eleições, para concorrer às eleições, o candidato deverá
possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a
filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.

 FILIAÇÃO PARTIDÁRIA
A filiação partidária é precedida do alistamento eleitoral. Depois de expedido o título
eleitoral o interessado poderá buscar sua filiação a partido político que consinta com seu ingresso
na qualidade de membro.

O eleitor para poder filiar-se a partido político deve estar em pleno gozo de seus direitos
políticos. Considera-se deferida a filiação partidária com o atendimento das regras estatutárias do
partido.

O eleitor só pode estar filiado a um único partido político. Se desejar filiar-se a outro, não
necessita fazer comunicação prévia, mas após a segunda filiação no dia imediato à ocorrência, deve
fazer comunicação ao partido e ao Juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação;
se não o fizer nesse prazo, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas.

Partido político não pode ser coagido a admitir o ingresso de pretenso membro, afinal, aos
partidos políticos é constitucionalmente assegurada autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações nas eleições majoritárias, devendo seus estatutos estabelecer normas
de disciplina e fidelidade partidária (art. 17, § 1º, CF).230

Assim, desde que a negativa seja feita com base em previsões estatutárias, não há falar em
ilegalidade nas hipóteses em que o partido rejeita o ingresso de alguém à agremiação.

O art. 9º, Lei 9.504/97, diz que, para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir
domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação
deferida pelo partido no mesmo prazo.

 IDADE MÍNIMA

230
Vide EC 97/2017

145
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A idade mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato: 35 anos para
Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador
de Estado e do Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador.

A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de elegibilidade é


verificada tendo por referência a data da posse, salvo quando fixada em dezoito anos, hipótese em
que será aferida na data-limite para o pedido de registro.231

 INELEGIBILIDADES
Obviamente, quem não pode se alistar como eleitor (e, a partir do alistamento, exercer
capacidade eleitoral ativa) não pode se candidatar (capacidade eleitoral passiva). Esta é a razão de
o § 4º do art. 14, CF, mencionar que são inelegíveis os inalistáveis.

As inelegibilidades são também conhecidas por direitos políticos negativos.

Somente podem ser eleitos os alistáveis, isto é, os que possuem capacidade eleitoral ativa.
Dessa forma os conscritos (durante o período de serviço militar obrigatório) e os estrangeiros
também não podem se alistar como candidatos.

Os analfabetos, embora possam exercer de forma facultativa o direito de alistamento


eleitoral e o direito de voto não possuem capacidade eleitoral passiva (art. 14 § 4º, CF).

As inelegibilidades, por se consubstanciarem em impedimentos ao exercício da capacidade


eleitoral passiva, classificam-se, quanto à abrangência, em inelegibilidades absolutas e
inelegibilidades relativas.

 INELEGIBILIDADES ABSOLUTAS
Inelegibilidades absolutas são as que impedem aos que nelas se enquadrarem de se
candidatar a quaisquer cargos eletivos. Quem se encontrar em tal situação não pode ser candidato
e, portanto, está proibido de concorrer a qualquer eleição, para qualquer mandato.

São inelegibilidades absolutas as relacionadas aos inalistáveis, aos estrangeiros, aos que
estejam privados de seus direitos políticos em face de declaração de perda e aos que não
possuam filiação partidária.

Convém ressaltar que as inelegibilidades previstas na CF não são as únicas, pois o próprio
constituinte propugnou que
Art. 14. (...)
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de
mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

231
Art. 11, § 2º, Lei 9.504/97

146
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Editou-se, então, a Lei Complementar 64/90, que arrolou vários outros casos de
inelegibilidades absolutas. Adveio, então, a chamada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº
135/10), que alterou profundamente as disposições da LC 64/90, em especial no tocante às
inelegibilidades absolutas. Nos termos das atuais disposições, previstas na LC 135/10, dentre as
várias hipóteses de inelegibilidades absolutas destacam-se as seguintes:
LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
232
cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio
público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os
previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à
inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

A alínea “e” do art. 1º, I, LC 64/90, foi o dispositivo que sofreu as maiores e mais
importantes alterações com o advento da Lei da Ficha Limpa (LC 35/10). Com efeito, a redação
original previa a inelegibilidade por apenas 03 anos após o cumprimento da pena e as hipóteses de
subsunção eram bem mais escassas (crime contra a economia popular, a fé pública, a
administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes e
crimes eleitorais).

Além disso, a mais interessante alteração é a possibilidade de a inelegibilidade ser


decorrente não só de decisão criminal transitada em julgado (como constava da redação original da
LC 64/90), mas também de decisão proferida por órgão judicial colegiado.

Assim, com base na redação atual deste dispositivo, é possível o reconhecimento de


inelegibilidade absoluta em relação aos crimes nele mencionados, mesmo sem o trânsito em
julgado de decisão criminal, bastando, para tanto, que a decisão tenha sido proferida por órgão
judicial colegiado, o que permite-nos afirmar: quando a ação penal tiver iniciado no primeiro grau
de jurisdição (Justiças Estadual e Federal de primeira instância), a partir do momento em que o
tribunal correspondente (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) julgar eventual apelação
da qual advenha provimento condenatório, estaremos diante da inelegibilidade em comento; nos

232
Estas inelegibilidades não se aplicam aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos
crimes de ação penal privada (art. 1º, § 4º, LC 64/90).

147
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

casos de competências criminais originárias dos tribunais233 bastará a decisão colegiada, mesmo
pendente de recurso, para a aplicação da inelegibilidade sob análise.

A condenação por qualquer crime acarreta a suspensão dos direitos políticos e a


consequente inelegibilidade (art. 15, III, CF). Porém, essa inelegibilidade, em se tratando de crimes
não listados pelo art. 1º, I, “e”, LC nº 64/90, durará apenas enquanto durarem os efeitos da
condenação.

LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8
(oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no
234
inciso II do art. 71 da Constituição Federal , a todos os ordenadores de despesa, sem
exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

Embora a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) contenha a previsão de atos


ímprobos nas modalidades dolosa e culposa (art. 10), somente a hipótese dolosa pode acarretar a
inelegibilidade de que trata esta alínea.

LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que
beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem
condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como
para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destina-se aos
casos de abuso do poder econômico ou político.

LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)

233
Citem-se, como exemplos: o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, CF); o julgamento pelo STF, por crimes
comuns, do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, de seus próprios Ministros e do Procura-
dor-Geral da República (art. 102, I, “b”, CF); o julgamento dos Juízes Federais perante o TRF respectivo (art. 108, I, “a”, CF); etc.
234
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual
compete: (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,
incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda,
extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.

148
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada


em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade
administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde
a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena;

Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destina-se aos
casos de ato doloso de improbidade administrativa que acarrete lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito.

 INELEGIBILIDADES RELATIVAS
Inelegibilidades relativas constituem-se em impedimentos temporários ao direito da pessoa
de se candidatar a um cargo eletivo. O relativamente inelegível está subordinado a determinadas
restrições constitucionais ou legais, sendo-lhe vedado o direito de concorrer a pleito eletivo,
enquanto durarem os efeitos das restrições.

As inelegibilidades relativas compreendem três modalidades.

A primeira diz respeito ao exercício de certas funções. É a inelegibilidade funcional. A


segunda concerne ao parentesco (inelegibilidade por parentesco); e a terceira abrange certos
requisitos que a lei inclui como indispensáveis para que o cidadão possa concorrer a pleito eletivo,
como a obrigatoriedade de domicílio eleitoral no Estado ou no Município, a filiação partidária e a
compatibilidade de idade.

De acordo com a Constituição, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do


Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos
podem ser reeleitos para um único período subsequente. Para concorrerem a outros cargos, o
Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem
renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito (art. 14, §§ 5º e 6º, CF).

Os §§ 5º e 6º do art. 14 tratam de inelegibilidades relativas funcionais para fins de reeleição


(que é a possibilidade de se reeleger num mesmo cargo para mandato subsequente). Pressupõem a
desincompatibilização, que significa deixar, sair da situação de incompatibilidade com o pleito de
mandato eletivo (o que normalmente ocorre pelo afastamento do cargo que o postulante está
ocupando em razão da iminente candidatura para outros cargos).

 REELEIÇÃO
A disposição constitucional do art. 14, § 5º, envolve um direito e uma restrição: direito de os
chefes dos executivos federal, estaduais e municipais serem reeleitos para um segundo mandato e
restrição à reeleição para mandatos subsequentes, desde que contínuos. Alternadamente, nada
impede que o candidato seja eleito várias vezes para o mesmo cargo.

Atenção: essa regra só atinge aqueles que exerceram o cargo de chefe do Poder Executivo
em qualquer nível de poder, não se aplicando aos cargos do Legislativo, cujos titulares poderão se
reeleger para quantas legislaturas almejarem.

149
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 DESINCOMPATIBILIZAÇÃO
O exercício dos cargos de Presidente da República, Governador e Prefeito (mais uma vez
somente com relação aos chefes do Poder Executivo) é incompatível com a candidatura a outros
cargos eletivos na eleição subsequente e, por isso, exige-se que haja renúncia aos respectivos
mandatos até seis meses antes do pleito. Essa desincompatibilização só é exigida se o candidato
pleitear outro cargo, não se aplicando à reeleição para o mesmo cargo, quando permitida
constitucionalmente.

Além desta previsão constitucional, a LC 64/90 (art. 1º, II) prevê outros casos em que se exige
a desincompatibilização, com prazos variáveis de acordo com o cargo que o postulante esteja
exercendo. Todos esses casos geram, por conseguinte, inelegibilidades relativas funcionais que
podem ser afastadas pela desincompatibilização.

São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos


ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado
ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis
meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição (art. 14,
§ 7º, CF).

O § 7º do art. 14 dispõe a respeito das inelegibilidades relativas (ou reflexas) por motivo de
parentesco.

Ao exemplo das anteriores, previu-se a inelegibilidade por motivo de parentesco, visando


impedir a formação de oligarquias vinculadas ao parentesco, ao sangue e à afinidade.

A restrição atinge os parentes dos chefes do Poder Executivo e de todos aqueles que os
substituíram, desde que essa substituição tenha se processado nos seis meses anteriores ao pleito.
Não há aplicação dessa regra ao Legislativo.

A inelegibilidade é só para o cargo da jurisdição do titular do cargo. Assim, nada impede que
o parente do prefeito seja candidato em outro município, os do governador em outro Estado ou
mesmo para Presidente da República. Porém os do Presidente não poderão se candidatar a
nenhum cargo, já que a jurisdição atinge a todo o território nacional.

Quanto à inelegibilidade por motivo de idade, conforme mencionado linhas acima, a idade
mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato (35 anos para Presidente e Vice-
Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do
Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador) e deve ser verificada tendo-se por referência a data
da posse, salvo quando fixada em dezoito anos, hipótese em que será aferida na data-limite para o
pedido de registro. (Lei n˚ 9.504/97, artigo 11, § 2º, redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).

Inelegibilidades por motivo de domicílio eleitoral e filiação partidária. A Lei nº 9.504/97, no


art. 9º, com redação dada pela Lei nº 13.488/17, diz que para concorrer às eleições, o candidato
deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com
a filiação deferida pelo partido no mesmo prazo. No caso de ter havido fusão ou incorporação de

150
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

partidos nesse lapso temporal, considera-se, para efeito de filiação partidária, a data de filiação do
candidato ao partido de origem.

Por outro lado, a Lei 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos –, dispõe235 que na segunda semana
dos meses de abril e outubro de cada ano o partido, por seus órgãos de direção municipal, regional
ou nacional, deve remeter aos Juízes Eleitorais a relação dos nomes de todos os seus filiados, da
qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das Seções em que estão inscritos
(essa disposição consta também no art. 103, Lei 9.504/97).

A Lei dos Partidos Políticos, embora faculte ao partido político o estabelecimento, em seu
estatuto, de prazos de filiação partidária superiores aos nela previstos no tocante à candidatura a
cargos eletivos, proíbe a alteração dos prazos estatutários no ano da eleição.

 A LEI DA FICHA LIMPA


A Lei da Ficha Limpa originou-se da iniciativa popular236. O Projeto de Lei Popular nº 519/09
contou com a simpatia e a aprovação de mais de 2 milhões de eleitores que aderiram à Campanha
da Ficha Limpa e, juntos, atingiram os requisitos constitucionalmente estabelecidos237 para o envio,
à Câmara dos Deputados. Depois de aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo
Presidente da República, o projeto converteu-se na Lei Complementar 135/10.

A LC 135/10 alterou profundamente as disposições da LC 64/90, em especial no tocante às


inelegibilidades absolutas.

Vários dispositivos foram alterados e outros tantos foram incluídos dentre as hipóteses de
inelegibilidades absolutas. Era chegada a hora de elevar os padrões de moralidade em grande parte
do contexto eleitoral brasileiro. Na comparação das redações (original e atual) percebe-se,
claramente, o objetivo moralizador da LC 135/10.

Basta que nos atentemos às atuais previsões de inelegibilidades em razão: de atos dolosos de
improbidade administrativa; da prática de uma extensa lista de crimes; de abuso do poder
econômico ou político; de corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, captação ou gastos
ilícitos de recursos de campanha; da prática de conduta vedada aos agentes públicos em
campanhas eleitorais; da renúncia a mandato em razão do oferecimento de representação ou
petição capaz de autorizar a abertura de processo eleitoral; da exclusão do exercício da profissão,
em decorrência de infração ético-profissional; do desfazimento de vínculo conjugal ou de união
estável para evitar caracterização de inelegibilidade; de demissão do serviço; de, enquanto pessoa
física ou dirigente de pessoa jurídica, fazer doações eleitorais tidas por ilegais nos contextos
eleitorais, de aposentadorias compulsórias ou perda de cargos.

235
Artigo 19 e seguintes.
236
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da
lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular” (CF, artigo 14).
237
“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por
cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada
um deles” (CF, artigo 61, § 2º).

151
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O Plenário do STF, ao julgar o RE 633703, decidiu, por apertada maioria (6 contra 5 votos)238,
que a LC 135, que havia entrado em vigor no dia 07/06/2010, não era aplicável às eleições daquele
ano em razão do disposto no art. 16, CF:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação,
não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Conforme mencionado no Informativo nº 620, STF:


“No mérito, prevaleceu o voto do Min. Gilmar Mendes, relator. Após fazer breve
retrospecto histórico sobre o princípio da anterioridade eleitoral na jurisprudência do
STF, reafirmou que tal postulado constituiria uma garantia fundamental do cidadão-
eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos e, qualificada como cláusula
pétrea, seria oponível, inclusive, em relação ao exercício do poder constituinte derivado.
(...) ressaltou que o princípio da anterioridade eleitoral funcionaria como garantia
constitucional do devido processo legal eleitoral. Registrou, ainda, que esse mesmo
princípio também teria um viés de proteção das minorias, uma vez que a inclusão de
novas causas de inelegibilidades diversas das originalmente previstas na legislação, além
de afetar a segurança jurídica e a isonomia inerentes ao devido processo eleitoral,
influenciaria a possibilidade de que as minorias partidárias exercessem suas estratégias
de articulação política em conformidade com as balizas inicialmente instituídas. No
ponto, assinalou que o art. 16 da CF seria uma barreira objetiva contra abusos e desvios
da maioria e, nesse contexto, destacou o papel da jurisdição constitucional que, em
situações como a presente, estaria em estado de tensão com a democracia, haja vista a
expectativa da ‘opinião pública’ quanto ao pronunciamento do Supremo sobre a
incidência imediata da ‘Lei da Ficha Limpa’, como solução para todas as mazelas da vida
política. Ponderou que a missão desta Corte seria aplicar a Constituição, mesmo que
contra a opinião majoritária.”

Estão sob a análise do STF duas ações declaratórias de constitucionalidade e uma ação direta
de inconstitucionalidade, todas tendo por objeto a LC 135/10. A ADC 29 e a ADC 30 foram
ajuizadas, respectivamente, pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil. Em ambas o que se pretende a é integral chancela em prol da
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A ADIn 4578 foi proposta pela Confederação Nacional
das Profissões Liberais com o objetivo de se obter a declaração da inconstitucionalidade do art. 1º,
I, “m”, LC 135/10239. Após o voto do Min. Luiz Fux (Relator), os autos passaram ao Min. Joaquim
Barbosa, que deles pediu vista.

O Min. Luiz Fux abordou a LC 135/10 sob os aspectos da irretroatividade, da presunção


constitucional de inocência, da proporcionalidade e da proibição de excesso (Informativo nº 647,
STF):

- Irretroatividade:
“Afirmou que a consideração de fatos anteriores, para fins de aplicação da LC 135/2010,
não transgrediria o princípio constitucional da irretroatividade das leis. Distinguiu
retroatividade mínima de retrospectividade, ao definir que, nesta, a lei atribuiria novos

238
Vencidos os Ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie.
239
São inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissio-
nal competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou sus-
penso pelo Poder Judiciário”.

152
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente, ao passo que,
naquela, seriam alteradas, por lei, as conseqüências jurídicas desses fatos. No ponto,
assinalou que a norma adversada configuraria caso de retrospectividade, já admitido na
jurisprudência do Supremo. Mencionou que a adequação ao estatuto jurídico eleitoral
caracterizaria relação continuativa — que operaria sob a cláusula rebus sic stantibus — e
não integrante de patrimônio jurídico individual (direito adquirido), de modo a permitir a
extensão, para 8 anos, dos prazos de inelegibilidade originariamente previstos. Aduziu
que a imposição de novo requisito negativo (inelegibilidade) não se confundiria com
agravamento de pena e tampouco com bis in idem. Assim, em virtude da exigência
constitucional de moralidade, realçou ser razoável entender-se que um cidadão que se
enquadrasse nas situações dispostas na lei questionada não estaria, a priori, apto a
exercer mandato eletivo.”

- Presunção de inocência:
“De igual modo, repeliu a alegação de que a norma em comento ofenderia a presunção
constitucional de inocência. Destacou que o exame desse princípio não deveria ser feito
sob enfoque penal e processual penal, mas sim no âmbito eleitoral, em que poderia ser
relativizado. Dessa maneira, propôs a superação de precedentes sobre a matéria, para
que se reconhecesse a legitimidade da previsão legal de inelegibilidades decorrentes de
condenações não definitivas. Ao frisar que o legislador fora cuidadoso ao definir os
requisitos de inelegibilidade, para que fossem evitadas perseguições políticas, e que a
sociedade civil cobraria ética no manejo da coisa pública, sinalizou descompasso entre a
jurisprudência e a opinião popular sobre o tema “ficha limpa”. Nesse contexto,
considerou que se conceber o art. 5º, LVII, da CF como impeditivo à imposição de
inelegibilidade a indivíduos condenados criminalmente por decisões não transitadas em
julgado esvaziaria o art. 14, § 9º, da CF, a frustrar o propósito do constituinte reformador
de exigir idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo. Afastou eventual
invocação ao princípio da vedação do retrocesso, uma vez que inexistiria pressuposto
indispensável à sua aplicação, qual seja, sedimentação na consciência jurídica geral a
demonstrar que a presunção de inocência estender-se-ia para além da esfera criminal.
Ademais, não haveria que se falar em arbitrariedade na restrição legislativa.”

- Proporcionalidade:
“Vislumbrou, também, proporcionalidade nas hipóteses legais de inelegibilidade.
Reconheceu tanto a adequação da norma (à consecução dos fins consagrados nos
princípios relacionados no art. 14, § 9º, da CF) quanto a necessidade ou a exigibilidade
(pois impostos requisitos qualificados de inelegibilidade a ser declarada por órgão
colegiado, não obstante a desnecessidade de decisão judicial com trânsito em julgado).
No que concerne ao sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito, consignou
que o sacrifício exigido à liberdade individual de se candidatar a cargo público eletivo
não superaria os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e de
probidade para o exercício de cargos públicos. Aludiu que deveriam ser sopesados
moralidade e democracia, de um lado, e direitos políticos passivos, de outro. Evidenciou
não haver lesão ao núcleo essencial dos direitos políticos, haja vista que apenas o direito
passivo seria restringido, porquanto o cidadão permaneceria em pleno gozo dos seus
direitos ativos de participação política. Reiterou tratar-se de mera validação de
ponderação efetuada pelo próprio legislador que, ante a indeterminação jurídica da

153
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

expressão “vida pregressa”, densificaria seu conceito. Nesse aspecto, correto concluir-se
por interpretação da Constituição conforme a lei, de modo a prestigiar a solução
legislativa para o preenchimento da conceituação de vida pregressa do candidato.”

- Proibição de excesso:
“Por fim, relativamente à alínea k do mesmo diploma, observou que a renúncia
caracterizaria abuso de direito e que o Direito Eleitoral também deveria instituir norma
que o impedisse. Ressurtiu que, no preceito em tela, haveria afronta ao sub-princípio da
proibição de excesso, porque não se exigiria a instauração de processo de perda ou de
cassação de mandato, porém mera representação. Motivo pelo qual assentou a
inconstitucionalidade da expressão ‘o oferecimento de representação ou petição capaz
de autorizar’, de modo a que fossem inelegíveis o Presidente da República, o governador
de Estado e do Distrito Federal, o prefeito, os membros do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que
renunciassem a seus mandatos desde a abertura de processo por infringência a
dispositivo da Constituição Federal, da Constituição estadual, da Lei Orgânica do Distrito
Federal ou da lei orgânica do município, para as eleições que se realizassem durante o
período remanescente do mandato para o qual fossem eleitos e nos 8 anos subseqüentes
ao término da legislatura.”

 IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO


O mandato eletivo pode ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias
contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou
fraude. A ação de impugnação de mandato deve tramitar em segredo de justiça, respondendo o
autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé (art. 14, §§ 10 e 11, CF).

 ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL


A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (art. 16, CF). Este é o Princípio
da Anterioridade Eleitoral. Foi com base no art. 16, CF, que o STF, ao julgar o RE 633703, concluiu
que a Lei da Ficha Limpa, por ter entrado em vigor no dia 07/06/2010, não poderia ser aplicada ás
eleições daquele ano.

 PARTIDOS POLÍTICOS
É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a sobera-
nia nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa huma-
na e observados os seguintes preceitos: caráter nacional; proibição de recebimento de recursos
financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à
Justiça Eleitoral; funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF, artigo 17).

Como se percebe, existe uma grande preocupação com a garantia de que, com o funciona-
mento dos partidos – e suas inter-relações – estejam protegidos a soberania nacional e o regime
democrático enquanto elementos essenciais da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, ca-

154
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

put), além do pluripartidarismo político enquanto fundamento da República (CF, artigo 1º, inciso e
V) e dos direitos fundamentais da pessoa humana enquanto princípio regente das relações inter-
nacionais brasileiras (CF, artigo 4º, inciso II).

Em total consonância com tal preocupação, o artigo 17, § 4º veda a utilização, pelos partidos
políticos, de organização paramilitar.

Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, conside-
rando-se como tal aquele que comprove o apoio de eleitores correspondente a, pelo menos, meio
por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados
os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de
um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.

O art. 4º da Lei nº 9.504/97 (alterado pela Lei 13.488/17) estabelece que poderá participar
das eleições o partido que, até seis meses antes do pleito, tenha registrado seu estatuto no Tribu-
nal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão de dire-
ção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto.

O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do


regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos funda-
mentais definidos na Constituição Federal (artigo 1º da Lei nº 9.096/95).

De acordo com o art. 17, §3º da CF, somente terão direito a recursos do fundo partidário e
acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% dos votos válidos, distribuí-
dos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos
em cada uma delas (I) ou tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em
pelo menos um terço das unidades da Federação (II). Vide EC nº 97/2017.

Os partidos políticos não podem receber subvenções, doações, contribuições ou quaisquer


outros tipos de interferências advindas de entidades ou governos estrangeiros. Contudo, podem
receber doações de pessoas físicas e jurídicas que não se enquadrem nas situações ora menciona-
das. Daí a necessidade de os partidos políticos prestarem contas à Justiça Eleitoral.

O partido político funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve
constituir suas lideranças de acordo com o seu estatuto, as disposições regimentais das respectivas
Casas e as normas da Lei 9.096/90. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas
Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câma-
ra dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não compu-
tados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo
de dois por cento do total de cada um deles.

 AUTONOMIA E PERSONALIDADE JURÍDICA


É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabele-
cer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre
sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coliga-
ções nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigato-

155
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

riedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal,


devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária (CF, art. 17, § 1º).
Vide EC nº 97/2017.

Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil. Sendo pessoa ju-
rídica de direito privado, essa personalidade é adquirida após o registro de seus estatutos, nos
moldes das demais pessoas jurídicas.

O requerimento do registro de partido político deve ser dirigido ao Cartório competente do


Registro Civil das Pessoas Jurídicas, da Capital Federal. No requerimento devem estar indicados os
nomes e as funções dos dirigentes provisórios, bem como o endereço da sede do partido na Capital
Federal. Se todas essas exigências estiverem satisfeitas, o Oficial do Registro Civil efetua o registro
no livro correspondente.

Adquirida a personalidade jurídica, na forma da lei civil (CF, artigo 17, § 2º), os dirigentes na-
cionais do partido devem promover o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior
Eleitoral (CF, artigo 17, § 2º).

Assim como o registro inicial, todas as alterações programáticas ou estatutárias, depois de


registradas no Ofício Civil competente, devem ser encaminhadas, para o mesmo fim, ao Tribunal
Superior Eleitoral.

 DIREITOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS


Os partidos políticos legalmente organizados têm direito aos recursos do fundo partidário, e
acesso gratuito ao rádio e a televisão. A Lei nº 9.096/95 assegura aos partidos políticos exclusivida-
de da sua denominação, sigla ou símbolos.

Somente os partidos que tenham registrado seus estatutos no TSE podem participar do pro-
cesso eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário, ter acesso gratuito ao rádio e à televisão e
credenciar delegados perante a Justiça Eleitoral.

 FIDELIDADE E DISCIPLINA PARTIDÁRIAS


Por imposição constitucional (artigo 17, § 1º), todo partido político deve estabelecer, em seu
estatuto, normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Uma vez inseridas no estatuto do partido, essas normas vinculam todos os filiados, sendo
que a responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo com-
petente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido, assegurada ampla
defesa ao acusado.

Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipifica-
da no estatuto do partido político.

156
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Em atividade parlamentar, na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve su-


bordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabele-
cidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.

Além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, o estatuto do partido pode es-
tabelecer normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspen-
são do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções
que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legisla-
tiva, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabele-
cidas pelos órgãos partidários (artigo 25 da Lei nº 9.096/95).

O parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito perde automatica-
mente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção parti-
dária (art. 26 da Lei nº 9.096/95).

 RENDAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS


As receitas dos Partidos Políticos são oriundas de doações e das transferências recebidas do
fundo Partidário.

O partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de
seus fundos. Essas doações podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual
e municipal, estando tais órgãos obrigados a remeter, à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquica-
mente superiores do partido, o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, junta-
mente com o balanço contábil.

Os partidos não estão proibidos de receber doações, mas são obrigados a lançá-las em suas
contabilidades. Entretanto, não podem receber subvenções, doações, contribuições ou quaisquer
outros tipos de interferências advindas de:
a) entidades ou governos estrangeiros;
b) entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza (ressalvado o Fundo Parti-
dário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha);
c) entidade de classe ou sindical; e
d) pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exonera-
ção, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido políti-
co.

Diz os §§ 3º e 4º do art. 22-A da Lei nº 9.504/97:


§ 3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecada-
ção prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei,
mas a liberação de re-cursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao
registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o ca-
lendário eleitoral. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)
§ 4º Na hipótese prevista no § 3o deste artigo, se não for efetivado o registro da candi-
datura, as entidades arrecadadoras deverão devolver os valores arrecadados aos doado-
res. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

157
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Transferências do Fundo Partidário. Os depósitos e movimentações dos recursos oriundos


do Fundo Partidário devem ser feitos em estabelecimentos bancários controlados pelo Poder Públi-
co Federal, pelo Poder Público Estadual ou, inexistindo estes, no banco escolhido pelo órgão direti-
vo do partido. Em caso de cancelamento ou caducidade do órgão de direção nacional do partido,
reverterá ao Fundo Partidário a quota que a este caberia (art. 42 da Lei 9.096/95).

A Lei nº 13.487/17 incluiu o art. 16-C à Lei 9.504/97:


Art. 16-C. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é constituído por do-
tações orçamentárias da União em ano eleitoral, em valor ao menos equivalente:
I - ao definido pelo Tribunal Superior Eleitoral, a cada eleição, com base nos parâmetros
definidos em lei;
II - a 30% (trinta por cento) dos recursos da reserva específica de que trata o inciso II do
o
§ 3º do art. 12 da Lei n 13.473, de 8 de agosto de 2017.
§ 1º (VETADO).
§ 2º O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil, em conta especial à
disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o primeiro dia útil do mês de junho do ano
do pleito.
§ 3º Nos quinze dias subsequentes ao depósito, o Tribunal Superior Eleitoral:
I - divulgará o montante de recursos disponíveis no Fundo Eleitoral; e
II - (VETADO).
§§ 4º, 5º e 6º (VETADO).
§ 7º Os recursos de que trata este artigo ficarão à disposição do partido político somen-
te após a definição de critérios para a sua distribuição, os quais, aprovados pela maioria
absoluta dos membros do órgão de direção executiva nacional do partido, serão divul-
gados publicamente.
§§ 8º, 9º e 10 (VETADOS).
§ 11. Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha que
não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Na-
cional, integralmente, no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.
§§ 12, 13 e 14 (VETADOS).
§ 15. O percentual dos recursos a que se refere o inciso II do caput deste artigo poderá
ser reduzido mediante compensação decorrente do remanejamento, se existirem, de
dotações em excesso destinadas ao Poder Legislativo.”

E a Lei nº 13.488/17 incluiu o art. 16-D:


Art. 16-D. Os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para o
primeiro turno das eleições, serão distribuídos entre os partidos políticos, obedecidos os
seguintes critérios:
I - 2% (dois por cento), divididos igualitariamente entre todos os partidos com estatutos
registrados no Tribunal Superior Eleitoral;
II - 35% (trinta e cinco por cento), divididos entre os partidos que tenham pelo menos
um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos por
eles obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados;
III - 48% (quarenta e oito por cento), divididos entre os partidos, na proporção do núme-
ro de representantes na Câmara dos Deputados, consideradas as legendas dos titulares;
IV - 15% (quinze por cento), divididos entre os partidos, na proporção do número de re-
presentantes no Senado Federal, consideradas as legendas dos titulares.
§ 1º (VETADO).

158
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

§ 2º Para que o candidato tenha acesso aos recursos do Fundo a que se refere este arti-
go, deverá fazer requerimento por escrito ao órgão partidário respectivo.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-
ADMINISTRATIVA

A organização político-administrativa da República Fe-


derativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição (art. 18, caput, CF).

Os Territórios Federais integram a União, e sua criação,


transformação em Estado ou reintegração ao Estado de ori-
gem devem ser reguladas em lei complementar (art. 18, § 2º,
CF).

Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem


a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar (art.
18, § 3º, CF).

A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei es-


tadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta
prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos
de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei (art. 18, § 4º, CF).

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 19, CF):
Art. 19. (...)
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-
mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

 DA UNIÃO
 BENS DA UNIÃO
São bens da União (art. 20, CF):
Art. 20. (...)
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

159
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e cons-


truções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, defini-
das em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que
banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a
território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias
fluviais;
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marí-
timas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de
Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental
federal, e as referidas no art. 26, II;
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Nem todas as terras devolutas pertencem à União, mas apenas aquelas indispensáveis à de-
fesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei. O art. 26 dispõe que são bens dos Estados as terras devo-
lutas não compreendidas entre as da União.

Note-se que pertence à União a propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos ín-
dios, pois a estes a Constituição, no art. 231, § 2º, assegurou a posse permanente, cabendo-lhes o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

A referência feita ao art. 26, II, é relativa às áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estive-
rem no domínio dos Estados-membros (excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros).

É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou
gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos mine-
rais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva,
ou compensação financeira por essa exploração (art. 20, § 1º, CF).

Ressalte-se que quando o dispositivo constitucional abrange a administração direta a refe-


rência é feita apenas no tocante à administração direta da União.

A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e
sua ocupação e utilização serão reguladas em lei (art. 20, § 2º, CF).

A faixa de fronteira não precisa corresponder sempre a 150 metros, mas deve ser modulada
em espaços de até 150 metros.

160
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

• COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA DA UNIÃO


A competência administrativa da União pode ser privativa ou comum. A competência admi-
nistrativa da União não oferece maiores dificuldades além do conhecimento das hipóteses previstas
no art. 21, CF.

Compete (privativamente) à União (art. 21, CF):


Art. 21. (...)
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacio-
nais;
II - declarar a guerra e celebrar a paz;
III - assegurar a defesa nacional;
IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transi-
tem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;
VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;
VII - emitir moeda;
VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza fi-
nanceira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros
e de previdência privada;
IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de de-
senvolvimento econômico e social;
X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os servi-
ços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos servi-
ços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cur-
sos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéti-
cos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e
dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios;
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar
do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a
execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;
XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e carto-
grafia de âmbito nacional;
XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas
de rádio e televisão;
XVII - conceder anistia;
XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, espe-
cialmente as secas e as inundações;
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios
de outorga de direitos de seu uso;

161
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamen-


to básico e transportes urbanos;
XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;
XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer mo-
nopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a in-
dustrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os se-
guintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacífi-
cos e mediante aprovação do Congresso Nacional;
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisó-
topos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais;
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de
radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas;
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa;
XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;
XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem,
em forma associativa.

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23,
CF):
Art. 23. (...)
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar
o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultu-
ral, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros
bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pes-
quisa e à inovação;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habita-
cionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a inte-
gração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração
de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvol-
vimento e do bem-estar em âmbito nacional.

• COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO


A competência legislativa da União pode ser privativa ou concorrente.

162
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Compete privativamente à União legislar sobre (art. 22, CF):


Art. 22. (...)
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,
espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
V - serviço postal;
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
VIII - comércio exterior e interestadual;
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI - trânsito e transporte;
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV - populações indígenas;
XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;
XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de pro-
fissões;
XVII - organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e
da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa des-
tes; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 69, de 2012)
XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;
XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e
mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;
XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;
XXIII - seguridade social;
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
XXV - registros públicos;
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as ad-
ministrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Fe-
deral e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;
XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobiliza-
ção nacional;
XXIX - propaganda comercial.
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões
específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre (art. 24,
CF):
Art. 24. (...)
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;

163
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

III - juntas comerciais;


IV - custas dos serviços forenses;
V - produção e consumo;
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento
e inovação;
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI - procedimentos em matéria processual;
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
XV - proteção à infância e à juventude;
XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

No tocante à competência concorrente existem algumas peculiaridades, dispostas nos §§ 1º


a 4º do art. 24:
Art. 24. (...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabe-
lecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência le-
gislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei esta-
dual, no que lhe for contrário.

 DOS ESTADOS FEDERADOS


Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios da Constituição Federal. São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam
vedadas pela Constituição Federal (art. 25, caput e § 1º, CF).

Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás ca-
nalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação (art. 25,
§ 2º, CF).

Os Estados podem, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomera-


ções urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para inte-
grar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (art. 25,
§ 3º, CF).

 BENS DOS ESTADOS


Incluem-se entre os bens dos Estados (art. 26, CF):

164
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 26. (...)


I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalva-
das, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas
aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

 SIMETRIA CONSTITUCIONAL
Como dito linhas acima, os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal, sendo reservadas aos Estados as com-
petências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal.

Além dessas disposições, a CF contém diversas outras regras a serem seguidas pelas Consti-
tuições Estaduais com base no que a doutrina chama de Princípio da Simetria Constitucional, que
nada mais é do que a obrigação de os Estados Federados seguirem o modelo federal em assuntos
relacionados especialmente com a formatação dos poderes e de suas inter-relações.

O art. 27, por exemplo, dispõe que o número de Deputados à Assembleia Legislativa deve
corresponder ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número
de trinta e seis, deverá ser acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de do-
ze. Dispõe também que é de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, sendo-lhes aplicá-
veis as regras da CF sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (§ 1º).

O art. 28, por sua vez, dispõe que a eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado,
para mandato de quatro anos, deve ser realizada noventa dias antes do término do mandato de seus
antecessores, e a posse ocorrerá no dia 1º de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao
mais, o disposto no art. 77 (que trata da eleição para Presidente e Vice-Presidente da República).

 DOS MUNICÍPIOS
O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de
dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal e por esta promulgada,
desde que atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do res-
pectivo Estado-membro (art. 29, caput, CF). Anote-se que não há previsão de sanção por parte do
Prefeito Municipal.

 SIMETRIA CONSTITUCIONAL
Levando-se em consideração as disposições do art. 29, caput, o Princípio da Simetria também é
aplicável aos Municípios, com a peculiaridade de que suas leis orgânicas devem atentar tanto ao mo-
delo da CF quanto ao modelo da constituição do estado-membro no qual estão inseridos.

Por esta razão:

165
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a) deve ser realizada a eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para man-
dato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;

b) a eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito deve ser realizada no primeiro domingo de ou-


tubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras
do art. 77, no caso de Municípios com mais de duzentos mil eleitores; e

c) posse do Prefeito e do Vice-Prefeito deve ocorrer no dia 1º de janeiro do ano subse-


quente ao da eleição (art. 29, I a III, CF).

Aos vereadores aplicam-se as proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, si-


milares, no que couber, ao disposto na CF para os membros do Congresso Nacional e na Constitui-
ção do respectivo Estado para os membros da Assembleia Legislativa (art. 29, IX, CF).

A simetria é aplicada com temperamentos no tocante à imunidade dos vereadores, na me-


dida em que a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do
mandato e na circunscrição do Município (art. 29, VIII, CF).

Os prefeitos também gozam de foro por prerrogativa de função, devendo ser julgados pe-
rante o respectivo Tribunal de Justiça (art. 29, X, CF).

 NÚMERO DE VEREADORES
O art. 29, IV, CF, contempla uma lista com os limites relativos ao número de vereadores, con-
siderado o número de habitantes de cada município:
Art. 29. (...)
IV - para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de:
a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil) habitantes;
b) 11 (onze) Vereadores, nos Municípios de mais de 15.000 (quinze mil) habitantes e de
até 30.000 (trinta mil) habitantes;
c) 13 (treze) Vereadores, nos Municípios com mais de 30.000 (trinta mil) habitantes e de
até 50.000 (cinquenta mil) habitantes;
d) 15 (quinze) Vereadores, nos Municípios de mais de 50.000 (cinquenta mil) habitantes
e de até 80.000 (oitenta mil) habitantes;
e) 17 (dezessete) Vereadores, nos Municípios de mais de 80.000 (oitenta mil) habitantes
e de até 120.000 (cento e vinte mil) habitantes;
f) 19 (dezenove) Vereadores, nos Municípios de mais de 120.000 (cento e vinte mil) ha-
bitantes e de até 160.000 (cento sessenta mil) habitantes;
g) 21 (vinte e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 160.000 (cento e sessenta mil)
habitantes e de até 300.000 (trezentos mil) habitantes;
h) 23 (vinte e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 300.000 (trezentos mil) habi-
tantes e de até 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes;
i) 25 (vinte e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 450.000 (quatrocentos e cin-
quenta mil) habitantes e de até 600.000 (seiscentos mil) habitantes;
j) 27 (vinte e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 600.000 (seiscentos mil) habi-
tantes e de até 750.000 (setecentos cinquenta mil) habitantes;
k) 29 (vinte e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 750.000 (setecentos e cin-
quenta mil) habitantes e de até 900.000 (novecentos mil) habitantes;

166
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

l) 31 (trinta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 900.000 (novecentos mil) habi-
tantes e de até 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) habitantes;
m) 33 (trinta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.050.000 (um milhão e cin-
quenta mil) habitantes e de até 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) habitantes;
n) 35 (trinta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.200.000 (um milhão e du-
zentos mil) habitantes e de até 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil) habi-
tantes;
o) 37 (trinta e sete) Vereadores, nos Municípios de 1.350.000 (um milhão e trezentos e
cinquenta mil) habitantes e de até 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) habitantes;
p) 39 (trinta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.500.000 (um milhão e qui-
nhentos mil) habitantes e de até 1.800.000 (um milhão e oitocentos mil) habitantes;
q) 41 (quarenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.800.000 (um milhão e
oitocentos mil) habitantes e de até 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil) habitan-
tes;
r) 43 (quarenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 2.400.000 (dois milhões e
quatrocentos mil) habitantes e de até 3.000.000 (três milhões) de habitantes;
s) 45 (quarenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 3.000.000 (três milhões)
de habitantes e de até 4.000.000 (quatro milhões) de habitantes;
t) 47 (quarenta e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 4.000.000 (quatro mi-
lhões) de habitantes e de até 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes;
u) 49 (quarenta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 5.000.000 (cinco mi-
lhões) de habitantes e de até 6.000.000 (seis milhões) de habitantes;
v) 51 (cinquenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 6.000.000 (seis milhões)
de habitantes e de até 7.000.000 (sete milhões) de habitantes;
w) 53 (cinquenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 7.000.000 (sete milhões)
de habitantes e de até 8.000.000 (oito milhões) de habitantes; e
x) 55 (cinquenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 8.000.000 (oito mi-
lhões) de habitantes.

 COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS


Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legisla-
ção federal e a estadual no que couber (CF, art. 30, I e II, CF).

O art. 30, III a IX, traz as competências administrativas dos municípios:


Art. 30. (...)
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas,
sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixa-
dos em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os servi-
ços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essen-
cial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de
educação infantil e de ensino fundamental;
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de
atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planeja-
mento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

167
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e


a ação fiscalizadora federal e estadual.

 FISCALIZAÇÃO
A fiscalização do Município é exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei (art.
31, CF).

O controle externo da Câmara Municipal É exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas
dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde hou-
ver (§ 1º).

O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anu-
almente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Mu-
nicipal (§ 2º).

As contas dos Municípios devem ficar, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de
qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos
termos da lei (§ 3º). É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais (§
4º).

 DO DISTRITO FEDERAL
O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, rege-se por lei orgânica, votada em
dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.

Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Mu-
nicípios (art. 32, § 1º, CF). A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do
art. 77, e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para
mandato de igual duração (art. 32, § 2º, CF).

 DA INTERVENÇÃO
A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para (art. 34, CF):
Art. 34. (...)
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da
dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) dei-
xar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro
dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

168
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;


b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreen-
dida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e
nas ações e serviços públicos de saúde.

O inciso IV trata dos chamados Princípios Constitucionais Sensíveis.

O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Terri-
tório Federal, exceto quando (art. 35, CF):
Art. 35. (...)
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida
fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e de-
senvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância
de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de
ordem ou de decisão judicial.

A intervenção, tanto da União nos Estados e no Distrito Federal, quanto a estadual nos muni-
cípios justifica-se, em linhas gerais, por se tratar, assim como o Estado de Defesa e o Estado de Sí-
tio, de um dos instrumentos de estabilização constitucional.

 REQUISITOS
Além do preenchimento das hipóteses de cabimento, acima apresentadas, a decretação da
intervenção depende (art. 36, CF):
Art. 36. (...)
I - para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação:
de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de re-
quisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciá-
rio;
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-
Geral da República, no caso de desrespeito aos princípios constitucionais sensíveis, e no
caso de recusa à execução de lei federal.

 PROCEDIMENTO
O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução
e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou
da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas (art. 36, § 1º, CF).

169
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á convo-


cação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas (art. 36, § 2º, CF).

Está dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa nas
seguintes hipóteses:
a) intervenção para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
b) intervenção para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis;
c) intervenção para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Esta-
dual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

Nestes casos o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa me-
dida bastar ao restabelecimento da normalidade (art. 36, § 3º, CF).

Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes volta-


rão, salvo impedimento legal (art. 36, § 4º, CF).

 INTERVENÇÃO FEDERAL NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


O Presidente da República Michel Temer, por meio do Decreto 9.288, de 16 de fevereiro de
2018, decretou intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro “com o objetivo de pôr termo ao
grave comprometimento da ordem pública” até 31 de dezembro de 2018.

Segundo o disposto no Art. 1º, a intervenção limita-se “à área de segurança pública, confor-
me o disposto no Capítulo III do Título V da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro” (§ 1º) e tem o objetivo de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública
no Estado do Rio de Janeiro” (§ 2º).

O General de Exército Walter Souza Braga Netto foi nomeado para o cargo de interventor,
cargo este “de natureza militar” (art. 2º) e com as atribuições “previstas no art. 145 da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de segurança pública, previstas no Título V da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro”.

O interventor, segundo o disposto no art. 3º do Decreto 9.288, de 16 de fevereiro de 2018,


“fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas estaduais que conflita-
rem com as medidas necessárias à execução da intervenção” (§ 1º), podendo “requisitar, se neces-
sário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afe-
tos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção” (§ 2º), bem como “requisitar a
quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários para
consecução do objetivo da intervenção” (§ 3º), exercendo “o controle operacional de todos os ór-
gãos estaduais de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição e no Título V da Constitu-
ição do Estado do Rio de Janeiro” (§ 5º).

O art. 4º elastece o poder de requisição do interventor, no emprego nas ações de segurança,


para além da área afeta à Secretaria de Estado de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, admitin-
do abrangência também nas áreas da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio
de Janeiro e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro.

170
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Como se percebe, a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro fundamenta-se no art.


34, III, CF, e o Decreto 9.288/18, especifica a amplitude, o prazo e as condições de execução, com a
nomeação de interventor.

O decreto de intervenção federal foi imediatamente submetido à apreciação do Congresso


Nacional, cujo Presidente Eunício Oliveira, após aprovações na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, publicou, em edição extra do Diário Oficial da União, o Decreto Legislativo 10/18 nos se-
guintes termos:
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto do Decreto nº 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, que "De-
creta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de pôr termo ao
grave comprometimento da ordem pública".

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Ademais, no dia 19 de fevereiro de 2018, houve pronunciamentos favoráveis tanto do Conse-


lho de Defesa Nacional, quanto do Conselho da República, em atenção ao disposto nos arts. 90, I, e
91, § 1º, I.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO


São técnicas administrativas utilizadas pela Administração Pública, seja ela Direta ou indireta.
Vamos a elas:
 Centralização: Órgãos e Agentes Públicos trabalhando diretamente para a Adminis-
tração Pública Direta;

 Descentralização: Consiste na transferência da prestação de serviço para a Admi-


nistração Indireta ou para particular. Pode ocorrer por Outorga Legal (Descentralização
por Serviço), quando se transfere também a Titularidade e a Execução do serviço, ou por
Delegação por Colaboração (Descentralização por Delegação) - Permissionários, Autoriza-
tários ou Concessionários - através de licitação, quando se transfere apenas a Execução
do serviço.

 Desconcentração: Técnicas administrativa de divisão de órgãos; é a distribuição do


serviço dentro da mesma Pessoa Jurídica.

Segundo a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, descentralização pode sofrer uma
classificação inicial na formação da Administração Pública, sendo a instituição da Admi-

171
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

nistração Direta conhecida como descentralização política e a instituição da Administra-


ção Indireta conhecida como descentralização administrativa.

 ADMINISTRAÇÃO DIRETA
Administração Direta é termo utilizado em nosso país para designar o conjunto de órgãos
que integram a estrutura interior da máquina administrativa do ente federado, em nível federal,
estadual, distrital ou municipal. Tem relação com o fenômeno da centralização administrativa, no
qual a entidade política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) exercita, ela própria, por
meio de seus órgãos, a atividade administrativa de que é titular. Cumpre salientar, todos os entes
políticos são, ao mesmo tempo, entes administrativos, quando estejam exercendo a função admi-
nistrativa.

A noção envolve aspectos importantes:


“o primeiro consiste em considerarmos, nesse caso, o Estado como pessoa admi-
nistrativa. Depois, é mister lembrar que a Administração Direta é constituída por
órgãos internos dessas mesmas pessoas; tais órgãos são o verdadeiro instrumen-
to da ação da Administração Pública, pois que a cada um deles é cometida uma
competência própria, que corresponde a partículas do objetivo global do Estado.
Por fim, vale destacar o objetivo dessa atuação: o desempenho das múltiplas fun-
240
ções administrativas atribuídas ao Poder Público em geral”.

Assim, ao se empregar o termo na Administração Direta federal, está se falando da União,


enquanto entidade administrativa; a Administração Direta estadual equivale a determinado Estado-
membro, o mesmo ocorrendo em relação ao Distrito Federal (distrital). E cada Município brasileiro
é uma Administração Direta municipal.

 ÓRGÃOS PÚBLICOS E DESCONCENTRAÇÃO ADMINISTRATIVA


Órgãos são centros de atribuição desprovidos de personalidade jurídica, de maneira que a
sua atuação consubstancia a atuação da própria entidade administrativa da qual fazem parte. No
campo privado e comercial, toda e qualquer empresa, por mais simples que seja a sua estrutura,
demanda alguma divisão de tarefas entre os seus dirigentes, evitando com isso um congestiona-
mento de funções. Com a Administração Pública não poderia ser diferente, mormente se conside-
ramos a vastidão da máquina administrativa nos dias atuais.

Denomina-se desconcentração administrativa essa distribuição de funções na estrutura in-


terna de uma mesma pessoa jurídica administrativa, cujas atividades são, então, exercidas por seus
diversos órgãos.

Como assinala Di Pietro, na desconcentração ocorre


“uma distribuição interna de competências, ou seja, uma distribuição de compe-
tências dentro da mesma pessoa jurídica; sabe-se que a Administração Pública é
organizada hierarquicamente, como se fosse uma pirâmide em cujo ápice se situa

240
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

172
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

o Chefe do Poder Executivo. As atribuições administrativas são outorgadas aos


vários órgãos que compõem a hierarquia, criando-se uma relação de coordenação
e subordinação entre uns e outros. Isso é feito para descongestionar, desconcen-
trar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais a-
241
dequado e racional desempenho”.

A legislação federal (art.1º, §2º, da Lei 9.784/99) cuidou de definir a figura do órgão como
uma unidade de atuação sem personalidade jurídica, distinguindo-a de outras categorias tais como
a entidade (unidade de atuação, com personalidade jurídica) e a autoridade (pessoa física, que
exerce a função pública). Por exemplo, um Auditor-Fiscal (autoridade) desempenha suas funções
no âmbito de determinada Delegacia Regional da Receita Federal (órgão subalterno), subordinada à
Secretaria da Receita Federal do Brasil (órgão superior), por sua vez subordinada ao Ministro da
Fazenda (órgão autônomo), todos integrantes da administração direta da União (entidade).

Segundo o art. 61, §1º, II, e, da CF/88, a criação de um órgão público depende de lei, de inici-
ativa privativa do respectivo Chefe do Poder Executivo (federal, estadual, distrital ou municipal), de
modo que apenas outra lei, da mesma iniciativa, poderá extingui-lo (princípio do paralelismo das
formas). O art.84, VI, da CF/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 32/2001, ape-
nas admite que o Presidente da República, por decreto, faça modificações na organização adminis-
trativa federal que não impliquem aumento de despesas, porém sem criar ou extinguir órgãos,
ainda que possa extinguir funções ou cargos públicos declarados vagos. Assim como ocorre com leis
que criam ou extinguem órgãos, o decreto de organização administrativa é um ato de efeitos con-
cretos, sem caráter normativo.

Em relação à criação e extinção de órgãos públicos integrantes das estruturas dos Poderes
Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público, iniciativa legislativa cabe a cada um deles
respectivamente, conforme dispõem os artigos 51, IV; 52, XIII; 96, I, b, d e II, b, c, d; 127, §2º, todos
da Constituição Federal de 1988. Esta mesma autonomia de organização está prevista nas leis or-
gânicas da Magistratura e do Ministério Público.

Registre-se que, pelo princípio da simetria, a regra constitucional que reserva ao chefe do
Poder Executivo a iniciativa privativa para a criação e extinção de órgãos da sua Administração deve
ser aplicada a todos os entes federados, conforme já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, ao
declarar in-constitucional lei estadual que atribuía a iniciativa ao Legislativo.242

Conforme será visto em tópico posterior, além dos órgãos podem existir, dentro da máquina
estatal, entidades administrativas também criadas a partir de lei da iniciativa do Executivo, algu-
mas com personalidade de direito público (autarquias), como o Instituto Brasileiro do Meio Ambi-
ente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e a
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL; outras com personalidade de direito privado
(empresas estatais), a exemplo do Banco do Brasil S.A. e da Petrobrás S.A. Justamente por terem
personalidade jurídica, tais entidades não são órgãos, integrando a chamada Administração indire-
ta, a ser estudada em tópico posterior.

241
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
242
STF, ADI 1275/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 08/06/2007.

173
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Só há um meio para saber se determinada estrutura de atuação administrativa é um órgão


ou entidade: examinando o conteúdo da lei que lhe viabilizou a existência. Se o legislador deu-lhe
personalidade jurídica, é uma entidade; se não, é um órgão. De nada adianta ater-se à nomenclatu-
ra para buscar distinguir órgão e entidade. Em direito, o nome por si só nada diz, e muitas vezes até
engana. Há determinadas "superintendências" que são órgãos e outras que são entidades. Por e-
xemplo, a Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia é um órgão local, subordinado ao
Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça. Já a Superintendência do Desenvolvi-
mento do Nordeste (SUDENE) é uma pessoa jurídica (autarquia).

Importante frisar que o órgão não tem personalidade jurídica, pois é tão-somente uma parte
do ente (ou entidade), no tocante às suas relações com terceiros, assim como no que tange à sua
responsabilidade civil. Nas palavras de Celso Antônio,
“os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade
estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica. Por isto, as chamadas
relações interorgânicas, isto é, entre os órgãos, são, na verdade, relações entre os
agentes, enquanto titulares das respectivas competências, os quais, de resto –
diga-se de passagem –, têm direito subjetivo ao exercício delas e dever jurídico de
expressarem-nas e fazê-las valer, inclusive contra intromissões indevidas de ou-
243
tros órgãos”.

Mas a ausência de personalidade jurídica não retira a importância da atuação dos órgãos
como centros de competência administrativa. Enquanto no direito privado a capacidade para agir
pressupõe a presença de um sujeito de direito (pessoas físicas e jurídicas), isso apresenta menor
relevo no âmbito do direito público, onde “é frequente que os poderes e as competências sejam
atribuídos a núcleos organizacionais que não têm personalidade jurídica”244. Por isso o Direito Ad-
ministrativo reconhece certa autonomia jurídica aos órgãos para determinadas atividades, atribu-
indo-lhe poderes, direitos e deveres, tal como se pessoa jurídica fosse.

O fato de serem firmados contratos ou convênios em nome do órgão (inclusive com um CNPJ
próprio, para facilitar o controle) por si só não o torna uma pessoa jurídica, porque os seus poderes
se restringem apenas aos atos referentes à sua gestão administrativa, atuando como um centro de
imputação jurídica da vontade da pessoa jurídica à qual pertence.

Muito já se discutiu sobre a natureza da relação existente entre um órgão e a pessoa jurídica
da qual faz parte. Foram criadas basicamente três teorias:
a) teoria do mandato;
b) teoria da representação;
c) teoria da imputação.

Iniciou-se construindo a tese de que o órgão representaria a pessoa jurídica, tal qual ocorre
numa relação de mandato. Porém, as denominadas teorias do mandato e da representação não
esclarecem adequadamente a situação jurídica dos órgãos, pois a vontade manifestada no âmbito
do órgão não é senão a vontade da entidade à qual pertence.

243
MELLO, Curso..., cit.
244
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

174
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Sob essa ótica, a atuação dos órgãos públicos é melhor explicada pela teoria do órgão, tam-
bém chamada de teoria da imputação, idealizada pelo jurista Otto Gierke. Na verdade, a vontade
que movimenta a Administração Pública somente pode ser a de seus agentes, as pessoas físicas
inseridas na estrutura dos órgãos públicos. Por isso, é a lei que imputa juridicamente ao Estado a
vontade do agente do órgão público, de modo que, agindo o órgão, está agindo a pessoa jurídica da
qual ele faz parte. O órgão não tem juridicamente vontade própria, senão a vontade imputada à
pessoa jurídica da qual faz parte, conforme previsto em lei. Mais acertado seria, então, dizer que o
órgão presenta (e não representa) a pessoa jurídica.

Justamente por não terem personalidade jurídica, a regra geral é a de que os órgãos não pos-
suem capacidade para atuar em juízo, sobretudo em ações versando sobre direitos patrimoniais,
cuja responsabilidade é da pessoa jurídica da qual faz parte. Assim, por exemplo, se um cidadão
sofre dano causado por um preposto da Polícia Militar, órgão da Secretaria de Segurança Pública,
eventual responsabilidade civil será direcionada ao respectivo Estado-membro. Este é que deverá
figurar como réu no respectivo processo.

 HIERARQUIA ENTRE OS ÓRGÃOS PÚBLICOS


No âmbito da desconcentração administrativa, com a distribuição escalonada de funções en-
tre diversos órgãos, é de se esperar que exista uma unidade de comando conferindo direção a to-
dos eles. Daí ser imprescindível haver um liame de subordinação entre órgãos, o que se denomina
hierarquia administrativa.

A hierarquia não é um fenômeno exclusivo da Administração. Em sentido amplo, ela existe


em qualquer agrupamento organizado de pessoas, no qual haja divisão de tarefas direcionadas ao
cumprimento de um interesse predefinido e reputado superior ao interesse pessoal de cada agen-
te. Podem naturalmente variar os mecanismos hierárquicos, conforme o caso. Mas no sentido estri-
to que ora é abordado, a hierarquia somente existe propriamente entre órgãos dispostos dentro da
mesma cadeia de comando, numa estrutura montada pela lei sob a forma de pirâmide e em cujo
vértice figurará o órgão superior, que por sua vez direciona a atuação de todos os demais órgãos
que são subalternos uns aos outros, descendo até a base.

No âmbito interno da Administração Pública ocorrem relações não apenas de subordinação,


mas também de coordenação entre órgãos ou agentes. Daí porque o art. 12, Lei 9.784/99, prevê a
delegação de atribuições de alguns órgãos para outros órgãos ou titulares, “ainda que estes não
lhes sejam hierarquicamente subordinados”.

Quando a lei atribui a determinado órgão público a competência exclusiva para a prática de
um ato, não é possível haver a transferência administrativa dessa atribuição para outro órgão, ain-
da que hierarquicamente superior. Segundo o art. 15, Lei 9.784/99, “será permitida, em caráter
excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de compe-
tência atribuída a órgão hierarquicamente inferior". Apesar de o texto do permissivo não dizer ex-
pressamente, subentende-se que tal avocação somente é possível quando não seja hipótese de
competência exclusiva do órgão subalterno. Essa deve ser a exegese adequada, já que, em relação
à delegação, a referida legislação foi expressa ao proibi-la para as matérias de competência exclusi-
va do órgão ou autoridade (art. 13, III). A mesma razão justifica que seja assim também na avoca-
ção, consoante vem entendendo a doutrina. Conforme assinala Maria Sylvia Di Pietro, “a possibili-

175
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

dade de avocação existe como regra geral decorrente da hierarquia, desde que não se trate de
competência exclusiva do subordinado”.245

Somente existe poder hierárquico no âmbito dos órgãos que desempenham funções admi-
nistrativas, típica ou atipicamente. Não se aplica o princípio da hierarquia no desempenho das fun-
ções legislativa e judiciária, pois os agentes dos órgãos públicos competentes para exercerem tais
funções (deputados, senadores, vereadores, juízes, desembargadores etc.) gozam de prerrogativas
de independência funcional, decidindo apenas de acordo com a sua consciência e sem se submeter
a ordens superiores. Nesse diapasão,
“entre os órgãos do Legislativo há uma igualdade fundamental, que não permite
qualquer aplicação do princípio. Os representantes políticos estão no mesmo pé
de igualdade. No Poder Judiciário também não existe hierarquia. Embora haja ins-
tâncias, os órgãos judiciais não apresentam entre si relações de direção e depen-
dência, no sentido próprio da vinculação hierárquica. Os juízes de instância supe-
246
rior não são superiores hierárquicos dos de instância inferior”.

Conclui-se que, no âmbito dos órgãos que compõem os Poderes Legislativo e Judiciário, so-
mente se poderá falar em hierarquia quando estiverem exercendo atipicamente uma função admi-
nistrativa, vale dizer, quando atuam como Administração Pública. O mesmo ocorre em relação aos
órgãos que integram o Ministério Público, bem como no tocante aos Tribunais de Contas.

 ÓRGÃOS ADMINISTRATIVOS INDEPENDENTES


Como já foi dito, a própria ideia de órgão remete a uma unidade de comando despersonali-
zada no interior da Administração, o que pressupõe a existência de uma rede hierarquizada de atri-
buições administrativas. Forçoso concluir que, em regra, os órgãos subalternos não dispõem de
autonomia administrativa, porquanto sujeitos à direção dos órgãos superiores, que por sua vez
estão submetidos às deliberações do chefe do Poder Executivo, no âmbito da Administração Direta,
ou do dirigente da enti-dade estatal, no âmbito da Administração Indireta.

Destarte, falar-se em órgãos independentes numa estrutura desconcentrada parece soar


como algo paradoxal. Contudo, existem realmente órgãos que, tendo sua competência definida
diretamente pela Constituição e em razão da peculiar missão que desempenham, dispõem de inde-
pendência administrativa frente à autoridade central da pessoa jurídica à qual pertencem.

Por força do princípio da separação dos poderes na organização do Estado brasileiro, há ór-
gãos que, apesar de integrarem a estrutura da Administração Direta da pessoa política (União, es-
tados-membros, Distrito Federal e municípios), não estão subordinados ao chefe do Executivo. Tal
se passa com os órgãos do Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de
Contas, os quais formam uma Administração à parte, não subordinada ao Executivo. Essa indepen-
dência, repita-se, encontra fundamento direto na própria Constituição Federal.

Cada Poder tem a sua própria Administração Direta, chefiada por órgãos autônomos, razão
pela qual o art.84, II da CF/88 – ao prever que compete privativamente ao Presidente da República
exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal – deve

245
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
246
BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. Compêndio de Direito Administrativo II, RT, 1969.

176
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ser interpretado sistematicamente com outros dispositivos constitucionais que asseguram inde-
pendência aos demais Poderes.

Com efeito, a Carta Magna vigente confere competência privativa à Câmara dos Deputados
para elaborar o seu regimento interno, organizar a estrutura administrativa e dispor sobre o fun-
cionamento daquela casa parlamentar (CF/88, art. 51, III e IV), o mesmo ocorrendo em relação ao
Senado Federal (CF/88, art. 52, XII e XIII). No âmbito do Poder Judiciário, a Lei Maior dá aos Tribu-
nais a competência privativa para eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos,
dispondo sobre a competência e o funcionamento da sua administração (CF/88, art. 96, I, a e b),
regra que também se aplica aos Tribunais de Contas, no que couber (CF, art. 73). A autonomia ad-
ministrativa do Ministério Público está igualmente assegurada na Constituição (CF/88, art. 127,
§2º).

Assim, por exemplo, o Senado Federal é órgão autônomo da Administração Direta da União,
pois as suas decisões administrativas são tomadas em última instância por seu Presidente ou pela
Mesa Diretora, conforme previsto no seu regimento interno. No âmbito do Poder Judiciário, cada
Tribunal tem também a sua autonomia administrativa centralizada, seja na presidência do órgão,
no respectivo órgão especial ou conselho de administração, a depender do regimento de cada ór-
gão, existindo ainda órgãos superiores da administração judiciária previstos a própria Constituição,
quais sejam o Conselho da Justiça Federal - CJF (CF/88, art. 105, p. único, II) e o Conselho Nacional
de Justiça - (CF/88, art.103, §4º). No Ministério Público, cada Procuradoria terá seu próprio apare-
lho administrativo centralizado, tanto no âmbito dos Estados-membros, quanto no âmbito da Uni-
ão. Há aí também um órgão administrativo superior, o Conselho Nacional do Ministério Público -
CNMP (CF, art.130-A, §2º), que define parâmetros gerais para a sua administração. Em todos esses
casos, existe poder hierárquico no tocante às questões administrativas, porém, apenas entre os
órgãos que integram a respectiva estrutura independente (Legislativo, Judiciário, MP e Tribunal de
Contas), não havendo sujeição a hierarquia perante o Executivo.

 ÓRGÃOS COM PERSONALIDADE JUDICIÁRIA


Outro enfoque digno de registro diz respeito à capacidade processual dos órgãos administra-
tivos que dispõe de independência funcional. Em regra, por serem unidades despersonalizadas, os
órgãos não possuem capacidade para figurar como parte num processo judicial, sendo isso, a prin-
cípio, reservado a pessoas físicas ou jurídicas (CPC, art. 70). Todavia, tal como acontece com algu-
mas categorias despersonalizadas do direito privado (v.g., o condomínio, a massa falida, o espólio, a
sociedade de fato etc.), é reconhecida a capacidade processual de certos órgãos públicos quando o
ordenamento jurídico lhes confere autonomia institucional, podendo defender em juízo assuntos
específicos relacionados às suas funções típicas.

Por vezes essa capacidade processual do órgão já vem explicitamente prevista em lei ou na
própria Constituição, como acontece com o Ministério Público (CF, art. 129). Noutros casos, mesmo
à míngua de previsão explícita, admite-se tal capacidade quando imprescindível à defesa de prerro-
gativas funcionais do órgão ou, ainda, em caso de conflitos entre órgãos integrantes de estruturas
hierárquicas distintas (conflitos interorgânicos).

Foi assim, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a capacidade processual
da câmara legislativa para discutir em juízo assuntos especificamente relacionados à sua compe-

177
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tência funcional frente aos demais poderes do Estado, pacificando “entendimento de que certos
órgãos materialmente despersonalizados, de estatura constitucional, possuem personalidade judi-
ciária (capacidade para ser parte) ou mesmo, como no caso, capacidade processual (para estar em
juízo)” - ADI 1557, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 18.06.2004. Essa capacidade, que decor-
re do próprio sistema de freios e contrapesos, não exime o julgador de verificar a legitimidade ad
causam do órgão despersonalizado, isto é, sua legitimidade para a causa concretamente apreciada.
Consoante a jurisprudência sedimentada nesta Corte, tal legitimidade existe quando o órgão des-
personalizado, “por não dispor de meios extrajudiciais eficazes para garantir seus direitos-função
contra outra instância de Poder do Estado, necessita da tutela jurisdicional”.247

Diz-se, então, que o órgão, apesar de não possuir personalidade jurídica, dispõe de persona-
lidade judiciária, podendo ajuizar ação na defesa dos seus poderes institucionais, envolvendo ques-
tão afetas ao seu funcionamento e autonomia administrativa.

Como já se posicionou também o Superior Tribunal de Justiça,


“as câmaras municipais possuem capacidade processual limitada à defesa de seus direi-
tos institucionais, ou seja, aqueles vinculados à sua independência, autonomia e funcio-
namento. (...) A Câmara de Vereadores não possui personalidade jurídica, mas apenas
personalidade judiciária, de modo que só pode demandar em juízo para defender os seus
direitos institucionais, entendidos esses como sendo os relacionados ao funcionamento,
autonomia e independência do órgão. (...) A despeito de sua capacidade processual para
postular direito próprio (atos interna corporis) ou para defesa de suas prerrogativas, a
Câmara de Vereadores não possui legitimidade para discutir em juízo a validade da co-
brança de contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento dos exer-
centes de mandato eletivo, uma vez que desprovida de personalidade jurídica, cabendo
ao Município figurar no pólo ativo da referida demanda (REsp 696.561/RN, Rel. Min. Luiz
248
Fux, DJ de 24/10/2005).”

Em suma, apesar de se reconhecer a capacidade processual em alguns casos, ela não é plena.

 ADMINISTRAÇÃO INDIRETA E DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA


A expressão Administração Indireta vem sendo utilizada no Brasil para designar o conjunto
de entidades administrativas (com personalidade jurídica) criadas pelas pessoas políticas, em cada
esfera da federação, integrando a sua respectiva máquina estatal. Assim, ao lado da Administração
Direta, a União possui também uma Administração Indireta, o mesmo ocorrendo com os estados-
membros, o Distrito Federal e os municípios.

Como exemplo de entidades da Administração indireta federal, pode-se citar o Instituto Na-
cional do Seguro Social (INSS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Agência Na-
cional de Energia Elétrica (ANEEL), a Caixa Econômica Federal (CAIXA), a Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS), dentre muitos outros. São pessoas jurídicas, dotadas de autonomia administrativa,
que não se confundem com a União (Administração Direta federal), apesar de estarem vinculadas a
esta.

247
STF, RE 595176 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 06/12/2010.
248
STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, REsp. 1109840, DJ de 17/06/2009.

178
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O tema da Administração Indireta apresenta-se como um dos mecanismos de execução des-


centralizada (descentralização administrativa), por meio da qual a entidade política (União, Esta-
dos, Distrito Federal e Municípios) transfere a execução da atividade administrativa a outra entida-
de por ela criada, com personalidade jurídica.

Ressalte-se que, apesar dessa estreita relação com a chamada descentralização administra-
tiva funcional (ou por serviços), cuja origem esteve no modelo francês de organização administra-
tiva, o vocábulo “Administração Indireta” não foi utilizado na França, tendo chegado ao nosso direi-
to por influência da doutrina italiana das autarquias e por ocasião da reforma administrativa im-
plementada pelo Decreto-lei 200/67. Já há algum tempo, portanto, emprega-se em nosso direito
positivo a divisão da máquina estatal entre a Administração Direta e a Administração Indireta.

Deve-se atentar que na legislação brasileira tais expressões foram empregadas estritamente
no sentido subjetivo ou orgânico de Administração estatal - ou seja, com o fito de identificar, den-
tro da estrutura do Estado, qual o órgão ou entidade administrativa atuante - e não num sentido
objetivo ou formal que leve em conta a natureza administrativa da atividade e o seu modo de exe-
cução. Por isso, ao menos no direito administrativo brasileiro, o conceito de descentralização ad-
ministrativa é mais amplo do que o de Administração Indireta, porquanto há também entidades
pertencentes a particulares (v.g. as concessionárias) que desempenham atividades administrativas
em regime de colaboração, mas sem pertencerem à estrutura da Administração Indireta (tem-se,
aí, a chamada descentralização administrativa por colaboração).

Em suma: quando a atividade administrativa é transferida a entes da Administração Indireta,


configura-se a descentralização administrativa funcional (ou por serviços); quando a atividade ad-
ministrativa é transferida a entes privados, tem-se a descentralização administrativa por colabora-
ção.249

A criação de entidades da Administração Indireta é uma opção política que busca assegurar
maior eficiência no funcionamento da máquina administrativa e ao mesmo tempo impede que
todas as decisões fiquem a cargo do poder central do ente político, possibilitando com isso mais
especialização técnica em cada área de atuação do Estado e a adoção de mecanismos decisórios
mais democráticos.

São variados os regimes jurídicos dos entes estatais que compõem a Administração indireta,
sendo que alguns deles têm personalidade jurídica de direito público (ex: autarquias), enquanto
outros têm personalidade jurídica de direito privado (ex: sociedades de economia mista). As enti-
dades estatais instituídas como pessoas jurídicas de direito público são criadas por lei, ao passo
que as de direito privado têm a sua criação autorizada em lei. Vale dizer, enquanto a pessoa jurídi-
ca de direito público “nasce” com a simples publicação da lei que lhe deu origem (ex lege), a enti-
dade estatal com personalidade de direito privado, apesar de autorizada por lei, depende ainda do
registro dos seus atos constitutivos, tal como ocorre com as pessoas jurídicas em geral, segundo a
lei civil.

249
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.

179
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Como dito anteriormente, a criação de entidades da Administração indireta visa descentrali-


zar funcionalmente a execução de certas atividades estatais, atribuindo-as a pessoas jurídicas dota-
das de certa autonomia em relação ao poder central do ente político. Mas é preciso compreender
em que consiste exatamente essa autonomia.

Etimologicamente, a expressão autonomia denota o poder de se dirigir e de tomar decisões


próprias, sem interferência de terceiros. A origem da palavra vem da junção dos termos gregos
auto (a si mesmo) e nomos (ordem, regra). Contudo, para evitar confusões quanto ao uso do verbe-
te, é preciso primeiramente distinguir a autonomia administrativa, própria das entidades adminis-
trativas aqui estudadas, da autonomia política referente à organização constitucional do Estado
brasileiro e reservada apenas aos entes políticos.

No sentido estrito, autonomia indica o poder de estabelecer o próprio direito, ou seja, de e-


ditar suas próprias leis de regência, e é neste sentido mais forte que a expressão vem empregada
em nossa Constituição Federal de 1988, ao se destacar a capacidade política dos entes federados
(art. 18). Logo, somente a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios usufruem
de verdadeira autonomia política.

Por outro lado, é comum se utilizar a expressão num sentido mais fraco, destacando-se juri-
dicamente graus variados de autonomia, bastando que se empregue um ou outro qualitativo que
possa distinguir as situações. Assim, ao se falar especificamente em autonomia administrativa,
enfoca-se tão-somente a capacidade de auto-administração de que dispõem as pessoas jurídicas
possuidoras de uma estrutura hierárquica própria e separada da estrutura administrativa do poder
central do ente político. Não se trata aí de autonomia naquele grau forte (autonomia política), mas
de mero comando próprio na esfera da administração.

Enquanto a autonomia política é um fenômeno estudado pelo Direito Constitucional, refe-


rente ao momento inicial da organização do Estado e à divisão do poder político, a autonomia ad-
ministrativa está relacionada a um momento posterior, de desempenho da atividade administrati-
va, o que é objeto específico do Direito Administrativo. Enquanto os entes políticos usufruem de
autonomia política e administrativa, as demais entidades estatais apenas dispõe de autonomia
administrativa.

A nota característica da autonomia administrativa das pessoas jurídicas da Administração In-


direta está na ausência de subordinação em relação à Administração Direta. Vale dizer, não existe
propriamente hierarquia entre o ente político e a pessoa jurídica por ele criada, não obstante ocor-
ra aí um tipo específico de controle chamado tutela administrativa (ou supervisão ministerial).

Reside nesse ponto a distinção que também deve ser feita entre hierarquia e tutela. Enquan-
to na relação hierárquica o órgão inferior está subordinado ao ministério do qual faz parte, na tute-
la administrativa se diz que a entidade estatal apenas está vinculada ao ministério, expressão que
denota um controle finalístico, menos rígido do que o controle hierárquico. Ao criar um órgão den-
tro da estrutura de um ministério, o legislador faz presumir a existência de subordinação entre eles,
de modo que o órgão subordinado somente poderá agir no espaço delineado pelo órgão superior.
Já quando se cria uma entidade com personalidade jurídica própria, cabe ao legislador indicar ex-
pressamente os parâmetros em que se operará a supervisão ministerial, fora do que o ente gozará
de autonomia administrativa para agir.

180
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Em síntese, o controle hierárquico se presume; o controle por tutela não.

“A tutela não se presume, pois só existe quando a lei a prevê; a hierarquia existe
independentemente de previsão legal, porque é princípio inerente à organização
250
administrativa do Estado.”

“Se a tutela administrativa contrapõe-se à independência conferida por lei aos


entes públicos descentralizados, somente um texto de lei poderá determinar seu
exercício. A tutela não se presume; ela se constitui de uma soma de competências
particulares atribuídas explicitamente por lei, que não podem ser acrescidas, nem
251
por analogia.”

Um último esclarecimento cabe ainda de ser feito. Em tópico anterior, ao tratarmos do tema
da Administração Direta, falou-se na desconcentração administrativa como sendo a distribuição
de funções na estrutura interna de uma mesma pessoa jurídica administrativa. Convém agora sali-
entar que a desconcentração não é um fenômeno restrito ao âmbito da execução centralizada
(Administração Direta). Haverá desconcentração onde houver distribuição de funções dentro de
uma mesma pessoa jurídica, o que acontece não apenas no interior do próprio ente federativo
(União, estados-membros, Distrito Federal ou municípios), como também no interior de qualquer
entidade por ele criado e integrante da sua Administração Indireta. Assim, v.g., o Instituto Nacional
do Seguro Social - INSS, autarquia federal (entidade com personalidade jurídica criada pela União),
possui dentro de sua estrutura interior uma série de órgãos distribuídos por todo o país. Houve
descentralização administrativa por ocasião da transferência de tarefas da União (pessoa jurídica)
para o INSS (pessoa jurídica). Não obstante, a distribuição de tarefas entre os órgãos internos (des-
personalizados) do INSS consubstancia uma desconcentração administrativa.

 CRIAÇÃO DE ENTIDADES ESTATAIS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA


Como já dito, as entidades estatais são pessoas jurídicas. Logo, para que possamos identificar
quais as suas espécies, é preciso entender de que modo o nosso ordenamento jurídico contempla a
criação das pessoas jurídicas em geral.

O reconhecimento de personalidade jurídica a determinadas universalidades é uma ficção de


Direito, constituindo matéria do Direito Civil em cada país, de modo que, no Brasil, os parâmetros
para a instituição de tais entidades somente podem decorrer diretamente da Constituição ou de
leis de âmbito nacional editadas pela União, já que compete privativamente a esta legislar sobre
direito civil (CF, art. 22, I).

O art. 18, CF, dispondo sobre a autonomia dos entes federados, confere personalidade jurídi-
ca de direito interno à União, Estados, DF e Municípios. Além disso, o art. 37, XIX e XX, faz menção
expressa às autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações estatais e
entidades delas subsidiárias.

O Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), por sua vez, dedicou um título específico às pes-
soas jurídicas, indicando o elenco das entidades de direito público (arts. 41 e 42) e as de direito
privado (art. 44). Também tratou detalhadamente das pessoas jurídicas de natureza empresarial

250
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
251
MEDAUAR, Odete. Controle administrativo das autarquias. São Paulo: Bushatsky.

181
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

(arts. 997 a 1108). Legislações posteriores, também editadas pela União, alteraram o texto do Códi-
go, acrescentando novos modelos de entidades, a exemplo das associações públicas (Lei
11.107/2005).

Como, em regra, qualquer pessoa jurídica há de ser criada de acordo com um desses perfis
ditados pela legislação civil, outra modalidade de pessoa jurídica deverá ter previsão em legislação
específica também editada pela União. Significa dizer que, ao optarem por criar entidades adminis-
trativas, os Estados, o DF e os Municípios terão de necessariamente seguir os parâmetros já previs-
tos na lei nacional, adotando alguma das modalidades de pessoas jurídicas nela indicadas.

 AUTARQUIAS
Na evolução histórica do fenômeno da descentralização administrativa funcional, as autar-
quias foram os primeiros entes administrativos criados pelo Estado. Na França, dita descentraliza-
ção teve início com a instituição de serviços públicos dotados de personalidade jurídica, como cen-
tros autônomos de decisão denominados estabelecimentos públicos administrativos. No Brasil, por
influência da doutrina italiana, tal categoria veio a ser chamada de autarquia.

Autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno criadas por lei específica para de-
sempenharem atividades estatais típicas, com autonomia administrativa em relação ao poder cen-
tral do Estado.

Sendo pessoas jurídica de direito público, submetem-se ao mesmo regime jurídico de direito
público aplicável à Administração Direta dos entes políticos. Essa é a regra geral dentre as criaturas
do Estado, que somente por exceção poderá criar pessoas jurídicas regidas por normas de direito
privado, tendo de haver expressa disposição em lei nesse sentido, caso contrário presume-se a
aplicação de normas publicistas. Como explica Celso Antônio, "não se pode pressupor o caráter
privado em uma criatura estatal. Para que se entendesse ocorrente esta última hipótese seria ne-
cessário que a própria lei responsável pelo surgimento da pessoa declarasse de modo inequívoco a
intenção de excepcionar a regra - o que não ocorreu. Com efeito, o normal, a regra, o princípio, só
podem ser os de que o Estado cria pessoas para prosseguir objetivos públicos, cuja consecução se
faz mediante regime jurídico similar ao que lhe cabe"252.

A previsão de criação por lei específica, como consta no art. 37, XIX, da CF/88, faz com que
cada autarquia seja estruturada tendo em conta as particularidades da sua área de atuação, obs-
tando com isso a criação generalizada de autarquias em diferentes setores administrativos e por
meio de uma única lei. Uma vez publicada a lei específica, advém daí diretamente a sua existência
jurídica, sem necessidade de registro. Da mesma forma, a sua extinção também demanda lei no
sentido formal.

As autarquias estão vocacionadas a desempenhar atividades estatais típicas, notadamente


aquelas que consubstanciam exercício do poder de polícia e, portanto, demandam necessariamen-
te a incidência de um regime jurídico de direito público. É o caso das atividades executadas pelo
IBAMA, pelo CADE, pelo Banco Central do Brasil, dentre outras autarquias. Tais atividades a princí-
pio seriam prestadas pelo próprio ente político, através de seus órgãos da Administração direta,
mas por opção legislativa resolveu-se atribuí-las a uma entidade administrativa especializada. A par

252
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Pareceres de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

182
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

do exercício de poder de polícia, há também autarquias voltadas para a prestação de serviços pú-
blicos e obras de interesse social, a exemplo do INSS e do DNOCS.

Não é conveniente haver regime autárquico em setores da atividade econômica comercial ou


industrial, nos quais o Estado, podendo e resolvendo atuar, deverá recorrer a entidades dotadas de
estrutura empresarial (empresas estatais), previstas em lei que expressamente declare a predomi-
nância do regime de direito privado. Neste ponto, discordamos da opinião de Hely Lopes ao consi-
derar que “as autarquias podem desempenhar atividades econômicas, educacionais, previdenciá-
rias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz”253. Entendemos que se o Estado
opta por atuar diretamente na área econômica, deve para tanto criar entidades empresariais regi-
das predominantemente por normas de direito privado, como previsto no art. 173, CF.

Seja como for, percebe-se que, sob o rótulo de Administração Indireta, enquadram-se diver-
sas entidades estatais nem sempre muito parecidas juridicamente, pois algumas delas estarão
submetidas ao mesmo regime jurídico aplicado ao Estado (autarquias), enquanto outras deverão
seguir predominantemente as normas gerais do direito privado (empresas estatais). Daí porque, à
guisa de se destacar o conjunto de autarquias que atuam ao lado da Administração Direta, fala-se
em Administração Autárquica, expressão que serve apenas para separar, no conjunto da Adminis-
tração Indireta, o subconjunto integrado pelas autarquias.

Como já dito, a Administração autárquica segue em linhas gerais o mesmo regime jurídico de
direito público aplicado a Administração direta, com destaque para aspectos essenciais relaciona-
dos ao regime de bens, regime de pessoal, prerrogativas processuais, imunidades tributárias e ou-
tras particularidades que as diferenciam das pessoas jurídicas de direito privado.

Tal como acontece com a Administração Direta, as autarquias usufruem de um regime de


bens públicos com características especiais tais como a imprescritibilidade e a impenhorabilidade,
estando o seu patrimônio diretamente afetado a um fim de interesse coletivo, não admitindo usu-
capião, nem podendo servir como direito real de garantia. Nesse campo, tanto a Administração
direta quanto a autárquica integram o conceito de Fazenda Pública, expressão utilizada para desig-
nar o elemento patrimonial do Estado.

Nessa condição, as autarquias se beneficiam de prerrogativas processuais, tal como a remes-


sa oficial das sentenças que lhes forem desfavoráveis (art. 496, CPC). As ações ajuizadas contra as
autarquias sujeitam-se a prazo prescricional diferenciado (Decreto 20.910/32) e, como os seus bens
não podem ser penhorados, as execuções judiciais hão de seguir o regime de precatório ou requisi-
ção de pequeno valor (art. 100, CF, e art. 910, CPC). Às autarquias se aplica também um regime
diferenciado para cobrança de seus créditos, os quais, após um processo administrativo de cobran-
ça, são inscritos diretamente em dívida ativa da Fazenda Pública, dispensando sentença condena-
tória e comportando de imediato a execução judicial mediante um rito específico de execução fiscal
(Lei 6.830/80).

Quanto ao regime de pessoal, as atividades desempenhadas pelas autarquias, sobretudo


quando exercem poder de polícia, faz com que o seu quadro funcional seja integrado por servido-
res estatutários em sua maioria detentores de cargos efetivos. É certo que a Emenda Constitucio-
nal n. 19/98 alterou a redação original do art. 39 da Constituição de 1988, acabando com a exigên-
cia de adoção de regime jurídico único para os servidores da Administração direta e autárquica,
253
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros.

183
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

pelo que a lei poderá fixar regimes jurídicos diversificados, estatutário ou contratual, a depender da
atividade a ser desempenhada pelo agente. Porém, conforme abordaremos em capítulo posterior,
o STF veio a declarar inconstitucional essa alteração, voltando a vigorar a exigência do regime jurí-
dico único.254

O legislador constitucional concedeu imunidade tributária para as autarquias, no que se re-


fere aos impostos incidentes sobre seu patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finali-
dades essenciais ou às delas decorrentes (art. 150, VI, a, e §2º, CF). A imunidade abrange todos os
impostos que, direta ou indiretamente, atinjam o patrimônio da entidade, conforme decidiu o STF,
inclusive quanto à não incidência do ICMS255. Essa imunidade geral, porém, fica restrita apenas aos
impostos. No tocante às taxas, só deixarão de ser exigidas se cada autarquia for beneficiada por
uma lei específica que lhe confira isenção.

Os dirigentes das autarquias são designados pelo Chefe do Poder Executivo, a princípio sem
ingerência de qualquer outro órgão (cargos de confiança, de livre nomeação e exoneração). Há
casos, porém, em que a legislação ordinária vem a condicionar a indicação à prévia aprovação pelo
Poder Legislativo, de maneira que a pessoa escolhida submete-se a uma sabatina perante os par-
lamentares, sem o que não se completa a sua escolha para o cargo. Tal condição é expressamente
admitida pela Constituição Federal de 1988 (art. 52, CF), em nada afrontando o princípio da separa-
ção dos poderes, conforme inclusive já se posicionou a nossa Corte Suprema.

Com efeito, desde o julgamento da ADI 1949 MC/RS (rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.
18/11/99), o STF já havia sinalizado que
“diversamente dos textos constitucionais anteriores, na Constituição de 1988 - à vista da
cláusula final de abertura do art. 52, III -, são válidas as normas legais, federais ou locais,
que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à pré-
via aprovação do Senado Federal ou da Assembléia Legislativa: jurisprudência consolida-
da do Supremo Tribunal”.

Restringindo esse entendimento às autarquias e fundações de direito público, afastou-se tal


possibilidade em relação às empresas estatais tratadas no art. 173 da Carta Magna, reputando
“ilegítima a mesma intervenção parlamentar no processo de provimento da direção das
entidades privadas, empresas públicas ou sociedades de economia mista da administra-
256
ção indireta dos Estados”.

Grande discussão se estabeleceu, todavia, no tocante à possibilidade de se permitir ou não a


livre demissão de agentes nomeados para exercerem mandatos como dirigentes de autarquias,
questão sobre a qual a Carta Magna silencia. O tema é antigo e o posicionamento inicial do STF,
antes da CF/88, era pela plena possibilidade257, salvo em relação aos reitores das universidades
públicas258. Mais recentemente, ante as peculiaridades de algumas autarquias especiais, o tema
voltou à baila, havendo o STF mitigado a sua anterior orientação, passando a considerar incabível
tal demissão, conforme será abordado em tópico posterior acerca das agências reguladoras.

254
ADI 2135-4.
255
RE 242.827/PE.
256
ADI 2225/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29/06/2000
257
Súmula 25, STF. A nomeação a termo não impede a livre demissão, pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de
autarquia.
258
Súmula 47/STF. Reitor de Universidade não é livremente demissível pelo Presidente da República durante o prazo de sua investidura.

184
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A doutrina aponta basicamente duas classificações para as autarquias, a primeira levando em


conta o aparelhamento estatal a que pertencem, e a segunda a finalidade por elas desempenhada.

Quanto ao primeiro aspecto, qualquer dos entes da federação (União, Estados, Distrito Fede-
ral e Municípios) pode criar autarquias próprias, que são, por isso, classificadas respectivamente
como autarquias federais, estaduais, distritais e municipais.

No que diz respeito à finalidade para qual foram instituídas, as autarquias podem ser classifi-
cadas em territoriais, corporativas, fundacionais, assistenciais, previdenciárias, de controle e admi-
nistrativas.

As autarquias territoriais têm por objeto a administração geral de uma área limitada do ter-
ritório nacional, como já ocorreu no Brasil com os territórios federais, que ainda podem ser eventu-
almente criados (art. 18, CF). Discordamos dessa classificação, pois tais territórios são instituídos
para exercerem funções genéricas de administração pública, sem obediência ao princípio da espe-
cialidade que inspira a criação dos entes da Administração Indireta. Assim, a situação dos territórios
melhor se enquadra na esfera da descentralização geográfica259 e não da descentralização funcio-
nal.

As autarquias corporativas, também chamadas de autarquias profissionais, são integradas


por um agrupamento de indivíduos sob a forma de conselhos, voltados para a disciplina do exercí-
cio de uma atividade profissional regulamentada em lei (ex: entidades fiscalizadoras do exercício
profissional – CREA, CRE, CRM, OAB). Não obstante, existe uma tendência atual de se localizar tais
entidades fora do âmbito da Administração Indireta, já tendo o STF assim decidido ao menos em
relação à OAB. Assim, alguns autores já preferem enquadrá-las como entidades paraestatais com
personalidade jurídica de direito público. Existe inclusive um movimento visando instituir uma lei
nacional de organização administrativa que situe os conselhos profissionais fora da máquina esta-
tal.

As autarquias fundacionais são criadas em razão de um serviço ou atividade específica com


substrato patrimonial, isto é, com patrimônio afetado a determinado fim cultural ou educacional,
como acontece com as universidades públicas. Tais autarquias geralmente são também qualificadas
como fundações de direito público.

As autarquias assistenciais têm a sua atuação voltada para a área social, buscando prestar
auxílio à população mais carente, bem como sanear desigualdades regionais. São
“aquelas que visam a dispensar auxílio a regiões menos desenvolvidas ou a cate-
gorias sociais específicas, para o fim de minorar as desigualdades regionais e so-
ciais, preceito, aliás, inscrito no art. 3º, III, da CF. Exemplos: a ADENE – Agência de
Desenvolvimento do Nordeste e a ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazô-
260
nia, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária”.

As autarquias previdenciárias são aquelas que se dedicam à gestão dos serviços públicos vol-
tados para a concessão dos benefícios da previdência social previstos em lei, tanto para os traba-
lhadores da iniciativa privada quanto para os servidores públicos. No âmbito do regime geral de

259
DI PIETRO, Parcerias..., cit.
260
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

185
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

previdência social, de titularidade exclusiva da União, a atividade fica a cargo do INSS. Já em se


tratando de previdência dos servidores públicos, os demais entes políticos poderão instituir autar-
quias estaduais, distritais ou municipais para a gestão do atendimento previdenciário dos seus res-
pectivos servidores.

As autarquias de controle são as que se dedicam especificamente à regulação das atividades


econômicas e serviços públicos prestados por entidades da iniciativa privada, em regime de colabo-
ração com o Estado. Destacam-se nessa categoria
“as recém-criadas agências reguladoras, inseridas no conceito genérico de agên-
cias autárquicas, cuja função primordial consiste em exercer controle sobre as en-
tidades que prestam serviços públicos ou atuam na área econômica por força de
concessões e permissões de serviços públicos (descentralização por delegação ne-
gocial), como é o caso da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), da ANA-
TEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e da ANP (Agência Nacional do Pe-
261
tróleo)”.

Por fim, todas as demais autarquias que não se enquadrem numa das categorias acima iden-
tificadas, podem ser genericamente consideradas como autarquias administrativas, as quais
“formam a categoria residual, ou seja, daquelas entidades que se destinam às va-
ras atividades administrativas, inclusive de fiscalização, quando essa atribuição
for da pessoa federativa a que estejam vinculadas. É o caso do INMETRO (Institu-
to Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial); BACEN (Banco
Central do Brasil); IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
262
Naturais Renováveis)”.

Por fim, fala-se ainda em autarquias especiais (ou sob regime especial), distinguindo-as das
autarquias comuns. O foco da diferenciação está em que tais autarquias possuem algumas prerro-
gativas específicas além daquelas que consubstanciam o regime geral das demais. Com efeito, nem
todas as autarquias dispõe do mesmo grau de autonomia e, apesar de tecnicamente não existir
hierarquia entre elas e o poder central, existem algumas com maior autonomia do que outras e que
por isso são consideradas especiais.

Assinala-se três ordens de fatores que influenciam no grau de autonomia de uma autarquia:
“O primeiro se relaciona com sua estruturação organizacional. A autarquia tem
uma estrutura administrativa distinta da Administração direta. Mas seus órgãos
de mais elevada hierarquia são providos por meio de decisões da Administração
direta. Ou seja, o administrador da autarquia não é eleito pelo povo nem escolhi-
do pelo Legislativo. É escolhido por uma autoridade da Administração direta (ain-
da que se admita a possibilidade de a lei subordinar o provimento a uma autori-
zação do Senado Federal). Como regra, também cabe à mesma autoridade da
Administração direta produzir o afastamento do administrador da autarquia. O
segundo tem que ver com as competências da autarquia. A lei pode determinar
que a autarquia seja titular de competências privativas, sem possibilidade de in-
terferência da Administração direta sobre as escolhas adotadas. Mas é possível
outra solução, em que as decisões da autarquia seriam revisáveis e alteráveis por
determinação da Administração direta. Portanto, a solução adotada pela lei disci-

261
Idem.
262
Ib idem.

186
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

plinadora da autarquia importará maior ou menor autonomia. O terceiro se refe-


re aos recursos orçamentários para a atuação autárquica. Em alguns casos, a lei
prevê recursos próprios, vinculados necessariamente à autarquia. Assim se passa,
por exemplo, quando a lei institui um tributo vinculado em prol da entidade. Mas
há casos em que a autarquia dependerá do orçamento geral do ente a que se vin-
cula. Isso significará redução da sua capacidade de formular escolhas autônomas.
Em suma, a margem de autonomia de uma autarquia depende da disciplina ado-
263
tada na lei que a instituiu”.

Trata-se de um fenômeno que ocorreu em diversos países. Na França, por exemplo, ao lado
dos tradicionais estabelecimentos públicos correspondentes às nossas autarquias, vieram sendo
criadas algumas entidades dotadas de maior autonomia em relação à administração central, trata-
das então como uma nova categoria, sob a designação de autoridades administrativas indepen-
dentes. No Brasil, há algum tempo a expressão “autarquia especial” era empregada pela doutrina
para destacar o papel das universidades públicas, por disporem de maior independência do que as
autarquias em geral, haja vista a sua autonomia didático-científica. Depois, estendeu-se tal qualifi-
cação a outras autarquias que também desfrutariam de situação jurídica diferenciada em relação
ao conjunto das autarquias comuns, gozando de maior poder e independência frente à Administra-
ção Direta. É o caso do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários. Em momento
mais recente passou-se a utilizar a expressão para fazer referência às agências reguladoras.

Advirta-se, porém, não haver um critério objetivo e seguro que possa indicar quando exata-
mente uma autarquia se revela como “especial”, justamente por não existir uniformidade no regi-
me jurídico de tais entidades. Logo,
“não havendo lei alguma que defina genericamente o que se deva entender por
tal regime, cumpre investigar, em cada caso, o que se pretende com isto. A idéia
subjacente continua a ser a de que desfrutariam de uma liberdade maior do que
as demais autarquias. Ou seja: esta especialidade do regime só pode ser detecta-
da verificando-se o que há de peculiar no regime das ‘agências reguladoras’ em
264
confronto com a generalidade das autarquias”.

Tudo dependerá do que dispuserem as leis que as instituírem.

Com exceção apenas do controle hierárquico pela Administração direta, as autarquias estão
sujeitas aos mesmos mecanismos de controle interno e externo da Administração Pública, incluindo
aí o exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas.

 FUNDAÇÕES PÚBLICAS
A fundação é uma entidade qualificada por um patrimônio destinado a determinado fim. As
fundações estatais, como o próprio nome sugere, são aquelas instituídas pelo Estado.

O objeto das fundações estatais deverá sempre ter caráter social, razão pela qual
“jamais poderá o estado instituir fundações públicas quando pretender intervir no
domínio econômico e atuar no mesmo plano em que fazem os particulares; para

263
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
264
MELLO, Curso…, cit.

187
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

esse objetivo, já se viu, criará empresas públicas e sociedades de economia mista.


O comum é que as fundações públicas se destinem às seguintes atividades: 1) as-
sistência social; 2) assistência médica e hospitalar; 3) educação e ensino; 4) pes-
quisas; e 5) atividades culturais. Vejamos alguns exemplos de fundações na esfera
federal: Fundação Escola de Administração Pública; Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico; Fundação Casa de Rui Barbosa; Fundação
Nacional do Índio, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Funda-
265
ção Nacional de Saúde e outras tantas ligadas à Administração”.

É clássica a controvérsia doutrinária acerca da natureza jurídica das fundações estatais, sobre
se seriam pessoas de direito público ou de direito privado.

Para Hely Lopes somente poderiam existir fundações de direito privado, submetidas às re-
gras do Direito Civil, opinião ancorada no disposto no Decreto-lei 200/67, com a alteração introdu-
zida pela Lei 7596/87266 e que encontrou reforço no texto da Constitucional Federal de 1988, cujo
art. 37, XIX, ao prever a instituição mediante autorização em lei (e não diretamente por lei), parece
haver tratado as fundações estatais como pessoas jurídicas de direito privado.

Apesar disso, Maria Sylvia, assim como inúmeros outros autores, defende “a possibilidade de
o poder público, ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito
privado”, sendo que,
“quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atri-
buir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições
que lhe são próprias, ou subordiná-las ao Código Civil, neste último caso, com der-
rogações por normas de direito público (...) em cada caso concreto, a conclusão
sobre a natureza jurídica da fundação – pública ou privada – tem que ser extraída
267
do exame de sua lei instituidora e dos respectivos estatutos”.

Celso Antônio, por sua vez, entende que


“saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito Privado ou de Direito Pú-
blico é meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecido na lei
que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não meramente o
exercício deles, e disciplinou-a de maneira a que suas relações sejam regidas pelo
Direito Público, a pessoa será de Direito Público, ainda que se lhe atribua outra
qualificação. Na situação inversa, a pessoa será de Direito Privado, mesmo inade-
268
quadamente nominada”.

Disso resulta que, como já se posicionou o Supremo Tribunal Federal,


“nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fun-
dações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se
submetem a regime jurídico administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis es-
taduais, são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito públi-
269
co. Tais fundações são espécie do gênero autarquia”.

265
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
266
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
267
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
268
MELLO, Curso..., cit.
269
RE 101.126-RJ, RTJ 113/314; ADI 2.794, DJ de 30.03.2007.

188
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Em suma, se de acordo com a lei instituidora a fundação estatal for de direito público, o seu
regime jurídico será idêntico ao das autarquias, revelando-se como simples autarquia fundacional,
designação correspondente a sua base estrutural, não havendo qualquer distinção no tocante à
finalidade. Nesse caso, “a própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para
o nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público”.270 Tem-se, então,
uma fundação pública.

Já se a fundação estatal for de direito privado, o seu regime será similar ao das empresas es-
tatais, inclusive quanto à necessidade de registro dos seus atos constitutivos. Todavia, com elas não
se confundem, pois enquanto a finalidade das fundações terá sempre caráter social e não lucrativo,
as empresas estatais são criadas para intervir no domínio econômico ou prestar serviços públicos
de natureza comercial ou industrial. Advirta-se que “não pode haver fundação, ainda que instituída
sob o figurino do Direito Privado, que legalmente possa buscar uma finalidade de interesse privado,
quando instituída pela Administração Pública”.271 Assim, mesmo quando instituída como pessoa
jurídica de direito privado, a fundação estatal não se sujeitará inteiramente às regras do Direito
Civil, submetendo-se também a normas do direito público, sobretudo no tocante a sua finalidade.
Além disso, a exemplo do que ocorre com as fundações privadas, as áreas de atuação das funda-
ções estatais de direito privado são definidas por lei complementar (art. 37, XIX, CF).

Noutro giro, José dos Santos critica o critério acima referido, entendendo que “o regime ad-
ministrativo não é causa da distinção, mas efeito dela”.272 Da mesma forma, seriam insatisfatórios
os critérios baseados no desempenho de serviço estatal e na finalidade, haja vista que tanto as
fundações de direito público quanto as de direito privado exercem atividade qualificada como ser-
viço público não lucrativo.

Segundo o autor,
“o único fator do qual se pode extrair pequeno elemento de diferenciação reside
na origem dos recursos, admitindo-se que serão fundações estatais de direito pú-
blico aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa fe-
derativa e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas, ao passo que de
direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos
serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros (...)
como nos mais diversos exemplos que se têm verificado, seja em nível federal, se-
ja em nível estadual, distrital e municipal, as fundações governamentais depen-
dem diretamente do orçamento público e subsistem à custa dos recursos públicos
oriundos do erário da respectiva pessoa política que as controla, será forçoso re-
conhecer que, à luz da distinção acima, restaram poucas dentre as fundações pú-
blicas que podem ser qualificadas como fundações governamentais de direito pri-
273
vado”.

Frise-se que, seja qual for o seu regime jurídico, as fundações estatais dependem de lei espe-
cífica para a sua criação ou extinção. Se forem regidas pelo direito público (fundações públicas),
independem de registro público para existir, pois a lei por si só já lhe dá publicidade, como de resto

270
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
271
GASPARINI, Manual..., cit.
272
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
273
Idem.

189
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ocorre com as demais entidades legalmente instituídas. Se forem regidas pelo direito privado (fun-
dações governamentais), não é a lei que cria, mas apenas autoriza a criação do ente.

 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA


Há um campo próprio de atuação do Estado, o qual a
doutrina costuma designar como o Primeiro Setor, ao lado do
campo próprio da iniciativa privada (Mercado), considerado
este como o Segundo Setor. A princípio o Estado não atua
propriamente nessa área, mas nela desempenha atividades
de intervenção direta ou indireta, regulando as liberdades
individuais e a propriedade privada em prol da coletividade.
Vale-se aqui da terminologia empregada por Eros Grau, ao
apontar, dentro da atuação estatal tomada em sentido am-
plo, as atividades de intervenção, termo utilizado para desig-
nar as situações em que Estado interfere no setor privado (Segundo Setor), pois nesse caso está
atuando em área de outrem.

Convém distinguir juridicamente estas situações daquelas outras em que o Estado desempe-
nha atividades típicas do setor público (Primeiro Setor). Assim,
“o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a
prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade,
na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no con-
texto, mais correto do que a expressão atuação estatal. (...) Intervenção indica,
em sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação esta-
tal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, a-
ção do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularida-
274
de do setor privado”.

Infere-se, portanto, que quando o Estado interfere no setor privado, o faz através de modali-
dades interventivas, que podem se enquadrar em alguma das seguintes situações:
• Intervenção direta no domínio econômico: Atuação por meio de empresas criadas pelo
Estado para desempenharem atividades econômicas, na forma do art. 173, CF. Tal inter-
venção, ainda segundo Eros Grau, se dará por absorção (caso a empresa estatal atue em
regime de monopólio) ou por participação (caso a empresa atue em regime de concor-
rência com a iniciativa privada).275

• Intervenção indireta sobre o domínio econômico: Atuação por meio de regulação e e-


xercício de poder de polícia, ordenando, consentindo e fiscalizando as atividades desem-
penhadas pelas empresas privadas, bem como mediante incentivos que levem o setor
empresarial privado a praticar condutas socialmente relevantes (fomento público). No
primeiro caso (regulação), Eros Grau fala em intervenção por direção; no segundo (fo-
mento), em intervenção por indução.276

274
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros.
275
Idem.
276
Ib idem.

190
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Nas palavras de Celso Antônio,


“considerando-se panoramicamente a interferência do Estado na ordem econô-
mica, percebe-se que esta pode ocorrer de três modos, a saber:
(a) ora dar-se-á através do seu ‘poder de polícia’, isto é, mediante leis e atos ad-
ministrativos expedidos para executá-las, como ‘agente normativo e regulador da
atividade econômica’ – caso no qual exercerá suas funções de ‘fiscalização’ e em
que o ‘planejamento’ que conceber será meramente ‘indicativo para o setor pri-
vado’ e ‘determinante para o setor público’, tudo conforme prevê o art. 174;
(b) ora ele próprio, em casos excepcionais, como foi dito, atuará empresarialmen-
te, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e
(c) ora o fará mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art.
174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo
277
perdido.”

Na intervenção direta no domínio econômico tem-se então a chamada Administração indi-


reta empresarial, expressão colocada em sentido amplo para designar a atuação do Estado como
empresário do setor econômico. Trata-se de um conjunto de entidades estatais, formal e substan-
cialmente distintas daquelas que integram a Administração indireta autárquica ou fundacional. É
preciso cuidado para não confundir o uso de dois termos aparentemente paradoxais: a intervenção
é direta (no sentido de que é Estado desempenhando atividade econômica), mas, exercitada pela
Administração Indireta (considerando a estrutura da máquina estatal).

O Estado empresário é um fenômeno recente na história do direito administrativo. Os pri-


meiros entes administrativos foram criados, à semelhança do próprio Estado, apenas para desem-
penharem atividades típicas sob regime jurídico de direito público (na França o estabelecimento
público administrativo, na Itália a autarquia, expressão esta que veio a ser empregada no direito
brasileiro). Nos primórdios do direito administrativo, segundo um modelo liberal de intervenção
mínima que predominou por todo o século XIX, não havia espaço para a atuação direta do Estado
no campo econômico, sendo a atividade empresarial reservada ao setor privado.

Somente com o advento do modelo social, em meados do século passado, passou-se a ado-
tar uma opção política de atuação estatal mais incisiva na ordem econômica, surgindo então a ne-
cessidade de serem criadas entidades administrativas com características especiais que pudessem
propiciar ao Estado agir como verdadeiro empresário, portanto, sob predomínio do regime de direi-
to privado. Esse fenômeno deu origem, na França, aos chamados estabelecimentos públicos indus-
triais e comerciais. No Brasil, tais entidades estatais foram qualificadas sob o gênero empresas
estatais, expressão que abrange as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as empre-
sas subsidiárias, bem como outras empresas em que o Estado detenha o controle acionário, ainda
que não participe efetivamente da sua gestão.

A expressão empresa estatal ou empresa governamental designa “todas as sociedades, civis


ou comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública, a socie-
dade de economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição
faz referência, em vários dispositivos, como categoria à parte (arts.71, II, 165, §5º, III, 173, §1º)”.278

277
MELLO, Curso..., cit.
278
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

191
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O regime das empresas estatais, apesar de sofrer variável influxo de normas do direito públi-
co, é predominantemente o de direito privado. Enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito
público) são criadas diretamente por lei e independente de registro, as empresas estatais (pessoas
jurídicas de direito privado) têm a sua criação autorizada por lei, dependendo ainda de registro de
comércio. Vale dizer, a sua instituição é um ato complexo, formado a partir da autorização legal,
seguida da elaboração do documento de constituição (estatuto), que é então depositado no regis-
tro público.

Como reza o art. 37, XIX, CF, a instituição de empresa pública ou de sociedade de economia
mista depende de autorização em lei específica, a qual indicará a respectiva área de atuação da
estatal, não podendo os seus administradores dispor de modo contrário.

O mais comum é que a empresa estatal seja criada de modo originário, mediante aporte or-
çamentário, de bens e recursos humanos que a integrarão. Mas pode acontecer de a lei autorizar a
aquisição, pelo Estado, de uma empresa privada já existente (estatização), que passará então a
integrar a Administração indireta do respectivo ente político, devendo adaptar-se gradualmente ao
regime jurídico próprio das empresas estatais até o final do exercício subsequente ao da aquisição.
É possível até mesmo que a lei autorize a transformação de órgão ou de autarquia em empresa
estatal, passando com isso a ter personalidade jurídica de direito privado, tal aconteceu, por exem-
plo, com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e com a Casa da Moeda do Brasil, ambas
empresas públicas criadas mediante transformação de antigas autarquias federais.

 EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA


Na Administração Pública Indireta, podemos destacar, ao lado da Administração Autárquica
e da Fundacional, também a chamada Administração Empresarial, na qual o Estado atua como
empresário no setor econômico.

Segundo Maria Sylvia Di Pietro, a expressão “empresa estatal” ou “empresa governamental”


designa
“todas as sociedades, civis ou comerciais, de que o Estado tenha o controle acio-
nário, abrangendo a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras
empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição faz referência,
em vários dispositivos, como categoria à parte (arts.71, II, 165, §5º, III, 173, §1º)”.
279

Além das empresas públicas e sociedades de economia mista, a expressão se estende às em-
presas subsidiárias, bem como outras empresas em que o Estado detenha o controle acionário,
ainda que não participe efetivamente da sua gestão. Assim, a exploração de atividade econômica
pelo Estado será exercida por meio de empresa pública, de sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias.

Conforme veremos mais à frente, a criação de uma empresa estatal (seja ela empresa públi-
ca, sociedade de economia mista ou subsidiária) encontra fundamento constitucional em duas hi-
póteses: 1) ou a empresa será criada para prestar um serviço público de natureza comercial ou

279
DI PIETRO, Maria Zanella Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas.

192
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

industrial (art. 175, CF); ou 2) a empresa será criada para explorar atividade econômica por razões
de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional (art. 173, CF).

Recentemente, em cumprimento ao disposto no art. 173, §1º, CF, com a redação dada pela
EC 19/1998, foi editada a Lei 13.303/2016, dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa
pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de ser-
viços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de
prestação de serviços públicos.

Enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito público) são criadas diretamente por lei,
independente de registro, as empresas estatais (pessoas jurídicas de direito privado) têm a sua
criação autorizada por lei, dependendo ainda de registro de comércio. As espécies de empresas
estatais tradicionalmente reconhecidas são as empresas públicas e as sociedades de economia
mista, tendo o legislador brasileiro, desde a edição do DL 200/67, apontado definições para tais
modalidades, em alguns aspectos já superadas pelo tempo ou sem a adequada precisão técnica.

Mas seja qual for a modalidade empregada, haverá sempre pontos comuns em todas as em-
presas estatais, a saber: são criadas ou extintas por autorização legal (art. 37, XIX, CF), com perso-
nalidade jurídica de direito privado, sujeitas a um regime híbrido em que algumas normas de direito
privado são derrogadas por normas de direito público, com empregados regidos pelas leis trabalhis-
tas, vinculação a um fim específico definido em lei (especialidade) e desempenho de atividade de
natureza econômica (sentido amplo), que poderá ser um serviço público comercial ou industrial ou
uma atividade de intervenção direta no domínio econômico (atividade econômica em sentido estri-
to).

Quanto aos pontos de distinção, as empresas públicas são constituídas por capital inteira-
mente público, ainda que possa pertencer a distintos entes da federação. Já as sociedades de eco-
nomia mista são constituídas de capital público e privado, tendo o Poder Público a participação
majoritária na gestão da empresa. Por esta razão, no que toca à forma de organização e composi-
ção de capital, enquanto as empresas públicas podem ser organizadas sob qualquer das formas
previstas na legislação civil (S/A, Ltda. etc.) ou em lei nacional específica, as sociedades de econo-
mia mista somente são constituídas sob a forma de sociedade anônima (S/A).

O mais comum é que a empresa pública pertença a uma única entidade federada, que inte-
graliza todo o seu capital social, mantendo aí a forma de sociedade unipessoal. Não raro, porém,
são criadas empresas públicas cujo capital pertence a mais de um ente estatal, havendo, além do
ente instituidor, outros sócios governamentais minoritários (sociedade pluripessoal). É possível até
mesmo que parte dos seus recursos seja capitalizado por meio de ações, assumindo a forma de
sociedade anônima. Contudo, essas ações devem necessariamente pertencer a sócios governamen-
tais com personalidade jurídica de direito público interno (entes federados ou autarquias) ou cujo
capital seja inteiramente público (outra empresa pública), pois, se houver alguma participação a-
cionária de capital privado, a entidade será uma sociedade de economia mista e não uma empresa
pública.

Vale dizer, a sociedade de economia mista, sempre constituída como sociedade anônima,
poderá ser uma companhia aberta ou fechada (conforme tenha ou não ações negociadas em bolsa

193
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

de valores mobiliários). Já a empresa pública, caso venha excepcionalmente a adotar a forma de


sociedade anônima, terá de ser necessariamente uma companhia fechada, porquanto suas ações
somente poderão ser adquiridas por pessoas governamentais cujo capital seja inteiramente direito
público.

São exemplos de empresas públicas, em âmbito federal, a Caixa Econômica Federal (CAIXA),
a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a Casa da Moeda do Brasil, a Empresa Brasileira
de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EM-
BRAPA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dentre as sociedades
de economia mista podemos citar o Banco do Brasil S/A (BB), a Petróleo Brasileiro S/A (PETRO-
BRÁS), a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

A maioria das empresas estatais são instituídas para atuarem na área econômica, no mais
das vezes em situação de concorrência com empresas privadas que operam no mesmo setor, sujei-
tando-se predominantemente ao mesmo regime jurídico destas (art. 173, §1º, II, CF) e sem gozar
de privilégios a estas não extensíveis (art. 173, §2º, CF). Tal é o caso do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal, naquilo que diz respeito à atividade comercial enquanto instituições financei-
ras. Há também estatais que desempenham serviços públicos em regime de monopólio, como é o
caso da ECT (serviço postal) e da INFRAERO (infraestrutura aeroportuária), e por isso submetem-se
a regime jurídico um pouco diferenciado em relação ao setor privado. É comum ainda que o Gover-
no se valha das estrutura das suas empresas também para a implementação de políticas sociais ou
o desempenho de serviços administrativos sob regime de direito público. Cite-se nessa situação o
importante papel desempenhado pela Caixa Econômica Federal, quando executa planos de acesso
à moradia popular (SFH) ou atua como agente operadora do FGTS.

Outro ponto de distinção que merece destaque diz respeito à competência jurisdicional para
o exame de questões envolvendo empresas públicas federais. Segundo dispõe o art. 109, I, CF, tal
caberá à Justiça Federal, ressalvadas apenas as ações de falência, de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Já quanto às sociedades de economia mista fede-
rais, a competência será sempre da Justiça Estadual, salvo quando a União intervém como assisten-
te ou opoente, ou quando se tratar de questões eleitorais ou trabalhistas.

A teor da Súmula 517 do STF, “as sociedades de economia mista só têm foro na justiça fede-
ral quando a União intervém como assistente ou opoente”. Excepciona-se assim a regra geral de
que “é competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedades de economia
mista” (Súmula 556/ STF). Essa orientação jurisprudencial é reforçada ainda pela Súmula 42 do STJ,
segundo a qual “compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é
parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”. Convém ressaltar
que, de acordo com a Súmula 150 do STJ, “compete à justiça federal decidir sobre a existência de
interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da união, suas autarquias ou empresas
públicas”.

Em se tratando de atos praticados por administradores de empresas públicas e de sociedade


de economia mista, ou até mesmo de entidades privadas, somente podem ser contestados por
meio de mandado de segurança aqueles que são praticados na condição de autoridade, ou seja,
quando o dirigente da pessoa jurídica, exercendo competência própria ou delegada, toma decisões
regradas por normas de direito público, tal como ocorre nas deliberações sobre concurso público e
licitações. Já quando a decisão envolver mera questão comercial referente à área-fim de atuação da

194
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

empresa, o administrador não atua como autoridade. Como se extrai dos §§ 1º e 2º do art. 1º da
atual lei do mandado de segurança (Lei 12.016/09), equiparam-se às autoridades os representantes
ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os diri-
gentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do Poder Público,
somente no que disser respeito a essas atribuições. Outrossim, não cabe mandado de segurança
contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de so-
ciedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

Saliente-se que, mesmo tendo as empresas estatais personalidade jurídica de direito privado,
elas estão sujeitas ao influxo de algumas normas de direito público, sobretudo as previstas na pró-
pria Constituição Federal. O fato de não estarem integralmente regidas pelo direito público “não
equivale a afirmar que estejam abrangidas totalmente sob o direito privado”280, como se particula-
res fossem.

Se a empresa estatal desempenhar atividade de natureza privada relacionada à intervenção


no domínio econômico (atividade econômica em sentido estrito), por razões de relevante interes-
se coletivo ou imperativo de segurança nacional, aplica-se a regra do art. 173, CF. Se, por outro
lado, a empresa estatal desempenhar atividade econômica assumida pelo Estado como serviço
público comercial ou industrial, aplica-se a regra do art. 175, CF.

Celso Antônio salienta haver, portanto, dois tipos fundamentais de empresas públicas e so-
ciedades de economia mista: “exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços pú-
blicos ou coordenadoras de obras públicas”.

“No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o
mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito
Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfru-
tem de situação vantajosa em relação às empresas privadas – às quais cabe a se-
nhoria no campo econômico –, compreende-se que estejam, em suas atuações,
submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades par-
ticulares de finas empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que
em tais hipóteses regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas
(art.173, §1º, II). (...) No segundo caso, quando a concebidas para prestar serviços
públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propriamente
(como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram influxo
mais acentuado de princípios e regras de Direito Público, ajustados, portanto, ao
281
resguardo de interesses desta índole.”

Maria Sylvia, no mesmo sentido, considera que


“quando se trata de atividade econômica exercida pelo Estado com fundamento
no art. 173, que determina a sujeição ao direito privado, este é que se aplicará, no
silêncio de norma publicística; por outras palavras, presume-se a aplicação do re-
gime de direito privado, só derrogado por norma expressa, de interpretação estri-
ta. Quando, porém, o Estado fizer a gestão privada do serviço público, ainda que

280
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
281
MELLO, Curso..., cit.

195
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

de natureza comercial ou industrial, aplicam-se, no silêncio da lei, os princípios de


282
direito público, inerentes ao regime jurídico administrativo”.

Cabe ressalvar, todavia, existirem empresas estatais exploradoras de atividades econômicas


às quais não se aplica a regra do art. 173, § 1º, CF. São aquelas cuja área de atuação, apesar de não
ser propriamente um serviço público, constitui atividade econômica monopolizada pelo Estado, por
expressa previsão constitucional, tal como ocorre com algumas atividades relacionadas à explora-
ção de recursos minerais (art. 177, CF). Nestes casos, as empresas estatais não atuam em regime de
concorrência com outras empresas. Na linha de entendimento do STF, “a norma do art. 173, §1º,
da Constituição aplica-se às entidades públicas que exercem atividade econômica em regime de
concorrência, não tendo aplicação às sociedades de economia mista ou empresas públicas que,
embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade”. 283 Pode-se, assim, indicar um
terceiro tipo fundamental de empresa estatal (além daqueles dois mencionados por Celso Antô-
nio): as que desempenham atividades econômicas em regime de monopólio (art. 177, CF), cujo
regime jurídico pode conter certas normas diferenciadas daquelas comumente aplicadas às empre-
sas privadas.

Quanto às empresas estatais que desempenham serviços públicos, submetem-se como dito a
um regime de direito público mais acentuado, equiparando-se à Fazenda Pública. Daí porque o STF
reconheceu a imunidade tributária recíproca tanto em relação à ECT - Empresa de Correios e Telé-
grafos284 quanto em relação à INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica285. O
mesmo vem sendo decidido em relação a empresas estaduais, quando prestadoras de serviços
públicos, citando-se a Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia286. Essa imunidade
não se aplica às empresas estatais que exploram atividades econômicas em concorrência com a
iniciativa privada, como acontece com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás,
que não podem ter qualquer privilégio fiscal não extensivo à iniciativa privada (art. 173, §1º, II, CF).

Questiona-se que a ECT e a INFRAERO são empresas que, apesar de terem como função pri-
mordial o desempenho de serviço público, atualmente também exploram outras atividades eco-
nômicas, em relação às quais não haveria justificativa para a incidência do regime de direito públi-
co, tese que, todavia, não foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.287

“Chegou-se a questionar a divisibilidade das operações, para subordinação a re-


gime jurídico distinto de acordo com a natureza das atividades consideradas. A-
cabou por se reputar inviável, sob o prisma prático, a solução da dissociação de
288
regimes jurídicos para uma e mesma entidade.”

Seja como for, percebe-se que, qualquer que seja a atividade desempenhada pela empresa
pública ou pela sociedade de economia mista (serviço público, atividade econômica ou ambos), o
seu regime jurídico jamais será inteiramente de direito privado, pois sempre estarão submetidas,
em maior ou menor grau conforme o caso, a normas de direito público. Será um regime híbrido,

282
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
283
RE 172.816.
284
AI-AgR 690.242/SP.
285
RE-AgR 363.412/BA.
286
AC 1.550/RO.
287
RE 229.696 e ADPF 46.
288
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

196
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

sempre havendo um “mínimo de direito público”289, ampliável em se tratando de prestadora de


serviços públicos.

Na lição de José dos Santos,


“quando se trata do aspecto relativo ao exercício em si da atividade econômica,
predominam as normas de direito privado, o que se ajusta bem à condição des-
sas entidades como instrumentos do Estado-empresário. É comum, portanto, a in-
cidência de normas de Direito Civil ou de Direito Comercial, reguladoras que são
das relações econômicas de direito privado. Aliás, essa é que deve ser a regra ge-
ral, o que se confirma pelo art. 173, § 1º, II, CF, que é peremptório ao estabelecer
sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto a direitos
e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Em outras palavras, não
devem ter privilégios que as beneficiem, sem serem estendidos às empresas pri-
vadas, pois que isso provocaria desequilíbrio no setor econômico em que ambas
as categorias atuam. (...) Ao contrário, incidem as normas de direito público na-
queles aspectos ligados ao controle administrativo resultante de sua vinculação
à pessoa federativa. Não é sem razão, portanto, que várias normas constitucio-
nais e legais regulam essa vinculação administrativa e institucional das entidades.
Em nível constitucional, temos, por exemplo, o princípio da autorização legal para
sua instituição (art. 37, XIX); o controle pelo Tribunal de Contas (art. 71); o contro-
le e a fiscalização do Congresso Nacional (art. 49, X); a exigência de concurso pú-
blico para ingresso de seus empregados (art. 37, II), a previsão de rubrica orça-
mentária (art. 165, §5º) e outras do gênero. Na verdade, a visão que se deve ter
desse hibridismo do regime jurídico não chega a surpreender, porque ambas as
pessoas administrativas têm, algumas vezes, realçado seu lado privado e, em ou-
290
tras ocasiões, seu aspecto público”.

Não se deve confundir o regime de privilégio que caracteriza eventual exclusividade na pres-
tação de um serviço público (ex: ECT) com o regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a
exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado (ex: PETRO-
BRAS).291

Os dirigentes das empresas estatais são escolhidos pelo respectivo Chefe do Poder Executi-
vo. E ao contrário do pode ocorrer com as autarquias, não é possível que a lei condicione a escolha
do dirigente a prévia aprovação do Poder Legislativo, conforme já se posicionou o STF.292

Questão importante a destacar também é possibilidade ou não de falência das empresas es-
tatais. No tocante às sociedades de economia mista, o art. 242, Lei 6.404/76, previa que não se
sujeitavam à falência. Não havendo menção às empresas públicas, entendia-se que a estas se apli-
caria normalmente ao regime falimentar como qualquer outra empresa. A doutrina, contudo, ex-
cluía desse regime as empresas públicas prestadoras de serviço público. Ocorre que o referido dis-
positivo foi revogado pela Lei 10.303/01, passando a doutrina a entender que as sociedades de
economia mista também deveriam se submeter ao regime falimentar, exceto as prestadoras de
serviço público. Ou seja, apenas as empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, por-
quanto submetidas ao regime obrigacional similar às demais empresas privadas (art. 173, CF), esta-

289
Idem.
290
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
291
STF, ADPF 46, rel. p/ acórdão min. Eros Grau.
292
ADI 1.642/MG.

197
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

riam sujeitas às regras comerciais de falência. As prestadoras de serviços públicos estariam fora
desse regime, de modo que, em caso de insolvência, é razoável se reconhecer a responsabilidade
subsidiária do respectivo ente político instituidor.293

De outro lado, há juristas que afastam peremptoriamente a incidência do regime falimentar,


qualquer que seja a atividade desempenhada pela empresa estatal, considerando que a sua extin-
ção estaria sempre condicionada a uma autorização legal, condição esta incompatível com o rito da
falência. Defendem, por conseguinte, a responsabilidade subsidiária do ente político controlador,
em todos os casos, por aplicação da regra do art. 37, §6º, CF.294

A polêmica acirrou-se com a edição da Lei 11.101/05, cujo art. 2º exclui do regime falimentar
as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sem fazer distinção quanto à atividade.
Não obstante, alguns autores seguem apontando a inconstitucionalidade dessa nova regra, por
incompatibilidade com o art. 173, §1º, CF, eis que, estando as empresas estatais exploradoras de
atividades econômicas submetidas às regras comuns do direito comercial, seria um “grande con-
trassenso aplicar a falência às empresas privadas e não admiti-la para as estatais que, segundo a
Constituição, merecem o mesmo tratamento”.295

Por fim, a Lei 13.303/16 inovou ao reconhecer expressamente a função social da empresa
pública e da sociedade de economia mista, bem como ao prever formas de fiscalização pelo Estado
e pela sociedade.

 EMPRESAS SUBSIDIÁRIAS
Empresas subsidiárias
“são aquelas cujo controle e gestão das atividades são atribuídos à empresa pú-
blica ou à sociedade de economia mista diretamente criadas pelo Estado. Em ou-
tras palavras, o Estado cria e controla diretamente determinada sociedade de e-
conomia mista (que podemos chamar de primária) e esta, por sua vez, passa a
gerir uma nova sociedade mista, tendo também o domínio do capital votante. É
296
esta segunda empresa que constitui a sociedade subsidiária.”

Trata-se, portanto, de empresas criadas por empresas estatais já existentes. A nova empresa
será, então, de segundo grau, sendo a criadora a de primeiro grau. E nada obsta que possa haver
sucessivas criações de empresas, do terceiro grau em diante. Basta que haja, em todos os casos,
autorização legislativa, conforme expressamente previsto no art. 37, XIX, CF.

Em todo caso,
“não se pode perder de vista que as subsidiárias também são controladas, embo-
ra de forma indireta, pela pessoa federativa que instituiu a entidade primária. A
subsidiária tem apenas o objetivo de se dedicar a um dos segmentos específicos
da entidade primária, mas como esta é quem controla a subsidiária, ao mesmo

293
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
294
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
295
MARINELA, Direito Administrativo, cit.
296
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

198
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tempo em que é diretamente controlada pelo Estado, é este, afinal, quem exerce
297
o controle direto ou indireto, sobre todas”.

 OUTRAS EMPRESAS COM PARTICIPAÇÃO ESTATAL


Adverte-se que não basta a participação majoritária do Poder Público na entidade para que
ela seja considerada uma sociedade de economia mista, sendo “necessário que haja a participação
na gestão da empresa e a intenção de fazer dela um instrumento de ação do Estado, manifestada
por meio da lei instituidora e assegurada pela derrogação parcial do direito comum. Sem isso, have-
rá empresa estatal, mas não haverá sociedade de economia mista”. 298 Significa dizer que podem
existir empresas que, dadas as peculiaridades fáticas em que nelas se constituiu a participação es-
tatal, não venham a se enquadrar nos conceitos de empresas públicas, sociedades de economia
mista ou subsidiárias, por falta de lei assim prevendo.

Antigos precedentes jurisprudenciais reconhecem que, mesmo quando o Poder Público pas-
sa, por qualquer fato jurídico, a deter a maioria do capital da empresa (por exemplo, penhora de
ações ou herança), esta não poderá ser considerada como sociedade de economia mista enquanto
não houver a indispensável autorização legal.299 É nesse contexto que alguns autores identificam as
chamadas empresas de cooperação, entidades que passam ao controle do Poder Público sem lei
autorizadora específica, mas que servem de instrumentos de participação pública na economia.

Como assinala Sérgio de Andréa Ferreira,


“o Poder Público pode preferir, ao invés de instituir ou constituir empresas admi-
nistrativas, integrantes da Administração Indireta e, desse modo, componentes da
organização administrativa, criar, em cooperação com particulares, empresas
que sejam instrumentos de participação pública na economia, mas sem a nature-
za de pessoas administrativas paraestatais. São as empresas, dessa nova espécie,
de Direito Privado, mas tipicamente paraadministrativas, pois que situadas fora
da Administração Pública, embora com essa relacionadas, com ela cooperando; e
tampouco pertencendo ao setor econômico privado. A criação dessas empresas,
ex novo ou por transformação de outras já existentes, insere-se, pois, no processo
de descentralização administrativa denominada de descentralização por coopera-
ção, expressão que bem caracteriza o sentido social do fenômeno, pela co-
participação do Poder Público e dos particulares. Daí falar-se em empresas de
cooperação. Muitas entidades de cooperação são empresas que passaram ao
controle do Poder Público, por compra de ações ou desapropriação, mas que não
reuniram os requisitos necessários à sua caracterização como empresas públicas
ou sociedades de economia mista. É o caso da LIGHT, da TELERJ, antes de suas
300
privatizações”.

Marçal Justen, por sua vez, fala em empresas estatais de fato, que seriam aquelas constituí-
das irregularmente no passado, isto é, sem autorização legal, mas que vieram desempenhando as
suas atividades ao longo do tempo. Invocando o princípio da aparência e o da boa-fé, entende que

297
Idem.
298
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
299
Nesse sentido decidiu o STF, no RE 92.340-3-RJ, Relator: Ministro Soares Muñoz, DJ de 18.4.80.
300
FERREIRA, Sérgio de Andrea. Empresas estatais, paraestatais e particulares com participação pública. RDA 231/74.

199
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tais empresas devem submeter-se às regras e princípios aplicáveis às empresas estatais regula-
res.301

Por fim, consoante dispõe o art. 71, CF, compete ao Tribunal de Contas da União:
Art. 71. (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e va-
lores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa
a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

Comentando esse dispositivo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que o controle do TCU
“alcança, pois, todas as empresas de que a União participe, majoritária ou minoritariamente”.302

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-


BLICA

 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


O regime jurídico administrativo constrói-se sobre
dois traços: a supremacia do interesse público sobre o par-
ticular e a indisponibilidade do interesse público pela Ad-
ministração. 303 Tais axiomas se revelam como verdadeiros
princípios fundamentais do direito administrativo, a partir
dos quais decorrem todos os demais que lhes são subordi-
nados.

 Supremacia do interesse público sobre o interesse


privado: Em um Estado que se propõe voltado para o bem
estar social, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a norma
básica que leva o Poder Público a adotar medidas impositivas de sujeições aos particulares em prol
da coletividade. Todo e qualquer condicionamento das liberdades individuais encontra nesse prin-
cípio o seu fundamento originário, extraído implicitamente do sistema constitucional na medida em
que a Lei Maior previu valores tais como a função social da propriedade, a proteção do meio ambi-
ente, a intervenção na ordem econômica, dentre outros. Deveras, ainda que submetida a normas
jurídicas - como é característica básica do Estado de Direito - a Administração goza de certos pode-
res e prerrogativas que a colocam numa posição de superioridade em relação aos particulares. E a
única justificativa para esse tratamento desigual somente pode estar no fato de que a atuação da
Administração tem por finalidade precípua a satisfação do interesse público, pois é exatamente
isso que autoriza o Estado a desapropriar bens privados, proibir condutas socialmente nocivas e
punir os infratores, adotar políticas de controle da ordem econômica, condicionar o uso da propri-
edade ou a exploração de bens etc.
301
JUSTEN FILHO, Curso...,cit.
302
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
303
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros.

200
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 Indisponibilidade do interesse público pela Administração: A relação entre o administra-


dor público e os bens que ele administra não é de propriedade304, daí porque não se encontram à
sua livre disposição aqueles bens. Portanto, em todos os setores em que a Administração venha a
atuar, a finalidade da função administrativa haverá de estar sempre na satisfação dos interesses
primários da sociedade. Trata-se aí de finalidade cogente, da qual não pode haver desvio, pois o
administrador não cuida de interesse patrimonial próprio ou da pessoa do Estado, mas, sim, do
interesse público. Qualquer transigência ou renúncia envolvendo assuntos da administração públi-
ca somente é possível se prevista na Constituição ou em lei, sempre com vistas ao interesse públi-
co, não sendo dado ao administrador agir com liberalidade fora destes marcos. Dentre os efeitos
emanados desse princípio, destaca-se, por exemplo, ser vedado aos agentes administrativos renun-
ciar os seus poderes funcionais ou transferi-los a outra pessoa fora das hipóteses previstas em lei
(art. 11, Lei 9.784/99). Da mesma forma, não cabe ao administrador público descuidar do zelo com
a coisa pública, devendo adotar todas as medidas adequadas e necessárias à proteção do erário.

 PRINCÍPIOS GERAIS E ESPECÍFICOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


A partir daqueles dois vetores fundamentais que formam o núcleo do direito administrativo,
o ordenamento jurídico brasileiro consagra muitas outras normas-princípio, algumas delas extraí-
das explicitamente da Constituição de 1988 ou das leis, outras reconhecidas como implícitas no
sistema jurídico e merecedoras de igual tratamento quanto à força normativa. Vejamos os princí-
pios gerais e específicos mencionados pela doutrina:
 Princípio da Legalidade: Dispõe o art. 5º, II, CF, que ninguém será obrigado a fazer ou dei-
xar de fazer nada senão em virtude de lei. Ao lado disso, o princípio da legalidade é o primeiro
mencionado no art. 37, caput, CF. É clássico o ensinamento de que enquanto os particulares podem
fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, à Administração Pública somente é dado fazer o que a lei
previamente autoriza305, isto é, todo o seu agir se traduz em obrigatório cumprimento da lei. Como
disse o ilustre Seabra Fagundes, o administrador público deve “aplicar a lei de ofício”306. O culto à
legalidade como único parâmetro movimentador da máquina administrativa teve grande importân-
cia na transição do regime absolutista para o modelo do Estado de Direito, substituindo-se a vonta-
de do rei pela vontade do legislador. Entrementes, o prestígio que veio sendo atribuído aos princí-
pios jurídicos (pós-positivismo) levou a uma mudança de concepções em torno do sentido de “lei” e
de “legalidade”, conceitos que não mais se circunscrevem apenas aos preceitos formalizados em
regras escritas. É imprescindível a obediência a todos os vetores normativos do sistema jurídico,
sobretudo dos princípios constitucionais, consubstanciando-se uma legalidade em sentido amplo, o
que já há algum tempo os franceses vem denominando de bloco da legalidade e, mais recente-
mente, alguns autores designam sob o rótulo de juridicidade307. O próprio ordenamento positivo
brasileiro já contempla essa idéia ao impor à Administração uma “atuação conforme a lei e o Direi-
to” (art. 2º, parágrafo único, I, Lei 9.784/99). Por outro lado, se é certo que a concepção estrita de
legalidade veio sendo flexibilizada em prol de uma visão sistêmica do ordenamento jurídico, mor-
mente nas situações em que se tem uma reserva legal relativa (regra legal como mero ponto de
partida), há de se atentar que certas questões somente comportam regramento por lei em sentido
estrito, como acontece, por exemplo, no estabelecimento de sanções administrativas ou criminais,

304
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros.
305
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: RT.
306
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense.
307
OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina;
Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.

201
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

bem como na instituição de tributos. Fala-se aí em reserva legal absoluta, quando a normatização
se dá não apenas em virtude de lei, mas, sim, diretamente nos termos da lei.

 Princípio da Impessoalidade: Também explícito no caput do art. 37, CF, este princípio
comporta dois sentidos, um referente ao administrado e outro ao administrador. Primeiramente, o
administrador não pode prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas em função de outras fina-
lidades que não o interesse público, devendo praticar os seus atos sem ter em mira interesse pró-
prio ou de terceiros. Cumpre evitar ao máximo o emprego de critérios subjetivos de escolha no
direcionamento da máquina administrativa, impondo-se sempre que possível um tratamento obje-
tivo. Sob esse aspecto, a impessoalidade tem nítida relação com o princípio da isonomia, no que
tange ao trato com os administrados, e com o princípio da finalidade, no que concerne à satisfação
do interesse público. É em prol dessa norma-princípio que o ordenamento prevê o concurso públi-
co para a admissão de servidores ou empregados públicos (art. 37, II, CF), veda a prática de nepo-
tismo (Súmula Vinculante 13 do STF) e impõe a regra geral de licitação para compras, obras e servi-
ços (art. 37, XIX, CF). Sob outro sentido, as ações da Administração não devem ser imputadas à
pessoa do administrador. Daí porque o art. 37, §1º, CF, assim como os arts. 18 a 21, Lei 9.784/99,
proíbem a utilização, nas atividades administrativas, de nome, símbolos ou imagens que caracteri-
zem promoção pessoal. Outrossim, o art. 2º, parágrafo único, III, Lei 9.784/99 impõe que a Admi-
nistração busque “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades”. São regras editadas com o fito de reforçar o princípio sob análise, de mo-
do que a publicidade das ações do governo deva ter caráter estritamente educativo, informativo ou
de orientação social.

 Princípio da moralidade: ao contemplar o valor da moralidade no âmbito da administra-


ção pública, o legislador constitucional deixou claro que de nada valeria o administrador seguir os
parâmetros formais da legalidade, se as medidas por ele adotadas estivessem em desacordo com
os padrões éticos daquilo que se espera da atuação dos agentes estatais. Esse princípio assume
grande importância quando se investigam atos da Administração formalmente legais, mas que, em
sua substância, não visam o interesse público. Não basta cumprir a lei, a Administração Pública
deve também atuar “segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (art. 2º, parágrafo
único, IV, Lei 9.784/99). Também a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) estabelece
sanções decorrentes de conduta violadora de princípios administrativos, dentre eles o da moralida-
de. É o princípio da moralidade administrativa que, por exemplo, impede a contratação de
parentes para cargos em comissão (exceto para cargos políticos), conforme já restou decidido pelo
STF308. O fato de não haver lei estabelecendo essa proibição não impede que se aplique diretamen-
te o princípio da moralidade para coibir a prática desse abuso de poder.

 Princípio da publicidade: Este princípio impõe que a Administração atue com transparên-
cia, dando a mais ampla divulgação possível dos seus atos, porque no Estado Democrático de Direi-
to a população tem o direito de ser informada sobre os assuntos de interesse público, além do que
a publicidade é requisito essencial a propiciar o adequado controle de legalidade da atividade ad-
ministrativa. Não deve o administrador ter por hábito agir às escondidas, “na sombra”, pois já se
disse que “o melhor desinfetante é a luz do sol”. A norma da publicidade, contudo, não é absoluta,
eis que, como previsto na própria Constituição, encontra ressalvas nas situações em que se faz
necessário o sigilo, seja para proteger a intimidade ou a honra do administrado (art. 5º, X) ou
quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Foi em cumprimento

308
ADC-MC 12/DF e Súmula Vinculante 13.

202
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a esta norma constitucional que o legislador ordinário editou o art. 2º, parágrafo único, V, Lei
9.784/99, determinando a “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas na Constituição”. Fica claro então que a publicidade traduz um valor a ser sopesado
com outros valores igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico. Exemplo dessa pondera-
ção está na decisão do STF em que se reputou inconstitucional a exigência de veiculação de custo
de publicidade em todos os comunicados oficiais, pois isso violaria os princípios da proporcionali-
dade e da economicidade, já que existem outros meios adequados para controle das contas públi-
cas309. Não se deve confundir publicidade com publicação, que é um dos meios para se cumprir
com aquela, mas não o único. Na verdade, existem diversos mecanismos para se dar publicidade à
atividade administrativa, que vão desde a publicação em diário oficial ou jornal de grande circula-
ção até a simples afixação de avisos nos prédios públicos. A forma de publicidade dependerá do seu
objeto e do que dispuser a lei. Para os atos praticados no âmbito interno da Administração, é sufi-
ciente que haja divulgação mediante notificação do interessado, por aviso-circular ou publicação no
boletim interno, comum em algumas repartições públicas. Já no que concerne aos atos de efeitos
externos, sobretudo quando versarem sobre assuntos de interesse dos administrados, é preciso
que haja publicação em Diário Oficial ou veículo de comunicação com essa finalidade específica
(jornais contratados pelo órgão público, conforme previsão legal), não bastando a simples divulga-
ção geral feita pela imprensa particular, por televisão ou rádio. Ressalte-se, ainda, haver atos em
que a publicidade deve obedecer a determinados requisitos formais, sob pena de ineficácia ou até
mesmo invalidade, como ocorre no processo licitatório ou nos concursos públicos.

 Princípio da eficiência: A Emenda Constitucional 19/98, inseriu este princípio no caput do


art. 37. Posteriormente, passou a constar explicitamente também na legislação infraconstitucional,
na forma do art. 2º, Lei 9.784/99. Trata-se de princípio relacionado ao modelo gerencial adotado
na administração pública contemporânea, em que se priorizam os resultados e a qualidade das
atividades administrativas. Impõe-se a todo agente realizar suas atribuições com presteza, perfei-
ção e rendimento funcional, tendo em meta resultados positivos e satisfatório atendimento das
necessidades coletivas. O princípio da eficiência traduz, em síntese, um dever geral de boa adminis-
tração e se manifesta basicamente sob dois aspectos: eficiência na atuação dos agentes públicos e
eficiência no modo de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública. Em relação ao
primeiro aspecto, o princípio é o vetor normativo que determina a adoção de critérios objetivos
para a melhor seleção e capacitação dos agentes públicos, com investimento no seu preparo técni-
co, emprego de mecanismos de avaliação periódica de desempenho, boas condições de trabalho e
remuneração digna à altura dos cargos ou empregos públicos que desempenham. É também em
nome desse princípio que são criados órgãos que facilitam a escuta de reclamações ou sugestões
formuladas pelos usuários dos serviços públicos ou para a responsabilização dos agentes que não
estejam cumprindo adequadamente a sua função (v.g. ouvidorias, corregedorias, controladorias
etc.). Quanto ao segundo aspecto, deve a Administração cuidar de distribuir da melhor forma pos-
sível a execução das atividades administrativas, adotando-se uma adequada organização dentro do
aparelho estatal, com recurso à desconcentração ou descentralização de atribuições, inclusive por
meio de transferência para entidades da iniciativa privada nos casos em que se revelar mais reco-
mendável à satisfação do interesse público. Deve também valer-se da tecnologia atual, segundo os
recursos disponíveis para a modernização dos serviços administrativos, bem como adotar o neces-
sário planejamento das atividades de suporte a eles relacionadas. Por fim, a eficiência impõe que a
Administração lance mão de adequados mecanismos de controle interno e externo, com ênfase no
controle dos resultados em detrimento do mero controle de meios.

309
ADI-MC 2.472/RS, DJ de 03/05/2002.

203
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 Princípio da presunção de legitimidade: A doutrina em geral aponta que, por força desse
princípio, há de se presumir que o administrador público está agindo ou agiu de acordo com a lei
(presunção de legalidade) e que os fatos por ele considerados são verdadeiros (presunção de vera-
cidade). Tal presunção é relativa (juris tantum), isto é, admite prova em contrário, mas impõe a
inversão do ônus da prova a favor da Administração. Não obstante a sua tradição, o princípio mere-
ce uma leitura crítica e mais consentânea ao atual modelo do Estado Democrático de Direito. Sem
dúvida a presunção de legitimidade é um vetor normativo que assegura o regular funcionamento
da máquina administrativa, propiciando que o Poder Público adote as medidas de força necessárias
ao cumprimento de suas ordens e impedindo escusas aleatórias por parte dos administrados. Con-
tudo, tendo sido concebida no século XIX, ainda sob influência de concepções não democráticas, a
atual vigência do princípio da presunção de legitimidade demanda uma releitura do instituto (uma
filtragem constitucional), adaptando-o ao Estado Democrático de Direito e aos direitos e garantias
fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. É preciso reconhecer que a presun-
ção de legitimidade somente deve ser invocada pela Administração nos casos em que não for real-
mente possível a adoção de um adequado procedimento de registro dos fatos envolvidos na ativi-
dade administrativa. Daí existirem casos em que cabe à Administração demonstrar a validade dos
seus atos, por ser ela a única detentora dos meios de produção de prova para tanto, não lhe ca-
bendo comodamente invocar a presunção de legitimidade e deixar o administrado vulnerável ao
arbítrio dos agentes públicos310.

 Princípio da especialidade: Este princípio tem relação com o fenômeno da descentraliza-


ção administrativa, em que o Poder Público cria entidades (pessoas jurídicas), tais como autarquias
e empresas públicas, para desempenhar determinadas atividades assumidas pelo Estado. O conjun-
to dessas entidades formará a chamada Administração Indireta. O princípio da especialidade é a
norma que baliza a atuação de tais entidades estatais, impedindo que venham a atuar em finalida-
de estranha àquela prevista na lei que viabilizou a sua criação. Apesar de a doutrina em geral consi-
derar a especialidade uma característica das pessoas jurídicas estatais, notadamente as autarquias,
a mesma lógica leva a que se aplique o princípio também no que diz respeito aos órgãos desprovi-
dos de personalidade, eis que igualmente criados com atribuições específicas delimitadas por lei.
Enfim, a norma em destaque estabelece que cada centro de competência administrativa deva atuar
no estrito limite dos poderes que lhe foram conferidos pela respectiva lei instituidora, reservando-
se a cuidar dos assuntos afetos a sua área de especialidade e evitando, com isso, o choque de atri-
buições entre os órgãos e entes públicos.

 Princípio da hierarquia: A hierarquia é um fenômeno recorrente na área empresarial,


presente no interior de qualquer organização administrativa minimamente estruturada e com dis-
tribuição e escalonamento de funções entre os profissionais e técnicos que nela labutam. Com a
administração pública não é diferente, a não ser pelo fato de que a hierarquia se espraia entre ór-
gãos e agentes públicos ligados uns aos outros por um vínculo de subordinação. Do princípio da
hierarquia decorrem dois poderes correlatos da Administração Pública: o poder hierárquico e o
poder disciplinar. O poder hierárquico está relacionado com a prerrogativa que tem os agentes
superiores de dar ordens, rever a atuação, delegar ou avocar atribuições dos subordinados. Já o
poder disciplinar se relaciona com a prerrogativa do superior em aplicar sanções aos subordinados
por descumprimento de algum dever funcional.

310
CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo, Salvador: Jus Podivm.

204
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 Princípio da autotutela: A hierarquia administrativa possibilita, dentre outras coisas, que


as autoridades superiores revisem os atos praticados pelos subalternos. Esta possibilidade de revi-
são, inerente à via administrativa, é a chamada autotutela, que tem a ver, portanto, com o controle
exercido pela Administração sobre os atos de seus próprios agentes públicos. A teor da Súmula
473, STF, “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tor-
nem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial”. Saliente-se, porém, que tal prerrogativa de invalidar ou revogar seus próprios atos somen-
te se aplica àqueles praticados sob o regime jurídico administrativo, quando o Poder Público utiliza
de suas prerrogativas exorbitantes, não se estendendo aos atos e contratos que a Administração
praticar sob a égide do Direito Privado311. Nesses casos, tal dependerá de manifestação do Poder
Judiciário.

 Princípio da tutela: Este princípio relaciona-se ao controle exercido sobre entidades da


chamada Administração Indireta. Como se sabe, não existe hierarquia entre a Administração Dire-
ta e as entidades da Administração Indireta, todavia, cabe àquela exercer um controle especial
sobre os atos destas, supervisionando o cumprimento de suas finalidades específicas previstas na
lei instituidora. Esse controle finalístico, de natureza não-hierárquica, é possível por força do prin-
cípio da tutela administrativa, também chamado de supervisão ministerial. Cumpre, então, não
confundir a tutela, ora estudada, com o vetor normativo da autotutela mencionado no tópico ante-
rior. Na autotutela, o poder é exercido dentro de uma estrutura administrativa hierarquizada, de
um órgão superior para um órgão subalterno; o vínculo, portanto, é de subordinação. Já na tutela,
o controle é exercido entre entes sem liame hierárquico. O vínculo, aí, é de supervisão. São distin-
tos os regimes jurídicos num e noutro caso, sendo o poder hierárquico mais intenso e variado do
que o controle de supervisão, haja vista a relativa independência que gozam os entes da Adminis-
tração Indireta frente à Administração Direta. Como diz Celso Antônio, “enquanto os poderes do
hierarca são presumidos, os do controlador só existem quando previstos em lei e se manifestam
apenas em relação aos atos nela indicados”.312

 Princípio da continuidade do serviço público: Como as necessidades da coletividade são


contínuas, os serviços públicos a elas relacionados não podem parar totalmente. A expressão servi-
ço público é aqui empregada num sentido amplo, abrangendo todas as atividades administrativas,
não apenas os serviços públicos propriamente ditos (saúde, educação, transporte etc.), mas tam-
bém aquelas relacionadas ao poder de polícia (segurança pública, vigilância sanitária etc.) e outros
setores da Administração. Naturalmente a continuidade não significa ininterrupção absoluta, pois
há serviços que, apesar de contínuos, obedecem a um horário de expediente, a depender da neces-
sidade. Outros são intermitentes em seu regular funcionamento. A doutrina costuma exemplificar
duas situações de incidência deste princípio, a primeira relacionada à greve dos servidores e a se-
gunda aos contratos administrativos. O exercício do direito de greve no serviço público deve obe-
decer a limites previstos em lei específica (art. 37, VII, CF), tendo o STF decidido que, enquanto não
for editada esta lei, aplica-se, no que couber, a legislação geral de greve (Lei 7.783/89), que já im-
põe certos limites ao setor privado313. Decorrência disso está na necessidade de se manter um mí-
nimo de funcionamento da máquina pública, impedindo-se a sua total interrupção, dentre outros
limites que levem em conta as peculiaridades do tipo de serviço público envolvido. Da mesma for-
ma, aquele que contrata com a Administração não poderá invocar a seu favor a exceção do contra-

311
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
312
MELLO, Curso..., cit.
313
STF, MI 670 e 708, relator min. Gilmar Mendes e MI 712, relator min. Eros Grau, julg. 25/10/2007.

205
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

to não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) prevista no art. 476, CC. Significa dizer que,
ainda que a Administração não cumpra a sua parte no contrato administrativo, o contratante priva-
do deverá dar continuidade ao serviço contratado por um determinado prazo, buscando, se for o
caso, uma indenização pelos prejuízos sofridos. Além disso, pode a Administração vir a adotar me-
didas de intervenção na empresa contratante, se preciso for para assegurar a não paralisação do
serviço.

 Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: O princípio da razoabilidade é norma


extraída implicitamente do sistema constitucional, integrando a cláusula do devido processo legal
em seu sentido substancial. Por força desse princípio, não basta que a Administração adote postu-
ras formalmente respaldadas em lei, devendo agir com bom senso em atenção às peculiaridades do
caso concreto. Com isso, termina por impor limitações à discricionariedade administrativa, servindo
como parâmetro jurídico para o seu controle. Há autores que consideram a proporcionalidade pra-
ticamente como sinônimo de razoabilidade. Outros preferem distinguir os princípios, conferindo ao
princípio da razoabilidade um campo de aplicação mais abrangente, pelo que a proporcionalidade
despontaria como um dos aspectos contidos na razoabilidade314, especificamente no tocante à
relação entre meios e fins, sendo “vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em me-
dida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (art. 2º, pará-
grafo único, Lei 9.784/99). Com base na doutrina alemã, costuma-se apontar três aspectos que
compõem o princípio da proporcionalidade: a adequação (deve haver uma relação de causalidade
entre meio e fim, isto é, o meio deve ser idôneo à produção do fim), necessidade (inexistência de
outro meio mais suave, isto é, menos restritivo a direitos individuais) e proporcionalidade em sen-
tido estrito (o meio deve produzir mais vantagens do que desvantagens para o interesse público).
Desse modo, na prática de um ato administrativo, o Poder Público deverá utilizar um meio adequa-
do e na estrita medida do necessário para o alcance da finalidade a que se propõe, atentando para
o bom senso quanto a eventuais prejuízos causados à coletividade e sempre observando o mínimo
de respeito aos direitos fundamentais que se espera num Estado Democrático de Direito.

 Princípio da motivação: A Administração deve indicar os fundamentos de fato e de direito


de suas decisões, qualquer que seja a espécie de ato administrativo. Por se tratar de formalidade
necessária para se permitir o controle de legalidade, a Lei federal 9.784/99 determina expressa-
mente que nos processos administrativos seja observado o critério da “indicação dos pressupostos
de fato e de direito que determinarem a decisão”, impondo ainda o dever de motivação de grande
parte dos atos administrativos (art. 2º, parágrafo único, VII c/c art. 50). Antigamente se considerava
que o dever de motivação seria excepcional e dispensável nos atos em que a autoridade adminis-
trativa detivesse certa liberdade de escolha. Essa idéia revelou-se ultrapassada, mormente quando
é, sobretudo nessas situações de maior discricionariedade que se torna ainda mais imperioso o
dever de motivação, como um dos pilares da boa administração pública e escudo do cidadão contra
subjetivismos, arbitrariedades e outros desvios por parte do administrador315. Admite-se que a
indicação do motivo seja sucinta naqueles atos estritamente vinculados aos termos da lei, bastando
a simples menção ao dispositivo normativo aplicado ao caso. Porém, ainda assim exige-se um mí-
nimo de motivação como pressuposto de validade do ato. A motivação deve ser prévia ou contem-
porânea à expedição do ato316. Em alguns casos a motivação pode se dar de modo indireto, por
simples referência a algum parecer que tenha sido emitido. É a chamada motivação aliunde, tal
como prevista também pela Lei 9.784/99, em seu art. 50, §1º: “A motivação deve ser explícita, clara

314
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
315
FREITAS, Juarez Freitas. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros.
316
MELLO, Curso..., cit.

206
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores


pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”. É
ainda possível a motivação por meio de formulários com texto padrão, quando se tratar de assun-
tos repetitivos e não prejudique o direito de defesa do administrado, o que também é previsto no §
2º do referido dispositivo legal: “Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utili-
zado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito
ou garantia dos interessados”. Somente não precisarão ser motivados os atos “de mero expediente,
os ordinatórios de feição interna e, ainda, aqueles que a Carta Constitucional admitir como de moti-
vação dispensável” 317. Os atos de mero expediente e os ordinatórios são aqueles mais simples da
rotina administrativa, sem maiores repercussões e que, portanto, não costumam atingir direitos de
terceiros, razão pela qual se lhes dispensa a motivação. Outrossim, há casos em que a própria Carta
Magna autoriza expressamente que o agente público promova escolhas sem precisar indicar as
razões da sua decisão, cujo exemplo clássico é a nomeação para cargo de confiança (art. 37, II, par-
te final, CF). Fora daí, porém, a regra geral deve ser a motivação.

 Princípios da segurança jurídica, proteção à boa-fé e confiança legítima: Tais vetores


normativos, de fundamental importância para o Direito Administrativo contemporâneo, buscam
assegurar razoável previsibilidade à atuação da Administração Pública, garantindo a desejada coe-
rência na aplicação do ordenamento, em respeito à confiança e boa-fé dos administrados. Um e-
xemplo de concretização destes princípios está na regra do art. 2º, parágrafo único, XIII, Lei
9.784/99, segundo a qual a interpretação da norma administrativa deve ocorrer “da forma que
melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova
interpretação”. Ao tratar da segurança jurídica, Celso Antônio diz que, “por força mesmo deste
princípio, (conjugadamente com os da presunção de legitimidade dos atos administrativos e da
lealdade e boa-fé), firmou-se o correto entendimento de que as orientações firmadas pela Adminis-
tração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concre-
tos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal
sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia”318. Marçal Justen, na mesma es-
teira, assinala que “as expectativas e os direitos derivados de atividades estatais devem ser protegi-
dos, sob o pressuposto de que os particulares têm a fundada confiança em que o Estado atua se-
gundo os princípios da legalidade, da moralidade e da boa-fé”.319 Pode-se dizer que a segurança
jurídica é algo da própria essência do Estado de Direito, havendo institutos básicos previstos no
ordenamento que já buscam assegurá-la, tais como a decadência, a prescrição, a coisa julgada, o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito, a irretroatividade da lei etc. Não obstante, a concepção
contemporânea de segurança jurídica vai além desses institutos, protegendo direitos que não te-
nham sido ainda adquiridos, mas se encontram em vias de constituição ou suscetíveis de se consti-
tuir; também se refere à realização de promessas ou compromissos da Administração que geraram,
no cidadão, esperanças fundadas; visa, ainda, a proteger particulares contra alterações normativas
que, mesmo legais, são de tal modo abruptas e radicais que suas conseqüências revelam-se des-
proporcionais.

 Princípio da finalidade pública: Já foi dito anteriormente que a Administração Pública de-
ve atuar segundo a máxima da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. A partir
desta idéia, pode-se desdobrá-la no princípio da finalidade pública, que sempre haverá de vincular
a atividade administrativa. Significa dizer que será nulo qualquer ato da Administração Pública que

317
FREITAS, Discricionariedade..., cit.
318
MELLO, Curso..., cit.
319
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum.

207
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

se afaste do interesse público em prol de interesses particulares, incidindo no chamado desvio de


finalidade ou desvio de poder.

 Princípio do controle judicial dos atos administrativos: A legalidade de todos os atos ad-
ministrativos pode ser objeto de controle não apenas pela própria Administração Pública (princípio
da autotutela), mas também pelo Poder Judiciário, a quem cabe sempre a palavra final, com efeito
de coisa julgada, nos litígios envolvendo a Administração. O art. 5º, XXXV, CF, reza que toda lesão
ou ameaça de lesão a direito pode ser apreciada pelo Judiciário. O direito brasileiro adotou o siste-
ma inglês de jurisdição única, segundo o qual apenas os órgãos que integram o Poder Judiciário
detêm competência para exercer tipicamente a função jurisdicional, não existindo, entre nós, tri-
bunais administrativos dotados de poderes jurisdicionais, como ocorre nos países que seguiram a
tradição francesa do sistema dual. Logo, as decisões da Administração Pública não fazem coisa jul-
gada em relação aos particulares por ela atingidos, podendo estes, querendo, acessar ao Poder
Judiciário visando a alteração do posicionamento da Administração.

 Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa: É um desdo-


bramento do princípio da indisponibilidade do interesse público pelo administrador. Os agentes da
Administração não agem por direito, mas sim por dever, segundo a finalidade legal que justifica o
poder que exercem e as prerrogativas públicas. Logo, por não dispor do interesse público, o admi-
nistrador não pode se esquivar do cumprimento das suas obrigações funcionais, nem pode escolher
ou optar se atuará ou não320.

 Princípio da responsabilidade do Estado: O art. 37, §6º, CF, prevê que “as pessoas jurídi-
cas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderá pelos da-
nos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso con-
tra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Reconhece-se assim, como princípio constitucional
expresso, a responsabilidade do Estado por danos causados aos administrados. Não se pode invo-
car a soberania do Estado a pretexto de não se admitir essa responsabilidade, restando inteiramen-
te superada a idéia de irresponsabilidade que vingou na fase do absolutismo. A doutrina aponta a
evolução das teorias que procuram delimitar os parâmetros jurídicos dessa responsabilidade, desde
as primeiras teorias civilistas calcadas na responsabilidade subjetiva nos moldes do direito privado,
passando pelas teorias publicistas baseadas na idéia de culpa administrativa, avançando até a con-
cepção de risco administrativo, pregando-se a responsabilidade objetiva. O tema será abordado em
capítulo específico desta obra.

PODERES ADMINISTRATIVOS

A fim de bem atender aos interesses públicos, a Administração Pública, assim como seus a-
gentes, é dotado de poderes, de prerrogativas que lhe são exclusivas. São os chamados “Poderes
Administrativos”.

320
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. Salvador: JusPodivm.

208
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PODERES ADMINISTRATIVOS E PODERES POLÍTICOS


Os poderes administrativos são sempre definidos por lei. Daí a estrita relação com o princípio
da legalidade, segundo o qual a Administração Pública somente poderá fazer o que estiver expres-
samente previsto ou autorizado por lei. Sendo assim, não haverá, em hipótese alguma, poder ad-
ministrativo não estabelecido previamente na legislação.

Se o Poder Executivo é aquele que detém, como função típica, a de administrar, ele é, por-
tanto, quem preferencialmente detém os Poderes Administrativos. No entanto, não se pode afir-
mar que apenas o Poder Executivo goza dos poderes administrativos. Isso porque os demais pode-
res, obviamente, dentro de suas funções administrativas, também podem se valer de tais poderes.

Os poderes administrativos aqui tratados tem uma acepção de poder instrumental, servindo,
propriamente, como mecanismos para a atuação Estatal – e não poderes políticos, estruturais ou
também denominados de orgânicos, que compõem a estrutura do Estado (Poder Judiciário, Poder
Legislativo, Poder Executivo). Esses poderes instrumentais manifestam-se sob diversas acepções, na
prática.

No entanto, conforme lição de Hely Lopes Meirelles, tais prerrogativas serão divididas em 6
(seis) categorias, as quais são chamadas de Poderes Administrativos, sendo eles: vinculado, discri-
cionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia.

 PODER VINCULADO
O poder vinculado também é conhecido como poder regrado: é aquele ao qual a lei confere
uma única solução jurídica válida para a prática de um ato. Nesse sentido, a execução de determi-
nado ato administrativo encontra-se inteiramente definida na lei, sendo validamente possível so-
mente uma forma de proceder.

Quando verificado seu âmbito de atuação, não há falar em disponibilização, ao administrador


público, de qualquer margem de opção. A título exemplificativo, a lei nº 8.112/90 estabelece que
configura hipótese de demissão por abandono de cargo a ausência do servidor por mais de 30 dias.
Nesse caso, verifica-se que, pela letra da lei, caso o servidor não compareça, injustificadamente, à
repartição por 30 dias, não há falar em abandono de cargo. No entanto, caso ele falte por 31 dias
seguidos, ele deverá ser demitido, a priori, pois preenchido o critério objetivo ensejador da demis-
são.

Outro exemplo é trazido pelo art. 48, da lei nº 9.784/99, que estabelece o dever da Adminis-
tração de explicitamente emitir decisões nos processos administrativos, e o art. 50 desta mesma lei
onde há a exigência de motivação dos atos administrativos, dentre outros. Nesses casos, não pode-
rá o agente público, por exemplo, optar por não emitir decisões no âmbito de processos adminis-
trativos ou não motivar os atos administrativos. Isso porque ele está vinculado à realização dessas
atividades, por expressa disposição legal.

No poder vinculado, não há faculdade de opção do administrador: não há que se falar em


mérito administrativo, pois toda atuação do administrador se resume no atendimento das imposi-
ções legais. Pela falta de possibilidade de escolha, se diz que, diante do poder vinculado, o particu-

209
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

lar tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a adoção de determinado ato, sob pena de o
agente público, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.

Verificado o âmbito de exercício do poder vinculado, todos os elementos dos atos adminis-
trativos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto) serão invariavelmente definidos pela lei
em suas minúcias, não havendo qualquer espaço para o mérito administrativo.

 PODER DISCRICIONÁRIO
Ao poder discricionário confere-se determinado âmbito de atuação em decorrência da rique-
za e da complexidade das situações fáticas cotidianas: a lei não pode descer às minúcias para pre-
ver, com precisão, a melhor opção para determinada situação. No exercício do poder discricionário,
a Administração Pública, por sua posição mais favorável, conta com a possibilidade de valer-se da-
quilo que se convencionou chamar de mérito administrativo para decidir, no caso concreto, a me-
lhor maneira de satisfazer a finalidade da lei, levando em conta critérios de conveniência e oportu-
nidade.

Assim, em uma análise comparativa, no poder discricionário, contrariamente ao poder vincu-


lado, a lei outorga certa liberdade de escolha ao agente público. Assim, diante de uma hipótese
legal expressa, ao administrador é permitido eleger uma dentre as várias alternativas possíveis,
segundo critérios de oportunidade e conveniência (equivalem à noção de mérito administrativo).

Nessa linha, temos que o Poder Discricionário de três pressupostos básicos, sendo eles: (i) a
intenção deliberada do legislador em dotar a autoridade administrativa de certa liberdade para
decidir, diante do caso concreto, a melhor maneira de realização da finalidade legal; (ii) a impossi-
bilidade material de o administrador prever todas as situações fáticas, fazendo com que a regula-
ção seja mais flexível para possibilitar a maior e melhor solução dos acontecimentos fáticos; e (iii) a
Inviabilidade jurídica imposta pelo sistema tripartido, segundo o qual a Administração Pública deve
ser realizada pelo Poder Executivo. Exigir estrita e permanente subordinação da Administração à lei
seria suprimir o Poder Executivo e colocá-lo em posição de inferioridade em face do Poder Legisla-
tivo.

A discricionariedade, no entanto, não confere total grau de liberdade à autoridade pública.


Isso porque, no exercício do poder discricionário, os atos encontram-se vinculados às seguintes
condições: serem praticados por agente competente; atenderem à forma legal estabelecida em lei
e terem por finalidade o atendimento do interesse público. Em outras palavras, isso significa que,
dos 5 elementos dos atos administrativos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto), os três
primeiros (competência, forma e finalidade) serão invariavelmente determinados pela lei, enquan-
to que os dois últimos (motivo e objeto) poderão ser determinados pelo mérito administrativo.

O poder discricionário encontra seu espaço de liberdade no mérito administrativo que, em


uma definição mais acertada, constitui o conjunto de critérios subjetivos, notadamente de conveni-
ência e oportunidade, de que se vale a autoridade administrativa para a definição dos motivos e do
objeto quando da prática de atos discricionários. Na lição de Alexandre Mazza, é
“a margem de liberdade que os atos discricionários recebem da lei para permitir
aos agentes públicos escolher, diante da situação concreta, qual a melhor manei-
ra de atender ao interesse público. Trata-se de um juízo de conveniência e opor-

210
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tunidade que constitui o núcleo da função típica do Poder Executivo, razão pela
321
qual é vedado ao Poder judiciário controlar o mérito do ato administrativo”.

Nessa mesma linha conceitual, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, mérito administra-
tivo é “o poder conferido pela lei ao administrador para que ele, nos atos discricionários, decida
sobre a oportunidade e conveniência de sua prática”. 322 Finalmente, de forma mais sintética, Maria
Sylvia Zanella Di Pietro refere que mérito “é o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência
e oportunidade; só existe nos atos discricionários”. 323

A atuação do poder discricionário pode se dar em duas situações emblemáticas precípuas: (i)
existência de margem de escolha relativa a duas ou mais opões previstas em lei e (ii) existência de
conceitos jurídicos indeterminados/vagos, que ensejam a necessidade de valoração pelo agente
público. Em relação à primeira situação, a título exemplificativo, a lei nº 8.666/93 estabelece que,
para alienar bem adquirido por decisão judicial ou por dação em pagamento, isso poderá ocorrer
mediante concorrência ou leilão. O agente público é quem irá decidir qual a modalidade mais bené-
fica em cada caso. Já no que tange à segunda hipótese, os limites da atuação do agente público são
mais nebulosos, pois não há opções expressamente previstas. Assim, nesses casos de conceitos
jurídicos indeterminados, ao Poder Judiciário não é dado intervir no mérito do ato administrativo
discricionário. Isso não significa, no entanto, que não possa haver controle jurisdicional referente
aos aspectos de legalidade do ato administrativo. Competirá ao juiz o controle dos limites do méri-
to, o qual está definido em lei. Assim, se o administrador público extrapolar os limites do mérito, o
Poder Judiciário poderá intervir, pois isso está dentro do controle de legalidade.

Quando se trata de conceitos jurídicos indeterminados, deve-se lançar mão do princípio da


razoabilidade, que estabelece uma zona de razoabilidade. Nessa linha, o administrador não pode
extrapolar os limites da razoabilidade quando da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados.
Há uma zona de discricionariedade dentro da qual se faculta ao agente público a ação, que está
situada entre a zona de certeza do sim e a zona de certeza do não.

Nesse particular, uma distinção importante que deve ser feita refere-se à diferenciação entre
discricionariedade e arbitrariedade: a arbitrariedade se dá à margem da lei, contrária à lei, de for-
ma abusiva. Por isso, um ato arbitrário será sempre ilegítimo e ilegal. Do contrário, a discricionarie-
dade é praticada dentro dos limites e nos termos impostos pela própria lei.

O poder discricionário, entretanto, mesmo nesses casos de valoração de conceitos jurídicos


indeterminados, não significa liberdade absoluta, já que encontra limites na própria legislação, e
também nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da moralidade, que, por sua vez,
não se encontram na noção de mérito administrativo, mas sim no conceito de legalidade. Assim,
um ato desproporcional, desarrazoado ou imoral será considerado ilegal. Além desses limites, a
discricionariedade administrativa também esbarra na competência, na forma e na finalidade do
ato, uma vez que estes sempre são impostos pela lei.

 PODER HIERÁRQUICO

321
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Saraiva. 2014. p. 246.
322
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008, p. 415.
323
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 226.

211
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Poder Hierárquico é o poder que a Administração Pública possui para fins de se organizar, de
se estruturar, de distribuir funções entre os diversos órgãos que a compõem. O poder hierárquico,
segundo Hely Lopes Meirelles, é o de que dispõe o Poder Executivo para distribuir e escalonar as
funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de
subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.

Ainda em uma análise doutrinária, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro324, o estabelecimento
da hierarquia é instituído por uma relação de coordenação e subordinação entre os órgãos. A sub-
missão hierárquica retira do inferior a possibilidade de ação política, ou seja, o despe de ação de
comando e possui os seguintes objetivos: (i) ordenação, que é a repartição e o escalonamento ver-
tical das funções entre os agentes públicos, para maior eficiência no exercício das atividades esta-
tais; (ii) coordenação, que é a conjugação das funções, com o objetivo de obter harmonia na sua
efetivação, resulta na perfeita execução dos serviços pertinentes a determinado órgão; (iii) contro-
le, que consiste na fiscalização dos subordinados pelos superiores, para que seja assegurado o
cumprimento das leis e instrução, inclusive do comportamento e da conduta de cada um deles; (iv)
correção, que significa que os erros administrativos são corrigidos pela ação revisora dos superiores
sobre os atos dos subalternos. Da verificação da atuação do poder hierárquico, nascem diversas
faculdades implícitas à autoridade ou ao órgão em posição de superioridade. São, então, decorrên-
cias do poder hierárquico325:
- Dar ordens (art. 116, Lei 8.112/90): consiste em determinar aos subordinados os atos a se-
rem praticados e a conduta a seguir em cada caso concreto. Implica também no dever de obediên-
cia para estes últimos, ressalvadas as ordens manifestamente ilegais;

- Fiscalizar (art. 53, Lei 9.784/99): trata-se da atividade dos agentes ou órgãos inferiores, para
examinar a legalidade de seus atos e o cumprimento de suas obrigações, podendo anu-lar os atos
ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex officio, seja mediante provocação dos
interessados, por meios de recursos hierárquicos;

- Avocar (art. 15, Lei 9.784/99): significa chamar para si atribuições que sejam de seus subor-
dinados. No entanto, tal prática só poderia ocorrer na existência de razões que a justifiquem, posto
que a avocação, além de desprestigiar um servidor, provoca desorganização do funcionamento
normal do serviço. Não pode ser avocada atribuição que a lei expressamente atribui como exclusiva
a órgão ou agente, mesmo que inferior. Nesse sentido, nos termos do art. 13, Lei 9.784/99, não
podem não podem ser objeto de delegação nem de avocação:
Art. 13. (...)
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

- Delegar (arts. 11 a 14, Lei 9.784/99): consiste em atribuir temporariamente competências e


responsabilidades que sejam suas, porém não lhe sejam exclusivas. As delegações são admissíveis
sempre, desde o inferior delegado esteja em condições de exercê-los e que a lei que atribua a com-
petência não diga em contrário, sendo esta delegação revogável a qualquer tempo. Nesse sentido,

324
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 92.
325
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 116.

212
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

nos termos do art. 13, Lei 9.784/99, não podem não podem ser objeto de delegação nem de avoca-
ção:
Art. 13. (...)
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

As decisões e os atos praticados por delegação devem mencionar explicitamente esta quali-
dade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. Isso quer dizer que o agente recebeu a delegação
será considerado como o praticante do ato, devendo responder por todos os efeitos que dele pro-
vierem. Nesse sentido, a Súmula 510, STF, que dispõe que
Súmula 510. Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada,
contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.

- Rever (art. 53, Lei 9.784/99): é a atividade de apreciar os atos dos inferiores em todos os
seus aspectos (competência, objeto, oportunidade, conveniência, justiça, finalidade e forma), para
mantê-los ou invalidá-los, de ofício, ou mediante provocação de interessado. Nessa atividade, deve-
se ter em conta que a revisão hierárquica se mostra possível enquanto o ato não se tornou definiti-
vo para o particular, ou seja, não gerou um direito adquirido para quem a ele se relacionar.

 PODER DISCIPLINAR
Em uma primeira análise do poder disciplinar, é importante iniciar por referir que poder hie-
rárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos326. Em outras palavras, poder
hierárquico e poder disciplinar são poderes diferentes entre si, em sua essência, mas estão intrin-
secamente ligados um ao outro, não sendo exagero que um seja considerado como decorrente do
outro e, por isso andam lado a lado invariavelmente.

O Poder Disciplinar é um poder interno, que não se manifesta em relação a particulares em


geral. É um poder sancionatório: a Administração Pública pode aplicar penalidades, inclusive no
âmbito de outros Poderes. O poder disciplinar é aquela faculdade conferida à Administração Públi-
ca de apurar internamente infrações disciplinares e impor penalidades aos seus próprios agentes e
às demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa327. Não deve, portanto, ser confundido com o
poder punitivo do Estado (jus puniendi), que é exercido através do Poder Judiciário tendo em vista
o cometimento de infração penal (crimes e contravenções).

Em termos práticos, por exemplo, a demissão de um servidor público por força de ordem ju-
dicial, nos autos de ação criminal ou de improbidade administrativa, não pode ser considerada co-
mo manifestação do poder disciplinar, mas sim do poder punitivo do Estado.

O poder disciplinar se aplica, então, exclusivamente a agentes públicos submetidos a vínculo


de subordinação (servidores, empregados, temporários, etc), além de outros sujeitos a regime es-
pecial de disciplina, tais como estudantes de escolas e universidades públicas e empresas contrata-
das pelo Poder Público. Nessa linha, pode-se dizer que ele deriva de vínculo especial entre o Estado

326
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 120.
327
SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 39.

213
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

e o sujeito que está sendo punido. Por vínculo especial, existem 2 espécies de vínculos: (i) vínculo
hierárquico; e (ii) vínculo contratual, que decorre de contrato administrativo.

Assim, por exemplo, diretora de escola pública poderá aplicar penalidade em alunos matricu-
lados, pois, no momento da matrícula, criaram vínculo especial com a Administração Pública.
Quando o vínculo especial decorrer de hierarquia, temos algumas sanções previstas pela Lei
8.112/90, aplicáveis aos servidores públicos federais, tais como a demissão, a suspensão por até 90
das e a advertência. Em relação a cargos e funções em comissão, a sanção atribuída é a destituição.
No que tange àquelas condutas puníveis com a sanção de demissão, mas nos casos em que o servi-
dor já esteja aposentado ou em disponibilidade, temos como sanção decorrente da aplicação do
poder disciplinar a cassação da aposentadoria ou da disponibilidade.

Por outro lado, quando o vínculo especial decorrer de contrato administrativo, o poder disci-
plinar estará regulamentado no contrato, de acordo com os parâmetros legais da Lei 8.666/93,
consubstanciando-se nas sanções de advertência, de multa (sanção pecuniária), de suspensão de
contratar com o poder público (até 2 anos) e de declaração de inidoneidade da empresa (até 2 a-
nos).

Todas as hipóteses de aplicação do poder disciplinar restringem a esfera jurídica do particu-


lar. Por essa razão, devem estar previstas em lei e observar o devido processo legal, englobando o
contraditório e a ampla defesa.

 PODER REGULAMENTAR
O poder normativo da Administração Pública, também chamado de poder regulamentar
(poder de expedir regulamentos), está relacionado à edição de normas gerais e abstratas pela Ad-
ministração Pública, de caráter secundário em relação aos atos legislativos. Tal função normativa
se expressa basicamente por meio de instrumentos regulamentares tais como os decretos, resolu-
ções, portarias, instruções etc.

A expedição de regulamentos consubstancia uma função típica da Administração Pública


(portanto, é uma função administrativa), que não deve ser confundida com o poder normativo
atipicamente exercido pelo Executivo ao expedir atos normativos primários (medidas provisórias e
leis delegadas).

Dispõe o art. 84, IV, CF, que “compete privativamente ao Presidente da República: (...) “san-
cionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução”. Com base nesse dispositivo constitucional, o conceito estrito de regulamento é traçado
como sendo “ato administrativo, editado privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, segundo
uma relação de compatibilidade e hierarquia com a lei, a fim de assegurar seu fiel cumprimento e
execução”. 328 Porém, à vista dos demais instrumentos regulamentares referidos, a doutrina tem
também concebido o termo sob uma significação mais ampla, de modo a abranger todos os atos
normativos expedidos por órgãos e entes da Administração Pública, nos mais diversos escalões de
competência, com o escopo de viabilizar a aplicação da lei.

Como bem destaca Fabrício Mota,

328
MOTA, Fabrício. Função Normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Ed. Fórum.

214
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“o constitucionalismo contemporâneo não somente admite como exige, por ra-


zões diversas, que o Executivo dite normas”, considerando que “não há possibili-
dade de se governar uma sociedade como a atual, cujas inter-relações são cada
329
vez mais complexas e sutis, sem atribuir ao Executivo função normativa”.

Em síntese, o regulamento executivo é editado para:


“a) precisar e padronizar os procedimentos que serão adotados em alguma ação
administrativa determinada pela lei;
b) precisar o conteúdo de conceitos enunciados, na lei, de modo vago ou impreci-
so;
330
c) delimitar os contornos da competência discricionária legal”.

Haja vista a complexidade da organização da Administração Pública no Estado contemporâ-


neo, cada vez mais descentralizada, é inevitável que outras autoridades, que não apenas o Chefe do
Executivo, disponham também de competências para editar normas administrativas. A própria
Constituição assim sinaliza quando prevê, por exemplo, a competência dos Ministros de Estado
para expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos (art. 87, II).

Daí porque, explica Maria Sylvia,“além do decreto regulamentar, o poder normativo da Ad-
ministração ainda se expressa por meio de resoluções, portarias, deliberações, instruções editadas
por autoridades que não o Chefe do Executivo”.331 Tais atos, segundo Celso Antônio,
“alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Che-
fe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e,
de conseguinte, investidas de poderes menores. Tratando-se de atos subalternos e
expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não
pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante
332
regulamento”.

Apesar de a doutrina reconhecer a existência de instrumentos normativos inferiores, há certa


divergência sobre a natureza dos atos normativos expedidos pelas autoridades subalternas, em
contraponto aos decretos e regulamentos de competência privativa do Chefe do Executivo. Parece-
nos, todavia, que a questão se resolve simplesmente recorrendo-se à distinção entre a substância e
a forma do regulamento, atentando-se, é claro, para os distintos regimes jurídicos a que se subme-
te cada espécie normativa. A substância traduz a essência dos regulamentos, ou seja, o seu aspecto
intrínseco, aquilo que revela a natureza regulamentar do ato normativo secundário (estabelecimen-
to de normas de conduta, gerais e abstratas, desdobradas a partir da lei). Já a forma diz respeito
aos variados instrumentos dos regulamentos, o seu aspecto extrínseco, aqueles atos administrati-
vos através dos quais os regulamentos se revelam. No tocante a este aspecto, os regulamentos
podem ser exteriorizados através de decretos, portarias, resoluções, instruções normativas, dentre
outros.

Os decretos são atos de competência dos Chefes do Poder Executivo, nas três esferas de po-
der: Presidente, Governadores e Prefeitos. No dizer de Geraldo Ataliba,

329
Idem.
330
Ib idem.
331
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
332
MELLO, Curso..., cit.

215
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“decreto é a forma (veículo) de manifestação da vontade do chefe do Executivo.


Quando essa manifestação se dá no exercício de competência regulamentar, tem-
se o decreto regulamentar. Dessa consideração se vê que o decreto é a forma, o
333
continente. Regulamento é a matéria, o conteúdo”.

Do mesmo modo, todos os demais atos normativos secundários expedidos por órgão e entes
da Administração são instrumentos regulamentares (sentido formal), dotados de natureza normati-
va (regulamentos, em sentido substancial). As portarias em geral competem ao escalão administra-
tivo superior, onde se situam os ministros e secretários de governo. As resoluções são atos de com-
petência de órgãos colegiados, como, por exemplo, o CONTRAN. Já as instruções são atos normati-
vos de nível inferior, destinados aos órgãos subalternos.

Registre-se, contudo, que nem todo decreto terá caráter normativo. Tal como acontece in-
clusive com alguns atos legislativos (v.g. leis que tratam de movimentação no orçamento público),
há decretos que funcionam não como veículos de normas gerais e abstratas, mas, sim, para estabe-
lecer efeitos concretos. É o que ocorre, v.g., com o decreto que declara imóvel como de interesse
social, para fins de reforma agrária (art. 184, §2º, CF). Isso também ocorre com outros instrumentos
comumente utilizados com finalidade normativa (portarias, resoluções), mas que em alguns casos
são expedidos sem este fim, gerando apenas efeitos concretos, como ocorre, por exemplo, numa
portaria que nomeia um servidor público.

A distinção é importante porque somente os atos de efeitos concretos comportam questio-


namento na via do mandado de segurança, descabendo este remédio contra atos normativos (Sú-
mula 266, STF). Outrossim, não é possível questionamento de ato de efeito concreto por via de
controle concentrado de constitucionalidade, como já se posicionou o STF. 334

 REGULAMENTOS DE EXECUÇÃO E AUTÔNOMOS


A doutrina faz algumas classificações sobre os regulamentos, sendo a principal delas a que
separa os regulamentos em executivos e autônomos.

Tudo o que foi dito no tópico anterior aplica-se aos regulamentos executivos, por meio dos
quais se busca tão-somente assegurar a fiel execução da lei (art. 84, IV, CF). Não inovam a ordem
jurídica, pois visam apenas desdobrar os comandos normativos da lei a fim de melhor instrumenta-
lizar a sua aplicação pelos seus destinatários, em especial os agentes administrativos. São estes a
regra geral do direito brasileiro, onde só os atos legislativos podem inovar na ordem jurídica (fontes
primárias do Direito). Os regulamentos, como atos administrativos, são fontes secundárias do Direi-
to.

Já os regulamentos autônomos (também chamados de independentes), inovam a ordem ju-


rídica, não sendo em regra admitidos pela Carta Magna de 1988, haja vista as garantias asseguradas
pelo princípio da legalidade (art. 5º, II, CF), em conformidade com o qual somente os atos legislati-
vos podem criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Apenas se admitiu a edição de regu-
lamentos autônomos em situações autorizadas pela própria Constituição, como ocorreu no tocante
aos regulamentos editados por alguns órgãos do Executivo cuja competência normativa era previs-

333
ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 97, 1969.
334
V.g. RMS 24266/DF, rel. Min. Carlos Velloso, julg.07/10/2003; ADI-MC-QO 1937, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.20/06/2007.

216
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ta anteriormente a 1988, pelo prazo de cento e oitenta dias prorrogável por lei, na forma do art. 25,
I, ADCT.

Alguns doutrinadores entendem que a Emenda Constitucional n. 32/01 teria excepcional-


mente criado outra espécie de regulamento autônomo entre nós, ao modificar o art. 84, VI, da Car-
ta Magna, passando a admitir que o Presidente da República possa dispor, mediante decreto, so-
bre: “a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos,
quando vagos”. Disso discorda Celso Antônio, para quem o Direito brasileiro apenas admite a exis-
tência de regulamentos executivos, sendo equívoco “imaginar que o art. 84, VI, da Constituição do
País introduziu em nosso Direito os chamados ‘regulamentos independentes ou autônomos’ encon-
tradiços no Direito europeu”. 335 Conclui, por conseguinte, que
“entre nós, por força dos arts. 5º, II, 84, VI, e 37 da Constituição, só por lei se re-
gula liberdade e propriedade; só por lei se impõe obrigações de fazer ou não fa-
zer. Vale dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta
se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma
lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e
336
regulamentos”.

Fato é que o tratamento jurídico dado aos regulamentos no Direito brasileiro difere daquele
existente em outros países. Aqui o vetor constitucional que contempla o princípio da legalidade é
deveras forte para se admitir genericamente competências normativas primárias atribuídas ao Exe-
cutivo. Predomina, então, a figura do regulamento executivo. O contrário se vê, por exemplo, na
França, onde a própria Constituição prevê expressamente um rol aberto de matérias afetas ao
campo normativo regulamentar, ou seja, há grande espaço para regulamentos autônomos.

Não obstante, o STF já reconheceu a existência de regulamentos autônomos editados por ór-
gãos administrativos com competência normativa prevista na própria Constituição, como é o caso
do CNJ.

Sabe-se que a função legislativa é exercida tipicamente por órgãos que integram o chamado
Poder Legislativo, que, no sentido orgânico, abrange as diversas casas parlamentares existentes no
país (no âmbito federal, o Congresso Nacional, composto pelo Senado Federal e pela Câmara dos
Deputados; no âmbito estadual, as Assembléias Legislativas; no âmbito municipal, as Câmaras de
Vereadores). A própria Constituição admite ainda que outros órgãos, não integrantes do Legislati-
vo, exerçam atipicamente a função legislativa. O exemplo clássico é o das Medidas Provisórias edi-
tadas pelo Chefe do Executivo, com força de lei. O mesmo ocorre com as leis delegadas. São, am-
bos, atos legislativos. Não são meros regulamentos executivos, eis que inovam na ordem jurídica.
Vale dizer, trata-se aí de competência normativa primária (função legislativa) e não competência
regulamentar (função administrativa normativa).

Mas essa função legislativa atípica não se resume ao exemplo das medidas provisórias. Exis-
tem também outros órgãos e entidades aos quais a Constituição atribui a competência normativa
primária, em função da autonomia que devem dispor em respeito ao princípio da separação dos
poderes, entendimento que já encontra força na doutrina e na jurisprudência. É o caso, por exem-
plo, dos regimentos internos editados pelos Tribunais, Casas Parlamentares e órgãos do Ministério

335
MELLO, Curso..., cit.
336
Idem.

217
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Público, bem como certas resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CJN) e do Con-
selho Nacional do Ministério Público (CNMP). Por conseguinte, tais disposições não são meros regu-
lamentos executivos, mas, sim, atos com o mesmo grau hierárquico dos atos legislativos e, portan-
to, inovadores da ordem jurídica.

Em relação aos regimentos internos dos Tribunais, conforme dispõe o art. 96, I, a, CF, desde
que respeitem as normas sobre processo e garantias processuais das partes, poderão dispor prima-
riamente sobre a competência e funcionamento dos seus respectivos órgãos jurisdicionais e admi-
nistrativos. São, deste modo, atos de natureza mista, dispondo, os Tribunais, por meio deles, tanto
de competência normativa primária quanto secundária.

No tocante aos atos normativos expedidos pelo CNJ, a regra do art. 103-B, §4º, I, CF, lhe atri-
bui competência para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomen-
dar providências. Por força desta regra, diretamente extraída da Constituição, o STF considerou
válida a Resolução n. 07/05 daquele órgão, tratando de procedimentos para evitar a prática de
nepotismo no Judiciário, concluindo, assim, tratar-se de ato normativo primário, expedido inde-
pendente de prévia lei tratando da matéria. Tem-se aí, portanto, uma espécie de regulamento au-
tônomo. O mesmo ocorre com certos atos regulamentares expedidos pelo CNMP.

 LIMITES DO PODER REGULAMENTAR E O ART. 84 DA CF/88


Do que foi visto até aqui, infere-se que no Brasil a regra geral é a dos regulamentos executi-
vos, ou seja, aqueles que visam apenas assegurar a fiel execução da lei, como previsto no art. 84,
IV, CF.

Traçadas as balizas constitucionais para o exercício do poder regulamentar, a Carta Magna


cuida também de instituir mecanismos jurídicos de controle do seu exercício.

Primeiramente, tem-se o controle pelo Poder Legislativo, a quem cabe precipuamente zelar
pela sua autonomia no exercício da atividade legiferante, obstando a ocorrência de usurpação pelo
Poder Executivo. Daí que o art. 49, V, CF, prevê a possibilidade de sustação de atos regulamentares
que extrapolem os limites da função normativa secundária.

Ao lado disso, o controle do poder regulamentar pode ser feito pela própria Administração
(Súmula 473, STF) ou mediante provocação do Poder Judiciário, toda vez em que se questionar a
ilegalidade ou inconstitucionalidade de um ato administrativo de caráter normativo.

 REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO
Como dito acima, o termo regulamentação há muito vem sendo utilizado no Direito Adminis-
trativo brasileiro, reportando-se genericamente ao poder normativo da Administração Pública,
onde tem destaque a figura do regulamento.

Já a expressão regulação, não obstante se refira a um fenômeno natural ao moderno Estado


de Direito, teve um emprego mais recente entre nós, especificamente quando vieram à tona con-
cepções ideológicas defendendo a gradativa substituição do modelo burocrático (que, adotando a
noção francesa clássica de serviço público, foi o que predominou no Estado do Bem-Estar Social)
pelo modelo gerencial (inspirado na experiência norte-americana de Estado Regulador, em lugar

218
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

do Estado Providência). Isso levou ao surgimento das nossas primeiras agências reguladoras em
meados da década de 1990.

Sob este prisma, regulamentação é apenas um dos instrumentos da regulação, tendo esta
um sentido muito mais amplo no atual contexto de intervenção estatal em assuntos econômicos e
sociais. Como aponta a doutrina, “a expressão ‘regulamentação’ corresponde ao desempenho de
função normativa infraordenada, pela qual se detalham as condições de aplicação de uma norma
de cunho abstrato e geral, tal como dispõe o art. 84, IV, da Constituição. O conceito de regulação é
muito mais amplo e qualitativamente distinto. Eventualmente, a regulação pode se traduzir em
atos de regulamentação” 337, mas não se atém apenas à edição de regulamentos, nem tampouco
se restringe ao exercício do poder de polícia.

 CONCEITO E ORIGEM DO PODER DE POLÍCIA


Nenhum direito individual, por mais precioso que seja, é absoluto, pois sempre encontrará
limites em outros direitos individuais e, sobretudo, em direitos coletivos, cabendo precipuamente
ao Estado utilizar as regras do Direito para equilibrar os interesses individuais com o interesse pú-
blico. Quando assim atua, diz-se que o Estado exerce o seu poder de polícia administrativo, que,
segundo Hely Lopes,
“é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restrin-
gir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coleti-
338
vidade ou do próprio Estado”.

O fundamento do poder de polícia da Administração é o interesse público em prol da coleti-


vidade. Simplificando, o citado autor qualifica o poder de polícia com um mecanismo de frenagem
de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.

A doutrina identifica o poder de polícia em sentido amplo e em sentido estrito. No primeiro


caso, abrange todos os atos estatais, com destaque para os de natureza legislativa, os quais balizam
juridicamente as esferas da liberdade e propriedade individuais, conformando-as ao interesse da
coletividade. Esse foi o sentido originalmente empregado no direito americano (police power), a
partir do clássico caso Brown vs. Maryland, em que se considerou constitucional a edição de leis
impondo condicionamentos ao direito de propriedade. Já no sentido estrito, a expressão refere-se
especificamente aos atos praticados pela Administração Pública.

No Brasil, seguindo a tradição francesa, a doutrina emprega a expressão em seu sentido es-
trito (atividade administrativa), que também foi o adotado pelo ordenamento pátrio. De fato, o
conceito estrito está, entre nós, positivado no art. 78 do Código Tributário Nacional, segundo o qual
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando
ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou
ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

337
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
338
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

219
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Também está mencionado expressamente no art. 145, II, CF, como referência a uma das es-
pécies de fatos geradores das taxas.

O STF há muito enfocou o conceito do poder de polícia como sendo a “faculdade que tem o
estado de opor à liberdade do cidadão as condições necessárias para garantir a saúde, a vida, a
segurança individual e os interesses legítimos”.339 Como exemplos de restrições decorrentes do
poder de polícia, cita-se a proibição de construir acima de certa altura, a obrigatoriedade de obser-
var determinado recuo de construção, o dever de denunciar doença contagiosa, a vedação de man-
ter certos animais na zona urbana ou de, nessa zona, promover certa lavoura.340

Buscando delimitar o alcance do poder de polícia administrativo, diferenciando-o de outras


expressões de poder do Estado, a doutrina alemã, a partir de Otto Mayer, elaborou uma distinção
entre a “supremacia geral” e a “supremacia especial”. Assim, o poder de polícia decorre da supre-
macia geral do Estado perante todas as pessoas submetidas ao seu império, indistintamente, e que
em regra emana diretamente da lei, não se confundindo com outras situações de poder entre a
Administração e determinadas pessoas que com ela mantém específicas relações de sujeição, tal
como ocorre com os servidores públicos, aqueles que firmam contratos com a Administração, bem
como outros indivíduos submetidos a disciplinas internas de certas instituições públicas tais como
universidades, hospitais, bibliotecas, presídios etc. Nesse caso, tem-se não propriamente poder de
polícia, mas, sim, poder disciplinar decorrente de supremacia especial.

Pode-se dizer que enquanto o poder de polícia está voltado para o “público externo”, o po-
der hierárquico e o poder disciplinar são expressões da autoridade exercida pela Administração em
relação ao seu “público interno”, ou seja, aqueles que com ela mantêm algum vínculo funcional ou
que estejam mais próximos da estrutura administrativa, sujeitando-se, por isso, a uma disciplina
mais rigorosa, não obstante igualmente sujeita ao princípio da legalidade.

Para diferenciar o poder de polícia das atividades prestacionais do Estado, costuma-se ainda
recorrer à idéia de que o poder de polícia busca uma abstenção por parte do administrado, ao
passo que o serviço público ou aS atividades econômicas asseguram prestações positivas. Tal dis-
tinção, porém, nem sempre é segura, porque as atividades do poder de polícia, a depender do ân-
gulo que se examine, têm também um caráter prestacional.

Não obstante se tratar de terminologia de uso já consagrado na doutrina, não faltam críticas
ao termo poder de polícia. Como adverte Celso Antônio, “raciocina-se como se existisse uma ‘natu-
ral’ titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsecamente,
fruto de um abstrato ‘poder de polícia’”. 341 Por isso, Carlos Ari Sundfeld prefere utilizar o termo
Administração Ordenadora para abrigar todas as operações estatais de regulação do setor privado,
com o emprego do poder de autoridade.342 Mas apesar de tais críticas fundamentadas, fato é que a
expressão segue sendo amplamente utilizada pela doutrina nacional, até porque, como dito, consta
da redação do art. 145, II, CF, e no art.78, CTN.

No tocante às competências para o exercício do poder de polícia, a princípio as atividades de


polícia administrativa são titularizadas privativa ou conjuntamente pela União, Estados, Distrito

339
RMS 2138/DF, rel. Min. Luiz Gallotti, 24/07/1953.
340
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
341
MELLO, Curso..., cit.
342
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo.

220
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Federal e Municípios, tendo a Constituição Federal buscado delimitar o campo de atuação de cada
uma dessas entidades políticas, de acordo com as competências legislativas previstas nos arts. 22,
24, 25 e 30.

Porém, o fato de uma atividade de polícia titularizada por determinado ente político poder
ser por ele exercida, através dos órgãos que integram a sua Administração Direta, não impede que
a execução possa vir a ser transferida a um outro ente administrativo, com personalidade jurídica
de direito público, criado por lei para essa finalidade específica. Assim, por exemplo, tendo a União
a competência para executar medidas administrativas de implementação da reforma agrária, foi
criado o INCRA, autarquia federal à qual foi outorgada tal atribuição. Tem-se aí a distinção que cos-
tuma ser feita entre poder de polícia originário e poder de polícia delegado. O primeiro nasce com
a entidade política que o titulariza, sendo pleno no seu exercício, ao passo que o segundo é exerci-
do por outra entidade, após transferência legal, sendo limitado aos termos da outorga legal e ca-
racterizado essencialmente por atos de execução.

É preciso atentar ainda para não se confundir as competências para legislar e para executar
(administrar). Há atividades de polícia que podem ser exercidas por Estados e Municípios, mas com
base em ordenação da competência legislativa privativa da União. Ou seja, os Estados e Municípios
executam medidas de polícias, porém seguindo a legislação nacional (Código Nacional de Trânsito,
por exemplo). Vale dizer, o fato de Estados e Municípios exercerem poder de polícia nem sempre
significa que possam legislar sobre o assunto correspondente. Haveria, nesses casos, flagrante in-
constitucionalidade, conforme já decidiu o STF.343

Sejam áreas de competência privativa de determinado ente político, sejam áreas de atuação
conjunta deles, o fato é que no atual contexto da intervenção estatal são múltiplos os setores e
áreas de atuação do poder de polícia em âmbito federal, estadual e municipal.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a polícia administrativa atua em quatro grandes
áreas de interesse público, verdadeiros valores convivenciais, quais sejam a segurança, a salubrida-
de, o decoro e a estética.344 Pode-se ainda subdividir os referidos campos de atuação destacando
setores específicos de atuação da polícia administrativa, distribuídos segundo vários critérios legais
ditados pela política e pelas conveniências da organização administrativa do Estado, a saber: polícia
de costumes (prevenção e repressão ao crime e às atividades sociais nocivas), polícia de comunica-
ções (fiscalização de abuso de propaganda, diversões, espetáculos públicos), polícia sanitária (defe-
sa da saúde humana), polícia de viação (controle de trânsito e tráfego terrestre, marítimo, aéreo,
fluvial e lacustre), polícia de comércio e indústria (disciplina das atividades comerciais e industri-
ais), polícia das profissões (fiscalização do exercício profissional), polícia ambiental (controle da
atmosfera, águas, oceanos, flora e fauna), polícia de estrangeiros (controle de ingresso no territó-
rio nacional, concessão de passaportes etc.), polícia edilícia (controle de obras e construções), den-
tre outros.

A doutrina costuma apontar que o poder de polícia poderá ser preventivo (polícia adminis-
trativa) ou repressivo (polícia judiciária), distinção oriunda do direito francês. Todavia, não é segu-
ro o critério de distinção com base no caráter exclusivamente repressivo ou preventivo, havendo
situações em que a policia administrativa age com repressão, bem como outras em que a polícia
judiciária toma medidas preventivas.

343
V.g. ADI-MC 3625/DF, rel. Min. Cézar Peluzo, julgamento de 17/08/2006.
344
MOREIRA NETO, Curso..., cit.

221
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Celso Antônio aponta que “o que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judici-
ária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais en-
quanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica”.345 Neste
mesmo sentido, para Celso Ribeiro Bastos
“é inegável o caráter eventualmente repressivo da polícia administrativa, como
quando desfaz passeata ou comício que já havia iniciado o processo perturbador
da ordem e da tranquilidade públicas, por cuja manutenção peleja o poder de po-
lícia. O que distingue a repressão típica da polícia administrativa da judiciária é
que aquela somente se justifica enquanto ainda houver proveito na sua ação, isto
346
é, enquanto da sua aplicação possam ainda ser evitados danos futuros”.

Como já dito, o poder de polícia administrativo é muito amplo, exercendo-se em diversas es-
feras (trânsito, vigilância sanitária, caça e pesca, florestas, edificações, vigilância marítima, aérea e
de fronteiras, rodovias, ferrovias, pesos e medidas etc.), ao passo que o poder de polícia judiciário
tem por objetivo precípuo a investigação de delitos, em auxílio ao Poder Judiciário. Isso reflete no
regime jurídico aplicável, pois enquanto as atividades da polícia administrativa são regidas por
normas administrativas, as da polícia judiciária regem-se por normas do processo penal. A maioria
dos órgãos de polícia atuam na seara da polícia administrativa, sendo poucos os que exercem pre-
cipuamente as funções de polícia judiciária (é o caso da Polícia Civil). Já a Polícia Federal, exerce
tanto atividades de polícia administrativa (v.g. emissão de passaportes e polícia de imigração)
quanto de polícia judiciária (investigação de crimes federais).

Ainda sob inspiração do direito francês, a doutrina aponta a distinção entre polícia geral e
polícia especial. A primeira se ocuparia dos aspectos da ordem pública, basicamente nos campos da
tranquilidade, da segurança e da salubridade públicas, nos quais poderia haver regulamentos autô-
nomos tratando das matérias. Já a segunda estaria voltada aos demais ramos de atuação da polícia
administrativa. Posteriormente, a jurisprudência francesa acrescentou, ao conceito de “ordem pú-
blica geral”, os valores estética e moralidade pública. Nesta tradição gaulesa, por estar encarregada
do “mínimo social necessário” (ordem pública), os atos da polícia geral não necessitam de texto
legal expresso, decorrendo de uma espécie de domínio eminente do Estado, podendo haver inclu-
sive regulamentos autônomos sobre a matéria. Já a polícia especial estaria voltada para outras fina-
lidades de regulação do setor privado, distintas da ordem pública geral, necessitando de previsão
expressa em lei.

Celso Antônio nega aplicação de tal distinção no Direito Administrativo brasileiro, no qual to-
das as atividades de polícia encontram-se niveladas em um mesmo patamar, havendo sempre ne-
cessidade de lei pautando a conduta da Administração, sem espaço para regulamentos autônomos,
mas apenas regulamentos executivos.347 Ademais, não há critério seguro para se identificar preci-
samente o que seja um ato de polícia visando à manutenção da ordem pública e outro com finali-
dade distinta. Na própria França isso vem gerando divergências, como ocorreu com o famoso caso
do “lançamento de anões”, em que o Estado proibiu uma esdrúxula prática de entretenimento que
vinha sendo adotada por alguns bares, em que anões eram contratados para divertir o público,
sendo lançados à maior distância possível. Apesar de muitos anões consentirem com a brincadeira,
por conta da remuneração que recebiam em troca, considerou-se que tal prática violava a dignida-

345
MELLO, Curso..., cit.
346
BASTOS, Curso..., cit.
347
MELLO, Curso..., cit.

222
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

de da pessoa humana. Marçal Justen ressalta que toda a doutrina francesa comenta essa decisão,
porque foi tomada em nome da “ordem pública”, apesar de haver um texto legislativo muito espe-
cífico delimitando as finalidades buscadas pelo poder de polícia.348 Essa insegurança de critérios
conceituais aumenta muito mais no contexto do Direito Administrativo contemporâneo, haja vista,
dentre outros aspectos, a vinculação direta a normas constitucionais garantidoras de direitos fun-
damentais, bem como a amplitude da atuação reguladora do Estado.

Quanto às formas de atuação do poder de polícia, a doutrina aponta quatro: ordem de polí-
cia, fiscalização de polícia, consentimento de polícia e sanção de polícia.

A ordem de polícia
“caracteriza-se por ordens e proibições que se manifestam por meio de normas
administrativas limitadoras e sancionadoras da conduta individual dos adminis-
trados, sobretudo àqueles que, de alguma forma, utilizam bens ou exercem ativi-
349
dades de efeito para toda a sociedade”.

Trata-se de atuação regulamentar que busca assegurar a fiel execução da lei.

A fiscalização de polícia caracteriza-se


“pela observância feita pela Administração no que concerne à forma de uso que
certo bem recebe, considerando, particularmente, que o administrado, ao fazer
uso de determinado bem, deve cumprir exatamente o que é estabelecido pela
350
Administração”.

Tal fiscalização poderá ser exercida, por exemplo, em relação à higiene de alimentos e segu-
rança nas construções, podendo inclusive ser delegada.

O consentimento de polícia “consiste na permissão dada pela Administração ao administra-


do para exercer algum ato ou para utilização de determinado bem” 351, o que geralmente ocorre
por meio de alvarás, licenças e autorizações. Tal atuação poderá ser também delegada pelo Esta-
do.

A sanção de polícia “pode ser entendida como a penalidade aplicada pela Administração em
virtude da inobservância da ordem de polícia” 352. Tais penalidades devem ter assento em lei, das
quais são exemplos a multa, a interdição, a demolição, a destruição, a inutilização, o embargo etc.
Trata-se de atividade indelegável, cabendo exclusivamente ao Estado atuar nesta fase. No âmbito
federal, a Lei 9.873/99 estabelece o prazo de cinco anos para a aplicação das sanções de polícia.

 CARACTERÍSTICAS DO PODER DE POLÍCIA


A doutrina aponta as seguintes características do poder de polícia: discricionariedade, vincu-
lação, auto-executoridade e proporcionalidade.

348
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
349
FRIEDE, Lições..., cit.
350
Idem.
351
Ib idem.
352
Ib idem.

223
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A discricionariedade “consiste na livre escolha, pela Administração Pública, dos meios ade-
quados para exercer o poder de polícia, bem como, na opção quanto ao conteúdo, das normas que
cuidam de tal poder”. 353 Convém registrar, todavia, que nem todos os atos de polícia são discricio-
nários. Aliás, nenhuma atividade da Administração é totalmente discricionária, pois sempre existirá
alguma carga de vinculação nos atos administrativos.

A vinculação “existe no momento em que a norma administrativa se origina em verdadeiro


liame entre os administrados e a Administração, na pessoa do autor (autoridade administrativa)
que expediu o regulamento de polícia.” 354

Desta maneira,
“a atividade de polícia ora é discricionária, a exemplo do que ocorre quando a
Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo,
ora é vinculada, nos moldes do que acontece quando a Administração Pública li-
cencia uma construção (alvará ou licença de construção). O certo, então, é dizer
que tal atribuição se efetiva por atos administrativos expedidos através do exercí-
355
cio de uma competência às vezes vinculada, às vezes discricionária.”

José dos Santos salienta haver na doutrina controvérsias quanto à caracterização do poder
de polícia, se vinculado ou discricionário, citando as opiniões divergentes de Hely Lopes e Celso
Antônio. Entende que haverá discricionariedade apenas nos casos em que a lei não fixou delimita-
damente a dimensão da restrição imposta ao particular, citando o caso da proibição de pesca, fi-
cando a cargo da Administração dizer em quais rios onde deverá ser observada. Noutros casos,
porém, quando a lei já cuida de delimitar bem a restrição, não poderá a Administração ampliar o
seu alcance, estando vinculada às balizas da lei.356

Pode-se dizer que um alto grau de vinculação é raro de acontecer. O mais comum é que haja
certa margem de discricionariedade. Aliás,
“a análise da maioria das hipóteses de sua aplicação prática indica discricionarie-
dade no desempenho do poder de polícia. Todavia, é preciso fazer referência a ca-
sos excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem
natureza vinculada. O melhor exemplo é o da licença, ato administrativo vincula-
357
do e tradicionalmente relacionado com o poder de polícia.”

A auto-executoriedade “pode ser entendida pela possibilidade efetiva que a Administração


tem de proceder ao exercício imediato de seus atos, sem necessidade de recorrer, previamente, ao
Poder Judiciário”. 358 Nestes casos, poderá o administrado atingido pelo ato buscar proteção no
Judiciário, utilizando-se, por exemplo, de mandado de segurança.

Maria Sylvia desdobra a auto-executoridade em duas faces: a exigibilidade (tomada de deci-


sões) e executoriedade (execução das decisões)359. Enquanto a exigibilidade se relaciona com o
poder de obrigar, por meios indiretos, o administrado a cumprir a determinação contida no ato

353
Ib idem.
354
R. Friede, Lições..., cit.
355
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
356
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
357
MAZZA, Manual…, cit.
358
Idem.
359
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

224
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

administrativo, a executoriedade assegura à Administração o poder de efetivá-la materialmente, de


forma direta.

Cabe ressalvar, todavia, que, por opção constitucional, determinados atos de polícia estão
sujeitos à reserva de jurisdição, isto é, à manifestação prévia do Poder Judiciário. Logo, têm exigibi-
lidade, mas não têm executoriedade. Cite-se, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico, somente
admitida em processo criminal e observados certos requisitos substanciais (art. 5º, XII, CF, e Lei
9.296/96). Outro exemplo de ato administrativo que não pode ser auto-executado, demandando
procedimento judicial específico previsto em lei, é a cobrança de multas. A Administração pode
aplicá-las, mas, havendo resistência do devedor em efetuar o pagamento, só restará a execução do
valor na Justiça.

A proporcionalidade “é uma característica do poder de polícia que obriga que a efetiva ‘san-
ção de polícia’ aplicada ao administrado guarde, necessariamente, uma relação de proporcionali-
dade com a violação de ‘ordem de polícia’ realizada por ele”.360 Ao discorrer sobre a proporcionali-
dade, Rui Cirne Lima alude à famosa hipérbole na frase de Fritz Fleiner: “a polícia não deve atirar
com canhões em pardais”.361

O vetor de proporcionalidade não é uma característica afeta tão-somente à sanção adminis-


trativa, devendo ser respeitado em todos os âmbitos de atuação do poder de polícia já referidos.

Tema polêmico na doutrina diz respeito à possibilidade ou não de transferência a particula-


res (delegação) de prerrogativas inerentes ao poder de polícia.

O STF já tem precedente no sentido de que o exercício do poder de polícia é exclusivo de


pessoas de direitos público (ADI 1717), tendo declarado inconstitucionais dispositivos da Lei
9.649/98 que atribuíam aos Conselhos de Fiscalização Profissional a personalidade jurídica de direi-
to privado.

Marçal Justen entende que aspectos nucleares do poder de polícia são indelegáveis, abran-
gendo aí as competências de cunho normativo e de autoridade. Diz que
“veda-se a delegação do poder de polícia a particulares não por alguma qualidade es-
sencial ou peculiar à figura, mas porque o Estado Democrático de Direito importa o mo-
nopólio estatal da violência. Não se admite que o Estado transfira, ainda que temporari-
amente, o poder de coerção jurídica ou física para a iniciativa privada. Isso não significa
vedação a que algumas atividades materiais acessórias ou conexas ao exercício do poder
de polícia sejam transferidas ao exercício de particulares. O que não se admite é que a
imposição coercitiva de deveres seja exercitada por terceiros, que não agentes públi-
362
cos”.

Muitos outros autores sustentam a impossibilidade do exercício do poder de polícia por en-
tes privados, quando estejam em jogo a liberdade dos administrados. Segundo Celso Antônio, “sal-
vo hipóteses excepcionalíssimas (caso dos poderes outorgados aos capitães de navio), não há dele-
gação de ato jurídico de polícia a particular e nem a possibilidade de que este o exerça a título con-
tratual. Pode haver, entretanto, habilitação do particular à prática de ato material preparatório ou

360
FRIEDE, Lições..., cit.
361
LIMA, Princípios..., cit.
362
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

225
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

sucessivo a ato jurídico desta espécie”.363 José dos Santos diz que em regra a delegação apenas é
possível em relação a entes públicos, mas admite a possibilidade de atribuição a entes privados de
certas tarefas de apoio à fiscalização.364

Reportando-nos ao que foi dito acima sobre as formas de atuação do poder de polícia, en-
tendemos relativamente possível a transferência, por lei, do poder de polícia no que tange à fiscali-
zação de polícia e ao consentimento de polícia. Já no tocante à ordem de polícia e à sanção de
polícia, a princípio pensamos tratar-se de atividades que não devem ser delegadas, cabendo exclu-
sivamente ao Poder Público. Todavia, esta questão ainda tem despertado muita polêmica na dou-
trina e na jurisprudência.

 LIMITES, EXTENSÃO E CONTROLE DO PODER DE POLÍCIA


Os limites e a extensão do poder de polícia são temas relacionados ao controle de legalidade
em sentido amplo (juridicidade) dos atos administrativos. Como já visto, o exercício do poder de
polícia comporta certa margem de discricionariedade por parte da Administração, o que não deve
servir de pretexto ao cometimento de arbitrariedades. Entram em cena aí não apenas o vetor nor-
mativo da legalidade administrativa, mas, também, os princípios jurídicos da administração pública
já estudados, notadamente a razoabilidade, a proporcionalidade e a impessoalidade.

Maria Sylvia assinala que,


“quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse
público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do in-
teresse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justifica-
tiva quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a auto-
ridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarre-
tará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e ad-
365
ministrativa”.

É indispensável, no Estado Democrático de Direito, que o ordenamento jurídico contemple


mecanismos que assegurem o efetivo controle dos atos de polícia,
“de sorte que contra eles cabem os recursos administrativos (recurso hierárquico)
e judiciais (mandado de segurança, ação civil pública, ação popular) para obstar
gravames que podem causar aos administrados, à própria Administração Pública
366
e à coletividade (interesses difusos)”.

Na via administrativa, o controle pode ser feito de ofício ou mediante provocação do particu-
lar interessado, valendo-se, nesse último caso, dos recursos administrativos, que em sentido amplo
compreendem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito,
abrangem os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Tais mecanismos de
controle dos atos da Administração encontram-se previstos na Lei 9.784/99, que regula o processo
administrativo federal.

363
MELLO, Curso..., cit.
364
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
365
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
366
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

226
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Sabe-se que o controle dos atos administrativos no Brasil pode ser efetuado tanto pela pró-
pria Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário, já que a Carta Magna garantiu o pleno
acesso às vias judiciais, sempre que houver lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Portanto,
adotou-se em nosso país o sistema de jurisdição única, de origem inglesa, ao contrário do sistema
francês que admite a existência de Tribunais Administrativos (v.g. o Conselho de Estado francês)
com jurisdição especial distinta do Judiciário (sistema do contencioso administrativo ou de jurisdi-
ção dual).

 DISTINÇÃO ENTRE PODER DE POLÍCIA E REGULAÇÃO


Abordou-se em tópico precedente que a noção de regulação tem um sentido muito amplo e
envolve uma série de atividades estatais, que não apenas os clássicos poderes reconhecidos ao
Estado, tais como o poder normativo e o poder de polícia.

Outrossim, a concepção de um Estado Regulador implicou uma alteração qualitativa do pa-


pel do Estado perante a sociedade, tendo-se adotado diversos novos instrumentos de ação.

Enfocando a distinção entre poder de polícia e regulação, a doutrina salienta que


“o Estado desempenha a regulação tanto quando disciplina externamente ativi-
dade que é de titularidade privada (ex.: a regulação sobre os bancos, os planos de
saúde, a fabricação de medicamentos etc.), como quando disciplina, através pre-
dominantemente de contratos, o exercício por particulares de atividades econô-
micas lato sensu que são de titularidade estatal (ex.: serviços e monopólios públi-
cos concedidos). Nesses casos, não há poder de polícia, mas prerrogativas ineren-
tes à titularidade estatal da atividade (poder concedente); o Estado não está limi-
tando a liberdade privada, pois sobre a atividade não vige a liberdade de iniciati-
va, já que a atividade em si (circunstancialmente não o seu exercício) é estatal.
Sob essa perspectiva, os conceitos de poder de polícia e de administração ordena-
dora se aproximam do conceito de regulação, apesar de não alcançá-lo in totum
por não abrangerem a regulação dos serviços e monopólios públicos exercidos por
367
particulares”.

SERVIDORES PÚBLICOS

 REGIME CONSTITUCIONAL
Os servidores públicos (em sentido amplo) são todos aqueles que mantêm vínculo de traba-
lho profissional com as entidades governamentais da Administração direta e indireta. Esse vínculo
de trabalho profissional, por sua vez, variará conforme o regime jurídico adotado para cada servi-
dor.

367
ARAGÃO, Curso..., cit.

227
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Antes da Constituição Federal de 1988, os servidores públicos podiam ser livremente contra-
tos sob o mesmo regime de emprego aplicado à iniciativa privada (CLT) e sem necessidade de pré-
vio concurso público.

Com a nova Constituição, além de ser instituída a regra do concurso público, o art.39, em sua
redação original, passou a prever o regime jurídico único, por meio da qual se buscou estabelecer
uma isonomia entre os servidores da Administração direta e autárquica. No âmbito federal, foi de
logo adotado o regime estatutário (Lei 8.112/90), o mesmo ocorrendo com os Estados e o Distrito
Federal. Já quanto aos Municípios, nem todos criaram estatutos próprios para os seus servidores,
mantendo os seus servidores basicamente sob o regime celetista, até que fosse adotado o regime
estatutário.

A regra do regime jurídico único foi extinta pela Emenda Constitucional n. 19/98 (Reforma
Administrativa), passando-se a admitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
adotassem mais de um regime jurídico para seus servidores, com a instituição de conselhos de polí-
tica de administração e remuneração de pessoal. Isso tornou possível,
“por exemplo, que um Estado tenha grupo de servidores estatutários e outro de
servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a organização funcional estabele-
cida em lei. O mesmo será permitido para as demais pessoas federativas. Aliás, a
própria União Federal, como já vimos, já tem a previsão de servidores estatutários
(Lei 8112/90) e de servidores trabalhistas (Lei 9962/00 e legislação trabalhista).
Nada impedirá, é claro, que a entidade política adote apenas um regime funcional
em seu quadro, mas, se o fizer, não será por imposição constitucional, e sim por
opção administrativa, feita em decorrência de avaliação de conveniência, para
melhor atender a suas peculiaridades. A qualquer momento, no entanto, poderá
modificar a estratégia inicial e instituir regime funcional paralelo, desde que, logi-
368
camente, o novo sistema seja previsto em lei.”

Ocorre que, em decisão liminar na ADIN 2135-4 proferida em agosto de 2007, o STF posicio-
nou-se pela inconstitucionalidade formal da EC 19/98 no que concerne à nova redação atribuída ao
caput do art. 39, CF. Com isso, voltou a prevalecer a aludida redação original que impõe o regime
jurídico único.

“Esclareceu o STF, todavia, que a decisão, por possuir caráter provisório, tem so-
mente efeitos ex nunc, sendo mantidas as legislações editadas admitindo empre-
gados públicos nas pessoas de direito público com fulcro na emenda suspensa até
369
o julgamento final da ação direta de inconstitucionalidade.”

Não obstante, parece-nos que o fato de se prever um regime jurídico único não significa que
cada ente político só possa adotar o regime de cargos para seus servidores, porquanto a própria
Constituição, em outros dispositivos do seu texto original (arts. 51, IV; 52, XIII; 61, §1º, II, “a”; e
114) sempre admitiu também a existência de empregos públicos, com regimes diversificados em
certas hipóteses.

Como salienta Celso Antônio, a regra do art. 39 deve conviver com tais dispositivos, o que é
perfeitamente possível desde que se entenda que o pretendido

368
CARVALHO FILHO, op. cit., p.484.
369
ARAGÃO, Curso..., cit.

228
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“não foi estabelecer obrigatoriamente um único regime para todos os servidores


da Administração direta, autárquicas e fundações públicas, mas impor que a Uni-
ão e suas entidades da Administração indireta, Estados e suas entidades da Ad-
ministração indireta e Municípios e suas entidades da Administração indireta te-
nham, nas respectivas esferas, uma uniformidade de regime para seus servidores.
Ou seja: inadmite-se que quaisquer destas pessoas adotem para si um dado regi-
me e atribuam à autarquia tal, à autarquia qual ou a fundação tal, diferentes re-
gimes, criando uma pluralidade deles como ocorria antes da Constituição de
1988. Deve haver, isto sim, um ‘regime jurídico único’ na intimidade das diversas
ordens de governo. Em outras palavras: é possível (embora afigure-se-nos incon-
veniente) que as atividades básicas estejam sujeitas ao regime de cargo, isto é,
estatutário, enquanto algumas remanescentes, de menor importância, sejam e-
xercidas sob regime de emprego. Inversamente, não é possível haver diversidade
de regimes entre Administração direta e as distintas pessoas das respectivas Ad-
ministrações indiretas. (...) para os servidores da Administração direta, autarquias
e fundações de Direito Público (ou seja: servidores das pessoas jurídicas de Direito
Público), indubitavelmente, o regime normal, corrente, terá de ser o de cargo
público, admitindo-se, entretanto, como ao diante se explicará, casos em que é
370
cabível a adoção do regime de emprego para certas atividades subalternas.”

Têm-se, assim, três regimes jurídicos, que podem ser concomitantemente adotados pela
Administração Pública direta e autárquica, dos quais decorrem três categorias de servidores:
a) servidores públicos estatutários;
b) servidores públicos trabalhistas (empregados públicos);
c) contratados por tempo determinado (temporários).

 O SERVIDOR ESTATUTÁRIO E O EMPREGADO PÚBLICO


O regime estatutário é aquele adotado para os servidores detentores de cargos públicos. As
suas disposições decorrem diretamente da lei, o que significa dizer que o vínculo que une o servi-
dor ao Poder Público não tem natureza contratual. Muitas de suas regras já estão previstas na pró-
pria CF/88 (v.g. os arts. 39 a 41), além de leis e regulamentos administrativos. Fala-se, então, em
servidores estatutários.

Cada ente político autônomo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá elaborar
o seu estatuto funcional, respeitados sempre os ditames constitucionais acerca do tema. No caso
da União, o estatuto geral dos servidores públicos civis é a Lei 8.112/90.

Contudo, o regime estatutário pode-se apresentar como uma pluralidade normativa, o que
significa dizer que pode haver mais de um estatuto funcional, conforme o ente político e a catego-
ria do servidor. Vale dizer, ao lado do regime estatutário geral direcionado à grande massa dos
servidores de cada ente político, poderão ainda existir regimes estatutários especiais referentes a
determinados servidores que exerçam função cujas peculiaridades tenham demandado um trata-
mento legislativo diferenciado. É o caso, por exemplo, dos advogados e defensores públicos, além
de professores, policiais, auditores fiscais que em algumas unidades federativas têm estatuto pró-

370
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.250-252.

229
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

prio, diverso do geral. Sujeitos a regimes estatutários especiais estão também os juízes, os mem-
bros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

O fato de o regime estatutário não ter natureza contratual é de suma importância, pois esta
característica implica que possa haver modificação do regime pela simples mudança da lei, a crité-
rio do Poder Público, justamente por não haver acordo bilateral de vontades no estabelecimento
das normas de regência. Contra isso os servidores estatutários não podem se insurgir, o que signifi-
ca dizer que não há direito adquirido a regime jurídico, entendimento esse já consolidado por inú-
meros precedentes jurisprudenciais. 371

José dos Santos cita o seguinte exemplo:


“suponha-se que o estatuto do servidor, quando este foi nomeado para o cargo,
contemplasse uma licença para estudar no exterior. Nada impede que o Poder
Público extinga a licença posteriormente, por entendê-la inconveniente à Adminis-
tração. O servidor não tem direito adquirido à manutenção da referida licença no
estatuto funcional. Esse é um ponto de grande relevância, não se podendo perder
de vista que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o caso dos
372
estatutos, são normalmente alteráveis.”

Deveras, quando se fala em direitos subjetivos tem-se em mira vantagens concretas usufruí-
das por determinado servidor e não propriamente a permanência da lei abstrata que as contempla.
O servidor público somente terá direito adquirido se já houver reunido os requisitos necessários ao
exercício de determinado direito previsto na lei revogada, pelo que a lei revogadora não poderá
retroagir. Nesses casos, a mudança do Estatuto não afetará o direito do servidor, se já adquirido ao
tempo da lei anterior. Em suma, o Estatuto muda (não há direito adquirido a sua permanência),
mas a vantagem que nele era prevista permanece em relação aquele determinado servidor na me-
dida em que reuniu os requisitos para usufruí-la (direito adquirido ao benefício).

Saliente-se, porém, que o direito adquirido somente prevalece em relação às normas infra-
constitucionais e às emendas constitucionais (poder constituinte derivado). Não se pode invocar
direito adquirido contra a Constituição originária, que consubstancia o próprio nascedouro da or-
dem jurídica. Daí porque o art. 17, ADCT, estabeleceu expressamente que os vencimentos, a remu-
neração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sen-
do percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela
decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso
a qualquer título.

O regime trabalhista é o que incide quando a Administração tenha optado por contratar a-
gentes públicos sob regime de emprego público, ao invés de cargo público. Fala-se, então, em em-
pregados públicos.

A natureza do vínculo que une o empregado público ao Estado é contratual, como negócio
jurídico bilateral, submetido a regras e princípios do Direito Público. Deverão ser aplicadas as nor-
mas referentes à legislação trabalhista (Constituição, CLT e leis esparsas).

371
V.g. STF, AI-ED 567.722/MG, DJ de 28/09/2007.
372
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

230
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“É claro que, sendo, empregador o Estado, incidem algumas normas de direito


público na relação trabalhista. Tais normas, porém, não podem desfigurar o re-
gime básico da CLT, que é aquele que deve ser observado e que tem natureza con-
373
tratual.”

No âmbito da União, foi editada a Lei 9.962/00, que trata do regime de emprego público na
Administração direta, autarquias e fundações públicas, adaptando, desta forma, o regime trabalhis-
ta geral às peculiaridades do Direito Público. O seu art. 1º estabelece que aos empregados públicos
federais será aplicada a legislação trabalhista, em tudo aquilo que não dispuser em contrário. Signi-
fica dizer que o regime de emprego público federal obedece às disposições da legislação trabalhista
geral, ressalvadas eventuais normas em sentido contrário contidas na Constituição e na Lei
9.962/00. Assim, por exemplo, o art. 3º, Lei 9.962/00, estabelece que a rescisão do contrato de
emprego público deverá ser motivada em uma das hipóteses nele contidas (ato vinculado), não se
admitindo, portanto, a simples dispensa sem justa causa prevista na CLT.

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os empregados públicos são re-
gidos exclusivamente por regras da legislação trabalhista geral. Isto porque a Lei 9.962/00 é uma lei
federal (e não uma lei nacional), além do que tais entes políticos não poderão editar suas leis espe-
cíficas, porquanto é da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I,
CF). Não obstante, deverão necessariamente observar as regras constitucionais relativas aos em-
pregos públicos (por exemplo, a necessidade de admissão por concurso público – art. 37, II, CF),
bem como respeitar os princípios que regem o Direito Público (moralidade, impessoalidade, su-
premacia do interesse público etc.).

Ressalte-se que a mera faculdade de se adotar o regime trabalhista na Administração Direta,


nas autarquias e fundações públicas, não se estende às sociedades de economia mista, empresas
públicas e fundações privadas. Deveras, por se tratarem de pessoas jurídicas de direito privado,
estes entes estatais deverão obrigatoriamente adotar o regime trabalhista de emprego (não se
aplica a eles a Lei 9.962/00), razão pela qual alguns autores diferenciam os seus empregados apli-
cando-lhe a nomenclatura específica de servidores governamentais, para distingui-los dos demais
empregados públicos. 374

É importante ainda enfatizar que, mesmo na Administração direta, autarquias e fundações


públicas, não é qualquer atividade pública que pode ser submetida a regime de emprego público.
Há determinadas atividades típicas de Estado que, por sua natureza, somente poderão ser regidas
por normas estatutárias, jamais por normas contratuais, conforme salienta a doutrina, apesar de
algumas divergências sobre qual deveria ser o regime predominante na Administração.

Em que pese os pontos de distinção apontados, a Constituição Federal contém normas dire-
cionadas a todos os servidores públicos, sejam eles estatutários ou trabalhistas.

Com efeito, a Carta Magna prevê criação, transformação e extinção de cargos, empregos e
funções públicas será da competência do Congresso Nacional, por meio de lei submetida à sanção
do Presidente da República (art. 48, X). A regra, então, é a existência de lei tratando do tema.

373
Idem.
374
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

231
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Ocorre que esta regra comporta exceções previstas na própria Carta. O art. 84, VI, b, confere
ao Presidente da República a competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre extinção
das funções ou cargos públicos, quando vagos. Trata-se, segundo alguns, de uma espécie de regu-
lamento autônomo excepcionalmente admitido no ordenamento brasileiro. Os arts. 51, IV, e 52,
XIII, conferem à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a competência privativa para dispor
sobre a criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus respectivos
serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, a organização funcional da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal não depende de lei, dando-se através de resolução. Já a fixação de
vencimentos para tais cargos, empregos e funções depende de lei.

Importante destacar, ainda, que a lei que dispuser sobre a criação e a extinção de cargos e a
remuneração dos serviços auxiliares no Poder Judiciário, bem como a fixação do subsídio de seus
membros e dos juízes, será de iniciativa dos respectivos Tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tri-
bunais Superiores e Tribunais de Justiça), conforme previsto no art. 96, II, b, CF. Essa autonomia na
iniciativa das leis também é conferida ao Ministério Público, no tocante à criação e extinção de seus
cargos e serviços auxiliares (art. 127, §2º, CF).

Outra determinação constitucional refere-se à acessibilidade aos cargos e empregos públi-


cos e à investidura por concurso público. Assim, os cargos, empregos e funções públicas são aces-
síveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangei-
ros, na forma da lei (art. 37, I). E a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a comple-
xidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II).

A regulamentação da regra constitucional do concurso público poderá ser feita pela legisla-
ção infraconstitucional. Muitos aspectos já foram tratados no texto da Lei 8.112/90, que dispõe
sobre o regime dos servidores públicos civis federais, existindo ainda outras leis específicas, inclusi-
ve em âmbito estadual e municipal. Mas essas normas infraconstitucionais servem apenas para
reforçar a regra geral da obrigatoriedade do concurso público, já prevista no art. 37, II, CF, que é
auto-aplicável. Vale dizer, mesmo que não houvesse lei dispondo sobre a matéria, o prévio concur-
so seria obrigatório.

Segundo previsto nos arts. 11 e 12, Lei 8.112/90, o concurso público poderá ser realizado em
duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicio-
nada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu
custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.

O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital,


que será publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação. Tal prazo
poderá ser de até 2 anos, prorrogável uma única vez por igual período. Ou seja, o edital poderá
fixar um prazo igual ou menor do que esse, de modo que eventual prorrogação poderá inclusive
superar os dois anos. Extrai-se dessa regra que, em havendo prorrogação, o prazo máximo de vali-
dade de um concurso será de 4 anos. Registre-se que esse prazo de validade é contado a partir da
data de homologação do concurso, que só ocorre após o anúncio dos aprovados.

232
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A norma legal diz ainda que não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato apro-
vado em concurso anterior com prazo de validade não expirado. Na verdade, a melhor interpreta-
ção é a de que pode até ser aberto um novo concurso, desde que os já aprovados no concurso an-
terior tenham prioridade em relação aos novos concursados, como se extrai do art. 37, IV, CF.

O art. 37, § 8º, CF, prevê que a lei reservará percentual de vagas para portadores de defici-
ência, definindo os critérios de sua admissão. Ou seja, certo número de vagas somente serão dispu-
tadas por deficientes. No âmbito federal, a Lei 8.112/90 e o Decreto 3.298/99 estabelecem percen-
tual mínimo de 5% e máximo de 20%, de modo que o edital do concurso fixará o percentual entre
esses dois limites. Se, considerado o número total de cargos disponíveis, a incidência do percentual
não resultar num número inteiro, considera-se o primeiro número inteiro subsequente, até o limite
máximo fixado. Isso não significa que todo e qualquer concurso deverá ter vagas para deficientes.
Primeiro há de ser verificado se o cargo objeto do concurso é compatível com a deficiência, con-
forme ressalva o art. 5º, §2º, Lei 8.112/90. Além disso, dependendo do número total de cargos
vagos, pode não ser possível fazer reserva para deficientes, pois se a aplicação do percentual resul-
tar em número inferior a 1, há ainda de se verificar se a reserva da vaga implica em percentual su-
perior ao máximo permitido (20%). Por exemplo, imagine-se um concurso com quatro vagas no
total. Ainda que se utilize o percentual máximo (20%) sobre 4, tem-se o número 0,8, de modo que
não se pode reservar sequer uma vaga para deficientes. Em situação semelhante o STF considerou,
num concurso em que havia tão somente duas vagas, ser descabida a reserva de uma delas para
deficientes, pois isso equivaleria a uma reserva de 50%, violando o princípio da isonomia. 375

Há outras peculiaridades que vieram sendo enfrentadas pela jurisprudência acerca do con-
curso público.

A Súmula 683, STF orienta que


Súmula 683. O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em
face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atri-
buições do cargo a ser preenchido.

Saliente-se que o edital do concurso somente pode estabelecer limite de idade para deter-
minado cargo se houver lei prevendo isso. Essa restrição não pode estar prevista apenas em atos
normativos da Administração, conforme também já decidido pelo STF. 376

Da mesma forma, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato
a cargo público” (Súmula 686, STF). E “é inconstitucional o veto não motivado à participação de
candidato a concurso público”, consoante reza a Súmula 684, STF. E conforme a Súmula 266, STJ,
“o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscri-
ção para o concurso público”.

Questão polêmica ainda diz respeito à situação jurídica do candidato aprovado em concurso
público, se ele teria direito à nomeação ou uma mera expectativa de direito. A Súmula 15, STF, há
muito considerava que o candidato aprovado somente teria direito à nomeação em caso de prete-
rição da ordem de classificação no concurso, ou seja, se outro candidato pior classificado fosse con-
vocado na sua frente. Fora daí, entendia-se haver apenas expectativa de direito. Essa orientação

375
MS 26.310/DF, DJ 31/20/2007.
376
AI-AgR 589.906/DF, DJ de 23/05/2008.

233
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

jurisprudencial, todavia, veio mudando ao longo do tempo, instaurando-se controvérsias sobre o


tema.

Ocorre que o próprio STF tem precedentes em sentido contrário, considerando que
“os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a
posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no pra-
377
zo de validade do concurso.”

A Corte, inclusive, reconheceu a existência de repercussão geral da discussão sobre a obriga-


ção de a Administração Pública nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas ofereci-
das no edital do concurso público. 378

No âmbito do STJ, o entendimento atual é no sentido de que a aprovação dentro do número


de vagas previsto no edital assegura direito subjetivo à nomeação. Anteriormente a jurisprudência
considerava que o candidato aprovado em concurso público apenas tinha uma expectativa de direi-
to a ser nomeado e tomar posse no cargo, ainda que tivesse sido classificado dentro do número de
vagas constantes do edital. A única hipótese de direito à nomeação somente era reconhecida em
caso de preenchimento do cargo sem observância da ordem de classificação (Súmula 15, STF). Fora
disso, a efetiva nomeação ficaria sempre ao crivo discricionário da Administração. 379 No entanto,
esse entendimento veio sendo modificado, tendo o STJ firmado posição no sentido de que “o can-
didato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem direito subjetivo a ser nomeado
no prazo de validade do concurso”. 380 De outro lado,
“os candidatos classificados em concurso público fora do número de vagas previstas no
edital possuem mera expectativa de direito à nomeação, apenas adquirindo esse direito
caso haja comprovação do surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do
381
concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-la.”

Há concursos em que se exige certa prática profissional. Nos concursos para a magistratura e
Ministério Público, por exemplo, a própria Constituição condiciona que haja três anos de atividade
jurídica.

Enquanto o concurso estiver no prazo de validade, eventual contratação temporária para o


desempenho de funções inerentes ao cargo efetivo faz nascer direito subjetivo para aqueles candi-
datos que haviam sido aprovados fora do número de vagas originariamente previsto no edital. Cite-
se o seguinte julgado:
“(...) 2. O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que os candidatos apro-
vados em posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital possuem
direito subjetivo a nomeação e posse dentro do período de validade do concurso, o que
não se constata in casu. Precedentes do STJ. 3. Já em relação aos candidatos aprovados
fora do número de vagas estabelecido originariamente no edital, os quais integram o
cadastro de reserva, o STJ entende não possuírem direito líquido e certo à nomeação,
mas mera expectativa de direito para o cargo a que concorreram. Precedentes do STJ. 4.
Entretanto, a mera expectativa se convola em direito líquido e certo a partir do momen-

377
RE 227.480/RJ, DJ 21/08/2009.
378
RE 598.099/MS, DJ 05/03/2010.
379
REsp 140616/RS, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13/10/1997.
380
AgRg no RMS 29680/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJ de 29/03/2012.
381
STJ, MS 17147/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 01/08/2012.

234
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

to em que, dentro do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de for-


ma precária, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preterição àque-
les que, aprovados em certame ainda válido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo
ou função. Precedentes do STJ. 5. Se, durante o prazo de validade do concurso público,
são abertas novas vagas, preenchidas por contratação temporária, é obrigatória a no-
382
meação dos candidatos aprovados.”

Somente é possível haver contratação sem concurso quando se tratar de cargo em comissão
ou, ainda, para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37,
IX, CF). Porém, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade, a indi-
cação para os cargos em comissão deve obedecer a critérios que evitem a ocorrência de nepotis-
mo. Saliente-se que essa proibição de nepotismo, não obstante já seja uma decorrência direta do
princípio da moralidade, é reforçada pelo Decreto 7.203/10 (aplicado à Administração Federal) e
pela Resolução 7/05 do CNJ (aplicada no âmbito do Poder Judiciário).

Sobre o tema, o STF editou a Súmula Vinculante 13, segundo a qual


Súmula Vinculante 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessora-
mento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gra-
tificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante de-
signações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Essa proibição estendida a “designações recíprocas” busca evitar o chamado nepotismo cru-
zado. Por outro lado, o STF ressalvou que a proibição referida na Súmula Vinculante 13 não se apli-
ca às nomeações para cargos de natureza política tais como os de Ministro de Estado e Secretário
de Governo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.

Outra norma constitucional relativa a todos os servidores públicos refere-se aos direitos de
sindicalização e de greve. É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical
(art. 37, VI), tratando-se de norma constitucional de eficácia plena. Já o direito de greve será exer-
cido nos termos e nos limites definidos em lei específica (art. 37, VII). Com vistas a esse dispositivo
constitucional, o STF veio inicialmente adotando o entendimento de que, por se tratar de norma de
eficácia limitada, o direito de greve no serviço público não poderia ser exercido pelo servidor en-
quanto não fosse editada uma lei específica o regulamentando. Passados mais de vinte anos desde
o advento da Constituição, até hoje não há lei regulamentando o direito de greve. Não obstante,
inúmeras greves de servidores já ocorreram e muitas certamente ainda irão ocorrer. A necessidade
de lei específica relaciona-se às peculiaridades do serviço público, haja vista o princípio da continui-
dade, além de obstáculos referentes à obtenção de vantagem pela via da negociação coletiva.

Nesse quadro de omissão legislativa, ao julgar mandado de injunção tratando da matéria383,


o STF modificou o seu entendimento anterior, passando a admitir que, enquanto não sobrevier lei
específica cuidando da greve no serviço público, a aplicabilidade do art. 37, VII, há de ser garantida
aplicando-se analogicamente a lei de greve da iniciativa privada (Lei 7.783/89).

382
STJ, EDcl no RMS 34138/MT, rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 25/10/2011.
383
MI 670/ESDJ de 31/10/2008.

235
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Outra disposição constitucional refere-se à proibição de acumulação remunerada, norma i-


gualmente aplicável aos servidores estatutários e empregados, alcançando inclusive os chamados
servidores governamentais das empresas estatais e até mesmo de outras empresas controladas
indiretamente pelo Estado. De fato, reza o art. 37, XVI que é vedada a acumulação remunerada de
cargos públicos, exceto, a de dois cargos de professor, a de um cargo de professor com outro técni-
co ou científico, ou, ainda, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com
profissões regulamentadas, desde que haja compatibilidade de horários. Em seguida, no art. 37,
XVII, CF, estabelece que esta proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange
autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e soci-
edades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

Saliente-se que, conforme se posicionou o STF, tal proibição de cumulação ocorre mesmo
que se trate de proventos de inatividade, alcançando, portanto, os servidores aposentados. Esse
entendimento do Pretório Excelso resultou no advento da EC 20/98, acrescentando o § 10 ao art.
37, tornando expressa a proibição de percepção simultânea de proventos de aposentadoria pública
com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na
forma da Constituição, resguardados os direitos dos aposentados que eventualmente já vinham
acumulando proventos com vencimentos de outro cargo efetivo.

A CF/88 fixa ainda em um teto salarial com base no subsídio mensal fixado para os Ministros
do STF (art. 37, XI), para os servidores públicos detentores de cargos, empregos, funções públicas e
agentes políticos membros de Poder. Esse teto salarial aplica-se a todos os agentes públicos, inclu-
sive os empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que
receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento
de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, §9º, CF). O teto alcança as percepções cu-
mulativas autorizadas na Carta Magna, “ou seja, os casos em que o agente acumula legalmente
cargos, funções ou empregos públicos, aplicando-se o limite à soma das retribuições” 384 (art. 37,
XVI, CF, que remete ao inciso XI). O valor do subsídio dos Ministros do STF (pagamento em parcela
única) é fixado por lei (art. 48, XV). Tal lei antes dependia da iniciativa conjunta dos Presidentes da
República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, o que dificilmente
viria a ocorrer. Todavia, a EC 41/03 alterou o dispositivo constitucional, de forma a não mais exigir
tal iniciativa conjunta. A iniciativa, então, passou a seguir a regra geral do art. 96, II, “b”, CF, ou seja,
cabendo ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa da lei de subsídios de seus ministros, o que já foi
feito.

Apesar de se sujeitarem ao regime trabalhista (CLT), os empregados das empresas estatais


estão sujeitos ao teto remuneratório estabelecido para a administração pública, sempre que tais
entidades receberem recursos da fazenda pública para custeio em geral ou gasto com pessoal (art.
37, §9º, CF). Não se aplica a regra do teto às empresas que não recebem tais recursos.

Outra regra constitucional aplicável aos servidores públicos em geral diz respeito às sanções
por improbidade administrativa. Segundo o art. 37, §4º, CF, os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível. E o §5º do mesmo artigo considera imprescritíveis as ações de ressarcimento contra os
agentes públicos que tenham praticado ato ilícito em prejuízo ao erário.

384
MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

236
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Por derradeiro, no tocante ao exame jurisdicional de litígios envolvendo a relação entre os


agentes públicos e o Estado, a competência judicial dependerá do tipo de regime a que estejam
submetidos. Se a lide decorrer de contrato de trabalho nos moldes da CLT (detentores de emprego
público, empregados governamentais e empregados temporários), a competência será da Justiça
do Trabalho, na forma do art. 114, CF. Já se o regime for o estatutário ou de contrato administrati-
vo (detentores de cargos efetivos, cargos em comissão ou cargos temporários), a competência será
da Justiça Comum, Estadual ou Federal a depender do caso. Justiça Federal se for servidor federal.
Justiça Estadual se for servidor estadual ou municipal.

 OS CONTRATADOS POR TEMPO DETERMINADO


Além dos servidores estatutários e dos servidores trabalhistas, a Administração Pública pode-
rá ainda contar com a atuação dos servidores contratados por tempo determinado (contratados
temporários) a que alude o art. 37, IX, CF, ao dispor que “a lei estabelecerá os casos de contratação
por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
São servidores que “exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público”. 385

Trata-se de modalidade de contratação excepcional, submetida a três pressupostos inafastá-


veis apontados por José dos Santos Carvalho Filho:
a) determinabilidade temporal da contratação, “ou seja, os contratos firmados com esses
servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos
regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da
relação de trabalho.” 386

b) temporariedade da função, isto é, “a necessidade desses serviços deve ser sempre


temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento a-
través dos demais regimes.” 387

c) excepcionalidade do interesse público, eis que “a Constituição deixou claro que situa-
ções administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Por-
tanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcio-
nalidade do próprio regime especial.” 388

No âmbito da União, a Lei 8.745/93 regulamenta a contratação de servidores temporários,


estabelecendo hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público, dentre as
quais as situações de calamidade pública, surtos endêmicos, atividades de recenseamentos a cargo
do IBGE, admissão de professor substituto, visitante ou estrangeiro, algumas atividades a cargo da
FUNAI do INPI, algumas atividades finalísticas no Hospital das Forças Armadas, atividade desenvol-
vidas no âmbito do SIVAM etc. Tal legislação veio sofrendo modificações em seu texto original,
passando a prever novas hipóteses de contratação temporária. Há autores que criticam algumas
das situações contempladas na lei, reputando-as de duvidosa constitucionalidade, pois se chega a
prever prorrogação do vínculo por até oito anos, o que não soa razoável em termos de necessidade
temporária de excepcional interesse público. Além disso, a lei prevê a realização de processo sele-

385
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
386
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
387
Idem.
388
Ib idem.

237
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tivo simplificado em alguns casos, o que também tem sido alvo de críticas pela doutrina, já que a
excepcionalidade do interesse público e a temporariedade da função seriam incompatíveis com a
realização de concurso.

A princípio, na ausência de legislação específica, o regime dos servidores temporários deve


seguir as normas referentes à legislação trabalhista geral (CLT e leis esparsas), até porque a mesma
contém regra específica que trata do contrato de trabalho por prazo determinado (art. 479, CLT).
Todavia, havendo lei específica, editada pelo respectivo ente federado, instituindo um regime es-
pecial para a contratação temporária no âmbito da sua administração, não será aplicada a legisla-
ção trabalhista, mesmo que seja questionada a validade da contratação.

Saliente-se que o STF firmou entendimento no sentido de que compete à justiça comum (fe-
deral ou estadual) processar e julgar causas envolvendo contratação temporária de servidor, ainda
que se discuta eventual desvirtuamento da contratação. Considerou-se que
“a Justiça do Trabalho não detém competência para processar e julgar causas que envol-
vam o Poder Público e servidores a ele vinculados, mesmo que por contrato temporário
com prazo excedido, por se tratar de relação jurídico-administrativa. Ainda que possa ter
ocorrido desvirtuamento da contratação temporária para o exercício de função pública,
389
não cabe à Justiça do Trabalho analisar a nulidade desse contrato.”

Em relação ao regime previdenciário, aplica-se aos contratados temporários o mesmo regime


geral dos trabalhadores da iniciativa privada (RGPS), tal como previsto nos arts. 40, § 13, e 201, CF.

 RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR
O servidor público sempre terá sua responsabilidade analisada de forma subjetiva, determi-
nando dolo ou culpa de seus atos. Assim, o servidor em atuação poderá responder não somente na
esfera administrativa mas, de acordo com os resultados de seu ato, responderá também nas esfe-
ras cível e criminal.

CF/88
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.

Lei 8.112/90
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular
de suas atribuições.

Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou cul-
poso, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

Art. 123. A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao


servidor, nessa qualidade.

389
Rcl. 7028 AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/09/2009.

238
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 124. A responsabilidade civil-administrativa resulta de ato omissivo ou comissivo


praticado no desempenho do cargo ou função.

Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo indepen-
dentes entre si.

Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absol-


vição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrati-
vamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvi-
mento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente
à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decor-
rência do exercício de cargo, emprego ou função pública.

No caso de ato que cause prejuízo ao erário, o servidor terá um prazo de 30 dias para ressar-
cir os cofres públicos, podendo em negociação parcelar a devolução, com valor da parcela no mí-
nimo de 10% do valor da remuneração, do provento ou da pensão do servidor. No caso de recebi-
mento de pagamento indevido, paga-se em uma única parcela. Se o servidor estiver em débito no
momento da demissão, terá um prazo de 60 dias para pagar a dívida. Caso não pague, entrará na
dívida ativa.

 DEVERES E PROIBIÇÕES DO SERVIDOR


Art. 116. São deveres do servidor:
I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
II - ser leal às instituições a que servir;
III - observar as normas legais e regulamentares;
IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
V - atender com presteza:
a) ao público em geral, prestando as informações requeridas, ressalvadas as protegidas
por sigilo;
b) à expedição de certidões requeridas para defesa de direito ou esclarecimento de situ-
ações de interesse pessoal;
c) às requisições para a defesa da Fazenda Pública.
VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da
autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conheci-
mento de outra autoridade competente para apuração;
VII - zelar pela economia do material e a conservação do patrimônio público;
VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;
IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;
X - ser assíduo e pontual ao serviço;
XI - tratar com urbanidade as pessoas;
XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Parágrafo único. A representação de que trata o inciso XII será encaminhada pela via hi-
erárquica e apreciada pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada, asse-
gurando-se ao representando ampla defesa.

Art. 117. Ao servidor é proibido:

239
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imedi-


ato;
II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou ob-
jeto da repartição;
III - recusar fé a documentos públicos;
IV - opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo ou execução
de serviço;
V - promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição;
VI - cometer a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, o desempe-
nho de atribuição que seja de sua responsabilidade ou de seu subordinado;
VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filiarem-se a associação profissional ou
sindical, ou a partido político;
VIII - manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, com-
panheiro ou parente até o segundo grau civil;
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dig-
nidade da função pública;
X - participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não
personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou coman-
ditário;
XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando
se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau,
e de cônjuge ou companheiro;
XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão
de suas atribuições;
XIII - aceitar comissão, emprego ou pensão de estado estrangeiro;
XIV - praticar usura sob qualquer de suas formas;
XV - proceder de forma desidiosa;
XVI - utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades parti-
culares;
XVII - cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em si-
tuações de emergência e transitórias;
XVIII - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo
ou função e com o horário de trabalho;
XIX - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais quando solicitado.
Parágrafo único. A vedação de que trata o inciso X do caput deste artigo não se aplica
nos seguintes casos:
I - participação nos conselhos de administração e fiscal de empresas ou entidades em
que a União detenha, direta ou indiretamente, participação no capital social ou em soci-
edade cooperativa constituída para prestar serviços a seus membros; e
II - gozo de licença para o trato de interesses particulares, na forma do art. 91 desta Lei,
observada a legislação sobre conflito de interesses.

Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:


I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria

240
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

 PENALIDADES
Art. 127. São penalidades disciplinares:
I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibili-
dade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.

Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição
constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previs-
to em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalida-
de mais grave.

Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com ad-
vertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a pe-
nalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
§ 1º Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que, injustificada-
mente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela autoridade
competente, cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a determinação.
§ 2º Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser
convertida em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia de vencimento ou
remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.

Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados,


após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o
servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.
Parágrafo único. O cancelamento da penalidade não surtirá efeitos retroativos.

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver prati-
cado, na atividade, falta punível com a demissão.

Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efeti-
vo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demis-
são.

Art. 137. A demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art.


117, incisos IX e XI, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público
federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos.

241
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for de-
mitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII,
X e XI.

 PRESCRIÇÃO DAS PENALIDADES


Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposen-
tadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1º O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2º Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares
capituladas também como crime.
§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a
prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em
que cessar a interrupção.

 COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES

Penalidade Competente
Presidente da República
Presidente das Casas Legislativas
Demissão
Presidente dos Tribunais Federais
Procurador Geral da República
Suspensão mais de 30 dias Autoridades inferiores das acima
Chefe da repartição e outras, na
Suspensão até 30 dias forma do regulamento ou regimen-
to
Chefe da repartição e outras, na
forma do regulamento ou regimen-
Destituição de cargo to
Autoridade que realizou a nomea-
ção

 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR GENÉRICO


Divide-se em:
a) Sindicância: Aplica-se em situações de advertência ou suspensão de até 30 dias. Prazo:
30 + 30. Pode resultar arquivamento, indicação de aplicação da pena e instauração do
PAD.

242
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) Processo Administrativo Disciplinar: Aplica-se em situações de suspensão por mais de


30 dias ou demissão. Prazo: 60 + 60.

c) Processo Sumário: Casos de demissão por abandono de cargo, inassiduidade habitual e


acumulação ilegal. Prazo: 30 + 15.

Súmula 591, STJ. Permitida a “prova emprestada” no processo administrativo discipli-


nar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contradi-
tório e a ampla defesa.

Súmula 592, STJ. O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disci-
plinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

 FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


- Instauração: Estabelecimento do processo.
- Inquérito: Instrução, Defesa e Relatório.
- Julgamento: Decisão Final.

ATO ADMINISTRATIVO

 CONCEITO
Diogo de Figueiredo conceitua o ato administrativo stricto sensu como sendo
“a manifestação unilateral de vontade da administração pública, que tem por ob-
jeto constituir, declarar, confirmar, alterar ou desconstituir uma relação jurídica,
390
entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes”.

Na mesma linha o conceito formulado por Celso Antônio:


“declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifes-
tada mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmen-
te, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título
de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicio-
391
nal”.

Da análise desses conceitos doutrinários, percebe-se que no ato administrativo somente a


Administração Pública se manifesta, dirigindo imperativamente a sua atuação ao administrado,

390
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
391
MELLO, Curso..., cit.

243
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

independente da anuência deste. Distingue-se, então, dos contratos firmados entre a Administra-
ção e o administrado, que são atos convencionais bilaterais.

Os efeitos do ato administrativo são os expressamen-


te fixados na lei ou, caso não haja previsão expressa, aque-
les que a lei implicitamente autorize a fixação discricionária
pela Administração Pública, sempre com vistas ao interesse
público. São exemplos de atos administrativos a concessão
de uma licença de pesca, a nomeação de um servidor públi-
co, um alvará de construção, um auto de infração de trânsi-
to, um parecer administrativo etc.

 ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS


Antes de citarmos as espécies de atos administrativos, cumpre-nos destacar a advertência
feita por Celso Antônio no sentido de que “a terminologia com que os atos administrativos são
rotulados é muito incerta, inexistindo concordância total entre os autores com respeito à identifi-
cação exata do ato tal ou qual debaixo de uma designação uniforme. O mesmo se passa na legisla-
ção, que, frequentemente, utiliza acriticamente as expressões mencionadas, sem distinguir ou sele-
cionar com rigor uma dada designação constante para uma determinada espécie de ato”.392

Não obstante essa imprecisão terminológica, vamos aqui indicar as principais designações,
tal como empregadas por ilustres doutrinadores brasileiros, os quais analisam as espécies de atos
administrativos segundo o conteúdo (substância do ato) ou a forma (instrumento do ato).

1. EM FUNÇÃO DO CONTEÚDO
 Autorização: é “o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Adminis-
tração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade
material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos”. 393
Cite-se, v.g., as autorizações para exploração de jazida mineral e para porte de arma (apesar
de a lei de contravenções penais tratar como licença).

 Licença: “é ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele
que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. A diferença entre licença e
autorização, acentua Cretella Júnior, é nítida, porque o segundo desses institutos envolve in-
teresse ‘caracterizando-se como ato discricionário, ao passo que a licença envolve direitos,
caracterizando-se como ato vinculado”.394 São exemplos as licenças para dirigir veículos, de
importação, de edificação etc.

 Admissão: “é ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração reconhece ao particular,


que preencha os requisitos legais, o direito à prestação de um serviço público. É ato vincula-
do, tendo em vista que os requisitos para outorga da prestação administrativa são previa-
mente definidos, de modo que todos os que os satisfaçam tenham direito de obter o benefí-

392
MELLO, Curso..., cit.
393
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
394
Idem.

244
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

cio. São exemplos a admissão nas escolas públicas, nos hospitais, nos estabelecimentos de
assistência social”.395

 Permissão: “em sentido amplo, designa o ato administrativo unilateral, discricionário e pre-
cário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução
de serviço público ou a utilização privativa de bem público. O seu objeto é a execução de ser-
viço público ou a utilização privativa de bem público por particular. Daí a sua dupla acepção:
permissão de serviço público e permissão de uso”.396 Há divergência doutrinária sobre o ca-
ráter discricionário da permissão de serviço público, pois o art.175 da Carta Magna de 1988
passou a exigir que, em regra, fosse precedida de licitação.

 Registros: “são atos vinculados que expressam, por meio de assentamentos públicos, o reco-
nhecimento administrativo da satisfação de requisitos legalmente estabelecidos para a práti-
ca de atos da vida privada, por parte do administrado que os requer. Como característica de
atos vinculados, os registros apresentam múltipla utilização, como, por exemplo, para o e-
xercício de trabalho, ofício e profissão, para a utilização ou manuseio de veículos, equipa-
mentos ou substâncias, para a comercialização de certos produtos e muitas outras”.397

 Aprovação: “é ato unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta a prática


de ato jurídico ou manifesta sua concordância com ato jurídico já praticado, a fim de lhe dar
eficácia. De conseguinte, admite, conforme exposto, dupla modalidade, a saber: aprovação
prévia, quando aprecia a conveniência e oportunidade relativas a ato ainda não editado, libe-
rando sua prática; aprovação a posteriori, quando manifesta concordância discricionária com
ato praticado e dela dependente a fim de se tornar eficaz. A aprovação prévia é menos co-
mum”.398 Cite-se, por exemplo, a aprovação prévia do Senado Federal para a escolha de mi-
nistros, chefes diplomatas, estado de defesa, intervenção federal etc (CF, arts.49 e 52). “Em
todos esses casos, a aprovação constitui, quanto ao conteúdo, típico ato administrativo (de
controle), embora formalmente integra os atos legislativos (resoluções ou decretos-
legislativos) previstos no artigo 59, VI e VII, da Constituição”.399

 Dispensa: “é o ato administrativo vinculado que consiste em exonerar alguém de dever legal,
caso se encontrem presentes determinados requisitos. Damos como exemplo a dispensa da
prestação de serviço militar obrigatório, quando presentes os pressupostos legais”.400

 Homologação: “é ato vinculado pelo qual a Administração concorda com ato jurídico já prati-
cado, uma vez verificada a consonância dele com os requisitos legais condicionadores de sua
válida emissão. Percebe-se que se diferencia da aprovação a posteriori em que a aprovação
envolve apreciação discricionária ao passo que a homologação é plenamente vinculada”. Ci-
te-se, v.g., a homologação do procedimento licitatório (Lei 8.666/93, art.43, VI).

395
Ib. idem.
396
Ib idem.
397
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
398
MELLO, Curso..., cit.
399
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
400
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

245
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 Parecer: “é ato pelo qual os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre as-
suntos técnicos ou jurídicos de sua competência. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mel-
lo, o parecer pode ser facultativo, obrigatório e vinculante. O parecer é facultativo quando fi-
ca a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o so-
licitou. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato
final. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter
vinculante). O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar
a sua conclusão”.401

 Visto: “é ato administrativo unilateral pela qual a autoridade competente atesta a legitimi-
dade formal de outro ato jurídico. Não significa concordância com o seu conteúdo, razão pela
qual é incluído entre os atos de conhecimento, que são meros atos administrativos e não a-
tos administrativos propriamente ditos, porque não encerram manifestações de vontade. E-
xemplo de visto é o exigido para encaminhamento de requerimentos de servidores subordi-
nados a autoridade de superior instância; a lei normalmente impõe o visto do chefe imedia-
to, para fins de conhecimento e controle formal, não equivalendo à concordância ou deferi-
mento de seu conteúdo”.402

 Concessão: “é designação genérica de fórmula pela qual são expedidos atos ampliativos da
esfera jurídica de alguém. Daí a existência de subespécies. Por isso, fala-se em concessão de
cidadania, de comenda, de prêmio, de exploração de jazida, de construção de obra pública,
de prestação de serviço público etc. É manifestamente inconveniente reunir sob tal nome tão
variada gama de atos profundamente distintos quanto à estrutura e regime jurídicos. Assim,
verbi gratia, a concessão de serviço público e a de obra pública são atos bilaterais; já, as de
prêmio ou de cidadania são unilaterais”.403

 Certidões: “são atos que reproduzem registros das repartições, contendo uma afirmação
quanto à existência e ao conteúdo de atos administrativos praticados”.404

 Atestados: “são atos que reproduzem assentamentos de ocorrências constantes de proces-


sos ou arquivos públicos, contendo uma afirmação oficial quanto à existência e ao conteúdo
de fatos ocorridos”.405

 Autos de Infração: “são atos que reproduzem os fatos e as circunstâncias que caracterizam
transgressões administrativas, produzindo, contemporaneamente aos fatos, uma afirmação
oficial de sua realidade e veracidade”.406

2. EM FUNÇÃO DA FORMA
 Decreto: “é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do
Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito). Ele pode conter, da mes-

401
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
402
Idem.
403
MELLO, Curso..., cit.
404
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
405
Idem.
406
Ib idem.

246
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ma forma que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encon-
tram na mesma situação (decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas de-
terminadas. Nesse caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual); é o ca-
so de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão. Quando produz efeitos ge-
rais, ele pode ser: regulamentar ou de execução, quando expedido com base no art.84, IV, da
Constituição, para fiel execução da lei; independente ou autônomo, quando disciplina maté-
ria não regulada em lei”.407 Saliente-se que “o decreto só pode ser considerado ato adminis-
trativo propriamente dito quando tem efeito concreto. O decreto geral é ato normativo, se-
melhante, quanto ao conteúdo e quanto aos efeitos, à lei”.408 O tema dos decretos será ainda
estudado quando tratarmos do poder regulamentar da Administração.

 Portaria: “é fórmula pela qual autoridades de nível inferior ao de Chefe do Executivo, sejam
de qualquer escalão de comandos que forem, dirigem-se a seus subordinados, transmitindo
decisões de efeito interno, quer com relação ao andamento das atividades que lhes são afe-
tas, quer com relação à vida funcional de servidores, ou, até mesmo, por via delas, abrem-se
inquéritos, sindicâncias, processos administrativos. Como se vê, trata-se de ato formal de
conteúdo muito fluido e amplo”.409 Qualificam-se as portarias como “atos de competência de
presidências, superintendências e chefias de hierarquia intermédia”.410
411
 Resolução: “é fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos órgãos colegiais”. Tais
deliberações “são atos de competência de Secretários de Estado e de Municípios assim como
de corpos colegiados, que eventualmente podem conter uma decisão concreta, embora a
denominação devesse ser reservada para a expressão da normatividade intermédia”.412 Co-
mo se observa, nem sempre são coincidentes os conceitos oferecidos pela doutrina para ca-
da espécie formal de ato administrativo. Pode-se, todavia, afirmar que a regra de competên-
cia serve como parâmetro de distinção. Assim, os decretos são de competência do Chefe do
Executivo, enquanto as resoluções e portarias “são formas de que se revestem os atos, gerais
ou individuais, emanados de autoridades outras que não o Chefe do Executivo”.413

 Instrução: “é fórmula de expedição de normas gerais de orientação interna das repartições,


emanadas de seus chefes, a fim de prescreverem o modo pelo qual seus subordinados deve-
rão dar andamento aos seus serviços”.414 As instruções “são atos que contêm uma orientação
paradigmática para a atuação de chefias e de subordinados hierárquicos, no desempenho de
suas respectivas atribuições”.415

 Circular: “é o instrumento de que se valem as autoridades para transmitir ordens internas


uniformes a seus subordinados”.416 “Não veicula regras de caráter abstrato como as instru-

407
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
408
Idem.
409
MELLO, Curso..., cit.
410
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
411
MELLO, Curso..., cit.
412
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
413
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
414
MELLO, Curso..., cit.
415
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
416
Idem.

247
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ções, mas concreto, ainda que geral, por abranger uma categoria de subalternos encarrega-
dos de determinadas atividades”.417 “São ordens uniformes visando a regular os mesmos que
as instruções, caracterizadas apenas pelo mais restrito âmbito de abrangência, circunscrito a
entes, órgãos ou agentes determinados”.418

 Despacho: “é o ato administrativo que contém decisão das autoridades administrativas sobre
assunto de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Quando, por meio de
despacho, é aprovado parecer proferido por órgão técnico sobre assunto de interesse geral,
ele é chamado despacho normativo, porque se tornará obrigatório para toda a Administra-
ção. Na realidade, esse despacho não cria direito novo, mas apenas estende a todos os que
estão na mesma situação a solução adotada para determinado caso concreto, diante do Di-
reito Positivo”.419 Despachos, portanto, “são atos de encaminhamento ou de decisão, prati-
cados em procedimentos administrativos”.420

 Alvará: “é o instrumento pelo qual a Administração Pública confere licença ou autorização


para a prática de ato ou exercício de atividade sujeitos ao poder de polícia do Estado. Mais
resumidamente, o alvará é o instrumento da licença ou da autorização. Ele é a forma, o re-
vestimento exterior do ato; a licença e a autorização são o conteúdo do ato”.421

 Aviso: “é fórmula que foi utilizada ao tempo do Império pelos Ministros de Estado para pres-
crever orientações dos órgãos subordinados, tendo nesse caso o mesmo caráter das instru-
ções atuais, ou ainda como instrumento de comunicação a autoridade de alto escalão. Hoje
tem utilização restrita. Praticamente, é usado quase que só nos Ministérios militares”.422

 Ordem de serviço: “é fórmula usada para transmitir determinação aos subordinados quanto
à maneira de conduzir determinado serviço. Ao invés desta fórmula, as ordens por vezes são
veiculadas por via de circular”.423 “São determinações especiais, muito usadas por segmentos
burocráticos inferiores, dispondo formalmente, em geral, sobre serviços internos de reparti-
ções”.424

 Ofício: “é a fórmula pela qual os agentes administrativos se comunicam formalmente. São,


por assim dizer, as ‘cartas’ oficiais. Por meio delas expedem-se convites, agradecimentos e
encaminham-se papéis, documentos e informações em geral”.425

 ELEMENTOS E REQUISITOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS


No campo do Direito Civil, costuma-se apontar três elementos para o ato jurídico em geral,
quais sejam o agente capaz, a forma prescrita ou não defesa em lei e o objeto lícito. Já na seara do
Direito Administrativo, considerando-se as peculiaridades do regime jurídico público, devem ser

417
MELLO, Curso..., cit.
418
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
419
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
420
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
421
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
422
MELLO, Curso..., cit.
423
Idem.
424
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
425
MELO, Curso..., cit.

248
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ainda acrescidos dois aspectos necessários à constituição dos atos administrativo: a finalidade (in-
teresse público perseguido pela Administração) e o motivo (causa de agir da Administração).

Assim, na linha de pensamento sistematizada por Hely Lopes, com base no próprio direito
positivo brasileiro (art.2o da Lei 4.717/65 – Lei de Ação Popular), a doutrina enumera cinco elemen-
tos constitutivos do ato administrativo, também chamados de requisitos do ato administrativo,
quais sejam competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Vejamos cada um deles:
1. Competência: é o “plexo de atribuições outorgadas pela lei ao agente administrativo para
consecução do interesse público postulado pela norma”.426 Fazendo um paralelo com o Direito Civil,
a idéia de agente capaz no ato administrativo está relacionada à competência do agente e à função
pública por ele desempenhada. Como bem assinala Diogo de Figueiredo, “para o ato jurídico exige-
se apenas a capacidade do agente, mas para a prática do ato administrativo, a noção de capacidade
não tem relevância, pois o que importa é saber se a manifestação de vontade de Administração
partiu do ente, órgão ou agente a quem a lei cometeu a função de exprimi-la e de vinculá-la juridi-
camente”.427 Importante destacar que toda competência decorre da lei (princípio da reserva legal
da competência), eis que nenhum agente administrativo exerce poder por direito subjetivo próprio,
mas sim porque a lei lhe reservou tal poder com vistas ao interesse público. Por decorrer de lei, a
competência não pode ser transferida por vontade do agente, salvo nos casos em que a própria lei
admita ou, ainda, nos casos em que, por razões de disposição funcional hierárquica dos agentes
administrativos, haja previsão implícita de delegação ou avocação de poderes (desde que não se
trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei428).

2. Finalidade: é o pressuposto teleológico vinculado do ato administrativo, isto é, relaciona-


se com o bem jurídico por ele perseguido sempre com vistas ao interesse público. Em sentido am-
plo, "a finalidade sempre corresponde à consecução de um resultado de interesse público; nesse
sentido, se diz que o ato administrativo tem que sempre finalidade pública; em sentido restrito,
finalidade é o resultado específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sen-
tido, se diz que a finalidade do ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou implicita-
mente da lei”429. É a obediência à finalidade específica de interesse público que caracteriza um ato
administrativo como legítimo e a sua inobservância faz configurar o desvio de poder.

3. Forma: constitui um elemento de exteriorização material do ato administrativo, “através


da qual a vontade manifestada se expressa, permanece e se comprova no mundo jurídico”.430 É,
portanto, a maneira específica como cada ato administrativo deve ser externado. Sabe-se que no
âmbito do Direito Civil a regra é a liberdade de forma. No regime jurídico-administrativo, ao contrá-
rio, a regra é a formalidade, pelo que o ato deve em regra ser escrito ou, ao menos, registrado.
“Normalmente, a formalização do ato administrativo é escrita, por razões de segurança e certezas
jurídicas. Entretanto, há atos expressos por via oral (por exemplo, ordens verbais para assuntos
rotineiros) ou por gestos (ordens de um guarda sinalizando o trânsito), o que, todavia, é exceção,
ou, até mesmo, por sinais convencionais, como é o caso dos sinais semafóricos de trânsito”.431 Em
suma, cada tipo de ato administrativo demandará a obediência a determinadas formalidades, a
depender do grau de vinculação legal. Assim, ao lado de atos que dispensam maiores formalidades,
há outros que, para sua validade, exigem estrita observância ao procedimento de formação previs-

426
FIGUEIREDO, Curso..., cit.
427
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
428
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
429
Idem.
430
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
431
MELLO, Curso..., cit.

249
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

to em lei. Cite-se, por exemplo, as modalidades de licitação pública previstas expressamente na Lei
de Licitações (Lei 8.666/93). E de acordo com o grau de vinculação legal, a formalidade poderá ser
essencial (necessária à validade do ato administrativo) ou acidental (mera irregularidade sanável,
que não invalida o ato).

4. Motivo: é a causa de agir da Administração ao praticar o ato, vale dizer, “o pressuposto de


fato e de direito que determina ou possibilita a edição do ato administrativo”.432 No campo do Di-
reito Civil pouco importa o motivo. Por exemplo, se alguém deseja comprar um automóvel, pouco
importa se o mesmo se destina para o seu lazer, para o trabalho, para dar de presente a outrem,
para deixar parado na garagem etc. Já na esfera do Direito Administrativo, o motivo constitui ele-
mento essencial do ato, pois o agente público não age por vontade própria, mas sim de acordo com
a lei e visando o interesse público. A lei pode prever expressamente o fato que ensejará a atuação
do Poder Público (motivo legal), ou, ainda, deixar certa margem de liberdade para a atuação da
Administração (motivo discricionário). Assim, por exemplo, “no ato de punição do funcionário, o
motivo é a infração que ele praticou; no tombamento, é o valor cultural do bem; na licença para
construir, é o conjunto de requisitos comprovados pelo proprietário; na exoneração do funcionário
estável, é o pedido por ele formulado”.433

5. Objeto: é o resultado por ele visado, aquilo que ele determina, o seu efeito jurídico, que
será sempre a constituição, declaração, confirmação, alteração ou desconstituição de uma relação
jurídica. Em suma, “o objeto do ato administrativo é a alteração jurídica que se pretende introduzir
relativamente às situações e relações sujeitas à ação administrativa do Estado”.434 O objeto é tam-
bém chamado de conteúdo do ato administrativo, apesar de alguns autores diferenciarem estas
duas expressões. “É o caso de Régis Fernandes de Oliveira que, baseando-se na lição de Zanobini,
diz que o objeto é a coisa, a atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre a qual vai recair o
conteúdo do ato. Dá como exemplo a demissão do servidor público, em que o objeto é a relação
funcional do servidor com a Administração e sobre a qual recai o conteúdo do ato, ou seja, a de-
missão. Na desapropriação, o conteúdo do ato é a própria desapropriação e o objeto é o imóvel
sobre o qual recai”.435

Cumpre registrar que esta enumeração dos cinco elementos do ato administrativo encontra,
adotada a partir de lições de Hely Lopes, encontra divergências entre alguns doutrinadores brasilei-
ros, haja vista a ausência de sistematização legal. Para Celso Antônio, por exemplo, os elementos do
ato seriam apenas o conteúdo e a forma, enquanto aspectos intrínsecos, havendo, ao lado disso, o
que ele chama de pressupostos de existência (objeto e pertinência à função administrativa) e pres-
supostos de validade (sujeito, motivo, requisitos procedimentais, finalidade, causa e formaliza-
ção).436

Outrossim, convém não confundir o elemento motivo com a motivação do ato administrati-
vo. Revelando-se como a enunciação do motivo que levou a Administração a agir, a motivação diz
respeito às formalidades do ato, integrando, portanto, o elemento forma acima estudado. Conso-
ante aponta Ricardo Marcondes, “dentre as exigências concernentes à forma, por força de sua im-
portância, uma merece exame autônomo: a motivação. Eis o primeiro passo para sua compreen-

432
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
433
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
434
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
435
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
436
MELLO, Curso..., cit.

250
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

são: ela é uma das exigências impostas pelo sistema jurídico à forma do ato administrativo, diz res-
peito ao pressuposto formalístico de regularidade”.437

Existe certa controvérsia na doutrina sobre a necessidade ou não de motivação de todos os


atos administrativos, conforme sejam eles vinculados ou discricionários. Celso Antônio defende a
exigência de motivação como uma regra geral dos atos administrativos, mas reconhece que exis-
tem pelo menos três correntes sobre o tema: “alguns – perfilhando a tese mais retrógrada – consi-
deram obrigatória a motivação apenas quando a lei a imponha; outros, inversamente, entendem
que a motivação é sempre obrigatória; finalmente, outros, fazem-na depender da natureza do ato,
que a lei haja exigido explicitamente sua enunciação, quer haja silenciado. Parece-nos que a exi-
gência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos
anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral”.438 Com efeito, ao menos no direito brasileiro, a
exigência de motivação tornou-se lugar comum na administração pública, conforme extensamente
disposto no art. 50 da Lei 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal), havendo pouquíssima
margem para a edição de atos administrativos sem motivação.

A motivação assume ainda grande importância para a validade do ato, segundo a teoria dos
motivos determinantes, “em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indi-
cados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade.
Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija motivação,
ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. Tomando-se como exemplo a exoneração ad
nutum, para a qual a lei não define o motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o
fez por falta de verba e depois nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por
vício quanto ao motivo”.439

 VÍCIOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS


Praticado um ato administrativo, é natural que este passe a produzir os seus efeitos. Em al-
guns casos, tais efeitos se esgotam no momento da prática (atos instantâneos) ou logo em seguida.
Noutros, os efeitos permanecerão sendo produzidos no futuro, por prazo certo ou incerto a depen-
der do caso. Seja qual for a situação, cumpridos em definitivo os efeitos do ato, tem-se a sua extin-
ção natural. Extinção natural haverá também quando desaparecer o sujeito ou o objeto do ato.

Não obstante, há situações em que a extinção do ato administrativo ocorre de modo anôma-
lo, isto é, fora das hipóteses naturais em que normalmente ocorreria. Nestes casos, tem-se o desfa-
zimento do ato administrativo, que Celso Antônio chama de retirada, “quando o Poder Público
emite um ato concreto com efeito extintivo sobre o anterior”.440 Destarte, o desfazimento ou reti-
rada de um ato administrativo pode ocorrer basicamente em duas situações: defeito de legalidade
ou reapreciação de mérito. Os vícios do ato administrativo estão relacionado à primeira delas, de-
mandando um análise da patologia do ato, ou seja, a identificação da "doença" que contamina
algum de seus elementos constitutivos. O desfazimento por defeito de legalidade ocorre quando
detectado vício insanável em algum dos elementos constitutivos do ato administrativo, o que im-
põe deva ser o ato invalidado (ou anulado), seja pela própria Administração, seja pelo Poder Judici-
ário. Dentre os mecanismos de provocação do Poder Judiciário visando a invalidação (anulação) de

437
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros.
438
MELLO, Curso..., cit.
439
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
440
MELLO, Curso..., cit.

251
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

atos administrativos, o nosso ordenamento constitucional prevê a ação popular (CF, art.5º, LXXIII),
regulamentada pela Lei 4.717/65, cujo art. 2º dispõe serem nulos os atos lesivos ao patrimônio
público nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência
dos motivos; e) desvio de finalidade.

Confira-se, a respeito, o teor da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal: “A administração


pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não
se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os
direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Vê-se que a Súmula
emprega indistintamente o termo “anular” para todos os casos de invalidade por vício de legalida-
de dos atos administrativos. Vejamos quais são:

• Por defeito de competência: Dispõe o art. 2º, p. único, a, da Lei 4.717/65 que “a incompe-
tência fica caracterizada quanto o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o prati-
cou”. Interpretando sob um enfoque mais amplo o texto legal, Diogo de Figueiredo assinala que o
defeito de competência no ato administrativo pode se dar por três formas: usurpação, abuso ou
invasão. Usurpação de competência “se dá quando alguém, sem título algum, regular ou irregular,
desempenha uma função pública”. Abuso de competência “é a exorbitância do ente, do órgão ou
do agente que exerce funções além do âmbito de atribuições que lhe é adstrito por lei, sem que,
contudo, sua ação invada as atribuições de outro órgão ou agente”. Invasão de competência é tam-
bém um abuso de competência, “só que qualificado pela atuação invasora do campo de atribuições
legais de outro ente, órgão ou agente administrativo”.441 Chama a atenção para a hipótese do ser-
vidor de fato, “que é o que exerce uma função pública sem investidura ou nela defeituosamente
investido, mas guardando da aparência de legalidade”.442 Nesse caso, a aparente competência do
agente, aliada à boa fé do administrado, pode recomendar a manutenção dos efeitos do ato admi-
nistrativo, em respeito ao princípio da segurança jurídica, razão pela qual "ao contrário do ato pra-
ticado por usurpador de função, que a maioria dos autores considera como inexistente, o ato prati-
cado por funcionário de fato é considerado válido, precisamente pela aparência de legalidade de
que se reveste; cuida-se de proteger a boa-fé do administrado”.443 Seja como for, incidem as regras
do direito civil relativas à incapacidade física (loucura, delírio, embriaguez completa), o mesmo
ocorrendo com os vícios de consentimento (coação moral ou física, erro de fato), observadas, con-
tudo, as peculiaridades do caso concreto segundo os princípios do direito administrativo. Por isso,
como destaca Celso Antônio, a doutrina reconhece como válidos os atos totalmente vinculados
produzidos por funcionário em estado de loucura, sempre que a decisão tomada haja sido aquela
mesma que a lei antecipadamente impunha como a única admissível.444

• Por defeito de finalidade: O desvio de finalidade, segundo o nosso direito positivo, “se veri-
fica quanto o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamen-
te, na regra de competência” (Lei 4.717/65, art. 2º, p. único, e). Todo e qualquer ato administrativo,
seja vinculado ou discricionário, deve ter por finalidade o interesse público. Esta deve ser a inten-
ção legal do ato, sendo que “o defeito de legalidade que incide sobre este elemento é a traição
daquela intenção legal, que se dá quando o agente desvia sua competência, ou seja, o poder-dever
de agir de que está investido, para prosseguir outro interesse que não o público, visando a uma
finalidade diferente daquela que, estando ínsita na regra de competência, deveria ser, necessaria-
mente, a única determinante de sua ação. O defeito de finalidade poderá ocorrer, ainda, sempre
441
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
442
Idem.
443
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
444
MELLO, Curso..., cit.

252
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

que o agente, ao praticar um ato administrativo discricionário, não observe os limites do exercício
da discricionariedade. Esses limites vinculam a Administração de modo a manter sua atividade dis-
cricionária não só orientada como balizada pela satisfação do interesse público definido em lei, pois
a inobservância desses lindes não é um problema de incorreta avaliação do mérito, mas de violação
indireta da lei e, portanto, um defeito de finalidade a ser corrigido”.445 A liberdade da Administra-
ção no exame da conveniência e da oportunidade (mérito administrativo) não é absoluta, pois o ato
sempre carregará consigo um elemento vinculado, que é a realização do interesse público. Por isso
a doutrina costuma apontar não haver discricionariedade quanto à finalidade.446

• Por defeito de forma: Segundo o art.2º, p. único, b, da Lei 4.717/65, “o vício de forma con-
siste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à exis-
tência ou seriedade do ato”. Deve-se atentar, contudo, em cada caso, se a forma é ou não essencial
à constituição do ato administrativo. Seabra Fagundes entende que podem ocorrer duas situações:
1) preterição de forma expressamente prevista na lei; 2) preterição de forma necessária ao alcance
da finalidade.447 Como esclarece Maria Sylvia, “o ato é ilegal, por vício de forma, quando a lei ex-
pressamente exige ou quando determinada finalidade só possa ser alcançada por determinada
forma. Exemplo: o decreto é a forma que deve revestir o ato do Chefe do Poder Executivo; o edital
é a única forma possível para convocar os interessados em participar de concorrência”.448

• Por defeito de motivo: Na legislação brasileira, “a inexistência dos motivos se verifica


quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente
ou juridicamente inadequada ao resultado obtido” (art. 2º, p. único, d, da Lei 4717/65). Analisa-se
se o defeito decorre de desvio do motivo previsto na lei (motivo vinculado) ou se por manifesta
inoportunidade ou inconveniência (motivo discricionário), sendo que as duas situações conduzem à
invalidade do ato. Como ensina Diogo de Figueiredo, “o motivo vinculado será razão necessária
para agir, embora possa não ser suficiente. Qualquer outro motivo, que não o vinculado, acarreta a
nulidade do ato, inclusive o insuficiente, o inadequado e, com maior razão, o falso. Por outro lado,
se a lei abre à Administração a avaliação da oportunidade e da conveniência de agir, tem-se o moti-
vo discricionário. O motivo discricionário é apenas uma razão para agir, nem necessária e, muitos
menos, suficiente, mas deve ser sempre razoável para justificar a ação administrativa, relativamen-
te aos objetos pretendidos. Neste sentido, também anulará o ato, embora discricionário quanto aos
motivos, uma evidente inoportunidade ou uma manifesta inconveniência, das quais possam resultar
graves danos ao interesse público. Da mesma forma, embora discricionários, os motivos não pode-
rão ser falsos, insuficientes ou inadequados. Uma vez comprovados esses vícios, o ato administrati-
vo também deverá ser declarado nulo”.449

• Por defeito de objeto: “A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa
em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo” (art. 2º, p. único, d, da Lei 4.717/65). Sali-
entando que o objeto deve ser lícito, possível, moral e determinado, a doutrina enumera as hipóte-
ses em que o ato administrativo será nulo por vício relativo ao objeto: “1. proibido por lei; por e-
xemplo: um Município que desaproprie bem imóvel da União; 2. diverso do previsto na lei para o
caso o qual incide; por exemplo: a autoridade aplica a pena de suspensão, quando cabível a de re-
preensão; 3. impossível, porque os efeitos pretendidos são irrealizáveis, de fato ou de direito; por
exemplo: a nomeação para um cargo inexistente; 4. imoral; por exemplo: parecer emitido sob en-

445
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
446
FAGUNDES, O controle..., cit.
447
Idem.
448
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
449
MOREIRA NETO, Curso..., cit.

253
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

comenda, apesar de contrário ao entendimento de quem o profere; 5. incerto em relação aos des-
tinatários, às coisas, ao tempo, ao lugar; por exemplo: desapropriação de bem não definido com
precisão”.450

Cumpre salientar que a ocorrência de vícios nos elementos dos atos administrativos nem
sempre é de fácil constatação, mormente quando se tratarem de atos com baixo grau de vincula-
ção e, consequentemente, com elevado grau de discricionariedade. Isso levou a doutrina a elaborar
uma série de teorias com a finalidade de facilitar a detecção de irregularidades. Vejamos as princi-
pais elaborações a respeito do tema:

1. Teoria do desvio de poder (ou de finalidade): Construída pela jurisprudência do Conselho


de Estado francês, a partir do célebre arrêt Lesbats, de 1864, considerando-se haver desvio de po-
der (“détournement de pouvoir”) quando uma autoridade administrativa cumpre um ato de sua
competência, mas, em vista de fim diverso daquele para o qual o ato poderia legalmente ser cum-
prido.

2. Teoria dos motivos determinantes: Também construída a partir das decisões do Conselho
de Estado e sistematizada por Gaston Jèze. Celso Antônio diz que a invocação de motivos falsos,
inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido,
antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato, bem como se o agente enunciar os
motivos em que se calcou ainda quando não esteja obrigado a enunciá-los.451

3. Teoria do excesso de poder: A doutrina do excesso de poder (excés de pouvoir) é conside-


rada a principal contribuição do Conselho de Estado francês e da qual vieram sendo extraídos prin-
cípios norteadores que passaram a orientar prescritivamente a conduta da Administração nos casos
subsequentes, uma obra que Hauriou qualificou de maravilha da arqueologia jurídica452. Ocorre
excesso de poder quando a autoridade desborda da sua área de competência, agindo fora do seu
campo de atribuições. Diferencia-se do desvio de poder, porque nesse a autoridade age dentro da
sua competência, mas para finalidade diversa da prevista na lei.

4. Teoria da exigência de motivação: Ultrapassando a velha exigência da teoria dos motivos


determinantes, Juarez Freitas453 defende que, no atual contexto, a fundamentação precisa estar
presente em todos os atos administrativos, salvo apenas os de mero expediente, os autodecifráveis
por sua singeleza e aqueles casos constitucionais de exceção (exemplo: cargos de livre nomeação e
exoneração). Aduz que toda discricionariedade precisa estar vinculada aos motivos que obrigatori-
amente haverão de ser expostos, de maneira consistente e elucidativa, sempre que afetados direi-
tos.

Ressalte-se, todavia, que o poder de anular não é absoluto e nem sempre poderá a Adminis-
tração desfazer um ato administrativo inválido. Neste sentido, a doutrina aponta a existência de
limites formais e temporais à correção do ato.

No que concerne aos limites formais ao poder de anular, o ato de invalidação sempre haverá
de seguir o devido processo legal no âmbito administrativo, com as garantias constitucionais da

450
DI PIETRO, Curso..., cit.
451
MELLO, Curso..., cit.
452
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva.
453
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros.

254
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ampla defesa e do contraditório. Significa dizer que a anulação de atos administrativos, que tenham
gerado benefício ao administrado, pressupõe um procedimento em que se garanta a este o direito
de pugnar pela manutenção do ato. Esse tem sido o entendimento do STF em diversos preceden-
tes.

Todavia, a mesma Corte Suprema considerou desnecessário o contraditório nos casos em


que o ato administrativo, apesar de já haver ou estar produzindo alguns de seus efeitos, ainda não
tenha completado o seu ciclo de formação, como acontece com os atos de aposentadoria sujeitos a
registro perante o Tribunal de Contas.

Ainda como limite formal, doutrina e jurisprudência assinalam que, caso a validade do ato já
tenha sido objeto de questionamento judicial já exaurido, a Administração não pode ir de encontro
à coisa julgada. Aponta-se até mesmo a figura da coisa julgada administrativa, que é a qualidade
pela qual determinada decisão tomada pela Administração Pública se torna irretratável perante
esta, isto é, enseja a imodificabilidade da decisão na esfera administrativa, sem prejuízo, todavia,
de apreciação na esfera judicial. A reapreciação da matéria em juízo somente é possível se a deci-
são administrativa tiver sido proferida contra os interesses do administrado e este, inconformado,
tenha buscado amparo perante o Poder Judiciário. Vale dizer, não cabe à Administração Pública,
após transitada em julgado a questão na via administrativa, favoravelmente ao administrado (atos
ampliativos), pleitear no Judiciário a modificação da decisão. A decisão administrativa favorável ao
administrado goza de definitividade absoluta em relação à Administração. Nada impede, porém,
que eventual terceiro prejudicado acione o Judiciário, podendo fazê-lo também o Ministério Públi-
co nos casos em que este tenha legitimidade ativa.

No tocante aos limites temporais ao poder de anular, há de ser observado o prazo decaden-
cial de cinco anos, quando o ato tenha produzido efeitos favoráveis ao administrado, salvo compro-
vada má-fé (art.54 da Lei 9.784/99).

Pela redação do dispositivo legal, o prazo decadencial somente incide na ausência de com-
provada má-fé (seja do administrado, seja da Administração). Juarez Freitas454, no entanto, entende
que mesmo havendo má-fé haverá de ser observado algum prazo decadencial, porque, salvo as
situações de imprescritibilidade expressas na CF (crimes imprescritíveis, ressarcimento de dano por
improbidade), não se poderia admitir, em nome da segurança jurídica, que se pudesse anular a
qualquer tempo. Entende o jurista que o prazo aí continuaria sendo de 5 anos, mudando apenas a
forma de contagem, isto é, contando-se não do momento da configuração do vício (data do fato),
mas sim do momento da ciência do ato lesivo pela Administração. Mas como a má-fé enseja a con-
figuração de improbidade, entende que nesse caso a indenização ao erário é imprescritível (CF, 37,
§5º) e, portanto, será sempre devida por quem deu causa ao ato.

Registre-se que, antes do advento da Lei 9.784/99, não havia previsão de decadência para a
anulação, de modo que o prazo de cinco anos somente passou a ser contado a partir da vigência da
nova legislação, consoante já assentado pelo STJ.

Por outro lado, se a anulação do ato administrativo é pretendida pelo administrado, deve es-
te observar também os prazos prescricionais ou de preclusão para acesso às instâncias administrati-
vas ou judiciais. Como leciona Hely Lopes, “a prescrição administrativa e a judicial impedem a anu-
lação do ato no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta por-
454
O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros.

255
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

que o interesse da estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou


entre esta e seus servidores é também interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante
disso, impõe-se a estabilização dos atos que superem os prazos admitidos para sua impugnação,
qualquer que seja o vício que se lhes atribua. Quando se diz que os atos nulos podem ser invalida-
dos a qualquer tempo, pressupõe-se, obviamente, que tal anulação se opere enquanto não prescri-
tas as vias impugnativas internas e externas, pois, se os atos se tornaram inatacáveis pela Adminis-
tração e pelo Judiciário, não há como pronunciar-se sua nulidade”.455

Tema que desafiou grandes debates na doutrina e na jurisprudência diz respeito aos efeitos
do desfazimento do ato administrativo, sobretudo quando ocorre a anulação.

A Súmula 473 do STF, já transcrita anteriormente, aborda o tema de forma geral ao prever
que a anulação dos atos inválidos, em regra, não produz qualquer efeito (porque deles não se origi-
nam direitos). Por isso se costuma dizer que a anulação produz efeitos ex tunc (ao contrário da
revogação, que produz efeitos ex nunc). Essa regra, todavia, não é absoluta, havendo casos em que,
mesmo se tratando de atos inválidos, deve ser também observada a segurança jurídica e a boa-fé
do administrado, bem como eventuais prejuízos patrimoniais por este sofrido. Tais aspectos devem
ser necessariamente sopesados, sem perder de vista, inclusive, que os atos administrativos gozam
de presunção de legitimidade, vale dizer, hão se ser considerados presumidamente válidos.

Almiro do Couto e Silva, pugnando pela ponderação nos casos concretos entre os princípios
da legalidade e da segurança jurídica, considera que “embora inexistente na órbita da Administra-
ção Pública o princípio da res judicata, a faculdade que tem o poder público de anular seus próprios
atos tem limites, não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no inte-
resse de proteger a boa-fé e a confiança”.456 Daí defender uma flexibilização e o temperamento do
rigor da Súmula 473. Na mesma linha de pensamento, Seabra Fagundes admite a flexibilização dos
efeitos da nulidade e a manutenção do ato viciado quando for mais conveniente para o interesse
público.457 Como parâmetros a levar em conta (além da legalidade), aponta a segurança jurídica, a
boa-fé, o respeito ao fato consumado, a vedação ao enriquecimento ilícito. Daí porque a maior
parte da doutrina contemporânea já reconhece “a persistência de efeitos em relação a terceiros de
boa-fé, bem como de efeitos patrimoniais pretéritos concernentes ao administrado que foi parte na
relação jurídica, quando forem necessários para evitar enriquecimento sem causa da Administração
e dano injusto ao administrado, se estava de boa-fé e não concorreu para o vício do ato”.458

Registre-se, porém, que não há como se estabelecer um padrão rígido de avaliação da segu-
rança jurídica e da boa-fé dos administrados, em confronto com o exame de legalidade dos atos
administrativos no que toca ao alcance dos seus efeitos. Na verdade, a prática tem demonstrado
que a solução jurídica deve ser buscada em cada caso concreto, com base em critérios de razoabili-
dade. Isto porque nem sempre a nulidade de um ato administrativo é manifesta, pois muitas vezes
depende da forma como a Administração Pública interpretou a lei, sendo comum a mudança de
interpretação em prejuízo dos administrados. Em casos tais, o direito positivo brasileiro, apesar de
reconhecer a possibilidade de a Administração empregar nova interpretação da norma administra-
tiva de forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, dispõe ser vedada

455
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
456
RDA, 237/271-315, Rio de Janeiro, jul.-set./2004.
457
FAGUNDES, O controle..., cit.
458
MELLO, Curso..., cit.

256
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a aplicação retroativa da nova interpretação (Lei 9.784/99, art.2o, p. único, XIII), o que significa
dizer que devem ser resguardados os efeitos do ato anulado.

A par do respeito à segurança jurídica ou à boa-fé do administrado ou terceiros, alguns dou-


trinadores, com base em jurisprudência que remonta à década de 60, apontam ainda, como obstá-
culo à anulação de atos viciados, a chamada teoria do fato consumado. Todavia, deve-se ter cuida-
do para que o emprego desmedido desta teoria não acabe por banalizar o respeito à juridicidade,
em prejuízo da própria segurança jurídica. Daí porque atualmente o STF e o STJ têm acolhido com
cautela a doutrina do fato consumado, apenas em situações excepcionais, refutando-a em diversos
casos em que não constatados prejuízos que justifiquem a manutenção dos efeitos jurídicos.

Outro tema relacionado aos vícios dos atos administrativos é o da convalidação (também
chamada de sanatória), ou seja, a atividade pela qual a Administração busca sanear um ato admi-
nistrativo que, embora apresente defeito de legalidade, deve ser mantido em prol do interesse
público. Dispõe o art. 55 da Lei 9784/99 que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem
lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis
poderão ser convalidados pela própria Administração”. Frise-se que somente os vícios sanáveis
comportam convalidação, havendo situações em que tal não é admitida.

Maria Sylvia assevera que a possibilidade de convalidação do ato administrativo dependerá


do tipo de vício que o contamine, razão pela qual “o exame do assunto tem que ser feito a partir da
análise dos cinco elementos do ato administrativo: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade". 459
Se houver vício de competência, é possível a convalidação do ato (mediante ratificação), desde que
não se trate de matéria da competência exclusiva de autoridade distinta da que o praticou. Se hou-
ver vício de forma, a convalidação somente é possível se não se tratar de forma essencial à validade
do ato. Quanto ao motivo e à finalidade, a referida autora considera nunca ser possível a convalida-
ção, porque não há como alterar retroativamente uma situação de fato. O mesmo ocorre com rela-
ção ao vício de finalidade, pois não há como corrigir um resultado que estava na intenção do agen-
te que praticou o ato. Também o vício de objeto não pode ser convalidado, admitindo-se, porém,
em alguns casos, a conversão do ato viciado num outro ato previsto na lei para a situação em que
aquele foi praticado, com efeitos retroativos à data do ato original e aproveitando-se os efeitos já
produzidos.

Não obstante a redação do art. 55 da Lei 9.784/99, os autores divergem sobre a natureza da
convalidação, se trata-se de um dever ou de mera faculdade. Classicamente sempre se reputou
como sendo uma atividade discricionária da Administração, a quem caberia verificar a conveniência
e oportunidade da medida sanatória, a depender da ponderação do caso concreto. Discordando
desse pensamento, Weida Zancaner sustenta que, em regra, não existe discricionariedade entre
convalidar ou invalidar um ato administrativo. Ou é caso de convalidação ou é caso de invalidação.
A autora somente admite discricionariedade entre anular e convalidar numa única situação, qual
seja, o de ato discricionário praticado por autoridade incompetente (tendo a autoridade competen-
te opção entre convalidá-lo, se reputar adequado, ou invalidá-lo se não).460 Celso Antônio Bandeira
de Mello também não aceita o entendimento de que o poder de convalidar seja uma mera faculda-
de da Administração. Para ele, sempre que possível for a convalidação (atos que não acarretarem
lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros), deverá o Administrador assim proceder.461

459
PIETRO, Direito Administrativo, cit.
460
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros.
461
MELLO, Curso..., cit.

257
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Logo, a expressão “poderão ser convalidados”, constante no art.55 da Lei 9.784/99, há de ser inter-
pretada em conformidade com os demais princípios gerais de Direito, não como mera faculdade,
mas, sim, como autêntico dever-poder.

Concluindo o presente tópico, convém apontar que, além das duas figuras clássicas acima
mencionadas - a anulação (por vício de legalidade, pela Administração ou pelo Judiciário, em regra
com efeito ex tunc) e a revogação (por conveniência e oportunidade, pela Administração, com efei-
to ex nunx) - a doutrina reconhece ainda outras três categorias de retirada do ato administrativo.

A primeira delas é a cassação (também chamada de “caducidade fática”), que ocorre especi-
ficamente quando o particular deixa de cumprir certas condições necessárias para que continue a
se beneficiar dos efeitos do ato, cessando os pressupostos fáticos de legalidade que o embasaram.
Enquanto a revogação se dá por ato discricionário, a cassação será sempre vinculada. Como exem-
plifica Daniele Talamini, a autorização para porte de arma pode ser cassada se o seu titular deixar
de exercer profissão que o exponha a risco ou passe a conduzir a arma ostensivamente em locais
públicos.462 Outro exemplo seria a cassação de licença para edificar, se o interessado deixa de ob-
servar o projeto anteriormente aprovado pela autoridade municipal.

Outra categoria é a da caducidade (também chamada de decaimento), que se dá por altera-


ção no direito positivo; ou seja, o ato, que antes encontrava respaldo legal, passou a ser ilegítimo.
Enquanto na cassação ocorre uma superveniente mudança nos aspectos fáticos que embasaram o
ato, na caducidade ocorre uma superveniente mudança nos aspectos normativos, isto é, terá havi-
do uma modificação na ordem jurídica (“caducidade jurídica”).

Por fim, tem-se a contraposição, que acontece quando um outro ato administrativo, decor-
rente do exercício de competência administrativa diversa, acaba por ir de encontro aos efeitos do
ato originário, implicando, na prática, a sua retirada. Assim, por exemplo, o ato de interdição de um
parque municipal, por razões de segurança pública, termina por desfazer ato administrativo anteri-
or que havia concedido ao particular o uso privativo de um box localizado na área interna do mes-
mo parque. O segundo ato não anulou nem revogou o primeiro. Mas com ele se contrapôs, retiran-
do-lhe a eficácia jurídica.

PROCESSO ADMINISTRATIVO

Já vimos que, no desempenho das diversas atividades estatais, em sua relação com os parti-
culares ou ainda entre seus próprios órgãos e entes, a Administração pratica uma série de atos
administrativos, emitindo declarações das mais variadas, constituindo, modificando ou desconstitu-
indo direitos e obrigações, aplicando sanções etc.; atos como, por exemplo, a licença de pesca, a
nomeação de servidor público, a ordem de serviço, o alvará de construção, o auto de infração de
trânsito, o parecer administrativo, o confisco de mercadoria, dentre outros.

462
TALAMINI, Daniele. Revogação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros.

258
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Alguns desses atos administrativos são praticados sem maiores formalidades, sobretudo
quando não atingem a esfera de interesses de terceiros ou ainda quando o interesse público justifi-
que a execução instantânea do ato. Todavia, como na maioria das vezes a Administração pratica
atos que interferem no patrimônio jurídico de administrados ou de seus agentes, ou, ainda, atos
sujeitos a instâncias de controle, o Poder Público deve se valer necessariamente de um mecanismo
formal prévio antes de tomar a decisão. Tem-se, então, “hipóteses em que os resultados pretendi-
dos são alcançados por via de um conjunto de atos encadeados em sucessão itinerária até desem-
bocarem no ato final” 463, consubstanciando fases que devem anteceder à edição deste, tais como
a realização de vistorias ou inspeções, a prestação de informações, a elaboração de pareceres, in-
timações, oitiva de testemunhas, dentre outras diligências que a lei reputar necessárias, a depen-
der da situação.

Daí decorre a noção de processo administrativo como um conjunto de atos ordenados, cro-
nologicamente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa questão de natureza
administrativa. 464 Em outras palavras, é o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos
e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Adminis-
tração. 465

Considerando a forma federativa do Estado brasileiro, todos os entes políticos (União, Esta-
dos, DF e Municípios) à princípio detêm competência para legislar sobre normas de processo ad-
ministrativo, eis que é por meio destas normas que se estabelecem os parâmetros de atuação de
toda a administração pública brasileira, o que leva a que cada entidade federativa possa tratar da
matéria no âmbito de suas respectivas competências administrativas. Cuida-se, portanto, de com-
petência legislativa privativa de cada ente político, razão pela qual, como assevera Hely Lopes, “o
processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal, para todas as entidades
estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”. 466 Daí porque a Lei 9.784/99, conhecida como
Lei de Processo Administrativo (LPA), somente se dispõe a regular o processo administrativo no
âmbito da administração pública federal, cabendo aos Estados, Distrito Federal e Municípios insti-
tuírem as suas próprias disposições sobre o tema. Vale dizer, a Lei 9.784/99 tem caráter federal (e
não nacional), tendo muitos Estados e alguns Municípios já editado estatutos locais regulando o
processo administrativo no âmbito das suas respectivas administrações.

Em suma, tratando-se de matéria de processo administrativo, todos os entes podem legislar,


salvo naquilo que a própria Constituição tenha excepcionado como sendo da competência privativa
da União (é o que acontece com a edição de normas gerais sobre licitações e contratos, cuja legisla-
ção compete à União, em caráter nacional, como previsto no art. 22, XXVII, CF).

No âmbito da União, a referida Lei 9.784/99 aplica-se integralmente aos processos adminis-
trativos federais, desde que não haja outra lei tratando especialmente de determinada modalidade
processual. Se houver lei específica (v.g., a Lei 8.112/90, ao tratar do processo administrativo disci-
plinar dos servidores civis), a LPA aplica-se apenas subsidiariamente.

 PRINCÍPIOS

463
MELLO, Curso..., cit.
464
GASPARINI, Direito administrativo, cit.
465
CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual..., cit.
466
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

259
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O art. 2º, Lei 9.784/99, aponta princípios do processo administrativo, com destaque para a
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Ao lado disso, em seu parágrafo
único, a referida regra alude a critérios a serem observado, citando, entre outros:
Art. 2º (...)
I - atuação conforme a lei e o Direito; (juridicidade)
II - atendimento a fins de interesse geral (finalidade), vedada a renúncia total ou parcial
de poderes ou competências, salvo autorização em lei; (indisponibilidade)
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades; (impessoalidade)
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; (moralidade)
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previs-
tas na Constituição; (publicidade)
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e san-
ções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse
público; (proporcionalidade)
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; (moti-
vação)
VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
(devido processo legal)
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, se-
gurança e respeito aos direitos dos administrados; (formalismo moderado)
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção
de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e
nas situações de litígio; (contraditório e ampla defesa)
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; (gra-
tuidade)
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos inte-
ressados; (impulso oficial)
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimen-
to do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. (se-
gurança jurídica)

 SUJEITOS
Como sujeitos de uma relação processual, os administrados têm direitos e deveres perante a
Administração Pública. Dentre os direitos, a Lei 9.784/99 prevê os seguintes:
Art. 3º. (...)
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exer-
cício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de
interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer
as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto
de consideração pelo órgão competente;
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a repre-
sentação, por força de lei.

260
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Dentre os deveres, estão:


Art. 4º. (...)
I - expor os fatos conforme a verdade;
II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;
III - não agir de modo temerário;
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento
dos fatos.

Dispondo sobre quem poderá participar de um processo administrativo, formulando reque-


rimento ou se defendendo perante a Administração Pública, a Lei 9.784/99 reputa como legitima-
dos:
Art. 9º. (...)
I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses indi-
viduais ou no exercício do direito de representação;
II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam
ser afetados pela decisão a ser adotada;
III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses co-
letivos;
IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses
difusos.

Estabelece, ainda, que são capazes, para fins de processo administrativo, os maiores de 18
anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.

 COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA
A Lei contém ainda regras gerais sobre a competência administrativa, que como se sabe é o
plexo de atribuições fixadas para um agente, órgão ou entidade públicos. Estabelece que a compe-
tência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria,
salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.

Na delegação,
“as competências recebidas são atribuídas a outrem, geralmente um subordina-
do, com o objetivo de assegurar maior rapidez e eficiência às decisões, colocando-
se, desse modo, na proximidade dos fatos o agente competente para dar o neces-
467
sário atendimento.”

A doutrina clássica sempre considerou como pressuposto da delegação a existência de um


sistema hierarquizado em que inseridos o delegante e o delegado. Contudo, já se fala atualmente
em delegação mesmo fora de uma estrutura hierárquica, tendo a Lei 9.784/99 estabelecido que um
órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua
competência (nunca a competência toda) a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhes
sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de
índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Mas não poderão ser objeto de delegação:
Art. 13. (...)

467
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

261
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

I - a edição de atos de caráter normativo;


II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial, especificando-se
as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da
delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. É revo-
gável a qualquer tempo pela autoridade delegante, sendo que as decisões adotadas por delegação
devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.

Além a delegação, a Lei 9.784/99 permite, em caráter excepcional e por motivos relevantes
devidamente justificados, a avocação temporária de competência, quando a autoridade superior
chama para si funções atribuídas ao seu subordinado.

“Essa prática, apesar de legal, não deve ser abusiva, dados os inconvenientes que
podem trazer a exemplo da deslocação, da diminuição e da extinção dos níveis
468
ou graus dos recursos administrativos e o fato de desprestigiar o subordinado.”

Em síntese, para se constatar qual a autoridade competente para praticar determinado ato
administrativo, deve-se primeiro examinar se existe lei atribuindo competência específica e se exis-
te algum ato de delegação ou avocação de atribuições. Inexistindo competência legal específica, o
processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para
decidir.

Apesar de todas essas regras previstas na Lei 9.784/99, Celso Antônio adverte que
“tanto o tema da delegação quanto o da avocação estão tratados na lei de modo
um tanto ambíguo. Com efeito, desde logo observa-se que, por força da redação
do art. 11, tem-se de depreender que ambas as figuras só podem ter lugar, como
dito, nos casos legalmente admitidos. Já no art. 12 está dito coisa diversa, isto é,
que um órgão administrativo e seu titular poderão delegar parte de sua compe-
tência se não houver impedimento legal, o que é coisa muito distinta de só poder
delegar havendo permissão legal. Quanto à avocação, no art. 15 prevê-se que, em
caráter excepcional e por motivos relevantes, poderá ser temporariamente avo-
cada a competência do órgão hierarquicamente inferior. Ora, se em relação a ela
só foi mencionada sua possibilidade nos casos admitidos em lei, perde sentido a
menção ao ‘caráter excepcional e por motivos relevantes’, pois esta seria questão
469
já resoluta em nível legal.”

Por força do princípio do formalismo moderado (que alguns chamam de informalismo), tal
como contemplado na Lei 9.784/99, os atos do processo administrativo não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Devem ser produzidos por escrito, em
vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. Salvo
imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de auten-
ticidade. A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administra-
tivo. O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.

468
Idem.
469
MELLO, Curso..., cit.

262
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Os atos processuais devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da


repartição na qual tramitar o processo. Serão concluídos depois do horário normal os atos já inicia-
dos, cujo adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou
à Administração. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo
processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias,
salvo motivo de força maior. Esse prazo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justi-
ficação. Devem realizar-se preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se
outro for o local de realização.

Como também previsto na LPA, o órgão competente perante o qual tramita o processo ad-
ministrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de
diligências, observando-se a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de compareci-
mento. A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebi-
mento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. No caso de
interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser
efetuada por meio de publicação oficial. As intimações serão nulas quando feitas sem observância
das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade. O
desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia
a direito pelo administrado. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defe-
sa ao interessado. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interes-
sado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os
atos de outra natureza, de seu interesse.

Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da conta-


gem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento. Considera-se prorrogado o prazo até o pri-
meiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for en-
cerrado antes da hora normal. Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo. Os pra-
zos fixados em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o
dia equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês. E, salvo motivo
de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem.

 FASES
A doutrina em geral aponta quatro fases do processo administrativo: a fase de instauração; a
fase de instrução, a fase de relatório e a fase de julgamento. Tratando-se de procedimento acusa-
tório ou punitivo, deverá haver também outra fase, chamada fase de defesa, geralmente situada
entre a instrução e o relatório. Celso Antônio menciona ainda as fases controladora e de comuni-
cação. 470

Na fase de instauração, também chamada de fase propulsória ou de iniciativa, dá-se abertu-


ra do procedimento administrativo, seja de ofício pela própria Administração Pública (já que deve
sempre zelar pela legalidade de seus atos), seja por iniciativa do administrado interessado. Nos
termos da Lei 9.784/99, o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interes-
sado. O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve
ser formulado por escrito, contendo a indicação do órgão ou autoridade administrativa a que se
dirige, a identificação do interessado ou de quem o represente, o domicílio do requerente ou local

470
MELLO, Curso..., cit.

263
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

para recebimento de comunicações, a formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus
fundamentos, data e assinatura do requerente ou de seu representante. É vedada à Administração
a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado
quanto ao suprimento de eventuais falhas, cabendo elaborar modelos ou formulários padronizados
para assuntos que importem pretensões equivalentes. Quando os pedidos de uma pluralidade de
interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único
requerimento, salvo preceito legal em contrário. Uma vez instaurado o processo administrativo,
será o mesmo autuado e numerado. Em certos casos, notadamente nas reclamações disciplinares
propostas contra determinadas autoridades, a lei oportuniza o contraditório antes mesmo da ins-
tauração do processo (defesa prévia), evitando com isso a abertura de procedimentos temerários,
sem o mínimo de indícios contra o agente público.

Na fase de instrução, também chamada de preparatória, segue-se a apuração dos fatos que
são objeto do processo, o que se dá por meio de exame de documentos e coleta de novas provas
(depoimentos dos interessados, inquirição de testemunhas, elaboração de perícia, inspeções etc.).
Como também disposto na Lei 9.784/99, a instrução do processo cabe primordialmente à Adminis-
tração (princípio do impulso oficial), sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações
probatórias. O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à
decisão do processo. Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se
do modo menos oneroso para estes. A instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando
tudo o que deveria ser produzido para o convencimento e prolação da decisão da Administração
Pública foi efetivamente realizado”. 471 Não se deve, porém, estender demasiadamente a instrução,
perpetuando o procedimento.

A Lei prevê ainda que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo ad-
ministrativo, o que, aliás, já vem expresso na Constituição Federal de 1988 e é amplamente abor-
dado na doutrina e na jurisprudência. Por outro lado, somente poderão ser recusadas, mediante
decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinen-
tes, desnecessárias ou protelatórias. Admite-se a prova emprestada, ou seja, aquela produzida em
processo anterior, a fim de que não seja necessária produzi-la novamente. Incide no caso o princí-
pio da economia processual. Para tanto, faz-se necessário que a prova tenha sido produzida regu-
larmente, com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem co-
mo verse sobre situação análoga a que se pretende provar no processo atual.

Mormente nos processos punitivos, a doutrina contemporânea tem repudiado a tradicional


teoria da verdade sabida, que considera o conhecimento pessoal e direto do fato pela autoridade
como suficiente à aplicação da sanção administrativa. Por força do art. 5º, LV, CF, que assegura
sempre o respeito ao contraditório e à ampla defesa, à aplicação de sanção ao administrado deve
sempre preceder um procedimento em que se produzam as provas, nas quais a autoridade emba-
sará a sua decisão e motivará o ato sancionador.

Quando a decisão envolver a assuntos de interesse geral da coletividade, a LPA prevê a pos-
sibilidade de serem realizadas prévias consultas públicas, audiências públicas ou outros meios de
participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmen-
te reconhecidas. A Lei estabelece também que, quando necessária à instrução do processo, poderá
haver audiência de outros órgãos ou entidades administrativas, a ser realizada em reunião conjun-

471
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

264
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a res-
pectiva ata, a ser juntada aos autos.

Ainda conforme o texto legal, quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consulti-
vo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou compro-
vada necessidade de maior prazo. O parecer, mesmo quando obrigatório, nem sempre é vinculante,
caso em que se deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser
decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Mas se a lei considerar o parecer como vinculante, o processo não terá seguimento até a respectiva
apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.

A fase de defesa, obrigatória nos procedimentos acusatórios ou punitivos, por meio dos
quais se busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público), geralmente vem
em seguida à instrução, com a conclusão da produção de provas. Portanto, a ampla defesa é exerci-
tada difusamente ao longo da instrução, através do contraditório (eis que ao acusado se propicia a
participação na produção das provas e dos demais atos instrutórios), bem como concentradamente
na fase de alegações finais (quando então, com vistas aos fatos elucidados na instrução, apresenta
a sua defesa escrita). No âmbito federal, prevê a Lei 9.784/99 que, uma vez encerrada a instrução,
o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for
legalmente fixado.

Ponto objeto de controvérsia na doutrina diz respeito à necessidade ou não de elaboração de


defesa técnica, ou seja, de estar o administrado representado por advogado no processo adminis-
trativo. A Lei 9.784/99 facultou que o administrado se faça assistir por advogado, salvo quando
obrigatória a representação, por força de lei específica. Logo, a regra é a facultatividade da defesa
técnica. Não obstante, há quem sustente a necessidade da defesa técnica, “sempre que a extrema
complexidade da causa impeça o administrado de exercer sua ampla defesa” 472, bem como nos
processos sancionatórios ou disciplinares. 473

Na jurisprudência brasileira, a questão também veio sendo alvo de debates, o levou o STJ a
editar a sua Súmula 343, prevendo a necessidade de advogado nos processos disciplinares, o que,
poucos dias depois, todavia, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal de-
fesa técnica, nos termos da Súmula Vinculante 5:
Súmula Vinculante 5. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição.

Destarte, a presença de advogado somente é obrigatória se houver lei específica assim dis-
pondo.

Na fase do relatório, a autoridade ou a comissão processante elabora o relatório, isto é,


“a síntese de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos levantados,
das informações, do direito desatendido conforme a natureza do processo (puniti-
vo, controle, outorga) e proposta conclusiva para orientar a decisão da autorida-
de competente. O relatório é peça informativo-opinativa que, salvo previsão le-
gal, não é vinculante para a Administração Pública ou para os demais interessa-

472
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
473
FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso..., cit.

265
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

dos no processo administrativo. Por esse motivo, a autoridade competente pode


divergir da conclusão ou sugestão oferecida e decidir de modo diferente, bastan-
474
do que fundamente sua decisão.”

Na fase de julgamento, também chamada de dispositiva, a autoridade administrativa com-


petente é obrigada a decidir sobre o objeto do processo. A Constituição Federal de 1988 assegura a
todos o direito de petição perante o Poder Público (art. 5º, XXXIV), daí decorrendo, para Adminis-
tração, o correlato dever de decidir, de modo que o silêncio administrativo ou a demora desarrazo-
ada configuram abuso de poder. A Lei 9.784/99, enfocando expressamente este dever de decidir,
dispõe que cabe à Administração explicitamente emitir decisões e dar resposta sobre solicitações
ou reclamações em matéria de sua competência, sendo que, uma vez concluída a instrução nos
processos administrativos, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo pror-
rogação por igual período expressamente motivada. Assim, quando as leis específicas não fixarem
prazos para a conclusão dos processos, caberá à autoridade cuidar de fazê-lo em cada caso concre-
to, com vistas aos princípios que regem a atividade administrativa (legalidade, moralidade, eficiên-
cia, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade etc.), bem como o referido prazo limite de
trinta dias. Eventual demora no processo pode ser justificada em razão da complexidade do seu
objeto, ensejando eventuais prorrogações do prazo eventualmente estabelecido pela autoridade.
Saliente-se que, por força da Lei 12.008/09, foram incluídos novos dispositivos estabelecendo prio-
ridades de tramitação em razão da idade, deficiência ou algumas doenças.

Na fase controladora, também chamada de integrativa, autoridades diversas das que parti-
ciparam até então verificam se houve satisfatório transcurso das fases anteriores e se o decidido
deve ser confirmado ou infirmado. 475 Esta fase somente ocorrerá nas hipóteses em que a legislação
estabelecer, no bojo do procedimento, um mecanismo de controle necessário a referendar a deci-
são.

Por fim, na fase de comunicação, procede-se à intimação dos interessados para que tenham
ciência da decisão proferida pela Administração, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposi-
ção de eventual recurso administrativo.

Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito (art.
56, Lei 9.784/99). Com a interposição do recurso, dá-se início à fase recursal, sendo inicialmente
dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias,
encaminhará o recurso à autoridade superior. O recurso administrativo tramitará no máximo por
três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.

Ensina Hely Lopes Meirelles que os recursos administrativos, em sentido amplo, compreen-
dem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito, abrangem
os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Vejamos separadamente cada
uma dessas modalidades, na esteira dos ensinamentos do renomado administrativista:

1. Representação administrativa: “é a denúncia formal e assinada de irregularidades inter-


nas ou de abuso de poder na prática de atos da Administração, feita por quem quer que seja
à autoridade competente para conhecer e coibir a ilegalidade apontada. O direito de repre-

474
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
475
MELLO, Curso..., cit.

266
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

sentar tem assento constitucional e é incondicionado, imprescindível e independe do paga-


mento de taxas (art. 5º, XXXIV, a, CF).” 476

2. Reclamação administrativa: “é a oposição expressa a atos da Administração que afetem


direitos ou interesses legítimos do administrado. O direito de reclamar é amplo e se estende a
toda pessoa física ou jurídica que se sentir lesada ou ameaça de lesão pessoal ou patrimonial
por atos ou fatos administrativos.” 477

3. Pedido de reconsideração: “é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que ex-


pediu o ato, para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente, De-
ferido ou indeferido, total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova
modificação pela autoridade que já reapreciou o ato.” 478

4. Recursos hierárquicos: “são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância supe-
rior da própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus as-
pectos. Podem ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra;
o efeito excepcional suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou
no despacho de recebimento do recurso. Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador,
classificam-se em próprios e impróprios. Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à
autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato
recorrido. Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estra-
nho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, co-
mo ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e
municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as
condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em
que tem cabimento. (...) Vão se tornando comuns esses recursos na instância final das autar-
quias e entidades paraestatais, em que a autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da
Secretaria de Estado a que a entidade se acha vinculada (não subordinada).” 479

5. Revisão do processo: “é o meio previsto para o reexame da punição imposta ao servidor, a


pedido ou de ofício, quando se aduzir fato novo ou circunstância suscetível de justificar sua
inocência ou a inadequação da penalidade aplicada.” 480 Desde pedido de revisão não poderá
resultar agravamento da penalidade.

Não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, aplica-se a norma geral da
Lei 9.784/99, que prevê o prazo de dez dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da
decisão recorrida. O órgão competente para dele conhecer deverá então intimar os demais interes-
sados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.

Segundo a LPA federal, têm legitimidade para interpor recurso administrativo:


Art. 58. (...)
I - os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo;

476
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
477
Idem.
478
Ib idem.
479
Ib idem.
480
Ib idem.

267
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão re-
corrida;
III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses co-
letivos;
IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fun-
damentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes. Salvo
disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo, mas havendo justo receio de
prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imedia-
tamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

O recurso não será conhecido quando interposto:


Art. 63. (...)
I - fora do prazo;
II - perante órgão incompetente;
III - por quem não seja legitimado;
IV - após exaurida a esfera administrativa.

Na hipótese de recurso interposto perante órgão incompetente, será indicada ao recorrente


a autoridade competente, sendo-lhe devolvido o prazo para recurso. O não conhecimento do re-
curso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão
administrativa.

Tema polêmico diz respeito à eventual previsão legal de depósito prévio ou outro tipo de ga-
rantia condicionadora ao conhecimento do recurso. A Lei 9.784/99 dispõe que, salvo exigência le-
gal, a interposição de recurso administrativo independe de caução (art. 56, §2º). Logo, pela dicção
do texto, extrai-se que uma lei específica poderia vir a prever algum tipo de garantia prévia ou de-
pósito recursal. A questão foi amplamente discutida perante os nossos tribunais, tendo o STF inici-
almente se posicionado pela constitucionalidade do depósito prévio, ao fundamento de que se a
Carta Magna sequer previa a garantia do duplo grau na via administrativa, nada obstaria que even-
tual recurso dependesse de algum tipo de garantia. Recentemente, contudo, o STF reviu esta posi-
ção, passando a adotar o entendimento de que é inconstitucional a exigência de depósito prévio
como condição à admissibilidade de recurso administrativo481.

Quando a lei não fixar prazo diferente, a LPA federal prevê que o recurso administrativo de-
verá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão
competente. Este prazo poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. O ór-
gão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou
parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. Se disso decorrer gravame
à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da
decisão.

Registre-se que, salvo disposição legal específica, não se aplica na via recursal administrativa
a proibição do non reformatio in pejus, típica do processo judicial. Vale dizer, no processo adminis-
trativo o julgamento do recurso pode vir a piorar ainda mais a situação do recorrente. Trata-se de
uma decorrência do princípio da verdade real, segundo o qual a Administração, em qualquer de
481
ADI 1976-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 05/06/2007

268
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

suas instâncias, deve sempre investigar a real verdade dos fatos com vistas ao cumprimento objeti-
vo da lei.

Isso não vale, contudo, no caso de revisão do processo, que, como previsto na Lei 9.784/99,
pode ser feita a qualquer tempo (a pedido ou de ofício, desde que surjam fatos novos ou circuns-
tâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada) e não poderá resultar
em agravamento da sanção aplicada ao administrado.

Em suma, a proibição do non reformatio in pejus não vigora na via administrativa, exceto pa-
ra o pedido de revisão.

LICITAÇÃO

 CONCEITO DE LICITAÇÃO
A fim de bem desempenhar as atividades que lhe são
incumbidas pela Constituição e pelas leis, o Estado dispõe de
uma estrutura administrativa própria, de forma a executar
diretamente suas funções. Chama-se execução direta a que
é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos
próprios meios (art. 6º, VII, Lei 8.666/93).

Todavia, o Estado também precisa contar habitual-


mente com a colaboração de particulares, ora para a aquisição ou alienação de bens, ora para a
execução de obras ou, ainda, para a prestação de serviços. Não tendo a vocação para atuar direta-
mente em determinados setores, o Poder Público vê-se voltado a contratar com a iniciativa privada,
buscando, da melhor forma possível, satisfazer ao interesse público. Nesses casos, tem-se a execu-
ção indireta, quando o órgão ou entidade estatal contrata com terceiros (art. 6º, VIII, Lei 8.666/93).
Para tanto, deve a Administração selecionar aqueles com quem deve contratar, o que, em regra, é
feito através de um procedimento denominado licitação.

Marçal Justen explica que a contratação de terceiros para a execução de atividades adminis-
trativas deve-se a fatores econômicos e políticos. Economicamente falando, num sistema capitalis-
ta “o Estado não dispõe de conhecimentos, de recursos materiais ou de pessoal necessários para a
execução de serviços ou a produção de bens de que necessita”, sendo mais vantajoso recorrer à
iniciativa privada, sobretudo nas situações em que “a remuneração paga aos particulares é inferior
ao montante que o Estado desembolsaria para produzir o mesmo objeto mediante a sua própria
atuação direta”. 482 Pode-se então considerar a terceirização como uma estratégia política, na me-
dida em que evita o crescimento desmensurado da máquina estatal, tal como determinado no art.
10, § 7º, DL 200/67. Sob aspecto político, como num regime democrático é

482
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética.

269
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“juridicamente impossível ao Estado obter serviços privados mediante instrumen-


tos autoritários”, tem-se que “o contrato administrativo será o instrumento pri-
mordial por meio do qual o Estado estabelecerá relacionamento com os particula-
483
res para obter bens e serviços de que necessita.”

Como salienta Celso Antônio,


“ao contrário dos particulares, que dispõem de ampla liberdade quando preten-
dem adquirir, alienar, locar bens, contratar a execução de obras e serviços, o Po-
der Público, para fazê-lo, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosa-
484
mente determinado e preestabelecido na conformidade da lei.”

Daí o seu conceito de licitação:


“é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, preten-
dendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar conces-
sões, permissões de obras, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo
condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresenta-
ção de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função
485
de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.”

Em suma, a licitação é um procedimento prévio à contratação pela Administração Pública,


necessário para que se selecione o contratante, evitando-se, com isso, favorecimentos pessoais
(impessoalidade) e assegurando-se a melhor proposta (eficiência). A licitação é a regra nas contra-
tações do Poder Público, admitindo a Constituição algumas hipóteses legais em que ela poderá
excepcionalmente não ocorrer, conforme será estudado.

 REGIME JURÍDICO DAS LICITAÇÕES


Por fazer parte do regime jurídico administrativo, o ordenamento de licitações abrange os
princípios gerais já estudados, alguns deles expressamente mencionados na Lei 8.666/93. Além
disso, existem princípios específicos da seara licitatória, também prevista na legislação.

Assim sendo, o Estatuto das Licitações, em seu art. 3º, faz referência aos seguintes princípios
básicos: da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Igualdade, da Publicidade, da Pro-
bidade Administrativa, da Vinculação ao Instrumento Convocatório, do Julgamento Objetivo.
Além desses, alude aos princípios correlatos (derivam dos princípios básicos) previstos ao longo do
texto da lei, quais sejam: da Competitividade (art. 3º, §1º, I), da Indistinção (art. 3º, §1º, II), da
Padronização (art. 11), da Inalterabilidade do Edital (art. 41), do Sigilo das Propostas (art. 43, §1º),
da Vedação à Oferta de Vantagens (art. 44, §2º), da Ampla Defesa (art. 87). Outrossim, a doutrina
ainda faz menção aos princípios do Formalismo Procedimental, da Obrigatoriedade e da Adjudica-
ção Compulsória. Outro princípio de suma importância, acrescentado ao texto do art. 3º, Lei
8.666/93, é o princípio da Licitação Sustentável.

Ressalte-se que, como assinala Bandeira de Mello, “os autores dissentem quanto ao número
de princípios da licitação. Em geral, todavia, a discordância radica-se em que fundem ou desdobram

483
Idem.
484
MELLO, Curso..., cit.
485
Idem, p.468.

270
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

os mesmos preceitos”. 486 A seguir, vamos estudar, em síntese, cada princípio separadamente, lem-
brando que muitos deles estão em estreita conexão, tornando o estudo inevitavelmente repetitivo
em alguns pontos da argumentação. Isso acontece porque os princípios correlatos servem de refor-
ço normativo específico para o valor geral consubstanciado no princípio básico.

▶ Princípio da Legalidade: O procedimento licitatório contém grande carga de vinculação,


com suas fases rigorosamente disciplinadas na lei. Logo, em tema de licitações, este princípio basi-
lar da atividade administrativa impõe ao Administrador a fiel observância ao devido processo legal,
seja no tocante às formalidades exigidas para o certame, seja com referência a critérios de razoabi-
lidade na condução do procedimento.

▶ Princípio da Impessoalidade: O objetivo da licitação é obter a proposta que melhor atenda


ao interesse público, de forma a evitar favorecimentos pessoais. Assim, o Poder Público deve dis-
pensar o mesmo tratamento àqueles que estejam aptos a contratar, sendo vedada a discriminação.

▶ Princípio da Moralidade: A atuação da Administração durante o processo licitatório deve


se pautar não apenas na estrita legalidade, mas, também, em critérios de boa-fé, respeito aos cos-
tumes, aos ideais de justiça, ética e boa administração. Convém lembrar que no direito moderno já
se considera a moralidade associada à própria legalidade em seu aspecto substancial e tendo em
vista, sobretudo, os fins de interesse público.

▶ Princípio da Igualdade (ou da Isonomia): Está expresso no art. 37, XXI, da Carta Magna,
quando contempla a “igualdade de condições a todos os concorrentes”. Significa dizer que todos os
concorrentes devem ter a mesma expectativa de poder contratar com a Administração Pública.
Segundo Celso Antônio,
“implica o dever não apenas de tratar isonomicamente todos os que afluírem ao
certame, mas também o de ensejar oportunidade de disputá-lo a quaisquer inte-
ressados que, desejando dele participar, podem oferecer as indispensáveis condi-
487
ções de garantia.”

Observa-se aqui a estreita relação com o princípio da impessoalidade, de forma mais uma
vez a se assegurar um processo licitatório imune de privilégios a determinado concorrente. Como
consequência do princípio da igualdade, aponta-se os princípios correlatos tais como o da competi-
tividade e o da indistinção.

▶ Princípios da Competitividade e da Indistinção: São corolários do princípio da igualdade,


que assegura oportunidades isonômicas aos licitantes, estimulando-se a competição em busca da
proposta mais adequada ao interesse público. Tamanha é a importância desse princípio que o art.
90, Lei 8.666/93, considera crime a frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento
licitatório. Tal ocorre, por exemplo, quando a Administrador, buscando beneficiar determinado
grupo de concorrentes, estabelece desmedidos critérios de habilitação que acabam por inviabilizar
a competição.

486
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
487
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

271
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Consoante o princípio da Indistinção,


“é vedado criar preferências ou distinções relativas à naturalidade, à sede ou ao
domicílio dos licitantes (art. 3º, §1º, II, do Estatuto). Algumas tentativas foram fei-
tas para proteger licitantes de um ou de outro lugar na federação, mas os Tribu-
488
nais as rejeitaram incisivamente.”

Conforme precedente do STJ, o interesse público reclama o maior número possível de con-
correntes, configurando ilegalidade a exigência desfiliada da lei básica de regência e com interpre-
tação de cláusulas editalícias impondo condição excessiva para a habilitação.489

“Significa que a Administração não pode adotar medidas ou criar regras que
comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo da licitação. Em ou-
tras palavras, deve o procedimento possibilitar a disputa e o confronto entre os li-
citantes, para que a seleção se faça da melhor forma possível. Fácil é verificar
que, sem a competição, estaria comprometido o próprio princípio da igualdade, já
490
que alguns se beneficiariam à custa do prejuízo de outros.”

Foi em respeito aos princípios em epígrafe que


“o TCU decidiu que a restrição à participação de empresas, que estejam em litígio
judicial com a entidade, nas licitações públicas viola os princípios da impessoali-
dade e da competitividade (TCU, Acórdão 2.434/2011, Plenário, Rel. Min. Aroldo
Cedraz, DOU 14.09.2011). O STF, por sua vez, declarou a inconstitucionalidade de
norma estadual que estabelecia a necessidade de que veículos da frota oficial fos-
sem produzidos naquele Estado, critério arbitrário e discriminatório de acesso à li-
citação pública em ofensa ao disposto no art. 19, II, da CRFB (Informativo de Ju-
491
risprudência do STF n. 495).”

Por outro lado, é preciso lembrar que o princípio da igualdade (com seus corolários da com-
petitividade e da indistinção) não deve ser compreendido de modo absoluto, sendo admissível que
a legislação adote certas diferenciações, desde que plenamente justificadas pela ponderação da
igualdade com outros princípios constitucionais. Daí porque a própria lei de licitações, em diversas
passagens, admite tratamento diferenciado por razões de interesse público, como acontece, por
exemplo, no tratamento preferencial dado a microempresas e empresas de pequeno porte (já
acolhido pelo art. 5º-A, Lei 8.666/93, e de acordo com dispositivos da LC 123/06). Por força da Lei
11.488/07, esse mesmo tratamento privilegiado foi estendido a sociedades cooperativas com re-
ceita anual equivalente à das microempresas e empresas de pequeno porte.

Ao lado disso, a Lei 8.666/93 (art. 3º, §2º) estabelece critérios de desempate que prestigiam
determinados licitantes em razão de políticas públicas afirmativas, dispondo que em igualdade de
condições será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
a) produzidos no País;

b) produzidos ou prestados por empresas brasileiras;

488
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
489
STJ, REsp 5.601/DF, rel. Min. Demócrito Reinaldo.
490
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
491
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

272
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

c) produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimen-


to de tecnologia no País;

d) produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de


cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência So-
cial e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.

Registre-se haver autores questionando a constitucionalidade de alguns desses critérios de


desempate, especificamente no que diz respeito à preferência dada a empresas brasileiras em de-
trimento de estrangeiras, o que não mais encontraria guarida na Constituição Federal, desde o ad-
vento da EC 6/95 que acabou com a distinção entre empresas brasileiras, empresas brasileiras de
capital nacional e empresas estrangeiras. Outros autores, todavia, não enxergam qualquer vício de
constitucionalidade na distinção entre empresas nacionais e estrangeiras. Entendem que, apesar da
alteração promovida pela EC 6/95, o princípio da competitividade pode ser relativizado em deter-
minadas situações razoavelmente justificadas nas quais convém dar preferência a produtos nacio-
nais, cabendo a ponderação com princípios constitucionais tais como a soberania (art. 1º, I), a ga-
rantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II), a promoção e capacitação tecnológicas, com apoio
e estímulo às empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País (art.
218), incentivo ao mercado interno (art. 219), dentre outros.

Além dos referidos critérios de desempate, a Lei 8.666/93 (art. 3º, §§5º a 12) prevê ainda
que possam ser estabelecidas, por regulamento do Poder Executivo federal, margens de preferên-
cia para produtos e serviços nacionais, não podendo a soma delas ultrapassar o montante de 25%
sobre o preço dos produtos e serviços estrangeiros. O objetivo da norma é incentivar a indústria
brasileira, significando que mesmo quando certos produtos e serviços nacionais, especificados no
regulamento, sejam um pouco mais caros do que os importados (até o limite estabelecido no de-
creto, respeitado o máximo de 25%), será dada preferência aos nacionais. Prevendo margens de
preferência, pode-se citar alguns decretos federais: Decreto 8.224/14 (aquisição de máquinas e
equipamentos); Decreto 7.903/13 (aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e co-
municação); Decreto 7.767/12 (aquisição de produtos médicos); Decreto 7.756/12 (aquisição de
produtos de confecções, calçados e artefatos) etc.

Ressalte-se que a margem de preferência apenas assegura uma vantagem competitiva para
produtos e serviços nacionais e não propriamente uma proibição aos seus congêneres estrangeiros.
Daí porque o TCU já considerou injustificável a vedação, no edital, a produtos e serviços estrangei-
ros 492, de modo que, quando a diferença de preço estiver acima do limite fixado no regulamento
executivo, não caberá a preferência.

Enfim, indistinção e competitividade não significam igualdade absoluta. No dizer de Maria S-


ylvia Zanella Di Pietro, “é levando em conta o princípio da razoabilidade que devem ser analisadas
as exceções à isonomia previstas na Lei n. 8666/93 e em outras leis esparsas”. 493 Em linhas gerais, a
autora aponta outras quatro hipóteses de exceções à isonomia:
a) cláusulas ou condições distintivas que sejam pertinentes ou relevantes para o específi-
co objeto do contrato;

492
TCU, Ac. 286/2014, rel. Min. José Múcio Monteiro.
493
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

273
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) margens de preferência para determinados produtos, tal como restou acrescentado


pela Lei 12.349/10, que alterou a lei de licitações;
c) aquisição de bens e serviços de informática e automação;
d) como critério de desempate.

▶ Princípio da Publicidade: Se os atos administrativos em geral devem ser públicos, devendo


a Administração atuar com a adequada transparência, tal se revela ainda mais imprescindível no
tocante às licitações, quando se busca não apenas dar ciência do procedimento, mas, sobretudo,
atrair o maior número possível de interessados em contratar com o Poder Público, obtendo-se,
com isso, maiores chances de se obter uma proposta que melhor atenta ao interesse coletivo.

▶ Princípio da Probidade Administrativa: Se já é princípio geral da atividade administrativa


(art. 37, §4º, CF, e Lei 8.429/92), devendo o Administrador sempre atuar com honestidade, adquire
importância especial em matéria de licitações, na medida em que as contratações administrativas
envolvem elevados gastos públicos, os quais devem ser bem empregados.

▶ Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório: Também chamado de Princípio da


Inalterabilidade do Edital, encontra previsão expressa no art. 41, Lei 8.666/93, ao dispor que “a
Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente
vinculada”. Valendo-se das palavras de Hely Lopes, “o edital é a lei interna da licitação”. 494 Signifi-
ca dizer que tanto a Administração quanto os administrados devem a ele se reportar, sem possibili-
dade, em regra, de modificação posterior. Conforme ainda será estudado, existe um prazo apropri-
ado para se impugnar o instrumento convocatório, após o qual não será mais possível modificá-lo,
de modo que somente deixará de valer se for o caso de anulação do certame.

▶ Princípio do julgamento Objetivo: É uma decorrência da vinculação ao instrumento con-


vocatório acima mencionado. O julgamento da licitação, assim como as demais decisões incidentes
ao longo do procedimento, devem observar os critérios objetivos previstos no Edital, sem levar em
conta posicionamentos pessoais do administrador. Deve-se descartar subjetivismos e personalis-
mos, que põe a perder o caráter igualitário do certame. 495 Encontra previsão no art. 45, Lei
8.666/93. Busca-se com isso evitar tratamento privilegiado a determinado concorrente, a pretexto
de discricionariedade administrativa. É claro que não se pode eliminar totalmente o elemento sub-
jetivo da decisão administrativa, sempre restando alguma carga de discricionariedade, na forma da
lei. Porém, mesmo nesses casos, a decisão deve ser devidamente motivada.

▶ Princípio da Padronização: Extraído do art. 15, I, Lei 8.666/93, aplica-se especificamente


em matéria de compras, impondo-se, sempre que possível, compatibilidade de especificações téc-
nicas e de desempenho, observadas as condições de manutenção, assistência técnica e garantia
oferecidas. Em outras palavras, busca-se empregar um modelo racional de aquisição de bens, evi-
tando-se variações desregradas de fornecedores, a fim de que a Administração Pública possa me-
lhor dispor de assistência técnica, manutenção, reposição de peças e adequação de estoque. Esse
princípio contempla a chamada estandardização, mediante um processo administrativo conduzido

494
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
495
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitações e Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Esplanada.

274
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

por uma comissão de padronização. Todavia, não deve se transformar numa premissa absoluta,
comportando as exceções que forem do interesse público, de modo que a padronização deixará de
ser feita quando não for possível ou vantajosa para a Administração Pública. Além disso, deve se ter
cuidado para, a pretexto de padronizar, não se frustrar a realização de licitação, impedindo a com-
petição. Como destaca Diógenes Gasparini,
“a padronização, seja pela escolha de um marca, seja pela entronização de um es-
tander próprio, não pode ser meio, instrumento, para beneficiar ou prejudicar
fornecedores; nem utilizada como fim em si mesma, isto é, padronizar por padro-
nizar.”

Para evitar isso,


“tudo o que for importante para a entidade ver-se convencida da necessidade da
padronização e para comprovar a vantagem da estandardização – estudos, lau-
dos, perícias, pareceres técnicos, atestados, relatórios de experiências e testemu-
496
nhos – deve fazer parte da instrução desse processo.”

▶ Princípio do Sigilo das Propostas: É condição necessária a se garantir a justa competição


no certame, daí porque o art. 43, §1º, Lei 8.666/93, prevê a entrega de propostas em envelope
fechado. Dita regra, todavia, atualmente já comporta exceções, como, por exemplo, no procedi-
mento na modalidade de pregão (Lei 10.520/02), que admite novos lances verbais após a abertura
de envelopes.

▶Princípio da Vedação à Oferta de Vantagens: Relaciona-se com o princípio do julgamento


objetivo já estudado. Segundo dispõe o art. 44, §2º, Lei 8.666/93, não se considerará qualquer ofer-
ta de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a
fundo perdido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes. Significa dizer
que
“as regras de seleção devem ser adstritas aos critérios fixados no edital, não se
podendo admitir que, além disso, intervenham fatores outros, como o de algum
497
licitante ofertar vantagem própria ou baseada na oferta de outro licitante.”

▶ Princípio da Ampla Defesa: Sendo de aplicação geral no tocante aos atos estatais, pratica-
dos na esfera administrativa ou judicial (art. 5º, LV, CF), em tema de licitações a ampla defesa tor-
na-se especialmente imprescindível, propiciando aos licitantes afastar eventuais obstáculos que lhe
forem opostos à habilitação ao certame, à classificação ou à contratação. O respeito à ampla defesa
garante a própria eficácia da competição. No tocante a aplicação de sanções administrativa, o art.
87, Lei 8.666/93, dispõe expressamente sobre a necessidade de prévia defesa.

▶ Princípio Formalismo Procedimental: É corolário do princípio da legalidade, significando


que o procedimento de licitação deve obedecer aos ritos previstos na lei, não podendo o Adminis-
trador Público adotar outro caminho a seguir. Com efeito,

496
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
497
CARVALHO FILHO, Manual... , cit.

275
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“percebeu o legislador que a própria igualdade de tratamento depende da rigidez


formal dos mecanismos de competição, razão por que se impõe a observância do
498
devido processo legal.”

▶ Princípio da obrigatoriedade: A licitação é a regra obrigatória nas contratações do Poder


Público, admitindo o art. 37, XXI, CF, apenas algumas hipóteses legais em que ela poderá excepcio-
nalmente não ocorrer, seja por dispensa ou por inexigibilidade, os chamados casos excludentes de
licitação, conforme será adiante estudado.Tais casos, todavia, devem ser vistos como exceção à
regra de obrigatoriedade, razão pela qual o art. 89, Lei 8.666/93, considera crime dispensar ou ine-
xigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes
à dispensa ou à inexigibilidade.

▶ Princípio da Adjudicação Compulsória: Em matéria de licitação, adjudicação é o ato pelo


qual a Administração atribui ao licitante vencedor o objeto da licitação. Segundo este princípio,
uma vez concluído o certame, a Administração não pode atribuir a realização do contrato a outrem
que não o vencedor. A doutrina chama a atenção para o fato de que, ao contrário do que possa dar
a entender a expressão adjudicação compulsória, a Administração não está obrigada a contratar
imediatamente, podendo deixar de fazê-lo de acordo com o interesse público (nesse sentido o ven-
cedor da licitação tem apenas expectativa de contratar, não havendo direito adquirido à contrata-
ção). Na verdade, o princípio em tela apenas garante que, em caso de contratação pelo Poder Pú-
blico, tal ocorrerá com o vencedor do certame. Outrossim, proíbe a Administração de realizar nova
licitação enquanto eficaz a adjudicação anterior. Nesse sentido, dispõe o art. 50, Lei 8.666/93, que
Art. 50. A Administração não poderá celebrar o contrato com preterição da ordem de
classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedimento licitatório, sob
pena de nulidade.

▶ Princípio da Licitação Sustentável: Atualmente tem angariado força o tema do Desenvol-


vimento Sustentável, que, por força da Lei 12.349/10, alterando o art. 3º, Lei 8.666/93, passou a
ser enquadrado como um princípio integrante do regime jurídico da licitação. O tema das “licita-
ções sustentáveis” – também chamadas de “compras públicas sustentáveis”, “compras ambientais
amigáveis”, “compras verdes”, “ecoaquisições”, “licitações positivas”, dentre outras designações –
relaciona-se ao emprego da licitação como instrumento de fomento público social ambiental, me-
diante a inclusão de critérios sustentáveis nas contratações feitas pela Administração, buscando
adequados padrões de produção, distribuição, consumo e descarte de materiais empregados em
bens, serviços e obras contratadas. Sob esse prisma, a Administração já empregou diversos meca-
nismos de fomento na área ambiental, criando parques e reservas florestais ou instituindo benefí-
cios tributários em prol do meio ambiente. Agora convém utilizar também o procedimento licitató-
rio com essa finalidade, acreditando-se que o grande volume de contratações administrativas, alia-
do à alteração do padrão de consumo pode servir como importante atrativo indutor de boas con-
dutas empresariais, incentivando a produção em escala de bens sustentáveis. Tem-se aí um exem-
plo em que se sobressai a função extraeconômica da licitação. Ainda que no curto prazo a obser-
vância dos requisitos de sustentabilidade possa ensejar maior preço para as contratações feitas
pela Administração, a tendência será que, diante do grande poder de contratação do Estado, as
próprias forças do mercado acabem proporcionando a produção em escala de produtos ambien-
talmente mais adequados, formando-se um círculo virtuoso de produção e consumo.

498
Idem.

276
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 MODALIDADES DE LICITAÇÃO NA LEI 8.666/93


A Lei 8.666/83 prevê cinco modalidades de licitação (concorrência, tomada de pre-
ços, convite, concurso e leilão), vedando a criação de outras modalidades ou a combinação dentre
as nela mencionadas. Posteriormente o legislador veio a instituir mais uma nova modalidade: o
pregão (Lei 10.520/02).

Cumpre examinar as situações em que cada uma dessas modalidades pode ser adotada, veri-
ficando em seguida os procedimentos empregados.

▶ Concorrência: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial


de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no
edital para execução de seu objeto. Destina-se, em regra, a obras de grande vulto, conforme faixa
de valor fixada por lei (art. 23, I, “c”, e II, “c”, Lei 8.666/93). Além disso, é também utilizada tendo
em vista a natureza de determinados contratos, independentemente do valor, tal como ocorre
com a compra ou alienação de bens imóveis (salvo alguns casos de leilão), de concessão de direito
real de uso ou com contratações internacionais (salvo alguns casos de tomada de preço e convite).
A concorrência demanda formalismo mais acentuado, tendo duas características básicas: ampla
publicidade e universalidade. Isto porque é uma modalidade destinada à participação de quaisquer
interessados que preencham os requisitos do edital, mediante habilitação preliminar. Portanto, ao
contrário do que ocorre na tomada de preços, a concorrência não exige cadastro prévio dos licitan-
tes.

▶ Tomada de preços: É a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastra-


dos ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior
à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. Destina-se a contrata-
ções de vulto médio, conforme a faixa de valor fixada na lei (art. 23, I, “b”, e II, “b”, Lei 8.666/93).
Não demanda a ampla divulgação típica da concorrência, pois dela só participam interessados pre-
viamente cadastrados ou aptos a se cadastrar no prazo legal. Portanto, somente poderão participar
os que possuírem o Certificado de Registro Cadastral (CRC), válido no máximo por um ano, ou a-
queles que, mesmo não possuindo esse certificado, apresentarem os documentos necessários ao
cadastramento até três dias antes da abertura dos envelopes, com a devida qualificação. Essa pos-
sibilidade de cadastramento durante o certame acaba conferindo alguma dose de universalidade à
modalidade de tomada de preços. José dos Santos destaca a possibilidade de substituição nas situ-
ações em que,
“ainda que o vulto do contrato comporte a tomada de preços, pode o administra-
dor optar por realizar concorrência. Mas a recíproca não é verdadeira, ou seja,
não pode a concorrência ser substituída pela tomada de preços. Isso significa que
pode ser escolhida modalidade mais formal do que seria a pertinente, mas nunca
499
modalidade mais informal”.

▶ Convite: É a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto,


cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 pela unidade administrativa,
a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais

499
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

277
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência


de até 24 horas da apresentação das propostas. Destina-se a contratações de menor vulto, con-
forme a faixa de valor fixada na lei (art. 23, I, “a”, e II, “a”, Lei 8.666/93,). Por isso, comporta o me-
nor rigor formal. Ao contrário das demais modalidades licitatórias, na modalidade de convite não
há edital; o instrumento de convocação é chama-se carta-convite. Deverão ser convidadas no mí-
nimo três interessados. Se não aparecer esse número mínimo, e se houver possibilidade de haver
outros possíveis interessados, deverá ser repetido o convite, salvo se restar demonstrado o desin-
teresse dos interessados ou a limitações do mercado, mediante a devida justificação no processo.
As empresas que não forem convidadas também poderão participar, desde que estejam cadastra-
das e manifestem o seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas. Observe-se
que a participação no certame pressupõe duas situações: 1) a empresa, cadastrada ou não, é con-
vidada; 2) a empresa cadastrada não é convidada, mas manifesta o seu interesse no prazo legal.
Assim, a empresa não cadastrada somente participará da licitação se a Administração a convidar.
Apesar de não haver previsão legal específica, Celso Antônio defende que, tal como ocorre com a
tomada de preços, mesmo os não cadastrados
“terão direito a disputar o convite se, tomando conhecimento dele, requererem o
cadastramento no prazo estabelecido em relação àquela modalidade licitatória
500
(três dias antes do recebimento das propostas)”.

Existindo na praça mais de 3 possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para obje-
to idêntico ou assemelhado, é obrigatório o convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto
existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações. Quando, por limitações do mercado
ou manifesto desinteresse dos convidados, for impossível a obtenção do número mínimo de licitan-
tes, essas circunstâncias deverão ser devidamente justificadas no processo, sob pena de repetição
do convite.

▶ Concurso: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de traba-


lho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedo-
res, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência míni-
ma de 45 dias. Cuida-se, portanto, de modalidade licitatória voltada para o exame de trabalho inte-
lectual. A Administração somente poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço
técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administra-
ção possa utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua
elaboração. Em se tratando de projeto, o vencedor deverá autorizar a Administração a executá-lo
quando julgar conveniente. Quando o projeto referir-se a obra imaterial de caráter tecnológico,
insuscetível de privilégio, a cessão dos direitos incluirá o fornecimento de todos os dados, docu-
mentos e elementos de informação pertinentes à tecnologia de concepção, desenvolvimento, fixa-
ção em suporte físico de qualquer natureza e aplicação da obra. O julgamento no concurso será
feito por uma comissão especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhe-
cimento da matéria em exame, servidores públicos ou não. O concurso deve ser precedido de regu-
lamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no edital, e que deverá indicar a
qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho, as con-
dições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos.

500
MELLO, Curso..., cit.

278
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

▶ Leilão: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens mó-
veis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou
para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, Lei 8.666/93, a quem oferecer o maior lance,
igual ou superior ao valor da avaliação. Refere-se em regra à venda de bens móveis, admitindo-se
também em relação aos semoventes. No caso de bens imóveis, a regra é a realização de concor-
rência e o leilão somente poderá ser utilizado quando se tratar de imóveis cuja aquisição haja deri-
vado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19). Convém ressaltar que
“os bens móveis mencionados são inservíveis para a Administração, o que não
significa que não tenham utilidade para outras pessoas. Sucata de ferro, dormen-
tes, veículos etc. São bens de valor econômico, embora tenham perdido a utilida-
501
de ou a finalidade para as atividades concernentes à Administração Pública”.

Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço
mínimo de arrematação. Os bens passíveis de serem levados a leilão são aqueles avaliados, isolada
ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto para as compras na tomada de preços
(arts. 17, §6º, e 23, II, “b”, Lei 8.666/93). A exemplo da concorrência, no leilão também há o requisi-
to de ampla publicidade, a fim de que se atraia o maior número possível de participantes. Os inte-
ressados oferecerão lances, sendo vencedor o que oferecer maior lance, igual ou superior ao valor
da avaliação. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial (leilão comum) ou a servidor designado
pela Administração (leilão administrativo).

“O leilão comum é regido pela legislação federal pertinente, mas as condições de


sua realização poderão ser estabelecidas pela Administração interessada; o leilão
administrativo é o instituído para a venda de mercadorias apreendidas como con-
trabando, ou abandonadas nas alfândegas, nos armazéns ferroviários ou nas re-
partições públicas em geral, observadas as normas regulamentares da Adminis-
502
tração interessada.”

Registre-se que as licitações internacionais poderão adotar a modalidades de concorrência,


tomada de preços e convite. De fato, conforme dispõe o art. 23, § 3º, Lei 8.666/93, a regra nas lici-
tações internacionais é a realização de concorrência, sendo possível, contudo,
Art. 23. (...)
§ 3º (...) a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro interna-
cional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço
no País.

 AS FASES DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NA LEI 8.666/93


Como processo administrativo que é, a licitação segue etapas e fases procedimentais que
dependem da modalidade adotada.

Primeiramente é instaurado o processo administrativo, que é autuado, protocolado e nume-


rado.

501
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos Administrativos, São Paulo: Atlas.
502
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

279
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“No processo deve estar, de imediato, a autorização para o certame, a descrição


do objeto e, o que é mais importante, a menção aos recursos próprios para a futu-
503
ra despesa.”

Assim, tem-se a etapa interna, por meio da qual se busca o planejamento da licitação, com a
identificação do objeto, a estimativa do valor da contratação, a escolha da modalidade adequada e
a previsão de reserva orçamentária para fins de empenho.

A Lei 8.666/93 previu procedimentos diferenciados na delimitação do objeto licitatório, con-


forme se trate de obras e serviços (arts. 7º a 13) ou de compras (arts. 14 a 16). No caso das obras e
serviços, o legislador estabeleceu um rito que se inicia com o projeto básico, seguindo-se o projeto
executivo e a execução da obra ou serviço.

As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:


Art. 7º (...)
§2º (...)
I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame
dos interessados em participar do processo licitatório;
II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os
seus custos unitários;
III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obri-
gações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em
curso, de acordo com o respectivo cronograma;
IV - o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano
Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso.

A Lei conceitua o projeto básico como sendo o conjunto de elementos necessários e suficien-
tes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou
serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares,
que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreen-
dimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de
execução. Deve ser elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que as-
segurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento de impacto ambiental do empreendimen-
to.

Quando a licitação é promovida sob a modalidade do pregão, o documento descritivo do ob-


jeto denomina-se termo de referência (art. 9º, Lei 10.520/02).

Além do projeto básico, pode haver nessa etapa interna a elaboração de um projeto executi-
vo, definido pela lei como o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa
da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.

Os projetos básico e executivo devem observar o requisito de impacto ambiental. A lei só e-


xige previamente o projeto básico como regra geral, podendo o projeto executivo ser elaborado
concomitantemente com a execução da obra ou do serviço. Daí a crítica de Marçal Justen no senti-
do de que

503
Ib idem.

280
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“talvez uma das providências mais essenciais que a reforma da Lei de Licitações
deva conter seja a vedação à instauração de licitação de obra fundada apenas em
projeto básico. A existência do projeto executivo é uma garantia inafastável para
504
o interesse coletivo”.

No que concerne à fase interna na licitação destinada a compras, o Estatuto reza que ne-
nhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos
orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe
tiver dado causa. Como regra geral, deverá a Administração proceder a adequada caracterização do
objeto com vistas aos parâmetros estabelecidos no art. 15, Lei 8.666/93. Consoante orienta a Sú-
mula 177, TCU,
Súmula 177. A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispen-
sável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os
licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento,
pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipó-
tese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especifica-
ções mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.

O art. 39, Lei 8.666/93, menciona a necessidade de audiência pública, com antecedência mí-
nima de 15 dias da data prevista para a publicação do edital, sempre que o valor estimado para
uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a cem vezes
o limite previsto para a concorrência nas obras e serviços de engenharia. Consideram-se licitações
simultâneas aquelas com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores
a trinta dias e licitações sucessivas aquelas em que, também com objetos similares, o edital subse-
qüente tenha uma data anterior a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da lici-
tação antecedente.

Iniciada a etapa externa, o procedimento mais complexo é o da concorrência, que compre-


ende cinco fases: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação. Vejamos cada uma
delas:

▶ Edital: É através dele que a Administração leva ao conhecimento de todos o seu intento
em contratar determinado serviço, obra, alienação ou compra, discriminando o objeto da contrata-
ção e demais requisitos necessários ao certame.

O art. 21, Lei 8.666/93, faz menção aos avisos contendo os resumos dos editais das concor-
rências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, os quais devem ser publicados com
antecedência, ainda que realizados no local da repartição interessada. É o chamado aviso-resumo,
que deverá conter a indicação do local em que os interessados poderão ler e obter o texto integral
do edital e todas as informações sobre a licitação. Convém, portanto, não confundir o aviso-resumo
com o edital propriamente dito, pois, como esclarece Hely Lopes,
“o que a lei exige é a notícia da abertura da licitação, isto é, do aviso resumido do
edital, e não de seu texto completo, pois este os interessados obterão no local in-
dicado na comunicação. Nada impede, entretanto, que a Administração, em face

504
JUSTEN FILHO, Comentários... cit.

281
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

da importância da licitação, promova a publicação na íntegra e em maior número


505
de vezes que o legalmente exigido”.

O §2º do art. 21 trata dos prazos mínimos de convocação dos licitantes, a serem observados
entre a data da publicação do edital resumido (ou da expedição do convite no caso de convite).

O edital deverá conter no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da reparti-
ção interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção
de que será regida pela Lei 8.666/93, o local, dia e hora para recebimento da documentação e pro-
posta, bem como para início da abertura dos envelopes. Além dessas determinações básicas, há
uma série de elementos que deverão estar obrigatoriamente indicados no texto do edital, dentre
eles o objeto da licitação, em descrição sucinta e clara, o prazo e condições para assinatura do con-
trato ou retirada dos instrumentos, para execução do contrato e para entrega do objeto da licita-
ção, as sanções para o caso de inadimplemento, o local onde poderá ser examinado e adquirido o
projeto básico, se há projeto executivo disponível na data da publicação do edital de licitação e o
local onde possa ser examinado e adquirido, as condições para participação na licitação e forma de
apresentação das propostas, o critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros obje-
tivos, além de outros elementos.

Convém salientar que o edital contém elementos não apenas referentes à licitação, mas
também ao próprio contrato dela objeto. Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar o edital
de licitação por irregularidade na aplicação da lei, devendo protocolar o pedido até cinco dias úteis
antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação.

Em relação aos licitantes, o prazo decadencial para impugnar os termos do edital de licitação
perante a administração vai até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habi-
litação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços
ou concurso, ou a realização de leilão. A impugnação deverá ser julgada e respondida pela Adminis-
tração em até 3 dias úteis. Além disso, qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica,
poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno
contra irregularidades na aplicação da lei no tocante ao controle de despesas nas licitações e con-
tratos. A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do proces-
so licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.

▶ Habilitação: Na data estabelecida no edital, os interessados apresentam os envelopes de


documentação e os envelopes de propostas. Na fase de habilitação, também chamada de qualifica-
ção, procede-se à abertura dos envelopes de documentação apresentados pelos proponentes,
verificando-se se os licitantes preenchem os requisitos de qualificação técnica e econômica, indis-
pensáveis à garantia do cumprimento das obrigações tal como previsto no art. 37, XXI, CF. Observa-
se, portanto, a aptidão do candidato para a contratação objeto da licitação. A inabilitação do lici-
tante importa preclusão do seu direito de participar das fases subsequentes do certame. Havendo a
inabilitação, sequer se abre o envelope de proposta, o qual é devolvido fechado ao concorrente
inabilitado. Algumas legislações estaduais modificam a ordem das fases licitatórias, estabelecendo
a fase de habilitação após a classificação das propostas.

505
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

282
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O art. 27, Lei 8.666/93, menciona a documentação exigível para a habilitação dos proponen-
tes, que deve se referir exclusivamente aos aspectos de habilitação jurídica, qualificação técnica,
qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, cumprimento do disposto no art. 7º, XXXIII,
CF, (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos). O legislador cui-
dou de enumerar a documentação relativa à comprovação da habilitação jurídica (art. 28), da regu-
laridade fiscal (art. 29), da qualificação técnica (art. 30) e da qualificação econômico-financeira
(art. 31). Ressalte-se que o edital pode prever uma pré-qualificação dos licitantes, por meio do re-
gistro cadastral.

O art. 34, Lei 8.666/93, estabelece que


Art. 34. (...) os órgãos e entidades da Administração Pública que realizem freqüentemen-
te licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação, na forma regula-
mentar, válidos por, no máximo, um ano.

Em geral os registros cadastrais são utilizados para o procedimento da tomada de preços, cu-
ja tônica é a habilitação preliminar. Contudo, a Lei de Licitações, em seu art. 32, §§2º e 3º, admite
que o certificado de registro cadastral seja empregado nas outras modalidades de licitação, em
substituição aos documentos de habilitação nas concorrências, quando previsto no edital e desde
que o concorrente se comprometa a declarar, sob as penas da lei, a superveniência de fato impedi-
tivo da habilitação.

Atendidas as exigências legais quanto aos documentos, o licitante deve ser habilitado, de-
vendo-se evitar o rigor exagerado na fase de habilitação (formalismo moderado), a fim de assegurar
a maior competição possível no exame das propostas. Celso Antônio salienta que o comparecimen-
to ou a habilitação de um único licitante não obsta que se prossiga no procedimento do certame,
com o exame da proposta e adjudicação do objeto. O mesmo deve ocorrer se vários licitantes com-
parecerem mas apenas um for habilitado.506 A habilitação gera para o licitante, ao mesmo tempo,
um direito e um dever. Terá pleno direito ao exame da sua proposta, pois
Art. 43. (...)
§ 5º Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes (incisos I e II) e abertas as pro-
postas (inciso III), não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação,
salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.

Por outro lado, o habilitado tem também o dever de manter a proposta, porquanto,
Art. 43. (...)
§ 6º Após a fase de habilitação, não cabe desistência de proposta, salvo por motivo justo
decorrente de fato superveniente e aceito pela Comissão.

De acordo o art. 109, Lei 8.666/93, o recurso pode ser interposto no prazo de 5 dias úteis a
contar da intimação do ato ou da lavratura da ata. No caso de recurso contra à habilitação ou inabi-
litação do licitante, a regra geral é a publicação na imprensa oficial, salvo se presentes os prepostos
dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por comunicação direta
aos interessados e lavrada em ata. Haja vista esta regra específica prevendo publicação na impren-
sa oficial, descabe a intimação por via postal. O recurso terá sempre efeito suspensivo o recurso
administrativo nos casos de habilitação ou inabilitação do licitante e de julgamento das propostas.
Nos demais casos, o efeito suspensivo poderá ou não ser atribuído pela autoridade competente.

506
MELLO, Curso..., cit.

283
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

▶ Abertura de envelopes de propostas e classificação: Após a habilitação, são abertos os


envelopes de propostas para exame, em sessão pública com data previamente designada. Em se-
guida, dá-se a classificação das propostas, de acordo com os critérios fixados no edital. Há autores
que consideram a classificação como uma etapa anterior ao julgamento.

Primeiro se examina a admissibilidade da proposta para depois, uma vez classificadas, proce-
der-se ao julgamento da melhor proposta. Assim, na fase de classificação se faz uma espécie de
exame prévio de admissibilidade das propostas, de forma que somente as propostas classificadas
vão a julgamento. Em regra o julgamento ocorre logo em seguida à classificação, todavia é possível
que a Administração o faça posteriormente nos casos que demande exame mais acurado, mesmo
sem a presença dos licitantes, daí porque se costuma separar didaticamente as duas fases.

Na etapa prévia da classificação é observado se as propostas atenderam às exigências do ato


convocatório da licitação, se não contêm valor global superior ao limite estabelecido ou preços
manifestamente inexequíveis, caso contrário serão desclassificadas. Se todas as propostas forem
desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apre-
sentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas da desclassifica-
ção, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis. Não se admitirá pro-
posta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis
com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o
ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a
materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou
à totalidade da remuneração.

▶ Julgamento: Após a classificação,


“colocadas lado a lado as propostas dos classificados, cumpre selecionar aquela
que é mais vantajosa para a Administração, segundo o que o instrumento convo-
catório estabelecer. Essa vai ser a proposta vitoriosa, permitindo o futuro vínculo
507
obrigacional com a Administração.”

O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou o responsável


pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabe-
lecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira
a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.

Excetuada a modalidade de concurso, os tipos de licitação, para efeito de classificação, são:


a) a de menor preço;
b) a de melhor técnica;
c) a de técnica e preço;
d) a de maior lance ou oferta.

Como esclarece Celso Antônio, o que a lei denomina de “tipos de licitação”, na verdade, são
os distintos critérios fundamentais de julgamento por ela estabelecidos para obras, serviços e com-
507
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

284
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

pras, vedada a criação de outros. 508 Pelo critério de menor preço, leva-se em conta o menor preço
ofertado, desde, é claro, sejam atendidas as demais condições fixadas no edital. Dado o caráter
estritamente objetivo do critério de menor preço, esse tipo de licitação é a regra geral que deve ser
adotada, daí porque a Lei 8.666/93 reservou os demais tipos de licitação para hipóteses especificas.
Os critérios de melhor técnica e de técnica e preço são destinados exclusivamente para serviços de
preponderante natureza intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização,
supervisão, gerenciamento, engenharia consultiva.

Para contratação de bens e serviços de informática, a administração deverá adotar obrigato-


riamente o tipo de licitação técnica e preço, salvo se houver decreto permitindo o emprego de
outro tipo de licitação.

Excepcionalmente, os tipos de licitação por critérios de melhor técnica e de técnica e preço


poderão ser adotados, por autorização expressa e mediante justificativa circunstanciada da maior
autoridade da Administração promotora constante do ato convocatório, para fornecimento de
bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto majoritariamente dependentes
de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por autoridades técnicas de
reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções alternativas e
variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendi-
mento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha
dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório.

No critério de melhor técnica a lei estabeleceu uma preeminência do fator preço, de modo
que acabará vencendo aquele que, dentro da ordem de classificação, aceitar assumir o menor pre-
ço dentre os oferecidos. Já no critério de técnica e preço, a classificação dos proponentes far-se-á
de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, observados
os pesos preestabelecidos no instrumento convocatório.

▶ Classificação final: Vimos anteriormente que o julgamento é feito com vistas às propostas
que foram classificadas na fase de abertura dos envelopes. Não obstante, o termo “classificação”
também é utilizado para a etapa final da fase de julgamento, em que se procede ao estabelecimen-
to da ordem de seleção das propostas aprovadas tendo em vista as vantagens que oferecem. Nesse
sentido, feito o julgamento, classificam-se as propostas pela ordem de preferência, escolhendo-se o
primeiro colocado. Em caso de empate na avaliação das propostas, o art. 45, §§2º e 3º, Lei
8.666/93, dispõe que deve-se primeiro obedecer aos critérios de preferência estabelecidos no § 2º
do art. 3º, da mesma Lei 509. Persistindo o empate, a classificação se fará por sorteio. Com o resul-
tado final do certame, dá-se ao vencedor o direito de preferência na contratação, associado ao
dever de manter a proposta assumida, ficando a Administração impedida de realizar nova licitação
enquanto eficaz o resultado final por ela proclamado.

508
MELLO, Curso..., cit.
509
Art. 3º (...)
§ 2º Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
II - produzidos no País;
III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País;
V - produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com
deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.

285
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

▶ Homologação: Após a classificação final das propostas, surge a derradeira fase do proce-
dimento licitatório, na qual ocorrerá a deliberação da autoridade competente quanto à homologa-
ção e adjudicação do objeto da licitação. Há autores que não consideram a homologação propria-
mente como uma fase da licitação, mas apenas um ato que confere eficácia à licitação já concluída.
Deveras, a homologação é ato de aprovação afeto ao poder hierárquico da autoridade superior,
geralmente a responsável pela ordenação de despesas referentes ao contrato objeto da licitação ou
outra indicada no edital. Com a homologação, fica confirmada a validade da licitação. Recebidos os
autos do processo administrativo licitatório pela autoridade superior, para fins de homologação do
certame, poderão eventualmente ser adotadas, antes disso, providências para fins de esclareci-
mento, caso necessário.

Ademais, ao invés de homologar, poderá ainda a autoridade vir a anular o procedimento (por
vício de ilegalidade) ou até mesmo revogá-lo (por razões de superveniente interesse público). Não
poderá, todavia, modificar o teor do julgamento feito pela Comissão. A homologação da licitação
não obsta que a Administração possa anulá-la, por ilegalidade, ou revogá-la, por razões de interesse
público superveniente. De acordo com o art. 49, Lei 8.666/93,
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá
revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente de-
vidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anu-
lá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito
e devidamente fundamentado.

▶ Adjudicação: Com a homologação do certame, segue-se a adjudicação, que é o ato pelo


qual se atribui ao vencedor a atividade objeto da licitação (na legislação anterior a adjudicação vi-
nha antes da homologação). A doutrina diverge quanto aos efeitos da adjudicação.

Alguns consideram que a adjudicação dá ao contratante o direito subjetivo de contratar com


a Administração. Esse é o entendimento de Hely Lopes quando aponta, como um dos efeitos jurídi-
cos da adjudicação, “a aquisição do direito de contratar com a Administração nos termos em que o
adjudicatário venceu a licitação” 510, e de Adilson Dallari, ao assinalar que “a licitação, no momento
em que é aprovada, aperfeiçoa uma promessa de contrato, um compromisso de contratar, emer-
gindo daí um direito ao contrato” 511.

A doutrina majoritária, porém, considera que a adjudicação não confere ao licitante vence-
dor propriamente um direito subjetivo de contratar, mas, sim, uma mera expectativa na contrata-
ção, consubstanciada no direito de preferência por parte do vencedor, isto é, um direito de não ser
preterido, nos termos do art. 50 do Estatuto. Essa expectativa poderá ser eventualmente frustrada
por decisão da Administração, em caso de fato superveniente que justifique a não contratação.
Nessa linha, Diógenes Gasparini assinala que a adjudicação tem como um de seus efeitos jurídicos a
“aquisição, pelo vencedor do certame, do direito de contratar com a pessoa licitante, se houver
contratação”. 512

Mais do que mero debate acadêmico, a distinção nos efeitos da adjudicação tem reflexo di-
reto nas questões de ordem patrimonial referentes à eventual não contratação do licitante vence-

510
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
511
DALLARI, Adilson de Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação, São Paulo, 1992.
512
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

286
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

dor. De fato, ao se considerar que a adjudicação lhe daria direito subjetivo de contratar, eventual
não contratação poderia ensejar, em tese, o direito a uma indenização. Já em se considerando ha-
ver mera expectativa de contratar, não haveria dano a indenizar. De qualquer modo, a questão de
caber ou não indenização dependerá do exame de cada caso concreto, pois da mesma forma em
que será cabível indenização quando um contrato já em curso vem a ser unilateralmente desconsti-
tuído pela Administração por razões de interesse público (denúncia lícita), é possível se falar em
indenização quando o licitante vencedor se vê frustrado em sua pretensão de contratar também
por ato discricionário da Administração (revogação).

A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a lici-


tação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado,
pertinente e suficiente para justificar tal conduta (art. 49, Lei 8.666/93). Nesses casos, apesar de
lícita a revogação, parece justo que o licitante seja indenizado por eventuais prejuízos sofridos, mas
há divergências acerca desse entendimento. Já a anulação do procedimento licitatório (por motivo
de ilegalidade) a princípio não gera obrigação de indenizar, salvo se já firmado o contrato e houver
prejuízos regularmente comprovados não imputáveis ao contratante, promovendo-se a responsabi-
lidade de quem lhe deu causa (art. 49, § 1º, c/c art. 59, parágrafo único, Lei 8.666/93).

Ainda em tema de efeitos da adjudicação, Lúcia Valle Figueiredo aponta os seguintes direitos
e deveres do melhor licitante:
“a) direito de não ser preterido;
b) direito de exigir que se fundamentem as razões se o contrato não se aperfeiço-
ar;
c) dever de sustentar a proposta para a assinatura do contrato;
513
d) dever de firmar o contrato nos termos em que se obrigou.”

Acrescente-se que a Administração não poderá convocar novo certame enquanto estiver em
vigor a adjudicação. Em relação aos demais licitantes, a adjudicação tem como efeitos a sua libera-
ção dos encargos da licitação e o direito ao desentranhamento dos documentos apresentados.

Nos termos do art. 64, §2º, Lei 8.666/93,


Art. 64. (...)
§ 2º É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato
ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos,
convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual
prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos
preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação in-
dependentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.

Pela redação do dispositivo fica claro que a convocação é uma faculdade - e não uma obriga-
ção - da Administração, que poderá optar pela revogação do certame quando esta se revelar a me-
dida mais adequada ao interesse público.

Dispõe o art. 51, § 3º, Lei 8.666/93, que


Art. 51. (...)

513
FIGUEIREDO, Curso..., cit.

287
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

§ 3º Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os


atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamen-
te fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a de-
cisão.

Todas as fases acima estudadas integram o procedimento licitatório na modalidade de con-


corrência, por ser o mais complexo, direcionado a contratos de maior vulto. As demais modalidades
comportam procedimentos mais simplificados, nos seguintes moldes:

▶ Procedimento na Tomada de Preços: Sendo utilizada para contratos de porte médio, são
poucas as diferenças em relação ao procedimento de concorrência. Na tomada de preços a habili-
tação é prévia, por meio de registro cadastral, havendo ainda possibilidade de habilitação aos não
inscritos que apresentarem documentação até três dias antes do recebimento das propostas. O
edital é publicado com antecedência de 15 dias (na concorrência são 45 e 30 dias, a depender do
caso.

▶ Procedimento no Convite: Por ser voltado a contratos de pequeno porte, o procedimento


do convite é mais simples ainda. Não há edital nem fase de habilitação, pois os licitantes são convo-
cados pela própria Administração, com antecedência de 5 dias. A carta-convite é enviada a pelo
menos 3 interessados e afixada em um local apropriado, podendo ser publicada. A comissão de
licitação pode ser substituída por um servidor designado.

▶ Procedimento no Concurso: Tratando-se de modalidade específica destinada à seleção de


trabalho técnico, científico ou artístico, o art. 52, Lei 8.666/93, prevê que cada concurso terá o seu
regulamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no edital. O regulamento
deverá indicar a qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e a forma de apresentação do
trabalho, assim como as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos. O
edital é publicado com antecedência mínima de 45 dias. O julgamento será feito por uma comissão
especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em
exame, servidores públicos ou não.

▶ Procedimento no Leilão: Assim como o concurso, o leilão também constitui modalidade


com objeto específico, eis que voltado para a alienação de bens móveis e semoventes da Adminis-
tração, além dos imóveis públicos que tiverem sido adquiridos em procedimento judicial ou dação
em pagamento. O edital é publicado com antecedência de 15 dias. As propostas são oferecidas
através de lances. Em lugar da comissão de licitação, o leilão será cometido a leiloeiro oficial (leilão
comum) ou a servidor designado pela Administração (leilão administrativo), procedendo-se na for-
ma da legislação pertinente. Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração
para fixação do preço mínimo de arrematação. Os bens arrematados serão pagos à vista ou no per-
centual estabelecido no edital, não inferior a 5% (cinco por cento) e, após a assinatura da respectiva
ata lavrada no local do leilão, imediatamente entregues ao arrematante, o qual se obrigará ao pa-
gamento do restante no prazo estipulado no edital de convocação, sob pena de perder em favor da
Administração o valor já recolhido. Nos leilões internacionais, o pagamento da parcela à vista pode-
rá ser feito em até vinte e quatro horas. O edital de leilão deve ser amplamente divulgado, princi-
palmente no município em que se realizará.

288
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO


A licitação deixa de ser obrigatória nas hipóteses excludentes, os quais podem ser de duas
espécies: os casos de inexigibilidade de licitação e os de casos dispensa de licitação. Nesses casos
haverá contratação direta do particular.

Maria Sylvia explica que


“a diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há
possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a
dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos
casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque só existe um
objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação
514
é, portanto, inviável.”

Vejamos as hipóteses separadamente:

▶ Inexigibilidade de licitação: Em regra os objetos de contratações pelo Poder Público po-


dem ser prestados por mais de uma pessoa, propiciando, portanto, a realização de uma competição
a fim de se verificar qual o prestador que melhor se adequa ao interesse público. Há situações, po-
rém, em que tal disputa não é possível, casos em que ficará configurada a inexigibilidade de licita-
ção. Nos termos do art. 25, Lei 8.666/93, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de
competição. E, em caráter exemplificativo, cita algumas hipóteses em que isto poderá especial-
mente ocorrer:
Art. 25. (...)
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos
por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de
marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido
pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou
o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entida-
des equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza
singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibi-
lidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através
de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opini-
ão pública.

Do exame do dispositivo legal, observa-se que os casos de inexigibilidade envolvem ou a sin-


gularidade do objeto ou a singularidade do sujeito. Celso Antônio explica esses dois parâmetros:
“a) quando o objeto pretendido é singular, sem equivalente perfeito. Neste caso,
por ausência de outros objetos que atendam à pretensão administrativa, resulta-
rá unidade de ofertantes, pois, como é óbvio, só quem dispõe dele poderá ofertá-
lo;
b) quando só há um ofertante, embora existam vários objetos de perfeita equiva-
lência, todos, entretanto, disponíveis por um único sujeito. Esta última hipótese

514
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

289
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

corresponde ao que, em nossa legislação, se denomina produtor ou fornecedor


515
exclusivo.”

▶ Dispensa de licitação: ocorre quando, apesar de ser possível a competição, esta se revela
inconveniente para a Administração, seja em razão do pequeno valor (fixado na lei como sendo de
10% do limite de valor adotado para a modalidade mais simples de licitação), em razão de situa-
ções excepcionais (v.g. casos de guerra, grave perturbação da ordem, emergência ou de calamida-
de pública), em razão do objeto (v.g. compra de imóvel específico, compra de hortifrutigrangeiros e
outros gêneros perecíveis, com base no preço do dia), em razão da pessoa (v.g. contratação com
instituição brasileira de ensino sem fins lucrativos e com reputação ético-profissional, contratação
de organização social), em razão de desinteresse na contratação (casos de licitação frustrada ou
deserta, em que não houve interessados na licitação anterior), em razão de disparidade de propos-
tas (os licitantes oferecem preços incompatíveis com as condições de mercado), em razão de com-
plementação do objeto (quando houver necessidade de complementar obra, serviço ou forneci-
mento anterior), dentre outras hipóteses. São situações incompatíveis com a demora do processo
licitatório, razão pela qual a própria lei já dispensa a licitação (licitação dispensada - art. 17, I, II, §§
2º e 4º, Lei 8.666/93) ou faculta à Administração dispensá-la (licitação dispensável - art. 24, Lei
8.666/93).

Comentando o art. 24, Marçal Justen Filho sistematiza os casos de dispensa de licitação basi-
camente em quatro hipóteses:
“a) custo econômico da licitação: quando o custo econômico da licitação for su-
perior ao benefício dela extraível (incs. I e II);
b) custo temporal da licitação: quando a demora na realização da licitação puder
acarretar a ineficácia da contratação (incs. III, IV, XII e XVIII);
c) ausência de potencialidade de benefício: quando inexistir potencialidade de
benefício em decorrência da licitação (incs. V, VII, VIII, XI, XIV, XVII, XXIII, XXVI,
XXVIII e XXIX);
d) função extraeconômica da contratação: quando a contratação não for norte-
ada pela critério de vantagem econômica, porque o Estado busca realizar outros
516
fins (incs. VI, IX, X, XIII, XV, XVI, XIX, XX, XXI, XXIV, XXV e XXVII).”

Acrescenta o autor que a hipótese do inciso XXII não se subordina a nenhum desses casos,
assemelhando-se mais à situação de inexigibilidade do que propriamente de dispensa. Da mesma
forma, as hipóteses dos incs. X, XV, XIX, XXII, XXV, XXVI e XXVIII não caracterizam dispensa de licita-
ção, mas inexigibilidade, porquanto se assemelham à situação descrita como ausência de viabilida-
de da competição. No âmbito da dispensa, como dito acima, há autores que fazem a distinção subs-
tancial entre licitação dispensável (art. 24) e licitação dispensada (art. 17). Marçal Justen, porém,
discorda dessa distinção, salientando que o regime jurídico é exatamente o mesmo numa e noutra
situação, de maneira que,
“em ambos os casos, o legislador autoriza contratação direta. Essa autorização
legislativa não é vinculante para o administrador. Ou seja, cabe ao administrador
escolher entre realizar ou não a licitação. Essa competência administrativa existe
não apenas nos casos do art. 24. Aliás, não fosse assim, o art. 17 conteria hipóte-
ses de vedação de licitação. Significa reconhecer que é perfeitamente possível
realizar licitação nas hipóteses do art. 17, desde que o administrador repute pre-

515
MELLO, Curso..., cit.
516
JUSTEN FILHO, Comentários..., cit.

290
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

sentes os requisitos para tanto. (...) Para ser mais preciso, a natureza jurídica da
517
dispensa prevista no art. 17 não é distinta daquela contida no art. 24.”

Por fim, há ainda quem mencione ao menos uma hipótese de licitação proibida, quando
houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em
decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional (art. 24, IX).

O art. 24, V, Lei 8.666/93, prevê hipótese de dispensa


Art. 24. (...)
V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não
puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as
condições preestabelecidas;

É o que a doutrina chama de licitação deserta, que, porém, não se confunde com a licitação
fracassada. Como explica Maria Sylvia Di Pietro, a licitação fracassada é aquela
“em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência da
inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é pos-
518
sível.”

Ressalte-se que o fato de haver hipóteses excludentes de licitação (dispensa ou inexigibilida-


de) não significa que a Administração possa escolher o contratante de modo arbitrário ou despro-
positado. O legislador apenas autorizou que a contratação não necessite observar rigidamente as
regras previstas para as modalidades licitatórias típicas, porém cabe à Administração, mesmo nas
contratações diretas, seguir critérios razoáveis e até mesmo, em alguns casos, adotar algum pro-
cesso seletivo simplificado que seja adequado ao objeto do contrato.

Não é admissível que a escolha do contratante se faça por critérios subjetivos do administra-
dor, haja vista o princípio da impessoalidade que deve nortear todas as atividades da Administra-
ção. Por isso a contratação direta pressupõe a adoção de certos procedimentos que propiciam o
controle de legalidade do ato, impedindo que a escolha se faça de modo arbitrário.

Dispõe o art. 26, Lei 8.666/93, que, com exceção das situações de dispensa em razão de pe-
queno valor, todos os demais casos de dispensa (art. 17, §§ 2º e 4º, e art. 24, III a XXIV), assim como
os de inexigibilidade (art. 25), deverão ser necessariamente justificados e comunicados dentro de
três dias à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco
dias, como condição para eficácia dos atos. Se, a pretexto de adotar hipótese de dispensa ou inexi-
gibilidade de licitação, for comprovada a ocorrência de superfaturamento, responderão solidaria-
mente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente
público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Além disso, a adoção de dis-
pensa ou inexigibilidade fora dos casos taxativamente previstos na lei, assim como a inobservância
das formalidades previstas para tais hipóteses, é tipificada como crime no art. 89 da Lei de Licita-
ções.

 NORMAS DE LICITAÇÃO NAS LEGISLAÇÕES ESPECIAIS

517
Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p.300.
518
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

291
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 PREGÃO
Com o objetivo de desburocratizar e agilizar o procedimento de licitação nos casos de contra-
tos administrativos de pouca complexidade, a Lei 10.520/02 instituiu o pregão como nova modali-
dade licitatória, ao lado das já previstas na Lei 8.666/93. Buscou com isso “acelerar o processo de
escolha de futuros contratados da Administração em hipóteses determinadas e específicas”. 519
Anteriormente, o pregão só era previsto para as licitações na área de telecomunicações e realizadas
pela ANATEL (Lei 9.472/97). Anos depois, com a Medida Provisória 2.026/00 e suas reedições, a
nova modalidade licitatória foi estendida para os mais diversos setores da Administração, todavia,
apenas para o âmbito federal, o que foi objeto de críticas doutrinárias. Finalmente, com a edição da
Lei 10.520/02, passou-se a admitir o manuseio do pregão no âmbito da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, adotando, com isso, o caráter de lei nacional.

O art. 9º, Lei 10.520/02, estabelece que devem ser aplicadas subsidiariamente as normas da
Lei 8.666/93 ao procedimento do pregão. Nos termos do art. 1º, podem ser objeto de pregão a
aquisição de bens e serviços comuns, quais sejam, aqueles cujos padrões de desempenho e quali-
dade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mer-
cado. Não há qualquer restrição por faixa de valor, ao contrário do foi adotado na sistemática da
Lei 8.666/93, conforme estudamos no tocante à concorrência, à tomada de preços e ao convite.

São de grande variedade os bens comuns e os serviços comuns objeto do pregão, vindo ge-
ralmente enumerados em decretos executivos (v. g. Decretos federais 3.555/00, 3.693/00,
7.174/10 e 10.024/19), daí porque certamente será de grande utilização essa nova modalidade
licitatória.

“Os bens comuns dividem-se em bens de consumo (os de frequente aquisição) e


bens permanentes (mobiliário, veículos etc.). Os serviços comuns são de variadís-
sima natureza, incluindo-se, entre outros, os de apoio administrativo, hospitala-
res, conservação e limpeza, vigilância, transporte, eventos, assinatura de periódi-
cos, serviços gráficos, informática, hotelaria, atividades auxiliares (motorista, gar-
520
çom, ascensorista, copeiro, mensageiro, secretaria, telefonista etc.).”

Aspecto importante diz respeito à facultatividade do pregão, uma vez que


“não é modalidade de uso obrigatório pelos órgãos públicos. Trata-se, pois, de a-
tuação discricionária , na qual a Administração terá a faculdade de adotar o pre-
gão (nas hipóteses cabíveis) ou algumas das modalidades previstas no Estatuto
521
geral”.

Por isso o art. 1º, Lei 10.520/02, diz que, para a aquisição de bens e serviços comuns, poderá
ser adotada a modalidade de pregão.

Outras características do pregão estão na adoção parcial do princípio da oralidade (vez que
poderão se apresentadas verbalmente propostas e lances), e a observância, dentro do possível, do
princípio do informalismo (com utilização de recursos da informática – art. 2º, §1º, Lei 10.520/02).
Os trabalhos no pregão serão dirigidos por um pregoeiro, designado pela autoridade competente

519
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
520
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
521
Idem.

292
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

da unidade administrativa e com as atribuições de receber propostas e lances, analisar a sua aceita-
ção e classificação, habilitar os concorrentes e adjudicar o objeto da licitação. O procedimento do
pregão, como dito, está previsto na Lei 10.520/02, aplicando-se subsidiariamente a Lei 8.666/93.

Na fase de convocação, haverá a publicação de um aviso e do edital, com antecedência de 8


dias até a apresentação das propostas. Inicialmente há apenas uma habilitação preliminar, por
meio de simples declaração do licitante de que atende às exigências de habilitação e qualificação,
bem como está em situação regular perante a Fazenda Nacional, o INSS e o FGTS.

A lei prevê sanções para o caso de declaração falsa (impedimento de contratar com a União e
descredenciamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF – por até
cinco anos, além de multa). Haverá uma sessão pública para abertura dos envelopes de propostas
formais e escritas. O autor da proposta de valor mais baixo e aqueles com propostas com preços
até 10% superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos. Somente após a classi-
ficação das propostas é que o pregoeiro procede ao exame dos documentos de habilitação, haven-
do, portanto, uma inversão do procedimento nesta modalidade. Com isso, apenas são verificados
os documentos do licitante vencedor, o que simplifica muito o procedimento.

O regulamento geral do pregão foi editado através do Decreto 3.555/00. Posteriormente, o


Decreto 5.450/05 veio a regulamentar o pregão na forma eletrônica, sendo revogado em 2019 pelo
Decreto 10.024. O Decreto 7.174/10, por sua vez, regulamenta a contratação de bens e serviços de
informática e automação.

 DECRETO 10.024/2019
O Decreto 10.024/19 visa regulamentar os novos procedimentos para realização do pregão
eletrônico nas aquisições de bens e contratações de serviços comuns, inclusive serviços comuns de
engenharia, bem como dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração
pública federal. O novo Decreto buscou aperfeiçoar o rito do pregão, na forma eletrônica, priman-
do pelos pilares da ampla competitividade, transformação digital, desburocratização, sustentabi-
lidade e maior segurança negocial ao mercado.

O novo regulamento se aplica ao âmbito da administração pública federal. Em um primeiro


momento, as suas disposições se aplicam à administração federal direta, às autarquias, às funda-
ções e aos fundos especiais. Entretanto, as suas disposições também podem ser aplicadas às em-
presas públicas, às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias. Assim, podemos dizer que
sua aplicação é obrigatória na administração federal direta, autárquica e fundacional; e facultati-
va nas empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias.

O Decreto 10.024/19 revogou o Decreto 5.450/05 que era o antigo regulamento do pregão
na forma eletrônica. Além disso, também foi revogado o Decreto 5.504/05. Este último, estabelecia
a exigência do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, nas contratações realizadas por en-
tidades diversas da administração federal, mas que eram custeadas com recursos federais.

O novo Regulamento explica melhor essa situação, além de tornar a utilização do pregão e-
letrônico obrigatória. Anteriormente, o pregão era obrigatório na administração federal, sendo
preferencialmente na forma eletrônica. Portanto, a antiga exigência era da obrigatoriedade da mo-
dalidade (o pregão), mas a forma eletrônica seria apenas “preferencial”. A partir de agora, o pregão

293
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

na forma eletrônica é obrigatório. A adoção da forma presencial somente será cabível quando
houver justificativa da inviabilidade técnica ou da desvantagem para a administração na realização
da forma eletrônica.

Considerando as disposições da Lei 10.520/2002, o único critério de julgamento do pregão é


o de menor preço. A partir de agora, entretanto, haverá dois critérios de julgamento. O novo De-
creto também admite a utilização do maior desconto. Assim, com base apenas na Lei 10520/02, só
cabe o menor preço. Por outro lado, com base no Decreto 10.024/19, cabe tanto o menor preço
como o maior desconto.

Os bens e serviços especiais são aqueles bens e serviços que não são comuns, ou seja, é o
contrário dos bens e serviços comuns. Segundo o Decreto, bens e serviços especiais são os “bens
que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade técnica, não podem ser considerados bens e
serviços comuns”. Consequentemente, não poderão ser licitados por meio do pregão.

Existia divergência no TCU sobre a possibilidade ou não de manutenção do orçamento esti-


mado como sigiloso no âmbito do pregão. A dúvida sobre o tema surgiu pelo fato de a Lei 8.666/93
determinar que o orçamento seja peça integrante do edital da licitação (art. 40, § 2º, II). Todavia, a
mesma exigência não ocorre no âmbito da Lei 10.520/02. Porém, o Decreto 10.024/19 expressa-
mente determina que
Art. 15. O valor estimado ou o valor máximo aceitável para a contratação, se não constar
expressamente do edital, possuirá caráter sigiloso e será disponibilizado exclusiva e
permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.

Esse dispositivo basicamente incorpora a redação do Regime Diferenciado de Contratações


Públicas. O propósito é forçar os licitantes a apresentarem as propostas conforme as suas condi-
ções e não com base no orçamento estimado apresentado pela administração.

A divulgação do aviso do edital ocorrerá no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico ofici-
al do órgão ou da entidade promotora da licitação (art. 20). Esse procedimento já havia sido deter-
minado por intermédio da MP 896/19, que substituiu as publicações em jornal impresso por publi-
cações eletrônicas.

Quanto à disputa, são previstos dois modos: aberto e fechado. O sistema aberto é o modelo
“tradicional” de pregão. Porém, o Decreto prevê a sistemática de prorrogação automática do tem-
po para apresentação dos lances. Basicamente, o sistema “adia” o encerramento da sessão sempre
que houver um novo lance nos dois minutos finais para o fechamento da fase de lances. Portanto, o
sistema só “fecha” a etapa de lances se ninguém ofertar novo lance no prazo de dois minutos (isso
se já tiver passado o prazo mínimo de duração de 10 minutos). Resumidamente, no sistema aberto,
a fase de lances tem a duração mínima de dez minutos e, depois disso, o sistema encerra a fase
de lances de forma automática se nenhum licitante apresentar um novo lance no prazo de dois
minutos. Porém, aqui, todos vêm o lance dos concorrentes.

Por outro lado, no sistema “aberto e fechado”, após o encerramento do prazo de duração da
proposta, os licitantes mais bem classificados poderão ofertar um “lance final”. Mas a diferença
aqui é que esse lance final é sigiloso, ou seja, os outros licitantes não saberão a oferta dos demais.
A diferença, portanto, é que no sistema aberto todo mundo vê todos os lances dos concorrentes; já
no sistema aberto e fechado o lance final dos licitantes é “escondido”, só aparecendo quando efeti-

294
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

vamente o sistema encerrar a fase de lances. O propósito é obrigar os licitantes a ofertarem o pre-
ço mais baixo que puderem, independentemente do lance dos demais. Somente após a conclusão
do procedimento é que esses lances finais serão tornados públicos.

Além disso, o Decreto 10.024/19 instituiu o sistema de dispensa eletrônica de licitação. Po-
rém, o Regulamento, em si, não explicou como o sistema vai funcionar, apenas determinou que os
órgãos e entidades integrantes do sistema de serviços gerais – Sisg adotarão o sistema de dispensa
eletrônica de licitação nas contratações de bens e serviços comuns, inclusive de engenharia, que
sejam de baixo valor (na forma do art. 24, I e II, Lei 8.666/93) ou nos casos de guerra ou grave per-
turbação da ordem (art. 24, III, Lei 8.666/93). Esse sistema de dispensa eletrônica de licitação será
regulamentado por ato do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Ges-
tão e Governo Digital do Ministério da Economia.

 REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS (RDC)


Por ocasião dos preparativos para a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de
2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, considerando a quantidade de serviços e obras
públicas que precisariam ser contratados a curto prazo, foi editada uma legislação estabelecendo
Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). A matéria havia sido objeto de medidas pro-
visórias, as quais, todavia, perderam a vigência antes de serem convertidas em lei. Depois, a Lei
12.462/11 veio a regular a tratar do tema, passando a ser conhecida como a “Lei do RDC”. Em âm-
bito federal, esta lei é regulamentada pelo Decreto 7.581/11.

Alguns autores alertam que a Lei 12.462/11 não admitiria aplicação subsidiária da Lei
8.666/93, salvo nas situações que expressamente assim determina. Ou seja, não seria automática a
incidência da Lei 8.666/93 nas questões em que a Lei 12.462/11 for silente, pelo que a solução nes-
ses casos teria que ser buscada por outros meios integrativos. Registre-se, todavia, entendimento
contrário, esposado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tendo em vista o quanto disposto no art. 39
da lei em questão:
“Pelo artigo 39 da Lei n. 12.462/11, 'os contratos administrativos celebrados com
base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993,
com exceção das regras específicas previstas nesta Lei'. Vale dizer que a Lei n.
522
8.666/93 é de aplicação subsidiária”.

A criação do RDC, como o próprio termo sugere, visou admitir que sejam realizadas licitações
e contratações administrativas submetidas a normas distintas daquelas previstas no estatuto geral
das licitações (Lei 8.666/93), proporcionando, com isso, maior agilidade ao procedimento licitató-
rio, conforme os objetivos elencados no art. 1º, §1º, Lei 12.462/11, a saber:
Art. 1º (...)
§ 1º O RDC tem por objetivos:
I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre
custos e benefícios para o setor público;
III - incentivar a inovação tecnológica; e
IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração pública.

522
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

295
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Inicialmente voltado para as contratações necessárias à realização daqueles grandes eventos


acima citados, aí incluídas as obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeropor-
tos localizados até 350 km das sedes dos eventos, o âmbito de incidência do RDC foi posterior-
mente ampliado por diversas medidas provisórias, depois convertidas em leis (até o momento,
cite-se: Lei 12.688/12; Lei 12.745/12; Lei 13.190/15, Lei 13.243/16).

Com isso, o RDC já passou a abarcar também as seguintes situações:


a) obras integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC;

b) obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS;

c) obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração


de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo;

d) ações no âmbito da segurança pública;

e) obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou am-


pliação de infraestrutura logística;

f) locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, constru-
ção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por
terceiros, do bem especificado pela administração;

g) obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesqui-


sa, ciência e tecnologia.

h) ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação.

Além das hipóteses acrescentadas no próprio texto da Lei 12.462/11, já foram editadas legis-
lações esparsas prevendo a utilização do RDC em outras situações. Cite-se a Lei 12.783/13, que
permitiu à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) usar o RDC para contratar a construção
de silos e armazéns públicos. A Lei 12.815/13, que previu o RDC para à concessão de porto organi-
zado e de arrendamento de instalação portuária. Também a Lei 12.833/13, que autorizou
a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República a empregar o RDC em licitações para aqui-
sição de bens ou contratação de obras e serviços de engenharia e de técnicos especializados rela-
cionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de aeródromos públicos. A Lei
12.983/14, acrescentando o art. 15-A à Lei 12.340/10, autorizou a utilização do RDC nas licitações e
contratos destinados à execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de res-
posta e de recuperação em áreas atingidas por desastres.

O que se observa é que, tendo sido a legislação do RDC idealizada para ser temporária, aca-
bou albergando situações que vieram a lhe conferir um caráter permanente. A Copa e os Jogos
Olímpicos acabaram, mas o RDC ficou. Essa gradativa ampliação do campo de incidência do RDC
leva a crer que a disciplina da Lei 8.666/93 tem se mostrado inadequada e obsoleta na prática, ra-
zão pela qual, no dizer de José dos Santos Carvalho Filho,

296
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“parece cada vez mais claro que o sistema da nova lei, derrogatória do Estatuto,
se inclina no sentido de tornar-se o regime geral em virtude dos objetivos que pre-
523
coniza”.

Além de princípios já previstos na Lei 8.666/93, a Lei 12.462/11 mencionou mais dois princí-
pios da licitação, agora relacionados aos objetivos do RDC, quais sejam o da economicidade e o do
desenvolvimento nacional sustentável.

Vimos anteriormente que a Lei 8.666/93 veda a preferência por marca para fins de caracteri-
zação de fornecedor exclusivo (art. 25, I). Pois bem, cuidando de especificar melhor as situações de
aquisição de bens em que tal preferência pode vir a ocorrer, o art. 7º, I, Lei 12.462/11 estabelece
que no RDC a Administração poderá, sim, indicar marca ou modelo nas seguintes hipóteses:
a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;

b) quando determinada marca ou modelo comercializado por mais de um fornecedor for


a única capaz de atender às necessidades da entidade contratante; ou

c) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser melhor compreendida pela identi-
ficação de determinada marca ou modelo aptos a servir como referência, situação em que
será obrigatório o acréscimo da expressão “ou similar ou de melhor qualidade”.

Nas licitações no âmbito do RDC haverá uma comissão de licitação, formada em caráter
permanente ou especial, composta majoritariamente por servidores ou empregados públicos per-
tencentes aos quadros permanentes dos órgãos ou entidades da administração pública responsá-
veis pela licitação. Os membros da comissão de licitação responderão solidariamente por todos os
atos praticados pela comissão, salvo se posição individual divergente estiver registrada na ata da
reunião em que houver sido adotada a respectiva decisão.

O procedimento licitatório do RDC está previsto nos arts, 12 a 28, Lei 12.462/11. A lei prevê a
seguinte ordem das fases:
1. preparatória;
2. publicação do instrumento convocatório;
3. apresentação de propostas ou lances;
4. julgamento;
5. habilitação;
6. recursal; e
7. encerramento.

Contudo, autoriza-se a inversão das fases, de modo que a fase de habilitação possa vir a an-
teceder a classificação (fase de apresentação de propostas ou lances e o julgamento), desde que
isto tenha ficado expressamente previsto no instrumento convocatório e se faça por ato motivado
da Administração. A regra no RDC, porém, é que a habilitação somente venha depois do julgamen-

523
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

297
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

to e classificação das propostas, a exemplo do que já é feito no pregão, tornando mais prático o
procedimento.

Não obstante a regra de ampla publicidade extraída do art. 15 da Lei do RDC, o seu art. 6º
impõe restrição à publicidade do orçamento previamente estimado, que somente será tornado
público após o encerramento da licitação. Durante a licitação, a Administração deve apenas divul-
gar detalhamentos e demais informações necessárias à elaboração das propostas.

As licitações pelo RDC deverão ser realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, ad-
mitida a presencial.

Outra novidade da Lei 12.462/11 foi a adoção de modos de disputa aberto e fechado, facul-
tando-se a sua combinação. No modo de disputa aberto, os licitantes apresentarão suas ofertas
por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de jul-
gamento adotado. Poderão ser admitidos lances intermediários, durante a disputa aberta. Além
disso, após a definição da melhor proposta, sempre que existir uma diferença de pelo menos 10%
entre o melhor lance e o do licitante subsequente, a lei admite o reinício da disputa aberta. No
modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e
hora designadas para que sejam divulgadas. O sistema é semelhante ao adotado na Lei 8.666/93,
como já vimos. Todo o detalhamento do procedimento nos modos de disputa aberto ou fechado,
bem como na combinação entre eles, encontra-se previsto no Decreto 7.581/11.

A fase de julgamento está desdobrada nas seguintes subfases:


“a) classificação inicial das propostas;
b) desclassificação das propostas nas hipóteses previstas na lei;
c) desempate;
524
d) negociação.”

O art. 18 da Lei do RDC estabelece os seguintes critérios, a serem identificados no instrumen-


to convocatório:
Art. 18. (...)
I - menor preço ou maior desconto;
II - técnica e preço;
III - melhor técnica ou conteúdo artístico;
IV - maior oferta de preço; ou
V - maior retorno econômico.

Merece destaque o critério do maior retorno econômico, a ser utilizado exclusivamente para
a celebração de contrato de eficiência, uma espécie de contrato acessório que terá por objeto a
prestação de serviços, mas que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o
objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes,
sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada. Nos casos em que
não for gerada esta economia prevista no contrato de eficiência, a lei prevê as seguintes conse-
quências:
Art. 23. § 3º (...)

524
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

298
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

I - a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da


remuneração da contratada;
II - se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior à
remuneração da contratada, será aplicada multa por inexecução contratual no valor da
diferença; e
III - a contratada sujeitar-se-á, ainda, a outras sanções cabíveis caso a diferença entre a
economia contratada e a efetivamente obtida seja superior ao limite máximo estabele-
cido no contrato.

Definido o resultado do julgamento, a administração pública poderá negociar condições mais


vantajosas com o primeiro colocado A negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segun-
do a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o preço do primeiro colocado, mes-
mo após a negociação, for desclassificado por sua proposta permanecer acima do orçamento esti-
mado. Feitas todas as negociação possíveis e estabelecida a ordem de classificação, segue-se à fase
de habilitação, que, como já dito, poderá eventualmente anteceder as fases de apresentação das
propostas e de julgamento, se assim dispuser o edital. Nada dispondo, a habilitação virá sempre
depois, pois a RDC adotou, neste ponto, a mesma política da lei do pregão, buscando agilizar o pro-
cedimento.

O RDC admite a contratação simultânea, também chamada de multiadjudicação, nos casos


em que, por justificativa expressa da Administração, revelar-se conveniente a contratação de mais
de uma empresa ou instituição para executar o mesmo serviço, desde que não implique perda de
economia de escala, o que, segundo o art. 11, Lei 12.462/11, pode se dar em duas situações:
Art. 11. (...)
I - o objeto da contratação puder ser executado de forma concorrente e simultânea por
mais de um contratado; ou
II - a múltipla execução for conveniente para atender à administração pública.

Em todo caso, a administração deverá manter o controle individualizado de cada contratan-


te. Observe-se, contudo, que a lei proíbe a contratação simultânea para serviços de engenharia.

Outra nova figura criada pela legislação do RDC e que tem suscitado muitos debates é a con-
tratação integrada, um regime de execução de obras e serviços de engenharia que admite que o
próprio licitante elabore os projetos básico e executivo que subsidiarão a execução da obra ou ser-
viço a ser por ele assumido. Como vimos em tópico anterior, o art. 7º, § 2º, Lei 8.666/93, sempre
determinou que as obras e os serviços somente poderiam ser licitados após projeto básico aprova-
do pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do proces-
so licitatório. Pois bem, a Lei do RDC rompe com essa necessidade no caso de contratação integra-
da, passando o projeto básico a ser de responsabilidade do futuro contratante.

Nem toda contratação pelo RDC se dará no regime de contratação integrada. Na verdade,
cuidando-se de obras e serviços de engenharia, a licitação na modalidade do RDC admite até cinco
regimes de execução previstos no art. 8º, Lei 12.462/11, sendo a contratação integrada apenas um
deles. Assim, cabe à Administração, por razões técnicas e demonstração fundamentada de viabili-
dade, escolher um entre tais regimes a que o contrato se sujeitará:
a) empreitada por preço unitário;
b) empreitada por preço global;

299
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

c) contratação por tarefa;


d) empreitada integral;
e) contratação integrada.

Esses quatro primeiros regimes de execução já eram previstos na Lei 8.666/93. A novidade da
Lei 12.462/11, como dito, é mesmo a contratação integrada. Novidade, em parte, ressalve-se. Ao
menos no âmbito da Petrobrás, a contratação integrada há muito já era prevista, conforme o De-
creto 2.745/98 (que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petro-
brás). O que fez a Lei 12.462/11 foi estender essa possibilidade para toda a Administração Pública,
nas hipóteses em que a contratação integrada seja viável. Destarte, esse regime de execução já foi
utilizado, por exemplo, em licitações realizadas pelo DNIT e pela INFRAERO.

Na verdade, a Lei do RDC estimula a adoção de regimes de execução que levem em conta o
empreendimento ou serviço em sua completude, daí porque dá preferência à empreitada por pre-
ço global, à empreitada integral e à contratação integrada (art. 8º, §1º), neste último caso permi-
tindo que o licitante planeje o próprio objeto a ser contratado. Nisso o RDC se distingue muito da
Lei 8.666/93, cujo art. 9º veda a participação de licitantes que tiverem participado do projeto bási-
co ou executivo. 525 A doutrina tem chamado atenção de que nem sempre será possível a adoção da
contratação integrada, devendo a Administração sempre cuidar de expor as razões pelas quais se
optará por tal regime.

Por outro lado, o fato de a lei dispensar o projeto básico no caso de contratação integrada
não significa que o edital da licitação nada deva especificar sobre a obra ou serviço de engenharia.
Daí porque o art. 9º, §2º determina expressamente que o instrumento convocatório contenha um
anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a ca-
racterização da obra ou serviço. Cuidados semelhantes já vem sendo adotados nas licitações envol-
vendo concessões e parcerias público-privadas.

Registre-se haver críticas ao regime de contratação integrada, razão pela qual, inclusive, o
TCU restringiu a sua utilização.

De tudo quando vimos até aqui, podemos apontar em linhas gerais, como faz Fernanda Ma-
rinela, as seguintes diferenças entre o RDC e o regime geral da Lei 8.666/93:
“a) contratação integrada: permite que todas as etapas de uma obra sejam con-
tratadas com uma única empresa, que fará os projetos básico e executivo e reali-
zará a obra, entregando-a pronta para a administração. Na Lei n. 8.666 os proje-
tos básico e executivo devem ser feitos por empresas distintas;
b) nomes e marcas: permite que o edital indique marcas na licitação de bens se
houver necessidade de padronização do objeto ou quando determinada marca ou
modelo, comercializada por mais de um fornecedor, for o único capaz de atender
às necessidades da contratante;
c) remuneração variável: na contratação de obras e serviços, inclusive de enge-
nharia, a contratada poderá receber uma remuneração variável vinculada a seu
desempenho. Esse bônus será definido com base em metas, padrões de qualidade,

525
Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a
eles necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; (...)

300
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

critérios de sustentabilidade ambiental e prazo de entrega definidos no edital e no


contrato;
d) inversão de fases: o regime prevê que a fase de habilitação (exigência de do-
cumentos e outras obrigações legais) ocorra depois do julgamento das propostas
e somente seja cobrada do licitante vencedor;
e) parcelamento e contratação simultânea: permite o parcelamento do objeto a
licitar, inclusive em serviços de engenharia; assim como a contratação de mais de
uma empresa para executar um mesmo serviço (exceto de engenharia);
f) fase única de recursos: o regime estipula uma fase única de recurso após a ha-
bilitação do vencedor. A intenção de apresentá-lo deve ser manifestada imedia-
tamente, mas o prazo continua a ser o atual, de 5 dias úteis. Iguais prazos terão
empresas que quiserem apresentar contra-argumentos;
g) pré-qualificação: é criada a pré-qualificação permanente e um regulamento
estabelecerá as condições em que a administração poderá fazer uma licitação
restrita aos pré-qualificados;
h) proposta vencedora: no caso de o vencedor da licitação não querer assinar o
contrato e os demais classificados não aceitarem assiná-lo nas condições oferta-
das pelo vencedor, a administração poderá usar os preços dos outros classificados
526
desde que não sejam superiores ao orçamento estimado para a contratação.”

Também Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta o que considera como as principais inovações
do RDC:
“a) ampliação dos objetivos da licitação (art. 1º, §1º);
b) inclusão do princípio da economicidade e do desenvolvimento nacional susten-
tável (art. 3º);
c) restrições à publicidade do orçamento estimado (art. 6º);
d) inversão nas fases de habilitação e julgamento (art. 12);
e) novos critérios de julgamento (art. 18);
f) previsão de procedimentos auxiliares das licitações (art. 29);
g) previsão da possibilidade de exigência de amostra para a pré-qualificação e pa-
ra o julgamento (art. 7º, II);
h) possibilidade de remuneração variável vinculada ao desempenho da contrata-
da (art. 10);
i) possibilidade de contratação simultânea ou possibilidade de contratação de
mais de uma empresa para realizar o mesmo serviço (art. 11);
j) previsão da contratação integrada entre os regimes de execução do contrato
527
(art. 8º).”

 LICITAÇÃO PARA SERVIÇOS DE PUBLICIDADE


A Lei 12.232/10 dispõe sobre normas gerais para licitação e contratação administrativa de
serviços de publicidade a ser prestado por agências de propaganda. Trata-se de lei de caráter na-
cional e, portanto, suas normas incidem no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, aplicando-se aos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como às
pessoas da administração indireta e todas as entidades controladas direta ou indiretamente pelos
entes federados.

526
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. Niterói: Impetus.
527
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

301
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O que se fez, com a edição dessa lei, foi instituir um regime diferenciado de licitação especifi-
camente para serviços de publicidade. Mas nesse caso, determinou-se a aplicação da Lei 8.666/93
de forma complementar, em tudo aquilo que a legislação especial for silente. Aplica-se também, no
que couber, a legislação que trata da profissão de publicitário e das agências de propaganda (Lei
4.680/65).

Nos termos do art. 5º, Lei 12.232/10, a licitação para serviços de publicidade deverá seguir
uma das modalidades já previstas no art. 22, Lei 8.666/93, porém adotando-se como obrigatórios
os tipos melhor técnica ou técnica e preço. Portanto, fica vedado o emprego do tipo menor preço.

A exemplo de outras legislações mais modernas, a Lei 12.232/10 previu também a inversão
das fases de julgamento e habilitação, de modo que os documentos de habilitação serão apresen-
tados apenas pelos licitantes classificados no julgamento final das propostas. As informações sufici-
entes para que os interessados elaborem propostas serão estabelecidas em um briefing, de forma
precisa, clara e objetiva . A proposta técnica será composta de um plano de comunicação publicitá-
ria, pertinente às informações expressas no briefing, e de um conjunto de informações referentes
ao proponente.

A proposta de preço conterá quesitos representativos das formas de remuneração vigentes


no mercado publicitário, sendo que o julgamento das propostas técnicas e de preços e o julgamen-
to final do certame serão realizados exclusivamente com base nos critérios especificados no ins-
trumento convocatório.

Não é necessária a apresentação de projeto básico ou executivo, nem de orçamento estima-


do em planilhas. O formato para apresentação pelos proponentes do plano de comunicação publi-
citária será padronizado quanto a seu tamanho, a fontes tipográficas, a espaçamento de parágra-
fos, a quantidades e formas dos exemplos de peças e a outros aspectos pertinentes. A lei veda a
aposição de marca, sinal, palavra, etiqueta ou qualquer outro elemento que possibilite a identifica-
ção do proponente antes da abertura das propostas, sob pena de desclassificação do proponente.

O plano de comunicação publicitária será composto pelo quesitos de raciocínio básico, estra-
tégia de comunicação publicitária, ideia criativa e estratégia de mídia e não mídia. As propostas de
preços serão apresentadas em um invólucro e as propostas técnicas em três invólucros distintos,
destinados um para a via não identificada do plano de comunicação publicitária, um para a via i-
dentificada do plano de comunicação publicitária e outro para as demais informações integrantes
da proposta técnica.

Haverá duas comissões julgadoras. Quase todo o processamento e julgamento será efetuado
pela comissão permanente ou especial. Porém, a análise e julgamento das propostas técnicas será
feita uma subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, três membros que sejam formados
em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo
menos, um terço deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou
indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação. Porém, quando se tratar de licitação
na modalidade convite, a subcomissão técnica poderá excepcionalmente ser substituída pela co-
missão permanente de licitação ou, inexistindo esta, por servidor formalmente designado pela au-
toridade competente, que deverá possuir conhecimentos na área de comunicação, publicidade
ou marketing.

302
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

No mais, a Lei 12.232/10 cuidou de estabelecer exigências específicas quanto ao julgamento


das propostas, levando em conta aspectos peculiares ao serviço de publicidade.

Na fase de habilitação, é necessário verificar se a agência de propaganda tem certificado de


qualificação técnica de funcionamento, emitido pelo Conselho Executivo das Normas-Padrão
(CENP) ou por entidade equivalente, legalmente reconhecida como fiscalizadora e certificadora das
condições técnicas de agências de propaganda. Tem-se aí um requisito específico de habilitação,
além daqueles já previstos na Lei 8.666/93 e que devem ser igualmente observados. Após, a habili-
tação, segue-se a homologação e a adjudicação, sendo que, quanto a esta, a lei faculta a adjudica-
ção do objeto da licitação a mais de uma agência de propaganda, sem a segregação em itens ou
contas publicitárias, mediante justificativa no processo de licitação. Nesse caso, o órgão ou a enti-
dade deverá, obrigatoriamente, instituir procedimento de seleção interna entre as contratadas,
cuja metodologia será aprovada pela administração e publicada na imprensa oficial.

 LICITAÇÃO NAS EMPRESAS ESTATAIS


O art. 173, §1º, CF, estabeleceu que deveria ser editada uma legislação específica estabele-
cendo o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiá-
rias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, dispondo, dentre outros aspectos, sobre licitação e contratação de obras, serviços,
compras e alienações, observados os princípios da administração pública. Buscando dar cumpri-
mento à determinação constitucional, foi então editada a Lei 13.303/16, dispondo sobre o referido
estatuto jurídico e abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explore atividade econômica de pro-
dução ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica
esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.

É de se observar, contudo, que a Lei 13.303/16 parece ter ido além do quanto disposto no
art. 173, §1º, CF, eis que a Constituição apenas se referiu às empresas estatais exploradoras de
atividade econômica, ao passo que a lei ordinária cuidou de disciplinar, sob um regime uniforme,
também as empresas prestadoras de serviços públicos, as quais, como já vimos no capítulo da or-
ganização da administração pública, sofrem uma maior incidência de normas de direito público.

Dentre as diversas disposições da Lei 13.303/16, nela constam, nos arts. 28 a 67, regras espe-
cíficas de licitação, bem como os casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação no âmbito das
empresas estatais.

As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de e-


conomia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se
refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou super-
faturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da
publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento
nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade
e do julgamento objetivo.

A lei estabelece a possibilidade de procedimentos de manifestação de interesse privado, por


meio dos quais empresas privadas poderão provocar a Administração apresentando projetos e

303
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

estudos técnicos que possam ser aproveitados em futuras licitações e contratos das empresas esta-
tais.

O objeto da licitação e do contrato dela decorrente será definido de forma sucinta e clara no
instrumento convocatório. As hipóteses de dispensa de licitação estão taxativamente previstas no
art. 29, enquanto a inexigibilidade de licitação, nos casos de inviabilidade de competição, está pre-
vista no art. 30. A dispensa ou inexigibilidade de licitação deve ser devidamente justificada pela
Administração, de modo que o processo de contratação direta seja instruído quanto à caracteriza-
ção da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, a razão da escolha do forne-
cedor ou do executante, bem como a justificativa do preço. Um ponto que chamou a atenção da
doutrina foi o aumento dos valores de limite para dispensa de licitação, o que tem sido alvo de
críticas.

Dentre as diretrizes para as licitações, o art. 32, Lei 13.303/16, prevê a padronização do obje-
to da contratação, dos instrumentos convocatórios e das minutas de contratos, de acordo com
normas internas específicas. Deve-se também buscar a maior vantagem competitiva para a empre-
sa pública ou sociedade de economia mista, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos,
de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento
de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. Ad-
mite-se o parcelamento do objeto, visando a ampliar a participação de licitantes, sem perda de
economia de escala, e desde que não atinja valores inferiores aos limites estabelecidos na lei.

A lei prevê, ainda, a adoção preferencial da modalidade de pregão (Lei 10.520/02) no caso de
aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e
qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no
mercado.

A Lei 13.303/16 também prestigia o princípio do desenvolvimento nacional sustentável (art.


31).

Prevê, ainda, a possibilidade de sigilo quanto ao valor estimado do contrato a ser celebrado
pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista, sem prejuízo da divulgação do deta-
lhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propos-
tas. A informação relativa ao valor estimado do objeto da licitação, ainda que tenha caráter sigiloso,
será disponibilizada a órgãos de controle externo e interno.

Quanto ao procedimento, observa-se que o estatuto das empresas estatais se valeu de re-
gras semelhantes às adotadas no regime diferenciado de contratações (RDC), já estudado em tópi-
co antecedente.

As licitações nas empresas estatais observarão a seguinte sequência de fases dispostas no


art. 51:
Art. 51. As licitações de que trata esta Lei observarão a seguinte sequência de fases:
I - preparação;
II - divulgação;
III - apresentação de lances ou propostas, conforme o modo de disputa adotado;
IV - julgamento;
V - verificação de efetividade dos lances ou propostas;

304
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

VI - negociação;
VII - habilitação;
VIII - interposição de recursos;
IX - adjudicação do objeto;
X - homologação do resultado ou revogação do procedimento.

A lei prevê excepcionalmente que a fase de habilitação anteceda a de classificação e julga-


mento.

Poderão ser adotados os modos de disputa aberto ou fechado, ou, quando o objeto da lici-
tação puder ser parcelado, a combinação de ambos. No modo de disputa aberto, os licitantes a-
presentarão lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de jul-
gamento adotado. No modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão
sigilosas até a data e a hora designadas para que sejam divulgadas.

Poderão ser utilizados os seguintes critérios de julgamento:


Art. 54. (...)
I - menor preço;
II - maior desconto;
III - melhor combinação de técnica e preço;
IV - melhor técnica;
V - melhor conteúdo artístico;
VI - maior oferta de preço;
VII - maior retorno econômico;
VIII - melhor destinação de bens alienados.

Os critérios de julgamento serão expressamente identificados no instrumento convocatório e


poderão ser combinados na hipótese de parcelamento do objeto. O julgamento das propostas será
efetivado mediante o emprego de parâmetros específicos, definidos no instrumento convocatório,
destinados a limitar a subjetividade do julgamento. Não serão consideradas vantagens não previs-
tas no instrumento convocatório.

A Lei das estatais também dispõe sobre os procedimentos auxiliares das licitações, quais se-
jam:
Art. 64. (...)
I - pré-qualificação permanente;
II - cadastramento;
III - sistema de registro de preços;
IV - catálogo eletrônico de padronização.

Guardadas as peculiaridades das contratações a serem feitas pelas empresas estatais, trata-
se de normas semelhantes àquelas previstas para os procedimentos auxiliares do RDC, já estudados
anteriormente. Aliás, em matéria de licitações, há na Lei 13.303/16 outras disposições similares às
da Lei do RDC, como, por exemplo, a contratação integrada (art. 42, VI).

A grande novidade na Lei 13.303/16, em relação à RDC, foi a previsão da contratação semi-
integrada, que passa a ser a regra nas contratações de obras e serviços de engenharia promovidas
pelas empresas estatais. Talvez pelas críticas que foram feitas à contratação integrada, resolveu-se

305
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

criar um regime de execução em que ao menos o projeto básico fica a cargo da Administração, ca-
bendo ao licitante fazer o planejamento incluindo apenas o projeto executivo.

Assim, a contratação semi-integrada será utilizada quando for possível definir previamente
no projeto básico as quantidades dos serviços a serem posteriormente executados na fase contra-
tual, em obra ou serviço de engenharia que possa ser executado com diferentes metodologias ou
tecnologias. Ainda assim, os licitantes poderão eventualmente propor alterações no projeto básico.

O que se observa é que o texto da Lei 13.303/06 revela-se extenso e bem detalhado, seguin-
do em linhas gerais procedimentos similares aos da Lei 12.462/11 (RDC). De modo que a aplicação
subsidiária da Lei 8.666/93 somente é cabível nos casos em que a ela expressamente se remete,
como ocorre, por exemplo, nos arts. 41 e 55, que tratam respectivamente das sanções penais e dos
critérios de desempate previstos no estatuto geral.

 OUTRAS MODALIDADES E PROCEDIMENTOS DE LICITAÇÃO


Conforme já foi dito, sendo privativa da União a competência para legislar sobre normas ge-
rais de licitação (art. 22, XVII, CF), isso se aplica a normas instituidoras das modalidades licitatórias.
Vale dizer, os Estados, o DF e os Municípios não poderão instituir novas modalidades licitatórias.

Exercendo a sua competência privativa, a União editou a Lei 8.666/93, prevendo as cinco
principais modalidades (concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão). O legislador
fez questão de frisar, no art. 22, §8º, que ficava vedada a criação de outras modalidades de licitação
ou a combinação das modalidades ali previstas. Assim, não poderá haver nova modalidade criada
por ato infralegal. Também não se admite que estados e municípios legislem nesse sentido, pois
uma norma criadora de modalidade licitatória tem natureza de norma geral, de competência priva-
tiva da União.

Em suma, é possível instituir novas modalidades de licitação, além daquelas da Lei


8.666/93. Contudo, somente a União poderá fazê-lo, mediante lei nacional. Foi no exercício dessa
competência legislativa privativa que a União, anos depois, instituiu a modalidade do pregão (Lei
10.520/02); e, mais recentemente, foi criada a modalidade do RDC (Lei 12.462/11). As modalidades
já abordadas (concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, pregão e RDC) são, por
assim dizer, as modalidades gerais de licitação, voltadas para uma gama de obras, serviços, com-
pras e alienações em âmbito nacional.

Ao lado disso, tem a União competência para editar legislações prevendo modalidades espe-
cíficas para determinados setores da Administração Pública, levando em conta as peculiaridades de
cada área. É possível, ainda, que sejam editadas normas de rito diferenciado para licitações nas
modalidades existentes. Ou seja,utiliza-se alguma modalidade já prevista na legislação geral, po-
rém, com mudanças no procedimento da licitação.

Veremos aqui alguns exemplos:

 CONSULTA
A consulta é considerada uma modalidade específica de licitação que, ao lado do pregão, foi
criada no âmbito das agências reguladoras. No caso da ANATEL, o pregão e a consulta vieram inici-

306
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

almente previstas no art. 54, parágrafo único, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97),
para contratações que não estivessem enquadradas como obras ou serviços de engenharia.

O STF declarou a constitucionalidade deste dispositivo legal (ADIN 1668-5/DF), considerando


que, apesar de já existir um Estatuto Geral (Lei 8.666/93), não há impedimento de que o legislador
federal estabeleça novas normas gerais de licitação por meio de outras leis. Portanto, a competên-
cia legislativa privativa da União, prevista no art. 22, XXVII, CF, não obriga a edição de lei única,
sendo perfeitamente possível que outras modalidades ou procedimentos de licitações sejam cria-
das por lei federal específica.

Posteriormente, por força da Lei 9.986/00, o pregão e a consulta foram estendidos para to-
das as demais agências reguladoras. E a Lei 10.520/02, como já vimos, acabou generalizando o seu
emprego do pregão para todos os bens e serviços comuns em toda Administração Pública.

Remanesce como modalidade específica a consulta, que atualmente só encontra espaço nas
licitações promovidas pelas agências reguladoras. Conforme o art. 37, Lei 9.986/00, a consulta deve
seguir as bases do procedimento que já era empregado pela Anatel (Lei 9.472/97), remetendo-se
ao âmbito do poder normativo de cada agência a sua regulamentação. Porém, a consulta não pode
ser utilizada em contratações referentes a obras e serviços de engenharia, cujos procedimentos
deverão observar as normas gerais de licitação e contratação.

 LICITAÇÃO NAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS


Na introdução ao tema da licitação, vimos que o art. 37, XXI, CF, estabelece a obrigatorieda-
de da licitação para obras, serviços, compras e alienações, ressalvados os casos de contratação
direta previstos em lei. Pode-se dizer que a referência do dispositivo constitucional a obras, servi-
ços, compras e alienações enseja a sua incidência na maior parte dos objetos contratuais visados
pela Administração, porém, há certos objetos que escapam desses conceitos e, portanto, podem
seguir parâmetros diferenciados de seleção. No caso das concessões e permissões de serviços pú-
blicos, a licitação encontra fundamento específico na regra do art. 175, CF:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-
cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Para regulamentar esse dispositivo constitucional, foi editada a Lei 8.987/95, que, dentre ou-
tros aspectos, tratou das normas de licitação nas concessões e permissões de serviços públicos
(arts. 14 a 22), excetuado apenas o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 41).

Nos termos da Lei 8.987/95, toda concessão de serviço público, precedida ou não da execu-
ção de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com obser-
vância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios
objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório (art. 14).

A licitação para concessão de serviço público, assim como a concessão de serviço público
precedida de obra pública, devem ser feitas na modalidade de concorrência (art. 2º, II e III, Lei
8.987/95). Essa tem sido a regra geral. Excepcionalmente, porém, admite-se a licitação na modali-
dade de leilão nas hipóteses de venda de empresa estatal (privatização) prestadora de serviço pú-
blico, quando simultaneamente ocorra a outorga de nova concessão ou a prorrogação da conces-
são existente (art. 27, I, Lei 9.074/95). O leilão, nesse caso, servirá para a transferência do controle

307
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

societário da empresa. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios pre-
vistos no art. 15:
Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:
I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;
II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da con-
cessão;
III - a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;
IV - melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do
serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;
VI - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga
da concessão com o de melhor técnica; ou
VII - melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.

Vê-se, pois, que os critérios de julgamento nas concessões e permissões de serviços públicos
são bem diferentes daqueles estabelecidos para as simples contratações de serviços pela Lei
8.666/93. A princípio, a outorga de concessão ou permissão de serviço público não terá caráter de
exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada (art. 16). Em igualda-
de de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira (art. 15,
§4º).

O edital poderá admitir a participação de empresas em consórcio, observadas as exigências


lei (art. 19). Na elaboração do edital de licitação, o poder concedente deverá observar, no que cou-
ber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos (Lei 8.666/93).
Porém, o art. 18, estabeleceu ainda algumas exigência específicas, levando em conta as particulari-
dades da delegação de serviços públicos. Cite-se, por exemplo:
“(a) direitos e obrigações do concedente e do concessionário; (b) o objeto e prazo
de concessão; (c) as condições para a adequada prestação do serviço; (d) critério
528
de reajuste de tarifas etc.”

Seguindo a tendência que já era prevista para o pregão, a Lei 11.196/05 acrescentou o art.
18-A à Lei 8.987/95, passando a dispor que o edital poderá prever a inversão da ordem das fases
de habilitação e julgamento.

Além das regras da Lei 8.987/95, há concessões de serviço público que se submetem a legis-
lações específicas, inclusive com regras diferenciadas de licitação.

Cite-se, por exemplo, o setor de telecomunicações, cuja lei de regência (Lei 9.472/97) con-
tém um capítulo tratando da outorga de concessões e dispondo expressamente que a licitação será
disciplinada pela ANATEL, observados os princípios constitucionais, as disposições nela previstas e,
especialmente:
Art. 89. A licitação será disciplinada pela Agência, observados os princípios constitucio-
nais, as disposições desta Lei e, especialmente:
I - a finalidade do certame é, por meio de disputa entre os interessados, escolher quem
possa executar, expandir e universalizar o serviço no regime público com eficiência, se-
gurança e a tarifas razoáveis;

528
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

308
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

II - a minuta de instrumento convocatório será submetida a consulta pública prévia;


III - o instrumento convocatório identificará o serviço objeto do certame e as condições
de sua prestação, expansão e universalização, definirá o universo de proponentes, esta-
belecerá fatores e critérios para aceitação e julgamento de propostas, regulará o proce-
dimento, determinará a quantidade de fases e seus objetivos, indicará as sanções aplicá-
veis e fixará as cláusulas do contrato de concessão;
IV - as qualificações técnico-operacional ou profissional e econômico-financeira, bem
como as garantias da proposta e do contrato, exigidas indistintamente dos proponentes,
deverão ser compatíveis com o objeto e proporcionais a sua natureza e dimensão;
V - o interessado deverá comprovar situação regular perante as Fazendas Públicas e a
Seguridade Social;
VI - a participação de consórcio, que se constituirá em empresa antes da outorga da
concessão, será sempre admitida;
VII - o julgamento atenderá aos princípios de vinculação ao instrumento convocatório e
comparação objetiva;
VIII - os fatores de julgamento poderão ser, isolada ou conjugadamente, os de menor ta-
rifa, maior oferta pela outorga, melhor qualidade dos serviços e melhor atendimento da
demanda, respeitado sempre o princípio da objetividade;
IX - o empate será resolvido por sorteio;
X - as regras procedimentais assegurarão a adequada divulgação do instrumento convo-
catório, prazos compatíveis com o preparo de propostas e os direitos ao contraditório,
ao recurso e à ampla defesa.

Também no setor de energia elétrica, apesar de a legislação específica estabelecer que as li-
citações realizadas para outorga de concessões devem também observar o disposto nas Leis
8.987/95 e 8.666/93, impõe uma série de regras especiais que devem ser observadas quanto ao
procedimento e às modalidades de licitação cabíveis (art. 23, Lei 9.427/96, e Lei 9.074/95).

 LICITAÇÃO NAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS


Tal como ocorre com as concessões comuns de serviço público, as parcerias público-privadas
(concessões especiais previstas na Lei 11.079/04) também submetem-se a regras específicas de
licitações. Assim, o art. 10, Lei 11.079/04, estabelece que a contratação de parceria público-privada
será precedida de licitação na modalidade de concorrência.

Todavia, a abertura do processo licitatório na PPP está sujeita a algumas condições, dentre
eles uma autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre
a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem
a opção pela forma de parceria público-privada. Deve-se elaborar uma prévia estimativa do impac-
to orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-
privada, de modo a saber se as obrigações contraídas pela Administração Pública no decorrer do
contrato são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentá-
ria anual (art. 10, I a III).

A minuta de edital e de contrato deve ser submetido a uma consulta pública (art. 10, VI),
bem como deve haver uma licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licencia-
mento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato
exigir (art. 10, VII).

309
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Ressalte-se que as concessões patrocinadas em que mais de 70% da remuneração do parcei-


ro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica
(art. 10, §3º). A Lei 11.079/04 prevê ainda procedimento com etapa de qualificação e critérios de
julgamento (art. 12), admitindo que o edital possa prever também a inversão da ordem das fases
de habilitação e julgamento (art.13).

 LICITAÇÃO NAS PARCERIAS COM ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL (LEI


13.019/2014)
A Lei 13.019/14 criou uma nova modalidade de licitação, a que denominou chamamento pú-
blico, assim o definindo:
Art. 2º (...)
XII - (...) procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar
parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a obser-
vância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos;

Apesar de a lei não haver se referido expressamente à licitação, isto não significa ocorrer aí
um processo seletivo distinto da licitação. Trata-se, sim, de verdadeira modalidade de licitação
prevista em lei específica.

Sobre o tema leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro:


“A Lei 13.019/14 não utilizou o vocábulo licitação para designar o procedimento
de seleção da organização da sociedade civil. Falou em chamamento público, que
não deixa de ser modalidade de licitação, regida por legislação própria. Até os
princípios impostos ao procedimento, no artigo 2º, inciso XII, são praticamente os
mesmos previstos no artigo 3º da Lei n. 8.666/93, para a licitação. Aliás, o legisla-
dor quis deixar claro que a Lei n. 8.666/93 não se aplica às relações regidas pela
529
Lei n. 13.019/14, salvo nos casos expressamente previstos.”

A realização de chamamento público pode decorrer a partir de iniciativa da própria Adminis-


tração ou, ainda, mediante provocação do setor privado interessado na parceria. Daí porque a lei
instituiu, como providência preliminar, o Procedimento de Manifestação de Interesse Social. Tra-
ta-se de instrumento por meio do qual as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e
cidadãos poderão apresentar propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de
realização de um chamamento público objetivando a celebração de parceria (art. 18).

A proposta a ser encaminhada à administração pública deverá atender aos seguintes requisi-
tos:
Art. 19. (...)
I - identificação do subscritor da proposta;
II - indicação do interesse público envolvido;

529
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

310
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

III - diagnóstico da realidade que se quer modificar, aprimorar ou desenvolver e, quando


possível, indicação da viabilidade, dos custos, dos benefícios e dos prazos de execução
da ação pretendida.

Preenchidos estes requisitos, a administração pública deverá tornar pública a proposta em


seu sítio eletrônico e, verificada a conveniência e oportunidade para realização do procedimento, o
instaurará para oitiva da sociedade sobre o tema (art. 20).

A manifestação de interesse social não implicará necessariamente na execução do chama-


mento público, que acontecerá de acordo com os interesses da administração. Por outro lado, ten-
do havido a manifestação, isso por si só não dispensa a convocação por meio de chamamento pú-
blico para a celebração de parceria, nem impede a entidade interessada de participar no eventual
chamamento público subsequente. Outrossim, é vedado condicionar a realização de chamamento
público ou a celebração de parceria à prévia realização do procedimento de manifestação de inte-
resse social (art. 21).

Aberta a licitação, por meio do chamamento público, o procedimento observará as regras


dispostas nos arts. 23 a 32, Lei 11.019/14.

“A lei não indica as fases do procedimento do chamamento público. Mas pela


forma como está disciplinado pela lei, pode-se dizer que compreende as seguintes
fases: instrumento convocatório (edital), julgamento e classificação, homologa-
530
ção e habilitação.”

A administração pública deverá adotar procedimentos claros, objetivos e simplificados que


orientem os interessados e facilitem o acesso direto aos seus órgãos e instâncias decisórias, estabe-
lecendo critérios a serem seguidos pelos interessados, especialmente quanto aos objetos, metas,
custos e indicadores, quantitativos ou qualitativos, de avaliação de resultados (art. 23).

O edital do chamamento público especificará, no mínimo: a programação orçamentária que


autoriza e viabiliza a celebração da parceria; o objeto da parceria; as datas, os prazos, as condições,
o local e a forma de apresentação das propostas; as datas e os critérios de seleção e julgamento das
propostas, inclusive no que se refere à metodologia de pontuação e ao peso atribuído a cada um
dos critérios estabelecidos, se for o caso; o valor previsto para a realização do objeto; as condições
para interposição de recurso administrativo; a minuta do instrumento por meio do qual será cele-
brada a parceria; de acordo com as características do objeto da parceria, medidas de acessibilidade
para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e idosos (art. 24, §1º). O edital deverá ser
amplamente divulgado em página do sítio oficial da administração pública na internet, com antece-
dência mínima de trinta dias (art. 26).

São vedadas cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter


competitivo do chamamento público, em decorrência de qualquer circunstância impertinente ou
irrelevante para o específico objeto da parceria. A lei admite, no entanto, a seleção de propostas
apresentadas exclusivamente por concorrentes sediados ou com representação atuante e reconhe-
cida na unidade da Federação onde será executado o objeto da parceria, bem como o estabeleci-
mento de cláusula que delimite o território ou a abrangência da prestação de atividades ou da exe-
cução de projetos, conforme estabelecido nas políticas setoriais (art. 24, §2º).

530
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

311
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Constitui critério obrigatório de julgamento o grau de adequação da proposta aos objetivos


específicos do programa ou da ação em que se insere o objeto da parceria e, quando for o caso, ao
valor de referência constante do chamamento (art. 27). As propostas serão julgadas por uma co-
missão de seleção previamente designada ou constituída pelo respectivo conselho gestor, se o
projeto for financiado com recursos de fundos específicos (art. 27, §1º). Será impedida de participar
da comissão de seleção pessoa que, nos últimos cinco anos, tenha mantido relação jurídica com, ao
menos, uma das entidades participantes do chamamento público (art. 27, §2º). Somente depois de
encerrada a etapa competitiva e ordenadas as propostas, a administração pública procederá à ha-
bilitação, verificando os documentos que comprovem o atendimento pela organização da socieda-
de civil (art. 28).

A Lei 13.019/14 prevê ainda casos de dispensa e de inexigibilidade do chamamento público.


A dispensa é prevista nas hipóteses do art. 30:
Art. 30. (...)
I - no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de ativida-
des de relevante interesse público, pelo prazo de até cento e oitenta dias;
II - nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou
ameaça à paz social;
III - quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em
situação que possa comprometer a sua segurança;
VI - no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assis-
tência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente
credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política.

Já as hipóteses de inexigibilidade estão previstas no art. 31:


Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade
de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular
do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade
específica, especialmente quando:
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso
internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos;
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja
autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclu-
sive quando se tratar da subvenção prevista no inciso I do § 3º do art. 12 da Lei nº 4.320,
de 17 de março de 1964, observado o disposto no art. 26 da Lei Complementar nº 101,
de 4 de maio de 2000.

Ressalte-se, contudo, que tanto na dispensa quanto na inexigibilidade a ausência de realiza-


ção de chamamento público deve ser justificada pelo administrador público, admitindo-se a im-
pugnação à justificativa, no prazo de cinco dias a contar de sua publicação. Havendo fundamento
na impugnação, será revogado o ato que declarou a dispensa ou inexigibilidade, sendo imediata-
mente iniciado o procedimento para realização do chamamento público (art. 32).

Por fim, cabe salientar que o chamamento público é a modalidade licitatória específica para a
seleção da organização da sociedade civil que firmará a parceria com a Administração. Porém, a lei
não prevê tal modalidade para os contratos que essa entidade, no decorrer do objeto da parceria,
virá a fazer com terceiros.

312
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O art. 43, Lei 13.019/14, até intentou determinar que a entidade privada cuidasse de ao me-
nos observar princípios licitatórios nas contratações feitas com o uso de recursos transferidos pela
administração pública. Porém, este dispositivo acabou revogado pela Lei 13.204/15, o que leva a
entender que a organização da sociedade civil não está obrigada a realizar licitações no âmbito das
suas atividades.

 OUTROS PROCEDIMENTOS SELETIVOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Ao contrário do que se costuma imaginar, a licitação não é a única ferramenta jurídica volta-
da para a seleção de pessoas interessadas na obtenção de alguma vantagem ou colocação junto à
Administração Pública. Ao lado da licitação, existem outros procedimentos seletivos empregados
pela Administração, a começar pelo concurso público previsto para o provimento de cargos públi-
cos efetivos (art. 37, II, CF) e os processos seletivos simplificados para contratação temporária de
pessoal. Mas não apenas isso, há outros procedimentos utilizados em variados tipos de contrata-
ções e outorga de direitos, com mecanismos de escolha que não se amoldam ao rito da licitação.

Como destaca Carlos Ari Sundfeld,


“as hipóteses às quais se aplica o procedimento da licitação não esgotam todos os
casos em que, por criar-se para um particular um benefício pessoal direto não ge-
531
neralizável a todos os pretendentes, exige-se um procedimento.”

Para se referir a tais casos, o autor utiliza a terminologia procedimentos de competição, gê-
nero do qual os procedimentos licitatórios são apenas uma das espécies:
“A verdade é que não há um único modelo ou forma juridicamente adequados.
Não só por meio da licitação são cumpridos os mandamentos constitucionais e
realizados valores públicos. Há outros mecanismos, procedimentos e soluções, pa-
ra além dos licitatórios, que se ajustam ao texto constitucional. (...) O fato de a
decisão da autoridade pressupor uma comparação entre qualidades dos sujeitos,
para a escolha da opção melhor, impõe a necessidade de instauração de proce-
dimento administrativo, que chamamos ‘procedimento de competição’, gênero
532
que abarcaria a espécie licitação.”

Portanto, nem toda competição entre administrados, disputando interesses perante a Admi-
nistração Pública, resolve-se por meio de licitação.

Na mesma linha de pensamento, José dos Santos Carvalho Filho faz menção à
“ação administrativa denominada de ‘chamada pública’, por meio da qual a Ad-
ministração publica edital com o objetivo de divulgar a adoção de certas provi-
dências específicas e convocar interessados para participar da iniciativa, indican-
do, quando for o caso, os critérios objetivos necessários à seleção. (...) É o caso,
entre outros, da convocação de interessados para credenciamento junto à Admi-
nistração, ou de capacitação de comunidades para o recebimento de algum servi-
ço público, ou ainda para apresentação de projetos e programas a serem estuda-
dos por órgãos administrativos. Semelhante instrumento espelha, sem dúvida, a

531
SUNDFELD, Carlos Ari. Procedimentos administrativos de competição. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNDFELD, Carlos Ari (Org.).
"Doutrinas essenciais - Direito Administrativo". São Paulo: RT.
532
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

313
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

aplicação do princípio da publicidade, na medida em que, de forma transparente,


a Administração divulga seus objetivos e permite que interessados do setor priva-
533
do acorram na medida de seus interesses.”

Deve-se ter cuidado com o termo chamamento público, pois, como vimos em tópico antece-
dente, é a designação dada à modalidade de licitação prevista na lei das parcerias da Administração
Pública com entidades privadas sem fins lucrativos (Lei 13.019/14). Todavia, o chamamento públi-
co é empregado ainda em outras situações no campo do Direito Administrativo, não exatamente
como modalidade de licitação, mas, ao revés, para casos em que haverá uma escolha sem licitação.
É o que ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 91, Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97),
voltada à verificação dos casos de inexigibilidade de licitação, seja por inviabilidade (quando apenas
um interessado puder realizar o serviço, nas condições estipuladas), seja por desnecessidade
(quando se admita a exploração do serviço por todos os interessados que atendam às condições
requeridas). Nesses casos, “o procedimento para verificação da inexigibilidade compreenderá cha-
mamento público para apurar o número de interessados” (art. 91, §3º). Isto acontece, v. g., na ou-
torga de direito de exploração de satélite, com ocupação da órbita brasileira, de modo que, “se os
interesses puderem ser harmonizados no procedimento de chamamento, não será feita a licitação”.
534

“Portanto, não é verdade que o processo público de disputa objetiva seja o único
meio legítimo para o Estado chegar a decisões adequadas quanto à outorga de
serviços. O chamamento público, no interior do qual os interessados podem ser
estimulados a negociar e a se compor, é a prova de que, dependendo dos casos, a
solução melhor não é um processo de disputa baseado na ‘igualdade de condições
535
a todos os concorrentes’, como diz o art. 37, XXI, da CF, ao falar da licitação.”

Outro exemplo de procedimento seletivo diferenciado é o da outorga de serviços de radiodi-


fusão, cuja seleção de particulares interessados, nos termos do art. 223, CF, fica a critério político
do Pode Executivo federal e do Congresso Nacional, independente de licitação.

“Veja-se que para a outorga de serviços de radiodifusão a particulares a Constitu-


ição não falou em processo de licitação, limitando-se a exigir o concurso de von-
tades políticas do Poder Executivo e Congresso Nacional (art. 223, caput e §3º). É
verdade que, nos últimos tempos, licitações têm sido feitas por decisão regula-
mentar, mas elas não são vinculantes, pois o Congresso Nacional tem plena com-
petência política para recusar a outorga. As principais outorgas, que vem sendo
renovadas com estímulo da Constituição (art. 223, §2º), foram feitas no passado
por deliberação exclusivamente política, sem disputa prévia em processo de licita-
ção. O fato é que, em matéria de radiodifusão, a Constituição - gostemos ou não
dela - deu valor, como fator de decisão, não à disputa formal na licitação entre in-
teressados, mas à discricionariedade política conjunta dos dois Poderes da Repú-
blica. Foi a Constituição, repita-se, a escolher como determinante o caminho do
processo político, sequer mencionando o processo de licitação. Portanto, ela reco-

533
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
534
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
535
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

314
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

nheceu que o jogo da política pode ser, ao menos nesse caso, fundamental para
536
uma boa decisão.”

Também no caso das outorgas para pesquisa e exploração de recursos minerais, a legislação
brasileira (Decreto-lei 227/67, conhecido como Código de Minas), ao invés de optar pela licitação,
elegeu o critério da prioridade para a resolução de disputa entre potenciais interessados. Ou seja,
obterá a autorização de pesquisa e da concessão da lavra aquele que primeiro a requerer.

“Aquele que primeiro tiver solicitado a autorização de pesquisa de determinada


área terá o direito de, comprovada a viabilidade técnica da criação de uma mina,
requerer a concessão de lavra - e, portanto, de explorá-la. (...) A verdade é que o
critério da outorga traçado pelo Código de Minas, apesar de distinta da licitação,
não colide com qualquer dispositivo constitucional; nem mesmo com os supostos
princípios constitucionais implícitos. É um critério de escolha dos parceiros da
537
Administração tão legítima quanto a licitação.”

Por fim, tem-se ainda a figura do credenciamento, outro instrumento que vem sendo em-
pregado para a seleção de prestadores de serviços em atividades da administração pública e que
escapam à necessidade de prévia licitação. Já tratamos dele quando estudamos o tema do serviço
público, eis que tem sido considerado pela doutrina como forma de terceirização de atividades
materiais de apoio e não propriamente um instrumento para delegação de serviços públicos.

Normalmente o credenciamento encontra lugar nas situações de contratação nas quais a


competição seja inviável, como ocorre com o fornecedor exclusivo ou quando não exista restrição
no tocante ao número de potenciais selecionados. Vale dizer, uma vez cumpridos os requisitos le-
gais, todos os interessados obterão o credenciamento desejado, já que o mesmo objeto poderá vir
a ser executado simultaneamente por diversos contratados. Observa-se, assim, que o credencia-
mento ocorre notadamente nos casos de inexigibilidade de licitação, daí porque é recomendável
que a Administração adote as providências previstas no art. 25, Lei 8.666/93, antes de credenciar
os interessados.

Vejamos algumas definições dadas pela doutrina acerca do credenciamento:


“Ato ou contrato formal pelo qual a Administração Pública confere a um particu-
lar, pessoa física ou jurídica, a prerrogativa de exercer atividades materiais ou
técnicas, em caráter instrumental ou de colaboração com o poder Público, a título
oneroso, remuneradas diretamente pelos interessados, sendo que o resultado dos
trabalhos executados desfruta de especial credibilidade, tendo o outorgante o po-
der/dever de exercer a fiscalização, podendo até mesmo extinguir a outorga, as-
segurados os direitos e interesses patrimoniais do outorgado inocente e de boa-
538
fé.”

“O processo administrativo, pelo qual a Administração convoca interessados para,


segundo condições previamente definidas e divulgadas, credenciarem-se como
prestadores de serviços ou beneficiários de um negócio futuro a ser ofertado,

536
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
537
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
538
DALLARI, Adilson Abreu. Credenciamento. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 5. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia.

315
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

quando a pluralidade de serviços prestados for indispensável à adequada satisfa-


ção do interesse coletivo ou, ainda, quando a quantidade de potenciais interessa-
dos for superior à do objeto a ser ofertado e por razões de interesse público a lici-
539
tação não for recomendada.”

“Espécie de cadastro em que se inserem todos os interessados em prestar certos


tipos de serviços, conforme regras de habilitação e remuneração prefixadas pela
própria Administração Pública. Todos os credenciados celebram, sob as mesmas
condições, contrato administrativo, haja vista que, pela natureza do serviço, não
há relação de exclusão, isto é, o serviço a ser contratado não precisa ser prestado
540
com exclusividade por um ou por outro, mas é prestado por todos.”

Atualmente, o credenciamento vem sendo muito utilizado para a contratação de prestadores


de serviço na área de saúde pública, que firmarão convênios conforme os parâmetros previstos na
legislação do SUS (Cart. 199, §1º, CF, e Lei 8.080/90).

Assim, por exemplo,


“se a Administração pretende credenciar médicos ou hospitais privados para a-
tendimento à população e se admite credenciar todos os que preencham os requi-
sitos indispensáveis, não se há de falar em licitação. É que o credenciamento não
pressupõe disputa, que é desnecessária, pois todos os interessados aptos serão
541
aproveitados.”

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO


Ao se tratar dos ajustes de vontade contratuais no âmbito do Direito Administrativo, costu-
ma-se empregar em sentido amplo a expressão contratos administrativos, tal como prevista na Lei
8.666/93 (arts. 1º e 54). Convém assinalar, porém, que nem todos os contratos firmados pela Ad-
ministração enquadram-se nesta categoria, existindo ainda
contratos em que o Poder Público não age exclusivamente
sob a égide do regime jurídico administrativo. Daí ser pre-
liminarmente necessário apontar que os contratos da Ad-
ministração (gênero) podem ser subdivididos em duas
espécies: a) contratos administrativos (em sentido estrito
ou contratos administrativos propriamente ditos); b) con-
tratos privados da Administração.

Como explica Maria Sylvia,

539
FERRAZ, Luciano. Licitações, estudos e práticas. Rio de Janeiro: Esplanada.
540
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética.
541
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros.

316
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

”a expressão contratos da Administração é utilizada, em sentido amplo, para a-


branger todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob regi-
me de direito público, seja sob regime de direito privado. E a expressão contrato
administrativo é reservada para designar tão somente os ajustes que a Adminis-
tração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou pri-
vadas, para a consecução dos fins públicos, segundo regime jurídico de direito pú-
blico. Costuma-se dizer que, nos contratos de direito privado, a Administração se
nivela ao particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da horizonta-
lidade e que, nos contratos administrativos, a Administração age como poder pú-
blico, com todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a re-
542
lação jurídica pelo traço da verticalidade.”

Não obstante, é de se notar que nenhum contrato celebrado pela Administração Pública es-
tará exclusivamente sob a égide do Direito Privado, sempre havendo alguma interferência do Direi-
to Público, em maior ou menor grau, já que “o interesse público existe em todos os comportamen-
tos da Administração Pública, inclusive nos contratos regidos pelo Direito Privado”. 543 Portanto,
“uns e outros estão parificados pelo menos quanto às condições e formalidades para estipulação e
aprovação, disciplinadas pelo Direito Administrativo”. 544

Alguns doutrinadores distinguem as duas espécies levando em conta o interesse público en-
volvido. Nos contratos administrativos propriamente ditos, as prestações decorrentes do ajuste
estão direta e imediatamente relacionadas à satisfação de um interesse público específico, de mo-
do que as obrigações assumidas pelos contratantes são regidas pelo Direito Público. Já nos contra-
tos privados da Administração, as prestações estão apenas indiretamente voltadas à satisfação do
interesse público geral, envolvendo obrigações regidas pelo Direito Privado.

Como exemplifica Diogo de Figueiredo,


“se um Município resolve transferir o uso de um imóvel dominical a um particular,
para que nele instale uma loja, o contrato que vier a celebrar estará submetido ao
Direito Administrativo, pois a renda gerada pela locação do imóvel é uma presta-
ção de interesse público e, por isso, legalmente definida como uma receita públi-
ca extraordinária, teoricamente substitutiva do próprio uso público regular do
bem. Neste caso, há um contrato administrativo, submetido a suas prescrições
substantivas e formais, regendo-se subsidiariamente pelo Direito Privado. Distin-
tamente, noutro e simétrico exemplo, se um Município toma em locação um imó-
vel privado, para nele instalar uma repartição pública, o contrato que vier a cele-
brar com o particular ainda será, subjetivamente, um contrato da Administração,
mas não mais, materialmente, um contrato administrativo, uma vez que nenhu-
ma das prestações recíprocas estará endereçada a um interesse público específico
definido por lei, pois a entrega do uso do imóvel é uma prestação privada, que in-
cumbe ao locador particular, e o aluguel, a ser pago pela Administração, será
uma renda privada que será por ele auferida. Como contrato da Administração,
ele estará apenas submetido a prescrições formais do Direito Administrativo, re-
545
gendo-se, em tudo mais, pelo Direito Privado.”

542
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
543
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
544
MELLO, Curso..., cit.
545
MOREIRA NETO, Curso..., cit.

317
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Na mesma linha, Maria Sylvia assinala que


“quando a Administração celebra contrato cujo objeto apenas indiretamente ou
acessoriamente diz respeito ao interesse geral (na medida em que tem repercus-
são orçamentária, quer do lado da despesa, quer do lado da receita), ela se sub-
mete ou pode submeter-se ao direito privado. (...) Por exemplo, para comprar ma-
teriais necessários a uma obra ou serviço público, para colocar no seguro os veícu-
los oficiais, para alugar um imóvel necessário à instalação de repartição pública,
enfim, para se equipar dos instrumentos necessários à realização da atividade
principal, esta sim regida pelo direito público. O mesmo ocorre com a utilização de
bens do domínio privado do Estado (bens dominicais) por terceiros; se a utilização
se der para fins de utilidade pública (mercado municipal, por exemplo), o instituto
adequado é a concessão de uso, contrato tipicamente administrativo; se a utiliza-
ção se der para proveito exclusivo do particular (como residência) e não para ex-
ploração de utilidade pública, o instituto adequado será a locação. Nesses casos,
o interesse público é protegido apenas indiretamente, à medida que, por esse
meio, a Administração estará explorando adequadamente o patrimônio, para ob-
546
tenção de renda.”

Em suma, enquanto os contratos administrativos estão formal e materialmente ligados ao Di-


reito Público, os contratos privados firmados pela Administração, apesar de formalmente ligados ao
Direito Público, são materialmente regidos pelo Direito Privado.

O aspecto material que identifica especificamente os contratos administrativos revela-se por


meio das chamadas cláusulas exorbitantes, as quais, como o próprio nome sugere, envolvem pa-
râmetros contratuais que exorbitam daqueles comumente empregados no Direito Privado. É jus-
tamente a presença destas cláusulas que faz com que haja uma relação de verticalidade entre a
Administração e o contratante particular. A Lei 8.666/93 tem dispositivos que permitem a inclusão
destas cláusulas exorbitantes, como se infere, v.g., no seu art. 58, que prevê, dentre outras coisas, a
prerrogativa que tem a Administração de modificar ou rescindir unilateralmente contrato, de fisca-
lizar a execução e aplicar sanções ao contratado, bem como de, nos casos de serviços essenciais,
ocupar provisoriamente bens e serviços vinculados ao objeto do contrato, para fins de apuração de
faltas contratuais ou na hipótese de rescisão.

Já a obediência ao aspecto formal de Direito Público há de estar presente em todos os con-


tratos firmados pela Administração, tanto nos contratos de Direito Público, quanto nos contratos
de Direito Privado. Deveras, ao lado dos contratos administrativos propriamente ditos, a Lei
8.666/93 reconhece a possibilidade de a Administração Pública firmar contratos regidos predomi-
nantemente pelo Direito Privado, apesar de, mesmo nestes casos, recomendar a incidência de al-
gumas normas de Direito Público, “no que couber” (art. 62, §3º, I). É o caso dos contratos de segu-
ro, financiamento, locação em que o Poder Público seja locatário, compra e venda, doação, fran-
quia, arrendamento mercantil (leasing), permuta, direitos autorais etc. Haverá aí um regime jurídi-
co híbrido, isto é, predominantemente privado, mas derrogado por algumas disposições de ordem
pública conforme vier a ser fixado no ajuste. São situações em que, dado o tipo de objeto contrata-
do, não se justificaria razoavelmente que a Administração agisse com o alto grau de prerrogativas
exorbitantes típicas dos contratos administrativos. E apesar de sempre haver necessidade de ob-
servância do interesse público em todas as contratações nas quais o Estado esteja presente, o influ-

546
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

318
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

xo das normas de Direito Público nos contratos privados da Administração é bem menor dos que
nos contratos administrativos propriamente ditos.

A distinção entre os contratos administrativos propriamente ditos e os contratos privados da


Administração adquire maior importância em países que adotam o sistema dual de jurisdição (mo-
delo francês), no qual apenas os primeiros sujeitam-se à competência dos tribunais administrativos
(a chamada jurisdição administrativa), enquanto as controvérsias oriundas de contratos privados
da Administração devem ser dirimidas perante o Poder Judiciário. Já nos sistemas de jurisdição
única (modelo inglês), tal como ocorre no Brasil, todos os contratos firmados pela Administração
submetem-se ao crivo do Poder Judiciário, de modo que o aspecto material acima destacado, ape-
sar de útil na identificação do regime jurídico aplicável, não serve de critério para divisão da compe-
tência jurisdicional.

 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO


Na esteira dos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello,
“equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação
de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante
no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe
corresponderá. (...) Enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público busca a
satisfação de uma utilidade coletiva. Calha, pois, à Administração atuar em seus
contratos com absoluta lisura e integral respeito aos interesses econômicos legí-
timos de seu contratante, pois não lhe assiste minimizá-los em ordem a colher
benefícios econômicos suplementares ao previsto e hauridos em detrimento da
547
outra parte.”

Como assinala Lúcia Valle Figueiredo,


“a Administração tem o direito de alterar o contrato, desde que mantenha o obje-
to contratual, para bem adequá-lo às necessidades administrativas. É o chamado
ius variandi da Administração. (...) Obstáculo inarredável à alteração é o objeto
contratual, que, jamais, poderá ser modificado. É inalterável. Ora, se possível fos-
se a alteração do objeto contratual, nenhuma valia teria a licitação precedente
(mesmo sem considerarmos o interesse do contratado, mas, apenas, atentos aos
princípios que regem o procedimento licitatório). Sem dúvida alterações podem
ser determinadas ao contratado, porém, apenas e tão somente, no sentido de
tornar o objeto mais adequado ao interesse público, mantendo-se, todavia, a inal-
548
terabilidade do objeto contratual.”

Na preservação do equilíbrio econômico-financeiro tem-se presente a idéia de que o agente


privado age como colaborador da Administração no desempenho de atividades de interesse públi-
co, de forma que deve ser também protegido o seu interesse.

Várias situações podem vir a desequilibrar um contrato administrativo, tais como a alteração
unilateral do contrato imposta pela Administração contratante; medidas tomadas sob titulação
diversa da contratual (fato do príncipe e fato da administração); fatos imprevisíveis produzidos por

547
MELLO, Curso, cit.
548
FIGUEIREDO, A equação econômico-financeira do contrato de concessão. Aspectos pontuais.

319
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

forças alheias às pessoas contratantes (superveniência de força maior ou caso fortuito); sujeições
ou interferências imprevistas (fato anterior, porém desconhecido dos contratantes no momento da
contratação, que acaba por onerar o contrato); inadimplência da Administração contratante (viola-
ção contratual).

A alteração unilateral do contrato, o fato do príncipe e o fato da administração estão enqua-


drados na chamada álea administrativa. Os demais fatores em que se aplica a teoria da imprevisão
enquadram-se na chamada álea econômica.

Em todas essas hipóteses, a manutenção do contrato administrativo, quando possível, impõe


medidas para preservar o seu equilíbrio econômico-financeiro, mediante revisão contratual, po-
dendo, ainda, ocorrer a rescisão contratual por inexecução absoluta, com o eventual pagamento de
indenização a depender do caso.

Registre-se que, no caso específico das concessões de serviço público, o art. 9º, §4º, da Lei
8.987/95 estabelece que
Art. 9º (...)
§ 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio eco-
nômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à al-
teração.

Maria Sylvia salienta que as concessões de serviço público


“tem a mesma característica da mutabilidade, aplicando-se-lhes as teorias do fa-
to do príncipe e da imprevisão. Aliás, foi a propósito da concessão de serviço pú-
549
blico que se elaboraram originariamente essas teorias.”

Mas é preciso advertir que o respeito à equação econômico-financeira do contrato, se auto-


riza alterações quantitativas ou qualitativas nas cláusulas referentes ao serviço delegado, não pode-
rá jamais alterar o próprio objeto do contrato. Assim por exemplo, é possível que numa concessão
para serviço de transporte público a Administração altere o contrato, obrigando a concessionária a
colocar mais ônibus numa determinada linha; mas não será possível alterá-lo para que a concessio-
nária assuma a construção de uma rodovia, pois isso implicaria modificação do próprio objeto do
contrato, burlando princípios da licitação.

Sendo razoavelmente possível a continuação do contrato, o contratante particular não pode-


rá suspender de forma sumária a execução dos serviços contratados, haja vista as restrições ao uso
da exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), em respeito aos princí-
pios da continuidade dos serviços públicos e da supremacia do interesse público sobre os interesses
privados.

A suspensão da execução do contrato pelo particular, em regra, somente é possível quando


houver atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração, salvo em caso de
calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra (art. 78, XV, Lei 8.666/93). No
caso específicos dos contratos de concessão, a paralisação das atividades somente pode ocorrer
após haver decisão judicial transitada em julgado (art. 39, parágrafo único, Lei 8.987/95).

549
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

320
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Outro ponto a destacar é a consagrada teoria da imprevisão, que tem estreita relação com a
velha cláusula rebus sic standibus, implícita em todo contrato, conforme a qual
“as obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado das
coisas ao tempo em que se contratou. Em consequência, a mudança acentuada
dos pressupostos de fato em que se embasaram implica alterações que o Direito
não pode desconhecer. É que as vontades se ligaram em vista de certa situação, e
na expectativa de determinados efeitos, e não em vista de situação e efeitos to-
550
talmente diversos, surdidos à margem do comportamento dos contraentes.”

Hely Lopes Meirelles551 analisa as hipóteses em que se aplica a teoria da imprevisão:


Força maior “é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para
o contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato. Assim uma
greve que paralise os transportes ou a fabricação de um produto de que dependa a execu-
ção do contrato é força maior, mas poderá deixar de sê-lo se não afetar totalmente o
cumprimento do ajuste, ou se o contratado contar com outros meios para contornar a in-
cidência de seus efeitos no contrato.”

Caso fortuito “é o evento da natureza que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria
para o contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato. Caso
fortuito é, p. ex., um tufão destruidor em regiões não sujeitas a esse fenômeno; ou uma
inundação imprevisível que cubra o local da obra; ou outro qualquer fato, com as mesmas
características de imprevisibilidade e inevitabilidade, que venha a impossibilitar totalmen-
te a execução do contrato ou retardar seu andamento, sem culpa de qualquer das partes.”

Fato do príncipe “é toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral, imprevista e


imprevisível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. Essa o-
neração, constituindo uma álea administrativa extraordinária e extracontratual, desde
que intolerável e impeditiva da execução do ajuste, obriga o Poder Público contratante a
compensar integralmente os prejuízos suportados pela outra parte, a fim de possibilitar o
prosseguimento da execução, e, se esta for impossível, rende ensejo à rescisão do contra-
to, com as indenizações cabíveis (...) O fato do príncipe, caracterizado por um ato geral do
Poder Público, tal como a proibição de importar determinado produto, só reflexamente
desequilibra a economia do contrato ou impede sua plena execução. Por isso não se con-
funde com o fato da Administração, que incide direta e especificamente sobre o contra-
to.”

Fato da Administração “é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e
especificamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução. O fato da Administra-
ção equipara-se à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilida-
de do particular pela inexecução do ajuste. É o que ocorre, p. ex., quando a Administração
deixa de entregar o local da obra ou serviço, ou não providencia as desapropriações ne-
cessárias, ou atrasa os pagamentos por longo tempo, ou pratica qualquer ato impeditivo
dos trabalhos a cargo da outra parte.”

550
Idem.
551
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

321
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Interferências imprevistas “são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na cele-
bração do contrato mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcio-
nal, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos
trabalhos. As interferências imprevistas não se confundem com outras eventuais superve-
niências (caso fortuito, força maior, fato do príncipe, fato da Administração), porque es-
tas sobrevêm ao contrato, ao passo que aquelas o antecedem, mas se mantém desconhe-
cidas até serem reveladas através de obras e serviços em andamento, dada sua omissão
nas sondagens ou sua imprevisibilidade para o local, em circunstâncias comuns de traba-
lho. Além disso, as interferências imprevistas não são impeditivas da execução do contra-
to, mas sim criadoras de maiores dificuldades e onerosidades para a conclusão dos traba-
lhos, o que enseja a adequação dos preços e dos prazos à nova realidade encontrada in lo-
co, como, p. ex., numa obra pública, o encontro de um terreno rochoso, e não arenoso
como indicado pela Administração, ou mesmo a passagem subterrânea de canalização ou
dutos não revelados no projeto em execução.”

Observa-se que a incidência da teoria da imprevisão demanda um mínimo grau de imprevisi-


bilidade, não podendo ser aplicada indiscriminadamente em qualquer situação de desequilíbrio. A
jurisprudência, por exemplo, tem considerado que a simples conversão de cruzeiros reais em uni-
dades reais de valor no território nacional não atraiu a aplicação da teoria da imprevisão. Vejamos
o teor do seguinte trecho de julgado do STJ:
“(....) 2. Esta Corte já se pronunciou que a instituição da Unidade Real de Valor – URV, se
consubstanciou, em si mesma, cláusula de preservação da moeda. Sendo assim, in casu,
não se aplica a teoria da imprevisão, uma vez que este Tribunal entende não estarem
presentes quaisquer de seus pressupostos. 3. É requisito para a aplicação da teoria da
imprevisão, com o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que
o fato seja imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às suas consequências; estra-
nho à vontade das partes; inevitável e causa de desequilíbrio muito grande no contrato.
E conforme entendimento desta Corte, a conversão de Cruzeiros Reais em URVs, deter-
minada em todo o território nacional, já pressupunha a atualização monetária (art. 4º da
Lei n. 8.880/94), ausente, portanto, a gravidade do desequilíbrio causado no contrato.”
552

Dentre os fatores que podem interferir no equilíbrio econômico-financeiro do contrato ad-


ministrativo destacam-se as flutuações econômicas, sobretudo em uma economia de mercado glo-
balizada como é a brasileira. Adquire importância aí a adoção de cláusulas de reajustes de preços,
com base em índices oficiais. De fato, a variação dos preços inerentes ao serviço ou obra contrata-
da deixou de ter caráter de imprevisibilidade, segundo a cláusula rebus sic standibus, passando a
refletir padrões de normalidade consubstanciados nas habituais flutuações do mercado, risco pre-
sente em qualquer tipo de negócio (álea ordinária ou empresarial), de modo a haver expressa pre-
visão nos contratos.

Consoante explica Celso Antônio,


“pela cláusula de reajuste, o contratante particular e o Poder Público adotam no
próprio contrato o pressuposto rebus sic standibus quanto aos valores então de-
marcados, posto que estipulam a revisão dos preços em função das alterações
subsequentes. É dizer: pretendem acautelar os riscos derivados das altas que, nos

552
STJ, REsp. 1129738/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. 05/10/2010.

322
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tempos atuais, assumem caráter de normalidade. Portanto, fica explícito no ajus-


te o propósito de garantir com previdência a equação econômico-financeira, na
medida em que se renega a imutabilidade de um valor fixo e se acolhe, como um
dado interno à própria avença, a atualização do preço. Tal proceder, longe de in-
sueto, tornou-se habitual, sendo de uso corrente e moente nos chamados contra-
tos administrativos inclusive no Exterior, conforme já averbamos. Parece claro a
todas as luzes que nestes casos a intenção traduzida no ajuste é a de buscar equi-
valência real entre as prestações e o preço. Em suma: o acordo de vontades, no
que atina à equação econômico-financeira, em interpretação razoável, só pode
ser entendido como o de garantir o equilíbrio correspondente ao momento do a-
cordo, de sorte a assegurar a sua persistência, prevenindo-se destarte o risco de
que contingências econômicas alheias à ação dos contratantes escamoteiem o
553
significado real das prestações recíprocas.”

Para assegurar o efetivo equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, convém


que sejam utilizados índices oficiais que bem retratem a realidade das flutuações da moeda, sem
qualquer manipulação por parte da Administração Pública. Pertinentes mais uma vez as lições do
mestre Celso Antônio:
“Nos contratos administrativos com cláusula de reajuste este se reporta a índices
oficiais que deverão reproduzir a real modificação deles. À Administração não é
dado manipulá-los, ou por qualquer modo viciá-los em detrimento do contratan-
te. Até porque, se atuar deste modo, estará se desencontrando com sua real fina-
lidade e perseguindo interesses secundários assintônicos com os interesses públi-
cos primários (...) Exatamente pelas razões aduzidas, se e quando os índices ofici-
ais a que se reporta o contrato deixam de retratar a realidade buscada pelas par-
tes quando fizeram remissão a eles, deve-se procurar o que foi efetivamente pre-
tendido, e não simplesmente o meio que deveria levar – e não levou – ao almeja-
do pelos contraentes. Não padece dúvida de que os índices são um meio e não um
fim. A eleição de meio revelado inexato não pode ser causa elisiva do fim, mas
apenas de superação do meio inadequado. Para que as partes cumpram devida-
mente o ajuste em toda sua lisura, boa-fé e lealdade, como de direito, cumpre que
atendam ao efetivamente pretendido, respeitando a real intenção das vontades
554
que se compuseram.”

Importante destacar que as cláusulas de revisão de preços previstas nos contratos apenas
servem para garantir o equilíbrio no tocante às flutuações monetárias do mercado, sem prejuízo
das demais garantias de preservação da equação econômico-financeira dos contratos fundadas na
teoria da imprevisão, conforme vem entendendo a jurisprudência.

Nesse particular, Cretella Júnior aponta como nulas eventuais disposições contratuais que
impliquem renúncia às garantias baseadas da teoria da imprevisão pelo simples fato de haver cláu-
sulas de revisão de preços:
“Os mais recentes trabalhos públicos ou de fornecimento contêm mesmo uma
cláusula formal pela qual o co-contratante renuncia a pedir qualquer outro tipo
de indenização, notadamente a imprevisão, a não ser as que resultem das cláusu-
las de revisão dos preços. Entretanto, já que o inesperado sempre acontece, preci-

553
MELLO, Curso..., cit.
554
Idem.

323
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

samente porque a indenização da imprevisão supõe a superveniência de aconte-


cimentos ou de situações que, por hipóteses, as partes não poderiam Ter previsto
no instante da conclusão do contrato, decidiu a jurisprudência que tais cláusulas,
inseridas nos contratos, eram sem valor no caso em que qualquer outra circuns-
tância, realmente inesperada, sobreviesse nesse ínterim. Com efeito, nenhuma
cláusula poderia impedir a outorga de uma indenização de imprevisão, num caso,
por exemplo, de empreitada, ao empreiteiro, se um fato novo, totalmente inespe-
rado, inimaginável na data da celebração do contrato e transtornando as previ-
sões da parte. A inclusão de uma cláusula de revisão de preços num contrato não
impede, em princípio, a outorga de uma indenização de imprevisão, porque há
555
circunstâncias que não são cobertas por esta cláusula.”

 PRINCIPAIS ESPÉCIES DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


Dispondo basicamente sobre normas gerais de licitações e contratos, a Lei 8.666/93 cuida a-
inda de indicar algumas modalidades de contratos administrativos em seu art.2º, tais como os con-
tratos de obras, de serviços (inclusive de publicidade), de compra, de alienação, de concessão, de
permissão e de locação.

Naturalmente,
“a legislação federal tampouco esgota a categorização de contratos administrati-
vos, e não impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definam, por
seu turno, interesses públicos específicos outros, e os disciplinem individualmente
como novas espécies de contratos administrativos, bem como acrescentem suas
respectivas normas específicas para as modalidades definidas em nível nacional.
O que não é possível é reduzir o elenco dos contratos administrativos definidos pe-
556
las normas gerais existentes.”

Assim, a doutrina aponta ainda outras espécies de contratos administrativos, a saber: de for-
necimento, de empréstimo público, de trabalhos artísticos, de gerenciamento, etc. Ao lado des-
ses, há ainda os contratos de concessão de serviço público, concessão de obra pública e a conces-
são de uso de bem público, bem como outras modalidades contratuais específicas.

Vejamos então as características das principais espécies de contratos apontados:


▶ Contrato de obra pública: Nos termos do art. 6º, I, Lei 8.666/93, obra é “toda construção,
reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”. E con-
soante explica Diógenes Gasparini,
“construção é a conjugação de materiais e atividades empregados na execução
de um projeto de engenharia. Reforma é a obra de melhoramento da construção,
sem ampliar sua área. Ampliação é a obra que tem por objeto aumentar a área
da construção. De outro lado, a obra pública pode destinar-se ao serviço público
(edifícios públicos) ou à população (ruas, calçamento, praças, pontes, canaliza-
ções, metrô, ferrovias, portos, aeroportos, represas, usinas etc.). Esses contratos

555
CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Contratos Administrativos, São Paulo: Forense.
556
MOREIRA NETO, Curso..., cit.

324
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

só podem ser realizados com profissional ou empresa de engenharia, registrados


557
no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA.”

Direta é a execução feita pelos órgãos e entidades da Administração, por seus próprios mei-
os. É também chamada de execução por administração, na qual
“os trabalhos são executados diretamente pelos agentes da Administração ou,
sob sua direção, por operários ajustados por dia. A autoridade administrativa in-
teressada tem, então de celebrar contratos de fornecimentos para assegurar os
materiais necessários, a fornecer os recursos para a providência dos trabalhos, a
558
recrutar a mão de obra, se for o caso, mediante locações de serviço.”

Já na execução indireta, o órgão ou entidade contrata com terceiros, sob um dos seguintes
regimes previstos no inciso VIII do art. 6º, Lei 8.666/93:
a) Empreitada por preço global: quando se contrata a execução da obra ou do serviço por
preço certo e total;

b) Empreitada por preço unitário: quando se contrata a execução da obra ou do serviço


por preço certo de unidades determinadas;

c) Tarefa: quando se ajusta mão de obra para pequenos trabalhos por preço certo com ou
sem fornecimento de materiais;

d) Empreitada integral: quando se contrata um empreendimento em sua integralidade,


compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira
responsabilidade da contratada até a sua entrega em operação, atendidos os requisitos
técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e
com as características adequadas às finalidades para que foi contratada. Quando a em-
preitada envolve apenas a prestação de serviço, ou seja, a mão de obra necessária à exe-
cução da obra, é chamada de empreitada de lavor, na qual o material é fornecido pela
Administração contratante.

Existe, ainda, a modalidade de administração contratada, em que a Administração fornece


todo o material e mão de obra, contratando apenas a gestão da execução da obra pública. Ao lado
de todas essas modalidades de empreitada e tarefa, a execução indireta pode se dar também me-
diante concessão de obra pública, a ser estudada em tópico adiante.

▶ Contrato de serviço: Definindo serviço como toda atividade destinada a obter determinada
utilidade de interesse para a Administração, o art. 6º, II, Lei 8.666/93, apresenta um rol exemplifica-
tivo de serviços: “demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação,
adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-
profissionais”. Segundo Hely Lopes,
“o que distingue, pois, o serviço da obra é a predominância da atividade sobre o
material empregado. A atividade operativa é que define e diversifica o serviço,

557
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
558
CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos..., cit.

325
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

abrangendo desde o trabalho braçal do operário até o labor intelectual do artista


559
ou a técnica do profissional mais especializado.”

Toda atividade contratada pela Administração que não esteja inserida no conceito de obra
pública será um serviço público. Os serviços poderão ser de quatro espécies:
a) serviços comuns: quando não exijam habilitação legal específica do prestador;

b) serviços técnicos profissionais generalizados: quando apenas exigem habilitação legal


específica do prestador, sem maiores conhecimentos teóricos ou práticos, que não os
normalmente exigidos da sua categoria profissional;

c) serviços técnicos profissionais especializados: quando, além da habilitação legal espe-


cífica do prestador, exige-se especiais conhecimentos teóricos ou práticos, que distingue
determinados profissionais pelo seu nível de excelência e, em alguns casos, a sua notória
especialização.

d) Serviços artísticos: quando busquem à realização de serviços de belas artes, como, por
exemplo, pintura, escultura, música etc.

O contrato de serviço, ora estudado, não se confunde com o contrato de concessão de servi-
ço público, conforme também será visto em tópico específico.

▶ Contrato de fornecimento: Nos termos do art. 9º, Lei 8.666/93, o contrato de fornecimen-
to envolve a entrega de bens necessários à execução de obra ou serviço da Administração, também
lhe sendo aplicadas as normas referentes às compras em geral. Por meio deste contrato, “a Admi-
nistração adquire coisas móveis (materiais, produtos industrializados, gêneros alimentícios etc.)
necessárias à realização de suas obras ou à manutenção de seus serviços”. 560 Assemelha-se ao con-
trato de compra e venda regido pelo Direito Privado. Cretella Júnior aponta os seguintes elementos
do contrato de fornecimento:
“1º) é um contrato administrativo, ou, o que é o mesmo, realizado pela Adminis-
tração, conforme a norma jurídica que ela dita para cada caso com o fim de aten-
der ao funcionamento de um serviço público e de acordo com um regime de Direi-
to Público;
2º) consiste numa prestação de coisas, produtos ou serviços, sempre e quando
as coisas e produtos tenham de aplicar-se de maneira direta a um serviço público
regido diretamente pela Administração, ou quando se trate de um serviço público,
em si mesmo. Esta característica distingue o contrato de fornecimento de obras
públicas, do de concessão de serviço público e do de prestações pessoais;
3º) realizar-se por conta e risco do fornecedor;
4º) o fornecimento é pago em dinheiro, o que faz com que se assemelhe, em al-
gumas de suas hipóteses, ao contrato de compra e venda, embora não lhe conve-
561
nha tal qualificação, por motivo de conteúdo de Direito Público.”

O fornecimento pode ser de três espécies:

559
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
560
Idem.
561
CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos Administrativos, cit.

326
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a) fornecimento integral, em que a coisa é entregue pelo fornecedor de uma só vez, ge-
ralmente com pagamento à vista. Nesse caso, o contrato se assemelha a uma simples
compra e venda, a não ser pela necessidade de licitação e observância das regras dos arts.
15 e 16, Lei 8.666/93, dentre as quais está o princípio da padronização (compatibilidade
de especificações técnicas e de desempenho);

b) fornecimento parcelado, em que a entrega da coisa se faz por partes até atingir a
quantidade total contratada. Por exemplo: compra de cinco lotes de computadores;

c) fornecimento contínuo, em que a entrega da coisa se faz de modo continuado, sucessi-


vo e frequente, enquanto durar o contrato. Envolvem bens de uso habitual pela Adminis-
tração, como, por exemplo, papéis, cartuchos de impressora, etc.

▶ Contrato de alienação: Alienação


“é toda transferência de propriedade, remunerada ou gratuita, sob a forma de
venda, permuta, doação, dação em pagamento, investidura, legitimação de
posse ou concessão de domínio. Qualquer dessas formas de alienação pode ser
utilizada pela Administração, desde que satisfaça as exigências administrativas
562
para o contrato alienador e atenda aos requisitos do instituto específico.”

Segundo dispõe a Lei 8.666/93, a alienação de bens da Administração Pública, subordinada à


existência de interesse público devidamente justificado, será em regra precedida de avaliação e
obedecerá às normas previstas no seu art. 17. A alienação de bens imóveis dependerá de autoriza-
ção legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais e, para
todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modali-
dade de concorrência (salvo os casos de dispensa de licitação enumerados no art. 17, I, “a” a “i”).
Se o bem for móvel, não há necessidade de autorização legislativa, razão pela qual a sua alienação
dependerá apenas de avaliação prévia e de licitação (salvo os casos de dispensa de licitação enume-
rados no art. 17, II, “a” a “f”).

▶ Contrato de gerenciamento: Trata-se de uma modalidade específica do contrato de serviço


já estudado. No gerenciamento, a Administração
“comete ao gerenciador a condução de um empreendimento, reservando para si a
competência decisória final e responsabilizando-se pelos encargos financeiros da
execução das obras e serviços projetados, com os respectivos equipamentos para
563
sua implantação e operação.”

Envolve atividades de caráter eminentemente técnico, tais como programação, supervisão,


consultoria, controle e fiscalização. Busca, sobretudo, racionalizar recursos. A modalidade de ge-
renciamento mais utilizada é a referente a serviços de engenharia, arquitetura e agronomia, tal
como disposto na Lei 5.194/66. Além disso, destaca-se o gerenciamento privado de entes públicos,
no qual a Administração Pública contratante transfere a entes privados determinadas atividades de
gestão de seus recursos, tal como ocorre com hospitais, postos de saúde, penitenciárias, escolas
etc.

562
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
563
Idem.

327
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

▶ Contrato de empréstimo público: Para desempenhar suas atividades, a Administração ne-


cessita de recursos, os quais, em regra, são oriundos das receitas públicas, a maioria delas proveni-
entes da cobrança de tributos. Todavia, não raro o Poder Público precisa executar certos gastos
emergenciais sem que haja disponibilidade orçamentária para tanto com base nas receitas ordiná-
rias, razão pela qual recorre a empréstimos de particulares. Diógenes Gasparini ensina que
“os empréstimos podem ser alcançados no mercado interno ou no externo. São
empréstimos internos os conseguidos e cumpridos no mercado interno, e externos
os conseguidos e cumpridos no mercado internacional. Também podem ser fede-
rais, estaduais ou municipais, conforme seja seu tomador a União, o Estado-
Membro ou o Município. A celebração desse ajuste exige prévia autorização legis-
lativa, consoante se infere do estabelecido no art. 48, II, CF. Ademais, deve obser-
var as normas de endividamento e outras indicadas pelo Banco Central do Brasil e
as editadas pelo Senado Federal. O contrato de empréstimo público não se con-
funde com o contrato de fornecimento, dado que neste não há obrigação de de-
volver coisa da mesma espécie e qualidade (dinheiro), mas pagamento, enquanto
naquele há devolução de dinheiro. O Contrato de Abertura de Crédito por Anteci-
pação de Receita Orçamentária – ARO é exemplo de contrato de empréstimo pú-
564
blico.”

Como espécie de contrato administrativo (regime de Direito Público), o empréstimo público


se distingue do contrato de financiamento eventualmente firmado pela Administração sob regime
predominantemente privado e que será tratado em tópico posterior.

▶ Contrato de concessão: Esta modalidade tem estreita relação com a delegação, a particula-
res, da execução de obras e serviços e públicos, como forma de aliviar o Estado do desempenho
direto de atividades que possam ser melhor executadas pelo setor privado. O regime de concessões
predominou na fase do liberalismo clássico. Com o advento do Estado Social e o desenvolvimento
do modelo burocrático (fase do estatismo), as concessões tiveram a sua importância reduzida, pas-
sando o Estado a intervir diretamente, por meio de seus entes, em diversos setores que antes eram
delegados. Posteriormente, com a reforma do Estado e a gradativa implantação de um modelo
gerencial de administração pública (fase da democracia), as concessões voltaram a ter destaque no
cenário administrativo, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime sistematizado de regula-
mentação (intervenção estatal indireta, por meio de agências reguladoras), como já foi abordado
anteriormente. Maria Sylvia define a concessão como
”o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a exe-
cução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de
bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições
565
regulamentares e contratuais.”

Verifica-se, portanto, que o contrato de concessão comporta três objetos distintos:

• Concessão de serviço público: O fundamento constitucional está no art. 175, CF566. A lei a
que alude a norma constitucional é da competência privativa da União no tocante às normas gerais

564
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
565
Ob. cit., p.266.
566
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de

328
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

que estabelece (art. 22, XXVII, CF), ou seja, tem caráter de lei nacional. Para tanto foi editada a Lei
8.987/95, que dispõe o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, bem
como a Lei 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e per-
missões de serviços públicos. Conforme dispõe o art. 2º desta última legislação, a outorga de con-
cessões e permissões de serviços públicos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios de-
penderá de lei autorizativa, salvo nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referi-
dos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e
Municípios. No caso da União, a própria Lei 9.074/95, em seu art. 1º, enumera os serviços e obras
públicas de sua competência passíveis de delegação por concessão ou permissão, quais sejam:
Art. 1º. (...)
IV - vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública;
V - exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas ou outros
dispositivos de transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações, precedidas ou não
da execução de obras públicas;
VI - estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados
em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas.
VII - os serviços postais.

Além desses, existem as autorizações em leis especiais, a exemplo da Lei 9.427/96 (conces-
são de serviço público de energia elétrica). Outros aspectos legais referentes aos contratos de con-
cessão de serviço público já foram abordados no capítulo que tratou da regulação, concessões e
parcerias.

• Concessão de obra pública: Pode se dar como acessório em um contrato de concessão de


serviço público ou como um contrato autônomo. Na lição de Maria Sylvia,
“o que a Administração Pública tem em vista é a prestação do serviço público,
mas, como este depende da realização de uma obra pública, esta é previamente
transferida ao mesmo concessionário. Hoje, já se reconhece a existência desse
contrato, como modalidade autônoma em relação ao de concessão de serviço pú-
blico; ele tem por objeto a execução de uma obra, sendo secundária a prestação
ou não de um serviço público. O que é essencial para que se caracteriza a conces-
são de obra pública é que a remuneração do concessionário não seja feita pelo
poder concedente, pois, se assim fosse, ter-se-ia simples contrato de empreitada.
Essa remuneração pode ser assegurada por diferentes formas: ou por meio de
contribuição de melhoria instituída pelo poder concedente para remunerar o con-
cessionário; ou pela delegação da execução de um serviço público, o que significa
que o contrato terá dois objetos sucessivos: o primeiro a execução da obra, depois
a prestação do serviço; ou pela simples exploração comercial das utilidades que a
obra permite (...) Suponha-se a hipótese em que o concessionário construa um es-
tacionamento público e seja autorizado, posteriormente, a explorar comercial-
mente esse estacionamento a título de remuneração pela construção da obra. Ou
que construa uma ponte e depois explore comercialmente o tráfego pela ponte.
Não há prestação de um serviço público, mas a simples exploração comercial de-
corrente do uso de bem público pelos administrados. É o que ocorre também nas
567
concessões de rodovias.”

licitação, a prestação de serviços públicos.


567
DI PIETRO, Parcerias..., cit.

329
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

• Concessão de uso de bem público: destina-se a outorgar ao particular a utilização privativa


de um bem público. Conforme será abordado em capítulo que tratará do domínio público, a utiliza-
ção de bens públicos por particulares pode se dar por uso comum (todos usam indistintamente) ou
por uso privativo ou especial (exclusivo para determinadas pessoas ou grupos). Para que possa ser
objeto de uso privativo, o bem público deve antes ser desafetado do seu fim de uso comum. Assim,
o contrato de concessão de uso é um dos mecanismos de outorga estatal que asseguram a utiliza-
ção privativa do bem público, ao lado de atos administrativos tais como a autorização, licença,
permissão, locação, aforamento etc. Sendo um contrato administrativo, a concessão de uso de bem
público confere ao contratante privado algumas garantias que ele não teria se o uso lhe fosse con-
ferido por simples ato administrativo de caráter precário. A doutrina distingue a concessão de uso
da concessão de direito real de uso (Decreto-Lei 271/67), pois enquanto aquela
“confere ao concessionário um direito pessoal intransferível a terceiros”, esta
“confere ao concessionário um direito real, transferível a terceiros por ato inter
568
vivos ou por sucessão legítima ou testamentária.”

• Parceria Público-Privada (concessão especial): Dentro do contexto do modelo administra-


tivo gerencial, surgiram recentemente no Brasil normas jurídicas tratando da parceria público-
privada, modalidade especial de concessão que teve origem na Inglaterra há cerca de trinta anos. O
instituto também foi adotado com sucesso em países como Portugal, Irlanda e Espanha.

Seguindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratos administrativos (art. 22, XXVII, CF), foi editada a Lei 11.079/04, que institui normas gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Os
Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão instituir normas específicas
sobre a matéria.

Nos termos do art. 2º, Lei 11.079/04, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que
pode ocorrer sob duas modalidades:
• concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que
trata a Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa co-
brada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado;
• concessão administrativa: é o contrato de prestação de serviços de que a Administração
Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou forneci-
mento e instalação de bens.

Como destaca Diógenes Gasparini,


“o objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma de parcerias com
o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras seguras e
melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação
dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na conse-
cução do interesse público que, em termos de eficiência, com raras exceções, ca-
rece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração Pública deseja apro-
veitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez
569
contratada, pois livre de certas peias burocráticas.”

568
BASTOS, Curso..., cit.
569
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

330
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Apesar do nome “parceria”, trata-se de contrato administrativo propriamente dito, porquan-


to traz em seu bojo interesses contrapostos da Administração (que visa a eficiente prestação de
serviços públicos) e do parceiro privado (que visa de algum modo lucrar com o empreendimento),
razão pela qual José dos Santos defende que a correta denominação deveria ser contrato de con-
cessão especial de serviços públicos. 570

As PPPs na modalidade de concessão patrocinada se distinguem das concessões comuns ba-


sicamente porque elas envolvem necessária contraprestação pecuniária do parceiro público ao
parceiro privado. Portanto, são destinadas sobretudos a áreas de atuação estatal em que não seja
viável a exploração econômica remunerada exclusivamente por meio de tarifas pagas pelos usuá-
rios. Por sua vez, as PPPs na modalidade de concessão administrativa distinguem-se dos contratos
administrativos de prestação se serviço regidos pela Lei 8.666/93, haja vista os altos investimentos
que devem ser feitos pelo parceiro privado e amortizados ao longo do contrato.

Consoante previsto na Lei 11.079/04, a contraprestação da Administração Pública nos con-


tratos de parceria público-privada poderá ser feita por:
Art. 6º. (...)
I - ordem bancária;
II - cessão de créditos não tributários;
III - outorga de direitos em face da Administração Pública;
IV - outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;
V - outros meios admitidos em lei.

O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vincu-


lada ao seu desempenho conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no
contrato. A contraprestação da Administração Pública será obrigatoriamente precedida da disponi-
bilização do serviço objeto do contrato de parceira público-privada.

A lei veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a vinte
milhões de reais, cujo período de prestação de serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como
objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a
execução de obra pública. O prazo de vigência da parceria público-privada deve ser compatível com
a amortização dos investimentos realizados e varia de cinco a trinta e cinco anos, incluindo eventu-
al prorrogação. A licitação que deve preceder ao contrato será na modalidade de concorrência.

Para implantar e gerir o objeto da parceria deve ser constituída sociedade de propósito es-
pecífico, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a
negociação no mercado. A lei contém ainda norma expressa no sentido de que, na PPP, não poderá
ocorrer a delegação de funções exclusivas do Estado, tais como funções de regulação, de jurisdição
ou de exercício do poder de polícia.

À guisa de se destacar os regimes aplicáveis às diferentes categorias de contratos administra-


tivos, o art. 3º, Lei 11.079/04, assim dispôs:

570
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

331
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 3º As concessões administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes adicio-


nalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995.
§ 1º As concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiaria-
mente o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nas leis que lhe são cor-
relatas.
§ 2º As concessões comuns continuam regidas pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto nesta Lei.
§ 3º Continuam regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e pe-
las leis que lhe são correlatas os contratos administrativos que não caracterizem conces-
são comum, patrocinada ou administrativa.

▶ Contrato de permissão: Tradicionalmente todas as permissões (de serviços públicos e de


uso de bem público) eram consideradas atos unilaterais da Administração, de natureza precária, ou
seja, que não forneciam ao permissionário maiores garantias no tocante a sua situação jurídica.
Com o advento da CF/88, porém, as permissões de serviços públicos foram tratadas como contra-
tos administrativos, sujeitos, inclusive, à regra de licitação (art. 175). A Lei 8.987/95, por sua vez,
estabeleceu que
Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão,
que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licita-
ção, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo po-
der concedente.

Não obstante, alguns doutrinadores ainda contestam o seu caráter contratual, apontando a
imprecisão técnica de redação do art. 175, CF. 571 O que se observa, contudo, é que o tratamento
clássico atribuído pela doutrina à permissão (na modalidade de serviços públicos) não mais se coa-
duna com o texto constitucional vigente, não se podendo reputar unilateral algo que a Lei Maior
submeteu ao regime de contratos e licitações. A permissão, portanto, é ato bilateral, ainda que
substancialmente um contrato de adesão, precário e revogável unilateralmente. Ou seja, é contra-
to, ainda que precário se comparado com as garantias asseguradas pela concessão. Mas essa preca-
riedade é menor do que a decorrente de atos administrativos discricionários. Na esfera dos serviços
públicos, as características de ato unilateral e precário, tradicionalmente atribuídas às permissões,
atualmente reservam-se melhor às autorizações, que são em regra discricionárias (salvo algumas
autorizações vinculadas previstas em leis especiais). Já no tocante às permissões de uso de bem
público, inexiste controvérsia de que são atos unilaterais e precários, e não contratos, conforme
será estudado no capítulo do domínio público.

 EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS


A extinção dos contratos administrativos pode decorrer daquilo que, desde o início, era espe-
rado que acontecesse (extinção normal), ou advir de modo inesperado em razão de fato ou ato que
lhe ponha fim prematuramente (extinção anômala).

→ A extinção normal do contrato:

571
MELLO, Curso..., cit.

332
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Estipula-se o contrato para ser naturalmente cumprido, pela conclusão dos trabalhos e a en-
trega do objeto ao contratante, ou pelo decurso do prazo determinado para a sua vigência. Como
enuncia Diógenes Gasparini,
“concluído o objeto pelo contratado e recebido pela Administração Pública, extin-
gue-se o contrato, independentemente de qualquer formalidade. Com efeito, se o
contrato foi celebrado em função do desejado pela Administração e esse desejo
572
foi plenamente satisfeito, não há razão para a continuidade do contrato.”

Para surtir os seus efeitos jurídicos, o cumprimento do contrato pressupõe o recebimento do


seu objeto pela Administração, nos termos dos arts. 73 a 76, Lei 8.666/93. Esse recebimento pode
se dar provisória ou definitivamente, sendo que as regras variam conforme o objeto. No caso de
obras e serviços, o recebimento provisório é aquele em que o responsável pelo acompanhamento
e fiscalização do contrato elabora termo circunstanciado a ser assinado pelas partes em até 15 dias
da comunicação escrita do contratado. Já o recebimento definitivo dá-se por servidor ou comissão
designada pela autoridade competente, também mediante termo circunstanciado assinado pelas
partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto
aos termos contratuais. Em se tratando de compras ou locação de equipamentos, o recebimento
provisório ocorre apenas para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a
especificação. O recebimento definitivo, por sua vez, dá-se após a efetiva verificação da qualidade e
quantidade do material e consequente aceitação. Se os equipamentos forem de grande vulto, tais
recebimentos dependem de termo circunstanciado; nos demais casos, bastará a elaboração de um
recibo.

A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em


desacordo com o contrato. E se no momento da entrega forem detectados vícios, defeitos ou incor-
reções, o contratado será obrigado a reparar, corrigir, reconstruir ou substituir, às suas expensas,
no total ou em parte, o objeto do contrato. Ressalte-se que o recebimento provisório ou definitivo
não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço, nem ético-
profissional pela perfeita execução do contrato, dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelo
contrato.

Nos contratos cujo objeto é cumprido de forma continuada no tempo, a extinção dá-se pelo
natural decurso do seu prazo de vigência, já que o art. 57, §3º, Lei 8.666/93, veda o contrato com
prazo de vigência indeterminado. A princípio, os contratos devem ter prazo de duração dentro do
período de vigência do respectivo crédito orçamentário. Mas a Lei 8.666/93 prevê várias hipóteses
em que os contratos poderão se estender além desse prazo (art. 57). Além disso, existem leis espe-
ciais que dispõe sobre contratos administrativos de longo prazo, como é o caso das legislações que
tratam das concessões e permissões públicas (Lei 8.987/95) e das parcerias público-privadas (Lei
11.079/2004).

→ A extinção anômala do contrato:


A Lei 8.666/93 trata das hipóteses de inexecução total ou parcial do contrato administrativo,
enumeradas no seu art. 78. São casos nos quais o contrato não chega ao seu fim natural, por não
ter sido feita a devida entrega do objeto ou em outras situações em que o contrato teve de cessar
antes do decurso do seu prazo de vigência. A Lei emprega genericamente a expressão rescisão con-
tratual, que pode se dar independentemente de ordem judicial (por ato unilateral da própria Ad-

572
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

333
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ministração ou por consenso dos contratantes) ou por necessária ordem judicial (no caso de a res-
cisão dar-se por iniciativa do contratante particular).

Vejamos, então, as principais hipóteses de extinção anômala:


▶ Rescisão unilateral pela Administração: Pode decorrer de vício de legalidade, inadimple-
mento pelo contratante particular ou razões de interesse público, nos casos enumerados nos inci-
sos I a XII e XVII do art. 78, Lei 8.666/93, em que cabe à Administração Pública impor o final do con-
trato, sem necessidade de prévia ordem judicial (cuida-se, portanto, de medida auto-executável).
Se o contrato contém vício de legalidade em algum dos seus elementos constitutivos, impõe-se
que seja declarada a sua nulidade com efeitos retroativos (ex tunc), resguardando-se, se for o caso,
os direitos do contratante que agiu de boa-fé ou não tenha concorrido para o vício. Também deve
ser rescindido unilateralmente pela Administração se houver descumprimento das obrigações as-
sumidas pelo contratante particular. Se este tiver agido com dolo ou culpa, em regra não lhe cabe
qualquer indenização e, além disso, poderá ser responsabilizado administrativa, civil e penalmente.
Se não houver culpa do contratado (caso fortuito, força maior etc.) ou ainda se, apesar de o contra-
to estar sendo regularmente cumprido, razões de interesse público justificarem o seu término an-
tecipado, é justo que o particular seja indenizado pelos prejuízos sofridos até o momento da resci-
são, com a devolução de garantia, os pagamentos devidos pela a execução do contrato até a data
da rescisão e o custo de desmobilização (art. 79, § 2º, Lei 8.666/93). Firme-se, portanto, que so-
mente haverá ressarcimento de prejuízos nas situações enumeradas nos incisos XII a XVII do art. 78,
que são aquelas em que não houve qualquer descumprimento por parte do contratado. No caso de
inadimplemento (art. 78, I), o art. 80 estabelece procedimento específico de rescisão, não prevendo
o ressarcimento de prejuízos, ainda que não tenha havido culpa do contratado.

▶ Rescisão amigável ou judicial: Dá-se por inadimplemento pela Administração ou motivo de


grave desequilíbrio extraordinário, nos casos enumerados nos incisos XII a XVII do art. 78, Lei
8.666/93. Se o particular contratado não tiver culpa na inexecução do contrato, poderá pleitear a
sua rescisão perante a própria Administração (de forma consensual) ou, em caso de litígio com
esta, perante o Poder Judiciário. Cumpre destacar, portanto, que o particular não pode unilateral-
mente rescindir o contrato sem, antes disso, recorrer ao Judiciário; essa é uma prerrogativa que só
a Administração tem (auto-executoriedade). No tocante ao direito do particular à indenização, apli-
ca-se aqui a regra do art. 79, §2º, acima referida. No caso da rescisão consensual (amigável), o art.
79, II, trata da figura do distrato, quando há um acordo entre as partes, desde que haja conveniên-
cia para a Administração. Para tanto, cabe à autoridade administrativa competente autorizar a ela-
boração do termo de distrato em que constem as condições do ajuste rescisório.

Registre-se que a inexecução total ou parcial do contrato pode ser caso até mesmo de resci-
são do contrato (art. 77, Lei 8.666/93). Antes disso e quando se reputar adequado e suficiente para
punir a falta da contratante (princípio da proporcionalidade), é cabível a aplicação de outras san-
ções mais brandas tais como:
Art. 87. (...)
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com
a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública
enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida

334
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedi-
da sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após
decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

Todavia, a lei somente prevê a possibilidade de cumulação dessas penalidades se uma delas
for a de multa, como se infere da redação do §2º do art. 87:
Art. 87. (...)
§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas junta-
mente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo proces-
so, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

Logo, por exemplo, não é possível aplicar a sanção de advertência juntamente com a suspen-
são temporária de participação em licitação.

SERVIÇOS PÚBLICOS

 CONCEITO
Inicialmente, cumpre examinar os sentidos da terminologia “serviço público”. A palavra “ser-
viço”, em sentido genérico, indica uma prestação, um ato ou efeito de servir.

No período da escola francesa clássica, também chamada Escola do Serviço Público ou Esco-
la de Bordeaux, o termo serviço público era tomado em um sentido amplo, “para abranger toda e
qualquer atividade realizada pela Administração pública” 573, época em que
“não haveria como distinguir os serviços públicos das atividades legislativas e
judiciárias, nem, tampouco, das demais atividades administrativas, como as de
polícia, de ordenamento econômico, de ordenamento social e de fomento públi-
574
co”.

Para Gaston Jéze, a prestação de serviço público era a única atividade do Estado, ao passo
que Léon Duguit dizia tratar-se da atividade primordial do Estado.

“Outros, com o mesmo entendimento, passaram a dizer que a presença do Estado


não se justificaria senão para prestá-los. Assim, o oferecimento de serviços públi-
575
cos seria a única razão a justificar a existência do Estado.”

Este sentido amplo não mais se adequa à atual realidade, eis que, como diz Odete Medauar,
“se esta fosse a concepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, de-
nominado ‘serviço público’, pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam”. 576 Hodier-

573
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5. ed. São Paulo: RT, 2001, p.367.
574
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.415.
575
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.260.
576
MEDAUAR, op. cit., p.367.

335
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

namente, portanto, é preciso apontar de forma precisa um sentido estrito,


“que discrimine satisfatoriamente as atividades prestadoras de serviços públicos
de todas as atividades jurídicas, que cumpre ao Estado desempenhar, na expres-
são do poder, que lhe é imanente, de instituir, preservar e aprimorar sua ordem
jurídica, bem como das atividades sociais”.

Na busca de um sentido estrito, para que se pudesse enquadrar determinado serviço como
sendo um “serviço público”, passou-se inicialmente a apontar três elementos de identificação: or-
gânico, material e formal. Tais elementos serviam para qualificar o serviço público no primeiro
momento do Estado liberal, em que “o serviço público abrangia as atividades de interesse geral,
prestadas pelo Estado sob regime publicístico”. 577

Pelo elemento orgânico, também chamado de subjetivo, seria serviço público todo aquele
prestado pelo Estado. Este critério mostrou-se falho ao longo do tempo, porquanto nem todo ser-
viço hoje prestado pelo Estado é público, como ocorre quando o Estado explora atividades econô-
micas em concorrência com os particulares ou sob regime de monopólioatividades estas que Celso
Antônio qualifica como “serviços governamentais” e se sujeitam a regras do Direito Privado. De
outra parte, há serviços que, mesmo não prestados diretamente pelo Estado, são considerados
serviços públicos e, como tal, sujeitos ao regime jurídico administrativo, como ocorre com as em-
presas concessionárias de serviços públicos, as quais prestam atividade delegada pelo Estado.

Pelo elemento material, também chamado de objetivo, levava-se em conta o beneficiário do


serviço como sendo a coletividade, de acordo com o interesse geral dos administrados. Aqui igual-
mente surgiu uma falha, pois há atualmente serviços que, mesmo sendo de interesse coletivo, não
são considerados serviços públicos. Assim, v.g., quando o Estado exerce uma atividade econômica,
ainda que a considere de “relevante interesse coletivo” (art. 173, CF), não estará desempenhando
um serviço público. Ademais, há inúmeros serviços de interesse geral que são autorizados à iniciati-
va privada sem que sejam qualificados como serviços públicos, tal como ocorre nas áreas de saúde
e educação.

Por fim, pelo elemento formal, o serviço público assim se qualificaria quando prestado sob
regime jurídico de Direito Público. Ocorre que as atividades administrativas são prestadas sob os
mais diversos regimes, ou seja, não existe propriamente um regime de Direito Público aplicável a
todas elas, mas, sim, regimes em que varia o grau de incidência de normas de Direito Público e de
Direito Privado, a depender da atividade. Se o predomínio for de normas que exorbitem daquelas
comumente aplicadas à esfera privada, levando em conta primordialmente o interesse da coletivi-
dade, estar-se-á diante de uma atividade administrada. Porém, mesmo as atividades privadas estão
sujeitas, em algum grau, a normas de Direito Público (como, por exemplo, às referentes à fiscaliza-
ção do poder de polícia). Registre-se, ademais, que nem todas as atividades administrativas (regime
predominantemente público) são serviços públicos, como acontece, v.g., quando o Estado constrói
uma obra pública ou exercita uma função inerente ao seu poder de polícia. Os regimes destas ativi-
dades administrativas, apesar de públicos (marcados pela predominância de normas de Direito
Público), têm distintas peculiaridades.

Nesse passo, Maria Sylvia Di Pietro conclui que “os três elementos normalmente considera-
dos pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um dos

577
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, p.94.

336
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

elementos ou até mesmo dois”, daí a sua definição de serviço público como sendo
“toda atividade material que a lei atribui ao Estado para a exerça diretamente
ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às
578
necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.

Deveras, o conceito de serviço público é um conceito jurídico, ou seja, é a lei que indicará os
elementos que qualificarão o serviço como público, excluindo-o, total ou parcialmente, do regime
puramente privado e lhe submetendo o regime jurídico administrativo, em maior ou menor grau.
Assim dispõe o art. 175, caput, CF:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-
cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Portanto, trata-se de uma decisão política do legislador ao eleger quais atividades deverão
ser tratadas como “serviços públicos”, atribuindo a elas um regime exorbitante do regime comum
das relações privadas.

Como acentua Celso Antônio, isso acontece


“quando, em dado tempo e lugar, o Estado reputa que não convém relegá-las
simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável fiquem
tão só as sujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade
das atividades privadas (fiscalização e controles estes que se constituem no cha-
579
mado ‘poder de polícia’).”

O legislador, com vistas a um serviço potencialmente público, isto é, que, por sua natureza,
seja de interesse geral da coletividade, resolve regulá-lo sob um regime jurídico próprio, que exor-
bita do regime privado, observados os ditames constitucionais. Com isso, podemos dizer que quan-
to maior for o número de serviços considerados pelo legislador como serviços públicos, maior será
a abrangência do Direito Administrativo e menor será o alcance do Direito Privado, e vice-versa.

Existem serviços que, por opção do legislador constituinte, já foram qualificadas como servi-
ços públicos, não havendo como o Estado se esquivar de assegurar a sua adequada prestação, seja
por ele próprio (diretamente), seja por um outro ente ao qual ele delegue a execução (indiretamen-
te). Nesse caso, a própria Constituição já cria parâmetros de Direito Público para a tais serviços, de
modo que não poderá o legislador ordinário dispor de modo diverso. Vale dizer, qualquer lei infra-
constitucional que trate desse serviço deve prever um regime predominante público, daí porque
Celso Antônio fala em serviços públicos por determinação constitucional580, como é o caso, con-
forme previsto no art. 21, CF, do serviço postal, de telecomunicações, radiodifusão sonora, energia
elétrica, navegação aérea, aeroespacial, infra-estrutura aeroportuária, transporte ferroviário e a-
quaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de mais de
um Estado ou Território, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, explo-
ração de portos marítimos, fluviais e lacustres. Da mesma natureza tem-se os serviços de segurida-
de social (art. 194), de saúde pública (art. 196), assistência social (art. 203) e educação pública (arts.
205 e 208).

578
DI PIETRO, op.cit., p.97/98.
579
MELLO, op. cit., p.655.
580
Idem, p.670-671.

337
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Além desses serviços públicos já definidos antecipadamente na Constituição, poderá o legis-


lador ordinário ainda criar outros que repute convenientes na sua respectiva esfera de atuação
política (federal, estadual ou municipal). Por exemplo, uma lei municipal poderá qualificar juridica-
mente como serviço público o serviço funerário em determinada cidade, afastando tal atividade do
regime privado e submetendo a sua prestação predominantemente a normas do Direito Adminis-
trativo.

Todavia, é importante destacar que o legislador não estará livre para qualificar qualquer a-
tividade como sendo um serviço público. Ainda segundo Celso Antônio, há limites constitucionais
para a caracterização de um serviço como público:
“é realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço
público tal ou qual atividade, desde que respeito os limites constitucionais. Afora
os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser as-
sim qualificados, contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas
pelas normas relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre i-
581
niciativa.”

Na mesma linha, assinala Lúcia Valle Figueiredo haver


“serviços que não podem ser públicos por expressa proibição constitucional. É o
que se verifica do art. 173 da Constituição Federal. São reservados à iniciativa pri-
582
vada, a quem compete a atividade econômica.”

 DISTINÇÃO ENTRE SERVIÇOS PÚBLICOS E OUTRAS ATIVIDADES


Convém não confundir os serviços públicos comerciais e industriais (que se submetem ao re-
gime jurídico administrativo) com outras atividades similares prestadas por entes estatais a título
de intervenção no domínio econômico. Apesar de ambos se situarem no âmbito das relações eco-
nômicas, são distintas as razões que levam o Estado a atuar em cada uma dessas áreas.

Nos serviços industriais e comerciais, qualificados como serviços públicos pelo legislador, o
Estado tomou para si a responsabilidade de sua efetivação, tendo em mira o destinatário do servi-
ço, buscando com isso assegurar a sua prestação adequada e eficiente em prol da sociedade. Já nas
atividades industriais e comerciais desempenhadas pelo Estado na área econômica, o Estado busca
intervir no domínio econômico exclusivamente em razão de imperativos da segurança nacional ou
relevante interesse coletivo, ou, ainda, porque a Constituição institui alguma espécie de monopólio
por razões análogas, conforme previsto nos arts. 173 e 177 da Lei Maior. Não são serviços públicos,
no sentido jurídico do termo, ou seja, a sua prestação submete-se predominantemente a normas
do Direito Privado, apesar de serem desempenhadas por empresas estatais (daí porque são pesso-
as jurídicas de Direito Privado).

A respeito desta distinção, Maria Sylvia Di Pietro salienta que os serviços comerciais e indus-
triais
“podem ser prestados pelo Estado sob dois títulos: como serviços públicos que lhe
são atribuídos por lei e que ele pode desempenhar diretamente ou por meio de

581
Ib idem, p.618.
582
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 79.

338
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

concessão ou permissão, com base no art. 175 da Constituição; como atividade


econômica própria da iniciativa privada e que o Estado ou assume em caráter de
monopólio, com base no art. 177, ou exerce em caráter de com- petição com a i-
niciativa privada, quando necessário aos imperativos de segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo definido em lei, conforme previsto no art. 173 da
583
Constituição.”

Existem ainda determinados serviços de natureza privada, cuja prestação não cabe ao Esta-
do, direta ou indiretamente, mas para os quais a lei prevê autorização pelo Poder Público, como
ressalvado no art. 170, parágrafo único, CF:
Art. 170. (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em
lei.

Nesses casos, as regras do Direito Administrativo somente atuam no que concerne à autori-
zação e à eventual fiscalização pelo Poder Público, segundo os parâmetros de exercício do seu po-
der de polícia. Já no tocante ao desempenho da atividade, à prestação do serviço em si mesmo,
aplicam-se as regras do Direito Privado. É o que ocorre, por exemplo, com os serviços das auto-
escolas para fins de habilitação de motoristas, bem como com os serviços prestados pelas empre-
sas de vigilância. Trata-se de atividades eminentemente privadas cujo exercício, todavia, depende
de autorização do Estado por razões de segurança. Não são serviços públicos no sentido técnico da
palavra, porquanto não se submetem às regras e princípios que consubstanciam o regime jurídico
administrativo.

Em suma, com amparo na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello584, para se saber se
determinada atividade de alcance coletivo é ou não um serviço público (no sentido jurídico do ter-
mo), deve-se ter em mente as seguintes situações sujeitas a regimes jurídicos distintos:

 SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS:


 Serviços públicos por determinação constitucional – previstos nos arts. 21, 26, 30,
194, 196, 203, 205, dentre outros, da Constituição Federal. Subdividem-se em:
1. de titularidade exclusiva do Estado, mas cuja prestação pode ser delegada à inicia-
tiva privada na forma do art. 175 da Carta Magna (concessões ou permissões), porque
a própria CF assim o prevê. Exemplos: telecomunicações e energia elétrica (art. 21, XI e
XII);
2. de titularidade exclusiva do Estado e cuja prestação não pode ser delegada à inici-
ativa privada (só pode ser prestado por ente estatal), porque a CF silenciou a respeito.
Exemplos: serviço postal e correio aéreo nacional (art. 21, X);
3. de titularidade não-exclusiva do Estado, isto é, a Carta Magna admite a existência
de serviços privados da mesma natureza, podendo os particulares prestá-los indepen-
dentemente de concessão. São os chamados serviços sociais. Exemplos: serviços de
saúde, educação, previdência e assistência social (arts. 196 a 213, CF).

583
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceiras na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.43.
584
MELLO, op.cit.

339
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 Serviços públicos previstos em leis ordinárias, federais, estaduais ou municipais (des-


de que de acordo com a Constituição). São de titularidade exclusiva do Estado e podem
eventualmente ter a prestação delegada à iniciativa privada.

 NÃO SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS:


 Serviços prestados por entes estatais na área econômica, por imperativo de seguran-
ça nacional ou relevante interesse coletivo (art. 173, CF), ou em razão de monopólio esta-
tal (art. 177, CF).

 Serviços prestados pela iniciativa privada na área econômica, apenas sujeitos ao po-
der de polícia do estado (licenças e autorizações) – art. 170, CF.

 Serviços prestados por particulares, em caráter assistencial e sem fins lucrativos,


mediante incentivos dados pelo Estado (fomento público) – entes do “terceiro setor”.

 DESCENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS


No que toca à prestação de serviços públicos, poderá ela caber diretamente ao ente federa-
do titular do serviço (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ou, ainda, ser delegada a outras
entidades. No primeiro caso fala-se em execução centralizada; no segundo, execução descentrali-
zada.

Vale dizer, na execução centralizada, o ente político titular do serviço público o executa dire-
tamente por meio de seu próprio aparato administrativo central (órgãos e agentes da Administra-
ção Direta). Na execução descentralizada, por sua vez, “desloca-se a atividade, ou tão só o seu e-
xercício, da Administração Pública central para outra pessoa jurídica, esta privada, pública ou go-
vernamental”. 585

Na classificação adotada por Maria Sylvia Di Pietro, a descentralização administrativa pode


ocorrer de três formas: descentralização territorial ou geográfica, descentralização funcional ou por
serviços, e descentralização por colaboração.

Na Descentralização administrativa territorial ou geográfica tem-se uma entidade geografi-


camente delimitada e com capacidade administrativa genérica. No Brasil, tal modalidade de des-
centralização é prevista com a eventual criação de territórios federais, entes ligados à União e insti-
tuídos para ter como objeto a administração geral de determinado território nacional, nele pres-
tando uma grande variedade de serviços públicos. Há autores que qualificam os territórios federais
como autarquias territoriais, o que não nos parece correto, pois as autarquias são criadas para
prestar serviço público específico, tendo relação com a descentralização funcional. Atualmente não
existem territórios federais no Brasil, mas a Constituição prevê a possibilidade de sua criação (art.
18, §2º).

585
GASPARINI, op. cit., p.279-280.

340
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Na Descentralização administrativa funcional ou por serviços


“o poder público (União, Estados ou Municípios) cria uma pessoa jurídica de direi-
to público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado
serviço público. No Brasil, essa criação somente pode dar-se por meio de lei e cor-
responde, basicamente, à figura da autarquia, mas abrange também as funda-
ções governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas, que
586
exerçam serviços públicos.”

Ao contrário do que ocorre com a descentralização territorial, na qual o ente criado desem-
penha diversas espécies de serviços, na descentralização funcional o ente criado terá capacidade
específica para desempenhar determinado serviço que lhe foi transferido e que justificou a sua
criação, residindo aí a observância ao princípio da especialização ou especialidade.

Descentralização administrativa por colaboração, consoante leciona Maria Sylvia Di Pietro,


“é a que se verifica quando, por meio de contrato ou ato administrativo unilateral,
se transfere a execução de determinado serviço público a pessoa jurídica de direi-
to privado, previamente existente, conservando o poder público a titularidade do
587
serviço”.

Alguns autores não reconhecem o regime de colaboração como forma de descentralização,


eis que nele o serviço público é delegado a entes desvinculados direta ou indiretamente do Estado.

As formas tradicionais de descentralização por colaboração são a concessão e a permissão


de serviços públicos. Admite-se também, em alguns casos, a delegação por meio de autorização,
conforme será visto. Além disso,
“mais recentemente, outras formas de delegação vêm surgindo, por meio de atos
unilaterais ou acordos de vontade que não se enquadram como concessão ou
permissão, mas que também podem ser considerados como formas de descentra-
588
lização por colaboração”.

Vejamos, portanto, as formas de descentralização de serviços públicos por colaboração de


particulares:

 CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO


O estudo dos contratos de concessão tem estreita relação com a delegação a particulares de
atividades de interesse público, como forma de aliviar o Estado do desempenho de tarefas que
possam ser prestadas com maior eficiência pelo setor privado. A razão primordial desta delegação
não há de ser a de propiciar lucro às empresas privadas ou de assegurar economia de custos para
Estado, mas, sim, precipuamente a de assegurar a adequada satisfação dos interesses da coletivi-
dade beneficiada por tais serviços. Este é motivo pelo qual a Constituição brasileira permite o insti-
tuto.

O regime de concessões predominou num primeiro momento da organização estatal, sob o

586
Idem, p.53.
587
Ib idem, p.54.
588
Ib idem, p.65-66.

341
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

modelo liberal (fase do liberalismo clássico). Com o surgimento do modelo burocrático (fase do
estatismo ou Estado Social), as concessões tiveram a sua importância reduzida, e o Estado passou a
intervir diretamente, por meio de seus entes, em diversos setores que antes eram delegados. Por
fim, com o desenvolvimento do modelo gerencial (fase da democracia), as concessões voltaram a
ter destaque no cenário da Administração Pública, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime
sistematizado de regulamentação (intervenção estatal indireta por meio de agências reguladoras),
que já estudamos quando tratamos dos serviços públicos.

Diógenes Gasparini conceitua a concessão de serviço público como


“o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob con-
dições, a execução e exploração de certo serviço, que lhe é privativo, a terceiro
que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente medi-
589
ante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada”.

O autor segue, assim, a tradição do direito positivo brasileiro, que aponta a concessão como
modalidade contratual administrativa, tal como o fizeram a Lei 8.987/95 (Lei Nacional de Conces-
sões) e a Lei 9.074/95.

Celso Antônio, porém, não concorda com a assertiva de que a concessão seria um mero con-
trato administrativo, apontando tratar-se, tal como concebido na tradicional doutrina francesa, de
uma relação jurídica complexa, uma figura híbrida que mistura um ato regulamentar unilateral do
Estado concedente, um ato-condição do concessionário e um contrato privado.590

A outorga de serviço público a concessionário depende de autorização em lei. Dependerá a-


inda de licitação na modalidade de concorrência (art. 2º, Lei 8.987/95). Esta é a regra geral. Em
alguns casos específicos, porém, a legislação admite a possibilidade de leilão, tal como aconteceu
com a transferência de serviços públicos que antes eram prestados por empresas estatais que fo-
ram privatizadas (art. 29, Lei 9.074/95).

Nos moldes do art. 18, I, Lei 8.987/95, a concessão de serviços públicos deve ter um prazo
determinado. A lei geral não diz qual seria o prazo máximo, ficando a questão reservada a cada lei
autorizativa. Mas há de ser um prazo suficientemente longo para que o concessionário possa amor-
tizar o investimento por ele feito em prol dos serviços e também auferir os lucros que licitamente o
atraíram a colaborar com o Poder Público. Tendo em vista esta peculiaridade da concessão, não se
aplicam a ela os prazos contratuais previstos na Lei 8666/93 para os contratos administrativos em
geral.

Importante registrar que não é qualquer serviço público que pode ser objeto de concessão.
Primeiramente é preciso lembrar o que já se disse em tópico anterior acerca de serviços públicos
que, por determinação constitucional, somente podem ser prestados por entidade estatal (adminis-
tração direta ou indireta) e, portanto, não podem ser delegados à iniciativa privada. Nas palavras
de Celso Antônio, “é necessário que sua prestação não haja sido reservada exclusivamente ao pró-
prio Poder Público”, assinalando o autor que não houve previsão de transferência do serviço postal
e do correio aéreo nacional (art. 21, X, CF), ao contrário do que ocorreu quanto aos serviços de
telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica e outros citados nos incisos XI e XII da Lei

589
GASPARINI, op. cit., p.293.
590
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.696-698.

342
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Maior, estes sim passíveis de concessão. 591 Outrossim, ainda quando não haja impedimento consti-
tucional à delegação, é de se ver que os serviços suscetíveis de concessão ou permissão somente
podem ser aqueles serviços públicos comerciais ou industriais que propiciem a exploração econô-
mica pelos concessionários, em nome próprio e à sua conta e risco, daí advindo a sua remuneração
geralmente por meio de tarifas pagas pelos usuários.

Esta é uma característica essencial das concessões (remuneração pela própria exploração do
serviço), o que as distingue dos simples contratos de prestação de serviços em que a empresa pres-
tadora é paga com verbas dos cofres da Administração Pública. Não obstante, é possível que o con-
trato estabeleça, ao lado das tarifas, outras fontes de receitas alternativas que auxiliem na diminui-
ção do seu valor (princípio da modicidade das tarifas, contemplado no art. 11, Lei 8.987/95). Mas
estas fontes hão de ser complementares ou acessórias, jamais exclusivas, pois isso descaracteriza-
ria completamente o instituto da concessão.

Por outro lado, pode o concessionário explorar o serviço de outra maneira que não mediante
a cobrança de tarifas. É o que ocorre com as concessões de rádio e televisão (radiodifusão sonora
ou de sons e imagens), regidas por normas específicas (art. 223, CF), nas quais, consoante assinala
Celso Antônio,
“o concessionário se remunera pela divulgação de mensagens publicitárias cobra-
das dos anunciantes. Não se trata de tarifas e quem paga por isto não será neces-
sariamente um ‘usuário’. Mas há aí, igualmente, exploração do próprio serviço
592
público concedido”.

Se o serviço, por sua natureza, não puder ser explorado economicamente por conta e risco
do prestador, não será passível de delegação por meio de concessão.

O contrato de concessão contém dois tipos de cláusulas: as cláusulas regulamentares, esta-


belecidas unilateralmente pela Administração e que podem ser modificadas a qualquer tempo se-
gundo o interesse público, e as cláusulas financeiras ou simplesmente contratuais, relativas ao
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, as quais não podem ser modificadas unilateralmente.

O concessionário tem direito à manutenção da equação econômico-financeira do contrato,


do objeto contratual e à razoabilidade da remuneração. A equação econômico-financeira diz res-
peito ao equilíbrio entre as obrigações e a remuneração do concessionário, de forma a se assegurar
a continuidade e a boa prestação do serviço público. Não significa isso que o concessionário não
tenha de assumir riscos inerentes a qualquer empreendimento comercial ou industrial. A garantia
de equilíbrio contratual apenas assegura a manutenção da equação em caso de situações anômalas
e imprevisíveis. Trata-se da chamada álea extraordinária, que, conforme já estudado no tema dos
contratos administrativos, pode ser de duas espécies: 1. Álea administrativa (alteração unilateral
do contrato, fato do príncipe e fato da administração); 2. Álea econômica (força maior e caso for-
tuito). Fora isso, o concessionário, como qualquer empresário, há de assumir normalmente os ris-
cos naturais da sua atividade econômica (que configuram a chamada álea ordinária), contando
apenas com a cláusula de reajuste tarifário, eventualmente prevista no contrato. Logo, enfatize-se,
há riscos que o concessionário deve suportar sozinho.

O art. 2º, III, Lei 8.987/95, prevê ainda a figura da concessão de serviços públicos precedida
591
Idem, p.640.
592
Ib idem.

343
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

da execução de obra pública, quando se delega ao concessionário a construção total ou parcial,


conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de uma obra de interesse público, de forma
que o seu investimento seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço que a
obra proporciona. Celso Antônio critica esta categoria prevista na lei, considerando que “sob tal
designação normativa estão impropriamente compreendidas ora uma concessão de serviço público,
ora uma concessão de obra pública”, tão somente, dependendo de qual seja o objeto da exploração
econômica.

O poder concedente tem direitos análogos aos dos demais contratos administrativos, poden-
do inclusive alterar unilateralmente cláusulas para a melhor prestação do serviço, bem como tem o
dever de fiscalizar, de supervisionar, de sancionar, de intervir para assegurar o cumprimento da
continuidade do serviço público.

Existe a possibilidade de intervenção na concessionária nos casos de inadequação ou des-


continuidade na prestação dos serviços. A intervenção, nos termos da Lei 8.987/95, deverá ser feita
por decreto do poder concedente indicando o motivo, designando-se um interventor, o prazo de
intervenção e os limites da medida, devendo ainda ser instaurado um procedimento administrati-
vo. Duas alternativas resultarão da intervenção: ou a devolução ao concessionário do objeto da
concessão, com a respectiva prestação de contas e compostos os prejuízos, ou, então, será possível
extinguir-se a concessão, havendo, nessa hipótese, a declaração de caducidade da concessão, as-
sumindo o poder concedente o serviço, com a encampação dos bens afetos à concessão.

É possível a encampação, que é a retomada do serviço pelo poder concedente, antes de ter-
minado o prazo da concessão, em decorrência da rescisão unilateral do contrato por motivo de
interesse público, mediante lei autorizativa e prévio pagamento de indenização quando não hou-
ver culpa do concessionário.

No caso de descumprimento contratual pelo concessionário, a extinção se dá pela caducida-


de ou decadência (rescisão por culpa do contratado), hipótese em que a indenização não será de-
vida, exceto no tocante aos bens ainda não amortizados.

Sempre que extinta a concessão dá-se a reversão, que é a incorporação dos bens da conces-
sionária ao patrimônio do concedente, com a indenização dos bens eventualmente ainda não a-
mortizados. A reversão, portanto, é uma consequência da extinção da concessão, haja vista a afeta-
ção dos bens ao serviço público e a necessidade de sua plena continuidade.

O art. 26, Lei 8.987/95, prevê a possibilidade subconcessão, nos termos do contrato e desde
que expressamente autorizada pelo poder concedente, sempre precedida de concorrência.

O art. 27 admite a transferência,de concessão ou do controle societário da concessionária,


desde que com a anuência do poder concedente, sob pena de caducidade. A lei não faz menção,
nesse caso, à exigência de licitação, o que, segundo a doutrina, faz-se necessária sob pena de afron-
ta à Constituição.

A doutrina sempre defendeu que os litígios oriundos dos contratos de concessão não admiti-
riam solução pela via da arbitragem, porquanto envolvem direitos indisponíveis concernentes ao
interesse público. Recentemente, porém, com a Lei 11.196/05, acrescentando o art.23-A na Lei
8.987/95, a legislação passou a prever expressamente o emprego de mecanismos privados de reso-

344
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

lução de disputas, inclusive a arbitragem.

 PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP) – CONCESSÃO ESPECIAL


Dentro do contexto do modelo administrativo gerencial, surgiram recentemente no Brasil
normas jurídicas tratando da parceria público-privada, modalidade especial de concessão que teve
origem na Inglaterra há cerca de trinta anos. O instituto também foi adotado com sucesso em paí-
ses como Portugal, Irlanda e Espanha.

Seguindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratos administrativos (art. 22, XXVII, CF), foi editada a Lei 11.079/04, que institui normas gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Os
Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão instituir normas específicas
sobre a matéria.

Nos termos do art. 2º, Lei 11.079/04, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que
pode ocorrer sob duas modalidades:
1. Concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que
trata a Lei 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, con-
traprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado;

2. Concessão administrativa: é o contrato de prestação de serviços de que a Administra-


ção Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou for-
necimento e instalação de bens.

Como destaca Diógenes Gasparini,


“o objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma de parcerias com
o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras seguras e
melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação
dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na conse-
cução do interesse público que, em termos de eficiência, com raras exceções, ca-
rece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração Pública deseja apro-
veitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez
593
contratada, pois livre de certas peias burocráticas”.

Apesar do nome “parceria”, trata-se de contrato administrativo propriamente dito, porquan-


to traz em seu bojo interesses contrapostos da Administração (que visa a eficiente prestação de
serviços públicos) e do parceiro privado (que visa de algum modo lucrar com o empreendimento),
razão pela qual José dos Santos defende que a correta denominação deveria ser contrato de con-
cessão especial de serviços públicos594

As PPPs na modalidade de concessão patrocinada se distinguem das concessões comuns ba-


sicamente porque elas envolvem necessária contraprestação pecuniária do parceiro público ao
parceiro privado. Portanto, são destinadas sobretudos a áreas de atuação estatal em que não seja
viável a exploração econômica remunerada exclusivamente por meio de tarifas pagas pelos usuá-

593
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
594
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

345
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

rios. Por sua vez, as PPPs na modalidade de concessão administrativa distinguem-se dos contratos
administrativos de prestação de serviço regidos pela Lei 8.666, haja vista os altos investimentos
que devem ser feitos pelo parceiro privado e amortizados ao longo do contrato.

Consoante previsto na Lei 11.079/04, a contraprestação da Administração Pública nos con-


tratos de parceria público-privada poderá ser feita por: a) ordem bancária; b) cessão de créditos
não tributários; c) outorga de direitos em face da Administração Pública; d) outorga de direitos
sobre bens públicos dominicais; e) outros meios admitidos em lei. O contrato poderá prever o pa-
gamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho conforme
metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato. A contraprestação da Admi-
nistração Pública será obrigatoriamente precedida da disponibilização do serviço objeto do contra-
to de parceira público-privada.

A lei veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a dez
milhões de reais, cujo período de prestação de serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como
objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a
execução de obra pública (art. 2º, § 4º, Lei 11.079/04). O prazo de vigência da parceria público-
privada deve ser compatível com a amortização dos investimentos realizados e varia de cinco a
trinta e cinco anos, incluindo eventual prorrogação. A licitação que deve preceder ao contrato será
na modalidade de concorrência.

Para implantar e gerir o objeto da parceria deve ser constituída sociedade de propósito es-
pecífico, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a
negociação no mercado. A lei contém ainda norma expressa no sentido de que, na PPP, não poderá
ocorrer a delegação de funções exclusivas do Estado, tais como funções de regulação, de jurisdição
ou de exercício do poder de polícia.

À guisa de se destacar os regimes aplicáveis às diferentes categorias de contratos administra-


tivos, o art. 3º, Lei 11.079/04, assim dispôs:
Art. 3º As concessões administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes adicio-
nalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995.
§ 1º As concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiaria-
mente o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nas leis que lhe são cor-
relatas.
§ 2º As concessões comuns continuam regidas pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de
1995, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto nesta Lei.
§ 3º Continuam regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e pe-
las leis que lhe são correlatas os contratos administrativos que não caracterizem con-
cessão comum, patrocinada ou administrativa.

 PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO


Tradicionalmente todas as permissões (de serviços públicos e de uso de bem público) eram
tratadas como atos unilaterais da Administração, praticados em caráter precário e revogáveis a
qualquer tempo, sem gerar qualquer dever de indenizar o permissionário. Esta sempre foi a lição
doutrinária. Com o advento da Constituição Federal de 1988, porém, alguns autores passaram a

346
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tratar as permissões de serviços públicos como espécies de contratos administrativos.

Isto porque, consoante reza o parágrafo único do artigo 175, CF:


Art. 175. (...)
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o cará-
ter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducida-
de, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; (...)

O caput do referido artigo, dispõe que o regime de permissão também se submeterá às nor-
mas de licitação. Com o advento da Lei 8.987/95, as divergências se acirraram ainda mais, haja vista
dispor, em seu art. 40, que
Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão,
que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licita-
ção, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo po-
der concedente.

Com base nisso, muitos autores passaram a lecionar que as permissões de serviço público
são atos bilaterais e têm o seu regime contratual assemelhado ao das concessões, com algumas
pequenas diferenças apontadas por Edimur Ferreira de Faria:
“A diferença fundamental entre permissão e concessão é que esta se efetiva me-
diante contrato precedido de licitação da modalidade concorrência tendo como
concessionário pessoa jurídica ou consórcio de empresas por prazo certo e longo.
A permissão verifica-se mediante licitação segundo a modalidade própria de a-
cordo com cada caso, através de contrato de adesão de natureza precária. Não é
obrigatório, portanto, a adoção exclusiva da concorrência, como na concessão.
Outra diferença está no fato de que, pela permissão, se pode delegar a prestação
de serviços à pessoa física ou pessoa jurídica, excluída a participação de consórcio
de empresas, enquanto que a concessão se faz a pessoa jurídica ou a consórcio de
empresas. À pessoa física é vedado participar de concorrência que tenha por obje-
595
to a concessão de serviço público.”

Todavia, recomenda-se atenção ao estudante, pois grande parte da doutrina ainda defende o
caráter unilateral das permissões de serviços públicos, não obstante o que consta literalmente no
art. 175, CF, e no art. 40, Lei 8.987/95. Deveras, não se rendendo aos textos de tais disposições, nas
quais considera ter havido uma imprecisão técnica, Celso Antônio Bandeira de Mello segue defen-
dendo que a permissão de serviços públicos não pode ser tratada como contrato, sob pena de per-
der a característica fundamental que a distingue da concessão de serviços públicos. 596

Fato é que, como dito, após o advento da nova ordem constitucional e, sobretudo, com a e-
dição da Lei 8.987/95, instalou-se uma grande polêmica em derredor da efetiva natureza jurídica da
permissão.

Alexandre Santos de Aragão considera que a permissão, como modalidade de delegação de


serviço público, é

595
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.392.
596
MELLO, op. cit., p.739 e 746.

347
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“apropriada quando os bens empregados na prestação do serviço público forem


de valor diminuto, ou se, ainda que possuam um valor considerável, tenham uma
vida útil curta ou possam ser empregados pelo particular em outras atividades
597
econômicas que não constituam serviços públicos”.

Não obstante, observa-se que o tratamento tradicionalmente dado pela doutrina à permis-
são de serviços públicos não mais se coaduna com a legislação vigente no Brasil ou, quando menos,
veio sendo gradativamente desnaturado em sua concepção clássica. Com efeito, não raro já se en-
contram, na dinâmica administrativa brasileira, permissões de serviço público com prazo determi-
nado (o que, a princípio, poderia dar direito ao permissionário ao cumprimento do prazo pela Ad-
ministração, obstando a simples revogação a qualquer tempo), permissões em que são investidos
grandes valores pelo permissionário (o que demanda prazo longo para amortização) e até mesmo
permissões em que são fixadas condições à revogação pela Administração.

São casos em que as permissões acabam se revelando como típicos contratos de concessão,
o que levou Maria Sylvia Di Pietro a advertir que
“a forma pela qual foi disciplinada a permissão (se é que se pode dizer que ela foi
disciplinada) pode tornar bastante problemática a utilização do instituto ou, pelo
menos, possibilitar abusos, por ensejar o uso de meios outros de licitação, que
não a concorrência, sob pretexto de precariedade da delegação, em situações em
598
que essa precariedade não se justifique”.

Na mesma linha, Alexandre de Aragão fala que “independentemente da nomenclatura ado-


tada, se houver bens reversíveis a delegação não será uma permissão, mas sim materialmente uma
concessão”. 599

Por fim, ressalve-se que, no tocante às permissões de uso de bem público, inexiste contro-
vérsia de que são atos unilaterais e precários, e assim continuam sendo tratados pela doutrina.

 AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO


Do que foi dito acima, segundo alguns doutrinadores, as características de ato unilateral e
precário, que tradicionalmente sempre foram atribuídas às permissões, servem melhor às autoriza-
ções de serviço público, figuras semelhantes às autorizações discricionárias inerentes ao poder de
polícia administrativo.

Ocorre que o legislador constituinte, ao tratar da delegação de serviços públicos na regra ge-
ral do art. 175, somente fez referência às concessões e permissões. A menção a autorizações so-
mente se deu em alguns dispositivos que tratam especificamente de certos serviços públicos, a
exemplo do art. 21, XI (telecomunicações) e XII (radiodifusão, energia elétrica, navegação aérea,
transporte coletivo). Também aparece em dispositivos infraconstitucionais, a exemplo do art. 7º,
Lei 9074/95.

Conciliando estes dispositivos constitucionais, Celso Antônio os interpreta considerando que


a regra geral do art. 175 há de ser aplicada à normalidade da prestação de serviços públicos, ao
597
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 722.
598
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit., p. 275.
599
ARAGÃO, op. cit., p.722.

348
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

passo que a autorização tratada nos incisos XI e XII do art. 21 diz respeito a duas espécies de situa-
ções:
“a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de teleco-
municação, como o de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de
fibras óticas, mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse pri-
vado delas próprias. Aí, então, a palavra ‘autorização’ foi usada no sentido cor-
rente em Direito Administrativo para exprimir o ato de ‘polícia administrativa’,
que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depen-
de de manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não
haverá gravames ao interesse público;
b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço pú-
blico, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a ado-
ção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão
600
ou concessão”.

Vê-se que esta segunda hipótese mencionada pelo autor é, na verdade, a única que ele con-
sidera referente a serviço público, já que na primeira, como deixou claro, não são propriamente
serviços públicos, mas sim serviços privados apenas materialmente semelhantes àqueles serviços
públicos também tratados no art. 21, XI e XII, porque não são desempenhados no interesse da cole-
tividade. Logo, seu pensamento coincide com o de Hely Lopes Meirelles quando este se reporta aos
serviços públicos autorizados tão somente “para atender interesses coletivos instáveis ou emer-
gência transitória”. 601

Alexandre Santos de Aragão segue opinião semelhante, porém inova ao considerar a existên-
cia de uma espécie de autorização contratual, isto é, uma “autorização” apenas no nome, porque
na verdade se trata substancialmente de concessão ou permissão. 602 Apesar de entender que a
autorização é um instituto próprio para as atividades privadas, Marçal Justen Filho também reco-
nhece haver “autorização de serviços públicos” em hipóteses excepcionais.603 Outros autores, po-
rém, recusam veementemente a existência da autorização de serviço público, reservando a figura
da autorização apenas para o campo do poder de polícia. É o caso de José dos Santos Carvalho Fi-
lho, para quem a delegação de serviço público somente pode ser feita por concessão ou por per-
missão. 604

 FORMAS ASSOCIADAS DE GESTÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS


O tema tem relação com a chamada gestão associada entre entes federativos (“cooperação
federativa” ou “federalismo de cooperação”), tal como prevista no art. 241, CF.

Vejamos seus principais instrumentos:

 CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS
Ao se falar em gestão associada de serviços públicos, trata-se aqui especificamente de con-

600
MELLO, op. cit., p.675.
601
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.352-353.
602
ARAGÃO, op. cit., p.727.
603
JUSTEN FILHO, op. cit., p. 549.
604
CARVALHO FILHO, op. cit., p.342-343.

349
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

vênios firmados entre entes públicos, pois os convênios firmados entre entes públicos e particula-
res têm outra conotação, conforme se verá. A doutrina costuma apontar a distinção entre os con-
vênios e os contratos.

Diógenes Gasparini assinala que


“no contrato têm-se partes, ligadas perenemente (contratualmente), que buscam
interesses diversos e contrapostos (uma quer, no contrato de obra pública, a obra;
a outra deseja a contraprestação, o preço). No convênio tem-se partícipes (con-
venentes não vinculados contratualmente) que propugnam por objetivos de inte-
resses comuns (ambos os Municípios querem a demarcação dos limites munici-
pais; ou Estado-Membro e União desejam trocar informações para fins tributá-
605
rios).”

No mesmo sentido, Maria Sylvia Di Pietro faz as seguintes observações:


“a. os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns e se reúnem, por
meio do convênio, para alcançá-los; (...)
b. os partícipes do convênio têm competências institucionais comuns; o resultado
alcançado insere-se dentro das atribuições de cada qual
c. no convênio, os partícipes objetivam a obtenção de um resultado comum, ou
seja, um estudo, um ato jurídico, um projeto, uma obra, um serviço técnico, uma
invenção etc., que serão usufruídos por todos os partícipes;
d. no convênio, verifica-se a mútua colaboração, que pode assumir várias formas,
como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos e materiais,
de imóveis, de know-how e outros; por isso mesmo, no convênio não se cogita de
preço ou remuneração;
e. nos contratos ‘as vontades são antagônicas, se compõem, mas não se adicio-
nam, delas resultando uma terceira espécie (vontade contratual resultante e não
soma) – ao passo que nos convênios, como nos consórcios, as vontades se so-
mam, atuam paralelamente, para alcançar interesses e objetivos comuns’ (cf.
Edmir Netto de Araújo, 1992:145);
606
f. no contrato existem partes e no convênio existem partícipes.”

Em suma, a diferença substancial entre convênios e contratos está em que:


a) nos convênios os interesses não são conflitantes, mas, sim, comuns;

b) nos convênios há uma mútua colaboração entre os seus partícipes, como uma forma de
cooperação;

c) nos convênios os pagamentos são direcionados integralmente à implementação do ob-


jetivo comum, e não como contraprestação remuneratória.

Por outro lado, Odete Medauar formula críticas aos parâmetros de distinção apontados, res-
saltando que
“a dificuldade de fixar diferenças entre contrato e convênio parece levar a concluir
que são figuras da mesma natureza, pertencentes à mesma categoria, a contra-

605
GASPARINI, op. cit., p.378.
606
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.190.

350
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tual; a característica dos convênios e consórcios está na sua especificidade por


envolver duas ou mais entidades estatais ou pelo tipo de resultado que se preten-
607
de atingir com o acordo firmado”.

Pensamos que, mesmo se identificando nos convênios certos aspectos contratuais, assim
como ocorre com nos consórcios públicos que serão examinados mais à frente, tais pactos consubs-
tanciariam, no mínimo, “contratos discutíveis”, porquanto, no dizer da doutrina francesa, “os mes-
mos revelam a existência de certo acordo, sem que se possa assegurar nem que eles são verdadei-
ros contratos, nem que eles não são”. 608

 CONSÓRCIOS ADMINISTRATIVOS
Tal como o convênio, o consórcio é empregado no Direito Administrativo como um instru-
mento de gestão associada de atividades de interesse público. A diferença está no fato de que,
segundo tradicional ensinamento doutrinário, no consórcio o acordo de vontades se daria entre
entidades públicas da mesma espécie (ex: somente Estados ou somente municípios).

Na lição de Diogo de Figueiredo, consórcio,


“é ato administrativo complexo em que uma entidade pública acorda com outra
ou outras entidades públicas da mesma natureza o desempenho conjunto, por
609
cooperação, de uma atividade cuja competência lhes é comum”.

Para Maria Sylvia Di Pietro,


“tanto o convênio como o consórcio constituem instrumentos de que o poder pú-
blico se utiliza para associar-se com outros entes e facilitar a gestão dos serviços
públicos ou de utilidade pública. (...) Na realidade, a semelhança entre convênio e
consórcio é muito grande: só que o convênio se celebra entre uma entidade públi-
ca e outra entidade pública, de natureza diversa, ou com outra entidade privada.
E o consórcio é sempre entre entidades da mesma natureza: dois Municípios ou
610
dois Estados.”

Tanto os convênios quanto os consórcios não dependem de autorização legislativa, salvo


quando envolverem repasse de verbas não previstas na lei orçamentária. Acerca do tema, porém,
Odete Medauar entende ser inviável a exigência de autorização legislativa caso a caso:
“Outra controvérsia na matéria diz respeito à necessidade ou não de autorização
legislativa para cada convênio ou consórcio. O STF, em algumas decisões, conside-
rou inconstitucional a exigência de autorização legislativa para celebração de ca-
da convênio (cf. RDA 140, 1980, p.63-69). Algumas constituições estaduais e leis
orgânicas de Municípios inserem, entre as atribuições do Legislativo, a autoriza-
ção ou aprovação de convênios. Melhor parece haver, nas Constituições estaduais
e leis orgânicas, preceito genérico possibilitando a celebração de convênios e con-
sórcios, sem necessidade de apreciação caso a caso. Mesmo porque o Tribunal de
Contas, em nome do Legislativo, realizam controle sobre cada um desses ajustes

607
MEDAUAR, op. cit., p.274.
608
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.200. A autora cita os pensamentos de Laubadère, Moderne e Delvolvé.
609
MOREIRA NETO, op. cit., p.185.
610
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.195.

351
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

611
(arts. 71 a 75 da Constituição Federal)”.

Sendo entes sem personalidade jurídica, como enfocado por Diógenes Gasparini, os seus a-
tos ficam sob a responsabilidade dos partícipes ou de uma comissão executiva criada para atuar em
seu nome. É possível ainda que um dos partícipes seja designado para administrar o consórcio ou o
convênio, bem como seja criada uma entidade pública para fazê-lo. 612

Ressalte-se, porém, que a figura do consórcio administrativo, com as características tradicio-


nalmente tratadas pela doutrina, foi totalmente desvirtuada com o advento da Lei 11.107/05, con-
forme comenta Maria Sylvia Di Pietro:
“Doutrinariamente, consórcio administrativo é o acordo de vontades entre duas
ou mais pessoas jurídicas públicas da mesma natureza e mesmo nível de governo
ou entre entidades da administração indireta para a consecução de objetivos co-
muns. Desvirtuando inteiramente um instituto que já estava consagrado no direi-
to brasileiro, principalmente como forma de ajuste entre Municípios para desem-
penho de atividades de interesse comum, a Lei 11.107, de 6-4-2005, veio estabe-
lecer normas sobre consórcio, tratando-o como pessoa jurídica, com personalida-
de de direito público ou de direito privado. No primeiro caso, integra a adminis-
613
tração indireta de todos os entes da Federação consorciados (art.6º)”.

 OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS DA LEI 11.107/05


Por força da Lei 11.107/05, foi criado um novo instrumento de gestão associada consubstan-
ciado num ente com personalidade jurídica, de direito público ou de direito privado, ao qual se deu
o nome de “consórcio público”. Estes consórcios públicos não se confundem com os tradicionais
consórcios despersonalizados acima referidos.

Os novos consórcios públicos, dotados de personalidade jurídica, integram a Administração


Indireta de cada um dos entes consorciados. Por isso, foram estudados anteriormente, quando se
tratou da organização da administração pública, lá se abordando inclusive os contratos firmados
entre os consorciados (contratos de rateio e contratos de programa).

REPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

 CONCEITO E DISTINÇÕES
A responsabilidade civil do Estado consiste no dever de
reparação por danos materiais e morais causados por agentes
públicos no desempenho de suas funções em razão de ação
ou omissão a eles atribuída. É regida por normas de direito

611
MEDAUAR, op. cit., p.274.
612
GASPARINI, op.cit., p.380.
613
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.318.

352
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

público, cujo fundamento constitucional está no art. 37, §6º, CF.

Algumas distinções preliminares precisam ser feitas.

Em primeiro lugar, a responsabilidade civil aqui tratada é de natureza extracontratual, de


modo que a não se basear na remota existência de um contrato entre o Estado e o administrado.

Tal distinção é essencial porque, na lição de Marçal Justen,


“o regime próprio dos contratos administrativos protege o particular contra cer-
tos eventos imprevisíveis, gerando garantias que não se verificam no restante das
hipóteses. É assegurado ao particular o direito à intangibilidade da equação eco-
nômico-financeira, do que deriva a proteção jurídica em face do caso fortuito, for-
ça maior, ou fato do príncipe. (...) Tutela similar não se verifica no âmbito da ati-
vidade extracontratual. Portanto, o campo próprio da responsabilidade civil ex-
tracontratual do Estado, objeto do exame deste capítulo, abrange apenas os efei-
tos danosos de ações e omissões imputáveis a pessoas jurídicas de direito público
(ou particulares prestadores de serviços públicos), relativas a condutas que confi-
614
gurem infração a um dever jurídico de origem não contratual.”

Outra distinção importante diz respeito ao sacrifício que o Estado pode impor diretamente
aos particulares sem importar em qualquer violação a direito, o que não se confunde com a res-
ponsabilidade civil aqui versada. São os casos de intervenção estatal na propriedade privada, ocor-
rendo situações em que a lei prevê a necessidade de indenização pelo sacrifício da propriedade,
seja este um sacrifício parcial (v.g. a servidão ou a requisição administrativa) ou total (desapropria-
ção). Porém, esta indenização paga ao proprietário não tem como causa remota um prejuízo dire-
tamente causado pelo Estado e, por isso, não configura hipótese de responsabilidade extracontra-
tual. São situações jurídicas diferentes, porque submetidas a distintos regimes jurídicos.

Como explica Celso Antônio,


“o problema da responsabilidade do Estado não pode nem deve ser confundido
com a obrigação, a cargo do Poder Público, de indenizar os particulares naqueles
casos em que a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra
o direito de terceiros, sacrificando certos interesses privados e convertendo-os em
sua correspondente expressão patrimonial. A desapropriação é o exemplo típico
dessa situação. Renato Alessi, em sua clássica monografia sobre La Responsabilità
della Pubblica Amministrazione, assinala que só cabe falar em responsabilidade,
propriamente dita, quando alguém viola um direito alheio. Se não há violação,
mas apenas debilitamento, sacrifício de direito, previsto e autorizado pela orde-
615
nação jurídica, não está em pauta o tema da responsabilidade do Estado.”

A expressão “sacrifício diretamente imposto” significa que a própria lei já o delimitou previ-
amente como inerente à atuação do Estado, que tem por finalidade imediata exatamente a produ-
ção daquele sacrifício, daí porque, nesses casos, o legislador já cuida de estabelecer os parâmetros
para a indenização dos prejuízos suportados. Coisa diferente acontece quando a atuação do Estado
não tem por finalidade imediata a produção de danos, porém acaba por gerar prejuízos patrimoni-

614
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
615
MELLO, Curso..., cit.

353
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ais a terceiros. Sendo assim, eventual indenização haverá de ser apurada segundo os parâmetros da
teoria da responsabilidade extracontratual do Estado, conforme aqui será estudado.

Alguns autores costumam ainda apontar uma peculiaridade do Direito Administrativo que, ao
contrário do regime privado, admitiria responsabilizar-se o Estado até mesmo por atos lícitos prati-
cados por seus agentes. Ou seja, enquanto no Direito Civil a responsabilidade extracontratual pres-
supõe sempre um dano decorrente de ato ilícito, no Direito Administrativo isso não seria impres-
cindível. É nesse sentido a opinião de Celso Antônio, para quem a indenização decorrente de ato
lícito estatal por vezes pode ser enquadrada como hipótese de responsabilidade extracontratual,
ocorrendo quando o agente público, agindo de acordo com a lei, termina por indiretamente causar
um dano a terceiro.616 Vale dizer, a ação lícita do Estado é direcionada a uma situação que a princí-
pio não produziria qualquer dano a terceiro, mas que acaba produzindo (indiretamente) uma con-
sequência danosa que não pode ser evitada.

Maria Sylvia também pensa assim, quando diz que


“ao contrário do direito privado, em que a responsabilidade exige sempre um ato
ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer de atos ou
comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior
617
do que o imposto aos demais membros da coletividade.”

Como exemplo de responsabilidade por ato lícito, Mazza cita como exemplo “obras para as-
faltamento de rua diminuindo a clientela de estabelecimento comercial”. 618

Registre, todavia, que este entendimento encontra forte resistência por parte de alguns dou-
trinadores que consideram que o Estado somente pode ser responsabilizado por atos ilícitos; para
estes juristas (os quais, ao que parece, são minoria na doutrina brasileira), se a conduta estatal for
reputada lícita sob todos os ângulos, não haveria de se falar propriamente em responsabilidade
extracontratual. Vale dizer, ou o ato é, por algum ângulo, considerado ilícito, gerando direito à in-
denização por responsabilidade do Estado; ou o ato é totalmente lícito, e a indenização, caso devi-
da pelo Estado, terá outro fundamento jurídico. Assim pensa Marçal Justen619, conforme teremos
oportunidade de examinar em tópico posterior deste capítulo.

 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DO ESTADO


A noção de responsabilidade civil extracontratual do Estado nem sempre foi reconhecida,
evoluindo ao longo do tempo até ser considerada em maior ou menor grau, passando basicamente
por três fases teóricas, as saber: fase da teoria da irresponsabilidade, fase das teorias civilistas e
fase das teorias publicistas. 620

A teoria da irresponsabilidade era a que prevalecia ainda nos primórdios do Estado Moderno
quando da gênese do Direito Administrativo, logo após o rompimento com o regime absolutista,
época em que se entendia que o Estado não poderia jamais ser responsabilizado por seus atos,
predominando a ideologia de que o rei nunca erra.

616
MELLO, Curso..., cit.
617
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
618
MAZZA, Manual…, cit.
619
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
620
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

354
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

É certo que na França, já no ano de 1800, foi editada uma lei que tratava do ressarcimento
por danos oriundos de obras públicas.621 Porém, não se reconhecia aí a responsabilidade por atos
ilícitos do Estado soberano. Se ato ilícito houvesse, a ensejar indenização, esta seria da responsabi-
lidade pessoal do agente causador do dano. Vale dizer, apenas
“haveria possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que,
atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalte-se, porém,
que a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Esta-
622
do”.

A teoria da irresponsabilidade estatal vigorou na França até o final do século XIX, quando, por
volta de 1873, o Tribunal de Conflitos julgou o famoso Caso Blanco, considerado pela doutrina co-
mo um dos marcos históricos da consolidação do Direito Administrativo, notadamente em tema de
responsabilidade civil do Estado. Tratou-se de situação envolvendo acidente sofrido por uma meni-
na chamada Agnes Blanco, que fora atropelada por um vagão pertencente ao Estado, contra quem
a família pleiteou uma indenização, tendo o Tribunal de Conflitos reconhecido a responsabilidade
da Administração Pública.

Apesar de aos poucos vir se reconhecendo a responsabilidade estatal, ainda remanesceu a


teoria da irresponsabilidade em alguns casos submetidos ao tribunal, o que na França recebeu a
denominação de ilhas de irresponsabilidade (“ilôts d’irresponsabilité”). Esses resquícios, todavia,
tenderam a desaparecer no início do sec. XX.

Hely Lopes salienta que


“a doutrina da irresponsabilidade está inteiramente superada, visto que as duas
últimas Nações que a sustentavam, a Inglaterra e os Estados Unidos da América
do Norte, abandonaram-na, respectivamente, pelo Crown Proceeding Act, de
1947, e pelo Federal Tort Claims Act, de 1946. Caíram, assim, os últimos redutos
623
da irresponsabilidade civil do Estado pelos atos de seus agentes.”

Sob influência do liberalismo, a teoria da irresponsabilidade foi sendo aos poucos superada e
evoluindo para a idéia de responsabilidade estatal por culpa (responsabilidade subjetiva do Estado).

Seguiu-se, então, à fase das teorias civilistas, apoiada


“na lógica do direito civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é
a noção de culpa. Daí a necessidade de a vítima comprovar, para receber a inde-
nização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo
causal; d) culpa ou dolo. Assim, para a teoria subjetiva é sempre necessário de-
monstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, er-
624
ro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia.”

Num primeiro momento, reconheceu-se que o Estado, apesar de soberano no tocante aos
atos de império praticados por ordem do príncipe, deveria ao menos responder pelos atos de roti-
na praticados na gestão dos negócios públicos.

621
Em data conhecida como o 28 Pluvioso do Ano VIII, no calendário Napoleônico (oito anos após 1792).
622
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
623
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
624
MAZZA, Manual..., cit.

355
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Esta teoria civilista, que diferenciava os atos de império (praticados com prerrogativas de au-
toridade) dos atos de gestão (praticados em igualdade de condições com os particulares), pregava
que a responsabilidade civil do Estado somente ocorreria em relação a estes e desde que o agente
público atuasse com culpa. Concebia-se, portanto, uma espécie de bifurcação da figura do Estado, o
que na Alemanha veio a ser chamada de Teoria do Fisco. De um lado havia o Estado-soberano,
imune de responsabilidade. De outro, o Estado enquanto gestor do patrimônio público (Fisco).

Posteriormente, essa distinção entre atos de império e atos de gestão deixou de ser aplicada,
mas o parâmetro jurídico da responsabilidade estatal continuou sendo a culpa dos agentes públi-
cos, sem o que nada haveria a indenizar.

Esta segunda teoria civilista, que se pode chamar de teoria da culpa civil ou da responsabili-
dade subjetiva, deixou de lado a distinção entre atos de gestão e de império, mas continuou ape-
gada ao requisito da culpa, sem o qual não se configuraria a responsabilidade. Buscando equiparar
a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos,
o exame da culpa do agente estatal era feito segundo os mesmos parâmetros de avaliação da culpa
dos particulares.

Entrementes,
“embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a
teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público di-
ante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima
em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público pre-
judicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva. Foi neces-
sário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibra-
625
da entre o Estado e o administrado.”

Advém daí a fase das teorias publicistas.

Nesse novo momento, passou-se a considerar que a responsabilidade do Estado não poderia
ser regida pelas regras comuns do Código Civil, devendo-se levar em conta a sua atuação contínua e
suas prerrogativas frente aos particulares, tendo em vista a necessidade do serviço público. Buscou-
se então um regime especial a ser aplicado ao Estado, observadas as peculiaridades de sua atuação.

A primeira teoria publicista baseia-se na chamada “culpa administrativa” ou “acidente ad-


ministrativo”, decorrente da doutrina francesa (faute du service), em que a ausência ou mau fun-
cionamento funcionamento do serviço público bastaria para configurar a responsabilidade do Esta-
do pelos danos causados aos administrados.

Em que pese ainda apegada ao elemento culpa, esta teoria representou importante avanço
em relação às teorias civilistas, sobretudo porque dispensava a identificação individual do agente
público causador do dano, bastando que se reconhecesse que o prejuízo se dera em decorrência do
serviço público. Adveio daí a noção de culpa anônima, tal como classicamente desenvolvida pelo
jurista francês Paul Duez.

625
MAZZA, Manual…, cit.

356
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A teoria da culpa administrativa revelou-se como um meio termo na transição da teoria da


responsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva do Estado, ocorrendo uma gradativa
substituição da idéia de culpa pela noção de risco.

Surge finalmente a teoria do risco administrativo, quando não se fala mais em culpa ou falta
do serviço, respondendo a Administração Pública sempre que ocorrer dano produzido por um a-
gente estatal no desempenho de um serviço público (nexo causal). Ou seja, não se exige mais a
falta do serviço, bastando haver o fato do serviço, o que por si só já vincularia o Estado ao dano
produzido, em decorrência do risco por ele assumido.

Assinala Maria Sylvia que


“essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais;
assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos,
também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repar-
tidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais,
rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais;
para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizan-
626
do recursos do erário público.”

Porém, é preciso atentar que a teoria do risco administrativo, apesar de lastreada na respon-
sabilidade objetiva, não ignora a eventual ocorrência de excludentes que tenham o condão de
romper com o nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo, bem como atenuantes que diminu-
am a carga de responsabilidade estatal. Ou seja, a responsabilidade fica mitigada ou até mesmo
afastada se restar provado que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou
de que houve culpa de terceiro ou, ainda, motivo de força maior, um fato da natureza sem qual-
quer liame com algum comportamento do Estado. Quanto ao caso fortuito por ato de terceiro, há
divergências na doutrina sobre se exclui ou não a responsabilidade do Estado. Se o ato produtor do
dano tiver relação específica com a atividade administrativa, de modo a inserir-se no risco comum
assumido pelo Estado, deve ele responder objetivamente. Mas se o ato for completamente estra-
nho aos riscos inerentes à atividade administrativa, é de ser afastada a responsabilidade.

Modalidade extremada de risco administrativo é contemplada pela chamada teoria do risco


integral, que se destaca pelo alto grau de objetividade na avaliação da responsabilidade estatal.
Enquanto a teoria do risco administrativo, como dito, admite hipóteses nas quais o Estado não res-
ponde pelo dano (excludentes) ou tem diminuída a sua responsabilidade (atenuantes), a teoria do
risco integral não as admite.

Apontando a distinção entre as modalidades de risco, Hely Lopes Meirelles ressalta que
“a teoria do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da Administra-
ção, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou a-
tenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o
risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva in-
denizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa,
apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Admi-
nistração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no e-
vento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente

626
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

357
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

da indenização. A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina


do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à ini-
quidade social. Por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a inde-
nizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa
627
ou dolo da vítima.”

Com efeito, adotar inadvertidamente a teoria do risco integral equivaleria a transformar o Es-
tado numa espécie de segurador universal, ou seja, imputando-lhe a responsabilidade por todo e
qualquer infortúnio sofrido pelas pessoas na convivência em sociedade. Daí porque,
“embora seja a visão mais favorável à vítima, o caráter absoluto dessa concepção
produz injustiça, especialmente diante de casos em que o dano é produzido em
decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia de nenhum país
moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral como regra geral a-
628
plicável à responsabilidade do Estado”.

O risco integral somente deve ser adotado em situações excepcionais, quando, por opção po-
lítica, o legislador imponha ao Estado o dever de reparar prejuízos decorrentes de determinadas
atividades consideradas de alto risco. Há, inclusive, autores que, à vista do inciso XXIII, “d”, do art.
21, CF, entendem aplicável a teoria do risco integral em caso de danos nucleares. Ainda assim, a
questão tem alimentado extensas divergências na doutrina.

 EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO DIREITO BRASILEIRO


A teoria da irresponsabilidade do Estado jamais foi adotada no Brasil, haja vista que tanto a
Constituição de 1824 quanto a de 1891 foram elaboradas após a queda do absolutismo, já em perí-
odo influenciado pelos ideais do liberalismo.

Na fase do Império, reconhecia-se a responsabilidade por danos provocados por atos esta-
tais, ainda que a indenização ficasse a cargo dos empregados públicos, como dispunha a nossa
Constituição de 1824, em seu art. 179, inc. 29. Com a proclamação da República, a Constituição de
1891, em seu art. 82, manteve a responsabilidade a cargo do funcionário público.

Já no início do séc. XX, o Direito brasileiro passou a adotar a teoria da culpa administrativa,
fundada na responsabilidade subjetiva, ressalvado o direito de regresso contra o agente causador
do dano, consoante veio a ser previsto no art. 15 do Código Civil de 1916.

Com o advento da Constituição de 1934, o direito brasileiro continuou contemplando a culpa


sob regime publicístico, porém adotou, em seu art. 171, o princípio da solidariedade na culpa. Esta
concepção foi mantida no art. 158 da Constituição de 1937.

Somente com a Constituição de 1946, passou-se a adotar no Brasil, além da responsabilidade


subjetiva, também a responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto em seu art. 194, cuja
redação excluía a idéia comum de culpa disposta no Código Civil então vigente. As Constituições de
1967 (art. 105) e 1969 (art. 107) mantiveram a concepção de responsabilidade objetiva.

627
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
628
MAZZA, Manual..., cit.

358
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Tal modelo perdurou com a Constituição de 1988, com o acréscimo da possibilidade de ação
regressiva contra o funcionário causador do dano, bem como da responsabilidade das pessoas jurí-
dicas privadas prestadoras de serviços públicos. Atualmente, a responsabilidade extracontratual do
Estado encontra previsão na norma do art. 37, §6º, CF, vazada nos seguintes termos:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a ter-
ceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou cul-
pa.

O novo Código Civil (Lei 10.406/02), em conformidade com a Carta Magna, acolheu a doutri-
na da responsabilidade objetiva, ainda que sem mencionar expressamente as pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público, como se infere do teor do seu art. 43:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por
atos dos seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado o di-
reito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou do-
lo.

E é com vistas a estes dispositivos que os administrativistas brasileiros, apesar de se valerem


das referidas teorias publicísticas, apontam distintas metodologias para a resolução de problemas
jurídicos envolvendo a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Pode-se de certa forma dizer que, no Brasil, doutrina e jurisprudência majoritárias adotam,
como regra geral, a teoria do risco administrativo, com base no art. 37, §6º, CF, apenas admitindo
hipóteses excludentes fundadas na culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, ou, ain-
da, a atenuação da responsabilidade estatal se houver culpa concorrente da vítima.

Nesse prisma, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que


“o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que ad-
mite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Es-
tado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso
fortuito e a força maior – ou evidentemente de ocorrência de culpa atribuível à própria
629
vítima”.

O Ministro Celso de Mello assim aponta os pressupostos da responsabilidade objetiva do Es-


tado no direito brasileiro:
“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais
brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabi-
lidade civil objetiva do Poder Público por danos a que os agentes públicos houverem da-
do causa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica que informa o princípio constitu-
cional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrên-
cia do fato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-lo pelo dano pessoal
e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes es-
tatais ou de demonstração da falta do serviço público. Os elementos que compõem a es-
trutura e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Poder Público correspondem:
a) a alteridade do dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comporta-

629
STF, RE 109.615-2, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.08.1996.

359
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

mento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; c) a oficialidade da ativi-


dade causal e levisa, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição
funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente da licitude, ou não,
do comportamento funcional; e d) a ausência de causa excludente da responsabilidade
630
funcional estatal”.

Convém registrar, contudo, que, na esteira da doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello,
a responsabilidade objetiva decorrente do risco administrativo somente se aplica aos atos comissi-
vos do Estado, não se podendo invocá-la em relação a atos omissivos. Quanto a estes, a responsa-
bilidade será sempre subjetiva, por aplicação da teoria da falta do serviço (culpa administrativa),
não se devendo aplicar simplesmente a teoria da responsabilidade objetiva que leve em conta a
mera relação causal entre a ausência do serviço e o dano produzido. Assevera o jurista que a res-
ponsabilidade por falta de serviço, falha no serviço ou culpa no serviço “não é, de modo algum,
modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se
inadvertidamente suposto”. 631

José dos Santos, na mesma linha, defende que


“quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão cons-
titui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta
omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for,
não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir
diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável ci-
vilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A consequência, dessa maneira, reside
em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se de-
senhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A
culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Po-
632
der Público, de impedir a consumação do dano.”

Deveras, seria o verdadeiro caos se o Estado fosse chamado a responder objetivamente por
todo evento danoso que não tenha causado diretamente, apenas se lhe atribuindo uma suposta
conduta omissiva. Seria transformar o Estado em um “segurador universal”, imputando-lhe a culpa
por tudo que desse errado na vida cotidiana das pessoas. Salientando a importância do tema, Sylvio
Motta e William Douglas asseveram que
“através da habilidade de mentes instruídas e quase genais, é possível criar em
quase todo prejuízo de uma pessoa ou grupo econômico alguma relação com a
Administração, seja por sua ação ou omissão. A partir daí, calcado na responsabi-
633
lidade objetiva, iniciam-se ações para que o ente estatal pague a conta.”

A culpa administrativa, nesse caso, deve ser examinada de acordo com critérios de razoabili-
dade e padrões de normalidade na atuação estatal.

A jurisprudência brasileira veio acolhendo a tese defendida por Celso Antônio, adotando a
responsabilidade subjetiva por omissão, como se infere do seguinte trecho de julgado:

630
Idem.
631
MELLO, Curso..., cit.
632
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
633
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Impetus.

360
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“(...) A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando


de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser
discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de
Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Pú-
blico o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo
imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja confi-
634
gurada a responsabilidade”.

Em momento mais recente, houve uma sensível modificação do foco de análise da omissão
estatal, passando a doutrina e a jurisprudência a se valer da distinção entre a omissão genérica e
omissão específica. Segundo essa corrente, o modelo tradicional da culpa administrativa somente
seria aplicável aos casos de omissão genérica, nos quais o Estado não tem o dever de evitar o dano,
porém culposamente contribui para a sua ocorrência. Já na omissão específica, o Estado tem o de-
ver de evitar o dano e assume o risco da sua ocorrência, configurando-se, então, a responsabilidade
objetiva (teoria do risco administrativo). Confiram-se os seguintes posicionamentos doutrinários a
respeito do assunto:
“Não é correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão
estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será
quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica,
635
pois aí há dever individualizado de agir.”

“(...) é preciso distinguir 'omissão genérica' do Estado e 'omissão específica'(...)


Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação
propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir
para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata
pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito)
não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem
condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas
se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o
veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir via-
gem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-
impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva
636
do Estado (...).”

Para melhor compreender os parâmetros levados em conta pela jurisprudência na aplicação


de tais teorias, convém citar a situação do prisioneiro que foge do presídio público e vem a cometer
danos contra terceiros. Consoante vem se posicionando o STF, é preciso examinar o nexo causal
configurador da responsabilidade estatal por dano causado por preso foragido, que não surge co-
mo uma consequência automática da fuga. Se apesar de se tratar de foragido, as circunstâncias do
delito praticado demonstrarem ter havido interrupção do nexo causal, o Estado não poderá ser
responsabilizado. Assim, cabe analisar, em cada caso, as circunstâncias em que se operou a fuga, as
providências tomadas pelo Poder Público após a fuga, o lapso temporal transcorrido entre a fuga e
o delito praticado, dentro outros aspectos que se reputar relevantes. Confira-se trechos de alguns
julgados do STF sobre o tema:

634
STJ, REsp. 888420/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.05.2009.
635
CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
636
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas.

361
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos presos sob


sua custódia, a inércia do Poder Público no seu dever de empreender esforços para a re-
637
captura do foragido são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade.”

“Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma res-
ponsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos pre-
638
sos.”

“A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da


Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6º do artigo 37 da Carta
Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causali-
dade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
(...) Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um
dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública que
o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a
formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.”
639

“1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugiti-
vo. 2. Não existindo nexo causal entre a fuga do apenado e o crime praticado, não se ca-
640
racteriza a responsabilidade civil do Estado. Precedentes.”

“1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugiti-
vo. Precedentes. 2. A alegação de falta do serviço - faute du service, dos franceses - não
dispensa o requisito da aferição do nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder
público e o dano causado. 3. É pressuposto da responsabilidade subjetiva a existência de
dolo ou culpa, em sentido estrito, em qualquer de suas modalidades - imprudência, ne-
641
gligência ou imperícia.”

Por fim, no que concerne à teoria do risco integral, já se disse que alguns autores a admitem
especificamente no que concerne aos danos nucleares, tendo em vista o disposto no art. 21, XXIII,
c, CF. Todavia, apontam-se divergências doutrinárias a respeito, havendo quem entenda que, mes-
mo nesse caso seria aplicada a teoria do risco administrativo, com eventuais excludentes de res-
ponsabilidade, pois a culpa afastada pelo legislador constitucional seria a do Estado e não a da víti-
ma. 642 Alexandre Mazza até admite a aplicação da teoria do risco integral em situações excepcio-
nais, tais como: acidentes de trabalho (infortunística); indenização coberta pelo seguro obrigatório
para automóveis (DPVAT); atentados terroristas (Leis 10.309/01 e 10.744/03) e dano ambiental
(art. 225, §§ 2º e 3º, CF). Porém, afasta essa possibilidade em relação ao dano nuclear, consideran-
do que
“a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – Lei 6.653/77 prevê diversas
excludentes que afastam o dever de o operador nuclear indenizar prejuízos decor-
rentes de sua atividade, tais como: culpa exclusiva da vítima, conflito armado, a-
tos de hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da natureza (arts. 6º
e 8º). Havendo excludentes previstas diretamente na legislação, impõe-se a con-

637
STF, RE 607771 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, julg. 20/04/2010.
638
STF, RE 172025/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 08/10/1996.
639
STF, RE 130764/PR, rel. Min. Moreira Alves, julg. 12/05/1992.
640
STF, AI 463531 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 29/09/2009.
641
STF, RE 395942 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/12/2008.
642
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

362
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

clusão de que a reparação de prejuízos nucleares, na verdade, sujeita-se à teoria


643
do risco administrativo”.

 A RESPONSABILIDADE NAS RELAÇÕES DE CUSTÓDIA


As doutrinas que se ocupam do tema da responsabilidade civil extracontratual do Estado fo-
ram construídas para lidar com as situações de sujeição geral dos administrados em relação ao Po-
der Público. Nesse prisma, tais regras de responsabilidade servem como garantia aos administrados
submetidos ao império estatal, ou seja, é o contrapeso da supremacia geral que tem o Estado, no
exercício do seu poder de polícia.

Casos há, todavia, em que o Estado mantém vínculos especiais com certas pessoas, tais como
servidores públicos, alunos de escolas públicas, presos mantidos em cadeias e penitenciárias etc.
São relações de supremacia especial, também chamadas de relações de custódia, submetidas a
regime disciplinar mais rigoroso e que, por consequência, devem seguir parâmetros distintos de
responsabilidade por parte do Estado.

Mazza explica que


“nessas vinculações diferenciadas, a responsabilidade do Estado é mais acentua-
da do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever
de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabili-
dade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros. Os exemplos mais
comuns são: o preso morto na cadeia por outro detento; a criança vítima de briga
dentro de escola pública; bens privados danificados em galpão da Receita Federal.
Em todas essas hipóteses, o Estado tem o dever de indenizar a vítima do dano,
mesmo que a conduta lesiva não tenha sido praticada por agente público. Cabe,
porém, advertir que a responsabilidade estatal é objetiva na modalidade do risco
administrativo, razão pela qual a culpa exclusiva da vítima e a força maior exclu-
em o dever de indenizar. Assim, por exemplo, o preso assassinado na cadeia por
outros detentos durante rebelião gera dever de o Estado indenizar a família. En-
tretanto, se a morte teve causas naturais (força maior) ou foi proveniente de sui-
cídio (culpa exclusiva da vítima), não há dever de indenizar. Quando ao fato de
terceiro, não constitui excludente da responsabilidade nos casos de custódia, em
razão do mais acentuado dever de vigilância e de proteção atribuído ao Estado
644
nessas relações de sujeição especial.”

Em relação aos danos sofridos por servidores públicos no exercício da função pública, são i-
gualmente aplicadas as regras de responsabilidade civil do Estado, sendo insuficiente para afastá-
las o fato de haver uma legislação específica regulando a relação entre o Estado e o seu servidor,
seja civil ou militar.

De acordo com a jurisprudência do STJ, por exemplo,

643
Manual..., cit.
644
Idem.

363
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“a existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei 6.880/80) não isenta a
responsabilidade do Estado, prevista no art. 37,§ 6º, CF, em danos morais causados a
645
servidor militar em decorrência de acidente sofrido durante o serviço”.

 RESPONSABILIDADE DOS PRESTADORES DE SERVIÇOS PÚBLICOS


Conforme já abordado anteriormente, desde a Carta Magna de 1946 o direito positivo brasi-
leiro contempla a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por agentes públicos. A
Constituição Federal, em seu art. 37, §6º, manteve essa tendência, mas, além disso, inovou no pon-
to em que passou a admitir expressamente a aplicação desse regime jurídico-administrativo de
responsabilidade objetiva inclusive a empresas privadas, quando prestadoras de serviços públicos.

Assim, quando uma pessoa de direito privado, estatal ou não, vem a desempenhar uma ati-
vidade administrativa que lhe foi delegada pelo Poder Público (por meio de concessões, permissões
ou outros instrumentos de delegação de serviços públicos), passa a responder objetivamente por
danos que seus agentes causarem a terceiros. Significa dizer que, não obstante a entidade delegada
continue sendo uma pessoa de direito privado, a sua responsabilidade, no tocante a aspectos rela-
cionados ao serviço público, segue normas de direito administrativo.

Registre-se que essa responsabilidade objetiva não beneficia apenas os usuários do serviço
público. Acerca deste pondo, o STF, no julgamento do RE 591.874/MS 646, modificou a jurisprudên-
cia que havia adotado em sentido contrário (RE 262.651/SP), passando a considerar que o art. 37,
§6º, CF, ao tratar da responsabilidade objetiva das prestadoras de serviços públicos, não estabele-
ceu qualquer distinção quanto à qualidade da vítima. Portanto, a regra constitucional aplica-se
tanto a usuários quanto a não-usuários do serviço público.

Ainda no tocante à atuação das empresas prestadoras de serviços públicos, sejam elas esta-
tais ou privadas, surge a indagação sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor no regi-
me jurídico de responsabilidade civil, de modo concomitante ao regime publicista previsto no art.
37, §6º, CF.

A princípio, se o serviço já é público, o seu desempenho está submetido a regras e princípios


do Direito Administrativo, de maneira que a responsabilidade objetiva da empresa prestadora já
pode ser suficientemente extraída da norma constitucional, sem necessidade de menção a qual-
quer dispositivo de lei ordinária.

Porém, a aplicação concomitante do CDC no que concerne aos usuários do serviço público
tem a vantagem de reforçar a incidência da responsabilidade objetiva decorrente do risco empresa-
rial, que já se tornou usual nas relações privadas, sobretudo após o advento do Código Civil de
2002. Ao lado disso, tem-se que a Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95), ao enumerar os direi-
tos e obrigações dos usuários de serviços públicos em seu art. 7º, deixou claro que tal se dava “sem
prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990”. Aliás, o próprio CDC, em seu art. 6º,
X, contemplou, com direito básico do consumidor, “a adequada e eficaz prestação dos serviços
públicos em geral”.

645
STJ, AgRg no REsp 1266484/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 03/04/2012.
646
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 20.11.2008.

364
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Advirta-se, contudo, que a questão não é tão simples de ser examinada, pois, consoante as-
sinala Dinorá Grotti, impõe-se
“verificar em que medida, extensão e profundidade os serviços públicos encon-
tram-se sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, deve-se
analisar quais as espécies de serviços públicos que se submetem à lei consumeris-
647
ta e quais normas desse diploma legal se aplicam a esses serviços”.

A autora demonstra que os doutrinadores divergem quanto ao alcance desta proteção, uns
defendem uma ampla aplicação do CDC a qualquer espécie de serviço público, enquanto outros se
posicionam pela aplicação do CDC apenas aos serviços divisíveis remunerados pelos usuários (uti
singuli), excluindo daí os serviços gerais prestados pelo Estado gratuitamente (uti universi). É este
segundo entendimento que tem prevalecido na doutrina.

Não obstante reconhecer a correção deste entendimento, salientando que “o STJ vem ex-
pressamente identificando as relações das quais participam usuários de serviços públicos específicos
e remunerados como relações de consumo”, Alexandre de Aragão chama a atenção para outro as-
pecto do problema. É que o fato de o CDC proteger os usuários dos serviços públicos uti singuli
remunerados não significa que a sua incidência deva se dar segundo os mesmos parâmetros aplica-
dos aos consumidores privados. Pondera que
“o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que
eles não são atividades econômicas comuns, sujeitas à liberdade de empresa e
desconectadas da preocupação de manutenção de um sistema prestacional cole-
648
tivo”.

Com efeito, a incidência das regras do CDC nesta seara deve se dar de modo sistemático em
atenção aos princípios e regras administrativas igualmente aplicáveis aos serviços públicos.

Seja como for, o fato é que a jurisprudência brasileira vem reiteradamente decidindo pela in-
cidência do CDC aos serviços públicos comerciais e industriais remunerados por tarifas (telefonia,
energia elétrica, serviço postal, transporte coletivo, água e esgoto, estacionamento público etc.),
porém afastando a sua aplicação no tocante aos serviços estatais gratuitos, custeados diretamente
pelos cofres públicos, bem como as atividades típicas de Estado tais quais as decorrentes do poder
de polícia.649

Registre-se, todavia, que a responsabilidade civil por aplicação do CDC às relações travadas
entre entes estatais ou privados e os usuários de serviços públicos sustenta-se, na maioria das ve-
zes, na existência de um prévio contrato de prestação de serviços (ainda que, por vezes, seja um
contrato verbal). Trata-se, portanto, de responsabilidade contratual. Não obstante, como o STF já
disse que a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 37, §6º, CF, alcança inclu-
sive os não-usuários do serviço, pensamos que este mesmo raciocínio deve ser empregado para
justificar a incidência do CDC na proteção de todos aqueles que, mesmo não sendo os consumido-
res diretos do serviço, sujeitam-se aos riscos potenciais da sua realização. Imagine-se, por exemplo,

647
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
648
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites de aplicação do CDC. Rev. Dir. Proc.
Geral, Rio de Janeiro, (60), 2006.
649
Confira-se, v.g.: STJ, REsp. 976836/RS; REsp.964455/SP; REsp. 993511/MG; AgRg no Ag 777.344/RJ; AgRg no REsp.1135528/RJ;
REsp.625144/SP; REsp.660026/RJ.

365
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

alguém que é vítima de descarga elétrica ao circular por perto de uma torre de energia, ou que tem
o seu veículo abalroado por caminhão do serviço postal.

Noutro giro, parece-nos que, em se tratando de atividade estatal, a grande utilidade na apli-
cação do CDC diz respeito à atuação das sociedades de economia mista e empresas públicas explo-
radoras de atividade econômica stricto sensu (art. 173, CF), como é o caso do Banco do Brasil, da
Caixa Econômica Federal, da Petrobrás etc., que, nessa condição, estariam à margem do regime
específico do art. 37, §6º, CF, o qual, como se disse, só alcança as prestadoras de serviço público.

Não raro são encontrados julgados aplicando, a todas estas empresas, o regime público de
responsabilidade, ao lado das normas de proteção ao consumidor, com o que não concordamos. A
regra geral de responsabilidade civil extracontratual do Estado, extraída do art. 37, §6º, CF, aplica-
se tão somente às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos. Logo, apenas incide sobre as empresas estatais que executam serviços públicos (v.g. o
serviço postal), não incidindo em relação às exploradoras de atividades econômicas de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços, as quais sujeitam-se ao regime próprio das
empresas privadas (art. 173, § 1º, II, CF), somente respondendo objetivamente nas situações espe-
cíficas previstas na legislação civil.

Por derradeiro, cabe destacar a situação peculiar dos serviços públicos notariais e de regis-
tro.

Nos termos do art. 236, CF, eles são exercidos em caráter privado, mas por delegação do Po-
der Público. Trata-se, portanto, de uma modalidade específica de execução de serviço público por
particular, incidindo a regra geral de responsabilidade objetiva por danos decorrentes de atos rela-
cionados à serventia (art. 37, § 6º, CF). Segundo o art. 22, Lei 8.935/94, que regulamentou o art.
236, CF,
Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os preju-
ízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que
designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

O STJ tem diversos precedentes no sentido de que


“o tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade
pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços
notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passi-
650
va”.

Esse entendimento deu-se em consonância com o posicionamento do STF de que


“responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma conside-
rada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236
da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição
semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos - §
651
6º do artigo 37 também da Carta da República”.

650
STJ, REsp 545613/MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 29/06/2007.
651
STF, RE 201595, rel. Min. Marco Aurélio, julg. 28/11/2000.

366
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Em alguns casos o STF reconheceu a responsabilidade objetiva do próprio Estado, com direito
de regresso contra o notário. 652

 O DANO PASSÍVEL DE REPARAÇÃO


A reparação do dano de responsabilidade do Estado poderá ser perseguida pela vítima tanto
na esfera administrativa quanto na esfera judicial. Princípios constitucionais, sobretudo os princí-
pios da moralidade e da impessoalidade, determinam que o Estado, apurando a ocorrência de da-
nos causados por seus agentes no exercício das funções públicas, indenize espontaneamente a
vítima, sem o que esta terá de provocar o Judiciário a lhe conceder o que de direito.

Contudo, para que haja indenização, não basta um prejuízo financeiro (dano econômico); faz-
se necessário ter havido efetiva violação a direito subjetivo. A responsabilidade civil extracontratual
pressupõe a ocorrência de prejuízo anormal e específico. Sem isso não há dano jurídico a ser inde-
nizado.

Anormal, porque somente cabe indenização para ressarcimento de dano patrimonial consi-
derável. Danos normais ou insignificantes não comportam indenização. Não se indeniza mero abor-
recimento ou desconforto. Dano anormal
“é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em soci-
edade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados nor-
mais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exem-
653
plo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial”.

Específico, porque não é qualquer infortúnio que comporta indenização, senão aqueles que
superem os riscos normais da vida em sociedade e suportados por todos indistintamente. Danos
difusos não comportam indenização. Dano específico
“é aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, atinge um indivíduo
ou uma classe delimitada de indivíduos. Não se indeniza o dano genérico, que é
suportado por todos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coleti-
vidade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor
654
da tarifa de ônibus”.

Somente o dano certo comporta indenização, seja ele atual (dano emergente) ou futuro (lu-
cros cessantes). Não se indeniza dano incerto baseado em mera probabilidade, ou seja, quando não
se tenha elementos concretos para aferir o alcance do dano causado. Mesmo quando se trate de
dano futuro, como dito, já se deve de antemão perceber a sua potencialidade. Essa regra tem sido
flexibilizada com base na doutrina da perda de uma chance, que, segundo a jurisprudência,
“visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de
lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da
possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcança-
ria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que es-
sa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma le-
são às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica

652
RE 518894 AgR/SP, rel. Min. Ayres Britto, julg. 02/08/2011 e RE 209354 AgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, julg. 02/03/1999.
653
MAZZA, Manual..., cit.
654
Idem.

367
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de
655
terceiro”.

 AÇÃO REGRESSIVA E LITISCONSÓRCIO


O direito brasileiro adotou a teoria do imputação volitiva concebida pelo jurista alemão Otto
Gierke, segundo a qual os atos que atingem terceiros, quando praticados por agentes públicos no
exercício da sua função, devem ser imputados à pessoa jurídica a que estejam vinculados. Os órgão
e agentes não agem como representantes ou mandatários do ente estatal. Eles “presentam” o
próprio ente. Logo, considera-se que a ação ou omissão da autoridade pública deve ser traduzida
como uma atuação do Estado. O fundamento primário da indenização é a relação jurídica entre o
Estado e o cidadão que sofreu o dano, não havendo relação com a pessoa do agente público. Com
isso, eventual ação judicial deve ser promovida contra o Estado e não contra o agente.

Daí que, na configuração da responsabilidade civil extracontratual do Estado, tal como


contemplada no art. 37, §6º, CF, a relação jurídica embasadora se trava exclusivamente entre o
ente administrativo e o terceiro prejudicado.

Por outro lado, ainda nos termos do dispositivo constitucional, é assegurado ao Estado o
direito de regresso contra o agente responsável, nos casos de dolo ou culpa. Vale dizer: uma vez
tenha o Estado pago uma indenização ao particular que sofreu dano, irá depois buscar que o
agente público, que culposa ou dolosamente o tenha causado, promova o ressarcimento ao erário
daquilo que foi desembolsado naquele pagamento. Tem-se vistas aí exclusivamente à situação
jurídica que se estabele entre o Estado e o agente causador do dano, quando o Poder Público tenha
despendido recursos para indenizar o terceiro, redundando prejuízo ao erário.

Esta exegese busca inclusive proteger o próprio administrado, mormente nos casos em que
não seja identificado exatamente o servidor causador do dano, quando o Estado ainda assim terá
de responder pelo prejuízo causado ao particular (situações de culpa anônima). Outra utilidade da
teoria está em que o administrado fará jus à indenização sem que se precise inferir ter havido culpa
ou dolo do agente (responsabilidade objetiva do Estado por atos comissivos). Com efeito, tendo a
presente ação como causa de pedir a responsabilidade objetiva da autarquia ante fato ocasionado
por um agente seu, descabe perquerir sobre culpa ou dolo deste, questão que ficará reservada, se
for o caso, a eventual ação de regresso proposta pelo Estado contra o servidor.

Nessa linha já se posicionou o STF, considerando que


“o § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas
jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem
serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a
terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de
agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional
consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação
indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste
serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento
do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal,

655
STJ, REsp. 1190180/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 22.11.2010.

368
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo


656
quadro funcional se vincular”.

É de se registrar, entrementes, que no caso específico de abuso de autoridade a Lei 4.898/65


contém previsão expressa permitindo que a vítima acione diretamente o autor do abuso, indepen-
dentemente da condenação do Estado em ação autônoma. Conforme consta no seu art. 9º,
Art. 9º Simultaneamente com a representação dirigida à autoridade administrativa ou
independentemente dela, poderá ser promovida pela vítima do abuso, a responsabilida-
de civil ou penal ou ambas, da autoridade culpada.

Parece-nos, porém, que esta norma não pode ir de encontro ao parâmetro constitucional a-
cima referido, na linha de entendimento do Pretório Excelso.

Outra questão controvertida diz respeito à possibilidade ou não de, no bojo do processo mo-
vido pela vítima, haver a denunciação da lide proposta pelo Estado contra o servidor causador do
dano. Uns entendem necessária a denunciação na forma do art. 125, II, CPC. Outros defendem o
contrário, por entender que, em regra, a ação da vítima contra o Estado não envolve o exame da
culpa do servidor, razão pela qual a denunciação da lide viria a retardar injustificadamente o anda-
mento do feito, em prejuízo da vítima. Nesse caso, restaria ao Estado tão somente propor ação
direta contra o servidor.

Examinando minuciosamente a matéria, Maria Sylvia aponta duas hipóteses, em resumo:


“1. quando se trata de ação fundada na culpa anônima do serviço ou apenas na
responsabilidade objetiva decorrente do risco, a denunciação não cabe, porque o
denunciante estaria incluindo novo fundamento na ação: a culpa ou dolo do fun-
cionário, não arguida pelo autor;
2. quando se trata de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas
com arguição de culpa do agente público, a denunciação da lide é cabível como
também é possível o litisconsórcio facultativo (com citação da pessoa jurídica e de
657
seu agente) ou a propositura da ação diretamente contra o agente público).”

Para Mazza,
“a denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medi-
da que traz para a ação indenizatória a discussão sobre culpa ou dolo do agente
público, ampliando o âmbito temático da lide em desfavor da celeridade na solu-
ção do conflito. Por essa razão, a doutrina majoritária rejeita a possibilidade de
denunciação da lide ao argumento de que a inclusão do debate sobre culpa ou do-
lo na ação indenizatória representa um retrocesso histórico à fase subjetiva da
responsabilidade estatal. A jurisprudência e os concursos públicos, entretanto,
têm admitido a denunciação do agente público à lide como uma faculdade em fa-
vor do Estado, o qual poderia decidir sobre a conveniência, ou não, de antecipar a
discussão a respeito da responsabilidade do seu agente, evitando com isso a pro-
positura da ação regressiva. Em abono à denunciação da lide, comparecem ra-
zões ligadas à economia processual, eficiência administrativa e maior celeridade
658
no ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos.”

656
STF, RE327904, rel. Min. Carlos Britto, 15/08/2006.
657
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
658
MAZZA, Manual..., cit.

369
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

José dos Santos, por sua vez, registra que


“começa a predominar o entendimento no sentido da admissibilidade da denun-
ciação à lide, não como chamamento obrigatório, como emana do art. 70 do
659
CPC , mas de cunho facultativo, o que significa dizer que, não tendo havido a
denunciação, o processo é válido e eficaz, restando, então, admissível o pleno e-
660
xercício do direito de regresso do Estado contra o servidor responsável.”

Atente-se, portanto, à acirrada controvérsia doutrinária a respeito do tema, o que tem se re-
fletido também na jurisprudência. 661

 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE REPARAÇÃO CIVIL


O art. 1º, Decreto 20.910/32, dispõe que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Mu-
nicípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública (federal, estadual ou
municipal), seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 anos, contados da data do ato ou fato do
qual se originaram. Por força do DL 4.597/42, esse prazo também se aplica às dívidas das autarqui-
as e fundações de Direito Público. Em se tratando de entidade estatal com personalidade jurídica
de Direito Privado (as quais não se incluem no conceito de “Fazenda Pública”), deveriam ser aplica-
dos os prazos prescricionais previstos na legislação comum. Ocorre que o art. 1º-C, Lei 9.494/97,
inserido pela Medida Provisória n. 2180-35/01, estendeu o prazo de 5 anos às pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviços públicos.

Ao tempo do Código Civil de 1916, a prescrição nas ações pessoais obedecia à regra geral do
art. 177, que previa o prazo de 20 anos. Porém, era pacífica na doutrina e na jurisprudência a pre-
valência do dispositivo específico contido no Decreto 20.910/32, não apenas porque editado após o
Código, mas também por ser norma mais favorável à Administração (considerando-se que a pres-
crição é um instituto cuja essência está na proteção do demandado). Assim, as ações pessoais que
tivessem por objeto a responsabilidade civil do Estado haveriam de ser propostas no prazo de cinco
anos.

Com o advento do novo Código Civil de 2002, diante da previsão específica constante no seu
art. 206, §6º, passando a fixar em 3 anos o prazo prescricional das pretensões visando reparação
civil, foram editados diversos precedentes jurisprudenciais aplicando esse dispositivo também às
ações indenizatórias propostas contra o Poder Público.662 Nessa linha, alguns autores, a exemplo de
José dos Santos, passaram a defender que o prazo de prescrição judicial relacionado ao tema da
responsabilidade extracontratual do Estado passou a ser de 3 anos.663 Ocorre que, diante da con-
trovérsia, o Superior Tribunal de Justiça acabou por fixar o entendimento de que o prazo continua
sendo o do Decreto 20.910/32 (quinquenal). Com efeito, a Primeira Seção daquela Corte assentou
o posicionamento de que “é de cinco anos o prazo para a pretensão de reparação civil do Estado”.
664

659
Atual art. 125, do Novo CPC.
660
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
661
Confira-se, v.g.: STJ REsp. 631.723; RESP 1.187.456; REsp.167.132; RESP 109.208; REsp. 149.999.
662
V.g. STJ, RESP 1137354, rel. Min. Castro Meira, DJ 18.09.2009.
663
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
664
EREsp 1.081.885/RR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julg. 13/12/2010, DJ de 01/02/2011. No mesmo sentido: AgRg no AREsp
32149/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 04/10/2011.

370
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Outra questão que merece destaque diz respeito à prescrição nas ações que versem sobre o
direito de propriedade. Há situações em que a indenização está relacionada a ato ilícito do Estado
que se apoderou da propriedade alheia sem nada indenizar (o chamado apossamento administra-
tivo ou desapropriação indireta) ou sem dar ao bem o destino que teria justificado a desapropria-
ção (a chamada tredestinação), casos em que, não sendo mais possível retomar a propriedade (re-
trocessão), a questão se resolve em perdas e danos.

A reparação civil, nessas hipóteses, assume nitidamente feição real, pois enquanto houver
prazo para o retorno à propriedade, haverá prazo para a correspondente indenização. Ou seja, a
ação calcada em direito à indenização somente pereceria quando não houvesse mais direito de
ação relacionado à propriedade. Por isso, antes mesmo do novo Código Civil, doutrina e jurispru-
dência pregavam que, apesar de o art. 1º, DL 20.910/32, referir-se a qualquer dívida, “seja qual for
a sua natureza”, o prazo de cinco anos somente se aplicaria às ações obrigacionais, de natureza
pessoal, enquanto que, no tocante às ações reais, incidiriam os prazos previstos no art. 177 do Có-
digo Civil de 1916 (dez anos entre presentes e quinze anos entre ausentes). Havia também o en-
tendimento de que se o objeto da ação indenizatória estivesse especificamente relacionado com a
perda do direito de propriedade, deveria ser considerado, por analogia, o prazo de usucapião de
vinte anos em caso de má-fé (art. 550) ou quinze ou dez anos nos casos de justo título e boa-fé (art.
551).

Com o advento do novo Código Civil, o art. 205, ao fixar um prazo geral de prescrição, não fez
mais distinção entre direitos reais e pessoais, estabelecendo um marco de “dez anos, quando a lei
não lhe haja fixado prazo menor”. Porém, em relação à usucapião, o art. 1.238 reduziu o prazo para
15 anos. Logo, seguindo a mesma razão lógica empregada pela jurisprudência ao tempo do Código
anterior, é de se considerar que o prazo prescricional para as ações indenizatórias relacionadas com
a perda do direito de propriedade atualmente é de 15 anos.

Em suma, por força do entendimento que vem predominando atualmente na doutrina e na


jurisprudência, o prazo prescricional das ações indenizatórias por dívidas de natureza pessoal, pro-
postas contra os entes públicos e entes privados prestadores de serviços públicos, continua sendo
de 5 anos. Mas em se tratando de ações indenizatórias fundadas em direito real, por danos rela-
cionados com a perda do direito de propriedade, aplicar-se por analogia a regra do art. 1.238 do
novo CC, que fixa o prazo de 15 anos.

Para os fatos ocorridos ao tempo do Código anterior, mas cujo prazo prescricional ainda não
tenha se esgotado quando do advento do novo Código, a contagem deverá considerar a regra de
transição prevista no art. 2.028, CC/02, que dispõe:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na
data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais de metade do tempo estabe-
lecido na lei revogada.

Cumpre ainda discorrer sobre as hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição nas a-


ções indenizatórias por responsabilidade civil.

Há situações em que se dá a suspensão da prescrição, que


“é a paralisação temporária da fluência do prazo prescricional – por força de fato
ou ato que a lei atribua tal efeito –, o qual, uma vez cessada a causa suspensiva,

371
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

recomeça a correr, computando-se o período transcorrido antes da suspensão”.


665

Em regra, na pendência de apreciação de pleito tempestivamente formulado pelo adminis-


trado na via administrativa, fica suspenso o prazo prescricional para a ação judicial tratando da
mesma questão. Tal ocorre, por exemplo, na hipótese tratada no art. 4º, Decreto 20.910/32, se-
gundo a qual
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou
no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários en-
carregados de estudar e apurá-la.

Existem também hipóteses de interrupção da prescrição, que


“é inutilização do lapso temporal prescritivo já transcorrido, de maneira a reco-
meçar a contagem de seu prazo a partir do ato ou fato a que a lei reconheça tal
666
efeito”.

As regras da interrupção da prescrição aplicáveis ao Poder Público são as mesmas previstas


no Código Civil, com algumas modificações previstas em legislações específicas do Direito Adminis-
trativo. Nos termos do art. 3º, DL 4.597/42, a prescrição quinquenal somente pode ser interrompi-
da uma vez, e recomeça a correr pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do
último do processo para interrompê-la; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a
partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em
julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio. Nesse último caso (no curso da lide), tem-se a cha-
mada prescrição intercorrente.

Há casos em que dita regra poderia produzir situações injustas, quando a interrupção se der
antes da primeira metade do prazo, pois nesse caso, recomeçando a correr pela metade, o acionan-
te ficaria em situação pior do que aquele que se manteve inerte. Por isso, a Súmula 383/STF dispõe
que a prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do
ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a inter-
rompa durante a primeira metade do prazo.

Quando a dano causado a um particular, por atuação de agente estatal, for instantâneo (es-
gotar-se num único ato), o prazo prescricional é contado a partir da data da lesão. Já nas chamadas
relações de trato sucessivo, a violação a direito se renova no tempo, de modo que a cada dia so-
brevém um ato que produz uma nova lesão ao particular. A Súmula 85/STJ dispõe que nas relações
jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido
negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
quinquênio anterior à propositura da ação.

É preciso atenção para não se confundir a situação em que o dano decorreu de um ato isola-
do, ainda que os efeitos danosos tenham sido permanentes (a prescrição é contada a partir do ato)
e aquela em que houve sucessivos atos danosos que violaram continuamente um mesmo direito de
natureza moral (a prescrição é contada do último ato). A violação continuada não apenas posterga,
como aumenta a aflição moral a que vem se submetendo a vítima, razão pela qual o STJ tem apon-

665
MELLO, Curso..., cit.
666
Idem.

372
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tado como termo a quo da prescrição a data do último ato danoso praticado, como se infere dos
seguintes trechos de julgados:
“A continuada violação do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de
poluição praticados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do úl-
667
timo ato praticado”.

“Para fins prescricionais, o termo 'a quo', envolvendo violação continuada ao direito de
668
imagem, conta-se a partir do último ato praticado”.

 JUROS MORATÓRIOS
Mesmo nas ações indenizatórias contra o Estado, o STJ tem reiteradamente aplicado a orien-
tação geral emanada da sua Súmula 54, segundo a qual
Súmula 54. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsa-
bilidade extracontratual.

Por outro lado, a jurisprudência firmou-se também no sentido de que, uma vez transitada em
julgado a sentença condenatória, concluídos os cálculos de liquidação da dívida e não havendo
disponibilidade orçamentária para pagamento espontâneo, suspende-se a incidência dos juros de
mora enquanto não esgotado o prazo constitucionalmente previsto para a tramitação do respectivo
precatório.

Esse entendimento segue a exegese contemplada na Súmula Vinculante 17 do STF, de que


“durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de
mora sobre os precatórios que nele sejam pagos” (atualmente tal período está previsto no §5º do
referido artigo, por conta da alteração de redação dada pela EC 62/09).

Observe-se ainda o teor do seguinte julgado do STJ:


“(...) 2. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, amparada no enten-
dimento do Supremo Tribunal Federal, não se pode imputar à Fazenda Pública a demora
do trâmite processual no período compreendido entre a liquidação do valor devido e a
expedição do precatório e sua respectiva inscrição no orçamento. 3. Assim, somente são
devidos juros moratórios até a liquidação do valor executado, o que se verifica com a
definição do quantum debeatur, materializado no trânsito em julgado dos embargos à
execução ou, quando estes não forem opostos, no trânsito em julgado da decisão homo-
669
logatória dos cálculos”.

Em suma, em se tratando de responsabilidade extracontratual do Estado, os juros de mora


incidem a partir do evento danoso e até o momento da liquidação definitiva do valor devido, sus-
pendendo-se em seguida pelo prazo previsto para pagamento via precatório e voltando a incidir
caso o pagamento não tenha sido feito até final do exercício previsto no art. 100, §5º, CF (antigo
§1º).

667
STJ, REsp.20645/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 24/04/2002.
668
STJ, REsp. 1014624/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina (convocado), julg.10/03/2009.
669
STJ, AgRg no REsp 1135461/RS, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 26/06/2012.

373
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL DO SERVIDOR


Dispõe o art. 121, Lei 8112/90, que o servidor responde civil, penal e administrativamente
pelo exercício irregular de suas atribuições. São, portanto, três esferas distintas de responsabilida-
de.

CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚ-


BLICA

O Estado de Direito, desde a sua concepção moderna,


nasceu sob influência de filosofias políticas que pregam a con-
tenção e controle do poder estatal em prol da liberdade. E foi
sob prisma que constou inscrito no art.15 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que “a sociedade tem
o direito de pedir conta a todo agente público, quanto à sua
administração”.

Daí a necessidade de controle da Administração Pública,


traduzida, nas palavras de Maria Sylvia, como o
“poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes
Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de
sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.
(...) Embora o controle seja atribuição estatal, o administrado participa dele à
medida que pode e deve provocar o procedimento de controle, não apenas na de-
fesa de seus interesses individuais, mas também na proteção do interesse coleti-
670
vo.”

Versando sobre as espécies de controle da Administração Pública, Odete Medauar 671 aponta
as seguintes modalidades:
→ quanto ao aspecto em que incide:
• de legalidade: defesa da legalidade em geral ou à legalidade contábil-financeira.
• de mérito: exame da conveniência e oportunidade da decisão.
• da ‘boa administração’: análises de eficiência, produtividade e gestão.

→ quanto ao momento em que se exerce:


• prévio: realizado antes da eficácia da medida ou decisão.
• concomitante: efetua-se durante a realização da medida ou ato.
• sucessivo (ou a posteriori): realizado após a edição do ato ou adoção da medida.

670
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
671
MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

374
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

→ quanto à amplitude:
• de ato: incide sobre atos específicos, considerados isoladamente.
• de atividade: abrange um conjunto de atuações.

→ quanto ao modo de desencadear-se:


• de ofício: por iniciativa do próprio agente.
• por provocação: quando pessoas, entidades, associações, solicitam a atuação do a-
gente controlador.
• compulsório: realiza-se necessariamente no momento oportuno, em atendimento a
normas que o disciplinam.

O controle poderá ainda ser interno (autocontrole), quando executado por órgãos da própria
Administração controlada, ou externo (heterocontrole), quando executado por órgãos pertencen-
tes a outras estruturas administrativas, sejam eles integrantes de um mesmo Poder (uma espécie
de controle interno externo) ou de Poderes diversos (controle externo propriamente dito). Todos
esses controles têm por objeto o desempenho da função administrativa, alcançando qualquer ór-
gão ou entidade que execute atividades tipicamente administrativas, sejam órgãos da administra
direta, da administração indireta ou, em certos casos, até mesmo particulares, pessoas físicas ou
jurídicas que atuem por delegação do Poder Público ou manuseando recursos públicos.

O controle interno é decorrência da prerrogativa que tem a Administração de anular seus


próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de con-
veniência e oportunidade (Súmula 473, STF). Assim, todos os órgãos da administração direta e indi-
reta devem ter mecanismos de controle interno, o qual assume basicamente duas feições:
a) hierárquico: quando executado no bojo de uma mesma estrutura funcional (autotutela
administrativa). Tal fiscalização “é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da
mesma Administração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e
agentes. É inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa,
e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do Executivo. São característi-
cas da fiscalização hierárquica a permanência e a automaticidade, visto que se exercita
perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou de solicitação es-
pecial. É um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação
funcional”. 672

b) de supervisão: quando exercido em relação a entes da Administração indireta vincula-


dos a determinado órgão da Administração direta (tutela administrativa). Também cha-
mado de supervisão ministerial, “é um meio atenuado de controle administrativo geral-
mente aplicável nas entidades da Administração indireta vinculadas a um Ministério (Dec.-
lei 200/67, arts. 19 e ss.). Supervisão não é subordinação, pois que esta decorre do poder
hierárquico e aquela resulta do sistema legal imposto às autarquias e entidades paraesta-
tais, sujeitas, apenas, ao controle finalístico da Administração que as instituiu. A subordi-
nação admite o controle pleno do órgão superior sobre o inferior; a supervisão é limitada

672
MEIRELLES, Direito Administrativo, cit.

375
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira
das entidades vinculadas à Administração central”. 673

Em suma, o controle interno é, por excelência, controle hierárquico, mas pode se dar tam-
bém sob o regime de supervisão ministerial, hipótese em que se configura uma espécie de “duplo
controle interno” ou um “controle interno exterior”674.

O art. 74, CF, faz expressa menção a um sistema de controle interno relacionado à fiscaliza-
ção orçamentária, financeira e contábil.

O controle externo, por sua vez, é aquele exercido por agentes políticos que não integram o
órgão ou ente da Administração Pública que praticou o ato fiscalizado, compreendendo o controle
parlamentar direto, o controle pelo Tribunal de Contas e o controle jurisdicional.

 CONTROLE PELO PODER LEGISLATIVO


O controle parlamentar direto é também chamado de controle político, sendo efetuado, no
âmbito federal, pelo Congresso Nacional nas seguintes hipóteses:
- Sustação de atos e contratos do Executivo (art. 49, X, CF);

- Convocação de Ministros e requerimentos de informações; recebimento de petições,


queixas e representações dos administrados e convocação de qualquer autoridade ou
pessoa para depor (art. 50, CF);

- Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, §3º, CF);

- Autorizações ou aprovações do Congresso necessárias para os atos concretos do Execu-


tivo, citando-se, por exemplo, a resolução definitiva sobre tratados, acordos ou atos in-
ternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional
(art. 49, I, CF), a autorização para que o Presidente da República declare guerra, celebre a
paz ou permita o trânsito de forças estrangeiras no território nacional (art. 49, II, CF), a
autorização para que o Presidente ou o Vice-Presidente da República se ausentem do ter-
ritório nacional (art. 49, III, CF), a aprovação do estado de defesa e intervenção federal, a
autorização do estado de sítio (art. 49, IV, CF), sustar os atos normativos do Poder Execu-
tivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49,
V, CF) etc.;

- Poderes controladores privativos do Senado, como, por exemplo, dispor sobre limites e
condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e in-
terno (art. 52, VIII, CF), estabelecer limites e condições para o montante da dívida mobiliá-
ria dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 52, IX, CF) etc.;

- Julgamento das contas do Executivo (art. 49, CF);

673
Idem.
674
MELLO, Curso..., cit.

376
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

- Suspensão e destituição (“impeachment”) do Presidente ou de Ministros, da competên-


cia privativa do Senado Federal (art. 52, I, CF).

 O CONTROLE PELO TRIBUNAL DE CONTAS


O controle pelo Tribunal de Contas relaciona-se especificamente com a fiscalização contábil,
financeira e orçamentária, ao lado do controle interno específico previsto no art. 74 e conforme
arts. 71, 73 e 75, CF. Dá-se sob quatro aspectos: fiscalização da legalidade, fiscalização financeira,
fiscalização da legitimidade e fiscalização da economicidade.

Em que pese a atribuição de julgar as contas dos administradores públicos (art. 72, II, CF) e
possuir jurisdição em todo território nacional (art. 73, CF), as decisões definitivas do Tribunal de
Contas, em auxílio ao Poder Legislativo no controle externo, detêm natureza administrativa e não
jurisdicional. Não fazem coisa julgada, de modo que são ainda passíveis de controle pelo Poder
Judiciário.

No âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o controle externo é exercido pela respectiva
Assembléia Legislativa, com auxílio do respectivo Tribunal de Contas do Estado. As Constituições
estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conse-
lheiros (art. 75, CF). No âmbito dos Municípios, o controle externo será exercido pela respectiva
Câmara Municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Con-
selhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art. 31, §1º, CF). Consoante já se posi-
cionou o STF, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estão sujeitos, em matéria de
organização, composição e atribuições fiscalizadoras de seus respectivos Tribunais de Contas, ao
modelo jurídico estatuído na Carta Federal. 675 Saliente-se que a Carta Magna de 1988 manteve a
vedação advinda da Emenda 01/69 quanto à criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de
Contas Municipais (art. 31, §4º, CF), tendo permanecido apenas os já existentes à época, quais se-
jam os Tribunais de Contas dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro.

 O CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO


O controle jurisdicional, exercido tipicamente pelo Poder Judiciário, decorre do sistema in-
glês de jurisdição única adotado no Brasil, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, CF).

É um controle de legalidade, sendo, em regra, vedado ao Judiciário imiscuir-se em questões


afetas ao mérito das decisões administrativas. Isso não obsta, todavia, que o Judiciário deva exami-
nar se a atuação administrativa deu-se dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico,
inclusive por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo que mesmo
os atos discricionários, quando praticados com finalidade desviada do interesse público ou de mo-
do arbitrário, são passíveis de controle jurisdicional. Destarte, caberá ao Poder Judiciário controlar
a legitimidade dos atos concretos da Administração Pública, decretando, se for o caso, a nulidade
dos mesmos quando eivados de vícios de juridicidade (legalidade em sentido amplo), bem como
condenando o Poder Público a indenizar eventuais prejudicados em decorrência de tais desvios.

675
STF, RTJ 152:73-4 e 152:398.

377
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

São diversos os mecanismos de provocação do Poder Judiciário para fins de controle da Ad-
ministração Pública.

“Dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da conduta administrativa,


afora as comuns ao Direito Privado, como, exempli gratia, as de defesa ou reinte-
gração de posse ou as ações ordinárias de indenização e as cautelares em geral,
existem algumas específicas para enfrentar atos ou omissões de ‘autoridade pú-
blica’. São elas o habeas corpus, o mandado de segurança, individual ou coletivo,
o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e a
676
ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão.”

Tais mecanismos de controle jurisdicionais da Administração Pública foram reforçados com o


advento da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), que estabeleceu como atos de
improbidade administrativa os que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao
erário e os que atentam contra os princípios da administração. Também encontraram reforço na Lei
Complementar 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que dispõe especificamente sobre normas
de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão financeira e patrimonial da admi-
nistração direta e indireta, como previsto no arts. 165, §9º, II, e 169, CF. Tais legislações obrigam
tanto a União quanto os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas entidades
administrativas, bem como todas as pessoas privadas que exerçam funções públicas ou lidem com
recursos públicos, em todas as esferas da federação. Portanto, são, ambas, leis de caráter nacional.

Vejamos, então, alguns mecanismos específicos que viabilizam o controle jurisdicional da


administração pública:
a) Mandado de Segurança: Previsto na Constituição para proteger direito líquido e certo,
não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegali-
dade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício
de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX, CF). É o mais tradicional dos remédios cons-
titucionais contra o exercício arbitrário de poder pela Administração Pública, sendo tam-
bém denominado de writ ou remédio heróico. O impetrante pode ser qualquer pessoa fí-
sica ou jurídica que sofra violação (MS repressivo) ou tenha justo receio de vir a sofrê-la
(MS preventivo) por parte de autoridade. O mandado de segurança pode ser individual
ou coletivo, estando o procedimento atualmente normatizado nos termos da Lei n.
12.016/09. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político
com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defe-
sa dos interesses de seus membros ou associados (art. 5º, LXX, CF). A lei prevê o prazo de
impetração de 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Em se
tratando de MS preventivo, naturalmente esse prazo não terá início enquanto não prati-
cado o ato pela autoridade coatora, ou seja, o prazo só se aplica ao MS repressivo.677 Para
impetrar mandado de segurança é necessário invocar-se direito líquido e certo, o que,
segundo a doutrina,
“nada tem a ver com a complexidade das teses jurídicas ou dos documentos apresenta-
dos. Trata-se de questão meramente instrutória: de que as alegações do impetrante se-
jam suscetíveis de serem provadas por elementos já existentes, ou seja, de que não de-
mande a produção de prova pelo juízo. Se precisar, por exemplo, de perícia ou da oitiva

676
Bandeira de Mello, cit.
677
V.g. STJ, AgRg no REsp 1115711/RJ, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28/05/2012.

378
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

de testemunhas, deverá propor outra modalidade de ação, mas não mandado de segu-
rança. No mandamus admite-se apenas a prova documental pré-constituída, ainda que
não anexa à inicial, mas acessível mediante requisição judicial. Isso é o direito líquido e
certo. Se todas as alegações do impetrante puderem ser comprovadas dessa forma, por
mais complexos e complicados que sejam os respectivos documentos, será cabível o
678
mandado de segurança”.

Daí que, consoante já se posicionou o STF, a existência de controvérsia sobre matéria de


direito por si só não impede a concessão de MS (Súmula 625). Destaque-se ainda outros
posicionamentos consolidados pelo STF acerca do MS, sendo vasta a edição de súmulas
sobre o tema:
Súmula 101. O MS não substitui a ação popular.

Súmula 269. O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

679
Súmula 266. Não cabe MS contra lei em tese .

Súmula 267. Não cabe MS contra ato judicial passível de recurso ou correição.

Súmula 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em
julgado.

Súmula 271. A concessão de MS não produz efeitos patrimoniais em relação a período


pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial pró-
pria.

Súmula 304. Decisão denegatória de MS, não fazendo coisa julgada contra o impetrante,
não impede o uso da ação própria.

Súmula 330. O STF não é competente para conhecer de MS contra atos dos tribunais de
justiça dos estados.
Súmula 392. O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da pu-
blicação oficial de suas conclusões, e não da anterior ciência à autoridade para cumpri-
mento da decisão.

Súmula 405. Denegado o MS pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interpos-


to, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.

Súmula 429. A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o
uso do MS contra omissão da autoridade.

Súmula 430. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo pa-
ra o MS.

Súmula 433. É competente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar MS contra ato de
seu presidente em execução de sentença trabalhista.

678
ARAGÃO, Curso..., cit.
679
Aí compreendidos os atos administrativos normativos (regulamentos) sem operatividade imediata (V.g. STF, RMS 24266 / DF. rel. Min.
Carlos Velloso, julg. 07/10/2003).

379
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Súmula 510. Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada,


contra ele cabe o MS ou a medida judicial.

Súmula 512. Não cabe condenação de honorários advocatícios na ação de MS.

Súmula 597. Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em MS decidiu, por
maioria de votos, a apelação.

Súmula 622. Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou in-
defere liminar em MS.

Súmula 623. Não gera por si só a competência originária do STF para conhecer do MS
com base no art.102, I, n, da CF/88, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa
do tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus mem-
bros.

Súmula 624. Não compete ao STF conhecer originariamente de MS contra atos de ou-
tros tribunais.

Súmula 626. A suspensão de liminar em MS, salvo determinação em contrário da deci-


são que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão
de segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo STF, desde que o objeto
da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.

Súmula 627. No MS contra a nomeação de magistrado da competência do Presidente da


República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetra-
ção seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.

Súmula 629. A impetração de MS coletivo por entidade de classe em favor dos associa-
dos independe de autorização destes.

Súmula 630. A entidade de classe tem legitimação para o MS ainda quando a pretensão
veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Súmula 631. Extingue-se o processo de MS se o impetrante não promove, no prazo assi-


nalado, a citação do litisconsorte passivo necessário.

Súmula 632. É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de
MS.

Convém, ainda, mencionar as súmula editadas pelo STJ sobre a matéria:


Súmula 105. Na ação de MS não se admite condenação em honorários advocatícios.

Súmula 213. O MS constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação


tributária.

Súmula 376. Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança con-
tra ato de juizado especial.

380
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

b) Ação Popular: É uma ação de natureza cível prevista no art. 5º, LXXIII, CF, com a finali-
dade específica de proteção do patrimônio público, entendido este num sentido amplo a
abarcar não apenas o patrimônio financeiro dos entes estatais, mas também o patrimônio
da coletividade. O primeiro aspecto já havia sido contemplado pela Lei 4.717/65, cujo art.
1º estabelece que:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de
nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos
Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição,
art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segura-
dos ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou
fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incor-
poradas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de
quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

Mas a Constituição ampliou ainda mais o objeto da ação popular, cabível não apenas con-
tra atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade da qual o Estado participe, mas
também contra atos atentatórios à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao pa-
trimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência. A ação popular pode ser proposta por qualquer cida-
dão, ou seja, as pessoas naturais, brasileiros natos ou naturalizados, no gozo dos seus di-
reitos políticos. Excluem-se aí, portanto, as pessoas jurídicas (Súmula 365, STF), os estran-
geiros e os nacionais que não estejam em gozo dos seus direitos políticos. A legitimidade
ativa deve ser comprovada na petição inicial, mediante a juntada do título de eleitor, de-
monstrando o status de cidadão do autor da ação.

c) Ação Civil Pública: É uma ação prevista no art. 129, III, CF, como um dos instrumentos
eficazes ao exercício das funções atribuídas ao Ministério Público, visando a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A Carta Magna expressamente admitiu também a legitimidade concorrente de terceiros
interessados (art. 129, §1º), conforme previsto em lei. Sendo assim, há de ser observado o
rol taxativo de legitimados previsto na lei, a começar pelo art. 5º, Lei 7.347/85, de modo
que podem ajuizar a ação civil pública:
Art. 5º. (...)
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social,
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos
de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, tu-
rístico e paisagístico.

Além desses, a legislação também atribui legitimidade ativa ao Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil (art. 54, XIV, Lei 8.906/94), bem como a entidades e órgãos
da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especi-

381
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

ficamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa
do Consumidor (art. 82, III, Lei 8.078/90, c/c art. 21, Lei 7.347/85). Ainda segundo dispõe a
Lei 7.347/85, o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obri-
gatoriamente como fiscal da lei, sendo facultado ao Poder Público e às associações legiti-
madas habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Em caso de desistência in-
fundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro
legitimado assumirá a titularidade ativa. O requisito da pré-constituição poderá ser dis-
pensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Admitir-se-á o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos
Estados na defesa dos interesses e direitos protegidos pela ACP. Os órgãos públicos legi-
timados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério
Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e
indicando-lhe os elementos de convicção. E se, no exercício de suas funções, os juízes e
tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil,
remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. Conforme a Súmula
329, STJ, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa
do patrimônio público. O STF já firmou a orientação de que “o Ministério Público de-
tém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte
do Poder Executivo, de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à
saúde”, de modo que, “o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar
que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmen-
te reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separa-
ção de poderes”. 680 Reconheceu-se, outrossim, a legitimidade do MP para propor ação ci-
vil pública quando a controvérsia envolver a defesa de direitos individuais homogêneos de
consumidores681. Por outro lado, tem-se afastado tal legitimidade para a propositura
de ação civil publica contra a Fazenda Pública em defesa de interesses individuais homo-
gêneos de contribuintes.682

d) Ação de Improbidade Administrativa: É uma modalidade específica de ação civil públi-


ca, que encontra fundamento constitucional no art. 37, §4º, CF, e é regulada pela Lei
8.429/92, visando combater atos de que resultem: a) enriquecimento ilícito no desempe-
nho de função pública ou atividade com ela relacionada; b) danos ao erário; c) violação
dos princípios da administração pública. Todavia, a legitimidade ativa para a AIP é mais
restrita do que a prevista na regra geral da ACP, pois o art. 17, Lei 8.429/92, restringe a
sua propositura ao Ministério Público e à pessoa jurídica interessada, entendida esta ape-
nas como a entidade administrativa diretamente afetada pelo ato de improbidade. Desse
modo, os demais legitimados para a ACP, ainda que possam ajuizar ação coletiva buscan-
do desconstituir o ato de improbidade, não podem pleitear a aplicação das sanções espe-
cíficas na Lei 8.429/92.

680
STF, AI 809018 AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, julg. 25/09/2012.
681
V.g. STF, AI 606235 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 05/06/2012.
682
V.g. STF, RE 604481 AgR / DF, rel. Min. Rosa Weber, julg. 16/10/2012.

382
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Registre-se, contudo, haver entendimento minoritário no sentido de que se aplicariam à


AIP as mesmas regras de legitimidade ativa da ACP, por interpretação sistemática das Leis
7.347/85 e 8.429/85. Segundo a Lei 8.429/92, a AIP pode ser proposta contra qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Terri-
tório, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patri-
mônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Estão também sujeitos os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entida-


de que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público
bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nes-
tes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres
públicos. Reputa-se agente público, para fins de improbidade administrativa, todo aquele
que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, de-
signação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,
emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Envolve, no que cou-
ber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do
ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

O STF tem precedentes no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para o
ajuizamento da AIP com o fito de obter condenação de agente público ao ressarcimento
de alegados prejuízos que sua atuação teria causado ao erário, ainda que a pessoa jurídica
diretamente interessada não tenha proposto, em seu nome próprio, a competente ação
de ressarcimento. 683

Ainda segundo o STF, o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsa-


bilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos, não admitindo a concorrência
entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o
previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei 8.429/92) e o regime fixado no art. 102, I, “c”,
(disciplinado pela Lei 1.079/50). Assim, os Ministros de Estado, por estarem regidos por
normas especiais de responsabilidade (art. 102, I, “c”, CF; Lei 1.079/50), não se submetem
ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administra-
tiva (Lei 8.429/92), competindo exclusivamente ao STF processar e julgar os delitos políti-
co-administrativos a eles imputados.684 Por outro lado, este entendimento foi afastado
em relação a agentes políticos sem prerrogativa de foro prevista diretamente na Constitu-
ição Federal, como é o caso dos Prefeitos e Secretários Municipais, que continuam, por-
tanto, respondendo normalmente na via da ação de improbidade administrativa, tendo o
STF declarado a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º, do art. 84, CPP, atribuindo foro es-
pecial na ação de improbidade (ADIN 2.797/DF). 685 Assim vem se posicionando também o
STJ686. Por derradeiro, saliente-se que, consoante entendimento jurisprudencial pacífico,
para a configuração da conduta de improbidade administrativa, faz-se necessário exami-
nar o elemento volitivo do agente público e de terceiros (dolo ou culpa), não sendo sufici-
ente a irregularidade ou a ilegalidade do ato. Isso porque
683
STF, RE 225777 / MG, rel. Min. Eros Grau, rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, julg. 24/02/2011.
684
STF, Rcl 2138 / DF, rel. Min. Nelson Jobim, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julg. 13/06/2007.
685
V.g. STF, Rcl 6034 MC-AgR / SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. 25/06/2008.
686
V.g. STJ, REsp 1282046/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 27/02/2012.

383
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipifi-


cada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente”. 687

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

 CONCEITO E FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL


Em sentido genérico, o termo improbidade
“revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que
age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amo-
ral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o
688
incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral”.

No campo de atividade da Administração Pública ou dos


recursos a ela relacionados, surge o conceito específico de
improbidade administrativa, sobre cuja definição não há um
consenso doutrinário.

O fundamento constitucional do combate à improbida-


de administrativa pode ser extraído do próprio princípio da
moralidade (art. 37, caput, CF). Não obstante, o legislador
constitucional foi ainda mais criterioso ao estipular que “os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da fun-
ção pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarci- mento ao erário, na forma e gradação previs-
tas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37, §4º, CF).

Como explica José dos Santos Carvalho Filho,


“a doutrina, em geral, procura distinções quanto ao sentido de probidade e mora-
lidade, já que ambas as expressões são mencionadas na Constituição. Alguns con-
sideram distintos os sentidos, entendendo que a probidade é um subprincípio da
moralidade. Para outros, a probidade é conceito mais amplo do que o de morali-
dade, porque aquela não abarcaria apenas elementos morais. Outros ainda sus-
tentam que, em última instância, as expressões se equivalem, tendo a Constitui-
ção, em seu texto, mencionado a moralidade como princípio (art. 37, caput) e a
improbidade como lesão ao mesmo princípio (art. 37, §4º). Em nosso entender,
689
melhor é esta última posição”.

Pode-se afirmar, em síntese, que enquanto princípio jurídico, moralidade é sinônimo de pro-
bidade, ao passo que, tomada como infração jurídica, a improbidade tem sentido mais amplo do
que imoralidade.

687
STJ, REsp 827.445-SP, rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 08/03/2010.
688
DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico.
689
CARVALHO FILHO, op. cit., p. 1088-1089.

384
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Sob aspecto normativo, portanto, encaixa-se a probidade e a moralidade no ideal de respeito


à juridicidade, considerada esta uma legalidade em sentido amplo. Segundo Maria Sylvia Zanella Di
Pietro, “a legalidade em sentido amplo (o Direito) abrange a moralidade, a probidade e todos os
demais princípios e valores consagrados pelo ordenamento jurídico; como princípios, os da morali-
dade e probidade se confundem”. Já sob aspecto fático, o ato de improbidade, consubstanciando
uma infração jurídica, “é mais ampla do que a imoralidade, porque a lesão ao princípio da morali-
dade constitui uma das hipóteses de atos de improbidade definidos em lei”. 690

 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Buscando dar efetividade ao disposto no art. 37, §4º, CF, foi editada pela União a Lei
8.429/92, que passou a ser conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que “dispõe
sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá
outras providências”.

Tal legislação previu os seguintes tipos de atos de improbidade:


1. que importam enriqueci- mento ilícito (art. 9º);
2. que causam prejuízo ao erário (art. 10);
3. que atentam contra princípios da Administração Pública (art. 11)

Sujeitos passivos dos atos de improbidades são as entidades por eles prejudicadas. Sobre o
tema Lei 8.429/92 assim dispôs:
Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não,
contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da Uni-
ão, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorpo-
rada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incenti-
vo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio
o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio
ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do i-
lícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Sujeitos ativos dos atos de improbidade são aqueles passíveis de ser enquadrados pela sua
prática, o que alcança todos os agentes públicos (sentido amplo), bem como aqueles que, não atu-
ando como agente público, tenha participado do ato ou dele se beneficiado.

Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ain-
da que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, con-
tratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego
ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

690
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

385
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele
se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Examinemos agora os tipos de atos de improbidade administrativa tratados pela Lei


8.429/92, conforme já mencionados.

O art. 9º descreve os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilí-


cito:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de car-
go, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta
lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra
vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação
ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou am-
parado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta
ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades refe-
ridas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta
ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço infe-
rior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou materi-
al de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empre-
gados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a
exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando,
de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer
declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro servi-
ço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou
bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou fun-
ção pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do
patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento
para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado
por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba
pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para
omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo pa-
trimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei.

386
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

O art. 10 descreve os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário:


Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer
ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º
desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particu-
lar, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo
patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas,
verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.
1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à
espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de
fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qual-
quer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades
legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimô-
nio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de ser-
viço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço su-
perior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou
aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades le-
gais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de
parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamen-
to;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz res-
peito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de
qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipa-
mentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer
das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor públi-
co, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV - celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de servi-
ços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;
XV - celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação or-
çamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.
XVI - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio par-
ticular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferi-
dos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias,
sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XVII - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, ren-
das, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade pri-
vada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;

387
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a obser-
vância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular.

O art. 10-A descreve os atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou


aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário:
Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para
conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem
o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

O art. 11 descreve os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios


da administração pública:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto,
na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mer-
cadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de
parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.
X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de
saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos
termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que “para que seja configurado o ato de im-
probidade de que trata a Lei 8.429/99, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, con-
substanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipó-
teses do art. 10”691. Isto porque, “em sede de ação de improbidade administrativa da qual exsur-
gem severas sanções o dolo não se presume”692. Vejamos outros posicionamentos jurisprudenciais
esclarecedores:

691
STJ REsp. 1.261.994, DJ de 13/4/12.
692
STJ, REsp 939.118, DJ de 1º/3/11.

388
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

“A caracterização do ato de improbidade por ofensa a princípios da administração públi-


693
ca exige a demonstração do dolo lato sensu ou genérico”.

“A jurisprudência atual desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que não se pode
confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é a ilegalidade tipificada
e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a tipificação
das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92 é indispensável, para a carac-
terização de improbidade, que o agente tenha agido dolosamente e, ao menos, culpo-
samente, nas hipóteses do artigo 10. Os atos de improbidade administrativa descritos no
artigo 11 da Lei nº 8429/92, como visto, dependem da presença do dolo genérico, mas
dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enri-
694
quecimento ilícito do agente”.

“A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das
sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum granu salis, má-
xime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas me-
ramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do
administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do
que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ím-
probo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade, quando a conduta antijurídica
fere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má-
intenção do administrador. 4. Destarte, o elemento subjetivo é essencial à caracterização
da improbidade administrativa, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade
Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade
695
objetiva”.

Visando garantir a probidade administrativa e facilitar a apuração de desvios por parte de


agentes públicos, o art. 13, Lei 8.429/92 impõe a declaração de bens para todos os ocupantes de
mandatos, cargos, empregos ou funções:
Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de
declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser ar-
quivada no serviço de pessoal competente.
§ 1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e
qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior,
e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou compa-
nheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do de-
clarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
§ 2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente públi-
co deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ 3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de ou-
tras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens,
dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ 4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens a-
presentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto
sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para
suprir a exigência contida no caput e no § 2º deste artigo .

693
STJ, EREsp 772.241/MG, DJ de 6/9/2011.
694
STJ, AgRg no REsp 1352541, DJ de 14/02/2013.
695
STJ, REsp 1026516 , DJ de 07/04/2011.

389
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

A apuração interna de ato de improbidade pode ser feita na via administrativa. Havendo e-
lementos que indiquem ter o agente incorrido na prática de ato de improbidade, será aberto Pro-
cesso Administrativo Disciplinar (PAD), para fins de aplicação da respectiva penalidade administra-
tiva prevista em lei, o que pode levar, inclusive, à demissão do servidor.
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente
para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbida-
de.
§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualifi-
cação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das pro-
vas de que tenha conhecimento.
§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado,
se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não
impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata a-
puração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma
prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratan-
do de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.

Ao lado disso, a lei prevê ainda a ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público:
Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal
ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prá-
tica de ato de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a re-
querimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

A abertura do processo pode ser dar por requisição pelo Ministério Público:
Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a
requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de
acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial
ou procedimento administrativo.

Não obstante, por serem controles independentes, a aplicação das sanções previstas nesta
Lei 8.429/92 independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou
pelo Tribunal ou Conselho de Contas (art. 21, II).

No mais, a aplicação das sanções por improbidade administrativa previstas no art. 12, Lei
8.429/92696, dependem de processo judicial, cuja ação principal segue o rito ordinário e pode ser
696
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato
de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do
fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando
houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor
do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta
ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer
esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas
vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a
cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o

390
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efeti-
vação da medida cautelar (art. 17). Admite-se a celebração de acordo de não persecução cível (art.
17, §1º, com redação dada pela Lei 13.964/19). A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá
as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público. (art. 17, §2º).
Ainda, havendo a possibilidade de solução consensual, as partes poderão requerer a interrupção
do prazo para contestação, por prazo não superior a 90 dias (art. 17, § 10-A, com redação dada
pela Lei 13.964/19).

Saliente-se que a aplicação das sanções previstas na LIA independe da efetiva ocorrência de
dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento (art. 21, I). Na fixação das pe-
nas (dosimetria), o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito pa-
trimonial obtido pelo agente (art. 12, parágrafo único).

A lei trata também da representação para adoção de medidas cautelares:


Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao
Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a
decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicita-
mente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts.
822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2º Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens,
contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos ter-
mos da lei e dos tratados internacionais.

Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar en-
riquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito re-
presentar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito

Ressalte-se que a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, como a medida cau-
telar de indisponibilidade de bens trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da veros-
similhança das alegações, pois, dada a natureza do bem protegido pela LIA, o legislador dispensou
o requisito do perigo da demora697. Uma vez detectados fortes indícios de responsabilidade do
agente na consecução do ato ímprobo, o periculum in mora está implícito no próprio comando le-
gal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a assegurar o integral ressarcimento
do dano698. Outrossim, a decretação de indisponibilidade não depende da individualização dos bens
pelo Parquet699.

Há a possibilidade legal de afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, a ser decre-

Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de
até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito
patrimonial obtido pelo agente.
697
STJ, REsp 1.319.515, DJ de 21/9/12.
698
STJ, REsp 1314092, DJ de 14/03/2013.
699
STJ, REsp 1343293, DJ de 13/03/2013.

391
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

tada pela autoridade judicial ou administrativa competente, sem prejuízo da remuneração, quando
a medida se fizer necessária à instrução processual (art. 20, parágrafo único).

A Lei 8.429/92 cuida de especificar as sanções aplicadas pela prática de atos de improbidade
administrativa.

O inciso I do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 9º (enriquecimento ilíci-
to):
▶ perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio
▶ ressarcimento integral do dano, quando houver
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos
▶ pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial
▶ proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

O inciso II do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 10 (prejuízo ao erário):
▶ ressarcimento integral do dano
▶ perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta cir-
cunstância
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos
▶ pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano
▶ proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

Nestes dois primeiros tipos de atos de improbidade, o art. 8º da LIA dispõe ainda sobre a
responsabilidade do sucessor:
Art. 8º O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilici-
tamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

Por fim, o inciso III do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 11 (atentar
contra princípios):
▶ ressarcimento integral do dano, se houver
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos
▶ pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo a-
gente

392
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL

▶ proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais


ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Regra geral, o juízo competente para processar e julgar a ação de improbidade administrati-
va é o de primeiro grau, a exemplo do que ocorre com as ações coletivas em geral. Todavia, a juris-
prudência do STF excepcionou essa regra no tocante aos agentes políticos, considerando o foro
privilegiado destes para o julgamento por crime de responsabilidade e a impossibilidade de haver
dois regimes paralelos de responsabilidade político-administrativa401. O STF também declarou in-
constitucionais dispositivos do CPP que estendia o foro privilegiado dos crimes comuns às ações de
improbidade402. Não obstante, diversos julgados já afastaram a aplicação da RCL 2138 a prefeitos e
secretários municipais, que continuam sujeitos ao 1º grau de jurisdição403. O STJ, por sua vez, alte-
rou entendimento anterior, passando-se a acolher o foro privilegiado quando houver a possibilida-
de de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato404.

A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos
bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em
favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18). A perda da função pública e a suspensão
dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20).
Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro benefi-
ciário, quando o autor da denúncia o sabe inocente (art. 19). Além da sanção penal, o denunciante
está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver pro-
vocado (art. 19).

No tocante à prescrição, as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na LIA po-
dem ser propostas:
Art. 23. (...)
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de
função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puní-
veis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou
emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de
contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei.

Tais prazos prescricionais, contudo, não se aplicam no tocante à sanção de ressarcimento do


dano causado ao erário, havendo, nesse particular, uma regra constitucional de imprescritibilidade,
tal como prevista no art. 37, §5º, CF, e conforme já se posicionou o STF.

393
MINISTÉRIO PÚBLICO
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

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