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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
SUMÁRIO
1. CONSTITUIÇÃO .......................................................................................................................... 04
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
CONSTITUIÇÃO
CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO
Tradicionalmente os manuais de Direito Constitucional
apontam três concepções acerca do que se deve ser entendido
como Constituição: a sociológica, a política e a jurídica.
A concepção política é defendida por Carl Schmitt. Para ele a Constituição, como norma fun-
damental de um Estado, somente poderia dispor a respeito de normas fundamentais, como a es-
trutura do próprio Estado e o reconhecimento de direitos fundamentais. Assim, todas as demais
normas que fugissem a esse estrito rol não seriam normas constitucionais, mas simples leis consti-
tucionais.2
1
Lassalle, Ferdinand. ¿Qué es una Constitución? 11. ed. Trad. W. Roces. México, Ediciones Coyoacán, 2004.
2
Veja-se, adiante, a distinção entre regras materialmente constitucionais e normas formalmente constitucionais.
3
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6 ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
QUANTO À FORMA
Quanto à forma as Constituições podem ser escritas ou não escritas. No tocante às não escri-
tas, não há um texto unificado: as regras resultam tanto de produção normativa esparsa quanto de
entendimentos jurisprudenciais solidificados.
QUANTO À ORIGEM
As Constituições promulgadas, também chamadas de populares, democráticas e votadas,
são as Constituições elaboradas de forma legítima por representantes do povo eleitos com a possi-
bilidade de exercer o Poder Constituinte Originário. No Brasil tivemos as seguintes: 1891, 1934,
1946 e 1988.
As Constituições outorgadas são as impostas ao povo pelos detentores das reais fontes de
poder na época (lembrar da concepção de Ferdinand Lassale), independentemente e até mesmo de
forma contrária à vontade popular. Tivemos as seguintes: 1824, 1937, 1967 e 1969.
Alexandre de Moraes cita, ainda, as Constituições cesaristas, que seriam aquelas que, a des-
peito de outorgadas, dependeriam da ratificação popular mediante referendo.5
QUANTO À EXTENSÃO
Há Constituições sintéticas, cujo clássico exemplo é a Constituição norte-americana pelo fato
de dispor basicamente a respeito de normas fundamentais à organização do Estado e aos direitos e
garantias individuais.
Por outro lado, existem Constituições analíticas. É o caso da Constituição de 1988 que, ao
“constitucionalizar” regras que poderiam ter sido objeto de simples leis ordinárias (normas for-
malmente constitucionais), acabou por se tornar uma carta política prolixa e sujeita a fortes ten-
4
BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao Direito Penal. Fundamentos para um Sistema Penal Democrático. 1
ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 06.
5
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 37.
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dências reformadoras. Importante ressaltar que não há hierarquia entre normas materialmente e
norma formalmente constitucionais.
QUANTO À DOGMÁTICA
As Constituições influenciadas somente pela maior fonte de poder à época de sua elaboração
são chamadas de ortodoxas. A antiga Constituição Soviética é um bom exemplo. Desaconselhável
por não respeitar outras fontes ideológicas e, em razão disso, fadada a perder toda a força norma-
tiva6 em caso de ruptura do poder anterior.
QUANTO À ESTABILIDADE
CONSTITUIÇÕES FLEXÍVEIS
Nelas não há previsão alguma a respeito de eventual procedimento diferenciado para fins de
alteração do texto constitucional. Para alterar o texto de tais Constituições bastaria um simples
procedimento relativo às leis ordinárias, por exemplo.
CONSTITUIÇÕES RÍGIDAS
Aqui o procedimento a ser observado em qualquer proposta de alteração ao texto constitu-
cional é mais dificultoso ainda, pois, como no caso da CF/88, o art. 60 dispõe acerca do intrincado
processo legislativo relativo às emendas à Constituição: votação em dois turnos em cada casa legis-
lativa, aprovação por dois terços do total dos membros de cada casa. Ademais, não se pode olvidar
que são poucos aqueles que detêm o poder de apresentar proposta de emenda à Constituição,
como se pode ver no artigo 60 da Constituição Federal.7
CONSTITUIÇÕES SUPER-RÍGIDAS
6
Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
7
Mais informações a respeito do procedimento na elaboração de Emendas à Constituição encontram-se no capítulo destinado à análise
do Processo Legislativo.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Entretanto, sem deixar de concordar com esta subespécie, devemos lembrar que as “cláusu-
las pétreas” do art. 60, § 4º, não são imutáveis. O que essas normas, pertencentes ao que os ale-
mães chamam de “núcleo duro” da Constituição, não podem é ser abolidas. Por isso, parte da dou-
trina, ao se referir ao art. 60, § 4º, prefere a expressão “cláusulas de barreira”.
CONSTITUIÇÕES IMUTÁVEIS
Não podem ser reformadas sob qualquer pretexto. Diante de tal peculiaridade logo perdem
sua imprescindível força normativa, pois, segundo Konrad Hesse,
“as constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam re-
bentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se
se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de
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chamuscá-las”.
Fácil perceber que a ruptura, em tais casos, mostra-se inevitável, pois uma Constituição deve
retratar o presente com vistas a regular o futuro.
Segundo Paulo Bonavides, “o princípio imprime força, respeito e consistência ética e jurídica
às regras da Lei Maior, por ser, em sede de legitimidade, a norma das normas, a proposição das
proposições, alicerçando o sistema, cimentando o regime e compondo o laço de unidade na herme-
nêutica das Constituições”.10 Por isso que “a lesão a um princípio é, juridicamente, no constituciona-
lismo contemporâneo, a ofensa das ofensas”.11
PRINCÍPIO REPUBLICANO
A República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito (CF, artigo 1º, caput). Dentre
os fundamentos da República brasileira encontra-se a soberania (CF, artigo 1º, inciso I).
8
Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
9
ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 17.
10
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92.
11
BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 130.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Nossa forma de governo é a republicana. A República é a forma de governo que tem como
principal característica eleição periódica do Chefe de Estado. A forma republicana de governo é um
dos princípios constitucionais sensíveis (CF, artigo 34, inciso VII, “a”).
PRINCÍPIO FEDERATIVO
O Estado Brasileiro é organizado mediante uma aliança de estados chamada Federação.
Numa federação os estados ditos federados compõem um todo soberano. Entretanto, os mesmos
estados federados não detêm soberania: a eles resta atribuída tão somente parte da autonomia
política, como capacidade de auto-organização. Soberano é somente o todo resultante da junção
de todos os estados federados: a República Federativa do Brasil.
No Estado Unitário o Poder Legislativo é desempenhado por apenas um órgão. As leis são
nacionais e destinam-se, em regra, a todo o território ocupado pelo Estado. Admite-se
descentralização administrativa, mas sempre com subordinação hierárquica a uma autoridade
central. Costuma-se dizer que o Estado Unitário é a forma mais comum de Estado.12
O Estado Federal é composto por Estados-membros que integram a federação desde que
despidos do atributo da soberania. Difere do Estado Unitário essencialmente porque os Estados-
membros, na federação, exercem o poder de editar leis e detêm autonomia para se auto
organizar.13
Há, contudo, a chamada regra da participação, que permite aos Estados-membros que
tomem parte no processo de elaboração da vontade política da federação, intervindo com voz ativa
nas deliberações de conjunto. Este é um marcante traço distintivo entre Estado-membro federado
e um simples órgão administrativo descentralizado no Estado Unitário.
Por intermédio da regra da autonomia manifesta-se com toda a clareza o caráter estatal das
unidades federadas. Podem elas estatuir uma ordem constitucional própria, estabelecer a
competência dos três poderes que habitualmente integram o Estado e desempenhar uma imensa
gama de poderes, prerrogativas e atribuições que estejam de acordo com a Constituição Federal.
12
“Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, até final do século XVIII, não se conheceu senão o Estado Unitário. É dizer,
aquele em que há um único centro irradiador de decisões políticas expressas em lei” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e
Ciência Política. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 96).
13
“Exsurge a Federação como a associação de Estados (Foedus, foederis) para formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida
de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela ‘autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da
Constituição Federal’ (Sampaio Dória), caracterizadora dessa igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambas extraem suas competên-
cias da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal como disposto no pacto federal (Victor Nunes)” (ATALIBA,
Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 10).
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Paulo Bonavides leciona que “A posição dos Estados-membros no sistema federativo não se
cifra apenas no desempenho de sua autonomia constitucional em matéria legislativa, executiva ou
judiciária, senão que cumpre ver ao lado dessa autonomia aqueles pontos da organização federal
em que os Estados federados aparecem por sua vez tomando parte ativa e indispensável na
elaboração e no mecanismo da Constituição Federal”.14
Vários Estados federados (Brasil, Estados Unidos e Argentina, por exemplos) adotam o
bicameralismo, também chamado de legislativo dual: uma câmara composta por representantes do
povo, normalmente eleitos pelo sistema proporcional, e uma câmara composta por representantes
dos Estados, normalmente eleitos pelo princípio majoritário.
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
A concepção teórica de Estado de direito cumpre a missão de limitar o poder político para es-
tabelecer o império do direito, o “governo das leis e não dos homens”, o que pode aparentar mero
atrelar-se à “liberdade dos modernos” assente no distanciamento e na restrição do poder, na defe-
sa contra o mesmo.
Por sua vez, a concepção teórica de Estado democrático busca um poder, uma ordem de do-
mínio legitimada pelo povo na sua titularidade e no seu exercício, organizada e exercida em uma
dinâmica que não se desvincula do povo (na formulação de Lincoln: governo do povo, pelo povo,
para o povo), o que pode aparentar mero atrelar-se à “liberdade dos antigos”, amiga da convivên-
cia com o poder.
A dimensão positivada pela Constituição da legitimidade demonstra que o atual Estado de di-
reito limita o exercício não democrático do poder, assim como a democracia, em sua dimensão
substancial, deslegitima o poder exercido contra os valores positivados pelo direito, contra o direi-
to.
Estas facetas da democracia demonstram que esta constitui princípio jurídico informador,
“impulso dirigente” do Estado e da sociedade, fundamento radical e funcional de qualquer organi-
zação do poder. Desdobra-se em diversas normas principiológicas: soberania popular, renovação
dos titulares de cargos públicos, sufrágio universal, liberdade de propaganda, igualdade de oportu-
14
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 185.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
nidades nas campanhas eleitorais, separação e interdependências dos órgãos de soberania, entre
outros.
Todavia, segundo Paulo Bonavides, nem Aristóteles e nem Locke sugeriram independência
ou separação dos poderes, o que somente ocorreu com Montesquieu, em O Espírito das Leis, “a
quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização
política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789”.16
O princípio da separação dos poderes foi esquematizado, tal qual conhecemos, na Europa
Continental do Século XVIII como técnica refratária ao poder absoluto. Com a separação dos
poderes retirava-se a possibilidade de os monarcas editarem leis e constituía-se um ramo
autônomo de poder, dotado de parcela de soberania porque fundamentado no discurso da
participação popular, com a específica prerrogativa de elaborar leis. Esse ramo de poder era o
Parlamento, órgão representativo pelo qual governados poderiam exercer alguma colaboração nos
atos de governo.17
José Afonso da Silva afirma que, atualmente, o princípio da separação dos poderes não se
configura mais com a rigidez que norteou a sua elaboração. Para ele, a ampliação das atividades do
Estado contemporâneo impõe nova visão, admitindo-se outras formas de relacionamento entre o
Legislativo e o Executivo e destes com o Judiciário; fala-se agora não mais em “separação de
poderes”, mas em “colaboração de poderes” no parlamentarismo e em “técnicas de
interdependência orgânica” e “harmonia de poderes” no sistema presidencialista.19
O emprego dessas técnicas resulta presença do Executivo no Legislativo por meio do veto e
da mensagem e, segundo alguns, da delegação.
15
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
16
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
17
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 265-266.
18
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 266.
19
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113-114.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Presidente do Supremo Tribunal Federal, por sua vez e assim como todos os demais
Ministros daquela corte é julgado, nos crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal (art. 52, II,
CF).
O controle externo das finanças do Poder Executivo e do Poder Judiciário é realizado pelo
Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (arts. 70 e 71, CF).
Medidas provisórias são passíveis de edição pelo Presidente da República, que deverá
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (art. 62, caput, CF).
Como se percebe, existe importante conexão entre os tradicionais critérios de justiça entre
os povos e os princípios que regem o Brasil nas relações internacionais. Essa mesma conexão pode
ser verificada na comparação do texto constitucional com o preâmbulo da Carta das Nações Unidas
(ONU):
“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do fla-
gelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos
indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mu-
lheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessá-
rias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A partir da clara opção pela prevalência dos direitos humanos no cenário internacional (arti-
go 4º, inciso II), a CF torna o sistema jurídico brasileiro permeável aos sistemas internacionais de
proteção aos direitos humanos, permitindo afirmar que
“a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações
com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhe-
cendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal.”
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O artigo 11 da Carta das Nações Unidas contém regras específicas a respeito da proibição de luta armada: “1. A Assembleia Geral
poderá considerar os princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os princípios que
disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá fazer recomendações relativas a tais princípios aos
membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este e àqueles conjuntamente. 2. A Assembleia Geral poderá discutir quaisquer questões
relativas à manutenção da paz e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer membro das Nações Unidas, ou
pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro das Nações Unidas, de acordo com o artigo 35, nº 2, e, com excep-
ção do que fica estipulado no artigo 12, poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados interes-
sados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles. Qualquer destas questões, para cuja solução seja necessária uma acção, será
submetida ao Conselho de Segurança pela Assembleia Geral, antes ou depois da discussão. 3. A Assembleia Geral poderá chamar a
atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais”.
21
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37.
22
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.
23
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Significam não lançar mão de luta armada. Este princípio está em total harmonia com o
Preâmbulo da Carta das Nações Unidas (ONU), conforme mencionado acima.
Vale ressaltar que O artigo 11 da Carta das Nações Unidas contém regras específicas a
respeito da proibição de luta armada, determinando que a Assembleia Geral possa considerar os
princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os
princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá
fazer recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança, ou a
este e àqueles conjuntamente.
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"O repúdio ao terrorismo: um compromisso ético-jurídico assumido pelo Brasil, quer em face de sua própria Constituição, quer perante
a comunidade internacional. Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente CF, não se
subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essen-
ciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para
efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico
impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão
ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). A CF, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII),
não autoriza que se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes
políticos ou de opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção
que o faça imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de
que a Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos reves-
tidos de índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade
política." (Ext 855, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-8-2004, Plenário, DJ de 1º-7-2005.)
25
“Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressu-
posto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) Adesão do Brasil a tratados e
acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens
por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superiori-
dade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, ‘negrofobia’, ‘islamafobia’ e o antissemitismo.” (HC 82.424, Rel. p/ o ac.
Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.)
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“Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros
seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os
padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o Estado
Democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza
a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e
evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o orde-
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Os ideais humanitários têm fácil trânsito na comunidade internacional, mas é cada vez mais
importante a efetiva ação por parte dos países não miseráveis, afinal:
“A maior tragédia de nosso tempo é que um sexto da humanidade nem está na
escada do desenvolvimento. Um grande número de miseráveis da Terra está pre-
so na armadilha da pobreza, incapaz de escapar por si mesmo da privação mate-
rial extrema. Estão encurralados por doença, isolamento físico, estresse climático,
degradação ambiental e pela própria miséria. Embora existam soluções para au-
mentar suas chances de sobrevivência - seja na forma de novas técnicas agrícolas,
medicamentos essenciais ou mosquiteiros que podem limitar transmissão da ma-
lária -, essas famílias e seus governos simplesmente não contam com os meios fi-
27
nanceiros para fazer esses investimentos cruciais.”
A Organização das Nações Unidas tem uma série de políticas voltadas à ajuda huma-
nitária, à busca de melhores condições de vida nas localidades menos favorecidas, à prote-
ção de minorias, ao combate à fome e à miséria.
Um dos casos de maior repercussão nos últimos anos envolveu pedido, feito pela República
Italiana, de extradição de Cesare Battisti, condenado pela prática de quatro homicídios enquanto
membro de organização revolucionária clandestina. A questão levada ao conhecimento do Plenário
de nossa Suprema Corte era saber se os atos praticados por Battisti configuravam crime político ou
de opinião. Acaso positiva a resposta, não seria possível a extradição ante a proibição do art. 5º,
inciso LII da CF, que determina que não será concedida a extradição de estrangeiro por crime
político ou de opinião.
Concluiu-se que os atos praticados por Battisti estariam configurados como crimes comuns,
pois “não configura crime político, para fim de obstar o acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade
institucional de Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou
conotação de reação legítima a regime opressivo” e, sendo assim, o caso “não caracteriza a
hipótese legal de concessão de refúgio, consistente em fundado receio de perseguição política, o
namento infraconstitucional e constitucional do País”. (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-
2003, Plenário, DJ de 19-3-2004)
27
SACHS, Jeffrey D. O fim da pobreza: como acabar com a miséria mundial nos próximos vinte anos. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005, p. 46.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
pedido de extradição para regular execução de sentenças definitivas de condenação por crimes
comuns".28
NORMAS CONSTITUCIONAIS
APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
COMPATIBILIDADE VERTICAL LEGISLAÇÃO/CONSTITUIÇÃO
Os métodos interpretativos estão em constante evolução, pois a interpretação nada mais faz
do que retratar, com base na realidade de cada época e nas crenças e valores do intérprete, o que
este é capaz de retirar de um texto com base em seu próprio alcance intelectual enquanto intérpre-
te.
28
Ext 1.085, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 16-12-2009, Plenário, DJE de 16-4-2010
29
VIEHWEG, Theodor, Topica y jurisprudencia. Avila-Espanha: Taurus, 1964.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Assim, a ordem jurídica positivada, o “dever ser”, funcionaria apenas como umas das refe-
rências, um dos argumentos a serem utilizados pelo intérprete na busca de solução adequada ao
caso concreto.
A Alemanha do pós Segunda Guerra Mundial foi o centro de maior produção filosófica volta-
da à argumentação de que se tornara imprescindível uma reconsideração dos valores pertinentes à
legitimidade de uma ordem jurídica. Nascia o pessimismo positivista. Neste sentido são as palavras
de Paulo Bonavides:
“Não sendo possível o retorno ao positivismo, a década de 50 viu abrir-se nova
crise no pensamento filosófico do Direito, de maneira que as dificuldades só foram
removidas a partir da publicação de Tópica e Jurisprudência, de Viehweg.
Representa essa monografia uma abertura de rumos e horizontes para a ciência
do direito. Com efeito, a ‘tópica’, ou ‘nova retórica’, inaugura um novo caminho
para o reconhecimento do Direito pelas vias argumentativas. A palavra de ordem
era pensar e repensar o ‘problema’, vinculando, como nunca talvez se tenha feito,
as soluções normativas à práxis e à realidade.
Com a ‘tópica’ a teoria material do Direito e da Constituição recebeu base incom-
paravelmente mais sólida para acometer as posições já enfraquecidas do forma-
30
lismo positivista.”
Tanto a Tópica, acima referida, quanto a Teoria Estruturante do Direito foram aqui mencio-
nadas unicamente com dois objetivos:
30
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma
Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 207.
31
BONAVIDES, Paulo, Teoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência por uma
Nova Hermenêutica por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 208.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Entre nós vigora a ideia de que o direito não tolera antinomias. Esta é a premissa básica da
qual parte todo o nosso processo de interpretação.
Como dito, a interpretação das normas constitucionais detém procedimentos específicos que
vão além do processo clássico. Entretanto, é bom salientar que a interpretação clássica não é aban-
donada na seara constitucional. Para a solução de antinomias são utilizados critérios de hierarquia
e de especialidade. Pelo critério hierárquico a regra superior prevalece sobre a inferior. Não há
maiores dificuldades de compreensão quando se imagina a pirâmide hierárquico-normativa enca-
beçada pela Constituição Federal. Ela prevalece em eventual conflito com a legislação ordinária; as
leis ordinárias prevalecem sobre os decretos oriundos do Executivo; os decretos executivos preva-
lecem sobre as portarias ministeriais, etc.
Nada obstante, há duas espécies de conflitos normativos que não são solucionados mediante
a utilização desses dois critérios. São os conflitos de normas no espaço e no tempo, referentes,
respectivamente, à perspectiva do direito constitucional internacional e à do direito constitucional
intertemporal.
32
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40.
33
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, parte Geral. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 59.
34 “Si le Conseil constitutionnel, saisi par le Président de la République, par le Premier ministre, par le président de l’une ou l’autre
assemblée ou par soixante députés ou soixante sénateurs, a déclaré qu’un engagement international comporte une clause contraire à la
Constitution, l’autorisation de ratifier ou d’approuver l’engagement international en cause ne peut intervenir qu’après la révision de la
Constitution.”
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Um exemplo poderá ilustrar este tópico. Há quem advogue a tese de que o Pacto de São José
da Costa Rica, por ser um tratado internacional celebrado pela República Federativa do Brasil e
incorporado ao nosso ordenamento mediante a publicação do Decreto 678/92, teria revogado as
disposições contidas no art. 4º, Decreto-lei 911/69, no quanto comporta a possibilidade de prisão
por dívida do depositário infiel.
Entretanto, segundo o entendimento do STF – que, como dito linhas cima, considerava todos
os tratados internacionais como pertencentes ao mesmo patamar hierárquico das leis ordinárias –,
o equívoco em tal silogismo seria patente: para a corrente adotada por apertada maioria no STF,
há regra constitucional a respeito da prisão civil, prevista no art. 5º, LXVII.35
A partir dela concluía-se, com base na supremacia das normas constitucionais, que o Pacto
de São José da Costa Rica, norma infraconstitucional, não teria o condão de minimizar a abrangên-
cia de uma norma constitucional. Por isso o STF, em reunião plenária, decidiu que o Pacto deveria
ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, sob pena de inconstitucionalidade.36
A doutrina vinha criticando a tese da pura e simples recepção de tratados internacionais com
base no art. 102, III, alínea “b”, CF.37 E o fazia com fundamento no art. 5º, §§ 1º e 2º, também da
CF, segundo os quais: as normas definidoras dos direitos e garantias individuais têm aplicação ime-
diata; e os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regi-
me e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte.
35
“Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a
do depositário infiel”.
36
RTJ, 164:213, 1998, HC 73.044-SP, rel. Min. Maurício Correa.
37
“Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III – julgar, mediante recurso extraor-
dinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou
lei federal”.
38
PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5 ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.
18
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tendimento adotado pelo STF seria adequado apenas no tocante aos tratados internacionais co-
muns, pois eles teriam, seguramente, características infraconstitucionais por não encontrarem fun-
damento nos §§ 1º e 2º do art. 5º, CF.
Portanto, após a EC 45, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, desde
que preenchidos os requisitos do art. 5º, § 3º, CF, podem alcançar a mesma hierarquia de uma
Emenda à Constituição.
Problema surge quando há normas constitucionais anteriores que não são incompatíveis com
a nova ordem constitucional. Seriam elas recepcionadas? Em caso de resposta afirmativa, poderiam
ser elas recebidas pelo novo ordenamento na qualidade de normas infraconstitucionais?
Não se pode olvidar que há necessidade de menção expressa na nova Constituição, o que
não existe na CF/88, motivo pelo qual, em nosso país, não há falar nestas remotas possibilidades.
19
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não se admite recepção de norma que já não encontrava suporte de validade sob a égide da
Constituição anterior. E a razão é simples: não compunha validamente o ordenamento jurídico, de
maneira que não há o que recepcionar.
O art. 195, CF arrola as situações passíveis de ensejar a cobrança das contribuições para a Se-
guridade Social. Diferentemente dos estritos tipos de imposto do art. 153 e do art. 156, a lista do
art.195 admite ampliação mediante a edição de Lei Complementar. É o que se retira de simples
leitura do art. 195, § 4º, CF.40
Acontece que a redação original do caput do art. 195 não previa a “receita” como base de
cálculo de contribuição social.41 Ou seja: a “receita bruta”, enquanto base de cálculo (como preten-
deu o legislador com a edição do art. 3º, Lei 9.718/98, ao ampliar a base de cálculo da COFINS),
durante a vigência da redação original do art. 195, I, CF, somente poderia ser admitida se respeita-
do o comando normativo do art. 195, § 4º, qual seja, a edição de lei complementar.
Não são necessárias maiores explicações para se verificar que a Lei Ordinária 9.718/98 am-
pliou de forma indevida o rol das bases de cálculo de contribuições para a Seguridade Social. A in-
constitucionalidade formal é evidente, porquanto desrespeitado o processo legislativo adequado.
A Lei 9.718/98 foi publicada quinze dias antes do advento da Emenda Constitucional 20.
Com a promulgação da EC 20 a “receita” passou a fazer parte do inciso I do art. 195, motivo pelo
qual houve quem defendesse a tese de que ela teria o condão de “convalidar”, de “constitucionali-
zar” o art. 3º, Lei 9.718/98.
39
PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, p. 22.
40
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes
dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da
empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho
pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o
faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentado-
ria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art.201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
§ 4º A Lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto
no art.154, I.
41
CF, artigo 195 na redação anterior à EC 20/98. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguin-
tes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; II - dos trabalhadores; III -
sobre a receita de concursos de prognósticos.
20
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Isto porque, nas palavras do Min. Carlos Velloso, quando do julgamento do RE 390840:
“O dispositivo legal, § 1º do art. 3º, Lei nº 9.718, nasceu morto, porque inconstitucional.
Os atos inconstitucionais nascem mortos, são nulos e írritos, segundo velha e batida dou-
43
trina, a partir do famoso Marbury vs. Madison, de 1803, sob a inspiração de Marshall.”
Fixada esta premissa, pensemos sobre a possibilidade de ser reconhecida eventual inconsti-
tucionalidade formal superveniente.
42
Autos nº 1999.70.09.003593-6: Mandado de Segurança impetrado pelo Município de São João do Triunfo em face do Gerente Regional
de Arrecadação e Fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em Ponta Grossa (PR).
43 Para finalizar a questão o STF decidiu que não se poderia admitir a convalidação do art. 3º, do § 1º da Lei 9.718/97, já que eivado de
nulidade original insanável, decorrente de incompatibilidade com o texto constitucional vigente no momento de sua edição (RE
357950/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio e RE 346084/PR, rel. orig. Min. Ilmar Galvão).
44
KELSEN, Hans. Op. cit., p. 290.
21
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Imaginemos uma lei ordinária que, além de anterior à nova Constituição, tivesse regulado a
matéria agora condicionada à edição de lei complementar. Seria necessária a edição de uma nova
lei, esta complementar, em atenção ao comando normativo da nova Constituição?
A questão é pacífica: não há necessidade. É que, se aquela lei ordinária que encontrava fun-
damento de validade da antiga Constituição atendia aos planos de existência e vigência/validade,
não há motivo algum para se exigir a edição de uma nova com base tão-somente em argumentos
formais. O princípio da continuidade da ordem jurídica fala por si mesmo.
Também merece destaque a regra de que a lei ordinária anterior à nova Constituição, uma
vez recepcionada na qualidade de lei complementar, como no caso do CTN, somente poderá ser
alterada por outra lei de igual espécie, ou seja, outra lei complementar.
A recíproca também é verdadeira: uma lei complementar sob a égide de Constituição anteri-
or e recepcionada como simples lei ordinária pode facilmente ser alterada mediante a edição de
outra lei ordinária.
45
Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
46
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.
22
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
b) natureza da linguagem; e
c) caráter político.47
É verdade que grande parte das normas contidas na Constituição de 1988 não detêm tanto
grau de abstração como as há pouco mencionadas. Isto se deve ao fato de que se está diante de
uma Constituição analítica na qual há diversas normas só formalmente constitucionais.
As normas com alto grau de abstração são chamadas de princípios. Não existe exata defini-
ção do que seriam esses conceitos jurídicos indeterminados.
Desta forma, resta fácil perceber que o intérprete desse tipo de norma tem maior espaço
interpretativo do que quando ele se depara com aquelas previstas de forma casuística.
Quando nos referimos às normas casuísticas, em franca oposição às normas abertas, quere-
mos nos reportar àquela espécie na qual o legislador busca fixar, do modo mais completo possível,
as situações concretas a serem por elas abrangidas.
47
Estas características são apontadas por Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmá-
tica constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Sairaiva, 2003, p. 107). Entretanto, o autor ressalta que há diversos outros modos
de apontar as peculiaridades das normas constitucionais e cita como exemplo as obras de J.J. Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Celso
Ribeiro Bastos e Raúl Casosa Usera.
48
Art. 5º, caput, CF
49
Art. 37, caput, CF
50
Art. 170, caput, CF
51
Arts. 5º, XXIII; 170, III; 182, § 2º; e 186, CF
52
Art. 1º, III, CF
53
CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. 216.
23
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
minadoras, quanto daquele responsável pela análise de eventual subsunção de condutas humanas
à hipótese de incidência tributária (para usarmos a expressão de Ataliba54) é somente que ele apli-
que a norma abstratamente prevista acaso o fato ocorrido no mundo fenomênico, empiricamente
observável, esteja em perfeita consonância com o tipo. Não há muito espaço interpretativo.
A força normativa55 é intensamente maior e assim permanece por muito mais tempo, pois as
pressões axiológicas, ainda que se alterem, poderão, no máximo, acarretar alguma diferença quan-
do da construção da norma no decorrer dos tempos. Jamais, entretanto, do próprio texto constitu-
cional.
Não se pode olvidar que, diante da clara abertura dos princípios, o Legislativo atribui ao Judi-
ciário o poder-dever de construir a norma em cada caso concreto. Assim, no caso dos princípios, a
jurisprudência detém forte influência, quase nos moldes do sistema de precedentes norte-
americano.
Por outro lado, é inegável que as regras constitucionais detenham forte caráter político. Se-
gundo Luís Roberto Barroso:
“Uma Corte Constitucional não deve ser cega ou indiferente às conseqüências po-
líticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao
bem comum. Mas somente pode agir dentro dos limites e possibilidades abertas
pelo ordenamento. Contra o direito o juiz não deve decidir jamais. Em caso de
56
conflito entre o direito e a política, o juiz está vinculado ao direito.”
As decisões do Supremo Tribunal Federal podem ser pintadas com cores políticas. Basta, para
tanto, lembrarmos da possibilidade de aquela corte limitar os efeitos de uma declaração de incons-
titucionalidade, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou d e outro
momento que venha a ser fixado (art. 27, Lei 9.868/99, e art. 11, Lei 9.882/99).57
54
ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
55 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
56
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5.
ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112
57
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declara-
ção ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
24
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Este postulado preconiza que as normas constitucionais não podem ser analisadas de forma
isolada, como se fossem elementos autônomos, independentes, bastantes em si mesmos.
Os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. Eles
devem funcionar como horizontes interpretativos em qualquer processo de aplicação das regras
constitucionais. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem seguidos. Violar um princí-
pio é muito mais grave do que transgredir uma regra.58
PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE
Em síntese aponta-se que:
a) em caso de dúvida, a inconstitucionalidade da norma não deve ser declarada;
b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da
norma com a Constituição, deve-se fazer uma interpretação conforme a Constituição.
b) a percepção de que se está a buscar um sentido para a norma que não seja o mais evi-
dente (interpretação literal);
58
ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004; DWORKIN,
Ronald, Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
25
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO
Importante postulado do processo de interpretação das normas constitucionais. Com base
neste postulado podemos resolver aparentes antinomias entre, por exemplo, a liberdade de mani-
festação do pensamento60 e o direito à honra e à intimidade61, entre o direito de propriedade62 e a
função social da propriedade63.
Nada obstante, lembre-se que não há hierarquia entre normas constitucionais originárias.
59 O STF, ao analisar a constitucionalidade de disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias,
pela Receita Federal, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001,
regulamentada pelo Decreto 3.724/2001), conferiu-lhes interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta
qualquer outra que possa implicar afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do
Judiciário (RE 389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio).
60
Art. 5º, IV, CF
61
Art. 5º, X, CF
62
Art. 5º, XXII, CF
63
Arti. 5º, XXIII, CF
64 BONAVIDES, Paulo, Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233.
65 Art. 1º, CF
66 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma
Nova Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92.
67
LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1985.
26
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Konrad Hesse chamou a atenção para a necessidade de se analisar tanto o mundo real quan-
to o jurídico de forma harmônica, em seu inseparável contexto e no seu condicionamento recípro-
co.
Para ele, “uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto,
não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão”. Para aqueles que, como
Kelsen e seus seguidores, contemplam apenas a ordenação jurídica, a norma estaria em vigor ou
revogada, não havendo possibilidade de se chegar a outras conclusões. Em antítese, quem, como
Lassale, considera tão somente a realidade política e social (as reais fontes de poder) não tem con-
dições de compreender a problemática da força normativa das normas constitucionais, acarretan-
do a pura e simples negação do significado da ordenação jurídica.
Hesse, depois de dizer que “a radical separação, no plano constitucional, entre realidade e
norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço”, salientou que toda Consti-
tuição escrita, desde que escorada na realidade histórica, política, cultural e econômica de um país,
com vistas a regular situações futuras de forma eficaz, passível de ulteriores e alterações interpre-
tativas, é dotada de pretensão de eficácia.
Entretanto, essa pretensão de eficácia somente faria sentido se a práxis dos tribunais e de
todos aqueles que à Constituição estariam submetidos sinalizasse de forma a atribuir força norma-
tiva à norma escrita.
Assim, a Constituição real, a folha de papel de Lassale, deixaria de ter apenas uma pretensão
de eficácia limitada ao mundo jurídico, passando efetivamente a regular as situações objetivadas
quando da respectiva elaboração ou até mesmo, num futuro distante, as novas situações a ela
submetidas.
Assim, pode-se afirmar que seria mesmo a práxis dos tribunais, aliada à vontade de constitu-
ição de todos aqueles submetidos à norma constitucional, a forma de se buscar adequação de uma
Constituição programática à dinâmica realidade brasileira. Nesse contexto da força normativa da
Constituição, pode-se invocar um método de interpretação (interpretação evolutiva), uma conse-
68
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
69
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
27
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Trataremos, sob a denominação de Direitos Fundamen-
tais, os que, além de se caracterizarem filosoficamente como
Direitos Humanos, foram reconhecidos e positivados na Cons-
tituição Federal. Destacamos, desde logo, que as normas defi-
nidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata (art. 5º § 1º, CF).
O direito à igualdade, presente em duas ocasiões no pórtico da declaração dos direitos e ga-
rantias fundamentais, pode ser teoricamente analisado sob duas distintas perspectivas.
70
“A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais
de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança
informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da
República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e
transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a
sociedade contemporânea” (HC - 98893, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJE 25/09/2009).
71
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão
negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de
concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo
inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. Lapidar, sob
todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito
Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3): “O princípio da democracia econômica e social aponta
para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou
da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à
assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma
garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas
(reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de
desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito
econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana” (Voto do
Min. Celso de Mello em processo de suspensão de tutela antecipada - STA - 175 - no qual se discutia a questão do direito à saúde em
face do princípio da reserva do possível).
28
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A primeira, herança das formulações nos contextos de Estados Liberais, que tinham por es-
pecial característica a intervenção mínima nas relações travadas entre os cidadãos, baseava-se na
igualdade total perante a lei. Trata-se da igualdade formal, procedimental e insensível às grandes
desigualdades existentes entre os indivíduos. A concepção da igualdade formal perante leis gerais e
abstratas, dirigidas a todos indistintamente, tinha por escopo o estabelecimento de idêntico trata-
mento jurídico para todos. O pressuposto de que todos os homens são iguais e assim devem ser
tratados era compreendido como um valor absoluto, alheiro à possibilidade de consideração das
reais desigualdades e condições de cada indivíduo.72
A segunda é fruto da crise do Estado Liberal e uma das principais características do modelo
de Estado Social. Como se sabe, com a transição para o modelo de Estado Social, o aparato estatal
passa de mero espectador a protagonista em várias situações antes distantes da atuação liberal. No
quanto comporta os direitos fundamentais, o que se espera de um Estado Social não é o puro e
simples laissez faire, mas a ação em prol do acesso, por uma quantidade cada vez maior de indiví-
duos, aos direitos que formalmente estão garantidos na Constituição. Esse acesso também diz res-
peito à igualdade substancial, material, que transcende a formalidade da lei abstrata e genérica
aplicada a todos indistintamente, ascendendo ao patamar da igualdade de oportunidades, muitas
vezes com auxílio estatal na identificação de determinadas circunstâncias e/ou grupos que, sem
auxílio, sem políticas públicas de apoio e incentivo, permaneceriam ao largo de muitos dos direitos
fundamentais.
Vale dizer: não basta a mera proclamação da igualdade formal (todos são iguais perante a
lei); o que importa é reduzir as desigualdades com o objetivo de atribuir, tanto quanto possível,
igualdade material. Este é o aspecto positivo, ativo, do direito à igualdade.
AÇÕES AFIRMATIVAS
Sob a perspectiva da igualdade material legitimam-se as políticas de apoio e, especialmente,
de promoção de grupos socialmente fragilizados. Tais políticas denominam-se ações afirmativas.
Note-se que toda e qualquer ação afirmativa demanda o reconhecimento de alguma desigualdade
e, a partir desse reconhecimento, atitudes estatais fundamentadas nas chamadas discriminações
positivas. Existem fortes fundamentos constitucionais que legitimam a discriminação positiva vol-
tada à diminuição de desigualdades.
72 “Sabemos, tal como já decidiu o STF (RTJ 136/444, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello), que o princípio da isonomia – cuja observância
vincula todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extin-
guir privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei e b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera
numa fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador, que, no processo de formação do ato
legislativo, nele não poderá incluir fatores de discriminação responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. (...) A igualdade perante a
lei, de outro lado, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma
legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse postula-
do pelo legislador, em qualquer das dimensões referidas, imporá, ao ato estatal por ele elaborado e produzido, a eiva de inconstitucio-
nalidade.” (AI 360.461-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-12-2005, Segunda Turma, DJE de 28-3-2008)
29
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O art. 5º, II, traz o princípio da legalidade, que diz respeito à segurança do indivíduo em
matéria jurídica. Tal princípio visa o combate ao poder arbitrário do Estado, constituindo, assim,
necessária manifestação do Estado de Direito. Dessa forma, somente as espécies normativas
elencadas no art. 59, CF, elaboradas conforme o devido processo legislativo, são hábeis a criar
obrigações ao indivíduo. O indivíduo é, portanto, livre para fazer ou deixar de fazer qualquer coisa
que não esteja prevista em lei.
73
No mesmo sentido: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,Segunda Turma, DJE de 26-8-2011.
30
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A manifestação do pensamento, embora livre, não pode ser feita de forma abusiva ou
descontrolada. Os excessos porventura ocorridos no exercício indevido do direito à liberdade de
expressão são passíveis de apreciação pelo Judiciário. A Constituição Federal assegura, de um lado,
a livre manifestação do pensamento, e, por outro, determina a responsabilização por aquilo que é
manifestado. Assim, veda-se o anonimato, ou seja, as pessoas são obrigadas a assumir a
responsabilidade do que exteriorizam, não podendo esconder-se sob o anonimato.
O STF julgou a ADPF 187, que tinha por temática central a legitimidade da criminalização da
chamada “Marcha da Maconha”. À Unanimidade, e, sessão plenária, a Suprema Corte,
“Julgou procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito funda-
mental para dar, ao art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a
Constituição, de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da
defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, in-
74
clusive através de manifestações e eventos públicos.” (Informativo STF 631).
A ADPF 187 foi proposta pelo Procurador Geral da República com o objetivo de se obter, no
STF, resposta que vinculasse todos os tribunais e juízes do país, bem como a administração pública
de todas as esferas no tocante à questão da “Marcha da Maconha”, porquanto havia diversas in-
terpretações a respeito do alcance do art. 287, CP, no confronto com a pacífica transmissão, à soci-
edade, de convicções cidadãs contrárias à criminalização do uso da maconha. Em jogo estavam a
previsão legal de “fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime” e a grande
preocupação em se prestigiar a liberdade de expressão, essencial à democracia e à própria legitimi-
dade de nossa República.
A questão demanda compreensão sistemática do art. 287, CP. Isto porque o Sistema Jurídico
Brasileiro, em sua totalidade, deve estar em harmonia com o texto da Constituição Federal e com
os valores subjacentes ao modelo de Estado adotado a partir de 05 de outubro de 1988, data de
promulgação da CF.
74 Utilizamos o caso da ADPF 187 para representar, com base na análise de disposição infraconstitucional pré-existente à CF/88, a revo-
lução paradigmática pela qual passou o Estado brasileiro e como os vetores interpretativos que emanam da CF/88 podem nortear a
postura do intérprete no contexto da liberdade de expressão e da censura. A polêmica em torno da temática da legalização das drogas
serve de pano de fundo à compreensão do alcance da liberdade de expressão em uma sociedade democrática e pluralista.
31
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Isso também vale no tocante às interpretações que possam ser atribuídas a esta àquela re-
gra, a este ou àquele princípio. Qualquer interpretação que destoe da inspiração constituinte ori-
ginária (ou derivada, em alguns casos) deve ser afastada porquanto inconstitucional, ilegítima,
arbitrária.
O contexto no qual, hoje, está inserido o art. 287 é indiscutivelmente outro daquele em que
publicado o Código Penal. O Código Penal adentrou a sistema brasileiro em 1940, por intermédio
da publicação do Decreto-lei 2.848/40 e sob a égide da Constituição de 1937. Esta, outorgada via
decreto presidencial no Governo Vargas, havia instituído o Estado Novo, com ímpares característi-
cas: previsão de pena de morte em tempos de paz (art. 122, 13), suspensão das imunidades parla-
mentares (art.169, especialmente o § 1º), supressão da liberdade partidária, censura prévia da im-
prensa, dos teatros e da radiodifusão (art. 122, 15, “a”), etc.
A República Federativa do Brasil fundamenta-se no pluralismo político (art. 1º, V, CF). O plu-
ralismo político viabiliza o trâmite da pluralidade de ideias, aspirações, opiniões, interesses e forças
da sociedade, que estão em permanente debate, em especial num país de proporções continentais,
cuja população resulta de riquíssima e diversificada colonização. A essência do pluralismo político é
a liberdade de exposição da mais variada gama de opiniões.
Além disso, a liberdade de expressão é direito fundamental (art. 5º, IV, CF) protegido por
cláusula de barreira (art. 60, § 4º, IV, CF) condicionado, apenas, pela vedação ao anonimato e, ob-
viamente, pelo conflito com direito fundamental de igual hierarquia que, eventualmente, com ele
esteja em conflito.
Nesta sociedade pluralista, juridicamente capitaneada pela CF/88, que elenca a liberdade de
expressão enquanto direito fundamental, o art. 287, CP, não tem a amplitude de outrora. A inci-
dência do art. 287, CP, está condicionada ao giro hermenêutico propiciado pela CF/88 e, conse-
quentemente, ao pleno exercício da liberdade de expressão consubstanciada no art. 5º, IV. Sedi-
mentado nesta (pré) compreensão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a
ADPF 187.
32
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
VEDAÇÃO AO ANONIMATO
De acordo com o art. 5º, IV, CF,
Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Não se está aqui a dizer que qualquer cidadão não seria parte legítima para denunciar, por
exemplo, toda e qualquer irregularidade eventualmente praticada por agente público. O que deve
ficar bem claro é que, diante da total vedação ao anonimato, explicitada como cláusula pétrea em
nossa Constituição Federal (art. 5º, IV, CF, c/c art. 60, § 4º, IV, CF), todo e qualquer cidadão pode –
e deve – fiscalizar o fiel desempenho das atribuições por parte de agentes públicos (e com muito
mais intensidade quando se trata de agentes políticos); só que, ao exercer a cidadania, na perspec-
tiva da democracia de fiscalização, ativa e participativa, esse mesmo cidadão deve, por imperati-
vo constitucional, identificar-se.
33
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O STF, por maioria, julgou procedente pedido formulado pelo PDT na ADPF 130 e declarou
que a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) não foi recepcionada pela CF/88. De acordo com o Relator,
Ministro Ayres Britto:
“O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensa-
mento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se veiculem pelos órgão
de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art.
5º da mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta
(inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada,
à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direi-
to ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profis-
sional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronoló-
gica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e
os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo
dos ‘sobre-direitos’ de personalidade em que se traduz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do
pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do ti-
tular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais
alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação
constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direi-
tos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qual-
quer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonima-
to), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a
informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o
que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e
plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem
deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis,
penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a
posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liber-
dade de imprensa.” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plená-
rio, DJE de 6-11-2009).
Alegava-se que o ato impugnado perante o STF viabilizava franco desrespeito ao direito à
honra e à imagem do impetrante, diante da iminente possibilidade de indevida e abusiva exposição
na mídia (art. 5º, X, CF).
75 Utilizamos este caso concreto para demonstrar a dinâmica da discussão travada na colisão entre direitos de personalidade (imagem,
vida privada e honra) e a plena liberdade de informação jornalística.
34
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Votaram vencidos os Ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, que consi-
deravam não ser a restrição à publicidade ilegítima, pois tinha o objetivo de salvaguardar os direi-
tos à honra, à imagem e à intimidade do impetrante e, sob suas óticas, não prejudicava o direito à
informação (uma vez que não se impedia a presença da imprensa no recinto, mas somente o uso de
câmeras que possibilitassem a gravação da imagem do impetrante). Ressaltaram, ainda, que o caso
concreto evidenciava a necessidade de proteção do direito à honra, à imagem e à intimidade do
impetrante de eventual abuso de exposição na mídia, cuja eficácia não seria possível, senão de
forma preventiva.
A decisão do STF pode ser objeto de crítica, na medida em que, partindo do pressuposto da
colisão entre direitos fundamentais de igual hierarquia, sopesou as circunstâncias fáticas do caso
concreto e optou pela prevalência total de um em detrimento do outro, causando desprezo ao
núcleo essencial daquele direito ao qual se atribuiu menor relevância.
76 A técnica da proporcionalidade permite que um direito em conflito se sobreponha a outro, ainda que de idêntica hierarquia, manten-
do-se o núcleo essencial do direito cuja aplicabilidade é afastada. O âmbito de proteção de um direito cede passo à maior amplitude de
outro.
35
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
artística.” (ADI 4.451-MC-REF, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 2-9-2010, Plenário,
DJE de 1º-7-2011).
77
Jurisprudência do STF: Rp 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977 (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento
em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009)
36
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O art. 5º, VII, encerra um direito subjetivo daquele que se encontra internado em
estabelecimento coletivo, cabendo ao Estado a materialização das condições para a prestação
dessa assistência religiosa.
Tendo em vista a total liberdade religiosa assegurada pela Constituição, ninguém que se
encontre nessa situação poderá ser obrigado a utilizar-se da assistência religiosa.
A Constituição é um sistema e como tal deve ser interpretada. O dispositivo em questão é li-
mitador à regra do art. 220, CF. Contudo, sob a ótica do Ministro Ayres Britto, quando do julga-
mento da ADPF 130,
“primeiramente, assegura-se o gozo dos ‘sobre-direitos’ de personalidade em que se tra-
duz a ‘livre’ e ‘plena’ manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente
depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual
desrespeito a direitos constitucionais alheios.”
Esse ponto de vista inviabiliza, por exemplo, o deferimento de eventual ação inibitória nos
casos em que o autor objetiva a proibição da reprodução, por empresa jornalística, de dados que
entende estarem acobertados pela inviolabilidade da intimidade e da vida privada, relegando ao
plano da eventual reparação pecuniária a discussão a respeito a publicação abusiva ou não condi-
zente com a verdade.
Como se trata de questão afeta à colisão de princípios constitucionais (vida privada, honra e
imagem x liberdade de expressão e liberdade de informação jornalística), somente o caso concreto
permite a análise adequada da melhor alternativa, sendo certo que soluções a priori são demasia-
damente genéricas e certamente fadadas à injustiça.78
78
Na análise de eventuais pedidos de tutela inibitória é importante ter em mente, em cada caso concreto que “(...) Tirante, unicamente,
as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o ‘estado de sítio’ (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias
37
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A riqueza de cada caso concreto é o fator diferencial na busca da solução mais adequada, es-
pecialmente no jogo da colisão entre princípios fundamentais.
SIGILO DE DADOS
É inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
O indivíduo precisa ter segurança de que todas as suas comunicações pessoais, tanto as
feitas por cartas como as realizadas por telegramas ou telefonemas, não serão interceptadas por
outras pessoas. Essa inviolabilidade tutela, ao mesmo tempo, a liberdade de manifestação do
pensamento e o direito à intimidade das pessoas.
A possibilidade de quebra do sigilo só pode ser feita para investigação criminal ou instrução
processual penal. A lei que regulamentou este inciso é a Lei 9.296/96. O STF firmou entendimento
que, antes da edição do mencionado diploma legal, qualquer autorização judicial para a quebra do
sigilo de comunicações telefônicas, sob qualquer argumento, era inválida:
“Habeas corpus. Acusação vazada em flagrante de delito viabilizado exclusivamente por
meio de operação de escuta telefônica, mediante autorização judicial. Prova ilícita. Au-
sência de legislação regulamentadora. Art. 5º, XII, da CF. Fruits of the poisonous tree. O
STF, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei
definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, XII, da Constituição, não pode o
Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação crimi-
nal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos
termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros e-
lementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das in-
formações obtidas na escuta.” (HC 73.351, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 9-5-
1996, Plenário, DJ de 19-3-1999).
lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que ‘quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que
seja’. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e
jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria
Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (‘quando necessário
ao exercício profissional’); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos
‘meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão
que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao
meio ambiente’ (inciso II do § 3º do art. 220 da CF).” (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de 6-11-
2009).
38
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ções). Contudo, o STF não acolheu tal argumento em face da não recepção do Código Brasileiro de
Telecomunicações79.
Ao crime de ameaça, por exemplo, previu-se pena de detenção. Logo, não é possível a que-
bra do sigilo telefônico em razão da investigação da possível ocorrência desse delito.
79
HC 72.588, Rel. Min. Mauricio Corrêa, julgamento em 12-6-1996, Plenário, DJ de 4-8-2000. No mesmo sentido: HC 74.586, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 5-8-1997, Segunda Turma, DJ de 27-4-2001.
80
Vide: HC 80.724, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-3-2001, Primeira Turma, DJ de 18-5-2001.
81
Vide RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 15 dez 2010, Plenário, DJE de 10 mai 2011
39
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
2397 e 2859, Rel. Ministro Dias Toffoli, a Corte passou a entender de forma diversa. Segundo o
constante do Informativo STF 814, a maioria plenária, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso
de Mello, a partir do pressuposto de que “O que ocorreria não seria propriamente a quebra de
sigilo, mas a ‘transferência de sigilo’ dos bancos ao Fisco”, e desde que “comprovada a instauração
de processo administrativo”, entendeu que não se está a tratar propriamente de quebra de sigilo
bancário, mas sim de transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas
contra o acesso de terceiros, sem ofensa à CF.
82
No mesmo sentido: HC 105.527, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-3-2011, Segunda Turma, DJE de 13-5-2011; HC 92.020, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-9-2010, Segunda Turma, DJE de 8-11-2010.
40
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às
comissões parlamentares de inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas Comissões
Parlamentares de Inquérito (§ 1º e 2º do art. 4º). Embora as atividades do TCU, por sua
natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enu-
meradas no art. 71, II, da CF, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa
determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensi-
va, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida pri-
vada, art. 5º, X, da CF, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário(...).” (MS
22.801, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 17-12-2007, Plenário, DJE de 14-3-
2008.)
83
No mesmo sentido: Inq 2.424-QO, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 25-4-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.
41
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
42
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Consagrou-se o direito ao livre exercício de profissão como norma de eficácia contida, pois a
Constituição previu a possibilidade de edição de lei que estabeleça as qualificações necessárias
para o seu exercício. Ressalte-se que a legislação somente poderá estabelecer condicionamentos
capacitários que apresentem nexo lógico com as funções a serem exercidas, jamais qualquer
requisito discriminatório ou abusivo.
LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
O inciso XV traz o direito de ir, vir e permanecer. Apenas em tempo de guerra haverá
possibilidades de maior restrição legal que, visando à segurança nacional e à integridade do
território nacional, poderá prever requisitos menos flexíveis.
LIBERDADE DE REUNIÃO
É o primeiro direito constitucional de manifestação coletiva. Não deixa de ser direito
individual, pois pertence ao indivíduo, mas é de expressão coletiva porque pressupõe uma
pluralidade de pessoas para que possa ser exercido.
DIREITO DE ASSOCIAÇÃO
Regulado pelos incisos XVII a XXI.
43
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A liberdade de associação, assegurada pela Lei Maior, deve ser entendida como o
agrupamento de pessoas, organizado e permanente, para fins lícitos. Abrange o direito de associar-
se a outras pessoas para formação de uma entidade, o de aderir a uma associação já formada, o de
desligar-se da associação, bem como o de autodissolução das associações.
Embora esteja assegurada a ampla liberdade de associação para fins lícitos, a Constituição
veda expressamente as associações de caráter paramilitar, que são aquelas que se organizam de
forma análoga às Forças Armadas. Isso porque o poder de coerção é restrito ao Estado, sendo que
a existência de organizações particulares organizadas de forma bélica não se coaduna com a
concepção de Estado Democrático de Direito.
São garantias do direito de propriedade: de conservação (ninguém será privado de seus bens
fora das hipóteses previstas na Constituição) e de compensação (caso privado de seus bens, o
proprietário deverá receber a devida indenização).
Tanto no art. 5º (XXII e XXIII), quanto no art. 170 (II e III), o Constituinte Originário referiu-se
ao direito de propriedade e, logo em seguida, à função social da propriedade. O art. 182, § 2º, CF,
estatui que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências funda-
mentais da ordenação da cidade expressas no Plano Diretor. O art. 186, CF, por sua vez, dispõe que
a função social da propriedade rural é cumprida quando ela atende, simultaneamente, segundo
critérios e graus estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
a) aproveitamento racional e adequado;
b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e
d) exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores.
44
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Segundo o STF
“O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa
grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente
(CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, obser-
vados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na
própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o a-
proveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos
naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realiza-
ção da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julga-
84
mento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004).
Para que a propriedade urbana atinja sua função social é necessário que atenda às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, § 2º, CF).
Para que a propriedade rural cumpra sua função social, é necessário que atenda, simultane-
amente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: apro-
veitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preserva-
ção do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; explora-
ção que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186, CF).
84
No mesmo sentido: MS 25.284, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010.
85 No caso de desapropriação para fins de reforma agrária, prevista no artigo 184, caput, as benfeitorias úteis e necessárias são indeni-
zadas em dinheiro (§ 1º). Atentar para a regra do artigo 185, segundo o qual são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma
agrária a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra e a propriedade produ-
tiva.
45
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
priação por não legitimar o proprietário a nenhuma forma de indenização, seja prévia ou posterior,
em dinheiro ou títulos da dívida pública/privada. Trata-se de severa penalidade ao indivíduo em
cuja propriedade imóvel forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração
de trabalho escravo.
Com o mesmo rigor o parágrafo único do art. 243, CF, trata a questão de todo e qualquer
bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins ou da exploração de trabalho escravo: confisco sem indenização alguma.
Como se percebe, a CF/88 apresenta, de forma gradativa, as consequências nos diversos ca-
sos em que à propriedade não se agrega a necessária função social.
DESAPROPRIAÇÃO
A transformação que a ideia de um Estado social introduz no conceito de direito à
propriedade privada, ao assinalar uma função social com efeitos delimitadores de seu conteúdo,
determina uma importante revisão do instituto da desapropriação, que se converteu em
instrumento posto à disposição do poder público para o cumprimento de suas finalidades de
ordenação da sociedade com justiça social.
Desapropriação é o ato pelo qual o Estado toma para si ou transfere para terceiros bens de
particulares, mediante o pagamento de justa e prévia indenização. Trata-se de forma originária de
aquisição da propriedade. Enquanto forma mais drástica de intervenção do Estado na economia,
somente é admissível nas hipóteses especialmente previstas na Constituição.
DIREITO DE REQUISIÇÃO
O Poder Público, em hipóteses de iminente perigo público, está autorizado a utilizar-se de
propriedade alheia, sem necessidade de prévia indenização. Porém, se de algum modo o uso da
coisa gerar prejuízo ao proprietário, este tem garantido o direito à indenização.
46
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O inciso XXVI dispõe que a pequena propriedade rural não será objeto de penhora para
pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva. Pretende-se, dessa forma, alavancar
o desenvolvimento rural do País, assentando a família na terra.
Nesse sentido, a pequena propriedade rural não pode ser objeto de penhora para
pagamentos de débito decorrentes de sua atividade produtiva, bem como deverá receber recursos
previstos em lei que financiem o seu desenvolvimento.
A principal preocupação constituinte, com relação aos direitos autorais, é com sua vocação
patrimonial individual. Mesmo após o falecimento do autor, os direitos autorais persistem no con-
texto patrimonial familiar por setenta anos. Somente após esse prazo - à exceção das hipóteses em
que o autor não tenha deixado sucessores ou seja desconhecido - a obra cai em domínio público
(art. 45, Lei 9.610/98).
O inciso XXIX do art. 5º, CF, por sua vez, trata do privilégio temporário, garantido aos autores
de inventos industriais e da proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e aos outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do país.
86 É com o registro da patente que se garante, ao autor, a propriedade de invenção ou modelo de utilidade (artigo 6º). A patente confe-
re ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com
estes propósitos o produto objeto de patente ou o processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado (artigo 42). Consi-
dera-se invenção a atividade criativa que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (artigo 8º). Consi-
dera-se modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou
disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação (artigo 9º).
47
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
prazo máximo de 15 anos (art. 40). Estipula também os prazos mínimos: 10 anos para a patente de
invenção e 7 anos para a patente de modelo de utilidade.
Uma das modalidades de extinção da patente é expiração de seu prazo de vigência (art. 78,
Lei 9.279/96), que pode ser de, no máximo, 20 anos para a invenção e 15 anos para o modelo de
utilidade. Extinta a patente, o seu objeto cai em domínio público (art. 78, parágrafo único).
DIREITO DE HERANÇA
Os incisos XXX e XXXI consagraram o direito à herança e o direito à sucessão, ambos
decorrentes do direito de propriedade, uma vez que reafirma a propriedade privada mesmo após a
morte do titular dos bens, com a consequente transmissão aos seus herdeiros.
DIREITO DO CONSUMIDOR
A previsão constitucional de defesa do consumidor denota a preocupação do legislador
constituinte com as modernas relações de consumo, e com a necessidade de proteção do
hipossuficiente economicamente.
A alínea “a” do inciso XXXIV estabelece o direito de petição, assegurando a qualquer pessoa
física ou jurídica, nacional ou estrangeira, a possibilidade de formular pedidos para a Administração
Pública em defesa de direitos próprios ou alheios, bem como o de formular reclamações contra
atos ilegais e abusivos cometidos por agentes do Estado.
48
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Uma exceção ao amplo acesso ao Judiciário é estabelecida pela própria Constituição, no seu
art. 217, § 1º, e diz respeito à justiça desportiva. O artigo referido exige o prévio acesso às
instâncias da justiça desportiva, nos casos de ações relativas à disciplina e às competições
desportivas, sem, no entanto, condicionar o acesso ao Judiciário ao término do processo
administrativo, pois a justiça desportiva terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração
do processo, para proferir decisão final (art. 217, § 2º). Outra exceção existente consiste no habeas
data que igualmente requer prévio acesso na esfera administrativa (art. 5º, LXXII, e Lei 9.507/97).
• TRIBUNAL DO JÚRI
A Constituição pátria reconhece o Tribunal do Júri como uma prerrogativa democrática do
cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, e não por juízo de critério eminentemente
técnico, prevendo, expressamente, quatro preceitos de observância obrigatória à legislação
infraconstitucional que organizará a instituição:
a) plenitude de defesa: corolário lógico do princípio da ampla defesa previsto no inciso
LV do art. 5º;
b) sigilo das votações: preserva a adoção de critérios de íntima convicção por parte
dos jurados;
c) soberania dos veredictos: a decisão dos jurados será mantida, somente podendo
ser modificada por meio de recurso previsto pelo diploma processual penal, sendo que
a nova decisão será dada por novo Tribunal do Júri;
d) competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida: como último
preceito, a Constituição prevê a regra mínima de competência do Tribunal do Júri, não
49
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
De acordo com esses preceitos constitucionais, não se admite a criação de figuras penais ou
cominação de penas por medida provisória e a retroatividade da lei penal mais severa. Contrario
sensu, admite-se a retroatividade da lei penal mais benigna (mais favorável ao réu). Por essa razão,
o art. 2º, CP, estabelece que a lei penal, em regra, não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
87
STF, AC 1.033-AgR-QO.
50
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
• EXTRADIÇÃO
Os incisos LI e LII do art. 5º compreendem o tratamento constitucional do instituto da
extradição, que é o ato pelo qual um Estado entrega a outro uma pessoa acusada ou condenada
pela prática de uma infração penal para que seja julgada ou para que cumpra pena em outro país.
A extradição pode ser ativa, que é aquela requerida pelo Brasil a outros Estados soberanos,
ou passiva, quando outros Estados requerem-na ao Brasil.
O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão
ser assegurados aos litigantes em processos judiciais (cíveis ou criminais) bem como nos
procedimentos administrativos (inciso LV).
A garantia do contraditório e da ampla defesa significa que não deve ser tomada, pela
autoridade competente, nenhuma decisão sem a apreciação das razões de todas as partes
envolvidas, de forma a garantir a aplicação do princípio da igualdade também no plano processual.
51
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Nesse sentido, a prova ilicitamente obtida (por exemplo, confissões feitas mediante tortura,
interceptações telefônicas sem autorização judicial) é absolutamente nula, não podendo gerar
qualquer efeito no convencimento do juiz.
Com relação às provas decorrentes da prova ilícita, o Supremo Tribunal Federal tem
entendido que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, sendo nulas
tanto as provas produzidas de forma ilícita quanto aquelas surgidas em decorrência da prova ilícita,
ainda que obtidas de forma regular. Trata-se da aplicação da teoria dos frutos da árvore
envenenada (fruits of the poisonous tree).
Além disso, o inciso LXVII veda a prisão civil por dívidas, admitindo somente nos casos de
inadimplemento (voluntário e inescusável) de obrigação alimentícia e do depositário infiel. Isto por
que a prisão civil é medida privativa de liberdade, sem caráter de pena, com a finalidade de
compelir o devedor a satisfazer uma obrigação.
52
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
GARANTIAS FUNDAMENTAIS
DIREITO À INFORMAÇÃO
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de
responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado (art. 5º, XXXIII, CF).
DIREITO DE PETIÇÃO
São a todos assegurados, independentemente de pagamento de taxas:
a) o direito de petição88 aos poderes públicos em defesa de direito ou contra a ilegalidade
ou abuso de poder;
88
“O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democráti-
co. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de perso-
nalidade jurídica –, com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos
53
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Deve-se ter em mente também que a atuação do Poder Judiciário deve ser exercida em
tempo razoável, afinal, a tutela efetiva é a tutela dada em tempo adequado. Assim, reconhece o
Min. Ayres Britto que
“de nada valeria a CF declarar com tanta pompa e circunstância o direito à razoável
duração do processo (e, no caso, o direito à brevidade e excepcionalidade da internação
preventiva), se a ele não correspondesse o direito estatal de julgar com presteza. Dever
que é uma das vertentes da altissonante regra constitucional de que a ‘lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (inciso XXXV do art. 5º).
Dever, enfim, que, do ângulo do indivíduo, é constitutivo da tradicional garantia de
acesso eficaz ao Poder Judiciário (‘universalização da Justiça’, também se diz).” (HC
94.000, voto do Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-2008, Primeira Turma, DJE
de 13-3-2009.)
tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva” (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário,
DJ de 8-9-1995).
89
“O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma
determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o
esclarecimento de situações. A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa
pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil públi-
ca. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando im-
pregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públi-
cas.” (RE 472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-2008, Segunda Turma, DJE de 29-8-2008.) No mesmo sentido: RE
167.118-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 28-5-2010.
90
No mesmo sentido: ADPF 156, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 18-8-2011, Plenário, DJE de 28-10-2011.
91
“Não há confundir negativa de prestação jurisdicional com decisão jurisdicional contrária à pretensão da parte" (AI 135.850-AgR, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento em 23-4-1991, Segunda Turma, DJ de 24-5-1991). No mesmo sentido: AI 791.441-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.
54
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Nesse sentido, o STF entende que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito
tributário (Súmula Vinculante 28).
Ainda referente às custas, mesmo em processos judiciais, em que pese seja necessário o
pagamento, o valor das custas não pode se mostrar abusivo. Esse entendimento é relevante nos
casos em que o valor da causa era demasiadamente elevado, gerando, assim, custas que
ultrapassavam os critérios de razoabilidade. Em razão disso, o STF editou a Súmula 667:
Súmula 667. Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária
calculada sem limite sobre o valor da causa.
“No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Poder-se-ia partir para a distinção, colocando-se,
em planos diversos, a exclusão propriamente dita e a condição de esgotar-se, antes do
ingresso em juízo, uma determinada fase. Todavia, a interpretação sistemática da Lei
Fundamental direciona a ter-se o preceito com outro alcance, o que é reforçado pelo
dado histórico, ante a disciplina pretérita. O próprio legislador constituinte de 1988
limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase administrativa, para chegar-se à
formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto, (...) no § 1º do art. 217
(...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário sofre uma
mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o
empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase
administrativa está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a
envolver disciplina e competições, sendo que a chamada justiça desportiva há de atuar
dentro do prazo máximo de sessenta dias, contados da formalização do processo,
proferindo, então, decisão final – § 2º do art. 217 da CF. Também tem-se aberta exceção
ao princípio do livre acesso no campo das questões trabalhistas. Entrementes, a norma
que versa sobre o tema está limitada aos chamados dissídios coletivos, às ações
coletivas, no que se previu, no § 2º do art. 114 da CF (...).” (ADI 2.139-MC e ADI 2.160-
MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13-5-2009, Plenário, DJE de
23-10-2009).
O livre acesso é, contudo, limitado pela capacidade postulatória. Já reconheceu o STF92 que
“A CR estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais
(art. 5º, XXXIV, a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade
postulatória litigar em juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a
presença de um advogado, considerado ‘indispensável à administração da justiça’ (art.
133 da CF e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no
rol das exceções, as ações protocoladas nos juizados especiais cíveis, nas causas de valor
até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da
CLT), não fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.”
92
AO 1.531-AgR, voto da Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2009
55
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Por fim, deve ser destacado que, conforme entendimento do STF, não caracteriza violação
à inafastabilidade da jurisdição o arquivamento de execução fiscal por insignificância, a
arbitragem e a execução extrajudicial:
“Execução fiscal – Insignificância da dívida ativa em cobrança – Ausência do interesse de
agir – Extinção do processo (...). O STF firmou orientação no sentido de que as decisões,
que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do
interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do
valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (...) e da
inafastabilidade do controle jurisdicional (...).” (AI 679.874-AgR, Rel. Min. Celso de Mel-
93
lo, julgamento em 4-12-2007, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2008).
93
Em sentido contrário: RE 591.033, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 25-2-2011, com repercussão
geral.
56
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
se chocando, inclusive, com o disposto nos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º desta, razão por que
foi por ela recebido.” (RE 287.453, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-09-
94
2001, Primeira Turma, DJ de 26-10-2001).
Ato jurídico perfeito é aquele que já se completou em todas as suas fases, segundo a lei
vigente da época, tornando-se apto para produzir os seus efeitos.
Já a coisa julgada é a prestação jurisdicional contra a qual não cabe mais recurso.95
Súmula 654. A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da CF, não é
invocável pela entidade estatal que a tenha editado.
Não há direito adquirido com relação ao regime jurídico, reconhece o STF que
“a supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as
eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja
invocado o direito adquirido.” (ADI 248, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-
1993, Primeira Turma, DJ de 8-4-1994).
94
No mesmo sentido: AI 663.578-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 4-8-2009, Segunda Turma, DJE de 28-8-2009.
95
“A coisa julgada a que se refere o art. 5º, XXXVI, da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do art. 6º da Lei de Introdução do Código
Civil, a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada coisa julgada administrativa” (RE 144.996, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 29-4-1997, Primeira Turma, DJ de 12-9-1997).
57
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
com fundamento em antiga e superada interpretação da lei.” (MS 26.196, Rel. Min.
Ayres Britto, julgamento em 18-11-2010, Plenário, DJE de 1º-2-2011).
Nos casos de benefícios fiscais concedidos em lei, não há falar em direito adquirido quando
os fatos gerados são anteriores à vigência da lei. Nesse sentido:
“Imposto de renda. Dedução de prejuízos fiscais. Limitações. Arts. 42 e 58 da Lei
8.981/1995. Constitucionalidade. Ausência de violação do disposto nos arts. 150, III, a e
b, e 5º, XXXVI, da CF. O direito ao abatimento dos prejuízos fiscais acumulados em
exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do contribuinte.
Instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado. Ausência de direito
adquirido. A Lei 8.981/1995 não incide sobre fatos geradores ocorridos antes do início
de sua vigência. Prejuízos ocorridos em exercícios anteriores não afetam fato gerador
nenhum.” (RE 344.994, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 25-3-2009, Plenário,
DJE de 28-8-2009).
Há, contudo, direito adquirido com relação à direitos já incorporados ao patrimônio, ainda
que tais direitos venham a ser revogados por lei infraconstitucional posterior:
“O STF fixou entendimento no sentido de que a lei nova não pode revogar vantagem
pessoal já incorporada ao patrimônio do servidor sob pena de ofensa ao direito
adquirido.” (AI 762.863-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 20-10-2009, Segunda
Turma, DJE de 13-11-2009).
Como não há direito adquirido em face do regime jurídico, entende o STF que as condições
para a concessão de aposentadoria devem ser observadas com base no momento de sua
formalização:
“Art. 2º e expressão '8º' do art. 10, ambos da EC 41/2003. Aposentadoria. Tempus regit
actum. Regime jurídico. Direito adquirido: não ocorrência. A aposentadoria é direito
constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no
momento de sua formalização pela entidade competente. Em questões previdenciárias,
aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a
inatividade. Somente os servidores públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos
na EC 20/1998, durante a vigência das normas por ela fixadas, poderiam reclamar a
aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º da EC 41/2003. Os
servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a aposentadoria
quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo
regime previdenciário estatuído na EC 41/2003, posteriormente alterada pela EC
47/2005. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADI 3.104, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007).
58
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“(...) Na situação dos autos, a genitora do autor não possuía, à época, condições
financeiras para custear exame de DNA. Reconheceu-se a repercussão geral da questão
discutida, haja vista o conflito entre o princípio da segurança jurídica, consubstanciado
na coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), de um lado; e a dignidade humana, concretizada no
direito à assistência jurídica gratuita (CF, art. 5º, LXXIV) e no dever de paternidade
responsável (CF, art. 226, § 7º), de outro. (...) O Min. Dias Toffoli, Relator, proveu o
recurso para decretar a extinção do processo original sem julgamento do mérito e
permitir o trâmite da atual ação de investigação de paternidade. Inicialmente, discorreu
sobre o retrospecto histórico que culminara na norma contida no art. 226, § 7º, da CF
(...), dispositivo que teria consagrado a igualdade entre as diversas categorias de filhos,
outrora existentes, de modo a vedar qualquer designação discriminatória que fizesse
menção à sua origem. A seguir, destacou a paternidade responsável como elemento a
pautar a tomada de decisões em matérias envolvendo relações familiares. Nesse sentido,
salientou o caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível do reconhecimento do
estado de filiação, considerada a preeminência do direito geral da personalidade. Aduziu
existir um paralelo entre esse direito e o direito fundamental à informação genética,
garantido por meio do exame de DNA. No ponto, asseverou haver precedentes da Corte
no sentido de caber ao Estado providenciar aos necessitados acesso a esse meio de
prova, em ações de investigação de paternidade. Reputou necessária a superação da
coisa julgada em casos tais, cuja decisão (...) se dera por insuficiência de provas.
Entendeu que, a rigor, a demanda deveria ter sido extinta nos termos do art. 267, IV, do
CPC (...), porque se teria mostrado impossível a formação de um juízo de certeza sobre o
fato. Aduziu, assim, que se deveria possibilitar a repropositura da ação, de modo a
concluir-se sobre a suposta relação de paternidade discutida. Afirmou que o princípio da
segurança jurídica não seria, portanto, absoluto, e que não poderia prevalecer em
detrimento da dignidade da pessoa humana, sob o prisma do acesso à informação
genética e da personalidade do indivíduo. Assinalou não se poder mais tolerar a
prevalência, em relações de vínculo paterno-filial, do fictício critério da verdade legal,
calcado em presunção absoluta, tampouco a negativa de respostas acerca da origem
biológica do ser humano, uma vez constatada a evolução nos meios de prova voltados
para esse fim.” (RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 7-4-2011, Plenário,
Informativo 622, com repercussão geral).
A coisa julgada pode, ainda, ser afetada pela declaração de inconstitucionalidade da lei que
embase a argumentação da sentença. Assim, um título judicial lastreado em lei que venha ser
declarada inconstitucional pode ser desconstituído. Contudo, a desconstituição não ocorre
automaticamente, para isso é necessária a propositura de ação rescisória.
“A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante
ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido
proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de
59
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
No tema dos concursos, o fundamento do ato jurídico perfeito, é usado para justificar a
necessidade do poder público em respeitar as determinações impostas pelos editais publicados:
“Dentro do prazo de validade do concurso, a administração poderá escolher o momento
no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a
qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e,
dessa forma, um dever imposto ao Poder Público. Uma vez publicado o edital do
concurso com número específico de vagas, o ato da administração que declara os
candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria
administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado
dentro desse número de vagas. (...) O dever de boa-fé da administração pública exige o
60
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
96
"A definição constitucional das hipóteses de prerrogativa de foro ratione muneris representa elemento vinculante da atividade de
persecução criminal exercida pelo Poder Público. (...) O postulado do juiz natural, por encerrar uma expressiva garantia de ordem consti-
tucional, limita, de modo subordinante, os poderes do Estado – que fica, assim, impossibilitado de instituir juízos ad hoc ou de criar
tribunais de exceção –, ao mesmo tempo em que assegura ao acusado o direito ao processo perante autoridade competente abstrata-
mente designada na forma da lei anterior, vedados, em consequência, os juízos ex post facto" (AI 177.313-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 23-4-1996, Primeira Turma, DJ de 17-5-1996).
97
“(...) o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos,
ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao
Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional). O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia
constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exce-
ção) e assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade
competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto). (...) Vê-se (...) que a
cláusula do juiz natural, projetando-se para além de sua dimensão estritamente judicial, também compõe a garantia do due process, no
âmbito da administração pública, de tal modo que a observância do princípio da naturalidade do juízo representa, no plano da atividade
disciplinar do Estado, condição inafastável para a legítima imposição, a qualquer agente público, notadamente aos magistrados, de
sanções de caráter administrativo” (MS 28.712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-5-2010, DJE de 11-
5-2010).
61
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 704. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.
Postulado do juiz natural não é ferido pela convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para
substituir Desembargadores:
“Princípio do juiz natural. Relator substituído por Juiz convocado sem observância de
nova distribuição. Precedentes da Corte. O princípio do juiz natural não apenas veda a
instituição de tribunais e juízos de exceção, como também impõe que as causas sejam
processadas e julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado a partir de
critérios constitucionais de repartição taxativa de competência, excluída qualquer
alternativa à discricionariedade. A convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para
substituir Desembargadores não malfere o princípio constitucional do juiz natural,
autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999. O fato de o processo ter
sido relatado por um Juiz convocado para auxiliar o Tribunal no julgamento dos feitos e
não pelo Desembargador Federal a quem originariamente distribuído tampouco afronta
o princípio do juiz natural. Nos órgãos colegiados, a distribuição dos feitos entre
relatores constitui, em favor do jurisdicionado, imperativo de impessoalidade que, na
hipótese vertente, foi alcançada com o primeiro sorteio. Demais disso, não se vislumbra,
no ato de designação do Juiz convocado, nenhum traço de discricionariedade capaz de
comprometer a imparcialidade da decisão que veio a ser exarada pelo órgão colegiado
competente.” (HC 86.889, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 20-11-2007,
98
Primeira Turma, DJE de 15-2-2008).
Também não viola o princípio do juiz natural a redistribuição do processo para vara
especializada. Nesse sentido, já decidiu o STF:
“Provimento 275 do CJF da 3ª Região. Ilegalidade. Ofensa ao princípio do juiz natural.
Inocorrência. Premissa equivocada quanto à imputação feita aos pacientes. O provimen-
to apontado como inconstitucional especializou vara federal já criada, nos exatos limites
da atribuição que a Carta Magna confere aos Tribunais. A remessa para vara especiali-
zada fundada em conexão não viola o princípio do juiz natural.” (HC 91.253, Rel. Min.
99
Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Primeira Turma, DJ de 14-11-2007).
“(...) Inquérito supervisionado pelo Juiz Federal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu,
que deferiu medidas cautelares. Especialização, por Resolução do Tribunal Regional da
4ª Região, da Segunda Vara Federal de Curitiba/PR para o julgamento de crimes finan-
ceiros. Remessa dos autos ao Juízo competente. Ofensa ao princípio do juiz natural (art.
5º, XXXVII e LIII, da CF) e à reserva de lei. Inocorrência. Especializar varas e atribuir com-
petência por natureza de feitos não é matéria alcançada pela reserva da lei em sentido
estrito, porém apenas pelo princípio da legalidade afirmado no art. 5º, II, da CF, ou seja,
pela reserva da norma. (...) A legalidade da Resolução 20, do Presidente do TRF da 4ª
Região, é evidente. Não há delegação de competência legislativa na hipótese e, pois, in-
constitucionalidade (...).” (HC 85.060, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-9-
2008, Primeira Turma, DJE de 13-2-2009).
98
No mesmo sentido: RE 597.133, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 6-4-2011, com
repercussão geral.
99
No mesmo sentido: HC 96.104 Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010, Primeira Turma, DJE de 6-8-2010.
62
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“A remessa para vara especializada fundada em conexão não viola o princípio do juiz
natural.” (HC 91.253, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Pri-
meira Turma, DJ de 14-11-2007).
100
No mesmo sentido: HC 103.646, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 24-8-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-10-2010.
63
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
natural.” (AP 351, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de
101
17-9-2004).
“Não pode o julgador, por analogia, estabelecer sanção sem previsão legal, ainda que
para beneficiar o réu, ao argumento de que o legislador deveria ter disciplinado a
situação de outra forma. Em face do que dispõe o § 4º do art. 155 do CP, não se mostra
possível aplicar a majorante do crime de roubo ao furto qualificado.” (HC 92.626, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-3-2008, Primeira Turma, DJE de 2-5-
2008).
Súmula 611, STF. Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das
execuções a aplicação de lei mais benigna.
101
No mesmo sentido: Inq 2.168-ED, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 15-4-2009, Plenário, DJE de 28-8-2009.
102
"A cláusula constitucional inscrita no art. 5º, XL, da Carta Política – que consagra o princípio da irretroatividade da lex gravior – incide,
no âmbito de sua aplicabilidade, unicamente, sobre as normas de direito penal material, que, no plano da tipificação, ou no da definição
das penas aplicáveis, ou no da disciplinação do seu modo de execução, ou, ainda, no do reconhecimento das causas extintivas da punibi-
lidade, agravem a situação jurídico-penal do indiciado, do réu ou do condenado" (AI 177.313-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamen-
to em 18-6-1996, Primeira Turma, DJ de 13-9-1996).
103
“Não retroatividade da lei mais benigna para alcançar pena já cumprida” (RE 395.269-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
10-2-2004, Segunda Turma, DJ de 5-3-2004).
64
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
104
No mesmo sentido: HC 103.093, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-10-2010.
65
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
severa, deveria ser aplicada a lei anterior – lex mitior – reconhecendo-se a sua ultra-
atividade por uma singela razão: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu
(Constituição, art. 5º, XL).” (HC 76.978, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-9-
1998, Segunda Turma, DJ de 19-2-1999).
A tradicional concepção do controle, pelo Judiciário, dos atos praticados pelo Executivo não
admitia a “intromissão” nas questões protegidas pelo manto da legalidade. Vale dizer: uma vez
verificada a legalidade do ato não caberia ao Judiciário analisar o aspecto substancial do ato. A
análise era puramente procedimental; externa; superficial.
Hoje em dia, entretanto, há forte tendência doutrinária e jurisprudencial que admite estar o
Judiciário apto à verificação da pertinência relativa entre o ato praticado e o fim almejado pelo
executor. A isso se tem denominado análise da razoabilidade e da proporcionalidade de um ato
administrativo que externamente até pode ser reputado legal. As perguntas passam a ser
formuladas pelo julgador. Inquire-se: ainda que (ou apesar de) legal, o ato praticado é razoável? É
proporcional? As premissas seriam as seguintes:
a) adequação (se o meio utilizado foi a melhor opção dentre as possíveis);
b) necessidade (se a magnitude da intervenção era mesmo imperiosa); e
c) proporcionalidade em sentido estrito (exame da relação custo-benefício; verificação
entre o fim almejado e o meio empregado).
Sobre o tema:
Súmula Vinculante 24. Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto
no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.
105
“Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e
processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process
– constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade (reaso-
nableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer
atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento
judicial justo, com direito de defesa.” (ADI 1.511-MC, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-10-1996, Plenário, DJ de 6-6-
2003).
66
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 704, STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.
Súmula 323, STF. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para
pagamento de tributos.
67
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“Art. 595 do CPP. Apelação julgada deserta em razão do não recolhimento do réu à pri-
são. Violação aos direitos e garantias individuais e aos princípios do Direito. (...) O não
recolhimento do réu à prisão não pode ser motivo para a deserção do recurso de apela-
ção por ele imposto. O art. 595 do CPP instituiu pressuposto recursal draconiano, que vi-
ola o devido processo legal, a ampla defesa, a proporcionalidade e a igualdade de tra-
tamento entre as partes no processo. (...).” (HC 84.469, Rel. Min. Joaquim Barbosa, jul-
gamento em 15-4-2008, Segunda Turma, DJE de 9-5-2008).
“Lei do crime organizado (art. 7º). Vedação legal apriorística de liberdade provisória. Con-
venção de Parlermo (art. 11). Inadmissibilidade de sua invocação. (...) Cláusulas inscritas nos
textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades ju-
diciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem,
em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso
sistema de direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, dentre outros prin-
cípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem
persecução penal instaurada pelo Estado. A vedação apriorística de concessão de liberdade
provisória é repelida pela jurisprudência do STF, que a considera incompatível com a presun-
ção de inocência e com a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados na
Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito. Precedente:
ADI 3.112/DF. A interdição legal in abstracto, vedatória da concessão de liberdade provisó-
ria, incide na mesma censura que o Plenário do STF estendeu ao art. 21 do Estatuto do De-
sarmamento (ADI 3.112/DF), considerados os postulados da presunção de inocência, do due
process of law, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, analisado este na
perspectiva da proibição do excesso. O legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição
da existência de situação de real necessidade capaz de viabilizar a utilização, em cada situa-
ção ocorrente, do instrumento de tutela cautelar penal. Cabe, unicamente, ao Poder Judiciá-
rio, aferir a existência, ou não, em cada caso, da necessidade concreta de se decretar a pri-
são cautelar.” (HC 94.404, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-2008, Segunda
Turma, DJE de 18-6-2010).
68
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Necessidade:
“Necessidade de notificação prévia (CPP, art. 514). É da jurisprudência do Supremo
Tribunal (v.g. HC 73.099, Primeira Turma, 3-10-1995, Moreira, DJ de 17-5-1996) que o
procedimento previsto nos arts. 513 e seguintes do CPP se reserva aos casos em que a
denúncia veicula tão somente crimes funcionais típicos (CP, arts. 312 a 326). (...) Ao
julgar o HC 85.779, Gilmar, Informativo STF 457, o Plenário do Supremo Tribunal,
abandonando entendimento anterior da jurisprudência, assentou, como obter dictum,
que o fato de a denúncia se ter respaldado em elementos de informação colhidos no
inquérito policial, não dispensa a obrigatoriedade da notificação prévia (CPP, art. 514) do
acusado.” (HC 89.686, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-6-2007, Primeira
107
Turma, DJ de 17-8-2007).
- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade relativa:
“A ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do CPP constitui vício que gera
nulidade relativa e deve ser arguida oportunamente, sob pena de preclusão.
Precedentes. O princípio do pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo
concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato,
pois não se declara nulidade processual por mera presunção. Precedentes. A
jurisprudência deste STF assentou o entendimento de que o art. 514 do CPP tem por
objetivo ‘dar ao réu-funcionário a possibilidade de evitar a instauração de processo
temerário, com base em acusação que já a defesa prévia ao recebimento da denúncia
poderia, de logo, demonstrar de todo infundada. Obviamente, após a sentença
condenatória, não se há de cogitar de consequência de perda dessa oportunidade de
todo superada com a afirmação, no mérito, da procedência da denúncia’ (HC 72.198, DJ
de 26-5-1995).” (HC 97.033, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-5-2009, Primeira
Turma, DJE de 12-6-2009).
- Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade absoluta:
106
Em sentido contrário: HC 108.652, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-8-2011, Primeira Turma, DJE de 8-9-2011.
107
No mesmo sentido: HC 95.969, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 12-6-2009; HC
96.058, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.
69
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
108
No mesmo sentido: HC 97.599, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE de 16-4-2010.
109
No mesmo sentido: HC 95.667, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2010.
70
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
110
Esta decisão foi tomada antes da alteração do Código de Processo Penal pela Lei nº 11.9000/2009. Com a alteração do CPP, o artigo
185, 2º passou a admitir a videoconferência: “Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das
partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de
sons e imagens em tempo real”.
111
No mesmo sentido: Inq 2.774, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-4-2011, Plenário, DJE de 6-9-2011.
71
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
(como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como
ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o
delito de ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.); (b) nada impede, contudo, que o
Poder Público provocado por delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas
informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e
discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com
o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover,
então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim,
completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas; e (c) o
Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito
policial, também pode formar a sua opinio delicti com apoio em outros elementos de
convicção que evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios
suficientes de sua autoria, desde que os dados informativos que dão suporte à acusação
penal não tenham, como único fundamento causal, documentos ou escritos anônimos.” (Inq
1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-2005,
112
Plenário, DJ de 11-11-2005).
112
No mesmo sentido: HC 106.664-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-5-2011, DJE de 23-5-2011; HC
99.490, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011; HC 95.244, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 23-3-2010, Primeira Turma, DJE de 30-4-2010.
72
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 708, STF. É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da
renúncia do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.
Súmula 704, STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido
processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados.
Súmula 701, STF. No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra deci-
são proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.
Súmula 523, STF. No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas
a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
73
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
- Deve-se levar em conta também que não é qualquer vício que causa a nulidade do pro-
cesso, é necessário que seja demonstrada o prejuízo do réu:
“Não há, no processo penal, nulidade ainda que absoluta, quando do vício alegado não
haja decorrido prejuízo algum ao réu.” (HC 82.899, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento
113
em 2-6-2009, Segunda Turma, DJE de 26-6-2009).
113
No mesmo sentido: HC 104.767, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14-6-2011, Primeira Turma, DJE de 17-8-2011.
114
No mesmo sentido: RE 594.040-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 23-4-2010.
115
No mesmo sentido: RE 660.254-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 14-5-2010; RE 531.906-
AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em de 10-6-09, Segunda Turma, DJE de 26-6-09.
116
No mesmo sentido: HC 95.654, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-9-2010, Segunda Turma, DJE de 15-10-2010.
74
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
- Nomeação de defensor dativo para mais de um réu. Colisão entre as teses defensivas.
Necessidade de demonstração de prejuízo:
“A colidência de teses defensivas é apenas invocável, como causa nullitatis, nas hipóte-
ses em que, comprovado o efetivo prejuízo aos direitos dos réus, a defesa destes vem a
ser confiada a um só defensor dativo (...).” (HC 70.600, Rel. Min. Celso de Mello, julga-
mento em 19-4-1994, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009).
117
No mesmo sentido: HC 94.216, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 19-6-2009. Em sentido
contrário: RE 602.543-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009, Plenário, DJE 26-2-2010, com repercussão geral.
118
No mesmo sentido: RHC 105.242, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 19-10-2010, Segunda Turma, DJE de 24-11-2010.
119
Vide: RE 481.955-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-5-2011, Primeira Turma, DJE de 26-5-2011.
75
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
76
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (art. 5º, LVI, CF). Com base nesse entendimento, foram editadas a seguinte súmula:
77
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
78
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
120
No mesmo sentido: HC 96.577, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-2-2009, Segunda Turma, DJE de 19-3-2010. Vide: HC
97.028, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.
121
No mesmo sentido: RE 634.224, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 14-3-2011, DJE de 21-3-2011.
122
No mesmo sentido: HC 88.721, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 29-5-2009.
79
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua
inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade
do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que,
em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o
réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o
acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei 88, de 20-12-1937, art. 20, 5). (...).”
(HC 73.338, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-8-1996, Primeira Turma DJ de
19-12-1996).
80
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse muti-
rão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País,
que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às
medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo
Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.”
- Uso de algemas:
Súmula Vinculante 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado
receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou
de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
81
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
COMUNICAÇÃO DA PRISÃO
A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII, CF).
Uma das questões mais interessantes e atuais, diretamente relacionada com o dispositivo
constitucional sob análise e com o dispositivo comentado no item relativo ao relaxamento da
prisão ilegal envolve a chamada Audiência de Custódia, inaugurada em solo brasileiro a partir de
pioneiro projeto-piloto capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça na gestão do Presidente
Ricardo Lewandowski que, inclusive, proporcionou ambiente seguro para a edição da Resolução
CNJ 213/15, que “Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo
de 24 horas”.
O referido projeto-piloto foi levado a cabo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
através do Provimento Conjunto 3/15, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal instado a se manifestar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240/SP, Relator
Ministro Luiz Fux, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL.
123
No mesmo sentido: AI 299.125, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-2009, DJE de 20-10-2009; AI
718.202-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 22-5-2009.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
DIREITO AO SILÊNCIO
O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5º, LXIII, CF). Este dispositivo trata do
privilégio contra a auto-incriminação (“nemo tenetur se detegere”), bem como da garantia de que
o indivíduo preso seja assistido pela família e por defesa técnica.
83
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório
policial (art. 5º, LXIV, CF).
LIBERDADE PROVISÓRIA
Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
com ou sem fiança (art. 5º, LXVI, CF).
Isso não quer dizer que o procedimento de extradição esteja fora do controle de legalidade a
cargo do Judiciário. Na verdade, a discricionariedade do Presidente da República sempre estará
atrelada à anterior verificação da legalidade do ato por parte do Supremo Tribunal Federal: se o STF
concluir que a extradição é legalmente viável, o Presidente da República pode optar se acolhe ou
não o pedido de extradição. Contudo, se o STF decidir que a extradição não é legal ou não é
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
De acordo com o art. 5º, LI, CF, nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em
caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
Como se percebe, não há falar em extradição de brasileiros natos. Quanto aos naturalizados,
somente por crimes comuns praticados antes da naturalização e, nos casos de envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes, o crime pode ter sido praticado mesmo após a naturalização. Para a
concessão de extradição há necessidade de comutação, no país requerente, da pena de morte.
Entretanto, o STF vem reiteradamente decidindo que não se exige a comutação em se tratando de
prisão perpétua ou pena de trabalhos forçados.
O art. 5º, LII, CF, por sua vez, dispõe que não será concedida extradição de estrangeiro por
crime político ou de opinião. Por crime político ninguém pode ser extraditado, nem mesmo o
estrangeiro.
85
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
86
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
HABEAS CORPUS
Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer vi-
olência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º,
LXVII, CF).124
Este dispositivo deve ser analisado em conjunto com a regra do inciso XV, também do art. 5º,
CF125. Sendo assim, a lei pode limitar, na excepcionalíssima circunstância de guerra, o direito de
locomoção.
Importante destacar a regra do art. 142, § 2º, CF: “não caberá habeas corpus em relação a
punições disciplinares militares”. Esta regra deve interpretada no sentido da inviabilidade de discus-
são, via habeas corpus, do mérito das punições disciplinares militares. Não haveria, assim, óbice ao
habeas corpus nas hipóteses de desrespeito ao devido processo legal, seja na aplicação da penali-
dade militar ou no procedimento do qual ela resultou.
O paciente, no habeas corpus, é sempre a pessoa física. Pessoa jurídica não, a despeito de
possuir legitimidade ativa, ou seja, ser detentora da possibilidade de impetrar habeas corpus em
favor de pessoa física. Estrangeiros podem ser pacientes ou impetrantes, em defesa de próprio
direito, de habeas corpus.126
Ainda no tocante à legitimidade ativa, além do próprio paciente e da pessoa jurídica em fa-
vor dele, é possível a impetração pelo Ministério Público.127 Não há possibilidade de impetração
124 “A ação de habeas corpus não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi,
ambulandi, eundi ultro citroque do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926
– que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio
processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das
pessoas” (HC 102.041, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010). No mesmo sentido: HC
103.642, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 25-3-2011.
125
Art. 5º (...)
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer
ou dele sair com seus bens;
126 "O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do habeas
corpus, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção,
contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. (HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 16-9-2008, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009.) No mesmo sentido: HC 94.404, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-2008,
Segunda Turma, DJE de 18-6-2010. Vide: HC 102.041-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-2-2011, Segunda Turma,
Informativo 616.
127 "Habeas corpus. Legitimidade ad causam do Ministério Público. Ação que pretende o reconhecimento da incompetência absoluta do
juízo processante. O pedido de reconhecimento de incompetência absoluta do Juízo processante afeta diretamente a defesa de um
direito individual indisponível do paciente: o de ser julgado por um juiz competente, nos exatos termos do que dispõe o inciso LIII do art.
5º da CF. O Ministério Público, órgão de defesa de toda a Ordem Jurídica, é parte legítima para impetrar habeas corpus que vise ao
reconhecimento da incompetência absoluta do juiz processante de ação penal" (HC 90.305, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-
2007, Primeira Turma, DJ de 25-5-2007).
87
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
apócrifa, ou seja, despida de assinatura por parte do impetrante, embora seja plenamente viável a
impetração por pessoa sem habilitação junto à Ordem dos Advogados do Brasil.128
A autoridade judiciária competente para a análise da impetração não está adstrita ao pedido
ou à causa de pedir, donde se conclui que, em sede de habeas corpus, não há falar em sentenças
ou decisões com características ultra ou extra petita.129
O rito sumaríssimo do habeas corpus não admite dilação probatória.130 Assim, se, por e-
xemplo, buscar-se a anulação de sentença sob o argumento de que a decisão seria contrária à pro-
va dos autos, o meio correto seria a revisão criminal ou a apelação e não o remédio constitucional.
Habeas corpus não é recurso. É ação constitucional isenta do pagamento de custas. É possí-
vel a concessão de liminar em habeas corpus. O impetrante pode desistir da anterior impetração de
habeas corpus, que é sempre gratuita (art. 5º, LXXVII, CF). Além disso, no habeas corpus não há
falar em prescrição ou em decadência.131
Situação corriqueira no âmbito dos tribunais, em que as decisões finais nos habeas corpus
são tomadas em por intermédio de deliberações colegiadas, é o empate no julgamento. Nesse
caso, o empate é considerado como sendo decisão favorável ao paciente.132
Quanto à legitimidade passiva, esta pode ser preenchida tanto por autoridade pública (como
um Delegado de Polícia Federal, por exemplo), quanto por particular (internações em hospitais e
clínicas de custódia psiquiátrica). Note-se que a autoridade pública comete tanto ilegalidade quan-
to abuso de poder, enquanto o particular somente pode cometer ilegalidade.
São duas as espécies de habeas corpus: liberatório (ou repressivo) e preventivo (salvo-
conduto). Esta segunda espécie afigura-se presente quando alguém se achar na iminência de sofrer
violência ou coação na sua liberdade de locomoção. A jurisprudência, especialmente do STF, tem
atribuído enorme abrangência às hipóteses de cabimento do habeas corpus na modalidade preven-
tiva.133
128 "O CPP, em consonância com o texto constitucional de 1988, prestigia o caráter popular do habeas corpus, ao admitir a impetração
por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem. Assim, não é de se exigir habilitação legal para impetração originária do writ ou para
interposição do respectivo recurso ordinário. Precedente (HC 73.455)" (HC 86.307, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-11-
2005, Primeira Turma, DJ de 26-5-2006).
129 "Na apreciação de habeas corpus, o órgão investido do ofício judicante não está vinculado à causa de pedir e ao pedido formulados.
Exsurgindo das peças dos autos a convicção sobre a existência de ato ilegal não veiculado pelo impetrante, cumpre-lhe afastá-lo, ainda
que isto implique concessão de ordem em sentido diverso do pleiteado. (...)" (HC 69.421, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-
1992, Segunda Turma, DJ de 28-8-1992).
130 “O habeas corpus é garantia constitucional que pressupõe, para o seu adequado manejo, uma ilegalidade ou um abuso de poder tão
flagrante que se revele de plano (inciso LXVIII do art. 5º da Magna Carta de 1988). Tal qual o mandado de segurança, a ação
constitucional de habeas corpus é via processual de verdadeiro atalho. Isso no pressuposto do seu adequado ajuizamento, a se dar
quando a petição inicial já vem aparelhada com material probatório que se revele, ao menos num primeiro exame, induvidoso quanto à
sua faticidade mesma e como fundamento jurídico da pretensão” (HC 96.787, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 31-5-2011, Segunda
Turma, DJE de 21-11-2011).
131 “Habeas corpus. Alcance. O habeas corpus não sofre qualquer peia, sendo-lhe estranhos os institutos da prescrição, da decadência e
da preclusão ante o fator tempo” (HC 91.570, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).
132
“O empate na votação de habeas corpus, ausente um dos integrantes do Colegiado, deságua na imediata proclamação do resultado
mais favorável ao paciente.” (HC 94.701, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).
133
“É cabível habeas corpus para apreciar toda e qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de
locomoção ou, ainda, agravar as restrições a esse direito. Esse o entendimento da Segunda Turma ao deferir habeas corpus para
assegurar a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus filhos e enteados. (...) De início, rememorou-se que a
jurisprudência hodierna da Corte estabelece sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais
direta, ao menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos. Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria,
88
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 695. Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade.
Súmula 694. Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar
ou de perda de patente ou de função pública.
Súmula 693. Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou
relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única co-
minada.
Súmula 692. Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição,
se fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi
ele provocado a respeito.
Súmula 431. É nulo julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia in-
timação ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus.
Súmula 395. Não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver so-
bre o ônus das custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção.
por completo, o processo de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar no sistema jurídico brasileiro,
sobretudo para conferir força normativa mais robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de
abrangência dessa ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito criminal para tomada de
depoimento, indiciamento de determinada pessoa, recebimento de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e
decisão condenatória, entre outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e asseguraria aos
presidiários o respeito à integridade física e moral *CF, art. 5º: ‘XLIX (...)’+. (...) Aludiu-se que a visitação seria desdobramento do direito de
ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a situação do apenado.” (HC 107.701, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-9-
2011, Segunda Turma, Informativo 640).
134
No mesmo sentido: HC 94.817, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.
89
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“É possível a concessão de habeas corpus para a extinção de ação penal sempre que se
constatar ou imputação de fato atípico, ou inexistência de qualquer elemento que de-
monstre a autoria do delito, ou extinção da punibilidade. (...) Nas palavras de Reale Jú-
nior, tipicidade é a ‘congruência entre a ação concreta e o paradigma legal ou a configu-
ração típica do injusto’. Não preenchidos esses requisitos, inexiste justa causa para a ins-
tauração da persecução penal pelo Parquet.” (HC 102.422, Rel. Min. Dias Toffoli, julga-
mento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 14-9-2011).
135
Em sentido contrário: HC 100.986, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 31-5-2011, Primeira Turma, DJE de 1º-8-2011.
90
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
de pela restrição de direitos, em grau mínimo.” (HC 93.251, Rel. Min. Ricardo Lewan-
dowski, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE 22-8-2008).
- Habeas corpus. Análise da pena-base fixada em sentença criminal (CP, artigo 59). Impos-
sibilidade:
“O habeas corpus não é a via adequada para a análise da pena-base quando sua exaspe-
ração tiver apoio nas circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do CP.” (HC 95.056,
Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 3-2-2009, Primeira Turma, DJE de 13-3-2009).
91
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“Habeas corpus. Sentença condenatória. Nulidade processual absoluta. Coisa julgada. Ir-
relevância. Conhecimento e concessão. Prevalência da tutela constitucional do direito in-
dividual da liberdade. Precedentes. O habeas corpus constitui remédio hábil para argui-
ção e pronúncia de nulidade do processo, ainda que já tenha transitado em julgado a
sentença penal condenatória.” (HC 93.942, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 6-5-
2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008.)
- Habeas corpus. Trancamento de ação penal por falta de justa causa. Superveniência de
condenação:
“A superveniência de sentença penal condenatória torna prejudicada a impetração que
visava ao trancamento da ação penal, por falta de justa (precedentes).” (HC 88.292, Rel.
136
Min. Eros Grau, julgamento em 13-6-2006, Segunda Turma, DJE de 4-8-2006).
136
No mesmo sentido: HC 97.725, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE de 26-3-2010.
92
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
dado de segurança deve ser aquele que o pretenso impetrante não tem ao alcance duas outras
ações constitucionais, quais sejam: habeas corpus e habeas data.
Ato de autoridade é todo aquele praticado por pessoa investida de parcela de poder público.
Evidentemente o preceito abrange tanto a administração direta (chefia do Poder Executivo e Minis-
térios) quanto a administração indireta (autarquias, agências reguladoras, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos).137
Alcança também atos praticados por particulares que ajam por delegação do Poder Público, uma
vez que, segundo a própria norma contida no inciso sob análise, o mandado de segurança é cabível
“quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pes-
soa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
A Lei 12.016/09, em seu art. 2º, dispõe ser considerada federal a autoridade coatora se as
consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
Agentes públicos, que são meros executores de atos administrativos em obediência hierár-
quica não podem ser apontados como autoridades coatoras Nos termos do art. 6º, § 3º, Lei
12.016/09: considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da
qual emane a ordem para a sua prática.138
137
A Lei 12.016/09 dispõe não caber mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de
empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (1º, § 2º).
138
“(...)A própria Lei 12.016, no intuito de se amoldar ao entendimento desta Corte, estipulou, no seu art. 6º, §3º, que não apenas a
autoridade que edita o ato mas também aquela que ordena a sua execução deverão figurar no polo passivo do writ (...).” (MS 27.851,
voto do Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 23-11-2011).
“Mesmo após a edição da Lei 12.016/2009, Lei do Mandado de Segurança, aquele que, na condição de superior hierárquico, não pratica
ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução de um ato não poderá figurar como autoridade coatora. Caso contrário,
o presidente da República seria autoridade coatora em todos os mandados de segurança impetrados contra ações ou omissões danosas
verificadas no âmbito federal.” (RMS 26.211, voto do Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 11-10-2011).
139
“Mandado de segurança. Recurso administrativo. Inércia da autoridade coatora. Ausência de justificativa razoável. (...) A inércia da
autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão
impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a
apreciação do recurso administrativo.” (MS 24.167, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 5-10-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007).
93
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A autoridade ocupa o polo passivo do mandado de segurança, Segundo o art. 6º, Lei
12.016/09, na petição inicial deve estar indicada, além da autoridade impetrada, a pessoa jurídica
que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
O mandado de segurança pode ser impetrado tanto de forma repressiva como preventiva,
quando houver lesão ou ameaça de lesão.
E o interesse de agir, quando se configura? Neste aspecto, além de direito líquido e certo, há
imperiosa necessidade de demonstração, por parte do impetrante, de que há efetiva lesão ou
ameaça de lesão ao alegado direito líquido e certo. Portanto, é lógico que um mero projeto de lei
em tramitação numa das Casas Legislativas, por exemplo, ainda não tem o condão de acarretar a
mencionada lesão ou possibilidade de lesão, a não ser que seja o caso de algum dos parlamentares
que tenha direito seu, enquanto parlamentar, desrespeitado durante esse procedimento de trami-
tação do projeto de lei.140
A liquidez e a certeza relacionam-se a fatos, que devem ser comprovados de plano por oca-
sião da impetração. É que, no procedimento especial do mandado de segurança, não existe a fase
de instrução e, portanto, não se admite a chamada dilação probatória.141 A inicial é ajuizada, o juiz
concede ou não a liminar, a autoridade apontada como coatora é notificada para prestar informa-
ções em 10 dias, o Ministério Público emite parecer em 5 dias e o processo é encaminhado para
sentença.
Não raras vezes o impetrante relata que não teve acesso prévio aos documentos indispensá-
veis ao ajuizamento da inicial. A Lei 12.016/09 trata de duas possibilidades:
1. Quando é a própria autoridade que está de posse dos documentos, ela deverá provi-
denciar a apresentação no prazo que lhe é concedido para a prestação das informações
(art. 6º, § 2º);
Além da certeza quanto aos fatos, o direito líquido e certo somente se verifica quando tra-
tar-se de direito subjetivo próprio do impetrante. Esta afirmação deve ser compreendida com as
conformações decorrentes da regra veiculada pelo art. 5º, XXI, CF, pois este dispositivo permite que
“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar
seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.
Quanto à legitimidade ativa, qualquer pessoa física ou jurídica que tiver direito líquido e cer-
to ameaçado ou violado podem impetrar mandado de segurança, inclusive o estrangeiro residente
140
“O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo
de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa
do parlamentar, apenas. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Min. Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Min. Celso
de Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Min. Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Min. Carlos Velloso, DJ 12-9-2003.” (MS
24.642, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 18-2-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004).
141
“O mandado de segurança não abre margem a dilação probatória. Os fatos articulados na inicial devem vir demonstrados mediante os
documentos próprios, viabilizando-se requisição quando se encontrarem em setor público.” (RMS 26.744, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 13-10-2009, Primeira Turma, DJE de 13-11-2009).
94
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
no exterior.142 Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas po-
derá requerer o mandado de segurança (art. 1º, § 3º, Lei 12.016/09). Além disso, é possível que
Art. 3º O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas,
de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o
seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente.
Decai em 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado, o direito de
requerer mandado de segurança (art. 23, Lei 12.016/09). O decurso do prazo decadencial para o
mandado de segurança não obsta que a parte interessada, acaso respeitados os pressupostos pro-
cessuais e as condições da ação, demande a questão nas vias ordinárias.143
Ao despachar a inicial, o juiz deve ordenar que se dê ciência do feito ao órgão de representa-
ção judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresse no feito (art. 7º, Lei 12.016/09).
É vedada a concessão de liminar quando tiver por objeto a compensação de créditos tributá-
rios, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de
servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qual-
quer natureza (art. 7º, § 2º, Lei 12.016/09).
A autoridade impetrada não recebe citação, mas uma notificação para prestar informações
no prazo de 10 dias. Não há previsão legal para que a autoridade impetrada apresente contestação.
142 "Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre da
interpretação sistemática dos arts. 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LXIX, da Constituição atual. Recurso
extraordinário não conhecido" (RE 215.267, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-4-2001, Primeira Turma, DJ de 25-5-2001).
143 “Com o decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial de 120 dias, a que se refere o art. 23 da Lei 12.016/2009, extingue-se, de pleno
direito, a prerrogativa de impetrar mandado de segurança. (...) O termo inicial do prazo decadencial de 120 dias começa a fluir, para
efeito de impetração do mandado de segurança, a partir da data em que o ato do Poder Público, formalmente divulgado no Diário
Oficial, revela-se apto a gerar efeitos lesivos na esfera jurídica do interessado. (...) O ato estatal eivado de ilegalidade ou de abuso de
poder não se convalida nem adquire consistência jurídica pelo simples decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial a que se refere o art. 23
da Lei 12.016/2009. A extinção do direito de impetrar mandado de segurança, resultante da consumação do prazo decadencial, embora
impeça a utilização processual desse instrumento constitucional, não importa em correspondente perda do direito material, ameaçado
ou violado, de que seja titular a parte interessada, que, sempre, poderá – respeitados os demais prazos estipulados em lei – questionar,
em juízo, a validade jurídica dos atos emanados do Poder Público que lhe sejam lesivos” (MS 29.108-ED, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 11-5-2011, Plenário, DJE de 22-6-2011).
95
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não im-
pede que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimo-
niais (art. 19, Lei 12.016/09). Além disso, o pedido de mandado de segurança pode ser renovado
dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito (art. 6º,
§ 6º, Lei 12.016/09).
Súmula 625. Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado
de segurança.
Súmula 430. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo pa-
ra o mandado de segurança.
Súmula 270. Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei
3.780, de 12-7-1960, que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa.
Súmula 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em
julgado.
144 “O art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009 dispõe que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença
concessiva de mandado de segurança somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do
ajuizamento da inicial do writ. Dessa forma, restabelecidos os proventos da embargante, pois considerado ilegal o ato da Corte de
Contas, o termo inicial para o pagamento é o ajuizamento do mandado de segurança” (MS 26.053-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 14-4-2011, Plenário, DJE de 23-5-2011).
96
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 267. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correi-
ção.
145
No mesmo sentido: AI 609.415-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 3-5-2011, Primeira Turma, DJE de 5-8-2011.
97
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A legitimação dos partidos políticos cinge-se àqueles que têm representação no Congresso
Nacional. Basta um Senador ou um Deputado Federal. Note-se que não há falar legitimidade decor-
rente de representação de partido político perante Assembleias Legislativas ou Câmaras Distritais
ou Municipais. Assim, partidos que têm como representantes apenas Vereadores, Deputados Esta-
duais ou Deputados Distritais não detêm legitimidade ativa em sede de mandado de segurança
coletivo.
Em que pese a importância das questões a serem amparadas pelos partidos políticos,147 exis-
te interpretação extremamente restritiva no tocante à legitimidade a legitimidade neste aspecto,
concluindo que cabe aos partidos políticos somente a defesa de interesses políticos e eleitorais de
seus membros. Interessante notar que o art. 21, Lei 12.016/09, dispõe de forma mais ampla, confe-
rindo aos partidos políticos a possibilidade de, por intermédio do mandado de segurança coletivo,
atuar na defesa de interesses relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária.
146
No mesmo sentido: AI 271.528-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-11-2006, Primeira Turma, DJ de 7-12-2006.
147
“O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo e a defender os direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição Federal.” (Lei n˚ 9.096/95 , artigo 1˚).
98
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
defesa dos interesses de seus membros ou associados. Aqui um lembrete é muito importante: a lei
que rege a ação civil pública (Lei 7.347/85), em seu art. 5º, § 4º, dispensa o requisito da pré-
constituição há pelo menos um anos quando “haja manifesto interesse social evidenciado pela di-
mensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”. Isso não quer
dizer que, em se tratado de mandado de segurança coletivo (que tem sede constitucional), a pré-
constituição seja dispensada.
A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo é extraordinária. Vale dizer: a lei atri-
bui a alguém a defesa, em nome próprio, de direito alheio.148 Por isso é que não há falar na neces-
sidade de autorização expressa por parte daqueles que terão os direitos buscados pelas vias deste
remédio constitucional. O art. 21, Lei 12.016/09, dispensa, expressamente, a necessidade de auto-
rização.149
Há dispositivo legal que exige a indicação do nome e endereço dos associados (art. 2º-A, pa-
rágrafo único, Lei 9.494/97).150 O STF já havia decidido no sentido da não aplicabilidade dessa dis-
posição ao mandado de segurança coletivo.151 A Lei 12.016/09 regulamentou integralmente tanto
o mandado de segurança individual quanto o mandado de segurança coletivo. Trata-se de instru-
mento legislativo posterior e especial em relação à Lei 9.494/97 que não contempla a exigência da
indicação do nome e endereço dos associados, de modo que, atualmente, não há falar em tal re-
quisito.
A Primeira Turma do STF, salientando que a exigência visa restringir a eficácia da sentença ao
âmbito territorial de competência do órgão que a prolata — conforme caput do referido artigo 2º:
“A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo... abrangerá apenas os substituídos que
tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão
prolator” —, entendeu que tal exigência não se aplica com relação aos órgãos da justiça que, como
o Superior Tribunal de Justiça, têm jurisdição nacional, porquanto abrangem todos os substituídos
onde quer que tenham domicílio no território nacional.152
148
“O inciso LXX do art. 5º da CF encerra o instituto da substituição processual, distanciando-se da hipótese do inciso XXI, no que surge no
âmbito da representação. As entidades e pessoas jurídicas nele mencionadas atuam, em nome próprio, na defesa de interesses que se
irradiam, encontrando-se no patrimônio de pessoas diversas. Descabe a exigência de demonstração do credenciamento.” (RMS 21.514,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 27-4-1993, Segunda Turma, DJ de 18-6-1993).
149
Súmula 629, STF. A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da
autorização destes.
150
“Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição
inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da
relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.”
151
“Não aplicação, ao mandado de segurança coletivo, da exigência inscrita no art. 2º-A da Lei 9.494/1997, de instrução da petição inicial
com a relação nominal dos associados da impetrante e da indicação dos seus respectivos endereços.” (RMS 23.769, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 3-4-2002, Plenário, DJ de 30-4-2004).
152
RMS 23.566-DF, rel. Min. Moreira Alves, 19-2-2002
99
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a) coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indi-
visível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica básica; e
No mandado de segurança coletivo, a sentença faz coisa julgada limitadamente aos mem-
bros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante (art. 22, caput, Lei 12.016/09).
O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os
efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desis-
tência de seu mandado de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da impe-
tração da segurança coletiva (art. 22, § 1º, Lei 12.016/09).
MANDADO DE INJUNÇÃO
Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à na-
cionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, CF).
153
Note-se que não há previsão para o cabimento de mandado de segurança coletivo para a defesa de interesses difusos.
154 “Os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano jurídico-processual, a
utilização do writ mandamental coletivo. Atos em tese acham-se pré-excluídos do âmbito de atuação e incidência do mandado de
segurança, aplicando-se, em consequência, às ações mandamentais de caráter coletivo, a Súmula 266/STF.” (MS 21.615, Rel. p/ o ac.
Min. Celso de Mello, julgamento em 10-2-1994, Plenário, DJ de 13-3-1998).
155 “Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que ex-
pressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto
na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio destina-
do a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação
100
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A ADI por omissão pode ser impetrada pelos legitimados do art. 103, CF, e a decisão proferi-
da gera efeitos erga omnes. Já o mandado de injunção, individual ou coletivo, deve ser impetrado
por aqueles que, no caso concreto, são titulares do direito lesado pela omissão legislativa ou admi-
nistrativa. A decisão, neste caso, produz efeitos apenas inter partes.
Quanto ao sujeito passivo o STF já pacificou o entendimento de que deve figurar como impe-
trado somente aquele órgão detentor da legitimidade para a edição da norma regulamentadora.156
Nesse MI, o STF apresentou entendimento a respeito da limitação de juros em 12% ao ano,
então constantes no hoje revogado art. 192, § 3º, CF. De acordo com Luis Roberto Barroso, “em
que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe norma consti-
tucional que confira o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o Procurador-Geral da
República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF, qualquer preceito consubstanciador de deter-
minação constitucional para se que legisle, especificamente, sobre exploração de jogos de bingo.” (MI 766-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbo-
sa, julgamento em 21-10-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009).
156 “(...) o mandado de injunção há de dirigir-se contra o poder, o órgão, a entidade ou a autoridade que tem o dever de regulamentar a
norma constitucional, não se legitimando ad causam, passivamente, em princípio, quem não estiver obrigado a editar a regulamentação
respectiva” (MI 352-QO, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 4-9-1991, Plenário, DJ de 12-12-1997) No mesmo sentido: MI 1.231-
AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 1º-12-2011.
157 “Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento
de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de
liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional” (MI 472, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-
2005, Plenário, DJ de 2-3-2001).
101
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
decisão dividida, de cunho muito mais político do que técnico, considerou não ser auto-aplicável a
regra inscrita no § 3º do art. 192 da Constituição...”.158 Na ocasião do julgamento o STF apenas fi-
xou a mora do Congresso.159
Uma questão que é muito debatida na doutrina relaciona-se aos efeitos a ser produzidos por
uma decisão em mandado de injunção. As mais diversas linhas argumentativas podem ser assim
resumidas:
a) Corrente não concretista: o órgão prolator da decisão deveria tão somente dar ciência à
autoridade impetrada a respeito da omissão verificada;
d) Corrente concretista geral: o órgão prolator da decisão deveria resolver a questão exer-
cendo o poder regulamentar e suprindo a norma no caso concreto.
Todas as correntes acima resumidas têm como ponto de partida a preocupação com a possi-
bilidade de haver interferência indevida de um Poder noutro.
Luís Roberto Barroso, defensor da tese da aplicação da decisão diretamente pelo Judiciário
no caso concreto, independentemente da edição da norma regulamentadora, cita alguns trechos
de descontentamento manifestado por José Carlos Barbosa Moreira:
“Conceber o mandado de injunção como simples meio de apurar a inexistência da
‘norma regulamentadora’ e comunicá-la ao órgão competente para a edição (o
qual, diga-se entre parênteses, presumivelmente conhece mais do que ninguém
suas próprias omissões...) é reduzir a inovação a um sino sem badalo. Afinal, para
158 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270.
159 “Esta Corte, ao julgar a ADI 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no § 3º do art. 192 da CF não era autoaplicável, razão
por que necessita de regulamentação. Passados mais de doze anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja
regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é capaz de
elidir a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao
Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão, deixando-se de fixar
prazo para o suprimento dessa omissão constitucional em face da orientação firmada por esta Corte (MI 361)” (MI 584, Rel. Min. Moreira
Alves, julgamento em 29-11-2001, Plenário, DJ de 22-2-2002).
160 “O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido,
nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de
atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de
inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra” (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 21-3-1990, Plenário, DJ de 20-4-1990).
102
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
dar ciência de algo a quem quer que seja, servia – e bastava – a boa e velha noti-
161
ficação.”
161 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263.
162
“Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a
prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, abste-
ve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar,
assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a
ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório.” (MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello,
julgamento em 22-11-1991, Plenário, DJ de 26-6-1992).
163
Art. 8º (...)
§ 3º Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reserva-
das do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econô-
mica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação
da Constituição.
164
“Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito
constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra
o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da
obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra,
passar o requerente a gozar da imunidade requerida.” (MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-1991, Plenário, DJ de 27-3-
1992).
165
“São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências esta-
belecidas em lei.”
166
“O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de
obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa.” (MI 689, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 7-6-2006, Plenário, DJ de 18-8-2006).
103
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Em 2007 foi julgado MI 721, no qual o impetrante, servidor público, pretendia fosse suprida a
lacuna legislativa em face da omissão na regulamentação do art. 40, § 4º, CF, para que lhe fosse
garantido o direito à aposentadoria especial. O art. 40, § 4º, CF, determina a adoção, via leis com-
plementares, de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servido-
res públicos que sejam portadores de algum tipo de deficiência, que exerçam atividades de risco ou
cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física.
Sob estes argumentos, em 30/08/2007, por unanimidade, foi conferido pelo pleno do STF o
direito ao impetrante à aposentadoria especial, nos termos fixados no art. 57, Lei 8.213/91, que
dispõe sobre os planos de beneficio da Previdência Social.168
Interessante notar que, neste MI, o STF resolveu o caso concreto mediante a aplicação, à si-
tuação do impetrante, de dispositivo legal que havia regulamentado a aposentadoria especial para
o Regime Geral da Previdência Social, do qual os servidores públicos efetivos - como era o caso do
impetrante - estão excluídos.
167
MI 431-5
168
“Mandado de injunção. Natureza. Conforme disposto no inciso LXXI do art. 5º da CF, conceder-se-á mandado de injunção quando
necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da
ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia
considerada a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência
de lei complementar. Art. 40, § 4º, da CF. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via
pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei 8.213/1991.” (MI 721, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007).
104
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O STF criaria a norma para o caso in concreto, solucionando o caso e impondo efeitos erga
omnes à decisão. Em março de 2007 assim se manifestou o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator
do MI 695, ao julgar omissão da regulamentação do aviso prévio (art. 7º, XXI, CF):
“seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do Supremo quanto à natureza e
eficácia do mandado de injunção, nos moldes do que se desenhou no MI 670, se não fora
169
o pedido.”
LEI 13.300/16
Posteriormente a essa evolução jurisprudencial no âmbito do STF adveio a Lei 13.300/16 para
disciplinar o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo.
A disciplina legal esclarece que a falta de norma regulamentadora capaz de ensejar o cabi-
mento de mandado de injunção pode ser total ou parcial:
169
Note-se o pedido: “Requer, assim, dessa Augusta Corte, que seja comunicado o Órgão competente para a imediata regulamentação
da Norma Constitucional, garantido-se dessa forma o direito do Impetrante, que pela evidente omissão do Poder responsável, pela elabo-
ração da lei o Autor se encontra totalmente prejudicado.”
170
CF. Art. 37. (...)
VII - O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.
171
No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE
de 31-10-2008.
105
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Art. 2º Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de nor-
ma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as
normas editadas pelo órgão legislador competente.
Após o encerramento do prazo de informações deve-se ouvir o Ministério Público, que “opi-
nará em 10 (dez) dias, após o que, com ou sem parecer, os autos serão conclusos para decisão” (art.
7º).
Reconhecido o “estado de mora legislativa”, ou seja, a falta total ou parcial de norma regu-
lamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, pode-se deferir a injunção para:
Art. 8º (...)
I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regu-
lamentadora;
II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou
das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interes-
sado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legis-
lativa no prazo determinado.
A própria lei, admite a dispensa da determinação a que se refere o inciso I “quando compro-
vado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido
para a edição da norma” (art. 8º, parágrafo único).
Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido
de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstân-
cias de fato ou de direito.
106
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Art. 13. No mandado de injunção coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente
às pessoas integrantes da coletividade, do grupo, da classe ou da categoria substituí-
dos pelo impetrante, sem prejuízo do disposto nos §§ 1o e 2o do art. 9o.
Parágrafo único. O mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação
aos individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não
requerer a desistência da demanda individual no prazo de 30 (trinta) dias a contar da
ciência comprovada da impetração coletiva.
HABEAS DATA
Conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
político;
107
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial
ou administrativo (art. 5º, LXXII, CF).172
O habeas data está regulamentado pela Lei 9.507/97 e tem procedimento similar ao do
mandado de segurança. O habeas data é gratuito e tem prioridade no quanto comporta a tramita-
ção em juízo, exceto em relação a habeas corpus e mandados de segurança.
O habeas data difere da garantia à informação do art. 5º, XXXIII, porquanto não está restrito
às hipóteses de sigilo imprescindível à segurança nacional. A justificativa para a ausência de restri-
ção é: o interesse tutelado pelo habeas data é sempre relativo à pessoa do impetrante.173
Para que se tenha acesso ao Judiciário, via habeas data, é imprescindível que tenha havido
recusa à pretensão por parte da autoridade administrativa.174 Este entendimento está, inclusive,
sumulado pelo STJ:
Súmula 02. Não cabe o habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra “a”) se não houve recusa de
informações por parte da autoridade administrativa.
AÇÃO POPULAR
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (art. 5º, LXXIII, CF).
Antes do advento da Constituição de 1988 a ação popular somente era cabível para proteção
ao patrimônio público. Agora, como se pode perceber mediante simples leitura do dispositivo cons-
172
“A ação de habeas data visa à proteção da privacidade do indivíduo contra abuso no registro e/ou revelação de dados pessoais falsos
ou equivocados. O habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo.” (HD 90-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 18-2-2010, Plenário, DJE de 19-3-2010).
173
“O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da CF, sua
impetração deve ter por objetivo ‘assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante’.” (HD 87-AgR, Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010).
174
“O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa
interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de retifica-
ção dos registros; e (c) direito de complementação dos registros. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucio-
nal das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva
ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. O acesso ao habe-
as data pressupõe, entre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação,
torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais,
ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se
configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data.” (RHD 22, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 19-9-1991, Plenário, DJ de 1º-9-1995). No mesmo sentido: HD 87-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-
11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010.
108
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
titucional, as hipóteses de cabimento são bem mais amplas, abrangendo interesses difusos, como é
o caso do meio ambiente, por exemplo.175
Tradicionalmente se sustenta que a ação popular admite, na qualidade de sujeito ativo, so-
mente o cidadão, assim entendido aquele que está em pleno gozo dos direitos políticos. Considera-
se em pleno gozo dos direitos políticos aquele que detém a capacidade eleitoral ativa (efetiva pos-
sibilidade de votar). Dessa forma, seriam legitimados ativos os brasileiros natos e naturalizados,
maiores de 18 anos (ou 16 anos, dependendo de prévia inscrição como eleitor) que estivessem em
dia com as obrigações eleitorais.176
Celso Antonio Pacheco Fiorillo chama atenção a algumas curiosidades decorrentes da admis-
são somente daqueles em gozo de direitos políticos como legitimados ativos em ações populares.
Segundo sustenta, uma conclusão como essa era perfeitamente admissível quando o bem tutelável
pela ação popular era somente o patrimônio público, pois haveria relação pertinência entre a con-
dição de cidadão e o eventual interesse pela defesa do erário.177
Entretanto, segundo o autor, com o advento da CF/88 e o consequente incremento das hipó-
teses de cabimento da ação popular, a legitimidade ativa passou a ser bem mais abrangente. Fixa
como premissa, por exemplo, a tutela do meio ambiente, bem de interesse difuso como podemos
facilmente perceber depois de uma rápida passada de olhos pela regra do art. 225, caput, CF178.
Depois argumenta que em duas outras oportunidades o Constituinte usou o termo cidadão: no art.
58, § 2º, V, CF179, e no art. 64, ADTC180.
Se “cidadão” fosse somente aquele em gozo dos direitos políticos, uma pessoa que tivesse
com tais direitos políticos suspensos (um condenado por improbidade administrativa, por exemplo
– arts. 37, § 4º, e 15, V, ambos da CF) jamais poderia ser chamada para depor numa Comissão Par-
lamentar de Inquérito. E, mais: a um menor de 16 anos não seria jamais assegurado o direito a re-
ceber de forma gratuita um exemplar da Constituição da República.
É claro que a legitimidade ao ajuizamento de ação popular, segundo Fiorillo, estaria limitada
às questões envolvendo direitos difusos.181
175
“Legitimidade dos cidadãos para a propositura de ação popular na defesa de interesses difusos (art. 5º, LXXIII, CF/1988), na qual o
autor não visa à proteção de direito próprio, mas de toda a comunidade (...).” (MS 25.743-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-
2011, Primeira Turma, DJE de 20-10-2011).
176
Teoricamente também é possível afirmar a possibilidade de o português equiparado, que tem disciplina constitucional específica (art.
12, § 1º, CF) atribuindo-lhe direitos inerentes ao brasileiro, ocupar o polo ativo de ação popular.
177
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.
178
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
179
Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições
previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...)
§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (...)
V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão.
180
Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou
indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição,
que será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas
da comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.
181
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.
109
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Seria cabível ação popular preventiva? Sim, pois o moderno processo civil, fundado nos as-
pectos negativos (o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio à tutela de bens jurídicos) e
positivos (do processo deve ser extraída a máxima eficácia à tutela de bens jurídicos) da jurisdição,
não pode permanecer mais alheio a pressões axiológicas externas.182 Vale dizer: é muito mais eficaz
um processo capaz de evitar danos e ilícitos do que aquele voltado exclusivamente à tutela ressar-
citória de danos, muitas vezes despida de efeitos práticos.183
Vale lembrar que o Ministério Público deve acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a pro-
dução da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe
vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (art. 6º, §
4º, Lei 4.717/65).
182
“A instrumentalidade do processo é vista pelo aspecto negativo e pelo positivo. O negativo corresponde à negação do processo como
valor em si mesmo e repúdio aos exageros processualísticos”. “O aspecto positivo é caracterizado pela preocupação em extrair do proces-
so, como instrumento, o máximo de proveito quanto à obtenção dos resultados propostos” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumen-
talidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1987, p. 390).
183
“(...) Mas não é preciso esperar que os atos lesivos ocorram e produzam todos os seus efeitos, para que, só então, ela seja proposta.
No caso presente, a ação popular, como proposta, tem índole preventiva e repressiva ou corretiva, ao mesmo tempo. Com ela se pretende
a sustação dos pagamentos futuros (caráter preventivo) e a restituição das quantias que tiverem sido pagas, nos últimos cinco anos, em
face do prazo prescricional previsto no art. 21 da Lei da Ação Popular (caráter repressivo).” (AO 506-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, jul-
gamento em 6-5-1998, Plenário, DJ de 4-12-1998).
184
Lei 4.717/65. Art. 6º (...)
§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou crimi-
nal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.
185 "(...) Tratando-se de ação popular, o STF – com as únicas ressalvas da incidência da alínea n do art. 102, I, da Constituição ou de a
lide substantivar conflito entre a União e Estado-membro –, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompe-
tência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabili-
dade pelo ato questionado a dignitário individual – a exemplo do Presidente da República – ou a membro ou membros de órgão colegia-
do de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível – como sucede no mandado de segurança – ou na esfera penal – como
ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus – estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição. Essa não é a hipótese dos integran-
tes do CNJ ou do Conselho Nacional do Ministério Público: o que a Constituição, com a EC 45/2004, inseriu na competência originária do
Supremo Tribunal foram as ações contra os respectivos colegiado, e não, aquelas em que se questione a responsabilidade pessoal de um
ou mais dos conselheiros, como seria de dar-se na ação popular" (Pet 3.674-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-10-
2006, Plenário, DJ de 19-12-2006). No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de
16-10-2009.
110
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
PREVENÇÃO
De acordo com o artigo 5º, § 3º, Lei 4.717/65,
Art. 5º (...)
§ 3º A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem
posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.
A razão é simples: a Lei 4.717/65 está em plena consonância com o que dispõe o art. 5º, LXXI-
II, CF, segundo o qual
Art. 5º (...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)
Partindo-se das premissas acima aventadas (autorização legal para a veiculação de mais de
uma ação popular contras as mesmas partes e com base nos mesmos fundamentos, bem como a
legitimidade ativa de qualquer cidadão), percebe-se que a análise conjunta do art. 5º, LXXIII, CF, e
do art. 5º, § 3º, Lei 4.717/65, acarreta uma inegável conclusão: não há falar em litispendência en-
tre ação popular posteriormente ajuizada por cidadão ou grupo de cidadãos que não integraram o
polo ativo de ação popular anteriormente ajuizada contra partes idênticas e com base em idênticos
fundamentos.
186 "A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra,
do juízo competente de primeiro grau. Precedentes. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da
metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do STF, com base na
letra n do inciso I, segunda parte, do art. 102 da CF" (AO 859-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plená-
rio, DJ de 1º-8-2003).
111
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
SUJEITOS PASSIVOS
A ação popular pode ser proposta em face de pessoas públicas ou privadas que tenham pra-
ticado ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, inclusive contra as autorida-
des, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado
o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiá-
rios diretos de tal ato (art. 5º, LXXIII, CF, e art. 6º, Lei 4.717/67).
O § 3º do art. 6º, Lei 4.717/65, traz uma importante disposição a respeito da sujeição passi-
va: a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação,
poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afi-
gure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.
112
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
rito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão.” (Pet 2.018-AgR, Rel. Min. Celso de
187
Mello, julgamento em 22-8-2000, Segunda Turma, DJ de 16-2-2001).
DIREITOS SOCIAIS
Segundo o disposto no art. 6º, CF, na redação atribuída pela EC 90/15,
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à in-
fância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
187
No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de 16-10-2009.
113
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
SEGURO-DESEMPREGO
É direito dos trabalhadores o seguro seguro-desemprego, em caso de desemprego involun-
tá- rio (art. 7º, II, CF).
Quanto ao prazo prescricional para a cobrança de valores não recolhidos ao FGTS, o STF,
superando entendimento anterior sobre prescrição em 30 anos, entende tratar-se de prescrição
quinquenal, tendo, inclusive, declarado inconstitucionais, com efeitos ex nunc, os arts. 23, § 5º, Lei
8.036/90, e 55, Regulamento do FGTS, aprovado pelo Decreto 99.684/90:
“Recurso extraordinário. Direito do Trabalho. Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Cobrança de valores não pagos. Prazo prescricional. Prescrição quinquenal. Art.
7º, XXIX, da Constituição. Superação de entendimento anterior sobre prescrição trintená-
ria. Inconstitucionalidade dos arts. 23, § 5º, da Lei 8.036/1990 e 55 do Regulamento do
FGTS aprovado pelo Decreto 99.684/1990. Segurança jurídica. Necessidade de modula-
ção dos efeitos da decisão. Art. 27 da Lei 9.868/1999. Declaração de inconstitucionalida-
189
de com efeitos ex nunc. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
188
RE 505403, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 14/10/2009, publicado em DJe-206 DIVULG 03/11/2009 PUBLIC 04/11/2009
189
ARE 709212, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015
114
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
SALÁRIO MÍNIMO
É direito dos trabalhadores o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz
de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, edu-
cação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos
que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (art. 7º, IV,
CF).
O primeiro requisito constitucional é a fixação do salário mínimo por via legislativa. Isso não
impede que, havendo autorização legal, o Presidente da República, através de decreto regulamen-
tar, proceda ao reajuste e ao aumento do salário mínimo mediante a aplicação dos índices previs-
tos em lei:
“*...+ 1. A exigência constitucional de lei formal para fixação do valor do salário mínimo
está atendida pela Lei 12.382/2011. 2. A utilização de decreto presidencial, definida pela
Lei 12.382/2011 como instrumento de anunciação e divulgação do valor nominal do sa-
lário mínimo de 2012 a 2015, não desobedece o comando constitucional posto no inciso
IV do art. 7º da CB. A Lei 12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de
afirmação de novos valores nominais para o período indicado (arts. 1º e 2º). Cabe ao
presidente da República, exclusivamente, aplicar os índices defini- dos legalmente para
reajuste e aumento e divulgá-los por meio de decreto, pelo que não há inovação da or-
190
dem jurídica nem nova fixação de valor.”
Ademais, a autorização legal para que o Poder Executivo realize os reajustes via decreto, a-
tendidos os índices estipulados em lei, longe de caracterizar desrespeito à Constituição, constitui,
na realidade, medida de ordem prática em atenção a outro comando normativo contido no mesmo
art. 7º, IV: os “*...+ reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”.
Além de nacionalmente unificado, o salário mínimo deve ser capaz de atender a necessida-
des vitais básicas do trabalhador e de sua família “*...+ com moradia, alimentação, educação, saú-
de, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Embora o STF tenha julgado estar
prejudicada a ADI 1.442/DF pelo fato de a Medida Provisória 1.415, de 29 de abril de 1996, objeto
da demanda, ter perdido a eficácia, consta da ementa importante posicionamento sobre alegada
insuficiência do salário mínimo naquele contexto:
“*...+ SALÁRIO MÍNIMO – VALOR INSUFICIENTE – SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo - de-
finido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do
trabalhador e dos membros de sua família - configura um claro descumprimento, ainda
que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de a-
tuar como sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe traba-
lhadora um piso geral de remuneração digna (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo
imperfeito, porque incompleto, o programa social assumi- do pelo Estado na ordem jurí-
dica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento reves- ti-
do da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público tam-
bém desres- peita a Constituição, também compromete a eficácia da declaração consti-
tucional de direitos e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a pró-
pria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações confi-
190
STF. Plenário. ADI 4568, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 03/11/2011
115
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O dispositivo veda a vinculação do salário mínimo “*...+ para qualquer fim”. Há jurisprudência
consolidada no STF a esse respeito, que ensejou a edição das seguintes súmulas vinculantes:
Súmula Vinculante 4. Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não
pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou
de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
Nada obstante, o próprio STF registra precedentes de chancela tanto à indenização por da-
nos materiais e morais decorrente de responsabilidade objetiva do Estado, quanto à fixação de
pensão decorrente de indenização por responsabilidade civil do Estado indexadas ao salário míni-
mo. Isto porque “*...+ o art. 7º, IV, da CB não vedaria a utilização do salário mínimo como parâmetro
quantificador de indenização” 191 e, no caso da pensão alimentícia:
“A fixação de pensão alimentícia tem por finalidade garantir aos beneficiários as mes-
mas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral pelo texto constitu-
cional. De considerar-se afastada, por isso, relativamente a essa hipótese, a proibição da
192
vinculação ao salário míni- mo, prevista no inciso IV do art. 7º da Carta Federal *...+.”
191
STF - ADPF: 95 DF, Relator: Min. EROS GRAU, julgado em: 31/08/2006, publicado em: DJe-013 DIVULG 10/05/2007 PUBLIC 11/05/2007
192
RE nº 134.567, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 6/12/91
116
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de inici-
ativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7o da Constituição
Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, con-
venção ou acordo coletivo de trabalho.
§ 1º A autorização de que trata este artigo não poderá ser exercida:
I - no segundo semestre do ano em que se verificar eleição para os cargos de Governa-
dor dos Estados e do Distrito Federal e de Deputados Estaduais e Distritais;
II - em relação à remuneração de servidores públicos municipais.
§ 2º O piso salarial a que se refere o caput poderá ser estendido aos empregados do-
mésticos.
A referida LC foi editada em harmonia com a previsão do art. 22, parágrafo único, CF, segun-
do o qual:
Art. 22. [...]
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre ques-
tões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
IRREDUTIBILIDADE DO SALÁRIO
Os trabalhadores têm direito à irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou
acordo coletivo (art. 7º, VI, CF). Note-se que a convenção ou o acordo coletivo são as únicas formas
admitidas no sentido da redução de salários de trabalhador.
GARANTIA DE SALÁRIO
Aos trabalhadores que percebem remuneração variável é constitucionalmente garantido sa-
lário nunca inferior ao mínimo (art. 7º, VII, CF).
193
ADI 4364, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011
EMENT VOL-02522-01 PP-00023 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 384-408 RSJADV ago., 2011, p. 57-71
117
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Devido a todos os empregados e avulsos, ativos e aposentados, com base no total da sua
folha de pagamento. As Leis 4.090/62 e 4.749/65 regulam o décimo terceiro salário, também cha-
mado de gratificação natalina. Segundo o entendimento firmado na Segunda Turma do STF,
“*...+. A natureza da gratificação natalina é remuneratória e integra, para todos os efei-
194
tos, a remuneração do empregado, conforme estabelece a Súmula 207-STF.”
PROTEÇÃO DO SALÁRIO
Os trabalhadores têm direito à proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua re-
tenção dolosa (art. 7º, X, CF).
Segundo o disposto no art. 1º da referida lei, a participação dos trabalhadores nos lucros ou
resultados da empresa constitui “*...+ instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como
incentivo à produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI, da Constituição”.
SALÁRIO-FAMÍLIA
O salário -família é pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda, nos ter-
mos da lei (art. 7º, XII, CF).
194
RE 260922, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em
30/05/2000, DJ 20-10-2000 PP-00128 EMENT VOL-02009-04 PP-00862
195
RE 569441, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2014,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015
118
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido for-
mulado em ação direta que questionava o referido dispositivo.
Segundo o Tribunal, a norma impugnada não viola o art. 7º, XIII, CF:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à me-
lhoria de sua condição social:
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro
semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acor-
do ou convenção coletiva de trabalho;
Da mesma forma, não haveria ofensa ao art. 196, CF. A jornada de trabalho que ultrapassa a
8ª hora diária pode ser compensada com 36 horas de descanso e o limite de 36 horas semanais.
Ademais, não houve comprovação, com dados técnicos e periciais consistentes, de que essa jorna-
da causasse danos à saúde do trabalhador, o que afasta a suposta afronta ao art. 7º, XXII, CF.
Vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio. Para eles,
era procedente o pedido para fixar interpretação conforme à Constituição no sentido de que a
norma poderia ser excepcionada por acordo coletivo ou pelo exercício legítimo da liberdade de
contratação das partes.
196
RE 563.851 AgR, rel. min. Cezar Peluso, j. 26-2-2008, 2ª T, DJE de 28-3-2008.
119
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O STF analisou, em sede de repercussão geral, temas que orbitam o direito ao terço de férias,
entre eles as temáticas do período aquisitivo, da ausência de previsão legal específica da possibili-
dade de pagamento do terço independentemente do efetivo gozo das férias. A decisão unânime
está assim ementada:
“DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CARGO
COMISSIONADO. EXONERAÇÃO. FÉRIAS NÃO GOZADAS: PAGAMENTO ACRESCIDO DO
TERÇO CONSTITUCIONAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO EM LEI. JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE
NEGA PROVIMENTO. 1. O direito individual às férias é adquirido após o período de doze
197
AI 642528 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 25/09/12, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-201 DIVULG 11-10-
2012 PUBLIC 15-10-12
120
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
LICENÇA À GESTANTE
As trabalhadoras gestantes têm direito à licença, com a duração de 120 dias, sem prejuízo do
emprego e do salário (art. 7º, XVIII, CF).
O STF atribui considerável eficácia normativa a este dispositivo constitucional, porquanto de-
cidiu ser legítima a aplicabilidade da licença às gestantes militares201, além de ter firmado o en-
tendimento de que
“*...+ as servidoras públicas e empregadas gestantes, independentemente do regime jurí-
dico de trabalho, têm direito à licença- maternidade de 120 dias e à estabilidade provisó-
ria desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do art. 7º,
202
XVIII, da CB e do art. 10, II, b, do ADCT.”
Na mesma linha interpretativa, o STF também entende que a licença e a estabilidade previs-
tas no art. 7º, XVIII, CF, abrange a hipótese de licença adoção. Confira-se a ementa:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUI-
PARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1. A li-
cença maternidade prevista no artigo 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença
gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias.
Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da i-
gualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princí-
pio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem
grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adapta-
ção, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de
se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encon-
tram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como ve-
dação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de
internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à
198
AI 813805, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 11/04/11, publicado em DJe-074 DIVULG 18/04/11 PUBLIC 19/04/11
199
AgRg no REsp: 721682 PR, Relator(a) Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em: 02/02/10, Segunda Turma, publicado em:
18/02/10
200
AI nº 594.001/RJ-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 6/11/06
201
ARE 986824, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 18/10/16, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG
20/10/2016 PUBLIC 21/10/16
202
RE 597.989-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 28/03/2011
121
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina
no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e
adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Vio-
lação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela
da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever refor-
çado do Estado de assegurar- lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão,
em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitan-
do o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado
para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus
assumido pelas famílias adotantes, que de- vem ser encorajadas. 5. Mutação constitu-
cional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do me-
nor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre fi-
lhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração
da inconstitucionalidade do art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do ar-
tigo 3º da Resolução CJF nº 30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma
a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo to-
tal de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de
afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no art. 7º,
XVIII, CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em
favor da mãe gestante. 8. Tese da repercussão geral: ‘Os prazos da licença adotante não
podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respecti-
vas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em
203
função da idade da criança adotada’.”
Por fim, ressalte-se que, se a empresa à qual a trabalhadora for vinculada estiver inscrita no
Programa Empresa Cidadã, a licença-maternidade pode ser prorrogada em 60 dias (art. 1º, I, Lei
11.770/08), desde que “*...+ a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto”, de-
vendo ser “*...+ concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o
inciso XVIII do caput do art. 7º da Constituição Federal” (art. 1º, § 1º, I).
A prorrogação é igualmente garantida à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial pa-
ra fins de adoção de criança (art. 1º, § 2º, Lei 11.770/08).
A empregada perde o direito à prorrogação caso exerça atividade remunerada ou que não
mantenha a criança sob seus cuidados durante o período (art. 4º, parágrafo único, Lei 11.770/08).
LICENÇA-PATERNIDADE
Os trabalhadores têm direito à licença-paternidade, nos termos fixados em lei (art. 7º, XIX,
CF).
203
RE 778889, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO
GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016
122
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não estando a empresa inscrita no referido programa, o respectivo trabalhador tem direito
a fruir 5 dias de licença-paternidade, nos termos do art. 10, § 1º, ADCT.
Caso a empresa integre o programa, passa a ser aplicável a Lei 11.770/08, de modo que a li-
cença-paternidade pode ser prorrogada em 15 dias, além dos 5 dias estabelecidos no ADCT:
LEI 11.770/08
Art. 1º É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar:
II - por 15 (quinze) dias a duração da licença-paternidade, nos termos desta Lei, além
dos 5 (cinco) dias estabelecidos no § 1o do art. 10 do Ato das Disposições Constitucio-
nais Transitórias.
(...)
§ 1º A prorrogação de que trata este artigo:
II - será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que o
empregado a requeira no prazo de 2 (dois) dias úteis após o parto e comprove participa-
ção em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.
O empregado perde o direito à prorrogação caso exerça atividade remunerada ou que não
mantenha a criança sob seus cuidados durante o período (art. 4º, parágrafo único, Lei 11.770/08).
AVISO PRÉVIO
O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de trinta dias, nos termos da
lei inclui-se entre os direitos dos trabalhadores (art. 7º, XXI, CF). Segundo o disposto no art. 1º, Lei
12.506/11:
Art. 1º O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do
Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, será conce-
dido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de
serviço na mesma empresa.
Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por
ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfa-
zendo um total de até 90 (noventa) dias.
123
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Antes do advento da Lei 12.506/01 era viável a impetração de mandados de injunção no STF
em decorrência da impossibilidade de exercício de direito constitucionalmente previsto, mas ainda
dependente de regulamentação legal: acesso a aviso prévio superior a 30 dias. O STF, num primeiro
momento, fixou a mora legislativa, limitando-se a comunicar o teor da decisão ao Congresso Nacio-
nal:
“Mandado de injunção: ausência de regulamentação do direito ao aviso prévio propor-
cional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição da República. Mora legislativa: critério ob-
jetivo de sua verificação: procedência, para declarar a mora e comunicar a decisão ao
204
Congresso Nacional para que a supra.”
O STF também firmou o entendimento de que, nos mandados de injunção impetrados antes
da edição da Lei 11.506/11,
“*...+ o empregado possui interesse processual no writ para ter assegurado o seu direito
ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço na hipótese de tê-lo recebido em valor
206
inferior ao que seria devido uma vez regulamentado o dispositivo constitucional. *...+.”
204
STF - MI: 695 MA, Relator: Min. SEPÚLEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, Julgado em 01/03/07, Publicado em 20/04/07
205
STF - MI: 643 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, Julgado em 06/02/13, Publicado em 02/05/13
206
STF - MI 618 MG, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Julgado em 29/09/14, Publicado em 02/10/14
124
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
APOSENTADORIA
A aposentadoria constitui direito dos trabalhadores (art. 7º, XXIV, CF).
207
ADI 559, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, Julgado em 15/02/2006, DJ 05-05-2006
208
STF - RE: 593126 RN, Relator: Min. EROS GRAU, Julgado em 10/02/09, Segunda Turma, Publicado em 13/03/09
125
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Seguro Acidente do Trabalho (SAT) a que se refere o art. 7º, XXVII, CF, é disciplinado pela
Lei 8.212/91 nestes termos:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do dis-
posto no art. 23, é de:
(...)
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de
julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade
laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações
pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores
avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de aci-
dentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja
considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja
considerado grave.
209
Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 742.458/DF. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, 14 abr. 2009.
210
RE 365.913-AgR-ED, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 23.6.2006
126
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
211
STF - RE: 161243 DF, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Julgado em 29/10/96, Segunda Turma, Publicado em DJ 19/12/97
127
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
IGUALDADE DE DIREITOS
A Constituição, no art. 7º, XXXIV, prevê o direito à igualdade de direitos entre o trabalhador
com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
TRABALHADORES DOMÉSTICOS
Art. 7º (...)
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos
previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI,
XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplifi-
cação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes
da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV
e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.
212
RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 09/08/11
128
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o sa-
lário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento
e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos
termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança;
XXIV - aposentadoria;
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admis-
são por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão
do trabalhador portador de deficiência; e
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de
qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
de quatorze anos.
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
LIBERDADE SINDICAL
A associação profissional ou sindical é livre, atendidos os seguintes requisitos (art. 8º, CF):
Art. 8º
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado
o registro no órgão competente, vedados ao Poder Público a interferência e a interven-
ção na organização sindical; e
(...)
V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.
129
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Estado não pode interferir no funcionamento de sindicato, seja antes, durante ou depois
de sua criação. Exige-se apenas o registro no órgão competente.
UNICIDADE SINDICAL
Segundo o disposto no art. 8º, II, CF, é vedada a criação de mais de uma organização sindical,
em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territori-
al, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior
a área de um Município.
É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas (art. 8º, VI, CF). É exigí-
vel, portanto, a participação dos sindicatos representativos das categorias profissionais ou econô-
micas nas Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho.
DIREITO DE GREVE
É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade
de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender (art. 9º, caput, CF), sendo
que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessi-
dades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF). Os abusos cometidos no exercício do direito de
greve sujeitam os responsáveis às penas da lei (art. 8º, § 2º, CF).
Estas disposições constitucionais são tratadas na Lei 7.783/89, que dispõe sobre o exercício
do direito de greve, define as atividades essenciais e regula o atendimento das necessidades inadi-
áveis da comunidade. Em termos legais, a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou par-
cial, de prestação pessoal de serviços a empregador é considerada legítimo exercício do direito de
greve (art. 2º).
130
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Cabe à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembleia ge-
ral a fim de definir as reivindicações da categoria e deliberar sobre a paralisação coletiva da presta-
ção de serviços (art. 4º, caput). Na falta de entidade sindical, a assembleia geral dos trabalhadores
interessados deve deliberar para os fins previstos no caput, constituindo comissão de negociação
(art. 4º, § 2º).
Compete à Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público
do Trabalho, decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações,
cumprindo ao respectivo Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão (art. 8º).
213
Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o
empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em
prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à
retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.
Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os
serviços necessários a que se refere este artigo.
Art. 14. Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da
paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a
paralisação que:
I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de
trabalho.
131
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A prática do lockout, ou seja, a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com
o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos
empregados é vedada (art. 17, caput), sendo assegurados aos trabalhadores, acaso configurado o
lockout, o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação (art. 17, parágrafo
único).
132
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
NACIONALIDADE
Nacionalidade é o vínculo jurídico que se estabelece
entre o indivíduo e determinado Estado, fazendo deste
indivíduo um componente do povo, capacitando-o a exigir
sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento dos deveres
impostos.
A população de um país é formada por todas as pessoas que são juridicamente214 reconheci-
das como nacionais (e, por isso, integram o povo desse país) e por todos os estrangeiros residen-
tes.215 Segundo Francisco Rezek:
“Nacionalidade é um vínculo político entre o Estado soberano e o indivíduo, que
faz deste um membro da comunidade constitutiva da dimensão pessoal do Esta-
do. Importante no âmbito do direito das gentes, esse vínculo político recebe, en-
tretanto, uma disciplina jurídica de direito interno: a cada Estado incumbe legislar
sobre sua própria nacionalidade, desde que respeitadas, no direito internacional,
214
Celso Ribeiro Bastos leciona que “povo é o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado. Se o território é o elemento material do
Estado, o povo é o seu substrato humano. Não pode, obviamente, haver Estado sem povo. O que determina se alguém faz ou não parte
do povo de um Estado é o direito. Daí porque ser a nacionalidade um vínculo jurídico. É por ela que o Estado considera alguém como seu
membro.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 18).
215
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 251.
133
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
as regras gerais, assim como as regras particulares com que acaso tenha se com-
216
prometido.”
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 15, dispõe que o Estado não
pode arbitrariamente privar o indivíduo de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de naciona-
lidade.
Assim, para fazermos a correlação com o texto constitucional, a nacionalidade originária se-
ria a dos brasileiros natos, enquanto que a nacionalidade secundária seria a dos brasileiros natura-
lizados.
BRASILEIROS NATOS
De acordo com o art. 12, I, CF, são brasileiros natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde
que estes não estejam a serviço de seu país.
A regra geral adotada nesta alínea é de origem territorial (jus soli), pois o que importa para
determinação da nacionalidade é o local, o território no qual se dá o nascimento, mesmo em se
tratando de pais estrangeiros.
Contudo, o próprio dispositivo acaba por acolher, com a utilização da expressão “desde que
estes não estejam a serviço de seu país”, o critério sanguíneo (jus sanguinis), como exceção à re-
gra.218
Assim, se qualquer um dos pais estrangeiros de uma pessoa que nasça no Brasil estiver a ser-
viço de seu país, o que vale é a exceção á regra, ou seja: trata-se de estrangeiro.
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer de-
les esteja a serviço da República Federativa do Brasil.
216
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 170.
217
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 252-
253.
218
“A advertência contida na Segunda parte da alínea – ‘desde que estes não estejam a serviço de seu país’ - abriu campo para a adoção
mitigada do critério jus sanguinis, ou seja, atribui-se ao indivíduo o status de nacional de acordo com a nacionalidade do genitor ou da
genitora.” (BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 478.)
134
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Esta alínea
“empalma o critério sanguíneo condicionado, pois, independentemente de qual-
quer outro aspecto, atribui a nacionalidade originária àquele que, nascido em ou-
tro país, seja filho de pai ou de mãe brasileiros (ambos ou apenas um), sob a con-
dição de que o genitor brasileiro lá esteja a serviço da República Federativa do
219
Brasil.”
A condição a que se referem Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior é domi-
nada por Uadi Lamêgo Bulos como “critério funcional”, significando que “além do vínculo de sangue
é necessário que os pais brasileiros – sejam eles natos ou naturalizados – estejam cumprindo missão
oficial em nome do Brasil”.220
Assim, por exemplo, o filho de um diplomata brasileiro que esteja acreditado no Japão é con-
siderado brasileiro nato, ainda que lá ocorra o nascimento.
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam re-
gistrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federati-
va do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela naciona-
lidade brasileira.
A EC 54/07 alterou a redação original da alínea “c”, trazendo a possibilidade de o filho de pai
ou mãe brasileira, quando nascido no estrangeiro e registrado em repartição brasileira competente,
optar pela nacionalidade brasileira mesmo sem no Brasil fixar residência.
A EC 54/07 também alterou a redação original da alínea “c” no tocante ao momento em que
se admite a opção pela nacionalidade brasileira. Com efeito, antes da alteração era comum o ajui-
zamento de demandas para opção de nacionalidade em nome quem ainda não havia atingido a
maioridade. A EC 54/07 nada mais fez, neste ponto, do que reconhecer jurisprudência pacífica no
sentido de que a opção somente poderia ser feita após a maioridade, forte no argumento de a op-
ção consubstanciar-se direito personalíssimo e de natureza política.221
Assim, no caso dos nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira que não estão a serviço
do país, são duas as possibilidades, sendo em, em ambas, deve-se aguardar a maioridade civil. A
primeira decorre de registro em repartição brasileira competente e opção pela nacionalidade bra-
sileira. A segunda decorre de fixação de residência na República Federativa do Brasil e opção pela
nacionalidade brasileira.
219
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 255.
220
BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 479.
221
“A opção de nacionalidade é um direito personalíssimo e, como tal, só pode ser exercitado após o titular completar a maioridade”
(Apelação Cível n° 97.04.21723-4/PR; Terceira Turma; Relator Juíza Luíza Dias Cassales. DJ 27-05-1998).
222
CF, Art. 109. “Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
135
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior argumentam que
“com o nascimento, lavrado o respectivo termo, este deve ser transcrito na repar-
tição competente, servindo, pois, como opção provisória, a ser confirmada por
224
ocasião da maioridade.”
A nosso ver a opção pela nacionalidade, seja no caso de residência no país ou no caso de re-
gistro em repartição brasileira competente, por se tratar de direito personalíssimo, deve ser exer-
ci- do apenas pelo titular, após a maioridade. Assim, em ambos os casos, persistiria a necessidade
de ação perante a Justiça Federal.
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. Sob a ótica do STJ: “Na linha de precedente da Segunda Seção, a Justiça Federal é
competente para apreciar "pedido de transcrição do termo de nascimento de menor nascida no estrangeiro, filha de mãe brasileira que
não estava a serviço do Brasil” (Conflito de Competência 18.074-DF, Rel. Min. César Asfor Rocha, 2ª Seção, 10/09/1997).
223
BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal anotada. 8 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 482.
224
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 257.
136
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
BRASILEIROS NATURALIZADOS
De acordo com o art. 12, II, CF, são brasileiros naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários
de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade
moral;
PROIBIÇÃO DE DISTINÇÃO
A lei não pode estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo casos pre-
vistos na Constituição (art. 12, § 2º, CF).
Observe-se que o naturalizado não está impedido de ser Ministro de Estado, Deputado Fede-
ral ou Senador (só não pode presidir nenhuma das Casas), Procurador Geral da República e de per-
tencer a qualquer nível do Ministério Público. Quanto à magistratura, só não pode integrar o Su-
premo Tribunal Federal. Nas Forças Armadas pode chegar a sargento.
EXTRADIÇÃO
Nenhum brasileiro nato pode ser extraditado, ao passo que o naturalizado, em caso de crime
comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de en-
torpecentes e drogas afins pode ser submetido a processo de extradição (art. 5º, LI, CF).
137
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Como se percebe, embora haja certa diferenciação entre brasileiros natos e naturalizados,
não se pode afirmar que a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens esteja fora do alcance de brasileiros naturalizados.
O art. 222, CF, também faz distinção entre brasileiros natos e naturalizados. Contudo, é im-
portante destacar que brasileiros naturalizados podem ser proprietários de tais empresas, bastan-
do que tenham sido naturalizados há mais de 10 anos.
Note-se também que pessoas jurídicas podem ser proprietárias de empresa jornalística e de ra-
diodifusão sonora e de sons e imagens, desde que implementem dois requisitos: sejam constituí- das
sob as leis brasileiras e tenham sede no País.
Seja como for, o § 1º do art. 222 dispõe que, em qualquer caso (propriedade de brasileiro
nato, de brasileiro naturalizado ou de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e com sede
no Brasil), pelo menos 70% do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros
natos ou naturalizados há mais de 10 anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das ativida-
des e estabelecerão o conteúdo da programação.
E o § 2º, por sua vez, prevê que a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção
da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez a-
nos, em qualquer meio de comunicação social.
PERDA DA NACIONALIDADE
O artigo 12, § 4º, CF, arrola as duas hipóteses de perda da nacionalidade brasileira.
138
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
PORTUGUÊS EQUIPARADO
Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de
brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos na Constitui-
ção (art. 12, § 4º, CF).
Os portugueses equiparados não perdem a condição de estrangeiros. Ele não são nem brasi-
leiros natos, nem brasileiros naturalizados. Entretanto, o Constituinte Originário assegurou-lhes os
mesmos direitos dos brasileiros naturalizados, desde que haja reciprocidade prevista na Constitui-
ção ou na legislação lusitanas. Assim, além de direitos civis, é possível a obtenção de direitos polí-
ticos.
Para a obtenção da igualdade de direitos prevista no art. 12, § 4º, CF, além da residência
permanente no Brasil, é necessário já se ter atingido a maioridade civil, e o pedido é feito ao Mi-
nistro da Justiça.
APÁTRIDAS
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 15, dispõe que “Ninguém será
arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”.
225
“Para que acarrete a perda da nossa nacionalidade, a naturalização voluntária, no exterior, deve necessariamente envolver uma
conduta ativa e específica” (REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 180).
226
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 172.
139
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
manos (Pacto de São José da Costa Rica): “Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em
cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra”.
Assim, ao menos com relação aos Estados signatários do Pacto de São José da Costa Rica,
mostra-se extremamente improvável a situação do apátrida, ou seja, do indivíduo que não é nacio-
nal de país algum.
DIREITOS POLÍTICOS
SOBERANIA POPULAR
Os direitos políticos constituem um desdobramento do
princípio democrático inscrito no art. 1º, parágrafo único, CF,
que afirma todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente.
De acordo com o art. 14, CF, a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito,
referendo e iniciativa popular.
SUFRÁGIO
O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de
eleger e de ser eleito. Dessa forma, o direito de sufrágio se apresenta em duas grandes dimensões:
o direito de votar e o direito de ser votado.
As palavras sufrágio e voto têm sido, ao longo do tempo, utilizadas como sinônimas, quando,
na verdade, não o são. A própria redação do art. 14, CF, ao dizer que o sufrágio é universal e o voto
é direto, secreto e tem valor igual, confere-lhes significados diferentes.
Sufrágio é direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, de ser
eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.
No Brasil, por imposição da própria CF, o sufrágio é universal. Vale dizer: o direito de votar e
ser votado é concedido a todos os nacionais, independentemente de fixação de condições de
nascimento, econômicas, culturais ou outras características especiais. A existência, no direito
brasileiro, de requisitos de forma, como necessidade de alistamento eleitoral e de fundo, como
nacionalidade e idade mínima, não retiram a universalidade do sufrágio.
Na democracia, o povo, com mais ou com menos requinte, governa-se a si mesmo e decide o
seu destino. Faz-se representar, sendo o voto o instrumento da representação. O voto é, o
instrumento da democracia formal, procedimental.
140
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O povo é a fonte de todo o poder, mas não é o poder. O povo vota em representantes, que
são seus delegados e que agem em seu nome. Nas democracias o povo é a única fonte de poder,
que o transmite, em eleições periódicas, aos seus representantes.
O voto é direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social
de soberania popular na democracia representativa, mesmo porque, no Brasil, ele é obrigatório
para maiores de 18 e menores de 70 anos de idade.
Por disposição do art. 7º, Lei 6.091/74, o eleitor que deixar de votar e não se justificar
perante o Juiz Eleitoral até 60 dias após a realização da eleição incorre na multa de 3 a 10% sobre o
salário mínimo da região, imposta pelo Juiz Eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367, Lei
4.737/65.
Pelo art. 16 daquela mesma lei, o eleitor que deixar de votar por se encontrar ausente de seu
domicílio eleitoral deverá justificar a falta, no prazo de 60 dias, por meio de requerimento dirigido
ao Juiz Eleitoral de sua Zona de inscrição, que mandará anotar o fato na respectiva folha individual
de votação. Estando no Exterior no dia em que se realizarem eleições, o eleitor terá o prazo de 30
dias, a contar de sua volta ao País, para a justificação.
No Brasil, entre 1891 e 1930 e de 1946 a 1964, a prática foi a da eleição direta, ou seja, a
eleição de representantes pelo voto direto de cada eleitor. Depois de 1964, com o regime
autoritário estabelecido, adotou-se a eleição indireta: somente por meio do voto dos membros do
Poder Legislativo eram eleitos o Presidente da República o Vice-Presidente da República, os
Governadores de Estados Federados e os respectivos Vice-Governadores.
Foi com o advento da Emenda Constitucional 15/80 que se restabeleceu a eleição direta
para Governadores e Vice-Governadores. Mais tarde, com a promulgação da Emenda
Constitucional 25, já em 1985, restou novamente implantada a eleição direta para Presidente e
Vice-Presidente da República.
A eleição direta, assim como a indireta, convive bem em qualquer regime democrático,
desde que, à toda evidência, assegure-se a liberdade do voto sem intimidação ou coação, sem a
edição de um regime de exceção, que é a mutilação do Estado de Direito.
O art. 14, ora em comento, contém a expressão “voto direto e secreto”. Com isso, não houve
recepção de parte do art. 2º do Código Eleitoral que, por ter sido editado em 1965, em pleno
regime autoritário, permitia a eleição indireta.
Essa disposição constitucional é repetida pelo art. 1º, Lei 9.709/98, que é a lei reguladora
destas três dimensões do exercício da soberania popular no Brasil.
141
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de
acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.
Qualquer assunto, desde que relevante e de interesse nacional, pode ser levado à consulta
direta do povo, quer anteriormente ao ato, mediante plebiscito, quer posteriormente, por meio de
referendo. Com respeito ao plebiscito, ele é obrigatório para decidir a respeito dos assuntos
previstos nos §§ 3º e 4º do art. 18, CF.227
Tendo em vista tratar-se de projeto de lei elaborado por pessoas do povo, o art. 13, § 2º, Lei
9.709/98, veda a rejeição de projeto de lei de iniciativa popular por vício de forma, cabendo à
Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais
impropriedades de técnica legislativa ou de redação.
PROCESSO ELEITORAL
ALISTAMENTO ELEITORAL
227
CF, Art. 18. “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Fede-
ral e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 3º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou
desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e
o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e depen-
derão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade
Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”
142
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos (art. 14, § 2º, CF).
Observe-se que os estrangeiros não detêm capacidade eleitoral ativa, motivo pelo qual não
podem votar nas eleições brasileiras. Assim, a primeira conclusão é a de que somente os brasileiros
natos e naturalizados estariam aptos a eleger representantes no Brasil (art. 14, § 2º, CF). Contudo,
conforme mencionado no tópico da nacionalidade, existe ainda o caso do português equiparado,
ao qual, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro naturalizado (civis e, inclusive, políticos). Portanto, o português equiparado, enquanto
houver reciprocidade por parte de Portugal com relação aos brasileiros lá residentes, tem
capacidade eleitoral ativa.
CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE
São condições de elegibilidade: nacionalidade brasileira; pleno exercício dos direitos
políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na circunscrição; filiação partidária; e idade
mínima (art. 14, § 3º, CF).
O art. 14, § 3º, ao dispor sobre as condições de elegibilidade, trata da chamada capacidade
eleitoral passiva, ou seja, da possibilidade de ser votado.
NACIONALIDADE BRASILEIRA
A condição da nacionalidade brasileira apresenta-se em relação a todos os cargos eletivos.
143
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A incapacidade civil absoluta: não acarreta perda, mas suspensão de direitos políticos.
Por fim no caso de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º, a CF prevê a
suspensão dos direitos políticos.
ALISTAMENTO ELEITORAL
Conforme mencionado acima, o alistamento antecede o voto, como um processo eleitoral
afim ou secundário. O alistamento é um processo eleitoral que consiste na composição da
identidade, da idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do
eleitor, habilitando-o à inclusão na lista de eleitores para fins de voto, de elegibilidade e de filiação
partidária, após a expedição do respectivo título eleitoral.
228
Art. 5º. “VIII - Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invo-
car para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
229
Art. 37. “§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
144
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Código Eleitoral, em seu art. 42, parágrafo único, dispõe que, para o efeito da inscrição, é
domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente e, verificando-se ter o alistado
mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.
Percebe-se, assim, que o Código Eleitoral não fez coincidir o domicílio eleitoral com o
domicílio civil. Justifica-se: o domicílio eleitoral prescinde da análise do ânimo de fixação em
determinado lugar de forma definitiva.
De acordo com o art. 9º da Lei das Eleições, para concorrer às eleições, o candidato deverá
possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a
filiação deferida pelo partido no mesmo prazo.
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA
A filiação partidária é precedida do alistamento eleitoral. Depois de expedido o título
eleitoral o interessado poderá buscar sua filiação a partido político que consinta com seu ingresso
na qualidade de membro.
O eleitor para poder filiar-se a partido político deve estar em pleno gozo de seus direitos
políticos. Considera-se deferida a filiação partidária com o atendimento das regras estatutárias do
partido.
O eleitor só pode estar filiado a um único partido político. Se desejar filiar-se a outro, não
necessita fazer comunicação prévia, mas após a segunda filiação no dia imediato à ocorrência, deve
fazer comunicação ao partido e ao Juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação;
se não o fizer nesse prazo, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas.
Partido político não pode ser coagido a admitir o ingresso de pretenso membro, afinal, aos
partidos políticos é constitucionalmente assegurada autonomia para definir sua estrutura interna
e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e
provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas coligações nas eleições majoritárias, devendo seus estatutos estabelecer normas
de disciplina e fidelidade partidária (art. 17, § 1º, CF).230
Assim, desde que a negativa seja feita com base em previsões estatutárias, não há falar em
ilegalidade nas hipóteses em que o partido rejeita o ingresso de alguém à agremiação.
O art. 9º, Lei 9.504/97, diz que, para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir
domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses e estar com a filiação
deferida pelo partido no mesmo prazo.
IDADE MÍNIMA
230
Vide EC 97/2017
145
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A idade mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato: 35 anos para
Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador
de Estado e do Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador.
INELEGIBILIDADES
Obviamente, quem não pode se alistar como eleitor (e, a partir do alistamento, exercer
capacidade eleitoral ativa) não pode se candidatar (capacidade eleitoral passiva). Esta é a razão de
o § 4º do art. 14, CF, mencionar que são inelegíveis os inalistáveis.
Somente podem ser eleitos os alistáveis, isto é, os que possuem capacidade eleitoral ativa.
Dessa forma os conscritos (durante o período de serviço militar obrigatório) e os estrangeiros
também não podem se alistar como candidatos.
INELEGIBILIDADES ABSOLUTAS
Inelegibilidades absolutas são as que impedem aos que nelas se enquadrarem de se
candidatar a quaisquer cargos eletivos. Quem se encontrar em tal situação não pode ser candidato
e, portanto, está proibido de concorrer a qualquer eleição, para qualquer mandato.
São inelegibilidades absolutas as relacionadas aos inalistáveis, aos estrangeiros, aos que
estejam privados de seus direitos políticos em face de declaração de perda e aos que não
possuam filiação partidária.
Convém ressaltar que as inelegibilidades previstas na CF não são as únicas, pois o próprio
constituinte propugnou que
Art. 14. (...)
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua
cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de
mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
231
Art. 11, § 2º, Lei 9.504/97
146
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Editou-se, então, a Lei Complementar 64/90, que arrolou vários outros casos de
inelegibilidades absolutas. Adveio, então, a chamada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº
135/10), que alterou profundamente as disposições da LC 64/90, em especial no tocante às
inelegibilidades absolutas. Nos termos das atuais disposições, previstas na LC 135/10, dentre as
várias hipóteses de inelegibilidades absolutas destacam-se as seguintes:
LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
232
cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio
público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os
previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à
inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
A alínea “e” do art. 1º, I, LC 64/90, foi o dispositivo que sofreu as maiores e mais
importantes alterações com o advento da Lei da Ficha Limpa (LC 35/10). Com efeito, a redação
original previa a inelegibilidade por apenas 03 anos após o cumprimento da pena e as hipóteses de
subsunção eram bem mais escassas (crime contra a economia popular, a fé pública, a
administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes e
crimes eleitorais).
232
Estas inelegibilidades não se aplicam aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos
crimes de ação penal privada (art. 1º, § 4º, LC 64/90).
147
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
casos de competências criminais originárias dos tribunais233 bastará a decisão colegiada, mesmo
pendente de recurso, para a aplicação da inelegibilidade sob análise.
LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8
(oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no
234
inciso II do art. 71 da Constituição Federal , a todos os ordenadores de despesa, sem
exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que
beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem
condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como
para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destina-se aos
casos de abuso do poder econômico ou político.
LC 64/90
Art. 1º São inelegíveis:
I - Para qualquer cargo: (...)
233
Citem-se, como exemplos: o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça (art. 29, X, CF); o julgamento pelo STF, por crimes
comuns, do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, de seus próprios Ministros e do Procura-
dor-Geral da República (art. 102, I, “b”, CF); o julgamento dos Juízes Federais perante o TRF respectivo (art. 108, I, “a”, CF); etc.
234
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual
compete: (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta,
incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda,
extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.
148
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destina-se aos
casos de ato doloso de improbidade administrativa que acarrete lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito.
INELEGIBILIDADES RELATIVAS
Inelegibilidades relativas constituem-se em impedimentos temporários ao direito da pessoa
de se candidatar a um cargo eletivo. O relativamente inelegível está subordinado a determinadas
restrições constitucionais ou legais, sendo-lhe vedado o direito de concorrer a pleito eletivo,
enquanto durarem os efeitos das restrições.
REELEIÇÃO
A disposição constitucional do art. 14, § 5º, envolve um direito e uma restrição: direito de os
chefes dos executivos federal, estaduais e municipais serem reeleitos para um segundo mandato e
restrição à reeleição para mandatos subsequentes, desde que contínuos. Alternadamente, nada
impede que o candidato seja eleito várias vezes para o mesmo cargo.
Atenção: essa regra só atinge aqueles que exerceram o cargo de chefe do Poder Executivo
em qualquer nível de poder, não se aplicando aos cargos do Legislativo, cujos titulares poderão se
reeleger para quantas legislaturas almejarem.
149
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
DESINCOMPATIBILIZAÇÃO
O exercício dos cargos de Presidente da República, Governador e Prefeito (mais uma vez
somente com relação aos chefes do Poder Executivo) é incompatível com a candidatura a outros
cargos eletivos na eleição subsequente e, por isso, exige-se que haja renúncia aos respectivos
mandatos até seis meses antes do pleito. Essa desincompatibilização só é exigida se o candidato
pleitear outro cargo, não se aplicando à reeleição para o mesmo cargo, quando permitida
constitucionalmente.
Além desta previsão constitucional, a LC 64/90 (art. 1º, II) prevê outros casos em que se exige
a desincompatibilização, com prazos variáveis de acordo com o cargo que o postulante esteja
exercendo. Todos esses casos geram, por conseguinte, inelegibilidades relativas funcionais que
podem ser afastadas pela desincompatibilização.
O § 7º do art. 14 dispõe a respeito das inelegibilidades relativas (ou reflexas) por motivo de
parentesco.
A restrição atinge os parentes dos chefes do Poder Executivo e de todos aqueles que os
substituíram, desde que essa substituição tenha se processado nos seis meses anteriores ao pleito.
Não há aplicação dessa regra ao Legislativo.
A inelegibilidade é só para o cargo da jurisdição do titular do cargo. Assim, nada impede que
o parente do prefeito seja candidato em outro município, os do governador em outro Estado ou
mesmo para Presidente da República. Porém os do Presidente não poderão se candidatar a
nenhum cargo, já que a jurisdição atinge a todo o território nacional.
Quanto à inelegibilidade por motivo de idade, conforme mencionado linhas acima, a idade
mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato (35 anos para Presidente e Vice-
Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do
Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador) e deve ser verificada tendo-se por referência a data
da posse, salvo quando fixada em dezoito anos, hipótese em que será aferida na data-limite para o
pedido de registro. (Lei n˚ 9.504/97, artigo 11, § 2º, redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).
150
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
partidos nesse lapso temporal, considera-se, para efeito de filiação partidária, a data de filiação do
candidato ao partido de origem.
Por outro lado, a Lei 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos –, dispõe235 que na segunda semana
dos meses de abril e outubro de cada ano o partido, por seus órgãos de direção municipal, regional
ou nacional, deve remeter aos Juízes Eleitorais a relação dos nomes de todos os seus filiados, da
qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das Seções em que estão inscritos
(essa disposição consta também no art. 103, Lei 9.504/97).
A Lei dos Partidos Políticos, embora faculte ao partido político o estabelecimento, em seu
estatuto, de prazos de filiação partidária superiores aos nela previstos no tocante à candidatura a
cargos eletivos, proíbe a alteração dos prazos estatutários no ano da eleição.
Vários dispositivos foram alterados e outros tantos foram incluídos dentre as hipóteses de
inelegibilidades absolutas. Era chegada a hora de elevar os padrões de moralidade em grande parte
do contexto eleitoral brasileiro. Na comparação das redações (original e atual) percebe-se,
claramente, o objetivo moralizador da LC 135/10.
Basta que nos atentemos às atuais previsões de inelegibilidades em razão: de atos dolosos de
improbidade administrativa; da prática de uma extensa lista de crimes; de abuso do poder
econômico ou político; de corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, captação ou gastos
ilícitos de recursos de campanha; da prática de conduta vedada aos agentes públicos em
campanhas eleitorais; da renúncia a mandato em razão do oferecimento de representação ou
petição capaz de autorizar a abertura de processo eleitoral; da exclusão do exercício da profissão,
em decorrência de infração ético-profissional; do desfazimento de vínculo conjugal ou de união
estável para evitar caracterização de inelegibilidade; de demissão do serviço; de, enquanto pessoa
física ou dirigente de pessoa jurídica, fazer doações eleitorais tidas por ilegais nos contextos
eleitorais, de aposentadorias compulsórias ou perda de cargos.
235
Artigo 19 e seguintes.
236
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da
lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular” (CF, artigo 14).
237
“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por
cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada
um deles” (CF, artigo 61, § 2º).
151
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Plenário do STF, ao julgar o RE 633703, decidiu, por apertada maioria (6 contra 5 votos)238,
que a LC 135, que havia entrado em vigor no dia 07/06/2010, não era aplicável às eleições daquele
ano em razão do disposto no art. 16, CF:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação,
não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Estão sob a análise do STF duas ações declaratórias de constitucionalidade e uma ação direta
de inconstitucionalidade, todas tendo por objeto a LC 135/10. A ADC 29 e a ADC 30 foram
ajuizadas, respectivamente, pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil. Em ambas o que se pretende a é integral chancela em prol da
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A ADIn 4578 foi proposta pela Confederação Nacional
das Profissões Liberais com o objetivo de se obter a declaração da inconstitucionalidade do art. 1º,
I, “m”, LC 135/10239. Após o voto do Min. Luiz Fux (Relator), os autos passaram ao Min. Joaquim
Barbosa, que deles pediu vista.
- Irretroatividade:
“Afirmou que a consideração de fatos anteriores, para fins de aplicação da LC 135/2010,
não transgrediria o princípio constitucional da irretroatividade das leis. Distinguiu
retroatividade mínima de retrospectividade, ao definir que, nesta, a lei atribuiria novos
238
Vencidos os Ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie.
239
São inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissio-
nal competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou sus-
penso pelo Poder Judiciário”.
152
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
efeitos jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente, ao passo que,
naquela, seriam alteradas, por lei, as conseqüências jurídicas desses fatos. No ponto,
assinalou que a norma adversada configuraria caso de retrospectividade, já admitido na
jurisprudência do Supremo. Mencionou que a adequação ao estatuto jurídico eleitoral
caracterizaria relação continuativa — que operaria sob a cláusula rebus sic stantibus — e
não integrante de patrimônio jurídico individual (direito adquirido), de modo a permitir a
extensão, para 8 anos, dos prazos de inelegibilidade originariamente previstos. Aduziu
que a imposição de novo requisito negativo (inelegibilidade) não se confundiria com
agravamento de pena e tampouco com bis in idem. Assim, em virtude da exigência
constitucional de moralidade, realçou ser razoável entender-se que um cidadão que se
enquadrasse nas situações dispostas na lei questionada não estaria, a priori, apto a
exercer mandato eletivo.”
- Presunção de inocência:
“De igual modo, repeliu a alegação de que a norma em comento ofenderia a presunção
constitucional de inocência. Destacou que o exame desse princípio não deveria ser feito
sob enfoque penal e processual penal, mas sim no âmbito eleitoral, em que poderia ser
relativizado. Dessa maneira, propôs a superação de precedentes sobre a matéria, para
que se reconhecesse a legitimidade da previsão legal de inelegibilidades decorrentes de
condenações não definitivas. Ao frisar que o legislador fora cuidadoso ao definir os
requisitos de inelegibilidade, para que fossem evitadas perseguições políticas, e que a
sociedade civil cobraria ética no manejo da coisa pública, sinalizou descompasso entre a
jurisprudência e a opinião popular sobre o tema “ficha limpa”. Nesse contexto,
considerou que se conceber o art. 5º, LVII, da CF como impeditivo à imposição de
inelegibilidade a indivíduos condenados criminalmente por decisões não transitadas em
julgado esvaziaria o art. 14, § 9º, da CF, a frustrar o propósito do constituinte reformador
de exigir idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo. Afastou eventual
invocação ao princípio da vedação do retrocesso, uma vez que inexistiria pressuposto
indispensável à sua aplicação, qual seja, sedimentação na consciência jurídica geral a
demonstrar que a presunção de inocência estender-se-ia para além da esfera criminal.
Ademais, não haveria que se falar em arbitrariedade na restrição legislativa.”
- Proporcionalidade:
“Vislumbrou, também, proporcionalidade nas hipóteses legais de inelegibilidade.
Reconheceu tanto a adequação da norma (à consecução dos fins consagrados nos
princípios relacionados no art. 14, § 9º, da CF) quanto a necessidade ou a exigibilidade
(pois impostos requisitos qualificados de inelegibilidade a ser declarada por órgão
colegiado, não obstante a desnecessidade de decisão judicial com trânsito em julgado).
No que concerne ao sub-princípio da proporcionalidade em sentido estrito, consignou
que o sacrifício exigido à liberdade individual de se candidatar a cargo público eletivo
não superaria os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e de
probidade para o exercício de cargos públicos. Aludiu que deveriam ser sopesados
moralidade e democracia, de um lado, e direitos políticos passivos, de outro. Evidenciou
não haver lesão ao núcleo essencial dos direitos políticos, haja vista que apenas o direito
passivo seria restringido, porquanto o cidadão permaneceria em pleno gozo dos seus
direitos ativos de participação política. Reiterou tratar-se de mera validação de
ponderação efetuada pelo próprio legislador que, ante a indeterminação jurídica da
153
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
expressão “vida pregressa”, densificaria seu conceito. Nesse aspecto, correto concluir-se
por interpretação da Constituição conforme a lei, de modo a prestigiar a solução
legislativa para o preenchimento da conceituação de vida pregressa do candidato.”
- Proibição de excesso:
“Por fim, relativamente à alínea k do mesmo diploma, observou que a renúncia
caracterizaria abuso de direito e que o Direito Eleitoral também deveria instituir norma
que o impedisse. Ressurtiu que, no preceito em tela, haveria afronta ao sub-princípio da
proibição de excesso, porque não se exigiria a instauração de processo de perda ou de
cassação de mandato, porém mera representação. Motivo pelo qual assentou a
inconstitucionalidade da expressão ‘o oferecimento de representação ou petição capaz
de autorizar’, de modo a que fossem inelegíveis o Presidente da República, o governador
de Estado e do Distrito Federal, o prefeito, os membros do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que
renunciassem a seus mandatos desde a abertura de processo por infringência a
dispositivo da Constituição Federal, da Constituição estadual, da Lei Orgânica do Distrito
Federal ou da lei orgânica do município, para as eleições que se realizassem durante o
período remanescente do mandato para o qual fossem eleitos e nos 8 anos subseqüentes
ao término da legislatura.”
PARTIDOS POLÍTICOS
É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a sobera-
nia nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa huma-
na e observados os seguintes preceitos: caráter nacional; proibição de recebimento de recursos
financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à
Justiça Eleitoral; funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF, artigo 17).
Como se percebe, existe uma grande preocupação com a garantia de que, com o funciona-
mento dos partidos – e suas inter-relações – estejam protegidos a soberania nacional e o regime
democrático enquanto elementos essenciais da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, ca-
154
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
put), além do pluripartidarismo político enquanto fundamento da República (CF, artigo 1º, inciso e
V) e dos direitos fundamentais da pessoa humana enquanto princípio regente das relações inter-
nacionais brasileiras (CF, artigo 4º, inciso II).
Em total consonância com tal preocupação, o artigo 17, § 4º veda a utilização, pelos partidos
políticos, de organização paramilitar.
Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, conside-
rando-se como tal aquele que comprove o apoio de eleitores correspondente a, pelo menos, meio
por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados
os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de
um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.
O art. 4º da Lei nº 9.504/97 (alterado pela Lei 13.488/17) estabelece que poderá participar
das eleições o partido que, até seis meses antes do pleito, tenha registrado seu estatuto no Tribu-
nal Superior Eleitoral, conforme o disposto em lei, e tenha, até a data da convenção, órgão de dire-
ção constituído na circunscrição, de acordo com o respectivo estatuto.
De acordo com o art. 17, §3º da CF, somente terão direito a recursos do fundo partidário e
acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente:
obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% dos votos válidos, distribuí-
dos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos
em cada uma delas (I) ou tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em
pelo menos um terço das unidades da Federação (II). Vide EC nº 97/2017.
O partido político funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve
constituir suas lideranças de acordo com o seu estatuto, as disposições regimentais das respectivas
Casas e as normas da Lei 9.096/90. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas
Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câma-
ra dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não compu-
tados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo
de dois por cento do total de cada um deles.
155
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil. Sendo pessoa ju-
rídica de direito privado, essa personalidade é adquirida após o registro de seus estatutos, nos
moldes das demais pessoas jurídicas.
Adquirida a personalidade jurídica, na forma da lei civil (CF, artigo 17, § 2º), os dirigentes na-
cionais do partido devem promover o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior
Eleitoral (CF, artigo 17, § 2º).
Somente os partidos que tenham registrado seus estatutos no TSE podem participar do pro-
cesso eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário, ter acesso gratuito ao rádio e à televisão e
credenciar delegados perante a Justiça Eleitoral.
Uma vez inseridas no estatuto do partido, essas normas vinculam todos os filiados, sendo
que a responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo com-
petente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido, assegurada ampla
defesa ao acusado.
Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipifica-
da no estatuto do partido político.
156
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, o estatuto do partido pode es-
tabelecer normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspen-
são do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções
que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legisla-
tiva, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabele-
cidas pelos órgãos partidários (artigo 25 da Lei nº 9.096/95).
O parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito perde automatica-
mente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção parti-
dária (art. 26 da Lei nº 9.096/95).
O partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de
seus fundos. Essas doações podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual
e municipal, estando tais órgãos obrigados a remeter, à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquica-
mente superiores do partido, o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, junta-
mente com o balanço contábil.
Os partidos não estão proibidos de receber doações, mas são obrigados a lançá-las em suas
contabilidades. Entretanto, não podem receber subvenções, doações, contribuições ou quaisquer
outros tipos de interferências advindas de:
a) entidades ou governos estrangeiros;
b) entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza (ressalvado o Fundo Parti-
dário e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha);
c) entidade de classe ou sindical; e
d) pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exonera-
ção, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido políti-
co.
157
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
158
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
§ 2º Para que o candidato tenha acesso aos recursos do Fundo a que se refere este arti-
go, deverá fazer requerimento por escrito ao órgão partidário respectivo.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-
ADMINISTRATIVA
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 19, CF):
Art. 19. (...)
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funciona-
mento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
DA UNIÃO
BENS DA UNIÃO
São bens da União (art. 20, CF):
Art. 20. (...)
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
159
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Nem todas as terras devolutas pertencem à União, mas apenas aquelas indispensáveis à de-
fesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei. O art. 26 dispõe que são bens dos Estados as terras devo-
lutas não compreendidas entre as da União.
Note-se que pertence à União a propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos ín-
dios, pois a estes a Constituição, no art. 231, § 2º, assegurou a posse permanente, cabendo-lhes o
usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
A referência feita ao art. 26, II, é relativa às áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estive-
rem no domínio dos Estados-membros (excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros).
É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou
gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos mine-
rais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva,
ou compensação financeira por essa exploração (art. 20, § 1º, CF).
A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e
sua ocupação e utilização serão reguladas em lei (art. 20, § 2º, CF).
A faixa de fronteira não precisa corresponder sempre a 150 metros, mas deve ser modulada
em espaços de até 150 metros.
160
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
161
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23,
CF):
Art. 23. (...)
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar
o patrimônio público;
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
de deficiência;
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultu-
ral, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros
bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pes-
quisa e à inovação;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habita-
cionais e de saneamento básico;
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a inte-
gração social dos setores desfavorecidos;
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração
de recursos hídricos e minerais em seus territórios;
XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvol-
vimento e do bem-estar em âmbito nacional.
162
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre (art. 24,
CF):
Art. 24. (...)
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II - orçamento;
163
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás ca-
nalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação (art. 25,
§ 2º, CF).
164
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
SIMETRIA CONSTITUCIONAL
Como dito linhas acima, os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal, sendo reservadas aos Estados as com-
petências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal.
Além dessas disposições, a CF contém diversas outras regras a serem seguidas pelas Consti-
tuições Estaduais com base no que a doutrina chama de Princípio da Simetria Constitucional, que
nada mais é do que a obrigação de os Estados Federados seguirem o modelo federal em assuntos
relacionados especialmente com a formatação dos poderes e de suas inter-relações.
O art. 27, por exemplo, dispõe que o número de Deputados à Assembleia Legislativa deve
corresponder ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número
de trinta e seis, deverá ser acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de do-
ze. Dispõe também que é de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, sendo-lhes aplicá-
veis as regras da CF sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de
mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (§ 1º).
O art. 28, por sua vez, dispõe que a eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado,
para mandato de quatro anos, deve ser realizada noventa dias antes do término do mandato de seus
antecessores, e a posse ocorrerá no dia 1º de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao
mais, o disposto no art. 77 (que trata da eleição para Presidente e Vice-Presidente da República).
DOS MUNICÍPIOS
O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de
dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal e por esta promulgada,
desde que atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do res-
pectivo Estado-membro (art. 29, caput, CF). Anote-se que não há previsão de sanção por parte do
Prefeito Municipal.
SIMETRIA CONSTITUCIONAL
Levando-se em consideração as disposições do art. 29, caput, o Princípio da Simetria também é
aplicável aos Municípios, com a peculiaridade de que suas leis orgânicas devem atentar tanto ao mo-
delo da CF quanto ao modelo da constituição do estado-membro no qual estão inseridos.
165
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a) deve ser realizada a eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para man-
dato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;
Os prefeitos também gozam de foro por prerrogativa de função, devendo ser julgados pe-
rante o respectivo Tribunal de Justiça (art. 29, X, CF).
NÚMERO DE VEREADORES
O art. 29, IV, CF, contempla uma lista com os limites relativos ao número de vereadores, con-
siderado o número de habitantes de cada município:
Art. 29. (...)
IV - para a composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de:
a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios de até 15.000 (quinze mil) habitantes;
b) 11 (onze) Vereadores, nos Municípios de mais de 15.000 (quinze mil) habitantes e de
até 30.000 (trinta mil) habitantes;
c) 13 (treze) Vereadores, nos Municípios com mais de 30.000 (trinta mil) habitantes e de
até 50.000 (cinquenta mil) habitantes;
d) 15 (quinze) Vereadores, nos Municípios de mais de 50.000 (cinquenta mil) habitantes
e de até 80.000 (oitenta mil) habitantes;
e) 17 (dezessete) Vereadores, nos Municípios de mais de 80.000 (oitenta mil) habitantes
e de até 120.000 (cento e vinte mil) habitantes;
f) 19 (dezenove) Vereadores, nos Municípios de mais de 120.000 (cento e vinte mil) ha-
bitantes e de até 160.000 (cento sessenta mil) habitantes;
g) 21 (vinte e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 160.000 (cento e sessenta mil)
habitantes e de até 300.000 (trezentos mil) habitantes;
h) 23 (vinte e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 300.000 (trezentos mil) habi-
tantes e de até 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes;
i) 25 (vinte e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 450.000 (quatrocentos e cin-
quenta mil) habitantes e de até 600.000 (seiscentos mil) habitantes;
j) 27 (vinte e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 600.000 (seiscentos mil) habi-
tantes e de até 750.000 (setecentos cinquenta mil) habitantes;
k) 29 (vinte e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 750.000 (setecentos e cin-
quenta mil) habitantes e de até 900.000 (novecentos mil) habitantes;
166
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
l) 31 (trinta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 900.000 (novecentos mil) habi-
tantes e de até 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) habitantes;
m) 33 (trinta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.050.000 (um milhão e cin-
quenta mil) habitantes e de até 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) habitantes;
n) 35 (trinta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.200.000 (um milhão e du-
zentos mil) habitantes e de até 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil) habi-
tantes;
o) 37 (trinta e sete) Vereadores, nos Municípios de 1.350.000 (um milhão e trezentos e
cinquenta mil) habitantes e de até 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) habitantes;
p) 39 (trinta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.500.000 (um milhão e qui-
nhentos mil) habitantes e de até 1.800.000 (um milhão e oitocentos mil) habitantes;
q) 41 (quarenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 1.800.000 (um milhão e
oitocentos mil) habitantes e de até 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil) habitan-
tes;
r) 43 (quarenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 2.400.000 (dois milhões e
quatrocentos mil) habitantes e de até 3.000.000 (três milhões) de habitantes;
s) 45 (quarenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 3.000.000 (três milhões)
de habitantes e de até 4.000.000 (quatro milhões) de habitantes;
t) 47 (quarenta e sete) Vereadores, nos Municípios de mais de 4.000.000 (quatro mi-
lhões) de habitantes e de até 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes;
u) 49 (quarenta e nove) Vereadores, nos Municípios de mais de 5.000.000 (cinco mi-
lhões) de habitantes e de até 6.000.000 (seis milhões) de habitantes;
v) 51 (cinquenta e um) Vereadores, nos Municípios de mais de 6.000.000 (seis milhões)
de habitantes e de até 7.000.000 (sete milhões) de habitantes;
w) 53 (cinquenta e três) Vereadores, nos Municípios de mais de 7.000.000 (sete milhões)
de habitantes e de até 8.000.000 (oito milhões) de habitantes; e
x) 55 (cinquenta e cinco) Vereadores, nos Municípios de mais de 8.000.000 (oito mi-
lhões) de habitantes.
167
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
FISCALIZAÇÃO
A fiscalização do Município é exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei (art.
31, CF).
O controle externo da Câmara Municipal É exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas
dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde hou-
ver (§ 1º).
O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anu-
almente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Mu-
nicipal (§ 2º).
As contas dos Municípios devem ficar, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de
qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos
termos da lei (§ 3º). É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais (§
4º).
DO DISTRITO FEDERAL
O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, rege-se por lei orgânica, votada em
dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Mu-
nicípios (art. 32, § 1º, CF). A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do
art. 77, e dos Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para
mandato de igual duração (art. 32, § 2º, CF).
DA INTERVENÇÃO
A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para (art. 34, CF):
Art. 34. (...)
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da
dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) dei-
xar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro
dos prazos estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
168
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Terri-
tório Federal, exceto quando (art. 35, CF):
Art. 35. (...)
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida
fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e de-
senvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância
de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de
ordem ou de decisão judicial.
A intervenção, tanto da União nos Estados e no Distrito Federal, quanto a estadual nos muni-
cípios justifica-se, em linhas gerais, por se tratar, assim como o Estado de Defesa e o Estado de Sí-
tio, de um dos instrumentos de estabilização constitucional.
REQUISITOS
Além do preenchimento das hipóteses de cabimento, acima apresentadas, a decretação da
intervenção depende (art. 36, CF):
Art. 36. (...)
I - para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação:
de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de re-
quisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciá-
rio;
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-
Geral da República, no caso de desrespeito aos princípios constitucionais sensíveis, e no
caso de recusa à execução de lei federal.
PROCEDIMENTO
O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução
e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou
da Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas (art. 36, § 1º, CF).
169
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Está dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa nas
seguintes hipóteses:
a) intervenção para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
b) intervenção para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis;
c) intervenção para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Esta-
dual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.
Nestes casos o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa me-
dida bastar ao restabelecimento da normalidade (art. 36, § 3º, CF).
Segundo o disposto no Art. 1º, a intervenção limita-se “à área de segurança pública, confor-
me o disposto no Capítulo III do Título V da Constituição e no Título V da Constituição do Estado do
Rio de Janeiro” (§ 1º) e tem o objetivo de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública
no Estado do Rio de Janeiro” (§ 2º).
O General de Exército Walter Souza Braga Netto foi nomeado para o cargo de interventor,
cargo este “de natureza militar” (art. 2º) e com as atribuições “previstas no art. 145 da Constituição
do Estado do Rio de Janeiro necessárias às ações de segurança pública, previstas no Título V da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro”.
170
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Segundo a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, descentralização pode sofrer uma
classificação inicial na formação da Administração Pública, sendo a instituição da Admi-
171
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ADMINISTRAÇÃO DIRETA
Administração Direta é termo utilizado em nosso país para designar o conjunto de órgãos
que integram a estrutura interior da máquina administrativa do ente federado, em nível federal,
estadual, distrital ou municipal. Tem relação com o fenômeno da centralização administrativa, no
qual a entidade política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) exercita, ela própria, por
meio de seus órgãos, a atividade administrativa de que é titular. Cumpre salientar, todos os entes
políticos são, ao mesmo tempo, entes administrativos, quando estejam exercendo a função admi-
nistrativa.
240
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
172
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A legislação federal (art.1º, §2º, da Lei 9.784/99) cuidou de definir a figura do órgão como
uma unidade de atuação sem personalidade jurídica, distinguindo-a de outras categorias tais como
a entidade (unidade de atuação, com personalidade jurídica) e a autoridade (pessoa física, que
exerce a função pública). Por exemplo, um Auditor-Fiscal (autoridade) desempenha suas funções
no âmbito de determinada Delegacia Regional da Receita Federal (órgão subalterno), subordinada à
Secretaria da Receita Federal do Brasil (órgão superior), por sua vez subordinada ao Ministro da
Fazenda (órgão autônomo), todos integrantes da administração direta da União (entidade).
Segundo o art. 61, §1º, II, e, da CF/88, a criação de um órgão público depende de lei, de inici-
ativa privativa do respectivo Chefe do Poder Executivo (federal, estadual, distrital ou municipal), de
modo que apenas outra lei, da mesma iniciativa, poderá extingui-lo (princípio do paralelismo das
formas). O art.84, VI, da CF/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 32/2001, ape-
nas admite que o Presidente da República, por decreto, faça modificações na organização adminis-
trativa federal que não impliquem aumento de despesas, porém sem criar ou extinguir órgãos,
ainda que possa extinguir funções ou cargos públicos declarados vagos. Assim como ocorre com leis
que criam ou extinguem órgãos, o decreto de organização administrativa é um ato de efeitos con-
cretos, sem caráter normativo.
Em relação à criação e extinção de órgãos públicos integrantes das estruturas dos Poderes
Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público, iniciativa legislativa cabe a cada um deles
respectivamente, conforme dispõem os artigos 51, IV; 52, XIII; 96, I, b, d e II, b, c, d; 127, §2º, todos
da Constituição Federal de 1988. Esta mesma autonomia de organização está prevista nas leis or-
gânicas da Magistratura e do Ministério Público.
Registre-se que, pelo princípio da simetria, a regra constitucional que reserva ao chefe do
Poder Executivo a iniciativa privativa para a criação e extinção de órgãos da sua Administração deve
ser aplicada a todos os entes federados, conforme já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, ao
declarar in-constitucional lei estadual que atribuía a iniciativa ao Legislativo.242
Conforme será visto em tópico posterior, além dos órgãos podem existir, dentro da máquina
estatal, entidades administrativas também criadas a partir de lei da iniciativa do Executivo, algu-
mas com personalidade de direito público (autarquias), como o Instituto Brasileiro do Meio Ambi-
ente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e a
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL; outras com personalidade de direito privado
(empresas estatais), a exemplo do Banco do Brasil S.A. e da Petrobrás S.A. Justamente por terem
personalidade jurídica, tais entidades não são órgãos, integrando a chamada Administração indire-
ta, a ser estudada em tópico posterior.
241
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
242
STF, ADI 1275/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 08/06/2007.
173
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Importante frisar que o órgão não tem personalidade jurídica, pois é tão-somente uma parte
do ente (ou entidade), no tocante às suas relações com terceiros, assim como no que tange à sua
responsabilidade civil. Nas palavras de Celso Antônio,
“os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade
estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica. Por isto, as chamadas
relações interorgânicas, isto é, entre os órgãos, são, na verdade, relações entre os
agentes, enquanto titulares das respectivas competências, os quais, de resto –
diga-se de passagem –, têm direito subjetivo ao exercício delas e dever jurídico de
expressarem-nas e fazê-las valer, inclusive contra intromissões indevidas de ou-
243
tros órgãos”.
Mas a ausência de personalidade jurídica não retira a importância da atuação dos órgãos
como centros de competência administrativa. Enquanto no direito privado a capacidade para agir
pressupõe a presença de um sujeito de direito (pessoas físicas e jurídicas), isso apresenta menor
relevo no âmbito do direito público, onde “é frequente que os poderes e as competências sejam
atribuídos a núcleos organizacionais que não têm personalidade jurídica”244. Por isso o Direito Ad-
ministrativo reconhece certa autonomia jurídica aos órgãos para determinadas atividades, atribu-
indo-lhe poderes, direitos e deveres, tal como se pessoa jurídica fosse.
O fato de serem firmados contratos ou convênios em nome do órgão (inclusive com um CNPJ
próprio, para facilitar o controle) por si só não o torna uma pessoa jurídica, porque os seus poderes
se restringem apenas aos atos referentes à sua gestão administrativa, atuando como um centro de
imputação jurídica da vontade da pessoa jurídica à qual pertence.
Muito já se discutiu sobre a natureza da relação existente entre um órgão e a pessoa jurídica
da qual faz parte. Foram criadas basicamente três teorias:
a) teoria do mandato;
b) teoria da representação;
c) teoria da imputação.
Iniciou-se construindo a tese de que o órgão representaria a pessoa jurídica, tal qual ocorre
numa relação de mandato. Porém, as denominadas teorias do mandato e da representação não
esclarecem adequadamente a situação jurídica dos órgãos, pois a vontade manifestada no âmbito
do órgão não é senão a vontade da entidade à qual pertence.
243
MELLO, Curso..., cit.
244
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
174
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Sob essa ótica, a atuação dos órgãos públicos é melhor explicada pela teoria do órgão, tam-
bém chamada de teoria da imputação, idealizada pelo jurista Otto Gierke. Na verdade, a vontade
que movimenta a Administração Pública somente pode ser a de seus agentes, as pessoas físicas
inseridas na estrutura dos órgãos públicos. Por isso, é a lei que imputa juridicamente ao Estado a
vontade do agente do órgão público, de modo que, agindo o órgão, está agindo a pessoa jurídica da
qual ele faz parte. O órgão não tem juridicamente vontade própria, senão a vontade imputada à
pessoa jurídica da qual faz parte, conforme previsto em lei. Mais acertado seria, então, dizer que o
órgão presenta (e não representa) a pessoa jurídica.
Justamente por não terem personalidade jurídica, a regra geral é a de que os órgãos não pos-
suem capacidade para atuar em juízo, sobretudo em ações versando sobre direitos patrimoniais,
cuja responsabilidade é da pessoa jurídica da qual faz parte. Assim, por exemplo, se um cidadão
sofre dano causado por um preposto da Polícia Militar, órgão da Secretaria de Segurança Pública,
eventual responsabilidade civil será direcionada ao respectivo Estado-membro. Este é que deverá
figurar como réu no respectivo processo.
Quando a lei atribui a determinado órgão público a competência exclusiva para a prática de
um ato, não é possível haver a transferência administrativa dessa atribuição para outro órgão, ain-
da que hierarquicamente superior. Segundo o art. 15, Lei 9.784/99, “será permitida, em caráter
excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de compe-
tência atribuída a órgão hierarquicamente inferior". Apesar de o texto do permissivo não dizer ex-
pressamente, subentende-se que tal avocação somente é possível quando não seja hipótese de
competência exclusiva do órgão subalterno. Essa deve ser a exegese adequada, já que, em relação
à delegação, a referida legislação foi expressa ao proibi-la para as matérias de competência exclusi-
va do órgão ou autoridade (art. 13, III). A mesma razão justifica que seja assim também na avoca-
ção, consoante vem entendendo a doutrina. Conforme assinala Maria Sylvia Di Pietro, “a possibili-
175
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
dade de avocação existe como regra geral decorrente da hierarquia, desde que não se trate de
competência exclusiva do subordinado”.245
Somente existe poder hierárquico no âmbito dos órgãos que desempenham funções admi-
nistrativas, típica ou atipicamente. Não se aplica o princípio da hierarquia no desempenho das fun-
ções legislativa e judiciária, pois os agentes dos órgãos públicos competentes para exercerem tais
funções (deputados, senadores, vereadores, juízes, desembargadores etc.) gozam de prerrogativas
de independência funcional, decidindo apenas de acordo com a sua consciência e sem se submeter
a ordens superiores. Nesse diapasão,
“entre os órgãos do Legislativo há uma igualdade fundamental, que não permite
qualquer aplicação do princípio. Os representantes políticos estão no mesmo pé
de igualdade. No Poder Judiciário também não existe hierarquia. Embora haja ins-
tâncias, os órgãos judiciais não apresentam entre si relações de direção e depen-
dência, no sentido próprio da vinculação hierárquica. Os juízes de instância supe-
246
rior não são superiores hierárquicos dos de instância inferior”.
Conclui-se que, no âmbito dos órgãos que compõem os Poderes Legislativo e Judiciário, so-
mente se poderá falar em hierarquia quando estiverem exercendo atipicamente uma função admi-
nistrativa, vale dizer, quando atuam como Administração Pública. O mesmo ocorre em relação aos
órgãos que integram o Ministério Público, bem como no tocante aos Tribunais de Contas.
Por força do princípio da separação dos poderes na organização do Estado brasileiro, há ór-
gãos que, apesar de integrarem a estrutura da Administração Direta da pessoa política (União, es-
tados-membros, Distrito Federal e municípios), não estão subordinados ao chefe do Executivo. Tal
se passa com os órgãos do Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de
Contas, os quais formam uma Administração à parte, não subordinada ao Executivo. Essa indepen-
dência, repita-se, encontra fundamento direto na própria Constituição Federal.
Cada Poder tem a sua própria Administração Direta, chefiada por órgãos autônomos, razão
pela qual o art.84, II da CF/88 – ao prever que compete privativamente ao Presidente da República
exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal – deve
245
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
246
BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. Compêndio de Direito Administrativo II, RT, 1969.
176
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ser interpretado sistematicamente com outros dispositivos constitucionais que asseguram inde-
pendência aos demais Poderes.
Com efeito, a Carta Magna vigente confere competência privativa à Câmara dos Deputados
para elaborar o seu regimento interno, organizar a estrutura administrativa e dispor sobre o fun-
cionamento daquela casa parlamentar (CF/88, art. 51, III e IV), o mesmo ocorrendo em relação ao
Senado Federal (CF/88, art. 52, XII e XIII). No âmbito do Poder Judiciário, a Lei Maior dá aos Tribu-
nais a competência privativa para eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos,
dispondo sobre a competência e o funcionamento da sua administração (CF/88, art. 96, I, a e b),
regra que também se aplica aos Tribunais de Contas, no que couber (CF, art. 73). A autonomia ad-
ministrativa do Ministério Público está igualmente assegurada na Constituição (CF/88, art. 127,
§2º).
Assim, por exemplo, o Senado Federal é órgão autônomo da Administração Direta da União,
pois as suas decisões administrativas são tomadas em última instância por seu Presidente ou pela
Mesa Diretora, conforme previsto no seu regimento interno. No âmbito do Poder Judiciário, cada
Tribunal tem também a sua autonomia administrativa centralizada, seja na presidência do órgão,
no respectivo órgão especial ou conselho de administração, a depender do regimento de cada ór-
gão, existindo ainda órgãos superiores da administração judiciária previstos a própria Constituição,
quais sejam o Conselho da Justiça Federal - CJF (CF/88, art. 105, p. único, II) e o Conselho Nacional
de Justiça - (CF/88, art.103, §4º). No Ministério Público, cada Procuradoria terá seu próprio apare-
lho administrativo centralizado, tanto no âmbito dos Estados-membros, quanto no âmbito da Uni-
ão. Há aí também um órgão administrativo superior, o Conselho Nacional do Ministério Público -
CNMP (CF, art.130-A, §2º), que define parâmetros gerais para a sua administração. Em todos esses
casos, existe poder hierárquico no tocante às questões administrativas, porém, apenas entre os
órgãos que integram a respectiva estrutura independente (Legislativo, Judiciário, MP e Tribunal de
Contas), não havendo sujeição a hierarquia perante o Executivo.
Por vezes essa capacidade processual do órgão já vem explicitamente prevista em lei ou na
própria Constituição, como acontece com o Ministério Público (CF, art. 129). Noutros casos, mesmo
à míngua de previsão explícita, admite-se tal capacidade quando imprescindível à defesa de prerro-
gativas funcionais do órgão ou, ainda, em caso de conflitos entre órgãos integrantes de estruturas
hierárquicas distintas (conflitos interorgânicos).
Foi assim, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a capacidade processual
da câmara legislativa para discutir em juízo assuntos especificamente relacionados à sua compe-
177
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tência funcional frente aos demais poderes do Estado, pacificando “entendimento de que certos
órgãos materialmente despersonalizados, de estatura constitucional, possuem personalidade judi-
ciária (capacidade para ser parte) ou mesmo, como no caso, capacidade processual (para estar em
juízo)” - ADI 1557, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 18.06.2004. Essa capacidade, que decor-
re do próprio sistema de freios e contrapesos, não exime o julgador de verificar a legitimidade ad
causam do órgão despersonalizado, isto é, sua legitimidade para a causa concretamente apreciada.
Consoante a jurisprudência sedimentada nesta Corte, tal legitimidade existe quando o órgão des-
personalizado, “por não dispor de meios extrajudiciais eficazes para garantir seus direitos-função
contra outra instância de Poder do Estado, necessita da tutela jurisdicional”.247
Diz-se, então, que o órgão, apesar de não possuir personalidade jurídica, dispõe de persona-
lidade judiciária, podendo ajuizar ação na defesa dos seus poderes institucionais, envolvendo ques-
tão afetas ao seu funcionamento e autonomia administrativa.
Em suma, apesar de se reconhecer a capacidade processual em alguns casos, ela não é plena.
Como exemplo de entidades da Administração indireta federal, pode-se citar o Instituto Na-
cional do Seguro Social (INSS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Agência Na-
cional de Energia Elétrica (ANEEL), a Caixa Econômica Federal (CAIXA), a Petróleo Brasileiro S/A
(PETROBRÁS), dentre muitos outros. São pessoas jurídicas, dotadas de autonomia administrativa,
que não se confundem com a União (Administração Direta federal), apesar de estarem vinculadas a
esta.
247
STF, RE 595176 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 06/12/2010.
248
STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, REsp. 1109840, DJ de 17/06/2009.
178
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Ressalte-se que, apesar dessa estreita relação com a chamada descentralização administra-
tiva funcional (ou por serviços), cuja origem esteve no modelo francês de organização administra-
tiva, o vocábulo “Administração Indireta” não foi utilizado na França, tendo chegado ao nosso direi-
to por influência da doutrina italiana das autarquias e por ocasião da reforma administrativa im-
plementada pelo Decreto-lei 200/67. Já há algum tempo, portanto, emprega-se em nosso direito
positivo a divisão da máquina estatal entre a Administração Direta e a Administração Indireta.
Deve-se atentar que na legislação brasileira tais expressões foram empregadas estritamente
no sentido subjetivo ou orgânico de Administração estatal - ou seja, com o fito de identificar, den-
tro da estrutura do Estado, qual o órgão ou entidade administrativa atuante - e não num sentido
objetivo ou formal que leve em conta a natureza administrativa da atividade e o seu modo de exe-
cução. Por isso, ao menos no direito administrativo brasileiro, o conceito de descentralização ad-
ministrativa é mais amplo do que o de Administração Indireta, porquanto há também entidades
pertencentes a particulares (v.g. as concessionárias) que desempenham atividades administrativas
em regime de colaboração, mas sem pertencerem à estrutura da Administração Indireta (tem-se,
aí, a chamada descentralização administrativa por colaboração).
A criação de entidades da Administração Indireta é uma opção política que busca assegurar
maior eficiência no funcionamento da máquina administrativa e ao mesmo tempo impede que
todas as decisões fiquem a cargo do poder central do ente político, possibilitando com isso mais
especialização técnica em cada área de atuação do Estado e a adoção de mecanismos decisórios
mais democráticos.
São variados os regimes jurídicos dos entes estatais que compõem a Administração indireta,
sendo que alguns deles têm personalidade jurídica de direito público (ex: autarquias), enquanto
outros têm personalidade jurídica de direito privado (ex: sociedades de economia mista). As enti-
dades estatais instituídas como pessoas jurídicas de direito público são criadas por lei, ao passo
que as de direito privado têm a sua criação autorizada em lei. Vale dizer, enquanto a pessoa jurídi-
ca de direito público “nasce” com a simples publicação da lei que lhe deu origem (ex lege), a enti-
dade estatal com personalidade de direito privado, apesar de autorizada por lei, depende ainda do
registro dos seus atos constitutivos, tal como ocorre com as pessoas jurídicas em geral, segundo a
lei civil.
249
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
São Paulo: Atlas.
179
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Por outro lado, é comum se utilizar a expressão num sentido mais fraco, destacando-se juri-
dicamente graus variados de autonomia, bastando que se empregue um ou outro qualitativo que
possa distinguir as situações. Assim, ao se falar especificamente em autonomia administrativa,
enfoca-se tão-somente a capacidade de auto-administração de que dispõem as pessoas jurídicas
possuidoras de uma estrutura hierárquica própria e separada da estrutura administrativa do poder
central do ente político. Não se trata aí de autonomia naquele grau forte (autonomia política), mas
de mero comando próprio na esfera da administração.
Reside nesse ponto a distinção que também deve ser feita entre hierarquia e tutela. Enquan-
to na relação hierárquica o órgão inferior está subordinado ao ministério do qual faz parte, na tute-
la administrativa se diz que a entidade estatal apenas está vinculada ao ministério, expressão que
denota um controle finalístico, menos rígido do que o controle hierárquico. Ao criar um órgão den-
tro da estrutura de um ministério, o legislador faz presumir a existência de subordinação entre eles,
de modo que o órgão subordinado somente poderá agir no espaço delineado pelo órgão superior.
Já quando se cria uma entidade com personalidade jurídica própria, cabe ao legislador indicar ex-
pressamente os parâmetros em que se operará a supervisão ministerial, fora do que o ente gozará
de autonomia administrativa para agir.
180
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“A tutela não se presume, pois só existe quando a lei a prevê; a hierarquia existe
independentemente de previsão legal, porque é princípio inerente à organização
250
administrativa do Estado.”
Um último esclarecimento cabe ainda de ser feito. Em tópico anterior, ao tratarmos do tema
da Administração Direta, falou-se na desconcentração administrativa como sendo a distribuição
de funções na estrutura interna de uma mesma pessoa jurídica administrativa. Convém agora sali-
entar que a desconcentração não é um fenômeno restrito ao âmbito da execução centralizada
(Administração Direta). Haverá desconcentração onde houver distribuição de funções dentro de
uma mesma pessoa jurídica, o que acontece não apenas no interior do próprio ente federativo
(União, estados-membros, Distrito Federal ou municípios), como também no interior de qualquer
entidade por ele criado e integrante da sua Administração Indireta. Assim, v.g., o Instituto Nacional
do Seguro Social - INSS, autarquia federal (entidade com personalidade jurídica criada pela União),
possui dentro de sua estrutura interior uma série de órgãos distribuídos por todo o país. Houve
descentralização administrativa por ocasião da transferência de tarefas da União (pessoa jurídica)
para o INSS (pessoa jurídica). Não obstante, a distribuição de tarefas entre os órgãos internos (des-
personalizados) do INSS consubstancia uma desconcentração administrativa.
O art. 18, CF, dispondo sobre a autonomia dos entes federados, confere personalidade jurídi-
ca de direito interno à União, Estados, DF e Municípios. Além disso, o art. 37, XIX e XX, faz menção
expressa às autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações estatais e
entidades delas subsidiárias.
O Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), por sua vez, dedicou um título específico às pes-
soas jurídicas, indicando o elenco das entidades de direito público (arts. 41 e 42) e as de direito
privado (art. 44). Também tratou detalhadamente das pessoas jurídicas de natureza empresarial
250
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
251
MEDAUAR, Odete. Controle administrativo das autarquias. São Paulo: Bushatsky.
181
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
(arts. 997 a 1108). Legislações posteriores, também editadas pela União, alteraram o texto do Códi-
go, acrescentando novos modelos de entidades, a exemplo das associações públicas (Lei
11.107/2005).
Como, em regra, qualquer pessoa jurídica há de ser criada de acordo com um desses perfis
ditados pela legislação civil, outra modalidade de pessoa jurídica deverá ter previsão em legislação
específica também editada pela União. Significa dizer que, ao optarem por criar entidades adminis-
trativas, os Estados, o DF e os Municípios terão de necessariamente seguir os parâmetros já previs-
tos na lei nacional, adotando alguma das modalidades de pessoas jurídicas nela indicadas.
AUTARQUIAS
Na evolução histórica do fenômeno da descentralização administrativa funcional, as autar-
quias foram os primeiros entes administrativos criados pelo Estado. Na França, dita descentraliza-
ção teve início com a instituição de serviços públicos dotados de personalidade jurídica, como cen-
tros autônomos de decisão denominados estabelecimentos públicos administrativos. No Brasil, por
influência da doutrina italiana, tal categoria veio a ser chamada de autarquia.
Autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno criadas por lei específica para de-
sempenharem atividades estatais típicas, com autonomia administrativa em relação ao poder cen-
tral do Estado.
Sendo pessoas jurídica de direito público, submetem-se ao mesmo regime jurídico de direito
público aplicável à Administração Direta dos entes políticos. Essa é a regra geral dentre as criaturas
do Estado, que somente por exceção poderá criar pessoas jurídicas regidas por normas de direito
privado, tendo de haver expressa disposição em lei nesse sentido, caso contrário presume-se a
aplicação de normas publicistas. Como explica Celso Antônio, "não se pode pressupor o caráter
privado em uma criatura estatal. Para que se entendesse ocorrente esta última hipótese seria ne-
cessário que a própria lei responsável pelo surgimento da pessoa declarasse de modo inequívoco a
intenção de excepcionar a regra - o que não ocorreu. Com efeito, o normal, a regra, o princípio, só
podem ser os de que o Estado cria pessoas para prosseguir objetivos públicos, cuja consecução se
faz mediante regime jurídico similar ao que lhe cabe"252.
A previsão de criação por lei específica, como consta no art. 37, XIX, da CF/88, faz com que
cada autarquia seja estruturada tendo em conta as particularidades da sua área de atuação, obs-
tando com isso a criação generalizada de autarquias em diferentes setores administrativos e por
meio de uma única lei. Uma vez publicada a lei específica, advém daí diretamente a sua existência
jurídica, sem necessidade de registro. Da mesma forma, a sua extinção também demanda lei no
sentido formal.
252
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Pareceres de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
182
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
do exercício de poder de polícia, há também autarquias voltadas para a prestação de serviços pú-
blicos e obras de interesse social, a exemplo do INSS e do DNOCS.
Seja como for, percebe-se que, sob o rótulo de Administração Indireta, enquadram-se diver-
sas entidades estatais nem sempre muito parecidas juridicamente, pois algumas delas estarão
submetidas ao mesmo regime jurídico aplicado ao Estado (autarquias), enquanto outras deverão
seguir predominantemente as normas gerais do direito privado (empresas estatais). Daí porque, à
guisa de se destacar o conjunto de autarquias que atuam ao lado da Administração Direta, fala-se
em Administração Autárquica, expressão que serve apenas para separar, no conjunto da Adminis-
tração Indireta, o subconjunto integrado pelas autarquias.
Como já dito, a Administração autárquica segue em linhas gerais o mesmo regime jurídico de
direito público aplicado a Administração direta, com destaque para aspectos essenciais relaciona-
dos ao regime de bens, regime de pessoal, prerrogativas processuais, imunidades tributárias e ou-
tras particularidades que as diferenciam das pessoas jurídicas de direito privado.
183
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
pelo que a lei poderá fixar regimes jurídicos diversificados, estatutário ou contratual, a depender da
atividade a ser desempenhada pelo agente. Porém, conforme abordaremos em capítulo posterior,
o STF veio a declarar inconstitucional essa alteração, voltando a vigorar a exigência do regime jurí-
dico único.254
Os dirigentes das autarquias são designados pelo Chefe do Poder Executivo, a princípio sem
ingerência de qualquer outro órgão (cargos de confiança, de livre nomeação e exoneração). Há
casos, porém, em que a legislação ordinária vem a condicionar a indicação à prévia aprovação pelo
Poder Legislativo, de maneira que a pessoa escolhida submete-se a uma sabatina perante os par-
lamentares, sem o que não se completa a sua escolha para o cargo. Tal condição é expressamente
admitida pela Constituição Federal de 1988 (art. 52, CF), em nada afrontando o princípio da separa-
ção dos poderes, conforme inclusive já se posicionou a nossa Corte Suprema.
Com efeito, desde o julgamento da ADI 1949 MC/RS (rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.
18/11/99), o STF já havia sinalizado que
“diversamente dos textos constitucionais anteriores, na Constituição de 1988 - à vista da
cláusula final de abertura do art. 52, III -, são válidas as normas legais, federais ou locais,
que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à pré-
via aprovação do Senado Federal ou da Assembléia Legislativa: jurisprudência consolida-
da do Supremo Tribunal”.
254
ADI 2135-4.
255
RE 242.827/PE.
256
ADI 2225/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29/06/2000
257
Súmula 25, STF. A nomeação a termo não impede a livre demissão, pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de
autarquia.
258
Súmula 47/STF. Reitor de Universidade não é livremente demissível pelo Presidente da República durante o prazo de sua investidura.
184
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Quanto ao primeiro aspecto, qualquer dos entes da federação (União, Estados, Distrito Fede-
ral e Municípios) pode criar autarquias próprias, que são, por isso, classificadas respectivamente
como autarquias federais, estaduais, distritais e municipais.
No que diz respeito à finalidade para qual foram instituídas, as autarquias podem ser classifi-
cadas em territoriais, corporativas, fundacionais, assistenciais, previdenciárias, de controle e admi-
nistrativas.
As autarquias territoriais têm por objeto a administração geral de uma área limitada do ter-
ritório nacional, como já ocorreu no Brasil com os territórios federais, que ainda podem ser eventu-
almente criados (art. 18, CF). Discordamos dessa classificação, pois tais territórios são instituídos
para exercerem funções genéricas de administração pública, sem obediência ao princípio da espe-
cialidade que inspira a criação dos entes da Administração Indireta. Assim, a situação dos territórios
melhor se enquadra na esfera da descentralização geográfica259 e não da descentralização funcio-
nal.
As autarquias assistenciais têm a sua atuação voltada para a área social, buscando prestar
auxílio à população mais carente, bem como sanear desigualdades regionais. São
“aquelas que visam a dispensar auxílio a regiões menos desenvolvidas ou a cate-
gorias sociais específicas, para o fim de minorar as desigualdades regionais e so-
ciais, preceito, aliás, inscrito no art. 3º, III, da CF. Exemplos: a ADENE – Agência de
Desenvolvimento do Nordeste e a ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazô-
260
nia, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária”.
As autarquias previdenciárias são aquelas que se dedicam à gestão dos serviços públicos vol-
tados para a concessão dos benefícios da previdência social previstos em lei, tanto para os traba-
lhadores da iniciativa privada quanto para os servidores públicos. No âmbito do regime geral de
259
DI PIETRO, Parcerias..., cit.
260
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
185
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Por fim, todas as demais autarquias que não se enquadrem numa das categorias acima iden-
tificadas, podem ser genericamente consideradas como autarquias administrativas, as quais
“formam a categoria residual, ou seja, daquelas entidades que se destinam às va-
ras atividades administrativas, inclusive de fiscalização, quando essa atribuição
for da pessoa federativa a que estejam vinculadas. É o caso do INMETRO (Institu-
to Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial); BACEN (Banco
Central do Brasil); IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
262
Naturais Renováveis)”.
Por fim, fala-se ainda em autarquias especiais (ou sob regime especial), distinguindo-as das
autarquias comuns. O foco da diferenciação está em que tais autarquias possuem algumas prerro-
gativas específicas além daquelas que consubstanciam o regime geral das demais. Com efeito, nem
todas as autarquias dispõe do mesmo grau de autonomia e, apesar de tecnicamente não existir
hierarquia entre elas e o poder central, existem algumas com maior autonomia do que outras e que
por isso são consideradas especiais.
Assinala-se três ordens de fatores que influenciam no grau de autonomia de uma autarquia:
“O primeiro se relaciona com sua estruturação organizacional. A autarquia tem
uma estrutura administrativa distinta da Administração direta. Mas seus órgãos
de mais elevada hierarquia são providos por meio de decisões da Administração
direta. Ou seja, o administrador da autarquia não é eleito pelo povo nem escolhi-
do pelo Legislativo. É escolhido por uma autoridade da Administração direta (ain-
da que se admita a possibilidade de a lei subordinar o provimento a uma autori-
zação do Senado Federal). Como regra, também cabe à mesma autoridade da
Administração direta produzir o afastamento do administrador da autarquia. O
segundo tem que ver com as competências da autarquia. A lei pode determinar
que a autarquia seja titular de competências privativas, sem possibilidade de in-
terferência da Administração direta sobre as escolhas adotadas. Mas é possível
outra solução, em que as decisões da autarquia seriam revisáveis e alteráveis por
determinação da Administração direta. Portanto, a solução adotada pela lei disci-
261
Idem.
262
Ib idem.
186
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Trata-se de um fenômeno que ocorreu em diversos países. Na França, por exemplo, ao lado
dos tradicionais estabelecimentos públicos correspondentes às nossas autarquias, vieram sendo
criadas algumas entidades dotadas de maior autonomia em relação à administração central, trata-
das então como uma nova categoria, sob a designação de autoridades administrativas indepen-
dentes. No Brasil, há algum tempo a expressão “autarquia especial” era empregada pela doutrina
para destacar o papel das universidades públicas, por disporem de maior independência do que as
autarquias em geral, haja vista a sua autonomia didático-científica. Depois, estendeu-se tal qualifi-
cação a outras autarquias que também desfrutariam de situação jurídica diferenciada em relação
ao conjunto das autarquias comuns, gozando de maior poder e independência frente à Administra-
ção Direta. É o caso do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários. Em momento
mais recente passou-se a utilizar a expressão para fazer referência às agências reguladoras.
Advirta-se, porém, não haver um critério objetivo e seguro que possa indicar quando exata-
mente uma autarquia se revela como “especial”, justamente por não existir uniformidade no regi-
me jurídico de tais entidades. Logo,
“não havendo lei alguma que defina genericamente o que se deva entender por
tal regime, cumpre investigar, em cada caso, o que se pretende com isto. A idéia
subjacente continua a ser a de que desfrutariam de uma liberdade maior do que
as demais autarquias. Ou seja: esta especialidade do regime só pode ser detecta-
da verificando-se o que há de peculiar no regime das ‘agências reguladoras’ em
264
confronto com a generalidade das autarquias”.
Com exceção apenas do controle hierárquico pela Administração direta, as autarquias estão
sujeitas aos mesmos mecanismos de controle interno e externo da Administração Pública, incluindo
aí o exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas.
FUNDAÇÕES PÚBLICAS
A fundação é uma entidade qualificada por um patrimônio destinado a determinado fim. As
fundações estatais, como o próprio nome sugere, são aquelas instituídas pelo Estado.
O objeto das fundações estatais deverá sempre ter caráter social, razão pela qual
“jamais poderá o estado instituir fundações públicas quando pretender intervir no
domínio econômico e atuar no mesmo plano em que fazem os particulares; para
263
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
264
MELLO, Curso…, cit.
187
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
É clássica a controvérsia doutrinária acerca da natureza jurídica das fundações estatais, sobre
se seriam pessoas de direito público ou de direito privado.
Para Hely Lopes somente poderiam existir fundações de direito privado, submetidas às re-
gras do Direito Civil, opinião ancorada no disposto no Decreto-lei 200/67, com a alteração introdu-
zida pela Lei 7596/87266 e que encontrou reforço no texto da Constitucional Federal de 1988, cujo
art. 37, XIX, ao prever a instituição mediante autorização em lei (e não diretamente por lei), parece
haver tratado as fundações estatais como pessoas jurídicas de direito privado.
Apesar disso, Maria Sylvia, assim como inúmeros outros autores, defende “a possibilidade de
o poder público, ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito
privado”, sendo que,
“quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atri-
buir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições
que lhe são próprias, ou subordiná-las ao Código Civil, neste último caso, com der-
rogações por normas de direito público (...) em cada caso concreto, a conclusão
sobre a natureza jurídica da fundação – pública ou privada – tem que ser extraída
267
do exame de sua lei instituidora e dos respectivos estatutos”.
265
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
266
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
267
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
268
MELLO, Curso..., cit.
269
RE 101.126-RJ, RTJ 113/314; ADI 2.794, DJ de 30.03.2007.
188
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Em suma, se de acordo com a lei instituidora a fundação estatal for de direito público, o seu
regime jurídico será idêntico ao das autarquias, revelando-se como simples autarquia fundacional,
designação correspondente a sua base estrutural, não havendo qualquer distinção no tocante à
finalidade. Nesse caso, “a própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para
o nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público”.270 Tem-se, então,
uma fundação pública.
Já se a fundação estatal for de direito privado, o seu regime será similar ao das empresas es-
tatais, inclusive quanto à necessidade de registro dos seus atos constitutivos. Todavia, com elas não
se confundem, pois enquanto a finalidade das fundações terá sempre caráter social e não lucrativo,
as empresas estatais são criadas para intervir no domínio econômico ou prestar serviços públicos
de natureza comercial ou industrial. Advirta-se que “não pode haver fundação, ainda que instituída
sob o figurino do Direito Privado, que legalmente possa buscar uma finalidade de interesse privado,
quando instituída pela Administração Pública”.271 Assim, mesmo quando instituída como pessoa
jurídica de direito privado, a fundação estatal não se sujeitará inteiramente às regras do Direito
Civil, submetendo-se também a normas do direito público, sobretudo no tocante a sua finalidade.
Além disso, a exemplo do que ocorre com as fundações privadas, as áreas de atuação das funda-
ções estatais de direito privado são definidas por lei complementar (art. 37, XIX, CF).
Noutro giro, José dos Santos critica o critério acima referido, entendendo que “o regime ad-
ministrativo não é causa da distinção, mas efeito dela”.272 Da mesma forma, seriam insatisfatórios
os critérios baseados no desempenho de serviço estatal e na finalidade, haja vista que tanto as
fundações de direito público quanto as de direito privado exercem atividade qualificada como ser-
viço público não lucrativo.
Segundo o autor,
“o único fator do qual se pode extrair pequeno elemento de diferenciação reside
na origem dos recursos, admitindo-se que serão fundações estatais de direito pú-
blico aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa fe-
derativa e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas, ao passo que de
direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos
serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros (...)
como nos mais diversos exemplos que se têm verificado, seja em nível federal, se-
ja em nível estadual, distrital e municipal, as fundações governamentais depen-
dem diretamente do orçamento público e subsistem à custa dos recursos públicos
oriundos do erário da respectiva pessoa política que as controla, será forçoso re-
conhecer que, à luz da distinção acima, restaram poucas dentre as fundações pú-
blicas que podem ser qualificadas como fundações governamentais de direito pri-
273
vado”.
Frise-se que, seja qual for o seu regime jurídico, as fundações estatais dependem de lei espe-
cífica para a sua criação ou extinção. Se forem regidas pelo direito público (fundações públicas),
independem de registro público para existir, pois a lei por si só já lhe dá publicidade, como de resto
270
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
271
GASPARINI, Manual..., cit.
272
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
273
Idem.
189
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ocorre com as demais entidades legalmente instituídas. Se forem regidas pelo direito privado (fun-
dações governamentais), não é a lei que cria, mas apenas autoriza a criação do ente.
Convém distinguir juridicamente estas situações daquelas outras em que o Estado desempe-
nha atividades típicas do setor público (Primeiro Setor). Assim,
“o Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a
prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titularidade,
na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no con-
texto, mais correto do que a expressão atuação estatal. (...) Intervenção indica,
em sentido forte (isto é, na sua conotação mais vigorosa), no caso, atuação esta-
tal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal, simplesmente, a-
ção do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularida-
274
de do setor privado”.
Infere-se, portanto, que quando o Estado interfere no setor privado, o faz através de modali-
dades interventivas, que podem se enquadrar em alguma das seguintes situações:
• Intervenção direta no domínio econômico: Atuação por meio de empresas criadas pelo
Estado para desempenharem atividades econômicas, na forma do art. 173, CF. Tal inter-
venção, ainda segundo Eros Grau, se dará por absorção (caso a empresa estatal atue em
regime de monopólio) ou por participação (caso a empresa atue em regime de concor-
rência com a iniciativa privada).275
274
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros.
275
Idem.
276
Ib idem.
190
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Somente com o advento do modelo social, em meados do século passado, passou-se a ado-
tar uma opção política de atuação estatal mais incisiva na ordem econômica, surgindo então a ne-
cessidade de serem criadas entidades administrativas com características especiais que pudessem
propiciar ao Estado agir como verdadeiro empresário, portanto, sob predomínio do regime de direi-
to privado. Esse fenômeno deu origem, na França, aos chamados estabelecimentos públicos indus-
triais e comerciais. No Brasil, tais entidades estatais foram qualificadas sob o gênero empresas
estatais, expressão que abrange as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as empre-
sas subsidiárias, bem como outras empresas em que o Estado detenha o controle acionário, ainda
que não participe efetivamente da sua gestão.
277
MELLO, Curso..., cit.
278
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
191
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O regime das empresas estatais, apesar de sofrer variável influxo de normas do direito públi-
co, é predominantemente o de direito privado. Enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito
público) são criadas diretamente por lei e independente de registro, as empresas estatais (pessoas
jurídicas de direito privado) têm a sua criação autorizada por lei, dependendo ainda de registro de
comércio. Vale dizer, a sua instituição é um ato complexo, formado a partir da autorização legal,
seguida da elaboração do documento de constituição (estatuto), que é então depositado no regis-
tro público.
Como reza o art. 37, XIX, CF, a instituição de empresa pública ou de sociedade de economia
mista depende de autorização em lei específica, a qual indicará a respectiva área de atuação da
estatal, não podendo os seus administradores dispor de modo contrário.
O mais comum é que a empresa estatal seja criada de modo originário, mediante aporte or-
çamentário, de bens e recursos humanos que a integrarão. Mas pode acontecer de a lei autorizar a
aquisição, pelo Estado, de uma empresa privada já existente (estatização), que passará então a
integrar a Administração indireta do respectivo ente político, devendo adaptar-se gradualmente ao
regime jurídico próprio das empresas estatais até o final do exercício subsequente ao da aquisição.
É possível até mesmo que a lei autorize a transformação de órgão ou de autarquia em empresa
estatal, passando com isso a ter personalidade jurídica de direito privado, tal aconteceu, por exem-
plo, com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e com a Casa da Moeda do Brasil, ambas
empresas públicas criadas mediante transformação de antigas autarquias federais.
Além das empresas públicas e sociedades de economia mista, a expressão se estende às em-
presas subsidiárias, bem como outras empresas em que o Estado detenha o controle acionário,
ainda que não participe efetivamente da sua gestão. Assim, a exploração de atividade econômica
pelo Estado será exercida por meio de empresa pública, de sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias.
Conforme veremos mais à frente, a criação de uma empresa estatal (seja ela empresa públi-
ca, sociedade de economia mista ou subsidiária) encontra fundamento constitucional em duas hi-
póteses: 1) ou a empresa será criada para prestar um serviço público de natureza comercial ou
279
DI PIETRO, Maria Zanella Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas.
192
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
industrial (art. 175, CF); ou 2) a empresa será criada para explorar atividade econômica por razões
de relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional (art. 173, CF).
Recentemente, em cumprimento ao disposto no art. 173, §1º, CF, com a redação dada pela
EC 19/1998, foi editada a Lei 13.303/2016, dispondo sobre o estatuto jurídico da empresa pública,
da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa
pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
que explore atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de ser-
viços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União, ou seja, de
prestação de serviços públicos.
Enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito público) são criadas diretamente por lei,
independente de registro, as empresas estatais (pessoas jurídicas de direito privado) têm a sua
criação autorizada por lei, dependendo ainda de registro de comércio. As espécies de empresas
estatais tradicionalmente reconhecidas são as empresas públicas e as sociedades de economia
mista, tendo o legislador brasileiro, desde a edição do DL 200/67, apontado definições para tais
modalidades, em alguns aspectos já superadas pelo tempo ou sem a adequada precisão técnica.
Mas seja qual for a modalidade empregada, haverá sempre pontos comuns em todas as em-
presas estatais, a saber: são criadas ou extintas por autorização legal (art. 37, XIX, CF), com perso-
nalidade jurídica de direito privado, sujeitas a um regime híbrido em que algumas normas de direito
privado são derrogadas por normas de direito público, com empregados regidos pelas leis trabalhis-
tas, vinculação a um fim específico definido em lei (especialidade) e desempenho de atividade de
natureza econômica (sentido amplo), que poderá ser um serviço público comercial ou industrial ou
uma atividade de intervenção direta no domínio econômico (atividade econômica em sentido estri-
to).
Quanto aos pontos de distinção, as empresas públicas são constituídas por capital inteira-
mente público, ainda que possa pertencer a distintos entes da federação. Já as sociedades de eco-
nomia mista são constituídas de capital público e privado, tendo o Poder Público a participação
majoritária na gestão da empresa. Por esta razão, no que toca à forma de organização e composi-
ção de capital, enquanto as empresas públicas podem ser organizadas sob qualquer das formas
previstas na legislação civil (S/A, Ltda. etc.) ou em lei nacional específica, as sociedades de econo-
mia mista somente são constituídas sob a forma de sociedade anônima (S/A).
O mais comum é que a empresa pública pertença a uma única entidade federada, que inte-
graliza todo o seu capital social, mantendo aí a forma de sociedade unipessoal. Não raro, porém,
são criadas empresas públicas cujo capital pertence a mais de um ente estatal, havendo, além do
ente instituidor, outros sócios governamentais minoritários (sociedade pluripessoal). É possível até
mesmo que parte dos seus recursos seja capitalizado por meio de ações, assumindo a forma de
sociedade anônima. Contudo, essas ações devem necessariamente pertencer a sócios governamen-
tais com personalidade jurídica de direito público interno (entes federados ou autarquias) ou cujo
capital seja inteiramente público (outra empresa pública), pois, se houver alguma participação a-
cionária de capital privado, a entidade será uma sociedade de economia mista e não uma empresa
pública.
Vale dizer, a sociedade de economia mista, sempre constituída como sociedade anônima,
poderá ser uma companhia aberta ou fechada (conforme tenha ou não ações negociadas em bolsa
193
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
São exemplos de empresas públicas, em âmbito federal, a Caixa Econômica Federal (CAIXA),
a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a Casa da Moeda do Brasil, a Empresa Brasileira
de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EM-
BRAPA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dentre as sociedades
de economia mista podemos citar o Banco do Brasil S/A (BB), a Petróleo Brasileiro S/A (PETRO-
BRÁS), a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).
A maioria das empresas estatais são instituídas para atuarem na área econômica, no mais
das vezes em situação de concorrência com empresas privadas que operam no mesmo setor, sujei-
tando-se predominantemente ao mesmo regime jurídico destas (art. 173, §1º, II, CF) e sem gozar
de privilégios a estas não extensíveis (art. 173, §2º, CF). Tal é o caso do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal, naquilo que diz respeito à atividade comercial enquanto instituições financei-
ras. Há também estatais que desempenham serviços públicos em regime de monopólio, como é o
caso da ECT (serviço postal) e da INFRAERO (infraestrutura aeroportuária), e por isso submetem-se
a regime jurídico um pouco diferenciado em relação ao setor privado. É comum ainda que o Gover-
no se valha das estrutura das suas empresas também para a implementação de políticas sociais ou
o desempenho de serviços administrativos sob regime de direito público. Cite-se nessa situação o
importante papel desempenhado pela Caixa Econômica Federal, quando executa planos de acesso
à moradia popular (SFH) ou atua como agente operadora do FGTS.
Outro ponto de distinção que merece destaque diz respeito à competência jurisdicional para
o exame de questões envolvendo empresas públicas federais. Segundo dispõe o art. 109, I, CF, tal
caberá à Justiça Federal, ressalvadas apenas as ações de falência, de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Já quanto às sociedades de economia mista fede-
rais, a competência será sempre da Justiça Estadual, salvo quando a União intervém como assisten-
te ou opoente, ou quando se tratar de questões eleitorais ou trabalhistas.
A teor da Súmula 517 do STF, “as sociedades de economia mista só têm foro na justiça fede-
ral quando a União intervém como assistente ou opoente”. Excepciona-se assim a regra geral de
que “é competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedades de economia
mista” (Súmula 556/ STF). Essa orientação jurisprudencial é reforçada ainda pela Súmula 42 do STJ,
segundo a qual “compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é
parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”. Convém ressaltar
que, de acordo com a Súmula 150 do STJ, “compete à justiça federal decidir sobre a existência de
interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da união, suas autarquias ou empresas
públicas”.
194
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
empresa, o administrador não atua como autoridade. Como se extrai dos §§ 1º e 2º do art. 1º da
atual lei do mandado de segurança (Lei 12.016/09), equiparam-se às autoridades os representantes
ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os diri-
gentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do Poder Público,
somente no que disser respeito a essas atribuições. Outrossim, não cabe mandado de segurança
contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de so-
ciedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.
Saliente-se que, mesmo tendo as empresas estatais personalidade jurídica de direito privado,
elas estão sujeitas ao influxo de algumas normas de direito público, sobretudo as previstas na pró-
pria Constituição Federal. O fato de não estarem integralmente regidas pelo direito público “não
equivale a afirmar que estejam abrangidas totalmente sob o direito privado”280, como se particula-
res fossem.
Celso Antônio salienta haver, portanto, dois tipos fundamentais de empresas públicas e so-
ciedades de economia mista: “exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços pú-
blicos ou coordenadoras de obras públicas”.
“No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais pessoas seja o
mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito
Privado. Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfru-
tem de situação vantajosa em relação às empresas privadas – às quais cabe a se-
nhoria no campo econômico –, compreende-se que estejam, em suas atuações,
submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades par-
ticulares de finas empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que
em tais hipóteses regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas
(art.173, §1º, II). (...) No segundo caso, quando a concebidas para prestar serviços
públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propriamente
(como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram influxo
mais acentuado de princípios e regras de Direito Público, ajustados, portanto, ao
281
resguardo de interesses desta índole.”
280
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
281
MELLO, Curso..., cit.
195
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Quanto às empresas estatais que desempenham serviços públicos, submetem-se como dito a
um regime de direito público mais acentuado, equiparando-se à Fazenda Pública. Daí porque o STF
reconheceu a imunidade tributária recíproca tanto em relação à ECT - Empresa de Correios e Telé-
grafos284 quanto em relação à INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica285. O
mesmo vem sendo decidido em relação a empresas estaduais, quando prestadoras de serviços
públicos, citando-se a Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia286. Essa imunidade
não se aplica às empresas estatais que exploram atividades econômicas em concorrência com a
iniciativa privada, como acontece com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás,
que não podem ter qualquer privilégio fiscal não extensivo à iniciativa privada (art. 173, §1º, II, CF).
Questiona-se que a ECT e a INFRAERO são empresas que, apesar de terem como função pri-
mordial o desempenho de serviço público, atualmente também exploram outras atividades eco-
nômicas, em relação às quais não haveria justificativa para a incidência do regime de direito públi-
co, tese que, todavia, não foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.287
Seja como for, percebe-se que, qualquer que seja a atividade desempenhada pela empresa
pública ou pela sociedade de economia mista (serviço público, atividade econômica ou ambos), o
seu regime jurídico jamais será inteiramente de direito privado, pois sempre estarão submetidas,
em maior ou menor grau conforme o caso, a normas de direito público. Será um regime híbrido,
282
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
283
RE 172.816.
284
AI-AgR 690.242/SP.
285
RE-AgR 363.412/BA.
286
AC 1.550/RO.
287
RE 229.696 e ADPF 46.
288
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
196
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não se deve confundir o regime de privilégio que caracteriza eventual exclusividade na pres-
tação de um serviço público (ex: ECT) com o regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a
exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado (ex: PETRO-
BRAS).291
Os dirigentes das empresas estatais são escolhidos pelo respectivo Chefe do Poder Executi-
vo. E ao contrário do pode ocorrer com as autarquias, não é possível que a lei condicione a escolha
do dirigente a prévia aprovação do Poder Legislativo, conforme já se posicionou o STF.292
Questão importante a destacar também é possibilidade ou não de falência das empresas es-
tatais. No tocante às sociedades de economia mista, o art. 242, Lei 6.404/76, previa que não se
sujeitavam à falência. Não havendo menção às empresas públicas, entendia-se que a estas se apli-
caria normalmente ao regime falimentar como qualquer outra empresa. A doutrina, contudo, ex-
cluía desse regime as empresas públicas prestadoras de serviço público. Ocorre que o referido dis-
positivo foi revogado pela Lei 10.303/01, passando a doutrina a entender que as sociedades de
economia mista também deveriam se submeter ao regime falimentar, exceto as prestadoras de
serviço público. Ou seja, apenas as empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, por-
quanto submetidas ao regime obrigacional similar às demais empresas privadas (art. 173, CF), esta-
289
Idem.
290
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
291
STF, ADPF 46, rel. p/ acórdão min. Eros Grau.
292
ADI 1.642/MG.
197
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
riam sujeitas às regras comerciais de falência. As prestadoras de serviços públicos estariam fora
desse regime, de modo que, em caso de insolvência, é razoável se reconhecer a responsabilidade
subsidiária do respectivo ente político instituidor.293
A polêmica acirrou-se com a edição da Lei 11.101/05, cujo art. 2º exclui do regime falimentar
as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sem fazer distinção quanto à atividade.
Não obstante, alguns autores seguem apontando a inconstitucionalidade dessa nova regra, por
incompatibilidade com o art. 173, §1º, CF, eis que, estando as empresas estatais exploradoras de
atividades econômicas submetidas às regras comuns do direito comercial, seria um “grande con-
trassenso aplicar a falência às empresas privadas e não admiti-la para as estatais que, segundo a
Constituição, merecem o mesmo tratamento”.295
Por fim, a Lei 13.303/16 inovou ao reconhecer expressamente a função social da empresa
pública e da sociedade de economia mista, bem como ao prever formas de fiscalização pelo Estado
e pela sociedade.
EMPRESAS SUBSIDIÁRIAS
Empresas subsidiárias
“são aquelas cujo controle e gestão das atividades são atribuídos à empresa pú-
blica ou à sociedade de economia mista diretamente criadas pelo Estado. Em ou-
tras palavras, o Estado cria e controla diretamente determinada sociedade de e-
conomia mista (que podemos chamar de primária) e esta, por sua vez, passa a
gerir uma nova sociedade mista, tendo também o domínio do capital votante. É
296
esta segunda empresa que constitui a sociedade subsidiária.”
Trata-se, portanto, de empresas criadas por empresas estatais já existentes. A nova empresa
será, então, de segundo grau, sendo a criadora a de primeiro grau. E nada obsta que possa haver
sucessivas criações de empresas, do terceiro grau em diante. Basta que haja, em todos os casos,
autorização legislativa, conforme expressamente previsto no art. 37, XIX, CF.
Em todo caso,
“não se pode perder de vista que as subsidiárias também são controladas, embo-
ra de forma indireta, pela pessoa federativa que instituiu a entidade primária. A
subsidiária tem apenas o objetivo de se dedicar a um dos segmentos específicos
da entidade primária, mas como esta é quem controla a subsidiária, ao mesmo
293
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
294
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
295
MARINELA, Direito Administrativo, cit.
296
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
198
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tempo em que é diretamente controlada pelo Estado, é este, afinal, quem exerce
297
o controle direto ou indireto, sobre todas”.
Antigos precedentes jurisprudenciais reconhecem que, mesmo quando o Poder Público pas-
sa, por qualquer fato jurídico, a deter a maioria do capital da empresa (por exemplo, penhora de
ações ou herança), esta não poderá ser considerada como sociedade de economia mista enquanto
não houver a indispensável autorização legal.299 É nesse contexto que alguns autores identificam as
chamadas empresas de cooperação, entidades que passam ao controle do Poder Público sem lei
autorizadora específica, mas que servem de instrumentos de participação pública na economia.
Marçal Justen, por sua vez, fala em empresas estatais de fato, que seriam aquelas constituí-
das irregularmente no passado, isto é, sem autorização legal, mas que vieram desempenhando as
suas atividades ao longo do tempo. Invocando o princípio da aparência e o da boa-fé, entende que
297
Idem.
298
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
299
Nesse sentido decidiu o STF, no RE 92.340-3-RJ, Relator: Ministro Soares Muñoz, DJ de 18.4.80.
300
FERREIRA, Sérgio de Andrea. Empresas estatais, paraestatais e particulares com participação pública. RDA 231/74.
199
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tais empresas devem submeter-se às regras e princípios aplicáveis às empresas estatais regula-
res.301
Por fim, consoante dispõe o art. 71, CF, compete ao Tribunal de Contas da União:
Art. 71. (...)
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e va-
lores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa
a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
Comentando esse dispositivo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que o controle do TCU
“alcança, pois, todas as empresas de que a União participe, majoritária ou minoritariamente”.302
200
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
304
LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros.
305
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: RT.
306
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense.
307
OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina;
Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.
201
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
bem como na instituição de tributos. Fala-se aí em reserva legal absoluta, quando a normatização
se dá não apenas em virtude de lei, mas, sim, diretamente nos termos da lei.
Princípio da Impessoalidade: Também explícito no caput do art. 37, CF, este princípio
comporta dois sentidos, um referente ao administrado e outro ao administrador. Primeiramente, o
administrador não pode prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas em função de outras fina-
lidades que não o interesse público, devendo praticar os seus atos sem ter em mira interesse pró-
prio ou de terceiros. Cumpre evitar ao máximo o emprego de critérios subjetivos de escolha no
direcionamento da máquina administrativa, impondo-se sempre que possível um tratamento obje-
tivo. Sob esse aspecto, a impessoalidade tem nítida relação com o princípio da isonomia, no que
tange ao trato com os administrados, e com o princípio da finalidade, no que concerne à satisfação
do interesse público. É em prol dessa norma-princípio que o ordenamento prevê o concurso públi-
co para a admissão de servidores ou empregados públicos (art. 37, II, CF), veda a prática de nepo-
tismo (Súmula Vinculante 13 do STF) e impõe a regra geral de licitação para compras, obras e servi-
ços (art. 37, XIX, CF). Sob outro sentido, as ações da Administração não devem ser imputadas à
pessoa do administrador. Daí porque o art. 37, §1º, CF, assim como os arts. 18 a 21, Lei 9.784/99,
proíbem a utilização, nas atividades administrativas, de nome, símbolos ou imagens que caracteri-
zem promoção pessoal. Outrossim, o art. 2º, parágrafo único, III, Lei 9.784/99 impõe que a Admi-
nistração busque “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades”. São regras editadas com o fito de reforçar o princípio sob análise, de mo-
do que a publicidade das ações do governo deva ter caráter estritamente educativo, informativo ou
de orientação social.
Princípio da publicidade: Este princípio impõe que a Administração atue com transparên-
cia, dando a mais ampla divulgação possível dos seus atos, porque no Estado Democrático de Direi-
to a população tem o direito de ser informada sobre os assuntos de interesse público, além do que
a publicidade é requisito essencial a propiciar o adequado controle de legalidade da atividade ad-
ministrativa. Não deve o administrador ter por hábito agir às escondidas, “na sombra”, pois já se
disse que “o melhor desinfetante é a luz do sol”. A norma da publicidade, contudo, não é absoluta,
eis que, como previsto na própria Constituição, encontra ressalvas nas situações em que se faz
necessário o sigilo, seja para proteger a intimidade ou a honra do administrado (art. 5º, X) ou
quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII). Foi em cumprimento
308
ADC-MC 12/DF e Súmula Vinculante 13.
202
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a esta norma constitucional que o legislador ordinário editou o art. 2º, parágrafo único, V, Lei
9.784/99, determinando a “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de
sigilo previstas na Constituição”. Fica claro então que a publicidade traduz um valor a ser sopesado
com outros valores igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico. Exemplo dessa pondera-
ção está na decisão do STF em que se reputou inconstitucional a exigência de veiculação de custo
de publicidade em todos os comunicados oficiais, pois isso violaria os princípios da proporcionali-
dade e da economicidade, já que existem outros meios adequados para controle das contas públi-
cas309. Não se deve confundir publicidade com publicação, que é um dos meios para se cumprir
com aquela, mas não o único. Na verdade, existem diversos mecanismos para se dar publicidade à
atividade administrativa, que vão desde a publicação em diário oficial ou jornal de grande circula-
ção até a simples afixação de avisos nos prédios públicos. A forma de publicidade dependerá do seu
objeto e do que dispuser a lei. Para os atos praticados no âmbito interno da Administração, é sufi-
ciente que haja divulgação mediante notificação do interessado, por aviso-circular ou publicação no
boletim interno, comum em algumas repartições públicas. Já no que concerne aos atos de efeitos
externos, sobretudo quando versarem sobre assuntos de interesse dos administrados, é preciso
que haja publicação em Diário Oficial ou veículo de comunicação com essa finalidade específica
(jornais contratados pelo órgão público, conforme previsão legal), não bastando a simples divulga-
ção geral feita pela imprensa particular, por televisão ou rádio. Ressalte-se, ainda, haver atos em
que a publicidade deve obedecer a determinados requisitos formais, sob pena de ineficácia ou até
mesmo invalidade, como ocorre no processo licitatório ou nos concursos públicos.
309
ADI-MC 2.472/RS, DJ de 03/05/2002.
203
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Princípio da presunção de legitimidade: A doutrina em geral aponta que, por força desse
princípio, há de se presumir que o administrador público está agindo ou agiu de acordo com a lei
(presunção de legalidade) e que os fatos por ele considerados são verdadeiros (presunção de vera-
cidade). Tal presunção é relativa (juris tantum), isto é, admite prova em contrário, mas impõe a
inversão do ônus da prova a favor da Administração. Não obstante a sua tradição, o princípio mere-
ce uma leitura crítica e mais consentânea ao atual modelo do Estado Democrático de Direito. Sem
dúvida a presunção de legitimidade é um vetor normativo que assegura o regular funcionamento
da máquina administrativa, propiciando que o Poder Público adote as medidas de força necessárias
ao cumprimento de suas ordens e impedindo escusas aleatórias por parte dos administrados. Con-
tudo, tendo sido concebida no século XIX, ainda sob influência de concepções não democráticas, a
atual vigência do princípio da presunção de legitimidade demanda uma releitura do instituto (uma
filtragem constitucional), adaptando-o ao Estado Democrático de Direito e aos direitos e garantias
fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988. É preciso reconhecer que a presun-
ção de legitimidade somente deve ser invocada pela Administração nos casos em que não for real-
mente possível a adoção de um adequado procedimento de registro dos fatos envolvidos na ativi-
dade administrativa. Daí existirem casos em que cabe à Administração demonstrar a validade dos
seus atos, por ser ela a única detentora dos meios de produção de prova para tanto, não lhe ca-
bendo comodamente invocar a presunção de legitimidade e deixar o administrado vulnerável ao
arbítrio dos agentes públicos310.
310
CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo, Salvador: Jus Podivm.
204
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
311
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
312
MELLO, Curso..., cit.
313
STF, MI 670 e 708, relator min. Gilmar Mendes e MI 712, relator min. Eros Grau, julg. 25/10/2007.
205
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
to não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) prevista no art. 476, CC. Significa dizer que,
ainda que a Administração não cumpra a sua parte no contrato administrativo, o contratante priva-
do deverá dar continuidade ao serviço contratado por um determinado prazo, buscando, se for o
caso, uma indenização pelos prejuízos sofridos. Além disso, pode a Administração vir a adotar me-
didas de intervenção na empresa contratante, se preciso for para assegurar a não paralisação do
serviço.
314
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
315
FREITAS, Juarez Freitas. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros.
316
MELLO, Curso..., cit.
206
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Princípio da finalidade pública: Já foi dito anteriormente que a Administração Pública de-
ve atuar segundo a máxima da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. A partir
desta idéia, pode-se desdobrá-la no princípio da finalidade pública, que sempre haverá de vincular
a atividade administrativa. Significa dizer que será nulo qualquer ato da Administração Pública que
317
FREITAS, Discricionariedade..., cit.
318
MELLO, Curso..., cit.
319
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum.
207
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Princípio do controle judicial dos atos administrativos: A legalidade de todos os atos ad-
ministrativos pode ser objeto de controle não apenas pela própria Administração Pública (princípio
da autotutela), mas também pelo Poder Judiciário, a quem cabe sempre a palavra final, com efeito
de coisa julgada, nos litígios envolvendo a Administração. O art. 5º, XXXV, CF, reza que toda lesão
ou ameaça de lesão a direito pode ser apreciada pelo Judiciário. O direito brasileiro adotou o siste-
ma inglês de jurisdição única, segundo o qual apenas os órgãos que integram o Poder Judiciário
detêm competência para exercer tipicamente a função jurisdicional, não existindo, entre nós, tri-
bunais administrativos dotados de poderes jurisdicionais, como ocorre nos países que seguiram a
tradição francesa do sistema dual. Logo, as decisões da Administração Pública não fazem coisa jul-
gada em relação aos particulares por ela atingidos, podendo estes, querendo, acessar ao Poder
Judiciário visando a alteração do posicionamento da Administração.
Princípio da responsabilidade do Estado: O art. 37, §6º, CF, prevê que “as pessoas jurídi-
cas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderá pelos da-
nos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso con-
tra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Reconhece-se assim, como princípio constitucional
expresso, a responsabilidade do Estado por danos causados aos administrados. Não se pode invo-
car a soberania do Estado a pretexto de não se admitir essa responsabilidade, restando inteiramen-
te superada a idéia de irresponsabilidade que vingou na fase do absolutismo. A doutrina aponta a
evolução das teorias que procuram delimitar os parâmetros jurídicos dessa responsabilidade, desde
as primeiras teorias civilistas calcadas na responsabilidade subjetiva nos moldes do direito privado,
passando pelas teorias publicistas baseadas na idéia de culpa administrativa, avançando até a con-
cepção de risco administrativo, pregando-se a responsabilidade objetiva. O tema será abordado em
capítulo específico desta obra.
PODERES ADMINISTRATIVOS
A fim de bem atender aos interesses públicos, a Administração Pública, assim como seus a-
gentes, é dotado de poderes, de prerrogativas que lhe são exclusivas. São os chamados “Poderes
Administrativos”.
320
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. Salvador: JusPodivm.
208
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Se o Poder Executivo é aquele que detém, como função típica, a de administrar, ele é, por-
tanto, quem preferencialmente detém os Poderes Administrativos. No entanto, não se pode afir-
mar que apenas o Poder Executivo goza dos poderes administrativos. Isso porque os demais pode-
res, obviamente, dentro de suas funções administrativas, também podem se valer de tais poderes.
Os poderes administrativos aqui tratados tem uma acepção de poder instrumental, servindo,
propriamente, como mecanismos para a atuação Estatal – e não poderes políticos, estruturais ou
também denominados de orgânicos, que compõem a estrutura do Estado (Poder Judiciário, Poder
Legislativo, Poder Executivo). Esses poderes instrumentais manifestam-se sob diversas acepções, na
prática.
No entanto, conforme lição de Hely Lopes Meirelles, tais prerrogativas serão divididas em 6
(seis) categorias, as quais são chamadas de Poderes Administrativos, sendo eles: vinculado, discri-
cionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia.
PODER VINCULADO
O poder vinculado também é conhecido como poder regrado: é aquele ao qual a lei confere
uma única solução jurídica válida para a prática de um ato. Nesse sentido, a execução de determi-
nado ato administrativo encontra-se inteiramente definida na lei, sendo validamente possível so-
mente uma forma de proceder.
Outro exemplo é trazido pelo art. 48, da lei nº 9.784/99, que estabelece o dever da Adminis-
tração de explicitamente emitir decisões nos processos administrativos, e o art. 50 desta mesma lei
onde há a exigência de motivação dos atos administrativos, dentre outros. Nesses casos, não pode-
rá o agente público, por exemplo, optar por não emitir decisões no âmbito de processos adminis-
trativos ou não motivar os atos administrativos. Isso porque ele está vinculado à realização dessas
atividades, por expressa disposição legal.
209
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
lar tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a adoção de determinado ato, sob pena de o
agente público, não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.
Verificado o âmbito de exercício do poder vinculado, todos os elementos dos atos adminis-
trativos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto) serão invariavelmente definidos pela lei
em suas minúcias, não havendo qualquer espaço para o mérito administrativo.
PODER DISCRICIONÁRIO
Ao poder discricionário confere-se determinado âmbito de atuação em decorrência da rique-
za e da complexidade das situações fáticas cotidianas: a lei não pode descer às minúcias para pre-
ver, com precisão, a melhor opção para determinada situação. No exercício do poder discricionário,
a Administração Pública, por sua posição mais favorável, conta com a possibilidade de valer-se da-
quilo que se convencionou chamar de mérito administrativo para decidir, no caso concreto, a me-
lhor maneira de satisfazer a finalidade da lei, levando em conta critérios de conveniência e oportu-
nidade.
Nessa linha, temos que o Poder Discricionário de três pressupostos básicos, sendo eles: (i) a
intenção deliberada do legislador em dotar a autoridade administrativa de certa liberdade para
decidir, diante do caso concreto, a melhor maneira de realização da finalidade legal; (ii) a impossi-
bilidade material de o administrador prever todas as situações fáticas, fazendo com que a regula-
ção seja mais flexível para possibilitar a maior e melhor solução dos acontecimentos fáticos; e (iii) a
Inviabilidade jurídica imposta pelo sistema tripartido, segundo o qual a Administração Pública deve
ser realizada pelo Poder Executivo. Exigir estrita e permanente subordinação da Administração à lei
seria suprimir o Poder Executivo e colocá-lo em posição de inferioridade em face do Poder Legisla-
tivo.
210
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tunidade que constitui o núcleo da função típica do Poder Executivo, razão pela
321
qual é vedado ao Poder judiciário controlar o mérito do ato administrativo”.
Nessa mesma linha conceitual, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, mérito administra-
tivo é “o poder conferido pela lei ao administrador para que ele, nos atos discricionários, decida
sobre a oportunidade e conveniência de sua prática”. 322 Finalmente, de forma mais sintética, Maria
Sylvia Zanella Di Pietro refere que mérito “é o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência
e oportunidade; só existe nos atos discricionários”. 323
A atuação do poder discricionário pode se dar em duas situações emblemáticas precípuas: (i)
existência de margem de escolha relativa a duas ou mais opões previstas em lei e (ii) existência de
conceitos jurídicos indeterminados/vagos, que ensejam a necessidade de valoração pelo agente
público. Em relação à primeira situação, a título exemplificativo, a lei nº 8.666/93 estabelece que,
para alienar bem adquirido por decisão judicial ou por dação em pagamento, isso poderá ocorrer
mediante concorrência ou leilão. O agente público é quem irá decidir qual a modalidade mais bené-
fica em cada caso. Já no que tange à segunda hipótese, os limites da atuação do agente público são
mais nebulosos, pois não há opções expressamente previstas. Assim, nesses casos de conceitos
jurídicos indeterminados, ao Poder Judiciário não é dado intervir no mérito do ato administrativo
discricionário. Isso não significa, no entanto, que não possa haver controle jurisdicional referente
aos aspectos de legalidade do ato administrativo. Competirá ao juiz o controle dos limites do méri-
to, o qual está definido em lei. Assim, se o administrador público extrapolar os limites do mérito, o
Poder Judiciário poderá intervir, pois isso está dentro do controle de legalidade.
Nesse particular, uma distinção importante que deve ser feita refere-se à diferenciação entre
discricionariedade e arbitrariedade: a arbitrariedade se dá à margem da lei, contrária à lei, de for-
ma abusiva. Por isso, um ato arbitrário será sempre ilegítimo e ilegal. Do contrário, a discricionarie-
dade é praticada dentro dos limites e nos termos impostos pela própria lei.
PODER HIERÁRQUICO
321
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4ª ed. Saraiva. 2014. p. 246.
322
ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16ª ed. Método. São Paulo. 2008, p. 415.
323
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 226.
211
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Poder Hierárquico é o poder que a Administração Pública possui para fins de se organizar, de
se estruturar, de distribuir funções entre os diversos órgãos que a compõem. O poder hierárquico,
segundo Hely Lopes Meirelles, é o de que dispõe o Poder Executivo para distribuir e escalonar as
funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de
subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal.
Ainda em uma análise doutrinária, para Maria Sylvia Zanella Di Pietro324, o estabelecimento
da hierarquia é instituído por uma relação de coordenação e subordinação entre os órgãos. A sub-
missão hierárquica retira do inferior a possibilidade de ação política, ou seja, o despe de ação de
comando e possui os seguintes objetivos: (i) ordenação, que é a repartição e o escalonamento ver-
tical das funções entre os agentes públicos, para maior eficiência no exercício das atividades esta-
tais; (ii) coordenação, que é a conjugação das funções, com o objetivo de obter harmonia na sua
efetivação, resulta na perfeita execução dos serviços pertinentes a determinado órgão; (iii) contro-
le, que consiste na fiscalização dos subordinados pelos superiores, para que seja assegurado o
cumprimento das leis e instrução, inclusive do comportamento e da conduta de cada um deles; (iv)
correção, que significa que os erros administrativos são corrigidos pela ação revisora dos superiores
sobre os atos dos subalternos. Da verificação da atuação do poder hierárquico, nascem diversas
faculdades implícitas à autoridade ou ao órgão em posição de superioridade. São, então, decorrên-
cias do poder hierárquico325:
- Dar ordens (art. 116, Lei 8.112/90): consiste em determinar aos subordinados os atos a se-
rem praticados e a conduta a seguir em cada caso concreto. Implica também no dever de obediên-
cia para estes últimos, ressalvadas as ordens manifestamente ilegais;
- Fiscalizar (art. 53, Lei 9.784/99): trata-se da atividade dos agentes ou órgãos inferiores, para
examinar a legalidade de seus atos e o cumprimento de suas obrigações, podendo anu-lar os atos
ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex officio, seja mediante provocação dos
interessados, por meios de recursos hierárquicos;
- Avocar (art. 15, Lei 9.784/99): significa chamar para si atribuições que sejam de seus subor-
dinados. No entanto, tal prática só poderia ocorrer na existência de razões que a justifiquem, posto
que a avocação, além de desprestigiar um servidor, provoca desorganização do funcionamento
normal do serviço. Não pode ser avocada atribuição que a lei expressamente atribui como exclusiva
a órgão ou agente, mesmo que inferior. Nesse sentido, nos termos do art. 13, Lei 9.784/99, não
podem não podem ser objeto de delegação nem de avocação:
Art. 13. (...)
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
324
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 92.
325
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 116.
212
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
nos termos do art. 13, Lei 9.784/99, não podem não podem ser objeto de delegação nem de avoca-
ção:
Art. 13. (...)
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
As decisões e os atos praticados por delegação devem mencionar explicitamente esta quali-
dade e considerar-se-ão editadas pelo delegado. Isso quer dizer que o agente recebeu a delegação
será considerado como o praticante do ato, devendo responder por todos os efeitos que dele pro-
vierem. Nesse sentido, a Súmula 510, STF, que dispõe que
Súmula 510. Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada,
contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial.
- Rever (art. 53, Lei 9.784/99): é a atividade de apreciar os atos dos inferiores em todos os
seus aspectos (competência, objeto, oportunidade, conveniência, justiça, finalidade e forma), para
mantê-los ou invalidá-los, de ofício, ou mediante provocação de interessado. Nessa atividade, deve-
se ter em conta que a revisão hierárquica se mostra possível enquanto o ato não se tornou definiti-
vo para o particular, ou seja, não gerou um direito adquirido para quem a ele se relacionar.
PODER DISCIPLINAR
Em uma primeira análise do poder disciplinar, é importante iniciar por referir que poder hie-
rárquico e poder disciplinar não se confundem, mas andam juntos326. Em outras palavras, poder
hierárquico e poder disciplinar são poderes diferentes entre si, em sua essência, mas estão intrin-
secamente ligados um ao outro, não sendo exagero que um seja considerado como decorrente do
outro e, por isso andam lado a lado invariavelmente.
Em termos práticos, por exemplo, a demissão de um servidor público por força de ordem ju-
dicial, nos autos de ação criminal ou de improbidade administrativa, não pode ser considerada co-
mo manifestação do poder disciplinar, mas sim do poder punitivo do Estado.
326
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 120.
327
SANTANNA, Gustavo. Direito Administrativo: série objetiva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009, p. 39.
213
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
e o sujeito que está sendo punido. Por vínculo especial, existem 2 espécies de vínculos: (i) vínculo
hierárquico; e (ii) vínculo contratual, que decorre de contrato administrativo.
Assim, por exemplo, diretora de escola pública poderá aplicar penalidade em alunos matricu-
lados, pois, no momento da matrícula, criaram vínculo especial com a Administração Pública.
Quando o vínculo especial decorrer de hierarquia, temos algumas sanções previstas pela Lei
8.112/90, aplicáveis aos servidores públicos federais, tais como a demissão, a suspensão por até 90
das e a advertência. Em relação a cargos e funções em comissão, a sanção atribuída é a destituição.
No que tange àquelas condutas puníveis com a sanção de demissão, mas nos casos em que o servi-
dor já esteja aposentado ou em disponibilidade, temos como sanção decorrente da aplicação do
poder disciplinar a cassação da aposentadoria ou da disponibilidade.
Por outro lado, quando o vínculo especial decorrer de contrato administrativo, o poder disci-
plinar estará regulamentado no contrato, de acordo com os parâmetros legais da Lei 8.666/93,
consubstanciando-se nas sanções de advertência, de multa (sanção pecuniária), de suspensão de
contratar com o poder público (até 2 anos) e de declaração de inidoneidade da empresa (até 2 a-
nos).
PODER REGULAMENTAR
O poder normativo da Administração Pública, também chamado de poder regulamentar
(poder de expedir regulamentos), está relacionado à edição de normas gerais e abstratas pela Ad-
ministração Pública, de caráter secundário em relação aos atos legislativos. Tal função normativa
se expressa basicamente por meio de instrumentos regulamentares tais como os decretos, resolu-
ções, portarias, instruções etc.
Dispõe o art. 84, IV, CF, que “compete privativamente ao Presidente da República: (...) “san-
cionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel
execução”. Com base nesse dispositivo constitucional, o conceito estrito de regulamento é traçado
como sendo “ato administrativo, editado privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, segundo
uma relação de compatibilidade e hierarquia com a lei, a fim de assegurar seu fiel cumprimento e
execução”. 328 Porém, à vista dos demais instrumentos regulamentares referidos, a doutrina tem
também concebido o termo sob uma significação mais ampla, de modo a abranger todos os atos
normativos expedidos por órgãos e entes da Administração Pública, nos mais diversos escalões de
competência, com o escopo de viabilizar a aplicação da lei.
328
MOTA, Fabrício. Função Normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Ed. Fórum.
214
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Daí porque, explica Maria Sylvia,“além do decreto regulamentar, o poder normativo da Ad-
ministração ainda se expressa por meio de resoluções, portarias, deliberações, instruções editadas
por autoridades que não o Chefe do Executivo”.331 Tais atos, segundo Celso Antônio,
“alojam-se em nível inferior ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Che-
fe do Poder Executivo, os demais assistem a autoridades de escalão mais baixo e,
de conseguinte, investidas de poderes menores. Tratando-se de atos subalternos e
expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não
pode exprimir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante
332
regulamento”.
Os decretos são atos de competência dos Chefes do Poder Executivo, nas três esferas de po-
der: Presidente, Governadores e Prefeitos. No dizer de Geraldo Ataliba,
329
Idem.
330
Ib idem.
331
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
332
MELLO, Curso..., cit.
215
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Do mesmo modo, todos os demais atos normativos secundários expedidos por órgão e entes
da Administração são instrumentos regulamentares (sentido formal), dotados de natureza normati-
va (regulamentos, em sentido substancial). As portarias em geral competem ao escalão administra-
tivo superior, onde se situam os ministros e secretários de governo. As resoluções são atos de com-
petência de órgãos colegiados, como, por exemplo, o CONTRAN. Já as instruções são atos normati-
vos de nível inferior, destinados aos órgãos subalternos.
Registre-se, contudo, que nem todo decreto terá caráter normativo. Tal como acontece in-
clusive com alguns atos legislativos (v.g. leis que tratam de movimentação no orçamento público),
há decretos que funcionam não como veículos de normas gerais e abstratas, mas, sim, para estabe-
lecer efeitos concretos. É o que ocorre, v.g., com o decreto que declara imóvel como de interesse
social, para fins de reforma agrária (art. 184, §2º, CF). Isso também ocorre com outros instrumentos
comumente utilizados com finalidade normativa (portarias, resoluções), mas que em alguns casos
são expedidos sem este fim, gerando apenas efeitos concretos, como ocorre, por exemplo, numa
portaria que nomeia um servidor público.
Tudo o que foi dito no tópico anterior aplica-se aos regulamentos executivos, por meio dos
quais se busca tão-somente assegurar a fiel execução da lei (art. 84, IV, CF). Não inovam a ordem
jurídica, pois visam apenas desdobrar os comandos normativos da lei a fim de melhor instrumenta-
lizar a sua aplicação pelos seus destinatários, em especial os agentes administrativos. São estes a
regra geral do direito brasileiro, onde só os atos legislativos podem inovar na ordem jurídica (fontes
primárias do Direito). Os regulamentos, como atos administrativos, são fontes secundárias do Direi-
to.
333
ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 97, 1969.
334
V.g. RMS 24266/DF, rel. Min. Carlos Velloso, julg.07/10/2003; ADI-MC-QO 1937, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.20/06/2007.
216
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ta anteriormente a 1988, pelo prazo de cento e oitenta dias prorrogável por lei, na forma do art. 25,
I, ADCT.
Fato é que o tratamento jurídico dado aos regulamentos no Direito brasileiro difere daquele
existente em outros países. Aqui o vetor constitucional que contempla o princípio da legalidade é
deveras forte para se admitir genericamente competências normativas primárias atribuídas ao Exe-
cutivo. Predomina, então, a figura do regulamento executivo. O contrário se vê, por exemplo, na
França, onde a própria Constituição prevê expressamente um rol aberto de matérias afetas ao
campo normativo regulamentar, ou seja, há grande espaço para regulamentos autônomos.
Não obstante, o STF já reconheceu a existência de regulamentos autônomos editados por ór-
gãos administrativos com competência normativa prevista na própria Constituição, como é o caso
do CNJ.
Sabe-se que a função legislativa é exercida tipicamente por órgãos que integram o chamado
Poder Legislativo, que, no sentido orgânico, abrange as diversas casas parlamentares existentes no
país (no âmbito federal, o Congresso Nacional, composto pelo Senado Federal e pela Câmara dos
Deputados; no âmbito estadual, as Assembléias Legislativas; no âmbito municipal, as Câmaras de
Vereadores). A própria Constituição admite ainda que outros órgãos, não integrantes do Legislati-
vo, exerçam atipicamente a função legislativa. O exemplo clássico é o das Medidas Provisórias edi-
tadas pelo Chefe do Executivo, com força de lei. O mesmo ocorre com as leis delegadas. São, am-
bos, atos legislativos. Não são meros regulamentos executivos, eis que inovam na ordem jurídica.
Vale dizer, trata-se aí de competência normativa primária (função legislativa) e não competência
regulamentar (função administrativa normativa).
Mas essa função legislativa atípica não se resume ao exemplo das medidas provisórias. Exis-
tem também outros órgãos e entidades aos quais a Constituição atribui a competência normativa
primária, em função da autonomia que devem dispor em respeito ao princípio da separação dos
poderes, entendimento que já encontra força na doutrina e na jurisprudência. É o caso, por exem-
plo, dos regimentos internos editados pelos Tribunais, Casas Parlamentares e órgãos do Ministério
335
MELLO, Curso..., cit.
336
Idem.
217
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Público, bem como certas resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CJN) e do Con-
selho Nacional do Ministério Público (CNMP). Por conseguinte, tais disposições não são meros regu-
lamentos executivos, mas, sim, atos com o mesmo grau hierárquico dos atos legislativos e, portan-
to, inovadores da ordem jurídica.
Em relação aos regimentos internos dos Tribunais, conforme dispõe o art. 96, I, a, CF, desde
que respeitem as normas sobre processo e garantias processuais das partes, poderão dispor prima-
riamente sobre a competência e funcionamento dos seus respectivos órgãos jurisdicionais e admi-
nistrativos. São, deste modo, atos de natureza mista, dispondo, os Tribunais, por meio deles, tanto
de competência normativa primária quanto secundária.
No tocante aos atos normativos expedidos pelo CNJ, a regra do art. 103-B, §4º, I, CF, lhe atri-
bui competência para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da
Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomen-
dar providências. Por força desta regra, diretamente extraída da Constituição, o STF considerou
válida a Resolução n. 07/05 daquele órgão, tratando de procedimentos para evitar a prática de
nepotismo no Judiciário, concluindo, assim, tratar-se de ato normativo primário, expedido inde-
pendente de prévia lei tratando da matéria. Tem-se aí, portanto, uma espécie de regulamento au-
tônomo. O mesmo ocorre com certos atos regulamentares expedidos pelo CNMP.
Primeiramente, tem-se o controle pelo Poder Legislativo, a quem cabe precipuamente zelar
pela sua autonomia no exercício da atividade legiferante, obstando a ocorrência de usurpação pelo
Poder Executivo. Daí que o art. 49, V, CF, prevê a possibilidade de sustação de atos regulamentares
que extrapolem os limites da função normativa secundária.
Ao lado disso, o controle do poder regulamentar pode ser feito pela própria Administração
(Súmula 473, STF) ou mediante provocação do Poder Judiciário, toda vez em que se questionar a
ilegalidade ou inconstitucionalidade de um ato administrativo de caráter normativo.
REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO
Como dito acima, o termo regulamentação há muito vem sendo utilizado no Direito Adminis-
trativo brasileiro, reportando-se genericamente ao poder normativo da Administração Pública,
onde tem destaque a figura do regulamento.
218
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
do Estado Providência). Isso levou ao surgimento das nossas primeiras agências reguladoras em
meados da década de 1990.
Sob este prisma, regulamentação é apenas um dos instrumentos da regulação, tendo esta
um sentido muito mais amplo no atual contexto de intervenção estatal em assuntos econômicos e
sociais. Como aponta a doutrina, “a expressão ‘regulamentação’ corresponde ao desempenho de
função normativa infraordenada, pela qual se detalham as condições de aplicação de uma norma
de cunho abstrato e geral, tal como dispõe o art. 84, IV, da Constituição. O conceito de regulação é
muito mais amplo e qualitativamente distinto. Eventualmente, a regulação pode se traduzir em
atos de regulamentação” 337, mas não se atém apenas à edição de regulamentos, nem tampouco
se restringe ao exercício do poder de polícia.
No Brasil, seguindo a tradição francesa, a doutrina emprega a expressão em seu sentido es-
trito (atividade administrativa), que também foi o adotado pelo ordenamento pátrio. De fato, o
conceito estrito está, entre nós, positivado no art. 78 do Código Tributário Nacional, segundo o qual
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando
ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou
ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
337
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
338
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
219
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Também está mencionado expressamente no art. 145, II, CF, como referência a uma das es-
pécies de fatos geradores das taxas.
O STF há muito enfocou o conceito do poder de polícia como sendo a “faculdade que tem o
estado de opor à liberdade do cidadão as condições necessárias para garantir a saúde, a vida, a
segurança individual e os interesses legítimos”.339 Como exemplos de restrições decorrentes do
poder de polícia, cita-se a proibição de construir acima de certa altura, a obrigatoriedade de obser-
var determinado recuo de construção, o dever de denunciar doença contagiosa, a vedação de man-
ter certos animais na zona urbana ou de, nessa zona, promover certa lavoura.340
Pode-se dizer que enquanto o poder de polícia está voltado para o “público externo”, o po-
der hierárquico e o poder disciplinar são expressões da autoridade exercida pela Administração em
relação ao seu “público interno”, ou seja, aqueles que com ela mantêm algum vínculo funcional ou
que estejam mais próximos da estrutura administrativa, sujeitando-se, por isso, a uma disciplina
mais rigorosa, não obstante igualmente sujeita ao princípio da legalidade.
Para diferenciar o poder de polícia das atividades prestacionais do Estado, costuma-se ainda
recorrer à idéia de que o poder de polícia busca uma abstenção por parte do administrado, ao
passo que o serviço público ou aS atividades econômicas asseguram prestações positivas. Tal dis-
tinção, porém, nem sempre é segura, porque as atividades do poder de polícia, a depender do ân-
gulo que se examine, têm também um caráter prestacional.
Não obstante se tratar de terminologia de uso já consagrado na doutrina, não faltam críticas
ao termo poder de polícia. Como adverte Celso Antônio, “raciocina-se como se existisse uma ‘natu-
ral’ titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsecamente,
fruto de um abstrato ‘poder de polícia’”. 341 Por isso, Carlos Ari Sundfeld prefere utilizar o termo
Administração Ordenadora para abrigar todas as operações estatais de regulação do setor privado,
com o emprego do poder de autoridade.342 Mas apesar de tais críticas fundamentadas, fato é que a
expressão segue sendo amplamente utilizada pela doutrina nacional, até porque, como dito, consta
da redação do art. 145, II, CF, e no art.78, CTN.
339
RMS 2138/DF, rel. Min. Luiz Gallotti, 24/07/1953.
340
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
341
MELLO, Curso..., cit.
342
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo.
220
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Federal e Municípios, tendo a Constituição Federal buscado delimitar o campo de atuação de cada
uma dessas entidades políticas, de acordo com as competências legislativas previstas nos arts. 22,
24, 25 e 30.
Porém, o fato de uma atividade de polícia titularizada por determinado ente político poder
ser por ele exercida, através dos órgãos que integram a sua Administração Direta, não impede que
a execução possa vir a ser transferida a um outro ente administrativo, com personalidade jurídica
de direito público, criado por lei para essa finalidade específica. Assim, por exemplo, tendo a União
a competência para executar medidas administrativas de implementação da reforma agrária, foi
criado o INCRA, autarquia federal à qual foi outorgada tal atribuição. Tem-se aí a distinção que cos-
tuma ser feita entre poder de polícia originário e poder de polícia delegado. O primeiro nasce com
a entidade política que o titulariza, sendo pleno no seu exercício, ao passo que o segundo é exerci-
do por outra entidade, após transferência legal, sendo limitado aos termos da outorga legal e ca-
racterizado essencialmente por atos de execução.
É preciso atentar ainda para não se confundir as competências para legislar e para executar
(administrar). Há atividades de polícia que podem ser exercidas por Estados e Municípios, mas com
base em ordenação da competência legislativa privativa da União. Ou seja, os Estados e Municípios
executam medidas de polícias, porém seguindo a legislação nacional (Código Nacional de Trânsito,
por exemplo). Vale dizer, o fato de Estados e Municípios exercerem poder de polícia nem sempre
significa que possam legislar sobre o assunto correspondente. Haveria, nesses casos, flagrante in-
constitucionalidade, conforme já decidiu o STF.343
Sejam áreas de competência privativa de determinado ente político, sejam áreas de atuação
conjunta deles, o fato é que no atual contexto da intervenção estatal são múltiplos os setores e
áreas de atuação do poder de polícia em âmbito federal, estadual e municipal.
Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a polícia administrativa atua em quatro grandes
áreas de interesse público, verdadeiros valores convivenciais, quais sejam a segurança, a salubrida-
de, o decoro e a estética.344 Pode-se ainda subdividir os referidos campos de atuação destacando
setores específicos de atuação da polícia administrativa, distribuídos segundo vários critérios legais
ditados pela política e pelas conveniências da organização administrativa do Estado, a saber: polícia
de costumes (prevenção e repressão ao crime e às atividades sociais nocivas), polícia de comunica-
ções (fiscalização de abuso de propaganda, diversões, espetáculos públicos), polícia sanitária (defe-
sa da saúde humana), polícia de viação (controle de trânsito e tráfego terrestre, marítimo, aéreo,
fluvial e lacustre), polícia de comércio e indústria (disciplina das atividades comerciais e industri-
ais), polícia das profissões (fiscalização do exercício profissional), polícia ambiental (controle da
atmosfera, águas, oceanos, flora e fauna), polícia de estrangeiros (controle de ingresso no territó-
rio nacional, concessão de passaportes etc.), polícia edilícia (controle de obras e construções), den-
tre outros.
A doutrina costuma apontar que o poder de polícia poderá ser preventivo (polícia adminis-
trativa) ou repressivo (polícia judiciária), distinção oriunda do direito francês. Todavia, não é segu-
ro o critério de distinção com base no caráter exclusivamente repressivo ou preventivo, havendo
situações em que a policia administrativa age com repressão, bem como outras em que a polícia
judiciária toma medidas preventivas.
343
V.g. ADI-MC 3625/DF, rel. Min. Cézar Peluzo, julgamento de 17/08/2006.
344
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
221
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Celso Antônio aponta que “o que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judici-
ária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais en-
quanto a segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica”.345 Neste
mesmo sentido, para Celso Ribeiro Bastos
“é inegável o caráter eventualmente repressivo da polícia administrativa, como
quando desfaz passeata ou comício que já havia iniciado o processo perturbador
da ordem e da tranquilidade públicas, por cuja manutenção peleja o poder de po-
lícia. O que distingue a repressão típica da polícia administrativa da judiciária é
que aquela somente se justifica enquanto ainda houver proveito na sua ação, isto
346
é, enquanto da sua aplicação possam ainda ser evitados danos futuros”.
Como já dito, o poder de polícia administrativo é muito amplo, exercendo-se em diversas es-
feras (trânsito, vigilância sanitária, caça e pesca, florestas, edificações, vigilância marítima, aérea e
de fronteiras, rodovias, ferrovias, pesos e medidas etc.), ao passo que o poder de polícia judiciário
tem por objetivo precípuo a investigação de delitos, em auxílio ao Poder Judiciário. Isso reflete no
regime jurídico aplicável, pois enquanto as atividades da polícia administrativa são regidas por
normas administrativas, as da polícia judiciária regem-se por normas do processo penal. A maioria
dos órgãos de polícia atuam na seara da polícia administrativa, sendo poucos os que exercem pre-
cipuamente as funções de polícia judiciária (é o caso da Polícia Civil). Já a Polícia Federal, exerce
tanto atividades de polícia administrativa (v.g. emissão de passaportes e polícia de imigração)
quanto de polícia judiciária (investigação de crimes federais).
Ainda sob inspiração do direito francês, a doutrina aponta a distinção entre polícia geral e
polícia especial. A primeira se ocuparia dos aspectos da ordem pública, basicamente nos campos da
tranquilidade, da segurança e da salubridade públicas, nos quais poderia haver regulamentos autô-
nomos tratando das matérias. Já a segunda estaria voltada aos demais ramos de atuação da polícia
administrativa. Posteriormente, a jurisprudência francesa acrescentou, ao conceito de “ordem pú-
blica geral”, os valores estética e moralidade pública. Nesta tradição gaulesa, por estar encarregada
do “mínimo social necessário” (ordem pública), os atos da polícia geral não necessitam de texto
legal expresso, decorrendo de uma espécie de domínio eminente do Estado, podendo haver inclu-
sive regulamentos autônomos sobre a matéria. Já a polícia especial estaria voltada para outras fina-
lidades de regulação do setor privado, distintas da ordem pública geral, necessitando de previsão
expressa em lei.
Celso Antônio nega aplicação de tal distinção no Direito Administrativo brasileiro, no qual to-
das as atividades de polícia encontram-se niveladas em um mesmo patamar, havendo sempre ne-
cessidade de lei pautando a conduta da Administração, sem espaço para regulamentos autônomos,
mas apenas regulamentos executivos.347 Ademais, não há critério seguro para se identificar preci-
samente o que seja um ato de polícia visando à manutenção da ordem pública e outro com finali-
dade distinta. Na própria França isso vem gerando divergências, como ocorreu com o famoso caso
do “lançamento de anões”, em que o Estado proibiu uma esdrúxula prática de entretenimento que
vinha sendo adotada por alguns bares, em que anões eram contratados para divertir o público,
sendo lançados à maior distância possível. Apesar de muitos anões consentirem com a brincadeira,
por conta da remuneração que recebiam em troca, considerou-se que tal prática violava a dignida-
345
MELLO, Curso..., cit.
346
BASTOS, Curso..., cit.
347
MELLO, Curso..., cit.
222
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
de da pessoa humana. Marçal Justen ressalta que toda a doutrina francesa comenta essa decisão,
porque foi tomada em nome da “ordem pública”, apesar de haver um texto legislativo muito espe-
cífico delimitando as finalidades buscadas pelo poder de polícia.348 Essa insegurança de critérios
conceituais aumenta muito mais no contexto do Direito Administrativo contemporâneo, haja vista,
dentre outros aspectos, a vinculação direta a normas constitucionais garantidoras de direitos fun-
damentais, bem como a amplitude da atuação reguladora do Estado.
Quanto às formas de atuação do poder de polícia, a doutrina aponta quatro: ordem de polí-
cia, fiscalização de polícia, consentimento de polícia e sanção de polícia.
A ordem de polícia
“caracteriza-se por ordens e proibições que se manifestam por meio de normas
administrativas limitadoras e sancionadoras da conduta individual dos adminis-
trados, sobretudo àqueles que, de alguma forma, utilizam bens ou exercem ativi-
349
dades de efeito para toda a sociedade”.
Tal fiscalização poderá ser exercida, por exemplo, em relação à higiene de alimentos e segu-
rança nas construções, podendo inclusive ser delegada.
A sanção de polícia “pode ser entendida como a penalidade aplicada pela Administração em
virtude da inobservância da ordem de polícia” 352. Tais penalidades devem ter assento em lei, das
quais são exemplos a multa, a interdição, a demolição, a destruição, a inutilização, o embargo etc.
Trata-se de atividade indelegável, cabendo exclusivamente ao Estado atuar nesta fase. No âmbito
federal, a Lei 9.873/99 estabelece o prazo de cinco anos para a aplicação das sanções de polícia.
348
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
349
FRIEDE, Lições..., cit.
350
Idem.
351
Ib idem.
352
Ib idem.
223
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A discricionariedade “consiste na livre escolha, pela Administração Pública, dos meios ade-
quados para exercer o poder de polícia, bem como, na opção quanto ao conteúdo, das normas que
cuidam de tal poder”. 353 Convém registrar, todavia, que nem todos os atos de polícia são discricio-
nários. Aliás, nenhuma atividade da Administração é totalmente discricionária, pois sempre existirá
alguma carga de vinculação nos atos administrativos.
Desta maneira,
“a atividade de polícia ora é discricionária, a exemplo do que ocorre quando a
Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo,
ora é vinculada, nos moldes do que acontece quando a Administração Pública li-
cencia uma construção (alvará ou licença de construção). O certo, então, é dizer
que tal atribuição se efetiva por atos administrativos expedidos através do exercí-
355
cio de uma competência às vezes vinculada, às vezes discricionária.”
José dos Santos salienta haver na doutrina controvérsias quanto à caracterização do poder
de polícia, se vinculado ou discricionário, citando as opiniões divergentes de Hely Lopes e Celso
Antônio. Entende que haverá discricionariedade apenas nos casos em que a lei não fixou delimita-
damente a dimensão da restrição imposta ao particular, citando o caso da proibição de pesca, fi-
cando a cargo da Administração dizer em quais rios onde deverá ser observada. Noutros casos,
porém, quando a lei já cuida de delimitar bem a restrição, não poderá a Administração ampliar o
seu alcance, estando vinculada às balizas da lei.356
Pode-se dizer que um alto grau de vinculação é raro de acontecer. O mais comum é que haja
certa margem de discricionariedade. Aliás,
“a análise da maioria das hipóteses de sua aplicação prática indica discricionarie-
dade no desempenho do poder de polícia. Todavia, é preciso fazer referência a ca-
sos excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem
natureza vinculada. O melhor exemplo é o da licença, ato administrativo vincula-
357
do e tradicionalmente relacionado com o poder de polícia.”
353
Ib idem.
354
R. Friede, Lições..., cit.
355
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
356
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
357
MAZZA, Manual…, cit.
358
Idem.
359
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
224
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Cabe ressalvar, todavia, que, por opção constitucional, determinados atos de polícia estão
sujeitos à reserva de jurisdição, isto é, à manifestação prévia do Poder Judiciário. Logo, têm exigibi-
lidade, mas não têm executoriedade. Cite-se, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico, somente
admitida em processo criminal e observados certos requisitos substanciais (art. 5º, XII, CF, e Lei
9.296/96). Outro exemplo de ato administrativo que não pode ser auto-executado, demandando
procedimento judicial específico previsto em lei, é a cobrança de multas. A Administração pode
aplicá-las, mas, havendo resistência do devedor em efetuar o pagamento, só restará a execução do
valor na Justiça.
A proporcionalidade “é uma característica do poder de polícia que obriga que a efetiva ‘san-
ção de polícia’ aplicada ao administrado guarde, necessariamente, uma relação de proporcionali-
dade com a violação de ‘ordem de polícia’ realizada por ele”.360 Ao discorrer sobre a proporcionali-
dade, Rui Cirne Lima alude à famosa hipérbole na frase de Fritz Fleiner: “a polícia não deve atirar
com canhões em pardais”.361
Marçal Justen entende que aspectos nucleares do poder de polícia são indelegáveis, abran-
gendo aí as competências de cunho normativo e de autoridade. Diz que
“veda-se a delegação do poder de polícia a particulares não por alguma qualidade es-
sencial ou peculiar à figura, mas porque o Estado Democrático de Direito importa o mo-
nopólio estatal da violência. Não se admite que o Estado transfira, ainda que temporari-
amente, o poder de coerção jurídica ou física para a iniciativa privada. Isso não significa
vedação a que algumas atividades materiais acessórias ou conexas ao exercício do poder
de polícia sejam transferidas ao exercício de particulares. O que não se admite é que a
imposição coercitiva de deveres seja exercitada por terceiros, que não agentes públi-
362
cos”.
Muitos outros autores sustentam a impossibilidade do exercício do poder de polícia por en-
tes privados, quando estejam em jogo a liberdade dos administrados. Segundo Celso Antônio, “sal-
vo hipóteses excepcionalíssimas (caso dos poderes outorgados aos capitães de navio), não há dele-
gação de ato jurídico de polícia a particular e nem a possibilidade de que este o exerça a título con-
tratual. Pode haver, entretanto, habilitação do particular à prática de ato material preparatório ou
360
FRIEDE, Lições..., cit.
361
LIMA, Princípios..., cit.
362
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
225
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
sucessivo a ato jurídico desta espécie”.363 José dos Santos diz que em regra a delegação apenas é
possível em relação a entes públicos, mas admite a possibilidade de atribuição a entes privados de
certas tarefas de apoio à fiscalização.364
Reportando-nos ao que foi dito acima sobre as formas de atuação do poder de polícia, en-
tendemos relativamente possível a transferência, por lei, do poder de polícia no que tange à fiscali-
zação de polícia e ao consentimento de polícia. Já no tocante à ordem de polícia e à sanção de
polícia, a princípio pensamos tratar-se de atividades que não devem ser delegadas, cabendo exclu-
sivamente ao Poder Público. Todavia, esta questão ainda tem despertado muita polêmica na dou-
trina e na jurisprudência.
Na via administrativa, o controle pode ser feito de ofício ou mediante provocação do particu-
lar interessado, valendo-se, nesse último caso, dos recursos administrativos, que em sentido amplo
compreendem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito,
abrangem os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Tais mecanismos de
controle dos atos da Administração encontram-se previstos na Lei 9.784/99, que regula o processo
administrativo federal.
363
MELLO, Curso..., cit.
364
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
365
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
366
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
226
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Sabe-se que o controle dos atos administrativos no Brasil pode ser efetuado tanto pela pró-
pria Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário, já que a Carta Magna garantiu o pleno
acesso às vias judiciais, sempre que houver lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV). Portanto,
adotou-se em nosso país o sistema de jurisdição única, de origem inglesa, ao contrário do sistema
francês que admite a existência de Tribunais Administrativos (v.g. o Conselho de Estado francês)
com jurisdição especial distinta do Judiciário (sistema do contencioso administrativo ou de jurisdi-
ção dual).
SERVIDORES PÚBLICOS
REGIME CONSTITUCIONAL
Os servidores públicos (em sentido amplo) são todos aqueles que mantêm vínculo de traba-
lho profissional com as entidades governamentais da Administração direta e indireta. Esse vínculo
de trabalho profissional, por sua vez, variará conforme o regime jurídico adotado para cada servi-
dor.
367
ARAGÃO, Curso..., cit.
227
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Antes da Constituição Federal de 1988, os servidores públicos podiam ser livremente contra-
tos sob o mesmo regime de emprego aplicado à iniciativa privada (CLT) e sem necessidade de pré-
vio concurso público.
Com a nova Constituição, além de ser instituída a regra do concurso público, o art.39, em sua
redação original, passou a prever o regime jurídico único, por meio da qual se buscou estabelecer
uma isonomia entre os servidores da Administração direta e autárquica. No âmbito federal, foi de
logo adotado o regime estatutário (Lei 8.112/90), o mesmo ocorrendo com os Estados e o Distrito
Federal. Já quanto aos Municípios, nem todos criaram estatutos próprios para os seus servidores,
mantendo os seus servidores basicamente sob o regime celetista, até que fosse adotado o regime
estatutário.
A regra do regime jurídico único foi extinta pela Emenda Constitucional n. 19/98 (Reforma
Administrativa), passando-se a admitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
adotassem mais de um regime jurídico para seus servidores, com a instituição de conselhos de polí-
tica de administração e remuneração de pessoal. Isso tornou possível,
“por exemplo, que um Estado tenha grupo de servidores estatutários e outro de
servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a organização funcional estabele-
cida em lei. O mesmo será permitido para as demais pessoas federativas. Aliás, a
própria União Federal, como já vimos, já tem a previsão de servidores estatutários
(Lei 8112/90) e de servidores trabalhistas (Lei 9962/00 e legislação trabalhista).
Nada impedirá, é claro, que a entidade política adote apenas um regime funcional
em seu quadro, mas, se o fizer, não será por imposição constitucional, e sim por
opção administrativa, feita em decorrência de avaliação de conveniência, para
melhor atender a suas peculiaridades. A qualquer momento, no entanto, poderá
modificar a estratégia inicial e instituir regime funcional paralelo, desde que, logi-
368
camente, o novo sistema seja previsto em lei.”
Ocorre que, em decisão liminar na ADIN 2135-4 proferida em agosto de 2007, o STF posicio-
nou-se pela inconstitucionalidade formal da EC 19/98 no que concerne à nova redação atribuída ao
caput do art. 39, CF. Com isso, voltou a prevalecer a aludida redação original que impõe o regime
jurídico único.
“Esclareceu o STF, todavia, que a decisão, por possuir caráter provisório, tem so-
mente efeitos ex nunc, sendo mantidas as legislações editadas admitindo empre-
gados públicos nas pessoas de direito público com fulcro na emenda suspensa até
369
o julgamento final da ação direta de inconstitucionalidade.”
Não obstante, parece-nos que o fato de se prever um regime jurídico único não significa que
cada ente político só possa adotar o regime de cargos para seus servidores, porquanto a própria
Constituição, em outros dispositivos do seu texto original (arts. 51, IV; 52, XIII; 61, §1º, II, “a”; e
114) sempre admitiu também a existência de empregos públicos, com regimes diversificados em
certas hipóteses.
Como salienta Celso Antônio, a regra do art. 39 deve conviver com tais dispositivos, o que é
perfeitamente possível desde que se entenda que o pretendido
368
CARVALHO FILHO, op. cit., p.484.
369
ARAGÃO, Curso..., cit.
228
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Têm-se, assim, três regimes jurídicos, que podem ser concomitantemente adotados pela
Administração Pública direta e autárquica, dos quais decorrem três categorias de servidores:
a) servidores públicos estatutários;
b) servidores públicos trabalhistas (empregados públicos);
c) contratados por tempo determinado (temporários).
Cada ente político autônomo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá elaborar
o seu estatuto funcional, respeitados sempre os ditames constitucionais acerca do tema. No caso
da União, o estatuto geral dos servidores públicos civis é a Lei 8.112/90.
Contudo, o regime estatutário pode-se apresentar como uma pluralidade normativa, o que
significa dizer que pode haver mais de um estatuto funcional, conforme o ente político e a catego-
ria do servidor. Vale dizer, ao lado do regime estatutário geral direcionado à grande massa dos
servidores de cada ente político, poderão ainda existir regimes estatutários especiais referentes a
determinados servidores que exerçam função cujas peculiaridades tenham demandado um trata-
mento legislativo diferenciado. É o caso, por exemplo, dos advogados e defensores públicos, além
de professores, policiais, auditores fiscais que em algumas unidades federativas têm estatuto pró-
370
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.250-252.
229
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
prio, diverso do geral. Sujeitos a regimes estatutários especiais estão também os juízes, os mem-
bros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.
O fato de o regime estatutário não ter natureza contratual é de suma importância, pois esta
característica implica que possa haver modificação do regime pela simples mudança da lei, a crité-
rio do Poder Público, justamente por não haver acordo bilateral de vontades no estabelecimento
das normas de regência. Contra isso os servidores estatutários não podem se insurgir, o que signifi-
ca dizer que não há direito adquirido a regime jurídico, entendimento esse já consolidado por inú-
meros precedentes jurisprudenciais. 371
Deveras, quando se fala em direitos subjetivos tem-se em mira vantagens concretas usufruí-
das por determinado servidor e não propriamente a permanência da lei abstrata que as contempla.
O servidor público somente terá direito adquirido se já houver reunido os requisitos necessários ao
exercício de determinado direito previsto na lei revogada, pelo que a lei revogadora não poderá
retroagir. Nesses casos, a mudança do Estatuto não afetará o direito do servidor, se já adquirido ao
tempo da lei anterior. Em suma, o Estatuto muda (não há direito adquirido a sua permanência),
mas a vantagem que nele era prevista permanece em relação aquele determinado servidor na me-
dida em que reuniu os requisitos para usufruí-la (direito adquirido ao benefício).
Saliente-se, porém, que o direito adquirido somente prevalece em relação às normas infra-
constitucionais e às emendas constitucionais (poder constituinte derivado). Não se pode invocar
direito adquirido contra a Constituição originária, que consubstancia o próprio nascedouro da or-
dem jurídica. Daí porque o art. 17, ADCT, estabeleceu expressamente que os vencimentos, a remu-
neração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sen-
do percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela
decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso
a qualquer título.
O regime trabalhista é o que incide quando a Administração tenha optado por contratar a-
gentes públicos sob regime de emprego público, ao invés de cargo público. Fala-se, então, em em-
pregados públicos.
A natureza do vínculo que une o empregado público ao Estado é contratual, como negócio
jurídico bilateral, submetido a regras e princípios do Direito Público. Deverão ser aplicadas as nor-
mas referentes à legislação trabalhista (Constituição, CLT e leis esparsas).
371
V.g. STF, AI-ED 567.722/MG, DJ de 28/09/2007.
372
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
230
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
No âmbito da União, foi editada a Lei 9.962/00, que trata do regime de emprego público na
Administração direta, autarquias e fundações públicas, adaptando, desta forma, o regime trabalhis-
ta geral às peculiaridades do Direito Público. O seu art. 1º estabelece que aos empregados públicos
federais será aplicada a legislação trabalhista, em tudo aquilo que não dispuser em contrário. Signi-
fica dizer que o regime de emprego público federal obedece às disposições da legislação trabalhista
geral, ressalvadas eventuais normas em sentido contrário contidas na Constituição e na Lei
9.962/00. Assim, por exemplo, o art. 3º, Lei 9.962/00, estabelece que a rescisão do contrato de
emprego público deverá ser motivada em uma das hipóteses nele contidas (ato vinculado), não se
admitindo, portanto, a simples dispensa sem justa causa prevista na CLT.
No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os empregados públicos são re-
gidos exclusivamente por regras da legislação trabalhista geral. Isto porque a Lei 9.962/00 é uma lei
federal (e não uma lei nacional), além do que tais entes políticos não poderão editar suas leis espe-
cíficas, porquanto é da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I,
CF). Não obstante, deverão necessariamente observar as regras constitucionais relativas aos em-
pregos públicos (por exemplo, a necessidade de admissão por concurso público – art. 37, II, CF),
bem como respeitar os princípios que regem o Direito Público (moralidade, impessoalidade, su-
premacia do interesse público etc.).
Em que pese os pontos de distinção apontados, a Constituição Federal contém normas dire-
cionadas a todos os servidores públicos, sejam eles estatutários ou trabalhistas.
Com efeito, a Carta Magna prevê criação, transformação e extinção de cargos, empregos e
funções públicas será da competência do Congresso Nacional, por meio de lei submetida à sanção
do Presidente da República (art. 48, X). A regra, então, é a existência de lei tratando do tema.
373
Idem.
374
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
231
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Ocorre que esta regra comporta exceções previstas na própria Carta. O art. 84, VI, b, confere
ao Presidente da República a competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre extinção
das funções ou cargos públicos, quando vagos. Trata-se, segundo alguns, de uma espécie de regu-
lamento autônomo excepcionalmente admitido no ordenamento brasileiro. Os arts. 51, IV, e 52,
XIII, conferem à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal a competência privativa para dispor
sobre a criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus respectivos
serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, a organização funcional da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal não depende de lei, dando-se através de resolução. Já a fixação de
vencimentos para tais cargos, empregos e funções depende de lei.
Importante destacar, ainda, que a lei que dispuser sobre a criação e a extinção de cargos e a
remuneração dos serviços auxiliares no Poder Judiciário, bem como a fixação do subsídio de seus
membros e dos juízes, será de iniciativa dos respectivos Tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tri-
bunais Superiores e Tribunais de Justiça), conforme previsto no art. 96, II, b, CF. Essa autonomia na
iniciativa das leis também é conferida ao Ministério Público, no tocante à criação e extinção de seus
cargos e serviços auxiliares (art. 127, §2º, CF).
A regulamentação da regra constitucional do concurso público poderá ser feita pela legisla-
ção infraconstitucional. Muitos aspectos já foram tratados no texto da Lei 8.112/90, que dispõe
sobre o regime dos servidores públicos civis federais, existindo ainda outras leis específicas, inclusi-
ve em âmbito estadual e municipal. Mas essas normas infraconstitucionais servem apenas para
reforçar a regra geral da obrigatoriedade do concurso público, já prevista no art. 37, II, CF, que é
auto-aplicável. Vale dizer, mesmo que não houvesse lei dispondo sobre a matéria, o prévio concur-
so seria obrigatório.
Segundo previsto nos arts. 11 e 12, Lei 8.112/90, o concurso público poderá ser realizado em
duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicio-
nada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu
custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.
232
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A norma legal diz ainda que não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato apro-
vado em concurso anterior com prazo de validade não expirado. Na verdade, a melhor interpreta-
ção é a de que pode até ser aberto um novo concurso, desde que os já aprovados no concurso an-
terior tenham prioridade em relação aos novos concursados, como se extrai do art. 37, IV, CF.
O art. 37, § 8º, CF, prevê que a lei reservará percentual de vagas para portadores de defici-
ência, definindo os critérios de sua admissão. Ou seja, certo número de vagas somente serão dispu-
tadas por deficientes. No âmbito federal, a Lei 8.112/90 e o Decreto 3.298/99 estabelecem percen-
tual mínimo de 5% e máximo de 20%, de modo que o edital do concurso fixará o percentual entre
esses dois limites. Se, considerado o número total de cargos disponíveis, a incidência do percentual
não resultar num número inteiro, considera-se o primeiro número inteiro subsequente, até o limite
máximo fixado. Isso não significa que todo e qualquer concurso deverá ter vagas para deficientes.
Primeiro há de ser verificado se o cargo objeto do concurso é compatível com a deficiência, con-
forme ressalva o art. 5º, §2º, Lei 8.112/90. Além disso, dependendo do número total de cargos
vagos, pode não ser possível fazer reserva para deficientes, pois se a aplicação do percentual resul-
tar em número inferior a 1, há ainda de se verificar se a reserva da vaga implica em percentual su-
perior ao máximo permitido (20%). Por exemplo, imagine-se um concurso com quatro vagas no
total. Ainda que se utilize o percentual máximo (20%) sobre 4, tem-se o número 0,8, de modo que
não se pode reservar sequer uma vaga para deficientes. Em situação semelhante o STF considerou,
num concurso em que havia tão somente duas vagas, ser descabida a reserva de uma delas para
deficientes, pois isso equivaleria a uma reserva de 50%, violando o princípio da isonomia. 375
Há outras peculiaridades que vieram sendo enfrentadas pela jurisprudência acerca do con-
curso público.
Saliente-se que o edital do concurso somente pode estabelecer limite de idade para deter-
minado cargo se houver lei prevendo isso. Essa restrição não pode estar prevista apenas em atos
normativos da Administração, conforme também já decidido pelo STF. 376
Da mesma forma, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato
a cargo público” (Súmula 686, STF). E “é inconstitucional o veto não motivado à participação de
candidato a concurso público”, consoante reza a Súmula 684, STF. E conforme a Súmula 266, STJ,
“o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscri-
ção para o concurso público”.
Questão polêmica ainda diz respeito à situação jurídica do candidato aprovado em concurso
público, se ele teria direito à nomeação ou uma mera expectativa de direito. A Súmula 15, STF, há
muito considerava que o candidato aprovado somente teria direito à nomeação em caso de prete-
rição da ordem de classificação no concurso, ou seja, se outro candidato pior classificado fosse con-
vocado na sua frente. Fora daí, entendia-se haver apenas expectativa de direito. Essa orientação
375
MS 26.310/DF, DJ 31/20/2007.
376
AI-AgR 589.906/DF, DJ de 23/05/2008.
233
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Ocorre que o próprio STF tem precedentes em sentido contrário, considerando que
“os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a
posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no pra-
377
zo de validade do concurso.”
Há concursos em que se exige certa prática profissional. Nos concursos para a magistratura e
Ministério Público, por exemplo, a própria Constituição condiciona que haja três anos de atividade
jurídica.
377
RE 227.480/RJ, DJ 21/08/2009.
378
RE 598.099/MS, DJ 05/03/2010.
379
REsp 140616/RS, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13/10/1997.
380
AgRg no RMS 29680/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJ de 29/03/2012.
381
STJ, MS 17147/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 01/08/2012.
234
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Somente é possível haver contratação sem concurso quando se tratar de cargo em comissão
ou, ainda, para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37,
IX, CF). Porém, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade, a indi-
cação para os cargos em comissão deve obedecer a critérios que evitem a ocorrência de nepotis-
mo. Saliente-se que essa proibição de nepotismo, não obstante já seja uma decorrência direta do
princípio da moralidade, é reforçada pelo Decreto 7.203/10 (aplicado à Administração Federal) e
pela Resolução 7/05 do CNJ (aplicada no âmbito do Poder Judiciário).
Essa proibição estendida a “designações recíprocas” busca evitar o chamado nepotismo cru-
zado. Por outro lado, o STF ressalvou que a proibição referida na Súmula Vinculante 13 não se apli-
ca às nomeações para cargos de natureza política tais como os de Ministro de Estado e Secretário
de Governo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.
Outra norma constitucional relativa a todos os servidores públicos refere-se aos direitos de
sindicalização e de greve. É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical
(art. 37, VI), tratando-se de norma constitucional de eficácia plena. Já o direito de greve será exer-
cido nos termos e nos limites definidos em lei específica (art. 37, VII). Com vistas a esse dispositivo
constitucional, o STF veio inicialmente adotando o entendimento de que, por se tratar de norma de
eficácia limitada, o direito de greve no serviço público não poderia ser exercido pelo servidor en-
quanto não fosse editada uma lei específica o regulamentando. Passados mais de vinte anos desde
o advento da Constituição, até hoje não há lei regulamentando o direito de greve. Não obstante,
inúmeras greves de servidores já ocorreram e muitas certamente ainda irão ocorrer. A necessidade
de lei específica relaciona-se às peculiaridades do serviço público, haja vista o princípio da continui-
dade, além de obstáculos referentes à obtenção de vantagem pela via da negociação coletiva.
382
STJ, EDcl no RMS 34138/MT, rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 25/10/2011.
383
MI 670/ESDJ de 31/10/2008.
235
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Saliente-se que, conforme se posicionou o STF, tal proibição de cumulação ocorre mesmo
que se trate de proventos de inatividade, alcançando, portanto, os servidores aposentados. Esse
entendimento do Pretório Excelso resultou no advento da EC 20/98, acrescentando o § 10 ao art.
37, tornando expressa a proibição de percepção simultânea de proventos de aposentadoria pública
com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na
forma da Constituição, resguardados os direitos dos aposentados que eventualmente já vinham
acumulando proventos com vencimentos de outro cargo efetivo.
A CF/88 fixa ainda em um teto salarial com base no subsídio mensal fixado para os Ministros
do STF (art. 37, XI), para os servidores públicos detentores de cargos, empregos, funções públicas e
agentes políticos membros de Poder. Esse teto salarial aplica-se a todos os agentes públicos, inclu-
sive os empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que
receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento
de despesas de pessoal ou de custeio em geral (art. 37, §9º, CF). O teto alcança as percepções cu-
mulativas autorizadas na Carta Magna, “ou seja, os casos em que o agente acumula legalmente
cargos, funções ou empregos públicos, aplicando-se o limite à soma das retribuições” 384 (art. 37,
XVI, CF, que remete ao inciso XI). O valor do subsídio dos Ministros do STF (pagamento em parcela
única) é fixado por lei (art. 48, XV). Tal lei antes dependia da iniciativa conjunta dos Presidentes da
República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, o que dificilmente
viria a ocorrer. Todavia, a EC 41/03 alterou o dispositivo constitucional, de forma a não mais exigir
tal iniciativa conjunta. A iniciativa, então, passou a seguir a regra geral do art. 96, II, “b”, CF, ou seja,
cabendo ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa da lei de subsídios de seus ministros, o que já foi
feito.
Outra regra constitucional aplicável aos servidores públicos em geral diz respeito às sanções
por improbidade administrativa. Segundo o art. 37, §4º, CF, os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível. E o §5º do mesmo artigo considera imprescritíveis as ações de ressarcimento contra os
agentes públicos que tenham praticado ato ilícito em prejuízo ao erário.
384
MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.
236
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
c) excepcionalidade do interesse público, eis que “a Constituição deixou claro que situa-
ções administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Por-
tanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcio-
nalidade do próprio regime especial.” 388
385
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
386
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
387
Idem.
388
Ib idem.
237
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tivo simplificado em alguns casos, o que também tem sido alvo de críticas pela doutrina, já que a
excepcionalidade do interesse público e a temporariedade da função seriam incompatíveis com a
realização de concurso.
Saliente-se que o STF firmou entendimento no sentido de que compete à justiça comum (fe-
deral ou estadual) processar e julgar causas envolvendo contratação temporária de servidor, ainda
que se discuta eventual desvirtuamento da contratação. Considerou-se que
“a Justiça do Trabalho não detém competência para processar e julgar causas que envol-
vam o Poder Público e servidores a ele vinculados, mesmo que por contrato temporário
com prazo excedido, por se tratar de relação jurídico-administrativa. Ainda que possa ter
ocorrido desvirtuamento da contratação temporária para o exercício de função pública,
389
não cabe à Justiça do Trabalho analisar a nulidade desse contrato.”
RESPONSABILIDADE DO SERVIDOR
O servidor público sempre terá sua responsabilidade analisada de forma subjetiva, determi-
nando dolo ou culpa de seus atos. Assim, o servidor em atuação poderá responder não somente na
esfera administrativa mas, de acordo com os resultados de seu ato, responderá também nas esfe-
ras cível e criminal.
CF/88
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa.
Lei 8.112/90
Art. 121. O servidor responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular
de suas atribuições.
Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou cul-
poso, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.
389
Rcl. 7028 AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/09/2009.
238
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendo indepen-
dentes entre si.
Art. 126-A. Nenhum servidor poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrati-
vamente por dar ciência à autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvi-
mento desta, a outra autoridade competente para apuração de informação concernente
à prática de crimes ou improbidade de que tenha conhecimento, ainda que em decor-
rência do exercício de cargo, emprego ou função pública.
No caso de ato que cause prejuízo ao erário, o servidor terá um prazo de 30 dias para ressar-
cir os cofres públicos, podendo em negociação parcelar a devolução, com valor da parcela no mí-
nimo de 10% do valor da remuneração, do provento ou da pensão do servidor. No caso de recebi-
mento de pagamento indevido, paga-se em uma única parcela. Se o servidor estiver em débito no
momento da demissão, terá um prazo de 60 dias para pagar a dívida. Caso não pague, entrará na
dívida ativa.
239
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
240
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ou de outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.
PENALIDADES
Art. 127. São penalidades disciplinares:
I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibili-
dade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.
Art. 129. A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação de proibição
constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX, e de inobservância de dever funcional previs-
to em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalida-
de mais grave.
Art. 130. A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com ad-
vertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a pe-
nalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
§ 1º Será punido com suspensão de até 15 (quinze) dias o servidor que, injustificada-
mente, recusar-se a ser submetido a inspeção médica determinada pela autoridade
competente, cessando os efeitos da penalidade uma vez cumprida a determinação.
§ 2º Quando houver conveniência para o serviço, a penalidade de suspensão poderá ser
convertida em multa, na base de 50% (cinquenta por cento) por dia de vencimento ou
remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço.
Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver prati-
cado, na atividade, falta punível com a demissão.
Art. 135. A destituição de cargo em comissão exercido por não ocupante de cargo efeti-
vo será aplicada nos casos de infração sujeita às penalidades de suspensão e de demis-
são.
241
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for de-
mitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos I, IV, VIII,
X e XI.
Penalidade Competente
Presidente da República
Presidente das Casas Legislativas
Demissão
Presidente dos Tribunais Federais
Procurador Geral da República
Suspensão mais de 30 dias Autoridades inferiores das acima
Chefe da repartição e outras, na
Suspensão até 30 dias forma do regulamento ou regimen-
to
Chefe da repartição e outras, na
forma do regulamento ou regimen-
Destituição de cargo to
Autoridade que realizou a nomea-
ção
242
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 592, STJ. O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disci-
plinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.
ATO ADMINISTRATIVO
CONCEITO
Diogo de Figueiredo conceitua o ato administrativo stricto sensu como sendo
“a manifestação unilateral de vontade da administração pública, que tem por ob-
jeto constituir, declarar, confirmar, alterar ou desconstituir uma relação jurídica,
390
entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e agentes”.
390
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
391
MELLO, Curso..., cit.
243
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
independente da anuência deste. Distingue-se, então, dos contratos firmados entre a Administra-
ção e o administrado, que são atos convencionais bilaterais.
Não obstante essa imprecisão terminológica, vamos aqui indicar as principais designações,
tal como empregadas por ilustres doutrinadores brasileiros, os quais analisam as espécies de atos
administrativos segundo o conteúdo (substância do ato) ou a forma (instrumento do ato).
1. EM FUNÇÃO DO CONTEÚDO
Autorização: é “o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Adminis-
tração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade
material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos”. 393
Cite-se, v.g., as autorizações para exploração de jazida mineral e para porte de arma (apesar
de a lei de contravenções penais tratar como licença).
Licença: “é ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele
que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. A diferença entre licença e
autorização, acentua Cretella Júnior, é nítida, porque o segundo desses institutos envolve in-
teresse ‘caracterizando-se como ato discricionário, ao passo que a licença envolve direitos,
caracterizando-se como ato vinculado”.394 São exemplos as licenças para dirigir veículos, de
importação, de edificação etc.
392
MELLO, Curso..., cit.
393
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
394
Idem.
244
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
cio. São exemplos a admissão nas escolas públicas, nos hospitais, nos estabelecimentos de
assistência social”.395
Permissão: “em sentido amplo, designa o ato administrativo unilateral, discricionário e pre-
cário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução
de serviço público ou a utilização privativa de bem público. O seu objeto é a execução de ser-
viço público ou a utilização privativa de bem público por particular. Daí a sua dupla acepção:
permissão de serviço público e permissão de uso”.396 Há divergência doutrinária sobre o ca-
ráter discricionário da permissão de serviço público, pois o art.175 da Carta Magna de 1988
passou a exigir que, em regra, fosse precedida de licitação.
Registros: “são atos vinculados que expressam, por meio de assentamentos públicos, o reco-
nhecimento administrativo da satisfação de requisitos legalmente estabelecidos para a práti-
ca de atos da vida privada, por parte do administrado que os requer. Como característica de
atos vinculados, os registros apresentam múltipla utilização, como, por exemplo, para o e-
xercício de trabalho, ofício e profissão, para a utilização ou manuseio de veículos, equipa-
mentos ou substâncias, para a comercialização de certos produtos e muitas outras”.397
Dispensa: “é o ato administrativo vinculado que consiste em exonerar alguém de dever legal,
caso se encontrem presentes determinados requisitos. Damos como exemplo a dispensa da
prestação de serviço militar obrigatório, quando presentes os pressupostos legais”.400
Homologação: “é ato vinculado pelo qual a Administração concorda com ato jurídico já prati-
cado, uma vez verificada a consonância dele com os requisitos legais condicionadores de sua
válida emissão. Percebe-se que se diferencia da aprovação a posteriori em que a aprovação
envolve apreciação discricionária ao passo que a homologação é plenamente vinculada”. Ci-
te-se, v.g., a homologação do procedimento licitatório (Lei 8.666/93, art.43, VI).
395
Ib. idem.
396
Ib idem.
397
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
398
MELLO, Curso..., cit.
399
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
400
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
245
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Parecer: “é ato pelo qual os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre as-
suntos técnicos ou jurídicos de sua competência. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mel-
lo, o parecer pode ser facultativo, obrigatório e vinculante. O parecer é facultativo quando fi-
ca a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o so-
licitou. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato
final. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter
vinculante). O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar
a sua conclusão”.401
Visto: “é ato administrativo unilateral pela qual a autoridade competente atesta a legitimi-
dade formal de outro ato jurídico. Não significa concordância com o seu conteúdo, razão pela
qual é incluído entre os atos de conhecimento, que são meros atos administrativos e não a-
tos administrativos propriamente ditos, porque não encerram manifestações de vontade. E-
xemplo de visto é o exigido para encaminhamento de requerimentos de servidores subordi-
nados a autoridade de superior instância; a lei normalmente impõe o visto do chefe imedia-
to, para fins de conhecimento e controle formal, não equivalendo à concordância ou deferi-
mento de seu conteúdo”.402
Concessão: “é designação genérica de fórmula pela qual são expedidos atos ampliativos da
esfera jurídica de alguém. Daí a existência de subespécies. Por isso, fala-se em concessão de
cidadania, de comenda, de prêmio, de exploração de jazida, de construção de obra pública,
de prestação de serviço público etc. É manifestamente inconveniente reunir sob tal nome tão
variada gama de atos profundamente distintos quanto à estrutura e regime jurídicos. Assim,
verbi gratia, a concessão de serviço público e a de obra pública são atos bilaterais; já, as de
prêmio ou de cidadania são unilaterais”.403
Certidões: “são atos que reproduzem registros das repartições, contendo uma afirmação
quanto à existência e ao conteúdo de atos administrativos praticados”.404
Autos de Infração: “são atos que reproduzem os fatos e as circunstâncias que caracterizam
transgressões administrativas, produzindo, contemporaneamente aos fatos, uma afirmação
oficial de sua realidade e veracidade”.406
2. EM FUNÇÃO DA FORMA
Decreto: “é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do
Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito). Ele pode conter, da mes-
401
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
402
Idem.
403
MELLO, Curso..., cit.
404
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
405
Idem.
406
Ib idem.
246
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ma forma que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encon-
tram na mesma situação (decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas de-
terminadas. Nesse caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual); é o ca-
so de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão. Quando produz efeitos ge-
rais, ele pode ser: regulamentar ou de execução, quando expedido com base no art.84, IV, da
Constituição, para fiel execução da lei; independente ou autônomo, quando disciplina maté-
ria não regulada em lei”.407 Saliente-se que “o decreto só pode ser considerado ato adminis-
trativo propriamente dito quando tem efeito concreto. O decreto geral é ato normativo, se-
melhante, quanto ao conteúdo e quanto aos efeitos, à lei”.408 O tema dos decretos será ainda
estudado quando tratarmos do poder regulamentar da Administração.
Portaria: “é fórmula pela qual autoridades de nível inferior ao de Chefe do Executivo, sejam
de qualquer escalão de comandos que forem, dirigem-se a seus subordinados, transmitindo
decisões de efeito interno, quer com relação ao andamento das atividades que lhes são afe-
tas, quer com relação à vida funcional de servidores, ou, até mesmo, por via delas, abrem-se
inquéritos, sindicâncias, processos administrativos. Como se vê, trata-se de ato formal de
conteúdo muito fluido e amplo”.409 Qualificam-se as portarias como “atos de competência de
presidências, superintendências e chefias de hierarquia intermédia”.410
411
Resolução: “é fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos órgãos colegiais”. Tais
deliberações “são atos de competência de Secretários de Estado e de Municípios assim como
de corpos colegiados, que eventualmente podem conter uma decisão concreta, embora a
denominação devesse ser reservada para a expressão da normatividade intermédia”.412 Co-
mo se observa, nem sempre são coincidentes os conceitos oferecidos pela doutrina para ca-
da espécie formal de ato administrativo. Pode-se, todavia, afirmar que a regra de competên-
cia serve como parâmetro de distinção. Assim, os decretos são de competência do Chefe do
Executivo, enquanto as resoluções e portarias “são formas de que se revestem os atos, gerais
ou individuais, emanados de autoridades outras que não o Chefe do Executivo”.413
407
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
408
Idem.
409
MELLO, Curso..., cit.
410
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
411
MELLO, Curso..., cit.
412
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
413
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
414
MELLO, Curso..., cit.
415
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
416
Idem.
247
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ções, mas concreto, ainda que geral, por abranger uma categoria de subalternos encarrega-
dos de determinadas atividades”.417 “São ordens uniformes visando a regular os mesmos que
as instruções, caracterizadas apenas pelo mais restrito âmbito de abrangência, circunscrito a
entes, órgãos ou agentes determinados”.418
Despacho: “é o ato administrativo que contém decisão das autoridades administrativas sobre
assunto de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Quando, por meio de
despacho, é aprovado parecer proferido por órgão técnico sobre assunto de interesse geral,
ele é chamado despacho normativo, porque se tornará obrigatório para toda a Administra-
ção. Na realidade, esse despacho não cria direito novo, mas apenas estende a todos os que
estão na mesma situação a solução adotada para determinado caso concreto, diante do Di-
reito Positivo”.419 Despachos, portanto, “são atos de encaminhamento ou de decisão, prati-
cados em procedimentos administrativos”.420
Aviso: “é fórmula que foi utilizada ao tempo do Império pelos Ministros de Estado para pres-
crever orientações dos órgãos subordinados, tendo nesse caso o mesmo caráter das instru-
ções atuais, ou ainda como instrumento de comunicação a autoridade de alto escalão. Hoje
tem utilização restrita. Praticamente, é usado quase que só nos Ministérios militares”.422
Ordem de serviço: “é fórmula usada para transmitir determinação aos subordinados quanto
à maneira de conduzir determinado serviço. Ao invés desta fórmula, as ordens por vezes são
veiculadas por via de circular”.423 “São determinações especiais, muito usadas por segmentos
burocráticos inferiores, dispondo formalmente, em geral, sobre serviços internos de reparti-
ções”.424
417
MELLO, Curso..., cit.
418
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
419
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
420
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
421
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
422
MELLO, Curso..., cit.
423
Idem.
424
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
425
MELO, Curso..., cit.
248
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ainda acrescidos dois aspectos necessários à constituição dos atos administrativo: a finalidade (in-
teresse público perseguido pela Administração) e o motivo (causa de agir da Administração).
Assim, na linha de pensamento sistematizada por Hely Lopes, com base no próprio direito
positivo brasileiro (art.2o da Lei 4.717/65 – Lei de Ação Popular), a doutrina enumera cinco elemen-
tos constitutivos do ato administrativo, também chamados de requisitos do ato administrativo,
quais sejam competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Vejamos cada um deles:
1. Competência: é o “plexo de atribuições outorgadas pela lei ao agente administrativo para
consecução do interesse público postulado pela norma”.426 Fazendo um paralelo com o Direito Civil,
a idéia de agente capaz no ato administrativo está relacionada à competência do agente e à função
pública por ele desempenhada. Como bem assinala Diogo de Figueiredo, “para o ato jurídico exige-
se apenas a capacidade do agente, mas para a prática do ato administrativo, a noção de capacidade
não tem relevância, pois o que importa é saber se a manifestação de vontade de Administração
partiu do ente, órgão ou agente a quem a lei cometeu a função de exprimi-la e de vinculá-la juridi-
camente”.427 Importante destacar que toda competência decorre da lei (princípio da reserva legal
da competência), eis que nenhum agente administrativo exerce poder por direito subjetivo próprio,
mas sim porque a lei lhe reservou tal poder com vistas ao interesse público. Por decorrer de lei, a
competência não pode ser transferida por vontade do agente, salvo nos casos em que a própria lei
admita ou, ainda, nos casos em que, por razões de disposição funcional hierárquica dos agentes
administrativos, haja previsão implícita de delegação ou avocação de poderes (desde que não se
trate de competência conferida a determinado órgão ou agente, com exclusividade, pela lei428).
426
FIGUEIREDO, Curso..., cit.
427
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
428
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
429
Idem.
430
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
431
MELLO, Curso..., cit.
249
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
to em lei. Cite-se, por exemplo, as modalidades de licitação pública previstas expressamente na Lei
de Licitações (Lei 8.666/93). E de acordo com o grau de vinculação legal, a formalidade poderá ser
essencial (necessária à validade do ato administrativo) ou acidental (mera irregularidade sanável,
que não invalida o ato).
5. Objeto: é o resultado por ele visado, aquilo que ele determina, o seu efeito jurídico, que
será sempre a constituição, declaração, confirmação, alteração ou desconstituição de uma relação
jurídica. Em suma, “o objeto do ato administrativo é a alteração jurídica que se pretende introduzir
relativamente às situações e relações sujeitas à ação administrativa do Estado”.434 O objeto é tam-
bém chamado de conteúdo do ato administrativo, apesar de alguns autores diferenciarem estas
duas expressões. “É o caso de Régis Fernandes de Oliveira que, baseando-se na lição de Zanobini,
diz que o objeto é a coisa, a atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre a qual vai recair o
conteúdo do ato. Dá como exemplo a demissão do servidor público, em que o objeto é a relação
funcional do servidor com a Administração e sobre a qual recai o conteúdo do ato, ou seja, a de-
missão. Na desapropriação, o conteúdo do ato é a própria desapropriação e o objeto é o imóvel
sobre o qual recai”.435
Cumpre registrar que esta enumeração dos cinco elementos do ato administrativo encontra,
adotada a partir de lições de Hely Lopes, encontra divergências entre alguns doutrinadores brasilei-
ros, haja vista a ausência de sistematização legal. Para Celso Antônio, por exemplo, os elementos do
ato seriam apenas o conteúdo e a forma, enquanto aspectos intrínsecos, havendo, ao lado disso, o
que ele chama de pressupostos de existência (objeto e pertinência à função administrativa) e pres-
supostos de validade (sujeito, motivo, requisitos procedimentais, finalidade, causa e formaliza-
ção).436
Outrossim, convém não confundir o elemento motivo com a motivação do ato administrati-
vo. Revelando-se como a enunciação do motivo que levou a Administração a agir, a motivação diz
respeito às formalidades do ato, integrando, portanto, o elemento forma acima estudado. Conso-
ante aponta Ricardo Marcondes, “dentre as exigências concernentes à forma, por força de sua im-
portância, uma merece exame autônomo: a motivação. Eis o primeiro passo para sua compreen-
432
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
433
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
434
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
435
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
436
MELLO, Curso..., cit.
250
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
são: ela é uma das exigências impostas pelo sistema jurídico à forma do ato administrativo, diz res-
peito ao pressuposto formalístico de regularidade”.437
A motivação assume ainda grande importância para a validade do ato, segundo a teoria dos
motivos determinantes, “em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indi-
cados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade.
Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija motivação,
ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. Tomando-se como exemplo a exoneração ad
nutum, para a qual a lei não define o motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o
fez por falta de verba e depois nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por
vício quanto ao motivo”.439
Não obstante, há situações em que a extinção do ato administrativo ocorre de modo anôma-
lo, isto é, fora das hipóteses naturais em que normalmente ocorreria. Nestes casos, tem-se o desfa-
zimento do ato administrativo, que Celso Antônio chama de retirada, “quando o Poder Público
emite um ato concreto com efeito extintivo sobre o anterior”.440 Destarte, o desfazimento ou reti-
rada de um ato administrativo pode ocorrer basicamente em duas situações: defeito de legalidade
ou reapreciação de mérito. Os vícios do ato administrativo estão relacionado à primeira delas, de-
mandando um análise da patologia do ato, ou seja, a identificação da "doença" que contamina
algum de seus elementos constitutivos. O desfazimento por defeito de legalidade ocorre quando
detectado vício insanável em algum dos elementos constitutivos do ato administrativo, o que im-
põe deva ser o ato invalidado (ou anulado), seja pela própria Administração, seja pelo Poder Judici-
ário. Dentre os mecanismos de provocação do Poder Judiciário visando a invalidação (anulação) de
437
MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros.
438
MELLO, Curso..., cit.
439
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
440
MELLO, Curso..., cit.
251
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
atos administrativos, o nosso ordenamento constitucional prevê a ação popular (CF, art.5º, LXXIII),
regulamentada pela Lei 4.717/65, cujo art. 2º dispõe serem nulos os atos lesivos ao patrimônio
público nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência
dos motivos; e) desvio de finalidade.
• Por defeito de competência: Dispõe o art. 2º, p. único, a, da Lei 4.717/65 que “a incompe-
tência fica caracterizada quanto o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o prati-
cou”. Interpretando sob um enfoque mais amplo o texto legal, Diogo de Figueiredo assinala que o
defeito de competência no ato administrativo pode se dar por três formas: usurpação, abuso ou
invasão. Usurpação de competência “se dá quando alguém, sem título algum, regular ou irregular,
desempenha uma função pública”. Abuso de competência “é a exorbitância do ente, do órgão ou
do agente que exerce funções além do âmbito de atribuições que lhe é adstrito por lei, sem que,
contudo, sua ação invada as atribuições de outro órgão ou agente”. Invasão de competência é tam-
bém um abuso de competência, “só que qualificado pela atuação invasora do campo de atribuições
legais de outro ente, órgão ou agente administrativo”.441 Chama a atenção para a hipótese do ser-
vidor de fato, “que é o que exerce uma função pública sem investidura ou nela defeituosamente
investido, mas guardando da aparência de legalidade”.442 Nesse caso, a aparente competência do
agente, aliada à boa fé do administrado, pode recomendar a manutenção dos efeitos do ato admi-
nistrativo, em respeito ao princípio da segurança jurídica, razão pela qual "ao contrário do ato pra-
ticado por usurpador de função, que a maioria dos autores considera como inexistente, o ato prati-
cado por funcionário de fato é considerado válido, precisamente pela aparência de legalidade de
que se reveste; cuida-se de proteger a boa-fé do administrado”.443 Seja como for, incidem as regras
do direito civil relativas à incapacidade física (loucura, delírio, embriaguez completa), o mesmo
ocorrendo com os vícios de consentimento (coação moral ou física, erro de fato), observadas, con-
tudo, as peculiaridades do caso concreto segundo os princípios do direito administrativo. Por isso,
como destaca Celso Antônio, a doutrina reconhece como válidos os atos totalmente vinculados
produzidos por funcionário em estado de loucura, sempre que a decisão tomada haja sido aquela
mesma que a lei antecipadamente impunha como a única admissível.444
• Por defeito de finalidade: O desvio de finalidade, segundo o nosso direito positivo, “se veri-
fica quanto o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamen-
te, na regra de competência” (Lei 4.717/65, art. 2º, p. único, e). Todo e qualquer ato administrativo,
seja vinculado ou discricionário, deve ter por finalidade o interesse público. Esta deve ser a inten-
ção legal do ato, sendo que “o defeito de legalidade que incide sobre este elemento é a traição
daquela intenção legal, que se dá quando o agente desvia sua competência, ou seja, o poder-dever
de agir de que está investido, para prosseguir outro interesse que não o público, visando a uma
finalidade diferente daquela que, estando ínsita na regra de competência, deveria ser, necessaria-
mente, a única determinante de sua ação. O defeito de finalidade poderá ocorrer, ainda, sempre
441
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
442
Idem.
443
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
444
MELLO, Curso..., cit.
252
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
que o agente, ao praticar um ato administrativo discricionário, não observe os limites do exercício
da discricionariedade. Esses limites vinculam a Administração de modo a manter sua atividade dis-
cricionária não só orientada como balizada pela satisfação do interesse público definido em lei, pois
a inobservância desses lindes não é um problema de incorreta avaliação do mérito, mas de violação
indireta da lei e, portanto, um defeito de finalidade a ser corrigido”.445 A liberdade da Administra-
ção no exame da conveniência e da oportunidade (mérito administrativo) não é absoluta, pois o ato
sempre carregará consigo um elemento vinculado, que é a realização do interesse público. Por isso
a doutrina costuma apontar não haver discricionariedade quanto à finalidade.446
• Por defeito de forma: Segundo o art.2º, p. único, b, da Lei 4.717/65, “o vício de forma con-
siste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à exis-
tência ou seriedade do ato”. Deve-se atentar, contudo, em cada caso, se a forma é ou não essencial
à constituição do ato administrativo. Seabra Fagundes entende que podem ocorrer duas situações:
1) preterição de forma expressamente prevista na lei; 2) preterição de forma necessária ao alcance
da finalidade.447 Como esclarece Maria Sylvia, “o ato é ilegal, por vício de forma, quando a lei ex-
pressamente exige ou quando determinada finalidade só possa ser alcançada por determinada
forma. Exemplo: o decreto é a forma que deve revestir o ato do Chefe do Poder Executivo; o edital
é a única forma possível para convocar os interessados em participar de concorrência”.448
• Por defeito de objeto: “A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa
em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo” (art. 2º, p. único, d, da Lei 4.717/65). Sali-
entando que o objeto deve ser lícito, possível, moral e determinado, a doutrina enumera as hipóte-
ses em que o ato administrativo será nulo por vício relativo ao objeto: “1. proibido por lei; por e-
xemplo: um Município que desaproprie bem imóvel da União; 2. diverso do previsto na lei para o
caso o qual incide; por exemplo: a autoridade aplica a pena de suspensão, quando cabível a de re-
preensão; 3. impossível, porque os efeitos pretendidos são irrealizáveis, de fato ou de direito; por
exemplo: a nomeação para um cargo inexistente; 4. imoral; por exemplo: parecer emitido sob en-
445
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
446
FAGUNDES, O controle..., cit.
447
Idem.
448
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
449
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
253
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
comenda, apesar de contrário ao entendimento de quem o profere; 5. incerto em relação aos des-
tinatários, às coisas, ao tempo, ao lugar; por exemplo: desapropriação de bem não definido com
precisão”.450
Cumpre salientar que a ocorrência de vícios nos elementos dos atos administrativos nem
sempre é de fácil constatação, mormente quando se tratarem de atos com baixo grau de vincula-
ção e, consequentemente, com elevado grau de discricionariedade. Isso levou a doutrina a elaborar
uma série de teorias com a finalidade de facilitar a detecção de irregularidades. Vejamos as princi-
pais elaborações a respeito do tema:
2. Teoria dos motivos determinantes: Também construída a partir das decisões do Conselho
de Estado e sistematizada por Gaston Jèze. Celso Antônio diz que a invocação de motivos falsos,
inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido,
antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato, bem como se o agente enunciar os
motivos em que se calcou ainda quando não esteja obrigado a enunciá-los.451
Ressalte-se, todavia, que o poder de anular não é absoluto e nem sempre poderá a Adminis-
tração desfazer um ato administrativo inválido. Neste sentido, a doutrina aponta a existência de
limites formais e temporais à correção do ato.
No que concerne aos limites formais ao poder de anular, o ato de invalidação sempre haverá
de seguir o devido processo legal no âmbito administrativo, com as garantias constitucionais da
450
DI PIETRO, Curso..., cit.
451
MELLO, Curso..., cit.
452
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva.
453
FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros.
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DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ampla defesa e do contraditório. Significa dizer que a anulação de atos administrativos, que tenham
gerado benefício ao administrado, pressupõe um procedimento em que se garanta a este o direito
de pugnar pela manutenção do ato. Esse tem sido o entendimento do STF em diversos preceden-
tes.
Ainda como limite formal, doutrina e jurisprudência assinalam que, caso a validade do ato já
tenha sido objeto de questionamento judicial já exaurido, a Administração não pode ir de encontro
à coisa julgada. Aponta-se até mesmo a figura da coisa julgada administrativa, que é a qualidade
pela qual determinada decisão tomada pela Administração Pública se torna irretratável perante
esta, isto é, enseja a imodificabilidade da decisão na esfera administrativa, sem prejuízo, todavia,
de apreciação na esfera judicial. A reapreciação da matéria em juízo somente é possível se a deci-
são administrativa tiver sido proferida contra os interesses do administrado e este, inconformado,
tenha buscado amparo perante o Poder Judiciário. Vale dizer, não cabe à Administração Pública,
após transitada em julgado a questão na via administrativa, favoravelmente ao administrado (atos
ampliativos), pleitear no Judiciário a modificação da decisão. A decisão administrativa favorável ao
administrado goza de definitividade absoluta em relação à Administração. Nada impede, porém,
que eventual terceiro prejudicado acione o Judiciário, podendo fazê-lo também o Ministério Públi-
co nos casos em que este tenha legitimidade ativa.
No tocante aos limites temporais ao poder de anular, há de ser observado o prazo decaden-
cial de cinco anos, quando o ato tenha produzido efeitos favoráveis ao administrado, salvo compro-
vada má-fé (art.54 da Lei 9.784/99).
Pela redação do dispositivo legal, o prazo decadencial somente incide na ausência de com-
provada má-fé (seja do administrado, seja da Administração). Juarez Freitas454, no entanto, entende
que mesmo havendo má-fé haverá de ser observado algum prazo decadencial, porque, salvo as
situações de imprescritibilidade expressas na CF (crimes imprescritíveis, ressarcimento de dano por
improbidade), não se poderia admitir, em nome da segurança jurídica, que se pudesse anular a
qualquer tempo. Entende o jurista que o prazo aí continuaria sendo de 5 anos, mudando apenas a
forma de contagem, isto é, contando-se não do momento da configuração do vício (data do fato),
mas sim do momento da ciência do ato lesivo pela Administração. Mas como a má-fé enseja a con-
figuração de improbidade, entende que nesse caso a indenização ao erário é imprescritível (CF, 37,
§5º) e, portanto, será sempre devida por quem deu causa ao ato.
Registre-se que, antes do advento da Lei 9.784/99, não havia previsão de decadência para a
anulação, de modo que o prazo de cinco anos somente passou a ser contado a partir da vigência da
nova legislação, consoante já assentado pelo STJ.
Por outro lado, se a anulação do ato administrativo é pretendida pelo administrado, deve es-
te observar também os prazos prescricionais ou de preclusão para acesso às instâncias administrati-
vas ou judiciais. Como leciona Hely Lopes, “a prescrição administrativa e a judicial impedem a anu-
lação do ato no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta por-
454
O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros.
255
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Tema que desafiou grandes debates na doutrina e na jurisprudência diz respeito aos efeitos
do desfazimento do ato administrativo, sobretudo quando ocorre a anulação.
A Súmula 473 do STF, já transcrita anteriormente, aborda o tema de forma geral ao prever
que a anulação dos atos inválidos, em regra, não produz qualquer efeito (porque deles não se origi-
nam direitos). Por isso se costuma dizer que a anulação produz efeitos ex tunc (ao contrário da
revogação, que produz efeitos ex nunc). Essa regra, todavia, não é absoluta, havendo casos em que,
mesmo se tratando de atos inválidos, deve ser também observada a segurança jurídica e a boa-fé
do administrado, bem como eventuais prejuízos patrimoniais por este sofrido. Tais aspectos devem
ser necessariamente sopesados, sem perder de vista, inclusive, que os atos administrativos gozam
de presunção de legitimidade, vale dizer, hão se ser considerados presumidamente válidos.
Almiro do Couto e Silva, pugnando pela ponderação nos casos concretos entre os princípios
da legalidade e da segurança jurídica, considera que “embora inexistente na órbita da Administra-
ção Pública o princípio da res judicata, a faculdade que tem o poder público de anular seus próprios
atos tem limites, não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no inte-
resse de proteger a boa-fé e a confiança”.456 Daí defender uma flexibilização e o temperamento do
rigor da Súmula 473. Na mesma linha de pensamento, Seabra Fagundes admite a flexibilização dos
efeitos da nulidade e a manutenção do ato viciado quando for mais conveniente para o interesse
público.457 Como parâmetros a levar em conta (além da legalidade), aponta a segurança jurídica, a
boa-fé, o respeito ao fato consumado, a vedação ao enriquecimento ilícito. Daí porque a maior
parte da doutrina contemporânea já reconhece “a persistência de efeitos em relação a terceiros de
boa-fé, bem como de efeitos patrimoniais pretéritos concernentes ao administrado que foi parte na
relação jurídica, quando forem necessários para evitar enriquecimento sem causa da Administração
e dano injusto ao administrado, se estava de boa-fé e não concorreu para o vício do ato”.458
Registre-se, porém, que não há como se estabelecer um padrão rígido de avaliação da segu-
rança jurídica e da boa-fé dos administrados, em confronto com o exame de legalidade dos atos
administrativos no que toca ao alcance dos seus efeitos. Na verdade, a prática tem demonstrado
que a solução jurídica deve ser buscada em cada caso concreto, com base em critérios de razoabili-
dade. Isto porque nem sempre a nulidade de um ato administrativo é manifesta, pois muitas vezes
depende da forma como a Administração Pública interpretou a lei, sendo comum a mudança de
interpretação em prejuízo dos administrados. Em casos tais, o direito positivo brasileiro, apesar de
reconhecer a possibilidade de a Administração empregar nova interpretação da norma administra-
tiva de forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, dispõe ser vedada
455
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
456
RDA, 237/271-315, Rio de Janeiro, jul.-set./2004.
457
FAGUNDES, O controle..., cit.
458
MELLO, Curso..., cit.
256
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a aplicação retroativa da nova interpretação (Lei 9.784/99, art.2o, p. único, XIII), o que significa
dizer que devem ser resguardados os efeitos do ato anulado.
Outro tema relacionado aos vícios dos atos administrativos é o da convalidação (também
chamada de sanatória), ou seja, a atividade pela qual a Administração busca sanear um ato admi-
nistrativo que, embora apresente defeito de legalidade, deve ser mantido em prol do interesse
público. Dispõe o art. 55 da Lei 9784/99 que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem
lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis
poderão ser convalidados pela própria Administração”. Frise-se que somente os vícios sanáveis
comportam convalidação, havendo situações em que tal não é admitida.
Não obstante a redação do art. 55 da Lei 9.784/99, os autores divergem sobre a natureza da
convalidação, se trata-se de um dever ou de mera faculdade. Classicamente sempre se reputou
como sendo uma atividade discricionária da Administração, a quem caberia verificar a conveniência
e oportunidade da medida sanatória, a depender da ponderação do caso concreto. Discordando
desse pensamento, Weida Zancaner sustenta que, em regra, não existe discricionariedade entre
convalidar ou invalidar um ato administrativo. Ou é caso de convalidação ou é caso de invalidação.
A autora somente admite discricionariedade entre anular e convalidar numa única situação, qual
seja, o de ato discricionário praticado por autoridade incompetente (tendo a autoridade competen-
te opção entre convalidá-lo, se reputar adequado, ou invalidá-lo se não).460 Celso Antônio Bandeira
de Mello também não aceita o entendimento de que o poder de convalidar seja uma mera faculda-
de da Administração. Para ele, sempre que possível for a convalidação (atos que não acarretarem
lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros), deverá o Administrador assim proceder.461
459
PIETRO, Direito Administrativo, cit.
460
ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros.
461
MELLO, Curso..., cit.
257
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Logo, a expressão “poderão ser convalidados”, constante no art.55 da Lei 9.784/99, há de ser inter-
pretada em conformidade com os demais princípios gerais de Direito, não como mera faculdade,
mas, sim, como autêntico dever-poder.
Concluindo o presente tópico, convém apontar que, além das duas figuras clássicas acima
mencionadas - a anulação (por vício de legalidade, pela Administração ou pelo Judiciário, em regra
com efeito ex tunc) e a revogação (por conveniência e oportunidade, pela Administração, com efei-
to ex nunx) - a doutrina reconhece ainda outras três categorias de retirada do ato administrativo.
A primeira delas é a cassação (também chamada de “caducidade fática”), que ocorre especi-
ficamente quando o particular deixa de cumprir certas condições necessárias para que continue a
se beneficiar dos efeitos do ato, cessando os pressupostos fáticos de legalidade que o embasaram.
Enquanto a revogação se dá por ato discricionário, a cassação será sempre vinculada. Como exem-
plifica Daniele Talamini, a autorização para porte de arma pode ser cassada se o seu titular deixar
de exercer profissão que o exponha a risco ou passe a conduzir a arma ostensivamente em locais
públicos.462 Outro exemplo seria a cassação de licença para edificar, se o interessado deixa de ob-
servar o projeto anteriormente aprovado pela autoridade municipal.
Por fim, tem-se a contraposição, que acontece quando um outro ato administrativo, decor-
rente do exercício de competência administrativa diversa, acaba por ir de encontro aos efeitos do
ato originário, implicando, na prática, a sua retirada. Assim, por exemplo, o ato de interdição de um
parque municipal, por razões de segurança pública, termina por desfazer ato administrativo anteri-
or que havia concedido ao particular o uso privativo de um box localizado na área interna do mes-
mo parque. O segundo ato não anulou nem revogou o primeiro. Mas com ele se contrapôs, retiran-
do-lhe a eficácia jurídica.
PROCESSO ADMINISTRATIVO
Já vimos que, no desempenho das diversas atividades estatais, em sua relação com os parti-
culares ou ainda entre seus próprios órgãos e entes, a Administração pratica uma série de atos
administrativos, emitindo declarações das mais variadas, constituindo, modificando ou desconstitu-
indo direitos e obrigações, aplicando sanções etc.; atos como, por exemplo, a licença de pesca, a
nomeação de servidor público, a ordem de serviço, o alvará de construção, o auto de infração de
trânsito, o parecer administrativo, o confisco de mercadoria, dentre outros.
462
TALAMINI, Daniele. Revogação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros.
258
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Alguns desses atos administrativos são praticados sem maiores formalidades, sobretudo
quando não atingem a esfera de interesses de terceiros ou ainda quando o interesse público justifi-
que a execução instantânea do ato. Todavia, como na maioria das vezes a Administração pratica
atos que interferem no patrimônio jurídico de administrados ou de seus agentes, ou, ainda, atos
sujeitos a instâncias de controle, o Poder Público deve se valer necessariamente de um mecanismo
formal prévio antes de tomar a decisão. Tem-se, então, “hipóteses em que os resultados pretendi-
dos são alcançados por via de um conjunto de atos encadeados em sucessão itinerária até desem-
bocarem no ato final” 463, consubstanciando fases que devem anteceder à edição deste, tais como
a realização de vistorias ou inspeções, a prestação de informações, a elaboração de pareceres, in-
timações, oitiva de testemunhas, dentre outras diligências que a lei reputar necessárias, a depen-
der da situação.
Daí decorre a noção de processo administrativo como um conjunto de atos ordenados, cro-
nologicamente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa questão de natureza
administrativa. 464 Em outras palavras, é o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos
e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Adminis-
tração. 465
Considerando a forma federativa do Estado brasileiro, todos os entes políticos (União, Esta-
dos, DF e Municípios) à princípio detêm competência para legislar sobre normas de processo ad-
ministrativo, eis que é por meio destas normas que se estabelecem os parâmetros de atuação de
toda a administração pública brasileira, o que leva a que cada entidade federativa possa tratar da
matéria no âmbito de suas respectivas competências administrativas. Cuida-se, portanto, de com-
petência legislativa privativa de cada ente político, razão pela qual, como assevera Hely Lopes, “o
processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal, para todas as entidades
estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”. 466 Daí porque a Lei 9.784/99, conhecida como
Lei de Processo Administrativo (LPA), somente se dispõe a regular o processo administrativo no
âmbito da administração pública federal, cabendo aos Estados, Distrito Federal e Municípios insti-
tuírem as suas próprias disposições sobre o tema. Vale dizer, a Lei 9.784/99 tem caráter federal (e
não nacional), tendo muitos Estados e alguns Municípios já editado estatutos locais regulando o
processo administrativo no âmbito das suas respectivas administrações.
No âmbito da União, a referida Lei 9.784/99 aplica-se integralmente aos processos adminis-
trativos federais, desde que não haja outra lei tratando especialmente de determinada modalidade
processual. Se houver lei específica (v.g., a Lei 8.112/90, ao tratar do processo administrativo disci-
plinar dos servidores civis), a LPA aplica-se apenas subsidiariamente.
PRINCÍPIOS
463
MELLO, Curso..., cit.
464
GASPARINI, Direito administrativo, cit.
465
CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual..., cit.
466
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
259
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O art. 2º, Lei 9.784/99, aponta princípios do processo administrativo, com destaque para a
legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Ao lado disso, em seu parágrafo
único, a referida regra alude a critérios a serem observado, citando, entre outros:
Art. 2º (...)
I - atuação conforme a lei e o Direito; (juridicidade)
II - atendimento a fins de interesse geral (finalidade), vedada a renúncia total ou parcial
de poderes ou competências, salvo autorização em lei; (indisponibilidade)
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de
agentes ou autoridades; (impessoalidade)
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; (moralidade)
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previs-
tas na Constituição; (publicidade)
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e san-
ções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse
público; (proporcionalidade)
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão; (moti-
vação)
VIII - observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
(devido processo legal)
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, se-
gurança e respeito aos direitos dos administrados; (formalismo moderado)
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção
de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e
nas situações de litígio; (contraditório e ampla defesa)
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei; (gra-
tuidade)
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos inte-
ressados; (impulso oficial)
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimen-
to do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação. (se-
gurança jurídica)
SUJEITOS
Como sujeitos de uma relação processual, os administrados têm direitos e deveres perante a
Administração Pública. Dentre os direitos, a Lei 9.784/99 prevê os seguintes:
Art. 3º. (...)
I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exer-
cício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;
II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de
interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer
as decisões proferidas;
III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto
de consideração pelo órgão competente;
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a repre-
sentação, por força de lei.
260
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Estabelece, ainda, que são capazes, para fins de processo administrativo, os maiores de 18
anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.
COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA
A Lei contém ainda regras gerais sobre a competência administrativa, que como se sabe é o
plexo de atribuições fixadas para um agente, órgão ou entidade públicos. Estabelece que a compe-
tência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria,
salvo os casos de delegação e avocação legalmente admitidos.
Na delegação,
“as competências recebidas são atribuídas a outrem, geralmente um subordina-
do, com o objetivo de assegurar maior rapidez e eficiência às decisões, colocando-
se, desse modo, na proximidade dos fatos o agente competente para dar o neces-
467
sário atendimento.”
467
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
261
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O ato de delegação e sua revogação deverão ser publicados no meio oficial, especificando-se
as matérias e poderes transferidos, os limites da atuação do delegado, a duração e os objetivos da
delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva de exercício da atribuição delegada. É revo-
gável a qualquer tempo pela autoridade delegante, sendo que as decisões adotadas por delegação
devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão editadas pelo delegado.
Além a delegação, a Lei 9.784/99 permite, em caráter excepcional e por motivos relevantes
devidamente justificados, a avocação temporária de competência, quando a autoridade superior
chama para si funções atribuídas ao seu subordinado.
“Essa prática, apesar de legal, não deve ser abusiva, dados os inconvenientes que
podem trazer a exemplo da deslocação, da diminuição e da extinção dos níveis
468
ou graus dos recursos administrativos e o fato de desprestigiar o subordinado.”
Em síntese, para se constatar qual a autoridade competente para praticar determinado ato
administrativo, deve-se primeiro examinar se existe lei atribuindo competência específica e se exis-
te algum ato de delegação ou avocação de atribuições. Inexistindo competência legal específica, o
processo administrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para
decidir.
Apesar de todas essas regras previstas na Lei 9.784/99, Celso Antônio adverte que
“tanto o tema da delegação quanto o da avocação estão tratados na lei de modo
um tanto ambíguo. Com efeito, desde logo observa-se que, por força da redação
do art. 11, tem-se de depreender que ambas as figuras só podem ter lugar, como
dito, nos casos legalmente admitidos. Já no art. 12 está dito coisa diversa, isto é,
que um órgão administrativo e seu titular poderão delegar parte de sua compe-
tência se não houver impedimento legal, o que é coisa muito distinta de só poder
delegar havendo permissão legal. Quanto à avocação, no art. 15 prevê-se que, em
caráter excepcional e por motivos relevantes, poderá ser temporariamente avo-
cada a competência do órgão hierarquicamente inferior. Ora, se em relação a ela
só foi mencionada sua possibilidade nos casos admitidos em lei, perde sentido a
menção ao ‘caráter excepcional e por motivos relevantes’, pois esta seria questão
469
já resoluta em nível legal.”
Por força do princípio do formalismo moderado (que alguns chamam de informalismo), tal
como contemplado na Lei 9.784/99, os atos do processo administrativo não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir. Devem ser produzidos por escrito, em
vernáculo, com a data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. Salvo
imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de auten-
ticidade. A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administra-
tivo. O processo deverá ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.
468
Idem.
469
MELLO, Curso..., cit.
262
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Como também previsto na LPA, o órgão competente perante o qual tramita o processo ad-
ministrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de
diligências, observando-se a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de compareci-
mento. A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebi-
mento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. No caso de
interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser
efetuada por meio de publicação oficial. As intimações serão nulas quando feitas sem observância
das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade. O
desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia
a direito pelo administrado. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defe-
sa ao interessado. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interes-
sado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os
atos de outra natureza, de seu interesse.
FASES
A doutrina em geral aponta quatro fases do processo administrativo: a fase de instauração; a
fase de instrução, a fase de relatório e a fase de julgamento. Tratando-se de procedimento acusa-
tório ou punitivo, deverá haver também outra fase, chamada fase de defesa, geralmente situada
entre a instrução e o relatório. Celso Antônio menciona ainda as fases controladora e de comuni-
cação. 470
470
MELLO, Curso..., cit.
263
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
para recebimento de comunicações, a formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus
fundamentos, data e assinatura do requerente ou de seu representante. É vedada à Administração
a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado
quanto ao suprimento de eventuais falhas, cabendo elaborar modelos ou formulários padronizados
para assuntos que importem pretensões equivalentes. Quando os pedidos de uma pluralidade de
interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único
requerimento, salvo preceito legal em contrário. Uma vez instaurado o processo administrativo,
será o mesmo autuado e numerado. Em certos casos, notadamente nas reclamações disciplinares
propostas contra determinadas autoridades, a lei oportuniza o contraditório antes mesmo da ins-
tauração do processo (defesa prévia), evitando com isso a abertura de procedimentos temerários,
sem o mínimo de indícios contra o agente público.
Na fase de instrução, também chamada de preparatória, segue-se a apuração dos fatos que
são objeto do processo, o que se dá por meio de exame de documentos e coleta de novas provas
(depoimentos dos interessados, inquirição de testemunhas, elaboração de perícia, inspeções etc.).
Como também disposto na Lei 9.784/99, a instrução do processo cabe primordialmente à Adminis-
tração (princípio do impulso oficial), sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações
probatórias. O órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à
decisão do processo. Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se
do modo menos oneroso para estes. A instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando
tudo o que deveria ser produzido para o convencimento e prolação da decisão da Administração
Pública foi efetivamente realizado”. 471 Não se deve, porém, estender demasiadamente a instrução,
perpetuando o procedimento.
A Lei prevê ainda que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo ad-
ministrativo, o que, aliás, já vem expresso na Constituição Federal de 1988 e é amplamente abor-
dado na doutrina e na jurisprudência. Por outro lado, somente poderão ser recusadas, mediante
decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinen-
tes, desnecessárias ou protelatórias. Admite-se a prova emprestada, ou seja, aquela produzida em
processo anterior, a fim de que não seja necessária produzi-la novamente. Incide no caso o princí-
pio da economia processual. Para tanto, faz-se necessário que a prova tenha sido produzida regu-
larmente, com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem co-
mo verse sobre situação análoga a que se pretende provar no processo atual.
Quando a decisão envolver a assuntos de interesse geral da coletividade, a LPA prevê a pos-
sibilidade de serem realizadas prévias consultas públicas, audiências públicas ou outros meios de
participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmen-
te reconhecidas. A Lei estabelece também que, quando necessária à instrução do processo, poderá
haver audiência de outros órgãos ou entidades administrativas, a ser realizada em reunião conjun-
471
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
264
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a res-
pectiva ata, a ser juntada aos autos.
Ainda conforme o texto legal, quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consulti-
vo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou compro-
vada necessidade de maior prazo. O parecer, mesmo quando obrigatório, nem sempre é vinculante,
caso em que se deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser
decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento.
Mas se a lei considerar o parecer como vinculante, o processo não terá seguimento até a respectiva
apresentação, responsabilizando-se quem der causa ao atraso.
A fase de defesa, obrigatória nos procedimentos acusatórios ou punitivos, por meio dos
quais se busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público), geralmente vem
em seguida à instrução, com a conclusão da produção de provas. Portanto, a ampla defesa é exerci-
tada difusamente ao longo da instrução, através do contraditório (eis que ao acusado se propicia a
participação na produção das provas e dos demais atos instrutórios), bem como concentradamente
na fase de alegações finais (quando então, com vistas aos fatos elucidados na instrução, apresenta
a sua defesa escrita). No âmbito federal, prevê a Lei 9.784/99 que, uma vez encerrada a instrução,
o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for
legalmente fixado.
Na jurisprudência brasileira, a questão também veio sendo alvo de debates, o levou o STJ a
editar a sua Súmula 343, prevendo a necessidade de advogado nos processos disciplinares, o que,
poucos dias depois, todavia, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal de-
fesa técnica, nos termos da Súmula Vinculante 5:
Súmula Vinculante 5. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo
disciplinar não ofende a Constituição.
Destarte, a presença de advogado somente é obrigatória se houver lei específica assim dis-
pondo.
472
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
473
FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso..., cit.
265
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Na fase controladora, também chamada de integrativa, autoridades diversas das que parti-
ciparam até então verificam se houve satisfatório transcurso das fases anteriores e se o decidido
deve ser confirmado ou infirmado. 475 Esta fase somente ocorrerá nas hipóteses em que a legislação
estabelecer, no bojo do procedimento, um mecanismo de controle necessário a referendar a deci-
são.
Por fim, na fase de comunicação, procede-se à intimação dos interessados para que tenham
ciência da decisão proferida pela Administração, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposi-
ção de eventual recurso administrativo.
Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito (art.
56, Lei 9.784/99). Com a interposição do recurso, dá-se início à fase recursal, sendo inicialmente
dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias,
encaminhará o recurso à autoridade superior. O recurso administrativo tramitará no máximo por
três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa.
Ensina Hely Lopes Meirelles que os recursos administrativos, em sentido amplo, compreen-
dem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito, abrangem
os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Vejamos separadamente cada
uma dessas modalidades, na esteira dos ensinamentos do renomado administrativista:
474
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
475
MELLO, Curso..., cit.
266
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
4. Recursos hierárquicos: “são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância supe-
rior da própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus as-
pectos. Podem ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra;
o efeito excepcional suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou
no despacho de recebimento do recurso. Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador,
classificam-se em próprios e impróprios. Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à
autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato
recorrido. Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estra-
nho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, co-
mo ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e
municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as
condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em
que tem cabimento. (...) Vão se tornando comuns esses recursos na instância final das autar-
quias e entidades paraestatais, em que a autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da
Secretaria de Estado a que a entidade se acha vinculada (não subordinada).” 479
Não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, aplica-se a norma geral da
Lei 9.784/99, que prevê o prazo de dez dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da
decisão recorrida. O órgão competente para dele conhecer deverá então intimar os demais interes-
sados para que, no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.
476
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
477
Idem.
478
Ib idem.
479
Ib idem.
480
Ib idem.
267
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão re-
corrida;
III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses co-
letivos;
IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.
O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fun-
damentos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes. Salvo
disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo, mas havendo justo receio de
prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imedia-
tamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.
Tema polêmico diz respeito à eventual previsão legal de depósito prévio ou outro tipo de ga-
rantia condicionadora ao conhecimento do recurso. A Lei 9.784/99 dispõe que, salvo exigência le-
gal, a interposição de recurso administrativo independe de caução (art. 56, §2º). Logo, pela dicção
do texto, extrai-se que uma lei específica poderia vir a prever algum tipo de garantia prévia ou de-
pósito recursal. A questão foi amplamente discutida perante os nossos tribunais, tendo o STF inici-
almente se posicionado pela constitucionalidade do depósito prévio, ao fundamento de que se a
Carta Magna sequer previa a garantia do duplo grau na via administrativa, nada obstaria que even-
tual recurso dependesse de algum tipo de garantia. Recentemente, contudo, o STF reviu esta posi-
ção, passando a adotar o entendimento de que é inconstitucional a exigência de depósito prévio
como condição à admissibilidade de recurso administrativo481.
Quando a lei não fixar prazo diferente, a LPA federal prevê que o recurso administrativo de-
verá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão
competente. Este prazo poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. O ór-
gão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou
parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. Se disso decorrer gravame
à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da
decisão.
Registre-se que, salvo disposição legal específica, não se aplica na via recursal administrativa
a proibição do non reformatio in pejus, típica do processo judicial. Vale dizer, no processo adminis-
trativo o julgamento do recurso pode vir a piorar ainda mais a situação do recorrente. Trata-se de
uma decorrência do princípio da verdade real, segundo o qual a Administração, em qualquer de
481
ADI 1976-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 05/06/2007
268
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
suas instâncias, deve sempre investigar a real verdade dos fatos com vistas ao cumprimento objeti-
vo da lei.
Isso não vale, contudo, no caso de revisão do processo, que, como previsto na Lei 9.784/99,
pode ser feita a qualquer tempo (a pedido ou de ofício, desde que surjam fatos novos ou circuns-
tâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada) e não poderá resultar
em agravamento da sanção aplicada ao administrado.
Em suma, a proibição do non reformatio in pejus não vigora na via administrativa, exceto pa-
ra o pedido de revisão.
LICITAÇÃO
CONCEITO DE LICITAÇÃO
A fim de bem desempenhar as atividades que lhe são
incumbidas pela Constituição e pelas leis, o Estado dispõe de
uma estrutura administrativa própria, de forma a executar
diretamente suas funções. Chama-se execução direta a que
é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos
próprios meios (art. 6º, VII, Lei 8.666/93).
Marçal Justen explica que a contratação de terceiros para a execução de atividades adminis-
trativas deve-se a fatores econômicos e políticos. Economicamente falando, num sistema capitalis-
ta “o Estado não dispõe de conhecimentos, de recursos materiais ou de pessoal necessários para a
execução de serviços ou a produção de bens de que necessita”, sendo mais vantajoso recorrer à
iniciativa privada, sobretudo nas situações em que “a remuneração paga aos particulares é inferior
ao montante que o Estado desembolsaria para produzir o mesmo objeto mediante a sua própria
atuação direta”. 482 Pode-se então considerar a terceirização como uma estratégia política, na me-
dida em que evita o crescimento desmensurado da máquina estatal, tal como determinado no art.
10, § 7º, DL 200/67. Sob aspecto político, como num regime democrático é
482
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética.
269
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Assim sendo, o Estatuto das Licitações, em seu art. 3º, faz referência aos seguintes princípios
básicos: da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Igualdade, da Publicidade, da Pro-
bidade Administrativa, da Vinculação ao Instrumento Convocatório, do Julgamento Objetivo.
Além desses, alude aos princípios correlatos (derivam dos princípios básicos) previstos ao longo do
texto da lei, quais sejam: da Competitividade (art. 3º, §1º, I), da Indistinção (art. 3º, §1º, II), da
Padronização (art. 11), da Inalterabilidade do Edital (art. 41), do Sigilo das Propostas (art. 43, §1º),
da Vedação à Oferta de Vantagens (art. 44, §2º), da Ampla Defesa (art. 87). Outrossim, a doutrina
ainda faz menção aos princípios do Formalismo Procedimental, da Obrigatoriedade e da Adjudica-
ção Compulsória. Outro princípio de suma importância, acrescentado ao texto do art. 3º, Lei
8.666/93, é o princípio da Licitação Sustentável.
Ressalte-se que, como assinala Bandeira de Mello, “os autores dissentem quanto ao número
de princípios da licitação. Em geral, todavia, a discordância radica-se em que fundem ou desdobram
483
Idem.
484
MELLO, Curso..., cit.
485
Idem, p.468.
270
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
os mesmos preceitos”. 486 A seguir, vamos estudar, em síntese, cada princípio separadamente, lem-
brando que muitos deles estão em estreita conexão, tornando o estudo inevitavelmente repetitivo
em alguns pontos da argumentação. Isso acontece porque os princípios correlatos servem de refor-
ço normativo específico para o valor geral consubstanciado no princípio básico.
▶ Princípio da Igualdade (ou da Isonomia): Está expresso no art. 37, XXI, da Carta Magna,
quando contempla a “igualdade de condições a todos os concorrentes”. Significa dizer que todos os
concorrentes devem ter a mesma expectativa de poder contratar com a Administração Pública.
Segundo Celso Antônio,
“implica o dever não apenas de tratar isonomicamente todos os que afluírem ao
certame, mas também o de ensejar oportunidade de disputá-lo a quaisquer inte-
ressados que, desejando dele participar, podem oferecer as indispensáveis condi-
487
ções de garantia.”
Observa-se aqui a estreita relação com o princípio da impessoalidade, de forma mais uma
vez a se assegurar um processo licitatório imune de privilégios a determinado concorrente. Como
consequência do princípio da igualdade, aponta-se os princípios correlatos tais como o da competi-
tividade e o da indistinção.
486
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
487
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
271
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Conforme precedente do STJ, o interesse público reclama o maior número possível de con-
correntes, configurando ilegalidade a exigência desfiliada da lei básica de regência e com interpre-
tação de cláusulas editalícias impondo condição excessiva para a habilitação.489
“Significa que a Administração não pode adotar medidas ou criar regras que
comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo da licitação. Em ou-
tras palavras, deve o procedimento possibilitar a disputa e o confronto entre os li-
citantes, para que a seleção se faça da melhor forma possível. Fácil é verificar
que, sem a competição, estaria comprometido o próprio princípio da igualdade, já
490
que alguns se beneficiariam à custa do prejuízo de outros.”
Por outro lado, é preciso lembrar que o princípio da igualdade (com seus corolários da com-
petitividade e da indistinção) não deve ser compreendido de modo absoluto, sendo admissível que
a legislação adote certas diferenciações, desde que plenamente justificadas pela ponderação da
igualdade com outros princípios constitucionais. Daí porque a própria lei de licitações, em diversas
passagens, admite tratamento diferenciado por razões de interesse público, como acontece, por
exemplo, no tratamento preferencial dado a microempresas e empresas de pequeno porte (já
acolhido pelo art. 5º-A, Lei 8.666/93, e de acordo com dispositivos da LC 123/06). Por força da Lei
11.488/07, esse mesmo tratamento privilegiado foi estendido a sociedades cooperativas com re-
ceita anual equivalente à das microempresas e empresas de pequeno porte.
Ao lado disso, a Lei 8.666/93 (art. 3º, §2º) estabelece critérios de desempate que prestigiam
determinados licitantes em razão de políticas públicas afirmativas, dispondo que em igualdade de
condições será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
a) produzidos no País;
488
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
489
STJ, REsp 5.601/DF, rel. Min. Demócrito Reinaldo.
490
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
491
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
272
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Além dos referidos critérios de desempate, a Lei 8.666/93 (art. 3º, §§5º a 12) prevê ainda
que possam ser estabelecidas, por regulamento do Poder Executivo federal, margens de preferên-
cia para produtos e serviços nacionais, não podendo a soma delas ultrapassar o montante de 25%
sobre o preço dos produtos e serviços estrangeiros. O objetivo da norma é incentivar a indústria
brasileira, significando que mesmo quando certos produtos e serviços nacionais, especificados no
regulamento, sejam um pouco mais caros do que os importados (até o limite estabelecido no de-
creto, respeitado o máximo de 25%), será dada preferência aos nacionais. Prevendo margens de
preferência, pode-se citar alguns decretos federais: Decreto 8.224/14 (aquisição de máquinas e
equipamentos); Decreto 7.903/13 (aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e co-
municação); Decreto 7.767/12 (aquisição de produtos médicos); Decreto 7.756/12 (aquisição de
produtos de confecções, calçados e artefatos) etc.
Ressalte-se que a margem de preferência apenas assegura uma vantagem competitiva para
produtos e serviços nacionais e não propriamente uma proibição aos seus congêneres estrangeiros.
Daí porque o TCU já considerou injustificável a vedação, no edital, a produtos e serviços estrangei-
ros 492, de modo que, quando a diferença de preço estiver acima do limite fixado no regulamento
executivo, não caberá a preferência.
492
TCU, Ac. 286/2014, rel. Min. José Múcio Monteiro.
493
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
273
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
494
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
495
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitações e Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Esplanada.
274
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
por uma comissão de padronização. Todavia, não deve se transformar numa premissa absoluta,
comportando as exceções que forem do interesse público, de modo que a padronização deixará de
ser feita quando não for possível ou vantajosa para a Administração Pública. Além disso, deve se ter
cuidado para, a pretexto de padronizar, não se frustrar a realização de licitação, impedindo a com-
petição. Como destaca Diógenes Gasparini,
“a padronização, seja pela escolha de um marca, seja pela entronização de um es-
tander próprio, não pode ser meio, instrumento, para beneficiar ou prejudicar
fornecedores; nem utilizada como fim em si mesma, isto é, padronizar por padro-
nizar.”
▶ Princípio da Ampla Defesa: Sendo de aplicação geral no tocante aos atos estatais, pratica-
dos na esfera administrativa ou judicial (art. 5º, LV, CF), em tema de licitações a ampla defesa tor-
na-se especialmente imprescindível, propiciando aos licitantes afastar eventuais obstáculos que lhe
forem opostos à habilitação ao certame, à classificação ou à contratação. O respeito à ampla defesa
garante a própria eficácia da competição. No tocante a aplicação de sanções administrativa, o art.
87, Lei 8.666/93, dispõe expressamente sobre a necessidade de prévia defesa.
496
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
497
CARVALHO FILHO, Manual... , cit.
275
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
498
Idem.
276
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Cumpre examinar as situações em que cada uma dessas modalidades pode ser adotada, veri-
ficando em seguida os procedimentos empregados.
499
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
277
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Existindo na praça mais de 3 possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para obje-
to idêntico ou assemelhado, é obrigatório o convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto
existirem cadastrados não convidados nas últimas licitações. Quando, por limitações do mercado
ou manifesto desinteresse dos convidados, for impossível a obtenção do número mínimo de licitan-
tes, essas circunstâncias deverão ser devidamente justificadas no processo, sob pena de repetição
do convite.
500
MELLO, Curso..., cit.
278
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
▶ Leilão: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens mó-
veis inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou
para a alienação de bens imóveis prevista no art. 19, Lei 8.666/93, a quem oferecer o maior lance,
igual ou superior ao valor da avaliação. Refere-se em regra à venda de bens móveis, admitindo-se
também em relação aos semoventes. No caso de bens imóveis, a regra é a realização de concor-
rência e o leilão somente poderá ser utilizado quando se tratar de imóveis cuja aquisição haja deri-
vado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento (art. 19). Convém ressaltar que
“os bens móveis mencionados são inservíveis para a Administração, o que não
significa que não tenham utilidade para outras pessoas. Sucata de ferro, dormen-
tes, veículos etc. São bens de valor econômico, embora tenham perdido a utilida-
501
de ou a finalidade para as atividades concernentes à Administração Pública”.
Todo bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço
mínimo de arrematação. Os bens passíveis de serem levados a leilão são aqueles avaliados, isolada
ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto para as compras na tomada de preços
(arts. 17, §6º, e 23, II, “b”, Lei 8.666/93). A exemplo da concorrência, no leilão também há o requisi-
to de ampla publicidade, a fim de que se atraia o maior número possível de participantes. Os inte-
ressados oferecerão lances, sendo vencedor o que oferecer maior lance, igual ou superior ao valor
da avaliação. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial (leilão comum) ou a servidor designado
pela Administração (leilão administrativo).
501
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos Administrativos, São Paulo: Atlas.
502
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
279
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Assim, tem-se a etapa interna, por meio da qual se busca o planejamento da licitação, com a
identificação do objeto, a estimativa do valor da contratação, a escolha da modalidade adequada e
a previsão de reserva orçamentária para fins de empenho.
A Lei conceitua o projeto básico como sendo o conjunto de elementos necessários e suficien-
tes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou
serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares,
que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreen-
dimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de
execução. Deve ser elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que as-
segurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento de impacto ambiental do empreendimen-
to.
Além do projeto básico, pode haver nessa etapa interna a elaboração de um projeto executi-
vo, definido pela lei como o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa
da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT.
503
Ib idem.
280
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“talvez uma das providências mais essenciais que a reforma da Lei de Licitações
deva conter seja a vedação à instauração de licitação de obra fundada apenas em
projeto básico. A existência do projeto executivo é uma garantia inafastável para
504
o interesse coletivo”.
No que concerne à fase interna na licitação destinada a compras, o Estatuto reza que ne-
nhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos
orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe
tiver dado causa. Como regra geral, deverá a Administração proceder a adequada caracterização do
objeto com vistas aos parâmetros estabelecidos no art. 15, Lei 8.666/93. Consoante orienta a Sú-
mula 177, TCU,
Súmula 177. A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispen-
sável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os
licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento,
pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipó-
tese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especifica-
ções mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.
O art. 39, Lei 8.666/93, menciona a necessidade de audiência pública, com antecedência mí-
nima de 15 dias da data prevista para a publicação do edital, sempre que o valor estimado para
uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a cem vezes
o limite previsto para a concorrência nas obras e serviços de engenharia. Consideram-se licitações
simultâneas aquelas com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores
a trinta dias e licitações sucessivas aquelas em que, também com objetos similares, o edital subse-
qüente tenha uma data anterior a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da lici-
tação antecedente.
▶ Edital: É através dele que a Administração leva ao conhecimento de todos o seu intento
em contratar determinado serviço, obra, alienação ou compra, discriminando o objeto da contrata-
ção e demais requisitos necessários ao certame.
O art. 21, Lei 8.666/93, faz menção aos avisos contendo os resumos dos editais das concor-
rências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, os quais devem ser publicados com
antecedência, ainda que realizados no local da repartição interessada. É o chamado aviso-resumo,
que deverá conter a indicação do local em que os interessados poderão ler e obter o texto integral
do edital e todas as informações sobre a licitação. Convém, portanto, não confundir o aviso-resumo
com o edital propriamente dito, pois, como esclarece Hely Lopes,
“o que a lei exige é a notícia da abertura da licitação, isto é, do aviso resumido do
edital, e não de seu texto completo, pois este os interessados obterão no local in-
dicado na comunicação. Nada impede, entretanto, que a Administração, em face
504
JUSTEN FILHO, Comentários... cit.
281
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O §2º do art. 21 trata dos prazos mínimos de convocação dos licitantes, a serem observados
entre a data da publicação do edital resumido (ou da expedição do convite no caso de convite).
O edital deverá conter no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da reparti-
ção interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção
de que será regida pela Lei 8.666/93, o local, dia e hora para recebimento da documentação e pro-
posta, bem como para início da abertura dos envelopes. Além dessas determinações básicas, há
uma série de elementos que deverão estar obrigatoriamente indicados no texto do edital, dentre
eles o objeto da licitação, em descrição sucinta e clara, o prazo e condições para assinatura do con-
trato ou retirada dos instrumentos, para execução do contrato e para entrega do objeto da licita-
ção, as sanções para o caso de inadimplemento, o local onde poderá ser examinado e adquirido o
projeto básico, se há projeto executivo disponível na data da publicação do edital de licitação e o
local onde possa ser examinado e adquirido, as condições para participação na licitação e forma de
apresentação das propostas, o critério para julgamento, com disposições claras e parâmetros obje-
tivos, além de outros elementos.
Convém salientar que o edital contém elementos não apenas referentes à licitação, mas
também ao próprio contrato dela objeto. Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar o edital
de licitação por irregularidade na aplicação da lei, devendo protocolar o pedido até cinco dias úteis
antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação.
Em relação aos licitantes, o prazo decadencial para impugnar os termos do edital de licitação
perante a administração vai até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habi-
litação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços
ou concurso, ou a realização de leilão. A impugnação deverá ser julgada e respondida pela Adminis-
tração em até 3 dias úteis. Além disso, qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica,
poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno
contra irregularidades na aplicação da lei no tocante ao controle de despesas nas licitações e con-
tratos. A impugnação feita tempestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do proces-
so licitatório até o trânsito em julgado da decisão a ela pertinente.
505
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
282
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O art. 27, Lei 8.666/93, menciona a documentação exigível para a habilitação dos proponen-
tes, que deve se referir exclusivamente aos aspectos de habilitação jurídica, qualificação técnica,
qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, cumprimento do disposto no art. 7º, XXXIII,
CF, (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos). O legislador cui-
dou de enumerar a documentação relativa à comprovação da habilitação jurídica (art. 28), da regu-
laridade fiscal (art. 29), da qualificação técnica (art. 30) e da qualificação econômico-financeira
(art. 31). Ressalte-se que o edital pode prever uma pré-qualificação dos licitantes, por meio do re-
gistro cadastral.
Em geral os registros cadastrais são utilizados para o procedimento da tomada de preços, cu-
ja tônica é a habilitação preliminar. Contudo, a Lei de Licitações, em seu art. 32, §§2º e 3º, admite
que o certificado de registro cadastral seja empregado nas outras modalidades de licitação, em
substituição aos documentos de habilitação nas concorrências, quando previsto no edital e desde
que o concorrente se comprometa a declarar, sob as penas da lei, a superveniência de fato impedi-
tivo da habilitação.
Atendidas as exigências legais quanto aos documentos, o licitante deve ser habilitado, de-
vendo-se evitar o rigor exagerado na fase de habilitação (formalismo moderado), a fim de assegurar
a maior competição possível no exame das propostas. Celso Antônio salienta que o comparecimen-
to ou a habilitação de um único licitante não obsta que se prossiga no procedimento do certame,
com o exame da proposta e adjudicação do objeto. O mesmo deve ocorrer se vários licitantes com-
parecerem mas apenas um for habilitado.506 A habilitação gera para o licitante, ao mesmo tempo,
um direito e um dever. Terá pleno direito ao exame da sua proposta, pois
Art. 43. (...)
§ 5º Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes (incisos I e II) e abertas as pro-
postas (inciso III), não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação,
salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
Por outro lado, o habilitado tem também o dever de manter a proposta, porquanto,
Art. 43. (...)
§ 6º Após a fase de habilitação, não cabe desistência de proposta, salvo por motivo justo
decorrente de fato superveniente e aceito pela Comissão.
De acordo o art. 109, Lei 8.666/93, o recurso pode ser interposto no prazo de 5 dias úteis a
contar da intimação do ato ou da lavratura da ata. No caso de recurso contra à habilitação ou inabi-
litação do licitante, a regra geral é a publicação na imprensa oficial, salvo se presentes os prepostos
dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por comunicação direta
aos interessados e lavrada em ata. Haja vista esta regra específica prevendo publicação na impren-
sa oficial, descabe a intimação por via postal. O recurso terá sempre efeito suspensivo o recurso
administrativo nos casos de habilitação ou inabilitação do licitante e de julgamento das propostas.
Nos demais casos, o efeito suspensivo poderá ou não ser atribuído pela autoridade competente.
506
MELLO, Curso..., cit.
283
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Primeiro se examina a admissibilidade da proposta para depois, uma vez classificadas, proce-
der-se ao julgamento da melhor proposta. Assim, na fase de classificação se faz uma espécie de
exame prévio de admissibilidade das propostas, de forma que somente as propostas classificadas
vão a julgamento. Em regra o julgamento ocorre logo em seguida à classificação, todavia é possível
que a Administração o faça posteriormente nos casos que demande exame mais acurado, mesmo
sem a presença dos licitantes, daí porque se costuma separar didaticamente as duas fases.
Como esclarece Celso Antônio, o que a lei denomina de “tipos de licitação”, na verdade, são
os distintos critérios fundamentais de julgamento por ela estabelecidos para obras, serviços e com-
507
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
284
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
pras, vedada a criação de outros. 508 Pelo critério de menor preço, leva-se em conta o menor preço
ofertado, desde, é claro, sejam atendidas as demais condições fixadas no edital. Dado o caráter
estritamente objetivo do critério de menor preço, esse tipo de licitação é a regra geral que deve ser
adotada, daí porque a Lei 8.666/93 reservou os demais tipos de licitação para hipóteses especificas.
Os critérios de melhor técnica e de técnica e preço são destinados exclusivamente para serviços de
preponderante natureza intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização,
supervisão, gerenciamento, engenharia consultiva.
No critério de melhor técnica a lei estabeleceu uma preeminência do fator preço, de modo
que acabará vencendo aquele que, dentro da ordem de classificação, aceitar assumir o menor pre-
ço dentre os oferecidos. Já no critério de técnica e preço, a classificação dos proponentes far-se-á
de acordo com a média ponderada das valorizações das propostas técnicas e de preço, observados
os pesos preestabelecidos no instrumento convocatório.
▶ Classificação final: Vimos anteriormente que o julgamento é feito com vistas às propostas
que foram classificadas na fase de abertura dos envelopes. Não obstante, o termo “classificação”
também é utilizado para a etapa final da fase de julgamento, em que se procede ao estabelecimen-
to da ordem de seleção das propostas aprovadas tendo em vista as vantagens que oferecem. Nesse
sentido, feito o julgamento, classificam-se as propostas pela ordem de preferência, escolhendo-se o
primeiro colocado. Em caso de empate na avaliação das propostas, o art. 45, §§2º e 3º, Lei
8.666/93, dispõe que deve-se primeiro obedecer aos critérios de preferência estabelecidos no § 2º
do art. 3º, da mesma Lei 509. Persistindo o empate, a classificação se fará por sorteio. Com o resul-
tado final do certame, dá-se ao vencedor o direito de preferência na contratação, associado ao
dever de manter a proposta assumida, ficando a Administração impedida de realizar nova licitação
enquanto eficaz o resultado final por ela proclamado.
508
MELLO, Curso..., cit.
509
Art. 3º (...)
§ 2º Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
II - produzidos no País;
III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País;
V - produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com
deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.
285
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
▶ Homologação: Após a classificação final das propostas, surge a derradeira fase do proce-
dimento licitatório, na qual ocorrerá a deliberação da autoridade competente quanto à homologa-
ção e adjudicação do objeto da licitação. Há autores que não consideram a homologação propria-
mente como uma fase da licitação, mas apenas um ato que confere eficácia à licitação já concluída.
Deveras, a homologação é ato de aprovação afeto ao poder hierárquico da autoridade superior,
geralmente a responsável pela ordenação de despesas referentes ao contrato objeto da licitação ou
outra indicada no edital. Com a homologação, fica confirmada a validade da licitação. Recebidos os
autos do processo administrativo licitatório pela autoridade superior, para fins de homologação do
certame, poderão eventualmente ser adotadas, antes disso, providências para fins de esclareci-
mento, caso necessário.
Ademais, ao invés de homologar, poderá ainda a autoridade vir a anular o procedimento (por
vício de ilegalidade) ou até mesmo revogá-lo (por razões de superveniente interesse público). Não
poderá, todavia, modificar o teor do julgamento feito pela Comissão. A homologação da licitação
não obsta que a Administração possa anulá-la, por ilegalidade, ou revogá-la, por razões de interesse
público superveniente. De acordo com o art. 49, Lei 8.666/93,
Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá
revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente de-
vidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anu-
lá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito
e devidamente fundamentado.
A doutrina majoritária, porém, considera que a adjudicação não confere ao licitante vence-
dor propriamente um direito subjetivo de contratar, mas, sim, uma mera expectativa na contrata-
ção, consubstanciada no direito de preferência por parte do vencedor, isto é, um direito de não ser
preterido, nos termos do art. 50 do Estatuto. Essa expectativa poderá ser eventualmente frustrada
por decisão da Administração, em caso de fato superveniente que justifique a não contratação.
Nessa linha, Diógenes Gasparini assinala que a adjudicação tem como um de seus efeitos jurídicos a
“aquisição, pelo vencedor do certame, do direito de contratar com a pessoa licitante, se houver
contratação”. 512
Mais do que mero debate acadêmico, a distinção nos efeitos da adjudicação tem reflexo di-
reto nas questões de ordem patrimonial referentes à eventual não contratação do licitante vence-
510
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
511
DALLARI, Adilson de Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação, São Paulo, 1992.
512
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
286
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
dor. De fato, ao se considerar que a adjudicação lhe daria direito subjetivo de contratar, eventual
não contratação poderia ensejar, em tese, o direito a uma indenização. Já em se considerando ha-
ver mera expectativa de contratar, não haveria dano a indenizar. De qualquer modo, a questão de
caber ou não indenização dependerá do exame de cada caso concreto, pois da mesma forma em
que será cabível indenização quando um contrato já em curso vem a ser unilateralmente desconsti-
tuído pela Administração por razões de interesse público (denúncia lícita), é possível se falar em
indenização quando o licitante vencedor se vê frustrado em sua pretensão de contratar também
por ato discricionário da Administração (revogação).
Ainda em tema de efeitos da adjudicação, Lúcia Valle Figueiredo aponta os seguintes direitos
e deveres do melhor licitante:
“a) direito de não ser preterido;
b) direito de exigir que se fundamentem as razões se o contrato não se aperfeiço-
ar;
c) dever de sustentar a proposta para a assinatura do contrato;
513
d) dever de firmar o contrato nos termos em que se obrigou.”
Acrescente-se que a Administração não poderá convocar novo certame enquanto estiver em
vigor a adjudicação. Em relação aos demais licitantes, a adjudicação tem como efeitos a sua libera-
ção dos encargos da licitação e o direito ao desentranhamento dos documentos apresentados.
Pela redação do dispositivo fica claro que a convocação é uma faculdade - e não uma obriga-
ção - da Administração, que poderá optar pela revogação do certame quando esta se revelar a me-
dida mais adequada ao interesse público.
513
FIGUEIREDO, Curso..., cit.
287
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
▶ Procedimento na Tomada de Preços: Sendo utilizada para contratos de porte médio, são
poucas as diferenças em relação ao procedimento de concorrência. Na tomada de preços a habili-
tação é prévia, por meio de registro cadastral, havendo ainda possibilidade de habilitação aos não
inscritos que apresentarem documentação até três dias antes do recebimento das propostas. O
edital é publicado com antecedência de 15 dias (na concorrência são 45 e 30 dias, a depender do
caso.
288
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
514
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
289
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
▶ Dispensa de licitação: ocorre quando, apesar de ser possível a competição, esta se revela
inconveniente para a Administração, seja em razão do pequeno valor (fixado na lei como sendo de
10% do limite de valor adotado para a modalidade mais simples de licitação), em razão de situa-
ções excepcionais (v.g. casos de guerra, grave perturbação da ordem, emergência ou de calamida-
de pública), em razão do objeto (v.g. compra de imóvel específico, compra de hortifrutigrangeiros e
outros gêneros perecíveis, com base no preço do dia), em razão da pessoa (v.g. contratação com
instituição brasileira de ensino sem fins lucrativos e com reputação ético-profissional, contratação
de organização social), em razão de desinteresse na contratação (casos de licitação frustrada ou
deserta, em que não houve interessados na licitação anterior), em razão de disparidade de propos-
tas (os licitantes oferecem preços incompatíveis com as condições de mercado), em razão de com-
plementação do objeto (quando houver necessidade de complementar obra, serviço ou forneci-
mento anterior), dentre outras hipóteses. São situações incompatíveis com a demora do processo
licitatório, razão pela qual a própria lei já dispensa a licitação (licitação dispensada - art. 17, I, II, §§
2º e 4º, Lei 8.666/93) ou faculta à Administração dispensá-la (licitação dispensável - art. 24, Lei
8.666/93).
Comentando o art. 24, Marçal Justen Filho sistematiza os casos de dispensa de licitação basi-
camente em quatro hipóteses:
“a) custo econômico da licitação: quando o custo econômico da licitação for su-
perior ao benefício dela extraível (incs. I e II);
b) custo temporal da licitação: quando a demora na realização da licitação puder
acarretar a ineficácia da contratação (incs. III, IV, XII e XVIII);
c) ausência de potencialidade de benefício: quando inexistir potencialidade de
benefício em decorrência da licitação (incs. V, VII, VIII, XI, XIV, XVII, XXIII, XXVI,
XXVIII e XXIX);
d) função extraeconômica da contratação: quando a contratação não for norte-
ada pela critério de vantagem econômica, porque o Estado busca realizar outros
516
fins (incs. VI, IX, X, XIII, XV, XVI, XIX, XX, XXI, XXIV, XXV e XXVII).”
Acrescenta o autor que a hipótese do inciso XXII não se subordina a nenhum desses casos,
assemelhando-se mais à situação de inexigibilidade do que propriamente de dispensa. Da mesma
forma, as hipóteses dos incs. X, XV, XIX, XXII, XXV, XXVI e XXVIII não caracterizam dispensa de licita-
ção, mas inexigibilidade, porquanto se assemelham à situação descrita como ausência de viabilida-
de da competição. No âmbito da dispensa, como dito acima, há autores que fazem a distinção subs-
tancial entre licitação dispensável (art. 24) e licitação dispensada (art. 17). Marçal Justen, porém,
discorda dessa distinção, salientando que o regime jurídico é exatamente o mesmo numa e noutra
situação, de maneira que,
“em ambos os casos, o legislador autoriza contratação direta. Essa autorização
legislativa não é vinculante para o administrador. Ou seja, cabe ao administrador
escolher entre realizar ou não a licitação. Essa competência administrativa existe
não apenas nos casos do art. 24. Aliás, não fosse assim, o art. 17 conteria hipóte-
ses de vedação de licitação. Significa reconhecer que é perfeitamente possível
realizar licitação nas hipóteses do art. 17, desde que o administrador repute pre-
515
MELLO, Curso..., cit.
516
JUSTEN FILHO, Comentários..., cit.
290
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
sentes os requisitos para tanto. (...) Para ser mais preciso, a natureza jurídica da
517
dispensa prevista no art. 17 não é distinta daquela contida no art. 24.”
Por fim, há ainda quem mencione ao menos uma hipótese de licitação proibida, quando
houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabelecidos em
decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional (art. 24, IX).
É o que a doutrina chama de licitação deserta, que, porém, não se confunde com a licitação
fracassada. Como explica Maria Sylvia Di Pietro, a licitação fracassada é aquela
“em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência da
inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é pos-
518
sível.”
Não é admissível que a escolha do contratante se faça por critérios subjetivos do administra-
dor, haja vista o princípio da impessoalidade que deve nortear todas as atividades da Administra-
ção. Por isso a contratação direta pressupõe a adoção de certos procedimentos que propiciam o
controle de legalidade do ato, impedindo que a escolha se faça de modo arbitrário.
Dispõe o art. 26, Lei 8.666/93, que, com exceção das situações de dispensa em razão de pe-
queno valor, todos os demais casos de dispensa (art. 17, §§ 2º e 4º, e art. 24, III a XXIV), assim como
os de inexigibilidade (art. 25), deverão ser necessariamente justificados e comunicados dentro de
três dias à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco
dias, como condição para eficácia dos atos. Se, a pretexto de adotar hipótese de dispensa ou inexi-
gibilidade de licitação, for comprovada a ocorrência de superfaturamento, responderão solidaria-
mente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente
público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Além disso, a adoção de dis-
pensa ou inexigibilidade fora dos casos taxativamente previstos na lei, assim como a inobservância
das formalidades previstas para tais hipóteses, é tipificada como crime no art. 89 da Lei de Licita-
ções.
517
Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p.300.
518
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
291
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
PREGÃO
Com o objetivo de desburocratizar e agilizar o procedimento de licitação nos casos de contra-
tos administrativos de pouca complexidade, a Lei 10.520/02 instituiu o pregão como nova modali-
dade licitatória, ao lado das já previstas na Lei 8.666/93. Buscou com isso “acelerar o processo de
escolha de futuros contratados da Administração em hipóteses determinadas e específicas”. 519
Anteriormente, o pregão só era previsto para as licitações na área de telecomunicações e realizadas
pela ANATEL (Lei 9.472/97). Anos depois, com a Medida Provisória 2.026/00 e suas reedições, a
nova modalidade licitatória foi estendida para os mais diversos setores da Administração, todavia,
apenas para o âmbito federal, o que foi objeto de críticas doutrinárias. Finalmente, com a edição da
Lei 10.520/02, passou-se a admitir o manuseio do pregão no âmbito da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, adotando, com isso, o caráter de lei nacional.
O art. 9º, Lei 10.520/02, estabelece que devem ser aplicadas subsidiariamente as normas da
Lei 8.666/93 ao procedimento do pregão. Nos termos do art. 1º, podem ser objeto de pregão a
aquisição de bens e serviços comuns, quais sejam, aqueles cujos padrões de desempenho e quali-
dade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mer-
cado. Não há qualquer restrição por faixa de valor, ao contrário do foi adotado na sistemática da
Lei 8.666/93, conforme estudamos no tocante à concorrência, à tomada de preços e ao convite.
São de grande variedade os bens comuns e os serviços comuns objeto do pregão, vindo ge-
ralmente enumerados em decretos executivos (v. g. Decretos federais 3.555/00, 3.693/00,
7.174/10 e 10.024/19), daí porque certamente será de grande utilização essa nova modalidade
licitatória.
Por isso o art. 1º, Lei 10.520/02, diz que, para a aquisição de bens e serviços comuns, poderá
ser adotada a modalidade de pregão.
Outras características do pregão estão na adoção parcial do princípio da oralidade (vez que
poderão se apresentadas verbalmente propostas e lances), e a observância, dentro do possível, do
princípio do informalismo (com utilização de recursos da informática – art. 2º, §1º, Lei 10.520/02).
Os trabalhos no pregão serão dirigidos por um pregoeiro, designado pela autoridade competente
519
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
520
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
521
Idem.
292
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
da unidade administrativa e com as atribuições de receber propostas e lances, analisar a sua aceita-
ção e classificação, habilitar os concorrentes e adjudicar o objeto da licitação. O procedimento do
pregão, como dito, está previsto na Lei 10.520/02, aplicando-se subsidiariamente a Lei 8.666/93.
A lei prevê sanções para o caso de declaração falsa (impedimento de contratar com a União e
descredenciamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF – por até
cinco anos, além de multa). Haverá uma sessão pública para abertura dos envelopes de propostas
formais e escritas. O autor da proposta de valor mais baixo e aqueles com propostas com preços
até 10% superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos. Somente após a classi-
ficação das propostas é que o pregoeiro procede ao exame dos documentos de habilitação, haven-
do, portanto, uma inversão do procedimento nesta modalidade. Com isso, apenas são verificados
os documentos do licitante vencedor, o que simplifica muito o procedimento.
DECRETO 10.024/2019
O Decreto 10.024/19 visa regulamentar os novos procedimentos para realização do pregão
eletrônico nas aquisições de bens e contratações de serviços comuns, inclusive serviços comuns de
engenharia, bem como dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração
pública federal. O novo Decreto buscou aperfeiçoar o rito do pregão, na forma eletrônica, priman-
do pelos pilares da ampla competitividade, transformação digital, desburocratização, sustentabi-
lidade e maior segurança negocial ao mercado.
O Decreto 10.024/19 revogou o Decreto 5.450/05 que era o antigo regulamento do pregão
na forma eletrônica. Além disso, também foi revogado o Decreto 5.504/05. Este último, estabelecia
a exigência do pregão, preferencialmente na forma eletrônica, nas contratações realizadas por en-
tidades diversas da administração federal, mas que eram custeadas com recursos federais.
O novo Regulamento explica melhor essa situação, além de tornar a utilização do pregão e-
letrônico obrigatória. Anteriormente, o pregão era obrigatório na administração federal, sendo
preferencialmente na forma eletrônica. Portanto, a antiga exigência era da obrigatoriedade da mo-
dalidade (o pregão), mas a forma eletrônica seria apenas “preferencial”. A partir de agora, o pregão
293
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
na forma eletrônica é obrigatório. A adoção da forma presencial somente será cabível quando
houver justificativa da inviabilidade técnica ou da desvantagem para a administração na realização
da forma eletrônica.
Os bens e serviços especiais são aqueles bens e serviços que não são comuns, ou seja, é o
contrário dos bens e serviços comuns. Segundo o Decreto, bens e serviços especiais são os “bens
que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade técnica, não podem ser considerados bens e
serviços comuns”. Consequentemente, não poderão ser licitados por meio do pregão.
A divulgação do aviso do edital ocorrerá no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico ofici-
al do órgão ou da entidade promotora da licitação (art. 20). Esse procedimento já havia sido deter-
minado por intermédio da MP 896/19, que substituiu as publicações em jornal impresso por publi-
cações eletrônicas.
Quanto à disputa, são previstos dois modos: aberto e fechado. O sistema aberto é o modelo
“tradicional” de pregão. Porém, o Decreto prevê a sistemática de prorrogação automática do tem-
po para apresentação dos lances. Basicamente, o sistema “adia” o encerramento da sessão sempre
que houver um novo lance nos dois minutos finais para o fechamento da fase de lances. Portanto, o
sistema só “fecha” a etapa de lances se ninguém ofertar novo lance no prazo de dois minutos (isso
se já tiver passado o prazo mínimo de duração de 10 minutos). Resumidamente, no sistema aberto,
a fase de lances tem a duração mínima de dez minutos e, depois disso, o sistema encerra a fase
de lances de forma automática se nenhum licitante apresentar um novo lance no prazo de dois
minutos. Porém, aqui, todos vêm o lance dos concorrentes.
Por outro lado, no sistema “aberto e fechado”, após o encerramento do prazo de duração da
proposta, os licitantes mais bem classificados poderão ofertar um “lance final”. Mas a diferença
aqui é que esse lance final é sigiloso, ou seja, os outros licitantes não saberão a oferta dos demais.
A diferença, portanto, é que no sistema aberto todo mundo vê todos os lances dos concorrentes; já
no sistema aberto e fechado o lance final dos licitantes é “escondido”, só aparecendo quando efeti-
294
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
vamente o sistema encerrar a fase de lances. O propósito é obrigar os licitantes a ofertarem o pre-
ço mais baixo que puderem, independentemente do lance dos demais. Somente após a conclusão
do procedimento é que esses lances finais serão tornados públicos.
Além disso, o Decreto 10.024/19 instituiu o sistema de dispensa eletrônica de licitação. Po-
rém, o Regulamento, em si, não explicou como o sistema vai funcionar, apenas determinou que os
órgãos e entidades integrantes do sistema de serviços gerais – Sisg adotarão o sistema de dispensa
eletrônica de licitação nas contratações de bens e serviços comuns, inclusive de engenharia, que
sejam de baixo valor (na forma do art. 24, I e II, Lei 8.666/93) ou nos casos de guerra ou grave per-
turbação da ordem (art. 24, III, Lei 8.666/93). Esse sistema de dispensa eletrônica de licitação será
regulamentado por ato do Secretário de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Ges-
tão e Governo Digital do Ministério da Economia.
Alguns autores alertam que a Lei 12.462/11 não admitiria aplicação subsidiária da Lei
8.666/93, salvo nas situações que expressamente assim determina. Ou seja, não seria automática a
incidência da Lei 8.666/93 nas questões em que a Lei 12.462/11 for silente, pelo que a solução nes-
ses casos teria que ser buscada por outros meios integrativos. Registre-se, todavia, entendimento
contrário, esposado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tendo em vista o quanto disposto no art. 39
da lei em questão:
“Pelo artigo 39 da Lei n. 12.462/11, 'os contratos administrativos celebrados com
base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993,
com exceção das regras específicas previstas nesta Lei'. Vale dizer que a Lei n.
522
8.666/93 é de aplicação subsidiária”.
A criação do RDC, como o próprio termo sugere, visou admitir que sejam realizadas licitações
e contratações administrativas submetidas a normas distintas daquelas previstas no estatuto geral
das licitações (Lei 8.666/93), proporcionando, com isso, maior agilidade ao procedimento licitató-
rio, conforme os objetivos elencados no art. 1º, §1º, Lei 12.462/11, a saber:
Art. 1º (...)
§ 1º O RDC tem por objetivos:
I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre
custos e benefícios para o setor público;
III - incentivar a inovação tecnológica; e
IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais
vantajosa para a administração pública.
522
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
295
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
f) locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, constru-
ção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por
terceiros, do bem especificado pela administração;
Além das hipóteses acrescentadas no próprio texto da Lei 12.462/11, já foram editadas legis-
lações esparsas prevendo a utilização do RDC em outras situações. Cite-se a Lei 12.783/13, que
permitiu à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) usar o RDC para contratar a construção
de silos e armazéns públicos. A Lei 12.815/13, que previu o RDC para à concessão de porto organi-
zado e de arrendamento de instalação portuária. Também a Lei 12.833/13, que autorizou
a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República a empregar o RDC em licitações para aqui-
sição de bens ou contratação de obras e serviços de engenharia e de técnicos especializados rela-
cionados à modernização, construção, ampliação ou reforma de aeródromos públicos. A Lei
12.983/14, acrescentando o art. 15-A à Lei 12.340/10, autorizou a utilização do RDC nas licitações e
contratos destinados à execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de res-
posta e de recuperação em áreas atingidas por desastres.
O que se observa é que, tendo sido a legislação do RDC idealizada para ser temporária, aca-
bou albergando situações que vieram a lhe conferir um caráter permanente. A Copa e os Jogos
Olímpicos acabaram, mas o RDC ficou. Essa gradativa ampliação do campo de incidência do RDC
leva a crer que a disciplina da Lei 8.666/93 tem se mostrado inadequada e obsoleta na prática, ra-
zão pela qual, no dizer de José dos Santos Carvalho Filho,
296
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“parece cada vez mais claro que o sistema da nova lei, derrogatória do Estatuto,
se inclina no sentido de tornar-se o regime geral em virtude dos objetivos que pre-
523
coniza”.
Além de princípios já previstos na Lei 8.666/93, a Lei 12.462/11 mencionou mais dois princí-
pios da licitação, agora relacionados aos objetivos do RDC, quais sejam o da economicidade e o do
desenvolvimento nacional sustentável.
Vimos anteriormente que a Lei 8.666/93 veda a preferência por marca para fins de caracteri-
zação de fornecedor exclusivo (art. 25, I). Pois bem, cuidando de especificar melhor as situações de
aquisição de bens em que tal preferência pode vir a ocorrer, o art. 7º, I, Lei 12.462/11 estabelece
que no RDC a Administração poderá, sim, indicar marca ou modelo nas seguintes hipóteses:
a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;
c) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser melhor compreendida pela identi-
ficação de determinada marca ou modelo aptos a servir como referência, situação em que
será obrigatório o acréscimo da expressão “ou similar ou de melhor qualidade”.
Nas licitações no âmbito do RDC haverá uma comissão de licitação, formada em caráter
permanente ou especial, composta majoritariamente por servidores ou empregados públicos per-
tencentes aos quadros permanentes dos órgãos ou entidades da administração pública responsá-
veis pela licitação. Os membros da comissão de licitação responderão solidariamente por todos os
atos praticados pela comissão, salvo se posição individual divergente estiver registrada na ata da
reunião em que houver sido adotada a respectiva decisão.
O procedimento licitatório do RDC está previsto nos arts, 12 a 28, Lei 12.462/11. A lei prevê a
seguinte ordem das fases:
1. preparatória;
2. publicação do instrumento convocatório;
3. apresentação de propostas ou lances;
4. julgamento;
5. habilitação;
6. recursal; e
7. encerramento.
Contudo, autoriza-se a inversão das fases, de modo que a fase de habilitação possa vir a an-
teceder a classificação (fase de apresentação de propostas ou lances e o julgamento), desde que
isto tenha ficado expressamente previsto no instrumento convocatório e se faça por ato motivado
da Administração. A regra no RDC, porém, é que a habilitação somente venha depois do julgamen-
523
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
297
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
to e classificação das propostas, a exemplo do que já é feito no pregão, tornando mais prático o
procedimento.
Não obstante a regra de ampla publicidade extraída do art. 15 da Lei do RDC, o seu art. 6º
impõe restrição à publicidade do orçamento previamente estimado, que somente será tornado
público após o encerramento da licitação. Durante a licitação, a Administração deve apenas divul-
gar detalhamentos e demais informações necessárias à elaboração das propostas.
As licitações pelo RDC deverão ser realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, ad-
mitida a presencial.
Outra novidade da Lei 12.462/11 foi a adoção de modos de disputa aberto e fechado, facul-
tando-se a sua combinação. No modo de disputa aberto, os licitantes apresentarão suas ofertas
por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de jul-
gamento adotado. Poderão ser admitidos lances intermediários, durante a disputa aberta. Além
disso, após a definição da melhor proposta, sempre que existir uma diferença de pelo menos 10%
entre o melhor lance e o do licitante subsequente, a lei admite o reinício da disputa aberta. No
modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão sigilosas até a data e
hora designadas para que sejam divulgadas. O sistema é semelhante ao adotado na Lei 8.666/93,
como já vimos. Todo o detalhamento do procedimento nos modos de disputa aberto ou fechado,
bem como na combinação entre eles, encontra-se previsto no Decreto 7.581/11.
Merece destaque o critério do maior retorno econômico, a ser utilizado exclusivamente para
a celebração de contrato de eficiência, uma espécie de contrato acessório que terá por objeto a
prestação de serviços, mas que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o
objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes,
sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada. Nos casos em que
não for gerada esta economia prevista no contrato de eficiência, a lei prevê as seguintes conse-
quências:
Art. 23. § 3º (...)
524
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
298
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Outra nova figura criada pela legislação do RDC e que tem suscitado muitos debates é a con-
tratação integrada, um regime de execução de obras e serviços de engenharia que admite que o
próprio licitante elabore os projetos básico e executivo que subsidiarão a execução da obra ou ser-
viço a ser por ele assumido. Como vimos em tópico anterior, o art. 7º, § 2º, Lei 8.666/93, sempre
determinou que as obras e os serviços somente poderiam ser licitados após projeto básico aprova-
do pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do proces-
so licitatório. Pois bem, a Lei do RDC rompe com essa necessidade no caso de contratação integra-
da, passando o projeto básico a ser de responsabilidade do futuro contratante.
Nem toda contratação pelo RDC se dará no regime de contratação integrada. Na verdade,
cuidando-se de obras e serviços de engenharia, a licitação na modalidade do RDC admite até cinco
regimes de execução previstos no art. 8º, Lei 12.462/11, sendo a contratação integrada apenas um
deles. Assim, cabe à Administração, por razões técnicas e demonstração fundamentada de viabili-
dade, escolher um entre tais regimes a que o contrato se sujeitará:
a) empreitada por preço unitário;
b) empreitada por preço global;
299
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Esses quatro primeiros regimes de execução já eram previstos na Lei 8.666/93. A novidade da
Lei 12.462/11, como dito, é mesmo a contratação integrada. Novidade, em parte, ressalve-se. Ao
menos no âmbito da Petrobrás, a contratação integrada há muito já era prevista, conforme o De-
creto 2.745/98 (que aprovou o Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petro-
brás). O que fez a Lei 12.462/11 foi estender essa possibilidade para toda a Administração Pública,
nas hipóteses em que a contratação integrada seja viável. Destarte, esse regime de execução já foi
utilizado, por exemplo, em licitações realizadas pelo DNIT e pela INFRAERO.
Na verdade, a Lei do RDC estimula a adoção de regimes de execução que levem em conta o
empreendimento ou serviço em sua completude, daí porque dá preferência à empreitada por pre-
ço global, à empreitada integral e à contratação integrada (art. 8º, §1º), neste último caso permi-
tindo que o licitante planeje o próprio objeto a ser contratado. Nisso o RDC se distingue muito da
Lei 8.666/93, cujo art. 9º veda a participação de licitantes que tiverem participado do projeto bási-
co ou executivo. 525 A doutrina tem chamado atenção de que nem sempre será possível a adoção da
contratação integrada, devendo a Administração sempre cuidar de expor as razões pelas quais se
optará por tal regime.
Por outro lado, o fato de a lei dispensar o projeto básico no caso de contratação integrada
não significa que o edital da licitação nada deva especificar sobre a obra ou serviço de engenharia.
Daí porque o art. 9º, §2º determina expressamente que o instrumento convocatório contenha um
anteprojeto de engenharia que contemple os documentos técnicos destinados a possibilitar a ca-
racterização da obra ou serviço. Cuidados semelhantes já vem sendo adotados nas licitações envol-
vendo concessões e parcerias público-privadas.
Registre-se haver críticas ao regime de contratação integrada, razão pela qual, inclusive, o
TCU restringiu a sua utilização.
De tudo quando vimos até aqui, podemos apontar em linhas gerais, como faz Fernanda Ma-
rinela, as seguintes diferenças entre o RDC e o regime geral da Lei 8.666/93:
“a) contratação integrada: permite que todas as etapas de uma obra sejam con-
tratadas com uma única empresa, que fará os projetos básico e executivo e reali-
zará a obra, entregando-a pronta para a administração. Na Lei n. 8.666 os proje-
tos básico e executivo devem ser feitos por empresas distintas;
b) nomes e marcas: permite que o edital indique marcas na licitação de bens se
houver necessidade de padronização do objeto ou quando determinada marca ou
modelo, comercializada por mais de um fornecedor, for o único capaz de atender
às necessidades da contratante;
c) remuneração variável: na contratação de obras e serviços, inclusive de enge-
nharia, a contratada poderá receber uma remuneração variável vinculada a seu
desempenho. Esse bônus será definido com base em metas, padrões de qualidade,
525
Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a
eles necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica; (...)
300
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Também Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta o que considera como as principais inovações
do RDC:
“a) ampliação dos objetivos da licitação (art. 1º, §1º);
b) inclusão do princípio da economicidade e do desenvolvimento nacional susten-
tável (art. 3º);
c) restrições à publicidade do orçamento estimado (art. 6º);
d) inversão nas fases de habilitação e julgamento (art. 12);
e) novos critérios de julgamento (art. 18);
f) previsão de procedimentos auxiliares das licitações (art. 29);
g) previsão da possibilidade de exigência de amostra para a pré-qualificação e pa-
ra o julgamento (art. 7º, II);
h) possibilidade de remuneração variável vinculada ao desempenho da contrata-
da (art. 10);
i) possibilidade de contratação simultânea ou possibilidade de contratação de
mais de uma empresa para realizar o mesmo serviço (art. 11);
j) previsão da contratação integrada entre os regimes de execução do contrato
527
(art. 8º).”
526
MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. Niterói: Impetus.
527
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
301
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O que se fez, com a edição dessa lei, foi instituir um regime diferenciado de licitação especifi-
camente para serviços de publicidade. Mas nesse caso, determinou-se a aplicação da Lei 8.666/93
de forma complementar, em tudo aquilo que a legislação especial for silente. Aplica-se também, no
que couber, a legislação que trata da profissão de publicitário e das agências de propaganda (Lei
4.680/65).
Nos termos do art. 5º, Lei 12.232/10, a licitação para serviços de publicidade deverá seguir
uma das modalidades já previstas no art. 22, Lei 8.666/93, porém adotando-se como obrigatórios
os tipos melhor técnica ou técnica e preço. Portanto, fica vedado o emprego do tipo menor preço.
A exemplo de outras legislações mais modernas, a Lei 12.232/10 previu também a inversão
das fases de julgamento e habilitação, de modo que os documentos de habilitação serão apresen-
tados apenas pelos licitantes classificados no julgamento final das propostas. As informações sufici-
entes para que os interessados elaborem propostas serão estabelecidas em um briefing, de forma
precisa, clara e objetiva . A proposta técnica será composta de um plano de comunicação publicitá-
ria, pertinente às informações expressas no briefing, e de um conjunto de informações referentes
ao proponente.
O plano de comunicação publicitária será composto pelo quesitos de raciocínio básico, estra-
tégia de comunicação publicitária, ideia criativa e estratégia de mídia e não mídia. As propostas de
preços serão apresentadas em um invólucro e as propostas técnicas em três invólucros distintos,
destinados um para a via não identificada do plano de comunicação publicitária, um para a via i-
dentificada do plano de comunicação publicitária e outro para as demais informações integrantes
da proposta técnica.
Haverá duas comissões julgadoras. Quase todo o processamento e julgamento será efetuado
pela comissão permanente ou especial. Porém, a análise e julgamento das propostas técnicas será
feita uma subcomissão técnica, constituída por, pelo menos, três membros que sejam formados
em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas, sendo que, pelo
menos, um terço deles não poderão manter nenhum vínculo funcional ou contratual, direto ou
indireto, com o órgão ou a entidade responsável pela licitação. Porém, quando se tratar de licitação
na modalidade convite, a subcomissão técnica poderá excepcionalmente ser substituída pela co-
missão permanente de licitação ou, inexistindo esta, por servidor formalmente designado pela au-
toridade competente, que deverá possuir conhecimentos na área de comunicação, publicidade
ou marketing.
302
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
É de se observar, contudo, que a Lei 13.303/16 parece ter ido além do quanto disposto no
art. 173, §1º, CF, eis que a Constituição apenas se referiu às empresas estatais exploradoras de
atividade econômica, ao passo que a lei ordinária cuidou de disciplinar, sob um regime uniforme,
também as empresas prestadoras de serviços públicos, as quais, como já vimos no capítulo da or-
ganização da administração pública, sofrem uma maior incidência de normas de direito público.
Dentre as diversas disposições da Lei 13.303/16, nela constam, nos arts. 28 a 67, regras espe-
cíficas de licitação, bem como os casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação no âmbito das
empresas estatais.
303
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
estudos técnicos que possam ser aproveitados em futuras licitações e contratos das empresas esta-
tais.
O objeto da licitação e do contrato dela decorrente será definido de forma sucinta e clara no
instrumento convocatório. As hipóteses de dispensa de licitação estão taxativamente previstas no
art. 29, enquanto a inexigibilidade de licitação, nos casos de inviabilidade de competição, está pre-
vista no art. 30. A dispensa ou inexigibilidade de licitação deve ser devidamente justificada pela
Administração, de modo que o processo de contratação direta seja instruído quanto à caracteriza-
ção da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, a razão da escolha do forne-
cedor ou do executante, bem como a justificativa do preço. Um ponto que chamou a atenção da
doutrina foi o aumento dos valores de limite para dispensa de licitação, o que tem sido alvo de
críticas.
Dentre as diretrizes para as licitações, o art. 32, Lei 13.303/16, prevê a padronização do obje-
to da contratação, dos instrumentos convocatórios e das minutas de contratos, de acordo com
normas internas específicas. Deve-se também buscar a maior vantagem competitiva para a empre-
sa pública ou sociedade de economia mista, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos,
de natureza econômica, social ou ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento
de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e a outros fatores de igual relevância. Ad-
mite-se o parcelamento do objeto, visando a ampliar a participação de licitantes, sem perda de
economia de escala, e desde que não atinja valores inferiores aos limites estabelecidos na lei.
A lei prevê, ainda, a adoção preferencial da modalidade de pregão (Lei 10.520/02) no caso de
aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e
qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no
mercado.
Prevê, ainda, a possibilidade de sigilo quanto ao valor estimado do contrato a ser celebrado
pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista, sem prejuízo da divulgação do deta-
lhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propos-
tas. A informação relativa ao valor estimado do objeto da licitação, ainda que tenha caráter sigiloso,
será disponibilizada a órgãos de controle externo e interno.
Quanto ao procedimento, observa-se que o estatuto das empresas estatais se valeu de re-
gras semelhantes às adotadas no regime diferenciado de contratações (RDC), já estudado em tópi-
co antecedente.
304
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
VI - negociação;
VII - habilitação;
VIII - interposição de recursos;
IX - adjudicação do objeto;
X - homologação do resultado ou revogação do procedimento.
Poderão ser adotados os modos de disputa aberto ou fechado, ou, quando o objeto da lici-
tação puder ser parcelado, a combinação de ambos. No modo de disputa aberto, os licitantes a-
presentarão lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conforme o critério de jul-
gamento adotado. No modo de disputa fechado, as propostas apresentadas pelos licitantes serão
sigilosas até a data e a hora designadas para que sejam divulgadas.
A Lei das estatais também dispõe sobre os procedimentos auxiliares das licitações, quais se-
jam:
Art. 64. (...)
I - pré-qualificação permanente;
II - cadastramento;
III - sistema de registro de preços;
IV - catálogo eletrônico de padronização.
Guardadas as peculiaridades das contratações a serem feitas pelas empresas estatais, trata-
se de normas semelhantes àquelas previstas para os procedimentos auxiliares do RDC, já estudados
anteriormente. Aliás, em matéria de licitações, há na Lei 13.303/16 outras disposições similares às
da Lei do RDC, como, por exemplo, a contratação integrada (art. 42, VI).
A grande novidade na Lei 13.303/16, em relação à RDC, foi a previsão da contratação semi-
integrada, que passa a ser a regra nas contratações de obras e serviços de engenharia promovidas
pelas empresas estatais. Talvez pelas críticas que foram feitas à contratação integrada, resolveu-se
305
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
criar um regime de execução em que ao menos o projeto básico fica a cargo da Administração, ca-
bendo ao licitante fazer o planejamento incluindo apenas o projeto executivo.
Assim, a contratação semi-integrada será utilizada quando for possível definir previamente
no projeto básico as quantidades dos serviços a serem posteriormente executados na fase contra-
tual, em obra ou serviço de engenharia que possa ser executado com diferentes metodologias ou
tecnologias. Ainda assim, os licitantes poderão eventualmente propor alterações no projeto básico.
O que se observa é que o texto da Lei 13.303/06 revela-se extenso e bem detalhado, seguin-
do em linhas gerais procedimentos similares aos da Lei 12.462/11 (RDC). De modo que a aplicação
subsidiária da Lei 8.666/93 somente é cabível nos casos em que a ela expressamente se remete,
como ocorre, por exemplo, nos arts. 41 e 55, que tratam respectivamente das sanções penais e dos
critérios de desempate previstos no estatuto geral.
Exercendo a sua competência privativa, a União editou a Lei 8.666/93, prevendo as cinco
principais modalidades (concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão). O legislador
fez questão de frisar, no art. 22, §8º, que ficava vedada a criação de outras modalidades de licitação
ou a combinação das modalidades ali previstas. Assim, não poderá haver nova modalidade criada
por ato infralegal. Também não se admite que estados e municípios legislem nesse sentido, pois
uma norma criadora de modalidade licitatória tem natureza de norma geral, de competência priva-
tiva da União.
Ao lado disso, tem a União competência para editar legislações prevendo modalidades espe-
cíficas para determinados setores da Administração Pública, levando em conta as peculiaridades de
cada área. É possível, ainda, que sejam editadas normas de rito diferenciado para licitações nas
modalidades existentes. Ou seja,utiliza-se alguma modalidade já prevista na legislação geral, po-
rém, com mudanças no procedimento da licitação.
CONSULTA
A consulta é considerada uma modalidade específica de licitação que, ao lado do pregão, foi
criada no âmbito das agências reguladoras. No caso da ANATEL, o pregão e a consulta vieram inici-
306
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
almente previstas no art. 54, parágrafo único, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97),
para contratações que não estivessem enquadradas como obras ou serviços de engenharia.
Posteriormente, por força da Lei 9.986/00, o pregão e a consulta foram estendidos para to-
das as demais agências reguladoras. E a Lei 10.520/02, como já vimos, acabou generalizando o seu
emprego do pregão para todos os bens e serviços comuns em toda Administração Pública.
Remanesce como modalidade específica a consulta, que atualmente só encontra espaço nas
licitações promovidas pelas agências reguladoras. Conforme o art. 37, Lei 9.986/00, a consulta deve
seguir as bases do procedimento que já era empregado pela Anatel (Lei 9.472/97), remetendo-se
ao âmbito do poder normativo de cada agência a sua regulamentação. Porém, a consulta não pode
ser utilizada em contratações referentes a obras e serviços de engenharia, cujos procedimentos
deverão observar as normas gerais de licitação e contratação.
Para regulamentar esse dispositivo constitucional, foi editada a Lei 8.987/95, que, dentre ou-
tros aspectos, tratou das normas de licitação nas concessões e permissões de serviços públicos
(arts. 14 a 22), excetuado apenas o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 41).
Nos termos da Lei 8.987/95, toda concessão de serviço público, precedida ou não da execu-
ção de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com obser-
vância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios
objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório (art. 14).
A licitação para concessão de serviço público, assim como a concessão de serviço público
precedida de obra pública, devem ser feitas na modalidade de concorrência (art. 2º, II e III, Lei
8.987/95). Essa tem sido a regra geral. Excepcionalmente, porém, admite-se a licitação na modali-
dade de leilão nas hipóteses de venda de empresa estatal (privatização) prestadora de serviço pú-
blico, quando simultaneamente ocorra a outorga de nova concessão ou a prorrogação da conces-
são existente (art. 27, I, Lei 9.074/95). O leilão, nesse caso, servirá para a transferência do controle
307
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
societário da empresa. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios pre-
vistos no art. 15:
Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:
I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;
II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da con-
cessão;
III - a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;
IV - melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;
V - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do
serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;
VI - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga
da concessão com o de melhor técnica; ou
VII - melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.
Vê-se, pois, que os critérios de julgamento nas concessões e permissões de serviços públicos
são bem diferentes daqueles estabelecidos para as simples contratações de serviços pela Lei
8.666/93. A princípio, a outorga de concessão ou permissão de serviço público não terá caráter de
exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada (art. 16). Em igualda-
de de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira (art. 15,
§4º).
Seguindo a tendência que já era prevista para o pregão, a Lei 11.196/05 acrescentou o art.
18-A à Lei 8.987/95, passando a dispor que o edital poderá prever a inversão da ordem das fases
de habilitação e julgamento.
Além das regras da Lei 8.987/95, há concessões de serviço público que se submetem a legis-
lações específicas, inclusive com regras diferenciadas de licitação.
Cite-se, por exemplo, o setor de telecomunicações, cuja lei de regência (Lei 9.472/97) con-
tém um capítulo tratando da outorga de concessões e dispondo expressamente que a licitação será
disciplinada pela ANATEL, observados os princípios constitucionais, as disposições nela previstas e,
especialmente:
Art. 89. A licitação será disciplinada pela Agência, observados os princípios constitucio-
nais, as disposições desta Lei e, especialmente:
I - a finalidade do certame é, por meio de disputa entre os interessados, escolher quem
possa executar, expandir e universalizar o serviço no regime público com eficiência, se-
gurança e a tarifas razoáveis;
528
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
308
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Também no setor de energia elétrica, apesar de a legislação específica estabelecer que as li-
citações realizadas para outorga de concessões devem também observar o disposto nas Leis
8.987/95 e 8.666/93, impõe uma série de regras especiais que devem ser observadas quanto ao
procedimento e às modalidades de licitação cabíveis (art. 23, Lei 9.427/96, e Lei 9.074/95).
Todavia, a abertura do processo licitatório na PPP está sujeita a algumas condições, dentre
eles uma autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre
a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem
a opção pela forma de parceria público-privada. Deve-se elaborar uma prévia estimativa do impac-
to orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-
privada, de modo a saber se as obrigações contraídas pela Administração Pública no decorrer do
contrato são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentá-
ria anual (art. 10, I a III).
A minuta de edital e de contrato deve ser submetido a uma consulta pública (art. 10, VI),
bem como deve haver uma licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licencia-
mento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato
exigir (art. 10, VII).
309
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Apesar de a lei não haver se referido expressamente à licitação, isto não significa ocorrer aí
um processo seletivo distinto da licitação. Trata-se, sim, de verdadeira modalidade de licitação
prevista em lei específica.
A proposta a ser encaminhada à administração pública deverá atender aos seguintes requisi-
tos:
Art. 19. (...)
I - identificação do subscritor da proposta;
II - indicação do interesse público envolvido;
529
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
310
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
530
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
311
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Por fim, cabe salientar que o chamamento público é a modalidade licitatória específica para a
seleção da organização da sociedade civil que firmará a parceria com a Administração. Porém, a lei
não prevê tal modalidade para os contratos que essa entidade, no decorrer do objeto da parceria,
virá a fazer com terceiros.
312
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O art. 43, Lei 13.019/14, até intentou determinar que a entidade privada cuidasse de ao me-
nos observar princípios licitatórios nas contratações feitas com o uso de recursos transferidos pela
administração pública. Porém, este dispositivo acabou revogado pela Lei 13.204/15, o que leva a
entender que a organização da sociedade civil não está obrigada a realizar licitações no âmbito das
suas atividades.
Para se referir a tais casos, o autor utiliza a terminologia procedimentos de competição, gê-
nero do qual os procedimentos licitatórios são apenas uma das espécies:
“A verdade é que não há um único modelo ou forma juridicamente adequados.
Não só por meio da licitação são cumpridos os mandamentos constitucionais e
realizados valores públicos. Há outros mecanismos, procedimentos e soluções, pa-
ra além dos licitatórios, que se ajustam ao texto constitucional. (...) O fato de a
decisão da autoridade pressupor uma comparação entre qualidades dos sujeitos,
para a escolha da opção melhor, impõe a necessidade de instauração de proce-
dimento administrativo, que chamamos ‘procedimento de competição’, gênero
532
que abarcaria a espécie licitação.”
Portanto, nem toda competição entre administrados, disputando interesses perante a Admi-
nistração Pública, resolve-se por meio de licitação.
Na mesma linha de pensamento, José dos Santos Carvalho Filho faz menção à
“ação administrativa denominada de ‘chamada pública’, por meio da qual a Ad-
ministração publica edital com o objetivo de divulgar a adoção de certas provi-
dências específicas e convocar interessados para participar da iniciativa, indican-
do, quando for o caso, os critérios objetivos necessários à seleção. (...) É o caso,
entre outros, da convocação de interessados para credenciamento junto à Admi-
nistração, ou de capacitação de comunidades para o recebimento de algum servi-
ço público, ou ainda para apresentação de projetos e programas a serem estuda-
dos por órgãos administrativos. Semelhante instrumento espelha, sem dúvida, a
531
SUNDFELD, Carlos Ari. Procedimentos administrativos de competição. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; SUNDFELD, Carlos Ari (Org.).
"Doutrinas essenciais - Direito Administrativo". São Paulo: RT.
532
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
313
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Deve-se ter cuidado com o termo chamamento público, pois, como vimos em tópico antece-
dente, é a designação dada à modalidade de licitação prevista na lei das parcerias da Administração
Pública com entidades privadas sem fins lucrativos (Lei 13.019/14). Todavia, o chamamento públi-
co é empregado ainda em outras situações no campo do Direito Administrativo, não exatamente
como modalidade de licitação, mas, ao revés, para casos em que haverá uma escolha sem licitação.
É o que ocorre, por exemplo, na hipótese do art. 91, Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97),
voltada à verificação dos casos de inexigibilidade de licitação, seja por inviabilidade (quando apenas
um interessado puder realizar o serviço, nas condições estipuladas), seja por desnecessidade
(quando se admita a exploração do serviço por todos os interessados que atendam às condições
requeridas). Nesses casos, “o procedimento para verificação da inexigibilidade compreenderá cha-
mamento público para apurar o número de interessados” (art. 91, §3º). Isto acontece, v. g., na ou-
torga de direito de exploração de satélite, com ocupação da órbita brasileira, de modo que, “se os
interesses puderem ser harmonizados no procedimento de chamamento, não será feita a licitação”.
534
“Portanto, não é verdade que o processo público de disputa objetiva seja o único
meio legítimo para o Estado chegar a decisões adequadas quanto à outorga de
serviços. O chamamento público, no interior do qual os interessados podem ser
estimulados a negociar e a se compor, é a prova de que, dependendo dos casos, a
solução melhor não é um processo de disputa baseado na ‘igualdade de condições
535
a todos os concorrentes’, como diz o art. 37, XXI, da CF, ao falar da licitação.”
533
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
534
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
535
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
314
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
nheceu que o jogo da política pode ser, ao menos nesse caso, fundamental para
536
uma boa decisão.”
Também no caso das outorgas para pesquisa e exploração de recursos minerais, a legislação
brasileira (Decreto-lei 227/67, conhecido como Código de Minas), ao invés de optar pela licitação,
elegeu o critério da prioridade para a resolução de disputa entre potenciais interessados. Ou seja,
obterá a autorização de pesquisa e da concessão da lavra aquele que primeiro a requerer.
Por fim, tem-se ainda a figura do credenciamento, outro instrumento que vem sendo em-
pregado para a seleção de prestadores de serviços em atividades da administração pública e que
escapam à necessidade de prévia licitação. Já tratamos dele quando estudamos o tema do serviço
público, eis que tem sido considerado pela doutrina como forma de terceirização de atividades
materiais de apoio e não propriamente um instrumento para delegação de serviços públicos.
536
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
537
SUNDFELD, Carlos Ari; ROSILHO, André. Onde está o princípio universal da licitação? In: SUNDFELD, Carlos Ari; JURKSAITIS, Guilherme
Jardim (Org.). Contratos públicos e direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
538
DALLARI, Adilson Abreu. Credenciamento. Revista Eletrônica de Direito do Estado, n. 5. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia.
315
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
539
FERRAZ, Luciano. Licitações, estudos e práticas. Rio de Janeiro: Esplanada.
540
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética.
541
SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros.
316
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não obstante, é de se notar que nenhum contrato celebrado pela Administração Pública es-
tará exclusivamente sob a égide do Direito Privado, sempre havendo alguma interferência do Direi-
to Público, em maior ou menor grau, já que “o interesse público existe em todos os comportamen-
tos da Administração Pública, inclusive nos contratos regidos pelo Direito Privado”. 543 Portanto,
“uns e outros estão parificados pelo menos quanto às condições e formalidades para estipulação e
aprovação, disciplinadas pelo Direito Administrativo”. 544
Alguns doutrinadores distinguem as duas espécies levando em conta o interesse público en-
volvido. Nos contratos administrativos propriamente ditos, as prestações decorrentes do ajuste
estão direta e imediatamente relacionadas à satisfação de um interesse público específico, de mo-
do que as obrigações assumidas pelos contratantes são regidas pelo Direito Público. Já nos contra-
tos privados da Administração, as prestações estão apenas indiretamente voltadas à satisfação do
interesse público geral, envolvendo obrigações regidas pelo Direito Privado.
542
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
543
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
544
MELLO, Curso..., cit.
545
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
317
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
546
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
318
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
xo das normas de Direito Público nos contratos privados da Administração é bem menor dos que
nos contratos administrativos propriamente ditos.
Várias situações podem vir a desequilibrar um contrato administrativo, tais como a alteração
unilateral do contrato imposta pela Administração contratante; medidas tomadas sob titulação
diversa da contratual (fato do príncipe e fato da administração); fatos imprevisíveis produzidos por
547
MELLO, Curso, cit.
548
FIGUEIREDO, A equação econômico-financeira do contrato de concessão. Aspectos pontuais.
319
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
forças alheias às pessoas contratantes (superveniência de força maior ou caso fortuito); sujeições
ou interferências imprevistas (fato anterior, porém desconhecido dos contratantes no momento da
contratação, que acaba por onerar o contrato); inadimplência da Administração contratante (viola-
ção contratual).
Registre-se que, no caso específico das concessões de serviço público, o art. 9º, §4º, da Lei
8.987/95 estabelece que
Art. 9º (...)
§ 4º Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio eco-
nômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à al-
teração.
549
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
320
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Outro ponto a destacar é a consagrada teoria da imprevisão, que tem estreita relação com a
velha cláusula rebus sic standibus, implícita em todo contrato, conforme a qual
“as obrigações contratuais hão de ser entendidas em correlação com o estado das
coisas ao tempo em que se contratou. Em consequência, a mudança acentuada
dos pressupostos de fato em que se embasaram implica alterações que o Direito
não pode desconhecer. É que as vontades se ligaram em vista de certa situação, e
na expectativa de determinados efeitos, e não em vista de situação e efeitos to-
550
talmente diversos, surdidos à margem do comportamento dos contraentes.”
Caso fortuito “é o evento da natureza que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria
para o contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato. Caso
fortuito é, p. ex., um tufão destruidor em regiões não sujeitas a esse fenômeno; ou uma
inundação imprevisível que cubra o local da obra; ou outro qualquer fato, com as mesmas
características de imprevisibilidade e inevitabilidade, que venha a impossibilitar totalmen-
te a execução do contrato ou retardar seu andamento, sem culpa de qualquer das partes.”
Fato da Administração “é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e
especificamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução. O fato da Administra-
ção equipara-se à força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilida-
de do particular pela inexecução do ajuste. É o que ocorre, p. ex., quando a Administração
deixa de entregar o local da obra ou serviço, ou não providencia as desapropriações ne-
cessárias, ou atrasa os pagamentos por longo tempo, ou pratica qualquer ato impeditivo
dos trabalhos a cargo da outra parte.”
550
Idem.
551
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
321
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Interferências imprevistas “são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na cele-
bração do contrato mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcio-
nal, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos
trabalhos. As interferências imprevistas não se confundem com outras eventuais superve-
niências (caso fortuito, força maior, fato do príncipe, fato da Administração), porque es-
tas sobrevêm ao contrato, ao passo que aquelas o antecedem, mas se mantém desconhe-
cidas até serem reveladas através de obras e serviços em andamento, dada sua omissão
nas sondagens ou sua imprevisibilidade para o local, em circunstâncias comuns de traba-
lho. Além disso, as interferências imprevistas não são impeditivas da execução do contra-
to, mas sim criadoras de maiores dificuldades e onerosidades para a conclusão dos traba-
lhos, o que enseja a adequação dos preços e dos prazos à nova realidade encontrada in lo-
co, como, p. ex., numa obra pública, o encontro de um terreno rochoso, e não arenoso
como indicado pela Administração, ou mesmo a passagem subterrânea de canalização ou
dutos não revelados no projeto em execução.”
552
STJ, REsp. 1129738/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. 05/10/2010.
322
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Importante destacar que as cláusulas de revisão de preços previstas nos contratos apenas
servem para garantir o equilíbrio no tocante às flutuações monetárias do mercado, sem prejuízo
das demais garantias de preservação da equação econômico-financeira dos contratos fundadas na
teoria da imprevisão, conforme vem entendendo a jurisprudência.
Nesse particular, Cretella Júnior aponta como nulas eventuais disposições contratuais que
impliquem renúncia às garantias baseadas da teoria da imprevisão pelo simples fato de haver cláu-
sulas de revisão de preços:
“Os mais recentes trabalhos públicos ou de fornecimento contêm mesmo uma
cláusula formal pela qual o co-contratante renuncia a pedir qualquer outro tipo
de indenização, notadamente a imprevisão, a não ser as que resultem das cláusu-
las de revisão dos preços. Entretanto, já que o inesperado sempre acontece, preci-
553
MELLO, Curso..., cit.
554
Idem.
323
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Naturalmente,
“a legislação federal tampouco esgota a categorização de contratos administrati-
vos, e não impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definam, por
seu turno, interesses públicos específicos outros, e os disciplinem individualmente
como novas espécies de contratos administrativos, bem como acrescentem suas
respectivas normas específicas para as modalidades definidas em nível nacional.
O que não é possível é reduzir o elenco dos contratos administrativos definidos pe-
556
las normas gerais existentes.”
Assim, a doutrina aponta ainda outras espécies de contratos administrativos, a saber: de for-
necimento, de empréstimo público, de trabalhos artísticos, de gerenciamento, etc. Ao lado des-
ses, há ainda os contratos de concessão de serviço público, concessão de obra pública e a conces-
são de uso de bem público, bem como outras modalidades contratuais específicas.
555
CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Contratos Administrativos, São Paulo: Forense.
556
MOREIRA NETO, Curso..., cit.
324
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Direta é a execução feita pelos órgãos e entidades da Administração, por seus próprios mei-
os. É também chamada de execução por administração, na qual
“os trabalhos são executados diretamente pelos agentes da Administração ou,
sob sua direção, por operários ajustados por dia. A autoridade administrativa in-
teressada tem, então de celebrar contratos de fornecimentos para assegurar os
materiais necessários, a fornecer os recursos para a providência dos trabalhos, a
558
recrutar a mão de obra, se for o caso, mediante locações de serviço.”
Já na execução indireta, o órgão ou entidade contrata com terceiros, sob um dos seguintes
regimes previstos no inciso VIII do art. 6º, Lei 8.666/93:
a) Empreitada por preço global: quando se contrata a execução da obra ou do serviço por
preço certo e total;
c) Tarefa: quando se ajusta mão de obra para pequenos trabalhos por preço certo com ou
sem fornecimento de materiais;
▶ Contrato de serviço: Definindo serviço como toda atividade destinada a obter determinada
utilidade de interesse para a Administração, o art. 6º, II, Lei 8.666/93, apresenta um rol exemplifica-
tivo de serviços: “demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação,
adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-
profissionais”. Segundo Hely Lopes,
“o que distingue, pois, o serviço da obra é a predominância da atividade sobre o
material empregado. A atividade operativa é que define e diversifica o serviço,
557
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
558
CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos..., cit.
325
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Toda atividade contratada pela Administração que não esteja inserida no conceito de obra
pública será um serviço público. Os serviços poderão ser de quatro espécies:
a) serviços comuns: quando não exijam habilitação legal específica do prestador;
d) Serviços artísticos: quando busquem à realização de serviços de belas artes, como, por
exemplo, pintura, escultura, música etc.
O contrato de serviço, ora estudado, não se confunde com o contrato de concessão de servi-
ço público, conforme também será visto em tópico específico.
▶ Contrato de fornecimento: Nos termos do art. 9º, Lei 8.666/93, o contrato de fornecimen-
to envolve a entrega de bens necessários à execução de obra ou serviço da Administração, também
lhe sendo aplicadas as normas referentes às compras em geral. Por meio deste contrato, “a Admi-
nistração adquire coisas móveis (materiais, produtos industrializados, gêneros alimentícios etc.)
necessárias à realização de suas obras ou à manutenção de seus serviços”. 560 Assemelha-se ao con-
trato de compra e venda regido pelo Direito Privado. Cretella Júnior aponta os seguintes elementos
do contrato de fornecimento:
“1º) é um contrato administrativo, ou, o que é o mesmo, realizado pela Adminis-
tração, conforme a norma jurídica que ela dita para cada caso com o fim de aten-
der ao funcionamento de um serviço público e de acordo com um regime de Direi-
to Público;
2º) consiste numa prestação de coisas, produtos ou serviços, sempre e quando
as coisas e produtos tenham de aplicar-se de maneira direta a um serviço público
regido diretamente pela Administração, ou quando se trate de um serviço público,
em si mesmo. Esta característica distingue o contrato de fornecimento de obras
públicas, do de concessão de serviço público e do de prestações pessoais;
3º) realizar-se por conta e risco do fornecedor;
4º) o fornecimento é pago em dinheiro, o que faz com que se assemelhe, em al-
gumas de suas hipóteses, ao contrato de compra e venda, embora não lhe conve-
561
nha tal qualificação, por motivo de conteúdo de Direito Público.”
559
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
560
Idem.
561
CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos Administrativos, cit.
326
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a) fornecimento integral, em que a coisa é entregue pelo fornecedor de uma só vez, ge-
ralmente com pagamento à vista. Nesse caso, o contrato se assemelha a uma simples
compra e venda, a não ser pela necessidade de licitação e observância das regras dos arts.
15 e 16, Lei 8.666/93, dentre as quais está o princípio da padronização (compatibilidade
de especificações técnicas e de desempenho);
b) fornecimento parcelado, em que a entrega da coisa se faz por partes até atingir a
quantidade total contratada. Por exemplo: compra de cinco lotes de computadores;
562
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
563
Idem.
327
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
▶ Contrato de concessão: Esta modalidade tem estreita relação com a delegação, a particula-
res, da execução de obras e serviços e públicos, como forma de aliviar o Estado do desempenho
direto de atividades que possam ser melhor executadas pelo setor privado. O regime de concessões
predominou na fase do liberalismo clássico. Com o advento do Estado Social e o desenvolvimento
do modelo burocrático (fase do estatismo), as concessões tiveram a sua importância reduzida, pas-
sando o Estado a intervir diretamente, por meio de seus entes, em diversos setores que antes eram
delegados. Posteriormente, com a reforma do Estado e a gradativa implantação de um modelo
gerencial de administração pública (fase da democracia), as concessões voltaram a ter destaque no
cenário administrativo, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime sistematizado de regula-
mentação (intervenção estatal indireta, por meio de agências reguladoras), como já foi abordado
anteriormente. Maria Sylvia define a concessão como
”o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a exe-
cução remunerada de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de
bem público, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições
565
regulamentares e contratuais.”
• Concessão de serviço público: O fundamento constitucional está no art. 175, CF566. A lei a
que alude a norma constitucional é da competência privativa da União no tocante às normas gerais
564
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
565
Ob. cit., p.266.
566
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
328
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
que estabelece (art. 22, XXVII, CF), ou seja, tem caráter de lei nacional. Para tanto foi editada a Lei
8.987/95, que dispõe o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, bem
como a Lei 9.074/95, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e per-
missões de serviços públicos. Conforme dispõe o art. 2º desta última legislação, a outorga de con-
cessões e permissões de serviços públicos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios de-
penderá de lei autorizativa, salvo nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referi-
dos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e
Municípios. No caso da União, a própria Lei 9.074/95, em seu art. 1º, enumera os serviços e obras
públicas de sua competência passíveis de delegação por concessão ou permissão, quais sejam:
Art. 1º. (...)
IV - vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública;
V - exploração de obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas ou outros
dispositivos de transposição hidroviária de níveis, diques, irrigações, precedidas ou não
da execução de obras públicas;
VI - estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados
em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas.
VII - os serviços postais.
Além desses, existem as autorizações em leis especiais, a exemplo da Lei 9.427/96 (conces-
são de serviço público de energia elétrica). Outros aspectos legais referentes aos contratos de con-
cessão de serviço público já foram abordados no capítulo que tratou da regulação, concessões e
parcerias.
329
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Seguindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratos administrativos (art. 22, XXVII, CF), foi editada a Lei 11.079/04, que institui normas gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Os
Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão instituir normas específicas
sobre a matéria.
Nos termos do art. 2º, Lei 11.079/04, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que
pode ocorrer sob duas modalidades:
• concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que
trata a Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa co-
brada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado;
• concessão administrativa: é o contrato de prestação de serviços de que a Administração
Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou forneci-
mento e instalação de bens.
568
BASTOS, Curso..., cit.
569
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
330
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A lei veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a vinte
milhões de reais, cujo período de prestação de serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como
objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a
execução de obra pública. O prazo de vigência da parceria público-privada deve ser compatível com
a amortização dos investimentos realizados e varia de cinco a trinta e cinco anos, incluindo eventu-
al prorrogação. A licitação que deve preceder ao contrato será na modalidade de concorrência.
Para implantar e gerir o objeto da parceria deve ser constituída sociedade de propósito es-
pecífico, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a
negociação no mercado. A lei contém ainda norma expressa no sentido de que, na PPP, não poderá
ocorrer a delegação de funções exclusivas do Estado, tais como funções de regulação, de jurisdição
ou de exercício do poder de polícia.
570
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
331
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não obstante, alguns doutrinadores ainda contestam o seu caráter contratual, apontando a
imprecisão técnica de redação do art. 175, CF. 571 O que se observa, contudo, é que o tratamento
clássico atribuído pela doutrina à permissão (na modalidade de serviços públicos) não mais se coa-
duna com o texto constitucional vigente, não se podendo reputar unilateral algo que a Lei Maior
submeteu ao regime de contratos e licitações. A permissão, portanto, é ato bilateral, ainda que
substancialmente um contrato de adesão, precário e revogável unilateralmente. Ou seja, é contra-
to, ainda que precário se comparado com as garantias asseguradas pela concessão. Mas essa preca-
riedade é menor do que a decorrente de atos administrativos discricionários. Na esfera dos serviços
públicos, as características de ato unilateral e precário, tradicionalmente atribuídas às permissões,
atualmente reservam-se melhor às autorizações, que são em regra discricionárias (salvo algumas
autorizações vinculadas previstas em leis especiais). Já no tocante às permissões de uso de bem
público, inexiste controvérsia de que são atos unilaterais e precários, e não contratos, conforme
será estudado no capítulo do domínio público.
571
MELLO, Curso..., cit.
332
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Estipula-se o contrato para ser naturalmente cumprido, pela conclusão dos trabalhos e a en-
trega do objeto ao contratante, ou pelo decurso do prazo determinado para a sua vigência. Como
enuncia Diógenes Gasparini,
“concluído o objeto pelo contratado e recebido pela Administração Pública, extin-
gue-se o contrato, independentemente de qualquer formalidade. Com efeito, se o
contrato foi celebrado em função do desejado pela Administração e esse desejo
572
foi plenamente satisfeito, não há razão para a continuidade do contrato.”
Nos contratos cujo objeto é cumprido de forma continuada no tempo, a extinção dá-se pelo
natural decurso do seu prazo de vigência, já que o art. 57, §3º, Lei 8.666/93, veda o contrato com
prazo de vigência indeterminado. A princípio, os contratos devem ter prazo de duração dentro do
período de vigência do respectivo crédito orçamentário. Mas a Lei 8.666/93 prevê várias hipóteses
em que os contratos poderão se estender além desse prazo (art. 57). Além disso, existem leis espe-
ciais que dispõe sobre contratos administrativos de longo prazo, como é o caso das legislações que
tratam das concessões e permissões públicas (Lei 8.987/95) e das parcerias público-privadas (Lei
11.079/2004).
572
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
333
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ministração ou por consenso dos contratantes) ou por necessária ordem judicial (no caso de a res-
cisão dar-se por iniciativa do contratante particular).
Registre-se que a inexecução total ou parcial do contrato pode ser caso até mesmo de resci-
são do contrato (art. 77, Lei 8.666/93). Antes disso e quando se reputar adequado e suficiente para
punir a falta da contratante (princípio da proporcionalidade), é cabível a aplicação de outras san-
ções mais brandas tais como:
Art. 87. (...)
I - advertência;
II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com
a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública
enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida
334
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedi-
da sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após
decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Todavia, a lei somente prevê a possibilidade de cumulação dessas penalidades se uma delas
for a de multa, como se infere da redação do §2º do art. 87:
Art. 87. (...)
§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas junta-
mente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo proces-
so, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
Logo, por exemplo, não é possível aplicar a sanção de advertência juntamente com a suspen-
são temporária de participação em licitação.
SERVIÇOS PÚBLICOS
CONCEITO
Inicialmente, cumpre examinar os sentidos da terminologia “serviço público”. A palavra “ser-
viço”, em sentido genérico, indica uma prestação, um ato ou efeito de servir.
No período da escola francesa clássica, também chamada Escola do Serviço Público ou Esco-
la de Bordeaux, o termo serviço público era tomado em um sentido amplo, “para abranger toda e
qualquer atividade realizada pela Administração pública” 573, época em que
“não haveria como distinguir os serviços públicos das atividades legislativas e
judiciárias, nem, tampouco, das demais atividades administrativas, como as de
polícia, de ordenamento econômico, de ordenamento social e de fomento públi-
574
co”.
Para Gaston Jéze, a prestação de serviço público era a única atividade do Estado, ao passo
que Léon Duguit dizia tratar-se da atividade primordial do Estado.
Este sentido amplo não mais se adequa à atual realidade, eis que, como diz Odete Medauar,
“se esta fosse a concepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, de-
nominado ‘serviço público’, pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam”. 576 Hodier-
573
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5. ed. São Paulo: RT, 2001, p.367.
574
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.415.
575
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.260.
576
MEDAUAR, op. cit., p.367.
335
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Na busca de um sentido estrito, para que se pudesse enquadrar determinado serviço como
sendo um “serviço público”, passou-se inicialmente a apontar três elementos de identificação: or-
gânico, material e formal. Tais elementos serviam para qualificar o serviço público no primeiro
momento do Estado liberal, em que “o serviço público abrangia as atividades de interesse geral,
prestadas pelo Estado sob regime publicístico”. 577
Pelo elemento orgânico, também chamado de subjetivo, seria serviço público todo aquele
prestado pelo Estado. Este critério mostrou-se falho ao longo do tempo, porquanto nem todo ser-
viço hoje prestado pelo Estado é público, como ocorre quando o Estado explora atividades econô-
micas em concorrência com os particulares ou sob regime de monopólioatividades estas que Celso
Antônio qualifica como “serviços governamentais” e se sujeitam a regras do Direito Privado. De
outra parte, há serviços que, mesmo não prestados diretamente pelo Estado, são considerados
serviços públicos e, como tal, sujeitos ao regime jurídico administrativo, como ocorre com as em-
presas concessionárias de serviços públicos, as quais prestam atividade delegada pelo Estado.
Por fim, pelo elemento formal, o serviço público assim se qualificaria quando prestado sob
regime jurídico de Direito Público. Ocorre que as atividades administrativas são prestadas sob os
mais diversos regimes, ou seja, não existe propriamente um regime de Direito Público aplicável a
todas elas, mas, sim, regimes em que varia o grau de incidência de normas de Direito Público e de
Direito Privado, a depender da atividade. Se o predomínio for de normas que exorbitem daquelas
comumente aplicadas à esfera privada, levando em conta primordialmente o interesse da coletivi-
dade, estar-se-á diante de uma atividade administrada. Porém, mesmo as atividades privadas estão
sujeitas, em algum grau, a normas de Direito Público (como, por exemplo, às referentes à fiscaliza-
ção do poder de polícia). Registre-se, ademais, que nem todas as atividades administrativas (regime
predominantemente público) são serviços públicos, como acontece, v.g., quando o Estado constrói
uma obra pública ou exercita uma função inerente ao seu poder de polícia. Os regimes destas ativi-
dades administrativas, apesar de públicos (marcados pela predominância de normas de Direito
Público), têm distintas peculiaridades.
Nesse passo, Maria Sylvia Di Pietro conclui que “os três elementos normalmente considera-
dos pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um dos
577
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, p.94.
336
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
elementos ou até mesmo dois”, daí a sua definição de serviço público como sendo
“toda atividade material que a lei atribui ao Estado para a exerça diretamente
ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às
578
necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”.
Deveras, o conceito de serviço público é um conceito jurídico, ou seja, é a lei que indicará os
elementos que qualificarão o serviço como público, excluindo-o, total ou parcialmente, do regime
puramente privado e lhe submetendo o regime jurídico administrativo, em maior ou menor grau.
Assim dispõe o art. 175, caput, CF:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-
cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Portanto, trata-se de uma decisão política do legislador ao eleger quais atividades deverão
ser tratadas como “serviços públicos”, atribuindo a elas um regime exorbitante do regime comum
das relações privadas.
O legislador, com vistas a um serviço potencialmente público, isto é, que, por sua natureza,
seja de interesse geral da coletividade, resolve regulá-lo sob um regime jurídico próprio, que exor-
bita do regime privado, observados os ditames constitucionais. Com isso, podemos dizer que quan-
to maior for o número de serviços considerados pelo legislador como serviços públicos, maior será
a abrangência do Direito Administrativo e menor será o alcance do Direito Privado, e vice-versa.
Existem serviços que, por opção do legislador constituinte, já foram qualificadas como servi-
ços públicos, não havendo como o Estado se esquivar de assegurar a sua adequada prestação, seja
por ele próprio (diretamente), seja por um outro ente ao qual ele delegue a execução (indiretamen-
te). Nesse caso, a própria Constituição já cria parâmetros de Direito Público para a tais serviços, de
modo que não poderá o legislador ordinário dispor de modo diverso. Vale dizer, qualquer lei infra-
constitucional que trate desse serviço deve prever um regime predominante público, daí porque
Celso Antônio fala em serviços públicos por determinação constitucional580, como é o caso, con-
forme previsto no art. 21, CF, do serviço postal, de telecomunicações, radiodifusão sonora, energia
elétrica, navegação aérea, aeroespacial, infra-estrutura aeroportuária, transporte ferroviário e a-
quaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de mais de
um Estado ou Território, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, explo-
ração de portos marítimos, fluviais e lacustres. Da mesma natureza tem-se os serviços de segurida-
de social (art. 194), de saúde pública (art. 196), assistência social (art. 203) e educação pública (arts.
205 e 208).
578
DI PIETRO, op.cit., p.97/98.
579
MELLO, op. cit., p.655.
580
Idem, p.670-671.
337
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Todavia, é importante destacar que o legislador não estará livre para qualificar qualquer a-
tividade como sendo um serviço público. Ainda segundo Celso Antônio, há limites constitucionais
para a caracterização de um serviço como público:
“é realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço
público tal ou qual atividade, desde que respeito os limites constitucionais. Afora
os serviços públicos mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser as-
sim qualificados, contanto que não sejam ultrapassadas as fronteiras constituídas
pelas normas relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre i-
581
niciativa.”
Nos serviços industriais e comerciais, qualificados como serviços públicos pelo legislador, o
Estado tomou para si a responsabilidade de sua efetivação, tendo em mira o destinatário do servi-
ço, buscando com isso assegurar a sua prestação adequada e eficiente em prol da sociedade. Já nas
atividades industriais e comerciais desempenhadas pelo Estado na área econômica, o Estado busca
intervir no domínio econômico exclusivamente em razão de imperativos da segurança nacional ou
relevante interesse coletivo, ou, ainda, porque a Constituição institui alguma espécie de monopólio
por razões análogas, conforme previsto nos arts. 173 e 177 da Lei Maior. Não são serviços públicos,
no sentido jurídico do termo, ou seja, a sua prestação submete-se predominantemente a normas
do Direito Privado, apesar de serem desempenhadas por empresas estatais (daí porque são pesso-
as jurídicas de Direito Privado).
A respeito desta distinção, Maria Sylvia Di Pietro salienta que os serviços comerciais e indus-
triais
“podem ser prestados pelo Estado sob dois títulos: como serviços públicos que lhe
são atribuídos por lei e que ele pode desempenhar diretamente ou por meio de
581
Ib idem, p.618.
582
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 79.
338
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Existem ainda determinados serviços de natureza privada, cuja prestação não cabe ao Esta-
do, direta ou indiretamente, mas para os quais a lei prevê autorização pelo Poder Público, como
ressalvado no art. 170, parágrafo único, CF:
Art. 170. (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em
lei.
Nesses casos, as regras do Direito Administrativo somente atuam no que concerne à autori-
zação e à eventual fiscalização pelo Poder Público, segundo os parâmetros de exercício do seu po-
der de polícia. Já no tocante ao desempenho da atividade, à prestação do serviço em si mesmo,
aplicam-se as regras do Direito Privado. É o que ocorre, por exemplo, com os serviços das auto-
escolas para fins de habilitação de motoristas, bem como com os serviços prestados pelas empre-
sas de vigilância. Trata-se de atividades eminentemente privadas cujo exercício, todavia, depende
de autorização do Estado por razões de segurança. Não são serviços públicos no sentido técnico da
palavra, porquanto não se submetem às regras e princípios que consubstanciam o regime jurídico
administrativo.
Em suma, com amparo na doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello584, para se saber se
determinada atividade de alcance coletivo é ou não um serviço público (no sentido jurídico do ter-
mo), deve-se ter em mente as seguintes situações sujeitas a regimes jurídicos distintos:
583
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parceiras na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.43.
584
MELLO, op.cit.
339
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Serviços prestados pela iniciativa privada na área econômica, apenas sujeitos ao po-
der de polícia do estado (licenças e autorizações) – art. 170, CF.
Vale dizer, na execução centralizada, o ente político titular do serviço público o executa dire-
tamente por meio de seu próprio aparato administrativo central (órgãos e agentes da Administra-
ção Direta). Na execução descentralizada, por sua vez, “desloca-se a atividade, ou tão só o seu e-
xercício, da Administração Pública central para outra pessoa jurídica, esta privada, pública ou go-
vernamental”. 585
585
GASPARINI, op. cit., p.279-280.
340
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Ao contrário do que ocorre com a descentralização territorial, na qual o ente criado desem-
penha diversas espécies de serviços, na descentralização funcional o ente criado terá capacidade
específica para desempenhar determinado serviço que lhe foi transferido e que justificou a sua
criação, residindo aí a observância ao princípio da especialização ou especialidade.
586
Idem, p.53.
587
Ib idem, p.54.
588
Ib idem, p.65-66.
341
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
modelo liberal (fase do liberalismo clássico). Com o surgimento do modelo burocrático (fase do
estatismo ou Estado Social), as concessões tiveram a sua importância reduzida, e o Estado passou a
intervir diretamente, por meio de seus entes, em diversos setores que antes eram delegados. Por
fim, com o desenvolvimento do modelo gerencial (fase da democracia), as concessões voltaram a
ter destaque no cenário da Administração Pública, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime
sistematizado de regulamentação (intervenção estatal indireta por meio de agências reguladoras),
que já estudamos quando tratamos dos serviços públicos.
O autor segue, assim, a tradição do direito positivo brasileiro, que aponta a concessão como
modalidade contratual administrativa, tal como o fizeram a Lei 8.987/95 (Lei Nacional de Conces-
sões) e a Lei 9.074/95.
Celso Antônio, porém, não concorda com a assertiva de que a concessão seria um mero con-
trato administrativo, apontando tratar-se, tal como concebido na tradicional doutrina francesa, de
uma relação jurídica complexa, uma figura híbrida que mistura um ato regulamentar unilateral do
Estado concedente, um ato-condição do concessionário e um contrato privado.590
Nos moldes do art. 18, I, Lei 8.987/95, a concessão de serviços públicos deve ter um prazo
determinado. A lei geral não diz qual seria o prazo máximo, ficando a questão reservada a cada lei
autorizativa. Mas há de ser um prazo suficientemente longo para que o concessionário possa amor-
tizar o investimento por ele feito em prol dos serviços e também auferir os lucros que licitamente o
atraíram a colaborar com o Poder Público. Tendo em vista esta peculiaridade da concessão, não se
aplicam a ela os prazos contratuais previstos na Lei 8666/93 para os contratos administrativos em
geral.
Importante registrar que não é qualquer serviço público que pode ser objeto de concessão.
Primeiramente é preciso lembrar o que já se disse em tópico anterior acerca de serviços públicos
que, por determinação constitucional, somente podem ser prestados por entidade estatal (adminis-
tração direta ou indireta) e, portanto, não podem ser delegados à iniciativa privada. Nas palavras
de Celso Antônio, “é necessário que sua prestação não haja sido reservada exclusivamente ao pró-
prio Poder Público”, assinalando o autor que não houve previsão de transferência do serviço postal
e do correio aéreo nacional (art. 21, X, CF), ao contrário do que ocorreu quanto aos serviços de
telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica e outros citados nos incisos XI e XII da Lei
589
GASPARINI, op. cit., p.293.
590
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.696-698.
342
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Maior, estes sim passíveis de concessão. 591 Outrossim, ainda quando não haja impedimento consti-
tucional à delegação, é de se ver que os serviços suscetíveis de concessão ou permissão somente
podem ser aqueles serviços públicos comerciais ou industriais que propiciem a exploração econô-
mica pelos concessionários, em nome próprio e à sua conta e risco, daí advindo a sua remuneração
geralmente por meio de tarifas pagas pelos usuários.
Esta é uma característica essencial das concessões (remuneração pela própria exploração do
serviço), o que as distingue dos simples contratos de prestação de serviços em que a empresa pres-
tadora é paga com verbas dos cofres da Administração Pública. Não obstante, é possível que o con-
trato estabeleça, ao lado das tarifas, outras fontes de receitas alternativas que auxiliem na diminui-
ção do seu valor (princípio da modicidade das tarifas, contemplado no art. 11, Lei 8.987/95). Mas
estas fontes hão de ser complementares ou acessórias, jamais exclusivas, pois isso descaracteriza-
ria completamente o instituto da concessão.
Por outro lado, pode o concessionário explorar o serviço de outra maneira que não mediante
a cobrança de tarifas. É o que ocorre com as concessões de rádio e televisão (radiodifusão sonora
ou de sons e imagens), regidas por normas específicas (art. 223, CF), nas quais, consoante assinala
Celso Antônio,
“o concessionário se remunera pela divulgação de mensagens publicitárias cobra-
das dos anunciantes. Não se trata de tarifas e quem paga por isto não será neces-
sariamente um ‘usuário’. Mas há aí, igualmente, exploração do próprio serviço
592
público concedido”.
Se o serviço, por sua natureza, não puder ser explorado economicamente por conta e risco
do prestador, não será passível de delegação por meio de concessão.
O art. 2º, III, Lei 8.987/95, prevê ainda a figura da concessão de serviços públicos precedida
591
Idem, p.640.
592
Ib idem.
343
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O poder concedente tem direitos análogos aos dos demais contratos administrativos, poden-
do inclusive alterar unilateralmente cláusulas para a melhor prestação do serviço, bem como tem o
dever de fiscalizar, de supervisionar, de sancionar, de intervir para assegurar o cumprimento da
continuidade do serviço público.
É possível a encampação, que é a retomada do serviço pelo poder concedente, antes de ter-
minado o prazo da concessão, em decorrência da rescisão unilateral do contrato por motivo de
interesse público, mediante lei autorizativa e prévio pagamento de indenização quando não hou-
ver culpa do concessionário.
Sempre que extinta a concessão dá-se a reversão, que é a incorporação dos bens da conces-
sionária ao patrimônio do concedente, com a indenização dos bens eventualmente ainda não a-
mortizados. A reversão, portanto, é uma consequência da extinção da concessão, haja vista a afeta-
ção dos bens ao serviço público e a necessidade de sua plena continuidade.
O art. 26, Lei 8.987/95, prevê a possibilidade subconcessão, nos termos do contrato e desde
que expressamente autorizada pelo poder concedente, sempre precedida de concorrência.
A doutrina sempre defendeu que os litígios oriundos dos contratos de concessão não admiti-
riam solução pela via da arbitragem, porquanto envolvem direitos indisponíveis concernentes ao
interesse público. Recentemente, porém, com a Lei 11.196/05, acrescentando o art.23-A na Lei
8.987/95, a legislação passou a prever expressamente o emprego de mecanismos privados de reso-
344
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Seguindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e
contratos administrativos (art. 22, XXVII, CF), foi editada a Lei 11.079/04, que institui normas gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Os
Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão instituir normas específicas
sobre a matéria.
Nos termos do art. 2º, Lei 11.079/04, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que
pode ocorrer sob duas modalidades:
1. Concessão patrocinada: é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que
trata a Lei 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, con-
traprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado;
593
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
594
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
345
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
rios. Por sua vez, as PPPs na modalidade de concessão administrativa distinguem-se dos contratos
administrativos de prestação de serviço regidos pela Lei 8.666, haja vista os altos investimentos
que devem ser feitos pelo parceiro privado e amortizados ao longo do contrato.
A lei veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a dez
milhões de reais, cujo período de prestação de serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como
objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a
execução de obra pública (art. 2º, § 4º, Lei 11.079/04). O prazo de vigência da parceria público-
privada deve ser compatível com a amortização dos investimentos realizados e varia de cinco a
trinta e cinco anos, incluindo eventual prorrogação. A licitação que deve preceder ao contrato será
na modalidade de concorrência.
Para implantar e gerir o objeto da parceria deve ser constituída sociedade de propósito es-
pecífico, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a
negociação no mercado. A lei contém ainda norma expressa no sentido de que, na PPP, não poderá
ocorrer a delegação de funções exclusivas do Estado, tais como funções de regulação, de jurisdição
ou de exercício do poder de polícia.
346
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O caput do referido artigo, dispõe que o regime de permissão também se submeterá às nor-
mas de licitação. Com o advento da Lei 8.987/95, as divergências se acirraram ainda mais, haja vista
dispor, em seu art. 40, que
Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão,
que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licita-
ção, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo po-
der concedente.
Com base nisso, muitos autores passaram a lecionar que as permissões de serviço público
são atos bilaterais e têm o seu regime contratual assemelhado ao das concessões, com algumas
pequenas diferenças apontadas por Edimur Ferreira de Faria:
“A diferença fundamental entre permissão e concessão é que esta se efetiva me-
diante contrato precedido de licitação da modalidade concorrência tendo como
concessionário pessoa jurídica ou consórcio de empresas por prazo certo e longo.
A permissão verifica-se mediante licitação segundo a modalidade própria de a-
cordo com cada caso, através de contrato de adesão de natureza precária. Não é
obrigatório, portanto, a adoção exclusiva da concorrência, como na concessão.
Outra diferença está no fato de que, pela permissão, se pode delegar a prestação
de serviços à pessoa física ou pessoa jurídica, excluída a participação de consórcio
de empresas, enquanto que a concessão se faz a pessoa jurídica ou a consórcio de
empresas. À pessoa física é vedado participar de concorrência que tenha por obje-
595
to a concessão de serviço público.”
Todavia, recomenda-se atenção ao estudante, pois grande parte da doutrina ainda defende o
caráter unilateral das permissões de serviços públicos, não obstante o que consta literalmente no
art. 175, CF, e no art. 40, Lei 8.987/95. Deveras, não se rendendo aos textos de tais disposições, nas
quais considera ter havido uma imprecisão técnica, Celso Antônio Bandeira de Mello segue defen-
dendo que a permissão de serviços públicos não pode ser tratada como contrato, sob pena de per-
der a característica fundamental que a distingue da concessão de serviços públicos. 596
Fato é que, como dito, após o advento da nova ordem constitucional e, sobretudo, com a e-
dição da Lei 8.987/95, instalou-se uma grande polêmica em derredor da efetiva natureza jurídica da
permissão.
595
FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.392.
596
MELLO, op. cit., p.739 e 746.
347
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Não obstante, observa-se que o tratamento tradicionalmente dado pela doutrina à permis-
são de serviços públicos não mais se coaduna com a legislação vigente no Brasil ou, quando menos,
veio sendo gradativamente desnaturado em sua concepção clássica. Com efeito, não raro já se en-
contram, na dinâmica administrativa brasileira, permissões de serviço público com prazo determi-
nado (o que, a princípio, poderia dar direito ao permissionário ao cumprimento do prazo pela Ad-
ministração, obstando a simples revogação a qualquer tempo), permissões em que são investidos
grandes valores pelo permissionário (o que demanda prazo longo para amortização) e até mesmo
permissões em que são fixadas condições à revogação pela Administração.
São casos em que as permissões acabam se revelando como típicos contratos de concessão,
o que levou Maria Sylvia Di Pietro a advertir que
“a forma pela qual foi disciplinada a permissão (se é que se pode dizer que ela foi
disciplinada) pode tornar bastante problemática a utilização do instituto ou, pelo
menos, possibilitar abusos, por ensejar o uso de meios outros de licitação, que
não a concorrência, sob pretexto de precariedade da delegação, em situações em
598
que essa precariedade não se justifique”.
Por fim, ressalve-se que, no tocante às permissões de uso de bem público, inexiste contro-
vérsia de que são atos unilaterais e precários, e assim continuam sendo tratados pela doutrina.
Ocorre que o legislador constituinte, ao tratar da delegação de serviços públicos na regra ge-
ral do art. 175, somente fez referência às concessões e permissões. A menção a autorizações so-
mente se deu em alguns dispositivos que tratam especificamente de certos serviços públicos, a
exemplo do art. 21, XI (telecomunicações) e XII (radiodifusão, energia elétrica, navegação aérea,
transporte coletivo). Também aparece em dispositivos infraconstitucionais, a exemplo do art. 7º,
Lei 9074/95.
348
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
passo que a autorização tratada nos incisos XI e XII do art. 21 diz respeito a duas espécies de situa-
ções:
“a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de teleco-
municação, como o de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de
fibras óticas, mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse pri-
vado delas próprias. Aí, então, a palavra ‘autorização’ foi usada no sentido cor-
rente em Direito Administrativo para exprimir o ato de ‘polícia administrativa’,
que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depen-
de de manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não
haverá gravames ao interesse público;
b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço pú-
blico, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a ado-
ção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão
600
ou concessão”.
Vê-se que esta segunda hipótese mencionada pelo autor é, na verdade, a única que ele con-
sidera referente a serviço público, já que na primeira, como deixou claro, não são propriamente
serviços públicos, mas sim serviços privados apenas materialmente semelhantes àqueles serviços
públicos também tratados no art. 21, XI e XII, porque não são desempenhados no interesse da cole-
tividade. Logo, seu pensamento coincide com o de Hely Lopes Meirelles quando este se reporta aos
serviços públicos autorizados tão somente “para atender interesses coletivos instáveis ou emer-
gência transitória”. 601
Alexandre Santos de Aragão segue opinião semelhante, porém inova ao considerar a existên-
cia de uma espécie de autorização contratual, isto é, uma “autorização” apenas no nome, porque
na verdade se trata substancialmente de concessão ou permissão. 602 Apesar de entender que a
autorização é um instituto próprio para as atividades privadas, Marçal Justen Filho também reco-
nhece haver “autorização de serviços públicos” em hipóteses excepcionais.603 Outros autores, po-
rém, recusam veementemente a existência da autorização de serviço público, reservando a figura
da autorização apenas para o campo do poder de polícia. É o caso de José dos Santos Carvalho Fi-
lho, para quem a delegação de serviço público somente pode ser feita por concessão ou por per-
missão. 604
CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS
Ao se falar em gestão associada de serviços públicos, trata-se aqui especificamente de con-
600
MELLO, op. cit., p.675.
601
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p.352-353.
602
ARAGÃO, op. cit., p.727.
603
JUSTEN FILHO, op. cit., p. 549.
604
CARVALHO FILHO, op. cit., p.342-343.
349
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
vênios firmados entre entes públicos, pois os convênios firmados entre entes públicos e particula-
res têm outra conotação, conforme se verá. A doutrina costuma apontar a distinção entre os con-
vênios e os contratos.
b) nos convênios há uma mútua colaboração entre os seus partícipes, como uma forma de
cooperação;
Por outro lado, Odete Medauar formula críticas aos parâmetros de distinção apontados, res-
saltando que
“a dificuldade de fixar diferenças entre contrato e convênio parece levar a concluir
que são figuras da mesma natureza, pertencentes à mesma categoria, a contra-
605
GASPARINI, op. cit., p.378.
606
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.190.
350
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Pensamos que, mesmo se identificando nos convênios certos aspectos contratuais, assim
como ocorre com nos consórcios públicos que serão examinados mais à frente, tais pactos consubs-
tanciariam, no mínimo, “contratos discutíveis”, porquanto, no dizer da doutrina francesa, “os mes-
mos revelam a existência de certo acordo, sem que se possa assegurar nem que eles são verdadei-
ros contratos, nem que eles não são”. 608
CONSÓRCIOS ADMINISTRATIVOS
Tal como o convênio, o consórcio é empregado no Direito Administrativo como um instru-
mento de gestão associada de atividades de interesse público. A diferença está no fato de que,
segundo tradicional ensinamento doutrinário, no consórcio o acordo de vontades se daria entre
entidades públicas da mesma espécie (ex: somente Estados ou somente municípios).
607
MEDAUAR, op. cit., p.274.
608
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.200. A autora cita os pensamentos de Laubadère, Moderne e Delvolvé.
609
MOREIRA NETO, op. cit., p.185.
610
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.195.
351
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
611
(arts. 71 a 75 da Constituição Federal)”.
Sendo entes sem personalidade jurídica, como enfocado por Diógenes Gasparini, os seus a-
tos ficam sob a responsabilidade dos partícipes ou de uma comissão executiva criada para atuar em
seu nome. É possível ainda que um dos partícipes seja designado para administrar o consórcio ou o
convênio, bem como seja criada uma entidade pública para fazê-lo. 612
CONCEITO E DISTINÇÕES
A responsabilidade civil do Estado consiste no dever de
reparação por danos materiais e morais causados por agentes
públicos no desempenho de suas funções em razão de ação
ou omissão a eles atribuída. É regida por normas de direito
611
MEDAUAR, op. cit., p.274.
612
GASPARINI, op.cit., p.380.
613
DI PIETRO, Parcerias..., cit., p.318.
352
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Outra distinção importante diz respeito ao sacrifício que o Estado pode impor diretamente
aos particulares sem importar em qualquer violação a direito, o que não se confunde com a res-
ponsabilidade civil aqui versada. São os casos de intervenção estatal na propriedade privada, ocor-
rendo situações em que a lei prevê a necessidade de indenização pelo sacrifício da propriedade,
seja este um sacrifício parcial (v.g. a servidão ou a requisição administrativa) ou total (desapropria-
ção). Porém, esta indenização paga ao proprietário não tem como causa remota um prejuízo dire-
tamente causado pelo Estado e, por isso, não configura hipótese de responsabilidade extracontra-
tual. São situações jurídicas diferentes, porque submetidas a distintos regimes jurídicos.
A expressão “sacrifício diretamente imposto” significa que a própria lei já o delimitou previ-
amente como inerente à atuação do Estado, que tem por finalidade imediata exatamente a produ-
ção daquele sacrifício, daí porque, nesses casos, o legislador já cuida de estabelecer os parâmetros
para a indenização dos prejuízos suportados. Coisa diferente acontece quando a atuação do Estado
não tem por finalidade imediata a produção de danos, porém acaba por gerar prejuízos patrimoni-
614
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
615
MELLO, Curso..., cit.
353
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ais a terceiros. Sendo assim, eventual indenização haverá de ser apurada segundo os parâmetros da
teoria da responsabilidade extracontratual do Estado, conforme aqui será estudado.
Alguns autores costumam ainda apontar uma peculiaridade do Direito Administrativo que, ao
contrário do regime privado, admitiria responsabilizar-se o Estado até mesmo por atos lícitos prati-
cados por seus agentes. Ou seja, enquanto no Direito Civil a responsabilidade extracontratual pres-
supõe sempre um dano decorrente de ato ilícito, no Direito Administrativo isso não seria impres-
cindível. É nesse sentido a opinião de Celso Antônio, para quem a indenização decorrente de ato
lícito estatal por vezes pode ser enquadrada como hipótese de responsabilidade extracontratual,
ocorrendo quando o agente público, agindo de acordo com a lei, termina por indiretamente causar
um dano a terceiro.616 Vale dizer, a ação lícita do Estado é direcionada a uma situação que a princí-
pio não produziria qualquer dano a terceiro, mas que acaba produzindo (indiretamente) uma con-
sequência danosa que não pode ser evitada.
Como exemplo de responsabilidade por ato lícito, Mazza cita como exemplo “obras para as-
faltamento de rua diminuindo a clientela de estabelecimento comercial”. 618
Registre, todavia, que este entendimento encontra forte resistência por parte de alguns dou-
trinadores que consideram que o Estado somente pode ser responsabilizado por atos ilícitos; para
estes juristas (os quais, ao que parece, são minoria na doutrina brasileira), se a conduta estatal for
reputada lícita sob todos os ângulos, não haveria de se falar propriamente em responsabilidade
extracontratual. Vale dizer, ou o ato é, por algum ângulo, considerado ilícito, gerando direito à in-
denização por responsabilidade do Estado; ou o ato é totalmente lícito, e a indenização, caso devi-
da pelo Estado, terá outro fundamento jurídico. Assim pensa Marçal Justen619, conforme teremos
oportunidade de examinar em tópico posterior deste capítulo.
A teoria da irresponsabilidade era a que prevalecia ainda nos primórdios do Estado Moderno
quando da gênese do Direito Administrativo, logo após o rompimento com o regime absolutista,
época em que se entendia que o Estado não poderia jamais ser responsabilizado por seus atos,
predominando a ideologia de que o rei nunca erra.
616
MELLO, Curso..., cit.
617
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
618
MAZZA, Manual…, cit.
619
JUSTEN FILHO, Curso..., cit.
620
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
354
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
É certo que na França, já no ano de 1800, foi editada uma lei que tratava do ressarcimento
por danos oriundos de obras públicas.621 Porém, não se reconhecia aí a responsabilidade por atos
ilícitos do Estado soberano. Se ato ilícito houvesse, a ensejar indenização, esta seria da responsabi-
lidade pessoal do agente causador do dano. Vale dizer, apenas
“haveria possibilidade de responsabilização individual dos agentes públicos que,
atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalte-se, porém,
que a responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Esta-
622
do”.
A teoria da irresponsabilidade estatal vigorou na França até o final do século XIX, quando, por
volta de 1873, o Tribunal de Conflitos julgou o famoso Caso Blanco, considerado pela doutrina co-
mo um dos marcos históricos da consolidação do Direito Administrativo, notadamente em tema de
responsabilidade civil do Estado. Tratou-se de situação envolvendo acidente sofrido por uma meni-
na chamada Agnes Blanco, que fora atropelada por um vagão pertencente ao Estado, contra quem
a família pleiteou uma indenização, tendo o Tribunal de Conflitos reconhecido a responsabilidade
da Administração Pública.
Sob influência do liberalismo, a teoria da irresponsabilidade foi sendo aos poucos superada e
evoluindo para a idéia de responsabilidade estatal por culpa (responsabilidade subjetiva do Estado).
Num primeiro momento, reconheceu-se que o Estado, apesar de soberano no tocante aos
atos de império praticados por ordem do príncipe, deveria ao menos responder pelos atos de roti-
na praticados na gestão dos negócios públicos.
621
Em data conhecida como o 28 Pluvioso do Ano VIII, no calendário Napoleônico (oito anos após 1792).
622
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
623
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
624
MAZZA, Manual..., cit.
355
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Esta teoria civilista, que diferenciava os atos de império (praticados com prerrogativas de au-
toridade) dos atos de gestão (praticados em igualdade de condições com os particulares), pregava
que a responsabilidade civil do Estado somente ocorreria em relação a estes e desde que o agente
público atuasse com culpa. Concebia-se, portanto, uma espécie de bifurcação da figura do Estado, o
que na Alemanha veio a ser chamada de Teoria do Fisco. De um lado havia o Estado-soberano,
imune de responsabilidade. De outro, o Estado enquanto gestor do patrimônio público (Fisco).
Posteriormente, essa distinção entre atos de império e atos de gestão deixou de ser aplicada,
mas o parâmetro jurídico da responsabilidade estatal continuou sendo a culpa dos agentes públi-
cos, sem o que nada haveria a indenizar.
Esta segunda teoria civilista, que se pode chamar de teoria da culpa civil ou da responsabili-
dade subjetiva, deixou de lado a distinção entre atos de gestão e de império, mas continuou ape-
gada ao requisito da culpa, sem o qual não se configuraria a responsabilidade. Buscando equiparar
a responsabilidade do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos,
o exame da culpa do agente estatal era feito segundo os mesmos parâmetros de avaliação da culpa
dos particulares.
Entrementes,
“embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a
teoria subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público di-
ante da hipossuficiência do administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima
em comprovar judicialmente a ocorrência de culpa ou dolo do agente público pre-
judicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subjetiva. Foi neces-
sário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibra-
625
da entre o Estado e o administrado.”
Nesse novo momento, passou-se a considerar que a responsabilidade do Estado não poderia
ser regida pelas regras comuns do Código Civil, devendo-se levar em conta a sua atuação contínua e
suas prerrogativas frente aos particulares, tendo em vista a necessidade do serviço público. Buscou-
se então um regime especial a ser aplicado ao Estado, observadas as peculiaridades de sua atuação.
Em que pese ainda apegada ao elemento culpa, esta teoria representou importante avanço
em relação às teorias civilistas, sobretudo porque dispensava a identificação individual do agente
público causador do dano, bastando que se reconhecesse que o prejuízo se dera em decorrência do
serviço público. Adveio daí a noção de culpa anônima, tal como classicamente desenvolvida pelo
jurista francês Paul Duez.
625
MAZZA, Manual…, cit.
356
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Surge finalmente a teoria do risco administrativo, quando não se fala mais em culpa ou falta
do serviço, respondendo a Administração Pública sempre que ocorrer dano produzido por um a-
gente estatal no desempenho de um serviço público (nexo causal). Ou seja, não se exige mais a
falta do serviço, bastando haver o fato do serviço, o que por si só já vincularia o Estado ao dano
produzido, em decorrência do risco por ele assumido.
Porém, é preciso atentar que a teoria do risco administrativo, apesar de lastreada na respon-
sabilidade objetiva, não ignora a eventual ocorrência de excludentes que tenham o condão de
romper com o nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo, bem como atenuantes que diminu-
am a carga de responsabilidade estatal. Ou seja, a responsabilidade fica mitigada ou até mesmo
afastada se restar provado que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou
de que houve culpa de terceiro ou, ainda, motivo de força maior, um fato da natureza sem qual-
quer liame com algum comportamento do Estado. Quanto ao caso fortuito por ato de terceiro, há
divergências na doutrina sobre se exclui ou não a responsabilidade do Estado. Se o ato produtor do
dano tiver relação específica com a atividade administrativa, de modo a inserir-se no risco comum
assumido pelo Estado, deve ele responder objetivamente. Mas se o ato for completamente estra-
nho aos riscos inerentes à atividade administrativa, é de ser afastada a responsabilidade.
Apontando a distinção entre as modalidades de risco, Hely Lopes Meirelles ressalta que
“a teoria do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da Administra-
ção, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou a-
tenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o
risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva in-
denizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa,
apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Admi-
nistração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no e-
vento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente
626
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
357
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Com efeito, adotar inadvertidamente a teoria do risco integral equivaleria a transformar o Es-
tado numa espécie de segurador universal, ou seja, imputando-lhe a responsabilidade por todo e
qualquer infortúnio sofrido pelas pessoas na convivência em sociedade. Daí porque,
“embora seja a visão mais favorável à vítima, o caráter absoluto dessa concepção
produz injustiça, especialmente diante de casos em que o dano é produzido em
decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia de nenhum país
moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral como regra geral a-
628
plicável à responsabilidade do Estado”.
O risco integral somente deve ser adotado em situações excepcionais, quando, por opção po-
lítica, o legislador imponha ao Estado o dever de reparar prejuízos decorrentes de determinadas
atividades consideradas de alto risco. Há, inclusive, autores que, à vista do inciso XXIII, “d”, do art.
21, CF, entendem aplicável a teoria do risco integral em caso de danos nucleares. Ainda assim, a
questão tem alimentado extensas divergências na doutrina.
Na fase do Império, reconhecia-se a responsabilidade por danos provocados por atos esta-
tais, ainda que a indenização ficasse a cargo dos empregados públicos, como dispunha a nossa
Constituição de 1824, em seu art. 179, inc. 29. Com a proclamação da República, a Constituição de
1891, em seu art. 82, manteve a responsabilidade a cargo do funcionário público.
Já no início do séc. XX, o Direito brasileiro passou a adotar a teoria da culpa administrativa,
fundada na responsabilidade subjetiva, ressalvado o direito de regresso contra o agente causador
do dano, consoante veio a ser previsto no art. 15 do Código Civil de 1916.
627
MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.
628
MAZZA, Manual..., cit.
358
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Tal modelo perdurou com a Constituição de 1988, com o acréscimo da possibilidade de ação
regressiva contra o funcionário causador do dano, bem como da responsabilidade das pessoas jurí-
dicas privadas prestadoras de serviços públicos. Atualmente, a responsabilidade extracontratual do
Estado encontra previsão na norma do art. 37, §6º, CF, vazada nos seguintes termos:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos responderá pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a ter-
ceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou cul-
pa.
O novo Código Civil (Lei 10.406/02), em conformidade com a Carta Magna, acolheu a doutri-
na da responsabilidade objetiva, ainda que sem mencionar expressamente as pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público, como se infere do teor do seu art. 43:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por
atos dos seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado o di-
reito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou do-
lo.
Pode-se de certa forma dizer que, no Brasil, doutrina e jurisprudência majoritárias adotam,
como regra geral, a teoria do risco administrativo, com base no art. 37, §6º, CF, apenas admitindo
hipóteses excludentes fundadas na culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, ou, ain-
da, a atenuação da responsabilidade estatal se houver culpa concorrente da vítima.
629
STF, RE 109.615-2, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.08.1996.
359
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Convém registrar, contudo, que, na esteira da doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello,
a responsabilidade objetiva decorrente do risco administrativo somente se aplica aos atos comissi-
vos do Estado, não se podendo invocá-la em relação a atos omissivos. Quanto a estes, a responsa-
bilidade será sempre subjetiva, por aplicação da teoria da falta do serviço (culpa administrativa),
não se devendo aplicar simplesmente a teoria da responsabilidade objetiva que leve em conta a
mera relação causal entre a ausência do serviço e o dano produzido. Assevera o jurista que a res-
ponsabilidade por falta de serviço, falha no serviço ou culpa no serviço “não é, de modo algum,
modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e alhures, às vezes, tem-se
inadvertidamente suposto”. 631
Deveras, seria o verdadeiro caos se o Estado fosse chamado a responder objetivamente por
todo evento danoso que não tenha causado diretamente, apenas se lhe atribuindo uma suposta
conduta omissiva. Seria transformar o Estado em um “segurador universal”, imputando-lhe a culpa
por tudo que desse errado na vida cotidiana das pessoas. Salientando a importância do tema, Sylvio
Motta e William Douglas asseveram que
“através da habilidade de mentes instruídas e quase genais, é possível criar em
quase todo prejuízo de uma pessoa ou grupo econômico alguma relação com a
Administração, seja por sua ação ou omissão. A partir daí, calcado na responsabi-
633
lidade objetiva, iniciam-se ações para que o ente estatal pague a conta.”
A culpa administrativa, nesse caso, deve ser examinada de acordo com critérios de razoabili-
dade e padrões de normalidade na atuação estatal.
A jurisprudência brasileira veio acolhendo a tese defendida por Celso Antônio, adotando a
responsabilidade subjetiva por omissão, como se infere do seguinte trecho de julgado:
630
Idem.
631
MELLO, Curso..., cit.
632
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
633
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Impetus.
360
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Em momento mais recente, houve uma sensível modificação do foco de análise da omissão
estatal, passando a doutrina e a jurisprudência a se valer da distinção entre a omissão genérica e
omissão específica. Segundo essa corrente, o modelo tradicional da culpa administrativa somente
seria aplicável aos casos de omissão genérica, nos quais o Estado não tem o dever de evitar o dano,
porém culposamente contribui para a sua ocorrência. Já na omissão específica, o Estado tem o de-
ver de evitar o dano e assume o risco da sua ocorrência, configurando-se, então, a responsabilidade
objetiva (teoria do risco administrativo). Confiram-se os seguintes posicionamentos doutrinários a
respeito do assunto:
“Não é correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão
estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será
quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica,
635
pois aí há dever individualizado de agir.”
634
STJ, REsp. 888420/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.05.2009.
635
CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
636
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas.
361
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma res-
ponsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos pre-
638
sos.”
“1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugiti-
vo. 2. Não existindo nexo causal entre a fuga do apenado e o crime praticado, não se ca-
640
racteriza a responsabilidade civil do Estado. Precedentes.”
“1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugiti-
vo. Precedentes. 2. A alegação de falta do serviço - faute du service, dos franceses - não
dispensa o requisito da aferição do nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder
público e o dano causado. 3. É pressuposto da responsabilidade subjetiva a existência de
dolo ou culpa, em sentido estrito, em qualquer de suas modalidades - imprudência, ne-
641
gligência ou imperícia.”
Por fim, no que concerne à teoria do risco integral, já se disse que alguns autores a admitem
especificamente no que concerne aos danos nucleares, tendo em vista o disposto no art. 21, XXIII,
c, CF. Todavia, apontam-se divergências doutrinárias a respeito, havendo quem entenda que, mes-
mo nesse caso seria aplicada a teoria do risco administrativo, com eventuais excludentes de res-
ponsabilidade, pois a culpa afastada pelo legislador constitucional seria a do Estado e não a da víti-
ma. 642 Alexandre Mazza até admite a aplicação da teoria do risco integral em situações excepcio-
nais, tais como: acidentes de trabalho (infortunística); indenização coberta pelo seguro obrigatório
para automóveis (DPVAT); atentados terroristas (Leis 10.309/01 e 10.744/03) e dano ambiental
(art. 225, §§ 2º e 3º, CF). Porém, afasta essa possibilidade em relação ao dano nuclear, consideran-
do que
“a Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – Lei 6.653/77 prevê diversas
excludentes que afastam o dever de o operador nuclear indenizar prejuízos decor-
rentes de sua atividade, tais como: culpa exclusiva da vítima, conflito armado, a-
tos de hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da natureza (arts. 6º
e 8º). Havendo excludentes previstas diretamente na legislação, impõe-se a con-
637
STF, RE 607771 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, julg. 20/04/2010.
638
STF, RE 172025/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 08/10/1996.
639
STF, RE 130764/PR, rel. Min. Moreira Alves, julg. 12/05/1992.
640
STF, AI 463531 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 29/09/2009.
641
STF, RE 395942 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/12/2008.
642
GASPARINI, Direito Administrativo, cit.
362
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Casos há, todavia, em que o Estado mantém vínculos especiais com certas pessoas, tais como
servidores públicos, alunos de escolas públicas, presos mantidos em cadeias e penitenciárias etc.
São relações de supremacia especial, também chamadas de relações de custódia, submetidas a
regime disciplinar mais rigoroso e que, por consequência, devem seguir parâmetros distintos de
responsabilidade por parte do Estado.
Em relação aos danos sofridos por servidores públicos no exercício da função pública, são i-
gualmente aplicadas as regras de responsabilidade civil do Estado, sendo insuficiente para afastá-
las o fato de haver uma legislação específica regulando a relação entre o Estado e o seu servidor,
seja civil ou militar.
643
Manual..., cit.
644
Idem.
363
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“a existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei 6.880/80) não isenta a
responsabilidade do Estado, prevista no art. 37,§ 6º, CF, em danos morais causados a
645
servidor militar em decorrência de acidente sofrido durante o serviço”.
Assim, quando uma pessoa de direito privado, estatal ou não, vem a desempenhar uma ati-
vidade administrativa que lhe foi delegada pelo Poder Público (por meio de concessões, permissões
ou outros instrumentos de delegação de serviços públicos), passa a responder objetivamente por
danos que seus agentes causarem a terceiros. Significa dizer que, não obstante a entidade delegada
continue sendo uma pessoa de direito privado, a sua responsabilidade, no tocante a aspectos rela-
cionados ao serviço público, segue normas de direito administrativo.
Registre-se que essa responsabilidade objetiva não beneficia apenas os usuários do serviço
público. Acerca deste pondo, o STF, no julgamento do RE 591.874/MS 646, modificou a jurisprudên-
cia que havia adotado em sentido contrário (RE 262.651/SP), passando a considerar que o art. 37,
§6º, CF, ao tratar da responsabilidade objetiva das prestadoras de serviços públicos, não estabele-
ceu qualquer distinção quanto à qualidade da vítima. Portanto, a regra constitucional aplica-se
tanto a usuários quanto a não-usuários do serviço público.
Ainda no tocante à atuação das empresas prestadoras de serviços públicos, sejam elas esta-
tais ou privadas, surge a indagação sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor no regi-
me jurídico de responsabilidade civil, de modo concomitante ao regime publicista previsto no art.
37, §6º, CF.
Porém, a aplicação concomitante do CDC no que concerne aos usuários do serviço público
tem a vantagem de reforçar a incidência da responsabilidade objetiva decorrente do risco empresa-
rial, que já se tornou usual nas relações privadas, sobretudo após o advento do Código Civil de
2002. Ao lado disso, tem-se que a Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95), ao enumerar os direi-
tos e obrigações dos usuários de serviços públicos em seu art. 7º, deixou claro que tal se dava “sem
prejuízo do disposto na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990”. Aliás, o próprio CDC, em seu art. 6º,
X, contemplou, com direito básico do consumidor, “a adequada e eficaz prestação dos serviços
públicos em geral”.
645
STJ, AgRg no REsp 1266484/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 03/04/2012.
646
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 20.11.2008.
364
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Advirta-se, contudo, que a questão não é tão simples de ser examinada, pois, consoante as-
sinala Dinorá Grotti, impõe-se
“verificar em que medida, extensão e profundidade os serviços públicos encon-
tram-se sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, deve-se
analisar quais as espécies de serviços públicos que se submetem à lei consumeris-
647
ta e quais normas desse diploma legal se aplicam a esses serviços”.
A autora demonstra que os doutrinadores divergem quanto ao alcance desta proteção, uns
defendem uma ampla aplicação do CDC a qualquer espécie de serviço público, enquanto outros se
posicionam pela aplicação do CDC apenas aos serviços divisíveis remunerados pelos usuários (uti
singuli), excluindo daí os serviços gerais prestados pelo Estado gratuitamente (uti universi). É este
segundo entendimento que tem prevalecido na doutrina.
Não obstante reconhecer a correção deste entendimento, salientando que “o STJ vem ex-
pressamente identificando as relações das quais participam usuários de serviços públicos específicos
e remunerados como relações de consumo”, Alexandre de Aragão chama a atenção para outro as-
pecto do problema. É que o fato de o CDC proteger os usuários dos serviços públicos uti singuli
remunerados não significa que a sua incidência deva se dar segundo os mesmos parâmetros aplica-
dos aos consumidores privados. Pondera que
“o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que
eles não são atividades econômicas comuns, sujeitas à liberdade de empresa e
desconectadas da preocupação de manutenção de um sistema prestacional cole-
648
tivo”.
Com efeito, a incidência das regras do CDC nesta seara deve se dar de modo sistemático em
atenção aos princípios e regras administrativas igualmente aplicáveis aos serviços públicos.
Seja como for, o fato é que a jurisprudência brasileira vem reiteradamente decidindo pela in-
cidência do CDC aos serviços públicos comerciais e industriais remunerados por tarifas (telefonia,
energia elétrica, serviço postal, transporte coletivo, água e esgoto, estacionamento público etc.),
porém afastando a sua aplicação no tocante aos serviços estatais gratuitos, custeados diretamente
pelos cofres públicos, bem como as atividades típicas de Estado tais quais as decorrentes do poder
de polícia.649
Registre-se, todavia, que a responsabilidade civil por aplicação do CDC às relações travadas
entre entes estatais ou privados e os usuários de serviços públicos sustenta-se, na maioria das ve-
zes, na existência de um prévio contrato de prestação de serviços (ainda que, por vezes, seja um
contrato verbal). Trata-se, portanto, de responsabilidade contratual. Não obstante, como o STF já
disse que a responsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art. 37, §6º, CF, alcança inclu-
sive os não-usuários do serviço, pensamos que este mesmo raciocínio deve ser empregado para
justificar a incidência do CDC na proteção de todos aqueles que, mesmo não sendo os consumido-
res diretos do serviço, sujeitam-se aos riscos potenciais da sua realização. Imagine-se, por exemplo,
647
GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.
648
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites de aplicação do CDC. Rev. Dir. Proc.
Geral, Rio de Janeiro, (60), 2006.
649
Confira-se, v.g.: STJ, REsp. 976836/RS; REsp.964455/SP; REsp. 993511/MG; AgRg no Ag 777.344/RJ; AgRg no REsp.1135528/RJ;
REsp.625144/SP; REsp.660026/RJ.
365
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
alguém que é vítima de descarga elétrica ao circular por perto de uma torre de energia, ou que tem
o seu veículo abalroado por caminhão do serviço postal.
Noutro giro, parece-nos que, em se tratando de atividade estatal, a grande utilidade na apli-
cação do CDC diz respeito à atuação das sociedades de economia mista e empresas públicas explo-
radoras de atividade econômica stricto sensu (art. 173, CF), como é o caso do Banco do Brasil, da
Caixa Econômica Federal, da Petrobrás etc., que, nessa condição, estariam à margem do regime
específico do art. 37, §6º, CF, o qual, como se disse, só alcança as prestadoras de serviço público.
Não raro são encontrados julgados aplicando, a todas estas empresas, o regime público de
responsabilidade, ao lado das normas de proteção ao consumidor, com o que não concordamos. A
regra geral de responsabilidade civil extracontratual do Estado, extraída do art. 37, §6º, CF, aplica-
se tão somente às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de servi-
ços públicos. Logo, apenas incide sobre as empresas estatais que executam serviços públicos (v.g. o
serviço postal), não incidindo em relação às exploradoras de atividades econômicas de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços, as quais sujeitam-se ao regime próprio das
empresas privadas (art. 173, § 1º, II, CF), somente respondendo objetivamente nas situações espe-
cíficas previstas na legislação civil.
Por derradeiro, cabe destacar a situação peculiar dos serviços públicos notariais e de regis-
tro.
Nos termos do art. 236, CF, eles são exercidos em caráter privado, mas por delegação do Po-
der Público. Trata-se, portanto, de uma modalidade específica de execução de serviço público por
particular, incidindo a regra geral de responsabilidade objetiva por danos decorrentes de atos rela-
cionados à serventia (art. 37, § 6º, CF). Segundo o art. 22, Lei 8.935/94, que regulamentou o art.
236, CF,
Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os preju-
ízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que
designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
650
STJ, REsp 545613/MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 29/06/2007.
651
STF, RE 201595, rel. Min. Marco Aurélio, julg. 28/11/2000.
366
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Em alguns casos o STF reconheceu a responsabilidade objetiva do próprio Estado, com direito
de regresso contra o notário. 652
Contudo, para que haja indenização, não basta um prejuízo financeiro (dano econômico); faz-
se necessário ter havido efetiva violação a direito subjetivo. A responsabilidade civil extracontratual
pressupõe a ocorrência de prejuízo anormal e específico. Sem isso não há dano jurídico a ser inde-
nizado.
Anormal, porque somente cabe indenização para ressarcimento de dano patrimonial consi-
derável. Danos normais ou insignificantes não comportam indenização. Não se indeniza mero abor-
recimento ou desconforto. Dano anormal
“é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em soci-
edade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados nor-
mais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exem-
653
plo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial”.
Específico, porque não é qualquer infortúnio que comporta indenização, senão aqueles que
superem os riscos normais da vida em sociedade e suportados por todos indistintamente. Danos
difusos não comportam indenização. Dano específico
“é aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, atinge um indivíduo
ou uma classe delimitada de indivíduos. Não se indeniza o dano genérico, que é
suportado por todos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coleti-
vidade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor
654
da tarifa de ônibus”.
Somente o dano certo comporta indenização, seja ele atual (dano emergente) ou futuro (lu-
cros cessantes). Não se indeniza dano incerto baseado em mera probabilidade, ou seja, quando não
se tenha elementos concretos para aferir o alcance do dano causado. Mesmo quando se trate de
dano futuro, como dito, já se deve de antemão perceber a sua potencialidade. Essa regra tem sido
flexibilizada com base na doutrina da perda de uma chance, que, segundo a jurisprudência,
“visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de
lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da
possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcança-
ria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que es-
sa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma le-
são às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica
652
RE 518894 AgR/SP, rel. Min. Ayres Britto, julg. 02/08/2011 e RE 209354 AgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, julg. 02/03/1999.
653
MAZZA, Manual..., cit.
654
Idem.
367
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de
655
terceiro”.
Por outro lado, ainda nos termos do dispositivo constitucional, é assegurado ao Estado o
direito de regresso contra o agente responsável, nos casos de dolo ou culpa. Vale dizer: uma vez
tenha o Estado pago uma indenização ao particular que sofreu dano, irá depois buscar que o
agente público, que culposa ou dolosamente o tenha causado, promova o ressarcimento ao erário
daquilo que foi desembolsado naquele pagamento. Tem-se vistas aí exclusivamente à situação
jurídica que se estabele entre o Estado e o agente causador do dano, quando o Poder Público tenha
despendido recursos para indenizar o terceiro, redundando prejuízo ao erário.
Esta exegese busca inclusive proteger o próprio administrado, mormente nos casos em que
não seja identificado exatamente o servidor causador do dano, quando o Estado ainda assim terá
de responder pelo prejuízo causado ao particular (situações de culpa anônima). Outra utilidade da
teoria está em que o administrado fará jus à indenização sem que se precise inferir ter havido culpa
ou dolo do agente (responsabilidade objetiva do Estado por atos comissivos). Com efeito, tendo a
presente ação como causa de pedir a responsabilidade objetiva da autarquia ante fato ocasionado
por um agente seu, descabe perquerir sobre culpa ou dolo deste, questão que ficará reservada, se
for o caso, a eventual ação de regresso proposta pelo Estado contra o servidor.
655
STJ, REsp. 1190180/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 22.11.2010.
368
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Parece-nos, porém, que esta norma não pode ir de encontro ao parâmetro constitucional a-
cima referido, na linha de entendimento do Pretório Excelso.
Outra questão controvertida diz respeito à possibilidade ou não de, no bojo do processo mo-
vido pela vítima, haver a denunciação da lide proposta pelo Estado contra o servidor causador do
dano. Uns entendem necessária a denunciação na forma do art. 125, II, CPC. Outros defendem o
contrário, por entender que, em regra, a ação da vítima contra o Estado não envolve o exame da
culpa do servidor, razão pela qual a denunciação da lide viria a retardar injustificadamente o anda-
mento do feito, em prejuízo da vítima. Nesse caso, restaria ao Estado tão somente propor ação
direta contra o servidor.
Para Mazza,
“a denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medi-
da que traz para a ação indenizatória a discussão sobre culpa ou dolo do agente
público, ampliando o âmbito temático da lide em desfavor da celeridade na solu-
ção do conflito. Por essa razão, a doutrina majoritária rejeita a possibilidade de
denunciação da lide ao argumento de que a inclusão do debate sobre culpa ou do-
lo na ação indenizatória representa um retrocesso histórico à fase subjetiva da
responsabilidade estatal. A jurisprudência e os concursos públicos, entretanto,
têm admitido a denunciação do agente público à lide como uma faculdade em fa-
vor do Estado, o qual poderia decidir sobre a conveniência, ou não, de antecipar a
discussão a respeito da responsabilidade do seu agente, evitando com isso a pro-
positura da ação regressiva. Em abono à denunciação da lide, comparecem ra-
zões ligadas à economia processual, eficiência administrativa e maior celeridade
658
no ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos.”
656
STF, RE327904, rel. Min. Carlos Britto, 15/08/2006.
657
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
658
MAZZA, Manual..., cit.
369
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Atente-se, portanto, à acirrada controvérsia doutrinária a respeito do tema, o que tem se re-
fletido também na jurisprudência. 661
Ao tempo do Código Civil de 1916, a prescrição nas ações pessoais obedecia à regra geral do
art. 177, que previa o prazo de 20 anos. Porém, era pacífica na doutrina e na jurisprudência a pre-
valência do dispositivo específico contido no Decreto 20.910/32, não apenas porque editado após o
Código, mas também por ser norma mais favorável à Administração (considerando-se que a pres-
crição é um instituto cuja essência está na proteção do demandado). Assim, as ações pessoais que
tivessem por objeto a responsabilidade civil do Estado haveriam de ser propostas no prazo de cinco
anos.
Com o advento do novo Código Civil de 2002, diante da previsão específica constante no seu
art. 206, §6º, passando a fixar em 3 anos o prazo prescricional das pretensões visando reparação
civil, foram editados diversos precedentes jurisprudenciais aplicando esse dispositivo também às
ações indenizatórias propostas contra o Poder Público.662 Nessa linha, alguns autores, a exemplo de
José dos Santos, passaram a defender que o prazo de prescrição judicial relacionado ao tema da
responsabilidade extracontratual do Estado passou a ser de 3 anos.663 Ocorre que, diante da con-
trovérsia, o Superior Tribunal de Justiça acabou por fixar o entendimento de que o prazo continua
sendo o do Decreto 20.910/32 (quinquenal). Com efeito, a Primeira Seção daquela Corte assentou
o posicionamento de que “é de cinco anos o prazo para a pretensão de reparação civil do Estado”.
664
659
Atual art. 125, do Novo CPC.
660
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
661
Confira-se, v.g.: STJ REsp. 631.723; RESP 1.187.456; REsp.167.132; RESP 109.208; REsp. 149.999.
662
V.g. STJ, RESP 1137354, rel. Min. Castro Meira, DJ 18.09.2009.
663
CARVALHO FILHO, Manual..., cit.
664
EREsp 1.081.885/RR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julg. 13/12/2010, DJ de 01/02/2011. No mesmo sentido: AgRg no AREsp
32149/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 04/10/2011.
370
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Outra questão que merece destaque diz respeito à prescrição nas ações que versem sobre o
direito de propriedade. Há situações em que a indenização está relacionada a ato ilícito do Estado
que se apoderou da propriedade alheia sem nada indenizar (o chamado apossamento administra-
tivo ou desapropriação indireta) ou sem dar ao bem o destino que teria justificado a desapropria-
ção (a chamada tredestinação), casos em que, não sendo mais possível retomar a propriedade (re-
trocessão), a questão se resolve em perdas e danos.
A reparação civil, nessas hipóteses, assume nitidamente feição real, pois enquanto houver
prazo para o retorno à propriedade, haverá prazo para a correspondente indenização. Ou seja, a
ação calcada em direito à indenização somente pereceria quando não houvesse mais direito de
ação relacionado à propriedade. Por isso, antes mesmo do novo Código Civil, doutrina e jurispru-
dência pregavam que, apesar de o art. 1º, DL 20.910/32, referir-se a qualquer dívida, “seja qual for
a sua natureza”, o prazo de cinco anos somente se aplicaria às ações obrigacionais, de natureza
pessoal, enquanto que, no tocante às ações reais, incidiriam os prazos previstos no art. 177 do Có-
digo Civil de 1916 (dez anos entre presentes e quinze anos entre ausentes). Havia também o en-
tendimento de que se o objeto da ação indenizatória estivesse especificamente relacionado com a
perda do direito de propriedade, deveria ser considerado, por analogia, o prazo de usucapião de
vinte anos em caso de má-fé (art. 550) ou quinze ou dez anos nos casos de justo título e boa-fé (art.
551).
Com o advento do novo Código Civil, o art. 205, ao fixar um prazo geral de prescrição, não fez
mais distinção entre direitos reais e pessoais, estabelecendo um marco de “dez anos, quando a lei
não lhe haja fixado prazo menor”. Porém, em relação à usucapião, o art. 1.238 reduziu o prazo para
15 anos. Logo, seguindo a mesma razão lógica empregada pela jurisprudência ao tempo do Código
anterior, é de se considerar que o prazo prescricional para as ações indenizatórias relacionadas com
a perda do direito de propriedade atualmente é de 15 anos.
Para os fatos ocorridos ao tempo do Código anterior, mas cujo prazo prescricional ainda não
tenha se esgotado quando do advento do novo Código, a contagem deverá considerar a regra de
transição prevista no art. 2.028, CC/02, que dispõe:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na
data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais de metade do tempo estabe-
lecido na lei revogada.
371
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Há casos em que dita regra poderia produzir situações injustas, quando a interrupção se der
antes da primeira metade do prazo, pois nesse caso, recomeçando a correr pela metade, o acionan-
te ficaria em situação pior do que aquele que se manteve inerte. Por isso, a Súmula 383/STF dispõe
que a prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do
ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a inter-
rompa durante a primeira metade do prazo.
Quando a dano causado a um particular, por atuação de agente estatal, for instantâneo (es-
gotar-se num único ato), o prazo prescricional é contado a partir da data da lesão. Já nas chamadas
relações de trato sucessivo, a violação a direito se renova no tempo, de modo que a cada dia so-
brevém um ato que produz uma nova lesão ao particular. A Súmula 85/STJ dispõe que nas relações
jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido
negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
quinquênio anterior à propositura da ação.
É preciso atenção para não se confundir a situação em que o dano decorreu de um ato isola-
do, ainda que os efeitos danosos tenham sido permanentes (a prescrição é contada a partir do ato)
e aquela em que houve sucessivos atos danosos que violaram continuamente um mesmo direito de
natureza moral (a prescrição é contada do último ato). A violação continuada não apenas posterga,
como aumenta a aflição moral a que vem se submetendo a vítima, razão pela qual o STJ tem apon-
665
MELLO, Curso..., cit.
666
Idem.
372
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tado como termo a quo da prescrição a data do último ato danoso praticado, como se infere dos
seguintes trechos de julgados:
“A continuada violação do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de
poluição praticados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do úl-
667
timo ato praticado”.
“Para fins prescricionais, o termo 'a quo', envolvendo violação continuada ao direito de
668
imagem, conta-se a partir do último ato praticado”.
JUROS MORATÓRIOS
Mesmo nas ações indenizatórias contra o Estado, o STJ tem reiteradamente aplicado a orien-
tação geral emanada da sua Súmula 54, segundo a qual
Súmula 54. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsa-
bilidade extracontratual.
Por outro lado, a jurisprudência firmou-se também no sentido de que, uma vez transitada em
julgado a sentença condenatória, concluídos os cálculos de liquidação da dívida e não havendo
disponibilidade orçamentária para pagamento espontâneo, suspende-se a incidência dos juros de
mora enquanto não esgotado o prazo constitucionalmente previsto para a tramitação do respectivo
precatório.
667
STJ, REsp.20645/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 24/04/2002.
668
STJ, REsp. 1014624/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina (convocado), julg.10/03/2009.
669
STJ, AgRg no REsp 1135461/RS, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 26/06/2012.
373
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Versando sobre as espécies de controle da Administração Pública, Odete Medauar 671 aponta
as seguintes modalidades:
→ quanto ao aspecto em que incide:
• de legalidade: defesa da legalidade em geral ou à legalidade contábil-financeira.
• de mérito: exame da conveniência e oportunidade da decisão.
• da ‘boa administração’: análises de eficiência, produtividade e gestão.
670
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
671
MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.
374
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
→ quanto à amplitude:
• de ato: incide sobre atos específicos, considerados isoladamente.
• de atividade: abrange um conjunto de atuações.
O controle poderá ainda ser interno (autocontrole), quando executado por órgãos da própria
Administração controlada, ou externo (heterocontrole), quando executado por órgãos pertencen-
tes a outras estruturas administrativas, sejam eles integrantes de um mesmo Poder (uma espécie
de controle interno externo) ou de Poderes diversos (controle externo propriamente dito). Todos
esses controles têm por objeto o desempenho da função administrativa, alcançando qualquer ór-
gão ou entidade que execute atividades tipicamente administrativas, sejam órgãos da administra
direta, da administração indireta ou, em certos casos, até mesmo particulares, pessoas físicas ou
jurídicas que atuem por delegação do Poder Público ou manuseando recursos públicos.
672
MEIRELLES, Direito Administrativo, cit.
375
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira
das entidades vinculadas à Administração central”. 673
Em suma, o controle interno é, por excelência, controle hierárquico, mas pode se dar tam-
bém sob o regime de supervisão ministerial, hipótese em que se configura uma espécie de “duplo
controle interno” ou um “controle interno exterior”674.
O art. 74, CF, faz expressa menção a um sistema de controle interno relacionado à fiscaliza-
ção orçamentária, financeira e contábil.
O controle externo, por sua vez, é aquele exercido por agentes políticos que não integram o
órgão ou ente da Administração Pública que praticou o ato fiscalizado, compreendendo o controle
parlamentar direto, o controle pelo Tribunal de Contas e o controle jurisdicional.
- Poderes controladores privativos do Senado, como, por exemplo, dispor sobre limites e
condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e in-
terno (art. 52, VIII, CF), estabelecer limites e condições para o montante da dívida mobiliá-
ria dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 52, IX, CF) etc.;
673
Idem.
674
MELLO, Curso..., cit.
376
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Em que pese a atribuição de julgar as contas dos administradores públicos (art. 72, II, CF) e
possuir jurisdição em todo território nacional (art. 73, CF), as decisões definitivas do Tribunal de
Contas, em auxílio ao Poder Legislativo no controle externo, detêm natureza administrativa e não
jurisdicional. Não fazem coisa julgada, de modo que são ainda passíveis de controle pelo Poder
Judiciário.
No âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o controle externo é exercido pela respectiva
Assembléia Legislativa, com auxílio do respectivo Tribunal de Contas do Estado. As Constituições
estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conse-
lheiros (art. 75, CF). No âmbito dos Municípios, o controle externo será exercido pela respectiva
Câmara Municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Con-
selhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art. 31, §1º, CF). Consoante já se posi-
cionou o STF, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estão sujeitos, em matéria de
organização, composição e atribuições fiscalizadoras de seus respectivos Tribunais de Contas, ao
modelo jurídico estatuído na Carta Federal. 675 Saliente-se que a Carta Magna de 1988 manteve a
vedação advinda da Emenda 01/69 quanto à criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de
Contas Municipais (art. 31, §4º, CF), tendo permanecido apenas os já existentes à época, quais se-
jam os Tribunais de Contas dos Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro.
675
STF, RTJ 152:73-4 e 152:398.
377
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
São diversos os mecanismos de provocação do Poder Judiciário para fins de controle da Ad-
ministração Pública.
676
Bandeira de Mello, cit.
677
V.g. STJ, AgRg no REsp 1115711/RJ, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28/05/2012.
378
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
de testemunhas, deverá propor outra modalidade de ação, mas não mandado de segu-
rança. No mandamus admite-se apenas a prova documental pré-constituída, ainda que
não anexa à inicial, mas acessível mediante requisição judicial. Isso é o direito líquido e
certo. Se todas as alegações do impetrante puderem ser comprovadas dessa forma, por
mais complexos e complicados que sejam os respectivos documentos, será cabível o
678
mandado de segurança”.
679
Súmula 266. Não cabe MS contra lei em tese .
Súmula 267. Não cabe MS contra ato judicial passível de recurso ou correição.
Súmula 268. Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em
julgado.
Súmula 304. Decisão denegatória de MS, não fazendo coisa julgada contra o impetrante,
não impede o uso da ação própria.
Súmula 330. O STF não é competente para conhecer de MS contra atos dos tribunais de
justiça dos estados.
Súmula 392. O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da pu-
blicação oficial de suas conclusões, e não da anterior ciência à autoridade para cumpri-
mento da decisão.
Súmula 429. A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o
uso do MS contra omissão da autoridade.
Súmula 430. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo pa-
ra o MS.
Súmula 433. É competente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar MS contra ato de
seu presidente em execução de sentença trabalhista.
678
ARAGÃO, Curso..., cit.
679
Aí compreendidos os atos administrativos normativos (regulamentos) sem operatividade imediata (V.g. STF, RMS 24266 / DF. rel. Min.
Carlos Velloso, julg. 07/10/2003).
379
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Súmula 597. Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em MS decidiu, por
maioria de votos, a apelação.
Súmula 622. Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou in-
defere liminar em MS.
Súmula 623. Não gera por si só a competência originária do STF para conhecer do MS
com base no art.102, I, n, da CF/88, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa
do tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus mem-
bros.
Súmula 624. Não compete ao STF conhecer originariamente de MS contra atos de ou-
tros tribunais.
Súmula 629. A impetração de MS coletivo por entidade de classe em favor dos associa-
dos independe de autorização destes.
Súmula 630. A entidade de classe tem legitimação para o MS ainda quando a pretensão
veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.
Súmula 632. É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de
MS.
Súmula 376. Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança con-
tra ato de juizado especial.
380
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
b) Ação Popular: É uma ação de natureza cível prevista no art. 5º, LXXIII, CF, com a finali-
dade específica de proteção do patrimônio público, entendido este num sentido amplo a
abarcar não apenas o patrimônio financeiro dos entes estatais, mas também o patrimônio
da coletividade. O primeiro aspecto já havia sido contemplado pela Lei 4.717/65, cujo art.
1º estabelece que:
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de
nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos
Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição,
art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segura-
dos ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou
fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incor-
poradas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de
quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
Mas a Constituição ampliou ainda mais o objeto da ação popular, cabível não apenas con-
tra atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade da qual o Estado participe, mas
também contra atos atentatórios à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao pa-
trimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência. A ação popular pode ser proposta por qualquer cida-
dão, ou seja, as pessoas naturais, brasileiros natos ou naturalizados, no gozo dos seus di-
reitos políticos. Excluem-se aí, portanto, as pessoas jurídicas (Súmula 365, STF), os estran-
geiros e os nacionais que não estejam em gozo dos seus direitos políticos. A legitimidade
ativa deve ser comprovada na petição inicial, mediante a juntada do título de eleitor, de-
monstrando o status de cidadão do autor da ação.
c) Ação Civil Pública: É uma ação prevista no art. 129, III, CF, como um dos instrumentos
eficazes ao exercício das funções atribuídas ao Ministério Público, visando a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A Carta Magna expressamente admitiu também a legitimidade concorrente de terceiros
interessados (art. 129, §1º), conforme previsto em lei. Sendo assim, há de ser observado o
rol taxativo de legitimados previsto na lei, a começar pelo art. 5º, Lei 7.347/85, de modo
que podem ajuizar a ação civil pública:
Art. 5º. (...)
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social,
ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos
de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, tu-
rístico e paisagístico.
Além desses, a legislação também atribui legitimidade ativa ao Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil (art. 54, XIV, Lei 8.906/94), bem como a entidades e órgãos
da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especi-
381
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
ficamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa
do Consumidor (art. 82, III, Lei 8.078/90, c/c art. 21, Lei 7.347/85). Ainda segundo dispõe a
Lei 7.347/85, o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obri-
gatoriamente como fiscal da lei, sendo facultado ao Poder Público e às associações legiti-
madas habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Em caso de desistência in-
fundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro
legitimado assumirá a titularidade ativa. O requisito da pré-constituição poderá ser dis-
pensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Admitir-se-á o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos
Estados na defesa dos interesses e direitos protegidos pela ACP. Os órgãos públicos legi-
timados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério
Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e
indicando-lhe os elementos de convicção. E se, no exercício de suas funções, os juízes e
tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil,
remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. Conforme a Súmula
329, STJ, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa
do patrimônio público. O STF já firmou a orientação de que “o Ministério Público de-
tém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte
do Poder Executivo, de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à
saúde”, de modo que, “o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar
que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmen-
te reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separa-
ção de poderes”. 680 Reconheceu-se, outrossim, a legitimidade do MP para propor ação ci-
vil pública quando a controvérsia envolver a defesa de direitos individuais homogêneos de
consumidores681. Por outro lado, tem-se afastado tal legitimidade para a propositura
de ação civil publica contra a Fazenda Pública em defesa de interesses individuais homo-
gêneos de contribuintes.682
680
STF, AI 809018 AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, julg. 25/09/2012.
681
V.g. STF, AI 606235 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 05/06/2012.
682
V.g. STF, RE 604481 AgR / DF, rel. Min. Rosa Weber, julg. 16/10/2012.
382
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
O STF tem precedentes no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para o
ajuizamento da AIP com o fito de obter condenação de agente público ao ressarcimento
de alegados prejuízos que sua atuação teria causado ao erário, ainda que a pessoa jurídica
diretamente interessada não tenha proposto, em seu nome próprio, a competente ação
de ressarcimento. 683
383
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Pode-se afirmar, em síntese, que enquanto princípio jurídico, moralidade é sinônimo de pro-
bidade, ao passo que, tomada como infração jurídica, a improbidade tem sentido mais amplo do
que imoralidade.
687
STJ, REsp 827.445-SP, rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 08/03/2010.
688
DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico.
689
CARVALHO FILHO, op. cit., p. 1088-1089.
384
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Sujeitos passivos dos atos de improbidades são as entidades por eles prejudicadas. Sobre o
tema Lei 8.429/92 assim dispôs:
Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não,
contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da Uni-
ão, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorpo-
rada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade
praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incenti-
vo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio
o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio
ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do i-
lícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Sujeitos ativos dos atos de improbidade são aqueles passíveis de ser enquadrados pela sua
prática, o que alcança todos os agentes públicos (sentido amplo), bem como aqueles que, não atu-
ando como agente público, tenha participado do ato ou dele se beneficiado.
Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ain-
da que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, con-
tratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego
ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
690
DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.
385
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele
se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
386
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
387
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
XVIII - celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a obser-
vância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XIX - agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas
de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas;
XX - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular.
XXI - liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades
privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma
para a sua aplicação irregular.
A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que “para que seja configurado o ato de im-
probidade de que trata a Lei 8.429/99, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, con-
substanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipó-
teses do art. 10”691. Isto porque, “em sede de ação de improbidade administrativa da qual exsur-
gem severas sanções o dolo não se presume”692. Vejamos outros posicionamentos jurisprudenciais
esclarecedores:
691
STJ REsp. 1.261.994, DJ de 13/4/12.
692
STJ, REsp 939.118, DJ de 1º/3/11.
388
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
“A jurisprudência atual desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que não se pode
confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é a ilegalidade tipificada
e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a tipificação
das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92 é indispensável, para a carac-
terização de improbidade, que o agente tenha agido dolosamente e, ao menos, culpo-
samente, nas hipóteses do artigo 10. Os atos de improbidade administrativa descritos no
artigo 11 da Lei nº 8429/92, como visto, dependem da presença do dolo genérico, mas
dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enri-
694
quecimento ilícito do agente”.
“A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das
sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser realizada cum granu salis, má-
xime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas me-
ramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do
administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do
que o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ím-
probo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade, quando a conduta antijurídica
fere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela má-
intenção do administrador. 4. Destarte, o elemento subjetivo é essencial à caracterização
da improbidade administrativa, à luz da natureza sancionatória da Lei de Improbidade
Administrativa, o que afasta, dentro do nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade
695
objetiva”.
693
STJ, EREsp 772.241/MG, DJ de 6/9/2011.
694
STJ, AgRg no REsp 1352541, DJ de 14/02/2013.
695
STJ, REsp 1026516 , DJ de 07/04/2011.
389
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
A apuração interna de ato de improbidade pode ser feita na via administrativa. Havendo e-
lementos que indiquem ter o agente incorrido na prática de ato de improbidade, será aberto Pro-
cesso Administrativo Disciplinar (PAD), para fins de aplicação da respectiva penalidade administra-
tiva prevista em lei, o que pode levar, inclusive, à demissão do servidor.
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente
para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de ato de improbida-
de.
§ 1º A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada, conterá a qualifi-
cação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria e a indicação das pro-
vas de que tenha conhecimento.
§ 2º A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho fundamentado,
se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não
impede a representação ao Ministério Público, nos termos do art. 22 desta lei.
§ 3º Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a imediata a-
puração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será processada na forma
prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratan-
do de servidor militar, de acordo com os respectivos regulamentos disciplinares.
Ao lado disso, a lei prevê ainda a ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público:
Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal
ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurar a prá-
tica de ato de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a re-
querimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.
A abertura do processo pode ser dar por requisição pelo Ministério Público:
Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a
requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de
acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial
ou procedimento administrativo.
Não obstante, por serem controles independentes, a aplicação das sanções previstas nesta
Lei 8.429/92 independe da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou
pelo Tribunal ou Conselho de Contas (art. 21, II).
No mais, a aplicação das sanções por improbidade administrativa previstas no art. 12, Lei
8.429/92696, dependem de processo judicial, cuja ação principal segue o rito ordinário e pode ser
696
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato
de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do
fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando
houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor
do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta
ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer
esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas
vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a
cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o
390
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efeti-
vação da medida cautelar (art. 17). Admite-se a celebração de acordo de não persecução cível (art.
17, §1º, com redação dada pela Lei 13.964/19). A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá
as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público. (art. 17, §2º).
Ainda, havendo a possibilidade de solução consensual, as partes poderão requerer a interrupção
do prazo para contestação, por prazo não superior a 90 dias (art. 17, § 10-A, com redação dada
pela Lei 13.964/19).
Saliente-se que a aplicação das sanções previstas na LIA independe da efetiva ocorrência de
dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento (art. 21, I). Na fixação das pe-
nas (dosimetria), o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito pa-
trimonial obtido pelo agente (art. 12, parágrafo único).
Art. 7º Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar en-
riquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito re-
presentar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre
bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial
resultante do enriquecimento ilícito
Ressalte-se que a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, como a medida cau-
telar de indisponibilidade de bens trata de uma tutela de evidência, basta a comprovação da veros-
similhança das alegações, pois, dada a natureza do bem protegido pela LIA, o legislador dispensou
o requisito do perigo da demora697. Uma vez detectados fortes indícios de responsabilidade do
agente na consecução do ato ímprobo, o periculum in mora está implícito no próprio comando le-
gal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a assegurar o integral ressarcimento
do dano698. Outrossim, a decretação de indisponibilidade não depende da individualização dos bens
pelo Parquet699.
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de
até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito
patrimonial obtido pelo agente.
697
STJ, REsp 1.319.515, DJ de 21/9/12.
698
STJ, REsp 1314092, DJ de 14/03/2013.
699
STJ, REsp 1343293, DJ de 13/03/2013.
391
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
tada pela autoridade judicial ou administrativa competente, sem prejuízo da remuneração, quando
a medida se fizer necessária à instrução processual (art. 20, parágrafo único).
A Lei 8.429/92 cuida de especificar as sanções aplicadas pela prática de atos de improbidade
administrativa.
O inciso I do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 9º (enriquecimento ilíci-
to):
▶ perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio
▶ ressarcimento integral do dano, quando houver
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos
▶ pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial
▶ proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
O inciso II do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 10 (prejuízo ao erário):
▶ ressarcimento integral do dano
▶ perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta cir-
cunstância
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos
▶ pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano
▶ proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais
ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
Nestes dois primeiros tipos de atos de improbidade, o art. 8º da LIA dispõe ainda sobre a
responsabilidade do sucessor:
Art. 8º O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilici-
tamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.
Por fim, o inciso III do art. 12 prevê as seguintes sanções por violação ao art. 11 (atentar
contra princípios):
▶ ressarcimento integral do dano, se houver
▶ perda da função pública
▶ suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos
▶ pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo a-
gente
392
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL
Regra geral, o juízo competente para processar e julgar a ação de improbidade administrati-
va é o de primeiro grau, a exemplo do que ocorre com as ações coletivas em geral. Todavia, a juris-
prudência do STF excepcionou essa regra no tocante aos agentes políticos, considerando o foro
privilegiado destes para o julgamento por crime de responsabilidade e a impossibilidade de haver
dois regimes paralelos de responsabilidade político-administrativa401. O STF também declarou in-
constitucionais dispositivos do CPP que estendia o foro privilegiado dos crimes comuns às ações de
improbidade402. Não obstante, diversos julgados já afastaram a aplicação da RCL 2138 a prefeitos e
secretários municipais, que continuam sujeitos ao 1º grau de jurisdição403. O STJ, por sua vez, alte-
rou entendimento anterior, passando-se a acolher o foro privilegiado quando houver a possibilida-
de de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato404.
A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos
bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em
favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18). A perda da função pública e a suspensão
dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20).
Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro benefi-
ciário, quando o autor da denúncia o sabe inocente (art. 19). Além da sanção penal, o denunciante
está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver pro-
vocado (art. 19).
No tocante à prescrição, as ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas na LIA po-
dem ser propostas:
Art. 23. (...)
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de
função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puní-
veis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou
emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de
contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1º desta Lei.
393
MINISTÉRIO PÚBLICO
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS