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– Revista de Transtornos Alimentares

VÉNUS OLHANDO-SE AO ESPELHO / DIEGO VELÁZQUEZ, 1483 / NATIONAL GALLERY - LONDRES


Cadernos da

abordagem psicanalítica dos


transtornos alimentares 4
MATERNA, DE MARICY RÉGIS - FOTO DE STEFAN LESLIE PATAY

grupo psicoeducativo para


Edição N. 1, março de 2008
pais e cuidadores
de pacientes com transtornos
alimentares da CEPPAN 7

leituras 10,11
agenda 2008
GRUPO PSICOEDUCATIVO 09 de junho
PARA PAIS E CUIDADORES O tratamento nutricional
Profissional convidada:
14 de abril Marluce Nóbrega - Nutricionista,
membro da equipe PROTAD.
Aspectos clínicos e endocrinológicos
dos Transtornos Alimentares
Profissional convidada: 14 de julho
Louise Cominato - Médica pediatra Aspectos psicológicos e a
(Sociedade Brasileira de Pediatria) psicoterapia dos pacientes
e endocrinologista infantil com Transtornos Alimentares
(Sociedade Brasileira
de Endocrinologia e Metabologia); Profissional convidada:
colaboradora do PROTAD (Projeto Ana Paula Gonzaga - Psicóloga
Interdisciplinar de Atendimento, clínica, Psicanalista (Departamento
Ensino e Pesquisa em transtornos Formação em Psicanálise do Instituto
Alimentares da Infância Sedes Sapientiae), Psicoterapeuta
e Adolescência do Instituto individual e grupal do PROTAD
de Psiquiatria do HC-FMUSP); e Coordenadora da CEPPAN.
Cadernos da
médica da Unidade de
Revista de Transtornos Alimentares Endocrinologia Pediátrica do Instituto
da Criança do HC-FMUSP. 11 de agosto
Publicação trimestral da Clínica
O início dos Transtornos
de Estudos e Pesquisa em Psicanálise
da Anorexia e Bulimia (CEPPAN)
Alimentares na adolescência
12 de maio e a importância em compreender
CONSELHO EDITORIAL Os critérios diagnósticos esse momento evolutivo
Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg e as complicações clínicas Profissional convidada:
nos Transtornos Alimentares. Cybelle Weinberg - Psicanalista
REVISÃO O tratamento psiquiátrico (Departamento Formação em
Valter Lellis Siqueira
Profissional convidada: Psicanálise do Instituto Sedes
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Rosa Magaly Morais - Médica Sapientiae), Mestra em Ciências pela
Carlos Alberto Sardenberg FMUSP, Coordenadora da CEPPAN.
Pediatra, especialista em Psiquiatria
PROJETO GRÁFICO E ARTE FINAL Geral pela Associação Brasileira
2 Estúdio Gráfico de Psiquiatria; Médica Psiquiatra
08 de setembro
da Infância e Adolescência pelo
TIRAGEM Serviço de Psquiatria da Infância A família e sua inclusão
1.000 exemplares e Adolescência do IPq-HC-FMUSP. no tratamento
Médica do Ambulatório de Ansiedade
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Profissional convidada:
(AMBULANSIA) SEPIA-IPq-HC-
Ester Z. Schomer - Psicóloga,
FMUSP.
ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Psicanalista, terapeuta familiar do
R. João Moura, 627, cj 203 Ambulatório de Bulimia e Transtornos
cep 05412-001 Alimentares (AMBULIM – IPq – HCF-
tel.(11) 3081 7068 MUSP), psicóloga do Centro de
ceppan@uol.com.br Saúde Mental (CESAME).
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É necessário agendar com antecedência
editorial Ana Paula Gonzaga
Cybelle Weinberg
A Clínica de Estudos e Pesquisas em Psicanálise da Anorexia e Bulimia (CEPPAN)
reúne psicanalistas com um objetivo bem determinado: compreender e definir
um referencial teórico-clínico que alicerce a prática da Psicanálise nos Transtornos
Alimentares.
A CEPPAN começou a formar-se no final da década de 1990, como um grupo de
estudos coordenados por Ana Paula Gonzaga e Cybelle Weinberg, no Departa-
mento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Tomava corpo,
então, a discussão sobre o aumento do número de casos de Transtornos Alimen-
tares, fenômeno que levava ao modismo despropositado de se valorizar um corpo
descarnado, quase etéreo. Esse primeiro grupo de estudos entendeu que se deve-
ria buscar, na literatura psicanalítica, reflexões que pudessem lançar luz e com-
preensão sobre um transtorno tão grave.
Em 2000 constituiu-se o projeto de pesquisa que, desde então, vem realizando, por
meio do exercício clínico da psicanálise e do estudo sistematizado, seus objetivos
iniciais: compreender o funcionamento subjetivo de pacientes com anorexia e bu-
limia nervosas, pesquisar o papel da subjetivação da feminilidade nesses transtornos
e difundir os conhecimentos adquiridos.
A CEPPAN parte de uma ponderação feita por Freud em 1912: “pesquisa e tratamen-
to coincidem em sua execução”. Isto mostra a importância do atendimento clínico.
E que “aqueles interessados em pesquisar devem precaver-se, durante o tratamento,
para que o material apreendido na clínica não fique viciado pela pesquisa”.
Para combinar atendimento clínico e pesquisa, a CEPPAN definiu o seguinte cami-
nho: atender um expressivo número de pacientes com uma mesma patologia por
diferentes psicanalistas, a fim de verificar a validade do método – referendado pe-
la transferência – e a possibilidade de discutir o conceito de feminilidade na cons-
tituição da subjetividade.
A CEPPAN considera, ainda, que é possível combinar as questões observadas na
prática da psicanálise com as evoluções bioquímicas, medicamentosas, realizadas
recentemente na área médica. Desprezar os avanços da Medicina não cabe nos
dias atuais e este, certamente, é um equívoco que Freud não cometeria. Não obs-
tante, articular esta constatação com a psicanálise é uma das tarefas mais difíceis.
A partir desse posicionamento, a CEPPAN promoveu parcerias importantes com
hospitais públicos, como o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, o
Hospital Servidor Público Estadual e o Hospital Universitário da USP, no encaminha-
mento de pacientes.
Passados sete anos, a CEPPAN mantém o atendimento clínico, o estudo sistemático
3
e o propósito da divulgação de conhecimentos sobre os Transtornos Alimentares.
Atingiu, em agosto de 2007, o número de 100 pacientes triados, dos quais grande N. 1/2008
parte recebeu ou ainda recebe acompanhamento gratuito. Criou, também em 2007,
um grupo psicoeducativo para familiares e cuidadores de pacientes, com o objetivo
de orientar e esclarecer os riscos do quadro. Conta, atualmente, com cerca de vin-
te profissionais, que atendem voluntariamente em seus consultórios, promovem
cursos e palestras, oferecem supervisões clínicas e grupos de estudos.
Os Cadernos da CEPPAN, publicação trimestral, consolidam e dão novo impulso ao
objetivo de divulgar os conhecimentos adquiridos ao longo desses anos e abrem um
espaço de interlocução com os profissionais envolvidos com a temática dos
Transtornos Alimentares.
Alicia Weisz Cobelo
abordagem psicanalítica
dos
Ana Paula Gonzaga
Cybelle Weinberg transtornos alimentares*

4
o s Transtornos Alimentares, especialmente nas últimas décadas, têm
sido objeto de muitas investigações científicas. Pesquisadores como Brian
Lask (2000), J. Mitchel (2001) e T. Cordás (2004) têm demonstrado o cará-
N. 1/2008
ter multifatorial na etiologia desses transtornos. São unânimes em reco-
nhecer os aspectos constitucionais, sociais, culturais, familiares e de perso-
nalidade na origem desses transtornos, e ressaltam a importância de uma
abordagem que considere a complexidade clínica no tratamento dessas pa-
tologias.

Alicia Weisz Cobelo Devido a essa complexidade, faz-se necessário avaliar os aspectos físicos,
Psicóloga. Psicanalista. Supervisora da sociais e psicológicos dos pacientes, para propor uma terapêutica multidis-
Psicologia e Terapeuta Familiar do ciplinar estruturada que integre profissionais de diferentes áreas: médico,
Projeto Interdisciplinar de Atendimento, psiquiatra, nutricionista, psicólogo e terapeuta familiar. Neste contexto, o
Ensino e Pesquisa dos Transtornos próprio papel da terapia psicanalítica precisa ser revisto como mais um re-
Alimentares na Infância e Adolescência curso a ser utilizado no tratamento, o que requer adaptações.
(PROTAD) do Ambulatório de Bulimia
e Transtornos Alimentares (AMBULIM)
A abordagem psicanalítica tem sido considerada uma terapêutica indicada
e do Serviço de Psiquiatria da Infância
para o tratamento dos Transtornos Alimentares, especialmente se articula-
e Adolescência (SEPIA) do Instituto
da a uma equipe multidisciplinar, devido às complicações clínicas e de ris-
de Psiquiatria (IPq) do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina
co que esses pacientes apresentam, e que não podem ser negligenciadas.
da Universidade de São Paulo Como afirma Jeammet, a abordagem psicanalítica pode-se apresentar sob
(HCFMUSP). Posgraduanda da FMUSP. duas vertentes: uma clássica, com adaptações da psicoterapia analítica no
Membro da Academy for Eating quadro de uma relação dual, e uma outra, que integre uma série de abor-
Disorders. dagens multidisciplinares incluindo outras técnicas e outros profissionais. A
direção do tratamento analítico, ainda que centrada no sintoma, tem como
Ana Paula Gonzaga objetivo ir além do seu desaparecimento, visando à elaboração do confli-
Psicóloga. Psicanalista. Membro efetivo to subjacente a ele.
do Departamento de Formação
em Psicanálise do Instituto Sedes Do ponto de vista psicanalítico, o sintoma é uma solução de compromisso
Sapientiae. Psicoterapeuta individual
entre o desejo inconsciente e a censura psíquica, ou seja, um representan-
e grupal do PROTAD. Coordenadora
te desse conflito. Se eliminado, mas não resolvido o conflito subjacente a
da CEPPAN.
ele, o sintoma pode retornar ou ser substituído por um outro, diferente. Do
Cybelle Weinberg
ponto de vista psicanalítico, as crises bulímicas e a recusa anoréxica podem
Psicanalista, membro efetivo ser compreendidas como comportamentos que substituem a elaboração
do Departamento de Formação psíquica esperada na resolução de conflitos intrapsíquicos. Os sintomas ca-
em Psicanálise do Instituto Sedes
Sapientiae e Mestra em Ciências pela * parte de artigo “Tratamento Psicodinâmico dos Transtornos Alimentares”, a ser publicado em Cordás,
FMUSP. Coordenadora da CEPPAN. Abreu e Salzano (eds.), Transtornos Alimentares e Obesidade, pela Editora Atheneu, São Paulo.
racterísticos da Anorexia e da Bulimia podem ter uma variedade de signi-
ficados, desde dificuldades nos processos de individuação próprios da ado-
lescência, até sensibilidade a mudanças socioculturais.

Essa compreensão viabiliza tanto a sustentação psicodinâmica quanto a


orientação para o trabalho psicoterapêutico. A avidez ou o repúdio, por
exemplo, também se apresentarão no vínculo com o terapeuta. A manei-
ra como esses pacientes se apresentam reflete sua dificuldade em resolver
problemáticas relacionadas especialmente ao narcisismo, entendido como
base para processos de diferenciação e de desenvolvimento da identidade
que remontam a fases precoces do desenvolvimento infantil. Falhas nesse
processo promovem dificuldades importantes tanto nas referências de iden-
tidade como na discriminação do que é próprio ao mundo interno ou ex-
terno. Observa-se, por exemplo, como pacientes com Transtornos Alimen-
tares são susceptíveis ao que lhes é demandado, dito, ou a como são
vistos. Para Jeammet (1999), são sujeitos cuja “auto-estima é tributária des-
te suporte externo” (op. cit. p.119), o que os leva a oscilar da polaridade de
uma dependência idealizada a uma auto-suficiência quase autística. Ou, se
transpusermos para os quadros clínicos, da vulnerabilidade bulímica à rigi-
dez anoréxica. Essa susceptibilidade narcísica impõe ao analista a necessi-
dade de reconsiderar alguns manejos, especialmente no que diz respeito às
interpretações. Brusset (1999) sublinha a necessidade de conduzir o pro-
cesso analítico de tal maneira que promova o acesso à elaboração dos con-
flitos vividos por esses pacientes como descobertas próprias. Ou seja, pou-
co se interpreta de fato, mas se conduz o tratamento de tal forma que o
paciente ativamente reconheça seus pensamentos e emoções.

Muitos estudos psiquiátricos, segundo Scazufka e Berlink (2004), não reco-


mendam o tratamento psicanalítico para os transtornos alimentares, che-
gando mesmo a contra-indicá-lo, sob o argumento de que seria pouco efi-
caz. Tal posição merece algumas considerações.

Segundo esses autores, essa recomendação deriva dos estudos de Hilde


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Bruch com pacientes anoréxicas, que apresentam, como característica
principal, a pouca autonomia e a queixa de que suas mães sempre falaram N. 1/2008
por elas. No enquadre analítico, as interpretações dos significados incons-
cientes de sua fala, feitas pelo analista, reforçariam, na transferência, o
vínculo de dependência e repetiriam as suas vivências de invasão. Bruch re-
comenda, então, uma atitude mais ativa do analista, estimulando as pacien-
tes a pensarem por si próprias.

Desse modo, a psicanálise, em seus moldes tradicionais, requer adaptações


ao ser eleita como terapêutica no tratamento dos Transtornos Alimentares.
Sem dispensar a formação clássica do psicanalista no manejo dos recursos
técnicos e metodológicos (transferência, abstinência, atenção e análise da
contratransferência, resistências etc.), esses quadros exigem uma certa ade-
quação da técnica e do enquadre. Essas “adaptações” dizem respeito à
• atitude do analista, que, como afirma Brusset (op. cit., p.140), deve dei-
xar ao paciente “a iniciativa da fala sem nada impor, oferecendo-lhe
uma atenção igual para tudo o que ele manifesta de si mesmo, ficando,
durante as sessões, completamente disponível e benevolente quaisquer
que sejam seus propósitos, constituindo uma experiência nova que se-
duz e inquieta”, tendo o “valor de uma reparação narcísica”;
• elaboração de um contrato de peso com o paciente, fixado no início do
tratamento. Esse contrato de peso, proposto pela primeira vez por Helen
Deutch ( ), em meados da década de 1940, consiste em uma promes-
sa mútua, em que a paciente se compromete a não perder peso, e, em
contrapartida, o analista jamais a encorajará a comer ou perguntará so-
bre sua alimentação. Fiorini (1999) chama a atenção para o caráter tec-
nicamente inovador desse tipo de contrato e o aproxima do que chama,
em seu trabalho com patologias narcisistas, de “intervenção vincular”,
que compreenderia uma vasta gama de intervenções ativas do analista
sobre o vínculo com o paciente, podendo assim desejar e manifestar
que o paciente não morra de inanição;
• necessidade de manter contato com os outros profissionais que acom-
panham o paciente e com sua família;
• observação de que esses pacientes não se beneficiam do uso do divã,
sendo a posição face-a-face a mais recomendada, uma vez que preci-
sam “ser vistos” pelo analista, e usá-lo em sua função de espelho pelo
menos até que a sua capacidade simbólica seja restaurada;
• preparação para o trabalho com adolescentes, uma vez que esses trans-
tornos se iniciam principalmente na fase da adolescência, que por si só
exige um trabalho diferenciado.
6
N. 1/2008

Brusset B. Conclusões terapêuticas sobre a bulimia. In: Urribarri R (org.) Anorexia


e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.
Cordás TA. Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Rev Bras Psiquiatr
Clín 31 (4), 2004, 154-157.
Deutsch H. Anorexia Nervosa. In: Urribarri R (org.) Anorexia e Bulimia. São Paulo:
Escuta; 1999.
Fiorini H. Comentários ao artigo de Helen Deutsch. In: Urribarri R (org.) Anorexia
e Bulimia. São Paulo: Escuta; 1999.
Jeammet P. As condutas bulímicas como modalidade de acomodação das desregu-
lações narcisiscas e objetais. In: Urribarri R (org) Anorexia e Bulimia. São Paulo:
Escuta; 1999.
Lask B. Aetiology. In: Anorexia Nervosa and Related Eating Disorders in Childhood
and Adolescence. Lask B; Bryant-Waught R. Psychology Press Ptd. UK,
2000;cap.5, 63-79.
Mitchel J. The Oupatient Treatment of Eating Disorders. University of Minessota
Press, 2001, 115-117.
Scazufca A C; Berlink MT. Sobre o tratamento psicoterapêutico da anorexia e da
bulimia. In: Cardoso M R (org) Limites. São Paulo: Escuta, 2004, 89-106.
grupo psicoeducativo para pais e
cuidadores de pacientes com Priscilla Gonçalves
Liberatti Martins
transtornos alimentares da CEPPAN Vicente Sarubbi Júnior

o alto índice de abandono nos casos de tratamento dos Transtornos


Alimentares tem evidenciado a necessidade de uma conduta terapêutica
que não esteja isolada do contexto familiar. Grupos de orientação a pais
têm apontado para um modelo de intervenção psicoeducativo, com o ob-
jetivo de integrar os elementos que compõem uma proposta de tratamen-
to multidisciplinar.

Sob o enfoque de orientação e esclarecimento, o trabalho psicoeducativo


permite a inclusão participativa dos familiares e cuidadores durante o tra-
tamento, favorecendo a diminuição da angústia familiar, fator decisivo para
a melhora e recuperação do paciente.
7
O contato com profissionais especializados, que abordam de forma didá- N. 1/2008
tica temas específicos como a etiologia e epidemiologia dos Transtornos
Alimentares, conceitos socioculturais, caráter fisiológico e nutricional, e as-
pectos psicodinâmicos encontrados na doença, permite que as famílias
esclareçam suas dúvidas. A troca com outros familiares permite que com-
partilhem seus medos e ansiedades. Esse acolhimento favorece bastante a
adesão das famílias ao tratamento.

Levando esses dados em consideração, e atendendo a uma demanda espe-


cífica de familiares, a CEPPAN iniciou, no primeiro semestre de 2007, o
grupo psicoeducativo para pais e cuidadores. Diante de uma maior divul-
gação dos riscos e da gravidade da doença pelos meios de comunicação,
pais, irmãos, cônjuges, tios, pessoas de importante ligação (babá, autorida-
de religiosa íntima da família, namorados, amigos de referência) entraram
em contato com a CEPPAN para obterem algum tipo de ajuda.
Priscilla Gonçalves Liberatti Martins
Psicóloga. Especializada em Psicologia

funcionamento dos grupos Hospitalar pela ISCMSP. Coordenadora


do Grupo Psicoeducativo para pais
e cuidadores da CEPPAN.
Embora a formação dos grupos e o encaminhamento dos trabalhos tenha
seguido as referências literárias, foram realizadas algumas adaptações para Vicente Sarubbi Jr.
melhor atender às necessidades dos familiares. Psicólogo. Especializado em Psicologia
Aplicada à nutrição Infantil pela
UNIFESP. Pesquisador e Colaborador
Foram programados nove encontros, sendo o primeiro e o nono destinados no Ambulatório de Obesidade
à abertura e ao encerramento das atividades. Sete encontros abertos, quin- do Instituto da Criança – (ICr)
zenais, com duração de uma hora e trinta minutos, foram destinados a te- do HCFMUSP. Membro da CEPPAN.
mas específicos, apresentados por profissionais com experiência em
Transtornos Alimentares.
Cada encontro, dirigido por dois coordenadores – membros da CEPPAN –,
e seguindo uma proposta psicoeducativa, foi divido em três momentos:
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N. 1/2008 1. apresentação do tema pelo profissional convidado (50 minutos);
2. espaço para perguntas e comentários referentes ao tema proposto (30
minutos);
3. fechamento do encontro realizado pelos coordenadores (10 minutos).

No primeiro encontro o grupo foi recepcionado com uma explanação so-


bre a fundamentação e a finalidade terapêutica dos grupos psicoeducativos,
sua estruturação e proposta de trabalho. Nos outros, foram abordados os
seguintes temas:

O tratamento médico-psiquiátrico: critérios diagnósticos para definição do


quadro da Anorexia e da Bulimia Nervosa; epidemiologia; etiologia; inci-
dência; sintomatologia; fatores predisponentes, precipitantes e mantenedo-
res dos Transtornos Alimentares; alimentação e uso de medicamentos; os
Transtornos da Alimentação: o comer restritivo, o comer seletivo e a fobia
alimentar.

O tratamento nutricional: resistências ao tratamento; o que oferecer nas re-


feições; quais os limites; a parceria com os pais; como lidar com o senti-
mento de culpa e paralisação diante do quadro; orientações para o pacien-
te e a família reconstruírem um padrão alimentar saudável.

Aspectos psicológicos e psicoterapia do paciente com T.A.: a inter-relação


de fatores que formam o gatilho para o aparecimento da doença; desenvol-
vimento psíquico infantil; transformações da puberdade; desafios da ado-
lescência.

A família e o tratamento familiar: abordagem de estudos que compro-


vam a eficácia da inclusão da família no tratamento; características co-
muns encontradas nas famílias de pacientes com Anorexia e Bulimia
Nervosa; a doença como um sintoma familiar; o ideal e o possível de um
tratamento.

Adolescência: diferenciação entre pubescência e adolescência; lugar e cri-


se na adolescência; as dificuldades em lidar com as perdas do mundo in-
fantil; imitação, competição e idealizações; sexualidade; limites.

*
Endocrinopediatria: o papel dos hormônios; a importância do tecido gor-
duroso e o apetite; manifestações clínicas secundárias nos Transtornos
Alimentares: amenorréia, retardo puberal, diminuição do crescimento, hi-
potireodismo, osteoporose e osteopenia.

Durante os encontros, procurou-se esclarecer os familiares quanto às suas


dúvidas, especialmente quanto às seguintes questões: número de refeições
necessárias, quantidade e qualidade dos alimentos; como deveriam se com-
portar diante da recusa do paciente em se alimentar; dificuldade em lidar

*
com sentimentos de raiva e culpa diante desta recusa; ganhos secundários
da doença e dificuldade em estabelecer limites; diferença entre cuidar e su-
perproteger.

Segundo a avaliação dos pais, o resultado dos encontros foi satisfatório, es-
pecialmente quanto aos seguintes quesitos: obtenção satisfatória de respos-
tas; aprimoramento de conhecimento; oportunidade de externar dúvidas
e insatisfações com relação ao tratamento; possibilidade de partilhar das
evoluções positivas de outros familiares que passam pelo mesmo problema;
diminuição da ansiedade e maior paciência para ajudar um filho; amplia-
ção para um diagnóstico da família; pedidos de encaminhamento para
psicoterapia individual de alguns pais.

Ao finalizar os encontros propostos, foi satisfatório perceber a realização de


um trabalho que possibilitou confrontar as expectativas teóricas com os da-
dos obtidos na prática. A resposta demonstra que existe uma relação posi-
tiva entre o rebaixamento da ansiedade e o desenvolvimento de uma pers-
pectiva mais benigna do tratamento.

O contato com os profissionais e o interesse pelos encontros que as famí-


lias mantiveram com a CEPPAN, os resultados obtidos na avaliação final e
a demanda por encaminhamentos para atendimento individual mostraram
um favorável grau de mobilização e reconhecimento da implicação dos fa-
miliares e cuidadores no tratamento. Estes resultados estimulam e justificam
a continuidade de novos grupos psicoeducativos.

9
N. 1/2008
Look J; Grance DL; Agras WS; Dare C. Treatment manual for anorexia nervosa: a fa-
mily-based approach. NewYork: The Guildford Press; 2001.
Nunes MAA; Ramos DC; Fasolo C. Transtornos Alimentares. Grupo de orientação
aos pais. Jornal Brasileiro de Psiquiatria; vol 44 supl 1, Outubro, 1995.
Souza LV; Santos MA. A família e os transtornos alimentares. Medicina, 35 (3): 403-
409, jul-set, 2006.
Schomer EZ. O papel da família nos transtornos alimentares. In: Bucaretchi HA.
Anorexia e Bulimia Nervosa: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Casa do
Psicólogo; 2003.
Steiger H. Trailer les troubles des conduites alimentaires: une approche psycho-édu-
cative de groupe. Prisme, 30, 80-97, 1999.
Uehara T e cols. Psychoeducation for the famlilies of patients with eating disorders
and changes in expressed emotions: a preliminary study. Comprehensive
Psychiatry; 42 (2): 132-138, March/April, 2001.
leituras

as fronteiras
Por Ana Paula Gonzaga do eu
m ais do que uma obra de referência, imprescindível a quem se
dedica ao trabalho com pacientes com Transtornos Alimentares, o livro de
Maria Helena Fernandes remete ao cotidiano e à especificidade dessa clí-
nica, tratada com refinamento e delicadeza. A cada página, seu trabalho
consistente e pensamento agudo revelam-se de forma clara e generosa.

A primeira parte do livro é dedicada ao levantamento criterioso das contri-


buições psiquiátricas, nutricionais, culturais e históricas que ampliam o
campo da compreensão dessas patologias através do tempo e das ciências
afins. Apresenta e discute o quadro clínico da anorexia e bulimia nervosas
e os recursos terapêuticos disponíveis. E ainda, tomando a obra freudiana
como ponto de partida, faz uma importante revisão da literatura psicana-
lítica sobre os Transtornos Alimentares.

A segunda parte nos contempla com suas idéias – produzidas pela inquie-
tação diante da clínica – sobre uma das mais expressivas problemáticas vi-
vidas especialmente pelas anoréxicas: a distorção da imagem corporal. M.
Helena trabalha com conceitos psicanalíticos, desfiando toda uma subjeti-
vidade própria dessas pacientes: as dificuldades na percepção das sensa-
ções corporais, a indiscriminação entre os mundos interno e externo, o eu
e o outro, onde o corpo não exerce função de contorno ou fronteira. Tra-
balhando com o conceito freudiano de pára-excitação, propõe uma riquís-
sima compreensão dessa precariedade nos sistemas de fronteira e sua
derivação para a sintomatologia da imagem corporal e a “ausência de au-
tonomia e dificuldade de diferenciação da figura materna”. Discute ainda
a função da dor na formação do ego corporal, dos processos de identifica-
ção e narcisismo, e dos investimentos maternos que resultarão no emara-
10 nhado das relações objetais regidas pela necessidade e pelo prazer.
N. 1/2008
M. Helena conclui o livro abrindo um campo de pensamento com a clíni-
ca referenciando as possibilidades de compreensão e manejo dessas pato-
logias, que têm o corpo por estandarte. Legitima e enfatiza o trabalho ana-
lítico com essas pacientes, reconhecendo a singularidade de seu sofrimento
e convocando a “criatividade dos analistas para abrir possibilidades de cons-
trução e reconstrução de sentidos na experiência subjetiva dessas jovens”.

Resenha de Transtornos Alimentares. Maria Helena Fernandes,


São Paulo, Col. Clínica Psicanalítica, Casa do psicólogo, 2006.
leituras

abordagem psicanalítica
da anorexia e bulimia como
distúrbios da oralidade


e ste estudo pretende abordar, do ponto de vista psicanalítico, a ano-
rexia e a bulimia como distúrbios da oralidade, e fazer uma reflexão sobre
o tratamento dessas manifestações psicopatológicas.

Resgata a tradição judaico-cristã que une o corpo, a carne e a sexualidade,


que, vista como pecado, deve ser eliminada. Isto aponta para uma relação
patológica entre a anorexia, a bulimia e a sexualidade, entendida não ape-
nas como as atividades de prazer genital, mas como toda uma série de vi-
vências presentes desde o nascimento. Na contemporaneidade, essas ma-
nifestações psicopatológicas aparecem associadas ao ideal do corpo
perfeito, sem falhas, representado no corpo das top models.

Inicialmente, a anorexia e a bulimia são estudadas como transtornos ali-


mentares, principalmente do ponto de vista psiquiátrico do Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais na sua quarta edição, o
DSM IV. Em seguida, o critério diagnóstico que indica haver uma “distor-
ção da imagem corporal” nestes pacientes é ampliado, sob a ótica psica-
nalítica.

Por meio de questões suscitadas a partir de fragmentos clínicos e da leitu-


ra de autores que tratam do tema, propõe situar o problema psicopatoló-
gico da anorexia e da bulimia no terreno das adicções e dentro da concep-
ção freudiana da melancolia e do ideal do ego. Entende que a dimensão
perversa do comportamento adictivo na anorexia e na bulimia possui
uma dimensão melancólica subjacente, que remete a um nível primitivo
das relações de objeto. Essa compreensão vai se refletir no enquadre, na
técnica e na transferência, pois a gravidade do conflito oral nessas patolo-
gias demanda atenção especial do psicoterapeuta. É preciso, nesses trata- 11
mentos psicoterápicos, reintegrar os movimentos de vida, apagados pela N. 1/2008
destrutividade.

SCAZUFCA, Ana Cecília M. Abordagem psicanalítica da anorexia e da bu-


limia como distúrbios da oralidade. 1998. Dissertação (Mestrado em Psico-
logia Clínica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
CLÍNICA DE ESTUDOS
E PESQUISAS EM
PSICANÁLISE DA
ANOREXIA E BULIMIA

VI CURSO DE ATUALIZAÇÃO EM
TRANSTORNOS ALIMENTARES
ANOREXIA E BULIMIA NERVOSA

TEMAS DO PROGRAMA
Tendo por pilares a clínica,
a pesquisa e o atendimento • Breve história da Anorexia e Bulimia Nervosa
• Critérios diagnósticos
institucional, este curso • Complicações clínicas
propõe a reflexão da prática • A clínica psicanalítica
• Adolescência
psicanalítica no tratamento • Imagem corporal
• Família
dos transtornos alimentares. • O trabalho em equipe multidisciplinar

DOCENTES DATA
17 de maio de 2008
Ana Paula Gonzaga – CRP - 06/24740-0 – Psicanalista pelo Ins- das 8 às 18 horas
tituto Sedes Sapientiae, coordenadora do CEPPAN e membro da Supervisões devem
equipe multidisciplinar do PROTAD do SEPIA – IPq do HCFMUSP. ser agendadas previamente

Cybelle Weinberg – Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapien- CUSTO


tiae, Mestre em Ciências pela FMUSP, autora de livros sobre Ado- até 09 de maio: R$ 150,00
lescência e Transtornos Alimentares. Coordenadora do CEPPAN. após: R$ 180,00
INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES
Vicente Sarubbi Jr. – CRP - 06/59432-5 – Psicólogo, especiali-
FONE: (11) 3081 7068
zação em Psicologia Aplicada a Nutrição – UNIFESP, membro do
CEPPAN, pesquisador e colaborador no Ambulatório de Obesida- LOCAL
de do ICr-HC-FMUSP. Rua João Moura, 627 – Pinheiros – São Paulo
www.redeceppan.com.br
DESTINADO A: Psicólogos (e estudantes do último ano); Psiquia-
tras (e residentes em Psiquiatria); Nutricionistas; outros profis-
sionais de saúde/educação atuando na área. SERÃO FORNECIDOS CERTIFICADOS

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