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Grupo de Trabalho 3 – Processo Penal: defesa das garantias e liberdades democráticas

A AMPLIAÇÃO DO MAPEAMENTO GENÉTICO INDUZIDA PELA LEI Nº 13.964/2019:


OS IMPACTOS NO PROCESSO PENAL E O AVANÇO DA POLÍTICA CRIMINAL
ATUARIAL NO BRASIL

THE EXPANSION OF GENETIC MAPPING INDUCED BY LAW Nº 13.964/2019: THE IMPACTS


ON THE CRIMINAL PROCEDURE AND THE ADVANCE OF ACTUARIAL CRIMINAL POLICY
IN BRAZIL

Lucas de Souza Gonçalves

Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Advogado inscrito na Ordem dos
Advogados do Brasil, Seccional Goiás, sob o nº 49.184.
Endereço Eletrônico: lucas.souza@carceraria.org.br
Resumo expandido:

Este estudo procurou analisar o prospectivo avanço da política criminal atuarial no Brasil e os
impactos dessa lógica no processo penal a partir da introdução, no ordenamento jurídico brasileiro,
de determinados dispositivos normativos da Lei nº 13.964/2019: o art. 4º, que incluiu os parágrafos
4º e 8º no art. 9º-A da Lei de Execução Penal, além de adicionar o inciso VIII no art. 50 do mesmo
diploma; e o art. 5º, que alterou o art. 1º da Lei de Crimes Hediondos.

Os bancos de DNA podem ser definidos como grandes repositórios de material genético associados
a dados de diversas naturezas (genéticos, médicos, biológicos, familiares, socioambientais), que
formam um reservatório de matéria-prima para pesquisas atuais e futuras.

Os esforços visando o desenvolvimento da Genética Forense no cenário nacional resultaram, em


2009, na assinatura do Termo de Compromisso para utilização do software CODIS, programa de
gerenciamento de perfis genéticos desenvolvido pelo FBI, como já informado.

Mister consignar que, no Estado do Rio de Janeiro, mais de 1100 (mil e cem) pessoas privadas de
liberdade já foram submetidas à coleta de material biológico por Peritos do Instituto de Pesquisa e
Perícias em Genética Forense da Secretaria de Estado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro
no ano de 2019.

A aplicação desse tipo de banco aos dados de identificação de pessoas processadas criminalmente e
para fins de futuras investigações criminais opera nos marcos da intrínseca seletividade do sistema
penal, em que apenas uma parcela específica é capturada pelas agências de controle estatal.

Por oportuno, impende lembrar que atualmente a extração de material genético de alguém para sua
identificação pode ocorrer em duas situações distintas no contexto criminal, a saber: i) como
elemento informativo ou probatório, durante uma investigação preliminar ou instrução processual
penal, em face de determinado caso penal concreto; ii) enquanto informação destinada à
constituição (e ampliação) do banco nacional de perfil genético para utilização eventual em casos
penais. 

Para sistematizar a pesquisa, o estudo iniciou sua análise a partir do debate político que permeou o
Projeto de Lei nº 10.372/2018 e o Projeto de Lei nº 882/2019, convertidos na Lei nº 13.964/2019.
No projeto inicial de autoria do Deputado Federal José Rocha, apresentada na Câmara dos
Deputados no dia 06 de junho de 2019, a proposta de ampliação das hipóteses de coleta de material
genético foi sido inserida mediante a ampliação no número de crimes considerados hediondos e
equiparados, razão pela qual a hipótese de incidência da identificação genética estava ampliada.
Além disso, o projeto contou com uma redação de inclusão do art. 158-A no Código de Processo
Penal, o qual delineou dogmaticamente a cadeia de custódia como o conjunto de procedimentos
utilizados para manter e documentar a cronologia do vestígio coletado. Esse conceito é importante
para a análise da ampliação da identificação do perfil genético do (a) condenado (a), já que ele é
usado também no próprio desenho da fronteira protetiva do material genético coletado, além de
demonstrar a natureza probatória desse modelo de identificação do (a) acusado (a) no processo
penal.

Isso porque, como mostrou o debate político ao redor do projeto, a coleta de material genético
servirá para elucidar a autoria de eventuais crimes que deixam vestígio genotípico.

Adiante, no dia 19 de fevereiro de 2019, o ex-Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio


Moro, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 882/2019, anexado ao PL
10.372/2019, contendo a ampliação normativa do artigo 9º-A na Lei de Execução Penal, com
previsão de identificação do perfil genético de pessoa acusada ou condenada pelo cometimento de
crime doloso, mesmo antes do trânsito em julgado, mediante extração do DNA.

O dispositivo normativo também previu a sanção disciplinar de falta grave ao condenado que se
recusasse a submeter ao procedimento de identificação do perfil genético. Em resumo, a Exposição
de Motivos explicitou: “O art. 9º-A da lei de execuções penais tem alterada a redação do “caput”
e dos seus dois parágrafos, com o objetivo de melhorar o Banco Nacional de Perfis Genéticos e
ampliar o rol dos sujeitos a tal procedimento. Não será mais necessário aguardar o trânsito em
julgado da decisão condenatórias para identificação do perfil genético, mediante extração de DNA
- ácido desoxirribonucleico. Os que já estiverem cumprindo pena serão submetidos a tal exame da
mesma forma e a recusa poderá ser considerada falta grave, gerando reflexos na progressão da
pena”.

Diante do projeto Moro, Ana FRAZÃO e Maria Cristine LINDOSO "a coleta compulsória de DNA
deixa de ser exceção e torna-se a regra, como se tal procedimento fosse algo absolutamente
corriqueiro e não suscitasse complexas discussões sobre os direitos dos condenados, tanto sob o
prisma criminal, como sob o prisma da proteção de dados" FRAZÃO, Ana; LINDOSO, Maria
Cristine. O projeto anticrime de Moro e o problema do tratamento de dados genéticos.

Segundo Machado de Carvalho, a utilização do corpo do imputado como forma de aplacar uma
vontade de verdade em torno do caso penal remonta à metodologia inquisitiva e sua racionalidade
eficientista. Nesse viés, a "intervenção corporal obrigatória" aos condenados, despida de um
concreto fim processual probatório, efetivada sob a declaração oficial de servir a uma situação
futura, incerta e hipotética, não estaria em consonância com um juízo de proporcionalidade apto a
sustentar a compulsoriedade de tamanha intromissão. CARVALHO, Diego Machado de. As
Intervenções Corporais no Processo Penal: entre o desprezo, o gozo e a limitação de direitos
fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, pp. 147-150.

O Projeto de Lei de autoria do Poder Executivo previu, ainda, alteração no art. 7º-A da Lei nº
12.037/2019, aumentando o tempo necessário para a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de
dados, após decorridos vinte anos do cumprimento da pena do acusado condenado.

No dia 14 de maio de 2019 foi realizada audiência pública para tratar especificamente sobre o Tema
07 – Identificação genética; Banco Nacional de Perfis Balísticos (implementação, inclusão e
exclusão de registros). Durante a sessão, o Sr. Leandro Cerqueira Lima, Presidente da Associação
Brasileira de Criminalística e convidado para participar da audiência, sintetizou um fundamento
presente subliminarmente no projeto de alteração legislativa: “Nesse caso, o resultado do trabalho
dela foi que, para evitar um crime grave utilizando o banco de dados de DNA, são necessários 555
dólares. Para alcançar o mesmo resultado de um crime grave utilizando a estratégia de aumento
de pena, são necessários 7.600 dólares. Para a contratação de mais policiais, há um gasto de
62.500 dólares para cada crime evitado. Então, essa é uma solução barata e eficiente para a
prevenção de outros crimes, principalmente quando você foca nos já condenados”.

Diante desse discurso, revela-se que um dos escopos existentes na proposta de ampliação da coleta
de material genético é facilitar e baratear a investigação e a consequente condenação de eventuais
autores delitivos, em especial aqueles que já foram classificados, selecionados e condenados pelo
Estado Penal.

Visualiza-se, com isso, que o inquérito policial e o processo penal tenderão a sofrer profundas
modificações, em especial sobre os procedimentos de designação da autoria. No plano do inquérito,
a polícia judiciária terá meios suficientes para racionalizar a criminalização de seres já punidos,
anteriormente, pelo Estado.

No plano do processo penal, a prova material coletada através do material genético ganhará maior
força de convencimento do poder judiciário, pois se deparará com declarações e laudos constatando
a existência de material genético do acusado na cena do crime, independentemente da fiscalização
do procedimento de coleta do material.

Também na audiência pública, e para exemplificar a força e a importância da coleta de material


genético no rastreamento de pessoas selecionáveis pelo Estado, Maria José Menezes, bióloga e
Coordenadora do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo, relatou: “A
implicação social é enorme. Por quê? Você não está acessando somente os dados dessa pessoa,
desse indivíduo. Você está acessando informações genéticas e você pode acessar informações
genéticas dos ancestrais dessa pessoa. Você pode acessar informações genéticas dos descendentes
dessa pessoa e do grau de parentesco dela. Você pode ter informações genéticas dos irmãos, dos
primos, dos tios dessa pessoa, ou seja, de toda uma rede, de todo um grupo familiar. Você tem uma
informação de extrema importância e de extrema vulnerabilidade para esse conjunto de familiares.
(...) Mesmo que você utilize o sequenciamento em algumas regiões, se houver algum furto ou se
esse DNA passar por algum procedimento não legal, essas informações genéticas do indivíduo
podem incorrer em grave risco para determinado grupo familiar ou inclusive para todo um
segmento”.

Diante desses e de outros discursos levantados na audiência pública, os vestígios deixados pelo
projeto legislativo e suas funções foram progressivamente sendo revelados.

No Parecer do Relator nº 01, do Deputado Capitão Augusto, publicado no dia 2º de julho de 2019, a
temática sobre a alteração do art. 9º-A da Lei de Execução Penal restou assim delineada: “A
modificação proposta é a de realização dessa identificação antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória e em condenados por crimes dolosos, retirando-se a exigência de que seja o
delito praticado com violência. O objetivo é o de deixar mais robusto o Banco Nacional de Perfis
Genéticos e ampliar o rol dos sujeitos a tal procedimento. Por essa razão é que há determinação
de que os que já estiverem cumprindo pena sejam submetidos a tal exame da mesma forma, sendo a
recusa considerada falta grave, o que acarreta reflexos na progressão da pena”.

Diante desse cenário, a ampliação do procedimento de extração do DNA de acusado ou condenado


para cadastro em banco de dados, com sanção disciplinar na execução da pena, e a restrição ao
procedimento de exclusão desse cadastro ganhou corpo argumentativo e se robusteceu no restante
do trâmite legislativo, em decorrência do próprio apoio da Frente Parlamentar Mista da Segurança
Pública.

No dia 4 de dezembro de 2019 foi realizada a Sessão Deliberativa Extraordinária, convocada para
colher a votação dos Deputados sobre o Projeto em comento. O Deputado Lafayette de Andrada
proclamou parecer em plenário, aquiescendo pela constitucionalidade, apresentando substitutivo
que harmonizava os projetos de lei que tramitaram em anexo e declarando a aprovação da Comissão
Especial.

A redação final do projeto manteve a alteração do art. 1º da Lei 8.072/90, com a ampliação do
número de delitos considerados hediondos e equiparados a hediondo, como o roubo com restrição
da liberdade da vítima, o roubo com emprego de arma de fogo, o roubo com resultado lesão
corporal grave ou morte, a extorsão qualificada, o furto qualificado pelo emprego de explosivo,
dentre outros.

Aparentemente, essa ampliação no rol dos crimes hediondos não afetaria a designação das pessoas a
serem submetidas pela identificação genética, já que o art. 9-A do projeto não fazia referência ao
outro. Entretanto, como se mostrará adiante, o veto do art. 9-A manteve a necessidade de se colher
material genético de autores de crimes hediondos e equiparados.

Desse modo, a ampliação dogmática do art. 1º da Lei 8.072/90 permitiu a ampliação da própria
hipótese de incidência da identificação criminal por meio da coleta de material genético. A maioria
dos Deputados seguiu o discurso punitivista normatizado nos Projetos de Lei debatidos,
fortalecendo o apelo pelo assentimento.

O resultado final foi uma aprovação maciça e quase unânime. Em 10 de dezembro do mesmo ano, o
Projeto de Lei foi enviado ao Senado, sob o nº 6341/2019. No mesmo dia, o Senador Relator,
Marcos do Val, apresentou parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania favorável à
aprovação do Projeto de Lei, sintetizando: “Todavia, um olhar mais atento sob as proposições
percebe que algumas delas – como a que cria o Banco Nacional de Perfis Balísticos e o Banco
Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais – buscam tão somente elevar o índice de
elucidação de crimes violentos no Brasil, especialmente dos homicídios”.

O argumento que se seguiu, portanto, foi o de que permitir a ampliação da coleta de material
genético de acusados (as) seria uma estratégia de elevar o índice de elucidação de crimes violentos.
No dia seguinte, o projeto foi, assim, aprovado.

No Executivo, alguns dispositivos do projeto que diziam respeito à identificação criminal mediante
coleta de material genético foram vetados, tais como o caput, o §5º, o §6º e o §7º do art. 9-A. A Lei
foi publicada, portanto, no dia 24 de dezembro de 2019, sob o nº 13.964.

Diante de todo esse processo, o resultado final foi uma ampliação das pessoas que poderão se
submeter à identificação genética, seja pelo aumento no número de crimes considerados hediondos,
seja pela existência de sanção disciplinar em caso de recusa à coleta.

Nesse sentido, a coleta de material genético e o consequente mapeamento do perfil de criminosos


(as) considerados (as) de alto risco terão como alvos imediatos uma parcela ampliada da população
encarcerada, e agora com um novo instrumento de coerção devidamente institucionalizado.
Segundo o X Relatório da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), publicado em
junho de 2019, cerca de 137.600 condenados deveriam ser identificados pelo perfil genético, com
base na Lei nº 12.654/2012.

Ocorre que, com as alterações provocadas pela Lei nº 13.964/2019 e a ampliação dos conceitos
dogmáticos de crimes hediondos e equiparados, o número de pessoas condenadas que deverão se
submeter à coleta de material genético tende a ser maior, como tentou mostrar este trabalho.

O que se vê como horizonte escurecido é o próprio avanço dessa ferramenta atuarial de


classificação, sistematização e rotulação de pessoas consideradas perigosas, ocultando o escopo de
neutralização e eliminação da parcela marginalizada do tecido social.

Essa lógica se aproxima dos conceitos trazidos por Nils Christie sobre a penetração da ideologia
empresarial e administrativa no Estado penal. (CHRISTIE, 1998, p. 51). Maurício Dieter nos
fornece importante contribuição sobre o tema: “Em rápida síntese, entende-se por Política
Criminal Atuarial o uso preferencial da lógica atuarial na fundamentação teórica e prática dos
processos de criminalização secundária para fins de controle de grupos sociais considerados de
alto risco ou perigosos mediante incapacitação seletiva de seus membros. O objetivo do novo
modelo é gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua finalidade não é combater o crime – embora
saiba se valer dos rótulos populistas, quando necessário – mas identificar, classificar e administrar
segmentos sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluída possível” (DIETER, 2012,
p. 8).

O avanço da política criminal atuarial no processo penal demonstrava que a teleologia da


investigação, da condenação e da pena abandonava os discursos retóricos de prevenção geral, de
ortopedia moral e de ressocialização. Nas palavras de Dieter: “A prisão desistia oficialmente de
fabricar sujeitos dóceis e úteis, dedicando-se àquilo que faz melhor: conter e destruir os muito
indóceis e inúteis, subtraindo-os da vida livre em sociedade pelo maior tempo possível” (DIETER,
2012, p. 86).

Nesse mesmo sentido, Franz von Liszt nos mostrou que a pena possui um efeito neutralizador no
seu âmago, ao afirmar que a execução penal tem como sustentáculo a correção dos delinquentes
capazes de se recuperar, a intimidação dos delinquentes que não precisam de correção e a
neutralização dos delinquentes incapazes de se corrigirem (LISZT, 1994, p. 115). Isso porque o
autor parte da premissa de que, analisando dados de reincidência da Prússia no sex. XIX, há
criminosos que são habituais e irrecuperáveis (LISZT, 1994, p. 119).
Depois disso, segundo Dieter, “uma vez definido com precisão o perfil destes criminosos, bastaria
capacitar os agentes da repressão para identificá-los e classificá-los e habilitar o sistema prisional
para neutralizá-los por um longo período de tempo” (DIETER, 2012, p. 88).

Diante dessa política criminal estruturada teoricamente, o liame dialético existente entre ela e a
ampliação da coleta de material genético parece ser cada vez mais notório.

Como visto nos discursos políticos proclamados durante o processo legislativo da aprovação da Lei
nº 13.964/2019, elevar o número de personas classificáveis e selecionáveis pelo genoma faz parte
de um projeto que busca a maior elucidação probatória de crimes cometidos por pessoas que já
foram selecionadas previamente pelo Estado penal.

Nesse sentido, identificação genética nada mais é do que uma espécie de tecnologia capaz de avaliar
o prognóstico de risco da reincidência e de selecionar criminosos rotulados como irrecuperáveis.

Dieter nos mostrou, mais uma vez, esse avanço no bojo da instrução processual: “Como
antecipado, embora a aplicação da lógica atuarial para racionalização do sistema de justiça
criminal tenha começado nas etapas posteriores à sentença condenatória, há um dramático
aumento no uso de prognósticos de risco antes e durante a instrução dos processos criminais, o
que reduz significativamente a possibilidade de interferência subjetiva dos agentes da repressão
(...) A seletividade operada pelos filtros – vistos como gargalos – da criminalização é formal e
objetivamente racionalizada para encontrar e incapacitar apenas os criminosos de alto risco e
perigosos, preconceitos e idiossincrasias à parte.” (DIETER, 2012, p. 170).

E seguindo os próprios ensinamentos críticos do Professor Dieter (DIETER, 2012, p. 192 – 195), é
visível que a ampliação da identificação genética – e o correspondente avanço da política criminal
atuarial – viola o princípio da legalidade.

Primeiro porque a coleta do material genético estaria sendo utilizada e deturpada para produzir e
forçar reincidências. A pessoa identificada no banco de dados genéticos estaria mais propensa para
ser selecionada pelo Estado penal.

Segundo porque o aumento da pena e da incapacitação seletiva estaria baseada em critérios não
legais, derivados de registros previstos em banco de dados.

Terceiro porque o uso da identificação genética servirá para a realização de prognósticos de risco, e
isso estaria associado à regularidade estatística de características físicas e sociais associadas à
criminalidade.
Por fim, por se tratar de uma política que serve apenas para construir e selecionar inimigos sociais,
os quais serão reiteradamente escolhidos para ocupar o espaço carcerário de neutralização e
incapacitação seletiva.

Diante dessa tecnologia de controle social e da identificação descriminante e sistemática de pessoas


consideradas inimigas e perigosas – e que, portanto, segundo o discurso punitivista, devem ser
neutralizadas e eliminadas do espaço social –, o processo penal passará por uma espécie de
refinamento procedimental que camuflará, ainda mais, a seletividade sistêmica e atravessará a
abordagem policial, a sentença e o procedimento administrativo disciplinar de apuração de falta
grave na execução penal.

Isso porque todas essas fases se alimentarão dessa fonte genética de discriminação, de exclusão e de
produção de reincidência para contaminar provas e produzir reiterados condenados, estigmatizando
ainda mais o processo penal e ampliando a reincidência e a seletividade penal.

Palavras-chave: Processo penal; Identificação do perfil genético; Política criminal atuarial;


Reincidência; Lei nº 13.964/2019.

Referência:

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