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O Santo e a Porca

1º ato – (A PEÇA COMEÇA COM CAROBA, PINHÃO E EURICÃO CONVERSANDO NA SALA):

CAROBA – E foi então que o patrão dele disse: “Pinhão, você sele o cavalo e vá na minha frente procurar
Euricão...” (Palito interrompe Laís)

EURICÃO: Euricão não, meu nome é Eurico.

CAROBA: Isso mesmo... Seu Eudoro Vicente disse: “Pinhão, você sele o cavalo e vá na minha frente
procurar Euriques...” (Palito interrompe Laís)

EURICÃO: Eurico!!

CAROBA: “Vá procurar Euriquio...” (Palito imterrompe Laís)

EURICÃO: (impaciente) Chame Euricão mesmo.

CAROBA: Vá procurar Euricão Engole-Cobra (Palito interrompe Laís).

EURICÃO: Engole-Cobra é a mãe!! Chame só de Euricão.

CAROBA: “Vá procurar Euricão e entregue essa carta a ele”.

EURICÃO: Onde está a carta? O que Eudoro Vicente quer comigo?

PINHÃO: Acho que é dinheiro emprestado...

EURICÃO: (Assustado) Hein?!

PINHÃO: Sempre que ele me manda na frente, é para isso.

EURICÃO: E que idéia é essa que eu tenho dinheiro? Você andou espalhando isso foi, Caroba miserável?
Você não tem pena de um pobre como eu?

CAROBA: Eu? Eu não!

EURICÃO: Ai meu Deus, com essa carestia! Ai a crise, ai a carestia!! E é tudo querendo me roubar...
LADRÕES, LADRÕES! (gritando) Mas Santo Antônio me protege!

PINHÃO: O senhor pelo menos deveria ler a carta...

EURICÃO: Eu? Ler essa maldita? Ai a crise, ai a carestia! Santo Antônio me proteja!

Entra MARGARIDA com DODÓ VICENTE.

MARGARIDA: Papai ouvi o senhor gritar... Aconteceu alguma coisa?

EURICÃO: Ainda não ouve nada, mas está para haver!

MARGARIDA: O que ouve Caroba? Pinhão...?? Já sei o que ouve, papai já sabe de tudo, é melhor
confessar!
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DODÓ: Não!! (gritando)

PINHÃO: Não, Dona Margarida, é que o meu patrão mandou uma carta ao seu pai.

MARGARIDA: (disfarçando) Uma carta? Dizendo o quê?

EURICÃO: Só pode ser dinheiro emprestado... aquele ladrão!

CAROBA: Mas Seu Eudoro é um homem rico!

EURICÃO: Esses são os piores! Só os ricos é quem vivem com essa safadeza!

MARGARIDA: Mas papai já leu a carta?

EURICÃO: Não li, não quero ler e nem quero que você leia!!

MARGARIDA: Então tome!

EURICÃO: Não tomo!

MARGARIDA: Não pode ser coisa ruim!

EURICÃO: Só pode ser coisa ruim!!

CAROBA: Mas se for dinheiro emprestado, é só não emprestar!!

EURICÃO: É mesmo!

PINHÃO: Se for dinheiro emprestado...

EURICÃO: (Jogando a carta no chão) Ai!

MARGARIDA: (Apanhando-a) Não é nada de mais, papai!

EURICÃO: Não fala em dinheiro?

MARGARIDA: Não.

EURICÃO: Você jura?

MARGARIDA: Juro.

EURICÃO: Então eu leio. Meu caro Eurico: espero que esta vá ao seu encontro como sempre com os
seus, gozando paz e prosperidade. (Assustado) Ai! Margarida!

MARGARIDA: O que foi, papai?

EURICÃO: Ele está falando em prosperidade! Isso é dinheiro emprestado, não pra onde!

MARGARIDA: Sempre se escreve isso nas cartas meu pai!

EURICÃO: É?
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MARGARIDA: É!

EURICÃO: Continuando... [...] Espero que esteja passando bem sua encantadora filha Margarida, que
não consegui esquecer [...] Ah, isso eu tenho que reconhecer, minha filha é um patrimônio que possuo.
Ele, com toda riqueza que tem não tem uma filha como a minha!

CAROBA: E o senhor, com toda filha que tem, não tem uma riqueza como a dele!

EURICÃO: Como foi?

CAROBA: Nada!

EURICÃO: Mando na frente meu criado Pinhão, homem de toda confiança...

PINHÃO: Obrigado!

EURICÃO: ... para avisá-lo de minha chegada aí. Aonde? Eudoro Vicente está vindo para cá... Ai a
crise, ai a carestia!!

MARGARIDA: Mas ele foi tão gentil...

EURICÃO: Eu não o chamei aqui!

EURICÃO: Ai meu Deus!

MARGARIDA: O que foi, meu pai?

EURICÃO: Olha só o que ele escreveu: Mas quero logo avisa-lo: pretendo priva-lo de seu mais valioso
tesouro!
EURICÃO: Está vendo? Esse ladrão!!

EURICÃO joga-os num quarto qualquer, tranca as portas e pega a sua querida porca.

EURICÃO: Será que me roubaram? Santo Antônio me proteja!(olha a porca e vê que o seu dinheiro está
lá dentro. Deixa todos saírem.) Mas ele não vai ficar aqui em casa!

DODÓ: O senhor vá ao hotel de Dadá e reserve um quarto para o fazendeiro.

EURICÃO: É mesmo! Dodô Boca-da-Noite! Você é um gênio! Agora eu só vou se vocês me garantirem
que ninguém vai entrar aqui... Vocês juram?

MARGARIDA E DODÓ: (Juntos) Juramos!

EURICÃO sai e imediatamente MARGARIDA abraça DODÓ.

MARGARIDA: Meu amor, o que vamos fazer? Tire essa barba horrível.

DODÓ: A que horas o meu pai chega, Pinhão?

PINHÃO: Chega já!

MARGARIDA: É melhor nós confessarmos, meu amor!

DODÓ: Mas como, minha querida?


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MARGARIDA: Talvez se seu pai soubesse que a noiva era eu, permitisse o casamento.

CAROBA: Quer um conselho?

MARGARIDA: Quero!

CAROBA: É melhor que não confessem nada!

MARGARIDA: Porque?

CAROBA: Porque Seu Eudoro vem aqui lhe pedir em casamento! Mas, já sei um jeito de tentar impedir
isso... Seu DODÓ, o senhor não tem uma terrinha?

DODÓ: Tenho mas, ela é pequena e não serve pra nada.

CAROBA: Pra mim vale muito! A coisa que eu mais quero é casar com Pinhão e ter uma terrinha para
trabalhar nela. Se eu conseguir fazer o seu casamento, o senhor passa a escritura da terra para nós?

DODÓ: Passo.

PINHÃO: Cuidado, Euricão está chegando!!

CAROBA: Saiam, e deixe-me enfrentar Seu Euricão. Pinhão preciso que fique aqui comigo.

DODÓ põe os disfarces e sai com MARGARIDA. EURICÃO entra.

EURICÃO: Cadê o povo?

CAROBA: Pra falar a verdade, nem percebi quando eles saíram...

EURICÃO: Você mexeu nas minhas coisas? Deixe-me revista-la... Sacuda o vestido.

CAROBA: (Obedecendo) Está quente hoje, hein, Seu Euricão??

EURICÃO: Não terá escondido nada embaixo da saia??

CAROBA: Epa! Vá pra lá! Que molecagem é essa?

EURICÃO: Idiota, eu sou um velho. Minha intenção é outra.

CAROBA vai para perto da porca e bota a mão nela.

EURICÃO: (Gritando) Olha a caranguejeira!

CAROBA: Ai! Essa casa está cheia de bichos, Seu Euricão!

PINHÃO: Sabe por quê? Seu Euricão só guarda velharias aqui! Só essa porca deve ter uns duzentos
anos...

CAROBA: Por que não joga essa porca fora?

EURICÃO: Ai, ai! Miseráveis, assassinos, bandidos! Logo minha porca que herdei do meu avô...
Ladrões! Ladrões! Ai a crise, ai a carestia!
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CAROBA: Calma, Seu Euricão! Pinhão vá pedir o jantar no hotel de Dada.

EURICÃO:Mas, como eu vou pagar o jantar?

CAROBA: Pedindo vinte contos para Eudoro, antes que ele lhe peça!!

PINHÃO sai ao mesmo tempo em que BENONA entra.

BENONA: Eudoro, Eudoro Vicente está lá fora e quer falar com você, Euricão.

EURICÃO: Benona, minha irmã, eu não quero falar com ele.

CAROBA: (Interrompe) Seu Euricão, deixe tudo comigo...

Entra EUDORO VICENTE.Sai BENONA e EURICÃO

CAROBA: Eudoro, o senhor veio aqui pra noivar?

EUDORO: Exatamente, quero me casar com Margarida porque estou me sentindo muito só... (Abaixando
a cabeça). Então vou chamá-lo. Seu Euricão! Seu Euricão! Seu Euricão Engole-Cobra! (Gritando).

EURICÃO: Engole-Cobra é a mãe!! Bom dia, Eudoro Vicente.

EUDORO: Bom dia. Santo Antônio o guarde e proteja! E então, sempre na paz e prosperidade?

EURICÃO: É dinheiro, não tem pra onde...

EUDORO: O senhor sabe que eu gostei muito de uma pessoa da sua família...

EURICÃO: Pensei que estivesse passado...

EUDORO: Foi agora que começou!! Por isso vem pedi-la em casamento.

EURICÃO: Considere-se noivo..

Entra MARGARIDA.

CAROBA: (À Margarida) Seu Euricão mandou chamar a senhora porque Seu Eudoro Vicente lhe fez um
pedido de casamento...

EUDORO: É, Margarida. Ainda não tive tempo de trocar de roupa, mas quero logo pedir uma entrevista
com você.

MARGARIDA: Prefiro ir para um convento!!

EURICÃO: Ai, Margarida! Sustente o pudor, sustente o pudor!! Entrevista, sozinha, com ninguém!!

MARGARIDA: Já disse que prefiro ir para um convento. E vá marcar entrevista com gente da sua idade!

MARGARIDA SAI DA SALA E SE TRANCA NO QUARTO, ACOMPANHADA SEMPRE POR DODÓ.

EURICÃO: Não se ofenda, Eudoro. Vou falar com ela.


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Sai EURICÃO.

EUDORO: Mas, eu não vou poder falar com ela...

CAROBA: Vai, e eu vou dar um jeito de arranjar a entrevista, não se preocupe!

EUDORO: Como? Onde?

CAROBA: Aqui e de noite, quando o velho estiver dormindo, depois do jantar. Mas, cale a boca porque a
velho está vindo...

Entra EURICÃO.

EURICÃO: A moça se trancou e não teve jeito. Mas, você compreende, não é?

EUDORO: Claro!

EURICÃO: Então até mais, Eudoro, você de vê estar com fome...

CAROBA: E o jantar?

EURICÃO: Cale a boca, miserável!

EUDORO: Um jantar? Eu aceito.

CAROBA sai e EURICÃO vai até a porca e alisa-a carinhosamente.

EURICÃO: Ai minha porquinha do coração, a luta é grande contra os ladrões!


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2º ato.

Entram na mesma sala, CAROBA, MARGARIDA E DODÓ.

CAROBA: Mas que jeito eu podia dar? Ele queria a entrevista...

DODÓ: Que jeito que nada! Você está contra mim, isso sim!

CAROBA: Deixe de ser ingrato, Seu DODÓ! Estou tentando arranjar o seu casamento...

MARGARIDA: É, meu amor, que mal faz? Caroba já fez demais!

DODÓ: Não concordo porque não gosto de ver você metida nisso! (sai)

MARGARIDA: Quem marcou essa entrevista não foi você, Caroba? Então, é você quem vai!!

CAROBA: Mas Dona Margarida...

MARGARIDA: Eu lhe dou um vestido meu e você vai em meu lugar!

CAROBA: Mas é claro que eu vou à entrevista, se meu plano todo era esse!

MARGARIDA sai. PINHÃO que vem entrando, ouve a frase.

PINHÃO: Que história é essa Caroba? É a entrevista que o patrão marcou com Margarida?

CAROBA: É, eu vou no lugar de Dona margarida.

PINHÃO: Vou logo dizendo, é a entrevista ou eu?

CAROBA: A entrevista!

PINHÃO: Pois adeus, Caroba!

Sai PINHÃO. CAROBA chora, mas logo enxuga as lágrimas.

CAROBA: Todos estão contra mim.

BENONA entra.

BENONA: Será mesmo que Eudoro quer reatar o noivado?

CAROBA: Claro! Ele até marcou uma entrevista com a senhora... Hoje à noite.

BENONA: Então eu vou!!

Entram DODÓ E PINHÃO.

DODÓ: Chegaram uns homens lá fora.

PINHÃO: São dois empregados do hotel, trazendo a porca assada.

DODÓ: É hoje que eu encho a barriga!


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PINHÃO: (Gritando para fora) É a porca? Levem lá pra trás, ela será a nossa alegria hoje!!

EURICÃO entra na cena transtornado.

EURICÃO: Ai, a porca! Pega, pega ladrão!

EURICÃO vai pra cima de PINHÃO, que puxa uma faca.

EURICÃO: Ai, minha porca pelo amor de Deus! Santo Antônio, Santo Antônio! Ai a crise, ai a carestia!

PINHÃO: O que foi?

EURICÃO: Você quer comer minha porca?

PINHÃO: Quero comer!

EURICÃO: Comer?

PINHÃO: Sim, comer a porca que Seu DADÁ mandou para o jantar que chegou agora.

EURICÃO: A porca? O jantar (Entendendo e disfarçando.) Ah sim, a porca. Assada ou cozida?

PINHÃO: Sei lá!

EURICÃO sai e PINHÃO fica na porta, pensativo.

PINHÃO: O senhor entendeu alguma coisa, Seu DODÓ?

DODÓ: Isso é um louco!

DODÓ tira os disfarces e se endireita. Entram CAROBA e MARGARIDA, conduzindo EUDORO


VICENTE.

CAROBA: Venha por aqui, Seu Eudoro.

PINHÃO acena para CAROBA, mostrando DODÓ sem os disfarces, mas ela não entende e lhe dá as
costas, zangada. DODÓ volta-se para ela

CAROBA: Ai! Um ladrão!

DODÓ: Um ladrão?

EUDORO: Um ladrão?

CAROBA: (Agarrando-se a ele) Um ladrão, Seu Eudoro!

DODÓ: Pega! Pega o ladrão!

EUDORO: Ai, o ladrão!

DODÓ: Ai! (EUDORO agarra DODÓ pelo pescoço, por trás,que cobre o rosto com as mãos.)
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EUDORO: Caroba! Pinhão! Agarrei! Peguei o ladrão!

DODÓ: Esperem, sou eu! Que ladrão, que nada!

CAROBA: É seu DODÓ Boca-da-Noite com essa cara de fantasma, assombrando a gente. Vamos saindo
para o jantar?

EURICÃO entra.

EUDORO: Euricão, não me repare dizer isso, mas você podia ter se vestido melhor para o jantar.

EURICÃO: A aparência depende da fortuna e a fortuna depende do que se tem. Eu não tenho nada!

CAROBA: O jantar demorou, mas agora vai sair. Seu Euricão deve estar como fome, hein? (Bate com a
mão na barriga dele.)

EURICÃO: Ai! Vá pra lá! Diabo de mulher enxerida!

CAROBA: Que é isso, Seu Euricão? Até parece que andou engolindo uma cobra...

EURICÃO: Engole-cobra é a mãe!


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3º ato.

MARAGARIDA e CAROBA entram na sala. MARGARIDA se esconde; CAROBA joga o vestido e se


esconde com ela. Entram EURICÃO, BENONA e EUDORO.

EURICÃO: Meu caro Eudoro, espero que o jantar tenha lhe agradado.

EUDORO: Muito, Eurico, muito. Se não fosse pelo jantar, a companhia... (Jéssica interrompe Gabriel.)

BENONA: Sempre delicado...

EURICÃO: Tenho que me recolher.

EUDORO: Eu também durmo cedo. E, mesmo, Benona está aqui.

EURICÃO: Mas vocês não demorem muito tempo aqui. Minha irmã, vou espera-la para arrumar meus
lençóis. Boa noite, Eudoro.

EUDORO: Boa noite, Eurico.

Sai EURICÃO.

EUDORO: Benona, por que um sentimento tão bonito como era o nosso, acabou assim? (Tocando na
mão dela.)

BENONA: (Tirando sua mão da dele e virando-se.) Reconheço que a maior parte as culpa foi minha!
Mas eu era tão moça, tão sem conhecimento das coisas, Eudoro. Eurico não me deixava sair para lugar
nenhum, eu não conhecia o mundo, não conhecia você direito, nada!! Naquela noite em sua casa... Você
sabe o que foi, fique com medo de você.

EUDORO: Mas Benona, só pó causa daquilo? Se eu soubesse, teria vindo e falado de tal maneira, que
você me perdoaria e teria talvez casado comigo!

BENONA: Verdade?

VOZ DE EURICÃO: (Gritando.) Benona!!

BENONA: É Eurico, tenho que ir. Até mais tarde, Eudoro.

VOZ DE EURICÃO: Benona! Benona!!

BENONA sai. CAROBA sai do esconderijo, pelas costas de EUDORO, e fala de uma porta, como se
tivesse entrado por ela.

CAROBA: Seu Eudoro!


EUDORO: Caroba! Já vou! Margarida sabe de tudo?

CAROBA: Sabe!

VOZ DE EURICÃO: Caroba, tranque as portas, a rua está cheia de ladrões!

CAROBA: Está certo, Seu Euricão, vou trancar tudo.


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Sai EUDORO, MARGARIDA sai do esconderijo.

MARGARIDA: Que jantar mais angustiado! Eu via a hora de se descobrir tudo. Será que esta história vai
dar certo, Caroba?!

CAROBA: O casamento de Seu Eudoro com Dona Benona dando, o resto vem na esteira. A senhora
trouxe o vestido?

MARGARIDA: Trouxe, tome e assuma a responsabilidade!

CAROBA: Espere Dona Margarida! É melhor eu trancá-la. Não tenho confiança em Seu Eudoro. A
Senhora não viu o que ia acontecendo Dona Benona? Entre eu trancarei a porta.

MARGARIDA: Está bem

MARGARIDA entra no quarto e CAROBA tranca a porta, guardando a chave

CAROBA: Meu Deus, a confusão vai ser a maior do mundo. O vestido, aqui. (esconde o vestido de
Margarida.) Agora, só falta a vitima! Dona Benona! Crote, crote, crote! Dona Benona.

Entra BENONA

BENONA: Caroba! Ouvi o sinal! E então?

CAROBA:Tudo combinado! E Seu Euricão?

BENONA:Dormindo como uma pedra. Já conseguiu o vestido de Margarida?

CAROBA: Ainda não,estava esperando que to dos adormecessem.

BENONA: Qual foi a combinação com Eudoro?

CAROBA: Eu entro no quarto de Dona Margarida, pego o vestido e vou entrega-lo a Senhora, depois
destranco a porta e espero seu Eudoro quando ele chegar eucanto como Gia,chamo a Senhora e
desapareço.

BENONA: Mas não vá para muito longe está ouvindo Caroba?


CAROBA: Estou Dona Benona,se precisar, grite que eu venho. Entre, se embeleze e trate seu Eudoro
com carinho, que o resto eu garanto.

BENONA: Então eu vou.

Sai BENONA. CAROBA vai para trás de um biombo bota o vestido de MARGARIDA arruma o cabelo e
abaixa a luz enquanto vai falando.

CAROBA: Com a luz assim e o cabelo ajeitado estou uma Dona Margarida bem apreciável. Assim que
Seu Eudoro entrar no quarto de Dona Benona, eu dou o alarma e lê se compromete.

Entra PINHÃO com um saco, velho e sujo. No qual carrega a porca.

PINHÃO:Ô lírio, ô lírio, ô lírio,


Ô lírio como é?
Bom almoço, boa janta,
Boa ceia e bom café,
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Da roseira eu quero o galho,
do craveiro eu quero o pé.

VOZ DO DODÓ: (fora.) Pinhão é você?

PINHÃO beija a porca e coloca-a no socavão

VOZ DO DODÓ: (fora.) Pinhão

PINHÃO: Já vou, já vou

DODÓ: Você vai… Chi, ouvi um barulho! Esconda-se é o velho!(tranca a porta de entrada.)

Entra EURICÃO de camisão, com um candeeiro e uma pá.

EURICÃO: Ai! Terá sido um pesadelo? Acordei com fantasmas puxando meu pé! Mas é preciso ir, tenho
que enterrar a porca. (Sai.)

Voltam DODÓ e PINHÃO

DODÓ: Entendeu alguma coisa? Sair a essas horas de camisão para o cemitério, atrás de uma porca! Que
porca será essa?

PINHÃO: Alguma que fugiu do quintal. Cuidado vem vindo alguém e oare ce ser sua noiva.

DODÓ: Esconda-se idiota.

Entra CAROBA, vestida de MARGARIDA

CAROBA: Tudo pronto. Agora só falta o noivo

DODÓ: O noivo está aqui.

CAROBA: Seu Eudoro?

DODÓ: Não, sou eu, Margarida!

CAROBA: (Trancando a porta.) Mas Seu Dodô…

DODÓ:Não me chame assim.

CAROBA: O senhor não sabe de nada e veio só atrapalhar tudo!

DODÓ: Tudo está esclarecido!

VOZ DE EUDORO: (fora.) Margarida!

CAROBA empurra DODÓ para dentro do quarto de MARGARIDA e tranca a porta

CAROBA: Santo Antônio me perdoe, mas no quarto de Dona Benona eu não podia empurra-lo! (tira o
vestido de margarida)

VOZ DE EUDORO: (fora) Margarida!


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CAROBA: Já vou!(bate no quarto de BENONA,cantando como Gia) Tia Benona!crote, crote, crote!

BENONA:Ave Maria, estava morrendo de medo!

CAROBA: Não perca tempo,o homem está aí!

BENONA: Ai meu Deus!

CAROBA: Tome o vestido e me dê o seu!

VOZ DE EUDORO: Margarida!

CAROBA: Já vou! Fique aí e espere, me dê à chave do quarto!(a BENONA)

BENONA: Está bem, mas não saia daí! (BENONA entra no quarto CAROBA tranca-a vestindo
rapidamente o vestido dela).

VOZ DE EUDORO:(impaciente) Margarida!

CAROBA: Espere, espere. (destranca a porta, com o vestido de BENONA).

EUDORO: Benona é você?

CAROBA: (imitando BENONA.) Sou eu, Eudoro.

EUDORO: Margarida…

CAROBA: Margarida está dormindo. E eu vim espera-lo,como fiz tantas vezes, no tempo em que ainda
nos amávamos!

EUDORO: Mas isso não fica bem!

CAROBA: Você acha, Eudoro? Então um amor como aquele pode morrer? Você pensa que não vi como
estava preocupado quando saiu daqui? Eu também saí com o coração sangrando, Eudoro.

EUDORO: Mas Benona, estou noivo da sua sobrinha margarida.

CAROBA: Deixe lá Margarida. Ele podia ser sua filha,sua nora…

EUDORO: Pensei nisso, mas eu me sentia solitário! Agora, estou noivo!

CAROBA: Para mim, o que existe é o nosso amor! Entre nesse quarto!

EUDORO: Mas Benona, podem falar de nós!

CAROBA: Eu sou uma mulher séria Eudoro, incapaz de atentar contra viúvos honestos. Entre, entre e
tudo se explicará!(Dá uma pancada nele com o próprio traseiro, empurrando-o.)

EUDORO entra, CAROBA fecha a porta

CAROBA: Pronto, agora é só chamar o velho. (PINHÃO sai do esconderijo.)

PINHÃO:Que confusão mais danada é essa? Dona Margarida e Dona Benona a trancar homens nos
quartos! Vou tirar as chaves para ver se me aproveito da situação. Epa, vem gente! (esconde-se)
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CAROBA:Onde o velho se meteu? Vou abrir! Ai meu Deus, onde estão as chaves?

PINHÃO: Dona Benona eu…


CAROBA: Você o que, safado? Que é que está fazendo em minha casa de noite?

PINHÃO: Veja como fala! Pensa que eu não ouvi a sua conversa com Eudoro não, é? Então a Senhora se
vira quando o povo dorme, hein?

CAROBA: O que?

PINHÃO: A Senhora não estava procurando as chaves?

CAROBA: Estava!

PINHÃO: Eu tirei todas duas! Pelo que a Senhora disse elas são muito importantes. Assim, a gente podia
fazer um acordo, eu lhe dava as chaves e a gen6te bem que podia fazer um amorzinho.

CAROBA: Mas que atrevimento! Vou gritar, e você vai se arrepender da graça.

PINHÃO: Não grite não, Dona Benona! Tome as chaves!

CAROBA: Agora quem não quer as chaves sou eu! Vou Gritar!

PINHÃO: Ai pelo amor de Deus,não grite não, Dona Benona!

CAROBA: Então venha aqui, vou lhe dar uma surra por seu atrevimento!

PINHÃO:Eu vou!

CAROBA: Ajoelhe-se! Isto! Tome, tome e tome! Tome, para deixar de ser safado!

PINHÃO: Ai, ai, ai, Dona Benona!

CAROBA: Vou parar, mas só por causa de Caroba! Aquilo é uma santa! Gosto muito dela!

PINHÃO:Eu também!

CAROBA: Devia gostar mais safado! Vou chamá-la!

PINHÃO: O que a senhora vai dizer a Caroba?

CAROBA: Não tenha medo, sua sujeira fica em segredo! Fique aí!

PINHÃO: Pode ficar descansada, daqui eu não saio!

Com PINHÃO de costas, CAROBA entra atrás do biombo,já tirando o vestido.

CAROBA: (chegando para perto) Muito bem, senhor meu noivo!


PINHÃO: Caroba, é você?

CAROBA: E quem mais havia de ser, canalha! Eu estava aqui e ,vi sua molecagem com Dona Benona. E
ainda levou uma surra da Árabe na minha frente! Essa você me paga. Você vai levar umas tapas.
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PINHÃO: Mas, eu não já levei a surra de Dona Benona?

CAROBA: Aquela foi a dela! Preparasse que lá vai a minha!(dá-lhe algumas tapas.)

PINHÃO: Ai Caroba, ai Carobinha do meu coração. (consegue beija-la por entre os tapas, abraça-a,
CAROBA vai diminuindo os tapas,retribui o beijo.)

CAROBA: Ai, as chaves!(destranca os dois quartos e entra abraçada com PINHÃO,num terceiro
quarto,DODÓ e MARGARIDA saem).

MARGARIDA: A porta está aberta meu amor, você está com raiva de mim?

DODÓ: Não, você estava certa, eu fui quem perdi a cabeça! Perdoe-me!

MARGARIDA: Cuidado vem alguém, entre no quarto ninguém deve vê-lo!

DODÓ entra no quarto. Entra PINHÃO, que tira a porca do socavão e volta com ela para o quarto.
MARGARIDA vê quando ele passa. PINHÃO volta e entra no quarto em que estava com CAROBA, de
saco as costas. Volta DODÓ.

DODÓ: Quem era?

MARGARIDA: Era Pinhão carregando um treco nas costas.

VOZ DE EURICÃO: (fora) Ai, ai!

DODÓ: Quem é?

MARGARIDA: É papai, ele viu tudo!

DODÓ: Por que você diz isso?

MARGARIDA: Está com a cabeça encostada na janela de meu quarto, chorando

DODÓ: Acalme-se, meu amor! Depois a gente sai, fala com ele e explica tudo!

MARGARIDA e DODÓ saem. Entra EURICÃO

EURICÃO: Ai, ai! Estou perdido, estou morto, foi assassinado! (cai desfalecido, chorando. Entram
DODÓ e MARGARIDA.)

DODÓ: Seu Eurico!

EURICÃO: Quem me fala?

DODÓ: Um desgraçado!

EURICÃO: Esta falando com outro!

DODÓ: Console-se.

EURICÃO: Como?

DODÓ: A culpa foi minha, fui eu que causei sou desgraça.


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EURICÃO: O que? Dodó? Que é que você esta me dizendo?

DODÓ: A verdade!

EURICÃO: Você! Foi você, cachorro, canalha, cobra que eu guardava em minha casa para me assassinar!

DODÓ: Foi ao mesmo tempo um acaso e uma necessidade, Seu Euricão!

EURICÃO: Isso pode lá justificar um ato como esse?

DODÓ: Agi mal, confesso, mas vim exatamente pedir que me perdoe.

EURICÃO: Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia?

DODÓ: Apesar das circunstancias serem um tanto esquisitas, o que aconteceu foi coisa sem importância!

EURICÃO: O que, canalha?

DODÓ: Eu já não vim pedir desculpas?

EURICÃO: Não gosto desses criminosos que prejudicam os outros e depois vem pedir desculpas!

DODÓ: Mas eu já não disse que o que aconteceu foi coisa tola?

EURICÃO: Você não veio confessar? E depois vem dizendo que não tocou nela! Como é, tocou ou não
tocou?

DODÓ: Bem, tocar, toquei, mas não foi nada que pudesse ofendê-la. Por que não aceita os fatos e não me
dá de vez esse tesouro?

EURICÃO: Como é, assassino? Você quer ficar com meu tesouro?

DODÓ: A coisa que eu mais desejo no mundo é ficar com ela!

EURICÃO: Ah, não, você tem que devolver, aquilo que me pertencia e que você tirou!

DODÓ: Que eu tirei? Afinal, o que é que você quer?

EURICÃO: (Irônico, amargo.) Você não sabe?

DODÓ: Você não diz!

EURICÃO: O que eu quero é minha porca que você confessou ter roubado!

DODÓ: Isso é coisa que o senhor diga? Porca por quê? Sua filha é a mais pura das moças!

EURICÃO: Minha filha? Que é que minha filha tem a ver com isso?

DODÓ: Não é ela que o senhor esta reclamando?

EURICÃO: Olhe a inocência do ladrão! O que eu quero é minha porca cheia de dinheiro!

MARGARIDA: A porca?
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DODÓ: Cheia de dinheiro? Eu seria lá capaz de roubar ninguém!

EURICÃO: Ah, então nega!

DODÓ: Claro que nego!

EURICÃO: (Súplice) Me dê minha porquinha que você tirou do cemitério da igreja!

DODÓ: Como é que posso lhe dar a porca se não sei onde está?

EURICÃO: Está bem, vou gritar! Acordem! Acordem! Acordem todos! Pega, pega o ladrão!

CAROBA e PINHÃO saem do quarto

PINHÃO: Que é isso?

EURICÃO: Foi esse o ladrão, que entrou em minha casa para me roubar!

DODÓ: Mas, não nem notícia de sua porca!

EURICÃO: Você mesmo não disse que tinha sido a causa de minha desgraça?

CAROBA: Um momento, eu sei o que foi que ele quis dizer.

EURICÃO: Que foi?

CAROBA: Seu Dodó entrou aqui nas caladas da noite, e trancou-se com ela ai nesse quarto.

EURICÃO: Ai! É verdade? Era isso que você estava me confessando?

DODÓ: Era.

EURICÃO: Por que deixou que eu confessasse meu segredo?

EUDORO: A culpa foi sua, o senhor só estava pensando na porca.

EURICÃO: Ai, a porca! Juntei dinheiro a vida toda, e agora perco, num dia só, a porca e a filha.

CAROBA: E vá logo se preparando para perder a irmã.

EURICÃO: Benona? Que há?

CAROBA: Seu Eudoro resolveu matar saudades e está trancado nesse quarto, com ela.

EURICÃO: Não é possível!

EUDORO: É verdade, Eurico. E quero pedi-la em casamento.

EURICÃO: Quer me levar ao ridículo? Faz uma coisa dessa, compromete minha irmã, logo agora que ela
foi roubada!

BENONA: Quem eu?


18
EURICÃO: Não, a porca!

CAROBA: Um momento, o senhor já se explicou com dona Benona, não foi?

EUDORO: Foi.

EURICÃO:A senhora já entendeu tudo?

BENONA: Já.

CAROBA: O senhor consente o casamento de seu Eudoro com dona Benona, não é, seu Euricão?

EURICÃO: Consinto, não! Exijo!

CAROBA: Pois então, eles casam amanhã. O senhor ganhou um grande cunhado, seu Euricão!

EURICÃO: Mas perdi a porca! E ainda por cima o que aconteceu com meu patrimônio!

PINHÃO: A porca?

EURICÃO: Não, Margarida! Ela me arranjou um genro corcunda, que não tem nem onde cair morto.

EUDORO: Dodó! Você aqui?

DODÓ: Sou eu meu pai. Perdoe-me, mas eu estava apaixonado por Margarida!

EUDORO: Você deixou de estudar?

DODÓ: Deixei. Ajudado por Caroba, entrei aqui, disfarçado, como empregado de seu Euricão. E agora,
tenho que casar, para não comprometer Margarida.

EUDORO: Mas, nenhum de nós vai espalhar essa história.

CAROBA: O senhor esta muito enganado, eu vou espalhar tudinho!

EUDORO: Mas caroba... Você tem razão, é melhor que ele se case. Você fica trabalhando comigo na
fazenda e eu faço uma casa para você.

DODÓ: Meu, o senhor concorda!

EUDORO: Concordo. Vejo que tudo terminou pelo melhor.

EURICÃO: Isso é o que você diz, mas o fato é que ela esta perdida.
MARGARIDA: Eu, meu pai?

EURICÃO: A porca! Ora bolas! Mas agora pergunto: e minha porquinha onde estará?

MARGARIDA: E Pinhão, papai, ele está com sua porca.

EURICÃO: Ah, bandido, agora você me paga. (Agarra Pinhão pelo pescoço) Diz ou não diz?

PINHÃO: Eu nem sei que porca é essa!

EURICÃO: Então vou aperta-lo até sua alma sair pelo fiofó! Diz ou não diz?
19

PINHÃO: Eu confesso que furtei essa porca, mas o senhor não ganha nada mandando me entregar para
polícia. Eu e Caroba não temos nada! A coisa que a gente mais deseja na vida é casar. Pois bem,
proponho um acordo a todos. Seu Euricão me dá os vinte contos que seu Eudoro o emprestou, e eu
entrego a porca por esses vinte contos.

MARGARIDA: Ceda, papai! Nós devemos tanto a Caroba! Deixe pelos vinte contos!

EURICÃO: Esta bem, o vale está aqui. Agora vá buscar minha porquinha!

PINHÃO: Não precisar buscar, ela está aqui.

EURICÃO: Aqui?

PINHÃO: Claro, era o último lugar do mundo de que vocês desconfiariam! Esta aqui perto, no quarto.
(Entra no quarto)

Volta PINHÃO com o saco

EURICÃO: Ah, santo Antonio poderoso! Pensei que estava obrigado a escolher entre o santo e a porca.
Afastem-se, saiam de perto de mim!

Afastam-se todos. A cena deve dar idéia da solidão de Euricão, solidão que vai crescendo até o fim.

EUDORO: Eurico, você guardou esse dinheiro muito tempo, não foi?

EURICÃO: Guardei, toda minha vida!

EUDORO: Eurico, deixe de depositar toda sua vida nesse dinheiro que não fale nada!

EURICÃO: Que é que você quer dizer?

EUDORO: Esse dinheiro está todo recolhido!

EURICÃO: Nossa senhora, santo Antonio! Você jura!

EUDORO: Juro.

EURICÃO: Está bem, eu acredito.

EUDORO: Eurico, você perdeu seu dinheiro, mas ganhou uma experiência e uma família.
EURICÃO: Você pensa que está melhor do que eu?(pausa) Não, estou farto!

MARGARIDA: Seu Eudoro tem razão, papai, o mundo não se acabou. O senhor vende esta casa e vai
morar conosco.

EURICÃO: Você não está entendendo nada! Você casa com Dodó, Benona com Eudora, Caroba com
Pinhão. E com quem caso eu?

CAROBA: Com a porca. E, se ela não serve mais, com santo Antonio!

EURICÃO: Estão ouvindo? É a voz da sabedoria, da justiça popular. Se isso aconteceu comigo, pode
acontecer com todos. Um golpe do acaso abriu meus olhos, vocês continuam cegos! Vão, quero ficar só.
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EUDORO e BENONA: Adeus, Eurico.

EURICÃO: Adeus, escravos!

MARGARIDA: Adeus, meu pai.

CAROBA: Adeus, seu Euricão.

EURICÃO: Adeus escravos.

Saem todos menos EURICÃO.

EURICÃO: Bem, agora começa a pergunta. Que sentido tem toda essa conjuração que se abate sobre
nós? Será que tudo isso tem sentido? Que quer dizer isso, santo Antonio? Será que só você tem a
resposta? Que diabo quer dizer tudo isso santo Antonio?

Pano

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