Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
ANDERSON JR.
FUNDAMENTOS DE
ENGENHARIA
AERONÁUTICA
7ª edição
A547f Anderson Jr., John D.
Fundamentos de engenharia aeronáutica : introdução ao
voo [recurso eletrônico] / John D. Anderson Jr. ; tradução:
Francisco Araújo da Costa ; revisão técnica: Carlos
Fernando Rondina Mateus. – 7. ed. – Porto Alegre : AMGH,
2015.
CDU 629.73
Tradução
Francisco Araújo da Costa
Revisão técnica
Carlos Fernando Rondina Mateus
Coronel Aviador da Reserva, formado pela Academia da Força Aérea
Engenheiro Eletrônico pelo ITA – Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Ph.D. em Engenharia Elétrica pela University of California, Berkeley
Versão impressa
desta obra: 2015
2015
Obra originalmente publicada sob o título Introduction to Flight, 7th Edition.
ISBN 0073380245 / 9780073380247
Original edition copyright ©2012, The McGraw-Hill Global Education Holdings, LLC, New York, New York 10121.
All rights reserved.
Portuguese language translation copyright © 2015, AMGH Editora Ltda., a Grupo A Educação S.A. company.
All rights reserved.
Editoração: Techbooks
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
O autor
John D. Anderson Jr. nasceu em Lancaster, Pensilvânia, EUA, em 1º de outubro de
1937. Ele estudou na University of Florida, onde se formou com honras em Enge-
nharia Aeronáutica em 1959. De 1959 a 1962, foi tenente e cientista de tarefa no Ae-
rospace Research Laboratory da Wright-Patterson Air Force Base. De 1962 a 1966,
estudou na Ohio State University com Fellowships da National Science Foundation
e da NASA e obteve o título de Ph.D. em Engenharia Aeronáutica e Astronáutica.
Em 1966, começou a trabalhar no U.S. Naval Ordnance Laboratory como Chefe
do Grupo Hipersônico. Em 1973, Anderson se tornou diretor do Departamento de
Engenharia Aeroespacial da University of Maryland, e a partir de 1980 atuou como
professor de Engenharia Aeroespacial na instituição. Em 1982, ele foi designado
Distinguished Scholar/Teacher pela universidade. Em 1986 e 1987, durante seu
período sabático, ocupou a cátedra Charles Lindbergh do National Air and Space
Museum do Smithsonian Institution. Atualmente, Anderson continua a trabalhar no
museu durante parte do ano como curador de aerodinâmica. Além de seu cargo em
engenharia aeroespacial, em 1993 ele foi eleito para o corpo docente do Committee
on the History and Philosophy of Science em Maryland, e é membro docente afiliado
do Departamento de História. Em julho de 1999, Anderson se aposentou da universi-
dade e hoje tem o título de Professor Emérito.
Anderson publicou dez livros: Gasdynamic Lasers: An Introduction, Academic
Press (1976), A History of Aerodynamics and Its Impact on Flying Machines, Cam-
bridge University Press (1997), The Airplane: A History of Its Technology, American
Institute of Aeronautics and Astronautics (2003), Inventing Flight, Johns Hopkins
University Press (2004), and with McGraw-Hill, Introduction to Flight, 6th edition
(2009), Modern Compressible Flow, 3rd Edition (2003), Fundamentals of Aerodyna-
mics, 4th edition (2007), Hypersonic and High Temperature Gas Dynamics (1989),
Computational Fluid Dynamics: The Basics with Applications (1995) e Aircraft Per-
formance and Design (1999). Ele ainda é autor de mais de 120 artigos sobre dinâ-
mica radiativa dos gases, aerotermodinâmica de entrada, fluxo hipersônico e história
da aerodinâmica. O Dr. Anderson está listado no Who’s Who in America e é membro
da National Academy of Engineering, Honorary Fellow do American Institute of
Aeronautics and Astronautics (AIAA) e Fellow da Royal Aeronautical Society. Ele
também é Fellow da Washington Academy of Sciences e membro da Tau Beta Pi, da
Sigma Tau, da Phi Kappa Phi, da Phi Eta Sigma, da The American Society for En-
gineering Education (ASEE), da Society for the History of Technology e da History
of Science Society. Ele recebeu o Lee Atwood Award por excelência em Educação
de Engenharia Aeroespacial da AIAA e da ASEE, o Pendray Award for Aerospace
Literature da AIAA, a von Karman Lectureship da AIAA e o Gardner-Lasser History
Book Award, também da AIAA.
Para Sarah-Allen, Katherine e Elizabeth Anderson,
por todo seu amor e compreensão,
e para minhas duas netas adoradas, Keegan e Tierney Glabus
O
objetivo desta edição é o mesmo que o das seis anteriores: apresentar os
fundamentos da engenharia aeroespacial no nível introdutório, da maneira
mais clara, simples e estimulante possível. A ideia do livro é que ele seja
uma leitura prazerosa, não apenas compreensível, então me esforcei ao máximo para
garantir que o texto seja claro e legível. A escolha dos temas e sua organização, a
ordem na qual os tópicos são introduzidos e a maneira como as ideias são explicadas
foram todas planejadas cuidadosamente, sempre com o leitor leigo em mente. Como
o livro pretende ser um texto para alunos de primeiro e segundo ano, evitei detalhes
tediosos e dados “de manual” em grandes quantidades. Em vez disso, introduzo e
discuto conceitos fundamentais da maneira mais simples e direta possível, ciente
de que o livro também é popular entre aqueles que desejam aprender mais sobre o
assunto fora da sala de aula.
A recepção calorosa das edições anteriores entre alunos, professores e profis-
sionais, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, é uma fonte de muita alegria
para mim. Fico especialmente feliz com o fato de que aqueles que utilizam este livro
tenham gostado de ler sobre essa disciplina fascinante, desafiadora e por vezes es-
pantosa que é a engenharia aeroespacial.
Graças a essa resposta positiva, o conteúdo da sexta edição foi incluído na sé-
tima com poucas modificações. Uma característica deste livro é o uso de recursos
especiais, desenvolvidos para aprimorar o entendimento do material por parte dos
leitores. Em especial, os seguintes recursos foram preservados da sexta edição:
1. Mapas no início de cada capítulo ajudam a orientar o leitor pelo fluxo lógico do
material.
2. Caixas de projeto discutem aplicações interessantes e importantes do material
fundamental; esses textos aparecem literalmente em caixas individuais espalha-
das pelo livro.
3. Seções intituladas para começar inseridas no início de cada capítulo dão ao lei-
tor uma ideia sobre os temas do texto e explicam por que o material é importan-
te. Minha intenção com essas seções é que elas sejam motivacionais, deixando
o leitor interessado e curioso o suficiente para prestar atenção ao conteúdo do
capítulo. As seções são escritas de maneira informal a fim de despertar o interes-
se do leitor. Nelas, admito sem titubear que estou tentando divertir os leitores.
No mesmo espírito, a sétima edição contém novos materiais que pretendem apri-
morar a educação e o interesse do leitor:
1. As seções de resumo no final de cada capítulo, que anteriormente apenas lista-
vam as equações importantes desenvolvidas e discutidas nele, foram expandidas
viii Prefácio à Sétima Edição
2.1.3 Temperatura 60
CAPÍTULO 1 2.1.4 Velocidade de fluxo e linhas de
Os primeiros engenheiros corrente 61
aeronáuticos 1 2.2 A fonte de todas as forças
aerodinâmicas 63
1.1 Introdução 1
2.3 Equação de estado para um gás
1.2 Primeiros avanços 3 perfeito 65
1.3 Sir George Cayley (1773–1857): 2.4 Análise das unidades 67
o verdadeiro inventor do avião 6
2.5 Volume específico 72
1.4 O interregno de 1853 a 1891 13
2.6 Anatomia do avião 83
1.5 Otto Lilienthal (1848–1896):
2.7 Anatomia de um veículo
o homem do planador 17
espacial 93
1.6 Percy Pilcher (1867–1899):
2.8 História: o NACA e a NASA 102
estendendo a tradição do
planador 19 2.9 Resumo e revisão 105
1.7 A aeronáutica chega à América 20 Bibliografia 107
1.8 Wilbur (1867–1912) e Orville Problemas 107
(1871–1948) Wright, inventores do
primeiro avião prático 27
1.9 O triângulo aeronáutico: Langley, os CAPÍTULO 3
Wrights e Glenn Curtiss 36 A atmosfera padrão 110
1.10 O problema da propulsão 45 3.1 Definição de altitude 112
1.11 Mais alto, mais rápido 46 3.2 Equação hidrostática 113
1.12 Resumo e revisão 49 3.3 Relação entre altitudes
Bibliografia 52 geopotenciais e geométricas 115
3.4 Definição da atmosfera
padrão 116
CAPÍTULO 2 3.5 Altitudes pressão, densidade e
Ideias fundamentais 54 temperatura 125
2.1 Quantidades físicas fundamentais 3.6 História: a atmosfera padrão 128
de um fluido 58 3.7 Resumo e revisão 130
2.1.1 Pressão 58 Bibliografia 132
2.1.2 Densidade 59 Problemas 132
xiv Sumário
APÊNDICE A APÊNDICE D
Atmosfera padrão no Sistema Dados de aerofólios 877
Internacional (SI) 861
Respostas 905
APÊNDICE B Índice 907
Atmosfera padrão no Sistema
Imperial 870
APÊNDICE C
Símbolos e fatores de
conversão 876
1
Os primeiros
engenheiros aeronáuticos
OREVELLE WRIGHT
Telegrama, com os erros de ortografia originais,
de Orville Wright para seu pai,
17 de dezembro de 1903
1.1 Introdução
O cenário: as dunas de areia e o vento forte de Kill Devil Hills, 6,5 km ao sul
de Kitty Hawk, Carolina do Norte. O tempo: cerca de 10h35 da manhã de terça-
-feira, 17 de dezembro de 1903. Os personagens: Orville e Wilbur Wright e cinco
testemunhas locais. A ação: preparada e pronta para fazer história está uma má-
quina raquítica e esquisita, feita de espruce e tecido na forma de duas asas, uma
sobre a outra, um profundor horizontal montado sobre escoras em frente às asas
e um leme direcional vertical duplo atrás delas (ver Figura 1.1). Um motor de 12
2 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 1.2 O primeiro voo de um objeto mais pesado que o ar: o Wright Flyer I com
Orville Wright nos controles, 17 de dezembro de 1903.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
os avisos do pai e voa muito perto do Sol; a cera derrete e Ícaro despenca, caindo
no mar.
Todas as primeiras ideias sobre voo humano centravam-se na imitação dos pás-
saros. Diversos anônimos da Antiguidade Clássica e Idade Média produziram asas e
sofreram as consequências, às vezes desastrosas, nunca bem-sucedidas, de saltar de
torres e telhados, batendo os braços com todas as suas forças. Com o tempo, a ideia
de prender um par de asas aos braços humanos foi abandonada, substituída pelo con-
ceito de asas que batiam para cima e para baixo com o uso de diversos mecanismos,
alimentados por algum movimento humano, fosse ele dos braços, pernas ou do corpo
todo. Essas máquinas são chamadas de ornitópteros. Pesquisas históricas recentes
revelam que Leonardo da Vinci era fascinado pela ideia do voo humano e projetou
inúmeros ornitópteros no final do século XV. Nos manuscritos sobreviventes, mais
de 35.000 palavras e 500 desenhos tratam da questão do voo. A Figura 1.3 apresenta
um de seus projetos de ornitóptero, um desenho original de da Vinci produzido entre
1486 e 1490. Não se sabe se da Vinci construiu ou testou algum desses projetos.
Entretanto, o voo movido com força humana e baseado no bater de asas sempre es-
teve destinado ao fracasso. Nesse sentido, os esforços de da Vinci não representam
contribuições importantes ao avanço técnico do voo.
A tentativa humana de voar literalmente saiu do chão em 21 de novembro de
1783, quando um balão tripulado por Pilatre de Rozier e pelo Marquês d’Arlandes
ergueu-se no ar e vagou 8 quilômetros sobre Paris. O balão foi inflado e sustentado
pelo ar quente de uma fogueira aberta na grande cesta de palha sob ele. O projeto e
a construção do balão foram realizados pelos irmãos Montgolfier, Joseph e Etienne.
Em 1782 Joseph Montgolfier, olhando para sua lareira, teve a ideia de usar a “força
ascendente” do ar quente que se erguia das chamas para erguer uma pessoa acima
da superfície da Terra. Os irmãos começaram a trabalhar imediatamente, experimen-
tando com sacos feitos de papel e linho que prendiam o ar quente de uma fogueira.
Após diversas demonstrações públicas de voo sem passageiros humanos, incluindo
a viagem de 8 minutos de um balão contendo uma gaiola com uma ovelha, um galo
e um pato, os Montgolfiers estavam preparados para dar o grande passo adiante. Às
13h53 de 21 de novembro de 1783 teve início o primeiro voo com passageiros huma-
nos, durando 25 minutos (ver Figura 1.4). Foi a primeira vez na história que um ser
humano foi erguido do solo por um período prolongado. Logo em seguida, o famoso
físico francês J. A. C. Charles (criador da lei dos gases perfeitos ou lei de Charles)
construiu e voou com um balão de hidrogênio, partindo do Jardins das Tulherias em
Paris, no dia 1º de dezembro de 1783.
Agora finalmente saímos do chão! Os balões, ou “máquinas aerostáticas”, como
eram chamados pelos Montgolfiers, não fizeram contribuições técnicas para o voo
humano de objetos mais pesados do que o ar. Entretanto, eles serviram a um pro-
pósito importante: interessar o público pelo voo. Os balões eram prova viva de que
as pessoas podiam mesmo alçar voo e passar por ambientes que costumavam ser
domínio exclusivo dos pássaros. Além disso, os balões foram o único meio de voo
humano por quase 100 anos.
Figura 1.5 O disco de prata no qual Cayley gravou seu conceito de uma aeronave de
asas fixas, a primeira da história, em 1799. O outro lado do disco mostra a força aero-
dinâmica resultante em uma asa, dividida em seus componentes de sustentação e arrasto,
indicando que Cayley entendia completamente a função de uma asa fixa. Atualmente, o
disco se encontra no Museu de Ciência de Londres.
(Fonte: Science Museum, London.)
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 7
Figura 1.6 Um retrato de Sir George Cayley, pintado por Henry Perronet Briggs em
1841. Atualmente, o retrato está exposto na National Portrait Gallery em Londres.
(Fonte: National Portrait Gallery, London.)
Figura 1.7 O aparato de braço giratório construído por George Cayley para testar
aerofólios.
Figura 1.9 O triplano de Cayley de 1849, chamado de boy carrier. Observe as superfí-
cies da cauda horizontal e vertical e o mecanismo propulsivo de asas que batem.
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 11
Figura 1.10 O planador capaz de transportar um ser humano projetado por George
Cayley, como apareceu na Mechanics’ Magazine, 1852.
12 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
de três rodas; e (5) uma estrutura com viga tubular e viga em caixão. A combinação
de todos esses recursos não reapareceria até os projetos dos irmãos Wright no início
do século XX. O mais incrível é que esse artigo de 1852 foi praticamente ignorado,
apesar da circulação da Mechanics’ Magazine ser significativa. O texto não seria
redescoberto até 1960, quando o eminente historiador da aviação britânica Charles
H. Gibbs-Smith o republicou na edição de 13 de junho de 1960 do jornal The Times.
No ano de 1853 (não sabemos exatamente quando), George Cayley construiu
e lançou o primeiro planador do mundo a transportar um ser humano. Sua configu-
ração é desconhecida, mas Gibbs-Smith afirma que provavelmente era um triplano
parecido com o boy carrier (ver Figura 1.9) e que a plataforma (visão superior) das
asas provavelmente tinha forma muito semelhante à do planador da Figura 1.10. De
acordo com diversas testemunhas oculares, um voo de planeio de várias centenas de
metros atravessou um vale com o cocheiro de Cayley a bordo. O planador pousou de
forma um tanto abrupta; depois de sair do veículo com dificuldade, o cocheiro, aba-
lado, teria dito o seguinte: “Por favor, Sir George, desejo pedir demissão. Fui contra-
tado para dirigir, não para voar”. Há algumas décadas, o voo do cocheiro de Cayley
foi reencenado para o público em um especial de televisão da British Broadcasting
Corporation sobre a vida de Cayley. Em uma visita ao Museu de Ciência de Londres
em agosto de 1975, o autor deste livro ficou impressionado ao encontrar a réplica
televisiva do planador de Cayley (sem o cocheiro) exposta na entrada.
George Cayley morreu em Brompton no dia 15 de dezembro de 1857. Durante
seus quase 84 anos de vida, ele estabeleceu as bases para toda a aviação prática. Em
1856, William Samuel Henson chamou Cayley de pai da navegação aérea. Entre-
tanto, por motivos pouco claros, a fama de George Cayley começou a desaparecer
logo após sua morte. Suas obras se tornaram obscuras para praticamente todos os
entusiastas da aviação na segunda metade do século XIX. O fato é incrível, e até im-
perdoável, considerando que seus artigos publicados estavam disponíveis em revistas
bastante conhecidas. Obviamente, muitos inventores subsequentes não se deram ao
trabalho de examinar a literatura antes de seguir em frente com suas próprias ideias
(o que certamente é um problema para os engenheiros da atualidade, com a explosão
de artigos técnicos escritos desde a Segunda Guerra Mundial). Entretanto, a obra de
Cayley foi recuperada com a pesquisa de diversos historiadores modernos durante
o século XX. O mais importante desses historiadores foi C. H. Gibbs-Smith, cujo
livro intitulado Sir George Cayley’s Aeronautics (1962) fornece muito do material da
Seção 1.3. Gibbs-Smith afirma que a obra de Cayley foi ampliada diretamente por
outros pioneiros da aviação e que se estes houvessem digerido as ideias defendidas
em seu artigo triplo de 1809-1810 e no de 1852, o voo motorizado provavelmente
teria ocorrido na década de 1890. E eu concordo!
Como último tributo a George Cayley, lembramos o que o historiador de aviação
francês Charles Dollfus escreveu em 1923:
O avião é uma invenção britânica: ele foi concebido em todos os seus aspectos essenciais
por George Cayley, o grande engenheiro inglês que trabalhou na primeira metade do sé-
culo passado. O nome de Cayley é desconhecido, mesmo em seu próprio país, e poucos
conhecem a obra desse homem admirável, o maior gênio da aviação. Um estudo de suas
publicações causa no leitor uma admiração absoluta por sua inventividade, mas também
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 13
por sua lógica e bom senso. Esse grande engenheiro não apenas inventou o avião em sua
forma completa, como existe hoje, ainda durante os anos do Segundo Império, como tam-
bém percebeu que o problema da aviação precisava ser dividido entre pesquisas teóricas
(Cayley fez os primeiros experimentos aerodinâmicos para fins aeronáuticos) e testes
práticos, igualmente no caso do planador e do avião motorizado.
micas dessas asas no Capítulo 5). O projeto de Henson foi produto direto das ideias e
pesquisas aeronáuticas de George Cayley. A carruagem aérea a vapor nunca foi cons-
truída, mas o projeto, junto com as imagens divulgadas mundialmente, serviram para
fixar o conceito de asas fixas desenvolvido por George Cayley nas mentes de quase
todos os engenheiros subsequentes. Assim, apesar dos artigos de Cayley terem caído
na obscuridade após sua morte, seus principais conceitos foram absorvidos e perpetu-
ados em parte pelas gerações seguintes de inventores, mesmo que a maioria deles não
conhecesse a verdadeira fonte das ideias. É por isso que a carruagem aérea a vapor de
Henson foi um dos aviões mais influentes da história, apesar de jamais ter voado.
John Stringfellow, um amigo de Henson, fez diversos esforços para transformar
o projeto deste em realidade. Stringfellow construiu diversos motores a vapor pe-
quenos e tentou fazer com que pequenos monoplanos-modelo decolassem com eles.
Ele quase conseguiu. Sua obra mais famosa, no entanto, apareceu na forma de um
triplano a vapor, um modelo que foi apresentado na exposição aeronáutica de 1868,
que foi patrocinada pela Sociedade Aeronáutica e aconteceu no Crystal Palace, em
Londres. Uma foto do triplano de Stringfellow aparece na Figura 1.12. Esse avião
também não foi bem-sucedido, mas foi extremamente influente devido à fama mun-
dial que conquistou. Ilustrações desse triplano apareceram na imprensa até o fim do
século XIX. Em seu livro Aviation: An Historical Survey from Its Origins to the End
of World War II (1970), Gibbs-Smith afirma que essas ilustrações influenciaram Oc-
tave Chanute e, por meio deste, os irmãos Wright, além de reforçarem o conceito das
asas superpostas. O triplano de Stringfellow foi a principal ponte entre a aeronáutica
de George Cayley e o biplano moderno.
Durante esse período, os primeiros aviões motorizados começaram a sair do chão,
ainda que apenas com alguns saltinhos. Em 1857–1858, o engenheiro e oficial naval
francês Felix Du Temple fez decolar o primeiro avião motorizado da história, um mo-
noplano com asas de enflechamento negativo e movido por engrenagens de relógios!
Em 1874, Du Temple produziu a primeira decolagem motorizada em um avião pilotado
Figura 1.13 O avião de Du Temple: a primeira aeronave a fazer uma decolagem moto-
rizada, mas assistida, em 1874.
de tamanho completo. Mais uma vez, o avião tinha asas de enflechamento negativo,
mas desta vez era alimentado por uma forma de motor de ar quente (não se sabe exata-
mente de que tipo). Um desenho do avião de tamanho completo se encontra na Figura
1.13. A máquina, pilotada por um jovem marinheiro, foi lançada de um plano inclinado
em Brest, na França; o avião se ergueu do solo por um momento, mas jamais chegou
perto de um voo sustentado. No mesmo estilo, o segundo avião motorizado com um
piloto saiu do solo perto de São Petersburgo, na Rússia, em julho de 1884. Projetada por
Alexander F. Mozhaiski, a máquina era um monoplano a vapor, como vemos na Figura
1.14. O projeto de Mozhaiski era descendente direto da carruagem aérea a vapor de
Henson, tendo até mesmo um motor a vapor inglês. Pilotado por I. N. Golubev, o avião
foi lançado de uma rampa de esqui e voou por alguns segundos. Assim como o avião de
Du Temple, a máquina não produziu um voo sustentado. Os russos gostam de creditar
a Mozhaiski o primeiro voo motorizado da história, mas o fato obviamente não cumpre
os critérios necessários para merecer esse título. Du Temple e Mozhaiski fizeram a
primeira e a segunda decolagem motorizada assistida da história, respectivamente, mas
nenhum conseguiu produzir um voo sustentado. Em seu livro The World’s First Aero-
plane Flights (1965), C. H. Gibbs-Smith descreve os seguintes critérios utilizados pelos
historiadores da aviação para julgar um voo motorizado bem-sucedido:
Para ter realizado um voo sustentado e motorizado simples, um aeroplano convencional
deve ter se sustentado livremente em uma trajetória de voo horizontal ou ascendente, sem
perda de velocidade em relação ao ar, além de um ponto no qual poderia ser influencia-
do por qualquer quantidade de movimento acumulada antes de se erguer do solo. Caso
contrário, o fato somente pode ser considerado um salto motorizado, ou seja, o objeto
não teria realizado um voo plenamente motorizado, mas apenas seguido uma trajetória
balística modificada pelo empuxo de suas hélices e pelas forças aerodinâmicas atuantes
em seus aerofólios. Além disso, deve ser demonstrado que a máquina pode ser mantida
em um equilíbrio satisfatório. O voo sustentado simples obviamente não precisa incluir
controlabilidade completa, mas a manutenção do equilíbrio adequado no voo é parte es-
sencial da sustentação.
16 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 1.14 O segundo avião a fazer uma decolagem assistida: a aeronave de Mo-
zhaiski, Rússia, 1884.
Com base nesses critérios, nenhum grande historiador da aviação tem a míni-
ma dúvida de que o primeiro voo motorizado foi realizado pelos irmãos Wright em
1903. Entretanto, os “saltos” assistidos descritos anteriormente colocaram mais dois
degraus na escada do desenvolvimento aeronáutico no século XIX.
Um fato especialmente importante nesse período foi a criação da Sociedade Ae-
ronáutica da Grã-Bretanha em Londres no ano de 1866. Antes disso, os trabalhos em
“navegação aérea” (uma expressão cunhada por George Cayley) eram vistos com
desdém por muitos cientistas e engenheiros. O trabalho era muito estranho e não
merecia ser levado a sério. Entretanto, a Sociedade Aeronáutica logo atraiu cientistas
visionários e respeitados, indivíduos que se debruçaram sobre a tarefa de resolver os
problemas do voo mecânico de uma maneira mais lógica e ordeira. A aeronáutica,
por sua vez, assumiu uma atmosfera mais séria e significativa. A Sociedade, com
suas reuniões regulares e publicações técnicas, oferecia um canal científico coeso
para a apresentação e absorção dos resultados obtidos pela engenharia aeronáutica.
A sociedade ainda existe e prospera, na forma da respeitadíssima Royal Aeronautical
Society. Além disso, a instituição serviu como modelo para a criação da American
Rocket Society e do Institute of Aeronautical Sciences nos Estados Unidos no século
XX; em 1964, as duas organizações se fundiriam para formar o American Institute of
Aeronautics and Astronautics (AIAA), um dos canais mais influentes da atualidade
para a troca de informações sobre engenharia aeroespacial.
Na primeira reunião da Sociedade Aeronáutica da Grã-Bretanha, em 27 de junho
de 1866, Francis H. Wenham leu um artigo intitulado Aerial Locomotion (Locomoção
Aérea), um dos clássicos da literatura da engenharia aeronáutica. Wenham era um en-
genheiro naval que posteriormente teria um papel proeminente na Sociedade, sendo o
primeiro indivíduo a projetar e construir um túnel de vento na história (ver Seção 4.24).
Seu artigo, também publicado no primeiro relatório anual da sociedade, foi o primeiro
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 17
a apontar que a maior parte da sustentação da asa era proveniente da porção próxima ao
bordo de ataque. Ele também estabeleceu que uma asa com alta razão de aspecto seria a
mais eficiente para produzir sustentação (veremos o porquê no Capítulo 5).
Como observado em nossa discussão anterior sobre Stringfellow, a Sociedade
Aeronáutica começou em grande estilo: com apenas dois anos, em 1868, ela montou
a primeira exposição aeronáutica da história, realizada no Crystal Palace. A expo-
sição reuniu uma ampla variedade de máquinas e balões, oferecendo ao grande pú-
blico em primeira mão um panorama dos esforços sendo realizados para conquistar
os ares. O triplano de Stringfellow (discutido anteriormente) atraiu muito interesse.
Sobrevoando o público hipnotizado pelo aparelho, o triplano voava ao longo de um
cabo inclinado preso sob o teto do salão de exposição (ver Figura 1.12). No entanto,
ele não conseguia produzir voos sustentados por conta própria. Na verdade, a exposi-
ção de 1868 em nada avançou os aspectos técnicos da aviação, mas foi, ainda assim,
um golpe de mestre em termos de relações públicas.
engenheiro aeronáutico britânico de maior renome desde George Cayley. Pilcher era
um aeronauta e, ao lado de Lilienthal, destacou a importância de aprender a natureza
prática do voo no ar antes de prender um motor ao aparelho.
Mas Pilcher tinha uma ideia fixa: o voo motorizado. Em 1897, ele calculou que
um motor de 4 cavalos-força pesando no máximo 40 libras (18,1 kg), acionando uma
hélice com 1,5 metros de diâmetro, seria necessário para que seu Hawk pudesse de-
colar. Como tal motor não estava disponível comercialmente, Pilcher (que era enge-
nheiro naval) passou quase todo o ano de 1898 projetando e construindo o aparelho.
O motor foi completado e testado em bancada em meados de 1899. Depois, em um
daqueles acidentes do destino que pontua muitos aspectos da história, Pilcher morreu
enquanto demonstrava seu planador Hawk nas terras de Lorde Braye em Leicester-
shire, Inglaterra. O tempo estava ruim e, durante o primeiro voo, o planador ficou
absolutamente encharcado. Durante o segundo, o conjunto de cauda ensopado sofreu
um colapso e Pilcher se chocou contra o solo. Como Lilienthal, Pilcher morreu um
dia depois do desastre. Assim, a Inglaterra e o mundo perderam o único homem
além de Lilienthal que poderia ter realizado um voo motorizado de sucesso antes dos
irmãos Wright.
zer, de Nova Iorque, para produzir o motor; insatisfeito com os resultados, Lan-
gley acabou pedindo a Charles Manly, seu assistente, que redesenhasse a unidade
de energia. O motor resultante produzia 52,4 cavalos-força, mas pesava apenas
94,3 kg, um sucesso espetacular na época. Com um motor a gasolina menor, de
1,5 cavalo-força, Langley conseguiu realizar um voo de sucesso com um aero-
modelo de ¼ de escala em junho de 1901, seguido de um voo ainda mais bem-
-sucedido com um modelo movido por um motor de 3,2 cavalos-força em agosto
de 1903.
Encorajado por esse sucesso, Langley foi trabalhar diretamente em um avião de
tamanho completo, cujos panoramas superior e lateral são apresentados na Figura
1.18. Ele montou o avião com asas em tandem em uma catapulta para produzir uma
decolagem assistida. O avião e a catapulta, por sua vez, foram colocados sobre um
casa flutuante no Rio Potomac (ver Figura 1.19). Em 7 de outubro de 1903, com
Manly nos controles, o avião estava pronto para a sua primeira tentativa. O lança-
mento foi bastante divulgado na imprensa, que estava presente para assistir àquele
que poderia ser o primeiro voo motorizado de sucesso em toda a história. Uma fo-
tografia do Aerodrome um instante antes de ser lançado aparece na Figura 1.20. A
seguinte matéria apareceu no jornal The Washington Post no dia seguinte:
A alguns metros da casa flutuante estavam os barcos dos repórteres, que por três meses
haviam ficado em Widewater. Os jornalistas abanaram. Manly olhou para baixo e sorriu,
mas então seu rosto se enrijeceu enquanto se preparava para o voo, que poderia dar-lhe
fama ou morte. As rodas das hélices, a 30 cm de sua cabeça, giravam ao seu redor a mil
rotações por minuto. Um homem à frente disparou dois foguetes. Os rebocadores respon-
deram com dois apitos. Um mecânico se abaixou e cortou o cabo que prendia a catapulta.
O céu se encheu com um barulho alto e estridente... e a aeronave de Langley desabou da
beira da casa flutuante e desapareceu no rio a cinco metros de profundidade. Ela simples-
mente escorregou e caiu na água, como um punhado de argamassa (...)
Manly não se machucou. Langley acreditava que o avião havia sido danificado pelo
mecanismo de lançamento e tentou mais uma vez em 8 de dezembro de 1903. A
Figura 1.21, uma fotografia tirada momentos antes do lançamento, mostra as asas
traseiras em colapso total e o Aerodrome em um ângulo de ataque de 90º. Mais uma
vez, o Aerodrome caiu no rio e, mais uma vez, Manly foi resgatado sem ferimentos.
Não se sabe exatamente o que aconteceu dessa vez; a catapulta foi culpada novamen-
te por danificar a aeronave, mas alguns especialistas afirmam que o cone de cauda
rachou devido a uma falha estrutural (uma análise estrutural recente realizada pelo
Dr. Howard Wolko, hoje aposentado do National Air and Space Museum, demons-
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 25
trou que o grande Aerodrome de Langley tinha falhas estruturais claras). Seja como
for, assim terminaram as tentativas de Langley. O Departamento de Guerra desistiu,
afirmando que “ainda estamos longe do objetivo final (do voo humano)”. Os mem-
bros do Congresso dos EUA e a imprensa montaram ataques ferozes e injustos con-
tra Langley (o voo humano ainda era ridicularizado pela grande maioria). Frente ao
escárnio público, Langley se aposentou do mundo da aeronáutica. Ele morreu no dia
27 de fevereiro de 1906, um homem desesperado.
Em contraste com Chanute e os irmãos Wright, Langley era um chofer. A maio-
ria dos especialistas modernos acredita que seu Aerodrome não teria sido capaz de
produzir um voo sustentado em equilíbrio caso tivesse sido lançado com sucesso.
Langley não realizou experimentos com planadores tripulados para entender melhor
o voo aéreo. Ele ignorava completamente os aspectos importantes do controle de
voo. Ele tentou lançar Manly no ar com uma máquina motorizada sem que Manly
tivesse um único segundo de experiência de voo prévia. Ainda assim, a obra aeronáu-
tica de Langley tem alguma importância, pois ele emprestou a força de sua reputação
técnica respeitada à causa do voo mecânico e porque seus Aerodromes encorajaram
outros pioneiros.
Nove dias após a segunda falha de Langley, o Wright Flyer I se ergueu das dunas
de Kill Devil Hills.
26 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
que os pássaros “retomam o equilíbrio lateral quando virados parcialmente por uma
rajada de vento por meio da torção das pontas das asas”. Assim nasceu um dos avanços
mais importantes da história da aviação: o uso da torção da asa para controlar aviões
em movimento lateral (de rolamento). Nos aviões modernos, usa-se ailerons para esse
objetivo, mas a ideia é a mesma (os fundamentos aerodinâmicos associados com tor-
ção de asas ou ailerons são discutidos nos Capítulos 5 e 7). Em 1903, Chanute, des-
crevendo o trabalho dos irmãos Wright, cunhou o termo wing warping (dobramento
das asas), que seria aceito, mas causaria algumas confusões jurídicas posteriormente.
Ansioso para trabalhar e experimentar com o conceito de wing warping, Wilbur
escreveu uma carta para o Smithsonian Institution em maio de 1899 solicitando ar-
tigos e livros sobre aeronáutica; a resposta foi uma breve bibliografia sobre voo, in-
cluindo obras de Chanute e Langley. O item mais importante entre eles foi o Progress
in Flying Machines de Chanute (ver Seção 1.7). Na mesma época, Orville ficou tão
entusiasmado quanto o irmão e ambos absorveram toda a literatura aeronáutica que
encontraram. O resultado foi sua primeira aeronave, um pipa biplana com 1,5 metros
de envergadura, em agosto de 1899. A máquina foi projetada para testar o conceito de
wing warping, executado com quatro fios de controle no solo. E deu certo!
Estimulado por esse sucesso, Wilbur escreveu para Chanute em 1900, informan-
do-o sobre seu progresso incipiente, mas já frutífero. A carta deu início à amizade
íntima entre os irmãos Wright e Chanute, que beneficiaria ambas as partes no futuro.
Além disso, seguindo a filosofia dos verdadeiros aeronautas, os Wrights estavam
convencidos de que precisavam ter experiência no ar antes de colocar um motor
em um avião. Após uma solicitação ao Serviço Meteorológico dos EUA, os dois
descobriram o espaço ideal para seus experimentos com planadores: a área em torno
de Kitty Hawk, Carolina do Norte, onde havia ventos fortes e constantes. Um pla-
nador biplano de tamanho completo foi terminado em setembro de 1900 e testado
em outubro do mesmo ano em Kitty Hawk. A Figura 1.22 reproduz uma fotografia
Figura 1.22 O planador número 1 dos irmãos Wright em Kitty Hawk, Carolina do
Norte, 1900.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 29
Figura 1.23 O planador número 2 dos irmãos Wright em Kill Devil Hills, 1901.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
30 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
wing warping, permitia que o planador número 3 fizesse curvas inclinadas e suaves.
O uso combinado do leme direcional com o wing warping (ou, mais tarde, os aile-
rons) foi outra contribuição importante dos Wrights ao controle de voo em especial
e à aeronáutica em geral.
Com isso, os Wrights tinham o planador mais prático e bem-sucedido da his-
tória. Durante 1902, eles realizaram mais de 1.000 voos perfeitos, estabelecendo
recordes de distância (190 m) e duração (26 s). No processo, Wilbur e Orville se
tornaram pilotos altamente habilidosos e proficientes, algo que logo causaria inveja
ao redor do mundo.
O voo motorizado estava agora ao alcance, e os Wrights sabiam! Animados com
o sucesso, eles voltaram a Dayton para enfrentar o último problema restante: pro-
pulsão. Assim como Langley antes deles, os Wrights não encontravam um motor
comercial apropriado, então projetaram e construíram o deles nos meses de inverno
de 1903. O aparelho produzia 12 cavalos-força e pesava cerca de 90 kg. Além disso,
os dois conduziram suas próprias pesquisas, o que permitiu que criassem uma hélice
eficaz. Essas realizações, perseguidas sem sucesso por quase um século, se concreti-
zavam na oficina dos Wrights como se nascessem de uma fonte.
Com todos os grandes obstáculos superados, Wilbur e Orville construíram seu
Wright Flyer I do zero durante o verão de 1903. O aparelho lembrava bastante o pla-
nador número 3, mas tinha 12,3 m de envergadura e usava um leme direcional duplo
atrás das asas e um profundor duplo na frente delas. E, é claro, havia o motor Wright
a gasolina, espetacular, acionando duas hélices impulsoras com o uso de correias de
bicicleta. As Figuras 1.1 e 1.2 apresentam um diagrama triplo e uma fotografia do
Wright Flyer I, respectivamente.
De 23 a 25 de setembro, a máquina foi transportada até Kill Devil Hills, onde
os Wrights descobriram que seu acampamento estava em péssimo estado. Além dis-
so, o planador número 3 sofrera danos durante os meses de inverno. Eles realizaram
consertos e então passaram muitas semanas treinando com seu planador número 3.
Finalmente, em 12 de dezembro, tudo estava pronto, mas os elementos atrapalharam:
o tempo ruim forçou os irmãos a adiarem o primeiro teste do Wright Flyer I até 14 de
dezembro. Naquele dia, os Wrights chamaram testemunhas até o acampamento e joga-
ram cara-ou-coroa para decidir quem seria o primeiro piloto. Wilbur venceu. O Wright
Flyer I começou a avançar sobre o trilho de lançamento com a força de seu motor, ele-
vando sua velocidade. A máquina se ergueu do trilho corretamente, mas então mergu-
lhou de repente, parou e bateu de volta no chão. Foi o primeiro caso de erro do piloto
da história: Wilbur admitiu que forçara demais o profundor e elevara demais o nariz.
Após pequenos consertos, e com o clima mais uma vez favorável, o Wright Flyer
I foi preparado para voar novamente em 17 de dezembro. Desta vez Orville estaria nos
controles. O trilho de lançamento foi colocado mais uma vez na areia plana. Uma câ-
mera foi ajustada para tirar uma foto da máquina quando ela alcançasse o fim do trilho.
O motor foi colocado no máximo, a corda de segurança desamarrada e a máquina co-
meçou a se mover. O resto é história, como vimos nos primeiros parágrafos deste livro.
É impossível ler ou escrever sobre esse evento histórico sem sentir um pouco da
emoção do momento. Wilbur Wright tinha 36 anos; Orville, 32. Juntos, os dois ha-
viam feito algo que ninguém jamais conseguira. Com seus esforços persistentes, pes-
32 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
até 1906. Assim, entre 16 de outubro de 1905 e 6 de maio de 1908, Wilbur e Orville
nunca voaram e não permitiram que ninguém visse suas máquinas. Mas sua engenha-
ria aeronáutica não ficou parada. Durante o período, eles construíram pelo menos seis
novos motores. Eles também desenharam uma nova máquina voadora, que viria a ser
conhecida como Wright Tipo A (ver Figura 1.25). Esse avião era semelhante ao Wright
Flyer III, mas tinha um motor de 40 cavalos-força e permitia que duas pessoas voassem
sentadas entre as asas. O modelo também representava a melhoria progressiva de um
projeto basicamente bem-sucedido, um conceito de projeto que se sustenta até hoje.
lateral com seu conceito inovador de wing warping. Em 1909, entretanto, o francês
Henri Farman projetou um biplano batizado de Henri Farman III que incluía ailerons
semelhantes a flapes no bordo de fuga próximo às pontas das asas; os ailerons logo
se tornaram o meio mecânico de controle lateral mais usado, o que continua até os
dias de hoje. Os projetistas europeus também adotaram imediatamente a forma longa
e esguia das hélices dos Wrights, muito diferente das formas largas, semelhantes
a pás, mais usadas na época, que tinham baixas eficiências propulsivas (ver Seção
6.6.1), na casa de 40-50%. Em 1909, a eficiência das hélices dos Wrights foi mensu-
rada por um engenheiro em Berlim, com o resultado incrível de 76%. Experimentos
com túneis de vento no Langley Research Center da NASA, executados por pesqui-
sadores da Old Dominion University em 2002, indicaram que a hélice dos irmãos
teria uma eficiência ainda mais impressionante de 84%. Essas duas características
técnicas, a saber, a valorização e a capacidade mecânica de produzir controle lateral
e o projeto de uma hélice altamente eficiente, são duas das heranças técnicas mais
importantes que os Wrights deram aos aviões do futuro, e os projetistas europeus não
hesitaram em adotá-las (para mais detalhes, ver Anderson, The Airplane: A History
of Its Technology, American Institute of Aeronautics and Astronautics, 2002).
As realizações dos irmãos Wright foram monumentais. Seu apogeu ocorreu du-
rante os anos de 1908 a 1910; depois disso, a aeronáutica europeia logo alcançou e
superou os dois na corrida tecnológica. O principal motivo para isso é que todas as
máquinas dos Wrights, desde os primeiros planadores, eram estaticamente instáveis
(ver Capítulo 7). Isso significa que seus aviões não conseguiam voar “por conta pró-
pria”; em vez disso, precisavam ser controlados pelo piloto constantemente, a cada
instante. Os inventores europeus, por outro lado, acreditavam na possibilidade de
aeronaves inerentemente estáveis. Após suas lições em controle de voo com Wilbur
em 1908, os engenheiros na França e na Inglaterra não demoraram para desenvolver
aviões ao mesmo tempo estáveis e controláveis. Essas máquinas eram basicamente
mais seguras e fáceis de pilotar. O conceito de estabilidade estática foi aplicado a
praticamente todos os projetos de aviões até hoje (é interessante observar que os
novos projetos de caças militares, como o Lockheed-Martin F-22, são estaticamente
instáveis, o que representa um retorno à filosofia de projeto dos Wrights. Entretanto,
ao contrário dos Wright Flyers, essas novas aeronaves são pilotadas constantemente,
a cada momento, por meios elétricos, utilizando o novo conceito de fly-by-wire).
Encerrando a história dos irmãos Wright, Wilbur morreu cedo, de febre tifoide,
no dia 30 de maio de 1912. Em um epitáfio deveras apropriado, seu pai disse: “Esta
manhã, às 3h15, Wilbur morreu aos 45 anos, 1 mês e 14 dias. Uma vida breve e cheia
de consequências. Um intelecto inesgotável, uma calma imperturbável, grande au-
toconfiança e igualmente grande modéstia. Vendo o certo claramente e buscando-o
com constância, ele viveu e morreu”.
Orville sobreviveu até 30 de janeiro de 1948. Durante a Primeira Guerra Mun-
dial, ele recebeu a patente de major no Signal Corps Aviation Service. Apesar de
ter vendido sua participação na empresa Wright e se “aposentado” em 1915, ele
continuou a realizar pesquisas em sua oficina pessoal. Em 1920, ele inventou o flape
seccionado para asas, e continuou produtivo ainda por muitos anos.
Como última nota de rodapé à história desses dois grandes homens, Orville e o
Smithsonian Institution tiveram um desentendimento quanto aos méritos históricos
36 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 1.26 O Aerodrome de Langley no Rio Potomac após seu primeiro voo fracas-
sado em 7 de outubro de 1903. Charles Manly, o piloto, foi resgatado do rio, felizmente
ileso.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
A C
foi trabalhar na Eastman Dry Plate and Film Company (a futura Kodak), marcando
números no verso do papel dos filmes. Em 1900, Curtiss voltou a Hammondsport,
onde assumiu uma oficina de bicicletas (uma coincidência com os irmãos Wright).
Nessa época, Curtiss começou a demonstrar uma paixão que consumiria todo o resto
de sua vida: a velocidade. Ele começou a participar de corridas de bicicletas e logo
ganhou a reputação de vencedor. Em 1901, ele incorporou um motor às suas bicicle-
tas e se tornou um motociclista competitivo. Em 1902, sua fama estava se espalhan-
do e ele recebia inúmeras encomendas de motocicletas com os motores que inventa-
va. Em 1903, Curtiss fundou uma fábrica de motocicletas em Hammondsport, onde
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 39
Dois dias depois, com o inexperiente McCurdy nos controles, o White Wing caiu e
nunca mais voou.
A essa altura, contudo, a apreensão dos irmãos Wright quanto à AEA estava se
transformando em rancor contra seus membros. Wilbur e Orville acreditavam genui-
namente que a AEA copiara suas ideias e pretendia utilizá-las para ganhos comer-
ciais. Por exemplo, em 7 de junho de 1908, Orville escreveu para o irmão (que estava
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 41
Figura 1.28 Glenn Curtiss voando no June Bug no dia 4 de julho de 1908, a caminho
do prêmio da Scientific American para o primeiro voo público mais longo que 1 km.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
42 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
A atenção que o voo de Curtiss recebeu em julho foi totalmente superada pelo
sucesso incrível de Wilbur durante seus voos públicos na França a partir de 8 de
agosto de 1908 e pelos testes de Orville para o Exército dos EUA no Forte Myer a
partir de 3 de setembro de 1908. Durante os testes no Forte Myer, a relação entre
os Wrights e a AEA sofreu uma reviravolta irônica. Um dos membros da comissão
avaliadora escolhida pelo Exército para observar os voos de Orville foi o tenente
Thomas Selfridge. Selfridge havia sido destacado oficialmente para a AEA havia
um ano e agora voltava aos seus deveres como principal especialista aeronáutico do
Exército. Como parte da avaliação oficial, Orville teve que levar Selfridge em um
voo como passageiro. Durante esse voo, em 17 de setembro, uma pá da hélice rachou
e mudou de forma, prejudicando o empuxo. Isso desequilibrou a segunda hélice, que
cortou o cabo de controle da cauda. Por consequência, o cabo se prendeu na hélice
e arrancou-a. O Wright Tipo A perdeu o controle e caiu. Selfridge morreu e Orville
ficou gravemente ferido, sendo hospitalizado por um mês e meio. Orville mancaria
pelo resto da vida devido ao acidente. Perturbada com a morte de Selfridge e em
parte superada pelo crescimento rápido da aviação após os eventos de 1908, a Aerial
Experiment Association se dissolveu em 31 de março de 1909. Nas palavras de Ale-
xander Graham Bell: “A AEA é hoje uma coisa do passado. Ela deixou sua marca na
história da aviação e sua obra há de sobreviver”.
Depois disso, Glenn Curtiss começou a atuar por conta própria no mundo da
aviação. Montando uma fábrica de aviões em Hammondsport, Curtiss projetou e
construiu uma nova aeronave, um avanço em relação ao June Bug, batizada de Gol-
den Flyer. Em agosto de 1909, uma grande exibição de voo em Reims, França, atraiu
multidões e diversos príncipes europeus. Pela primeira vez na história, o troféu Gor-
don Bennett foi oferecido ao voo mais rápido. Glenn Curtis conquistou o troféu com
seu Golden Flyer, que atingiu uma velocidade média de 75,7 km/h em um percurso
de 20 km, derrotando diversos pilotos que usavam aviões dos Wrights. O fato lan-
çou a carreira meteórica de Curtiss como acrobata aéreo e fabricante de aviões. Sua
fábrica de motocicletas em Hammondsport foi adaptada para trabalhar exclusiva-
mente com aviões. Suas aeronaves eram populares com os outros pilotos da época,
pois eram estaticamente estáveis e, logo, mais fáceis de pilotar e mais seguras que
os aviões dos Wrights, projetados intencionalmente pelos irmãos para serem estati-
camente instáveis (ver Capítulo 7). Em 1910, os círculos da aviação e o público em
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 43
que Charles Manly, assistente de Langley, foi quem deu a largada oficial para o voo
de Curtiss que conquistou o troféu da revista Scientific American. Essas relações
formam o lado B do triângulo da Figura 1.27. Finalmente, analisamos a relação
entre os Wrights e Curtiss, ainda que esta não tenha sido sempre positiva, que forma
o lado C da Figura 1.27.
Em 1914, ocorreu um evento que envolveu ao mesmo tempo os três lados do
triângulo da Figura 1.27. Quando o Aerodrome de Langley falhou pela segunda vez
em 1903 (ver Figura 1.21), os destroços foram simplesmente guardados em uma sala
vazia nos fundos do Smithsonian Institution. Quando Langley morreu em 1906, ele
foi substituído como secretário do Smithsonian pelo Dr. Charles D. Walcott. Durante
os anos seguintes, o secretário Walcott acreditou que o Aerodrome de seu antecessor
merecia uma terceira chance. Em 1914, o Smithsonian finalmente concedeu uma
verba de 2.000 dólares para o conserto e voo do Aerodrome de Langley a ninguém
menos do que Glenn Curtiss. O Aerodrome foi mandado para a fábrica de Curtiss em
Hammondsport; lá, além do conserto do aparelho, foram realizadas 93 modificações
técnicas separadas em aspectos aerodinâmicos, estruturais e de motor. Para ajudá-lo
na restauração e modificação, Curtiss contratou Charles Manly. Curtiss adicionou
pontões ao Aerodrome de Langley e, em 28 de maio de 1914, pilotou pessoalmente a
aeronave modificada, atravessando uma distância de 50 metros sobre o Lago Keuka.
A Figura 1.29 mostra uma fotografia do Aerodrome voando suavemente sobre as
águas do lago. Posteriormente, o Aerodrome foi mandado de volta para o Smithso-
nian, onde foi restaurado cuidadosamente à sua configuração original e, em 1918,
exposto no antigo Arts and Industries Building. Sob o Aerodrome foi colocada uma
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 45
placa em que se lia: “Máquina voadora original de Langley, 1903. O primeiro aero-
plano transportador de homens da história do mundo capaz de voo livre sustentado”.
A placa não mencionava que o Aerodrome demonstrara sua capacidade de voo sus-
tentado apenas após as 93 modificações realizadas por Curtiss em 1914. Não é sur-
presa que Orville Wright tenha ficado profundamente incomodado com a situação,
e esse é o principal motivo para o Wright Flyer original de 1903 não ter sido dado
ao Smithsonian até 1948, o ano de sua morte. Em vez disso, de 1928 a 1948, o Flyer
residiu no Museu de Ciência de Londres.
Esta seção termina com duas ironias. Em 1915, Orville vendeu a Wright Aero-
nautical Corporation para um grupo de empresários novaiorquinos. Durante a década
de 1920, a empresa se tornaria uma concorrente fracassada no mundo da aviação.
Finalmente, em 26 de junho de 1929, em um escritório de Nova Iorque, a Wright Ae-
ronautical Corporation se fundiu oficialmente à bem-sucedida Curtiss Aeroplane and
Motor Corporation, formando à Curtiss-Wright Corporation. Assim, ironicamente,
os nomes de Curtiss e Wright se uniram afinal após os primeiros anos de turbulência.
A Curtiss-Wright Corporation produziria diversas aeronaves famosas, talvez a mais
importante das quais foi o P-40, pilotado na Segunda Guerra Mundial. Infelizmente,
a empresa não sobreviveu aos anos de vacas magras do Pós-Guerra e suas atividades
de desenvolvimento e fabricação de aviões se encerrou em 1948. Isso nos leva à se-
gunda ironia. Apesar dos alicerces do voo motorizado terem sido estabelecidos por
Orville e Wilbur Wright e por Glenn Curtis, não há um único avião sendo produzido
ou em operação regular atualmente que leve o nome de Wright ou de Curtiss.
boa parte da tecnologia e dos mecânicos treinados que colaboraram para o desenvol-
vimento futuro da aviação.
O desenvolvimento do motor de combustão interna a gasolina foi um presente
dos deuses para a aeronáutica, que começava a ganhar força na década de 1890. Em
última análise, o motor a gasolina customizado dos irmãos Wrights foi o responsável
por erguer o Flyer I das areias de Kill Devil Hills naquele dia histórico de dezembro
de 1903. O mundo finalmente encontrara um dispositivo de propulsão aeronáutica
apropriado.
É interessante observar que a relação entre o setor automobilístico e o aeronáuti-
co persiste até hoje. Por exemplo, em junho de 1926 a Ford lançou um avião de trans-
porte de três motores e asa alta muito bem-sucedido, o Ford 4-AT Trimotor. Durante
a Segunda Guerra Mundial, praticamente todas as grandes montadoras produziram
motores de aviação e células. A General Motors manteve uma divisão de motores de
aviação por muitas décadas (a Allison Division, em Indianópolis, Indiana), famosa
por seus projetos de turbo-hélice. Hoje, a Allison é de propriedade da Rolls-Royce
e representa sua divisão norte-americana. Mais recentemente, os projetistas de auto-
móveis estão adotando a simplificação aerodinâmica e os testes em túneis de vento
para reduzir o arrasto e, por consequência, aumentar a economia de combustível.
Assim, o desenvolvimento paralelo do avião e do automóvel nos últimos 100 anos
foi mutuamente benéfico.
Podemos argumentar que a propulsão determinou cada grande avanço na velo-
cidade dos aviões. O advento do motor a gasolina certamente abriu as portas para o
primeiro voo de sucesso. Depois, à medida que esses motores aumentaram dos 12
cavalos-força do modelo dos Wrights em 1903 até os 2200 hp dos motores radiais
de 1945, as velocidades dos aviões passaram de 45 km/h para mais de 800 km/h. Fi-
nalmente, os motores a jato e foguetes contemporâneos fornecem empuxo suficiente
para lançar a aeronave a milhares de quilômetros por hora, muitas vezes à velocidade
do som. Assim, em toda a história dos voos pilotados, a propulsão sempre foi a chave
que abriu as portas para voos cada vez mais rápidos.
X-15
3200 Aviões experimentais
com propulsão
por foguete
2800
F-15
F-14
Bell X-1A
2000
1600 F-104G
MIG-21
Concorde SST
Messerschmitt ME 262A
MIG-29
1200 Corridas da
F-22
F-102
F-35
Supermarine Spitfire
Ryan Spirit of St. Louis
Copa Schneider
Bell XS-1
Douglas World Cruiser
(hidroaviões)
Ford Trimotor
800
Aviões
convencionais
Spad SS XIII
F-86F
Wright Flyer I
Curtiss JN-3
Antoinette IV
P-26A
DC-3
400
P-80
P-51D
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Ano
gico. Observe a busca contínua por velocidades maiores com o passar dos anos, es-
pecialmente o aumento recente possibilitado pelo motor a jato. A Figura 1.30 destaca
os vencedores do Troféu Schneider entre 1913 e 1931 (com uma interrupção duran-
te a Primeira Guerra Mundial). As corridas da Copa Schneider foram iniciadas em
1913 pelo francês Jacques Schneider como estímulo ao desenvolvimento de aviões
de alta velocidade com flutuadores. A competição promoveu o desenvolvimento ini-
cial, mas avançado, de aeronaves de alta velocidade. Os vencedores aparecem como
a linha pontilhada na Figura 1.30 para comparação com os aviões típicos de sua épo-
ca. Na verdade, o vencedor da última corrida Schneider em 1931 foi o Supermarine
S.6B, precursor do famoso Spitfire da Segunda Guerra Mundial. Obviamente, as
velocidades de voo máximas alcançam o valor extremo de 11 m/s, que é a velocidade
de escape da Terra atingida pela espaçonave Apollo.
48 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
314,750 ft
Lockheed U-2
X-15
SR-71A
100
XB-70
90
Grumman F9F-6
80
F-102
Messerschmitt 262A
Supermarine Spitfire
MIG-29
F-104G
F-111
70
F-14
F-18E
Altitude, ft × 103
F-86F
F-22
F-35
60
Boeing Monomail 221A
Ryan Spirit of St. Louis
P-51D
P-80
50
Douglas World Cruiser
Ford Trimotor
Spad S XIII
40
P-26A
Nieuport
DC-3
30
Bleriot
Wright Flyer I
Bleriot
Antoinette
20
10
0
1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Ano
Figura 1.32 O Spirit of St. Louis (1927) de Charles Lindbergh, exposto no National Air
and Space Museum.
(Foto cortesia da John Anderson Collection.)
Figura 1.33 O Douglas DC-3 (1935), exposto no National Air and Space Museum.
(Foto cortesia da John Anderson Collection.)
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 51
Bibliografia
Anderson, John D., Jr. A History of Aerodynamics and Its Impact on Flying Machines, Cam-
bridge University Press, New York, 1997.
___. The Airplane: A History of Its Technology. American Institute of Aeronautics and Astro-
nautics, Reston, VA, 2002.
___. Inventing Flight: The Wright Brothers and Their Predecessors. Johns Hopkins University
Press, Baltimore, 2004.
Angelucci, E. Airplanes from the Dawn of Flight to the Present Day. McGraw-Hill, New York,
1973.
Combs, H. Kill Devil Hill. Houghton Mifflin, Boston, 1979.
___. A Dream of Wings. Norton, New York, 1981.
Crouch, T. D. The Bishop’s Boys. Norton, New York, 1989.
Gibbs-Smith, C. H. Sir George Cayley’s Aeronautics 1796–1855. Her Majesty’s Stationery
Office, London, 1962.
___. The Invention of the Aeroplane (1799–1909). Faber, London, 1966.
___. Aviation: An Historical Survey from Its Origins to the End of World War II. Her Majesty’s
Stationery Office, London, 1970.
___. Flight through the Ages. Crowell, New York, 1974.
Capítulo 1 Os primeiros engenheiros aeronáuticos 53
Os itens a seguir são uma série de livretos preparados para o Museu de Ciência Britânico
por C. H. Gibbs-Smith e publicados por Her Majesty’s Stationery Office, Londres:
The Wright Brothers, 1963
The World’s First Aeroplane Flights, 1965
Leonardo da Vinci’s Aeronautics, 1967
A Brief History of Flying, 1967
Sir George Cayley, 1968
Jakab, Peter L. Visions of a Flying Machine. Smithsonian Institution Press, Washington, 1990.
Josephy, A. M., and A. Gordon. The American Heritage History of Flight. Simon and Schus-
ter, New York, 1962.
Kinney, Jeremy R. Airplanes: The Life Story of a Technology, Greenwood Press, Westport,
Conn., 2006.
McFarland, Marvin W. (ed.). The Papers of Wilbur and Orville Wright. McGraw-Hill, New
York.
Roseberry, C. R. Glenn Curtiss: Pioneer of Flight. Doubleday, Garden City, NY, 1972.
Taylor, J. W. R., and K. Munson. History of Aviation. Crown, New York, 1972.
2
Ideias fundamentais
O
linguajar da engenharia e das ciências físicas é uma coleção e uma assimi-
lação lógica de símbolos, definições, fórmulas e conceitos. Para uma pes-
soa normal, essa linguagem muitas vezes é esotérica e incompreensível. Na
verdade, quando se torna um engenheiro, você não espera conversar com sua esposa
durante o jantar sobre seus grandes feitos técnicos realizados ao longo do dia de
trabalho. É provável que ela não entenda do que você está falando (a menos que ela
própria trabalhe em um campo de engenharia relacionado). O objetivo dessa lingua-
gem é comunicar ideias físicas. Ela é nossa maneira de descrever os fenômenos da
natureza como observados no mundo ao nosso redor. É um linguajar que evoluiu
durante pelo menos 2500 anos. Por exemplo, em 400 a.C., o filósofo grego Demó-
crito introduziu a palavra e o conceito de átomo, a menor quantidade de matéria que
não poderia ser dividida. O objetivo deste capítulo é introduzir parte da linguagem
cotidiana utilizada pelos engenheiros aeroespaciais; esse linguajar, por sua vez, será
estendido e aplicado em todo o resto deste livro.
Em todos os capítulos deste livro, você encontrará mapas para guiá-lo pelas
ideias e avanços intelectuais que compõem esta introdução ao voo. Lembre-se de
usar esses mapas com frequência. Eles vão informá-lo onde estamos em nossas dis-
cussões, onde você esteve e aonde vai. Por exemplo, a Figura 2.1 é um mapa geral do
livro como um todo. Ao examinar esse mapa, podemos obter uma perspectiva geral
Capítulo 2 Ideias fundamentais 55
Para começar
O objetivo deste capítulo é ajudá-lo a dar o pri- Dimensões e unidades, que assuntos ma-
meiro passo. Para muitos de nós, quando temos çantes! Mas são temas de suma importância na
um trabalho a fazer ou um objetivo a cumprir, engenharia e na ciência. É preciso acertá-las.
o mais importante é simplesmente começar, dar Em dezembro de 1999, a Mars Polar Lander se
aquele primeiro passo e torcer para ter escolhido perdeu durante a entrada na atmosfera marciana
a direção certa. Este capítulo trata de algumas devido a um erro de comunicação entre o fabri-
ideias fundamentais para ajudá-lo a começar a cante em Denver e o Jet Propulsion Laboratory em
aprender sobre aviões e veículos espaciais. Pasadena, envolvendo uma confusão entre pés e
Por exemplo, é preciso começar com algu- metros, que custou muito dinheiro e dados cientí-
mas definições básicas que são absolutamente ficos valiosos ao programa espacial (sem contar
necessárias para que falemos a mesma língua a vergonha pública e os problemas de relações
quando descrevemos, discutimos, analisamos e públicas). Dimensões e unidades são considera-
projetamos aviões e veículos espaciais. Quando ções fundamentais e serão discutidas em detalhes
falamos sobre pressão no fluxo de ar ao redor de neste capítulo.
um Boeing 777 em voo, sabemos o que significa Aviões e veículos espaciais: alguns leitores
pressão? Mesmo? Se falarmos sobre a velocidade são fãs; eles reconhecem muitos desses veículos
do fluxo de ar em torno do avião, sabemos mes- de vista e sabem até algumas de suas caracte-
mo do que estamos falando? As definições são im- rísticas de desempenho. Outros não têm certeza
portantes, então este capítulo se concentra nelas. sobre o que estão vendo e não conhecem suas
Outro exemplo: enquanto caminha pela cal- características. Apenas para colocar todos os lei-
çada enfrentando rajadas de vento de quase 50 tores no mesmo nível (nivelando-os por cima, por
km/h, o vento está empurrando você, exercendo assim dizer), este capítulo termina com uma breve
uma força aerodinâmica sobre seu corpo. Todos descrição da anatomia dos aviões e veículos es-
os veículos que se movem pelo ar sentem uma for- paciais, identificando diversas partes e caracterís-
ça aerodinâmica. Como o vento mexe com você? ticas desses veículos.
Como a natureza exerce uma força aerodinâmica É assim que daremos o primeiro passo: co-
sobre um Boeing 747 voando a 800 km/h a uma nhecendo algumas das ideias mais fundamentais
altitude de 35.000 pés? Neste capítulo, examina- que permanecerão conosco ao longo deste livro.
mos as fontes da força aerodinâmica e responde- Agora leia e aproveite!
mos como ela atua.
de nossa introdução ao voo como apresentada neste livro. Começamos com alguns
elementos preliminares necessários, ideias fundamentais que serão utilizadas ao lon-
go do livro. Esse é o assunto deste capítulo. Como os veículos de voo passam todo
seu tempo, ou pelo menos parte dele, operando na atmosfera, precisamos considerar
as propriedades da atmosfera, como discutidas no Capítulo 3 (os aviões passam todo
o tempo na atmosfera. Os veículos espaciais precisam atravessá-la para alcançar o
espaço; e se levam seres humanos ou outras cargas que desejamos recuperar na Ter-
ra, os veículos espaciais precisam descer, em velocidades altíssimas, atravessando a
atmosfera mais uma vez). Agora imagine um veículo que voa pela atmosfera. Uma
das primeiras ideias que vem à mente é uma forte corrente de ar passando o veículo.
Essa corrente gera uma força aerodinâmica sobre o veículo. O estudo da aerodinâ-
mica é o tema dos Capítulos 4 e 5. O veículo em si sente não apenas essa força aero-
dinâmica, mas também a força da gravidade, ou seja, seu próprio peso. Se o veículo
56 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Entendendo a
Capítulo 3
atmosfera
Aerodinâmica Capítulos 4 e 5
Mecânica de voo
Propulsão Capítulo 9
Conceitos de veículo
avançados (veículos Capítulo 10
hipersônicos)
possui alguma forma de motor, também sente a força (chamada de empuxo) gerada
por ele. O veículo se move sob a influência dessas forças. O estudo do movimento
do veículo de voo é chamado de dinâmica de voo, que por sua vez é dividida em
considerações sobre desempenho do avião (Capítulo 6) e estabilidade e controle (Ca-
pítulo 7). Um veículo espacial que se move no vácuo, por outro lado, na prática sente
apenas a força da gravidade (exceto quando algum aparelho de propulsão é ativado
para ajuste de trajetória). O movimento de um veículo no espaço devido à força gra-
vitacional é o tema do Capítulo 8. Voltando ao veículo de voo que se move na atmos-
fera, é preciso haver algo que o leva para a frente, algo que o mantém avançando.
Essa é a função do motor, que gera empuxo para manter o veículo em movimento.
Os veículos espaciais também precisam de motores, para acelerá-los até a órbita ou
espaço profundo e para correções de trajetória durante o percurso. Os motores e o
modo como geram empuxo representam a disciplina da propulsão, tema do Capítulo
9. Além disso, à medida que o veículo de voo se move e responde à forças que atuam
sobre si, a estrutura física dele sofre tensões e deformações consideráveis. A estrutu-
ra precisa ser forte o suficiente para não se desfazer sob essas circunstâncias, mas ao
mesmo tempo não pode ser tão pesada que torne o veículo de voo ineficiente. Ana-
lisamos alguns aspectos das estruturas de voo em uma seção especial que está dis-
Capítulo 2 Ideias fundamentais 57
Fonte de força
aerodinâmica
Equação de estado
Volume específico
Unidades
2.1.1 Pressão
Quando você estende a mão para fora da janela de um automóvel em movimento
com a palma da mão perpendicular ao fluxo de ar, é possível sentir a pressão de
ar exercendo uma força e tendendo a empurrá-la em direção à traseira do veículo,
na direção do fluxo. A força por unidade de área em sua palma é definida como a
pressão. A pressão existe basicamente porque as moléculas de ar (moléculas de oxi-
gênio e nitrogênio) estão batendo na superfície de sua mão e transferindo parte de
sua quantidade de movimento para a superfície. Mais precisamente:
Pressão é a força por unidade de área normal exercida em uma superfície devido à taxa
temporal de mudança da quantidade de movimento das moléculas de gás que impactam
em tal superfície.
É importante observar que apesar da pressão ser definida como força por uni-
dade de área (por exemplo, newtons por metro quadrado ou libras por pé quadrado),
não é preciso ter uma superfície com exatamente 1 m² ou 1 ft² para falar de pressão.
Na verdade, a pressão é definida como um ponto no gás ou um ponto na superfície
e pode variar entre os pontos. É possível utilizar a linguagem do cálculo diferencial
para enxergar isso com mais clareza. Na Figura 2.3, consideremos um ponto B em
um volume de gás. Se:
⎛ dF ⎞
p = lim ⎜ dA → 0
⎝ dA ⎟⎠
(2.1)
Gás
2.1.2 Densidade
A densidade de uma substância (incluindo um gás) é a massa de tal substância pela uni-
dade de volume.
Volume de gás
Então ρ no ponto B é
⎛ dm ⎞
ρ = lim ⎜ dv → 0
⎝ dv ⎟⎠
(2.2)
Assim, ρ é a massa por unidade de volume onde o volume em questão foi redu-
zido a zero ao redor do ponto B. O valor de ρ pode variar entre os diversos pontos do
gás. As unidades de densidade abreviadas comuns são kg/m3, slug/ft3, g/cm3 e lbm/ft3.
(A libra, lbm, será discutida na Seção 2.4.)
2.1.3 Temperatura
Considere que um gás é um conjunto de átomos e moléculas. Essas partículas estão
em movimento constante, vagando pelo espaço e ocasionalmente chocando-se umas
com as outras. Como cada partícula possui movimento, o gás também tem energia
cinética. Se observarmos o movimento de uma única partícula durante um longo
período de tempo, no qual ela sofre diversas colisões com suas partículas vizinhas, é
possível definir de forma significativa a energia cinética média da partícula durante
esse período. Se a partícula se move rapidamente, ela possui energia cinética média
maior do que caso se mexesse lentamente. A temperatura T do gás é diretamente
proporcional à energia cinética molecular média. Na verdade, T pode ser definido da
seguinte maneira:
A temperatura é uma medida da energia cinética média das partículas no gás. Se EC é a
energia cinética molecular média, a temperatura é dada por EC = kT, onde k é a cons-
tante de Boltzmann.
O valor de k é 1,38 × 10−23 J/K, onde J é uma abreviatura de joule e K é uma abrevia-
tura de Kelvin.
Capítulo 2 Ideias fundamentais 61
Mais uma vez, enfatizamos que a velocidade é uma propriedade pontual e pode va-
riar entre os diversos pontos do fluxo.
Na Figura 2.5, podemos observar que enquanto o fluxo é estável (desde que
não flutue com o tempo), um elemento de fluido móvel traça um caminho fixo no
Linhas de corrente
Figura 2.6 Fotografia de fumaça que mostra o fluxo de baixa velocidade sobre um aerofólio Lissa-
man 7769 a um ângulo de ataque de 10º. O número de Reynolds baseado na corda aerodinâmica é de
150.000. Este é o aerofólio utilizado na Gossamer Condor, uma aeronave impulsionada pela força humana.
(A fotografia foi tirada nos túneis de fumaça da Notre Dame University pelo Dr. T. J. Mueller, professor de en-
genharia aeroespacial em Notre Dame, e é apresentada aqui com sua permissão.)
Figura 2.7 Na fotografia, a mancha de óleo mostra o padrão de linha de corrente superficial para
uma aleta montada sobre uma placa plana em fluxo supersônico. A curva parabólica na frente da aleta
se deve à onda de choque em arco e à separação do fluxo em frente à aleta. Note a clareza com a
qual podemos ver as linhas de corrente nesse padrão de fluxo complexo. O fluxo é da direita para a
esquerda. O número de Mach é 5 e o número de Reynolds é 6,7 × 106.
(Cortesia de Allen E. Winkelmann, University of Maryland e Naval Surface Weapons Center.)
Capítulo 2 Ideias fundamentais 63
Fluxo
Campo de fluxo
p = p ( x, y, z )
ρ = ρ ( x, y, z )
T = T ( x, y, z )
V = V ( x, y, z )
(Na prática, o campo de fluxo em torno de um cone circular uniforme pode ser des-
crito mais convenientemente em termos de coordenadas cilíndricas, mas por ora es-
tamos preocupados apenas com as ideias gerais.)
Os aerodinamicistas teóricos e experimentais trabalham para calcular e mensurar
campos de fluxo de muitos tipos. Por quê? Quais informações práticas o conheci-
mento do fluxo de campo produz para o projeto do avião ou para o formato do motor-
-foguete? Uma parte considerável dos primeiros cinco capítulos deste livro tenta res-
ponder essas perguntas. A base das respostas, entretanto, está na discussão a seguir.
Provavelmente a consequência mais prática do fluxo de ar sobre um objeto é que
este sente uma força, uma força aerodinâmica como aquela que sua mão sente quando
esticada para fora de um carro em movimento. Os capítulos subsequentes discutem a
natureza e as consequências de tais forças aerodinâmicas. Nosso propósito aqui é afir-
mar que a força aerodinâmica exercida pelo fluxo de ar sobre a superfície de um avião,
míssil ou objeto semelhante é decorrente de apenas duas fontes naturais simples:
1. Distribuição de pressão sobre a superfície.
2. Tensão de cisalhamento (fricção) sobre a superfície.
Anteriormente, analisamos a pressão. Consultando a Figura 2.9, vemos que a
pressão exercida pelo gás sobre a superfície sólida de um objeto sempre atua de
forma normal sobre a superfície, como vemos pelas direções das setas. Os compri-
mentos das setas denotam a magnitude da pressão em cada ponto local sobre a su-
perfície. Observe que a pressão superficial varia com o local. O desequilíbrio líquido
da distribuição de pressão variável sobre a superfície cria uma força aerodinâmica.
A segunda fonte, a tensão de cisalhamento que atua sobre a superfície, se deve ao
efeito friccional do fluxo “se esfregando” contra a superfície à medida que se move
ao redor do corpo. A tensão de cisalhamento τw é definida como a força por unidade
de área que atua tangencialmente sobre a superfície devido à fricção, como vemos
na Figura 2.9. Ela também é uma propriedade pontual, variando ao longo da super-
fície, e o desequilíbrio líquido da distribuição de tensão de cisalhamento superficial
cria uma força aerodinâmica sobre o corpo. Por mais complexo que seja o fluxo de
campo, e por mais complexo o formato do corpo, a única maneira que a natureza
tem de aplicar uma força aerodinâmica sobre um objeto sólido ou superfície é pelas
distribuições de pressão e tensão de cisalhamento que existem na superfície. Essas
são as fontes fundamentais básicas de todas as forças aerodinâmicas. As distribui-
ções de pressão e tensão de cisalhamento são as duas mãos da natureza que estendem
seus dedos e agarram o corpo, exercendo uma força sobre ele: a força aerodinâmica.
Finalmente, podemos afirmar que uma função essencial da aerodinâmica teó-
rica e experimental é prever e mensurar as forças aerodinâmicas sobre um corpo.
Em muitos casos, isso implica na previsão e mensuração de p e τw ao longo de uma
determinada superfície. Além disso, uma previsão de p e τw sobre a superfície com
frequência exige conhecimento sobre todo o campo de fluxo ao redor do corpo. Isso
nos ajuda a responder nossa pergunta anterior sobre quais informações práticas são
geradas pelo conhecimento sobre o campo de fluxo.
Claramente, como vemos pela discussão anterior, um gás na natureza que tem as
partículas bastante separadas entre si (baixas densidades) se aproxima da definição
de um gás perfeito. O ar na sala ao seu redor é um exemplo; cada partícula está sepa-
rada, em média, por mais de 10 diâmetros moleculares de qualquer outra. Assim, o ar
em condições padrões pode ser aproximado de um gás perfeito sem grandes dificul-
dades. Esse também é o caso do fluxo de ar ao redor de veículos de voo comuns em
velocidades subsônicas e supersônicas. Assim, neste livro, sempre lidamos com um
gás perfeito em nossos cálculos aerodinâmicos.
A relação entre p, ρ e T para um gás é chamada de equação de estado. Para um
gás perfeito, a equação de estado é:
(2.3)
onde R é a constante do gás específico, valor que varia entre cada tipo de gás. Para o
ar normal, temos:
Em seus estudos anteriores em química e física, você pode ter conhecido a cons-
tante universal dos gases ℜ, onde ℜ = 8314 J/(kg · mol K) = 4,97 × 104 (ft lb)/(slug
· mol ºR), um valor universal para todos os gases. A relação entre as constantes
universal e específicas dos gases é ℜ = ℜ/M, onde M é o peso molecular (ou, mais
exatamente, a massa molecular) do gás. Para o ar, M = 28,96 kg/ (kg · mol). Obser-
ve que kg · mol é uma única unidade; ela significa quilograma-mol, identificando
sobre qual tipo de mol estamos falando (ela não significa quilogramas multiplica-
dos por moles). Um quilograma-mol contém 6,02 × 10 moléculas, o número de
26
e
Capítulo 2 Ideias fundamentais 67
F = m×a
Força = Massa × Aceleração
Em unidades SI:
F = ma (2.4)
1 newton = (1 quilograma)(1 metro/segundo²)
O newton é definido como uma força que acelera uma massa de 1 quilograma em 1
metro por segundo ao quadrado.
Capítulo 2 Ideias fundamentais 69
F = ma
(2.5)
1 libra = (1 slug)(1 pé/segundo²)
A libra é definida como uma força que acelera uma massa de 1 slug em 1 pé por segundo
ao quadrado. Observe que em ambos os sistemas, a segunda lei de Newton é anotada
simplesmente como F = ma, sem nenhum fator de conversão no lado direito.
Um conjunto de unidades não consistente, por outro lado, define força e massa
de tal forma que a segunda lei de Newton precisa utilizar um fator de conversão, ou
seja, uma constante:
1
F = × m × a
gc
↑ ↑ ↑ ↑
Força Fator de Massa Aceleração
conversão
gc = 32,2(lbm)(ft) / (s2)(lbf)
1
F = m × a (2.6)
gc
↑ ↑ ↑ ↑
1
lbf 32,2
lbm ft/s2
gc = 9,8(kg)(m) / (s2)(kgf)
1
F = m × a
gc
(2.7)
↑ ↑ ↑ ↑
1
kgf 9,8
kg m/s2
O quilo de chocolate pesaria 9,8 N; essa é a força exercida pelo doce sobre suas
mãos. Por outro lado, se utilizarmos as unidades não consistentes representadas pela
Equação (2.7) para calcular a força exercida sobre suas mãos, obtemos:
O quilo de chocolate pesaria 1 kgf; a força exercida sobre suas mãos é de 1 kgf. Que
conveniente: a força que você sente nas mãos tem o mesmo número de kgf que a
massa em kg. E aí está o uso do quilograma-força na engenharia. Da mesma forma,
imagine que está segurando um chocolate de uma libra. Nos Estados Unidos, é fácil
ir a uma loja de doces e escolher uma caixa de “libra” da prateleira. Sentimos a libra
de força em nossas mãos. Pela equação (2.8), a massa do doce é:
W 1 lb
m= = = 0 , 031 slug
g 32 , 2 ft/(s 2 )
Mas se você entrar na loja e pedir ao atendente uma caixa de “0,031 slugs” de cho-
colate, tente imaginar a resposta. Usando a Equação (2.6), por outro lado, com sua
unidade não consistente de lbm, a massa de uma caixa de chocolate de 1 lb é:
Capítulo 2 Ideias fundamentais 71
Fgc (1 lb )( 32 , 2 )
m= = = 1 lb m
a ( 32 , 2 )
Mais uma vez, temos a conveniência da massa em suas mãos ter o mesmo número
em lbm que a força em suas mãos. Pronto, aí está o uso da libra de massa na enge-
nharia. Esse sistema faz sentido na vida cotidiana; no mundo técnico dos cálculos
de engenharia, entretanto, usar a Equação (2.7) com unidade não consistente de kgf,
ou a Equação (2.6) com a unidade não consistente de lbm, faz com que gc apareça
em diversas equações. Esse não é o plano da natureza; o uso de gc é uma invenção
humana. Na natureza, a segunda lei de Newton aparece em sua forma pura, F = ma,
não F = 1/gc(ma). Assim, para usar a natureza em sua forma mais pura, sempre utili-
zamos unidades consistentes. Dessa forma, gc nunca aparece em nenhuma de nossas
equações e não há confusão em nossos cálculos quanto a fatores de conversão, pois
simplesmente não é necessário utilizar nenhum fator de conversão.
Por esses motivos, sempre usaremos conjuntos de unidades consistentes neste
livro: as unidades SI da Equação (2.4) e as unidades de engenharia inglesas da Equa-
ção (2.5). Como explicado anteriormente, as unidades de engenharia são uma ocor-
rência frequente na literatura pregressa, enquanto as unidades SI são cada vez mais
frequentes na literatura presente e futura. Em outras palavras, você deve se tornar
bilíngue. Em suma, lidaremos com as unidades do sistema de engenharia inglês (lb,
slug, ft, s, ºR) e as do Système International (SI) (N, kg, m, s, K).
Assim, voltando à equação de estado, a Equação (2.3), onde p = ρRT, vemos que
as unidades são:
Assim, uma quantidade como R = 287 J/(kg)(K) também pode ser expressa de forma
equivalente como:
também temos
(2.11)
3 3
As unidades abreviadas para v são m /kg e ft /slug.
Exemplo 2.1
A pressão de ar e a densidade em um ponto sobre a asa de um Boeing 747 são 1,10 × 105 N/m2
3
e 1,20 kg/m , respectivamente. Qual é a temperatura nesse ponto?
■ Solução
Da Equação (2.3), p = ρRT; logo T = p/(ρR), ou
Capítulo 2 Ideias fundamentais 73
Exemplo 2.2
O tanque de armazenamento de ar de alta pressão para um túnel de vento supersônico tem vo-
3
lume de 1000 ft . Se o ar é armazenado a uma pressão de 30 atm e temperatura de 530ºR, qual
é a massa de gás armazenada no tanque, em slugs? E em libras de massa?
■ Solução
A unidade de atm para pressão não é uma unidade consistente. Lembre-se de que no sistema
de engenharia inglês:
Logo, p = (30)(2116) lb/ft2 = 6,348 × 104 lb/ft2. Da Equação (2.3), também vemos que p =
ρRT; logo ρ = (p/RT), ou:
6 , 348 × 10 4 lb/ft 2
ρ= = 6 , 98 × 10 −2 slug/ft 3
[1716 ft ⋅ lb/ (slug)(°R )](530 °R))
Essa é a densidade, que é massa por unidade de volume. A massa total M no tanque de volume V é:
M = ρV = (6 , 98 × 10 −2 slug/ft 3 )(1000 ft 3 ) = 69 , 8 slugs
Exemplo 2.3
O ar que flui em alta velocidade em um túnel de vento tem pressão e temperatura de 0,3 atm e
−100ºC, respectivamente. Qual é a densidade do ar? Qual o volume específico?
■ Solução
Mais uma vez, lembre-se de que a unidade de atm para pressão não é uma unidade consistente.
Pode ser útil memorizar que no sistema SI:
1 atm = 1 , 01 × 10 5 N/m 2
Logo
p = (0 , 3)(1 , 01 × 10 5 ) = 0 , 303 × 10 5 N/m 2
0 , 303 × 10 5 N/m 2
ρ= = 0 , 610 kg// m 3
[ 287 J/(kg )(K )](173 K )
1 1
v= = = 1 , 64 m 3 /kg
ρ 0 , 610
74 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Exemplo 2.4
Observação: Nos Exemplos 2.1 a 2.3, as unidades para cada número que aparece interna-
mente nos cálculos são anotadas explicitamente junto a cada um deles. A prática foi adotada
para ajudá-lo a pensar sobre as unidades. No exemplo atual, e em todos os outros exemplos
resolvidos neste livro, descontinuamos a prática exceto quando necessária para fins de clareza
do texto. Estamos usando unidades consistentes em nossas equações, então não precisamos
nos preocupar com manter todas as unidades internamente nos cálculos matemáticos. Se você
inserir os números expressos em termos de unidades consistentes em suas equações no início
do cálculo e então resolver diversas operações matemáticas internas (adição, subtração, multi-
plicação, diferenciação, integração, divisão, etc.) para obter sua resposta, esta estará automa-
ticamente nas unidades consistentes apropriadas.
Considere o avião comercial supersônico Concorde voando ao dobro da velocidade do
som a uma altitude de 16 km. Em um ponto da asa, a temperatura da superfície do metal é de
362 K. A camada de ar imediatamente em contato com a asa nesse ponto tem a mesma tem-
peratura e está sob uma pressão de 1,04 × 10 N/m . Calcule a densidade do ar nesse ponto.
4 2
■ Solução
Da Equação (2.3),
p J
ρ = , onde R = 287
RT (kg )(K )
1 , 04 × 10 4
ρ = = 0 , 100 kg/m 3
(287 )( 362 )
Sabemos que a resposta deve estar em quilogramas por metro cúbico, pois estas são as unida-
des consistentes para densidade no sistema SI. Simplesmente anotamos a resposta como 0,100
3
kg/m , sem a necessidade de repetir as unidades em todo o cálculo matemático.
Exemplo 2.5
■ Solução
Queremos converter kgf para lb e m2 para ft2. Alguns fatores de conversão intermediários úteis,
listados no Apêndice C, estão listados a seguir:
1 ft = 0 , 3048 m
1 lb = 4 , 448 N
Além disso, como vimos na Equação (2.7), uma massa de 1 kg pesa 1 kgf, e como mostrado
na Equação (2.8), o mesmo 1 kg-massa pesa 9,8 N. Assim, temos como fator de conversão
adicional:
1 kg f = 9 , 8 N
Recomendo usar o seguinte plano para realizar conversão de unidades com facilidade e pre-
cisão. Considere a razão (1 ft/0,3048 m). Como 1 pé tem exatamente o mesmo comprimento
que 0,3048 m, essa é uma razão de “coisas iguais”; logo, filosoficamente, você pode visualizar
essa razão como uma “unidade” (ainda que o número real obtido pela divisão de 1 por 0,3048
obviamente não seja 1). Assim, podemos visualizar que as razões
⎛ 1 ft ⎞ ⎛ 1 lb ⎞ ⎛ 1 kg f ⎞
⎜⎝ ⎟, ⎜ ⎟, ⎜ ⎟
0 , 3048 m ⎠ ⎝ 4 , 448 N ⎠ ⎝ 9 , 8 N ⎠
são como uma “unidade”. A seguir, para converter a carga alar dada em kgf/m2 para lb/ft2,
2
simplesmente pegamos a carga alar dada em kgf/m e a multiplicamos pelos diversos fatores
de “unidade” da maneira adequada para que todas as unidades se cancelem mutuamente, pro-
2
duzindo a resposta em lb/ft . Ou seja:
W kg f ⎛ 9 , 8 N ⎞ ⎛ 1 lb ⎞ ⎛ 0 , 30 4 8 m ⎞ 2
= 280 , 8 2 ⎜ ⎜ ⎟⎠
m ⎝ 1 kg f ⎟⎠ ⎜⎝ 4 , 448 N ⎟⎠ ⎝
(2.12)
S 1 ft
76 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
As unidades que acompanham esse número são obtidas quando cancelamos as diversas uni-
dades à medida que aparecem nos numeradores e denominadores da Equação (2.12). Ou
seja:
kg ⎛ 9 , 8 N ⎞ ⎛ 1 lb ⎞ ⎛ 0 , 3048 m ⎞
2
W lb
= 280 , 8 2f ⎜ ⎟ ⎜⎝ ⎟⎠ ⎜⎝ ⎟⎠ = 57 , 3 2
S m ⎝ 1 kg f ⎠ 4 , 448 N 1 ft ft
Exemplo 2.6
■ Solução
Lembre-se de que estes são os fatores de conversão comuns:
1 ft = 0 , 3048 m
⎛ mi ⎞ ⎛ 1 h ⎞ ⎛ 5280 ft ⎞
a. V = ⎜ 60 ⎟ ⎜ ⎟⎜ ⎟
⎝ h ⎠ ⎝ 3600s ⎠ ⎝ 1 mi ⎠
ft
V = 88 , 0
s
Capítulo 2 Ideias fundamentais 77
Figura 2.12a O Piper Cub, uma das mais famosas aeronaves de aviação geral leves.
(Fonte: da coleção de Hal Andrews e David Ostrowski.)
Figura 2.12b O North American P-51D Mustang, famoso por seu uso na Segunda
Guerra Mundial.
(Fonte: da coleção de Hal Andrews.)
78 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
A resposta oferece um fator de conversão útil por si só. É simples e fácil de lembrar que:
60 mi/h = 88 ft/s
Por exemplo, considere um P-51 Mustang da Segunda Guerra Mundial (Fig. 2.12b) voando a
400 mi/h. Sua velocidade em ft/s pode ser calculada facilmente da seguinte forma:
⎛ 88 ft/s ⎞
V = 400 ⎜ = 586 , 7 ft/s
⎝ 60 mi/s ⎟⎠
Logo
60 mi/h = 26 , 82 m/s
Exemplo 2.7
Os três exemplos a seguir mostram como usar unidades consistentes e apropriadas para resol-
ver problemas de engenharia.
Considere o Lockheed-Martin F-117A discutido no Exemplo 2.5 e apresentado na Figura
2
2.11. A área planiforme da asa é de 913 ft . Usando o resultado do Exemplo 2.5, calcule a
força líquida exercida sobre o F-117A necessária para produzir uma aceleração de um terço de
um g (um terço da aceleração padrão da gravidade) em um voo em linha reta.
■ Solução
Como vimos no Exemplo 2.5, a carga alar é calculada em unidades de engenharia inglesas
como W/S = 57,3 lb/ft . Assim, o peso de um F-117A é:
2
⎛W ⎞ ⎛ lb 2 ⎞
W = ⎜ ⎟ S = ⎜ 57 ,.3
⎝ S⎠ ⎝ ft ⎟⎠
( )
913 ft 2 = 52.315 lb
F = ma
A massa do F-117A é obtida da Equação (2.8):
W
m=
g
Logo, a força líquida necessária para acelerar o F-117A a uma aceleração de um terço de g (ou
seja, 1/3 (32,2) = 10,73 ft/s ) é:
2
Em um voo nivelado, a força líquida sobre o avião é a diferença entre o empuxo dos motores
atuando para frente e o empuxo aerodinâmico atuando para trás (questões discutidas no Ca-
pítulo 6). O F-117A tem dois motores turbojatos capazes de empuxo máximo combinado de
21.600 lb ao nível do mar. Quando o arrasto aerodinâmico é de no máximo 21.600 − 17.438
= 4612 lb, o F-117A é capaz de produzir uma aceleração de um terço de um g em um voo
nivelado ao nível do mar.
O exemplo destaca o uso da unidade de massa consistente do sistema de engenharia in-
glês (a saber, o slug) na segunda lei de Newton. Além disso, a massa em slugs para o F-117A
foi obtida a partir de seu peso em 1 lb usando a Equação (2.8).
Exemplo 2.8
■ Solução
A densidade do ar é dada pela equação de estado, Equação (2.3), escrita como:
p
ρ=
RT
T = 273 + 15 = 288 K
Assim
p 0 , 909 × 10 5
ρ= = = 1 , 1 kg/m 3
RT (287 )(288 )
A massa total (M) de ar dentro da cabine em qualquer momento é ρV, onde V é o volume da
3
cabine, dado como 1800 m . Assim:
M = ρV = (1 , 1)(1800 ) = 1980 kg
80 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Exemplo 2.9
Considere a mesma cabine de avião discutida no Exemplo 2.8. Agora desejamos aumentar
a pressão dentro dela com o bombeamento de mais ar. Pressuponha que a temperatura do ar
dentro da cabine permanece constante em 288 K. Se a taxa de aumento da pressão da cabine é
de 0,02 atm/min, calcule a taxa de mudança da densidade do ar por segundo.
■ Solução
Da equação de estado:
p = ρ RT
Diferenciando essa equação com relação ao tempo, t, pressupondo que T permanece constan-
te, temos:
dp dρ
= RT
dt dt
ou
dρ 1 ⎛ dp ⎞
= ⎜ ⎟
dt RT ⎝ dt ⎠
dp N
As unidades consistentes para são 2 . A partir das informações dadas:
dt ms
dp
= 0 , 02 atm/min
dt
Mudando para unidades consistentes, observando que 1 atm = 1,01 × 105 N/m2 e que um mi-
nuto é igual a 60 segundos, temos:
Logo
dp 1 ⎛ dp ⎞ 33 , 67 kg
= ⎜ ⎟= = 4 , 07 × 10 −4 3
dt RT ⎝ dt ⎠ ( 287 )( 288 ) ms
Capítulo 2 Ideias fundamentais 81
Exemplo 2.10
Watt arredondou esse número para 33.000 ft lb/min, que é o valor usado hoje para a energia
equivalente a um cavalo-força. Usando unidades consistentes de ft lb/s, temos:
33. 000
1 hp = = 550 ft lb/s
60
■ Solução
No sistema SI, as unidades consistentes para energia (força × distância) são (N)(m), então as
unidades consistentes de potência são (força × distância)/t = (N)(m)/s. A unidade de potência
é chamada de watt, em honra a James Watt, e abreviada nesse exemplo como W. Como mostra
o Apêndice C, temos:
1 ft = 0 , 3048 m
1 lb = 4 , 448 N
Assim
ft lb ⎛ 0 , 3048 m ⎞ ⎛ 4 , 448 N ⎞
1 hp = 550 = 550 ⎜ ⎟⎠ ⎜⎝ ⎟
s ⎝ 1 ft 1 lb ⎠
= 746 W
Nm
= 746 = 746 W
s
Exemplo 2.11
Uma das características de desempenho mais importantes para um avião é sua razão de subida
máxima, ou seja, a taxa no tempo do aumento da altitude. Na Seção 6.8 mostramos que a razão
de subida, denotada por R/C, é proporcional à diferença em potência máxima disponível do
motor e à potência exigida pelo avião para superar o arrasto aerodinâmico; essa diferença é
chamada de excedente de potência. Na Seção 6.8, aliás, demonstramos que:
excedente de potência
R/C =
W
onde W é o peso do avião. Utilizando essa equação, calcule a R/C em unidades de ft/min
para um avião pesando 9000 kgf voando na condição em que o excedente de potência é de
4700 hp. Observe que todas as unidades dadas aqui (ft/min, kgf e hp) são inconsistentes;
entretanto, a equação para R/C deve utilizar unidades consistentes (além disso, os números
dados se aplicam aproximadamente ao avião a jato bimotor executivo considerado no Ca-
pítulo 6).
■ Solução
O resultado do Exemplo 2.10 nos informa que 1 hp = 746 Watts. Logo, no sistema SI:
Próximo à superfície da Terra (ver Seção 2.4), a massa do avião em kg tem o mesmo número
que seu peso em kgf. Logo, o peso é:
Agora todos os termos da equação da razão de subida estão expressos em unidades SI consis-
tentes. Logo:
As unidades consistentes para a R/C são m/s, pois utilizamos unidades SI consistentes na equa-
ção. A razão de subida é muito citada na literatura em minutos, não segundos, então temos:
⎛ m ⎞ ⎛ 60 s ⎞ m
R/C = 39,75 ⎜ = 2385
⎝ s ⎟⎠ ⎜⎝ 1 min ⎟⎠ min
Nesse exemplo, precisamos calcular a R/C em unidades de ft/min, que ainda é a norma nos
Estados Unidos. Do Apêndice C:
1 ft = 0 , 3048 m
Assim:
⎛ m ⎞⎛ 1 ft ⎞
R/C = ⎜ 2385 ⎟⎜ ⎟ = 7824 ft/mi n
⎝ s ⎠ ⎝ 0, 3048 m ⎠
Capítulo 2 Ideias fundamentais 83
Estabilizador vertical
(cauda vertical)
Estabilizador horizontal
(cauda horizontal)
Asa
direita
Asa
Nacele esquerda
Fuselagem do motor
Leme direcional
Profundor
Flape
Aileron
CAIXA DE PROJETO
Esta é a primeira de muitas caixas de projeto neste diagramas em três visões. A Figura 2.16 apresen-
livro. As caixas de projeto destacam informações ta um exemplo de diagrama em três visões muito
pertinentes à filosofia, processo e detalhes do mais detalhado, mostrando o Vought F4U Corsair,
projeto de veículos de voo relativas à discussão famoso caça da Marinha estadunidense durante
naquele ponto do texto. O objetivo das caixas de a Segunda Guerra Mundial. A Figura 2.16 é um
projeto é provocar a reflexão sobre as consequên- exemplo daquilo que, no processo de projetar um
cias que os diversos tópicos debatidos têm para os avião, é chamado de layout de configuração. Na
projetos. Este não é um livro sobre projetos, mas Figura 2.16, além das visões frontal, lateral, supe-
as informações fundamentais neste volume com rior e inferior do avião, também vemos dimensões
certeza têm aplicações nessa área. As caixas de detalhadas, um corte transversal da fuselagem em
projeto estão aqui para chamar sua atenção para diferentes pontos, o formato do aerofólio da asa
tais aplicações. O projeto é uma função essencial em diferentes locais, detalhes do trem de pouso e
(muitas vezes, é o produto final) da engenharia. a localização de diversas luzes, antenas de rádio
Essas caixas de projeto lhe oferecem um entendi- e assim por diante (para uma discussão sobre o
mento melhor da engenharia aeroespacial. papel do layout de configuração no projeto de
Esta caixa de projeto está associada com aviões, consulte Anderson, Aircraft Performance
nossa discussão sobre a anatomia do avião e os and Design, McGraw-Hill, New York, 1999.)
OBSERVAÇÃO
HÉLICE HIDROMÁTICA PADRÃO HAMILTON APENAS AS PRINCIPAIS VISÕES SÃO MOSTRADAS
DIÂMETRO NOMINAL 13’4” CORPO DAS HÉLICES NESTAS TRÊS PÁGINAS DE DESENHOS
PRETO LISO PONTAS CROMO-AMARELO CONJUNTO
DO CUBO METAL NATURAL
Figura 2.16
12” RADIADOR
A ÓLEO TIPO
SUPERFÍCIE DE
ROLAMENTO
LUZ
DATUM
BEQUILHA VARIADA
50” DEFLEXÃO DA
FLAPE MÁXIMA
Ideias fundamentais
MÉDIA 12”
87
CÂMERA DA ARTILHARIA 88
“GRIP” DE MÃO
PISO ANTIDERRAPANTE
Figura 2.16
DEGRAU RECORTADO
“GRIP” DE MÃO
(Continuação)
2° DE DESVIO
LUZ DE
NAVEGAÇÃO
CLARA
pés
metros
LUZ DE ESCALAS
APROXIMAÇÃO
OBSERVAÇÃO:
DEVIDO AO ANÉDRICO PRONUNCIADO NO LADO INTERNO
DISTÂNCIA DE 3/4”, E DIÉDRICO NO EXTERNO, ASAS DESENHADAS EM PERSPECTIVA –
TOLERÂNCIA NORMAL LAYOUT EM VISÃO PLANA MECÂNICA REAL DO PAINEL EXTERNO
MOSTRADO NA LINHA PONTILHADA
7’6” REAL
LUZES DE
POUSO LUZ DE POSIÇÃO DE FORMAÇÃO,
QUANDO EMPREGADA
CARENAGEM SOBRE CALHA DE EJEÇÃO DE CARTUCHOS VAZIOS
TRASEIRA DA ARMA METRALHADORAS 7” NO CENTRO FIXAS EM
0,44” APONTANDO PARA O LADO INTERNO
Figura 2.16
ÁREA ORIGINAL USADA PARA REGISTRO DE DADOS TÉCNICOS
DOBRADIÇA DIVISÓRIA
E MECÂNICOS, POSTERIORMENTE EMPREGADA PARA NÚMERO
DE STATUS DA AERONAVE
HASTES DE
CONTROLE PNEU DE BORRACHA SÓLIDO 12 ½ X 4 ½”,
EQUALIZADOR, RADIADORES
PARA PNEUMÁTICO EM MODELOS ANTERIORES
CABIDE DE BOMBAS
AJUSTE DO GANCHO CATAPULTA
COMPENSADOR EQUALIZADOR, COMPONENTES DO MOTOR
(Continuação)
ENCAIXE DE SOQUETE PARA PLATAFORMA
DE SERVIÇO MECÂNICO
RODA DE CONTROLE
DO GANCHO PARA
POUSO EMBARCADO
ESCALA, pés
ESCALA, metros
NA RAIZ
NO PAINEL EXTERNO
Capítulo 2
PONTA TEÓRICA
PLACA DO SPOILER DE 6”, CORREÇÃO
SEÇÃO DE AEROFÓLIO DE PUXÃO PERCEPTÍVEL PARA A DIREITA
SEÇÃO CENTRAL NACA 23018 SOB CERTAS CONDIÇÕES
NA RAIZ ATÉ 23015
ESPECIFICAÇÕES GERAIS PAINEL EXTERNO NACA 23015 NA
PESO VAZIO 8,982 lbs. RAIZ ATÉ 23000 NA PONTA INSÍGNIA NACIONAL VARIÁVEL EM TAMANHO
CARGA ÚTIL, NORMAL 3,057 lbs. SUPERFÍCIES DE CAUDA CV E POSIÇÃO, PADRÃO ESTRELA 50” SOBRE DISCO
PESO BRUTO, NORMAL 12,039 lbs. ESPECIAL, SIMÉTRICAS
SOBRECARGA 14,009 lbs. DE 54”. POSIÇÃO VARIAVA ATÉ 9” INTERNAMENTE
ÁREA DA ASA 314 sq. ft E 16” EXTERNAMENTE
VELOCIDADE MÁXIMA A 23.000 pés 395/417 m.p.h
VELOCIDADE DE CRUZEIRO 180/185 m.p.h
VELOCIDADE DE ESTOL 87 m.p.h
SUBIDA, INICIAL S.I. 2,890 ft/min AMARELO
Ideias fundamentais
ARTILHARIA TRASEIRA
Figura 2.17
PROFUNDOR COM
COBERTURA
DE TECIDO
ALETA
DORSAL
ARMA DE CINTURA
DE BOMBORDO
ANTIGELO
NO BORDO ALOJAMENTO
DE ATAQUE PARA BEQUILHA BOMBAS
RETRÁTIL HORIZONTAIS EM
PORTA CABIDES
ARMA DORSAL
VERTICAIS
(COMANDADA POR
ARMA DE CINTURA OPERADOR DE RÁDIO)
DE ESTIBORDO
OPERADOR
1000 HP PESO 9
DE RÁDIO
CILINDROS
(GUAR- MOTORES
MUNIÇÃO
DADAS) RADIAIS
(1200 HP PARA
DECOLAGEM)
PASSARELA
RESERVATÓRIO DE
COMBUSTÍVEL
AUTOSSELANTE
Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
LONGARINAS
PRINCIPAIS
CÚPULA DE
AILERON COM COBERTURA NAVEGAÇÃO
DE TECIDO
COBERTURAS MESA DO
DE BATERIAS NAVEGADOR
ARMA
GARRAFAS DE OPCIONAL
OXIGÊNIO
DUTOS DE AR
PARA RADIADORES ASSENTO DO
A ÓLEO COPILOTO
METRALHADORA
DUTOS DE AR PARA ASSENTO DO
DO NAVEGADOR
SUPERCOMPRESSOR ARTILHEIRO
E RADIADOR HÉLICES
DUTOS DE AR PARA TORRE INFERIOR
SUPERCOMPRESSOR HIDROMÁTICAS COM CONTROLE
LUZ DE RESERVATÓRIO
HAMILTON REMOTO
ATERRISSAGEM E RADIADOR DE ÓLEO
(Fonte: De Bill Gunston, Classic World War II Aircraft Cutaways, Osprey Publishing, London, England, 1995.)
Capítulo 2 Ideias fundamentais 91
A Figura 2.15 ilustra um avião com asas com enflechamento positivo. Aero-
dinamicamente, o mesmo benefício pode ser obtido com o enflechamento negati-
vo. A Figura 2.19 é um diagrama em três visões do X-29A, um avião de pesquisa
com asas com enflechamento negativo. As asas com enflechamento negativo não
são uma ideia recente. Entretanto, esse tipo de enflechamento tem características
aerodinâmicas e estruturais que tendem a fazer com que as asas se retorçam e so-
fram falhas estruturais. É por isso que a maioria dos aviões com asas enflechadas
adotam o enflechamento positivo. Com os novos materiais compostos superfortes,
é possível projetar asas com enflechamento negativo fortes o suficiente para resistir
Figura 2.20 Três visões do Grumman F3F-2, o último caça biplano da Marinha dos
EUA.
podem ser difíceis de mudar, e o biplano continuou sendo usado por muito mais tem-
po do que seria justificado por qualquer razão técnica. Hoje, os biplanos ainda têm
algumas vantagens como aviões esportivos para acrobacias e aviões agrícolas para
pulverização de produtos químicos. Assim, o biplano continua vivo.
cutimos alguns dos veículos espaciais mais conhecidos. Nossa discussão está longe
de ser completa, mas oferece algumas perspectivas sobre a anatomia dos veículos
espaciais.
Até hoje, todos os veículos espaciais humanos foram lançados ao espaço por
foguetes auxiliares. Um foguete auxiliar relativamente convencional é o Delta de três
estágios, mostrado na Figura 2.21. Construído pela McDonnell-Douglas (atualmente
parte da Boeing), o foguete Delta é produto de uma longa evolução de projeto e
Carenagem da
espaçonave
Sistema de
orientação (DIGS)
Segundo estágio
Cone de suporte
5943 Motor Aerojet
Minissaia (234) Interestágio
AJ10-118K
Motor
TRW TR-201
35.357
Reservatório
(1392,00)
de combustível
Corpo central
Reservatório
LOX Primeiro estágio
Motores Thiokol 22.433 Motores Thiokol
Castor IV de (883) Castor IV de
ampliação ampliação de
de empuxo empuxo
(nove localizações) (nove localizações)
Compartimento
do motor
Motor Rocketdyne
RS-27
Sistema de
separação da
Seção de aviônica carga útil*
Motor do estágio 2
Carenagem
Asa da carga útil
Motor do estágio 3†
Interestágio
Aleta
Fuselagem dianteira
Veículo orbital
Reserva-
tório LOX
Reservatório
de combustível Porta da
carga útil
Motor
Asa
Diâmetro de 15 ft (4,6 m)
Envelope do
compartimentode carga 60 ft
nave orbital (18,3 m)
na atmosfera e é destruído. A nave orbital continua com sua missão no espaço. De-
pois que a missão é completada, a nave reentra na atmosfera e plana de volta para a
Terra, fazendo um pouso horizontal semelhante ao de um avião convencional sem
motores.
Agora vamos examinar a anatomia da carga útil em si, o artefato espacial funcio-
nal que pode ser um satélite em órbita da Terra ou um veículo de exploração espacial
a caminho de outro planeta ou do Sol. Como mencionado anteriormente, esses arte-
fatos são projetos pontuais para missões específicas diferentes, então é difícil defi-
nir uma configuração convencional para cargas úteis. Entretanto, vamos examinar a
anatomia de alguns desses projetos pontuais apenas para ter alguma ideia sobre sua
natureza.
A Figura 2.25 apresenta um satélite de comunicação, a espaçonave FLTSA-
TCOM produzida pela TRW para a Marinha dos EUA. O objeto é colocado em
órbita geoestacionária, uma órbita no plano do equador com um período (tempo
para executar uma órbita) de 24 horas. Assim, um satélite em órbita geoestacio-
nária parece estar sempre no mesmo local da Terra, uma característica desejável
para um satélite de comunicação. As órbitas e trajetórias de veículos espaciais
são discutidas no Capítulo 8. A construção é basicamente de alumínio. Os dois
compartimentos hexagonais (plataformas) montados um sobre o outro no centro
do satélite contêm todos os subsistemas de engenharia necessários para controle
e comunicação. As duas antenas que se projetam para fora do topo da plataforma
Sistema de imagem do
Mars Pathfinder (IMP)
Microrover
Painel solar
apontam para a Terra. Os dois braços do painel solar que se projetam das laterais
das plataformas giram constantemente para que estejam sempre apontando para
o Sol. Os painéis solares fornecem a energia necessária para alimentar os equipa-
mentos da espaçonave.
A espaçonave Mars Pathfinder é apresentada nas Figuras 2.26 e 2.27. A espaço-
nave realizou um pouso bem-sucedido na superfície do planeta Marte em 1997. O
dispositivo que entrou na atmosfera marciana aparece em vista explodida na Figura
2.27. A coifa aerodinâmica e a carenagem traseira compõem a forma aerodinâmica
do corpo de entrada, com o módulo de aterrissagem embalado em uma posição do-
brada dentro deles. A função desse corpo de entrada aerodinâmico é gerar arrasto
para desacelerar o veículo à medida que ele se aproxima da superfície de Marte e
proteger a embalagem dentro dele do aquecimento aerodinâmico durante a entrada
atmosférica. A dinâmica de uma espaçonave entrando em uma atmosfera planetária e
o aquecimento aerodinâmico da entrada são discutidos no Capítulo 8. A Figura 2.26
mostra o módulo de aterrissagem Pathfinder após seu posicionamento na superfície
marciana. A Figura 2.26 mostra o rover, o painel solar, as antenas de alto ganho e
baixo ganho e o sistema de imagem para transmitir as imagens tiradas da superfície.
Algumas espaçonaves são projetadas para simplesmente sobrevoar (e não
aterrissar em) planetas do sistema solar, tirando fotos e transmitindo dados cien-
Capítulo 2 Ideias fundamentais 99
2,65 m
Estágio de cruzeiro
Aeroescudo
Sensor de Canopus
Painéis solares
Persianas de controle
de temperatura
Painéis solares
Figura 2.28 Duas visões da Mariner 6 e 7, espaçonaves idênticas que voaram por
Marte em 1969.
ESPECTRÔMETRO E
RADIÔMETRO
INFRAVERMELHO
FOTOPOLARÍMETRO
PARTÍCULA
CARREGADA DE
BAIXA ENERGIA
GERADORES
TERMELÉTRICOS DE
RADIOISÓTOPO
ASTRONOMIA DE
RÁDIO PLANETÁRIA
E ANTENAS DE ONDA
DE PLASMA
(comprimento, 10 m)
cio de 2003; a Voyager havia fornecido mais que o suficiente em termos de dados
científicos pioneiros.
Examinando a configuração da Voyager 2 na Figura 2.29, vemos um arranjo
clássico de espaçonaves. Devido ao sobrevoo multiplanetário, os instrumentos cien-
tíficos na Figura 2.29 precisavam ter uma visão sem obstruções de cada planeta, com
o planeta em qualquer posição em relação à espaçonave. O requisito levou ao projeto
de uma plataforma de instrumentos articulada, mostrada no lado direito da espaçona-
ve na Figura 2.29. A Voyager era manobrada para que antena de alto ganho mostrada
no alto da Figura 2.29 ficasse apontada em direção à Terra.
Em suma, existem tantas configurações de espaçonaves diferentes quanto
missões diferentes no espaço. As espaçonaves voam no quase vácuo do espaço,
onde praticamente nenhuma força aerodinâmica, nada de sustentação ou arrasto,
é exercida sobre o veículo. Assim, o projetista da nave espacial pode usar a confi-
guração externa que bem entender. O mesmo não vale para o projetista de aviões.
A configuração externa de um avião (fuselagem, asas, etc.) determina a susten-
tação aerodinâmica e o arrasto do avião, então é preciso otimizar a configuração
para permitir voos eficientes pela atmosfera. Assim, a anatomia dos aviões têm
características muito mais comuns e frequentes do que as espaçonaves, que são
muito mais variadas entre si. Esta seção sobre a anatomia das espaçonaves con-
tém apenas uma amostra das diferentes configurações, pois o objetivo era apenas
lhe dar uma ideia sobre os projetos de espaçonaves existentes.
102 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
leste do país, na proteção contra ataques navais, nas condições climáticas e no custo
do local.
Assim nasceu o Langley Memorial Aeronautical Research Laboratory, que seria
o único laboratório do NACA e o único grande laboratório aeronáutico nos EUA
pelos próximo 20 anos. Batizado em homenagem a Samuel Pierpont Langley (ver
Seção 1.7), o laboratório foi pioneiro em pesquisas de voo e túneis de vento. As pes-
quisas sobre aerofólios e asas realizadas em Langley durante as décadas de 1920 e
1930 foram especialmente importantes. Voltaremos ao tema dos aerofólios no Capí-
tulo 5, onde o leitor deve lembrar que os dados de aerofólios incluídos no Apêndice
D foram obtidos em Langley. Com o material produzido pelo laboratório de Langley,
os Estados Unidos tomaram a frente no desenvolvimento aeronáutico. No topo da
lista de conquistas do laboratório, ao lado do teste sistemático de aerofólios, está o
desenvolvimento do anel de velocidade NACA (ver Seção 6.19), uma carenagem
aerodinâmica construída ao redor de motores convencionais radiais que reduzia dras-
ticamente o arrasto aerodinâmico desse tipo de motor.
Em 1936, o Dr. George Lewis, então diretor de pesquisa aeronáutica do NACA
(cargo que ocupou de 1924 a 1947), visitou uma série de grandes laboratórios euro-
peus. Ele observou que a liderança do NACA em pesquisa aeronáutica estava desa-
parecendo, especialmente considerando os avanços que ocorriam na Alemanha. À
medida que a Segunda Guerra Mundial foi se aproximando, o NACA reconheceu
claramente a necessidade de duas novas operações laboratoriais: um laboratório de
aerodinâmica avançada para sondar os mistérios do voo de alta velocidade (até su-
persônico) e um grande laboratório de teste de motores. Essas necessidades levariam
à construção do Ames Aeronautical Laboratory em Moffett Field, próximo a Moun-
tain View, Califórnia (autorizada em 1939) e do Lewis Engine Research Laboratory
em Cleveland, Ohio (autorizada em 1941). Junto com Langley, esses dois novos
laboratórios do NACA ajudariam mais uma vez a levar os EUA à liderança em pes-
quisa e desenvolvimento em aeronáutica nas décadas de quarenta e cinquenta.
A Era Espacial começou em 4 de outubro de 1957, quando a Rússia lançou o Spu-
tnik I, o primeiro satélite artificial a orbitar a Terra. Engolindo seu orgulho técnico li-
geiramente envergonhado, os Estados Unidos não demoraram em competir na corrida
espacial. Em 29 de julho de 1958, por outra lei do Congresso (Public Law 85-568), foi
criada a National Aeronautics and Space Administration (NASA). No mesmo instante,
o NACA deixou de existir. Seus programas, pessoal e instalações foram transferidos
imediatamente para a NASA. Entretanto, a NASA era uma organização maior do que
o antigo NACA, pois absorveu diversos projetos espaciais da Força Aérea, Marinha e
Exército. Dois anos após seu nascimento, a NASA autorizou quatro novas grandes ins-
talações: uma instalação do exército preexistente em Huntsville, Alabama, rebatizada de
George C. Marshall Space Flight Center; o Goddard Space Flight Center em Greenbelt,
Maryland; o Manned Spacecraft Center (atual Johnson Spacecraft Center) em Houston,
Texas; e o Launch Operations Center (atual John F. Kennedy Space Center) em Cape
Canaveral, Flórida. Esses, além dos centros de pesquisa já existentes Langley, Ames e
Lewis (ligeiramente renomeados), foram a espinha dorsal da NASA. Assim, o conheci-
mento aeronáutico do NACA formou as sementes da NASA, que logo se tornaria uma
das mais importantes forças mundiais no mundo da tecnologia espacial.
Capítulo 2 Ideias fundamentais 105
Esse resumo sobre as origens do NACA e da NASA está incluído neste capítulo
sobre ideias fundamentais porque é praticamente impossível que um estudante ou
praticante de engenharia aeroespacial não seja influenciado ou orientado por dados
e resultados gerados pelas duas instituições. A discussão detalhada sobre aerofólios
no Capítulo 5 é um bom exemplo. Como o NACA e a NASA são fundamentais para
a disciplina da engenharia aeroespacial, é importante ter alguma ideia sobre as raízes
históricas e a tradição dessas organizações. O autor espera que essa breve história
ofereça tal ideia. Um entendimento muito mais completo seria possível com um pas-
seio pelos relatórios técnicos do NACA e da NASA, remontando até o primeiro re-
latório do NACA em 1915. No processo, você encontrará um panorama da pesquisa
aeronáutica e espacial nos últimos cem anos.
Essa é uma equação da natureza, pois não contém fatores de conversão artificiais.
Se você alimentar a equação utilizando unidades consistentes, os resultados serão
gerados em unidades consistentes.
Infelizmente, durante a história da engenharia nos últimos séculos, foram criadas
diversas unidades artificiais não consistentes, e lidar com elas enquanto realizamos
106 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
cálculos pode ser um grande desafio, especialmente para quem deseja produzir as
respostas certas. Para evitar erros causados por unidades que não deveriam ser uti-
lizadas em conjunto, acredito firmemente que você sempre deve utilizar unidades
consistentes em suas equações. Neste livro, empregamos dois sistemas de unidades
consistentes: o sistema SI, que utiliza N, kg, m, s e K como as unidades de força,
massa, comprimento, tempo e temperatura; e o sistema de engenharia inglês, que
utiliza lb, slug, ft, s e ºR. O sistema SI é, de longe, o mais utilizado em todo o mundo,
enquanto o sistema de engenharia inglês, bastante popular na Inglaterra e EUA no
último século, está aos poucos sendo substituído pelo SI mesmo nesses dois países.
Entretanto, como uma enorme parcela da literatura de engenharia pregressa está es-
crita no sistema de engenharia inglês, e porque alguns engenheiros ainda utilizam
esse sistema, é necessário que você se torne bilíngue e sinta-se à vontade utilizando
ambos. É por isso que, neste livro, você encontrará alguns cálculos que utilizam um
sistema e alguns que utilizam o outro (os livros-texto de engenharia moderna ficam
tentados a usar o sistema SI exclusivamente, mas acredito que isso seria um desser-
viço ao leitor. Independente de você estar em um país que usa as unidades SI exclu-
sivamente, ou em um onde as unidades de engenharia inglesas ainda são usadas, pelo
menos em parte, é preciso conhecer e estar à vontade com ambos os sistemas para
trabalhar sem percalços no mundo internacional em que vivemos).
Uma das ideias mais fundamentais apresentadas neste capítulo trata da fonte de
todas as forças aerodinâmicas. Como descrito na Seção 2.2, sempre que há um fluxo
de gás ou líquido sobre um objeto, tal objeto sofre uma força aerodinâmica. Essa
força frequentemente se resolve em dois componentes de força: a sustentação, per-
pendicular à direção de fluxo ascendente; e o arrasto, paralelo à direção de fluxo as-
cendente. A Seção 2.2 enfatiza que em todos os casos, independente da configuração
e orientação do objeto do fluxo, e independente da lentidão ou rapidez com a qual o
fluxo se move sobre o objeto, a força aerodinâmica líquida sobre o objeto (e, logo, a
sustentação e o arrasto) se deve apenas à distribuição de pressão e à distribuição da
tensão de cisalhamento exercidas sobre a superfície total em contato com o fluxo. As
distribuições de pressão e de tensão de cisalhamento são as duas mãos que a natureza
usa para exercer força sobre um objeto em um campo de fluxo. As duas, e nada mais.
Entender e apreciar esse fato desde o princípio de seu estudo de engenharia aeroes-
pacial poupará muita confusão e incomodação em seus estudos e trabalhos futuros.
Um resumo conciso das principais ideias deste capítulo se encontra a seguir.
1. A linguagem da aerodinâmica envolve pressão, densidade, temperatura e ve-
locidade. Uma ilustração do campo de velocidade pode ser aprimorada com a
inclusão de linhas de corrente para um determinado fluxo.
2. A fonte de todas as forças aerodinâmicas que atuam sobre um corpo é a distri-
buição da pressão e a distribuição da tensão de cisalhamento sobre a superfície.
3. Um gás perfeito é aquele no qual as forças intermoleculares podem ser ignora-
das. Para um gás perfeito, a equação de estado que relaciona p, ρ e T é:
(2.3)
Bibliografia
Anderson, John D., Jr. Aircraft Performance and Design. WCB/McGraw-Hill, New York,
1999.
Gray, George W. Frontiers of Flight. Knopf, New York, 1948.
Griffin, Michael D., and James R. French. Space Vehicle Design. 2nd ed. American Institute of
Aeronautics and Astronautics, Reston, VA, 2004.
Hartman, E. P. Adventures in Research: A History of Ames Research Center 1940–1965,
NASA SP-4302. 1970.
Mechtly, E. A. The International System of Units. NASA SP-7012, 1969.
Problemas
2.1 Considere o voo de baixa velocidade do Ônibus Espacial quando este está se aproxi-
mando de uma aterrissagem. Se a temperatura e a pressão do ar no nariz do veículo
são de 1,2 atm e 300 K, respectivamente, qual a densidade e qual o volume específico?
2.2 Considere 1 kg de hélio a 500 K. Pressupondo que a energia interna total do hélio se
deve à energia cinética média de cada átomo somada para todos os átomos, calcule
a energia interna do gás. Observação: O peso molecular do hélio é 4. Da química,
lembre-se de que o peso molecular é a massa por mol de gás; ou seja, um mol de hélio
contém 4 g de massa. Além disso, 1 mol de qualquer gás contém 6,02 × 10 moléculas
23
me específico.
108 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
2.9 Considere uma superfície plana em um fluxo aerodinâmico (digamos, uma parede la-
teral plana de um túnel de vento). As dimensões dessa superfície são 3 ft na direção do
fluxo (a direção x) e 1 ft perpendicular à direção do fluxo (a direção y). Pressuponha
que a distribuição de pressão (em libras por pé quadrado) é dada por p = 2116 − 10x e é
independente de y. Pressuponha também que a distribuição da pressão de cisalhamento
(em libras por pé quadrado) é dada por τw = 90/(x + 9) e é independente de y, como
1/2
Fluxo y
x p (x)
τw (x) 1 ft
3 ft
2.10 Um arremessador atira uma bola de beisebol a 85 milhas por hora. O campo de fluxo so-
bre a bola atravessando o ar estacionário a 85 milhas por hora é o mesmo que aquele sobre
uma bola de beisebol estacionária em um fluxo de ar que se aproxima da bola a 85 milhas
por hora (este é o princípio do teste com túneis de vento, como veremos no Capítulo 4).
Essa imagem de um corpo estacionário com o fluxo movendo-se sobre ele é a que adotare-
mos neste problema. Ignorando a fricção, a expressão teórica da velocidade de fluxo sobre
a superfície de uma esfera (como uma bola de beisebol) é V = 23 V∞ sen . Aqui, V∞ é a
velocidade do fluxo de ar (a velocidade do fluxo livre bem adiante da esfera). Um ponto
arbitrário na superfície da esfera está localizado na intersecção do raio da esfera com a
superfície, e θ é a posição angular do raio mensurada a partir de uma linha passando pelo
centro na direção do fluxo livre (ou seja, os pontos mais dianteiros e traseiros na superfície
esférica correspondem a θ = 0º e 180º, respectivamente) (ver figura abaixo). A velocidade
V é a velocidade de fluxo nesse ponto arbitrário na superfície. Calcule os valores da velo-
cidade mínima e máxima na superfície e a localização dos pontos em que elas ocorrem.
π
θ
Fluxo
v∞ = 85 mi/hr
2.11 Considere um balão de festa comum, cheio de hélio, com volume de 2,2 ft3. A força
de sustentação do balão devido ao ar externo é o resultado líquido da distribuição
de pressão exercida sobre a superfície externa do balão. Usando esse fato, podemos
derivar o princípio de Arquimedes, a saber, que a força ascendente do balão é igual ao
peso do ar deslocado por ele. Pressupondo que o balão se encontra ao nível do mar,
3
onde a densidade do ar é de 0,002377 slug/ft , calcule o peso máximo que pode ser
erguido pelo balão. Observação: o peso molecular do ar é de 28,8 e o do hélio é de 4.
2.12 No motor de combustão interna alternativo de quatro tempos que move a maioria dos
automóveis e também a maioria dos pequenos aviões de aviação geral, a combustão da
mistura combustível-ar ocorre no volume entre o topo do pistão e o topo do cilindro
(os motores convencionais são discutidos no Capítulo 9). A mistura de gás é ignitada
quando o pistão está basicamente no fim do percurso de compressão (chamado de
ponto morto superior), quando o gás é comprimido a uma pressão relativamente alta
e apertado no menor volume que existe entre o topo do pistão e o topo do cilindro. A
Capítulo 2 Ideias fundamentais 109
combustão ocorre rapidamente antes que o pistão tenha tempo para iniciar a descida
do tempo de potência. Assim, o volume do gás durante a combustão permanece cons-
tante; ou seja, o processo de combustão ocorre a um volume constante. Considere o
caso em que a densidade e a temperatura do gás no instante em que a combustão co-
3
meça são 11,3 kg/m e 625 K, respectivamente. Ao final do processo de combustão de
volume constante, a temperatura do gás é de 4000 K. Calcule a pressão do gás no final
da combustão de volume constante. Pressuponha que a constante do gás específico
para a mistura combustível-ar é a mesma que para o ar puro.
2.13 Para as condições do Problema 2.12, calcule a força exercida sobre o topo do pistão
pelo gás (a) no início da combustão e (b) ao final da combustão. O diâmetro da super-
fície circular do pistão é de 9 cm.
2.14 Em um motor a jato com turbina a gás, a pressão do ar que entra no aparelho é au-
mentada ao fluir por um compressor; o ar então entra em um combustor que lembra
um pouco uma longa lata (às vezes chamada de lata de combustão). O combustível é
injetado no combustor e queima com o ar, e então a mistura combustível-ar queimada
sai do combustor a uma temperatura maior do que aquela em que o ar entra nele (os
motores a jato com turbina de gás são discutidos no Capítulo 9). A pressão do fluxo
pelo combustor permanece relativamente constante; ou seja, o processo de combustão
ocorre a uma pressão constante. Considere o caso em que a pressão e a temperatura
do gás que entra no combustor são 4 × 10 N/m e 900 K, respectivamente, e a tem-
6 2
peratura do gás que sai do combustor é de 1500 K. Calcule a densidade do gás (a) na
entrada do combustor e (b) na saída do combustor. Pressuponha que a constante do gás
específico para a mistura combustível-ar é a mesma que para o ar puro.
2.15 Neste livro, você frequentemente encontrará velocidades em termos de milhas por hora.
As unidades consistentes no sistema de engenharia inglês e no SI são ft/s e m/s, respec-
tivamente. Considere uma velocidade de 60 mph. Qual é essa velocidade em ft/s e m/s?
2.16 Relembre os resultados do Problema 2.15. Tendo relido o resultado, você sabe conver-
ter velocidades de mph para ft/s ou m/s quase instantaneamente. Por exemplo, usando
apenas os resultados do Problema 2.15 para uma velocidade de 60 mph, converta
rapidamente a velocidade de voo máxima do F-86H (mostrado na Figura 2.15) de 692
mph ao nível do mar para ft/s e m/s.
2.17 Considere uma placa fina, plana e estacionária com área de 2 m2 para cada superfície
orientada perpendicularmente a um fluxo. A pressão exercida sobre a superfície frontal da
placa (de frente para o fluxo) é de 1,0715 × 10 N/m , e é constante sobre a superfície. A
5 2
pressão exercida sobre a superfície traseira da placa (de costas para o fluxo) é de 1,01 × 10
5
2
N/m , também constante sobre a superfície. Calcule a força aerodinâmica, em libras, sobre
a placa. Observação: o efeito da tensão de cisalhamento pode ser ignorado nesse caso.
2.18 O peso do North American P-51 Mustang mostrado na Figura 2.12b é de 10.100 lb e
2
sua área planiforme da asa é de 233 ft . Calcule a carga alar em unidades de engenha-
ria inglesas e unidades SI. Além disso, expresse a carga alar em termos da unidade não
consistente kgf.
2.19 A velocidade máxima do P-51 mostrado na Figura 2.12b é de 437 mph a uma altitude
de 25.000 ft. Calcule a velocidade em km/h e a altitude em km.
2.20 A velocidade do Ônibus Espacial (Figura 2.24) no instante do término da queima do
foguete auxiliar é de 26.000 ft/s. Qual é a sua velocidade em km/s?
2.21 Examinando o desenho em escala do F4U-1D Corsair na Figura 2.16, obtenha o compri-
mento da fuselagem da ponta do cubo da hélice até a ponta traseira, e também a enverga-
dura (distância linear entre as duas pontas das asas) da aeronave, em metros.
3
A atmosfera padrão
Por vezes gentil, por vezes caprichoso, por vezes terrível, nunca o mesmo por
dois momentos seguidos; quase humano em suas paixões, quase espiritual em sua
ternura, quase divino em sua infinidade.
John Ruskin, The Sky
O
s veículos aeroespaciais se dividem em duas categorias básicas: veículos
atmosféricos, como aviões e helicópteros, que sempre voam dentro da
atmosfera sensível; e veículos espaciais, como os satélites, o veículo lunar
Apollo e as sondas espaciais, que operam fora da atmosfera sensível. Entretanto,
os veículos espaciais encontram a atmosfera terrestre durante seus lançamentos da
superfície terrestre e novamente durante suas reentradas e recuperações após com-
pletarem suas missões. Se o veículo é uma sonda planetária, ele pode encontrar as
atmosferas de Vênus, Marte, Júpiter e assim por diante. Logo, durante o projeto e a
performance de qualquer veículo aeroespacial, é preciso levar em conta as proprie-
dades da atmosfera.
A atmosfera terrestre é um sistema dinamicamente mutante, sempre em es-
tado de fluxo. A pressão e a temperatura da atmosfera dependem de altitude,
local no planeta (longitude e latitude), horário do dia, estação do ano e até da
atividade das manchas solares. Levar todas essas variações em conta quando con-
sideramos o projeto e a performance dos veículos de voo não seria prático. Assim,
uma atmosfera padrão é definida para relacionar voos de ensaio, resultados de
túneis de vento e projeto e desempenho gerais do avião a uma referência co-
mum. A atmosfera padrão dá os valores médios da pressão, temperatura, densida-
de e outras propriedades como funções da altitude; esses valores são obtidos de
Capítulo 3 A atmosfera padrão 111
Para começar
Antes de pular em um lago estranho ou mergu- mo um veículo que volta do espaço e passa pela
lhar em uma piscina desconhecida, você pro- atmosfera. Em todos esses casos, o desempenho
vavelmente vai querer saber algumas coisas. A do veículo de voo será determinado em parte pe-
água está fria? Está limpa? Qual é a profundi- las propriedades da atmosfera: sua temperatura,
dade? São elementos que poderiam influenciar densidade e pressão.
sua natação na água ou mesmo sua decisão de Quais as propriedades da atmosfera? Sa-
entrar nela ou não. Da mesma forma, antes que bemos que elas mudam com a altitude, mas de
possamos estudar o desempenho de um veículo que forma? Como descobrimos? Essas perguntas
de voo pelo ar, precisamos saber mais sobre as importantes serão respondidas neste capítulo.
propriedades do ar em si. Considere um avião Antes que possa avançar mais em seu estudo
que voa pela atmosfera ou um veículo espacial sobre veículos de voo, você precisa conhecer a
que a atravessa a caminho do espaço, ou mes- atmosfera.
A atmosfera padrão
Vênus, Marte e Júpiter. Assim, a aplicabilidade deste capítulo vai muito além do
nosso planeta.
É preciso mencionar que existem diversas atmosferas padrões diferentes,
compiladas por diferentes agências em diferentes momentos, cada uma usando
dados experimentais ligeiramente diferentes nos modelos. Para fins práticos, as
diferenças são insignificantes abaixo de 30 km (100.000 pés), que é o domínio
dos aviões contemporâneos. Uma atmosfera padrão em uso comum é a atmosfera
modelo ARDC de 1959 (ARDC é a abreviatura do antigo Air Research and De-
velopment Command da Força Aérea dos EUA, atual Air Force Research Labora-
tory). As tabelas atmosféricas utilizadas neste livro foram retiradas da atmosfera
modelo ARDC de 1959.
Superfí
cie da T
erra
(Nível d
o mar)
(3.1)
A variação de g com a altitude deve ser levada em conta quando você lida com
modelos matemáticos da atmosfera, como será discutido nas seções a seguir.
Altitude crescente, hG
Figura 3.3 Diagrama de forças para a equação hidrostática.
Assim (3.2)
A Equação (3.2) é a equação hidrostática e se aplica a qualquer fluido de densidade
ρ; por exemplo, à água no oceano e também ao ar na atmosfera.
Tecnicamente, a Equação (3.2) é uma equação diferencial; ou seja, ela relaciona
uma mudança infinitesimalmente pequena na pressão dp a uma mudança infinite-
simalmente pequena correspondente na altitude dhG, na qual, no idioma do cálcu-
lo diferencial, dp e dhG são diferenciais. Observe também que g é uma variável na
Equação (3.2); g depende de hG, como dado pela Equação (3.1).
Para ser útil, a Equação (3.2) precisa ser integrada para fornecer o que deseja-
mos: a variação da pressão com a altitude p = p(hG). Para simplificar a integração,
pressupomos que g é constante em toda a atmosfera, igual a seu valor ao nível do mar
g0. É uma convenção histórica no mundo da aeronáutica.
Capítulo 3 A atmosfera padrão 115
ou (3.4)
(3.5)
Por convenção, estabelecemos que h e hG são iguais a zero ao nível do mar. Agora,
considere um determinado ponto na atmosfera. Esse ponto está a uma certa altitude
116 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Assim (3.6)
(3.7)
, ,
, ,
Temperatura, K
Figura 3.4 Distribuição de temperatura na atmosfera padrão.
na Figura 3.5 são T1, p1 e ρ1, respectivamente. A base está localizada em uma deter-
minada altitude geopotencial h1. Agora considere um determinado ponto na camada
isotérmica acima da base, onde a altitude é h. Podemos obter a pressão p em h inte-
grando a Equação (3.7) entre h1 e h:
(3.8)
Observe que g0, R e T são constantes que podem ser retiradas da integral (o que de-
monstra claramente a simplificação obtida quando pressupomos que g = g0 = const,
118 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Camada isotérmica
ou (3.9)
Da equação de estado:
Assim (3.10)
onde a é uma constante especificada para cada camada obtida da variação de tempe-
ratura definida na Figura 3.4. O valor de a também é chamado de taxa de lapso para
as camadas gradientes.
Capítulo 3 A atmosfera padrão 119
Região gradiente
Assim
(3.11)
Integrada entre a base da camada gradiente (mostrada na Fig. 3.6) e algum ponto na
altitude h, também na camada gradiente, a Equação (3.11) produz:
Assim (3.12)
Da equação de estado:
120 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ou (3.13)
(3.14)
Esses são os valores básicos para a primeira região gradiente. Utilize a Equação
(3.14) para obter os valores de T como uma função de h até T = 216,66 K, que ocorre
a h = 11,0 km. Com esses valores de T, use as Equações (3.12) e (3.13) para obter os
valores correspondentes de p e ρ na primeira camada gradiente. A seguir, começando
por h = 11,0 km como base da primeira região isotérmica (ver Figura 3.4), utilize as
Equações (3.9) e (3.10) para calcular os valores de p e ρ versus h, até h = 25 km, que
é a base da próxima região gradiente. Dessa maneira, com a Figura 3.4 e as Equa-
ções (3.9), (3.10) e (3.12) a (3.14), podemos construir uma tabela de valores para a
atmosfera padrão.
Essa tabela é mostrada no Apêndice A para unidades SI e no Apêndice B para
unidades de engenharia inglesas. Analise essas tabelas com atenção e se familiarize
com elas. Elas são a atmosfera padrão. A primeira coluna mostra a altitude geomé-
trica, enquanto a segunda mostra a altitude geopotencial correspondente obtida da
Equação (3.6). As colunas 3, 4 e 5 mostram os valores padrões correspondentes de
temperatura, pressão e densidade, respectivamente, para cada altitude, obtidos da
discussão anterior.
Enfatizamos mais uma vez que a atmosfera padrão é apenas uma atmosfera de
referência e certamente não prevê as propriedades atmosféricas reais que podem
existir em um determinado momento e local. Por exemplo, o Apêndice A afirma que
Capítulo 3 A atmosfera padrão 121
CAIXA DE PROJETO
O primeiro passo do processo de projetar uma cações determinam um certo desempenho a uma
nova aeronave é determinar um conjunto de es- certa altitude, essa é considerada a altitude pa-
pecificações ou requisitos para o novo veículo. drão nas tabelas. Assim, no projeto preliminar
Essas especificações podem incluir aspectos do do avião, o projetista usa as tabelas de atmosfe-
desempenho como velocidade máxima estipulada ras padrões para definir pressão, temperatura e
a uma determinada altitude ou razão de subida densidade em uma determinada altitude. Desse
máxima estipulada a uma determinada altitude. modo, muitos cálculos realizados durante o pro-
Esses parâmetros de desempenho dependem das jeto preliminar do avião contêm informações das
propriedades da atmosfera. Quando as especifi- tabelas de altitude padrões.
3
0,90926 kg/m . Na realidade, situado onde está, se pudesse levitar 3 km acima do
nível do mar, você provavelmente sentiria p, T e ρ diferentes dos valores obtidos no
Apêndice A. A atmosfera padrão nos permite apenas reduzir os cálculos e dados de
testes a uma referência conveniente e padronizada, como veremos nas seções subse-
quentes deste livro.
Nos capítulos subsequentes deste livro, qualquer problema com altitude que en-
volva o uso das tabelas de atmosferas padrões nos Apêndices A e B se baseará na
altitude geométrica, hG. Por exemplo, se for feita referência a uma “altitude padrão”
de 5 km, isso significa uma altitude geométrica de hG = 5 km. Agora que vimos como
as tabelas de atmosferas padrões são geradas, não teremos mais por que lidar com a
altitude geopotencial.
122 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Agora você já deve entender melhor a afirmação feita no final da Seção 3.2
de que a altitude geopotencial é simplesmente uma altitude “fictícia”, definida pela
Equação (3.3) com o único objetivo de simplificar as derivações subsequentes.
Exemplo 3.1
■ Solução
Lembre-se de que T é uma variação definida para a atmosfera padrão. Assim, podemos consul-
tar imediatamente a Figura 3.4 e descobrir que quando h = 14 km:
Para obter p e ρ, precisamos utilizar as Equações (3.9) a (3.14), reunindo as diferentes regiões
do nível do mar até a altitude com a qual estamos preocupados. Começando ao nível do mar,
a primeira região (da Figura 3.4) é uma região gradiente de h = 0 a h = 11,0 km. A taxa de
lapso é:
ou
Assim, utilizando as Equações (3.12) e (3.13), que são para uma região gradiente e nas quais
a base da região é o nível do mar (logo p1 = 1,01 × 10 N/m e ρ1 = 1,23 kg/m ), descobrimos
5 2 3
onde g0 = 9,8 m/s2 em unidades SI. Assim, p (a h = 11,0 km) = 2,26 × 104 N/m2.
Esses valores de p e ρ agora formam os valores de base para a primeira região isotérmica
(ver Figura 3.4). As equações para a região isotérmica são a (3.9) e a (3.10), onde agora p1 =
2,26 × 10 N/m e ρ1 = 0,367 kg/m . Para h = 14 km, h − h1 = 14 − 11 = 3 km = 3000 m. Da
4 2 3
Equação (3.9):
Capítulo 3 A atmosfera padrão 123
Da Equação (3.10),
Logo
Esses valores correspondem (depois de arredondados) àqueles mostrados no Apêndice A. Ob-
servação: esse exemplo demonstra como os números nos Apêndices A e B foram obtidos.
Exemplo 3.2
(3.15)
■ Solução
(a) Do Apêndice B, para 36.000 ft, ρ = 7,1028 × 10–4 slug/ft3. Da Equação (3.15), escrito com
h = 36.000 ft,
Logo
ou (3.16)
(Ap. B)
h (ft) Diferença
5.000 0,00201 0,00205 2%
10.000 0,00170 0,00176 3,4%
20.000 0,00121 0,00127 4,7%
30.000 0,000869 0,000891 2,5%
40.000 0,000621 0,000587 –5,8%
Comentário Do nível do mar a 40.000 ft, a Equação (3.16) produz a densidade atmosférica
com erro máximo de 5,8%. Esses resultados são precisos o suficiente para cálculos de enge-
nharia aproximados. A Equação (3.16) é usada no Exemplo 6.12 para o cálculo aproximado
do teto absoluto de um avião.
Exemplo 3.3
Nas regiões gradientes e isotérmicas da atmosfera padrão, a pressão diminui com um aumento
da altitude. Pergunta: a pressão diminui mais rápido nas regiões gradientes ou nas isotérmi-
cas?
■ Solução
Considere um aumento infinitesimalmente pequeno em altitude, dh. A mudança infinitesi-
malmente pequena correspondente em pressão é dp, dada pela Equação (3.7), repetida aqui:
(3.7)
Para interpretar o significado físico da relação diferencial dada pela Equação (3.7), con-
sidere uma determinada altitude h onde a pressão é p. Se aumentamos a altitude por uma
quantidade infinitesimalmente pequena, dh, a mudança infinitesimalmente pequena corres-
pondente de pressão é dp. A razão dp/p é a mudança fracionária de pressão (você também
pode interpretá-la como uma “mudança percentual” de pressão, que na realidade é dada
por 100 [dp/p]). A taxa de mudança dessa fração com respeito à mudança em altitude, dh, é
representada por:
(3.17)
obtido da Equação (3.7). Para responder adequadamente à pergunta neste exemplo, preci-
samos avaliar o valor de nas regiões isotérmicas e nas regiões gradientes. Claramente,
Capítulo 3 A atmosfera padrão 125
segundo a Equação. (3.17), esse valor depende apenas da temperatura na altitude dada h. A
partir disso, fazemos as seguintes observações:
1. Na primeira região gradiente, onde T diminui com a altitude (ver Figura 3.4), o valor
absoluto de aumenta à medida que h também aumenta (ou seja, a pressão diminui a
uma velocidade maior). Por exemplo, na base da primeira região gradiente, onde h = 0 e
T = 288,1 6 K, temos, da Equação (3.17):
Evidentemente, na primeira região gradiente, a pressão diminui mais rápido à medida que h
aumenta. Na região isotérmica, por outro lado, como T é constante, a pressão diminui à mesma
Exemplo 3.4
Se um avião está voando a uma altitude na qual a pressão e a temperatura reais são 4,72 × 104
2
N/m e 255,7 K, respectivamente, quais as altitudes pressão, temperatura e densidade?
■ Solução
Para a altitude pressão, consulte no Apêndice A o valor da altitude padrão correspondente a p
= 4,72 × 10 N/m . A resposta é 6000 m. Logo:
4 2
Consultando o Apêndice A e interpolando entre 6,2 e 6,3 km, descobrimos que o valor da
altitude padrão correspondente a ρ = 0,643 kg/m é cerca de 6240 m. Logo:
3
Observe que a altitude temperatura não é um valor único. A resposta para a altitude tempera-
tura poderia igualmente ser 5,0, 38,2 ou 59,5 km, devido à natureza de múltiplos valores da
função altitude versus temperatura. Nesta seção, apenas o menor valor de altitude temperatura
é utilizado.
Exemplo 3.5
Os dados de ensaio em voo de um determinado avião fazem referência a um voo plano de ve-
locidade máxima realizado em uma altitude que correspondia simultaneamente a uma altitude
pressão de 30.000 ft e a uma altitude densidade de 28.500 ft. Calcule a temperatura do ar na
altitude na qual o avião voou.
■ Solução
Do Apêndice B:
Para altitude pressão = 30.000 pés:
Esses são os valores de p e ρ que existiam simultaneamente na altitude na qual o avião estava
voando. Logo, da equação de estado:
Exemplo 3.6
Considere um avião voando em alguma altitude geométrica real. A pressão e a temperatura ex-
teriores (ambiente) são 5,3 × 10 N/m e 253 K, respectivamente. Calcule as altitudes pressão
4 2
■ Solução
Considere a pressão ambiente de 5,3 × 104 N/m2. No Apêndice A, não temos uma linha
exata para esse número. Ele fica entre os valores de p1 = 5,331 × 10 N/m à altitude
4 2
hG,1 = 5100 m e p2 = 5,2621 × 10 N/m à altitude hG,2 = 5200 m. Temos pelo menos duas
4 2
opções. Podemos simplesmente usar o valor mais próximo na tabela, que é para a altitude
hG,2 = 5100 m, e dizer que a resposta para a altitude pressão é 5100 m. A decisão é aceitável
se estamos fazendo apenas aproximações. Se, no entanto, precisamos de maior exatidão,
podemos interpolar entre os valores. Usando a interpolação linear, o valor de hG correspon-
dente a p = 5,3 × 10 N/m é:
4 2
A altitude pressão na qual o avião está voando é de 5146,6 m. Observe que, neste exemplo
e nos Exemplos 3.4 e 3.5, estamos interpretando a palavra altitude nas tabelas como a al-
titude geométrica hG, não a altitude geopotencial h. A decisão foi tomada por uma questão
de conveniência, pois hG é tabulada em números redondos, em contraste com a coluna
para h. Mais uma vez, nas altitudes para o voo convencional, a diferença entre hG e h não
é significativa.
Para obter a altitude densidade, calcule a densidade usando a equação de estado:
Mais uma vez, observamos que esse valor de ρ fica entre duas linhas na tabela. Ele cai
entre hG,1 = 5000 m, onde ρ1 = 0,73643 kg/m e hG,2 = 5100 m, onde ρ2 = 0,72851 kg/m
3 3
(observe que esses subscritos denotam linhas diferentes na tabela do que aquelas usadas
na primeira parte deste exemplo. Nunca é bom se tornar escravo dos símbolos e subscritos.
Apenas mantenha em mente a significância do que está fazendo). Poderíamos usar a linha
mais próxima, referente a uma altitude de hG = 5100 m, e dizer que a resposta da altitude
128 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
densidade é 5100 m. Contudo, para maior precisão, vamos interpolar linearmente entre os
dois valores:
Exemplo 3.7
■ Solução
O propósito deste exemplo é mostrar a ambiguidade do uso da altitude temperatura. Primei-
ro, examine apenas a Figura 3.4. Vá à abscissa e encontre T = 240 K. Depois, simplesmente
erga seus olhos. Na escala da figura há três altitudes diferentes com uma temperatura de 240
K. Usando o Apêndice A, essas altitudes são (para a linha mais próxima), 7,4 km, 33 km e
(voltando à Figura 3.4) cerca de 63 km. Obviamente, o avião não pode estar em todas as três
altitudes ao mesmo tempo. Assim, concluímos que a definição de altitude temperatura é de
utilidade limitada.
Nos quatro anos seguintes, foi realizado um esforço para coletar e organizar
dados atmosféricos para serem usados por engenheiros aeronáuticos. Em 1920, o
francês A. Toussaint, diretor do Laboratório de Aerodinâmica em Saint-Cyr-l’Ecole,
França, sugeriu a seguinte fórmula para a redução da temperatura com a altura:
as primeiras tabelas práticas para uma atmosfera padrão para uso aeronáutico. Em
1925, no NACA Report No. TR 218, intitulado (mais uma vez) “Standard Atmos-
phere”, Diehl apresentou tabelas detalhadas de propriedades atmosféricas padrões
em unidades métricas e inglesas. As tabelas estavam em incrementos de 50 m até
uma altitude de 10 km, e depois em incrementos de 100 m até 20 km. Em unidades
inglesas, as tabelas apareciam em incrementos de 100 ft até 32.000 ft e então em in-
crementos de 200 ft até uma altitude máxima de 65.000 ft. Considerando as aerona-
ves da época (ver Figura 1.31), as tabelas com certeza eram suficientes. Além disso,
partindo da fórmula de Toussaint para T até 10.769 m, e então pressupondo que T =
const = −55ºC acima de 10.769 m, Diehl obteve p e ρ precisamente da mesma forma
descrita nas seções anteriores deste capítulo.
Na década de 1940 começaram os primeiros voos de foguete sérios, com o V-2
alemão e o início dos foguetes de sondagem. E os aviões voavam mais alto do que
nunca. Depois, com o advento dos mísseis balísticos intercontinentais nos anos cin-
quenta e o voo espacial nos sessenta, as altitudes começaram a ser citadas em termos
de centenas de milhas, não de pés. Assim, foram criadas novas tabelas de atmosfera
padrão, principalmente para estender as tabelas antigas a altitudes maiores. Uma
tabela popular entre as diversas criadas foi a Atmosfera Padrão ARDC 1959, usada
neste livro e apresentada nos Apêndices A e B. Na prática, as tabelas novas e antigas
concordam entre si com relação às altitudes de maior interesse. Na verdade, é inte-
ressante comparar os valores, como vemos a seguir:
T de Diehl, T de ARDC,
Altitude, m 1925, K 1959, K
0 288 288,16
1000 281,5 281,66
2000 275,0 275,16
5000 255,5 255,69
10.000 223,0 223,26
10.800 218,0 218,03
11.100 218,0 216,66
20.000 218,0 216,66
A atmosfera padrão de Diehl de 1925, pelo menos até 20 km, é tão boa quanto
os valores atuais.
(3.2)
3. Nas regiões isotérmicas da atmosfera padrão, as variações de pressão e densida-
de são dadas por:
(3.9) e (3.10)
(3.12)
(3.13)
onde T = T1 + a (h − h1) e a é a taxa de lapso dada.
5. A altitude pressão é a altitude na atmosfera padrão que corresponde à pressão
ambiente real encontrada em experimentos de voo ou laboratoriais. Por exem-
plo, se a pressão ambiente de um fluxo, independente de onde está ou o que está
2
fazendo, é 393,12 lb/ft , diz-se que o fluxo corresponde à altitude pressão de
40.000 ft (ver Apêndice B). A mesma ideia pode ser usada para definir as altitu-
des densidade e temperatura.
Bibliografia
Minzner, R. A., K. S. W. Champion, and H. L. Pond. The ARDC Model Atmosphere, 1959, Air
Force Cambridge Research Center Report No. TR-59-267, U.S. Air Force, Bedford, MA,
1959.
Problemas
3.1 A 12 km na atmosfera padrão, a pressão, a densidade e a temperatura são 1,9399 × 104
N/m , 3,1194 × 10 kg/m e 216,66 K, respectivamente. Usando esses valores, calcule
2 −1 3
pressão e densidade?
3.3 Durante um voo de ensaio de um novo avião, a piloto manda uma mensagem de rádio
para o solo dizendo que está em voo plano a uma altitude padrão de 35.000 ft. Qual é
a pressão atmosférica ambiente a uma longa distância à frente do avião?
3.4 Considere um avião voando a uma altitude pressão de 33.500 ft e a uma altitude den-
sidade de 32.000 ft. Calcule a temperatura do ar exterior.
3.5 A qual valor da altitude geométrica a diferença h − hG é igual a 2% da altitude geopo-
tencial, h?
3.6 Usando a fórmula de Toussaint, calcule a pressão a uma altitude geopotencial de 5 km.
3.7 A atmosfera de Júpiter é composta basicamente de hidrogênio, H2. Para H2, a constan-
te do gás específico é 4157 J/(kg)(K). A aceleração da gravidade de Júpiter é 24,9 m/
2
s . Pressupondo uma atmosfera isotérmica com uma temperatura de 150 K e pressu-
pondo que Júpiter tem uma superfície definível, calcule a altitude acima dessa super-
fície, onde a pressão é igual à metade da pressão na superfície.
3.8 Um caça supersônico F-15 está em subida rápida. No instante em que atravessa uma
altitude padrão de 25.000 ft, sua taxa temporal de mudança de altitude é de 500 ft/s,
que por definição é a razão de subida discutida no Capítulo 6. Correspondente a essa
Capítulo 3 A atmosfera padrão 133
hidrostática.)
3.12 O Capítulo 8 apresenta uma discussão sobre a entrada de um veículo espacial na
atmosfera terrestre após completar sua missão no espaço. Uma análise aproximada do
movimento do veículo e do aquecimento aerodinâmico durante a entrada atmosférica
pressupõe um modelo atmosférico aproximado chamado de atmosfera exponencial,
na qual presume-se que a variação da densidade do ar com a altitude é:
Até hoje a matemática tem sido bastante inútil no que tange ao voo.
P
ense em um avião voando a uma altitude de 3 km (9840 ft) e a uma velocidade
de 112 m/s (367 ft/s ou 251 mi/h). Em um determinado ponto da asa, a pressão
e a velocidade do fluxo de ar têm valores específicos determinados pelas leis
da natureza. Um dos objetivos da ciência da aerodinâmica é decifrar essas leis e criar
métodos para calcular as propriedades do fluxo. Essas informações, por sua vez, nos
permitem calcular quantidades práticas, como a sustentação e o arrasto sobre o avião.
Outro exemplo é o fluxo através de um motor-foguete de um determinado tamanho e
formato. Se esse foguete está parado na plataforma de lançamento em Cape Canave-
ral e certas quantidades de combustível e comburente são ignitadas, a velocidade de
fluxo e a pressão na tubeira de saída também têm valores específicos determinados
pelas leis da natureza. Os princípios básicos da aerodinâmica nos permitem calcular
a velocidade e a pressão do fluxo de saída, o que, por sua vez, nos permite calcular
o empuxo. Por motivos como esse, o estudo da aerodinâmica é essencial para um
entendimento completo do voo. O objetivo deste capítulo é introduzir as leis e os
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 135
Para começar
Aerodinâmica básica
Equação de continuidade
(massa é conservada) Conceito de camada limite
Camada limite laminar
Equações para
fluxos isentrópicos
Algumas aplicações
Velocidade do som
Túneis de vento de baixa velocidade
Mensuração da velocidade em relação ao ar
Túneis de vento supersônicos
Motores foguete
1. A massa é conservada
2. A segunda lei de Newton (força = massa × aceleração) é verdadeira.
3. A energia é conservada
Quando esses princípios fundamentais são aplicados a um fluxo aerodinâmico, o
resultado é uma série de equações que, em linguagem matemática, afirmam tais prin-
cípios. Neste capítulo, veremos como isso pode ser realizado. Começaremos com o
princípio físico de que a massa é conservada e obteremos uma equação governante
chamada de equação de continuidade, representada pela caixa central na Figura 4.1.
A equação de continuidade afirma, usando símbolos matemáticos, que a massa é
conservada em um fluxo aerodinâmico. A massa é conservada independentemente
do fluxo envolver ou não fricção. Assim, a equação de continuidade se aplica igual-
mente a ambos os tipos de fluxo, motivo pelo qual fica centrada abaixo das duas
caixas superiores na Figura 4.1. A seguir, desceremos pelo lado esquerdo do mapa,
pressupondo um fluxo invíscido. A análise usará a segunda lei de Newton para ob-
ter a equação de momento para um fluxo invíscido, chamada de equação de Euler
(pronuncia-se “óilãr”). Um caso particular da equação de Euler, mas muito impor-
tante, é a famosa equação de Bernoulli. Depois, usaremos o princípio da conservação
de energia para obter a equação de energia de um fluxo. Contudo, como a ciência
da energia é a termodinâmica, antes precisaremos analisar alguns conceitos básicos
desse campo.
Depois de ter as equações básicas à nossa disposição, continuaremos pelo lado
esquerdo da Figura 4.1 com algumas aplicações para os fluxos invíscidos, desde a
velocidade do som até túneis de vento e motores foguete.
Finalmente, passaremos para o lado direito do mapa e analisaremos alguns as-
pectos importantes dos fluxos viscosos. Introduziremos o conceito de uma camada
limite viscosa, a região de fluxo imediatamente adjacente a uma superfície sólida,
na qual a fricção é particularmente dominante. Examinaremos dois tipos de fluxo
viscoso, com naturezas bastante diferentes: o fluxo laminar e o fluxo turbulento; e
também a transição de um fluxo laminar para um fluxo turbulento. Discutiremos o
impacto desses fluxos no arrasto aerodinâmico sobre um corpo. Por fim, veremos
como um fluxo aerodinâmico viscoso pode se erguer (separar) da superfície, o fenô-
meno da separação do fluxo.
Essa introdução foi uma análise mais longa de um mapa relativamente com-
plexo, mas a experiência pessoal do autor mostra que os leitores que estão sendo
apresentados ao mundo da aerodinâmica básica muitas vezes ficam confusos com o
tema. Na realidade, a aerodinâmica é um campo intelectual com uma organizações
maravilhosa, e o mapa da Figura 4.1 foi desenhado para prevenir um pouco dessa
confusão. À medida que avançamos neste capítulo, será importante que você consul-
te esse mapa com frequência para se orientar.
(4.1)
Essa é a massa de gás que se deslocou através da área A1 durante o intervalo dt.
Definição: O fluxo de massa através da área A é a massa que cruza A por unidade de
tempo.
Obviamente, Einstein demonstrou que e = mc2, e, logo, que a massa não é de fato con-
1
servada em situações nas quais a energia é liberada. Entretanto, é preciso uma liberação de
energia tremenda, como aquela que ocorre em uma reação nuclear, para que ocorra qualquer
mudança de massa perceptível. Em geral, não nos preocupamos com esses casos na aerodi-
nâmica prática.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 139
Tubo de corrente
ρ2
ρ1
V2
A2
V1 A1
Além disso, o fluxo de massa através de A2, limitado pelas mesmas linhas de corrente
que atravessam a circunferência de A1, é obtido da mesma maneira:
(4.3)
O fluxo incompressível é um mito. Ele jamais pode ocorrer na natureza, como vimos
anteriormente. Entretanto, para os fluxos nos quais a variação real de ρ é ínfima, é
conveniente pressupor que ρ é constante para simplificar nossa análise (na verda-
de, fazer pressupostos idealizados é uma atividade cotidiana na engenharia e nas
2
Em estudos mais avançados de aerodinâmica, você descobrirá que a definição de fluxo in-
compressível é dada por uma afirmação mais geral. Para os fins deste livro, consideraremos o
fluxo incompressível como sendo um fluxo de densidade constante.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 141
então
ciências físicas, pois torna os sistemas mais abertos à análise. Entretanto, é preciso
sempre tomar cuidado para não aplicar os resultados obtidos de tais idealizações a
problemas reais nos quais tais pressupostos são incrivelmente imprecisos ou inade-
quados). O pressuposto do fluxo incompressível é uma aproximação excelente para
o fluxo de líquidos como a água e o óleo. Além disso, o fluxo de baixa velocidade
do ar, no qual V < 100 m/s (ou V < 225 mi/h), também pode ser aproximado como
incompressível. Uma consulta à Figura 1.30 mostra que tais velocidades eram o do-
mínio de quase todos os aviões construídos entre o Wright Flyer (1903) e o final da
década de 1930. Assim, o desenvolvimento inicial da aerodinâmica sempre lida com
fluxos incompressíveis, e é por esse motivo que uma grande quantidade de textos so-
bre fluxos incompressíveis acompanha a tecnologia. Ao final deste capítulo, seremos
capazes de provar por que é seguro pressupor que o fluxo de ar em uma velocidade
menor que 100 m/s é incompressível.
Ao resolver e examinar fluxos aerodinâmicos, você está constantemente distin-
guindo entre fluxos incompressíveis e compressíveis. É importante desenvolver esse
hábito desde já, pois há diferenças quantitativas e qualitativas marcantes entre os
dois tipos de fluxo.
Uma digressão: para o fluxo incompressível, a Equação (4.3) explica por que
todos os bicos de mangueiras comuns têm formas convergentes, como mostrado na
Figura 4.5. Da Equação (4.3):
Se A2 é menor que A1, então a velocidade aumenta à medida que a água flui pelo bico,
como desejado. O mesmo princípio é usado no projeto de tubeiras de túneis de vento
subsônicos projetados para testes aerodinâmicos, como veremos na Seção 4.10.
Exemplo 4.1
Considere um duto convergente com área de entrada A1 = 5 m2. O ar entra por esse duto com
velocidade de V1 = 10 m/s e escapa pela saída com velocidade de V2 = 30 m/s. Qual é a área
da saída do duto?
142 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
■ Solução
Como as velocidades do fluxo são menores do que 100 m/s, podemos pressupor um fluxo
incompressível. Da Equação (4.3):
Exemplo 4.2
ρ2 na saída.
■ Solução
Uma velocidade de entrada de 700 ft/s é um fluxo de alta velocidade, e pressupomos que o flu-
xo precisa ser tratado como compressível. Isso implica no valor resultante de ρ2 ser diferente
de ρ1. Da Equação (4.2):
ou:
Observação: o valor de ρ2 é, de fato, diferente de ρ1, o que indica claramente que o fluxo nesse
exemplo é um fluxo compressível. Se o fluxo fosse essencialmente incompressível, o cálculo
de ρ2 da Equação (4.2) teria produzido um valor basicamente igual a ρ1. Mas esse não é o
caso. Lembre-se de que a Equação (4.2) é mais geral do que a (4.3). A Equação (4.2) se aplica
a ambos os tipos de fluxo, compressível e incompressível; a Equação (4.3) somente é válida
para fluxos incompressíveis.
Lembrete: nesse exemplo, e em todos os exemplos resolvidos neste livro, usamos uni-
dades consistentes nos cálculos. Assim, não precisamos mostrar explicitamente todas as uni-
dades de cada termo dos cálculos matemáticos, pois sabemos que a resposta obtida usará as
mesmas unidades consistentes. Nesse exemplo, o cálculo envolve a equação de continuidade;
A1 e A2 são dados em ft , V1 e V2 em ft/s e ρ1 em slug/ft . Quando esses números são inseridos
2 3
na equação, sabemos que a resposta para ρ2 estará em slug/ft . O valor precisa ser dado dessa
3
forma porque sabemos que a unidade consistente para densidade no sistema de engenharia
3
inglês é slug/ft .
rrente
de co
Linha
e fazem com que se mexam. Assim, deve haver alguma relação entre pressão e velo-
cidade, e tal relação é derivada nesta seção.
Mais uma vez, precisamos reafirmar uma lei fundamental da física, a saber, a
segunda lei de Newton.
Princípio da física:
ou: F = ma (4.4)
Para aplicar esse princípio a um fluido, considere um elemento de fluido infinite-
simalmente pequeno movendo-se ao longo de uma linha de corrente com velocidade
V, como mostrado na Figura 4.6. Em um dado instante, o elemento está localizado no
ponto P. O elemento se move na direção x, na qual o eixo x está orientado paralela-
mente à linha de corrente no ponto P. Os eixos y e z são mutuamente perpendiculares
a x. O elemento de fluido é infinitesimalmente pequeno. Contudo, analisando-o com
uma lente de aumento, vemos a imagem mostrada na parte superior direita da Figura
4.6. O que é a força sobre esse elemento? Fisicamente, a força é uma combinação de
três fenômenos:
1. Pressão atuando em uma direção normal sobre todas as seis faces do elemento.
2. Tensão de cisalhamento friccional atuando tangencialmente sobre todas as seis
faces do elemento.
3. Gravidade atuando sobre a massa dentro do elemento.
Por ora, ignoraremos a presença das forças friccionais; além disso, a gravidade nor-
malmente contribui pouco para a força total. Assim, pressuporemos que a única fonte
de força sobre o elemento de fluido é a pressão.
Para calcular essa força, digamos que as dimensões do elemento de fluido são
dx, dy e dz, como vemos na Figura 4.6. Considere as faces esquerda e direita, que
são perpendiculares ao eixo x. A pressão sobre o lado esquerdo é p. A área da face
esquerda é dy dz; assim, a força sobre a face esquerda é p(dy dz). Essa força está na
direção positiva x. Agora lembre-se de que a pressão varia entre os pontos no fluxo.
144 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ou: (4.5)
(4.6)
Além disso, a aceleração a do elemento de fluido é, pela definição da aceleração
(taxa de mudança da velocidade), a = dV/dt. Observando que, também por definição,
V = dx/dt, podemos escrever que:
(4.7)
ou: (4.8)
Figura 4.7 Dois pontos em locais diferentes ao longo de uma linha de corrente.
(4.9a)
(4.9b)
4.4 Um comentário
É importante fazer uma distinção filosófica entre a natureza da equação de estado,
a Equação (2.3), e as equações de fluxo de continuidade, a Equação (4.2), e de mo-
mento, como a Equação (4.9a). A equação de estado relaciona p, T e ρ um ao outro
no mesmo ponto; as equações de fluxo, por outro lado, relacionam ρ e V (como na
equação de continuidade) e p e V (como na equação de Bernoulli) em um ponto do
fluxo com as mesmas quantidades em outro ponto do fluxo. Essa é uma diferença
básica que precisa ser mantida em mente quando solucionamos problemas aerodi-
nâmicos.
Exemplo 4.3
Considere um aerofólio (a seção transversal de uma asa, como mostrado na Figura 4.7)
em um fluxo de ar. Em uma longa distância à frente (ascendente) do aerofólio, pressão,
2 3
velocidade e densidade são 2116 lb/ft , 100 mi/h e 0,002377 slug/ft , respectivamente. Em
2
um determinado ponto A sobre o aerofólio, a pressão é 2070 lb/ft . Qual é a velocidade no
ponto A?
■ Solução
Primeiro, precisamos lidar com unidades consistentes; V1 = 100 mi/h não está em unidades
consistentes. Contudo, uma correlação conveniente a ser lembrada é que 60 mi/h = 88 ft/s.
Logo, V1 = 100(88/60) = 146,7 ft/s. Essa velocidade é baixa o suficiente para podermos pres-
supor um fluxo incompressível. Logo, a equação de Bernoulli, a Equação (4.9), é válida:
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 147
Assim:
Exemplo 4.4
a pressão na saída.
■ Solução
Primeiro, é preciso obter a densidade. Da equação de estado:
Exemplo 4.5
Considere um pino comprido com uma seção transversal semicircular como aquele apresen-
tado na Figura 4.8a. O pino está imerso em um fluxo de ar, com seu eixo perpendicular ao
fluxo, como mostrado em perspectiva na Figura 4.8a. A seção arredondada do pino está de
frente para o fluxo, como mostrado na Figura 4.8a e 4.8b. Essa seção arredondada do pino é
chamada de face frontal. O raio da seção transversal semicircular é de R = 0,5 ft. A velocidade
do fluxo distante e à frente do pino (chamado de fluxo livre) é V∞ = 100 ft/s. Pressuponha um
fluxo invíscido, ou seja, ignore o efeito da fricção. A velocidade do fluxo ao longo da super-
fície da face frontal arredondada do pino é uma função do local sobre a superfície; o local é
denotado pelo ângulo θ na Figura 4.8b. Assim, ao longo da superfície arredondada frontal, V
= V(θ). A variação é dada por:
V = 2 V∞ sen θ (E4.5.1)
148 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
( p ds) cosθ
θ
pd
s
ds
V∞ = 100 ft ⁄s
t
1f
R
(a) (e)
Face
frontal Face p(1)
V∞ = 100 ft ⁄s traseira ds ds
θ
p∞ = 2116 lb ⁄ ft2 R = 0,5 ft
t
1f
(b) (f)
π
2
p = p(θ )
θ
Rd
V∞ θ
=
D θ dy
ds
p R
−π dθ
2
(c) (g)
y
b
p
R
ds
θ
dy
pB DF DB
a
(d ) (h)
Figura 4.8 Diagramas para a construção da força aerodinâmica sobre um pino (Exem-
plo 4.5).
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 149
(E4.5.2)
onde p∞ e ρ∞ são a pressão e a densidade, respectivamente, no fluxo livre, distante e à frente
do pino. A densidade do fluxo livre é dada por ρ∞ = 0,002378 slug/ft . Calcule a força aerodi-
3
nâmica exercida pela distribuição de pressão superficial (ilustrada na Figura 4.8c) sobre um
segmento de 1 ft do pino, mostrado pela seção sombreada na Figura 4.8a.
■ Solução
Para essa solução recorremos às discussões nas Seções 2.2 e 4.3. Examine a Figura 4.8c. De-
vido à simetria da seção transversal semicircular, a distribuição de pressão sobre a superfície
superior é a imagem espelhada daquela sobre a inferior; ou seja, p = p(θ) para 0 ≤ θ ≤ π/2 é
o mesmo que p = p(θ) para 0 ≥ θ ≥ −π/2. Devido a essa simetria, não há força líquida sobre a
seção transversal na direção perpendicular ao fluxo livre; ou seja, a força gerada pela pressão
que empurra contra a superfície superior é cancelada pela força igual e oposta gerada pela
pressão que empurra contra a superfície inferior. Assim, por causa dessa simetria, a força
aerodinâmica resultante é paralela à direção do fluxo livre. A força aerodinâmica resultante é
ilustrada pela seta D na Figura 4.8c.
Antes de inserir os números em nosso cálculo, obtemos uma fórmula analítica para D
em termos de V∞ e R, como veremos a seguir. Nossos cálculos seguirão uma série de passos
lógicos.
Passo Um: cálculo da força gerada pela pressão que atua sobre a face frontal.
Agora vamos integrar a distribuição de pressão sobre a área superficial da face frontal. Cria-
remos uma expressão para a força de pressão que atua sobre um elemento infinitesimalmen-
te pequeno da área superficial, tomaremos o componente dessa força na direção de fluxo
horizontal (a direção de V∞ na Figura 4.8) e então integraremos essa expressão sobre a área
superficial da face frontal. Considere o segmento de comprimento do arco infinitesimal da
superfície ds e a pressão p exercida localmente sobre esse segmento, como mostrado no
desenho da Figura 4.8d. Uma ampliação desse segmento aparece na Figura 4.8e. Da Figura
4.8a, lembre-se de que desejamos calcular a força aerodinâmica sobre uma seção de 1 ft do
pino, como mostrado pela região sombreada da Figura 4.8a. Como parte da região som-
breada, considere uma pequena fatia de uma área de largura ds e comprimento igual a 1 ft
sobre a face curva do pino, como mostrado na Figura 4.8f. A área superficial dessa fatia é 1
ds. A força gerada pela pressão p sobre essa área é p(1) ds = p ds. Essa força é apresentada na
Figura 4.8e, atuando de forma perpendicular ao segmento ds. O componente dessa força na
direção horizontal é (p ds) cos θ, também mostrada na Figura 4.8e. Da construção geométri-
ca mostrada na Figura 4.8g, temos:
(E4.5.3)
e a projeção vertical de ds, denotada por dy, é dada por:
(E4.5.4)
150 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
(E4.5.5)
Vamos deixar a Equação (E4.5.5) de lado temporariamente. Ela será usada mais tarde, no Pas-
so dois deste cálculo. A Equação (E4.5.3), no entanto, será usada imediatamente.
Considerando a Equação (E4.5.3), a força horizontal (p ds)cos θ na Figura 4.8e pode ser
expressa como:
(E4.5.6)
Voltando à Figura 4.8c, vemos que a força horizontal líquida exercida pela distribuição de
pressão sobre a face frontal arredondada é a integral da Equação (E4.5.6) sobre a superfície
frontal. Denote essa força por DF.
(E4.5.7)
ou: (E4.5.8)
Observação: podemos usar a equação de Bernoulli para essa solução por que a velocidade
do fluxo livre de V∞ = 100 ft/s é baixa, então não há dificuldades em pressupor que o fluxo
é incompressível. Além disso, como ρ é constante, o valor de ρ na Equação (E4.5.8) é o
mesmo que ρ∞ no fluxo livre. Inserindo a Equação (E4.5.8) na Equação (E4.5.7), temos:
(E4.5.9)
Lembre-se de que a variação da velocidade superficial é dada pela Equação (E4.5.1), repetida
aqui:
(E4.5.1)
Inserindo a Equação (E4.5.1) na Equação (E4.5.9), temos:
ou: (E4.5.10)
Vamos deixar essa expressão para DF de lado por um instante; voltaremos a ela em breve.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 151
Passo Dois: cálculo da força gerada pela pressão que atua sobre a face traseira.
Aqui vamos integrar a distribuição de pressão sobre a área superficial da face traseira. Seme-
lhante ao que fizemos no Passo Um, elaboraremos uma expressão para a força de pressão que
atua sobre um elemento infinitesimalmente pequeno da área superficial e então integraremos
essa expressão sobre a área superficial da face traseira.
Voltando à Figura. 4.8c, fixamos nossa atenção na pressão sobre a face traseira da seção
transversal pB. Essa pressão exerce uma força DB sobre o segmento de 1 ft do pino, como
vemos na Figura 4.8h. A força DB atua na esquerda, contrária à direção de DF. A pressão pB é
constante sobre a face traseira. A área retangular do segmento de 1 ft da face traseira é (1)(2R).
Como pB é constante sobre essa face traseira, podemos escrever diretamente:
(E4.5.11)
Entretanto, como a força aerodinâmica resultante sobre a seção transversal é dada por DF −
DB, como visto na Figura 4.8h, e como DF é expresso em termos de uma integral na Equação
(E4.5.10), será conveniente expressar DB também em termos de uma integral, como veremos a
seguir. Voltando à Figura 4.8d, consideramos um segmento da área superficial traseira de altu-
ra dy sobre a qual pB é exercida. Sobre um segmento de 1 ft do pino (perpendicular à página na
Figura 4.8d), a área de uma pequena fatia de superfície é 1 dy e a força sobre essa fatia é pB(1)
dy. A força total sobre a superfície traseira é obtida pela integração com relação a y do ponto a
ao ponto b, como vemos na Figura 4.8d:
(E4.5.12)
Contudo, lembre-se de que segundo a Equação (E4.5.5), dy = R cosθ dθ. Logo, a Equação
(E4.5.12) se torna:
(E4.5.13)
Observe que as Equações (E4.5.13) e (E4.5.11) são ambas expressões válidas para DB, elas
apenas parecem diferentes. Para deixar essa semelhança mais evidente, execute a integração
na Equação (E4.5.13); você vai obter o resultado na Equação (E4.5.11). Lembre-se também
que pB é dado pela Equação (E4.5.2), repetida aqui (e retirando o subscrito ∞ sobre ρ porque
ρ é constante):
(E4.5.2)
Assim, a Equação (E4.5.13) se torna:
(E4.5.14)
CAIXA DE PROJETO
Os resultados do Exemplo 4.5 ilustram certos as- (a) Diretamente proporcional à densidade
pectos importantes para o contexto geral do pro- do fluido ρ.
jeto de aviões: (b) Diretamente proporcional ao quadrado
da velocidade do fluxo livre: D α V2∞.
1. Eles reforçam uma ideia importante apresen-
(c) Diretamente proporcional ao tamanho
tada na Seção 2.2, a saber, que a força aero-
do corpo, como refletido pelo raio R.
dinâmica resultante exercida sobre qualquer
objeto imerso em um fluido se deve apenas à Esses resultados não são específicos ao pino do
integração líquida da distribuição de pressão Exemplo 4.5; sua aplicação é muito mais geral.
e da distribuição da tensão de cisalhamento No Capítulo 5, veremos que a força aerodinâmica
exercidas sobre toda a superfície do corpo. sobre aerofólios, asas e aviões inteiros é, na ver-
No Exemplo 4.5, pressupomos que o fluxo dade, proporcional a ρ∞,V2∞, e ao tamanho do cor-
era invíscido, ou seja, ignoramos o efeito po quando este é especificado em termos de área
da fricção. Assim, a força aerodinâmica re- superficial. (Na Equação E4.5.17, R na verdade
sultante se deve apenas ao efeito integrado representa uma área igual a R[1] para a unidade
da distribuição de pressão sobre a superfície de comprimento do pino sobre a qual a força ae-
corporal. Foi exatamente assim que calcula- rodinâmica é calculada.) É interessante observar
mos a força sobre o pino no Exemplo 4.5, que a Equação (E4.5.17) não contém a pressão
integrando a distribuição de pressão sobre a de corrente livre p∞. Na verdade, p∞ é cancelada
superfície do pino. Se em vez de um pino ti- em nossa derivação da Equação (E4.5.17). Essa
véssemos lidado com um Boeing 747, a ideia simplesmente não é uma característica do pino
teria sido a mesma. No projeto de aviões, usado no Exemplo 4.5; em geral, veremos no
o formato da aeronave é influenciado pelo Capítulo 5 que não precisamos do valor explícito
desejo de criar uma distribuição de pressão da pressão de corrente livre para calcular a força
superficial que minimiza o arrasto ao mesmo aerodinâmica sobre um veículo de voo, apesar de
tempo em que cria a quantidade necessária que a força aerodinâmica se deve fundamental-
de sustentação. Voltaremos a essa ideia bási- mente (em parte) à distribuição de pressão sobre
ca diversas vezes ao longo deste livro. a superfície. No resultado final, é sempre o valor
2. A Equação (E4.5.17) mostra que a força ae- da densidade de corrente livre ρ∞ que aparece nas
rodinâmica sobre o corpo é: expressões de força aerodinâmica, não p∞.
Voltando à Figura 4.8h, vemos que a força aerodinâmica resultante D é dada por:
DB (E4.5.15)
Inserindo as Equações (E4.5.10) e (E4.5.14) na Equação (E4.5.15), temos:
(E4.5.16)
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 153
Combinando as duas integrais na Equação (E4.5.16) e observando que os dois termos envol-
vendo p∞ se cancelam, temos:
Destacando o resultando anterior, acabamos de derivar uma expressão analítica para a força
aerodinâmica D, por unidade de comprimento do pino. Ela é dada por:
(E4.5.17)
Colocando os números dados pelo problema, onde ρ = ρ∞ = 0,002378 slug/ft3, V∞ = 100 ft/s e
R = 0,5 ft, obtemos, da Equação (E4.5.17):
Contorno
Sistema
(massa unitária de gás) Arredores
tiver dificuldade para entendê-lo, não se preocupe: você não está sozinho. A termo-
dinâmica é um tema amplo e complexo, e esta seção introduz apenas algumas ideias
e equações básicas. Encare esta seção e as próximas como um desafio intelectual e
estude-as com a mente aberta.
A pedra fundamental da termodinâmica é uma relação conhecida como primeira
lei, uma observação empírica dos fenômenos naturais que pode ser desenvolvida como
veremos a seguir. Considere uma massa fixa de gás (por uma questão de conveniência,
digamos que é uma massa unitária) contida dentro de um limite flexível, como mostrado
na Figura 4.9. Essa massa é chamada de sistema, e tudo fora do contorno é chamado de
arredores. Agora, assim como ocorreu no Capítulo 2, considere que o gás que compõe o
sistema é composto de moléculas individuais que se movem aleatoriamente. A soma da
energia desse movimento molecular, levando-se em conta todas as moléculas do siste-
ma, é chamada de energia interna do sistema. Vamos considerar que e denota a energia
interna por unidade de massa do gás. Os únicos meios de aumentar (ou diminuir) e são:
1. Calor é adicionado ao sistema (ou retirado dele). Esse calor vem dos arredores
e é adicionado ao sistema por meio do contorno. O símbolo δq representa uma
quantidade incremental de calor adicionada por unidade de massa.
2. Trabalho é realizado sobre o sistema (ou por ele). Esse trabalho pode se manifes-
tar pelo contorno do sistema sendo direcionado para dentro (trabalho realizado
sobre o sistema) ou para fora (trabalho realizado pelo sistema). O símbolo δw
representa uma quantidade incremental de trabalho realizado sobre o sistema
por unidade de massa.
Além disso, de representa a mudança correspondente de energia interna por uni-
dade de massa. A seguir, usando o mero senso comum, confirmado por resultados
laboratoriais, podemos escrever que:
(4.10)
Sistema
Superfície
de contorno
(4.11)
Agora imagine que muitas áreas de superfície elementar do tipo mostrado na Fi-
gura 4.10 estão distribuídas sobre a área de superfície total A do contorno. Imagine
também que todas as superfícies elementares estão sendo deslocadas simultanea-
mente por uma distância s para dentro do sistema. Nesse caso, o trabalho total δw
realizado sobre a unidade de massa de gás dentro do sistema é a soma (integral) de
cada superfície elementar sobre o contorno como um todo; posto de outro modo,
da Equação (4.11):
(4.12)
(4.13)
(4.14)
(4.15)
(4.16)
(4.17)
onde pv = RT, pressupondo um gás perfeito. Assim, diferenciando a definição na
Equação (4.17), temos:
(4.18)
Inserindo a Equação (4.18) na (4.16), obtemos:
(4.19)
Pressuponha que o
Calor pistão está se
adicionado movendo exatamente
de modo a manter
p constante
sistema, T e v (e, logo, ρ) mudam. Por definição, tais mudanças ocorrem sob uma
pressão constante, tornando este um processo de pressão constante. A termodinâmica
trata de muitos tipos diferentes de processos, e esses são apenas dois deles.
O último conceito a ser introduzido nesta seção é o calor específico. Considere
um sistema ao qual uma pequena quantidade de calor δq é adicionada. A adição
de δq causará uma pequena mudança de temperatura dT no sistema. Por definição,
calor específico é o calor adicionado por unidade de mudança de temperatura do
sistema. Considere que c denota o calor específico. Assim:
ou: (4.20)
Por outro lado, se δq é adicionado a uma pressão constante e causa uma mudança
de temperatura dT (cujo valor é diferente da dT anterior), o calor específico a uma
pressão constante cp é definido como:
ou: (4.21)
158 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
(4.22)
Inserindo a definição de cv, a Equação (4.20), na Equação (4.22), obtemos:
(4.23)
Pressupondo que cv é uma constante, o que é razoável para o ar sob condições nor-
mais, e com e = 0 quando T = 0, podemos integrar a Equação (4.23) para:
(4.24)
(4.25)
Inserindo a definição de cp, a Equação (4.21), na Equação (4.25), obtemos:
(4.26)
(4.27)
As Equações (4.23) a (4.27) são relações muito importantes. Elas foram deriva-
das da primeira lei, na qual foram inseridas as definições de calor específico. Olhe
para elas! As equações relacionam apenas as variáveis termodinâmicas (e a T e h a
T), sem fazer menção a trabalho e calor. Na verdade, as Equações (4.23) a (4.27) são
bastante gerais. Apesar de usarmos exemplos de volume constante e pressão constan-
te para obtê-las, elas são válidas em geral desde que o gás seja um gás perfeito (sem
forças intermoleculares). Assim, para qualquer processo:
Essa generalização das Equações (4.23) a (4.27) para qualquer processo pode não
parecer lógica e pode ser difícil de aceitar; ainda assim, ela é válida, como pode ser
demonstrado por bons argumentos termodinâmicos que vão além do escopo deste
livro. No restante de nossas discussões, faremos uso frequente dessas equações para
relacionar a energia interna e a entalpia à temperatura.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 159
Exemplo 4.6
Calcule a energia interna e a entalpia, por unidade de massa, para o ar em condições padrão ao
nível do mar em (a) unidades SI e (b) unidades de engenharia inglesas. Para o ar em condições
padrão, cv = 720 J/(kg)(K) = 4290 ft · lb/(slug)(ºR) e cp = 1008 J/(kg)(K) = 6006 ft · lb/(slug)(ºR).
■ Solução
Ao nível do mar padrão, a temperatura do ar é:
Observação: para um gás perfeito, e e h são funções apenas da temperatura, como enfatizado
no exemplo resolvido. Se você conhece a temperatura do gás, é possível calcular diretamente e
e h a partir das Equações (4.24) e (4.27). Você não precisa se preocupar se o gás está sofrendo
um processo de volume constante, de pressão constante ou seja lá o que for. A energia interna
e a entalpia são variáveis de estado, ou seja, propriedades que dependem apenas do estado do
local do gás como descrito, nesse caso, pela temperatura dada do gás.
Exemplo 4.7
adicionados ao sistema. Calcule a energia interna do ar após o trabalho ser realizado e o calor
ser adicionado.
■ Solução
O exemplo é quase trivial, mas seu objetivo é ilustrar o uso da primeira lei da termodinâmica.
A Equação (4.10) é expressa em termos de quantidades infinitesimalmente pequenas de calor
adicionado, δq, e trabalho realizado, δw. Ela é válida, no entanto, para quaisquer quantidades
de calor e trabalho. Considere que o símbolo ΔW representa a quantidade total de trabalho
realizada sobre o sistema, ΔQ representa o calor total adicionado ao sistema e ΔE representa
a mudança finita resultante na energia interna. A primeira lei da termodinâmica, a Equação
(4.10), pode ser expressa como:
(4.7.1)
160 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Nesse exemplo, nada é dito sobre os processos pelos quais o calor é adicionado e o trabalho
é realizado sobre o sistema. Como os valores do trabalho e do calor são dados no enunciado,
não foi preciso especificar o processo. Mais tarde, veremos que para calcular Δw e Δq a partir
de outras mudanças no sistema, precisamos especificar o tipo de processo. Ambos Δw e Δq
dependem do processo. Nesse exemplo, no entanto, sabemos de antemão os valores de ΔW
e ΔQ. Isso é tudo que a primeira lei da termodinâmica alcança, e tudo que é necessário para
obter a mudança em energia interna, Δ E = E2 – E1.
Um processo reversível é aquele no qual não ocorrem efeitos friccionais ou outros efeitos
dissipativos.
Outros fluxos aerodinâmicos também podem ser tratados como isentrópicos, como
os fluxos por tubeiras de túneis de vento e motores foguete.
Observe que apesar de o fluxo ser adiabático, a temperatura não precisa ser
constante. Na verdade, a temperatura do elemento de fluido pode variar entre os
pontos do fluxo compressível adiabático. Isso ocorre porque o volume do elemento
de fluido (de massa fixa) muda à medida que ele se move por regiões de densidades
diferentes ao longo da linha de corrente; quando o volume varia, o elemento realiza
um trabalho (Equação 4.15), o que significa que a energia interna muda (Equação
4.10) e, logo, que a temperatura muda (Equação 4.23). O argumento é válido para
fluxos compressíveis, nos quais a densidade é variável. Em fluxos incompressíveis,
por outro lado, nos quais ρ = constante, o volume do elemento de fluido de massa
fixa não muda à medida que ele se move ao longo da linha de corrente; logo, o
elemento não realiza trabalho e sua temperatura não muda. Se o fluxo sobre o aero-
fólio na Figura 4.7 fosse incompressível, todo o campo de fluxo teria temperatura
constante. É por isso que a temperatura não é uma quantidade importante para
fluxos incompressíveis sem fricção. Além disso, nossa análise atual sobre fluxos
isentrópicos é relevante somente para fluxos compressíveis, como será explicado
a seguir.
Um processo isentrópico não é apenas mais uma definição. Ele nos oferece di-
versas relações importantes entre as variáveis termodinâmicas T, p e ρ em dois pontos
diferentes (por exemplo, os pontos 1 e 2 na Figura 4.7) ao longo de uma determinada
linha de corrente. A seguir, explicamos como essas relações são obtidas. Como o fluxo
é isentrópico (adiabático e reversível), δq = 0. Assim, da Equação (4.16):
(4.28)
Insira a Equação (4.23) na (4.28):
(4.29)
Da mesma forma, usando o fato de que δq = 0 na Equação (4.19), também obtemos:
(4.30)
Insira a Equação (4.26) na (4.30):
(4.31)
Divida a Equação (4.29) pela (4.31):
ou: (4.32)
A razão dos calores específicos cp/cv aparece com tanta frequência em equações de
fluxos compressíveis que recebe um símbolo próprio, geralmente γ; cp/cv ≡ γ. Para o
162 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ar em condições normais, que existe para as aplicações tratadas neste livro, cp e cv são
constantes, então γ = constante = 1,4 (para o ar). Além disso, cp/cv ≡ γ = 1,4 (para o ar
sob condições normais). Assim, a Equação (4.32) pode ser escrita como:
(4.33)
(4.34)
(4.35)
ou: (4.36)
(4.37)
As relações dadas na Equação (4.37) são poderosas. Elas fornecem informações im-
portantes para p, T e ρ entre dois pontos diferentes em uma linha de corrente em um
fluxo isentrópico. Além disso, se todas as linhas de corrente emanam de um fluxo
uniforme distante e ascendente (extrema esquerda na Figura 4.7), então a Equação
(4.37) é válida para quaisquer dois pontos no fluxo, não necessariamente aqueles na
mesma linha de corrente.
Enfatizamos mais uma vez que as relações de fluxo isentrópico, Equação (4.37),
são relevantes apenas para os fluxos compressíveis. Por outro lado, o pressuposto de
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 163
Exemplo 4.8
■ Solução
A pressão e temperatura do ar, p1 e T1, em um ponto distante da asa correspondem ao nível do
mar padrão. Logo, p1 = 1,01 × 10 N/m e T1 = 288,16 K. Pressuponha que o fluxo é isentrópico
5 2
(e, logo, compressível). Nesse caso, a relação entre os pontos 1 e 2 é obtida pela Equação (4.37):
Exemplo 4.9
■ Solução
Da Equação (4.36):
Pergunta: atmosferas é uma unidade não consistente de pressão. Por que não convertemos p1
2
e p2 para N/m antes de inseri-los na Equação (4.36)? A resposta é que p1 e p2 aparecem como
uma razão no cálculo anterior; a saber, p1/p2. Desde que usemos as mesmas unidades para o
numerador e o denominador, a razão tem o mesmo valor, independente de quais unidades são
utilizadas. Para prová-lo, vamos converter as atmosferas para as unidades consistentes de N/
2
m . Uma atmosfera é, por definição, a pressão ao nível do mar. Segundo a listagem das pro-
priedades do nível do mar na Seção 3.4, vemos que:
Assim:
Da Equação (4.36):
Exemplo 4.10
Um cilindro com um pistão movendo-se dentro dele, como aquele considerado no Exemplo
4.7, é o mecanismo de produção de energia básico no motor convencional usado na maioria
dos automóveis e em muitos pequenos aviões de aviação geral. O princípio básico do motor
alternativo está descrito na Seção 9.3, e os elementos do ciclo de motor de quatro tempos são
apresentados na Figura 9.11. Sem se preocupar com os detalhes (que você poderá digerir e
aproveitar com calma quando estudar o Capítulo 9), observe apenas que os quatro percursos
são admissão, compressão, energia e expansão. Em especial, observe a Figura 9.11b, que
ilustra o percurso de compressão. No início do percurso de compressão, o pistão está na parte
inferior do cilindro, que por sua vez está cheio da mistura gás-ar. Denote o volume dessa mis-
tura por V2. Depois que o pistão avançou sua distância máxima em direção ao topo do cilindro
ao final do percurso de compressão, o volume da mistura gás-ar acima do pistão é V3. Por
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 165
■ Solução
Denote as condições no início do percurso de compressão pelo 2 subscrito e as condições do
final do percurso pelo 3 subscrito. Da Equação (4.37) e da definição de volume específico, v,
na Seção 2.5, temos:
(E 4.10.1)
O volume específico é o volume por unidade de massa. Como a massa dentro do cilindro é
constante durante o percurso de compressão, podemos escrever v2/v3 = V2/V3. Logo, da Equa-
ção (E 4.10.1), temos:
(E 4.10.2)
Observação: como estamos lidando com as razões na equação, podemos usar a unidade não
consistente de atmosferas para calcular a pressão, ou seja, p2 = 1 atm, e:
ou:
166 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
a esse elemento fluido. Lembre-se de que uma forma alternativa da primeira lei se
encontra na Equação (4.19):
(4.38)
Lembrando da Equação de Euler, Equação (4.8):
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 167
(4.39)
Entretanto, v = 1/ρ; logo, a Equação (4.39) se torna:
(4.40)
Integrando a Equação (4.40) entre dois pontos ao longo da linha de corrente, obtemos:
(4.41)
A Equação (4.41) é a equação de energia para o fluxo adiabático sem fricção. Pode-
mos escrevê-la em termos de T usando a Equação (4.27), h = cpT. Assim, a Equação
(4.41) se torna:
(4.42)
Exemplo 4.11
■ Solução
Como o problema lida com temperaturas e velocidades, a equação de energia parece ser
útil.
a. Da Equação (4.42), escrita entre o reservatório e a garganta:
c. A equação básica que lida com o fluxo de massa e a área é a equação de continuidade,
Equação (4.2). Observe que as velocidades certamente são grandes o suficiente para que con-
sideremos o fluxo compressível, então a Equação (4.2), não a Equação (4.3), é apropriada:
ou:
Acima, é dado e V* é conhecido da parte a. Entretanto, ρ* deve ser obtido antes que possa-
mos calcular A* como desejado. Para obter ρ*, observe que, da equação de estado:
Pressupondo que o fluxo da tubeira é isentrópico, o que representa uma boa aproximação do
caso real, a Equação (4.37) nos informa que:
Assim:
ou:
Exemplo 4.12
■ Solução
Esse exemplo é idêntico ao Exemplo 4.3, exceto pela velocidade ser de 500 mi/h, alta o su-
ficiente para termos que tratar o fluxo como compressível, ao contrário do que acontece no
exemplo anterior, no qual lidamos com um fluxo incompressível. Como o fluxo é isentrópico,
podemos usar a Equação (4.37) avaliada entre a corrente livre e o ponto A:
ou:
Logo:
Partindo da equação de energia, a Equação (4.42), avaliada entre a corrente livre e o ponto A,
e observando que V∞ = 500(88/60) = 733,3 ft/s, temos:
ou:
Observação: o procedimento de cálculo para esse problema, no qual lidamos com um fluxo
compressível, é completamente diferente daquele usado no Exemplo 4.3, no qual lidávamos
170 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Exemplo 4.13
Considere o Ônibus Espacial (ver Figuras 2.24, 8.6 e 8.48) voltando para a Terra após
completar uma missão em órbita. Em um determinado ponto de sua trajetória de reentrada
na atmosfera, sua velocidade é de 6,4 km/s a uma altitude de 60 km. Em algum ponto da
superfície inferior, próximo ao nariz do veículo, a velocidade de fluxo é zero. Esse ponto
é definido como o ponto de estagnação. Em geral, o ponto de estagnação é o local da tem-
peratura máxima no fluxo. O fluxo ao longo da linha de corrente que sai da corrente livre
e passa pelo ponto de estagnação é chamado de linha de corrente de estagnação. O fluxo
ao longo dessa linha de corrente, assim como através do campo de fluxo, é adiabático;
nenhum mecanismo externo adiciona ou retira calor de um elemento de fluido que se move
ao longo da linha de corrente. (A única exceção é quando a temperatura do elemento de
fluido aumenta tanto que ele perde energia significativa por radiação, mas esse fenômeno
não é importante na reentrada atmosférica do Ônibus Espacial.) Pressupondo um calor
específico constante de cp = 1008 J/(kg)(K), calcule a temperatura do ar no ponto de estag-
nação. (O pressuposto do calor específico constante é razoável nesse problema? A questão
será discutida no final do exemplo.)
■ Solução
Na Equação (4.42), o ponto 1 denota a corrente livre e o ponto 2 denota o ponto de estagnação.
A temperatura da corrente livre pode ser obtida da tabela de altitude padrão do Apêndice A.
Observe que a tabulação de altitudes do Apêndice A termina pouco antes de 60 k. Do Apên-
dice A, a h = 59 km, T = 258,10 K e a h = 59,5 km, T = 255,89 K. Por extrapolação linear, a h
= 60 km, temos:
(4.42)
O ponto 2 é o ponto de estagnação, onde, por definição, V2 = 0. A temperatura no ponto 2 é,
assim, a temperatura de estagnação, denotada por To.
ou:
Essa é a nossa resposta, baseada na equação de energia que usa um valor constante do calor
específico. A resposta dá uma temperatura bastante alta, mais de três vezes maior que a tem-
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 171
Exemplo 4.14
O autor e sua esposa tiveram o prazer de voar no Concorde Supersonic Transport (SST) anglo-
-francês de Nova Iorque para Londres (um voo que demorava apenas três horas, em compara-
ção com as mais de seis horas dos aviões subsônicos convencionais). O SST tinha velocidade
de cruzeiro de 1936 ft/s a uma altitude de 50.000 ft. Calcule a temperatura de estagnação do
o
SST em cruzeiro, pressupondo um calor específico constante do ar de 6006 ft lb/(slug)( R).
(O conceito de temperatura de estagnação foi introduzido originalmente no Exemplo 4.13.)
■ Solução
Da Equação (4.42), temos:
que é maior do que a temperatura de ebulição da água ao nível do mar. Na verdade, a tempe-
ratura da superfície do SST era tão alta que, após a aterrissagem, o avião precisava esfriar por
cerca de meia hora antes que fosse seguro encostar a mão na superfície.
Observação: a Seção 10.2.4 explica que a temperatura nas quias as reações químicas co-
meçam a ocorrer no ar é de cerca de 2000 K = 3600ºR = 3140ºF. Para a temperatura neste
exemplo, é bastante seguro pressupor um valor constante de cp. Na realidade, o calor especí-
fico do ar permanece basicamente constante até 1000 K, valor acima do qual a excitação da
energia vibracional das moléculas de O2 e N2 causa alguma variação em cp, mas essa questão
é secundária em comparação à variação significativa causada por reações químicas. Para a
grande maioria das aplicações aerodinâmicas, especialmente aquelas relativas a aviões, o
172 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
pressuposto de calor específico constante é bastante válido. Essa será a situação em todas as
aplicações tratadas neste livro.
Exemplo 4.15
Considere um fluxo com adição de calor, ou seja, um fluxo diabático. Derive a equação de
energia de tal fluxo.
■ Solução
Considere um elemento de fluido movendo-se ao longo de uma linha de corrente. O símbolo
δq representa o calor adicionado por unidade de massa do elemento de fluido. Podemos apli-
car a primeira lei da termodinâmica como dada pela Equação (4.19) e repetida aqui:
(4.19)
Da equação de Euler, Equação (4.8), repetida aqui:
(4.8)
a Equação (4.19) se torna:
ou:
(E 4.15.1)
Integrando a Equação (E 4.15.1) do ponto 1 ao ponto 2 ao longo da linha de corrente,
temos:
(E 4.15.2)
Na Equação (E 4.15.2), δq integrado do ponto 1 ao ponto 2 é o total do calor adicionado por
unidade de massa ao elemento de fluido entre os pontos 1 e 2. Denote esse total de calor adi-
cionado por unidade de massa por Q12. A Equação (E 4.15.2) pode ser escrita como:
ou: (E 4.15.3)
Essa é uma forma da equação de energia para um fluxo diabático. Observe que ela é semelhan-
te à Equação (4.41), mas com o termo de adição de calor, Q12, no lado esquerdo.
Exemplo 4.16
Figuras 9.16, 9.18 e 9.19. (Vale a pena consultar essas figuras por alguns momentos antes
de continuar com este exemplo.) Considere o caso em que o ar, tendo passado pelo com-
pressor, entra na câmara de combustão a uma temperatura de 1200ºR. À medida que flui
pela câmara, o calor é adicionado por unidade de massa a uma taxa de 2,1 × 10 ft lb/slug.
7
■ Solução
Utilizando a equação de energia com adição de calor derivada no Exemplo 4.15, a saber, a
Equação (4.15.3), pressupondo calor específico constante tal que h = cp T, e usando os subscri-
tos 3 e 4 para denotar a entrada e a saída, respectivamente, da câmara de combustão consis-
tente com os diagramas nas Figuras 9.16 e 9.18, temos:
onde T3 = 1200ºR, Q34 = 2,1 × 107 ft lb/slug, V3 = 300 ft/s e V4 = 200 ft/s. Logo:
Explosão
Fonte da onda
sonora
Onda sonora movendo-se
para a esquerda com
velocidade a para dentro
de um gás estagnante
Figura 4.12 Modelo de uma onda sonora movendo-se para dentro de um gás estag-
nante.
ou: (4.43)
Aqui, A1 e A2 são as áreas de um tubo de corrente que atravessa a onda. Observando
a imagem mostrada na Figura 4.13, não encontramos uma razão geométrica para o
tubo de corrente mudar de área ao passar pela onda. E, de fato, ele não muda; a área
176 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ou: (4.44)
O produto de duas pequenas quantidades dρ da é muito pequeno em comparação
com os outros termos da Equação (4.44) e, logo, pode ser ignorado. Assim, da Equa-
ção (4.44):
(4.45)
ou: (4.46)
ou: (4.47)
Fisicamente, o fluxo através de uma onda sonora não envolve adição de calor e o
efeito da fricção é ínfimo. Assim, o fluxo através de uma onda sonora é isentrópico.
Logo, da Equação (4.47), a velocidade do som é dada por:
(4.48)
A Equação (4.48) é fundamental e importante. Contudo, ela não nos oferece uma
fórmula simples e direta para calcular um número para a. É preciso avançar mais.
Para o fluxo isentrópico, a Equação (4.37) dá:
ou: (4.49)
γ
A Equação (4.49) afirma que a razão p/ρ tem o mesmo valor constante em todos os
pontos de um fluxo isentrópico. Assim, sempre podemos escrever que:
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 177
(4.50)
Logo: (4.51)
Inserindo no lugar de c na Equação (4.51) a razão da Equação (4.50), obtemos:
(4.52)
(4.53)
Contudo, para um gás perfeito, p e ρ são relacionadas por meio da equação de esta-
do; p = ρ RT; logo, p/ρ = RT. Inserir esse resultado na Equação (4.53) produz:
(4.54)
m/s. Dos resultados da teoria cinética dos gases, a velocidade molecular média pode
ser obtida por = 458,9 m/s. Assim, a velo-
cidade do som é da mesma ordem de magnitude que a velocidade molecular média,
sendo cerca de 26% menor.
Mais uma vez, enfatizamos que a velocidade do som é uma propriedade pontual
do fluxo, assim como T é uma propriedade pontual (como descrito no Capítulo 2). Ela
também é uma propriedade termodinâmica do gás, definida pelas Equações (4.48) a
(4.54). Em geral, o valor da velocidade do som varia entre os pontos do fluxo.
A velocidade do som leva a outra definição essencial para os fluxos de gás de
alta velocidade, a saber, o número de Mach. Considere um ponto B em um campo de
fluxo. A velocidade de fluxo em B é V e a velocidade do som é a. Por definição, o nú-
mero de Mach M no ponto B é a velocidade do fluxo dividida pela velocidade do som:
(4.55)
Exemplo 4.17
Um transporte a jato voa a uma altitude padrão de 30.000 ft a uma velocidade de 550 mi/h.
Qual é o seu número de Mach?
■ Solução
Usando a tabela de atmosferas padrão do Apêndice B, a 30.000 ft, T∞ = 411,86ºR. Logo, da
Equação (4.54):
Da Equação (4.55):
Exemplo 4.18
No fluxo de tubeira descrito no Exemplo 4.11, calcule o número de Mach do fluxo na gargan-
ta, M*, e na saída, Me.
■ Solução
Do Exemplo 4.11, na garganta, V* = 580 m/s e T* = 833 K. Logo, da Equação (4.54):
Da Equação (4.55):
Observação: o fluxo é sônico na garganta. Logo provaremos que o número de Mach na gar-
ganta é sempre sônico em fluxos de tubeiras supersônicos (exceto em fluxos de alta tempera-
tura especiais que não estão em equilíbrio, um problema que está além do escopo deste livro).
Também no Exemplo 4.11, na saída, Ve = 1188 m/s e Te = 300 K. Logo:
Exemplo 4.19
Considere um veículo movendo-se a uma velocidade de 1000 m/s através de (a) ar e (b)
hidrogênio. O peso molecular (massa) do hidrogênio diatônico é 2 kg/(kg mol). Calcule o
número de Mach do veículo em (a) ar e (b) hidrogênio. Comente sobre as consequências dos
resultados.
■ Solução
Da química, como mencionado na Seção 2.3, a constante do gás específico R é relacionada
com a constante universal dos gases R por:
Observe que R = 287 J/(kg)(K) foi dado pela primeira vez na Seção 2.3 e que usamos esse
valor em exemplos subsequentes. Ele será calculado aqui a partir de R e M apenas para fins
de consistência.
Para todos os gases diatômicos, a razão dos calores específicos é γ = 1,4. Assim, para H2 a
T = 300 K:
E
QU
HO
D EC
DA
ON
AR
T∞ = 300 K 1000 m/s
M∞ = 2,88
(a)
Fluxo
supersônico
ARRASTO DA
ONDA
H2
T∞ = 300 k
M∞ = 0,757 1000 m/s
(b)
Fluxo
subsônico
(4.56)
Após fluir sobre um modelo aerodinâmico (que pode ser um modelo de avião com-
pleto ou parte de um avião, como uma asa, cauda ou nacele de motor), o ar entra em
Câmara de
tranquilização
(reservatório)
Seção de teste
Tubeira Difusor
(4.57)
Da Equação (4.57), à medida que V aumenta, p diminui; logo, p2 < p1; em outras pa-
lavras, a pressão da seção de teste é menor do que a pressão do reservatório anterior
em relação à tubeira. Em muitos túneis de vento subsônicos, toda ou parte da seção
de teste fica aberta, ou ventilada, para o ar que circula no laboratório. Nesses casos,
a pressão do ar externa é comunicada diretamente para o fluxo na seção de teste, e p2
= 1 atm. Na seção posterior à seção de teste, no difusor de área divergente, a pressão
aumenta à medida que a velocidade diminui. Assim, p3 > p2. Se A3 = A1, então, da
Equação (4.56), V3 = V1; e da Equação (4.57), p3 = p1. (Observação: em túneis de
vento reais, o arrasto aerodinâmico criado pelo fluxo sobre o modelo na seção de tes-
te causa uma perda de momento não incluída na derivação da equação de Bernoulli.
Assim, na realidade, p3 é ligeiramente menor do que p1 devido a tais perdas.)
Na operação prática desse tipo de túnel de vento, a velocidade da seção de teste
é governada pela diferença de pressão p1 − p2 e pela razão de área da tubeira A2/A1,
como veremos a seguir. Da Equação (4.57):
(4.58)
(4.59)
(4.60)
A razão de área A2/A1 é uma quantidade fixa para um túnel de vento de um determi-
nado formato. O “botão de controle” do túnel de vento controla p1 − p2, o que permi-
te que o operador do túnel de vento controle o valor da velocidade da seção de teste
V2 por meio da Equação (4.60).
Em túneis de vento subsônicos, um método conveniente de mensurar a diferença
de pressão p1 − p2, e logo de mensurar V2 por meio da Equação (4.60), é usar um ma-
nômetro. Um tipo básico de manômetro é o tubo em U mostrado na Figura 4.16. Aqui,
o lado esquerdo do tubo está conectado a uma pressão p1, o lado direito do tubo está
conectado a uma pressão p2, e a diferença Δh nas alturas de um fluido em ambos os
184 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Fluido
ou: (4.61)
Se o lado esquerdo do manômetro em U estivesse conectado a um túnel subsônico
(ponto 1 na Figura 4.15) e o lado direito estivesse conectado à seção de teste (ponto
2), a Δh do tubo em U mediria diretamente a velocidade do fluxo de ar na seção de
teste por meio das Equações (4.61) e (4.60).
Nos túneis de vento modernos, os manômetros foram substituídos por transduto-
res de pressão e monitores digitais elétricos para leitura de pressões e diferenciais de
pressão. O princípio básico do manômetro, entretanto, permanece uma parte essen-
cial do estudo da dinâmica de fluidos, motivo pelo qual ele é discutido neste texto.
Exemplo 4.20
■ Solução
Da Equação (4.61):
Para descobrir a velocidade V2, use a Equação (4.60). Entretanto, na Equação (4.60) precisa-
mos de um valor para a densidade ρ, que pode ser obtido a partir das condições do reservatório
usando a equação de estado. (Lembre-se de que 1 atm = 1,01 × 10 N/m .)
5 2
Como estamos lidando com um fluxo subsônico de baixa velocidade, pressuponha que ρ1 = ρ
= constante. Logo, da Equação (4.60):
Exemplo 4.21
Voltando à Figura 4.15, considere um túnel de vento subsônico de baixa velocidade projetado
com um reservatório de área transversal de A1 = 2 m e uma área transversal da seção de teste
2
tante igual à densidade padrão ao nível do mar. (a) Calcule a pressão necessária no reservató-
rio, p1, para produzir uma velocidade de fluxo de V2 = 40 m/s na seção de teste. (b) Calcule o
fluxo de massa através do túnel de vento.
■ Solução
a. Da equação de continuidade, a Equação (4.3):
ou:
186 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
temos:
Para verificar o resultado do cálculo, vamos inserir p1 = 1,019 × 105 N/m2 na Equação (4.60) e
ver se obtemos o valor necessário de V2 = 40 m/s. Da Equação (4.60):
Em atmosferas, esse valor é igual a 900/(1,01 × 10 ) = 0,0089 atm, uma diferença de pressão
5
de menos de um centésimo de uma atmosfera. Isso é característico dos fluxos de baixa ve-
locidade, nos quais é preciso apenas uma pequena diferença de pressão para produzir uma
velocidade de fluxo substancial.
b. Da Equação (4.2), o fluxo de massa pode ser calculado como o produto de ρ AV avaliado
em qualquer local no túnel de vento. Escolhemos a seção de teste, onde A2 = 0,5 m , V2 = 40
2
Poderíamos igualmente ter escolhido o reservatório para avaliar o fluxo de massa, no qual
A1 = 2 m e V1 = 10 m/s.
2
Exemplo 4.22
Para o túnel de vento no Exemplo 4.21, (a) se a diferença de pressão (p1 − p2) for dobrada,
calcule a velocidade de fluxo na seção de teste. (b) A razão A1/A2 é definida como a taxa de
contração para a tubeira do túnel de vento. Se a taxa de contração for dobrada, mantendo a
mesma diferença de pressão do Exemplo 4.21, calcule a velocidade de fluxo na seção de teste.
■ Solução
a. Da Equação (4.60), V2 é claramente proporcional à raiz quadrada da diferença de pressão:
Quando p2 − p1 é dobrado em relação a seu valor no Exemplo 4.21, onde V2 = 40 m/s, então:
b. A razão de contração original do Exemplo 4.21 é A1/A2 = 2,0/0,5 = 4. Dobrando esse valor,
temos A1/A2 = 8. A diferença de pressão original é p2 − p1 = 900 N/m . Da Equação (4.60),
2
temos:
Tubo de pitot
Extremidade aberta
Extremidade fechada
Medidor
de pressão
Tubo de pitot
Pressão
estática
medida aqui
Medidor de pressão diferencial
Pressão total
Pressão estática sentida aqui
sentida aqui
(4.62)
(4.63)
que é empregada com frequência na aerodinâmica; o agrupamento ρV é chamado
2
de pressão dinâmica para fluxos de todos os tipos, dos incompressíveis aos hipersô-
nicos. Da Equação (4.62):
(4.64)
192 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Essa relação é válida apenas para o fluxo incompressível. A pressão total é igual à
soma da pressão estática e da dinâmica. Também da Equação (4.62):
(4.65)
Sonda de pitot
Fluxo
Fluxo
Tubo de pitot
Asa
Direção
do voo
Figura 4.22 Detalhe da asa do Sopwith Snipe da Primeira Guerra Mundial, exposto na
galeria da Primeira Guerra Mundial do National Air and Space Museum, mostrando o tubo
de pitot estático sobre uma das escoras entre as asas.
(Foto cortesia da John Anderson Collection.)
Figura 4.23 Um Lockheed Vega da década de 1930. O tubo de pitot que se estende à
frente do bordo de ataque da asa esquerda está claramente visível.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 195
(4.66)
(4.67)
Exemplo 4.23
O altímetro de um avião particular Cessna 150 de baixa velocidade indica 5000 ft. Por uma
medição independente, a temperatura do ar externo é de 505ºR. Se um tubo de pitot montado
2
sobre a ponta da asa mede uma pressão de 1818 lb/ft , qual é a velocidade real do avião? Qual
é sua velocidade equivalente?
■ Solução
Um altímetro mede a altitude pressão (ver a discussão no Capítulo 3). Pela tabela de atmos-
feras padrão do Apêndice B, a 5000 ft, p = 1761 lb/ft . Além disso, o tubo de pitot mede a
2
A verdadeira velocidade em relação ao ar pode ser obtida pela Equação (4.66); contudo, preci-
samos de ρ, que é obtido a partir da equação de estado. Para o ar ambiente externo:
Da Equação (4.66):
Exemplo 4.24
Em um túnel de vento subsônico de baixa velocidade com uma seção de teste fechada (Figura
4.20a), uma tomada de pressão estática na parede da seção de teste mede 0,98 atm. A tempe-
ratura do ar na seção de teste é 80ºF. Um tubo de pitot é inserido no meio do fluxo na seção de
2
teste para mensurar a velocidade do fluxo. A pressão medida pelo tubo de pitot é 2200 lb/ft .
Calcule a velocidade de fluxo na seção de teste.
■ Solução
Primeiro mudamos as unidades inconsistentes de atm e ºF para as unidades consistentes do
sistema de engenharia inglês:
Exemplo 4.25
Considere um túnel de vento subsônico de baixa velocidade com uma seção de teste aberta
(Figura 4.20b). A pressão ambiente na sala é de 1 atm e a temperatura do ar na seção de teste
o
é 15 C. Um tubo de pitot fica montado na seção de teste. O túnel é acionado e a velocidade
do ar na seção de teste é ajustada para 110 m/s. Qual é a leitura subsequente do tubo de pitot?
■ Solução
Mudando para unidades consistentes:
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 197
Assim:
Da Equação (4.62):
Exemplo 4.26
Um avião está voando ao nível do mar a uma velocidade de 100 m/s. Calcule a pressão dinâ-
mica de escoamento livre e a pressão total.
■ Solução
A pressão dinâmica é definida pela Equação (4.63).
A pressão total para o fluxo incompressível é dada pela soma das pressões estática e dinâmica,
ou seja, a Equação (4.64). A pressão total da corrente livre é:
(4.68)
198 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ou: (4.69)
A Equação (4.69) é válida para um gás perfeito com calores específicos constantes.
É uma relação termodinâmica necessária para o uso na equação de energia, como
veremos abaixo.
Considere mais uma vez um tubo de pitot em um fluxo, como mostrado nas
Figuras 4.17 e 4.19. Pressuponha que a velocidade do fluxo V1 é alta o suficiente
para que a compressibilidade seja levada em conta. Como de costume, o fluxo é
comprimido isentropicamente até ter velocidade zero no ponto de estagnação no
nariz do sensor. Os valores da pressão e da temperatura de estagnação, ou total,
nesse ponto são p0 e T0, respectivamente. Da equação de energia, a Equação (4.42),
escrita entre um ponto no fluxo de corrente livre onde a temperatura e a velocidade
são T1 e V1, respectivamente, e o ponto de estagnação, onde a velocidade é zero e a
temperatura é T0:
ou: (4.70)
(4.71)
(4.72)
(4.73)
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 199
(4.74)
(4.75)
(4.76)
Assim, para um fluxo compressível subsônico, a razão da pressão total para a es-
tática p0/p1 é uma medida direta do número de Mach. Assim, as medidas individuais
de p0 e p1 em conjunto com a Equação (4.76) podem ser usadas para calibrar um ins-
trumento na cabine de pilotos do avião chamado de machímetro, no qual o indicador
informa diretamente o número de Mach de voo do avião.
Para obter a velocidade de voo real, lembre-se de que M1 = V1/a1; então a Equa-
ção (4.76) se torna:
(4.77a)
(4.77b)
200 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
(4.78)
Exemplo 4.27
Um avião subsônico de alta velocidade McDonnell-Douglas DC-10 voa a uma altitude pressão
de 10 km. Um tubo de pitot sobre a ponta da asa mede uma pressão de 4,24 × 10 N/m . Calcule
4 2
o número de Mach no qual o avião está voando. Se a temperatura do ar ambiente é 230 K, cal-
cule a velocidade verdadeira em relação ao ar e a velocidade calibrada em relação ao ar.
■ Solução
Usando a tabela de atmosferas padrão do Apêndice A, a uma altitude de 10.000 m, p = 2,65 ×
4 2
10 N/m . Assim, da Equação (4.76):
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 201
Assim:
É dado que T1 = 230 K; logo:
202 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 4.25 Detalhe da cauda vertical do F-80 mostrando o tubo de pitot. O avião está
em exposição no National Air and Space Museum.
(Foto cortesia da John Anderson Collection.)
Da Equação (4.77):
Da Equação (4.66):
Exemplo 4.28
Considere um F-80 (Figura 4.24) voando a 594 mi/h ao nível do mar padrão. (Essa é a ve-
locidade máxima do F-80C ao nível do mar.) Calcule a pressão e a temperatura no ponto de
estagnação no nariz do avião.
■ Solução
Ao nível do mar padrão, p∞ = 2116 lb/ft2 e T∞ = 519oR.
Observação: essa é a velocidade do som ao nível do mar padrão no sistema de unidades de en-
genharia inglês. Na Seção 4.9, apresentamos a velocidade do som ao nível do mar padrão em
unidades SI, a saber a∞ = 340,3 m/s. Será conveniente saber a velocidade do som ao nível do mar:
ft/s
Observação: como o número de Mach é uma razão sem dimensões, podemos usar unidades
inconsistentes, como milhas por hora, desde que o numerador e o denominador estejam nas
mesmas unidades.
Da Equação (4.74), obtemos a pressão total, que é a pressão no ponto de estagnação.
204 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Os números conferem.
Exemplo 4.29
■ Solução
a. Primeiro, precisamos da pressão estática; para obtê-la usando a equação de estado, precisa-
mos da temperatura.
Assim:
Da Equação (4.74):
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 205
Observação importante: para um fluxo compressível, a pressão dinâmica não é igual à dife-
rença entre a pressão estática e a total. Isso somente é verdade para um fluxo incompressível.
É preciso enfatizar que a Equação (4.64) somente é válida para um fluxo incompressível. No
exemplo atual, temos p0 = 1,61 × 10 N/m e p = 0,95222 × 10 N/m . Assim, a diferença entre
5 2 5 2
Onda de choque
M1 > 1
p1
ρ1
V1
Onda de choque
Tubo
de pitot
Figura 4.27 Mudanças através de uma onda de choque em frente a um tubo de pitot
em fluxo supersônico.
Como e por que uma onda de choque se forma em um fluxo supersônico? A per-
gunta tem diversas respostas possíveis, com diversos níveis de complexidade. Con-
tudo, a essência é a seguinte. Consulte a Figura 4.17, que mostra um tubo de pitot
em um fluxo subsônico. As moléculas de gás que colidem com a sonda criam uma
perturbação no fluxo. Essa perturbação é comunicada para outras regiões do fluxo,
distantes da sonda, por meio de ondas de pressão fracas (basicamente ondas de som)
que se propagam na velocidade do som local. Se a velocidade do fluxo V1 é menor
do que a velocidade do som, como na Figura 4.17, então as perturbações de pressão
(que normalmente estão viajando à velocidade do som) avançarão no sentido da pro-
pagação e acabarão se fazendo sentir em todas as regiões do fluxo. Em contraste,
consulte a Figura 4.26, que mostra um tubo de pitot em um fluxo supersônico. Aqui,
V1 é maior do que a velocidade do som. Assim, as perturbações de pressão criadas
na superfície da sonda e que se propagam à velocidade do som não podem avançar
no sentido do fluxo. Em vez disso, essas perturbações se aglutinam a uma distância
finita da sonda e formam um fenômeno natural chamado de onda de choque, como
mostrado nas Figuras 4.26 e 4.27. O fluxo no sentido da onda de choque (à esquerda
do choque) não sente a perturbação de pressão; ou seja, a presença do tubo de pitot
não é comunicada ao fluxo no sentido do choque. A presença do tubo de pitot é sen-
tida apenas nas regiões do fluxo atrás da onda de choque. A onda de choque é um
limite fino no fluxo supersônico, por meio do qual ocorrem mudanças significativas
nas propriedades do fluxo. E ele divide a região do fluxo não perturbado na direção
de propagação a partir da região do fluxo perturbado atrás da onda.
Sempre que um corpo sólido é colocado em uma corrente supersônica, ondas
de choque ocorrem. A Figura 4.28 mostra fotografias do fluxo supersônico sobre
diversas formas aerodinâmicas. As ondas de choque, que geralmente não são visíveis
a olho nu, se tornam visíveis na Figura 4.28 por meio de um sistema óptico especial
chamado de sistema schlieren e de um sistema de gráfico de sombra. (Um exemplo
no qual, em alguns casos, as ondas de choque ficam visíveis a olho nu ocorre na asa
de um avião subsônico de alta velocidade como um Boeing 707. Como discutiremos
em breve, há regiões do fluxo supersônico local sobre a superfície superior da asa,
e essas regiões supersônicas geralmente são acompanhadas por ondas de choque
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 207
(a)
(b)
(c)
Figura 4.28 (a) As ondas de choque sobre um avião de asas enflechadas (esquerda) e sobre um
de asa reta (direita). Imagens de schlieren tiradas em um túnel de vento supersônico no Ames Research
Center da NASA. (b) Ondas de choque sobre um corpo obtuso (esquerda) e um corpo de nariz aguça-
do (direita). (c) Ondas de choque sobre um modelo da cápsula espacial tripulada Gemini. As partes b
e c são gráficos de sombra do fluxo.
(Cortesia de NASA Ames Research Center.)
208 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
fracas. Se o Sol está quase diretamente acima e se você olha pela janela sobre a asa
inteira, às vezes é possível ver essas ondas dançando para frente e para trás sobre a
superfície da asa.)
Considere novamente a mensuração da velocidade em relação ao ar em um fluxo
supersônico. A mensuração é dificultada pela presença da onda de choque na Figura
4.26, pois o fluxo através de uma onda de choque é não isentrópico. Dentro da es-
trutura fina da onda de choque em si, ocorrem efeitos de fricção e condução térmi-
ca bastante significativos. Assim, as condições não são adiabáticas ou sem fricção;
logo, o fluxo não é isentrópico. O resultado é que a Equação (4.74), e logo as Equa-
ções (4.76) e (4.77a), não são válidas para toda a onda de choque. Uma consequência
importante é que a pressão total p0 é menor atrás da onda de choque do que à frente.
Por sua vez, a pressão total mensurada no nariz do tubo de pitot no fluxo supersônico
não terá o mesmo valor que aquele associado com a corrente livre; ou seja, associado
com M1. Por consequência, é preciso aplicar uma teoria da onda de choque separada
para relacionar a medição do tubo de pitot ao valor de M1. Essa teoria está além do
escopo de nossa apresentação, mas a fórmula resultante é apresentada aqui para fins
de completude:
(4.79)
Essa equação é chamada de fórmula de Rayleigh para tubo de pitot. Ela relaciona
a medição do tubo de pitot da pressão total atrás da onda de choque, , e uma
medição da pressão estática da corrente livre (mais uma vez obtida por um ori-
fício de pressão estática em algum ponto na superfície do avião) ao número de
Mach supersônico da corrente livre M1. Dessa maneira, medições de e p1, em
conjunto com a Equação (4.79), permitem a calibração de um machímetro para
voos supersônicos.
O caça supersônico de asa-delta F-102A aparece na Figura 4.29. Um tubo de
pitot se estende da ponta aguçada do avião para fins de mensuração da velocidade
em relação ao ar. Assim como no caso do fluxo compressível subsônico, para flu-
xos supersônicos, a mensuração do tubo de pitot, em conjunto com a mensuração
da pressão estática de corrente livre, leva diretamente à mensuração do número de
Mach da corrente livre. O número de Mach na cabine de pilotos do avião, entretanto,
é calibrado de acordo com a Equação (4.76) para voos subsônicos, e de acordo com
a Equação (4.79) para voos supersônicos. Em ambos os casos, o número de Mach é
a quantidade obtida diretamente. Para obter a velocidade, é preciso determinar infor-
mações adicionais.
Exemplo 4.30
Um avião experimental com motor-foguete voa a uma velocidade de 3000 mi/h a uma altitude
2
na qual a pressão e a temperatura ambientes são 151 lb/ft e 390ºR, respectivamente. Um tubo
de pitot é montado sobre o nariz da aeronave. Qual é a pressão medida pelo tubo de pitot?
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 209
Figura 4.29 Caça supersônico Convair F-102A das décadas de 1950 e 1960.
(Fonte: U.S. Air Force.)
■ Solução
Primeiro é preciso perguntar: o fluxo é supersônico ou subsônico? Ou seja, qual é o valor de
M1? Da Equação (4.54):
210 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Assim, M1 > 1; o fluxo é supersônico. Há uma onda de choque à frente do tubo de pitot; logo,
a Equação (4.74) desenvolvida para o fluxo isentrópico não é válida. Em vez disso, é preciso
usar a Equação (4.79):
Assim:
Observação: mais uma vez, por curiosidade, vamos calcular a resposta errada. Se não tivés-
semos levado em conta a onda de choque em frente ao tubo de pitot em velocidades supersô-
nicas, a Equação (4.74) nos daria:
Exemplo 4.31
Considere o F-102A mostrado na Figura 4.29. O avião está voando a uma velocidade supersô-
nica a uma altitude padrão de 8 km. A pressão medida pelo tubo de pitot é de 9,27 × 10 N/m .
4 2
■ Solução
Do Apêndice A, para uma altitude de 8 km, p = 3,5651 × 104 N/m2. Logo, na Equação (4.79):
A Equação (4.79) é uma relação implícita para M1; não existe uma maneira fácil de virar a
equação do avesso e obter uma relação analítica explícita para M1 = f (P02/p1). Assim, vamos
resolver a Equação (4.79) para descobrir M1 por tentativa e erro, pressupondo diversos valores
de M1 até finalmente encontrar aquele que nos dá (P02/p1) = 2.6. Repetindo a Equação 4.79:
(–0,1667 + 1,1667 M1 )
2
M1 (pressuposto)
1 1,893 1 1,893
1,1 1,713 1,245 2,133
1,2 1,591 1,513 2,408
1,3 1,503 1,805 2,71
1,25 1,544 1,656 2,557
1,26 1,535 1,686 2,587
1,27 1,527 1,715 2,619
Comparando a coluna da direita com o valor dado de (P02/p1) = 2,6, vemos que, até três valores
significativos, o valor de (P02/p1) = 2,587 é o mais próximo. Isso corresponde ao valor pressu-
posto de M1 = 1,26. Logo, o número de Mach do F-102A nesse caso é:
4.11.4 Resumo
Para resumir a mensuração da velocidade em relação ao ar, observe que resultados
diferentes se aplicam a diferentes regimes de voo: baixa velocidade (incompressível),
subsônico de alta velocidade e supersônico. Essas diferenças são fundamentais e re-
presentam excelentes exemplos da aplicação das diferentes leis da aerodinâmica de-
senvolvidas nas seções anteriores. Além disso, muitas das fórmulas desenvolvidas nes-
ta seção se aplicam a outros problemas práticos, como será discutido na Seção 4.12.
Exemplo 4.32
Considere o fluxo isentrópico sobre o aerofólio apresentado na Figura 4.30. A pressão, a velo-
2 3
cidade e a densidade da corrente livre são 2116 lb/ft , 500 mi/h e 0,002377 slug/ft , respectiva-
2
mente. Em um determinado ponto A sobre o aerofólio, a pressão é de 1497 lb/ft . Quais são o
número de Mach e a velocidade no ponto A?
■ Solução
Esse exemplo é igual ao Exemplo 4.12, com o requisito adicional de calcular o número de
Mach no ponto A. Entretanto, usaremos um procedimento de solução diferente. Primeiro,
vamos calcular o número de Mach da corrente livre:
Fluxo isentrópico
constante
constante
Figura 4.30 A pressão total e a temperatura total são constantes em todo o fluxo isen-
trópico.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 213
Como a pressão total e a temperatura total são constantes em todo o fluxo isentrópico sobre
o aerofólio, a temperatura total e a pressão total no ponto A são iguais aos valores da corrente
livre:
ou:
ou:
(Observação: esse resultado para TA = 470,4ºR está de acordo com o valor de 470,1ºR calcu-
lado no Exemplo 4.12; a diferença se deve a um erro de arredondamento produzido por usar
apenas quatro casas decimais significativas e pelo o fato de o autor ter usado uma calculadora
comum para resolver a equação.)
A velocidade no ponto A pode ser obtida da seguinte maneira:
(Observação: o resultado está de acordo com o valor VA = 1061 ft/s calculado no Exemplo
4.12.)
O procedimento de cálculo usado no Exemplo 4.32 é ligeiramente mais longo do que
aquele usado no Exemplo 4.12; entretanto, ele representa uma abordagem mais fundamen-
tal do que aquela usada no Exemplo 4.12. Voltando ao Exemplo 4.12, você observa que
foi preciso aplicar um valor do calor específico cp para resolver o problema. Contudo, no
cálculo atual, não foi preciso ter um valor de cp. Na verdade, o uso explícito de cp não é
necessário para resolver os fluxos compressíveis isentrópicos. Em vez disso, usamos γ e M
para resolver este exemplo. A razão dos calores específicos γ e o número de Mach M são
exemplos de parâmetros de semelhança na aerodinâmica. O conceito e a força dos parâ-
metros de semelhança usados para governar os fluxos de fluidos são algo que você estuda-
214 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
rá em obras mais avançadas do que este livro. Por ora, basta dizer que o número de Mach
é um parâmetro governante poderoso para os fluxos compressíveis e que os resultados
dependem do valor de γ, que geralmente é um valor fixo para um determinado gás (γ = 1,4
para o ar, como usado aqui). O Exemplo 4.32 mostra a força de se usar M e γ ao resolver
problemas de fluxos compressíveis. Continuaremos a ver a força de M e γ em algumas de
nossas discussões subsequentes.
Agora imagine o F-16 voando ao nível do mar padrão, onde a densidade da corrente
livre é de 1,23 kg/m3. Pergunta: qual velocidade ele precisaria ter ao nível do mar
padrão para estar sujeito à mesma pressão dinâmica que estaria caso voasse a 300
m/s à altitude de 7 km? A resposta é fácil de calcular:
Assim, o F-16 voando a 300 m/s e a uma altitude de 7 km precisaria voar a uma
velocidade de 207,8 m/s ao nível do mar padrão para ficar sujeito à mesma pressão
dinâmica. Por definição, o F-16 voando a 300 m/s e a uma altitude de 7 km tem velo-
cidade equivalente de 207,8 m/s.
Isso nos leva à definição mais geral de velocidade equivalente que veremos a
seguir. Considere um avião voando a uma velocidade verdadeira em relação ao ar
verdadeira em uma determinada altitude. Sua velocidade equivalente nessa condição
é definida como a velocidade à qual precisaria voar ao nível do mar padrão para estar
sujeito à mesma pressão dinâmica. A equação para velocidade equivalente é simples
e direta, como vimos anteriormente:
ou:
Diferenciando, obtemos:
(4.80)
Logo: (4.81)
(4.82)
Reorganizando, temos:
ou: (4.83)
(4.84)
o que, à primeira vista, diz que dV/V é infinitamente grande. Fisicamente, no en-
tanto, a velocidade, e logo a mudança de velocidade dV, deve sempre ser finita.
Não faria sentido se não fosse. Assim, analisando a Equação (4.84), vemos que
a única maneira de dV/V ser finito é fazer com que dA/A = 0; logo:
número finito
Saída
Garganta
Reservatório
Subsônico Fluxo
Supersônico
Câmara de
combustão
Fluxo
Supersônico
Tubeira de motor-foguete
nesse ponto, então T1, ρ1 e p1 podem ser encontrados a partir das Equações (4.73) a
(4.75) como:
(4.85)
(4.86)
(4.87)
Mais uma vez, as Equações (4.85) a (4.87) demonstram a força do número de Mach
na realização de cálculos aerodinâmicos. A variação do número de Mach em si atra-
vés da tubeira é estritamente uma função da razão da área transversal em relação à
área da garganta A/At. Essa relação pode ser desenvolvida a partir das bases aerodi-
nâmicas já discutidas; a forma resultante é:
(4.88)
Fluxo
pontos descendentes da garganta. Por sua vez, p, T e ρ começam com seus valores
de estagnação no reservatório e diminuem continuamente até terem valores baixos
na saída da tubeira. Assim, um fluxo de tubeira supersônico é um processo de ex-
pansão no qual a pressão diminui em toda a tubeira. Na verdade, essa redução de
pressão fornece a força mecânica que empurra o fluxo através da tubeira. Se a tubeira
mostrada na Figura 4.34a é simplesmente montada por si só em um laboratório,
obviamente, nada acontece; o ar não vai começar a correr rapidamente através da
tubeira por conta própria. Em vez disso, para estabelecer o fluxo mostrado na Figura
4.34, precisamos fornecer uma fonte de alta pressão na entrada e/ou baixa pressão na
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 221
saída, produzindo uma razão de pressão exata, como prescrito pela Equação (4.87) e
esquematizado na Figura 4.34c.
Exemplo 4.33
Você recebe a missão de projetar um túnel de vento supersônico com um fluxo Mach 2 em
condições padrão ao nível do mar na seção de teste. Qual a pressão, a temperatura do reserva-
tório e a razão de área Ae/At necessárias para obter essas condições?
■ Solução
A pressão estática pe = 1 atm = 1,01 × 105 N/m2 e a temperatura estática Te = 288,16 K nas
condições ao nível do mar padrão. Essas são as condições desejadas na saída da tubeira (a en-
trada da seção de teste). As condições necessárias do reservatório são obtidas pelas Equações
(4.85) e (4.87):
Assim:
Assim:
A razão da área é obtida pela Equação (4.88):
Logo:
Exemplo 4.34
■ Solução
As condições de fluxo na seção de teste são as mesmas que aquelas na saída da tubeira. Assim,
na seção de teste, obtemos a saída de pressão pela Equação (4.87), lembrando que 1 atm =
2
2116 lb/ft :
A pressão no ponto de estagnação do modelo é a pressão total atrás de uma onda normal,
pois a linha de corrente de estagnação atravessa a porção normal da onda de choque em arco
curvo na Figura 4.28b e então se comprime isentropicamente até alcançar velocidade zero
entre o choque e o corpo. Essa é a mesma situação que ocorre na entrada de um tubo de pitot
em fluxo supersônico, como descrito na Seção 4.11.3. Assim, a pressão de estagnação é dada
pela Equação (4.79):
estag
estag
estag
A temperatura total (não a estática) na tubeira de saída é a mesma que a temperatura do re-
servatório:
pois o fluxo através da tubeira é isentrópico e, logo, adiabático. Para um fluxo adiabático, a
temperatura total é constante, como demonstrado pela Equação (4.42), na qual em dois pontos
diferentes de um fluxo adiabático com velocidades diferentes, se o fluxo for adiabaticamente
desacelerado até velocidade zero em ambos os pontos, obtemos:
Assim, ; ou seja, a temperatura total nos dois pontos diferentes é a mesma. Logo, no
problema atual, a temperatura total associada com o fluxo da seção de teste é igual à tem-
peratura total em toda a expansão da tubeira: T0e = T0 = 600ºR. (Observe que a temperatura
estática do fluxo da seção de teste é igual a 214,3ºR, obtida com a Equação 4.85.) Além disso,
ao atravessar uma onda de choque (ver Figura 4.27), a temperatura total não muda; em outras
palavras, a temperatura total atrás da onda de choque no modelo também é de 600ºR (ainda
que a temperatura estática atrás da onda de choque seja inferior a 600ºR). Finalmente, porque
o fluxo é comprimido isentropicamente à velocidade zero no ponto de estagnação, a tempera-
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 223
tura no ponto de estagnação é a temperatura total, que também permanece constante durante a
compressão isentrópica. Assim, a temperatura do gás no ponto de estagnação é:
estag
Da equação de estado:
estag
estag
estag
Exemplo 4.35
■ Solução
a. Para obter a velocidade na saída, vamos antes obter a temperatura, depois a velocidade do
som e então o número de Mach. Observamos que as condições da câmara de combustão são
as condições de “reservatório” apresentadas na Figura 4.32; é por isso que a pressão e a tem-
peratura da câmara de combustão são denotadas por p0 e T0, respectivamente. Como o fluxo é
isentrópico, da Equação (4.46) temos:
ou:
O número de Mach na saída é dado pela Equação (4.73):
ou:
ou:
224 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Logo:
b. O fluxo de massa é dado pelo produto ρAV avaliado em qualquer seção transversal da tubei-
ra. Como a área da garganta é um valor dado, o local óbvio no qual avaliar ρAV é na garganta;
ou seja:
Logo:
A temperatura na garganta é dada pela Equação (4.73):
Exemplo 4.36
Segunda garganta
Primeira garganta 2
1 At,2
At,1
RESERVATÓRIO M=3
para a razão At,2/At,1 como função da pressão total na segunda garganta, , e da pressão total
na primeira garganta, . Pressuponha fluxo sônico localmente em ambos os locais.
■ Solução
O fluxo de massa que passa pelo túnel é constante, de modo que na primeira e segunda gar-
gantas:
(E 4.36.1)
Como = ρ AV, a Equação (E 4.36.1) se torna:
(E 4.36.2)
A primeira e a segunda gargantas são áreas mínimas locais no túnel, então pressupomos que
os números de Mach locais são Mt,1 = Mt,2 = 1. Em outras palavras, a velocidade em cada uma
das gargantas é a velocidade sônica. Logo, da Equação (E 4.36.2):
ou:
(E 4.36.3)
Da equação de estado, p = ρ RT, a Equação (E 4.36.3) pode ser escrita como:
ou:
(E 4.36.4)
226 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
ou: (E 4.36.5)
e:
ou: (E 4.36.6)
(E 4.36.7)
e: (E 4.36.8)
(E 4.36.9)
(E 4.36.10)
Como há uma perda de pressão total no difusor, po,2 < po,1, e da Equação (E 4.36.10) sabemos
que a segunda garganta é maior do que a primeira. Na verdade, se At,2 fosse menor do que o
tamanho determinado pela Equação (E 4.36.10), o difusor não seria capaz de passar o fluxo
de massa que vem da tubeira; o fluxo no túnel desmoronaria e o fluxo supersônico na seção
de teste se tornaria subsônico. Nesse caso, diz-se que o túnel está “engasgado”. Maiores
discussões sobre esse assunto estão além do escopo deste livro. Ver Anderson, Modern Com-
pressible Flow with Historical Perspective, 3rd ed., McGraw-Hill, New York, 2003, para
mais detalhes.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 227
Exemplo 4.37
Considere um túnel de vento supersônico como aquele apresentado na Figura 4.35. A pressão
2
do reservatório é de 5 atm. A área da primeira garganta (local 1 na Figura 4.35) é de 100 cm .
A pressão estática mensurada na tomada de pressão na parede da segunda garganta (local 2 na
Figura 4.35) é de 0,87 atm. O número de Mach local na segunda garganta é Mt,2 = 1. Calcule a
área da segunda garganta, At,2.
■ Solução
Da Equação (E 4.36.10) no Exemplo 4.36, temos:
(E 4.36.10)
A pressão total na segunda garganta, p0,2, onde o número de Mach local é Mt,2 = 1, pode ser
calculada a partir da pressão estática dada na segunda garganta, p2. Da Equação (4.74):
Assim, p0,2 = 1,893 p2 = 1,893 (0,87) = 1,6468 atm. Inserindo esses resultados na Equação (E
4.36.10), temos:
Para γ = 1,4, essa variação de ρ/ρ0 é dada na Figura 4.36. Observe que para M < 0,3,
a mudança de densidade no fluxo é de menos de 5%; ou seja, a densidade é basica-
228 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
,
de densidade é menor do que 5%.
,
Para números de Mach menores
do que cerca de 0,3, a variação
, , , , , , , , , ,
Número de Mach
Figura 4.36 Variação de densidade com número de Mach para γ = 1,4, mostrando a
região na qual a mudança de densidade é menor do que 5%.
mente constante para M < 0,3; para fins práticos, o fluxo é incompressível. Assim,
acabamos de demonstrar a validade da seguinte afirmação:
Para M < 0,3, o fluxo pode ser tratado como incompressível.
Fluxo
separado
Figura 4.37 Comparação entre fluxo ideal sem fricção e fluxo real com os efeitos da
fricção.
no lado direito do nosso mapa na Figura 4.1, representados pelo fluxo viscoso,
que é o fluxo com fricção. Na verdade, em alguns fluxos o comportamento funda-
mental é governado pela presença de fricção entre o fluxo de ar e uma superfície
sólida. A Figura 4.37 esquematiza um exemplo clássico dessa situação, mostrando
o fluxo de baixa velocidade sobre uma esfera. À esquerda vemos o campo de fluxo
que existiria caso o fluxo fosse invíscido. Nesse fluxo ideal sem fricção, as linhas
de corrente são simétricas; incrivelmente, nenhuma força aerodinâmica é exercida
sobre a esfera. A distribuição de pressão sobre a superfície dianteira compensa
exatamente aquela sobre a superfície traseira, então não há arrasto (não há for-
ça na direção do fluxo). Contudo, esse resultado puramente teórico é contrário
ao senso comum; na vida real, há uma força de arrasto sobre a esfera que tende
a retardar seu movimento. A incapacidade da teoria de prever o arrasto era um
problema para os aerodinamicistas do início do século XIX e recebeu um nome:
paradoxo de d’Alembert. O problema é causado pela exclusão da fricção na teoria.
O fluxo real sobre uma esfera é apresentado à direita na Figura 4.37. O fluxo se
separa sobre a superfície traseira da esfera, criando um fluxo complexo na esteira
e fazendo com que a pressão sobre a superfície traseira seja inferior àquela sobre
a dianteira. Assim, uma força de arrasto é exercida sobre a esfera, como mostrado
por D na Figura 4.37. A diferença entre os dois fluxos na Figura 4.37 é causada
apenas pela fricção. Mas que diferença ela faz!
Considere o fluxo de um gás sobre uma superfície sólida, como o aerofólio apre-
sentado na Figura 4.38. Em nossas considerações anteriores sobre fluxos sem fric-
ção, consideramos que a velocidade do fluxo na superfície possui um valor finito,
como o V2 mostrado na Figura 4.38; ou seja, devido à falta de fricção, a linha de
corrente na superfície desliza sobre tal superfície. Na verdade, afirmamos que se o
fluxo é incompressível, V2 pode ser calculada usando a equação de Bernoulli:
230 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Camada limite
Figura 4.39 Fluxo na vida real, com fricção. A espessura da camada limite é destacada
significativamente para fins de clareza.
te
limi
amada Perfil de velocidade
na da c através da camada limite
xter
da e
Bor
Superfície
(4.89)
Ar
,
Temperatura, K
Bordo
de ataque
(4.90)
Observe que Rex não tem dimensão e varia linearmente com x. Por esse motivo,
Rex ocasionalmente é chamado de número de Reynolds local, pois ele se baseia na
coordenada local x.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 233
Figura 4.43 (a) Movimento suave de elementos de fluido em um fluxo laminar. (b) Movi-
mento tortuoso e irregular de elementos de fluido em um fluxo turbulento.
234 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Turbulento
Laminar
Figura 4.44 Perfis de velocidade para camadas limite laminares e turbulentas. Observe
que a espessura da camada limite turbulenta é maior do que a da camada limite laminar.
Obviamente, isso significa que a fricção de superfície exercida sobre a asa ou o corpo
do avião depende da camada limite sobre a superfície ser laminar ou turbulenta, com
o fluxo laminar produzindo um coeficiente de fricção de superfície menor.
Parece ser uma lei quase universal da natureza que os sistemas com a quantidade
máxima de desordem recebem preferência. Na aerodinâmica, isso significa que a
absoluta maioria dos fluxos viscosos práticos são turbulentos. As camadas limite na
maioria dos aviões práticos, mísseis, cascos de navios e assemelhados são turbulen-
tas, com exceção de pequenas regiões próximas ao bordo de ataque, como veremos
em breve. Por consequência, a fricção de superfície nesses locais têm o valor turbu-
lento mais alto. Para o aerodinamicista, que geralmente busca maneiras de reduzir o
arrasto, é um fato infeliz. Contudo, a fricção de superfícies de formas mais esguias,
como as seções transversais de asas (aerofólios), podem ser reduzidas com a criação
de um formato que encoraje o fluxo laminar. A Figura 4.45 indica como isso pode
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 235
, , , , ,
Pressão mínima
Ponto de espessura máxima
Aerofólios padrão
(a)
ser feito. Ela mostra dois aerofólios; o padrão (Figura 4.45a) tem espessura máxima
próximo ao bordo de ataque, enquanto o aerofólio de fluxo laminar (Figura 4.45b)
tem espessura máxima próximo ao meio. As distribuições de pressão na superfície
superior dos aerofólios estão apresentadas acima dos aerofólios na Figura 4.45. Ob-
serve que para o aerofólio padrão, a pressão mínima ocorre perto do bordo de ataque,
e há uma longa região de pressão crescente que vai desse ponto até o bordo de fuga.
As camadas limite turbulentas são encorajadas por essas distribuições de pressão
crescentes. Assim, o aerofólio padrão em geral fica mergulhado em longas regiões de
fluxo turbulento, com o maior arrasto de fricção de superfície correspondente. Con-
tudo, observe que para o aerofólio de fluxo laminar, a pressão mínima ocorre perto
do bordo de fuga, e há uma longa região de pressão decrescente que vai do bordo de
ataque até o ponto de pressão mínima. As camadas limite laminares são encorajadas
por essas distribuições de pressão decrescentes. Assim, o aerofólio de fluxo laminar
pode ser mergulhado em longas regiões de fluxo laminar, beneficiando-se do menor
arrasto de fricção de superfície.
236 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
, , , , ,
,
Pressão mínima
Ponto de espessura máxima
Figura 4.46 O primeiro avião a incorporar um aerofólio de fluxo laminar para a seção
de asa, o North American P-51 Mustang. A figura mostra um modelo posterior do Mustang,
o P-51D.
(Fonte: da coleção de Hal Andrews.)
tante utilizados nos aviões a jato das décadas de 1950 e 1960 e ainda são empregados
em alguns aviões modernos de alta velocidade.
Dado um fluxo laminar ou turbulento sobre uma superfície, como calcular de
fato o arrasto da fricção de superfície? A resposta é dada nas duas seções a seguir.
(4.91)
onde Rex = ρ∞V∞x/µ∞, como definido na Equação (4.90). É incrível que um fenômeno
tão complexo quanto o desenvolvimento de uma camada limite, que depende, no
mínimo, de densidade, velocidade, viscosidade e comprimento da superfície, possa
ser descrita por uma fórmula tão simples quanto a Equação (4.91). Dessa forma, a
238 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
(4.92)
(4.93)
(4.94)
Observe, das Equações (4.93) e (4.94), que ambos e τw para as camadas limi-
te laminares variam com x−1/2; ou seja, e τw diminuem ao longo da superfície na
O que é f(x)?
(4.95)
(4.96)
(4.97)
Figura 4.48 O arrasto total é a integral da tensão de cisalhamento local sobre a superfície.
240 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
onde S é a área total da placa, S = L(1). Assim, das Equações (4.96) e (4.97):
ou: (4.98)
Exemplo 4.38
■ Solução
a. No bordo de fuga da placa, onde x = 5 cm = 0,05 m, o número de Reynolds é, da Equação
(4.90):
Da Equação (4.91):
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 241
Assim, da Equação (4.97), o arrasto sobre uma superfície da placa (por exemplo, a superfície
superior) é:
Superior
Porque ambas as superfícies, superior e inferior, estão expostas ao fluxo, o arrasto de fricção
total será o dobro do resultado acima:
Exemplo 4.39
Para a placa plana no Exemplo 4.38, calcule e compare a tensão de cisalhamento local nos
locais 1 e 5 cm da borda frontal (bordo de ataque) da placa, mensurada na direção do fluxo.
■ Solução
O local x = 1 cm fica próximo ao bordo frontal da placa. O número de Reynolds local nesse
ponto, onde x = 1 cm = 0,01 m, é:
Da Equação (4.93):
(Esse é o mesmo valor que foi calculado no Exemplo 4.38.) Da Equação (4.93):
Da Equação (4.92):
Figura 4.49 Camadas limite turbulentas são mais espessas do que camadas limite la-
minares.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 243
(4.99)
(4.100)
O coeficiente de fricção de superfície total é dado aproximadamente como:
(4.101)
−1/5
Observe que para o fluxo turbulento, Cf varia com L , em contraste com a variação
−1/2
de L para o fluxo laminar. Assim, Cf é maior para o fluxo turbulento, o que confir-
ma exatamente nosso raciocínio no final da Seção 4.15, quando observamos que τw
(laminar) < τw (turbulento). Observe também que Cf na Equação (4.101) é mais uma
vez uma função de ReL. Os valores de Cf para os fluxos laminares e turbulentos nor-
malmente são marcados em um gráfico da forma mostrada na Figura 4.50. Observe a
magnitude dos números envolvidos na Figura 4.50. Os valores de ReL para situações
de voo real podem variar de 105 a 108 ou mais; os valores de Cf em geral são muito
menores do que um, da ordem de 10−2 a 10−3.
,
,
,
Transição
,
,
Turbulento
,
Laminar
número de Reynolds,
Exemplo 4.40
Considere o mesmo fluxo sobre a mesma placa plana do Exemplo 4.38; no entanto, suponha
que a camada limite agora é completamente turbulenta. Calcule a espessura da camada limite
no bordo de fuga e a força de arrasto sobre a placa.
■ Solução
Do Exemplo 4.38, Rex = 4,11 × 105. Da Equação (4.99), para fluxos turbulentos:
Observação: compare esse resultado com o resultado do fluxo laminar do Exemplo 4.38:
Observe que a camada limite turbulenta no bordo de fuga é 3,42 vezes mais espessa que a
camada limite laminar, uma diferença bastante significativa! Da Equação (4.101):
Na superfície superior:
Observe que o arrasto turbulento é 2,7 vezes maior do que o arrasto laminar.
Exemplo 4.41
Repita o Exemplo 4.39, mas desta vez pressuponha que a camada limite é totalmente turbu-
lenta.
■ Solução
Do Exemplo 4.39, a x = 1 cm, Rex = 8,217 × 104. O coeficiente da fricção de superfície turbu-
lenta local é, da Equação (4.100):
razão que a obtida na comparação de arrasto total entre os casos de camada limite turbulenta
e laminar no Exemplo 4.39.
Em x = 5 cm, do Exemplo 4.39, Rex = 4,11 × 10 . O coeficiente da fricção de superfície
5
Logo:
Observação: em comparação com o resultado de fluxo laminar do Exemplo 4.39, a tensão de
cisalhamento turbulenta em x = 5 cm é 39,34/9,135 = 4,3 vezes maior.
Comparando os resultados atuais com aqueles do Exemplo 4.39, vemos que sobre um
determinado comprimento da placa, a redução percentual da tensão de cisalhamento para
o caso laminar é maior do que para o caso turbulento. Mais especificamente, a redução
percentual sobre o espaço de 4 cm de x = 1 cm até x = 5 cm para o caso laminar (Exemplo
4.39) é:
Mais uma vez, vemos a força do número de Reynolds em relação aos fluxos vis-
cosos. Contudo, a história não termina por aí. As Equações (4.91), (4.93) e (4.98)
dão expressões para δ, e Cf, respectivamente, para uma camada limite de uma
placa plana em um fluxo laminar incompressível. Da mesma forma, as Equações
(4.99), (4.100) e (4.101) dão expressões para δ, e Cf, respectivamente, para
uma camada limite de uma placa plana em um fluxo turbulento incompressível.
Principalmente por uma questão de simplicidade, não enfatizamos nas Seções
4.16 e 4.17 que essas equações se aplicam a um fluxo incompressível. Entretanto,
246 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
agora queremos chamar sua atenção para esse fato. Na verdade, sugiro que volte a
essas equações e anote na margem do texto que elas são “incompressíveis”.
Isso nos leva a uma pergunta: quais os efeitos da compressibilidade sobre uma
camada limite de uma placa plana? A resposta está no número de Mach, que, como
vimos nas Seções 4.11 a 4.13, é o grande parâmetro que governa fluxos invíscidos
compressíveis de alta velocidade. Mais especificamente, para uma camada limite de
uma placa plana em um fluxo compressível, δ, e Cf são funções do número de
Mach e do número de Reynolds. O efeito do número de Mach não pode ser expresso
com uma fórmula simples e clara, mas sim avaliado a partir de soluções numéricas
detalhadas para o fluxo da camada limite compressível, o que está além do escopo
deste livro. Por ora, basta observar que para uma camada limite compressível de
uma placa plana, a constante 0,664 no numerador da Equação (4.93) é substituída
por algum outro número que depende do valor do número de Mach de corrente
livre; ou seja:
(4.102)
(4.103)
Essas variações são marcadas no gráfico da Figura 4.51. Aqui, a razão dos coeficien-
tes de fricção de superfície compressível para incompressível com o mesmo número
de Reynolds é comparada com o número de Mach de corrente livre para fluxos la-
minares e turbulentos. Observe as seguintes tendências, mostradas na Figura 4.51:
1,0
0,8 Laminar
0,6
cfx Turbulento
(cfx )inc
0,4
0,2
0 1 2 3 4 5 6
M∞
Exemplo 4.42
A Figura 4.52 apresenta três visões do Lockheed F-104A Starfighter, o primeira caça proje-
tado para voos sustentados em Mach 2. A seção do aerofólio da asa é bastante fina, com um
bordo de ataque extremamente aguçado. Suponha que a asa é uma placa plana infinitamente
fina. Considere que o F-104 voa a Mach 2 a uma altitude padrão de 35.000 ft. Suponha que a
camada limite sobre a asa é turbulenta. Estime a tensão de cisalhamento na asa em um ponto
2 ft distante do bordo de ataque.
■ Solução
A 35.000 ft, do Apêndice B, ρ∞ = 7,382 × 10−4 slug/ft3 e T∞ = 394,08ºR. Para calcular o número
de Reynolds, precisamos de V∞ e do coeficiente de viscosidade µ∞. A velocidade de corrente
livre é obtida da seguinte forma, a partir da velocidade do som:
Obtemos µ∞ da Figura 4.41, que mostra a variação de µ com T. Observe que a temperatura am-
biente em kelvins é obtida por 394,08/1,8 = 219 K. Extrapolando a curva linear na Figura 4.41
até uma temperatura de 219 K, descobrimos que µ∞ = 1,35 × 10 kg/(m)(s). Convertendo para
−5
unidades de engenharia inglesas, observamos que, como dado na Seção 4.15 ao nível do mar
padrão, µ = 1,7894 × 10 kg/(m)(s) = 3,7373 × 10 slug/(ft)(s). A razão desses dois valores
−5 −7
Logo:
A pressão dinâmica é:
Assim:
4.19 Transição
Na Seção 4.16, discutimos o fluxo sobre uma placa plana como se ele fosse todo
laminar. Da mesma forma, na Seção 4.17, pressupomos um fluxo todo turbulento.
Na realidade, o fluxo sempre começa laminar do bordo de ataque. Depois, em algum
ponto atrás do bordo de ataque, a camada limite laminar se torna instável e pequenos
“surtos” de fluxo turbulento começam a surgir. Finalmente, em uma determinada
zona chamada de região de transição, a camada limite se torna totalmente turbulen-
ta. Para fins de análise, geralmente desenhamos a imagem mostrada na Figura 4.53,
na qual a camada laminar começa do bordo de ataque de uma placa plana e cresce
parabolicamente em sentido descendente. Depois, no ponto de transição, ela se torna
uma camada limite turbulenta que cresce com mais rapidez, na ordem de x4/5 em sen-
tido descendente. O valor de x onde consideramos que a transição ocorre é o valor
Transição
Turbulento
Laminar
Figura 4.53 Transição de fluxo laminar para turbulento. A espessura da camada limite
é exagerada para maior clareza.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 249
crítico xcr. Por sua vez, xcr permite a definição de um número de Reynolds crítico para
a transição como:
(4.104)
Observe que a região do fluxo laminar nesse exemplo é pequena, apenas 4,7 cm
entre o bordo de ataque e o ponto de transição. Se você dobrar a velocidade de cor-
rente livre para 300 m/s, o ponto de transição continua a ser governado pelo número
de Reynolds crítico . Assim:
Exemplo 4.43
de fluxo laminar e turbulento são ilustradas pelas áreas A e B, respectivamente, na Figura 4.54.
■ Solução
O procedimento geral é o seguinte:
a. Calcule Df para a área combinada A + B, pressupondo que o fluxo é completamente turbulento.
b. Obtenha o Df turbulento apenas para a área B, calculando o Df turbulento para a área A e
subtraindo-o do resultado da parte (a).
c. Calcule o Df laminar para a área A.
d. Adicione os resultados das partes (b) e (c) para obter o arrasto total sobre a superfície com-
pleta A + B.
Primeiro, obtenha alguns números úteis em unidades consistentes: b = 40 ft 4 in = 40,33
ft. Se S = área planiforme = A + B = 255 ft . Assim, c = S/b = 255/40,33 = 6,32 ft. Ao nível do
2
Área A (laminar)
Área B (turbulenta)
Figura 4.54 Visão planiforme de superfície passando por transição de fluxo laminar
para turbulento.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 251
Agora estamos prontos para calcular o arrasto. Suponha que as asas do Wright Flyer I são
finas o suficiente para que a fórmula da placa plana se aplique.
a. Para calcular o arrasto turbulento sobre a superfície completa S = A + B, use a Equação
(4.101):
Esse é o arrasto em uma superfície. Cada asa possui uma superfície superior e inferior, e cada
avião tem duas asas. Assim, o arrasto de fricção de superfície total sobre a configuração de asa
biplana completa é:
Fluxo ligado
aerofólio
Ângulo de ataque
, , , , ,
Agora considere o mesmo aerofólio com um ângulo de ataque bastante alto, como
mostrado na Figura 4.56. Primeiro, suponha que temos um fluido mágico que perma-
neceria “colado” à superfície, uma situação completamente artificial. Nesse caso, a
distribuição de pressão sobre a superfície superior seguiria a linha tracejada na Figura
4.56. A pressão cairia radicalmente após o bordo de ataque até alcançar um valor mui-
to abaixo da pressão estática de corrente livre p∞. Em pontos ao longo do aerofólio, a
pressão rapidamente se recuperaria, alcançando um valor acima de p∞. Contudo, nessa
Fluxo separado
aerofólio
Ângulo de ataque ,
, , , , ,
Distribuição de pressão
com separação
recuperação, o gradiente de pressão adverso não seria mais moderado, como ocorre na
Figura 4.55. Em vez disso, como mostra a Figura 4.56, o gradiente de pressão adverso
seria forte; ou seja, dp/dx seria grande. Nesses casos, o campo de fluxo real tende a se
separar da superfície. Assim, na Figura 4.56, o campo de fluxo real é apresentado com
uma grande região de fluxo separado sobre a superfície superior do aerofólio. Nesse
fluxo separado real, a distribuição de pressão de superfície verdadeira é dada pela
curva contínua. Em comparação com a curva tracejada, observe que a distribuição de
pressão verdadeira não alcança uma pressão mínima tão baixa e que a pressão próxima
ao bordo de fuga não se recupera até um valor maior do que p∞. A situação tem duas
consequências importantes, como pode ser visto na Figura 4.57. Aqui, o aerofólio com
um grande ângulo de ataque (logo, com separação do fluxo) é apresentado com a dis-
tribuição de pressão de superfície real, simbolizada pelas setas contínuas. A pressão
sempre atua de modo normal em relação à superfície, então as setas são todas perpen-
diculares à superfície local. O comprimento da seta denota a magnitude da pressão.
Uma curva contínua é desenhada atravessando a base das setas para formar um “en-
velope” que nos ajuda a visualizar a distribuição de pressão. Entretanto, se o fluxo
não fosse separado (ou seja, se o fluxo fosse “colado”), a distribuição de pressão seria
aquela mostrada pelas setas tracejadas (e o envelope tracejado). As setas contínuas e
tracejadas na Figura 4.57 correspondem qualitativamente às curvas de distribuição de
pressão contínua e tracejada, respectivamente, na Figura 4.56.
As setas contínuas e tracejadas na Figura 4.57 devem ser analisadas com cuidado.
Elas explicam as duas principais consequências do fluxo separado sobre o aerofólio. A
Fluxo “colado”
Fluxo “colado”
colado separado
Figura 4.57 Comparação qualitativa da distribuição de pressão, sustentação e arrasto para fluxos
“colados” e separados. Observe que no fluxo separado a sustentação diminui e o arrasto aumenta.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 255
Por consequência, como foi discutido no final da Seção 4.15, em geral não pode ser dito
que o fluxo laminar ou o turbulento tem preferência. Tudo depende da aplicação especí-
fica. Por um lado, para um corpo obtuso como a esfera da Figura 4.37, o arrasto é princi-
palmente arrasto de pressão devido à separação; as camadas limite turbulentas reduzem
o arrasto sobre esferas e, logo, têm preferência (analisaremos a questão novamente no
Capítulo 5). Por outro lado, para um corpo esguio, como um cone fino e pontiagudo ou
um aerofólio fino com ângulos de ataque pequenos em relação ao fluxo, o arrasto é prin-
cipalmente arrasto de fricção de superfície; nesse caso, as camadas limite laminares têm
preferência. Para os casos intermediários, a engenhosidade do projetista e a experiência
prática ajudam a determinar quais são os melhores compromissos para cada situação.
Uma última nota nesta seção: o arrasto total D dado pela Equação (4.105) é cha-
mado de arrasto de perfil, pois a fricção de superfície e o arrasto de pressão devido à
separação são ramificações da forma e do tamanho do corpo, ou seja, de seu “perfil”.
O arrasto de perfil D é o arrasto total sobre a forma aerodinâmica devido a efeitos
viscosos. No entanto, em geral ele não é o arrasto aerodinâmico total sobre o corpo.
Uma fonte de arrasto adicional, o arrasto induzido, será discutida no Capítulo 5.
Exemplo 4.44
Considere o aerofólio da NASA LS (1)-0417, mostrado na Figura 4.55, montado sobre a seção
de teste de um túnel de vento. O comprimento do modelo na direção do fluxo (o comprimento
da corda, como definido na Seção 5.2) é de 0,6 m, e sua largura no fluxo (envergadura, como
definido na Seção 5.3) é de 1,0 m. As pontas do modelo estão alinhadas com as paredes la-
terais verticais do túnel de vento; desse modo, o arrasto induzido (discutido na Seção 5.13) é
zero, e o arrasto total sobre o modelo do aerofólio é o arrasto de perfil, D, definido pela Equa-
ção (4.105). Quando o fluxo de ar na seção de teste do túnel de vento é 97 m/s em condições
padrões ao nível do mar, o arrasto de perfil sobre o aerofólio a um ângulo de ataque de 0° é
34,7 N. (a) Para essas condições, calcule o arrasto sobre o aerofólio devido à fricção de super-
fície Df. Suponha que Df é igual ao arrasto de fricção de superfície turbulento sobre uma placa
plana de comprimento e largura iguais. (b) Calcule o arrasto de pressão devido à separação do
fluxo, Dp, sobre o aerofólio. (c) Compare e comente os resultados.
■ Solução
a. O arrasto de fricção de superfície depende do número de Reynolds baseado no comprimen-
to do aerofólio na direção do fluxo, L, que é de 0,6 m. A corrente de ar na seção de teste do
túnel de vento tem velocidade de 97 m/s em condições padrões ao nível do mar. Assim:
258 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
O coeficiente de fricção de superfície total da placa plana turbulenta é dado pela Equação
(4.101) como:
O arrasto de fricção de superfície total em um lado da placa é Df = q ∞ S Cf, onde a área de su-
perfície de um lado da placa é igual a seu comprimento multiplicado por sua largura: S = (0,6)
(1,0) = 0,6 m . Assim, em um lado da placa:
2
c. A razão do arrasto de pressão sobre o arrasto de perfil total sobre o aerofólio LS(1)−0417
para as condições dadas é 10,1/34,7 = 0,29; ou seja, o arrasto de pressão é 29% do arrasto de
perfil total. É um valor razoável para um aerofólio relativamente espesso (17% de espessura)
com o bordo de fuga aguçado na superfície inferior. Para um aerofólio mais fino e com for-
mato mais convencional, o arrasto de pressão representa uma porcentagem menor, geralmente
15% do arrasto de perfil em ângulos de ataque menores.
E contribuiu mesmo. Ele fez descobertas relativas à teoria cinética dos gases;
teorizou que um gás era um conjunto de partículas individuais que se moviam de
maneira agitada, associando corretamente o aumento da temperatura de um gás com
a energia crescente das partículas. Essas ideias, publicadas originalmente em 1738,
levariam um século depois a um entendimento maduro sobre a natureza dos gases e
do calor e ajudariam a alicerçar a elegante teoria cinética dos gases.
As ideias de Daniel sobre o movimento cinético dos gases foram publicadas em
seu livro Hydrodynamica (1738). Contudo, o destino desse livro seria associar seu
nome mais profundamente com a mecânica de fluidos do que com a teoria cinética.
Bernoulli começou o livro em 1729, quando era professor de matemática em São
Petersburgo, Rússia (posteriormente Petrogrado e Leningrado). Nessa época, Ber-
noulli já era um cientista famoso, tendo ganhado 10 prêmios oferecidos pela Aca-
demia Real de Ciências em Paris por solucionar diversos problemas matemáticos.
Em seu livro Hydrodynamica (escrito em latim), Bernoulli discute temas como pro-
pulsão a jato, manômetros e fluxos em canos. Ele também tentou obter uma relação
entre a pressão e a velocidade, mas sua derivação foi obscura. Na verdade, apesar
da equação de Bernoulli, a Equação (4.9), geralmente ser creditada a ele devido a
Hydrodynamica, a equação exata não aparece no livro! A imagem se torna ainda
mais complexa quando lembramos que Johann, seu pai, publicou um livro chamado
Hydraulica em 1743. Este último livro deixa claro que o pai entendia o teorema de
Bernoulli melhor do que o filho; Daniel pensava na pressão estritamente em termos
da altura de uma coluna de manômetro, enquanto Johann possuía o entendimento
mais fundamental de que a pressão é uma força que atua sobre o fluido. Nenhum
dos Bernoullis, no entanto, entendia que a pressão é uma propriedade pontual. Esse
conceito foi uma descoberta de Leonhard Euler.
Leonhard Euler (1707–1783) também foi um matemático suíço. Ele nasceu em Ba-
sileia, Suíça, em 15 de abril de 1707, sete anos depois de Daniel Bernoulli. Euler se
tornou um dos gigantes da história da matemática, mas nesta seção estamos interessados
apenas em suas contribuições para a dinâmica de fluidos. Euler era um grande ami-
go dos Bernoullis, tendo sido aluno de Johann Bernoulli na Universidade de Basileia.
Mais tarde, Euler acompanhou Daniel até São Petersburgo, onde se tornou professor de
matemática. Na Rússia, Euler foi influenciado pela obra dos Bernoullis em hidrodinâ-
mica, mas mais por Johann do que por Daniel. Euler deu origem ao conceito da pressão
atuando sobre um ponto no gás, que rapidamente levou à sua equação diferencial para
um fluido acelerado por gradientes de pressão, a mesma equação que derivamos como
a Equação (4.8). Euler também integrou a equação diferencial para obter, pela primeira
vez na história, a equação de Bernoulli, da mesma maneira que obtemos a Equação
(4.9). Assim, vemos que o nome da equação de Bernoulli, a Equação (4.9), é um erro
histórico. O crédito por ela merece ser dividido com Euler.
rodinâmicos e aeronaves que sua presença não promove grandes reflexões. Mas esse
aparelho simples possui uma história muito interessante e também um pouco obscura.
O tubo de pitot foi batizado em homenagem a Henri Pitot (1695–1771). Nascido
em Aramon, França, em 1695, Pitot começou sua carreira como astrônomo e matemá-
tico, sendo bem-sucedido o suficiente para ser eleito para a Academia Real de Ciências
em Paris em 1724. Na mesma época, Pitot se interessou por hidráulica, especialmente
pelo fluxo de água em rios e canais. Contudo, ele ainda não estava satisfeito com a
técnica existente para mensurar a velocidade do fluxo, que consistia em observar a
velocidade de um objeto flutuando sobre a superfície da água. Assim, ele inventou
um instrumento composto de dois tubos. Um era simplesmente um tubo reto com
uma abertura em um lado, inserido verticalmente na água (para mensurar a pressão
estática), enquanto o outro era um tubo com uma das pontas dobrada em ângulos retos,
com o lado aberto virado diretamente para o fluxo (para mensurar a pressão total). Em
1732, entre dois píeres de uma ponte sobre o Rio Sena, em Paris, ele usou esse instru-
mento para medir a velocidade de fluxo do rio. Essa invenção e o primeiro uso do tubo
de pitot foram anunciadas por Pitot perante a Academia em 12 de novembro de 1732.
Ele também apresentou dados importantíssimos sobre a variação da velocidade do
fluxo de água com a profundidade. As teorias da época, baseadas na experiência de al-
guns engenheiros italianos, afirmavam que a velocidade de fluxo em uma determinada
profundidade era proporcional à massa acima dela; assim, pensava-se que a velocidade
aumentava com a profundidade. Pitot informou os resultados incríveis (e corretos)
medidos com seus instrumento: na realidade, a velocidade do fluxo diminuía com o
aumento da profundidade. Assim, o tubo de pitot foi introduzido em grande estilo.
É interessante observar que a invenção de Pitot logo foi rejeitada pela comunidade
da engenharia. Diversos pesquisadores tentaram usar apenas o tubo de pitot em si, sem
a mensuração da pressão estática local. Outros, usando o aparelho sob condições não
controladas, produziram resultados espúrios. Diversos formatos que não a de um tubo
simples eram usados ocasionalmente para a boca do instrumento. Além disso, não havia
um consenso sobre uma teoria racional do tubo de pitot. Observe que Pitot desenvolveu
seu instrumento em 1732, seis anos antes de Daniel Bernoulli publicar Hydrodynamica
e muito antes de Euler desenvolver os conceitos dos Bernoullis na Equação (4.9), como
foi discutido na Seção 4.22. Assim, Pitot usou a intuição, não a teoria, para estabelecer
que a diferença de pressão medida pelo instrumento era uma indicação do quadrado da
velocidade de fluxo local. Obviamente, como descrito na Seção 4.11, agora entendemos
claramente que um aparelho de pitot estático mensura a diferença entre as pressões total
e estática e que, para fluxos incompressíveis, essa diferença está relacionada com o
quadrado da velocidade por meio da equação de Bernoulli; ou seja, da Equação (4.62):
Contudo, por mais de 150 anos depois que Pitot introduziu o instrumento, diversos
engenheiros tentavam interpretar as leituras em termos de:
onde K era uma constante empírica, muito diferente de 1. O tema ainda era bastante
controverso em 1913, quando John Airey, professor de engenharia mecânica da Univer-
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 261
Superfície da água
Superfície da água
Figura 4.58 Seis formas de tubos de pitot testadas por John Airey.
(Fonte: de Engineering News, vol. 69, no. 16, p. 783, April 1913.)
262 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 4.59 Réplica do túnel de vento dos irmãos Wright, construído em uma sala de
trabalho nos fundos da oficina de bicicletas dos Wrights, atualmente em Greenfield Village,
Dearborn, Michigan.
(Fonte: National Air and Space Museum.)
penho de uma máquina”. Que avanço fantástico! Foi uma revolução na história dos
testes com túneis de vento, impactando essa disciplina tanto quanto o voo de 17 de
dezembro de 1903 revolucionou o avião.
O crescimento rápido da aviação após 1903 foi acompanhado pelo crescimento
também rápido dos túneis de vento, tanto em quantidade quanto em tecnologia. Por
exemplo, foram construídos túneis no National Physical Laboratory em Londres em
1903; em Roma em 1903; em Moscou em 1905; em Göttingen, Alemanha (pelo fa-
moso Dr. Ludwig Prandtl, criador do conceito de camada limite na dinâmica de flui-
dos) em 1908; em Paris em 1909 (incluindo dois construídos por Gustave Eiffel, fa-
moso por sua torre); e novamente no National Physical Laboratory em 1910 e 1912.
Todos esses túneis eram, naturalmente, instalações de baixa velocidade, mas fo-
ram pioneiros para sua época. Em 1915, com a criação do NACA (ver Seção 2.8),
foram estabelecidos os alicerces para grandes saltos na tecnologia de túneis de vento.
O primeiro túnel do NACA entrou em operação no Langley Memorial Aeronautical
Laboratory em Hampton, Virgínia, em 1920, com uma seção de teste de 5 ft de diâme-
tro, acomodando modelos de até 3,5 ft de largura. Em 1923, para simular os números
de Reynolds mais altos associados com o voo, o NACA construiu o primeiro túnel de
vento de densidade variável, uma instalação que poderia ser pressurizada até 20 atm
no fluxo. Isso significa que a densidade obtida na seção de teste podia ser 20 vezes
maior; e, logo, o Re também era 20 vezes maior. Durante as décadas de 1930 e 1940,
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 265
Figura 4.60 Túnel de vento subsônico grande o suficiente para testar um avião de tama-
nho real. O túnel de 30 ft × 60 ft do Langley Research Center da NASA.
(Fonte: NASA.)
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 267
Figura 4.62 O primeiro túnel de vento supersônico prático, construído por A. Busemann
em meados da década de 1930.
(Cortesia de A. Busemann.)
268 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
mente), onde foram usados até o fim do século XX. Contudo, o primeiro túnel super-
sônico construído nos EUA foi projetado por Theodore von Karman e seus colegas no
California Institute of Technology em 1944 e construído e operado pelo Army Ballis-
tics Research Laboratory em Aberdeen, Maryland, sob contrato com a Cal Tech. A
década de 1950 veria a explosão dos túneis de vento supersônicos, sendo um dos
maiores o túnel supersônico de 16 ft × 16 ft operado continuamente pela Força Aérea
no Arnold Engineering Development Center (AEDC), no estado do Tennessee.
Mais ou menos na mesma época, os mísseis balísticos intercontinentais (ICB-
Ms) estavam começando a serem desenvolvidos, e o programa espacial viria a seguir,
nos anos sessenta. Os veículos de voo encontrariam velocidades de até 36.000 ft/s na
atmosfera, ou seja, velocidades hipersônicas. Foi a vez dos túneis de vento hipersôni-
cos (M > 5) ficarem subitamente em alta demanda. O primeiro túnel de vento hiper-
sônico foi operado pelo NACA em Langley em 1947. O aparelho tinha uma seção de
teste quadrada de 11 polegadas e capacidade de Mach 7. Três anos depois, outro túnel
hipersônico entrou em operação no Naval Ordnance Laboratory. Esses túneis eram
claramente diferentes de seus primos supersônicos, pois, para obter velocidades hi-
persônicas, o fluxo precisava ser expandido tanto que a temperatura diminuía a ponto
de liquefazer o ar. Para impedir esse problema, todos os túneis supersônicos, antigos
e novos, precisam aquecer o gás do reservatório até temperaturas muito acima da am-
biente antes de expandi-lo através da tubeira. A transferência de calor é um problema
para veículos de voo de alta velocidade, e tais problemas de aquecimento se estendem
até as instalações terrestres utilizadas para testá-los.
Em suma, os túneis de vento modernos abrangem todo o espectro de velocidades
de voo, desde as subsônicas baixas até as hipersônicas. Essas instalações são parte do
cotidiano da engenharia aeroespacial; esse breve resumo histórico foi oferecido para
ajudá-lo a entender um pouco a tradição e o desenvolvimento delas.
dição da família Reynolds; além de seu pai, seu avô e seu bisavô haviam sido reitores
em Debach. Nesse contexto, Osborne Reynolds começou sua educação sob a tutela
do pai em Dedham. Em sua adolescência, Osborne já demonstrava um forte interesse
pelo estudo da mecânica, para o qual possuía uma aptidão natural. Aos 19 anos, ele
foi brevemente aprendiz de engenharia mecânica antes de estudar na Universidade de
Cambridge no ano seguinte. Reynolds teve muito sucesso em Cambridge, formando-
-se com as mais altas honras em matemática. Em 1867, foi eleito fellow do Queens
College em Cambridge (uma honraria concedida a seu pai no passado). Por um ano,
ele atuou como engenheiro civil praticante no escritório de John Lawson, em Londres.
Em 1868, no entanto, o Owens College de Manchester (que posteriormente se tornaria
a Universidade de Manchester) estabeleceu sua cátedra em engenharia, a segunda em
toda a história do sistema universitário inglês (a primeira foi a cátedra em engenharia
civil estabelecida no University College de Londres em 1865). Reynolds se candidatou
para a cátedra, escrevendo o seguinte em sua carta de apresentação:
Desde que consigo me lembrar, sempre tive uma paixão irresistível pela mecânica e as leis
da física nas quais a mecânica se baseia enquanto ciência. Durante a infância, tive a vanta-
gem de me beneficiar da orientação constante de meu pai, também um amante da mecânica
e um homem com sucesso indesprezível no campo da matemática e sua aplicação à física.
Apesar de sua juventude e relativa falta de experiência, Reynolds foi indicado para
a cátedra em Manchester, atuando como professor pelos próximos 37 anos, até sua
aposentadoria em 1905.
Durante esses 37 anos, Reynolds se destacou como um dos maiores praticantes
da mecânica clássica em toda a história. Durante seus primeiros anos em Manchester,
ele trabalhou em problemas que envolviam eletricidade, magnetismo e propriedades
eletromagnéticas de fenômenos solares e cometários. Após 1873, ele concentrou-se na
área da mecânica de fluidos, na qual desenvolveu suas contribuições mais importantes
e duradouras. Por exemplo, ele: (1) desenvolveu a analogia de Reynolds em 1874,
uma relação entre a transferência de calor e a tensão de cisalhamento em um fluido;
(2) mensurou o calor específico médio da água entre o congelamento e a ebulição,
representando uma das determinações clássicas das constantes físicas; (3) estudou cor-
rentes de água e ondas em estuários; (4) desenvolveu turbinas e bombas; e (5) estudou
a propagação das ondas sonoras em fluidos. Entretanto, sua obra mais importante, e a
que deu origem ao conceito do número de Reynolds, foi publicada em 1883, em um
artigo intitulado An Experimental Investigation of the Circumstances which Determine
whether the Motion of Water in Parallel Channels Shall Be Direct or Sinuous, and of
the Law of Resistance in Parallel Channels (Uma investigação experimental das cir-
cunstâncias que determinam se o movimento da água em canais paralelos será direto
ou sinuoso e a lei da resistência em canais paralelos). Publicado na Proceedings of
the Royal Society, o artigo foi o primeiro a demonstrar a transição do fluxo laminar
para o turbulento e a relacionar essa transição a um valor crítico de um parâmetro sem
dimensão, aquilo que mais tarde seria conhecido como número de Reynolds. Reynolds
estudou esse fenômeno em fluxos de água através de canos. A Figura 4.63, retirada do
artigo original de 1883, ilustra seu aparato experimental (observe que antes das técni-
cas fotográficas modernas, alguns artigos técnicos continham desenhos elegantes dos
270 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Figura 4.63 O aparato de Osborne Reynolds para seus famosos experimentos com
fluxos por canos. A figura vem de seu artigo original, citado no texto.
de 1875, em Freising, Bavária, Alemanha. Prandtl foi um gênio cujo grande talento
era atravessar um labirinto de fenômenos físicos complexos, extrair os pontos mais
salientes e expressá-los em formas matemáticas simples. Prandtl estudou física e foi
nomeado professor de mecânica aplicada na Universidade de Göttingen, Alemanha,
em 1904, cargo que ocupou até sua morte em 1953.
Entre 1902 e 1904, Prandtl realizou uma das mais importantes contribuições à di-
nâmica de fluidos. Refletindo sobre o fluxo viscoso sobre um corpo, ele deduziu que a
velocidade de fluxo diretamente sobre a superfície era zero e que se o número de Rey-
nolds fosse alto o suficiente, a influência da fricção estaria limitada a uma camada fina
(Prandtl a chamou originalmente de camada de transição) próxima à superfície. Assim,
a análise do campo de fluxo poderia ser dividida em duas regiões distintas: uma próxima
à superfície, que incluía a fricção, e outra mais distante, na qual a fricção poderia ser
ignorada. Em um dos artigos sobre dinâmica de fluidos mais importantes da história,
Uber Flussigkeitsbewegung bei sehr kleiner Reibung (Sobre o fluxo de fluidos com pou-
quíssima fricção), Prandtl apresentou suas ideias ao Terceiro Congresso Internacional de
Matemática em Heidelberg, em 1904. Nesse artigo, Prandtl observa:
Uma explicação bastante satisfatória do processo físico na camada limite (Grenzschicht)
entre um fluido e um corpo sólido pode ser obtida pela hipótese de uma adesão do fluido
às paredes, ou seja, pela hipótese de uma velocidade relativa zero entre o fluido e a parede.
Se a viscosidade é muito pequena e o caminho do fluido ao longo da parede não for muito
longo, a velocidade do fluido deve voltar a seu valor normal após uma curta distância em
relação à parede. Na camada de transição fina, entretanto, as mudanças rápidas de velo-
cidade, mesmo com um coeficiente de fricção pequeno, produzem resultados marcantes.
Além disso, ele se interessava por outros campos além da dinâmica de fluidos, tendo
feito diversas contribuições importantes à mecânica estrutural.
Em sua vida pessoal, Prandtl possuía a natureza obsessiva que parece motivar mui-
tos dos gigantes da humanidade. Contudo, sua preocupação quase total com sua obra o
levou a adotar uma visão ingênua sobre a vida. Theodore von Karman, um dos alunos
mais ilustres de Prandtl, informa que este preferia passar seu tempo examinando brin-
quedos infantis do que participando de eventos sociais. Quando tinha quase 40 anos,
Prandtl decidiu que estava na hora de se casar, e escreveu para um amigo pedindo a mão
de uma de suas duas filhas. Qualquer uma das duas. Para Prandtl, não fazia diferença!
Durante a década de 1930 e início da de 1940, Prandtl tinha sentimentos ambíguos
quanto aos problemas políticos da época. Ele continua suas pesquisas em Göttingen sob
o regime nazista de Adolph Hitler, mas foi ficando cada vez mais confuso sobre o curso
da história. Em sua autobiografia, von Karman escreve o seguinte sobre Prandtl:
Vi Prandtl pela última vez logo após a rendição dos nazistas. Ele era uma criatura triste.
O teto de sua casa em Göttingen, ele chorava, fora destruído por uma bomba americana.
Ele não conseguia entender por que alguém faria aquilo com ele! Prandtl também estava
profundamente abalado com o colapso da Alemanha. Ele sobreviveu poucos anos depois da
guerra, e apesar de ter realizado algumas pesquisas adicionais sobre meteorologia, acredito
que ele morreu como um homem destruído, ainda confuso com os modos da raça humana.
Continuidade (4.2)
Momento (4.8)
Energia (4.42)
Essas equações são válidas para um fluxo compressível. Para um fluxo incom-
pressível, temos:
Continuidade (4.3)
Momento (4.9a)
(4.48)
(4.54)
4. A velocidade de um fluxo de gás pode ser mensurada por um tubo de pitot, que
sente a pressão total p0. Para fluxos incompressíveis:
(4.66)
(4.77a)
Para fluxos supersônicos, existe uma onda de choque em frente ao tubo de pitot,
e a Equação (4.79) deve ser utilizada no lugar da Equação (4.77a) para descobrir
o número de Mach do fluxo.
5. A relação área-velocidade para o fluxo isentrópico é:
(4.83)
A partir dessa relação, observamos que (1) para um fluxo subsônico, a veloci-
dade aumenta em um duto convergente e diminui em um duto divergente; (2)
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 279
(4.74)
(4.73)
(4.75)
(4.89)
(4.91)
e: (4.98)
(4.99)
(4.101)
280 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Todo fluxo real sobre uma superfície começa laminar e então se transforma em
fluxo turbulento. O ponto em que essa transição ocorre de fato (na realidade, a
transição ocorre ao longo de uma distância finita) é designado xcr. Por sua vez, o
número de Reynolds crítico para a transição é definido como:
(4.104)
10. Sempre que uma camada limite encontra um gradiente de pressão adverso (uma
região de pressão crescente na direção do fluxo), ela pode se separar facilmente
da superfície. Em um aerofólio ou asa, essa separação do fluxo diminui a susten-
tação e aumenta o arrasto.
Bibliografia
Airey, J. “Notes on the Pitot Tube.” Engineering News, vol. 69, no. 16, April 17, 1913, pp.
782–783.
Anderson, J. D., Jr. A History of Aerodynamics and Its Impact on Flying Machines. Cambrid-
ge University Press, New York, 1998.
___ Fundamentals of Aerodynamics, 5th ed. McGraw-Hill, New York, 2011.
___ “Ludwig Prandtl’s Boundary Layer.” Physics Today, vol. 58, no. 12, December 2005, pp.
42–48.
Goin, K. L. “The History, Evolution, and Use of Wind Tunnels.” AIAA Student Journal, Fe-
bruary 1971, pp. 3–13.
Guy, A. E. “Origin and Theory of the Pitot Tube.” Engineering News, vol. 69, no. 23, June 5,
1913, pp. 1172–1175.
Kuethe, A. M., and C. Y. Chow. Foundations of Aerodynamics, 3rd ed. Wiley, New York, 1976.
Pope, A. Aerodynamics of Supersonic Flight. Pitman, New York, 1958.
von Karman, T. Aerodynamics. McGraw-Hill, New York, 1963.
Problemas
4.1 Considere o fluxo incompressível de água através de um duto divergente. A veloci-
2
dade e a área de entrada são 5 ft/s e 10 ft , respectivamente. Se a área de saída é 4
vezes a área de entrada, calcule a velocidade de fluxo de água na saída.
4.2 No Problema 4.1, calcule a diferença de pressão entre a saída e a entrada. A densidade
3
da água é 62,4 lbm/ft .
4.3 Considere um avião voando a uma velocidade de 60 m/s a uma altitude padrão de 3
km. Em um ponto da asa, a velocidade do fluxo de ar é de 70 m/s. Calcule a pressão
nesse ponto. Pressuponha um fluxo incompressível.
4.4 O tubo de Venturi foi um instrumento usado para mensurar a velocidade em relação
ao ar de muitos dos primeiros aviões de baixa velocidade, especialmente entre 1919
e 1930. Esse aparelho simples é um duto convergente-divergente. (A área transversal
da seção frontal A diminui na direção do fluxo e a área transversal da seção traseira
aumenta na direção do fluxo. Em algum ponto entre a entrada e a saída do duto há
uma área mínima chamada de garganta.) Consulte a figura a seguir. Considere que
A1 e A2 denotam as áreas da entrada e da garganta, respectivamente, e que p1 e p2 são
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 281
ENTRADA
SAÍDA
GARGANTA
FLUXO V1 = V ∞
p2
V∞
p1
A2
A1
2
N/m , respectivamente. Calcule a velocidade de fluxo na garganta. Pressuponha um
fluxo incompressível com densidade padrão ao nível do mar.
4.6 Um avião voa a uma velocidade de 130 mi/h a uma altitude padrão de 5000 ft. Em
2
um determinado ponto sobre a asa, a pressão é de 1750,0 lb/ft . Calcule a velocidade
nesse ponto, pressupondo um fluxo incompressível.
4.7 Imagine que você projetou um avião de baixa velocidade cuja velocidade máxima ao
nível do mar é de 90 m/s. Como instrumento de mensuração da velocidade em relação ao
ar, você planeja usar um tubo de Venturi com razão de área de 1,3:1. Dentro da cabine de
pilotos está um velocímetro, um indicador conectado a um medidor de pressão que sente
a diferença de pressão do tubo de Venturi p1 − p2 calibrado corretamente em termos de
velocidade. Qual a diferença de pressão máxima que você espera que o medidor sinta?
4.8 Uma tubeira supersônica também é um duto convergente-divergente, alimentado por
um grande reservatório na entrada da tubeira. No reservatório da tubeira, a pressão e
a temperatura são de 10 atm e 300 K, respectivamente. Na saída da tubeira, a pressão
é de 1 atm. Calcule a temperatura e a densidade do fluxo na saída. Pressuponha que o
fluxo é isentrópico e (é claro) compressível.
4.9 Derive uma expressão para a velocidade de saída de uma tubeira supersônica em termos
da razão de pressão entre o reservatório e a saída p0/pe e a temperatura do reservatório T0.
4.10 Considere um avião voando a uma velocidade de 270 m/s a uma altitude padrão de 5
km. Em um ponto da asa, a velocidade é de 330 m/s. Calcule a pressão nesse ponto.
4.11 O fluxo de massa de ar através de uma tubeira supersônica é de 1,5 lbm/s. A velocidade
de saída é de 1500 ft/s e a temperatura e a pressão do reservatório são 1000ºR e 7 atm,
respectivamente. Calcule a área da saída da tubeira. Para o ar, cp = 6000 ft · lb/ (slug)(ºR).
4.12 Um avião supersônico voa a uma velocidade de 1500 mi/h e a uma altitude padrão
de 50.000 ft. A temperatura em um determinado ponto do fluxo sobre a asa é de
793,32ºR. Calcule a velocidade de fluxo nesse ponto.
282 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
4.13 Para o avião no Problema 4.12, a área transversal total da entrada dos motores a jato é
2
de 20 ft . Pressuponha que as propriedades de fluxo do ar que passa pela entrada são
aquelas da corrente livre em frente ao avião. O combustível é injetado dentro do motor
a uma razão de 0,05 lb de combustível para cada libra de ar que flui através do motor
(ou seja, a razão combustível-ar por massa é de 0,05). Calcule o fluxo de massa (em
slugs por segundo) que passa pela saída do motor.
4.14 Calcule o número de Mach na saída da tubeira no Problema 4.11.
4.15 Um Boeing 747 voa a uma velocidade de cruzeiro de 250 m/s a uma altitude padrão 13
km. Qual é o seu número de Mach?
4.16 Um míssil de alta velocidade viaja a Mach 3 ao nível do mar padrão. Qual a sua velo-
cidade em milhas por hora?
4.17 Calcule o número de Mach do voo do avião supersônico no Problema 4.12.
4.18 Considere um túnel de vento subsônico de baixa velocidade com uma razão de con-
tração da tubeira de 1:20. Um lado de um manômetro de mercúrio está conectado à
câmara de tranquilização e o outro à seção de teste. A pressão e a temperatura na seção
de teste são de 1 atm e 300 K, respectivamente. Qual é a diferença de altura entre as
duas colunas de mercúrio quando a velocidade na seção de teste é igual a 80 m/s?
4.19 Desejamos operar um túnel de vento subsônico de baixa velocidade de modo que o
fluxo na seção de teste tenha velocidade de 200 mi/h. Considere dois tipos diferentes
de túneis de vento (ver figura abaixo): (a) uma tubeira e uma seção de teste de área
constante, no qual o fluxo na saída da seção de teste simplesmente é despejado na
atmosfera ao redor (ou seja, sem difusor); e (b) uma estrutura convencional de tubeira,
seção de teste e difusor, no qual o fluxo na saída do difusor é despejado na atmosfera
ao redor. Para ambos os túneis de vento (a) e (b), calcule as diferenças de pressão no
túnel de vento como um todo necessárias para operá-lo de modo a obter as condições
de fluxo dadas na seção de teste. Para o túnel (a), a área da seção transversal da en-
2 2
trada é de 20 ft e a área transversal da seção de teste é de 4 ft . Para o túnel (b), um
2
difusor é adicionado a (a) com uma área de saída do difusor de 18 ft . Após completar
seus cálculos, analise e compare suas respostas para os túneis (a) e (b). Qual precisa
da menor diferença de pressão total? O que isso nos diz sobre o valor de um difusor
em um túnel de vento subsônico?
(a)
TUBEIRA
DIFERENÇA DE PRESSÃO
OPERACIONAL = p1 – p2
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 283
(b)
V2 = 200 mi/h
V1 V3
p1 p2 p3
A2 = 4 ft2
questões são discutidas no Capítulo 8). Durante sua reentrada na atmosfera, suponha que
o Ônibus Espacial está voando com número de Mach M correspondente a altitudes h:
h, km 60 50 40 30 20
M 17 9,5 5,5 3 1
compararmos seus resultados para o fluxo de baixa velocidade na parte (a) com os
resultados do fluxo de alta velocidade na parte (b)?
4.38 O tipo de cálculo no Problema 4.3 é um exemplo clássico usado para fluxos incom-
pressíveis de baixa velocidade; ou seja, dada a pressão e a velocidade da corrente livre
e a velocidade em algum outro ponto no fluxo, calcula-se a pressão naquele ponto. Em
um fluxo compressível de alta velocidade, o número de Mach é mais fundamental do
que a velocidade. Considere um avião voando a Mach 0,7 e a uma altitude padrão de 3
km. Em um determinado ponto sobre a asa, o número de Mach do fluxo de ar é de 1,1.
Calcule a pressão nesse ponto. Pressuponha um fluxo isentrópico.
4.39 Considere um avião voando a uma velocidade de 800 ft/s a uma altitude padrão de
25,000 ft. A qual velocidade o avião deve estar voando para sentir a mesma pressão
dinâmica ao nível do mar.
4.40 Na Seção 4.9, definimos o fluxo hipersônico como aquele no qual o número de Mach
é 5 ou superior. Os túneis de vento com número de Mach da seção de teste de 5 ou
mais são chamados de túneis de vento hipersônicos. Da Equação (4.88), a razão de
área da saída em relação à garganta para os números de Mach de saída supersônicos
aumenta à medida que o número de Mach da saída aumenta. Para números de Mach
hipersônicos, a razão da saída em relação à garganta se torna extremamente grande,
então os túneis de vento hipersônicos são projetados com tubeiras longas de alta razão
de expansão. Neste problema e nos problemas a seguir, examinamos algumas caracte-
rísticas especiais dos túneis de vento hipersônicos. Suponha que você deseja projetar
um túnel de vento hipersônico com número de Mach 10 utilizando o ar como mídia
de teste. Queremos que a pressão e a temperatura estáticas na corrente de teste sejam
aquelas de uma altitude padrão de 55 km. Calcule (a) a razão de área da saída em re-
lação à garganta, (b) a pressão do reservatório exigida (em atm) e (c) a temperatura do
reservatório exigida. O que esses valores nos dizem sobre os requisitos operacionais
especiais (e, às vezes, extremos) de um túnel de vento hipersônico?
4.41 Calcule a velocidade de saída do túnel hipersônico no Problema 4.40.
4.42 Vamos dobrar o número de Mach de saída do túnel no Problema 4.40, simplesmente
adicionando uma seção de tubeira mais longa, com a taxa de expansão correspon-
dente. Mantenha as propriedades do reservatório iguais às do Problema 4.40. Agora
temos um túnel de vento Mach 20, com pressão e temperatura da seção de teste sig-
nificativamente menores do que no Problema 4.40; ou seja, o fluxo na seção de teste
não corresponde mais a uma altitude padrão de 55 km. Ainda assim, pelo menos do-
bramos o número de Mach do túnel. Calcule (a) a razão de área da saída em relação
à garganta da tubeira Mach 20 e (b) a velocidade de saída. Compare esses valores
com aqueles do túnel Mach 10 nos Problemas 4.40 e 4.41. O que podemos afirmar
sobre as diferenças? Em especial, observe as velocidades de saída dos túneis Mach
10 e Mach 20. Elas não são muito diferentes. O que causa o aumento considerável no
número de Mach de saída?
4.43 Os resultados do Exemplo 4.4 mostram que a força aerodinâmica sobre um corpo
é proporcional ao quadrado da velocidade de corrente livre. Contudo, isso só é es-
tritamente verdade quando a força aerodinâmica se deve à pressão exercida sobre a
superfície e quando o fluxo é incompressível. Quando a força aerodinâmica também
se deve à distribuição de tensão de cisalhamento friccional sobre a superfície e/ou o
fluxo é compressível, a lei do “quadrado da velocidade” não é estritamente válida. O
objetivo do problema é examinar como o arrasto de fricção sobre um corpo varia com
a velocidade de corrente livre para um fluxo incompressível.
286 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Considere uma placa plana com ângulo de incidência zero em um fluxo incompres-
sível de baixa velocidade. O comprimento de cada lado é de 4 m. Suponha que o
número de Reynolds de transição é de 5 × 10 e que as propriedades da corrente livre
5
são as do nível do mar padrão. Calcule o arrasto de fricção sobre a placa plana quando
a velocidade de corrente livre é (a) 20 m/s e quando é (b) 40 m/s. (c) Supondo que o
arrasto de fricção, Df, varia com a velocidade como , calcule o valor do expoente n
com base nas respostas de (a) e (b). O quanto n se aproxima de 2? Ou seja, o quanto o
arrasto de fricção obedece à lei do quadrado da velocidade?
4.44 Considere o fluxo viscoso incompressível sobre uma placa plana. Seguindo o tema
estabelecido no Problema 4.43, demonstre analiticamente que (a) para um fluxo total-
mente turbulento, o arrasto de fricção de superfície varia com e (b) para um fluxo
totalmente laminar, o arrasto de fricção de superfície varia com .
4.45 Considere um fluxo viscoso compressível sobre a mesma placa plana do Problema 4.43.
Suponha que há uma camada limite completamente turbulenta sobre a placa. As pro-
priedades da corrente livre são aquelas do nível do mar padrão. Calcule o arrasto de fric-
ção sobre a placa plana quando (a) M∞ = 1 e (b) M∞ = 3. (c) Pressupondo que o arrasto
de fricção, Df, varia com a velocidade com , calcule o valor do expoente n com base
nas respostas de (a) e (b). Note: este problema examina o efeito combinado da compres-
sibilidade e da fricção sobre a lei do “quadrado da velocidade”, no mesmo espírito dos
Problemas 4.43 e 4.44, que isolaram o efeito da fricção em um fluxo incompressível.
4.46 Considere um longo cano cheio de ar em condições padrões ao nível do mar. O sím-
bolo x representa a coordenada longitudinal mensurada ao longo do cano. O ar está
estacionário dentro do cano, ou seja, a velocidade de fluxo é zero em todos os pontos
dentro do cano. Um pequeno rojão é montado dentro do tubo em um local axial em
que x = 0. Quando o rojão é detonado, duas perturbações de pressão fracas (ondas de
pressão) são criadas em x = 0 e se propagam ao longo do cano, uma para a direita e
a outra para a esquerda. Suponha que essas distribuições de pressão fracas viajam à
velocidade do som local. Usando unidades SI, calcule: (a) a velocidade das ondas em
relação ao cano e (b) o local x de cada onda 0,2 segundos após a detonação do rojão.
4.47 Repita o Problema 4.46 para o caso em que o ar dentro do cano flui da esquerda para a
direita na direção do eixo x positivo com velocidade de fluxo de (a) 30 m/s e (b) 400 m/s.
4.48 Considere um elemento de ar na atmosfera padrão a uma altitude padrão de 1000 m.
Suponha que você consegue erguer esse elemento de ar isentropicamente até uma alti-
tude padrão de 2000 m, onde ele agora sofre a pressão padrão a 2000 m. Calcule a den-
sidade desse elemento de ar erguido isentropicamente e compare-a com a densidade de
seus elementos de ar vizinhos, todos os quais têm densidade igual à densidade padrão
a 2000 m. O que a resposta nos diz sobre a estabilidade da atmosfera nesse caso?
Observação: as propriedades da atmosfera padrão se baseiam em estática, ou seja, um ele-
mento de fluido estacionário no qual a mudança de pressão é determinada pela equação hi-
drostática, a Equação (3.2). Um processo isentrópico não é relevante para o estabelecimento
da atmosfera padrão. Na verdade, o objetivo desse problema é demonstrar que as mudança nas
propriedades atmosféricas com a altitude são bastante diferentes das mudanças corresponden-
tes a um processo isentrópico.
4.49 Considere um túnel de vento de baixa velocidade (ver Figura 4.15) com largura cons-
tante de 2 m em todo o seu comprimento (ou seja, cada seção transversal do túnel é
um retângulo de 2 m de largura). As alturas de entrada e saída da tubeira são de 4 m e
0,5 m, respectivamente. A velocidade do fluxo de ar na seção de teste é de 120 mi/h.
Calcule a velocidade do fluxo de ar em m/s na entrada da tubeira.
Capítulo 4 Aerodinâmica básica 287
3
separação em m e (dp/dx)méd é a média dos gradientes de pressão em N/m na entrada
e na saída do difusor, pressupondo que não há separação do fluxo. Pressupondo uma
camada limite laminar ao longo da parede do difusor, calcule o local da separação do
fluxo no difusor.
4.57 Para as condições do Problema 4.56, mas pressupondo uma camada limite turbulenta,
um critério aproximado para o ponto de separação é xs = 506(dp/dx) méd, onde xs está
–1
5.1 Introdução
É incrível que o avião moderno como o conhecemos, com sua asa fixa e superfícies
de cauda vertical e horizontal, tenha sido concebido por George Cayley, em 1799, há
mais de 200 anos. Ele entalhou seu conceito original em um disco de prata (provavel-
mente para sua permanência), mostrado na Figura 1.5. Também é incrível que Cayley
tenha reconhecido que uma superfície curva (como mostrado no disco de prata) cria
mais sustentação do que uma superfície plana. O conceito de asa fixa de Cayley foi
uma revolução no desenvolvimento de máquinas de voo mais pesadas do que o ar.
Antes de sua época, os entusiastas da aviação faziam todo o possível para imitar o voo
natural dos pássaros, o que os levou a uma série de aparelhos com asas que batiam
movidas pela força humana (ornitópteros), que jamais teriam como funcionar. Na ver-
dade, até mesmo Leonardo da Vinci dedicou seus esforços a projetar diversos tipos de
ornitópteros no final do século XV, obviamente sem nenhum sucesso. Nesses proje-
tos, o bater das asas deveria fornecer ao mesmo tempo sustentação (erguer a máquina
no ar) e propulsão (impulsioná-la durante o voo). Cayley é responsável por fazer com
que os inventores desistissem de imitar o voo dos pássaros e por separar os princípios
da sustentação e da propulsão. Ele propôs e demonstrou que a sustentação pode ser
obtida a partir de uma asa reta e fixa, inclinada contra a corrente de ar, enquanto a pro-
pulsão vem de um mecanismo independente, como hélices ou pás. Por esse conceito
e muitas outras ideias e invenções na aeronáutica, Sir George Cayley é considerado o
Capítulo 5 Aerofólios, asas e outras formas aerodinâmicas 289
Para começar
Este capítulo trata da sustentação e do arrasto São todos elementos importantes, o arroz com
sobre corpos aerodinâmicos, principalmente ae- feijão da engenharia aeroespacial. Neste capí-
rofólios e asas. São aplicações reais da engenha- tulo, você aprenderá tudo isso e muito mais. Por
ria aeroespacial, estendendo-se além do material exemplo, no National Air and Space Museum
básico dos Capítulos 1 a 4 e entrando no mundo do Smithsonian, os visitantes muitas vezes per-
da engenharia prática. Neste capítulo, você vai guntam ao autor deste livro como a asa produz
aprender: sustentação, uma pergunta natural e perfeitamen-
te inocente. Infelizmente, não há uma resposta
1. Como calcular a sustentação e o arrasto so-
simples e fácil, em uma frase só. Nem mesmo em
bre formas de aerofólios.
um parágrafo só. Cem anos depois do Wright
2. Como calcular a sustentação e o arrasto so- Flyer, indivíduos diferentes têm pontos de vista
bre a asa inteira de um avião. diferentes sobre qual o mecanismo mais funda-
3. Por que a sustentação e o arrasto de uma asa mental que produz a sustentação, sendo que al-
têm valores diferentes em relação à forma do guns defendem suas ideias com um fervor quase
aerofólio que compõe a asa. religioso. Este capítulo contém toda uma seção (a
4. O que acontece com a sustentação e o ar- Seção 5.19) sobre como a sustentação é produ-
rasto quando um aerofólio ou uma asa voam zida, qual explicação o autor considera a mais
próximos ou além da velocidade do som. fundamental e qual a sua relação com as explica-
5. Por que alguns aviões têm asas enflechadas ções alternativas.
e outros têm asas retas. Com este capítulo, você começará a se con-
6. Por que alguns aviões têm aerofólios finos e centrar em aviões, veículos espaciais com asas
outros têm aerofólios espessos. (como o Ônibus Espacial) e qualquer veículo que
7. Por que os formatos de asa ideais para voo voa pela atmosfera. Este capítulo acelera consi-
supersônico são diferentes daqueles para deravelmente nossa introdução ao voo. Aperte os
voo subsônico. cintos e aproveite a viagem.
pai da avião moderna. Uma análise mais detalhada das contribuições de Cayley apa-
rece no Capítulo 1. Contudo, é preciso enfatizar que boa parte da tecnologia discutida
neste capítulo tem origem no início do século XIX, uma tecnologia que finalmente
daria frutos em 17 de dezembro de 1903, próximo a Kitty Hawk, Carolina do Norte.
As seções a seguir desenvolvem um pouco da terminologia dos fundamentos
aerodinâmicos básicos dos aerofólios e asas. Esses conceitos representam o cer-
ne do voo de aviões e também uma excursão significativa pela área da engenharia
aeronáutica. O mapa deste capítulo aparece na Figura 5.1. O Capítulo 5 se divide
em três tópicos principais, cada um dos quais relacionado com as características
aerodinâmicas de uma classe de formas geométricas: aerofólios, asas e formatos
de corpos gerais. Três caixas no alto do mapa apresentam esses temas. Primeiro,
examinaremos as características aerodinâmicas dos aerofólios, e depois analisare-
mos os diversos aspectos listados na coluna da esquerda na Figura 5.1. É uma lista
comprida, mas muitas das ideias contidas nela também se aplicam a asas e corpos.
A seguir, passamos para a coluna central e a uma discussão sobre asas finitas, onde
veremos como a aerodinâmica de uma asa difere da de um aerofólio. Ambos os ae-
rofólios e as asas podem ser classificados como corpos esguios. A terceira coluna da
Figura 5.1, por outro lado, trata de alguns exemplos de corpos obtusos: cilindros e
290 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
Formas aerodinâmicas
Como a sustentação
é produzida
Bordo de fuga
Asa
Aerofólio
Bordo de
ataque
Plano perpendicular
à asa
Espessura
Linha média do aerofólio
Bordo de ataque Bordo de fuga
Arqueamento Corda
Corda c
Cor
d a
Vento relativo
(a)
L N
R
D
␣ A ␣
V∞
(b)
a sustentação é obtida quando F2 > F1. Entretanto, observe pela Figura 5.5 que F1 e
F2 criam um momento que tende a rotacionar o aerofólio. O valor desse momento in-
duzido aerodinamicamente depende do ponto em torno do qual escolhemos analisar
os momentos. Por exemplo, se analisamos momentos em torno do bordo de ataque, o
momento aerodinâmico é designado MLE. No caso dos aerofólios subsônicos, é mais
comum analisar momentos em torno de um ponto na corda a uma distância c/4 em
relação ao bordo de ataque, o ponto de um quarto da corda, como ilustrado na Figura
5.4a. Esse momento em torno de um quarto da corda é designado Mc/4. Em geral, MLE
≠ Mc/4. A intuição nos diz que sustentação, arrasto e momentos em uma asa mudam à
medida que o ângulo de ataque α muda. Na verdade, as variações dessas quantidades
aerodinâmicas com α representam algumas das informações mais importantes que o
projetista do avião precisará conhecer. A questão será trabalhada nas seções seguin-
tes. Contudo, precisamos lembrar que apesar de MLE e Mc/4 serem ambos funções de
α, há um certo ponto sobre o aerofólio em torno do qual os momentos basicamente
não variam com α. Esse ponto é definido como o centro aerodinâmico, e o momento
em torno do centro aerodinâmico é designado Mac. Por definição:
Mac = const
independentemente do ângulo de ataque. A localização do centro aerodinâmico para
formas aerodinâmicas reais também pode ser determinado de forma experimental.
Para aerofólios subsônicos de baixa velocidade, o centro aerodinâmico normalmente
fica bastante próximo do ponto de um quarto da corda.
Voltando à Figura 5.4a, lembre-se de que a força aerodinâmica resultante R pode
ser resolvida em componentes perpendiculares e paralelos ao vento relativo; a sustenta-
ção e o arrasto, respectivamente. Uma alternativa a esse sistema é resolver R em com-
ponentes perpendiculares e paralelos à corda, como mostrado na Figura 5.4b. Esses
componentes são chamados de força normal e força axial e são denotados por N e A,
respectivamente, na Figura 5.4b, mostrados pelas setas contínuas mais espessas. Tam-
294 Fundamentos de engenharia aeronáutica: Introdução ao voo
(5.5)
e para o comprimento l:
(5.8)
Resolvendo as Equações (5.6) a (5.8) para obter a, b e d em termos de e e f, obtemos:
(5.9)
(5.10)
(5.11)
(5.13)
(5.14)
(5.15)
L q∞ × S cl
↑ ↑ ↑ ↑
(5.17)
Susten- Pressão Área Coeficiente de
tação dinâmica da asa sustentação
Capítulo 5 Aerofólios, asas e outras formas aerodinâmicas 297
Veja só o que aconteceu! A Equação (5.3), escrita a partir da intuição, mas não
muito útil, evoluiu até atingir a forma simples e direta da Equação (5.17), que contém
uma quantidade enorme de informações. Na verdade, a Equação (5.17) é uma das
relações mais importantes na aerodinâmica aplicada. Ela afirma que a sustentação é
diretamente proporcional à pressão dinâmica (e, logo, ao quadrado da velocidade).
Ela também é diretamente proporcional à área da asa S e ao coeficiente de sustenta-
ção cl. Na verdade, a Equação (5.17) pode ser invertida e usada como uma definição
do coeficiente de sustentação:
(5.18)