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HÁ 90 ANOS ERA REALIZADA PRIMEIRA MEDIÇÃO DO DIÂMETRO DE UMA ESTRELA

memória
A chave do tamanho
A ideia de um instrumento capaz de medir

a dimensão de uma estrela que não o Sol


E m 1868, como relator de um trabalho em óptica
apresentado para concorrer a um prêmio ofere-
cido pela academia de ciências da França, o físico
Hippolyte Fizeau (1819-1896) comentou, de passa-
soa fantástica mesmo para nós que gem, que na grande maioria dos fenômenos de in-
terferência existe uma relação “notável e necessá-
vivemos na era dos telescópios espaciais.
ria” entre a dimensão das franjas de interferência
Não é pequeno, portanto, o feito dos pioneiros e aquela da fonte, de tal maneira que um sistema
de franjas começa a não mais ser percebido quando
da chamada interferometria estelar. o tamanho da fonte se torna apreciável. Racioci-
nando inversamente, Fizeau afirmou em seguida
A medição bem-sucedida do diâmetro que seria possível, portanto, usar duas grandes fen-
das acopladas a um telescópio para produzir fran-
da estrela Betelgeuse (-Orionis),
jas de interferência em seu plano focal e a partir
realizada por Albert A. Michelson (1852-1931) delas obter dados sobre os diâmetros angulares das
estrelas.
e Francis G. Pease (1881-1938) no dia 13 O comentário inusitado de Fizeau não passou
despercebido ao seu colega Édouard Stéphan (1837-
de dezembro de 1920, representou um triunfo 1923), então diretor do observatório de Marselha.
Em 1873 Stéphan tentou aplicar o método para
da instrumentação e coroou um processo
medir o diâmetro de algumas das estrelas mais
acidentado de desenvolvimento que teve brilhantes do céu usando uma “luneta ordinária”
munida de uma tela opaca vazada por duas fendas
início mais de meio século antes. distantes 15 cm uma da outra. Não tendo obtido
qualquer resultado, passou a usar o telescópio Fou-
A partir daí a interferometria astronômica cault de 80 cm coberto por uma máscara que dei-
xava passar luz apenas através de duas grandes
foi se sofisticando e ocupa hoje lugar
fendas em suas laterais, distantes 65 cm uma da

Há 90 anos
de vanguarda em diversos projetos outra. Novamente Stéphan
não foi capaz de fazer as
de pesquisa, como a busca franjas de interferência
desaparecerem, o que o
de planetas semelhantes levou à conclusão de que
o limite superior para o
à Terra em outros sistemas
ângulo subentendido pe-
FOtO JOHn GaVReaU

e a tentativa de detecção las estrelas estudadas de-


veria ser de 0,158 segun-
de ondas gravitacionais. do de arco. A circunfe-
rência, como sabemos,
contém 360 graus. Ca-
da grau corresponde a
60 minutos de arco, e
cada minuto de arco
corresponde a 60 se-
Constelação de Órion. Betelgeuse, gundos de arco. Por-
de luz amarelada na parte superior
esquerda da figura, foi alvo tanto, 0,158 segundo
da primeira medição do diâmetro de arco é um ângulo
de uma estrela, em 1920 muito pequeno. 

julho de 20 10 • CiênCia Hoje • 7 3


memória

© Bettmann/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock
Albert Michelson, ao centro, na companhia (da esquerda para a direita) de Milton L. Humason,
Edwin Hubble, Charles E. St. John, Albert Einstein, William W. Campbell e Walter S. Adams,
na biblioteca do observatório Mount Wilson, no início de 1931

O método parece ter sido reinventado pelo físi- a visibilidade das franjas de forma a inviabilizar a
co norte-americano Albert Michelson, que em 1891 medição de diâmetros estelares.
realizou testes de laboratório em um sistema seme- Por volta de 1910 os trabalhos do químico e as-
lhante, dispondo de um telescópio de 12 polegadas trônomo dinamarquês Ejnar Hertzsprung (1873-
e uma engrenagem com escala para que o observa- 1967) e do astrônomo norte-americano Henry Rus-
dor pudesse alterar convenientemente a distância sel (1877-1957) levaram ao estabelecimento de uma
entre as fendas até que as franjas de interferência relação entre a luminosidade de uma estrela e seu
desaparecessem. Confiante nos resultados positivos tipo espectral, o que permitiu uma estimativa do
de seu aparelho, Michelson utilizou-o para medir tamanho real das estrelas. A disponibilidade de
os diâmetros dos satélites galileanos de Júpiter, cálculos teóricos de referência (com os quais con-
encontrando valores comparáveis com as médias trastar eventuais medidas) e a indicação das estre-
de medições telescópicas. Entretanto o projeto não las que seriam alvos preferenciais fizeram ressurgir
teve continuidade, em parte, especula-se, pela cren- o interesse pela técnica.
ça de que condições atmosféricas poderiam afetar
Interferômetro
Gigante vermelha
estelar montado Mas só em 1919, ano em que Michelson retomou
pelo físico Albert seus testes com o interferômetro estelar no obser-
MICHELSON, A. A. & PEASE, F. Astrophysical Journal, 1921, plate IV.

Michelson sobre vatório de Yerkes, em Wisconsin, e em Mount


o telescópio Wilson, na Califórnia, ficou estabelecido que era
do observatório
possível obter franjas com boa visibilidade mesmo
Mount Wilson,
na Califórnia, quando as condições atmosféricas eram proibitivas
com o objetivo de para observações telescópicas tradicionais. Michel-
medir o diâmetro son, que havia recebido o Nobel de Física em 1907
de uma estrela. e era uma figura influente na ciência norte-ameri-
A grandeza
cana, incluiu outros astrônomos conterrâneos no
relevante
é a separação projeto. George Hale (1868-1938) incumbiu John
entre os espelhos Anderson (1876-1959) de utilizar o interferômetro
M1 e M4 com o telescópio de 100 polegadas de Mount Wilson

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me mó ria
para, inicialmente, medir a separação angular entre
estrelas binárias (ver ‘Chuva de matéria no céu’, em
Ciência Hoje no 267, p. 50). A dupla que forma a
binária Capela foi escolhida como alvo devido à UM MERGULHO NA
HISTÓRIA DA CIÊNCIA
separação estimada entre suas componentes com
base na análise espectroscópica de sua órbita e de
sua distância estimada por paralaxe (deslocamento
aparente da posição da estrela em relação ao fundo
de estrelas mais distantes quando observada de DO GÁS HILARIANTE AO REFLEXO CONDICIONADO
diferentes pontos da órbita da Terra).
Trabalhando de dezembro de 1919 a abril de DA ORIGEM DAS ESPÉCIES AO RITMO CARDÍACO
1920, Anderson conseguiu não só medir a separação DA INVENÇÃO DA PILHA À ERA ESPACIAL
entre as estrelas que formam Capela, mas também
desenvolver uma técnica nova que envolvia uma DO TELÉGRAFO SEM FIO À INTERNET
máscara giratória para que as fendas pudessem ser
giradas defronte ao telescópio. A partir do efeito da DE MARCO POLO À REVOLUÇÃO LINGUÍSTICA
rotação na visibilidade das franjas, a posição cor- DA CRIAÇÃO DA ONU À GEOPOLÍTICA ATUAL
reta era então encontrada. O efeito passou a ser
usado para identificar se determinada estrela era
ou não binária ou, equivalentemente, se variações
na visibilidade das franjas de interferência de uma Conheça nestes
estrela permaneciam quando da rotação da másca-
ra com as fendas, o que rendeu a Capela o epíteto 3 volumes os fatos
“amiga dos interferometristas”.
Em dezembro de 1920, Michelson, trabalhando
que mudaram
com Francis Pease, conseguiu finalmente obter uma nossa forma
medição para o diâmetro de uma estrela. O alvo foi
Betelgeuse (-Orionis), a gigante vermelha no om-
de ver a natureza,
bro do Órion, para a qual o interferômetro de 100 o universo
polegadas, ajustado para distanciamento máximo
entre as fendas, já havia detectado um enfraqueci- e o ser humano
mento da visibilidade das franjas, que não se alte-
A coleção

rava com a rotação da máscara – indicando, por-


Memória Hoje
o objetivo foi criada
de divulgar com
artigos orig
mente pub
licados, em
sua maioria
inal-
2 Fatos que
tanto, que não se tratava de um par de estrelas.
seção ‘Me , na
mória’ da Ciên mudaram
ta de divu
lgação cien
cia Hoje, revi
s- nossa forma
Ciência Hoje
tífica do Inst de ver o un
, e de amp
ituto
iverso
Michelson suspeitava que uma separação das
memóriaho

de pessoas liar o núm


interessada ero
e história s em ciên Nos 53 artig
da ciência. cia os aqui pub
Concebida rama suci licados, o
comemorar para nto, porém leitor terá
um pano-

fendas um pouco maior já seria suficiente para fazer


as efemérid esclarecedo
considerada es científic no campo
das ciências r, de grandes
s como as as feitos
mais relevant de a cons exatas, que
em um dete se estende
je

es trução dos m des-


rminado dom no século primeiros
cia, a seçã ínio da ciên- 13, até o nasc reló gios mecânic

desaparecer as franjas, mas não havia um telescópio


CIÊNCIAS

o ‘Memória’ imento da os,


publica artig da década inte rnet
sobre as prin os de 1980. Entr , no início
cipais real esforços de e esses extr
ficas escr izaç ões cientí- pesquisadore emo s, emergem
EXATAS

itos em ling

memóriah
matemática, s que dera
uagem sim m maiorid

maior para tentar provar isso. A solução foi usar um


clara e atra ples, à astronomia ade à
ente. suas diferent , à física e

oje
es subáreas à química
– e às
O presente –, possibili
Fatos que

sos sem prec tando prog


volume, o edentes à res-
uma série segundo de sociedade
de três, con humana.

sistema de espelhos móveis sobre uma haste de tém artigos Originalmen


dos à área liga- te escritos
das ciências tas para as por cientista O Instituto
exatas e cor- páginas da s e jornalis- Ciência Hoj
relatas. Gran Ciência Hoje seçã o ‘Memór VOLUME 2 e (ICH) é uma
mudaram

de parte dele , esses text ia’ da revi o CIÊNCIAS Organizaçã


ao século s refere-s os, sta EXATAS o da Socieda

aproximadamente 6 m para trazer a luz de distân-


passado, e história, gan costurados de Civil de
quando a ham nova pelo fio da Interesse
química, as física, a dando o leito dimensão Público (OS
engenharia neste volu vel pelas CIP) respons
s e as com r a compree me, aju- publicaçõe á-
cações sofr uni- científicas nder que s e produtos
as descobe
nos sa form

eram tran – e o cons rtas difusão cien de


sformações eqüente dese tífica da Soc

cias maiores que o diâmetro do telescópio e formar


portantes im- técnica e nvolvimento
graças à das tecnolog
da sileira para iedade Bra
criação de Não são fruto ias – têm cará o Progress -
teorias, ao novas ter cumulat o da Ciên
aprimorame da atividad ivo. (SBPC), enti cia
nto de técn de gênio, e isolada de dade civil
experimenta icas mas do trab alguns hom sem fins lucr
is ou à inve alho ens tivos que reún a-

o sistema de interferência. Os espelhos eram então


a de ver o

nção de novo nidade de sistemático e cientista


equipamento s indivíduos de uma com s, pesquis
s. Mas não suas área que, para u- dores, prof a-
foi contemp só o século s de atua alcançar avan essores, estu
lado; é pos 20 ção, depend ços em público em dantes e
sível enco de seus ante em da cont geral. Entr o
ainda trab ntra r cessores. ribuição e os produtos

progressivamente afastados até que as franjas desa-


alhos que do ICH, des
descrevem
universo

tribuições con taca-se a


mais long - Hoje, criada revista Ciên
ínquas, com em 1982 com cia
portantes o im-
observações de estabele o objetivo
ou aquelas astronômica cer um can

parecessem, o que ocorreu quando estes estavam


dadas à mat s cação entr al de com
emática clás e a comunid uni-
sica, por exem - ade científic
plo. e a socieda a
de. Desde
1997, a revi

  

publica a




sta



seção ‘Me

a cerca de 3 m de distância um do outro. Isso sig- da a relatar mória’, des


tina-
fatos, teor
tas e invençõ ias, descob
es que mud er-
 
forma de ver aram nossa

nifica um diâmetro angular de 0,047 segundos de


 

o universo
e o ser hum , a natureza
ano. Neste ,
reunidos arti livro estã
gos da área o
de ciências

arco para Betelgeuse. Levada em conta a paralaxe


exatas que
contam algu
grandes real mas dessas
izações da
ciência.

(0,018 segundos de arco), isso atribuiu ao diâmetro


da estrela o valor de 386 x 106 km, maior que o di-
âmetro da órbita da Terra em torno do Sol.

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Roberto Affonso Pimentel Jr.
colégio de Aplicação,
www.cienciahoje.org.br
universidade Federal do rio de Janeiro

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