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DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar

DIRETOR DE AUDIÊNCIA Luciano Touguinha de Castro


DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any

E dição 1002 I 4 de setembro de 2017

Diretor de Redação: João Gabriel de Lima epocadir@edglobo.com.br


As dificuldades da renegociação da dívida
PRIMEIRO PLANO
Editor-Chefe: Diego Escosteguy
46 Diretor de Arte Multiplataforma: Alexandre Lucas
do Corinthians com a Caixa . . . . . . . . . . . . . . Editores Executivos: Alexandre Mansur, Guilherme Evelin,
Leandro Loyola, Marcos Coronato
10 50 Editores-Colunistas: Bruno Astuto, Murilo Ramos
DA REDAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CARTAS COLOMBIANAS . . . . . . . . . . . . . . Editores: Bruno Ferrari, Flávia Tavares, Flávia Yuri Oshima, Liuca Yonaha,
Marcela Buscato, Marcelo Moura
A conversão das Farc em partido político Editores Assistentes: Isabela Kiesel, Bruno Calixto
PERSONAGEM DA SEMANA . . . . . . . . . . 13 é uma vitória da democracia Repórteres Especiais: Aline Ribeiro, Cristiane Segatto
Colunistas: Eugênio Bucci, Guilherme Fiuza, Gustavo Cerbasi, Helio Gurovitz,
André Fufuca, presidente interino da Ivan Martins, Jairo Bouer, Marcio Atalla, Ruth de Aquino, Walcyr Carrasco
Câmara, tenta colocar os colegas para votar ÉPOCA CENÁRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Repórteres: Gabriela Varella, Luís Lima, Mariana Queiroz Barboza, Nina Finco,
Paula Soprana, Rafael Ciscati, Rodrigo Capelo, Ruan de Sousa Gabriel
Caminhamos para uma corrida armamentista Vídeo: Pedro Schimidt; Web Designer: Giovana Tarakdjian
16 Consultora de Marketing: Cássia Christe
A SEMANA EM NOTAS . . . . . . . . . . . . . . . . na Ásia para cercar o regima norte-coreano Estagiários: Anaís Motta, Daniela Simões, Daniele Amorim, Giovanna Wolf Tadini,
Guilherme Caetano, Nelson Niero Neto
18 58 SUCURSAIS l RIO DE JANEIRO: epocasuc_rj@edglobo.com.br
A SEMANA EM FRASES . . . . . . . . . . . . . . . REAGE, RIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Rua Marquês de Pombal, 25 – 5o andar – Cidade Nova – Rio de Janeiro – CEP 20.230-240
Editor: Sérgio Garcia
David Zylbersztajn, ex-diretor Repórteres: Acyr Méra Júnior, Guilherme Scarpa, Marcelo Bortoloti
20
GUILHERME FIUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . da Agência Nacional do Petróleo, Repórteres Especiais: Hudson Corrêa, Samantha Lima
l BRASÍLIA: epocasuc_bsb@edglobo.com.br
Os crocodilos do WhatsApp fala sobre o futuro do pré-sal SRTVS 701 – Centro Empresarial Assis Chateaubriand – Bloco 2 –
Salas 701/716 – Asa Sul
Diretor: Luiz Alberto Weber; Repórteres: Aguirre Talento, Débora Bergamasco,
22
EXPRESSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Marcelo Rocha, Mateus Coutinho, Nonato Viegas, Patrik Camporez
FOTOGRAFIA l Editor: André Sarmento

SUA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
IDEIAS Assistente: Sidinei Lopes
DESIGN E INFOGRAFIA l Editor: Daniel Pastori
Editora Assistente: Aline Chica
Designers: Cristina Ayumi Kashima, Daniel Graf, Renato Tanigawa
26 Estagiárias: Nívea Pascoaloto, Thais Solano Valério
NOSSA OPINIÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . OBSERVADOR DA POLÍTICA Editor de Infografia: Marco Antonio Vergotti
A crise de representação popular estimula SECRETARIA EDITORIAL l Coordenador: Marco Antonio Rangel
REVISÃOl Coordenadora:AracidosReis Galvãode França; Revisores: Alice Rejaili Augusto,
ONGs parecidas com partidos e partidos Elizabeth Tasiro, Silvana Marli de Souza Fernandes, Verginia Helena Costa Rodrigues
60 CARTAS À REDAÇÃO l epoca@edglobo.com.br
que tentam se parecer com ONGs . . . . . . . . .
TEMPO Assistente Executiva: Jaqueline Damasceno
ESTRATÉGIA DE CONTEÚDO DIGITAL l Gerente: Silvia Balieiro
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO l Diretor de TI: Rodrigo Gosling
Fernando Haddad e Rodrigo Maia ESTRATÉGIA DIGITAL l Coordenador: Santiago Carrilho
FRONTEIRAS ECOLÓGICAS debatem a renovação da política brasileira . . . 64 Desenvolvedores: Alexsandro Macedo, Fabio Marciano, Fernando Raatz, Fred Campos,
Leandro Paixão, Marden Pasinato, Murilo Amendola, Thiago Previero, William Antunes
A onda de retrocessos ambientais MERCADO ANUNCIANTE l Segmentos – Tecnologia, TI, Telecom, Eletroeletrônicos,
28
do governo Michel Temer . . . . . . . . . . . . . . . Por que chegou a hora de mudar a política . . 68 Comércio e Varejo l Diretor de negócios multiplataforma: Emiliano Morad Hansenn;
Gerente de negócios multiplataforma: Ciro Hashimoto; Executivos multiplataforma:
Christian Lopes Hamburg, Cristiane Paggi, Jessica de Carvalho Dias, Roberto Loz Junior;
70 Segmentos – Bens de Consumo, Alimentos e Bebidas, Moda e Beleza, Arquitetura
Para preservar o mandato, o presidente HELIO GUROVITZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . e Decoração l Diretora de negócios multiplataforma: Selma Souto; Executivas
Michel Temer libera atividades de A armadilha que paralisa a esquerda multiplataforma: Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani, Giovana Sellan Perez, Paula
Santos Silva, Selma Teixeira da Costa, Soraya Mazerino Sobral; Segmentos – Mobilidade,
36
alto custo ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Serviços Públicos e Sociais, Agronegócios, Indústria, Saúde, Educação, Turismo, Cultura,
Lazer, Esporte l Diretor de negócios multiplataforma: Renato Augusto Cassis Siniscalco;
Executivos multiplataforma: Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano, João Carlos Meyer,
Priscila Ferreira da Silva; l Diretora de negócios multiplataforma: Sandra Regina de Melo Pepe;
INVESTIGAÇÃO
VIDA
Executivos multiplataforma: Dominique Petroni de Freitas, Lilian de Marche Noffs; l Segmentos
– Financeiro, Legal, Imobiliário l Executivos multiplataforma: Ana Silvia Costa, Milton Luiz
Operação da Receita Federal investiga Abranches; l Escritórios Regionais l Diretora de negócios multiplataforma: Luciana Menezes
38
sonegação com bens em Miami . . . . . . . . . . . . . Pereira; Gerente multiplataforma: Larissa Ortiz; Executiva multiplataforma: Babila Garcia
Chagas Arantes; l Unidades de Negócio – Rio de Janeiro – Gerente multiplataforma: Rogerio
72
FRONTEIRAS DA JUSTIÇA . . . . . . . . . . . . Pereira Ponce de Leon; Executivos multiplataforma: Daniela Nunes Lopes Chahim,
Juliane Ribeiro Silva, Maria Cristina Machado, Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos;
O presidente do PMDB tenta manobra Por que o sistema funciona l Unidades de Negócio – Brasília – Gerente multiplataforma: Barbara Costa Freitas Silva;
42 Executivos multiplataforma: Camilla Amaral da Silva, Jorge Bicalho Felix Junior;
para engordar caixa do partido . . . . . . . . . . tão mal contra agressões sexuais? Opec Off-Line: Carlos Roberto de Sá, Douglas Costa, Bruno Granja; Opec On-Line: Danilo
Panzarini, Higor Chabes, Rodrigo Pecoschi; l EGCN – Consultora de marcas: Olivia Cipolla
Bolonha; l Desenvolvimento Comercial e Digital l Diretor: Tiago Joaquim Afonso;
Secretário de Temer afirma que BRUNO ASTUTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 l G.Lab: Caio Henrique Caprioli, Lucas Fernandes; Customizadas: Vera Ligia Rangel Cavalieri;
Eventos: Daniela Valente; Portfólio e Mercado: Rodrigo Girodo Andrade;
ministro da Integração recebeu Três leilões de ícones da Projetos Especiais: Luiz Claudio dos Santos Faria, Guilherme Inegawa
44
propina de Belo Monte na campanha . . . . . moda e da decoração AUDIÊNCIA l Diretor de Marketing: Cristiano Augusto Soares Santos
Diretor de Planejamento e Desenvolvimento Comercial: Ednei Zampese
prometem atrair os colecionadores Coordenadores de Marketing: Eduardo Roccato Almeida, Patricia Aparecida Fachetti

79
WALCYR CARRASCO . . . . . . . . . . . . . . . . .
Quando as árvores choram ÉPOCA é uma publicação semanal da EDITORA GLOBO S.A. – Avenida 9 de Julho, 5229, São Paulo (SP),
Jardim Paulista – CEP 01407-907. Distribuidor exclusivo para todo o Brasil: Dinap – Distribuidora
80 Nacional de Publicações GRÁFICAS: Plural Indústria Gráfica Ltda. – Avenida Marcos Penteado de
12 HORAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ulhoa Rodrigues, 700 – Tamboré – Santana de Parnaíba, São Paulo, SP – CEP 06543-001.

28 RUTH DE AQUINO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ejaculação pública no rosto constrange?
82
O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verifi-
cação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa - Ano 2012,
da Editora Globo S .A ., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos
dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformi-
dade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol .

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As cartas devem ser encaminhadas com assinatura, endereço e telefone do remetente. ÉPOCA reserva-se o direito de selecioná-las e resumi-las para publicação.
Só podem ser incluídas na edição da mesma semana as cartas que chegarem à Redação até as 12 horas da quarta-feira.

4 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


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Como se livrar
do 7 a 1 na política
P oucos resultados foram tão merecidos quanto a vitó-
ria da Alemanha sobre o Brasil por 7 a 1, no Mineirão
lotado, durante a Copa de 2014. Um dos times fez tudo
nômica do primeiro time. Assim como sua antecessora, no
entanto, Temer tombou diante de problemas históricos do
Brasil. Seu governo sucumbiu à corrupção e ao patrimo-
certo. O outro afundou nos próprios erros. O Brasil entrou nialismo mais rasteiros. Temer cercou-se de ministros in-
na Copa com um futebol ultrapassado, previsível, girando vestigados na Lava Jato – e acabou, ele próprio, alvo de
em torno de um único craque, Neymar. Como Neymar investigações. Para se manter no cargo, passou a trocar
não pôde jogar contra a Alemanha – estava machucado –, favores com a porção mais clientelista do Congresso Na-
a equipe naufragou. Em contrapartida, a Alemanha joga- cional. O resultado se faz sentir em várias áreas. Uma delas
va num moderno 4-1-4-1, o meio- é a do meio ambiente, tema de uma
campo em forma de “V”, com os joga- reportagem especial nesta edição. Em
dores trocando de posição o tempo troca de votos que garantam sua per-
todo, num balé mágico que desnortea- manência no governo, Temer vem pro-
va as defesas adversárias. O trauma do movendo um verdadeiro desmonte nas
Mineirão selaria o fim da hegemonia leis ambientais do país.
brasileira no futebol mundial? Na segunda-feira da semana passada,
Três anos depois, a resposta é um ÉPOCA promoveu um debate entre
sonoro “não”. Em vez do estilo ultrapas- Rodrigo Maia, presidente da Câmara
sado e voluntarista de Felipão, a seleção dos Deputados, e Fernando Haddad,
de Tite joga hoje como uma equipe eu- ex-prefeito de São Paulo. O tema foi a
ropeia – com inteligência. Para ser exa- renovação na política. Maia tem dado
to, joga no mesmo esquema tático da declarações no sentido de incentivar
Alemanha do 7 a 1, o 4-1-4-1, com o políticos jovens no campo da centro-
meio-campo em “V” e o balé dos ata- direita, onde se situa seu partido, o
VIRADA
cantes – que, agora, não dependem mais O craque Neymar. A seleção DEM. Haddad é visto como força reno-
do talento de Neymar. Foi o primeiro aprendeu com os erros. Os vadora no espectro da centro-esquerda.
time a se classificar nas eliminatórias políticos podem fazer o mesmo Os melhores trechos do debate, além de
para a Copa do Mundo da Rússia. A vídeos e enquetes, podem ser acessados
metamorfose mostra que os brasileiros nas diversas plataformas desta edição
foram capazes de aprender com os próprios erros. de ÉPOCA. Já há algum tempo a revista vem abraçando a
Seria bom se isso acontecesse também na política. Dois causa da renovação na política. O Brasil precisa de novos
erros marcam nossa história recente. O primeiro foi o fim nomes e novas ideias. Gente livre dos vícios que assolam o
da cultura da responsabilidade fiscal, que havia perdura- país, como a irresponsabilidade fiscal, a corrupção e o pa-
do no segundo governo de Fernando Henrique e no pri- trimonialismo. Passa da hora de o Brasil – como a seleção
meiro de Lula. Animado com o crescimento econômico, de futebol que o representa – aprender com os próprios
o Lula do segundo mandato iniciou uma nova fase de erros e voltar à trilha do crescimento e da inclusão.
gastança, que chegou à total falta de controle durante o
governo Dilma Rousseff. O resultado da farra fiscal de
Lula e Dilma se abateu principalmente sobre a população
mais pobre, a que mais sofreu – e ainda sofre – com os
flagelos do desemprego e da inflação.
O vice de Dilma, Michel Temer, assumiu a Presidência
depois do impeachment com a missão de estancar o ralo João Gabriel de Lima
de dinheiro. Começou bem, ao nomear uma equipe eco- Diretor de Redação

10 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: Reuters/Paulo Whitaker


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PRIMEIRO
PLANO ANDRÉ FUFUCA

O PAÍS DE FUFUCA
Alçado a presidente da Câmara em uma quinzena decisiva,
o deputado novato com pinta de bebê é a cara do Brasil de 2017

Foto: Sergio Lima 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 13


PE R SO NAG E M DA S E MANA

B
Flávia Tavares

em-vindos à Fufucocracia. Estamos no ano 1


da era Fufuca. A chegada do deputado André
Fufuca à presidência da Câmara dos Deputa-
dos na terça-feira, 29 de agosto, inaugura uma
temporada áurea de trocadilhos e pilhérias na
política nacional. Não bastasse a sonoridade infantil de
FU-FU-CA, associado a ela vem aquele rostinho. Aquelas
bochechas. O penteado. O maranhense André Fufuca é o
cabeça da Casa do Povo até o dia 6 de setembro. O presi-
dente da República, Michel Temer, foi para a China. Temer
não tem vice, porque era ele o vice até um ano atrás. Ro-
drigo Maia, presidente da Câmara, assume, então, a Pre-
sidência do Brasil nas poucas ausências de Temer em
viagens internacionais. No lugar de Maia ficaria o depu-
tado Fábio Ramalho, o Fabinho Liderança, do PMDB
mineiro, primeiro-vice-presidente da Casa. Mas Temer
levou Fabinho para Pequim – e Fabinho, por sua vez, car-
regou no Aerolula leitão, feijão-tropeiro, linguiça e carne OS TRÊS
PRESIDENTES
de sol, reproduzindo nos ares o farnel que costuma servir Michel Temer,
regularmente aos gourmets do Executivo, Legislativo, André Fufuca
Judiciário e empresariado em seu apartamento em Bra- e Rodrigo Maia.
sília. O comando da Câmara sobrou para Fufuca, segun- A linha sucessória
foi passando,
do-vice-presidente. É uma surra de Brasil. passando... até que
A interinidade na presidência da Câmara foi o prêmio chegou a Fufuca
que Fufuca recebeu por ter sido um bom menino ao longo
deste seu primeiro mandato como deputado federal. Pri-
meiro, comportou-se como obediente afilhado do então
presidente Eduardo Cunha, hoje preso na Lava Jato. Fufu- fuca tem de desencalacrar. Estavam previstas para sua tem-
ca era do esquadrão fiel a Cunha, a quem chamava, espa- porada de interinidade ao menos três votações enormes
lham seus detratores, de “papi”. Fufuca nega. Diz que, no em importância no Congresso. Uma delas sobre o Refis, o
Maranhão, esse termo é “afeminado”. E que tamanha ma- programa de refinanciamento de dívidas de empresas –
ledicência é tão somente por causa de sua juventude. Fu- muitas delas de parlamentares ou financiadoras deles. En-
fuca tem 28 anos. O rosto rotundo e rosáceo emoldurado crenca. A outra definiria a nova Taxa de Longo Prazo (TLP)
pelo cabelo lisinho e preto o faz parecer ainda mais jovem. a ser usada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
Um bebezão. Não dá para negar que lembra um pouco o nômico e Social (BNDES) nos empréstimos que o banco
Nhonho, aquele chorão, amigo do Chaves e do Kiko. O concede – um golpe significativo na política de a população
apelido Fufuca não ajuda. Como sempre pode piorar, Fu- subsidiar empréstimos generosos a poucas empresas. Po-
fuca é, na verdade, Fufuquinha. Fufuca sênior é seu pai, lêmica. Fora isso, estão na pauta duas Propostas de Emen-
Francisco Ribeiro Dantas Filho, também do PMDB. Fufu- da à Constituição da reforma política: uma busca impedir
quinha é filho de Fufuca Dantas, prefeito de Alto Alegre do as coligações partidárias e limitar o número de legendas no
Pindaré, no Maranhão – poucas frases se encaixariam com Congresso; a outra estabelece como novo modelo de eleição
tamanha poesia na Sucupira de Dias Gomes. Mas nada é para 2018 o distritão e define o financiamento público de
mais Sucupira do que o Brasil de 2017. campanhas eleitorais. A mãe de todas as confusões. Fufuca
Na terça-feira, logo cedo, Fufuca foi à Base Aérea de participou de uma reunião com lideranças partidárias so-
Brasília assistir à transmissão de cargo de presidente da bre a reforma política logo em seu primeiro dia como pre-
República de Michel Temer para Rodrigo Maia. sidente da Câmara. (Dizem que comprou terno novo para
Temer deu uma mãozinha para que Maia, uma espécie de o encontro.) Saiu sem conquistar um consenso. Então,
Fufucão, chegasse ao Planalto e um ultrassorridente Fufu- declamou sobre seu cargo temporário: “Para mim, o que
quinha, por consequência, ascendesse à Câmara. Mas en- muda é o posto, mas o ser humano ainda é o mesmo”.
cerremos por aqui a chacota com o apelido e a aparência Fufuca não brilhou tão intensamente quanto gostaria
do condutor temporário da Câmara – ao menos por en- na primeira semana de protagonismo político. Foi sabota-
quanto. O preocupante é o tamanho da encrenca que Fu- do pelas circunstâncias. O presidente do Senado, Eunício

14 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


André Fufuca

Oliveira, do PMDB do Ceará, convocou sessões conjuntas


do Congresso, que ele próprio preside, na terça-feira e na
quarta-feira para votar vetos presidenciais, destrancar a
pauta e botar no plenário a avaliação da nova meta fiscal
proposta pelo governo Temer (a oposição trancou essa vo-
tação). O que restava a Fufuca? Aproveitar as tardes para
fazer política. Na terça-feira, recebeu no espaçoso gabinete
da presidência da Câmara prefeitos do seu Maranhão. No
dia seguinte, pela manhã presidiu uma sessão em que a TLP
foi aprovada. Ouviu dos colegas elogios condescendentes.
Numa cena que faria Odorico Paraguaçu se contorcer de
inveja, Fufuca ouviu de Júnior Marreca, do PEN: “Quero
registrar a satisfação de tê-lo na presidência desta Casa. É
um orgulho para o Maranhão”. Mais tarde, Fufuca deu
pinta na festa de lançamento do XIV Congresso do PCdoB,
onde fez um discurso de improviso, de cerca de três minu-
tos. Explicou que falaria “do coração” porque “o discurso
escrito é como uma flor que você tira da planta: ela perde
o cheiro, perde a essência, perde a cor”. Ainda chamou o
PCdoB de “fênix” do Brasil. Foi bastante aplaudido. Deter-
minado a marcar sua passagem no comando da Casa não
só pelo apelido, Fufuca convocou sessões extras com os
deputados na segunda-feira, dia 4, na terça-feira, dia 5, e
na quarta-feira, dia 6. Véspera de um feriadão. Se conseguir
quórum, realmente entrará para a história.
É vão o sentimento de indignação com a ascensão de
Fufuca a uma posição tão importante numa semana de-
cisiva para o Brasil. Ele está lá por direito e por malemo-
lência no jogo político. Com tanta novela, seriado e jogo
de futebol para acompanhar, dificilmente o cidadão co-

Fufuca mum se interessaria por compreender o mecanismo de


eleição da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Se

convocou sessões muito, observa quem foi eleito presidente da Casa. Mas
segundo-vice-presidente? Nem. Pois no dia 2 de fevereiro

extraordinárias
deste ano, a chapa de Rodrigo Maia se elegeu com 293
votos. Com ele, venceram Fábio (leitão na mala) Ramalho
e André Fufuca: mais do que os deputados, tomaram a

para a véspera mesa as legendas, o DEM, o PMDB e o PP. Fufuca, que


começou sua carreira no PSDB, pelo qual se elegeu depu-

de um feriadão.
tado estadual em 2011 com apenas 21 anos, foi para o
PEN para se eleger deputado federal em 2014 e, esperta-
mente, pulou para o PP meses antes da eleição da mesa

Se conseguir diretora. O PP é o maior partido do centrão, da base de


Temer. Ao montar sua chapa, Rodrigo Maia compôs com

quórum, entrará
o partido do presidente e com seu maior apoiador. Venceu
até com o apoio de parte do PT, que ganhou uma suplên-
cia. Como segundo-vice-presidente, Fufuca tem entre suas

para a história prerrogativas ressarcir despesas médicas dos parlamenta-


res. Em outros tempos, teria a possibilidade remota de
assumir a Casa em momentos delicados. Mas o Brasil de
2017 é feito de possibilidades remotas transformadas em
realidade. Bem-vindos à Fufucocracia. u

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 15


AGOSTO/SETEMBRO I 2017

Seg Ter Qua Qui Sex Sáb Dom


QUE RESUMEM A SEMANA 28 29 30 31 1o 2 3

A vez de Serra
A ministra Rosa Weber, do STF,
abriu na segunda-feira, dia 28,
um inquérito para investigar a
denúncia de que o senador José
Serra (PSDB-SP) recebeu caixa dois
para sua campanha presidencial de
2010. Segundo a delação de Joesley
Batista, Serra ganhou quase R$ 20
milhões da JBS – R$ 13 milhões
declarados e R$ 6,4 milhões em
caixa dois, justificados com notas
fiscais suspeitas de serem frias.

Dinheiro de volta
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva LEVE
pediu na terça-feira, dia 29, que o juiz Sergio Moro RESPIRO
desbloqueie recursos de sua aposentadoria e poupança. A taxa de
Os advogados solicitaram ainda a liberação da metade desemprego Sujou na OMC
dos valores bloqueados de contas bancárias (R$ 606 no Brasil A Organização Mundial do
mil) e de previdência privada (cerca de R$ 9 milhões), caiu para Comércio (OMC) deu na quarta-
considerados parte da herança de Marisa Letícia, feira, dia 30, um prazo de 90 dias
esposa de Lula, que morreu em fevereiro. Em julho, para que o Brasil retire subsídios
depois de condenar Lula no processo do tríplex, dados à indústria, depois de queixas
Moro ordenou o bloqueio e sequestro de bens de até de União Europeia e Japão. Para
R$ 13,7 milhões como indenização à Petrobras. adiar o risco de retaliações por parte
dos países descontentes, o governo
brasileiro recorrerá da decisão.
Enquanto o caso é reexaminado,
A
As flores do mal o governo espera ganhar tempo
para modificar ou encerrar alguns
Na terrça-feira, dia 29, a força-tarefa da programas de subsídios.
Lava Jato no Rio de Janeiro apresentou no trimestre
um e--mail no qual o empresário encerrado em
Jacob Barata Filho manda enviar julho, divulgou
flores à casa do ministro Gilmar na quinta-feira,
Mend des, do Supremo Tribunal dia 31, o IBGE.
No trimestre
Federaal. Os procuradores pedem que anterior, o
Mend des seja impedido de julgar ações índice ficou
de Barata. Padrinho de casamento em 13,6%. É o
fi de Barata, há duas semanas
da filha primeiro recuo
Meendes mandou soltar o desde 2014.
em
mpresário preso por corrupção.
HARVEY, JÁ VAI TARDE O Furacão Harvey inundou grande parte dos estados de
Texas e Louisiana, nos Estados Unidos, na quarta-feira, dia 30. A tempestade deixou milhares de
desabrigados e provocou 38 mortes. A chuva foi registrada como a maior no país em 60 anos.

Alimento para a dívida


O Banco Central divulgou na quarta-
feira, dia 30, que o déficit primário das 74
contas de julho do setor público bateu
recorde, com saldo negativo de R$ 16
bilhões. No mesmo mês, a dívida bruta 73,1
foi a 73,8% do Produto Interno Bruto 73
(PIB). Em meio ao cenário de receitas 72,6
em queda diante da fraca atividade
econômica, o governo terá dificuldades
para cumprir sua meta fiscal neste ano. 72

71,4

Solto 71,1
71
Dívida bruta do
A Justiça de São Paulo liberou na governo em % do PIB
quarta-feira, dia 30, um homem (dados de 2017) 70,3
preso por ejacular no pescoço de
uma passageira dentro de um ônibus. 70
Diego de Novais, de 27 anos, já tinha 69,8
outras 15 passagens por crimes sexuais
– sendo duas prisões por estupro. Na
decisão, o juiz José Neto entendeu
que o caso não era de estupro, mas jan. fev. mar. abr. maio jun. jul.
de importunação ofensiva ao pudor
– contravenção cuja pena é multa. Fonte: Banco Central

Fotos: Paulo Whitaker/Reuters, Andressa Anholete/AFP, Joe Raedle/Getty Images, 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 17
reprodução, Sérgio Bernardo/JC Imagem/Folhapress,Agência STF
QUE RESUMEM A SEMANA

“Estou
trabalhando
num plano
para salvar
quantos
pudermos”
Beyoncé,
cantora. Houston, sua
cidade natal, foi parcialmente
destruída pelo Furacão Harvey

18 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Brooks Kraft/Getty Images, Reuters/Rafael Marchante


“Entendo que não “Quero ser o presidente “Enquanto estiver
houveconstrangimento do povo brasileiro” na comissão,
tampouco violência Geraldo Alckmin (PSDB-SP),
governador de São Paulo
certamente o
ou grave ameaça, plenário vai continuar
pois a vítima estava “Ele tem todo o trabalhando”
sentada em um banco direito não apenas Rodrigo Maia,
presidente em exercício, ao dizer que uma nova
de ônibus, quando de anunciar que denúncia contra Temer não pararia o Brasil

foi surpreendida vai disputar, como


pela ejaculação de disputar a “Eu diria que pelo
do indiciado” Presidência. Mas os menos é uma
José Eugenio do Amaral Souza Neto,
tempos caminham e fixação. Ele até deu
juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao
soltar Diego de Novais, preso em flagrante
eu aprendi também declaração sobre
após ejacular em uma passageira na região
da Avenida Paulista, na tarde do dia 29 de com Geraldo Alckmin o meu bigode. Não
agosto. Novais tem 15 passagens pela polícia
por crimes sexuais. Jamais foi julgado (leia e com Fernando sei se é um fetiche
mais na coluna de Ruth de Aquino, página 82)
Henrique Cardoso ou alguma coisa”
Romero Jucá (PMDB-RR),

“O mundo é um que a melhor senador. O procurador-geral da República,


Rodrigo Janot, apresentou mais três denúncias

lugar horrível pra decisão referente a contra Jucá (leia mais sobre Jucá na página 42)

ser mulher” uma candidatura,


Clara Averbuck, principalmente a uma “É um típico caso
escritora, ao afirmar, pelo Facebook, que
foi estuprada por um motorista do Uber.
eleição, parte do povo” de esquizofrenia”
A empresa diz que o motorista foi banido João Doria (PSDB-SP), Renan Calheiros (PMDB-AL),
do aplicativo (leia mais na página 72) prefeito de São Paulo sobre a atuação de Rodrigo Janot

“Está se dando
DE D O NA CAR A o tratamento
“Carlos Zucolotto iniciou “Lamenta-se o crédito
correspondente ao
uma negociação paralela dado ao relato falso que foi a iniciativa
que colocou o juiz Sergio de um acusado foragido” do parlamentar”
Moro na incômoda situação Sergio Moro, Eliseu Padilha (PMDB-RS),
ministro-chefe da Casa Civil. O governo
juiz federal encarregado
de ficar impedido de julgar e da Operação Lava Jato, demitiu dezenas de apadrinhados de
deliberar sobre o meu caso” ao desqualificar a acusação de Duran deputados que votaram pelo andamento
das investigações contra Temer
Rodrigo Tacla Duran,
ex-advogado da Odebrecht, condenado pelo
juiz Sergio Moro. Ele acusa o advogado Carlos
Zucolotto Junior, padrinho de casamento de “Ele fala só por si”
Moro,
Moro de negociar uma pena mais branda Luiz Fux,
ministro do Supremo Tribunal Federal,
sobre o colega Gilmar Mendes

“Não falo sobre isso.


Em relação a esse
rapaz, não falo”
Marco Aurélio Mello,
ministro do STF, sobre Gilmar Mendes

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 19


GUILHERME FIUZA

Os crocodilos
do WhatsApp
O Brasil ético e antenado resolveu salvar a Amazônia.
A mensagem, em vídeos comoventes no WhatsApp,
é a seguinte: o governo do mordomo branco e velho está
Vá ao Google, querido guerreiro tardio do meio ambien-
te, e veja o que aconteceu com o Ibama, com as direções
dos parques, com as patrulhas florestais e demais zeladores
vendendo as florestas dos nossos pobres índios para os das “áreas protegidas” após o arrastão do PT. Não chore ao
capitalistas do mal – em troca de votos espúrios no Con- ler depoimento de fiscal dizendo não ter nem gasolina para
gresso Nacional. Artistas, jornalistas e arautos da bondade perseguir os desmatadores. Muito pior e mais abrangente
suprema narram, com muita emoção, a operação sórdida ainda que a tragédia de Belo Monte – a usina burra e mul-
de entrega do que é nosso em nome da corrupção. Esse tibilionária que inundou a floresta e os cofres privados dos
mordomo é danado mesmo. Te cuida, Darth Vader. companheiros –, a destruição do Estado brasileiro patroci-
Vamos entrar na corrente cívica, disparando também nada por Lula, Dilma e seus guerreiros do povo fulminou
uma mensagem dramática – que você pode imaginar sendo os já limitados instrumentos de defesa da Amazônia.
lida com lágrimas nos olhos e pausas profundas por um Onde estavam vocês, bravos ativistas de WhatsApp,
cantor decadente, uma atriz meio passada ou um jornalista quando esse crime foi perpetrado na cara de todo mundo?
quase famoso: Agora vamos dar um pause em nosso videomanifesto
“Sentimos muito a sua falta, querida celebridade de plan- e perguntar ao pé da orelha dessa gente boa, sem filtros
tão, quando estavam vendendo o Brasil inteiro bem na hora e edições: vocês não têm vergonha de ficar catando causa
do seu cochilo de 13 anos”. cenográfica para se fantasiar de heróis da
Prosseguiremos com a mensagem, e resistência? Não têm nem uma pontinha
você vai imaginando aí a subcelebrida- de constrangimento de sua complacência
de de sua preferência emprestando a voz PARQUES E RESERVAS enrustida com um governo que usou a
embargada e as inflexões ultrajadas ao maquiagem de esquerda para devastar a
nosso manifesto.
NATURAIS FICARAM economia popular? Qual seria o nível mí-
Pois bem, queridos ativistas de WhatsApp. À MÍNGUA APÓS nimo de hipocrisia criminosa para vocês
Essa Amazônia que vocês agora juram amar O ARRASTÃO DE pararem de se olhar no espelho?
– quase tanto quanto amam tirar um sel- E a sós com vossos travesseiros? Não
fie com a impopularidade do mordomo – LULA E DILMA NO rola um desconforto por estar fazendo
estava em petição de miséria, antes desse PLANALTO CENTRAL o jogo sujo de um procurador picareta,
despertar eticoecológico, sob vossos narizes mancomunado com um empresário venal
empinados. O governo atual propõe mu- e a mesma gangue maquiada, para sabotar
danças no regime de exploração mineral em determinadas os esforços sérios de desfazer a lambança toda?
áreas protegidas, dentro de marcos que estão em discussão há Não, claro que não rola. Travesseiro não fala – nem tem
quase meio século sobre o zoneamento econômico da região. WhatsApp.
O que vocês não dizem, queridos ativistas indignados, é que Então voltemos à nossa mensagem dramática para os
as “áreas protegidas” nunca estiveram tão desprotegidas após estarrecidos amazônicos do Leblon:
o saque dos seus heróis ao estado brasileiro. Bravos companheiros, aguentem firme porque a notícia
Parques e reservas naturais ficaram à míngua, nobres é assustadora: Dilma Rousseff está solta. Ela destruiu uma
cavaleiros do Fora, Temer, após o arrastão de Lula e Dilma área quase duas vezes maior que a Amazônia, seguindo o
no Planalto Central. O proverbial assalto às instituições pú- script de seu padrinho, que também está por aí passeando.
blicas empreendido pelo Partido dos Trabalhadores que não Avisem às onças e aos jacarés que eles correm perigo. Desse
trabalham em silêncio (mas vocês fingem não escutar) não jeito, só se salvarão as hienas, morrendo de rir. u
livrou nem a agência reguladora. Do Tesouro Nacional ao
Ministério da Pesca, passando por tudo quanto é autarquia
e órgão fiscalizador, o Estado nacional foi prostituído pelos
heroicos parasitas – num nível varejeiro que só Rosemary
Noronha poderia lhe descrever.
Guilherme Fiuza é jornalista. Publicou os livros Meu nome não é Johnny, que
(Aqui a subcelebridade pode continuar em off sobre uma deu origem ao filme, 3.000 dias no bunker e Não é a mamãe – Para entender a
foto de Rose, a amante do verde.) Era Dilma. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA gfiuza@edglobo.com.br

20 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


POR MURILO RAMOS expresso@edglobo.com.br

Três, talvez quatro


Caciques do PMDB dão como certa
a parceria com o PT em 2018 em três
estados: Alagoas, Paraná e Sergipe. Talvez
apareça um quarto: Rio de Janeiro.

Olheiros
Lá na China o presidente Michel
Temer recebe informes sobre o
presidente em exercício, Rodrigo
Maia. Um deles dizia que Maia
tenta impressionar ao articular com
políticos da oposição e da situação
e ao participar de inaugurações
como se o governo fosse dele.

Azeitona
Eliseu Padilha e Moreira Franco
foram incumbidos de convencer os
Esvaziou deputados a não prejudicar Temer

Sem claque quando nova denúncia do Ministério


Público chegar ao Congresso. Um dos
argumentos usados é: para que pôr

O PT está com dificuldades para arregimentar militantes do partido


dispostos a acompanhar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em Curitiba no dia 13 de setembro, data em que prestará novo
azeitona na empada de Rodrigo Janot,
que está prestes a deixar o cargo?

depoimento ao juiz Sergio Moro. Um dos motivos é a falta de recursos.


Um bom montante foi gasto na caravana de Lula pelo Nordeste. Os UNE
Ex-presidentes da União Nacional
dos Estudantes (UNE), os senadores
Navalha José Serra (PSDB-SP) e Lindbergh
Farias (PT-RJ) estão juntos na
Lula foi questionado missão de impedir a aprovação do
por não anunciar logo texto que substitui a TJLP, utilizada
o nome do ex-prefeito em empréstimos do BNDES, por
Fernando Haddad uma nova taxa. No Palácio do
como plano B do PT Planalto, a dupla petista-tucana
para as eleições de ganhou o apelido de “Os UNE”.
2018. Lula respondeu
que Jaques Wagner
também está no páreo.
Outubro
Seu interlocutor A Justiça Federal fez as contas. Até
insistiu: “Mas a cabeça o final de outubro espera concluir
dele (Wagner) está os preparativos para o julgamento
na navalha da Lava da ação penal em que Lula é réu sob
Jato”. Lula retrucou: a acusação de praticar o crime de
“Mas a cabeça de tráfico de influência para a compra de
quem não está?”. caças da empresa sueca Saab.

22 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Mateus Bonomi/Agif/AFP, Patricia De Melo Moreira/AFP,


Lula Marques/Folhapress,Beto Barata/Pr, Bruno Santos/Folhapress
Com Marcelo Rocha e Nonato Viegas
e reportagem de Nelson Niero Neto

Novembro Fervendo
A sentença da principal ação penal O clima entre o Ministério Público
da Operação Sépsis, que desbaratou Federal e a Polícia Federal promete
esquema de fraudes na liberação de piorar. O MP acionou a Justiça
recursos do FI-FGTS e tem como para reclamar que a PF deixou
réus, entre outros, os peemedebistas de cumprir mandados de busca e
Eduardo Cunha e Henrique Eduardo apreensão no âmbito da Operação
Alves, deverá sair na primeira Greenfield. Os procuradores
quinzena de novembro. As audiências exigem que a Corregedoria da
para ouvir os acusados estão PF apure os responsáveis pelo
agendadas para o fim de setembro. descumprimento.

Pé no acelerador Pegue a senha


Após um ano de investigação, o Desde que assumiu a Pasta da
Ministério Público Federal em Incompatível Justiça, o ministro Torquato
Brasília reuniu elementos suficientes Jardim se surpreendeu com a
para instaurar inquérito para Leão na cola quantidade de pretendentes ao
aprofundar as apurações em torno Funaro vive a expectativa de cargo de diretor-geral da Polícia
das relações do grupo Hyundai, de receber boas notícias em razão Federal. Foram apresentadas listas
Carlos Alberto de Oliveira Andrade, de sua delação premiada na a ele com até nove nomes. O atual
com o ex-ministro da Fazenda Lava Jato. Recentemente, no diretor-geral, Leandro Daiello,
Antonio Palocci. A Projeto, empresa entanto, recebeu uma bem ruim. deverá se aposentar em breve.
do petista, firmou vários contratos de A Justiça rejeitou o pedido de
consultoria com o grupo. desbloqueio de bens de sua
mulher, Raquel Pitta, para Medo do FBI
Ataque cobrir débitos da ordem de R$
15 milhões com o Fisco. Os
O ex-diretor internacional da
Petrobras Nestor Cerveró tenta se
Em sua delação, o operador Lúcio auditores da Receita concluíram livrar de um depoimento que deve
Funaro ataca a delação do ex- que “houve esvaziamento prestar à Corte Distrital de Nova York,
lobista da Hypermarcas Nelson patrimonial do delator em onde tramita processo de acionistas
Mello, que já o acusou. Funaro contrapartida à evolução do contra a Petrobras. Com receio do que
disse ter feito negócios com o patrimônio pessoal de Raquel e virá, Cerveró recorreu ao STJ para
dono da empresa, Júnior da de uma empresa”. Funaro queria não falar. A presidente do tribunal,
Hypermarcas – e não com Mello. livrar a mulher e a empresa. Laurita Vaz, manteve o interrogatório.

Conexões
Marcha, soldado? O advogado Carlos Bastide Horbach,
nomeado ministro substituto
O governo do Distrito Federal do Tribunal Superior Eleitoral,
declarou estado de emergência tem ligações com o presidente da
e recomendou a suspensão de Corte, o ministro Gilmar Mendes.
atividades físicas e trabalhos ao ar Além de ter sido professor do IDP,
livre durante o dia na capital federal instituição de ensino da qual Gilmar
por causa da baixíssima umidade é sócio, Horbach é irmão de Beatriz,
do ar. Mesmo assim, o Palácio assessora antiga do ministro. Mendes
do Planalto descarta suspender diz não haver conflito de interesses.
o desfile em comemoração à Horbach preferiu não comentar.
Independência do Brasil, que
ocorrerá na quinta-feira, dia 7.
Diz que uma campanha para o Felicidade
público se hidratar e distribuição Um dos ministros do Supremo
de água serão atenuantes. Tribunal Federal conta os minutos
para se despedir de Rodrigo Janot.
Leia a coluna Expresso em epoca.com.br
4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 23
ALVOROÇO NO TUCANATO A falta de unidade no PSDB, em épo-
Em “Revoada tucana” (1001/2017), ÉPOCA ca de eleições, é um problema que
contou como o PSDB ensaia uma lenta afeta o partido há anos – e que compro-
debandada do governo, enquanto se mete seus resultados nas urnas. Talvez uma
concentra na briga para decidir quem será indicação de Doria reverta esse ciclo.
seu candidato à Presidência em 2018 Mario Zitti,
via Facebook
Nunca antes o PSDB viveu crise tão
grande. Sinal de que falta ao partido Está mais é para revoada de urubus,
uma liderança com moral ilibada – algo isso sim.
que Aécio perdeu, deixando o partido à Paulo Darrochella,
deriva. Pior para o povo, a quem faltam via Twitter
opções de bons candidatos para 2018.
Escreva para: Antônio José Marques, REGISTROS DA BARBÁRIE
epoca@edglobo.com.br Rio de Janeiro, RJ “Jovens são obrigados a abrir a própria
cova antes de serem executados”
(epoca.globo.com) descreve um
episódio macabro da disputa entre
traficantes no Rio Grande do Sul
COM E N TÁ R IO DA S E MA NA
Meu estômago embrulhou e preci-
sei pular alguns parágrafos ao ler
essa matéria. Infelizmente, muitas de nos-
A crise entre os tucanos mostra que sas crianças são levadas para o tráfico –
os interesses dos políticos estão coisa que poderia ser evitada caso hou-
sempre em primeiro plano. Os vesse mais disposição política para cuidar
delas. Não só os jovens que entram para
interesses do país são secundários” o crime sofrem. Sofre toda a sociedade,
Lui Carlos, vítima da violência.
via Facebook Paula Belém,
via Facebook

24 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


O RABO PRESO DE GILMAR Gilmar Mendes precisa ser calado
Em “Gilmar Mendes e o cachorro ou afastado do STF. O dia em que a
sem rabo” (1001/ 2017), Ruth de Aquino sociedade perder a confiança na Justiça
examina os comentários impróprios será o início do fim da civilidade. Depois
do ministro – e sua decisão de mandar disso, vem o caos.
soltar Jacob Barata, o “rei do ônibus” Arildo Souza,
do Rio de Janeiro, de cuja filha via Facebook
ele é padrinho de casamento
Sou fã da presidente do Supremo,
Posso estar bem enganada, mas não ministra Cármen Lúcia. Mas muito
me parece costume chamar desco- me surpreende, e desaponta, o silêncio
nhecidos para apadrinhar um filho. Se, dela em relação aos desmandos do minis-
para Gilmar, ser padrinho de casamento tro Gilmar Mendes. As decisões de Gilmar
não determina intimidade – e o STF acei- favorecem somente seus protegidos. Elas
ta o argumento –, nossa Corte precisa re- não ofendem somente ao juiz Marcelo
ver suas interpretações afetivas e jurídicas. Bretas. Ofendem a todos os brasileiros.
Mônica Delfraro David, Danielle Costa,
Campinas, SP por e-mail

MA I S COM E NTADAS M AIS L I DA S M A I S COM PA RT I L HADA S


Gilmar Mendes e o cachorro Deborah Secco rebate posts Jovens são obrigados a
1 sem rabo 1 homofóbicos 1 abrir a própria cova antes de
Ruth de Aquino Bruno Astuto serem executados
Dona de patrocinadora do Chay Suede fala sobre Laura Gilmar Mendes e o cachorro
2 Palmeiras encomenda jato 2 Neiva 2 sem rabo
EXPRESSO Bruno Astuto Ruth de Aquino
Luisa Ortega Díaz: a “Fui saber o que era ‘hater’ Dona de patrocinadora do
3 bolivariana arrependida 3 outro dia”, diz Ivete Sangalo 3 Palmeiras encomenda jato
Bruno Astuto EXPRESSO
Polícia do Senado após Em mais uma gafe, Temer Deborah Secco rebate posts
4 pente-fino em endereços 4 confunde assessor 4 homofóbicos
EXPRESSO EXPRESSO Bruno Astuto
Jovens são obrigados a Jovens são obrigados a Chay Suede fala sobre Laura
5 abrir a própria cova antes de 5 abrir a própria cova antes de 5 Neiva
serem executados serem executados Bruno Astuto

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 25


Ah, se todos
trabalhassem...
Agora é certeza: saímos da recessão. Mas as
notícias na economia ainda se dividem em dois
tipos – as boas e as que dependem de políticos

mica do governo federal. Os protagonistas da


mudança, porém, são as famílias e as empresas
que reorganizaram suas contas e seu jeito de
trabalhar. Nem todos os brasileiros reagiram à
crise com a mesma garra.
Os políticos ainda precisam mostrar que, tan-
to quanto as famílias e as empresas, compreendem
a gravidade da situação. Junto com os sinais pro-
missores, o cidadão ficou sabendo, nos últimos
dias, que o governo federal teve o maior rombo
para um mês de julho já registrado na série, ini-
ciada em 1997. O saldo negativo em 12 meses
chega a R$ 183,7 bilhões, muito além dos R$ 139
bilhões que eram a meta para o fim de 2017 e
também dos R$ 159 bilhões esperados, de acordo
com a nova projeção ainda a ser aprovada no
Congresso. Mesmo diante do abismo financeiro,
não se vê a necessária disposição dos congressistas
para reformar a Previdência, a fim de garantir
AUSTERIDADE

A
PARA QUÊ? uma correção no rumo das contas. Não é só no
Luiz Fernando semana que passou foi carregada de Legislativo federal que se vê esse descaso.
Pezão, governador sinais aparentemente divergentes a res- A segunda maior despesa do governo federal
do Rio de Janeiro. peito da economia. O cidadão merece (atrás da Previdência) e a maior despesa do se-
Ele voltou atrás
num projeto de uma pausa para celebrar os mais promissores. tor público como um todo (incluindo governos
contenção de O desemprego caiu novamente, no período de estaduais e municipais) é com a folha de paga-
supersalários maio a julho (foi o quarto recuo, pelas medições mentos. Ainda assim, no estado do Rio de Ja-
e despesas do IBGE). O Produto Interno Bruto (PIB) cres- neiro, em calamidade financeira e pedindo em-
ceu 0,2% no segundo trimestre. Entre os com- préstimo a todos os contribuintes brasileiros, o
ponentes do PIB, o consumo das famílias e a governo e seus apoiadores na Assembleia Legis-
produção agropecuária tiveram desempenho lativa desistiram de um projeto de austeridade.
mais notável. O encolhimento da indústria pa- A lei limitaria supersalários e despesas. O gover-
rece perto do fim, a julgar pelos dados do tri- nador Luiz Fernando Pezão derrubou a propos-
mestre. Em julho, esse setor preservou postos ta que seu próprio governo havia feito, com uma
de trabalho (uma vitória em relação ao período desculpa manca. A “vitória” de Pezão sobre o
de demissões, encerrado em abril) e avançou em bom senso, na quarta-feira, recebeu críticas da
horas trabalhadas e faturamento. A atividade se oposição, mas foi silenciosa do lado dos vencedo-
beneficia do ambiente de maior confiança ins- res. Nenhum deputado governista teve coragem
pirado, nos últimos meses, pela equipe econô- de assumir a palavra para explicá-la. u

26 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: Ricardo Borges/Folhapress


TEMPO
FRONTEIRAS
ECOLÓG ICAS

28 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Ilustração: Otávio Silveira


Em busca de apoio no
Congresso, o presidente Michel
Temer promove uma onda de
ataques às salvaguardas
ambientais do Brasil, com custos
sociais e econômicos
Bruno Calixto

I I
FRONTEIR AS ECOLÓGICAS

presidente Michel Temer pro-


vavelmente não imaginou, ao
assinar no dia 23 de julho um
decreto a pedido do Ministério
de Minas e Energia, que jogaria
seu governo no meio de mais
uma controvérsia, desta vez ambiental.
Na ocasião, o presidente extinguiu a
Reserva Nacional do Cobre e Associa-
dos (Renca). A repercussão negativa foi
tão grande que, desde então, o governo
recuou, editou um novo Decreto com
texto similar, foi questionado pela Justiça
e, enfim, suspendeu a medida. Mesmo
na China, em viagem diplomática, Te-
mer ainda foi questionado sobre o as-
sunto, que, para o governo, não passou
de uma confusão na hora de comuni-
car. O episódio, no entanto, faz parte de
uma série de atos contra a área ambien-
tal no Brasil, que vêm desde o governo
de Dilma Rousseff e se intensificam
na Presidência de Temer, em sua bus-
ca desesperada de apoio no Congresso.
ENQUANTO ISSO...
A confusão da Renca começa pelo Garimpo ilegal
nome: “reserva”, um termo que sugere dentro da Renca. militares, não há cobre na Reserva Na-
se tratar de uma Unidade de Conser- Os desmatadores cional do Cobre. Mas há ouro. Garim-
vação. Não é bem assim. Na verdade, não esperam pos ilegais se espalham pela região, mo-
pela aprovação
é um grande retângulo desenhado no do governo vimentando uma economia informal
mapa do Brasil entre o Pará e o Amapá prejudicial à saúde e ao meio ambiente.
que abrange 4,2 milhões de hectares. O garimpo em pequena escala se vale do
Foi criada no final da ditadura mili- mercúrio, que acaba contaminando os
tar para evitar que os minérios fossem rios e levando perigo aos garimpeiros.
explorados por empresas estrangeiras. Segundo uma estimativa da ONG Ima-
Ou seja, não tinha nenhuma intenção zon, há cerca de 2 mil garimpeiros atuan-
ambiental, tanto que há áreas protegidas do na região. Eles chegam por avião, em
sobrepostas à área da reserva. Desde que pistas de pouso informais, e são os res-
a empresa estatal de mineração, a Vale ponsáveis pelo início do desmatamento
do Rio Doce, foi privatizada, a existência no local. Por isso, a extinção da Renca
da Renca faz pouco sentido. Nada mais acendeu um sinal de alerta no setor am-
natural, para um governo que se esforça biental, temendo uma corrida do ouro na
em atrair a atenção da iniciativa privada, Amazônia. Dessa forma, iniciou-se uma
em extingui-la. Acontece que esse retân- forte campanha contrária à medida que
gulo pega uma região conhecida como acabou por forçar o recuo do governo.
“Escudo das Guianas”. É uma área que Analisando apenas a extinção da
envolve o norte da Amazônia brasileira, Renca, o barulho feito pelos ambien-
as Guianas e a Venezuela. Do ponto de talistas parece desproporcional. Ao pé
vista ambiental, ela é muito importante. MICHEL TEMER da letra, Temer apenas liberou o estudo
Lá se encontra o maior corredor de áreas ALMOÇOU COM 52 e a apresentação de propostas para pro-
protegidas do mundo. Ela é extrema- DEPUTADOS DA jetos minerários em 10% da área, em
mente bem conservada, com menos de território privado, desde que seguisse
1% de sua área desmatada. Além disso, BANCADA RURALISTA as restrições ambientais. O problema é
conta com uma alta quantidade de espé- NA VÉSPERA DA que essa não é uma medida isolada, se-
cies endêmicas, ou seja, que não existem gundo Marco Lentine, do WWF-Brasil,
em outro lugar do mundo. VOTAÇÃO DA uma das organizações que lideraram
Diferentemente das esperanças dos DENÚNCIA CONTRA ELE a campanha contra a extinção da re-

30 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: reprodução


serva. Há, no Congresso e em setores
POR DENTRO DA do governo, propostas para dispensar a
RESERVA DO COBRE atividade de mineração da necessidade
Como é a Renca, uma área do de obter licença ambiental, para redu-
tamanho do estado do Rio de AMAZÔNIA LEGAL
zir hectares de diversas áreas protegidas
Janeiro, que o presidente tentou na Amazônia e para permitir ativida-
liberar para mineração des poluentes dentro de Unidades de
Conservação de proteção integral. “O
conjunto da obra parece ser bastante
Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) negativo. É o governo passando uma
mensagem de que não está interessado
em uma política ambiental forte”, diz.
Para um governo que assumiu pro-
metendo levar adiante uma série de me-
didas econômicas impopulares e é assal-
tado, de tempos em tempos, por delações
na Operação Lava Jato, Temer deve ter
ficado surpreso que foi especificamen-
te esse conjunto da obra ambiental que
AMAPÁ provocou tamanha repercussão negati-
va. O presidente até que tentou começar
seu mandato com acenos positivos para
a área. Nomeou Sarney Filho para o Mi-
nistério do Meio Ambiente, um nome
de bom trânsito entre os ambientalistas,
PARÁ e tratou de aproveitar a boa reputação
da diplomacia brasileira na área ambien-
tal assinando o mais rápido possível o
Acordo de Paris. Foram acenos tímidos
perto da sequência de ataques à legislação
20 km ambiental que se seguiu.
Esses ataques começaram sem alar-
des. A dois dias do Natal de 2016, com
Terras indígenas Garimpos ilegais
o Congresso em recesso e a vida pública
Área de proteção integral Estradas parada para as festividades do final de
ano, Temer editou três Medidas Provi-
Área de uso sustentável Rios
sórias de teor explosivo. A primeira per-
Desmatamento até 2016 Pista de pouso mitiu a regularização ambiental de áreas
públicas invadidas até 2016, sendo ape-
AS DIMENSÕES DA RESERVA lidada por ONGs de MP da Grilagem. A
Desmatamento invasão e ocupação de terras públicas na
Extensão na Renca Amazônia é um dos principais vetores
4,2 MILHÕES DE HECTARES de desmatamento na região. Também é
Unidades de Conservação 79% a principal causa de conflitos e assassina-
Terra indígena 11%
155 km2
tos no campo. As outras duas MPs de Te-
Área passível de mineração 10% (0,4% da área total) mer alteravam o limite de uma Unidade
de Conservação, a Floresta Nacional do
Jamanxim, reduzindo-a em 300.000 hec-
A ÁREA ESTÁ QUEM QUER O QUE HÁ DE
CONSERVADA? MINERAR RIQUEZAS LÁ? tares. Uma vez no Congresso, a Medida
LEGALMENTE? Provisória da Jamanxim foi fortemen-
Quase. Há cerca de Ouro, titânio, bauxita (para
2 mil garimpeiros ilegais lá. 19 empresas fizeram alumínio), ferro e outros te alterada. Congressistas adicionaram
Contam com 15 a 30 pistas 154 requerimentos para minérios como columbita, emendas que aumentaram a redução
de pouso. Para cada pista, pesquisa de prospecção de volframita, cassiterita, da proteção para quase meio milhão de
uma boca de garimpo minério na região ilmenita e rutilo hectares e adicionaram cortes em ou-
tra área protegida, o Parque Nacional
Fontes: Governo federal, Imazon e WWF de São Joaquim, em Santa Catarina, s

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 31


FRONTEIR AS ECOLÓGICAS

uma das últimas reservas de floresta com de desmatamento da floresta no ano


CAMINHADA araucárias. Isso provocou uma reação passado. Uma medida problemática,
PARA O ATRASO forte da sociedade civil, com campanha já que o Ministério do Meio Ambiente
O ataque a Unidades de de ONGs, da academia e até mesmo de aumentou o uso de recursos do Fundo
Conservação e à legislação celebridades, como a top model Gisele em operações de fiscalização e controle
ambiental começou no governo Bündchen, que usou as redes sociais para do desmatamento nos últimos anos.
da ex-presidente Dilma pedir veto às medidas. O ponto mais questionável, no entan-
Rousseff e se intensificou neste A MP da Grilagem acabou sancio- to, é mesmo o uso das políticas ambien-
primeiro ano de governo Temer nada, mas as do Jamanxim e de São tais como moeda de troca por apoio no
Joaquim não. Temer vetou Jamanxim Congresso. Para conseguir adesão dos
e São Joaquim pouco antes de embarcar parlamentares, o governo não teve receio
para a Noruega, tentando mais uma vez de rifar as políticas de proteção à natu-
mostrar que seu governo está preocu- reza. É do Congresso que vem grande
pado com as questões ambientais. Foi parte das tentativas de fragilizar a legis-
mais uma medida de marketing, já que lação ambiental brasileira. O projeto que
logo após o veto o governo enviou ao flexibiliza o licenciamento ambiental é
Congresso, em forma de Projeto de Lei, uma delas. O governo vinha costurando,
texto que fazia as mesmas alterações junto com os ministérios da Agricultura
2011 na Floresta Nacional do Jamanxim. A e do Meio Ambiente, um texto que mo-
PRESSÃO PARA APROVAR jogada pegou mal com o governo no- dernizasse a concessão de licenças am-
GRANDES OBRAS rueguês, um dos principais parceiros bientais para grandes empreendimen-
Após um parecer técnico do do Brasil na área ambiental, e terminou tos. Esse texto de consenso foi retirado
Ibama pedir que a licença com o anúncio de que a Noruega re- da pauta e no lugar dele agora tramita
para a Usina de Belo Monte duziria os repasses para o Fundo Ama- uma proposta que dispensa estudos
fosse negada, o presidente do
instituto pede demissão. Alega zônia por causa da piora dos índices ambientais, isenta obras de licença para
pressão do governo Dilma para uma série de setores e reduz o rigor da
aprovar a licença ambiental atividade dos órgãos ambientais.
O Projeto de Lei do licenciamento é só
um exemplo de uma lista de retrocessos
na lei ambiental. Há textos que limitam
a atividade de fiscalização ambiental do
Ibama, projetos que impedem a criação
de novas Unidades de Conservação ou de
terras indígenas. Há tentativa de liberar
agrotóxicos proibidos no exterior; de li-
berar a caça de animais silvestres, incluin-
do os ameaçados de extinção; de liberar
a venda de carros com combustível mais

2012
UM CÓDIGO FLORESTAL 2012 2015
QUE REDUZ FLORESTAS
REDUÇÃO DE SETE UNIDADES FANTASIA E VENTOS
O Congresso reforma
o Código Florestal
DE CONSERVAÇÃO ESTOCADOS
reduzindo a área Para viabilizar a construção de O governo Dilma
que produtores hidrelétricas no Rio Tapajós, Dilma ficou marcado
precisam conservar reduz a área de sete Unidades de pelo desprezo a
em margens de Conservação na Amazônia energias limpas.
rios e topos de Em 2012, Dilma
morros. O novo chamou a energia
código foi relatado solar de “fantasia”.
no Congresso Em 2015, cunhou a
por políticos da expressão “estocar
base aliada vento” para dizer
que a energia eólica
não é confiável

32 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Lunae Parracho/AFP, Sérgio Lima/Folhapress, Lalo de Almeida/
Folhapress, Nuno Guimarães/Frame/Folhapress, Carlo Allegri/Reuters, Tales
Azzi/Pulsar, Tiago Queiroz/Estadão, Pedro Ladeira/Folhapress
poluente. Há tentativas de flexibilizar as
regras trabalhistas no campo, beirando o
trabalho em condições análogas à escra-
vidão, e em proibir a divulgação da Lista
Suja do Trabalho Escravo. Também cha-
ma a atenção o que não está em pauta.
Não se tem notícia de nenhum projeto
propondo financiamento para energias
limpas, implementação do Acordo de Pa-
ris, atualização dos índices de poluição
do ar, de qualidade das águas dos nossos 2017 | Junho
rios, de criação de um melhor sistema VETO PARA GISELE VER
de proteção do Cerrado. Meio ambiente, Temer veta a redução do
no governo Temer, definitivamente não mento já registrados. Lula ficou marcado Jamanxim. Fez até propaganda
é prioridade. Olhando para todo esse pelo debate dos “bagres da Amazônia”, respondendo a críticas da top
histórico, não é de impressionar que a na controversa licença ambiental para Gisele Bündchen. O veto foi para
a modelo ver. Pouco depois ele
população não tenha interpretado o de- as usinas do Rio Madeira. enviou o projeto ao Congresso
creto da extinção da Reserva do Cobre O governo Temer chegou a receber com o mesmo teor do anterior
como uma medida inocente e sem risco do setor ambientalista elogios por suas
para a Floresta Amazônica. medidas. Sob o ministro Sarney Filho, o
O retrocesso na área ambiental come- Ibama negou licença para dois projetos
çou bem antes de Temer assumir, ainda com alto potencial poluidor, as usinas
no governo Dilma Rousseff. Foi Dilma hidrelétricas do Rio Tapajós e a explora-
quem reduziu Unidades de Conservação ção de petróleo em uma região de corais
por meio de Medida Provisória – uma na foz do Rio Amazonas. Sarney Filho
decisão que foi questionada no Supre- também anunciou uma ligeira redução
mo Tribunal Federal (STF) – em prol no desmatamento no mês passado. Es-
de projetos controversos para a constru- sas notícias acabaram sendo eclipsadas.
ção de hidrelétricas na Amazônia. Dilma Isso porque, diferentemente dos demais
também ignorou pareceres do Ibama na presidentes desde a redemocratização,
construção da Usina de Belo Monte e Temer lidera um governo mais frágil,
2017 | Fevereiro
introduziu mudanças danosas à preser- altamente dependente do Congresso,
vação no Código Florestal (leia o quadro cerceado pela Operação Lava Jato e com 1 MILHÃO NA AMAZÔNIA
A bancada parlamentar do
nesta página). Seus antecessores também péssimos índices de popularidade (leia Amazonas entrega à Casa Civil
tiveram problemas, seja no controle do mais em artigo de Sérgio Abranches a par- um projeto que reduz cinco
desmatamento, seja em acidentes am- tir da página 36). Isso tudo faz com que Unidades de Conservação
bientais. Fernando Henrique carrega nas o governo Temer fique à mercê do lo- no estado, cortando quase 1
milhão de hectares protegidos.
costas os mais altos índices de desmata- bby de quem ganha com a fragilização s Com repercussão, o governo
não levou a medida adiante

2016 | Abril 2016 | Dezembro


LICENÇA NA CRISE REDUÇÃO E GRILAGEM
Em meio à crise que culminou no impeachment de Temer edita duas
Dilma, o Congresso encontrou tempo para passar MPs às vésperas
um Projeto de Lei que acaba com o licenciamento do Natal. Uma foi
ambiental. O texto depois foi rejeitado, e o governo apelidada de MP
Temer tenta apresentar uma proposta de consenso da Grilagem, por
legalizar invasores
de terras públicas.
A outra reduziu em
300.000 hectares
a Floresta Nacional
do Jamanxim

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 33


FRONTEIR AS ECOLÓGICAS

PARÁ
Agentes da Força
das regras ambientais. E um dos setores Nacional de ta preservada (pelo Código Florestal,
que exercem esse lobby de forma mais Segurança flagram o produtor não pode desmatar mais
agressiva é a bancada ruralista. um desmatamento do que 20% de sua propriedade se ela
ilegal dentro da
A bancada ruralista é na verdade uma Floresta Nacional estiver na Amazônia) e passar por um
associação que reúne deputados e se- do Jamanxim. Lá, processo considerado burocrático para
nadores interessados no mesmo tema: foi criada uma área poder produzir ou construir benfeito-
políticas de promoção para o agrone- protegida onde rias. Por isso existe a forte atuação para
havia produção
gócio. Com o nome oficial de Frente reduzir Unidades de Conservação, evitar
Parlamentar Agropecuária (FPA), a novas demarcações e simplificar as eta-
bancada reúne mais de 230 deputados pas do licenciamento ambiental. Outra
federais. Temer vem cortejando o grupo. demanda corrente dos ruralistas tem a
Um dia antes da votação da denúncia ver com segurança jurídica. A bancada
do procurador-geral da República, Ro- diz que mudanças que aconteceram nos
drigo Janot, contra Temer, o presidente ralista. Ao ser questionado se os ruralis- últimos anos na legislação deixaram a
almoçou com nada menos que 52 de- tas estão pressionando o governo para fiscalização ambiental mais rigorosa e,
putados membros da FPA. No mesmo fragilizar a legislação ambiental, Leitão consequentemente, os produtores que
dia, o presidente publicou uma Medida rebate. “Eu quero devolver a acusação. não acompanharam as mudanças fi-
Provisória para aliviar as dívidas previ- São os ambientalistas que pressionam. caram expostos a multas do Ibama. “O
denciárias de empresas agropecuárias – Eles fazem pressão, muitas vezes de for- Brasil tem a legislação ambiental mais
uma demanda histórica da bancada. Um ma ideológica, na imprensa nacional, rígida do mundo em meio ambiente.
dia depois, ele foi absolvido na Câmara, internacional, no governo”, diz. “Mas, Não dá para ampliar ainda mais isso e
vitória conquistada com grande parte dos obviamente, os temas que precisam ser asfixiar os produtores”, diz Leitão.
votos ruralistas. Não é de surpreender modernizados no Brasil estão na nossa Como todo grupo de interesse na
que, após ajudar a salvar Temer, a ban- pauta. Estão e precisam estar.” sociedade, a bancada ruralista tem
cada cobre a fatura do governo. A bancada diz que o ônus da preser- demandas que são legítimas. Alguns
ÉPOCA conversou com o presidente vação da Amazônia cai todo nas costas pontos criticados pela bancada, como
da FPA, o deputado Nilson Leitão (PSDB- do produtor rural. Ele precisa manter demora no licenciamento, realmen-
MT), que fala em nome da bancada ru- parte de sua propriedade com flores- te acontecem. Também houve casos

34 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Antonio Scorza/AFP, Palê Zuppani/Pulsar


POLÍTICA
ERRANTE
de Unidades de Conservação criadas O Parque gigantescas para a evolução da biotec-
onde já existia produção consolidada, Nacional de São nologia. “O Brasil é, possivelmente, a
prejudicando o produtor. O problema, Joaquim. Na única economia do mundo que, ocor-
última hora, o
no entanto, é de intensidade. No caso presidente Michel rendo a transição para o baixo carbo-
da Floresta do Jamanxim, por exemplo, Temer vetou no, se tornará muito mais competitiva.
estima-se que cerca de 70.000 hectares sua redução Se souber aproveitar a oportunidade”,
da área protegida foram criados onde já escreveu. Além da questão econômica,
havia produção. Logo, talvez faça senti- nossa natureza tem valor coletivo. A
do rediscutir a proteção. Tais discussões, Mata Atlântica guarda os mananciais
no entanto, não são o suficiente para a das grandes cidades. O Cerrado está
bancada, que quer mais. Na última ver- ligado ao ciclo de chuvas. E a Floresta
são do Projeto de Lei que reduz a área Amazônica mantém o clima do planeta.
protegida da floresta, há emendas que, A reação da opinião pública tanto no
juntas, tirariam a proteção de 1 milhão inclusive no Brasil. Um caso interessante caso da redução de Unidades de Con-
de hectares de matas. Nada justifica essa é a Pecsa, uma startup de Mato Grosso, servação quanto na extinção da Reserva
sanha por terras públicas. que faz fazendas de gado gerar mais lu- Nacional do Cobre e Associados mostra
Nem todos os setores da economia cro com preservação. Projetos inovado- que a sociedade está cansada do velho
acham que o Brasil precisa de menos res e ambientalmente corretos podem se modelo de exploração predatória e quer
salvaguardas ambientais. Um grupo de tornar o motor do crescimento econô- inovação e respeito ao meio ambiente.
CEOs de 150 empresas, entre eles Gui- mico brasileiro no futuro. Temer parece estar ciente disso, tanto
lherme Leal, da Natura, e Paul Polman, O economista carioca Sérgio Besser- que recuou. Mas, se quiser realmente
da Unilever, chegou a assinar uma car- man Vianna defende que temos uma colocar o país no caminho de um desen-
ta aberta ao presidente Temer pedindo oportunidade única. O Brasil polui mui- volvimento que faça uso sustentável dos
que Unidades de Conservação não se- to menos do que outras economias em recursos naturais para alimentar o cres-
jam reduzidas, em especial a Floresta do desenvolvimento, como China e Índia, cimento econômico, precisará adotar
Jamanxim. Essas empresas entendem, tem uma matriz energética majoritaria- uma agenda mais moderna. Ser refém
acertadamente, que a conservação é mente limpa e abriga a maior floresta de bancadas retrógradas no Congresso
oportunidade de negócios. Há exemplos tropical do mundo, com possibilidades não deverá ajudar nisso. u

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 35


FRONTEIR AS ECOLÓGICAS

Um presidente refém
do varejão sem rumo
Para preservar o mandato, Temer oferece
imunidade, desregulação e liberação
de atividades de alto custo social e
ambiental, com valor econômico duvidoso
Sérgio Abranches

O s ambientalistas afirmam que o De-


creto do presidente da República aca-
bando com a Renca, a reserva mineral
na fronteira entre o Pará e o Amapá, é parte de
um ataque à Amazônia que a torna vulnerável
governo Temer (leia mais a partir da página 28).
Antes dela vieram a redução da área da Floresta
Nacional do Jamanxim, no Pará. A aprovação da
MP da Grilagem, que aumentou a área que pode
ser regularizada de 1.500 para 2.500 hectares e
a interesses descomprometidos com sua pre- reduziu o valor da terra. Há outras medidas na
servação, muitos beirando a ilegalidade, alguns mesma linha que beneficiam a pecuária extensiva
ilegais mesmo. O fim da reserva mineral, que e a mineração em terras indígenas. No governo
era monopólio estatal, libera à exploração pri- Dilma, houve retrocesso nas políticas ambien-
vada uma área sensível e crítica da Amazônia e tais. Mas Temer está desmontando peça por peça
põe em risco sete Unidades de Conservação e uma política penosamente construída ao longo
duas terras indígenas. A versão revista do De- de mais de uma década e que ainda precisava ser
creto, que o governo alega oferecer garantias de mais desenvolvida. Nesse caso, o único paralelo é
exploração sustentável, apenas proíbe o que já o governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
era proibido e libera o que não estava liberado. O que está ocorrendo, todavia, não é só um
O que está proibido vem sendo feito à margem ataque à Amazônia, ou apenas a desconstrução
da lei e sem reação oficial alguma. A supos- das políticas ambientais. O governo começou
ta garantia da sustentabilidade no Decreto é com uma escalação que justificava previsões
pura maquiagem. O que vale mesmo é a parte sombrias para a agenda ambiental e climática
que atende aos interesses das mineradoras e, do país. Na linha de frente do time governa-
de quebra, pode provocar uma onda de mi- mental, destacavam-se ruralistas com vasta fo-
Sérgio Abranches gração com as piores consequências sociais, lha corrida de desmatamento e outros malfeitos
é sociólogo, cientista ambientais e econômicas. e lideranças influentes notoriamente ligadas
político e analista político.
É comentarista da rádio
Os ambientalistas têm razão. Esta é apenas a aos interesses da mineração na Amazônia. Ha-
CBN, com o boletim mais recente de uma série de decisões lesivas à via, contudo, uma agenda de políticas, conser-
diário Ecopolítica integridade da Amazônia e ao meio ambiente no vadora, mas que mirava problemas reais do

36 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


TERRA EM DISPUTA
Enterro de
país. Nesse primeiro tempo, o presidente tinha A prioridade do presidente é preservar o agricultores no
controle sobre essa agenda e liderança sobre o mandato e por isso passou a depender pessoal- Pará, estado
Legislativo. O time do Executivo era apoiado mente do Legislativo. Essa dependência põe o campeão de
assassinatos no
por maioria robusta na Câmara e no Senado. Congresso em posição de força para impor sua campo. A grilagem
Caminhava para dar uma arrumada nas contas própria agenda. Dominada por um eixo clien- é o motor dos
públicas e aprovar reformas que, de tão madu- telista, cuja liderança se divide entre o PMDB conflitos no estado.
Uma Medida
ras, já não oferecem soluções a longo prazo. e o centrão, a agenda parlamentar contraria as Provisória recente
Tudo mudou para pior no segundo tempo. É metas econômicas e fiscais do governo. Como de Temer anistiou
a fase pós-JBS. Nela, Temer hipotecou seu man- todos os limites fiscais já foram ultrapassados, quem invadiu
dato ao plenário da Câmara dos Deputados, o que Temer tem a oferecer é imunidade, desre- terra pública para
especulação
que é uma mistura de centrão com baixo clero. gulação e liberação de atividades de alto custo
Ao fazê-lo, o presidente tornou-se refém de social e ambiental, de baixa produtividade e
todos os grupos de interesses com influência no de valor econômico duvidoso. O alvo não é
Congresso Nacional. No presidencialismo de a política ambiental ou a Amazônia. O alvo é
coalizão, um presidente na defensiva enfrenta móvel. É aquele que algum grupo de interesses
a dispersão dos aliados e se torna cativo da sua consiga transformar em demanda parlamen-
base. Precisará contentá-la permanentemente tar ao Executivo, ou seja, em voto a favor do
para sobreviver no cargo. Temer tem dito que o mandato de Temer. Vale tudo.
modelo brasileiro é semiparlamentarista. Não Presidente refém não tem agenda, passa a
era. Mas, com ele refém da Câmara, ficou. Hoje, atender a demandas. Não consegue liderar a co-
como qualquer primeiro-ministro, ele precisa alizão governista para aprovar reformas. Mantém
do voto da maioria parlamentar para manter o a narrativa reformista, mas a realidade é o seu
cargo. Antes do escândalo, tinha uma coalizão contrário. Sua coalizão perdeu a consistência e a
coesa, de alta eficácia e custo fiscal relativamen- coerência. Hoje o Congresso se tornou, mais que
te baixo. Hoje, ele tem uma coalizão frouxa, de nunca, um varejão sem rumo e o presidente, com
baixa eficácia e alto custo. a caneta, vai sancionando o que lhe pedem. u

Fotos: Guito Moreto/Agência O Globo, Lunae Parracho/Reuters 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 37


I NVE STI G AÇÃO

Sabe aquele apê


bonito em Miami?
Com dados fornecidos pelos americanos, a Receita
Federal descobre brasileiros que escondem seus
imóveis milionários na Flórida para não pagar impostos
38 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017
20 de dezembro de 2013, está em nome
ESSE CAFOFO de Assis. O vizinho é brasileiro também.
É SUSPEITO O deputado estadual mineiro João Ma-
Mais de 2 mil brasileiros galhães, do PMDB, ex-deputado federal
têm imóveis em Miami não da turma fiel do ex-presidente da Câ-
declarados à Receita mara Eduardo Cunha, preso em Curi-
tiba, está ali. Frequentador das planilhas
OS BRASILEIROS NA FLÓRIDA... de pagamentos de propina da JBS, as-
sociado à cifra de R$ 6 milhões, Maga-
lhães usufrui da suíte 1-1003, avaliada
2.100 possuem em R$ 2,3 milhões, registrada em nome
imóveis não
declarados à da Splendida Trade Company LLC, uma
Receita, entre 4.765 offshore de sua mulher, Renata.
bens adquiridos nos No centro da cidade, perto dali, ou-
últimos cinco anos tro brasileiro, o empresário José Luís
Galvêas Loureiro, usou uma empresa
137 possuem 90 registrada na Flórida, a GW Brickell,
imóveis que estão sendo para comprar, em 2015, um imóvel ava-
autuados em cerca liado em R$ 82 milhões. Luís é diretor-
de R$ 240 milhões
presidente da Galwan, empresa do
ramo da construção civil que atua há
...E SUAS COMPRAS
mais de três décadas no Espírito Santo.
Propriedades como essas, que se desta-
EUA cam na paisagem ensolarada de Miami,
estavam nas sombras para a Receita
FLÓ
Ó R IDA
Federal. Mas o tempo fechou. Nos últi-
mos meses, um supercomputador lo-
MIAMI calizado no subsolo da Esplanada dos
Ministérios, em Brasília, rodando um
poderoso software de análise de dados

12%
% de todas as
compras de
apartamentos
no condado
da empresa californiana NetApp, pas-
sou a processar dados do Fisco dos Es-
tados Unidos compartilhados com
A CASA CAIU são feitas por auditores brasileiros. Da mineração
Vista panorâmica brasileiros concluída em agosto, surgiu uma pri-
de Miami. O que meira planilha, obtida com exclusivi-
os brasileiros dade por ÉPOCA, com operações sus-
fazem lá agora
peitas realizadas só em 2013. Uma
65%
está ao alcance
da Receita amostra. Foram identificados 137 bra-
das aquisições sileiros, donos de 90 imóveis não decla-
são realizadas rados por aqui, e que, somados, valem
por meio de mais de R$ 300 milhões (leia o quadro
Patrik Camporez empresas

E
offshore e 75% ao lado). Assis, João Magalhães e Gal-
m Sunny Isles Beach, um trio de são feitas à vista vêas Loureiro estão na turma que pre-
torres de 19 andares ergue-se cisa se acertar com a Receita. O mon-
sobre uma vila ao estilo medi- tante das multas a ser aplicadas, em fase
terrâneo e marinas que ligam os canais
de Miami Beach ao mar do sul da Fló-
rida. Lugar aprazível, desses que fazem
R$2,8MILHÕES
é o preço médio dos imóveis comprados
já de autuação, chega a R$ 240 milhões.
ÉPOCA recorreu a corretores ameri-
canos vinculados à Miami Association
sonhar brasileiros desencantados com por brasileiros, maior índice do mundo of Realtors (MLS), que possuem um
a situação econômica do país e querem banco de dados privado com o registro
se refugiar disso tudo nos Estados Uni- de datas, valores e nacionalidade de
dos. Um deles é Roberto Assis, irmão e
empresário do craque Ronaldinho
Gaúcho. O apartamento 1-1503, avalia-
R$ 82 MILHÕES
custou uma única propriedade
compras efetuadas na região. Somado
aos arquivos da Junta Comercial da Fló-
rida e aos documentos cartoriais – ambos
do em R$ 3,6 milhões, comprado em não declarada públicos –, identificou boa parte dos s

Foto: Getty Images/WIN-Initiative RM 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 39


I NVE STI G AÇÃO

sonegadores na mira da Receita. Apenas


na Sunny Isles Boulevard, onde o irmão
de Ronaldinho e os Magalhães possuem
casa de veraneio, há outros 20 imóveis
de brasileiros não declarados ao Fisco.
Dentro da amostra, 90% dessas opera-
ções envolveram a criação de empresas
offshore, muito usadas para ocultar pro-
prietários e dificultar o acesso da lei.
Brasileiros são disputados pelos cor-
retores em Miami. Não à toa. Os dados
mais recentes da MLS, a associação dos
corretores locais, mostram que 12% das
compras de imóveis no condado são fei-
tas por brasileiros. O valor médio por
propriedade, estimado em R$ 766 mil,
faz do Brasil o país que paga mais caro
por imóveis em Miami. Corretores que
se dedicam exclusivamente à clientela do
Brasil relatam que, além de pagar caro,
o brasileiro costuma pagar à vista.“Com
crise ou sem crise”, brinca um corretor
com 12 anos de experiência no mercado
americano. Compradores brasileiros são
“tratados como reis”. São levados em
carros de luxo para conhecer os imóveis.
Os condomínios perto do mar são apre-
sentados de dentro de iates; voos pano-
râmicos fazem parte do ritual de persu-
asão. Ao circular por Miami, não é difícil
encontrar despachantes e corretoras que
oferecem os caminhos da sonegação aos
interessados. “Aqui eu faço meu traba-
lho, que é vender. Mas a gente sabe que têm investimentos no Brasil e recebe
esse problema (sonegação) é grande em troca as mesmas informações do
aqui”, diz um corretor. “Se o cara quer Fisco americano. Os dados ficam ar-
sonegar, ele que responda por seus atos.” mazenados no Serviço Federal de
O subsecretário de Fiscalização da Processamento de Dados (Serpro) e
Receita, Iágaro Jung, não dá detalhes ou em servidores instalados dentro do
informações sobre as ações da Receita prédio da Receita. Esses supercompu-
ou alvos. Mas explica que mecanismos tadores só podem ser acessados por
de planejamento tributário extrema- um pequeno grupo de auditores es-
mente sofisticados são usados para ocul- pecializados em seleção de contri-
tar patrimônio no exterior. Isso faz com buintes e em mineração de dados.
que os auditores tenham muito mais Ao longo deste mês, uma segunda
trabalho para identificar o sonegador no etapa de troca de informações entre
exterior. “Quando a gente vai pegar as Brasil e Estados Unidos vai acontecer.
pessoas que estão no topo da pirâmide O próximo foco serão os sonegadores
e têm capacidade contributiva muito EM 2018, O BRASIL que compraram imóveis em Nova
mais alta, o desafio é maior”, diz. “Esta- PASSARÁ A RECEBER York. A partir de 2018, o torniquete
mos falando de outro tipo de sonega- vai apertar mais. As mesmas técnicas
ção.” Se os sonegadores evoluem suas INFORMAÇÕES de cruzamento de informações pas-
técnicas, os auditores brasileiros tentam SOBRE NEGÓCIOS sarão a ser empregadas em mais de
acompanhar com mais informações. Em 100 países, pois o Brasil integrará a
parceria, a Receita envia aos Estados DE BRASILEIROS Convenção Multilateral para Troca de
Unidos informações de americanos que EM 100 PAÍSES Informações entre Países. A Receita

40 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


De acordo com a Receita, boa parte
das pessoas que possuem imóveis não
declarados no exterior já se envolveu
em outras enrascadas no Brasil. Assis,
o irmão e empresário de Ronaldinho
Gaúcho, foi condenado por lavagem de
dinheiro a cinco anos e cinco meses de
prisão, em regime semiaberto. Assis não
respondeu a ligações e e-mails enviados
por ÉPOCA. O deputado João Maga-
lhães, por exemplo, é investigado pelo
Ministério Público Federal por suspei-
ta de receber US$ 500 mil em propina
como contrapartida por intervir numa
área de exploração de turmalina para-
íba, pedra preciosa azul mais cara do
planeta. Detalhe: a investigação do re-
cebimento dos dólares começou no
mesmo ano em que comprou o imóvel
na torre St. Tropez. Magalhães e sua
mulher preferiram o silêncio e não ex-
plicaram as transações que envolvem o
apartamento em Miami. O chefe de
gabinete de Magalhães, Natanael Me-
deiros, disse que ele estava viajando.
A assessoria de imprensa do empre-
sário José Loureiro disse que a GW
Brickell é uma empresa aberta pela bra-
sileira Galwan Empreendimentos e
conta com aportes financeiros de 46
investidores. “Todas as remessas feitas
para o exterior estão no Imposto de
EX-PARAÍSO
O deputado João Renda desses investidores, que declaram
brasileira terá o aval e as informações Magalhães (na também ser sócios da GW Brickell.” A
necessárias para investigar e identificar página ao lado), assessoria afirmou que, no Imposto de
os sonegadores nacionais espalhados o condomínio St. Renda da Galwan Empreendimentos,
Tropez (no alto)
pelo mundo. O primeiro país, além dos e Iágaro Jung consta a abertura dessa empresa no
Estados Unidos, será Portugal. Dessa (acima), da Receita exterior. Não deu explicações, porém,
forma, as possibilidades de esconder pa- Federal. Segundo sobre o fato de a empresa ter ocultado
Jung, boa parte dos
trimônio devem ficar cada vez mais res- que escondem bens a compra do imóvel ao Fisco do Brasil.
tritas. Até países como Panamá, Baha- no exterior está No terreno de R$ 82 milhões, a empre-
mas e Bahrein, destinos de recursos sujos enrolada em outras sa disse que pretende construir um
de endinheirados de todo o planeta, investigações hotel. “Novos recursos estão sendo
abriram mão de sua condição de paraí- aportados pelos acionistas da GW
sos fiscais para não sofrer sanções inter- Brickell para a construção, que está em
nacionais.“Para fins tributários, o mun- vias de receber o financiamento ame-
do passa a ser um mundo sem fronteiras”, ricano. Os Estados Unidos são muito
diz Iágaro. “As possibilidades de escon- criteriosos com essas operações e já
der dinheiro vão ficar para países de fizeram todas as verificações para
segunda linha.” Manter dinheiro em aprovar o financiamento.” Agora, as
paraíso fiscal não caracteriza, por si só, informações dos criteriosos america-
um crime. Mas é preciso entender, se- nos serão compartilhadas com a Re-
gundo Iágaro, que as pessoas se valem ceita para ajudar a combater a sonega-
do paraíso fiscal por dois motivos: a bai- ção, a corrupção, enfim, tudo aquilo
xa tributação no Imposto de Renda e a que brasileiros desiludidos com seu
possibilidade de esconder patrimônio. país buscam em Miami. u

Fotos: Agência Câmara, reprodução (2) 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 41


I NVE STI G AÇÃO

Dr. Ulysses
não aprovaria
Romero Jucá, presidente do PMDB, tentou raspar os
cofres da Fundação Ulysses Guimarães para pagar
dívidas de campanha. O Ministério Público não deixou
Mateus Coutinho

N a quarta-feira, 26 de julho, o
líder do governo no Senado,
Romero Jucá, abriu espaço
em sua agenda para tratar de um as-
sunto interno do PMDB. Às vésperas
no jogo com pouco dinheiro e muita
gente saiu endividada. Jucá prometera
a correligionários um alívio: o repasse
dos recursos da FUG para quitar dívi-
das de campanha. Prometera R$ 100
da votação na Câmara da denúncia mil aos candidatos que disputavam o
da Procuradoria-Geral da República segundo turno e R$ 200 mil para aque-
contra o presidente Michel Temer, les que disputavam nas capitais. Além
Jucá cedeu seu tempo de articulador disso, foram prometidos R$ 80 mil para
para atuar como presidente da sigla. cada um dos 67 deputados da sigla para
Uma mera burocracia não o abalaria. apoiar seus candidatos. O total equiva-
Mas se tratava de um negócio de R$ lia a R$ 7,3 milhões.
5 milhões. Jucá foi a uma reunião às Assim, naquele 26 de julho, por
11 horas numa mansão em Brasília, unanimidade (com apenas metade dos
onde fica a sede nacional do PMDB conselheiros presentes), os membros do
e da Fundação Ulysses Guimarães, a Conselho Curador da FUG aprovaram
FUG, ligada ao partido. Com ele, esta- o repasse dos R$ 5 milhões ao diretório.
vam Eliseu Padilha, ministro da Casa Aprovaram que se esvaziasse a funda-
Civil e ex-presidente da fundação; oito ção, criada em 1981, cujo objetivo é “de-
representantes do Conselho Curador senvolver projetos de pesquisa aplicada,
da fundação; e o secretário-geral da doutrinação programática e educação
IMPEDIDO
FUG, João Henrique Souza. Na reu- política para o exercício pleno da de- O senador Romero
nião, os chefes decidiram raspar o co- mocracia” – e cujo nome é uma home- Jucá (acima) e
fre da fundação, praticamente zerando nagem a um dos maiores políticos que trecho de parecer
suas reservas, e passar o dinheiro para o país já teve –, para pagar atrasados do Ministério
Público (no alto).
o diretório nacional do PMDB. Uma de campanhas. O atual presidente da A manobra para
decisão ilegal. fundação é o ministro Moreira Franco. quitar dívidas
Os dirigentes cresceram o olho sobre A trinca Jucá, Padilha e Franco está en- de campanha
o dinheiro da fundação em outubro do rolada na Lava Jato. E quer que doutor foi barrada
ano passado, logo depois das eleições. A Ulysses pague a conta.
campanha de 2016 foi dureza, por causa Normalmente, as reuniões de fun-
da Lava Jato e pela proibição de doa- dações partidárias têm de ser acompa-
ções de empresas. Todo mundo entrou nhadas por um membro do Ministério

42 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


mil em 2016 – o dinheiro em caixa é
referente ao que foi poupado em anos
anteriores. Não havia, portanto, forma
legal de transferir dinheiro ao PMDB.
Um detalhe fundamental: a fundação
é abastecida com 20% do Fundo Par-
tidário a que o partido tem direito. Ou
seja, dinheiro público. Jucá tentou usar
esse recurso para pagar dívidas de cam-
panha de seus correligionários. Ulysses
Guimarães não aprovaria.
O ataque aos cofres da fundação
acabou sendo barrado pelo Ministério
Público. Nos bastidores, representantes
da fundação entendem que a manobra
foi uma tentativa de submeter a enti-
dade, que sempre teve autonomia, aos
interesses do partido. Por outro lado,
deputados criticam o corte de 10% no
repasse do Fundo Partidário para os
diretórios estaduais determinado por
Jucá no ano passado e alegam que ou-
Público do Distrito Federal e todas as que a “transferência” era “irregular” e tras siglas têm garantido mais recursos
atas do Conselho devem ser submetidas negaram o registro da ata. a seus parlamentares nas eleições. “Se
ao órgão para aprovação. Contudo, na- De acordo com o Ministério Público, não resolverem até a janela de transfe-
quele dia, o representante do Ministé- apesar de uma resolução do Tribunal rência (de partidos, que será em março
rio Público responsável pelas fundações Superior Eleitoral de 2014 autorizar de 2018), vai haver uma debandada”, diz
partidárias em Brasília estava de férias. a reversão de recursos das fundações um deputado. O senador Romero Jucá e
Contrariados com a ação de Jucá de es- partidárias para os partidos, essa trans- o ministro Eliseu Padilha não quiseram
vaziar os cofres da fundação, represen- ferência deve obedecer a algumas re- comentar o caso. A Fundação Ulysses
tantes da entidade informaram o MP da gras. Entre elas, a de que só podem ser Guimarães e seu presidente, o minis-
manobra. Os promotores emitiram um transferidas as sobras do ano anterior. tro Moreira Franco, não responderam
parecer no dia 25 de agosto, apontando Mas a FUG teve um déficit de R$ 125 aos questionamentos. u

Foto: Julio Cesar Guimaraes/Agência O Globo 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 43


I NVE STI G AÇÃO

Dinheiro de Belo
Monte na conta
Secretário de Temer admite ter pedido a empreiteiras
que repassassem recursos a políticos do PMDB – entre
eles Renan Filho, Helder Barbalho e Edison Lobão Filho
Aguirre Talento

A poucos metros da Praia do Le-


blon, três altos executivos das
maiores empresas de constru-
ção civil do país atravessaram a calçada
de pedras portuguesas para entrar no
rações relativas a Belo Monte, costuma
levar 0,5% dos contratos de propina – no
caso seriam 0,5% sobre R$ 25 bilhões.
Em seu depoimento, Luiz Otávio dis-
se que foi enviado com a tarefa de indi-
hotel Marina All Suites. Faltava aproxi- car candidatos a ser beneficiados com a
madamente três meses para as eleições parcela do PMDB. Afirmou que indicou
de 2014, e os representantes de Andrade Helder Barbalho, então candidato ao
Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebre- governo do Pará, filho do senador Jader
cht, responsáveis pela construção da Barbalho e hoje ministro da Integração
hidrelétrica de Belo Monte, precisavam Nacional, como um dos destinatários do
fazer uma reunião extraordinária. Em dinheiro do“compromisso político”refe-
uma sala reservada do hotel, Flávio rente a Belo Monte. Assim como Helder,
Barra, diretor da Andrade, comandava os outros dois escolhidos, segundo Luiz
a conversa que contava ainda com Luiz Otávio, eram filhos de senadores pode-
Carlos Martins, da Camargo, e Augusto rosos: Renan Filho, candidato ao governo do PMDB foi abastecido com R$ 50 mi-
Roque, da Odebrecht. O representante de Alagoas e filho do então presidente lhões das empreiteiras de Belo Monte e,
do PMDB chegaria a qualquer momen- do Senado, Renan Calheiros, e “prova- segundo a PF, repassou R$ 1,5 milhão a
to. A cena acima foi montada a partir velmente” Lobão Filho, candidato ao Helder. Outros R$ 8,2 milhões vieram do
de depoimentos de Barra, Martins e governo do Maranhão e filho do então Diretório paraense do PMDB.
Roque à Polícia Federal. ministro de Minas e Energia, Edison Confrontado pela Polícia Federal so-
O representante aguardado do PMDB Lobão (leia recorte ao lado). bre o encontro no Rio de Janeiro, Luiz
é Luiz Otávio Campos, ex-senador pelo Os investigadores da Polícia Federal Otávio disse que esteve na reunião com
Pará, hoje secretário nacional dos Portos produziram um relatório no qual afir- os empreiteiros de Belo Monte a convite
do governo Michel Temer. Ele também mam que o dinheiro de Belo Monte de Flávio Barra e disse que“possivelmen-
deu um depoimento sigiloso à Polícia chegou indiretamente à campanha de te” compareceu com os dados dos três
Federal, obtido por ÉPOCA com exclu- Helder ao governo do Pará em 2014.“O peemedebistas destinatários dos recursos.
sividade. Luiz Otávio entrou na sala e foi Diretório Nacional do PMDB recebeu “O papel do declarante na citada reunião
apresentado por Flávio Barra aos colegas (...) R$ 127 milhões a título de doação limitava-se a apresentar a indicação das
como o arrecadador de recursos designa- eleitoral, dos participantes do Consórcio pessoas com as quais deveriam ser ope-
do para o caso de Belo Monte. De acordo Construtor de Belo Monte, nos pleitos racionalizadas as doações de campanha,
com o padrão apurado pela Operação de 2010/2012/2014”, diz a PF. Especifi- caso fossem efetivadas”, diz o depoimento
Lava Jato, o PMDB do Senado, nas ope- camente em 2014, o Diretório Nacional prestado por Luiz Otávio em março. Luiz

44 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: Rodrigo Pivas/Futura Press


BENEFICIADO
O ministro Helder Barbalho (ao
lado) e trecho de relatório da Polícia
Federal (acima). Segundo o operador,
o dinheiro passou por diretórios do
PMDB antes de chegar às campanhas

Otávio afirmou que, posteriormente, Afirmou que Luiz Otávio reclamava de Em nota, o ministro Helder Barbalho
Flávio Barra lhe confirmou que os paga- atrasos nos pagamentos ao PMDB, fa- afirma que nunca esteve com os emprei-
mentos da Andrade foram feitos. zendo referência explícita ao faturamen- teiros de Belo Monte e que a arrecadação
Luiz Otávio não usa o termo pro- to que a Odebrecht estava conseguindo de sua campanha em 2014 ficou a car-
pina quando fala da reunião; prefere graças a Belo Monte. E disse que teve com go dos diretórios estadual e nacional do
“doações”. Mas para os investigadores e ele uma nova reunião para acertar a for- PMDB.“Questionamentos a respeito dos
para os empreiteiros não há dúvidas de ma de pagamento.Ao chegar ao encontro recursos arrecadados devem ser feitos aos
que se tratava de um pedágio ilegal co- em um apartamento em Ipanema, no Rio diretórios do partido”, diz. “Minha cam-
brado pelo PMDB para não atrapalhar de Janeiro, Fernandes diz que foi avisado panha só recebeu recursos oficiais e as do-
a liberação de recursos públicos. “Esse por Luiz Otávio:“Fica tranquilo, porque ações eleitorais foram registradas junto ao
pedido de doação estava nitidamente aqui não tem câmeras”. Na ocasião, acer- TRE-PA, que aprovou todas as contas de
relacionado ao ‘compromisso político’ taram que os pagamentos seriam feitos campanha”, disse. Luiz Otávio afirmou à
que havia no contexto das obras de Belo via caixa dois, mediante remessas de R$ PF que a acusação de arrecadação de pro-
Monte”, afirma Luiz Carlos Martins, de- 500 mil entregues alternadamente em en- pina da obra é “mentirosa”. O advogado
lator da Camargo Corrêa. dereços em São Paulo e no Rio de Janei- do senador Edison Lobão,Antônio Carlos
Outro delator, o executivo da Ode- ro indicados pelo próprio peemedebista. de Almeida Castro, o Kakay, diz que as
brecht Augusto Roque Fernandes, este- Luiz Otávio, segundo Augusto, recebeu a afirmações dos delatores são“inverídicas”.
ve na PF em maio e deu novos detalhes. senha para retirar os pagamentos. Os demais citados não responderam. u

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 45


I NVE STI G AÇÃO

LÍDER, MAS...

A impagável
Arena
Corinthians,
em Itaquera.

dívida corintiana
A imbatível
fase esportiva
não alivia as
finanças do time

Com pagamentos suspensos, a renegociação entre


Corinthians e Caixa desanda. Não há perspectiva de solução
Rodrigo Capelo

F ábio Carille, técnico do Corin-


thians, chegou ao cargo num
momento em que o clube já ha-
via parado de pagar à Caixa Econômica
Federal as parcelas do financiamento
R$ 400 milhões. Sufocada pelas mensa-
lidades, a cúpula corintiana pediu uma
trégua em novembro de 2016 para co-
locar as contas em ordem e voltar a pa-
gar a partir de maio de 2017. O banco a
préstimo. Como o time não consegue
honrar esses R$ 5 milhões mensais, pro-
pôs diminuir as parcelas pela metade, R$
2,5 milhões, pelo tempo determinado de
um ano. Depois disso os corintianos vol-
público de seu estádio. Pela campanha concedeu, disposto a renegociar termos tariam a pagar as parcelas cheias e o va-
brilhante até agora – a melhor da histó- do acordo. Não deu certo. Os corintia- lor que deixara de ser pago durante um
ria do Campeonato Brasileiro –, o Co- nos chegam a setembro sem ter retoma- ano seria acrescido às parcelas seguintes.
rinthians bem pode chegar a campeão. do os pagamentos – e, pior, sem a menor Monitorada pelo Banco Central e pelo
Mas não vê como retomar os pagamen- perspectiva de que isso aconteça. Banco Nacional do Desenvolvimento
tos. O problema está no desempenho Eis a situação na mesa de negociações Econômico e Social (BNDES), dono do
financeiro da Arena Corinthians, que, a entre Corinthians e Caixa, de maneira dinheiro, a Caixa não tinha como aceitar
despeito da campanha fantástica do simplificada. Cada parcela custa R$ 5 tal proposta porque o valor sugerido não
time e das arquibancadas lotadas, não milhões – dos quais R$ 1,5 milhão pa- cobre nem os juros, o que faria com que
gera dinheiro suficiente para bancar gam a dívida e R$ 3,5 milhões corres- a dívida crescesse em vez de diminuir. A
suas despesas e quitar o empréstimo de pondem aos juros cobrados pelo em- cúpula do banco propôs outra solução. s

46 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: Mauro Horita/AGIF


I NVE STI G AÇÃO

NASCE
UMA DÍVIDA
O Corinthians até poderia baixar as par- Obras da Arena campo não basta para mudar a realida-
celas a R$ 2,5 milhões por mês, mas teria Corinthians, em de financeira do estádio.
de arrumar um jeito de, ao término des- 2013. O setor Enquanto não paga as mensalidades
público assumiu
se ano de carência, depositar mais R$ 12 um risco no à Caixa, o Corinthians tem feito uma
milhões para cobrir os juros. A fim de financiamento poupança. O valor na conta bancária do
assegurar o recebimento, a Caixa pediu fundo imobiliário que administra a Are-
como garantia o resultado do plano de na Corinthians passou de R$ 2,4 milhões
sócios-torcedores, o Fiel Torcedor, que em novembro de 2016 para R$ 11,7 mi-
deve gerar R$ 17 milhões em 2017. Aí lhões em julho de 2017, conforme do-
entrou em campo a política futebolística. cumentos publicados pelo fundo na
Roberto de Andrade, presidente do Comissão de Valores Mobiliários
Corinthians, mandou uma carta a Osmar (CVM). Mais um sinal preocupante.
Basílio, presidente do Conselho de Após se abster de honrar os compromis-
Orientação (Cori) do clube, com os ter- sos pela Arena Corinthians por nove
mos da exigência feita pela Caixa – re- meses, sem pagar nem 1 centavo do en-
servar as receitas do Fiel Torcedor como porque a ausência na Libertadores e a dividamento feito com um banco estatal
garantia ao banco, na renegociação do eliminação precoce na Copa do Brasil para sua construção, o clube conseguiu
financiamento público. A proposta ain- tiraram do estádio partidas valiosas. uma quantia que pagaria só duas das
da precisava passar pelo crivo do Con- ÉPOCA fez as contas. Em 2016, com 22 parcelas de R$ 5 milhões.
selho Deliberativo alvinegro, mas caiu confrontos no primeiro semestre, a casa Aos corintianos, a situação aflige pela
antes disso. O Cori, formado por ex- corintiana arrecadou quase R$ 42 mi- possibilidade da venda de atletas para
presidentes e membros eleitos, vetou a lhões. Em 2017, com 16 jogos no mes- cobrir rombos no orçamento. Mas a
proposta. E a renegociação voltou ao mo período, a renda foi muito menor, gravidade vai muito além disso. Três
impasse inicial. Com o agravante de que apenas R$ 25 milhões. Pela dificuldade anos após a Copa do Mundo, o Corin-
o imbróglio passou a ser acompanhado de obter patrocínios e vender camaro- thians indica não ter capacidade de pa-
pelo Ministério Público Federal (MPF), tes, a maior parte da receita do estádio gar os R$ 400 milhões emprestados pelo
que recebeu documentações e tem in- vem das bilheterias. Há expectativa de BNDES. A Caixa, agente financeiro,
vestigado a suspensão do pagamento que o desempenho financeiro do está- alega sigilo bancário a respeito da ope-
das parcelas corintianas. dio melhore muito no segundo semes- ração para ignorar perguntas – mesmo
As dificuldades financeiras da Arena tre, ainda mais se Carille confirmar o ligadas a um empréstimo feito por um
Corinthians continuam mesmo com a título com um aproveitamento históri- banco estatal e mediado por outro, e que
equipe em alta no Brasileiro, sobretudo co. De qualquer modo, a liderança em pode nunca mais ser recuperado. u

48 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: Reuters/Paulo Whitaker


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E N T R E V I S TA

D AV I D Z Y L B E R S Z TA J N

“A janela para
o pré-sal fechou”
Para o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo,
o Rio de Janeiro precisa investir na transição para
uma economia baseada em pessoas e criatividade
Marcelo Bortoloti

O carioca David Zylbersztajn é um dos principais


consultores do país na área de energia. Doutor
em economia energética pelo Institut d’Economie
et de Politique de L’Énergie, na França, foi o primeiro
diretor da Agência Nacional de Petróleo, criada em 1998,
preço não sobe mais, e a tendência é que o eixo de produção
se encaminhe mais para a Bacia de Santos, na região de São
Paulo, onde existem grandes reservas. O Rio de Janeiro tem
de pensar na era pós-petróleo, apesar de ainda ter petróleo.

e desde sempre um entusiasta da abertura da exploração ÉPOCA – Qual foi o erro cometido?
petrolífera no Brasil para a iniciativa privada. Hoje, ele Zylbersztajn – O principal deles foi achar que aquela mesa-
lamenta as oportunidades perdidas pelo país e pelo Rio da não iria terminar nunca, receber o dinheiro sem esforço
de Janeiro nessa área, em razão de políticas públicas que e sem nenhuma política pública associada. Em vez de
considera equivocadas, e não acredita na possibilidade de aproveitarmos a benesse que a natureza deu para o estado
revertê-las tendo em vista que a era do “ouro negro” está do Rio de Janeiro, não fizemos nada para transformar uma
ficando para trás. Na semana passada, Zylbersztajn foi um coisa que é finita em algo que pudesse ser reprodutivo,
dos palestrantes do seminário Reage, Rio!, promovido pela associado às vocações da região, conectado com o mundo
Infoglobo, que reuniu empresários, políticos e represen- novo que a gente está vivendo. E o governo cometeu uma
tantes da sociedade civil para discutir alternativas de tirar série de equívocos, estimulando indústrias que não se
da crise um estado que amarga as piores taxas de cresci- justificam mais hoje, como as do setor automobilístico.
mento econômico do Brasil. Nesta entrevista, ele fala da Ninguém pensou, por exemplo, em usar esse dinheiro para
dependência que o dinheiro do petróleo provocou no Rio despoluir a Baía de Guanabara. Ou uma parte dele para
de Janeiro e do iminente fim dessa receita diante do pro- valorizar o professor e a educação básica. São exemplos de
cesso de renovação energética que o mundo experimenta. coisas que teriam impactos permanentes para as gerações
David defende que o grande patrimônio do estado não é futuras. A Baía de Guanabara despoluída é uma fonte de
o petróleo, e sim as pessoas, e é preciso aproveitar esse riquezas absurda. E educação não precisa nem falar. Então
potencial antes que ele vá embora. o dinheiro caiu do céu e foi mal aplicado. Criou-se uma
dependência equivocada, em vez de transformar essa fonte
ÉPOCA – A exploração do petróleo, e especialmente do finita e suja que é o petróleo em algo perene e limpo. Não
pré-sal, pode ajudar a tirar o Rio de Janeiro da crise? se pensou em atividades não poluidoras, atividades ligadas
David Zylbersztajn – Contar com isso como sendo a salvação à inovação, ao designer, à tecnologia e ao turismo. E agora
é reiterar o erro. Quando o petróleo estava efetivamente a mesada está acabando.
caro e com a produção elevada, o estado não se preparou
para o momento em que essa situação se revertesse. Agora o ÉPOCA – Por que você diz que a mesada está acabando? s

50 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


VISÃO
O consultor
David
Zylbersztajn no
evento Reage,
Rio!. Ele diz que
a riqueza do
petróleo será
mais curta do
que se imaginava

Foto: Julio Cesar Guimaraes/Agencia O Globo 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 51


E N T R E V I S TA David Zylbersztajn

Zylbersztajn – Porque o petróleo pode até crescer em em tecnologia, saíram de sua zona de conforto. Veja Israel,
produção, mas em valor não vai crescer mais. Ele não vai que é o segundo país do mundo em registro de patentes, e
ter no futuro a mesma importância que teve no passado. não tem petróleo. O Japão e a Alemanha que também não
Acho que a era do petróleo vai acabar antes do petróleo têm. Pelo contrário, eles compram petróleo, transformam
acabar fisicamente. Hoje, eu diria que ele é um inimigo essa matéria-prima e revendem produtos a um preço muito
a ser abatido. Claro que ainda é essencial, não é possível maior para quem produziu o petróleo. Então acredito que
mudar da noite para o dia, mas existe uma transição ener- em boa parte fomos vítimas dessa maldição.
gética em curso, e no futuro, onde o petróleo puder ser
substituído, ele será. Falo do petróleo e de seus derivados. ÉPOCA – Como é possível se livrar dela?
O carro elétrico já é uma realidade. Daqui a dez anos não Zylbersztajn – Acho que essa janela fechou. A oportunidade
haverá mais automóveis com combustão interna na Ho- se perdeu. Não ter utilizado adequadamente o dinheiro
landa, na Inglaterra, na França e mesmo na China. Hoje, causou um prejuízo histórico, que na minha opinião nem
todos os táxis no aeroporto de Amsterdã são elétricos. o pré-sal pode resolver. Dez anos atrás, o petróleo valia
Na Califórnia, há grandes caminhões e mesmo navios uma fortuna, não havia crise mundial, não havia o Iraque
de cabotagem que só aportam se forem movidos a gás e o Irã voltando a produzir, como estão agora. Todos os
natural. Então, o mundo está mudando e nós estamos fatores eram favoráveis ao Brasil, e não teremos mais uma
ficando para trás. convergência tão forte como havia naquela época.

ÉPOCA – Não é possível apostar nas reservas pré-sal? ÉPOCA – Então não existe alternativa?
Zylbersztajn – Especialmente no Rio de Janeiro não se pode Zylbersztajn – No caso do Rio de Janeiro, a primeira coisa
apostar nisso. O petróleo vai ter uma vida mais curta do seria ter um projeto. A maioria das pessoas faz um pro-
que se imaginava. Existe, hoje, uma pressão internacional jeto de vida, um projeto para a família, para os filhos etc.
muito forte para transferir o consumo de Pode dar certo, pode dar errado, ser mais
petróleo para gás natural. E, no futuro, ou menos ousado, mas existe um proje-
de gás natural para outras fontes menos to. O Rio de Janeiro não tem. E a culpa é
poluentes, como a energia solar ou a bio- nossa, porque fomos nós que colocamos
massa. Então esse negócio de ouro negro
O petróleo os governantes que estão no poder. En-
hoje é uma bobagem sem tamanho. Isso é um inimigo tão acredito que a saída mais imediata é a
no tempo do Getúlio Vargas fazia sentido,
atualmente não. O Rio de Janeiro teve uma
a ser abatido. eleição de 2018. É preciso que surja uma
liderança capaz de apresentar um projeto
sucessão de governos sem percepção para O carro elétrico já de desenvolvimento para o estado, indicar
o futuro promissor que a receita extraor- é uma realidade” o tipo de investimento que pretendemos
dinária do petróleo poderia proporcionar. atrair e sinalizar os estímulos que serão
Faltou uma visão de estadista. Hoje, o go- dados em determinados setores para que
verno do estado não consegue fechar as contas, porque não isso aconteça. Isso é o básico que você pode esperar de um
conseguiu desenvolver uma economia que gerasse receita. governo, e não temos. O governo do estado fica hoje como
As atividades produtivas que estão aí não são suficientes, barata tonta tentando arrumar dinheiro para pagar salários
mas aquelas que você poderia ter estimulado seriam. Então e não tem qualquer projeto de futuro.
estamos pagando caro pelos erros do passado. O petróleo
tem 40 anos no estado do Rio de Janeiro, e, se tivéssemos ÉPOCA – Para que lado poderia ser esse projeto de
desde então investido em educação ou setores mais inova- desenvolvimento?
dores, estaríamos em outro patamar. Zylbersztajn – Existem exemplos lá fora que podem ser se-
guidos. Há 20 anos, a cidade de Miami, nos Estados Unidos,
ÉPOCA – O Rio de Janeiro foi vítima da chamada “mal- era considerada aquele lugar de novos-ricos, aquela coisa
dição do petróleo”? cafona. Hoje, você visita a cidade e percebe que ela soube
Zylbersztajn – Acho que sim. Perceba que com raríssimas se reinventar. É uma cidade que investiu muito em cultura,
exceções, talvez da Noruega, por exemplo, não existem paí- design, inovação, turismo e também em gastronomia. Perdeu
ses produtores de petróleo que tenham uma produção cien- o ranço de cidade subdesenvolvida dentro dos Estados Uni-
tífica relevante ou uma produção cultural relevante. E pior, dos. É hoje um dos lugares que mais crescem no país. Essa
em geral são autocracias, não são regimes democráticos. reinvenção foi muito em cima de coisas que o Rio de Janeiro
Você pode ver o que acontece com países do Oriente Médio, tem em potencial, como a área da cultura e da inovação.
com a Venezuela ou o próprio Equador, que foi membro Mas esse exemplo só pode ser seguido enquanto as cabeças
da Opep e hoje é um país quase quebrado, não tem sequer estiverem aqui. Porque muitas estão indo embora. Esse é o
uma moeda própria. Então ter petróleo é uma ilusão. Na maior patrimônio que a gente tem hoje, não é o petróleo.
verdade, a adversidade de não ter petróleo criou competên- Petróleo ajuda a pagar as contas, mas o principal patrimônio
cias enormes nos países que não têm essa fonte e investiram são as pessoas, e o Rio de Janeiro está perdendo isso. u

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 53


É POCA C E NÁR IOS

C E N Á R I O S

Rumo a uma nova


Guerra Fria
Um conflito militar dos Estados Unidos com a Coreia do
Norte é improvável. Mas caminhamos para uma corrida
armamentista na Ásia para cercar o regime de Kim Jong-un

A última tentativa do presidente dos Es- Coreia do Sul e no Japão. Os Estados Unidos têm
tados Unidos, Donald Trump, de usar a capacidade de derrotar o Exército de Kim e eli-
uma linguagem dura para intimidar o minar seu regime, mas os assessores militares de
líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e forçá- Trump se opõem à ideia de usar a força, a menos
-lo a refrear o desenvolvimento de seu programa que seja absolutamente necessário, e trabalham
de mísseis balísticos fracassou. Em vez de recuar para manter o ditador coreano sob controle. Quan-
ante a retórica agressiva de Trump, Kim ameaçou to a Kim, embora seja paranoico, não é suicida.
enviar mísseis balísticos a Guam (ilha sob con- Dados os riscos imensos, por que Kim parece
trole americano no Pacífico Ocidental), lançou tão determinado a adquirir a capacidade de lançar
mísseis no Mar do Japão no último sábado, dia 26 uma ogiva nuclear via míssil balístico interconti-
de agosto, e sobre o Japão na terça-feira, dia 29. nental de longo alcance em território americano?
A decisão de Kim de provocar os Estados Uni- É simples: ele acredita que a única maneira de ga-
dos pode ter sido especialmente irritante para rantir a sobrevivência de seu regime dinástico é
Trump. Os Estados Unidos haviam lhe feito um possuir armas potentes o bastante para deter um
aceno de paz ao anunciar a redução do número ataque liderado pelos Estados Unidos.
de soldados americanos nos exercícios militares Os temores de Kim não são infundados.Ele não
conjuntos com Coreia do Sul. Trump também tem nenhum desejo de compartilhar a sina de ou-
expressara otimismo sobre os resultados de sua tros ditadores (como os da Líbia e do Iraque) que
postura mais firme com Kim. “Respeito o fato de desafiaram os Estados Unidos e acabaram depostos.
que ele (Kim) está começando a nos respeitar”, Para Kim, as armas nucleares são a única manei-
disse Trump, em 22 de agosto. Quatro dias depois, ra confiável de proteger seu poder – e sua vida. As
Kim lançou três mísseis nas águas pressões econômicas,políticas,diplo-
da costa leste da Coreia do Norte. O CENÁRIO máticas e militares podem retardar
O dramático passeio de mon- A questão da Coreia do seus esforços de construir um míssil
tanha-russa das últimas semanas Norte não tem solução à intercontinental,mas não vão detê-lo.
deve continuar. Ainda há o perigo vista. Um conflito militar É por essa razão que a questão da
de que um erro de cálculo ou uma seria desastroso, e as Coreia do Norte é, de longe, o mais
pressões externas não
decisão impulsiva tomada por um vão dissuadir Kim de sério risco geopolítico global, sem
Scott Seaman ou outro lado desencadeie uma desenvolver mísseis solução à vista. Os esforços para ge-
é diretor da consultoria guerra. No entanto, um conflito renciá-lo se desenrolarão lentamente.
internacional Eurasia
Group para a Ásia. militar a curto prazo é improvável. A A P O S TA Os Estados Unidos e seus aliados con-
Mestre e doutor em Os dois lados compreendem que Os EUA deverão mudar tinuarão a aumentar as restrições à ca-
ciências políticas pela uma guerra pode ter consequên- sua estratégia. Em vez de pacidade de financiamento do arsenal
Universidade Duke, é impedir Kim de obter um
especialista em questões
cias desastrosas.A Coreia do Norte míssil intercontinental,
norte-coreano,mas Kim persistirá em
de Japão, Coreia do tem forças convencionais suficien- buscarão impedi- seus esforços de obter recursos para
Sul e Coreia do Norte tes para causar grandes estragos na lo de usá-lo manter seu programa nos trilhos. s

Foto: divulgação 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 55


O B S E R VA D O R D A G E O P O L Í T I C A

Para Kim, as armas


nucleares são a
única maneira
de proteger seu
poder e sua vida

Pressionar Kim de forma eficaz se torna ainda longa, cara e árdua missão de manter Kim cercado.
mais difícil devido à relutância da China. Os chi- O Japão já está fortalecendo suas defesas. O
neses não querem precipitar o colapso do regime governo do premiê Shinzo Abe terá ainda mais
de Kim, o que poderia significar a fuga de milhões incentivos para expandir seus gastos militares se
de refugiados norte-coreanos para o nordeste da Kim continuar a ameaçá-lo. Autoridades do go-
China e deixar toda a Península Coreana sob o verno japonês e especialistas de defesa discutem
controle dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. opções para dar a Tóquio a capacidade de atacar
Uma solução diplomática ainda é possível, mas preventivamente alvos na Coreia do Norte com
as frequentes demonstrações de força dos dois sistemas de armas “ofensivas”, como mísseis de
lados e a intransigência de Kim complicaram os cruzeiro americanos Tomahawk. O presidente da
esforços para reduzir as tensões e criar uma atmos- Coreia do Sul, Moon Jae-in, também está toman-
fera propícia para negociações. Décadas de acordos do medidas para acelerar o desenvolvimento de
fracassados e incontáveis promessas descumpridas sistemas bélicos locais. Moon e os futuros presi-
alimentam a desconfiança mútua e minam as pos- dentes sul-coreanos serão compelidos a considerar
sibilidades de um acordo abrangente e durável. seriamente a aceitação de armas nucleares ameri-
O cenário mais provável é um no qual os Esta- canas na Península – ou a hipótese de construí-
dos Unidos,seus aliados e o resto do mundo sejam, -las eles mesmos. Seul e Washington discutem a
enfim, obrigados a aceitar a Coreia do Norte como transferência de bombardeiros estratégicos, caças
uma potência nuclear e mudem a estratégia: em vez Stealth F-35, submarinos nucleares e porta-aviões
de evitar que Kim adquira um míssil intercontinen- americanos para a Coreia do Sul e áreas vizinhas.
tal,tentar impedi-lo de usá-lo.É difícil prever como Os esforços mais amplos e coordenados de
essa nova estratégia de dissuasão se desenvolverá. Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão para conter
Também não está claro quão úteis serão as lições a Coreia do Norte como potência nuclear não
aprendidas com os esforços de dissuasão de outras apenas manterão as tensões com Pyongyang altas,
potências nucleares,como a União Soviética-Rússia, mas também criarão vários pontos de atrito com
a China e o Paquistão. Uma coisa é certa, porém. O a China e a Rússia. Embora um conflito militar
desenvolvimento de um arsenal de mísseis intercon- no nordeste da Ásia seja improvável, parece pru-
tinentais norte-coreanos forçaria os Estados Uni- dente se preparar para a emergência de uma nova
dos e seus aliados a expandirem rapidamente suas Guerra Fria na região como um risco geopolítico
capacidades de defesa e se prepararem para uma global e regional de longo prazo. u

56 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Foto: AFP


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C A R TA S C O L O M B I A N A S

Quando
a guerrilha
vira partido
A conversão da guerrilha das Farc em partido
na Colômbia é uma vitória da democracia e uma
prova da força do diálogo político sobre as armas
Lourival Sant’Anna, de Bogotá

C om justiça e verdade junto ao


povo, já está com o fogo pri-
meiro da aurora a pequena
canção que nasceu em nossa voz guer-
rilheira de luta e futuro.” A primeira
em que as Farc, como guerrilha, entra-
ram para a história e deram lugar, com a
mesma sigla, ao partido Força Alternativa
Revolucionária do Comum.
Quando a última estrofe termina –“do
estrofe do hino das Forças Armadas império brutal já se sente o final, com os
UMA NOVA LUTA
Revolucionárias da Colômbia (Farc) braços da América toda, para os povos, a Ex-guerrilheiros
ressoa no auditório do Centro de Con- paz e a felicidade socialista o futuro será” no primeiro
venções Gonzalo Jiménez de Quesada, –, os guerrilheiros gritam, um a um, os congresso das
nome de um conquistador espanhol, no nomes dos comandantes mortos em ba- Farc como
partido político.
centro de Bogotá, capital do país. Cerca talha. A multidão responde: “Presente”. A guerra agora
de 1.000 guerrilheiros entoam o hino Oito meses depois da assinatura do acor- é pelo voto
com a emoção de quem o canta pela do de paz com o presidente Juan Manuel
primeira vez na capital e publicamente. Santos, eles ainda não incorporaram o
Em 53 anos de história, desde que fo- prefixo “ex” à sua autodefinição. Mas 7
ram fundadas como o braço armado do mil guerrilheiros já depuseram suas
Partido Comunista Colombiano, as Farc armas, cujo aço será derretido e trans-
sempre haviam realizado suas conferên- formado em três monumentos à paz.
cias de forma clandestina, nas montanhas Diante das dificuldades de deslocamento
e selvas do país. A próxima estrofe come- em meio à guerra, eles nunca tinham es-
ça lembrando Simón Bolívar, o herói da tado todos juntos. Numa ironia, quando
independência, numa contraposição ao a guerrilha finalmente se uniu fisicamen-
homenageado que dá nome ao centro de te, foi para pôr fim a si mesma.
convenções, que veio explorar as riquezas Depois de entrar em vários proces-
em favor dos colonizadores. Foi apenas sos de paz apenas para ganhar tempo
um de muitos simbolismos na semana e terreno, as Farc só se engajaram em

58 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


negociações de verdade depois de levar próximas eleições, independentemente que estamos dando. Superamos o obs-
uma surra das Forças Armadas colom- da votação do novo partido –, Uribe se táculo da guerra. Celebramos este con-
bianas, nos oito anos de Presidência do sentiu traído por Santos. E fez uma cam- gresso publicamente na capital do país,
implacável Álvaro Uribe (2002-2010), panha vitoriosa pelo “não” no plebisci- uma vitória impensável anos atrás”, disse
que embarcara num acerto de contas to sobre o acordo, rejeitado pela estreita o dirigente, antes de reconhecer: “Temos
pessoal: seu pai fora morto em 1983 em margem de 50,21% a 49,78%. Santos pela frente grandes desafios e múltiplas
uma tentativa de sequestro atribuída às ignorou a consulta popular e o Congres- dificuldades. Nada é fácil no mundo po-
Farc (que negam envolvimento). Com so aprovou o acordo assim mesmo. lítico”. Que o digam os partidos tradicio-
a ajuda militar americana, e o emprego Agora, o esforço da direção das Farc é o nais. Uma pesquisa divulgada na quarta-
das aeronaves brasileiras Super Tucanos, de reinterpretar a rendição como vitória. feira 30 pelo Instituto Gallup revela que
os militares colombianos partiram para “As marchas guerrilheiras costumavam apenas 10% dos colombianos têm visão
uma guerra total, que credenciou o então enfrentar enormes desafios, que uma favorável dos partidos em geral, enquan-
ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, vez superados nos permitiam apreciar to em relação às Farc o índice é de 12%.
a se eleger e se reeleger sucessor de Uribe. mais adiante, em direção a outros cumes”, De acordo com a Unidade para a
Contrário às concessões feitas às Farc no discursou na abertura do congresso, no Atenção e Reparação Integral às Vítimas,
acordo – a troca de prisão por trabalhos domingo 27, o comandante das Farc, órgão do governo colombiano, 8 milhões
comunitários para os autores de atroci- Timoleón Jiménez, ou Timochenko de pessoas foram afetadas pelo conflito
dades e a entrega de cinco cadeiras de (nome de guerra de Rodrigo Londoño). do Exército colombiano com as Farc.
deputados e cinco de senadores nas duas “É assim que devemos considerar o passo Desses, 265 mil foram mortos e mais s

Foto: Raul Arboleda/AFP 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 59


C A R TA S C O L O M B I A N A S

de 6 milhões tiveram de deixar suas ca- foi muito bela, mas também triste. Fazia
sas. O restante são sequestrados, desapa- muitos anos que eu não via minha família,
recidos, feridos e familiares dos mortos. meu pai, minha mãe, e agora os encon-
O ano mais violento foi 2002 (817 mil tro doentes”, diz Victoria, com lágrimas
vítimas), quando começava a guerra to- nos olhos. Seu pai está com 77 anos e sua
tal conduzida por Uribe. Três anos an- mãe com 68. “Sofreram tanto”, exclama a
tes, numa última tentativa de acordo, o ex-guerrilheira, que agora deve se candi-
então presidente Andrés Pastrana acei- datar ao Congresso. “Eles também foram
tara entregar às Farc 42.000 quilômetros vítimas dessa violência. É muito doloroso
quadrados, um território equivalente à vê-los desvalidos. Mas também dá muita
Suíça, que a guerrilha usou como base satisfação poder revê-los.”
para aumentar seus ataques, sequestros, Defensora da participação das mulheres
produção e tráfico de cocaína. na direção das Farc, coisa que continua sen-
Os principais comandantes das Farc do rara, Victoria se recusa a revelar a idade.
foram mortos de lá para cá, assim como Pelo cruzamento de datas que ela mesma
milhares de guerrilheiros, soldados e, dá, chega-se a uma estimativa: 52 anos. A
principalmente, civis. Há um consenso ex-guerrilheira nasceu em Tierralta, hoje
entre os analistas, como Luis Eduardo uma cidade de 100 mil habitantes na costa
Celis, da Rede Nacional de Programas caribenha. Em um dos muitos sinais de que
Regionais de Desenvolvimento e Paz sua visão do mundo ainda não foi atualizada,
(Redprodepaz), de que foram as der- ela chama sua cidade de “pueblito” (vilare-
rotas militares no jo). Quando terminou o
terreno que levaram curso de jornalismo na
a guerrilha a uma ne- Universidade de Bogotá,
gociação de verdade. DERROTADA decidiu dar outro rumo
A comandante Victo- MILITARMENTE, à vida: “Precisava fazer
ria Sandino (nome de algo pelo meu país”. Foi
guerra de Judith Si- A DIREÇÃO DAS FARC para a guerrilha levada
manca Herrera), um REINTERPRETOU por um colega que tinha
dos ícones das Farc, ligações com uma frente
reconhece a gratuida-
A RENDIÇÃO COMO no estado de Caquetá, no
de desse sofrimento, UMA VITÓRIA sul do país, a 400 quilô-
mas culpa o governo: metros de Bogotá.
“Muitas mortes tive- Sua adaptação foi
ram de ocorrer para que essa oligarquia e muito difícil, sobretudo devido aos constan-
esse sistema entendessem que o caminho tes deslocamentos nas selvas e montanhas.
era a saída política. Estamos contentes “Eu não conseguia carregar a mochila”, lem-
hoje com essa concretização. Esperamos bra ela. Às vezes, pesava mais de 30 quilos,
que a Colômbia percorra os caminhos somando comida, livros, câmera, videocas-
da reconciliação e da paz que tanto an- setes e as maquiagens.Victoria nunca perdeu
siamos”, diz ela a ÉPOCA. À pergunta a vaidade, e hoje em dia sua marca registrada
sobre quantas pessoas matou, Victoria são turbantes e roupas ao estilo africano. “Os
responde de forma enigmática:“Não sei. homens me empurravam. Para as mulheres
Estamos na guerra”. E depois corrige o é mais difícil. Não é fácil por exemplo ficar
tempo verbal, como quem ainda está menstruada na selva.” Embora se estime que
se acostumando com a nova realidade: um terço do efetivo das Farc fossem mulhe-
“Estávamos na guerra”. res, nenhuma delas chegou ao Secretariado
Victoria lutou 24 anos na selva, gran- do Estado-Maior, o órgão máximo de dire-
de parte deles na frente liderada por Al- ção das Farc, com seis integrantes.
fonso Cano, lendário dirigente das Farc, Em abril de 2013, Victoria deixou a sel-
morto em novembro de 2011. Cano foi o va e partiu para Havana, em Cuba, para
sucessor do fundador do grupo guerri- participar das negociações do acordo de
lheiro, Manuel Marulanda (o Tiro Cer- paz. Ela foi a única mulher entre os nego-
to), que morreu em março de 2008 de ciadores da guerrilha. Durante dois anos,
ataque cardíaco, em meio a bombardeios trabalhou com a representante do governo
da Força Aérea colombiana.“Minha vida colombiano, María Paulina Riveros, hoje

60 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Nicolo Filippo Rosso/Bloomberg via


Getty Images, Kaveh Kazemi/Getty Images
Como diz o senador Antonio Na-
varro Wolff, cujo movimento guerri-
lheiro também depôs armas e se con-
verteu em 1990 no partido Aliança
Democrática M-19, o acordo de paz
com as Farc e com a outra guerrilha,
o Exército de Libertação Nacional
(ELN), prestes a ser fechado, permitirá
que a Colômbia concentre as atenções
no desenvolvimento de sua economia e
no fortalecimento de suas instituições
políticas. Doze pessoas, entre empre-
sários e membros do governo, foram
presas desde dezembro, por escândalos
de propina da Odebrecht, como resul-
tado das revelações da Lava Jato.
Apesar da queda nos preços dos
minérios e alimentos, que são a base
da economia do país, e do empobre-
cimento da Venezuela, um dos prin-
cipais mercados consumidores dos
produtos colombianos, o PIB do país
cresceu 4,4% em 2014, 3,1% em 2015
e 2% no ano passado. Se nos anos 1990
os colombianos migravam para a Ve-
nezuela em busca de uma vida melhor,
agora são os venezuelanos que cruzam
a fronteira para comprar bens essen-
ciais, arranjar trabalho ou fugir da
violência e da perseguição política de-
sencadeada pelo chavismo. Entre 2012
e 2016, 55 mil venezuelanos se estabe-
leceram como residentes na Colômbia.
O governo colombiano estima hoje a
existência de 150 mil venezuelanos em
situação ilegal no país.
Com o acordo de paz, a Colômbia
PRESENTE
E PASSADO está se tornando um país com proble-
Victoria Sandino vice-procuradora-geral da República, mas “normais”. Com a deposição das
no congresso em em três temas-chave do acordo: desen- armas, os ex-guerrilheiros das Farc que
que as Farc volvimento agrário integral, participa- agora vão buscar uma vaga no Congres-
viraram partido
(acima) e na ção política e drogas ilícitas. “O tema so colombiano começam novas bata-
selva como da impunidade foi muito debatido no lhas que vão exigir diálogo e negocia-
guerrilheira acordo”, diz Victoria, ao falar sobre o ção política – as armas da democracia.
(ao lado). Ela
vai se candidatar ponto nevrálgico que mais comprome- “Lutamos 53 anos por uma paz estável
ao Congresso te a popularidade não só do processo de e duradoura com justiça social. Com o
colombiano paz, mas das próprias Farc, que agora mesmo empenho, nos comprometemos
precisarão conquistar os colombianos também a alcançar essa paz na vida ci-
pelo voto. “A Justiça Especial para a Paz vil”, recita Victoria Sandino, já exerci-
oferece todas as garantias, não só para tando a retórica de campanha do novo
que nós, que estivemos na insurgência, partido. Apesar das estrofes nostálgicas
respondamos se cometemos crimes con- bradadas no congresso de dissolução
tra a humanidade, mas para que o con- da guerrilha, são essas novas armas que
junto dos que participaram no conflito, poderão levar as Farc a alguma vitória
os responsáveis pelos mais de 8 milhões no futuro – e não os sonhos utópicos
de vítimas, respondam.” de uma “revolução socialista”. u

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 61


IDEIAS
PRECISAMOS
FA L A R S O B R E

2018 SEM
RADICALISMOS
Em debate promovido por ÉPOCA, Rodrigo
Maia, do DEM, e Fernando Haddad, do PT,
combateram a intolerância e discutiram como
superar a crise de confiança na política brasileira
62 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017
PONTO DE
EQUILÍBRIO
Rodrigo Maia (à
esq.) e Fernando
Haddad (à dir.)
no debate. Eles
condenam a
radicalização

Guilherme Evelin e Marcelo Moura

O s protestos de rua nas capitais brasileiras em 2013


foram parte de um abalo sísmico percebido de
formas variadas no mundo inteiro, e cujas rever-
berações estão longe de cessar. Segundo uma pesquisa feita
pelo instituto Ideia Big Data com 10 mil eleitores dos 37
governo. Em menos de um ano – a distância que nos afasta
da campanha eleitoral de 2018 –, o En Marche! virou um
partido e seu líder, Emmanuel Macron, o presidente da
França. Quatro meses após sua fundação, o movimento civil
Podemos, na Espanha, tornou-se o quarto maior partido
maiores colégios eleitorais do país, 79% afirmam que gos- do país. Os tempos estão mudando. Rápido.
tariam de ver cidadãos comuns, de fora da política, como Os partidos políticos brasileiros sabem que o terreno
candidatos em 2018. A pesquisa foi feita sob encomenda onde eles se fundavam saiu do lugar. A mesma pesquisa
do movimento Agora!, um fruto desses novos tempos (leia do Ideia Big Data diz que cinco em cada dez eleitores não
o artigo de Ilona Szabó, cofundadora do movimento, na pá- pretendem votar, para presidente, em candidatos do PMDB,
gina 68). Não é uma ONG, porque se propõe a formular do PSDB ou do PT – as três legendas que ocuparam o poder
programas de governo completos e a ocupar espaços dentro desde o fim do regime militar, há três décadas. Espera-se
da administração pública. Tampouco é um partido políti- que tais partidos adotem medidas efetivas para renovar seus
co, porque não tem registro eleitoral nem pretende lançar quadros e ideias, como a realização de prévias em todas
candidatos – ao menos, não por ora. as instâncias – único jeito de escapar do caciquismo do
O francês En Marche! – do qual o Agora! empresta o PT (com o “coronel” Lula) e do PSDB (com os “coronéis”
ponto de exclamação – era um movimento político lide- Serra, Alckmin e Aécio). Até agora, no entanto, o que se vê
rado por um gestor de perfil técnico com passagem pelo é mudança dos nomes das siglas – pura perfumaria. s

Foto: João Castellano/ÉPOCA 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 63


P R E C I S A M O S FA L A R S O B R E

Em debate promovido por ÉPOCA na segunda-feira, dia Se nós não mudarmos o sistema eleitoral, o que é difícil,
28, no auditório do Insper, escola de administração, econo- os mesmos continuarão mandando. Temos de dar opor-
mia e negócios de São Paulo, o presidente da Câmara dos tunidade para outros constituírem partidos fortes. Uma
Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ex-prefeito de São grande revolução seria proibir os diretórios provisórios.
Paulo Fernando Haddad, do PT, mostraram concordância Isso acabaria com o caciquismo partidário. Seria a maior
em vários assuntos. Eles avaliam, corretamente, que um dos revolução na democratização dos partidos, mas não é fa-
grandes obstáculos à renovação é a polarização que embur- cil ter voto no Parlamento para fazê-la.
rece o debate. Esse emburrecimento afasta da política as
mentes inteligentes com novas ideias. Que Maia e Haddad ÉPOCA – O caciquismo na política brasileira é um problema
usem as posições de liderança que ocupam em seus campos tanto à direita como à esquerda. No PT, o ex-presidente
– centro-direita e centro-esquerda – para atrair novos nomesLula está se preparando para sua sexta candidatura pre-
para a política brasileira. sidencial. Ele impôs candidatos como Dilma Rousseff e
mesmo o senhor, Fernando Haddad. No DEM, o prefeito de
ÉPOCA – As pesquisas de opinião mostram uma descone- Salvador é ACM Neto, o líder na Câmara é Efraim Filho, to-
xão profunda entre a sociedade dos parentes de políticos. Mesmo
e os políticos. Como recuperar a o senhor, Rodrigo Maia, entrou na
confiança na política? política como filho do ex-prefeito
Fernando Haddad – A socieda- do Rio de Janeiro Cesar Maia. Isso
de não se vê representada e tem mostra um caráter dinástico que
razões para isso. Mas o esforço não é muito compatível com re-
para resgatar a confiança não novação da política.
depende só da classe política. Pe- Maia – As pessoas podem ter
las regras atuais, como o futuro oportunidades distintas, mas so-
presidente vai conseguir cons- brevivem na política por seus
tituir maioria no Parlamento? méritos. Chegou um determina-
Não vai conseguir a não ser por do momento em que eu, que tra-
expedientes pouco ortodoxos. balhava em banco, resolvi entrar
Basta imaginar esse cenário para na política por achar que poderia
verificar que o resgate da con- ajudar meu pai como deputado
fiança vai se tornar difícil. O que e, depois, como prefeito. Estou
será do presidente se todos nós, no quinto mandato parlamentar.
republicanamente, não traba-
lharmos para lhe dar condições
Pelas regras atuais, Sou presidente da Câmara e fui
presidente do partido, certamen-
de governar? Ele terá um desafio o futuro presidente não vai te por meus méritos. Meu pai foi
enorme: colocar ordem em tudo ter maioria no Parlamento, exilado e foi do PDT. É um políti-
que aconteceu nos últimos dois co mais à esquerda. Toda a minha
anos. Isso vai exigir muita ousa- a não ser por expedientes agenda, em tese, entra em conflito
dia, muito protagonismo, muita pouco ortodoxos” com a dele. ACM Neto, o prefeito
serenidade, muito conhecimento Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de Salvador, ganhou uma eleição
de causa. Se não tiver legitimida- dificílima contra o PT. Mostrou
de, corremos o risco de perder seu talento e suas diferenças
mais quatro anos. Não sou dirigente partidário, mas, se em relação ao avô, senador Antônio Carlos Maga-
fosse, eu provocaria o Supremo a acabar com a coligação lhães. O DEM tem a característica de ter muitos paren-
proporcional para a eleição do ano que vem. Sem tam- tes, mas acho que todos foram legitimados pelo voto.
bém uma mexida na lei dos partidos, teremos dificuldade. Haddad – Lula é problema para a esquerda, para a direita,
Rodrigo Maia – Não gosto da tese de o Supremo decidir para todo mundo. É uma figura muito complexa, quase um
pelo Parlamento. Bons ou ruins, no Parlamento estão os cometa, não acontece duas vezes. Quero fazer coro com o
representantes da sociedade. O Supremo, quando quer Rodrigo Maia: não vejo problema quando um filho de polí-
legislar, agrava problemas. São exemplos disso a derru- tico vira político. Sobretudo quando não envolve caciquismo
bada da cláusula de desempenho, dez anos depois de a na acepção bastante estrita da palavra, de ser o dono do par-
lei ter sido aprovada, e o momento da criação do PSD, tido. Antônio Carlos Magalhães tinha voto, prestígio e lide-
quando os juízes interpretaram que um partido novo rança na Bahia. Era natural o carisma dele transbordar para
levaria consigo fundo partidário e tempo de televisão. pessoas de seu entorno – às vezes parentes, às vezes não. O
O Supremo aprofundou a pulverização partidária. Pre- problema do caciquismo é quando alguém, pela fragilidade
firo que a gente consiga aprovar o fim de coligação e a da legislação, se apossa da máquina partidária. Aí, não tem
cláusula de desempenho para 2018. Já seria um avanço. renovação. Nem com sobrenome nem sem sobrenome. Há

64 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


muito presidente de partido que é mero corretor de tempo Maia – O centro vai representar alguém que consiga ter
de TV. Fica esperando o ano eleitoral para negociar coligação. equilíbrio para dialogar com todos os segmentos da socie-
dade, de modo a formar uma maioria. Não significa que
ÉPOCA – Uma pesquisa do movimento Transparência alguém deva abrir mão das opiniões à esquerda ou à direi-
Partidária mostrou que há pouquíssima clareza nos gastos ta, mas sim construir um ambiente de pacificação e acabar
do fundo partidário. O PSDB, por exemplo, gastou R$ 40 essa política do radicalismo, que teve seu ápice no impeach-
milhões com uma rubrica chamada “manutenção dos ser- ment da presidente Dilma e continua no momento em
viços das sedes dos partidos”. O PT gastou R$ 23 milhões que o Lula vai para a rua. O DEM é visto como um parti-
com “contribuições a organismos partidários internacio- do de direita, mas foi construído para ser de centro-direita.
nais”. Por que não se discutem contrapartidas ao aumento Como 2007 foi o auge do Lula, a nossa renovação valeu
dos recursos públicos para os partidos? Como se aumenta por nada. Agora que a polarização tradicional do PT e do
a transparência nos gastos partidários? PSDB acabou, a sociedade começa a procurar um ambien-
Maia – Eu defendi o voto em lista preordenada, com fi- te para sair dessa polarização, de um jogar lama no outro.
nanciamento público. É um sistema muito mais transpa- Haddad – Todos os partidos estão em seu pior momen-
rente. Mas esse assunto foi tritu- to histórico. O PSDB está em seu
rado na largada, porque o debate pior momento, o PMDB está em
não teve um pouco de racionali- seu pior momento, o PT também.
dade. O dinheiro do fundo parti- Nós temos de reconhecer, estamos
dário cresceu muito nos últimos em um momento delicado. Vamos
anos e essa discussão vai precisar ver como a proximidade da eleição
ser travada. Sem o financiamen- vai reaglutinar pessoas, reconfigu-
to empresarial, o fundo parti- rar forças. Agora está todo mundo
dário passou a ser fundamental machucado, sentindo-se em parte
para a eleição de 2018. Com o injustiçado. Há muita ferida aber-
caciquismo, os presidentes de ta, e esse processo tem um tempo
partido passam a ter poder sobre de decantação. O bom da demo-
o deputado que não tem relação cracia é que ela tem calendário, e o
direta com as ideias do partido. calendário ajuda muito as pessoas
Vamos precisar regulamentar a se reposicionar. À medida que
melhor o fundo partidário, para chegar outubro de 2018, os com-
tirar da mão de poucos o contro- portamentos vão se alterar, e eu
le de um dinheiro que é público.
Haddad – A introdução de um
Acho que o Lula vai espero que se alterem para melhor,
porque vai ser muito difícil dispu-
fundo eleitoral, da maneira querer criar um polo tar uma eleição no ambiente que
como está sendo pensada, sem de radicalização para estamos vivendo. A eleição não
pactuação, pode gerar problemas vai curar todas as feridas, mas a
graves. Mas nós só temos um ano garantir a ida ao segundo situação de hoje é melhor que a
até as eleições e o dilema é: ou turno em 2018” de setembro do ano passado, e a
volta o financiamento empresa- Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara situação de setembro do ano que
rial, coisa que eu não desejaria, vem vai ser melhor do que a de
ou cria-se um modesto fundo de hoje. É a minha convicção.
financiamento da democracia. Não vai haver doação in-
dividual suficiente, como a gente viu nas eleições do ano ÉPOCA – Não estamos depositando esperanças demais
passado, com doações de empresa proibidas. Talvez a so- no efeito positivo das eleições? A disputa eleitoral não
lução de curto prazo seja aumentar o fundo partidário e pode acentuar a radicalização política?
aumentar as regras de transparência. Maia – A candidatura do Lula vai radicalizar o processo
político de 2018, pelo que estou vendo do discurso dele.
ÉPOCA – O economista Nelson Barbosa, ministro da Fazen- Não sei se ele vai querer radicalizar como Jair Bolsonaro,
da do governo Dilma, defendeu em entrevista a ÉPOCA a mas acho que vai querer criar um polo de radicalização
privatização da Eletrobras. Isso mostra que as divergências para garantir a ida ao segundo turno. Com Bolsonaro no
entre os principais segmentos de direita e de esquerda do polo à direita, acho que dois ou três candidatos vão procu-
país nem são tão grandes assim, a despeito da polariza- rar ser um ponto de equilíbrio nesse radicalismo. Quem?
ção crescente nas ruas e nas redes socais. Como vencer Vamos ver como vai ser esse processo dentro do PSDB,
essa polarização artificial? O PT, por exemplo, parece estar que é o partido com a melhor estrutura em nosso campo.
alijando o centro político que ele cortejou para chegar ao
poder. Não há um lugar ao centro no Brasil? ÉPOCA – A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tem dito s

Fotos: João Castellano/ÉPOCA 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 65


P R E C I S A M O S FA L A R S O B R E

Nas duas últimas eleições,


o PSDB nos tratou muito mal.
Mas a polarização entre PSDB
e PT agora acabou”
Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara

Todos os partidos estão em


seu pior momento histórico.
O PT também. Mas a eleição
deve curar feridas”
Fernando Haddad (PT), ex-prefeito

que a candidatura de Lula é o plano A, B e C do partido para ter uma mensagem. Não é um processo simples, mas acho
2018. O senhor, Fernando Haddad, é o plano D? que há um espaço grande para construir essa mensagem,
Haddad – O PT não pode cogitar trabalhar com outra pos- atraindo deputados, governadores.
sibilidade que não a revisão da sentença de primeira instân-
cia, para dar condições ao ex-presidente Lula de disputar ÉPOCA – O que acham das candidaturas avulsas ou
uma eleição livre e se submeter ao escrutínio do eleitor, em independentes? A renovação da política brasileira não
que ele vai ser questionado sobre tudo. No processo em que depende de candidaturas que surjam de fora do sistema
ele foi condenado, acho que houve uma ilação insuficiente partidário tradicional, como ocorreu na França na eleição
para condenar uma pessoa à prisão. Esse é o ponto. Falo de Emmanuel Macron para a Presidência?
isso do Lula como falaria de qualquer pessoa. Não podemos Maia – Não consigo ver como alguém vai conseguir ganhar
ficar torcendo para os nossos adversários serem defenes- uma eleição presidencial sem construir um tempo de te-
trados, porque eles são adversários. O ex-presidente Lula, levisão razoável e bases eleitorais nos estados. Acho que a
numa entrevista, falou de meu trabalho no Ministério da renovação pode se dar dentro dos próprios partidos. Há es-
Educação e disse: “Olha, o Fernando Haddad é um nome paço no sistema para pessoas insatisfeitas com os partidos
nacional”. Citou governadores, mas as pessoas se fixaram tradicionais e cansadas da polarização entre PT e PSDB. Se
nisso. Ele quis responder ao Fernando Henrique, que vive alguém conseguir quebrar essa polarização, estará cons-
dizendo que o PT não tem quadros. O Fernando Henrique truindo algo novo, mesmo que seja um político do sistema.
faz para provocar. Ele sabe que o PT governou vários esta- Haddad – O modelo francês passou por um aperfeiçoamen-
dos e tem muitos quadros. Então, vamos respeitar. to: a eleição para o Parlamento ocorre quando o presidente já
está eleito. Por isso, o Macron foi bem-sucedido em compor
ÉPOCA – O DEM pensa em se descolar do PSDB e lançar maioria. É como se nós aqui elegêssemos o Congresso Na-
um candidato próprio à Presidência da República em 2018? cional depois de saber quem é o presidente, ou no segundo
Maia – O DEM não conseguiu até agora construir um pro- turno, por exemplo. Você efetivamente empodera o chefe do
jeto. Nas duas últimas eleições, em 2010 e 2014, o PSDB nos Executivo com uma condição de governabilidade muito boa,
tratou muito mal. Em 2010, para termos a candidatura a mas mesmo o Macron está tendo dificuldades em função das
vice, eu tive de ameaçar derrotar a aliança com o PSDB na circunstâncias. A legislação poderia abrir a oportunidade
convenção. Em 2014, os tucanos fizeram uma chapa puro- para candidaturas avulsas a prefeitos, governadores e pre-
sangue, num desrespeito a um aliado. Não é possível que sidente da República, mas vai ser muito difícil ganhar nas
eles considerem que só o PSDB tem quadros. O Fernando regras atuais de eleição concomitante para o Executivo e o
Henrique faz isso por provocação, que é a principal carac- Legislativo e com o horário eleitoral gratuito da maneira que
terística dele, e talento. Antes de ter um nome, você tem de é distribuído. Não vai ter chance. u

66 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: João Castellano/ÉPOCA


P R E C I S A M O S FA L A R S O B R E

Por que chegou a hora


de mudar a política
O sistema político está falido e o brasileiro está cansado da
polarização estéril. O cenário global mostra a importância
da construção de alternativas com capacidade de diálogo
Ilona Szabó

A falência do sistema político no Brasil tor-


na urgente a renovação da política e do
contrato social em nosso país. O Estado
brasileiro foi apropriado por interesses privados
de indivíduos e corporações e se distanciou de sua
partido político – na Região Nordeste, esse per-
centual chega a 90%. Fica evidente o desgaste da
polarização e a desconexão entre os políticos e
partidos atuais e os problemas reais das pessoas.
A frustração com a política tradicional se esten-
obrigação constitucional de proteger e melhorar de muito além do Brasil.A decisão de 53% dos bri-
a vida de todos os cidadãos, independentemente tânicos de votar para sair da União Europeia é um
de classe social, raça, gênero, idade ou credo. A exemplo. Outro exemplo foi a inesperada eleição
população está exausta diante de um acúmulo de de Donald Trump em novembro de 2016. Terre-
crises: moral, política, econômica e de segurança. motos políticos similares ocorreram na Hungria e
Os brasileiros têm razões para estar preocupa- na Polônia, tendo sido evitados por muito pouco
dos: a desigualdade cresceu, o desemprego está em na França e na Holanda. Para alguns especialistas,
quase 14% e cerca de um terço dos cidadãos dizem esta é uma reação daqueles deixados para trás pela
que deixariam o país se pudessem. A maioria de globalização e pela automação. Outros dizem que
nós deixou de acreditar na mudança, enquanto é a reação às elites“alienadas da realidade”. Tanto a
muitos outros se tornaram apáticos. A política história quanto o atual cenário global oferecem li-
tradicional, os partidos e os atuais políticos estão ções sobre a grande importância de uma alternati-
em forte queda no imaginário dos eleitores. A va política unificadora e inclusiva para o futuro do
pesquisa encomendada pelo movimento Agora! Brasil. Seja na Venezuela ou nos Estados Unidos, a
à Ideia Big Data, realizada em julho com 10 mil polarização extrema está corroendo o meio-termo.
pessoas em todo o país, confirma o sentimento Há, no entanto, exemplos recentes de uma
das ruas: 79% dos brasileiros concordam com nova geração de políticos que oferecem uma visão
a afirmação “gostaria muito de ver os cidadãos mais convergente. Tanto Justin Trudeau, primeiro-
comuns (de fora da política), como professores, ministro do Canadá, quanto Emmanuel Macron,
empreendedores, funcionários públicos concur- presidente da França, oferecem uma proposta ino-
sados, trabalhadores da indústria, profissionais vadora que une a política formal a novos métodos
liberais, entre outros, candidatos em 2018”. e ideias. Trudeau beneficiou-se da força tanto de
Na mesma pesquisa, 72% das pessoas res- sua forte base partidária como de seu legado fami-
ponderam que não se importam se uma política liar. Em encontro com Trudeau e ministros de seu
Ilona Szabó
é diretora executiva
pública é de direita ou de esquerda, desde que gabinete no mês passado, pude conhecer de per-
do Instituto Igarapé e torne sua vida melhor. Outras 77% destacam to suas propostas que estimularam a imaginação
cofundadora do Agora! que votam na pessoa e não se importam com o do eleitorado, incluindo transparência radical e

68 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


INSPIRAÇÃO
O primeiro-ministro
comprometimento com a diversidade e liberdades política a partir de cidadãos comuns com experiên- do Canadá, Justin
individuais. Macron, relativamente desconheci- cia em áreas-chave e comprometidos com a recons- Trudeau (à esq.),
do até um ano antes da eleição, lançou um novo trução do país. Não fundamos um novo partido, cumprimenta o
presidente da
movimento que mobilizou os franceses e propôs mas uma plataforma que vai ajudar a implantar França, Emmanuel
soluções pragmáticas para seus problemas diários. uma agenda de reformas visando a um país mais Macron, em
As eleições de Trudeau e de Macron oferecem simples, humano e sustentável. O Agora! não está encontro do G7.
Os dois políticos
lições para a renovação da política no Brasil. A sozinho. Há sinais promissores de um novo ati- rejeitam a
primeira é que a comunicação constitui uma via vismo político no Brasil. Professores, profissionais polarização
de mão dupla. Políticos frequentemente falam liberais, líderes comunitários, empreendedores so-
em vez de ouvir. Perguntar às pessoas suas opi- ciais e líderes empresariais estão construindo mo-
niões e do que precisam foi uma característica vimentos na intenção de infiltrar-se num sistema
fundamental das campanhas de Trudeau e Ma- dominado por partidos tradicionais compostos
cron. A segunda é que a mobilização acontece de velhos conhecidos. Entre eles estão o Acredito,
tanto on-line quanto off-line. Estrategistas digitais a Bancada Ativista, o Quero Prévias, o Trans-
das campanhas de ambos nos contaram sobre o parência Partidária, o Brasil 21 e o Construção.
processo de consultas on-line e de mobilização de Sob a bandeira Nova Democracia, esses gru-
milhares de voluntários que foram de porta em pos têm pautas em comum, incluindo o teto
porta para entender os problemas dos cidadãos. A para doações individuais para campanhas, pré-
terceira é construir bases comuns e alternativas à vias e transparência nos gastos dos partidos,
polarização. Ambos escolheram políticas e pessoas candidaturas independentes e o não ao distritão.
abertas ao diálogo de todo o espectro político. Apesar de parecer mais simples que o nosso sis-
A renovação política, econômica e social no tema atual, o distritão dificultaria ainda mais a
Brasil requer um esforço coletivo de dentro e de renovação política no país. Por isso, é visto como
fora dos poderes do Estado. O Brasil não será salvo tábua de salvação por muitos políticos ultrapas-
por um herói. Em vez disso, mentes preparadas e sados, apegados ao poder e ao foro privilegiado.
bem-intencionadas dos mais diversos setores da Os brasileiros precisam de uma nova geração
sociedade e de todas as classes socioeconômicas de líderes com coragem, responsabilidade, deter-
serão necessárias para construir uma nova cul- minação para mudar o país e que unam as pessoas
tura política. Os valores dessa cultura devem ser em lugar de dividi-las. Precisamos de renovação
orientados pelo bem público, pelo comportamen- política com ética, propósito de mudança e pro-
to ético e pelo comprometimento com a inclusão. postas de qualidade. Chega de polarização – a hora
O Agora! quer renovar a agenda pública e a ação é de diálogo, trabalho conjunto e construção. u

Fotos: Daryan Dornelles/Editora Globo, Reuters 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 69


HELIO GUROVITZ

A armadilha que
paralisa a esquerda
N os anos 1990, a queda do Muro de Berlim lançou a
esquerda numa crise sem precedentes. Não havia mais
como proclamar a superioridade do planejamento estatal.
identitárias uma versão do individualismo da era Reagan
digestível para a esquerda, uma “retórica pseudopolítica do
indivíduo sensível, em luta pelo reconhecimento”, não tão
A exposição da pobreza, da vigilância totalitária e do desejo diferente da “retórica antipolítica do indivíduo produtivo,
dos povos por liberdade e prosperidade destruiu o mito do em luta pelo lucro”. Estejam em questão nacionalidade,
“socialismo que funciona”. Nas duas décadas que se segui- religião, sexo ou qualquer outra característica, o mecanismo
ram, a globalização tirou mais de 300 milhões da pobreza. se repete: faça a “espeleologia” da própria identidade, iden-
Mesmo depois da crise de 2008, a desigualdade continuou tifique-se com um grupo, explore injustiças contra ele, aja
a cair no planeta – embora tenha aumentado no pequeno como vítima, exija reparação. Tal modelo funciona como
grupo de países ricos. É uma ironia que, para conquistar uma página de Facebook, “vinculada aos outros apenas
votos nas áreas industriais degradadas da Europa e dos Es- por associações que posso ‘curtir’ ou ‘descurtir’ à vontade”.
tados Unidos, os movimentos nacional-populistas tenham Despreza a cidadania, “conceito central da política demo-
adotado bandeiras clássicas da esquerda, como crática, que estabelece direitos e deveres a todos,
o protecionismo. O discurso que elegeu Donald independentemente de características individuais”.
Trump não está restrito à economia; volta e meia “Grupos particulares – hoje os transgêneros – têm
ele ou seus partidários escorregam no machis- significado totêmico. Bodes expiatórios – hoje os
mo, na xenofobia ou no racismo. Mas o próprio palestrantes conservadores – são expulsos num
Steve Bannon, o “Lênin da direita” que elegeu ritual de expurgo. As proposições se tornam puras
Trump, reconheceu o essencial na entrevista ou impuras, não verdadeiras ou falsas”, diz Lilla.
que precipitou sua saída da Casa Branca: “Se a O objetivo de Lilla é desfazer a armadilha iden-
esquerda estiver concentrada em raça e identi- titária de que a esquerda se tornou presa com o
dade, e nós formos de nacionalismo econômico, LIVRO DA SEMANA
esgotamento das duas grandes visões de futuro que
podemos esmagar os democratas”. dominaram seu país no século passado – dever e
A esquerda, não só nos Estados Unidos, se tor- The once and solidariedade, na era Roosevelt; empreendedorismo
future liberal
nou a presa ideal para tal isca. Trocou o “povo” Mark Lilla e liberdade, na era Reagan. Ele acredita ser necessá-
e a “luta de classes” de outrora por minorias e ria à esquerda uma nova visão capaz unir a nação,
Harper
bandeiras específicas: negros e mulheres, gays 2017 em vez de termos e slogans que dividem implici-
e transexuais, muçulmanos e imigrantes, sus- 160 páginas tamente o mundo em vítimas e culpados – “black
tentabilidade e diversidade. “Em anos recentes, US$ 25 lives matter”, “disforia de gênero”, “feminicídio” e
descambou para uma espécie de pânico moral por aí afora. Reconhece a necessidade de proteger
sobre a identidade racial, sexual e de gênero, que distorceu as vítimas ou os menos favorecidos. “Mas, numa democra-
sua mensagem e a impediu de tornar-se uma força unifi- cia, a única forma significativa de defendê-los – e não de
cadora capaz de governar”, escreveu Mark Lilla, catedrático só fazer gestos vazios de reconhecimento e ‘celebração’ – é
de humanidades na Universidade Columbia, em artigo no ganhar eleições e exercer o poder”, diz. Para isso, é preciso
New York Times logo depois da eleição de Trump.“A fixação ter uma mensagem que reúna tantos quantos for possível.
com a diversidade nas escolas e na imprensa produziu uma “O ‘liberalismo identitário’ faz o oposto.” Lilla dá razão às
geração de progressistas narcisisticamente ignorantes das críticas conservadoras ao esquerdismo predominante na
condições fora de seus grupos autodefinidos, indiferentes à academia e na imprensa.“A reportagem mais preguiçosa no
tarefa de alcançar todos os americanos.” A isso, ele atribui a jornalismo americano – ‘o primeiro X a fazer Y’ – é contada
dificuldade de conquistar os eleitores não organizados em e recontada”, diz. “É preciso visitar, nem que com o olho da
grupos identitários, revoltados com o discurso pejorativa- mente, lugares sem Wi-Fi, onde o café é fraco e você não
mente qualificado de “politicamente correto”. tem vontade de postar a foto do jantar no Instagram. E onde
O artigo de Lilla, também um intelectual da esquerda, to- você dividirá a mesa com gente que genuinamente reza
cou o nervo exposto de sua tribo. Foi contestado, criticado para agradecer a comida. Não os despreze.” u
e, agora, expandido num ensaio, The once and future liberal
(O outrora e futuro liberal, palavra que nos Estados Unidos Helio Gurovitz é jornalista hgurovitz@edglobo.com.br (e-mail)
tem o sentido de “esquerdista”). Lilla considera as políticas @gurovitz (Twitter) http://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/ (web)

70 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


VIDA
FRONTEIRAS
DA J U STI ÇA

PELAS MULHERES, O SI Previsamos rever a legislação ultrapassada e o sistema que


Silvia Chakian de Toledo Santos

A violência sexual constitui uma forma


grave de violação aos direitos humanos
e atinge uma menina ou mulher a cada
11 minutos no Brasil. Estima-se que elas sofram
470 mil estupros por ano no país. A Organiza-
diminuição da autoestima” e que “vise degradar
ou controlar suas ações”. Pois bem. Neste fim de
mês, a violência sexual gerou debate intenso,
principalmente por dois casos.
A escritora Clara Averbuck relatou em seu per-
ção Mundial da Saúde adota, desde 2005, uma fil no Facebook o estupro que sofreu por parte de
definição ampla de violência sexual, que inclui um motorista de Uber, em São Paulo. Manifestou
comentários e insinuações não desejados, assim sua decisão de não procurar uma delegacia, por
como quaisquer ações para usar a sexualidade não confiar no sistema de Justiça e saber como
de alguém mediante coação. A Lei Maria da Pe- vítimas de violência sexual são nele maltratadas.
nha também é abrangente e define que violência Chegou a ser questionada nas redes sociais sobre
sexual, do ponto de vista da vítima, inclui “qual- sua decisão e culpabilizada por suposto desestí-
quer conduta que lhe cause dano emocional e mulo a vítimas na procura de seus direitos.

72 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


PELA MUDANÇA
Manifestação
em 2016 contra a
cultura do estupro.
As vítimas de
violência sexual,
frequentemente,
sofrem de novo
ao procurar
seus direitos

ISTEMA EXIGE REVISÃO


não protege adequadamente as vítimas de violência sexual

Horas depois, a passageira de um ônibus que advindas de tratados e convenções internacio-


trafegava pela Avenida Paulista, em São Paulo, nais e de 11 anos de Lei Maria da Penha, nosso
foi surpreendida com um jato de esperma de um sistema é falho e perverso com as mulheres.
agressor que se masturbava a seu lado. O homem Evidente que há algo muito errado quando
foi preso em flagrante por estupro, mas solto em uma mulher brilhante como Clara, ativista na
menos de 24 horas porque se entendeu que os luta pelos direitos das mulheres e conhecedora
fatos configuravam importunação ofensiva ao da violência de gênero, prefere não denunciar
pudor, punível com multa em vez de prisão. a agressão sofrida.
O que têm em comum os casos de Clara, da Há algo muito errado quando uma mulher
vítima do ônibus e de outros tantos que envol- é surpreendida com um jato de esperma no
vem milhares de mulheres diariamente? Eles pescoço, na presença de testemunhas, e o res-
evidenciam a necessidade de rever o sistema ponsável é solto, sob o argumento de não ter
de Justiça. A certeza que, apesar das conquistas constrangido a vítima. s

Foto: Cris Faga/Fox Press Photo/Folhapress 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 73


FR O NTE I R AS DA J U STI ÇA

de cada ato sexual, suas reações, assim como cir-


cunstâncias relacionadas ao autor do crime. A
realidade é ainda mais tormentosa para mulheres
que ocupam posição social desvantajosa.
Sabemos que vítimas de violência sexual ain-
da tendem a suportar caladas o que sofreram. O
silêncio é ainda maior quando a violência é pra-
ticada por conhecidos. Também contribui para
o silêncio o medo do estigma, do isolamento, da
discriminação e da exposição. Não raro, a vítima
é tomada por culpa e acredita que contribuiu
para a situação, por ter se colocado “em risco” ou
se comportado de forma tida como inadequada
para os padrões da sociedade patriarcal. E tudo
isso aliado à falta de acolhimento e compreensão
por parte de seu círculo social ou de instituições
que a deveriam apoiar. A sociedade e o Estado
precisam romper esses obstáculos.
É preciso escancarar, sem hipocrisia nem
tabus, a ausência de pensamento crítico sobre
nosso sistema de Justiça, que não está livre dos
julgamentos morais, falando ainda da opção de
Clara. Ele tem sido responsável por graves ocor-
rências de violência institucional contra mulheres
e meninas que recorrem à Justiça como última
esperança para garantia de seus direitos.
DECISÃO DIFÍCIL
A escritora Proponho uma reflexão sobre o real motivo
Clara Averbuck. Questiono não a decisão em si ou o magistra- para tanta desconfiança em relação à palavra da
Ela denunciou do que a proferiu. Essa seria a crítica mais fácil. vítima de violência sexual, justamente aquela que
publicamente Essa decisão espelha outras, diárias, tomadas mais silencia e sofre com o trauma, com o estigma
um estupro, mas
se diz cética em casos de idêntica natureza. Critico o sistema social. Qual é o fundamento para que a palavra
com a polícia como um todo, que confere margem a esse tipo da vítima seja permanentemente colocada em
e a Justiça de situação injusta e revoltante. dúvida? Qual é o sentido de procurar torná-la
Há necessidade premente de revisão: da legis- incrédula da própria memória, desde o primeiro
lação penal ultrapassada e do sistema que não momento em que ela procura uma autoridade
protege adequadamente as vítimas, não respon- para relatar o episódio de violência?
sabiliza autores de violência, não previne novas A resposta parece se ligar à condição histórica
ocorrências e não cuida de minimizar as conse- da mulher, ao legado de discriminação e à persis-
quências dela para as vítimas. tência dos estereótipos de gênero na sociedade,
Clara não tem culpa. Clara tem razão, infe- nas instituições e no sistema de Justiça. Quantas
lizmente. Recordo inúmeros casos de violência gerações ainda serão sacrificadas, até que uma ví-
sexual em que mulheres, ao relatarem o episódio, tima possa recorrer a seus direitos sem ser julgada
foram retiradas do banco de vítimas para ocu- por seu comportamento? Sem sofrer novo dano
parem o dos réus. O cotidiano das delegacias, emocional após a grave violência que a vitimou?
especializadas ou não no atendimento à mulher, Já passou da hora de rompermos com esse para-
e das varas judiciais onde tramitam os casos de digma que desvaloriza os direitos e a credibilida-
violência de gênero demonstram que, não raro, de da vítima de violência sexual pelo fato de ser
as vítimas são recebidas com descrédito. Meni- mulher. Deve-se exigir com rigor e em todas as
nas e mulheres que relatam violência sexual são esferas um olhar especializado sobre os aspectos
cobradas nos mais diversos detalhes da narrativa, da violência de gênero, assim como o fim da des-
Silvia Chakian de questionadas sobre informações difíceis de for- confiança em relação à palavra da vítima. A esse
Toledo Santos necer por qualquer vítima, quanto mais após um propósito, soam mais que oportunas as palavras
é promotora de justiça trauma. Seguem-se indagações sobre seu com- do sociólogo Edgar Morin:“Não se pode reformar
do Ministério Público do portamento antes, durante e após o ato sexual, a instituição sem uma prévia reforma das mentes,
Estado de São Paulo e
especialista em violência suas vestimentas, o fato de estar ou não sozinha, mas não se podem reformar as mentes sem uma
contra a mulher o motivo desse comportamento, o tempo exato prévia reforma das instituições.” u

74 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Mateus Bruxel/RBS, Werther Santana/Estadão Conteúdo


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As mensagens dos Classificados da Revista Época São Paulo são de responsabilidade de quem as assina.
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Dou-lheuma,dou-lheduas...
1 2 3

COBIÇADOS
4 1. Audrey Hepburn
em diamantes, por
Vik Muniz... 2. ...e
um dos serviços
da Companhia das
Índias, do leilão de
Alberto Pinto 3. O
isqueiro de Audrey
será vendido no
leilão de objetos da
atriz 4. A tela Sauna
azul, de Adriana
Varejão, no leilão
de Mario Testino

Três leilões de grandes ícones da e artigos de prata – alegando ter lady. A venda é democrática, com
moda e da decoração prometem um estilo de vida “mais simples” e itens de valor inicial de R$ 500.
capturar neste mês todas as atenções lhe partir o coração mantê-los num Finalmente, um dos maiores
dos colecionadores. Entre os dias depósito. Aposta-se que o leilão fotógrafos da atualidade, o peruano
12 e 14, a Christie’s de Paris leiloará arrecade mais de R$ 100 milhões. Mario Testino, mostra ser também
parte da coleção pessoal do decorador Falando em Audrey, sua família um grande colecionador de arte
marroquino Alberto Pinto, morto decidiu dispersar, na Christie’s de no leilão de 41 itens de seu acervo
em 2013. Entre os mais de 1.000 lotes, Londres, grande parte dos objetos pessoal, marcado para o dia 13 de
estão três quadros do artista plástico pessoais dela – uma das maiores setembro, na Sotheby’s de Londres.
brasileiro Vik Muniz, incluindo um estrelas de Hollywood. Estarão lá Os lotes têm fotografias, pinturas,
retrato da atriz Audrey Hepburn o trench coat usado por Audrey gravuras e esculturas, de nomes como
feito com diamantes, com lances a no filme Bonequinha de luxo, Cindy Sherman, Richard Prince,
partir de R$ 150 mil. Apaixonado pelo vestidos assinados por seu estilista Anselm Kiefer e – olha ele de novo
Brasil, onde chegou a ter uma casa preferido, Hubert de Givenchy, suas – Vik Muniz. O valor será revertido
em Paraty e uma cobertura no Rio de inseparáveis sapatilhas, roteiros em benefício do museu que Testino
Janeiro, Alberto sempre recomendava de filmes estrelados por ela com fundou em sua cidade natal, Lima. A
os trabalhos de Vik a clientes mundo suas anotações, cartas e até um estrela promete ser o quadro Sauna
afora. Sua irmã, Linda, decidiu vender isqueiro de ouro – presente de Gene azul, da carioca Adriana Varejão,
os objetos – a maioria louças antigas Allen, diretor de arte de My fair com lances a partir de R$ 1,6 milhão.

76 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


Com Acyr Méra Júnior e
Guilherme Scarpa

“Uma família completa” Talento de casa


Há cinco anos, Carol Francischini causou Baterista da banda Fuze, Pedro
grande rebuliço no mundo dos famosos por Novaes evita ao máximo
causa da especulação do nome do pai de sua falar dos pais famosos, os
filha, Valentina. “Ela não sente falta da figura atores Letícia Spiller e Mar-
paterna. Sabe que eu e meus irmãos também cello Novaes. “É que quero
não tivemos um pai, mas, mesmo assim, somos ser reconhecido pelo meu
unidos. Minha filha tem a mim, aos tios e à avó trabalho, não por ser filho
sempre por perto. Ela se sente amada, e isso nos deles, entende?”, pede o mú-
faz uma família completa”, diz a modelo, que sico de 21 anos, que acaba de
acaba de ser clicada para a nova campanha da lançar com seus companhei-
grife Wool Line. “Não é fácil criar uma criança ros de grupo, o irmão Diogo,
sozinha, é um desafio diário. Passei momentos o primo Felipe e o guitarrista
difíceis, mas não pela ausência do pai, e sim Gui Fonseca, seu primeiro
por me cobrar ser tudo de que ela precisasse.” single, “Corrente”. O foco no
j
conjunto é tão ggrande q
que
ele nem pensa em voltar a
trabalhar como ator, como na
participação especial que fez
na novela Sol Nascente. “Sinto
que minha mãe quer que eu
vá para a TV, mas ela está
respeitando a minha escolha.”

Simples assim
Nova queridinha do cinema
nacional, Letícia Lima é uma das
estrelas da comédia Duas de mim,
que estreia no dia 28. No filme de
Cininha de Paula, a atriz inter-
preta uma adolescente que não
estuda nem trabalha e vive en-
costada na irmã. “Foi uma delícia
rodar em Marechal Hermes, no
subúrbio do Rio de Janeiro. Sou
de Três Rios, interior do estado,
gosto da simplicidade, conheço
esse universo”, conta Letícia, que
também vive um ótimo momen-
to na vida pessoal. Há quatro
anos namora a cantora Ana
Carolina. “Não existe dormirmos
separadas. Ou estamos na casa de
uma ou na casa da outra. Acho
que em time que está ganhando
não se mexe, sabe?” Assumir a
relação, segundo a atriz, não foi
uma decisão programada. “Casal
hétero não precisa ficar dizendo
que é hétero. Ela foi a primeira
mulher com quem fiquei. Agir
naturalmente é o melhor para
a sociedade no momento.”

Fotos: reprodução, Weber Paula, divulgação, Páprica Fotografia


BRUNO ASTUTO Leia a coluna diária de Bruno Astuto em epoca.com.br

E N T R E V I S TA
Causos
do Maluco
MARINA LIMA Histórias inéditas fora do
CANTORA
famoso baú foram a obsessão

“Implico com
de Tiago Bittencourt para
escrever uma nova biografia
de Raul Seixas, morto em

a minha figura” 1989. “Fiz uma pesquisa e


identifiquei que hoje existem
cerca de 50 livros dedicados a
ele”, diz o autor de O Raul que

A pós 40 anos de carreira, Marina


Lima topou, enfim, atuar no ci-
nema. “O diretor e o roteirista passa-
me contaram – A história do
Maluco Beleza. Tiago tomou
conhecimento sobre os cau-
ram quatro anos me convencendo”, sos do cantor e compositor
revela a cantora. No filme Baleia Ver- quando produzia um docu-
lust, que acaba de rodar no Uruguai, mentário sobre ele para a TV.
Marina vive uma cantora e composi- “Certa vez, Raul pediu que o
tora. Prestes a completar 62 anos no pessoal da gravadora insta-
próximo dia 17, ela desfilou na semana lasse um bebedouro exclusivo
passada para Gloria Coelho na São para ele no estúdio. Acharam
Paulo Fashion Week e está gravando estranho, mas concordaram.
um novo álbum para o ano que vem. Tempos depois, descobriram
que ele deu um jeito para
ÉPOCA – Foi difícil estrear no cinema? que só saísse vodca.” O livro
Marina Lima – A personagem tem conta com depoimentos de
muitos pontos em comum comigo. familiares, amigos, fãs e até
Isso me deixou à vontade. Lenny é do porteiro do edifício onde
uma cantora e compositora de su- Raul morava em São Paulo,
cesso, que se ausenta por um perío- última pessoa a vê-lo com
do numa casa de praia para rever sua vida. “Seu Antonio trabalha
carreira. Em alguns momentos me no mesmo edifício até hoje.”
senti bem, pois já me vi exatamente
naquela situação. Em outros, me senti
mais tímida. UM TIPO DE OTIMISMO
Marina Lima, agora também atriz.
ÉPOCA – Está preparada para as “Gosto cada vez mais do brasileiro”
críticas?
Marina – Talvez viaje perto do lan-
çamento do filme (risos). Eu mesma Marina – A experiência foi rápida, mas
não gosto de me assistir. Evito, porque intensa. O bacana é que na passarela
implico com a minha figura. Desde os estavam mulheres de várias idades, foi
primórdios, enlouqueço pelo som, pela um desfile-manifesto para questionar
música, meu barato sempre foi mais padrões de beleza e comportamento.
ouvido do que visão. Eu me diverti.

ÉPOCA – Como foi passar dos 60? ÉPOCA – O Brasil será tema de seu novo
Marina – Sinceramente, não tem mui- álbum. O que tem a dizer sobre o país?
to segredo. Procuro ter uma alimenta- Marina – O disco reflete o meu olhar
ção com coisas saudáveis, faço exercí- sobre a realidade política e social do
cios, tenho uma boa dermatologista, uso Brasil e do mundo, embalado por uma
bons cremes e não torro nunca no sol. sonoridade minha atual. No curto pra-
zo, não sou otimista. Mas cada vez mais
ÉPOCA – O que achou de desfilar na gosto do povo brasileiro. O brasileiro tem
São Paulo Fashion Week? bondade, falta só um governo à altura.

78 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017 Fotos: Rogério Cavalcanti, Renato dos Anjos/Folhapress


WA L C Y R C A R R A S C O

Quando as
árvores choram
E ra menino quando descobri os livros de Monteiro
Lobato. Em O poço do Visconde, Lobato denunciava
o que na época se chamava “imperialismo americano”.
daí se árvores forem explodidas? E daí, se árvores choram?
Sinceramente, o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, tem uma vantagem: fala o que nos parece um
Segundo se afirmava, não havia petróleo no país. Lobato horror. Ele perguntaria que diferença faz árvore e bicho,
garantia que sim, tanto no livro infantil como em O es- se afinal já existe a Disney World. Todo mundo acharia
cândalo do petróleo e do ferro. Participou da luta em defe- um absurdo, mas o tema entraria na ordem do dia. Aqui,
sa do petróleo brasileiro. Até recentemente, a participação tentam fazer na surdina.
da Petrobras era obrigatória em todo poço no pré-sal – se Qual é a próxima? Já temos um Rio de Janeiro afunda-
a estatal não entrasse no negócio, não se explorava na- do em dívidas, sem dinheiro para garantir serviços ao
quele ponto. Pois bem. O governo atual permitiu que o cidadão, muito menos investir. Até famílias de policiais
pré-sal seja explorado por empresas estrangeiras, sem a fluminenses têm dificuldade para botar comida na mesa,
participação da Petrobras – a estatal pode entrar ou não. porque eles trabalham sem receber, muitas vezes. Em São
Não sou economista, posso estar dizendo burrice. Mas Paulo, temos próximo ao aeroporto de Guarulhos e na
me admira saber que uma luta de décadas, capitaneada Avenida Roberto Marinho grandes pilares de um futuro
pelo escritor que tanto admiro, tenha sido extinta. Acabou. Veículo Leve sobre Rodas, abandonados há anos. Quanto
Sou contra teorias conspiratórias e a Lava custaram? Que será feito com eles? Nin-
Jato demonstrou o índice de corrupção guém dá satisfação. As leis trabalhistas em
altíssimo do país. A questão do pré-sal, mudança, vem aí a reforma da Previdên-
porém, permaneceu viva. Qual a força ESTIVE NA AMAZÔNIA. cia. Dizem que é melhor. Sou bobo, nem
desses interesses? Em uma penada, o pre- tenho como opinar. Só me pergunto: me-
sidente permitiu que empresas privadas
É ADMIRÁVEL. lhor para quem? Será sempre necessário
explorassem minérios na Amazônia, PENSO NAQUILO que um lado perca para o outro ganhar?
numa área antes acessível só a estatais. A TRANSFORMADO Quem pagou a Previdência quase a vida
sociedade gritou, a Justiça reagiu e o go- toda, por exemplo, ganha? Ou chora,
verno recuou, por enquanto. Por que o NUM DESERTO SOB como as árvores destruídas da Amazônia?
presidente tentou fazer isso? Achou que O SOL ARDENTE O grande Lobato deixou outro livro
ninguém ia perceber? infantil sobre o qual poucos falam, hoje
Sou bobo, é claro. Sempre me pareceu em dia. Em A chave do tamanho, a esperta
óbvia a necessidade da preservação da Amazônia. A diver- boneca Emília consegue minimizar o tamanho dos seres
sidade biológica da região é um patrimônio da humanida- humanos. Passam a viver escondidos em baldes, com medo
de. A maior parte das pessoas que conheço pensa o mesmo. até do antigo gatinho de estimação, transformado em fera.
Mas são, como eu, bobas. Acreditam em ideais, em um Em certo momento, Emília se encontra com os grandes
mundo melhor, essas bobagens. A palavra “bobagem” gri- líderes do período. E os vê como são: uma espécie de mi-
ta no meu ouvido quando tento imaginar que os respon- nhoca branca. Eu me pergunto quando vejo essa enxurra-
sáveis pelas grandes decisões pretendem melhorar o país. da de assinaturas: não há nenhuma preocupação com a
Já vimos um ministro da Cultura, Marcelo Calero, cair posteridade, afinal? Com um mundo melhor onde questões
porque foi contra a construção de um prédio na zona his- da ordem do dia, como a preservação do planeta, sejam
tórica de Salvador, Bahia. Pediu demissão após sofrer pres- respeitadas? Óbvio, a preocupação não existe. Mas quem
sões enormes para autorizar a obra. hoje toma e apoia essas decisões deixará um legado. A res-
Fico mais bobo ainda porque essas grandes decisões posta está em A chave do tamanho. Vistos à distância, terão
são tomadas com pouca ou nenhuma discussão com a a pequenez das minhocas da boneca Emília. u
sociedade. Basta uma assinatura para áreas indígenas se-
rem abolidas, espécies serem condenadas à extinção. Já
estive na Amazônia. É admirável. Penso naquilo transfor-
mado num local desértico sob o sol ardente. A exploração Walcyr Carrasco é jornalista, autor de livros,
de minérios costuma destruir o meio ambiente local. E peças teatrais e novelas de televisão

4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 79


T E M P O L I V R E ? E S Q U E Ç A . E I S O Q U E V O C Ê P R E C I S A FA Z E R N E S TA S E M A N A

LIVRO
1 hora

O padeiro é o
herói do poema
Quando o escritor
Raymond Carver
(1938-1988) morreu,
o jornal The New
York Times registrou:
“Raymond Carver,
escritor e poeta
dos trabalhadores
pobres, morre aos 50
anos”. Os heróis dos
poemas de Carver
(mais conhecido
por seus contos
tchekhovianos)
são os anônimos,
os descalços, os
humilhados, os que
tentam se salvar e os
que trabalham com
as mãos – como o
padeiro. A coletânea
bilíngue Esta vida:
poemas escolhidos
reúne 50 traduções
de Cide Piquet. No
meio dos versos
livres, prosaicos,
coloquiais e nada
pomposos de Carver,
que esteve no Brasil,
há um poema sobre
a Bahia: “Não há pôr
do sol neste lugar”.
Editora 34, 208
páginas, R$ 49.

MOSTRA
3 horas

A revolução animada
Mostra de curtas: animação nacional celebra um gênero cujo centenário no Brasil se comemora neste
ano. Nas duas primeiras quartas-feiras de setembro, sempre à noite, serão exibidos 15 curtas-metragens
que representam as mais originais produções brasileiras, desde animações feitas quadro a quadro até em
2D. Um dos destaques da programação é Reanimando O Kaiser, um curta coletivo no qual oito cineastas
recriam O Kaiser, uma charge animada de 1917, sobre o contexto geopolítico da época. O Kaiser é considerado
o primeiro filme de animação brasileiro. Itaú Cultural São Paulo, nos dias 6 e 13 de setembro, às 20 h.

80 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017


Por Nina Finco, mfinco@edglobo.com.br,
e Ruan de Sousa Gabriel, rsgabriel@edglobo.com.br

TV
1 hora

Outra história americana


A elogiada série de terror American horror story chega
à sétima temporada. A cada nova fase, a série muda
de trama e personagens. Desta vez, o nome será Cult e
se passará nos dias atuais, mais especificamente após
as eleições americanas de 2016. Os atores queridinhos
Evan Peters e Sarah Paulson, que já marcaram a série
com atuações incríveis, retornam em novos personagens
conflituosos. Fox, estreia no dia 6/9, à meia-noite.

MOSTRA
3 horas

Vinte e nove vezes Cacá Diegues


Em 1962, estreou nos cinemas Cinco vezes favela, um filme-mosaico
no qual cada um dos segmentos era dirigido por um jovem cineasta
diferente. Um deles era Cacá Diegues, de 22 anos. Aquele jovem
depois se consolidaria como um dos cineastas mais profícuos e
engenhosos do Brasil, sempre com um olhar original sobre os dilemas
do país e pioneiro na inclusão dos negros como protagonistas. A
mostra Cacá Diegues – Cineasta do Brasil apresenta toda a
cinematografia do diretor: 29 filmes, curtas e longas-metragens.
Alguns deles são clássicos do cinema nacional, como Xica da Silva CINEMA
e Bye bye Brasil. Caixa Belas Artes, São Paulo, de 7/9 a 20/9. 2 horas

Pancadaria para valer


Com a vencedora do Oscar Charlize Theron (à esq.)
no papel principal, o filme Atômica conta a história de
Lorraine, uma agente secreta da inteligência britânica.
Em meio à Guerra Fria, ela é enviada a Berlim para
investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma
lista perdida de agentes duplos. Os atores entregam
uma bela obra de violência coreografada – Charlize
não usou dublê, nem mesmo nas cenas mais longas e
sem cortes. James McAvoy também está no elenco,
como o agente local David Percival. Em cartaz.

TEATRO
2 horas

Guerra e violência em tupi


Em 1567, a Batalha de Uruçumirim, liderada por Mem de Sá,
exterminou as tribos indígenas que viviam no território que viria
a ser a cidade do Rio de Janeiro. A peça Guanabara canibal
investiga as raízes da fundação da Cidade Maravilhosa, baseada
na literatura da época, que inclui relatos dos cronistas franceses
Jean de Lery e André Thevet e poemas do padre José de Anchieta.
Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, até 15/10.

Fotos: divulgação 4 de setembro de 2017 I ÉPOCA I 81


RUTH DE AQUINO

Ejaculação pública
no rosto constrange?
O ajudante de serviços gerais Diego Ferreira de Novais,
de 27 anos, pegou um ônibus na cidade de São Pau-
lo na terça-feira e, quando passava pela Avenida Paulista,
juiz.Acha que o filho deveria ficar preso.“É perigoso que uma
pessoa dessa fique solta, e o delito que ele pratica não é justo.
Em casa não posso ficar com ele. É muito forte e agressivo.
sacou o órgão sexual, masturbou-se e ejaculou no pescoço Acho que viajou para a Bahia. Se ficar aqui, os caras matam ele”,
de uma passageira, que estava sentada. Dá nojo imaginar disse o pai, que mora na periferia da Zona Sul de São Paulo.
a cena. Mas é real. Abusos em ônibus, trens e táxis são assustadoramente
“Entendo que não houve o constrangimento, tampouco comuns. A escritora Clara Averbuck, de 38 anos, denunciou
violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em ter sido estuprada por um motorista do Uber (leia mais na
um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejacula- pág. 72).“Estava bêbada. Não me envergonho. Sou uma mu-
ção.” Esse foi o argumento do juiz José Eugenio do Amaral lher livre, adulta, solteira, pago minhas cachaças. Quando é
Souza Neto para soltar Diego no dia seguinte. Diego não é homem bêbado, ninguém nem pergunta, mas mulher tem
novato em crimes sexuais. Cometeu 15, registrados ao lon- de viver numa aura de castidade para merecer ser respeitada”,
go de cinco anos. Como está solto, não se acha criminoso. disse Clara.“O nojento do motorista aproveitou meu estado,
São só “atos obscenos”. minha saia e enfiou um dedo imundo em mim.” Clara não
Os passageiros do ônibus, revoltados, impediram Diego foi à polícia.“Não confio. Quantas mulheres são assassinadas
de sair. Ele poderia ter sido linchado, se estivesse em lugares e têm BO (boletim de ocorrência). Quem diz que eles (os poli-
menos nobres e mais remotos no Brasil. ciais) vão prender. Ele sabe onde eu moro.”
Mas estava na Avenida Paulista. Foi pre- Um dedo na vagina. Uma ejaculação no
so. Indiciado por estupro. A lei brasileira pescoço. Horrível. Ainda bem que podem
mudou em 2009. Já não é preciso haver O JUIZ LIBERTOU O gritar. Não sofreram um estupro coletivo
“conjunção carnal” para caracterizar estu- ou um assassinato. Segundo o Ministério
pro. Qualquer ato sexual praticado contra
AGRESSOR PORQUE NÃO da Saúde, hospitais registraram média de
alguém sem seu consentimento, até mesmo VIU “VIOLÊNCIA” NO ATO. dez estupros coletivos por dia no país em
toques íntimos, é estupro em nossa legisla- PENSARIA O MESMO SE A 2016. A grande maioria abafada. E as mor-
ção. A pena vai de seis a dez anos de prisão. tes? A cada quatro dias, um feminicídio é
Mesmo assim, Diego foi solto. Há VÍTIMA FOSSE SUA MÃE, registrado só no estado de São Paulo. Que
quem considere a lei severa demais. Hoje, SUA MULHER, SUA FILHA? não sejam chamados de “crimes passionais”.
no Brasil, constranger alguém a permitir Matar “por paixão”, não, não vale. É por
“ato libidinoso” é crime de estupro. E o ódio mesmo. Muitas mulheres são mortas
próprio juiz escreveu isso na sentença que liberou Diego. por ser mulheres. É muito triste.
Mas disse que não houve “violência”. E se a vítima fosse a Tivemos dois casos chocantes e recentes no Rio de Ja-
mulher do juiz, a mãe, a filha, a irmã, a neta do juiz? Ele neiro. Uma farmacêutica grávida foi morta, supostamente,
acharia que não houve “violência” quando Diego ejaculou numa armadilha de seu ex-namorado, um dentista. Ele
no pescoço da passageira no ônibus? tinha uma noiva, queria que a ex abortasse. O outro caso
O juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto admitiu que “o foi gravado por uma câmera: uma estudante grávida de
ato praticado pelo indiciado é bastante grave, já que se mas- quatro meses jogada em frente a um ônibus por seu ex,
turbou e ejaculou em um ônibus cheio” (se estivesse vazio, um estudante de Direito. Ele queria viajar sozinho para seu
seria diferente?) “e a passageira ficou, logicamente, bastante intercâmbio no Canadá. Ela e o bebê se salvaram.
nervosa e traumatizada” (mas não sofreu violência?). Essas tragédias não acontecem só no Brasil. Para mudar,
O magistrado disse que Diego necessita de “tratamen- precisamos denunciar os crimes, protestar contra a impuni-
to psiquiátrico” para evitar condutas assim, “que violam dade, reformular a educação em casa e nas escolas. Ter mais
gravemente a dignidade sexual das mulheres, mas que, mulheres em postos de poder e influência. Um mundo me-
penalmente, configuram apenas contravenção”. Contra- nos engravatado. Precisamos de mais Cármens Lúcias. Nós,
venção penal? Atentado ao pudor seria se tivesse ficado homens e mulheres, temos de revolucionar a percepção de
nu no ônibus. A sentença do juiz favorece a impunidade e gênero, pelo bem de filhos e filhas, netos e netas. u
estimula a reincidência, de Diego e de outros.
O pai de Diego, um aposentado de 65 anos, discorda do Ruth de Aquino é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br

82 I ÉPOCA I 4 de setembro de 2017

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