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EDUCAÇÃO
Resumo: O artigo versa sobre uma análise do Abstract: The article focuses on the analysis
fenômeno do Bullying quanto à responsabilida- of the phenomenon of bullying and civil paren-
de civil dos pais pelos atos praticados pelos seus tal responsibility for acts committed by their
filhos, dos educadores por seus alunos, a respon- children, educators of students, the state’s res-
sabilização do Estado, quando tratar de escola ponsibility when it comes to public schools and
pública, e da responsabilização de terceiros, no the accountability of other in the midst of art.
bojo do art. 932 do Código Civil de 2002; o de- Fel Ci 932 of the Code of 2002, the obligation
ver de indenizar as vítimas, sendo o ambiente to compensate victims, and the local school en-
escolar o local de maior índice de Bullying. Em vironment with a higher level of bullying. In
regra, o agressor é menor, que não é responsabi- general, the abuser is less, it is not responsible
lizado pelos atos que pratica, o que não significa for their actions does not mean that there will
que não haverá o dever de indenizar, já que a be no liability to pay compensation because the
Constituição Federal prevê em seu art. 5º o di- Constitution states in Article. 5 of the right to
reito de indenizar por dano moral. compensation for moral damages.
*
Pós-doutora pela Universidade de Coimbra, Portugal; Mestre e Doutora pela Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo; yvete@netsite.com.br
Introdução
1
Abrapia – Associação Brasileira Multiprofissional – A proteção à Infância e à Adolescência –
Comportamentos agressivos – 2010.
2
Silva (2010).
(agressor) contra uma ou mais vítimas que passaram a se submeter aos atos que
caracterizam o bullying, vitimadas e impossibilitadas de se defender.
O Bullying é uma prática que tende a infringir danos severos à integrida-
de física e psicológica da vítima. As ações levadas a efeito, entre elas, os atos de
desprezo, para denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica do seme-
lhante sem motivação alguma e de forma repetida, provocam reações orgânicas
de transtornos e geram medos absurdos nas vítimas, as quais se sentem acuadas
quando estão no mesmo ambiente que seus agressores, isto é, a escola – especifi-
camente na sala de aula.
A vítima do Bullying sente as seguintes reações: cefaleias (dores de cabe-
ça), cansaço crônico, insônia, dificuldade de concentração, boca seca, palpitação,
sudorese, tremores, sensação de “nó” na garganta, calafrios, tensão muscular e
outros distúrbios emocionais, crises de choro; a criança se torna resistente e fica
contrariada a ir para a escola.
O desenvolvimento de patologias, como por exemplo, transtorno do Pânico,
Fobia Escolar, Fobia Social – que é traduzida para Transtorno de Ansiedade So-
cial (TAS), Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Depressão, Anorexia,
Bulimia, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Transtorno do Estresse Pós-
-Traumático (TEPT), também vem sendo observado, quando a vítima de bullying
pode sofrer a intensificação dos problemas que já existiam.
A saúde da vítima fica direta e seriamente afetada, tanto que a Organização
Mundial de Saúde (OMS), trata e explicita no preâmbulo de sua Constituição,
“Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a existência
de doença”, confirmando e considerando este conceito como direito Humano. Esse
princípio norteador para a efetivação dos direitos à saúde inscrita na Constituição
Federal de 1988, da proteção à dignidade da pessoa humana é ampliado, abarcan-
do os aspectos da prevenção.
De consequências imprevisíveis quanto à gravidade dos atos levados a efei-
tos pelo bullying escolar, de dimensões realmente terríveis, pois graves atos de
maldade no ataque à integridade física e moral de outra criança e jovens, é o cami-
nho para a destruição de institutos civis de extrema importância para a formação
do caráter, como a honra e a personalidade.
Difícil admitir que exista maldade, ainda mais em uma criança, com ape-
nas sete ou oito anos de idade, mas existe. O bullying é um fenômeno típico das
relações humanas; porque percebido mais intensamente nos dias atuais? As ações
agressivas se reduziam as “tais brincadeirinhas”, que atualmente vem se agra-
vando de várias formas em múltiplas ofensas, tanto em intensidade quanto em
agressões físicas.
“Se é brincadeira, todos deveriam se divertir.”
Em se tratando de bullying, um grupo se diverte à custa da humilhação de
outros?
O comportamento dos Bullies:
a) Agressivo e negativo;
b) É executado repetidamente;
c) O comportamento ocorre em um relacionamento onde há um desequilí-
brio de poder entre as partes envolvidas.
3
Bronfenbrenner e Morris (1998).
11
Fante (2005).
12
Almeida (2008).
13
Observatório da Infância (2008).
14
Constantini (2004).
como um bloco único. Essa visão única também no Direito de Família deve ser
aproveitada em outros ramos do Direito Civil na atualidade. As mais evidentes
são as interações entre o Direito de Família e o Direito das Obrigações.
Para ilustrar, surgem trabalhos com o entendimento de aplicar os prin-
cípios próprios do Direito Contratual para o Direito de Família.19 Nessa mesma
linha de pensamento, a responsabilidade civil tem incidido nas relações familia-
res. Um dos temas mais debatidos pela civilística nacional se refere à tese do
abandono afetivo, abandono paterno-filial ou teoria do desamor. Em discussão,
amplamente, por exemplo, se o pai que não convive com o filho, dando-lhe afeto
positivo ou amor, pode ser condenado a indenizá-lo por danos morais.20 Adotando
a interdisciplinaridade na prática do bullying, podemos notar que o agente agres-
sor tenta impor sua vontade pela força. E, geralmente, os autores (agressores) são
pessoas que têm pouca empatia, pertencente às famílias desestruturadas, em que
o relacionamento afetivo entre seus membros tende a ser escasso ou precário. Por
outro lado, o alvo dos agressores podem ser pessoas pouco sociáveis, com baixa
capacidade de reação ou de fazer cessar os atos prejudiciais contra si e possuem
forte sentimento de insegurança, o que os impede de solicitar ajuda, tornando-se
alvos fáceis para os agressores na ação de bullying.
Conforme assinala Elias Canetti, a força é mais coercitiva e imediata do que
o poder, sendo uma situação típica a força física.21 A opressão psicológica sofrida
compara a prática do bullying ao assédio moral, tão debatido na seara do Direito
do Trabalho. Em contrapartida, na área do direito civil pode ser comparado com os
abusos de direito, que mereceriam uma tipificação como ilícito civil pelo art. 187 do
Código Civil Brasileiro.22 Os atos de violência física e moral, provenientes da pratica
do bullying, ultrapassaram o campo das brincadeiras infelizes, como, por exemplo,
piadas, xingamentos, para se transformarem em verdadeiros confrontos com o uso
de armas de fogo em escolas, ou outros tipos de instrumentos utilizados para sub-
meter os colegas e os professores, até mesmo por vingança pela opressão sofrida.
19
Como aqueles que propugnam pela aplicação dom princípio da boa-fé objetiva nas relações
familiares, tema abordado no V Congresso de Direito de Família. Screiber (2006, p. 241) e Alves
(2006, p. 481-505).
20
Entendendo pela possibilidade de reparação imateiral em casos tais, por todos: Hironaka
(2005). O Superior Tribunal, em julgado do ano de 2005, acabou por concluir pela impossibi-
lidade de reparação civil em casos tais, pela ausência de um ato ilícito na espécie. EMENTA:
“Responsabilidade civil – Abandono moral – Reparação – Danos morais – Impossibilidade. 1. A
indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, mas rendendo ensejo à aplicabi-
lidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação
pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Ministro
Fernando Gonçalves, votou vencido o Misnistro Barros Monteiro, que dele não conhecia. Os
Ministros Aldir Passarinho Júnior, Jorge Scartezzini e Cesar Asfor Rocha votaram com o Minis-
tro Relator. Brasília, DF, 29 de novembro de 2005 – data do julgamento). A questão ainda está
em aberto pela existência de outros julgados que concluem pela reparação, caso de conhecida
decisão do Tribunal Paulista 9/TJSP, Apelação com Revisão n. 511.903 – 4/7 – 00 – Marília, SP, 8ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Caetano Lagrasta, julgado em 12/03/2008; v.u.).
21
Canetti (1995, p. 281).
22
Art. 187 CC: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo manifesta-
mente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
O Código Civil de 2002 trata do tema da responsabilidade civil dos pais pe-
los atos praticados pelos seus filhos, e dos educadores por seus alunos, no bojo do
artigo 932, intrinsecamente ligado ao tema do bullying, especialmente quanto aos
fundamentos legais de uma eventual responsabilização. Assim, reza o caput do art.
932 que “[...] são também responsáveis pela reparação civil, ou seja, que há res-
ponsabilização por ato de terceiros, quebrando a regra de responsabilidade por ato
próprio.” Prima facie, prevê o inc. I da norma que os pais respondem pelos atos pra-
ticados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.
De suma importância para o tema, o inc. II, do art. 932, trata da responsa-
bilidade dos tutores e curadores pelos atos praticados pelos tutelados e curatela-
dos que estiverem nas mesmas condições de autoridade e companhia prevista no
inc. I do dispositivo. O inc. IV, os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabele-
cimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus
hóspedes, moradores e educandos. Com algumas alterações quanto à redação o
art. 931, do atual Código Civil, manteve a ideia de responsabilização indireta que
constava no Código de 1916.23
É importante destacar que, a respeito dos pais, dos tutores e curadores, a
legislação exige os requisitos do exercício da autoridade e da presença e compa-
nhia, no momento em que o ato ilícito é praticado pelo filho menor. Desse modo,
o genitor que no momento do ato ilícito não estiver com a guarda do filho menor
é excluído da responsabilidade do ato praticado pelo filho menor. Ao contrário,
o genitor que estiver com a guarda, no momento da prática do ato ilícito, será
responsabilizado. Para exemplificar, se por ocasião de uma visita, na hipótese da
guarda unilateral, o filho causa um acidente por pegar o veículo do pai, no caso de
“racha”, a mãe não responde.
Todavia, há quem tenha entendimento contrário, ou seja, de que os pais
conjuntamente devem responder sempre solidariamente pelos filhos, pela sua
educação, independentemente da autoridade e de companhia, pois hoje, tanto
o homem quanto a mulher possuem direitos e deveres de forma igualitária, as-
sim, o pátrio poder é exercido por ambos. Esse entendimento, já consubstancia-
do na guarda compartilhada, nos termos das novas redações dadas pela Lei n.
11.698/2008 aos art. 1.583 e 1.584 do Código Civil.
23
Era a redação do art. 1.521 do CC/16: “São também responsáveis pela reparação civil: I – os
pais, pelos filhos, menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia: II - o tutor e o
curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o patrão,
amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que
lhe competir, ou por ocasião dele (art. 1.522); IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou
estabelecimentos, onde se albergue dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,
moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime,
até à concorrente quantia.”
pese embora sua inimputabilidade, sejam responsáveis, portanto, que os livraria a responder, se
maiores ou, mesmo menores, na forma do art. 928 do cc/2008. Porém, exige a lei que os infantes
estejam sob a autoridade e a companhia dos pais, enquanto se aludia, no cc/1916, ao menor sob
o poder e companhia dos genitores.”
28
“Dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying
escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas de educação básica do Município
de São Paulo, e dá outras providências.
A Câmara Municipal de São Paulo D E C R E T A:
Art. 1º As escolas públicas da educação básica, do Município de São Paulo, deverão incluir em
seu projeto pedagógico medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying escolar.
Parágrafo único - A Educação Básica é composta pela Educação Infantil, Ensino Fundamental
e Ensino Médio.
Art. 2º Entende-se por bullying a prática de atos de violência física ou psicológica, de modo
intencional e repetitivo, exercida por indivíduo ou grupos de indivíduos, contra uma ou mais
pessoas, com o objetivo de intimidar, agredir, causar dor, angústia ou humilhação à vítima.
Parágrafo único - São exemplos de bullying acarretar a exclusão social; subtrair coisa alheia
para humilhar; perseguir; discriminar; amedrontar; destroçar pertences; instigar atos violen-
tos, inclusive utilizando-se de meios tecnológicos.
Art. 3º Constituem objetivos a serem atingidos:
I - prevenir e combater a prática do bullying nas escolas;
II - capacitar docentes e equipe pedagógica para a implementação das ações de discussão, pre-
venção, orientação e solução do problema;
III - incluir regras contra o bullying no regimento interno da escola;
IV - orientar as vítimas de bullying visando à recuperação de sua auto-estima para que não
sofram prejuízos em seu desenvolvimento escolar;
V - orientar os agressores, por meio da pesquisa dos fatores desencadeantes de seu comporta-
mento, sobre as conseqüências de seus atos, visando torná-los aptos ao convívio em uma socie-
dade pautada pelo respeito, igualdade, liberdade, justiça e solidariedade;
VI - envolver a família no processo de percepção, acompanhamento e crescimento da solução
conjunta.
Art. 4º Decreto regulamentador estabelecerá as ações a serem desenvolvidas, como palestras,
debates, distribuição de cartilhas de orientação aos pais, alunos e professores, entre outras ini-
ciativas.
Art. 6º As escolas deverão manter o histórico das ocorrências de bullying em suas dependências,
devidamente atualizado, e enviar relatório, via sistema de monitoramento de ocorrências, à
Secretaria Municipal de Educação.
Art. 7º As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamen-
tárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 8º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Sala “das Sessões, as Comissões competentes.”
29
Hirigoyen, Marie France. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho, p. 1.
30
Gomes (2011).
Conclusão
Diante desse fenômeno vivemos em um país que a Magna carta tem como
objetivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (ar-
tigo 3º, inciso I da Constituição Federal), garantidora a todos os exercícios dos
31
Pauda (2011).
32
Pauda (2011).
Referências
CANETTI, Elias. Massa e Poder. Tradução Sérgio Tellarolli. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1995.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2007. v. 7.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Código Civil comentado. Ministro Cesar Peluso
(Coord.). São Paulo: Manole, 2010.
SILVA, Ana Beatriz B. Bullying: mentes perigosas nas Escolas. Rio de Janeiro.
Objetiva, 2010.
TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil dos pais pelos filhos e o Bullying. Pa-
lestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Direito de Família, do Instituto
Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM), realizado em Belo Horizonte, entre
os dias 28 e 31 de outubro de 2009.