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A Força do Direito por Pierre Bourdieu

Bourdieu neste trabalho disserta sobre como o Direito cria uma “ciência” fundamentada em si
própria e como esta dita ciência é fundamental para justificar suas práticas, suas dinâmicas, e dar
legitimidade para suas enunciações para aqueles externos a este campo.

Dentro das disputas deste campo, Bourdieu reconhece duas forças que competem pela formação do
corpus jurídico, uma mais formalista, representada pelos professores e teóricos, dentro da dinâmica
francesa e alemã, também poderíamos incluir os juízes das altas cortes, e outra mais pragmática,
simbolizada por advogados, juízes de esferas mais baixas, e outros profissionais do Direito. Estes
grupos têm objetivos opostos quanto aos efeitos decorrentes da interpretação da norma e
competem para ver seus objetivos triunfares. Esta disputa tem o objetivo de determinar quais dos
atores tem o direito de decidir o direito.

Sendo o Direito a forma de legitimar o exercício do monopólio da força do Estado, o corpus jurídico
tem enorme importância dentro das relações e dinâmicas de poder, o que implica em uma
aproximação dos atores jurídicos com os atores políticos, o que aumenta ainda mais as disputas
dentro do campo jurídico.

A disputa não se limita somente à forma de dizer o Direito, mas, também, sobre questões
relacionadas ao acesso ao próprio campo, produzindo seus serviços e determinando estes como os
únicos adequados à atuação perante as instituições que cuidam de verificar a postura correta
perante a lei. A neutralidade exprimida para o exterior é falsa, uma máscara para validar a
enunciação dos agentes centrais do Direito como sendo impessoal e desinteressada, quando esta
está tão vinculada a conflitos internos, divisões, e disputas como qualquer outro campo.

Este capital simbólico é exercido mediante as cerimônias e ritualísticas próprias para despir de
eventuais alegações de arbitrariedade e, com isso, tornar-se legítima.

Understanding Controversies de Marcelo Dascal, in Interpretation and Understanding

Dascal foca, em seu texto, em aspectos mais pragmáticos da controvérsia pois credita insuficiente
uma abordagem puramente semântica dela. A controvérsia é uma aglutinação de diversas opiniões e
premissas que se acumulam em uma divergência principal. Entretanto, tal abordagem deve
considerar ainda questões meta-discursivas de interpretação, argumentação e disponibilidade dos
interlocutores de considerarem a opinião da outra parte ou, mesmo, de um “terceiro
desinteressado”.

A abordagem pragmática do debate em volta de uma controvérsia implica no atacante criticar de


forma o mais eficiente possível a opinião do outro e, ao defensor, defender sua posição de forma
sólida e impermeável. A questão então, deixa de ser uma busca pela verdade e pelo melhoramento
das ideias e, sim, para, simplesmente, vencer. Isso pode implicar em ataques não à ideia em si, mas à
credibilidade do enunciante. “Vencer” uma controvérsia tem apelos profundos pois o que está em
jogo é a reputação dos interlocutores.

Tal abordagem dos controversialistas é incrivelmente próxima do habitus do Direito, visto que a
prática cotidiana destes envolve disputas sobre aplicações e interpretações de normas e o prestígio
profissional destes profissionais não está ligado à um conhecimento teórico da norma, ou de seus
fundamentos, mas, sim, ao “sucesso” em interpretar controvérsias para o interesse seu e de seus
clientes. Em suma, o melhor operador do direito é aquele que “ganha”. Este ataque à credibilidade é
uma prática comum e compreender seu propósito implica em compreender os objetivos e as
dinâmicas dentro do Direito.

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