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AULA 3

ÉTICA E RELAÇÕES
INTERPESSOAIS

Prof. Roberto Luis Renner


CONVERSA INICIAL

Este texto tem por objetivo apresentar vários entendimentos da ética no


âmbito da política. Em grego, o termo “política” (πολιτικός, politikos) refere-se a
grupos que fazem parte da pólis (as cidades-estado, forma de organização
administrativa pública). A palavra politiké tem a mesma origem, e pode ser
entendida como “política em geral”. O termo era usado para dar indicar a vida
dentro da coletividade.
Inicialmente, apresentaremos as ideias de Aristóteles e sua concepção de
política. Ética e política estavam na pauta dos diálogos desse pensador, e é dele
a famosa frase “O homem é um animal político”. Ou seja, para Aristóteles o
indivíduo é destinado à vida em comum na pólis, expressando, nesse convívio,
sua essência, que, segundo a visão aristotélica, é racional. Em outras palavras,
Aristóteles acreditava que a vida ética e a vida política devem ser dirigidas pela
razão e não pelas paixões.
Na sequência analisaremos outro personagem importante da história:
Maquiavel. Ao contrário de Aristóteles, Maquiavel acreditava ser legítima a
autonomia da política em relação à ética. Em outras palavras, se fosse preciso, o
príncipe poderia fazer uso do poder e de artifícios estratégicos para manter o
equilíbrio político, mesmo que isso conflitasse com a moral cristã. Para Maquiavel,
política e ética são dois assuntos que podem andar separados e, portanto, se for
necessário violentar sua consciência por um ato político, o dirigente poderá fazê-
lo.
Um personagem contemporâneo que não poderia deixar de ser citado é o
italiano Norberto Bobbio. Para esse filósofo, o diálogo sobre a questão moral
perpassa todos os campos do comportamento do ser humano, e, muitas vezes,
essa moral atinge elevados graus de cobrança; entretanto, quando associada ao
âmbito político, assume um aspecto por vezes único e especial. Veremos que,
para Bobbio, nos mais diversos campos, a Moral é encontrada na discussão de
conduta daquilo que pode ser feito ou não.
Por último, contemplaremos as ideias que envolvem a ética e a política nos
dias atuais. Veremos que tais ideias não são tão simples como parecem, visto que
existe o risco de generalização por parte de muitos. O entendimento do senso
comum é que aquele que se envolve com a política é corrupto ou, se não for, um

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dia será. Enfim, para muitos, parece que não pode haver política sem que haja
corruptos.

CONTEXTUALIZANDO

É comum, nos dias de hoje, ouvirmos posicionamentos como “eu não gosto
de política”. Entretanto, a política sempre fez parte tanto da vida coletiva como da
individual de cada ser humano. Ela é algo presente no cotidiano de todos que
façam parte de uma sociedade. O convívio social é um ato político e, assim, cabe
a cada um de nós aprender a lidar com essas questões do cotidiano.

TEMA 1 – CONCEITO DE POLÍTICA

Para que possamos ter melhor entendimento do termo política, precisamos


nos remeter à sua etimologia, isto é, à origem da palavra.
Na Grécia, o termo πολιτικός (politikos), era relacionado a grupos que
faziam parte das pólis. É do termo pólis que advém a palavra politiké, que pode
ser entendida como “política em geral”. Nesse sentido, podemos compreender
política como aquilo que está profundamente relacionado à vida em sociedade e
em como essa sociedade vive e gerencia suas questões. Nesse cenário, a política
aparece com o objetivo de garantir a estabilidade social, sendo o Estado o agente
que deveria manter tal ordem. Se o Estado faz uso dos meios corretos ou não
para fazer isso isso é outra questão a ser discutida.
Abbagnano (2007, p. 900) oferece a seguinte definição para o termo
política: “grego πολιτικός, latim Politica: in Politicis; foram designadas várias
coisas, mas precisamente: 1º. a doutrina do direito e da moral; 2º. a teoria do
Estado; 3º. arte ou a ciência do governo; 4º. o estudo dos comportamentos
intersubjetivos”. Com base nas definições desse autor, iremos fazer algumas
considerações sobre o tema.
Na primeira acepção está a questão da ética aristotélica; o autor avalia que
essa investigação engloba o que deve ser entendido como o bem, assim como
apresenta que, na perspectiva de Aristóteles, política e ética são entendidas como
ciências necessárias para a cidade, e que, portanto, o cidadão deve aprender esse
ato político.
Na segunda definição de Abbagnano, a política é vista como a ciência que
nos leva a questionar dois pontos: 1. Qual a melhor maneira de se governar; 2.

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Qual a melhor forma de se governar em determinadas situações. Segundo ele, a
política vista como teoria do Estado nos leva a refletir sobre quais são os melhores
caminhos e também os instrumentos utilizados para a gerência desse Estado.
Na terceira definição, Abbagnano nos apresenta a política como a arte e
ciência de governo. Aqui ficam evidentes os seguintes questionamentos: de que
maneira surge um governo? O que é necessário para que um governo se
mantenha no poder? Partindo dessas premissas, é comum os meios serem
justificados pelos fins que se pretende alcançar.
Na quarta acepção, Abbagnano apresenta-nos o entendimento de política
com base em Auguste Comte, que, por sua vez, a identifica com a sociologia,
dando-lhe o nome de política positiva. Conforme cita: “[...] Comte apresenta que
o entendimento de fenômenos políticos, tanto em coexistência quanto em
sucessão, está sujeito a leis invariáveis, cujo uso pode permitir influenciar esses
mesmo fenômenos” (Abbagnano, 2007, p. 902).
Segundo Aristóteles, a política está relacionada à moral, sendo que o
objetivo final do Estado é a formação moral dos cidadãos, que, partindo desse
entendimento, são vistos como organismos morais. Nessa perspectiva
aristotélica, o Estado está acima do indivíduo, ou seja, o coletivo ou o grupo têm
sua importância, e o indivíduo precisa entender que o Estado é superior a ele.
Atualmente, o termo política é compreendido como um conjunto de
atividades necessárias ao governo para que este possa governar. Um dos
elementos básicos dessa política de governo é sua legitimidade, e essa
legitimidade dará aos governantes condições de governabilidade.
A relação entre a ética e a política é um dos problemas mais debatidos ao
longo da história da humanidade, e é algo que tem gerado grandes conflitos na
história, pois a ética nem sempre esteve (ou está) presente na política.

TEMA 2 – ÉTICA E POLÍTICA PARA ARISTÓTELES

Política e ética fazem parte das pautas dos diálogos de Aristóteles. É dele,
aliás, a famosa frase “O homem é um animal político”. Com isso, Aristóteles queria
dizer que o indivíduo é destinado à vida em comum na pólis expressando sua
essência, que é racional. Em outras palavras, na visão aristotélica, vida ética e
vida política devem ser dirigidas pela razão e pelas paixões.
No entendimento de Aristóteles, a felicidade faz parte das diferentes ações
do indivíduo, estando esta em plena concordância com a razão. Segundo esse

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raciocínio, a virtude é racional. Ainda sob essa perspectiva, a felicidade faz parte
da educação – ou seja, da vontade em acordo com as diretrizes da moderação e
do meio termo – e está intimamente ligada à política. O ser humano é, portanto,
compreendido por esse pensador como um animal político: sua maneira de agir
reflete sua ética; esta, por sua vez, é vista como uma expressão que se manifesta
na pólis. Desse modo, é na sociedade (ou na pólis) que o indivíduo alcançaria o
bem maior, compreendido por Aristóteles como a felicidade, e a ética e a política
são inseparáveis para o alcance desse objetivo. A ética é assim vista como um
laço que ligaria o indivíduo à comunidade em que se está inserido. O indivíduo
agiria de acordo com essa ideia e faria tudo pelo bem da pólis.
Ao estudar a visão aristotélica, Pansarelli (2009) conclui que “Razão, ética
e política são elementos inseparáveis, constitutivos do homem em Aristóteles. Por
um lado, a característica de ser racional o conduz à vida política. A vida política,
por sua vez, norteará o bem viver ou o viver ético desse homem, que terá como
expressão mais própria dessa boa vida a própria vida racional” (Pansarelli, 2009,
p. 14).
Estes três elementos − razão, ética e política − são aspectos importantes
em Aristóteles. Por meio deles, podemos compreender qual era a ideia desse
filósofo sobre o ser humano. Nele encontramos um esforço em salientar que a
vontade racional, conduzida, portanto, pela razão, é considerada aspecto
importante na vida ética do indivíduo.
Desta maneira, para Aristóteles, a vida política do indivíduo é que irá
nortear seu modo de viver, e sua expressão maior é a vida racional. Para esse
autor, o indivíduo virtuoso tem seu comportamento regido pela razão e não pelas
paixões. Dessa forma, ele pode se tornar um homem virtuoso e livre, e por meio
dessa atitude ele alcançaria a felicidade. A ética, no entendimento de Aristóteles,
teria como objetivo conduzir o indivíduo à felicidade.
Um ponto relevante na filosofia aristotélica é que o bem de todos os
indivíduos – ou o bem da pólis – poderia ser considerado um bem do interesse
público e, desse modo, político. Nesse sentido, a ética preocupar-se-ia com a
felicidade individual do indivíduo, e a política, com a felicidade coletiva da cidade,
ou pólis.
Sendo assim, o objetivo da política, segundo a visão aristotélica, é buscar
maneiras de se governar para que a felicidade coletiva seja assegurada; por isso,
ética e política são vistas pelo filósofo como inseparáveis. Em outros termos, em

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sua concepção, era impossível separar a vida ética (ou seja, a vida particular) da
política (a vida pública), visto que o indivíduo apenas é reconhecido dessa maneira
por meio de sua inserção na comunidade política.
Essa reflexão de que ética e política são questões inseparáveis não se
refere apenas àqueles que abraçam a vida pública – como vereadores, prefeitos,
deputados, governadores, senadores ou presidentes da república – mas a todos
que fazem parte da cidade. Desse modo, ética e política são para serem vividos
por todos.

TEMA 3 – ÉTICA E POLÍTICA CONFORME MAQUIAVEL

O filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico Niccolò di Bernardo dei


Machiavelli (1469-1527) − ou Nicolau Maquiavel, em nome aportuguesado −
nasceu em Florença. Viveu durante o Renascimento, período da história europeia
entre o fim do século XIV e o fim do século XVII. Nesse período, há uma
revalorização das referências culturais da Antiguidade Clássica, que norteariam
as mudanças desse período em direção a ideais humanistas e naturalistas. Em
outras palavras, há um “renascimento” dessas ideias – daí o nome pelo qual ficou
conhecido o período.
De origem toscana, sua família esteve ligada à vida pública durante mais
de três séculos, ocupando os mais diversos cargos públicos. Seu pai, Bernardo
Maquiavel, era jurista e tesoureiro de uma província italiana chamada Marca de
Ancona, e sua mãe, Bartolomea Nelli, era de família nobre. Maquiavel era casado
com Marietta di Luigi Corsim, com quem teve seis filhos.

Figura 1 – Nicolau Maquiavel

Crédito: Jon Naustdalslid/Shutterstock.

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Maquiavel serviu à corte de Cesare Borgia, um governante tirano e
desonesto, que permaneceu no poder até 1512. Nesse período, Maquiavel foi
deposto e exilado, voltando ao cenário em 1519, quando lhe concederam a
anistia. Em 1527, entretanto, foi restaurada a República, e Maquiavel foi
novamente excluído da política.
Nos dias de Maquiavel a Itália era composta por vários e pequenos
Estados; cada um deles tinha sua economia, sua forma política de gestão e
cultura. Havia grandes conflitos e muitas invasões estrangeiras. Tratava-se,
realmente, de um cenário de intensos conflitos. Essas turbulências, em muitos
casos, geravam uma ingovernabilidade; muitos governantes não passavam de
meses no poder. Foi dentro desse cenário que Nicolau Maquiavel viveu por muito
tempo.
A maneira de pensar e de articular de Maquiavel ancora-se na análise da
verdade estabelecida pelo meio e pelas coisas. Nessa perspectiva, ele estuda e
examina a realidade da maneira como ela se apresenta e não como se gostaria
que fosse. Ele toma, por assim dizer, um caminho oposto ao das ideias de Platão,
Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, que são idealistas e de entendimento mais
realista.
Para ele, só seria possível resolver o problema da instabilidade em que a
Itália se encontrava se houvesse um Estado capaz de impor a ordem, resolvendo,
assim, os diferentes conflitos que a cada dia se agravavam.
Maquiavel escreveu várias obras, sendo O príncipe a mais conhecida. Nela,
ele faz menção a vários reis: os que tiveram sucesso em seus empreendimentos
e os que fracassaram. O livro pode ser considerado um manual, dado que tem por
objetivo orientar o príncipe (ou governante) em suas ações diante daqueles que
estão à sua volta. Em resumo, essa obra nos mostra o objetivo de se manter o
príncipe no poder, independentemente dos meios usados para isso.
Iremos analisar a seguir algumas situações apresentadas em O príncipe a
fim de observarmos como, segundo Maquiavel, o governante deveria agir diante
delas. Veremos que muitas das situações apresentadas pelo autor, mesmo após
mais de quatro séculos, são atuais, isto é, ainda são observadas ao nosso redor,
naqueles que estão envolvidos e investidos de poder.
No capítulo XVII, por exemplo, Maquiavel apresenta algo sobre a ação do
príncipe ao longo da história. O autor revela que, independentemente da época,
observa-se nos seres humanos aspectos que precisam ser analisados, como o

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fato de serem ávidos por lucro, covardes ante os perigos, serem ingratos e
dissimulados – enfim, aspectos negativos da natureza humana, cuja
manifestação, muitas vezes, se dá no coletivo. Em outras palavras, para
Maquiavel tais aspectos revelam-se em ações que não contemplam a ética ou a
moral, geralmente manifestados por aqueles que rodeiam o príncipe, assim como
próprio.
De acordo com Maquiavel, o poder é um meio de enfrentar o conflito que
resulta da falta da domesticação da natureza humana, o que produz uma
desordem. Sendo assim, para o pensador o poder do Estado é o único legitimado
para amenizar essa instabilidade, que é fruto da natureza humana.
A falta de ordem que resulta da imutabilidade da natureza humana geraria,
segundo o filósofo, duas forças que se encontram em todas as sociedades. A
primeira força resulta da opressão sofrida pelo povo, que, como consequência,
reage ao dominador. A segunda força é a do dominador, que deseja manter essa
dominação. Das duas surge um conflito, cabendo à política encontrar o equilíbrio.
Segundo Maquiavel, tal estabilidade, contudo, não seria fácil de ser
atingida. Para tanto, ele apresenta duas diferentes propostas que podem trazer o
equilíbrio a essa instabilidade, ou anarquia, frutos da natureza humana.
A primeira proposta é o principado, e a segunda, a república. No entanto a
opção de uma das formas não dependeria, segundo o filósofo, da vontade ou de
questões idealistas, mas sim de uma real situação, que se encontra tanto
naqueles que são dominados quanto nos dominadores. Assim, a sociedade ou a
nação que sofre ameaças de degeneração – fruto da corrupção – necessitaria,
primeiramente, de um governo forte (o príncipe), com o objetivo de estancar esse
mal. Nesse sentido, o príncipe não seria considerado um ditador, mas um agente
de transição. A partir do momento em que a sociedade encontrasse formas de
equilíbrio, considerar-se-ia que o poder político cumpriu sua função educadora,
visto que trouxe a estabilidade. Sendo assim, a sociedade estaria preparada para
a república.
É importante salientar que Maquiavel não apoiava de maneira alguma o
não cumprimento dos princípios éticos. O que era legítimo, segundo seu ponto de
vista, era a autonomia da política em relação à ética. Em outros termos, se fosse
preciso, o príncipe poderia fazer uso do poder e de artifícios estratégicos para
manter o equilíbrio – mesmo que isso entrasse em conflito com a moral cristã.
Para Barbosa (2007, p. 68),

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Maquiavel foi o primeiro pensador que mostrou que a esfera da moral é
separada da esfera da política. Não é que a esfera da moral não exista:
se eu estou na esfera da moral, eu tenho que cumprir os preceitos.
Maquiavel não era contra as normas éticas, só que ele diz [sic]: o
domínio da política é um domínio separado; a política é uma técnica
social; nós diríamos hoje: é uma técnica social. Portanto, a política
permite coisas que a moral não permite. E o grande dirigente é aquele
que é capaz de violar inclusive sua consciência a favor de sua missão
política. Isto é, mesmo quem não leia este texto de Maquiavel, é uma
verdade.

Podemos observar nas ideias desse autor dois pontos importantes. Em


primeiro lugar, que tivemos, em Maquiavel, a primeira compreensão de que
política e ética são dois assuntos que podem andar separados. E em segundo,
que o dirigente político é aquele que, se for necessário violentar sua consciência
por um ato político, ele o fará.

TEMA 4 – ÉTICA E POLÍTICA PARA BOBBIO

Um pensador da atualidade que nos deixou um grande legado escrito e


profundo sobre política e ética foi Norberto Bobbio (1909-2004). Nascido na
cidade de Turim (Itália), Bobbio foi filósofo político, historiador do pensamento
político, escritor e senador vitalício italiano. Tendo feito seus estudos em Filosofia
e Direito, Bobbio atuou, por muito anos, como professor universitário e jornalista.
Teve três filhos com sua esposa, Valeria Cova, com quem viveu por sessenta
anos.

Figura 2 – Norberto Bobbio

Crédito: Fair Use/Wikipédia.

Bobbio vivenciou o período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


Nessa época, houve vários grupos liberais e socialistas fizeram resistência às
ideias fascistas de Benito Mussolini. O fascismo, fundado por Mussolini em 1922,
tinha como ideia central a crença de superioridade de uma raça sobre as demais.

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Continha, também, a ideia de governar de forma autoritária, sempre privando as
pessoas de sua liberdade e agindo de forma truculenta contra aqueles que não
concordavam com seus ideais. Entre esses resistentes, estava Bobbio que, em
razão de suas posições políticas, foi preso duas vezes – em 1942 e em 1944.
Quando deitamos o olhar sobre a história, observamos que há uma
dificuldade de se estabelecer harmonia na relação entre ética e política. Vem
ganhando espaço, por parte de muitos, o entendimento de que o político pode
proceder de maneira diferente da moralidade do restante das pessoas. Tal
postura, entretanto, é moralmente ilícita, embora seja ponderada como legítima
na política.
O diálogo sobre a questão moral perpassa todas as áreas do
comportamento do ser humano, muitas vezes atingindo elevados graus de
cobrança. No âmbito da política, contudo, assume um aspecto muitas vezes único,
especial – e ocorre que a moral é discutida em diversos campos no aspecto de
conduta, isto é, daquilo que pode ser feito ou não.
Um ponto importante a ser considerado na relação entre política e moral é
que essa relação só faz sentido se houver um entendimento sobre a definição do
que é amoral e a que tipo de moral nos referimos. Dessa forma, a partir do
momento em que nos propusermos a discutir moral, precisamos, principalmente
no que diz respeito à política ou a seu campo, observar se estamos nos referindo
à moralidade social, e não à questão do indivíduo. Esse aspecto assume grande
importância, visto que as ações morais individuais afetam as ações e atividades
do coletivo.
No que diz respeito à questão da política e da ética, o que é importante
para Bobbio é se os atos políticos podem ser considerados lícitos ou ilícitos. Para
esse filósofo, os atos políticos não precisam ser caracterizados partindo-se do
pressuposto da moral, mas da necessidade e da utilidade desses atos para o
povo. Segundo esse filósofo, as ações de um bom político não devem considerar
as consequências que elas têm; o que precisa ser considerado são os resultados.
Em outras palavras, a capacidade política de um bom político está em atuar de
acordo com os resultados; para Bobbio, são eles que realmente precisam ser
almejados.

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TEMA 5 – ÉTICA E POLÍTICA NOS DIAS ATUAIS

Falar da atuação ética e política nos dias atuais não é algo tão simples
como parece. Isso porque existe o risco de generalização por parte de muitos. O
senso comum entende que aquele que se envolve com a política é corrupto ou,
se ainda não o for, um dia será. Tal posição nos leva a crer que não pode haver
política sem corrupção. Sob esse prisma, há vários aspectos/desafios que
precisam ser considerados e superados.
Um dos desafios para haver uma política ética é a superação de problemas.
Estes envolvem a ligação entre a política e a moral; ou seja, os atos políticos são
morais. Por isso perguntamos: a partir de que ponto um ato pode ser considerado
amoral?
Considere o modo como Barbosa (2007, p. 106) entende as ações políticas:

A ação política deve se desvencilhar também do chamado “realismo


político”. Originada da legítima busca da conquista da autonomia e
especificidade da esfera política em face das outras esferas (moral,
direito etc.), bem como protegê-la dos caprichos pessoais e destituídos
de compromisso e responsabilidade social de quem governa e/ou dirige,
tende a dar lugar ao chamado realismo político (ou política realista), qual
seja, assegurar certos objetivos sociais a qualquer preço, sejam quais
forem os meios necessários para tanto. O realismo político, portanto,
remete os compromissos morais para a esfera puramente privada, em
contraste com a política, que seria da esfera puramente pública e sem
interdependência direta com a moral.

Fica claro nesse trecho que, para Barbosa (2007), a autonomia da esfera
pública ocorre em detrimento de outros campos. Nessa perspectiva, retira-se a
responsabilidade daqueles que governam, uma vez que o que deve ser focado
são os objetivos sociais, os quais devem ser alcançados a qualquer custo, sem
se levar em conta qualquer tipo de avaliação das ações do indivíduo no aspecto
moral.
Outro ponto importante levantado pelo autor sobre o que ele considera
como realismo político é que os aspectos morais fazem parte somente da esfera
privada; a política estaria, assim, na esfera puramente pública e sem
interdependência direta com a moral. Desse modo, as ações políticas teriam sua
legitimidade independentemente de qualquer legitimidade moral, fossem elas
apoiada ou não pela sociedade. Em resumo, a relação entre a política e a moral
é tida pelo autor como esferas distintas da vida social.
Na sociedade atual, é difícil para muitos aceitarem que política e moral são
campos que podem andar de forma separada. Para os indivíduos com esse

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posicionamento, deve existir, sim, uma união clara entre a moral e a política.
Todavia, é importante salientar que nem sempre há uma afinidade entre a prática
política e os princípios morais. Basta observarmos as sociedades hoje no mundo
todo: todas se esgotaram de tanto contemplar ações que estão longe de uma
moral aceitável. Quando olhamos à nossa volta, tanto no Brasil como em outros
países percebe-se logo o número crescente de notícias que anunciam escândalos
de corrupção e ações de políticos que não condizem com a moral do local em que
este indivíduo político está inserido.
Para analisarmos como se articula a questão da ética e da política no Brasil
atual, vamos dar uma olhada nesse tema ao longo da nossa história.
No Brasil Colônia a sociedade era marcada por um traço muito forte de
diferenciação social. Os senhores do engenho, acompanhados dos políticos,
estavam no topo da sociedade. Depois, seguia-se um grupo formado por
trabalhadores livres e funcionários públicos e, por último, estavam os
escravizados de origem africana. Um ponto a ser considerado é que as mulheres
não tinham nenhuma participação política; a elas era atribuída a tarefa de cuidar
dos filhos e da casa. É dentro dessa sociedade que a vida política se manifestava,
logo com ações não muito éticas, visto que o povo, que era a grande maioria, não
tinha acesso às questões políticas ou decisórias no Brasil de então.
No século XVIII apregoavam-se os ideais de liberdade e racionalidade
introduzidos pelo Iluminismo1. Um aspecto importante a ser considerado no Brasil
desse período é que, em 1808, D. João VI, juntamente com toda a corte,
desembarcou em solo brasileiro. Essa vinda foi seguida da abertura de escolas
de primeiras letras e de ensino de artes e de ofícios, da criação da Biblioteca
Nacional e de outros grandes empreendimentos, o que promoveu grande
progresso econômico, cultural e social à colônia.
É importante observarmos que desde o início da República no Brasil, o
poder é exercido pelas elites, cujas ações estavam voltadas apenas para si
mesmas – ou seja, o povo nunca foi o centro das ações políticas. Tal característica
nos leva a questionar se essas ações são politicamente corretas. Isso pode ser
observado nas eleições de 1929, quando, Júlio Prestes foi o candidato à

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Movimento global, filosófico, político, social, econômico e cultural, que defendia o uso da razão
como o melhor caminho para se alcançar a liberdade, a autonomia e a emancipação; os
iluministas defendiam a criação de escolas para que o povo fosse educado e apregoavam a
liberdade religiosa.
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presidência mais votado, mas que não pôde assumir2. Quem assumiu o poder foi
o candidato derrotado, Getúlio Vargas, visto que ele privilegiou a chamada elite
brasileira, que, na época, era articulada pelos cafeicultores e que, com Vargas no
poder, continuariam a ser beneficiados. Essas ações, analisadas sob a luz da
ética, leva-nos a concluir que elas se embasavam mais do ponto de vista político
que moral.
Essa ideia de uma política de apadrinhamento e coronelismo tem se
manifestado de forma muito forte até os dias atuais. Por coronelismo entende-se
a política controlada e comandada pelos coronéis, que geralmente eram os ricos
fazendeiros. Os coronéis se fazem valer da estrutura política para exercer o poder,
sobrepondo-o à boa-fé dos cidadãos a fim de garantir um controle sobre a
população residente em seu domínio eleitoral. Geralmente, faziam alguma obra
voltada à população por meio da troca de favores. Na grande maioria das vezes,
o povo era massa de manobra desses coronéis e, pelo fato de o cidadão não
perceber a manipulação, esses mandatários eram tidos como homens bons.
Nos anos 1930 grande parte da população brasileira encontrava-se à
margem da sociedade; a discrepância social entre as diferentes classes era
gritante, o que se estende até os dias de hoje.
Com o golpe militar no ano de 1964 – o qual recebeu apoio da elite – as
diferenças sociais só aumentaram, em grande parte em virtude das diferentes
políticas econômicas utilizadas, que vieram a intensificar cada vez mais o
empobrecimento da população. O regime militar teve duração de mais de duas
décadas no Brasil, e pode ser considerado uma ação antiética, uma vez que
impossibilitou a população de desfrutar dos seus direitos coletivos e individuais.
Dentre os direitos violados na ditadura estavam o direito de ir e vir e o direito à
liberdade de expressão – entre muitos outros. Tais ações devem ser analisadas à
luz da ética, visto que não havia uma preocupação com o povo.
Após a ditadura, seguiram-se vários governos cujas ações, ao longo dos
anos, para muitos, precisam ser analisadas sob o ponto de vista ético.

2 Júlio Prestes contava com o apoio de 17 dos 20 Estados brasileiros e obteve pouco mais de um
milhão de votos, cerca de 300 mil a mais do que o seu adversário. Venceu a eleição e viajou ao
exterior, onde foi recebido como presidente eleito em Washington, Paris e Londres.
Inconformados, governantes contrários à sucessão criaram a Aliança Liberal, que acabaria por
abrir caminho para a Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao comando do país
(Cruzeiro do Sul, 2012).

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Os resquícios dessas ações políticas históricas nas esferas municipal,
estadual e federal, e nos diferentes poderes – judiciário, legislativo e executivo –
se fazem sentir ainda hoje no âmbito político nacional, levando o povo a clamar,
de forma veemente, por ações morais e éticas.

FINALIZANDO

Neste texto, abordamos aspectos importantes relacionados à ética e à


política. Vimos que, para os gregos, a política está relacionada a grupos que
faziam parte da pólis − palavra usada para dar ênfase a uma vida coletiva.
Na sequência, foram apresentadas as ideias de Aristóteles sobre estes dois
temas. Vimos que, para esse filósofo, o indivíduo é destinado à vida em comum
na pólis e, dessa maneira, deve expressar sua essência, que é racional, pois vida
ética e vida política devem ser dirigidas pela razão, e não pelas paixões.
Em seguida, analisamos o que para Maquiavel era aceito como correto a
respeito da autonomia da política em relação à ética. Vimos que este filósofo
considerava que, se fosse preciso, o príncipe poderia fazer uso do poder e de
artifícios estratégicos a fim de manter o equilíbrio, mesmo que isso entrasse em
conflito com a moral cristã.
Abordamos ainda o filósofo italiano contemporâneo Norberto Bobbio, para
quem o diálogo sobre a questão moral perpassa todos os campos do
comportamento do ser humano. Vimos que, muitas vezes, essa moral atinge
elevados graus de cobrança e que, quando nos é apresentada na política, assume
um aspecto muitas vezes único, especial. Nos mais diversos campos, a moral é
encontrada no aspecto da discussão de conduta daquilo que pode ser feito ou
não.
O texto finaliza com ideias sobre ética e política nos dias atuais. Concluímos
que essas ideias não são tão simples de serem abordadas quanto parecem ser à
primeira vista, tendo-se sempre à sombra o perigo de generalizações. De acordo
com o senso comum, aquele que se envolve com política é corrupto – se não o
for, um dia o será. Tal posicionamento leva a crer que, para muitos, parece não
haver política sem que haja corruptos.

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REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

ARANHA, M. L. Filosofando. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São


Paulo: Nova Cultural, 1973, v. 4. (Coleção Os Pensadores).

BARBOSA, W. Sociedade, ética e política. Disponível em:


<http://terra.cefetgo.br/cienciashumanas/textos_pdf/monografias/monografias_so
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BOBBIO, N. Teoria geral da política. A filosofia política e as lições dos clássicos.


Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

CHAUI, M. Ética e violência. São Paulo, 1998. Palestra apresentada no Colóquio


Interlocuções com Marilena Chaui.

JÚLIO Prestes: eleito presidente da República, não assumiu o cargo. Cruzeiro do


Sul, 12 ago. 2012. 2012. Disponível em:
<http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/410281/julio-prestes-eleito-presidente-
da-republica-nao-assumiu-o-cargo>. Acesso em: 6 ago.2017.

IGLÉSIAS, F. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. 2. ed. São Paulo:


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