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TEORIAS DA ETNICIDADE: CAP 4 – A ETNICIDADE, DEFINIÇÕES E

CONCEITOS.

Existe uma enorme bibliografia acerca da etnicidade que é tratada na maioria das vezes,
muito mais como uma categoria descritiva do que como um conceito sociológico que
permite definir um objeto cientifico. (Pág 86)

1. A ETNICIDADE COMO DADO PRIMORDIAL:

Considerada ultrapassada pela maioria dos autores, torna-se essencial o estudo e crítica
desta abordagem porque simbolizou o ponto de partida no qual a maioria dos conceitos
posteriores foram criados. (Pág 87)

Shils (1957) – Paternidade da teoria primordialista.

 Utiliza o termo “primordial” para corroborar sua tese da importância dos grupos
primários na integração e na reprodução da sociedade global. O que permite à
sociedade funcionar nos períodos ordinários (fora dos tempos de crise) é a
realização pelos homens ordinários de suas tarefas concretas em relação ao seu
meio ambiente imediato. (Pág 88)
 O homem comum é guiado pelos “vínculos primordiais”: os vínculos
primordiais são dotados de significado, como aqueles relacionados a parentesco,
e são caracterizados pela intensa solidariedade que suscitam, por sua força
coercitiva e pelas emoções que lhe são associados. (Aqui, denota-se a concepção
durkmiana que via nestes vínculos primordiais a base para a formação dos
vínculos sociais). (pág 88).

Geerts (1963) – Postula a existência de um tipo de “ligações primordiais” que


derivam mais de um sentimento de afinidade natural do que da interação social.

 Estas ligações primordiais aparecem como dados vistos intuitivamente


percebidos como naturais da existência social: o vínculo de sangue, traços
fenotípicos, a religião, a língua, o costume... (pág89)
 Segundo Geerts, estes dados tem o poder de concorrer para a nação como
unidade englobante.

Qualidade primária e fundamental da identidade étnica:


 Primária – o indivíduo nasce ou adquire os elementos constitutivos de sua
identidade étnica (carácteres físicos, nome, afiliação tribal ou religiosa) que o
ligam a ancestrais cuja herança é transmitida de geração a geração. Para os
primordialistas, é esta ancoragem da identidade étnica em um grupo de
parentesco ampliado, fictício ou real, que confere às ligações étnicas a força
coercitiva derivada do dever moral de solidariedade para com os seus.
(pág89)
 Fundamental – porque para os primordialistas, a pertença ao grupo étnico não
representa um foco possível entre outras formas de identificação, mas a
identidade de grupo de “base” para todos os indivíduos, aquela pela qual são
transmitidos os sentimentos de uma maneira que o indivíduo não pode optar e
que está para além de sua consciência (pág90).

Em Isaacs – o caráter fundamental da identidade étnica repousa na existência


presumida de necessidades psicológicas (necessidade de pertença, ser aceito, etc).

 Entre todas as identidades que o indivíduo pode ter, a identidade étnica é a


que responde de modo mais completo a essas necessidades, porque o grupo
étnico representa o refúgio por excelência de onde não podemos ser
rejeitados e onde jamais estamos sós.
 Esta qualidade primordial da etnicidade torna-se uma propriedade essencial
transmitida no e pelo grupo, independente da relação com outros grupos.

Críticas ao primordialismo e a teoria primordialista

 Existem autores que recusam-se a reconhecer o caráter específico das


“ligações étnicas”: o caráter primordial dos vínculos étnicos não aparece
como tal porque os primordialistas ignoram deliberadamente o ambiente
econômico e político no qual os grupos e identidades étnicas se manifestam.
(pág 91)
 Outros autores acusam as teorias primordialistas de incapacidade para dar
conta desta especificidade.
 Crítica aos primordialistas em seu próprio campo: o da natureza particular
dos vínculos étnicos que se prendem a seu caráter afetivo e emocional.
 Bentley – a fragilidade das teorias primordialistas liga-se ao fato de elas não
abrangerem a especificidade dos sentimentos comunitários étnicos senão
como uma resposta a necessidades emocionais pressupostas.
2. A ÉTNICIDADE COMO EXTENSÃO DO PARENTESCO: O
PARADIGMA SOCIOBIOLÓGICO:
 Nova variante das teorias primordialistas clássicas. Pierre Van den Bergue
“The Ethinic Phenomenon” (1981), postula teses neodarwinistas que
suscitam no meio acadêmico uma enorme confusão. (pág 93).
 As teorias sociobiológicas são atacadas justamente pelo seu reducionismo
naturalista e, no pior dos casos, pelo seu aval intelectual do racismo.

Reducionismo naturalista: os humanos, como os outros animais, são geneticamente


programados para maximizar suas chances de sucesso reprodutivo, o que implica não
somente a reprodução dos genes do indivíduo, mas de todos aqueles com quem ele
compartilha genes, a saber, sua parentela.

 A etnicidade surge como método de seleção dos aparentados pelo qual os


indivíduos maximizam sua própria aptidão.
 O nepotismo (que forma a base da solidariedade étnica) confere aos grupos
que o praticam uma grande vantagem seletiva em relação àqueles que não o
praticam.

Semelhanças entre o paradigma sociobiológico e o P. primordialista

 Nos dois casos a etnicidade surge como dado irredutível e universal do


comportamento humano (pág 94);
 Foco no parentesco como matriz de base na qual enraíza-se a etnicidade.

Van den Berghe – a cultura étnica nada mais é senão um meio de maximizar as
chances de sobrevivência e reprodução do grupo.

Em comum com as teorias instrumentalistas: nos dois casos, a etnicidade representa


uma forma de cooperação que serve para maximizar interesses individuais.

3. AS TEORIAS INSTRUENTALISTAS E MOBILIZACIONISTAS:


 Estas abordagens tem em comum o fato de situar a etnicidade como um
recurso mobilizável na conquista do poder político e dos bens
econômicos. (pág 95)
Glazer e Moynihan (1975) – o que tem comum formas de identificação baseadas em
realidades diferentes quanto a religião, a língua, a origem nacional é que “elas se
tornam focos efetivos de mobilização de grupo para realização de objetivos políticos
concretos.

 Os grupos étnicos são definidos como grupos instrumentais,


artificialmente criados e mantidos por sua utilidade pragmática, ou como
“armas” utilizadas para obter vantagens coletivas (pág 96).

TEORIAS DO GRUPO DE INTERSSE:

Tem como postulado que as identidades étnicas são mantidas e enfatizadas para
exercerem uma influência nas políticas econômicas e sociais (pág 97).

 A etnicidade é vista como uma solidariedade que emerge em situações de


conflito entre indivíduos que possuem interesses comuns.
 De acordo com esta perspectiva, os vínculos e interesses étnicos, são mais
fortes do que os vínculos de classe quando trata-se do requerimento de
ordem econômica.
 Os símbolos étnicos podem ser facilmente mobilizados para fins políticos.
 Bell considera que o que torna a etnicidade eficiente, como base para a
mobilização política, é que ela permite combinar interesses e vínculos
afetivos. Seu sucesso consiste em mobilizar símbolos culturais bem
menos abstratos e mais facilmente identificáveis que a classe. (pág 98)
 O conflito étnico tem bases tão racionais quanto o conflito de classes.
 A etnicidade propicia uma alternativa coletiva que permite que se
desenvolvam estratégias de sucesso econômico e de promoção do grupo.
 E quaisquer que sejam as situações a que se aplica, a teoria
instrumentalista vê na mobilização das identidades étnicas não uma forma
de arcaísmo, mas uma expressão da modernidade. (pág 99)
 A etnicidade não pode ser se não política, uma vez que a função de
organização de interesses políticos é justamente o que a define. (pág 100)

AS TEORIAS DA ESCOLHA RACIONAL:


Crítica as teorias primordialistas, fundamentalmente a partir da noção de “escolha
racional” (pág 100). (fortemente influenciados por weber, sobretudo no seu
conceito de ação sócial)

 Os membros de um grupo étnico não são definidos em razão de sua


pertença involuntária ou adesão inconsciente aos valores do grupo. Ao
contrário, os grupos se formam quando os indivíduos desejam adquirir
bens que não chegam a conseguir seguindo estratégias individuais.

Banton introduz duas proposições-chave: (pág 101)

 Os indivíduos utilizam diferenças culturais e raciais para criar grupos e


categorias por um processo de inclusão e exclusão.
 Os grupos étnicos formam-se por processos inclusivos e as categorias
raciais por processos exclusivos.

A partir daí, Banton propõe que se analise as interações raciais e étnicas como
trocas competitivas em uma situação de mercado na qual os indivíduos buscam
maximizar suas vantagens segundo uma avaliação custo/benefício.

Fortemente ancorados na corrente do individualismo metodológico, as teorias da


escolha racional colocam o ator individual no centro da análise.

TEORIA DO COLONIALISMO INTERNO:

Hechter desenvolveu a noção do “colonialismo interno” como uma forma de


explicar o desenvolvimento dos etno-nacionalismos nas sociedades industriais. (pág
103)

 A proposta de Hachter baseia-se na hipótese da divisão cultural do


trabalho entre centro e periferia no interior de um espaço nacional.
 Afasta-se claramente da problemática de cunho marxista pelo interesse
que atribui às mobilizações coletivas da etnicidade.
 Enquanto uma abordagem marxista clássica preocupa-se com as
condições estruturais que produzem as divisões étnicas, Hachter encara a
etnicidade como uma forma de solidariedade que emerge em resposta à
discriminação e à desigualdade, manifestando uma grande consciência
política por parte dos grupos que buscam reverter uma lógica de
dominação.
4. AS TEORIAS NEOMARXISTAS:
 O centro de interesse recai sobre a relação entre etnicidade e classe, a
partir de uma leitura da exploração capitalista do trabalho. (pág 106)
 Tal abordagem tem o interesse em fornecer uma explicação para o
“racismo” das classes populares nas sociedades ocidentais. (pág 107)

Críticas recorrentes – provem sobretudo do fato de não considerar a etnicidade


senão no quadro da expansão capitalista.

5. AS ABORDGENS NEOCULTURALISTAS:

Opõem-se radicalmente as concepções tradicionais da cultura como totalidade


integrada ou como conjunto de traços descritíveis. (pág 109)

 Vêem a etnicidade como um sistema cultural que permite aos indivíduos


situar seu espaço em uma ordem social mais ampla.
 Para esta abordagem a dimensão cultural é o ponto central de uma teoria
da etnicidade.
 Aetnicidade é vista pelos neoculturalistas como o processo pelo qual as
pessoas, por meio das diferenças culturais, comunicam ideias sobre a
distintividade humana e tentam resolver problemas de significação.

Contribuições de Drummond – analisa o fenômeno da etnicidade baseando-se na


concepção de cultura como “intersistema”.

 Neste viés analítico a etnicidade é tratada como um sistema simbólico.


Um conjunto de ideias coercitivas sobre a distintividade de si e dos
outros, que fornece uma base para a ação e interpretação do outro. (pág
110)
 As categorias étnicas são símbolos cujo conteúdo varia em função de
situações, mas que formam e conjunto um sistema de significações
interligadas.
6. A ETNICIDADE COMO FORMA DE INTERAÇÃO SOCIAL:
 A etnicidade é um processo contínuo de dicotomização entre membros e
outsiders, requerendo ser expressa e validada na interação social. (pág
111)

A ABORDAGEM DE FREDRIK BARTH

 Sua principal contribuição teórica enfatiza os aspectos generativos e


processuais dos grupos étnicos. Estes não são considerados como grupos
concretos, mas como tipos de organização baseados na consignação e na
auto-atribuição dos indivíduos a categorias étnicas. (pág112)
 Indo na contramão das abordagens etnológicas clássicas, Barth pressupõe
o contato cultural e a mobilidade das pessoas problematizando a
emergência e a persistência dos grupos étnicos como unidades
identificáveis pela manutenção de suas fronteiras.
 O foco colocado nas fronteiras guarda para a noção de etnicidade sua
ancoragem na noção de grupo, mas frisa sua dimensão processual. A
etnicidade assegura a unidade efetiva do grupo tanto quanto pressupõe
seu caráter constituído.

A ABORDAGEM INTERACIONAL:

Pode-se classificar dois tipos de abordagens: uma coloca o foco mais nas operações
de classificação e de categorização que rege os processos de interação; (pág 113)

A outra, de inspiração goffmaniana, nas negociações dos estatutos sociais e das


estratégias de domínio das impressões. (pág 114)

 A primeira abordagem desenvolvida principalmente pelos pesquisadores


da Rhodes-Livinsgtone Institute, mostram que a etnicidade não é uma
qualidade ou uma propriedade que deriva da pertença a um grupo, mas
como uma capacidade cognitiva de categorização que opera a partir de
símbolos culturais. (115)
 A etnicidade é vista como essencialmente dinâmica. Neste modelo
cognitivista, o que vai interessar, antes de tudo, é o “modelo indígena” da
etnicidade. Esta é, inicialmente, uma construção de sentido comum que
torna as ações das pessoas inteligíveis.
 A análise se concentra na produção e na utilização de etiquetas étnicas
cuja estrutura é descrita como o mapa cognitivo por meio do qual os
atores das situações pluriétnicas orientam-se em suas interações.
 Etnicidade como uma categoria de pertença, a partir dela são definidas as
expectativas quanto aos comportamentos.
 A identidade étnica é definida como um quadro cognitivo comum que
constitui um guia para a orientação das relações sociais e a interpretação
das situações.

Na segunda abordagem:

 A etnicidade é vista como um elemento de definição de situação


manipulado pelos atores no decorrer de suas interações. (116)
 Nesta perspectiva a etnicidade não se apresenta como um dado do
mundo social a ser aceito sem questionamento. Ao contrário, a
etnicidade oferece-se aos indivíduos como um meio de construção, de
manipulação e de modificação da realidade social.
 A análise situacional da etnicidade liga-se ao estudo das marcas, por
meio dos quais os membros de uma sociedade pluriétnica
identificam-se e diferenciam-se. O estudo das escolhas táticas e dos
estratagemas que acionam para se safarem do jogo das relações
étnicas.

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