Você está na página 1de 6

POR QUE EXISTE O MST NA PARAÍBA ?

“A bandeira vermelha se moveu


É um povo tomando posição
Deixe o medo de tudo pra depois
Puxe a faca, desarme sua mão
Fique muito tranqüilo pra lutar
Desamarre a linha da invasão
A reforma está vindo devagar
Desembocar no rio da razão
Disparada de vacas e de bois
É o povo tomando posição
É o povo tomando direção”
(Zé Ramalho, Sem Terra)
Certa vez um amigo me perguntou: “Por que existe o MST na Paraíba?”. A
pergunta foi forte, mas eu respondi usando como argumento a história do Brasil.
Vivemos no país que tem uma das maiores concentrações fundiárias do mundo, ou seja,
por aqui temos muita terra, mas a maior parte dela está nas mãos de poucos, e ao mesmo
tempo temos um grande número de pessoas que não tem um pedaço de chão para viver,
plantar e sobreviver. Vale ressaltar que tais problemas não surgiram agora, eles existem
desde o período Colonial, quando os portugueses por aqui chegaram e iniciaram a
exploração e divisão desigual do território brasileiro. Ter terra era coisa para quem tinha
dinheiro, poder. Os anos se passaram e a história não mudou tanto assim. Os
trabalhadores e trabalhadoras do campo continuam sofrendo com as dores causadas pelo
latifúndio, a grande propriedade de terra que não gera emprego, não alimenta as famílias
brasileiras e não ampara aqueles que lutam por um pedaço de terra e por dignidade.

A Paraíba é apenas mais um capítulo de toda essa história de exclusão e


exploração que o país vive desde 1500. Mas todas as injustiças e desigualdades que a
questão agrária brasileira gerou não silenciou os trabalhadores rurais. Por aqui
ocorreram muitas lutas envolvendo a questão de terra. Muitos foram aqueles que se
rebelaram contra os poderosos latifundiários e lutaram por melhores condições de vida e
trabalho, alguns até perderam a vida na luta. As Ligas Camponesas da Paraíba, sendo a
mais expressiva a de Sapé, foi um dos exemplos de resistência, que entre os anos de
1950 e 1960 mobilizaram milhares de trabalhadores paraibanos, levantando a bandeira
da reforma agrária e da justiça para os pobres e pequenos agricultores.

Na década de 70, quando no Brasil ainda pairavam as trevas causadas pela


ditadura militar, o campo sofreu transformações técnicas que visavam modernizar a
agricultura. As inovações vieram, os maquinários, adubos e defensivos químicos
mudaram a produção agrícola, e junto com elas também vieram o desemprego, a
proletarização dos trabalhadores e as dificuldades para sobreviver com pouco e sem
oportunidades. Na Paraíba, estado no qual predominava a lavoura da cana-de-açúcar e a
pecuária, os investimentos foram para aumentar a produtividade e enriquecer ainda mais
os grandes proprietários de terra. Para os trabalhadores paraibanos as consequências não
foram diferentes daquelas sentidas em outras regiões do Brasil, restou a expropriação, a
exploração ou desemprego.

A modernização trouxe consigo efeitos graves como a miséria e a expulsão de


muitos trabalhadores do campo para a cidade, uma vez que ocorreu uma forte
concentração de terra no período, quando a pequena propriedade foi brutalmente
incorporada ao latifúndio. Mas toda a opressão gerou resistência.

Os trabalhadores rurais da Paraíba, diante das ameaças e das investidas dos


latifundiários, não cruzaram os braços, se organizaram, lutaram e resistiram contra o
poder que os massacravam. Segundo Francisco Varela (2003), no período entre 1970 e
1996, “o Estado da Paraíba foi palco de 194 conflitos de terra", tendo destaque as
regiões do Agreste e do brejo, somando 116 conflitos (p.137). Entre a década de 1970 e
meados da década de 1980, os trabalhadores puderam contar com a ajuda de setores da
Igreja Católica, em especial das Comissoes Eclesiais de Base (Cebs) e posteriormente
da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que atuavam na reunião e na organização do
homem e da mulher do campo para reivindicar melhores condições de vida e trabalho.
Nomes importantes da Igreja Católica paraibana estiveram engajados na luta, a exemplo
de Dom José Maria Pires e Frei Anastácio.

No final da década de 1980, para se somar às lutas dos subalternos do campo, o


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge na Paraíba. Criado no
ano de 1984, o MST nasce no Sul do país com a finalidade de lutar pela reforma agrária
popular. As ações de resistir e ocupar os latifúndios improdutivos impulsionou o
movimento e em poucos anos se expandiu pelas regiões do Brasil. Já no primeiro
Congresso Nacional do MST, no ano de 1985, uma comissão paraibana esteve presente
representado o estado, ali estava plantada a semente que iria brotar no solo paraibano
anos depois.
Algumas divergências dificultaram a criação do MST na Paraíba, dentre elas
estava a questão da ocupação. Por que ocupar as terras? Porque no projeto de luta do
movimento não bastavam as conquistas das melhorias de trabalho para os camponeses,
importava também a conquista da terra para quem nela vive e trabalha. A CPT, a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Partido dos Trabalhadores (PT) e outras
entidades ligadas aos trabalhadores viam com receio a ocupação, pois temiam maiores
consequências para as famílias, mas o MST enxergava na ação uma arma eficaz de
pressão para que a reivindicação de posse da terra para aqueles trabalhadores fosse
atendeficaz lema do movimento era ocupar, montar acampamento e resistir, pois a
reação do latifundiário não tardaria em chegar.

Depois de alguns meses de articulação, enfim, no ano de 1989 ocorreram as


primeiras ocupações que marcaram o nascimento do Movimentos dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra na Paraíba. A primeira delas foi no dia 7 de abril daquele ano. Cerca
de 200 pessoas se organizaram e decidiram ocupar a Fazenda Sapucaia, localizada no
município de Bananeiras, no Brejo paraibano. A primeira ação do MST no estado foi
marcada pela violência. As famílias acampadas na Sapucaia foram brutalmente expulsas
por homens ligados a União Democrática Ruralista (UDR), entidade criada pelos
grandes proprietários para defender os privilégios destes e reprimir os trabalhadores que
estavam na luta por terra, trabalho e pela permanência no campo. Homens fortemente
armados atacaram as famílias durante a madrugada, o mandado da ação, segundo relatos
presentes nos jornais da época, partiu do proprietário Camilo Oliver Cruz. Na tentativa
forçada de despejo alguns trabalhadores saíram feridos e uma criança morreu, é o que
mostram as imagens abaixo.

FONTE: JORNAL DA PARAÍBA


As famílias de Sapucaía resistiram, acamparam nos arredores da propriedade,
realizaram outras tentativas de ocupação da Fazenda como forma de pressionar o Estado
e os órgãos responsáveis pelas questões agrária. As terras de Camilo Oliver Cruz
estavam improdutivas e os papéis para a desapropriação engavetados, a luta do MST
sempre foi na tentativa de acelerar o processo de aquisição da terra para os que mais
precisam dela.

A segunda ocupação do MST se deu no mês setembro de 1989, desta vez a ação
aconteceu na Fazenda Maniçoba, localizada no município de Esperança. As sequelas da
violência contra as famílias da Sapucaia ainda eram sentidas, mas a luta precisava
seguir. O número exato de pessoas que participaram da ocupação na Maniçoba não é
conhecido, alguns documentos indicam 120, outros 300 famílias, o que se sabe é a
origem dessas pessoas, muitas eram do Brejo e do Agreste, e algumas famílias que
também tinham participado da primeira ocupação em abril.

Na Maniçoba não foi diferente, a repressão violenta foi imediata, mas houve
resistência, as famílias permaneceram no local, armaram acampamento e plantaram seus
roçados de feijão, batata e macaxeira. Três tentativas de despejo foram feitas, na última
delas, no ano 1991, os roçados foram destruídos e a sobrevivência das famílias no local
foi ameaçada. Nas imagens abaixo é possível ver os momentos em que as famílias
acampadas protestavam contra a ação violenta dos latifundiários, resistindo para

permanecer e viver na terra.

FONTE: ARQUIVO DA SECRETÁRIA ESTADUAL DO MST

Nas tentativas de expulsão, os capangas tomaram as ferramentas de trabalho das


familias, apreenderam sementes, destruiram as lavouras e foram agressivos com os
acampados. Uma das ações do movimento para barrar a violencia dos latifundiarios foi
ocupar a Praça da Bandeira no centro da cidade de Campina Grande, uma tentativa de
denunciar a repressão sofrida pelas famílias na Fazenda Maniçoba e pressionar o Estado
para realizar a desapropriação e concessão das terras para os trabalhadores rurais que lá
estavam.

As ações relatadas acima marcam o nascimento do MST na Paraíba. Desde 1985


que os trabalhadores rurais paraibanos sabiam da existencia do movimento, mas para a
efetivação das ações do MST por aqui levaram um certo tempo, as ocupações abririam
as portas do campo paraibano para a luta com e pelos sem terra. Ocupações são uma
arma do movimento porque o diálogo entre opressores e oprimido, entre trabalhadores e
latifundiários, entre movimento social e Estado não acontece. Mas ao longo dos anos as
frentes de luta do movimento se expandiram. Não basta a conquista da terra, é preciso
que existam as condições necessárias para que o homem e a mulher do campo
permaneça na terra. O MST levanta as bandeiras da reforma agrária popular, da
agroecologia, da educação no e do campo, do respeito às diferenças, do Brasil menos
desigual e mais digno para os trabalhadores do campo e da cidade.

O movimento se agigantou, na Paraíba o MST se expandiu por todas as regiões


do estado. Ações significativas já foram realizadas, conquistas expressivas também já
foram obtidas por meio da luta. Segundo dados da secretária estadual, atualmente o
MST conta com 60 assentamentos, com cerca de 5.200 famílias assentadas e 27
acampamentos com aproximadamente 1.300 famílias. E para concluir, volto à pergunta
do meu amigo e a respondo: existe MST na Paraíba porque existe latifúndio, porque
existe desigualdade, exploração, porque existe muita terra nas mãos de poucas pessoas,
porque existe muita terra improdutiva e muitos trabalhadores sem terra. Existe MST
porque existe capitalismo e desigualdade social, e enquanto a realidade de milhares de
brasileiros sem terra não mudar, o MST precisará existir.

REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, Roberta dos Santos. A questão agrária e os grupos sociais subalternos do


campo em Gramsci: breves apontamentos sobre o caso do Movimento dos trabalhadores
Rurais Sem Terra na Paraíba. In: Antonio Gramsci e os desafios do marxismo no
mundo contemporâneo. Luciano Mendonça Et. Al (orgs.) João Pessoa. Editora do
CCTA, 2020.

CAVALCANTE, Rita de Cassia. Aprendizes da terra: a voz e a resistência do MST na


Paraíba. João Pessoa, Editora do CCTA, 2017.

RANGEL, Maria do Socorro. Medo da morte esperança de vida: uma história das
Ligas Camponesas. 2000. 387p. Dissertação de Mestrado em História. Universidade
Federal de Campinas, Campinas, SP, 2000.

VVARELA, Francisco. A questão agrária nacional e assentamentos rurais na


Paraíba. João Pessoa. Ideia, 2003.

Você também pode gostar