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Fichamento n.

4 – Gustavo Fernandes Sales

Dados do texto:
Linda S. Mullenix
O FIM DO PROCESSO COLETIVO TAL COMO O CONHECEMOS:
REPENSANDO A CLASS ACTION NORTE-AMERICANA

De acordo com a autora, o mecanismo da class action constituía a única


inovação americana ainda evitada, e até rejeitada, pela maioria dos sistemas
legais estrangeiros.
Na década de 1960, iniciativas legislativas criaram novos direitos substantivos
que, sem a presença de mecanismos processuais que os concretizassem, logo
se tornariam ineficazes. Daí o surgimento da moderna regra da class action, a
partir da emenda realizada em 1966.
Após a vigência das emendas de 1966, os EUA viveram uma década de
excessivas ações coletivas, até que na década de 1970, a Suprema Corte
passou a proferir decisões restritivas que limitaram o manejo vigoroso de class
actions. Nesse período, as ações voltadas às reformas institucionais foram
substituídas por class actions para reparação de danos de massa, o que
perdurou até o fim do século XX.
A autora afirma que a litigância complexa no século atual é marcada pelo
abandono progressivo de manejo das class actions para o uso de outras
técnicas de tutela coletiva, como a busca por acordos contratuais pluri-
individuais (nonclass contractual settlements). Ademais, os advogados
envolvidos em litígios complexos de larga escala mudaram a retórica ao se
referir à “litigância de classe”, chamando-a agora de “litigância agregada”
(aggregate litigation).
No artigo, Mullenix defende que, não obstante o advento da litigância agregada
pluri-individual, os litígios fundados na Regra 23 ainda constituem uma peça
fundamental no cenário processual. Para a articulista, “as class actions não
estão mortas, mas que estão simplesmente mal formuladas, sugerindo uma
séria necessidade de se repensar a regra que as regula.”
O artigo advoga em favor do retorno a uma regra mais simples para as class
actions, que se limite a engendrar tutelas mandamentais, abandonando as
class actions por danos, como era antes da emenda de 1966. Não trata, pois,
dos acordos agregados pluri-individuais como substitutos para as class actions
ou das causas de pequeno valor ajuizadas por consumidores.
Existe uma narrativa romântica para as class actions, escorada nos seguintes
argumentos: (a) os demandantes seriam pessoas indefesas, extremamente
necessitadas de assistência, incapazes de solucionar seus problemas
sozinhas, enquanto as empresas seriam poderosas, maldosas e desejam lucrar
às custas da saúde, segurança e bem-estar alheios; (b) haveria relação
assimétrica de poder e recursos econômicos entre os envolvidos; (c) sem as
class actions os indivíduos não teriam meios efetivos de reivindicar seus
direitos; (d) elas são um eficiente meio de resolução de conflitos,
compensando, de forma justa, as partes prejudicadas, e desencorajando novas
atitudes nocivas por parte dos demandados; (e) os advogados dos
demandantes aparecem em cena como “super-heróis”, aqueles que protegem
os hipossuficientes.
Por outro lado, estudiosos das class actions têm sugerido que nem todos os
membros de uma classe são vítimas indefesas, hipossuficientes; em diversos
casos os membros da classe não sabem que foram prejudicados e não têm
interesse nenhum na demanda; os advogados incitam a litigiosidade ao buscar
a captação de clientes de modo questionável, buscando lucrar com honorários
vultosos. Outro ponto é que, com amparo na Suprema Corte, o indeferimento
de uma class action não resulta em denegação do acesso à justiça, apenas
significa que é necessário demandar individualmente em vez de propor uma
ação coletiva.
A autora demonstra que a doutrina e a jurisprudência justificam a regra da
class action e o seu procedimento em três razões: a compensação de vítimas
que alegam ter sofrido danos, a dissuasão das empresas de cometerem atos
ilícitos, bem como a celeridade e economia do processo judicial.
Ocorre que há escassas evidências para se concluir que as class actions e os
acordos de classe atualmente concretizam o objetivo de compensar as vítimas
de atos ilícitos. Ao revés, estudos sugerem que uma porcentagem mínima de
membros da classe recebe a compensação a partir dos fundos advindos do
acordo.
Quanto ao segundo ponto, grande parcela das companhias compreende esse
tipo de contencioso como o preço por se fazer negócios, e repassam, assim, os
custos ao consumidor.
Por fim, ninguém tem ideia se há ou se haveria congestionamento de
processos na ausência da regra da class action. Com relação a demandas
consumeristas de pequeno valor (small consumer claims) é mais provável que
praticamente ninguém busque tutela pela via individual. As pequenas causas
consumeristas poderiam ser endereçadas melhor mediante uma fiscalização
regulatória robusta, penalidades, ou outros meios não jurisdicionais. Além
disso, diversas class actions se arrastam no tempo por anos, incluindo aquelas
que já atingiram a fase de acordo.
Em outro tópico, a autora destaca os problemas da Regra 23: “As regras
devem ser simples e voltadas à concretização da justiça, o que,
indiscutivelmente, não ocorre na interpretação e aplicação da atual regra da
class action.”
Assim é que, por exemplo, não haveria definição sobre os requisitos implícitos
que precisam ser preenchidos para configurar uma adequada definição da
classe, incluindo-se, entre esses, se os membros da classe são identificáveis e
se têm legitimidade. Essas indefinições dão ensejo a litigância de má-fé
(gamesmanship) e ao desdobramento de litígios acessórios (satellite litigation).
A jurisprudência relativa à aplicação dos requisitos explícitos da Regra 23 é
igualmente complexa, contraditória, incoerente, ambígua, vaga e confusa.
Ultrapassada a fase de demonstração dos requisitos implícitos como também
dos expressamente previstos na Regra 23(a), as partes postulantes devem
indicar a espécie de class action para a qual postulam certificação. E, segundo
a autora, a tipografia de categorias deveria fazer sentido na década de 1966,
mas já não faz mais sentido hoje.
A autora afirma que a class action é, sim, um mecanismo processual poderoso
para alcançar a tutela de pretensões de consumo de baixo valor, mas é preciso
investigar a estrutura de consequências indesejáveis desenvolvida a partir da
jurisprudência complexa e hermética que amplificou os limites da regra.
Uma primeira sugestão é eliminar as categorias existentes para deixa apenas a
“class action”, pura e simples, já que tais categorias de classe servem,
atualmente, meramente como impedimentos formais à resolução das disputas
agregadas.
A segunda seria a concessão apenas de tutelas mandamentais e extinção das
class actions para a tutela de danos em massa/de valor-negativo.
Como terceira sugestão, a regra seria reformada para se basear no princípio do
opt-in em vez do atual opt-out.
Outra ideia seria possibilitar que os tribunais proferissem uma decisão
preliminar acerca do mérito da class action durante a fase de certificação.
Ainda, a reforma do sistema de honorários e do financiamento das despesas
processuais serviria para filtrar a litigiosidade oportunista e de mérito duvidoso.
Ao final, a autora se resigna com o fato de que a Comissão (Advisory
Committee on Civil Rules) – segundo ela – jamais consideraria qualquer das
propostas esboçadas no artigo. Contudo, suas recomendações prestam o
papel de convidar a comunidade acadêmica às reflexões teóricas.
Pergunta reflexiva: Do mesmo modo que uma tipologia de class actions nos
Estados Unidos da América vem encontrando críticas de diversas ordens, a
classificação, no Brasil, dos direitos e interesses em difusos, coletivos em
sentido estrito e individuais homogêneos não poderiam ser repensada?
Sugestão de resposta: Classificações são importantes para sistematizar o
estudo de um tema inovador, ainda pouco conhecido. O Direito deve ser
reconhecido a partir de sua prática. O próprio Supremo Tribunal Federal, na
voz do ministro Roberto Barroso, tem entendido que as consequências práticas
desfavoráveis de uma dada interpretação empreendida pela Corte
Constitucional podem ensejar mutação constitucional, ou, de maneira mais
ampla, mutação normativa.
Assim, conforme discutido em sala de aula, passa-se a questionar se as
antigas classificações não poderiam ser abandonadas, simplificadas, uma vez
já cumprido o seu papel. Esse é nitidamente o pensamento da autora, o que,
com as devidas adequações, poderia ser transposto para o Direito brasileiro,
em relação à tipologia dos interesses e direitos coletivos em sentido amplo.
alinearedess@yahoo.com.br

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