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Introdução à Sociologia
Rio de Janeiro
Direção Geral
Pr. Fernando Brandão
Coordenação Acadêmica
Prof. Dr. Valtair Afonso Miranda
Coordenação do Centro de Desenvolvimento Ministerial e Missiologia
Pr. Samuel Moutta
Coordenação de Finanças
Juarez Solino
Coordenação de Comunicação e Marketing
Pr. Jeremias Nunes dos Santos
Coordenação de EAD
Pr. Prof. Dr. João Ricardo Boechat Pires de Almeida Sales
ISBN:
3
Sumário
Palavra do Diretor ..................................................................................3
Apresentação..........................................................................................5
Introdução..............................................................................................9
5
Portanto, esperamos que este estudo possa enriquecer seu conhe-
cimento, capacitando-o para melhor trilhar o caminho do aprendi-
zado e gerando novas perguntas que o levem mais distante de onde
você está hoje.
Atenciosamente,
Prof. João Boechat
6
Introdução
7
conhecimento inorgânico, tais como a física, química, astronomia e ci-
ências da terra; Ciências Biológicas, que versam sobre o conhecimento
orgânico; e as Ciências Sociais que analisam o conhecimento superor-
gânico, ou seja, aquele que é observado no mundo dos seres humanos,
e é resultado da interação entre eles. Pode-se usar como exemplo desta
interação a linguagem, a religião, os hábitos culturais e a ética.
Para analisar esta interação do homem com a sociedade, tem-se:
a Antropologia Cultural, o Direito, a Economia, a Política, a Psicologia
Social e a Sociologia. Este material foca, justamente, nesta última, a
saber, a Sociologia.
A Sociologia objetiva entender as relações sociais humanas, anali-
sando as dinâmicas existentes na sociedade e os grupos que a com-
põem, observando os conflitos e conexões destes grupos. O sociólogo,
portanto, procura entender o funcionamento da sociedade e de seus
grupos. O ambiente escolar, por exemplo, gera expectativas e comporta-
mentos diferentes daqueles que o indivíduo terá em um clube. Entender
o funcionamento destes grupos é fundamental para entender o próprio
indivíduo.
Pode-se, então, entender a sociologia como: a) o estudo da socie-
dade; b) um estudo social envolvendo o estudo das vidas de pessoas,
grupos e sociedades; c) o estudo do comportamento humano como
seres sociais; d) o estudo científico das agregações sociais e as formas
pelas quais os indivíduos se movimentam durante suas vidas nestas
agregações.
Portanto, define-se a sociologia como o estudo das relações so-
ciais humanas e suas instituições1. O objeto, ou assunto, da sociolo-
1 Instituição deve ser entendido como tudo aquilo que é capaz de gerar algum tipo
de comportamento. São mecanismos que regulam a ação do indivíduo dentro de
uma comunidade. Por exemplo, a família é uma instituição social, porque ensina o
indivíduo a se comportar de uma certa forma. A religião também é uma instituição,
porque, com a noção de certo/errado, santo/profano, por exemplo, faz com que os
indivíduos se comportem de uma certa forma.
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gia é diverso: varia do crime até a religião, de família ao Estado, de di-
visões de raça e classe social até as crenças compartilhadas em uma
cultura, passando pela estabilidade social às mudanças radicais em
sociedades inteiras. Unificando o estudo destes diversos tópicos, o
propósito do estudo sociológico é entender como a ação e a consci-
ência humana modelam e são modeladas pelas estruturas sociais e
culturais que as cercam2.
Sociologia é um campo que analisa e explica questões importantes
da vida pessoal, da comunidade, e do mundo como um todo. Em um ní-
vel pessoal, a sociologia investiga as causas e as consequências sociais
de questões como encontro romântico, identidade de raça e gênero,
conflito familiar, comportamento desviante, envelhecimento e fé religio-
sa. Por exemplo, como que a relação com seus pais influencia o relaciona-
mento com o marido ou esposa. Em um nível societal, ou comunitário, a
sociologia busca explicar questões como crime e lei, pobreza e riqueza,
preconceito e discriminação, escolas e educação, empresas, comunida-
des urbanas, e movimentos sociais. Por exemplo, como que a religião do
indivíduo é influenciada pela sua condição social, ou seja, é possível es-
tabelecer uma relação entre interesses religiosos e capital econômico?
Em um nível global, a sociologia estuda fenômenos globais, tais como
crescimento populacional, imigração, guerra e paz, e desenvolvimento
econômico. Por exemplo, qual o efeito dos direitos humanos para a vida
de trabalhadores terceirizados na América Latina.
Os sociólogos enfatizam a cuidadosa reunião e análise das evidên-
cias a respeito da vida social a fim de desenvolver e enriquecer o en-
tendimento dos processos sociais. Os métodos de pesquisa que os
sociólogos usam são variados. Sociólogos observam o dia-a-dia dos
grupos, conduzem surveys de larga escala, analisam dados dos cen-
sos, estudam interações gravadas em vídeo, interpretam documen-
2 Para mais informações, veja o site da University of North Carolina, Sociology De-
partment. Ver: https://sociology.unc.edu/undergraduate-program/sociology-ma-
jor/what-is-sociology/
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tos históricos, entrevistam participantes de grupos, e conduzem ex-
perimentos em laboratórios. Lembre-se, por exemplo, das pesquisas
de intenção de voto que avaliam as eleições vigentes. Através da apli-
cação de questionários em um certo número de pessoas, é possível de-
senvolver uma estatística de quão votado certo candidato deverá ser.
Os métodos de pesquisa e as teorias desenvolvidas pela Sociolo-
gia lançam uma luz sobre os processos sociais que moldam a vida
humana, os problemas sociais e possibilidades no mundo contempo-
râneo. Quando entendemos melhor estes processos sociais, também
é possível compreender mais claramente as forças que moldam as
experiências pessoais e os resultados destas forças na vida do indi-
víduo. A habilidade de observar e entender a conexão entre as forças
sociais amplas e as experiências pessoais é extremamente relevante
para o desenvolvimento de ideias e práticas capazes de transformar
uma sociedade complexa e mutável.
Estudar a Sociologia permite ao indivíduo pensar criticamente a
respeito da vida humana social e quão importante é perguntar so-
bre importantes questões de pesquisa. O estudo da Sociologia capa-
cita desenvolver projetos de pesquisa relevantes, coletar e analisar
dados empíricos, e formular e apresentar o resultado das pesquisas.
De forma geral, a Sociologia possibilita ao indivíduo pensar, avaliar
e comunicar claramente, criativamente e efetivamente. Essas habili-
dades possuem grande valor para uma extensa gama de chamados,
vocações e profissões3.
Portanto, a Sociologia é uma disciplina que expande nosso enten-
dimento e capacidade analítica das relações sociais humanas, cultu-
ras e instituições, que profundamente organizam e influenciam nossa
vida e a história humana.
3 Caso queira entender um pouco mais sobre essa relação da Sociologia com o
mercado de trabalho, você pode dar uma olhada no site da Universidade da Carolina
do Sul, que auxiliou no desenvolvimento desta introdução. Disponível em: https://
sociology.unc.edu/undergraduate-program/sociology-major/what-is-sociology/
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Depois de analisarmos, introdutoriamente, o que significa Socio-
logia e sociólogo, trataremos da história da Sociologia e como ela se
transformou em uma ciência.
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CAPÍTULO 1
Formação da Sociologia como ciência
4 Caso você esteja interessado em saber mais sobre a Sociologia no período ante-
rior a instauração desta como ciência, dê uma lida no livro Sociologia Geral, organi-
zado pela professora Eva Maria Lakatos, Ed. Atlas, SP, 1990.
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maram processos e ideias de Platão e Aristóteles, a fim de analisar
concepções jurídicas e sociológicas ou ainda manifestar-se sobre as
relações entre os homens.
Durante a Renascença, que ocorre entre os séculos XIV e XVI, algu-
mas obras importantes que relacionavam política e economia surgi-
ram e influenciaram os estudos das relações humanas. Como exem-
plo, tem-se a obra Utopia (1516) de Thomas More (1478-1535), como
também Cidade do Sol (1602) de Campanella (1568-1639). A partir de
então, várias obras de diversos autores surgem no intuito de discutir
a relação humana em várias esferas, abordando diversas questões do
convívio social. Para tentar justificar, por exemplo, a necessidade de
haver um Estado que controle o uso da força para que os homens não
vivam em um estado de constante caos social, Thomas Hobbes (1588-
1679) escreve o Leviatã (1651). Buscando demonstrar as estratégias
para unificar um território, construir um domínio único e manter o
controle e o poder, Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreve O Príncipe
(1513). Ou ainda, para desenvolver a ideia de que os seres humanos
possuem direitos naturais, divinamente entregues, tais como, a vida,
a liberdade e a propriedade privada, e que deveria haver uma forma
de proteger esses direitos, John Locke (1632-1704) publica Ensaios
sobre o Entendimento Humano (1689).
Os exemplos acima nos ajudam a perceber que, mesmo antes da
Sociologia ser organizada como uma ciência autônoma, o interesse
em analisar áreas da vida, como economia, política e valores, não
ocorria só por desejo, mas por necessidade de entender e propor so-
luções para a realidade que se apresentava.
Ainda antes da estruturação da Sociologia como ciência, no século
XVIII, várias obras analisando diversas áreas da vida social surgiram.
Destacam-se os trabalhos de Montesquieu (1689-1775), “O Espírito
das Leis” (1748), que analisavam o papel das leis e dos poderes polí-
ticos na sociedade, propondo a divisão política em três poderes, Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário, a fim de evitar a tirania. Além disso,
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podemos citar o trabalho de Adam Smith (1723-1790), A Riqueza das
Nações (1776), que analisava a natureza e a causa da riqueza das na-
ções, sendo um marco no desenvolvimento do pensamento econô-
mico. Ainda, destaca-se o trabalho de Jean Jacques Rousseau (1712-
1778), do Contrato Social (1762); nele, o autor expõe suas ideias de
acordo entre os indivíduos, para criarem uma sociedade onde seus
estes possam atingir o bem-estar. Outros tantos autores, como Hegel
(1770-1831), Ricardo (1772-1823) e Mathus (1776-1834) desenvolvem
importantes análises que auxiliarão na fundamentação e desenvol-
vimento do que viria a ser, no século XIX, a Ciência Sociológica, ou a
Sociologia.
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Nas relações econômicas, o mundo é marcado pelo surgimento de
uma nova forma de relação econômica, que tinha como foco o lucro,
que passa a ser dominante, isto é, o Capitalismo. Como consequên-
cia, surgem novas classes sociais, ou seja, novas formas de organizar
e classificar os indivíduos. De forma geral, aqueles que possuíam os
meios de produção, que possuíam o necessário para produzir alguma
coisa, faziam parte da Burguesia. Por outro lado, os indivíduos que
não tinham a ferramenta para a produção, que apenas vendiam a for-
ça de trabalho, ou seja, vendiam seu corpo, sua força para trabalhar,
faziam parte do Proletariado. Imagine um senhor que possuía uma fa-
zenda onde plantava café. A terra, onde o café era plantado, pertencia
àquele senhor. A terra era o meio de produção, porque através dela
que se produzia o café. A família, que trabalhava para ele, plantando
e colhendo o café, não possuía a terra, nem era dona dos grãos de
café. A família vendia sua força de trabalho para conseguir sobreviver.
Portanto, o senhor fazia parte da Burguesia, enquanto a família fazia
parte do Proletariado.
Nas relações sociais, o mundo é marcado por uma intensa urba-
nização, com o surgimento de grandes centros urbanos, com grande
densidade populacional e, como consequência, novos problemas a
serem resolvidos, como novas doenças, periferias e criminalidade. A
nova organização urbana é, também, resultado da construção das fá-
bricas, uma vez que os indivíduos, que nelas trabalhavam, tentavam
morar próximos, para diminuir os gastos e otimizar o tempo. Assim,
apareciam também os comércios e serviços, para atender à nova po-
pulação, o que causou crescimento populacional em determinada
área.
Nas relações políticas, surge uma nova forma de organizar a vida
em um determinado território, isto é, o Estado. Na visão clássica do
Estado, como para Hobbes e Maquiavel, os indivíduos são dominados
por seus desejos e querem poder, ou seja, querem ter a capacidade
de fazer com que o outro faça sua vontade. Por isso, estes homens
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quando não têm um poder sobre eles, vivem em um ambiente de
guerra, de todos contra todos. A solução, então, é o Estado, o único
que tem o uso legítimo da força, através da polícia, do exército e das
leis, fazendo com que os indivíduos usem outros tipos e formas de se
relacionarem, que não a força bruta.
Nas relações religiosas, a Igreja Católica não é mais a única a dominar
as relações dos homens com Deus. Novas igrejas nascem após a Refor-
ma Protestante (1517), criando um pluralismo religioso e abalando os
poderes religiosos, dando aos indivíduos e aos Estados novas escolhas e
formas de organização.
Essas mudanças são marcadas por uma série de Revoluções e Re-
formas que demonstram a força que tais transformações causaram
na sociedade. No âmbito religioso, a Reforma Protestante (1517) mar-
ca o fim do domínio religioso da Igreja Católica no Ocidente e o início
de uma pluralização religiosa. No âmbito econômico-social, as Revo-
luções Inglesa (1640 e 1688) e Francesa (1789) marcam a ascensão da
burguesia e o fortalecimento do capitalismo. Ainda, a Revolução In-
dustrial (1760) marca a transição do processo de produção em manu-
fatura, para a produção com máquinas, fabricando novos produtos e
utilizando novas matérias-primas, como o carvão. Há, ainda, o impac-
to do Iluminismo (séculos XVII e XVIII) nas artes, filosofia e na ciência,
que influenciam a forma de pensar, criticar e entender a sociedade.
Todas estas transformações e mudanças lançaram as novas bases
e alicerces da Modernidade, a saber, a) o racionalismo, o uso da razão
para explicar a sociedade e a relação dos indivíduos; b) o empirismo,
a ciência como novo discurso dominante no lugar do discurso reli-
gioso; c) o capitalismo, uma nova forma de organizar a vida social e
econômica; e d) o individualismo, o ser-humano passa a ser o centro
e a maior preocupação dos estudos e análises.
Por outro lado, tais mudanças e transformações, causam, um certo
“caos” social, marcado por diversas crises na vida material, cultural e
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moral, abalando os antigos pilares, nos quais a sociedade se baseava,
e gerando novos interesses e necessidades sociais. Assim, em meio a
tantas crises e mudanças, a Sociologia surge como forma de explicar e
propor soluções para o “novo mundo” que surgia.
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Para estes pensadores, tal crise moral e solidária era fruto de um
enfraquecimento das instituições que protegiam e garantiam a ordem,
como a Igreja, a família e a produção concentrada. O enfraquecimento
destas instituições fez romper a corda que mantinha unida a sociedade
e os indivíduos. Portanto, defender a tradição era defender a ordem.
Mesmo com alguns pensadores defendendo a tradição e a antiga
organização social, a Sociologia se torna defensora da modernidade,
entendendo que o progresso é parte inevitável das relações humanas.
Assim, mesmo antes de se tornar uma ciência estruturada, a teoria
social foi marcada por alguns pensadores. O primeiro deles, Claude
Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (1760-1825), percebeu as
mudanças da sociedade como algo positivo. Saint-Simon percebeu
que uma das características da sociedade é, justamente, a existência
de classes sociais com interesses conflitantes. Para ele, nesta nova
sociedade, os indivíduos que, anteriormente, eram considerados im-
portantes, como a família real, não fariam falta se desaparecessem,
pois neste novo mundo, proprietários das indústrias e os trabalhado-
res eram os que realmente importavam.
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Para Saint-Simon, a característica mais importante da sociedade
moderna era o progresso. Para isso, acreditava o industrialismo como
domínio da natureza, sendo este domínio o que permite o avanço da
ciência. Saint-Simon nomeou a nova ciência de Fisiologia Social, com
a característica de adotar para as ciências humanas o método positi-
vo das ciências naturais.
A sociedade não é um aglomerado, ou uma união de seres vivos
onde as ações não possuem alguma finalidade, mas é um ser anima-
do, onde as partes possuem funções distintas e caminham para o pro-
gresso. A base desta sociedade é a produção material, a divisão do
trabalho e a propriedade. As sociedades possuem ideias comuns e os
indivíduos que as compõem se agradam em sentir laços morais que
garantem a união com os outros. Deste modo, cada sociedade teria
uma moral e uma estrutura que garantissem essa união. Na socieda-
de anterior, o poder pertencia aos guerreiros, e aos que tinham maior
força, unidos ao poder da Igreja. Já na nova sociedade que surgia, ou
seja, na sociedade industrial, a estrutura estaria ligada à produção e
ao trabalho; o poder teológico seria substituído pela razão e pela ci-
ência positiva; a verdade passaria a ser fruto da experimentação e se
fundaria na observação. Os interesses que movem este novo mundo
seriam os interesses da produção, visando a satisfação de todos os
seus indivíduos.
Ademais, a nova sociedade não seria mais uma sociedade de no-
bres, guerreiros e reis, mas sim, de trabalhadores. Todos deveriam co-
operar para a felicidade comum. Os que não produzissem, ou seja, os
ociosos, deveriam ser excluídos, para que cada indivíduo recebesse
segundo suas capacidades e cada capacidade segundo suas obras. A
ciência social positiva iria indicar quais leis iriam coordenar as ações
dos indivíduos e apontar o desenvolvimento, permitindo uma organi-
zação racional da sociedade.
Assim, podemos definir as primeiras sociologias, ou pensamen-
tos sociais, como uma tentativa de analisar a realidade deste novo
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mundo, marcada pelo caos, social e moral, contradições e mudan-
ças. O objetivo e desejo dos primeiros pensadores era justamente
propor uma forma de estabilidade, baseados na crença do progres-
so. As ideias de Saint-Simon foram fundamentais para a formação da
ciência sociológica, influenciando os principais sociólogos clássicos,
como Marx e Durkheim.
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Para Comte, era fundamental para se ter ordem e progresso, que
são condições fundamentais da civilização moderna, conhecer as leis
sociais, para poder prever racionalmente os fenômenos e agir com
eficácia; explicar e antever. Comte tinha preocupação com a crise de
sua época, que, na sua opinião, era causada pela desorganização so-
cial, moral e ideal. A solução para a crise estava na constituição de
uma teoria apropriada, a Sociologia, capaz de organizar o caos vigen-
te. A nova teoria levaria a sociedade ao estado positivo, ou seja, ao
nível mais avançado da ciência e ordem social. Para alcançar este ní-
vel, era preciso melhorar e desenvolver os métodos de investigação,
para descobrir qual era a ordem contida na história, ou seja, quais os
padrões existentes na sociedade de onde os indivíduos criariam as
leis que organizariam a vida social.
A fim de reorganizar a sociedade, era preciso reconstruir as opi-
niões e os costumes por meio da sistematização dos pensamentos
humanos. Por exemplo, a moral, noções de certo e errado, de bem
e mal deveriam ser decididas pelos sociólogos e estudiosos, que se
aplicariam a conhecer os padrões sociais e desenvolver as leis para a
melhor organização da sociedade. A tarefa do Positivismo seria estru-
turar as leis, manter a ordem e garantir o progresso.
Comte rejeitava a ideia de que a sociedade é uma simples forma-
ção de indivíduos, pois cria que, na verdade, o ser humano é uma for-
mação da sociedade. Certamente, a sociedade é composta por indi-
víduos, mas ela não é uma simples soma de indivíduos. Por exemplo,
a língua que a pessoa fala, no caso o português no Brasil, não é uma
coisa que o indivíduo inventa quando nasce, mas é algo que lhe é im-
posto, lhe é ensinado pela sociedade em que ele vive. Para o Positi-
vismo, “o homem propriamente dito não existe, existindo apenas a
Humanidade, já que nosso desenvolvimento provém da sociedade, a
partir de qualquer perspectiva que se o considere”7. Comte acredita-
21
va que “ninguém possui o direito senão de cumprir sempre o seu de-
ver”. Portanto, a ordem se baseia no consenso moral, na autoridade,
não na vontade individual ou revolução.
Devido à necessidade de ordem, Comte entendia a necessidade
da criação de uma religião social, isto é, uma forma de fundamentar
a nova ordem social. De acordo com o Catecismo Positivista, é uma
religião sem Deus e sem teologia, onde a humanidade toma o lugar
da divindade e o altruísmo, o lugar do egoísmo, aplicando a fraterni-
dade na vida social, demonstrando o quão importante a moral é para
a ordem social. Esta moral seria forte o suficiente para amparar a vida
social e gerar solidariedade entre os indivíduos.
Na tentativa de formar uma ciência sociológica, com objeto e mé-
todo próprios, diversas hipóteses sobre a vida social e possíveis leis
foram desenvolvidas. Na busca de trazer as ideias das ciências exa-
tas para as ciências humanas, a teoria evolucionista exerceu grande
influência sobre a Sociologia e a Antropologia. “A sociedade era vis-
ta como um sistema vivo, dotado de funções e relações ordenadas,
como uma estrutura que unifica seus componentes diferenciados,
garantindo a continuidade harmônica do todo em atividade” (QUIN-
TANEIRO, 2003).
Na corrente social-evolucionista, destaca-se o sociólogo Herbert
Spencer (1820-1903), sociólogo que difundiu o darwinismo social,
isto é, a teoria do evolucionismo biológico aplicada à compreensão
dos fenômenos sociais, tais como evolução, seleção natural, luta e
sobrevivência. Para ele, “uma sociedade não é mais do que um nome
coletivo empregado para designar certo número de indivíduos. É a
permanência das relações existentes entre as partes constitutivas que
faz a individualidade de um todo e que a distingue da individualida-
de das partes8”. Os indivíduos, unidades elementares do sistema, são
organismos sujeitos às leis biológicas e, portanto, são também sub-
22
metidos aos arranjos e instituições reguladoras da convivência social
que estariam no mundo natural. Assim, como ocorre no mundo bioló-
gico, a sociedade é um organismo e apresenta um crescimento contí-
nuo. Enquanto ela cresce, as partes se tornam mais diferenciadas, as
funções mais diferentes e a estrutura mais complexa. Contudo, à me-
dida que as partes se relacionam, elas se tornam mais dependentes
umas das outras, e à proporção que a dependência mútua é formada,
passam a compor a sociedade da mesma forma que as partes de um
corpo funcionam. Os indivíduos buscam, então, se associar na con-
quista da própria felicidade ou pelo interesse que possuem.
No século XIX, Karl Marx (1818-1883) foca na compreensão do ser
humano, buscando entender que os move, e como as suas necessida-
des materiais se relacionam com os diferentes processos de produção
e formas de satisfazer tais necessidades pela história. Marx analisou
como o trabalho está diretamente ligado ao valor do homem e como
seu lugar na cadeia produtiva indica se este indivíduo domina as de-
mais áreas da vida social, como religião, política e cultura. Para ele,
cabe ao indivíduo conhecer sua relação com a cadeia de produção
a fim de ser capaz de transformá-la. O tema da desigualdade social
ganha importância em Marx, e também, uma nova solução.
Ainda no século XIX que a Sociologia começa a se estruturar como
disciplina acadêmica e requerer novos métodos de pesquisa e análi-
se. Grande responsável pela transformação da Sociologia em ciência
acadêmica, Émile Durkheim (1858-1917) dedicou grande parte de seu
trabalho à delimitação e determinação do método de pesquisa que
deveria ser usado pela Sociologia.
Vivendo em uma época de intensa instabilidade e guerra civis,
Durkheim analisou uma sociedade europeia pouco integrada e com di-
versas contradições, marcada pelo fim das instituições antigas, como
a religião e a família nobre, que mantinham a união social. Por isso,
Durkheim se empenhou em entender novas formas de solidariedade e
de consenso, capazes de manter a sociedade coesa e unida. Em concor-
23
dância com Saint-Simon e Comte, acreditava na necessidade do surgi-
mento de uma religião social, que pudesse ordenar a relação dos indiví-
duos, através de uma moral social moderna. Como seus precursores, foi
influenciado pelo positivismo, utilizando esta corrente para desenvolver
um método de investigação e análise, que cria ser o mais adequado para
entender a sociedade, com isso objetivava fazer da Sociologia uma ciên-
cia acadêmica, capaz de propor soluções para um mundo mergulhado
no caos.
Por fim, na Alemanha do século XIX, Max Weber (1864-1920) se
dispõe a analisar uma sociedade que, diferentemente da França e da
Inglaterra, passava por uma unificação política e industrialização tar-
dias, não existindo uma burguesia forte, que pudesse levar a frente
um processo de industrialização. Só no fim do século XIX, por volta
de 1870, os grandes proprietários de terra conseguiram unificar os
vários pequenos territórios em um único Estado. Diferentemente da
França e Inglaterra, a unificação foi realizada pelas mãos do príncipe
Otto von Bismark, que estruturou um forte sistema de hierarquia e
autoridade. A burguesia, que nos outros países tinha sido a força pro-
pulsora da mudança, na Alemanha perdeu espaço social e político.
Nesse contexto, Weber analisou uma sociedade em mudança, porém
com particularidades e diferenças para o restante da Europa, que não
deixou de sofrer as consequências de um mundo moderno e em cons-
tante transformação.
Foi a partir dos trabalhos de Marx, Durkheim e Weber, que a Socio-
logia se transforma em um campo do conhecimento com métodos
e objetivos próprios, analisando os frutos da interação humana e as
consequências dessa interação para a sociedade e para o indivíduo. A
razão se torna o instrumento base para orientar as análises e estudos,
determinando não só as perguntas, como as respostas.
24
povos “não-civilizados”, a família e a sexualidade, o mercado, a
moral, a divisão do trabalho, os modos de agir, as estruturas das
sociedades e seus modos de transformação, a justiça, a bruxaria,
a violência... O olhar sociológico continuará à espreita de novos
objetos. (QUINTANEIRO, 2003)
1.5. Referências
COMTE, A. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. In
__. Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores
ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a desigualdade. In __. Rousseau.
São Paulo: Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores.
ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. In __. Rousseau. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. Coleção Os Pensadores.
SAINT-SIMON, Henri. Parábola. In: DESANTI, Dominique. Los so-
cialistas utópicos. Tradução de Ignacio Vidal. Barcelona: Anagrama,
1973.
SCLIAR, Moacyr. A paixão transformada. História da medicina na
literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SPENCER, H. O que é uma sociedade? In: BIRNBAUM, P.; CHAZEL,
F. Teoria sociológica. Tradução de Gisela S. Souza e Hélio Souza. São
Paulo: Hucitec/USP, 1977
25
CAPÍTULO 2
Karl Marx
26
sofo Hegel eram bastante difundidas. Desta forma, Marx se une aos
hegelianos de esquerda, que buscavam analisar as questões sociais,
crendo na necessidade de transformação da burguesia alemã. Em
1841, Marx defende sua tese de Doutorado em Filosofia, na Universi-
dade de Jena, com o título “A Diferença entre a Filosofia da Natureza
de Demócrito e a de Epícuro”.
Não consegue, no entanto, nomeação para lecionar na universida-
de, devido a questões políticas, uma vez que a universidade não acei-
tava mestres seguidores das ideias de Hegel. Em 1842, muda-se para
Colônia e assume a direção do jornal “Gazeta Renana”, onde conhece
Friedrich Engels, com quem publica um artigo sobre o absolutismo
russo, que desagrada o governo, que fecha o jornal.
Em 1843, Marx casa-se com Jenny von Westphalen, com quem
teve 7 filhos. No mesmo ano, muda-se para Paris, fundando a revis-
ta “Anais Franco-Alemãs”, onde publica os artigos de Engels. Publica
também “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” e “So-
bre a Questão Judaica”.
Em 1844, Marx começa a escrever para o “Vornaerts”, em Paris. As
opiniões desagradam o governador da Prússia, que pede ao governo
francês que expulse os colaboradores da publicação. Marx é obrigado
a sair da França, mudando-se para a Bélgica. A partir de então, Marx
se dedica a escrever teses sobre o socialismo, e funda a “Sociedade
dos Trabalhadores Alemães”.
Em 1848, Marx e Engels escrevem o “Manifesto Comunista”, onde
discute ideias sobre o materialismo histórico e a luta de classes. Nes-
te, Marx critica o Capitalismo, afirmando que a única solução para
o fim da exploração da classe trabalhadora era a união de todos os
proletários do mundo. Posteriormente, Marx e Jenny são presos e ex-
pulsos da Bélgica, indo para Londres. Na capital inglesa, juntamente
com Engels, publica o primeiro volume de “O Capital”, um conjunto
de livros publicados entre 1867 e 1905. Neste conjunto, Marx analisa
27
criticamente o Capitalismo, estabelecendo uma série de pensamen-
tos e ideias complexos, tais como, a mais valia e capital variável. Ava-
lia, também, questões como o salário e a acumulação.
Em 1883, Marx falece em Londres, Inglaterra.
De suas obras, destacam-se “A Ideologia Alemã” (1846), “O Mani-
festo Comunista” (1848), “Trabalho Assalariado e Capital” (1849), “O
18 de Brumário de Luís Bonaparte” (1852), e “O Capital” (1867).
As formulações de Marx a respeito da sociedade, principalmente
sua análise sobre a sociedade capitalista e as ideias de como ultra-
passá-la, causaram grande impacto sobre as ciências humanas e in-
fluenciaram as análises da realidade social como um todo, sendo o
principal sociólogo no que diz respeito à análise crítica da sociedade
moderna e do modo de vida capitalista.
28
sente o pai da menina que foi assassinada. Por causa dos sentimen-
tos que aquele pai tem no momento, será impossível que ele julgue
de forma racional, pois os sentimentos não permitem. A melhor for-
ma, então, de analisar a realidade seria através da razão, pois os sen-
timentos ocultam e impedem a real análise do ocorrido.
Seguindo esta ideia, a filosofia idealista de Georg Friedrich Hegel
(1770-1831) propaga a forma de enxergar a realidade como algo di-
retamente ligado à razão. Para este filósofo alemão, tudo que é real,
é racional, e tudo o que é racional, é real. A história é, justamente, a
manifestação da razão, em um processo onde o racional toma o lugar
do sensível, superando cada vez mais os conflitos e as contradições.
A ideia de que a história é um movimento de evolução impulsionado
pela razão resume o movimento dialético, “o caminho que produz a
si mesmo”.
29
bem. Isso ocorre durante um longo tempo na história, passando por
várias gerações, em um processo evolutivo de busca pela verdade.
O indivíduo se encontra na base desta busca por alcançar o con-
ceito ideal. É ele quem realiza o esforço de ultrapassar e transcender
a simples observação dos fatos, a fim de entender a real razão dos
fatos. Para isso, empenha-se o método científico e filosófico, isto é,
estabelecer o melhor caminho para fazer com que o indivíduo ultra-
passe o sensível e limitado, e caminhe em direção ao ilimitado e ao
ideal.
A busca, porém, é contínua, porque há sempre espaço e possibli-
dade do ser humano melhorar não só sua percepção como indivíduo,
mas a sua vida em sociedade. Para isso, lança-se a ótica dialética so-
bre a vida social, analisando os fatos ocorridos no dia, buscando as
contradições e limitações que os cercam e procurando formas de me-
lhor analisá-los.
Um dos grandes problemas que impedem os seres humanos de
alcançar este ideal é a perda do autocontrole, por causa de uma cria-
ção deles mesmo, a saber, a riqueza da vida material e suas consequ-
ências. Conforme veremos posteriormente, Marx também criticará a
propriedade privada, porque ela faz com que os homens sejam “es-
túpidos e unilaterais”, pois um objeto só se torna “seu” quando “lhe
pertence”. Por isso, os sentidos físicos e espirituais foram substituídos
pelo possuir. O homem se alienou, isto é, perdeu o foco da real razão
e os motivos pelos quais está no mundo.
A perda de autocontrole que Hegel trata, refere-se a ideia de alie-
nação, ou seja, uma consciência separada da realidade, “a consciência
de si como natureza dividida”. Para Hegel, ser livre significa recuperar a
consciência de si mesmo que foi perdida, e a história é o processo onde
a razão alcança progressivamente tal destino. Após a morte de Hegel,
seu pensamento é estruturado politicamente por seus discípulos, ori-
ginando duas escolas distintas. Uma mais conservadora e de direita, e
30
outra de esquerda. A última, a de esquerda, encontravam-se Marx e En-
gels9. Foi, inclusive, bastante importante para o começo do marxismo,
os debates entre Marx e Engels e os defensores do idealismo hegeliano.
Antes de Marx desenvolver sua sociologia, foi fundamental o tra-
balho de Ludwig Feuerbach (1804-1872), também hegeliano de es-
querda, na passagem do idealismo para o materialismo histórico.
Feuerbach afirmava que a alienação tem seu fundamento no fenôme-
no religioso, que divide a natureza humana, fazendo com que os seres
humanos se submetam a forças sobrenaturais e a figuras divinas, que
são criações humanas, mas são compreendidas como autônomas e
superiores. De acordo com Feuerbach, a religião, e toda realidade que
é formada a partir dela, é uma ilusão fantasiosa e, por isso, aliena o
homem de sua real preocupação e mundo. Por exemplo, toda vez que
uma pessoa faz um sacrifício a uma divindade, ela cria uma relação
de dependência e inferioridade com essa divindade. Então, a pessoa
vai crer que precisa da divindade para solucionar os seus problemas.
De acordo com as ideias de Feuerbach, além da pessoa criar uma ilu-
são sobre si mesma, cria também uma ilusão para a solução dos seus
problemas. O filósofo afirmava que quanto mais vazia é a vida, mais
concreto é Deus, pois o mundo se esvazia, quando a divindade au-
menta e, ainda, só um homem pobre tem um Deus rico. Para resolver
tal alienação, era necessário formar uma crítica religiosa capaz de li-
bertar a consciência e proporcionar o fim deste mundo ilusório.
31
Inicialmente, Marx e Engels se tornam seguidores das teses de
Feuerbach, mas logo as abandonam por considerarem a crítica reli-
giosa uma luta contra frases e não uma real solução para as questões
reais. A partir de então, Marx e Engels passam a articular a dialética
e o materialismo sob uma perspectiva histórica, rompendo com o
idealismo hegeliano e, também, o materialismo neo-hegeliano. Marx
e Engels questionavam o materialismo feuerbachiano que entendia
o mundo como um objeto de contemplação e não como resultado
das ações e interações humanas. Por conta desta visão, Marx criticava
o tipo de materialismo que não foi capaz de entender, que a forma
de transformar o mundo era através de uma crítica que resultava em
prática e não apenas em um combate de ideias, ou seja, a revolução
teria que ser crítico-prática. A contemplação e o debate de ideias são
questionados por Marx, que entende que os filósofos se limitavam a
interpretar o mundo, quando sua função era transformá-lo. As ideias
marxistas resultam na reformulação da ideia dialética, além da con-
cepção dos fundamentos da alienação.
Para Marx e Engels, a alienação não estava ligada, primeiramente,
ao conjunto de ideias existentes, mas sim às condições materiais de
vida. Portanto, para libertar o indivíduo seria necessário modificar os
processos pelos quais as necessidades materiais são satisfeitas. Sen-
do imprescindível uma ação política e revolucionária. Na sociedade
moderna capitalista, o potencial para revolução e mudança está nas
mãos do proletariado.
Hoje em dia, tudo parece levar em seu seio sua própria contradi-
ção. Vemos que as máquinas, dotadas da propriedade maravilho-
sa de encurtar e fazer mais frutífero o trabalho humano, provocam
a fome e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza re-
cém-descobertas convertem-se, por arte de um estranho malefí-
cio, em fontes de privações. Os triunfos da arte parecem adquiri-
dos ao preço de qualidades morais. O domínio do homem sobre
32
a natureza é cada vez maior; mas, ao mesmo tempo, o homem se
converte em escravo de outros homens ou de sua própria infâmia.
Até a pura luz da ciência parece não poder brilhar mais que so-
bre o fundo tenebroso da ignorância. Todos os nossos inventos e
progressos parecem dotar de vida intelectual as forças produtivas
materiais, enquanto reduzem a vida humana ao nível de uma for-
ça material bruta. Este antagonismo entre a indústria moderna e
a ciência, por um lado, e a miséria e a decadência, por outro; este
antagonismo entre as forças produtivas e as relações sociais de
nossa época é um fato palpável, abrumador e incontrovertido. (...)
não nos enganamos a respeito da natureza desse espírito maligno
que se manifesta constantemente em todas as contradições que
acabamos de assinalar. Sabemos que, para fazer trabalhar bem
as novas forças da sociedade, necessita-se unicamente que estas
passem às mãos de homens novos, e que tais homens novos são
os operários (MARX, K. 1856)
33
Os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de
existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas
quando do seu aparecimento, quer das que ele próprio criou (...) A
primeira condição de toda a história humana é, evidentemente, a
existência de seres humanos vivos (MARX, 1867).
34
As formas econômicas sob as quais os homens produzem, conso-
mem e trocam são transitórias e históricas. Ao adquirir novas for-
ças produtivas, os homens mudam seu modo de produção, e com
o modo de produção mudam as relações econômicas, que não
eram mais que as relações necessárias daquele modo concreto
de produção... as categorias econômicas não são mais que abstra-
ções destas relações reais e são verdades unicamente enquanto
essas relações subsistem (MARX, 1846).
35
Será a maneira de ver a natureza e as relações sociais que a imagi-
nação grega inspira - e que constitui, por isso mesmo, o fundamen-
to da mitologia grega - compatível com as máquinas automáticas
de fiar, as ferrovias, as locomotivas e o telégrafo elétrico? Quem é
Vulcano ao pé de Roberts & Cia., Júpiter em comparação com o
para-raios e Hermes em comparação com o Crédito Imobiliário?
Toda a mitologia subjuga, governa as forças da natureza no domí-
nio da imaginação e pela imaginação, dando-lhes forma: portan-
to, desaparece quando estas forças são dominadas realmente... A
arte grega supõe a mitologia grega, isto é, a elaboração artística,
mas inconsciente da natureza e das próprias formas sociais pela
imaginação popular. São esses os seus materiais.... Jamais a mi-
tologia egípcia teria podido proporcionar um terreno favorável à
eclosão da arte grega. (MARX, 1867)
36
com a natureza, plantando e colhendo o alimento, ou comprando com
outro indivíduo que o produziu. Logo, para viver é preciso produzir. As
formas pelas quais os indivíduos produzem e reproduzem os proces-
sos mudam historicamente; são aperfeiçoadas, desenvolvidas, trans-
formadas pela ação de sucessivas gerações.
A análise marxista da sociedade parte do princípio que a origem
da vida material dos indivíduos se dá por meio da interação com a
natureza e com outros indivíduos.
37
te a si mesmo, enquanto o homem reproduz a natureza inteira;
o produto do animal pertence imediatamente a seu corpo físico,
enquanto o homem enfrenta-se livremente com seu produto. O
animal produz unicamente segundo a necessidade e a medida da
espécie a que pertence, enquanto o homem sabe produzir segun-
do a medida de qualquer espécie e sabe sempre impor ao objeto,
a medida que lhe é inerente; por isso o homem cria também se-
gundo as leis da beleza (MARX, 1846).
38
so onde o próprio indivíduo plantava, colhia e cozinhava o alimento.
Posteriormente, os homens passaram a plantar menos e comprar os
alimentos prontos. Hoje, já existem pílulas que completam a alimen-
tação e várias formas de satisfazer a necessidade da fome, que não
exigem que o mesmo indivíduo participe do processo de fabricação do
alimento.
A forma que os indivíduos produzem e satisfazem as necessidades
é transmitida e acumulada por meio da cultura. Para Marx, o processo
de produção e reprodução da vida através do trabalho é a atividade
humana básica, a partir da qual se constrói “a história dos homens”.
É nisso que se baseia o materialismo histórico, o método marxista de
análise da vida econômica, política, social e intelectual dos seres-hu-
manos (QUINTANEIRO, 2003:31).
39
tecnologia, modos de cooperação, técnicas de divisão do trabalho,
habilidades e conhecimentos utilizados na produção, quantidade e
matérias-primas que dispõem. Desta forma, quão maior for o contro-
le dos homens sobre a natureza, maior será sua força de produção.
40
Ao produzir, os homens atuam coletivamente e cooperam, e assim o
fazem para a produção da vida.
41
trabalho do pedreiro, mais manual, e é, por isso, mais valorizado na
sociedade. Logo, o pagamento que o engenheiro recebe pela hora tra-
balhada é maior do que o valor recebido pelo pedreiro, pois o trabalho
do primeiro é considerado mais importante que o do segundo. A partir
destas divisões e da estrutura de valor do trabalho, alguns tipos de
produção tendo mais valor do que outros, ocorreram historicamen-
te outras divisões, como, por exemplo, os grupos que assumiram
responsabilidades religiosas, políticas, administrativas, financeiras,
entre outras. Cada um destes grupos obteve responsabilidades dis-
tintas, recebendo partes maiores ou menores do produto social, já
que ocupam posições desiguais quanto ao controle e propriedade
dos meios de produção. Desta forma, ao determinar o tipo de divi-
são social do trabalho, ou seja, quais os grupos são considerados de
maior importância para a sociedade, pode-se entender como se dá a
estrutura de classes da sociedade.
Para explicar tal relação, Marx sugere que se imagine uma reunião
de homens livres que trabalham com meios de produção comuns,
meios que pertencem a todos e não só a alguns, e que agrupam suas
forças para produzir. O produto desta relação entre os homens é so-
cial, uma parte do produto é consumida e outra volta para ser um
meio de produção. “O modo de distribuição variará segundo o orga-
nismo produtor da sociedade e o grau de desenvolvimento histórico
alcançado pelos produtores” (MARX, 1846).
42
triais. Os homens, ao estabelecerem as relações sociais vinculadas
ao desenvolvimento de sua produção material, criam também os
princípios, as ideias e as categorias conformes às suas relações
sociais. Portanto, essas ideias, essas categorias são tão pouco
eternas quanto as relações às quais servem de expressão (MARX,
1846).
43
A estrutura social e o Estado resultam constantemente do proces-
so vital de indivíduos determinados; mas não resultam daquilo
que esses indivíduos aparentam perante si mesmos ou perante
outros e sim daquilo que são na realidade, isto é, tal como traba-
lham e produzem materialmente (MARX, 1846).
44
to. Não é a consciência que determina a vida, mas sim, a vida que
determina a consciência (MARX, 1846).
45
regimes políticos e outros elementos superestruturais são construí-
dos. Por isso, o conceito de modo de produção faz referência às for-
mas de produção em diferentes sociedades e épocas. Em suas obras,
Marx faz menção ao modo primitivo, antigo, feudal e capitalista nas
sociedades ocidentais; ao modo asiático nas sociedades orientais; ao
modo pré-colombiano nas sociedades da América do Sul, e finalmen-
te, ao comunista. Com estas análises, Marx não afirmava que os mo-
dos de produção caminham de forma linear e evolutiva única, como
se o modo das sociedades ocidentais fosse o mais evoluído. Ou seja,
nem todas as sociedades passam pelo mesmo modo de produção e
pelas mesmas etapas.
Marx utiliza sua própria história e trajetória para explicar o mate-
rialismo histórico:
46
social. O modo de produção da vida material condiciona o de-
senvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não
é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser
social que, inversamente, determina a sua consciência. Em certo
estádio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da
sociedade entram em contradição com as relações de produção
existentes, ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações
de propriedade no seio das quais tinham se movido até então.
De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas re-
lações transformam-se no seu entrave. Surge, então, uma época
de revolução social. A transformação da base econômica altera,
mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura.
47
última instância, decidem. Mas também desempenham um papel,
ainda que não seja decisivo, as condições políticas e até as tradi-
ções que rondam como um duende nas cabeças dos homens... O
fato de que os discípulos destaquem mais que o devido o aspecto
econômico é coisa que, em parte, temos a culpa Marx e eu mes-
mo. Frente aos adversários, tínhamos que sublinhar este princípio
cardinal que era negado, e nem sempre dispúnhamos de tempo,
espaço e ocasião para dar a devida importância aos demais fato-
res que intervêm no jogo das ações e reações. Infelizmente, ocorre
com frequência que se crê haver entendido totalmente e que se
pode manusear sem dificuldades uma nova teoria pelo simples
fato de se haver assimilado, e nem sempre exatamente, suas teses
fundamentais. Desta crítica não estão isentos muitos dos novos
“marxistas” e assim se explicam muitas das coisas inexpressivas
com que contribuíram.
48
Como vimos, a produção é a forma pela qual os indivíduos satisfazem
suas necessidades e se mantêm vivos. É através dela que o homem
se humaniza. É no processo de produção que os homens interagem
entre si, criando relações sociais, a fim de retirarem da natureza o que
necessitam. Esse entendimento é fundamental para compreender o
pensamento de Marx. Há uma parcela de não-produtores, quer indiví-
duos, empresas ou o próprio Estado, que tomam para si parte do que
foi produzido socialmente, mesmo não tendo participado da produ-
ção. A partir da apropriação imprópria, pois tomaram parte de algo
que não produziram, Marx desenvolve seu pensamento a respeito de
classe, exploração, opressão, alienação e revolução.
Em um período da história onde as sociedades possuíam capaci-
dade produtiva limitada, não sobrava muito da produção, tudo o que
era produzido era consumido, a sobrevivência dos indivíduos depen-
dia da luta constante para obter o necessário para a vida. Por conta
desta limitada capacidade produtiva, a organização social era simples
e a divisão do trabalho ocorria por questões naturais, como idade,
força física e gênero. Como não havia excedente da produção, tudo o
que era produzido era consumido, não havendo muitas sobras, não
existiam bases econômicas que permitiam que uns vivessem do tra-
balho dos outros, seja na forma de escravidão ou de qualquer outra
forma de exploração. Se tudo o que o indivíduo produz, ele consome,
não há forma de este trabalhar para ele mesmo e ainda para outro,
pois o que ele produz, é necessário para sobreviver.
Quando passa a existir um excedente, uma sobra do que é consu-
mido, ou ainda, nem tudo o que é produzido é consumido, tem-se,
então, a divisão social do trabalho, como também a apropriação das
condições de produção por parte de alguns membros da sociedade,
e esses homens que se apropriam dos meios de produção passam a
exercer um direito sobre o produto ou sobre os trabalhadores. Pense
em um povo indígena que vive da plantação de subsistência. Na tribo,
tudo o que é plantado é consumido. A terra pertence a todos, todos pre-
49
cisam plantar para sobreviver. A partir do momento que a produção
cria excedente, passa a haver sobra, alguém pode se apropriar da ter-
ra, chamar de sua e exigir que todo mundo que plante naquela terra,
dê uma parte da produção para ele, que é o dono da terra. O dono da
terra para de produzir e passa a explorar os outros índios, pois agora, a
produção é excedente e existe uma sobra. Enquanto coisa alguma so-
bra, não é possível haver exploração. Quando passa a haver excedente,
é possível criar uma relação social de exploração.
Assim, a existência de classes sociais está vinculada às circunstân-
cias históricas específicas, ou seja, neste momento histórico, as rela-
ções de produção passaram a gerar um excedente na produção, per-
mitindo que alguns indivíduos possam se apropriar das condições de
produção, criando a propriedade privada e a exploração de uns sobre
outros. O materialismo histórico interpreta tal sociedade como algo
histórico e particular, não de uma forma natural e ideal como alguns
defendiam.
Além disso, a formação de classes sociais está ligada à relação com
os meios de produção, ou seja, classes distintas existem, pois nem
todos os indivíduos estão no mesmo lugar na cadeia de produção. Al-
guns possuem os meios de produção, como a máquina e a terra, e po-
dem explorar outros para produzirem por eles. Já outros indivíduos,
não possuindo os meios de produção, precisam produzir para sobre-
viver e dar a parte excedente do que produziu para o dono do meio
de produção, sendo explorado. A distribuição de riqueza não ocorre
porque alguns produzem mais do que outros sendo assim “mais ri-
cos”, mas, a distribuição de riqueza é a distribuição da desigualdade,
a riqueza está ligada a exploração do outro.
50
A configuração básica do conceito de classe social apontado acima
pode ser entendida, de maneira simples, em um modelo dicotômico:
de um lado os que possuem os meios de produção, e de outro, os
que não possuem. Durante a história, esta relação ocorre de diversas
formas, assumindo diferentes relações sociais e econômicas em cada
formação social. Temos, por exemplo, a relação escravo e senhor, ser-
vo e senhor feudal, aprendiz e mestre, trabalhadores livres e capita-
listas, e, como enfatiza Marx, o proletário e a burguesia. Certamente,
em sociedades modernas, a complexidade das relações sociais não
se resume a uma luta entre duas classes, existindo uma gama de in-
teresses e de relações de produção. Basta observarmos o Brasil do sé-
culo XXI, que veremos a existência de trabalhadores livres, capitalistas,
investidores, servidores públicos, celetistas, autônomos, militares, ou
seja, diversas formas de relação social, existentes na cadeia de produ-
ção. De fato, o conceito marxista auxilia no entendimento da explora-
ção e da construção de uma dominação estrutural e superestrutural,
como aqueles que detêm os meios de produção conseguem dominar
não só a produção material, como também o imaterial.
Mesmo que haja esta gama de classes que possuem relações dis-
tintas com o processo de produção, Marx acreditava que, cada vez
mais, a tendência do modo de vida capitalista é concentrar e separar
o trabalho e os meios de produção, transformando os meios de pro-
dução em capital e o trabalho, em trabalho assalariado, separando a
sociedade em duas classes principais, a saber, os que possuem e os
que não possuem os meios de produção, dando fim a todas as divi-
sões intermediárias de classe.
51
É fundamental lembrarmos que Marx está situado em um contexto
social do século XIX, onde o capitalismo industrial era a forma de re-
lação econômica e social vigente e imperante na sociedade europeia.
Como nos lembra Quitaneiro (2003:40):
52
uma sociedade tende a dominar também as esferas política e espiri-
tual, ou seja, detém o poder imaterial.
53
tos da história, “mantiveram uma luta constante, velada umas vezes e
noutras franca e aberta; luta que terminou sempre com a transformação
revolucionária de toda a sociedade ou pelo colapso das classes em luta”
(MARX, 1848). A história da luta de classes é, justamente, a história das
sociedades que a estrutura produtiva está baseada, ou seja, na apropria-
ção privada dos meios de produção. A história da sociedade é a história
da luta por controlar os meios de produção. Mais do que significar o con-
fronto direto, a luta violenta, a expressão “luta de classes” se refere aos
antagonismos, às discordâncias e às oposições entre diferentes classes,
devido ao caráter dialético da realidade. Certamente, podem ocorrer
conflitos de fato entre as classes. Ainda que não ocorram guerras civis
ou internacionais, existe a luta de interesses, o antagonismo de classe, as
discordâncias quanto à apropriação da produção, que gera um descon-
tentamento e inimizade entre as classes. Isto ocorre, porque as classes
dominantes sobrevivem pela exploração do trabalho daqueles que não
possuem os meios de produção, dominando também o mundo imate-
rial, como política, religião e cultura. Assim, a relação entre elas só pode
ser conflitiva, mesmo que apenas em potencial.
Para o materialismo histórico, a luta de classes está relacionada,
diretamente, com as mudanças sociais, com a superação das contra-
dições existentes. Por isso, para Marx, a luta de classes é o motor da
história. A classe explorada é o agente com maior potencial para mu-
dar a sociedade, justamente, porque a classe dominante não tem in-
teresse em mudar a sociedade, mas sim mantê-la, com os privilégios
e explorações.
As classes são, assim, um conjunto de membros de uma sociedade
que compartilham condições objetivas, ou a mesma situação quanto
à posse dos meios de produção. O poder da classe está em organi-
zar-se politicamente para a defesa consciente de seus interesses. O
exemplo pode ser visto nos escritos de Marx aos camponeses france-
ses. Para Marx, os camponeses formavam a grande massa da nação e,
portanto, possuíam um potencial de transformar o país.
54
Assim se forma a grande massa da nação francesa, pela simples
soma de unidades do mesmo nome, do mesmo modo como as
batatas de um saco formam um saco de batatas. Na medida em
que milhões de famílias vivem sob condições econômicas de exis-
tência que as distinguem por sua maneira de viver, seus interesses
e sua cultura de outras classes e se opõem a elas de modo hostil,
aquelas formam uma classe. Dado que existe entre os pequenos
proprietários camponeses uma articulação puramente local, e a
identidade de interesses não engendra entre eles nenhuma comu-
nidade, nenhuma união nacional e nenhuma organização política,
não formam uma classe. São, portanto, incapazes de fazer valer
seu interesse de classe em seu próprio nome (...) não podem re-
presentar-se, mas têm que ser representados. Seu representante
tem que aparecer ao mesmo tempo como seu senhor, como uma
autoridade acima deles, como um poder ilimitado de governo que
o proteja das demais classes e que lhes envie desde o alto a chuva
e o sol (MARX, 1852)
55
tras formas de organização econômica e social que desapareceram,
como as sociedades primitivas, escravistas e feudais, “sob cujas ruí-
nas e elementos ela se edificou, das quais certos vestígios ainda não
apagados, que continuam a existir nela, se enriquecem de toda a sua
significação”. (MARX, 1867).
O ponto de partida para compreender a economia capitalista ba-
seia-se na unidade analítica mais simples dessa sociedade, na forma
pela qual a riqueza é expressa, ou seja, a mercadoria. Esta é a for-
ma assumida pelos produtos e pela própria força de trabalho, sendo
composta de dois fatores: valor de uso e valor de troca. Para Marx, o
valor de uso é determinado pela utilidade da mercadoria para satis-
fazer uma necessidade, já o valor de troca diz respeito a quanto é ne-
cessário para adquirir tal mercadoria, em certo tempo e espaço. Por
um lado, a mercadoria é capaz de satisfazer as necessidades huma-
nas, servindo como meio de subsistência ou de produção, seja física,
material, como matar a fome, ou ainda imaterial, fantasiosa, como
entretenimento. Como tem valor, como é útil, a mercadoria é consu-
mida, enquanto o que não tem valor, não é considerado mercadoria
e não é consumida. Nem toda coisa útil é mercadoria, mas se tornam
mercadorias, quando podem ser trocadas, ou compradas, seja para
uso próprio ou para produção.
O cálculo do valor da mercadoria é baseado no tempo que é gasto
na sua produção. Quanto mais tempo se gasta para fazer a merca-
doria, maior é seu valor. Marx julga que o valor se baseia em “todo
trabalho executado com grau médio de habilidade e intensidade em
condições normais relativas ao meio social dado”. Em outras pala-
vras, o valor da mercadoria é baseado no tempo de trabalho na sua
produção, em uma sociedade e tempo específicos.
Diferentes mercadorias podem possuir valores distintos. Para
isso, é necessário que haja uma forma de avaliação e julgamento dos
consumidores. É preciso haver uma forma de quantificar os valores,
que variam segundo época e lugar, disponibilidade de materiais para
56
desenvolver tal produto e técnicas para produzir tal mercadoria. No
momento da troca, a mercadoria se transforma em algo abstrato. Por
exemplo, quando se compra um carro, o valor dele é dado em reais,
assim como uma barra de chocolate, ou mesmo uma fatia de pão.
Toda mercadoria é transformada em valor abstrato, em moeda. Por
isso, Marx afirma que: “só lhe resta uma qualidade: a de ser produto
do trabalho (...) uma inversão de força humana de trabalho, sem refe-
rência à forma particular em que foi invertida” (MARX, 1867).
O fato de existirem produtores que realizam trabalhos distintos e
precisam das mercadorias produzidas por outros produtores, ou seja,
do produto da atividade de outros para sobreviver, é resultado da di-
visão do trabalho.
57
uso imediato, para o consumo do produtor: a riqueza só existe
agora como processo social que se expressa no entrelaçamento
da produção e da circulação (MARX, 1867).
58
petuar a força de trabalho. Isto significa que o trabalhador que a vende,
recebe por ela, em diferentes épocas, o necessário para viver e repro-
duzir aquela forma de vida para sua família. Portanto, o capital não é
simplesmente a soma dos meios de produção. Ele é sim uma relação
social de produção. É uma força histórica de distribuição das condições
de produção, resultante de um processo de concentração e apropria-
ção dos meios de produção. O capital é a relação social de produção
entre indivíduos que detêm os meios de produção e indivíduos que, por
não possuírem os meios de produção, precisam vender sua força de
trabalho. Essa relação social é uma relação de exploração entre os que
possuem os meios de produção e os que não possuem. A exploração
ocorre, pois os que vendem sua força de trabalho, por não possuírem os
meios de produção, produzem mais riqueza do que recebem, sendo, as-
sim, explorados. A esta relação social, Marx denomina “Capital”. Sendo
Capitalismo, a característica da relação baseada no Capital.
A sociedade capitalista se baseia na (falsa) ideologia de igualda-
de, tendo o mercado como parâmetro. De um lado apresenta-se o
trabalhador, que oferece no mercado sua força de trabalho; do outro
lado, está o empregador, que adquire o trabalhador por um salário.
O salário é, portanto, o preço da força de trabalho. A ideia de equiva-
lência na troca, ideia de justiça salarial, é crucial para a estabilidade
da sociedade capitalista. Não significa que a troca seja realmente jus-
ta, mas ela precisa ser compreendida como justa para a manutenção
do sistema. Os homens aparecem iguais diante da lei, do Estado, dos
direitos, deveres e oportunidades. E ele acreditam nessa igualdade.
Contudo, mesmo que o salário seja entendido como uma troca justa
e equivalente entre os homens, o valor que o trabalhador pode pro-
duzir enquanto trabalha é maior do que aquele que ele vende sua ca-
pacidade. Marx diferencia o tempo de trabalho que o indivíduo leva
para gerar o valor que ele recebe por seu trabalho, do tempo de tra-
balho excedente, ou seja o tempo que ele de fato trabalha pelo valor
que vendeu sua força. Lembre-se do exemplo do rapaz da padaria. Ele
59
recebe R$ 500,00 reais de salário para trabalhar 100 horas. Nestas 100
horas, ele produz o equivalente a R$ 1000,00 reais de pão. Ou seja, ele
não recebe de salário o valor que realmente produz. O excedente da
produção, neste caso, os outros R$ 500,00, fica para o dono da padaria,
para o dono do meio de produção.
Em outras palavras, o salário que o trabalhador recebe não equiva-
le a tudo o que ele realmente produz. Por isso, para Marx, a atividade
produtiva não cria valor para o trabalhador, mas sim, para o dono dos
meios de produção, o dono do capital. Na sociedade capitalista, em
suas relações sociais, o valor que é produzido durante o tempo de
trabalho excedente é apropriado pela burguesia. Essa diferença entre
valor produzido e valor recebido pelo trabalhador, é chamado, por
Marx, de mais-valia. A mais-valia é uma riqueza que se opõe à clas-
se trabalhadora. A taxa de mais-valia, isto é, a razão entre o trabalho
excedente e trabalho necessário, demonstra o grau de exploração da
força de trabalho pelo capital. Por exemplo, se o indivíduo recebe R$
100,00 para produzir um sapato que será vendido por R$ 500,00, a taxa
de mais-valia é de R$ 400,00.
O real poder da sociedade capitalista está em manter a explora-
ção, vendendo seu modo de vida, como se fosse o melhor possível.
Assim, o trabalhador não reconhece todo este processo de explora-
ção. O não reconhecimento é o que Marx chama de alienação. O tra-
balhador é alienado, pois não percebe que está sendo explorado, não
percebe que seu trabalho é forçado, ainda que seja resultado de uma
relação livremente aceita.
60
Grande parte do trabalho de Marx está ligado ao estudo do surgi-
mento e evolução do capitalismo, bem como a possibilidade de supe-
ração deste tipo de relação social. Para Marx, o surgimento do capi-
talismo está relacionado com o enfraquecimento e fim da sociedade
feudal que o antecedia. A organização produtiva feudal, com seus
meios de produção urbanos e rurais, técnicas e divisão de trabalho,
já estava esgotada, com novas forças produtivas muito mais podero-
sas em desenvolvimento. Mesmo que as estruturas da Idade Média,
com o poder do rei, da nobreza e da igreja, haviam possibilitado a
“acumulação de capital, desenvolvimento do comércio marítimo e a
fundação das colônias, a manutenção das velhas estruturas feudais
constituir-se-iam em um entrave à continuidade daquela expansão”
(QUINTANEIRO, 2003:46).
61
que em tal estrutura social, a maioria da sociedade possuía instru-
mentos de troca. Por exemplo, o camponês plantava e vendia par-
te da produção, a nobreza recebia parte do pagamento de impostos
da burguesia e do camponês, o burguês vendia seus produtos, o rei
provia segurança e recebia parte da produção. Não existia força de
trabalho livre o suficiente para criar uma classe de trabalhadores que
tinham na venda da força de trabalho a única forma de sobrevivência.
Primeiro, o trabalhador tem que ser uma pessoa livre, que dispo-
nha a seu arbítrio de sua força de trabalho como de sua própria
mercadoria; segundo, não deve ter outra mercadoria para vender.
Por assim dizer, tem que estar livre de todo, por completo despro-
vido das coisas necessárias para a realização de sua capacidade de
trabalho (MARX, 1867).
62
é uma sociedade que transformou apenas as relações de produção,
mas alterou completamente a organização social prévia, construindo
um “novo mundo”. Assim, a revolução da burguesia não só pôs fim ao
antigo sistema, mas
63
infinita, como se fosse “o fim da história”. Na verdade, para Marx, a
sociedade capitalista não aboliu as antigas contradições de classe.
Se antes a burguesia era a classe oprimida e explorada, a nova socie-
dade a transformou em classe opressora e exploradora. Ela apenas
substituiu as antigas classes, as antigas formas de opressão, e as an-
tigas lutas por novas. A divisão continua e está, para Marx, cada vez
mais nítida e dividida
64
ção e é, por isso, explorada. Esta massa está, cada vez mais, concen-
trada em grandes centros urbanos e industriais, com maior aumento
de sua capacidade de organização, de luta e de consciência de sua
real situação. É ao proletário, ao indivíduo explorado pela burguesia,
que Marx e Engels atribuem o potencial transformador da sociedade
capitalista. São eles os agentes da mudança e da transformação.
65
capitalista será substituída “por uma associação que exclua as clas-
ses e seu antagonismo; já não existirá um poder político propriamen-
te dito, pois o poder político é precisamente a expressão oficial do
antagonismo de classe dentro da sociedade civil” (MARX, 1867). Para
tal possibilidade se tornar real, seria necessário o grande desenvol-
vimento das forças produtivas promovido pela produção capitalista.
É necessário que o modo de vida capitalista seja realmente mundial
e que a classe proletária não seja presente só em uma parte do glo-
bo. A real revolução proletária só terá sucesso se ocorrer em todos os
países e nações. Caso contrário, “apenas se generalizará a penúria e,
com a pobreza, começará paralelamente a luta pelo indispensável e
cair-se-á fatalmente na imundície anterior” (MARX, 1846). A libertação
real é a libertação de toda a classe proletária em uma escala mundial,
uma vez que “a libertação é um fato histórico e não um fato intelectu-
al, e é provocado por condições históricas, pelo progresso da indús-
tria, do comércio, da agricultura” (MARX, 1846).
66
fosse alheio a ele, pois não tem controle sobre o que é produzido. O
fato de ter participado da produção, não dá a ele poder sobre a coisa.
Mesmo que o trabalhador trabalhe na fábrica fazendo camisas, ele não
pode, simplesmente, tomar uma e levar para casa. É necessário ir até
a loja e comprar. O que ele produz não pertence a ele; 2) o trabalhador
é alienado a ele mesmo. A atividade do seu trabalhador não está sob
seu domínio, é estranha a ele. As atividades que ele performa são re-
alizadas, pois lhe são demandadas, não porque ele as escolhe. Quan-
do um trabalhador decide trabalhar em alguma empresa, ele tem que
fazer o que dele é pedido, demandado. Não pode escolher o que fazer
ou até onde deseja participar; 3) o trabalhador é alienado em relação
a liberdade. A vida do trabalhador passa a ser para que sobreviva, um
meio para satisfazer as necessidades básicas. Ele não é livre. Seu va-
lor passa estar na produção e não nele mesmo. Por exemplo, um mé-
dico ganha mais que um gari; baseia-se no maior valor que o primeiro
tem para a sociedade. A importância do indivíduo para a sociedade
está na sua capacidade de produção, e não na sua existência. Portan-
to, “do mesmo modo como o operário se vê rebaixado no espiritual e
no corporal à condição de máquina, fica reduzido de homem a uma
atividade abstrata e a um estômago” (MARX, 1867). Assim, o trabalho
produtivo passa a ser uma obrigação para o proletário, pois não pos-
suindo os meios de produção, é obrigado a vender sua atividade vital,
sua força vital, que
não é para ele mais do que um meio para poder existir. Ele traba-
lha para viver. O operário nem sequer considera o trabalho como
parte de sua vida, para ele é, antes, um sacrifício de sua vida. É
uma mercadoria por ele transferida a um terceiro. Por isso o pro-
duto de sua atividade não é tampouco o objetivo dessa atividade.
O que o trabalhador produz para si mesmo não é a seda que tece,
nem o ouro que extrai da mina, nem o palácio que constrói. O que
produz para si mesmo é o salário, e a seda, o ouro e o palácio redu-
zem-se para ele a uma determinada quantidade de meios de vida,
67
talvez a um casaco de algodão, umas moedas de cobre e um quar-
to num porão. E o trabalhador que tece, fia, perfura, torneia, cava,
quebra pedras, carrega etc. durante doze horas por dia - são essas
doze horas de tecer, fiar, tornear, construir, cavar e quebrar pedras
a manifestação de sua vida, de sua própria vida? Pelo contrário.
Para ele a vida começa quando terminam essas atividades, à mesa
de sua casa, no banco do bar, na cama. As doze horas de trabalho
não têm para ele sentido algum enquanto tecelagem, fiação, per-
furação etc., mas somente como meio para ganhar o dinheiro que
lhe permite sentar-se à mesa, ao banco no bar e deitar-se na cama.
Se o bicho-da-seda fiasse para ganhar seu sustento como lagarta,
seria o autêntico trabalhador assalariado (MARX, 1867).
68
Com a massa de objetos cresce, portanto, o reino dos seres alheios
aos quais o homem está submetido, e cada novo produto é uma
nova potência do recíproco engano e da recíproca exploração. O
homem, enquanto homem, faz-se mais pobre, necessita mais do
dinheiro para apoderar-se do ser inimigo (MARX, 1848).
69
substantivo e fazem com que perca todo atrativo para ele. O produtor
converte-se num simples apêndice da máquina e só se exigem dele
as operações mais simples, mais monótonas e de mais fácil apren-
dizagem” (MARX, 1867). Ademais, um trabalhador pode ser mais fa-
cilmente substituído por outro, sem muitas condições de negociar e
exercer melhores condições de trabalho e de vida. Portanto,
70
trabalho como da peste... Ele só se sente de fato livre em suas funções
animais e em suas funções humanas sente-se como um animal: ‘O
animal se converte no humano, o humano no animal’”. No sistema
capitalista, a força de trabalho é regulada como qualquer mercadoria.
O que significa que, se a oferta for maior do que a demanda, parte dos
trabalhadores morrerão ou tornar-se-ão mendigos e pedintes.
Como os trabalhadores participam de uma organização social que
não é formada pelo controle coletivo, pelo controle dos próprios tra-
balhadores, eles não participam conscientemente do processo pro-
dutivo. O poder social é entendido como algo alheio, à parte.
71
que as condições de trabalho que os homens possuem sejam seme-
lhantes e livres na relação com o outro e com a natureza. Para Marx,
isso só é possível com a criação de uma sociedade onde o conflito
entre os homens e com a natureza seja resolvido, a saber, a sociedade
comunista.
2.12.Comunismo e Revolução
Fruto de uma sociedade influenciada pelo positivismo, Marx se
preocupa com o progresso e procura desenvolver leis que estejam re-
lacionadas com o desenvolvimento das sociedades.
72
danças nas formas de relação entre os produtores não ocorreram de
forma simples e pacífica. A revolução burguesa alterou não apenas as
formas de produção e as relações sociais de produção vigentes, como
houve transformações nas instituições políticas, religiosas e jurídicas.
73
parecerão a coerção e a monopolização, por uma fração da sociedade
em detrimento da outra, do progresso social” (MARX, 1868). Uma nova
sociedade, que Marx chama de sociedade comunista, não é pensada
por ele para ser uma utopia ou algo impossível, porém, afirma, “o co-
munismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro ime-
diato, mas o comunismo em si não é a finalidade do desenvolvimento
humano, a forma da sociedade humana” (MARX, 1847). Esta nova so-
ciedade, a sociedade comunista, possibilita submeter os homens ao
poder dos indivíduos, livremente, associados, onde a divisão do traba-
lho passa a obedecer aos interesses de toda sociedade.
74
Na sociedade comunista, o sistema social seria regulado de acordo
com as necessidades humanas, sendo o resultado de uma reconstru-
ção da sociedade dando início a uma nova vida social.
75
O método marxista, materialismo histórico, também foi, e ainda é,
amplamente utilizado para explicar questões contemporâneas e
analisar demandas e necessidades sociais. Movimentos políticos
e sociais - tais como grupos feministas, ambientalistas, partidos,
sindicatos, movimentos libertários e estéticos vinculados ao tea-
tro revolucionário e popular, ao cinema, às correntes psicanalíti-
cas - encarregaram-se também de examinar as proposições mar-
xianas (QUINTANEIRO, 2003:58).
2.14.Referências
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na. In: MARX, K; ENGELS, F. Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid:
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dução de Henrique Lima Vazo São Paulo: Abril Cultural, 1980.
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MARX, K.; ENGELS, F. Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid:
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MARX, K Crítica à economia política. In: __. Contribuição para a crí-
tica da economia política. Lisboa: Estampa, 1973.
76
MARX, K Discurso no People’s Paper. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras
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Jardim e Eduardo Nogueira. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1976.
2 V. 1ª Edição em 1867
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. In: __. Obras
escogidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V. 1ª Edi-
ção em 1848
MARX, K; ENGELS, F. Teses contra Feuerbach. In: __. A ideologia
alemã. Tradução de Conceição Jardim e Eduardo Nogueira. Lisboa:
Presença/ Martins Fontes, 1976. 2 V.
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Floreal Mazía. Buenos Aires: Cartago, 1973. 3 V.
MARX, Carlos. Introdução à crítica da economia política. In: __.
Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa: Estampa,
1973.
MARX, K. Manuscritos: economía y filosofía. Tradução de Francisco
Rubio Llorente. Madrid: Alianza Editorial, 1974.
MARX, K. Miseria de Ia filosofía. Respuesta a ia filosofía de la mise-
ria dei senor Proudhon. Buenos Aires: Siglo XXI, 1974.
MARX, K. El dieciocho brumario de Luis Bonaparte. In: MARX, K.;
ENGELS, F. Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos,
1975. 2 V. 1ª Ed. em 1852
MARX, K. Prefácio. In: __. Contribuição para a crítica da economia
política. Lisboa: Estampa, 1973. 1ª Ed em 1859.
MARX, K. Trabalho assalariado e capital. In: MARX, K.; ENGELS, F.
Obras escogidas de Marx y Engels. Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V.
MARX, K. O capital. [s.n.t.].
QUINTANEIRO, T.; OLIVEIRA, M.; OLIVEIRA, B. Um toque de Clássi-
cos: Marx, Durkheim, Weber. Ed. UFMG, 2ª Ed.; Belo Horizonte, 2003
77
CAPÍTULO 3
Émile Durkheim
78
Tendo voltado os estudos à psicologia e filosofia, buscando desen-
volver a sociologia, Durkheim não conseguiu receber uma nomeação
acadêmica importante em Paris. De 1882 a 1887, ensinou filosofia em
diversas escolas menores. Em 1885, mudou-se para a Alemanha onde
estudou, por dois anos. Já em 1886, terminou uma importante parte
de sua tese de Doutorado, intitulado A Divisão das Tarefas na Socie-
dade, que seria fundamental para o estabelecimento da sociologia
como ciência.
Tendo publicado diversos artigos nos dois anos que morou na Ale-
manha, Durkheim começou a ganhar prestígio na França e passou a
trabalhar como docente na Universidade de Bordeaux em 1887, onde
ensinava o primeiro curso de ciências sociais daquela universidade.
A nomeação de Durkheim ao corpo docente marcou uma importante
mudança que apontava para uma crescente importância e reconhe-
cimento das ciências sociais no Ocidente. A partir disso, Durkheim
auxiliou na reformulação do sistema escolar francês, introduzindo o
estudo das ciências sociais no currículo.
A década seguinte foi marcada por uma extensa produção durkhei-
miana, desde a produção de sua tese de doutorado, Da Divisão do Traba-
lho Social (1893), até suas obras principais, Regras do Método Sociológico
(1895), O Suicídio (1897); na década posterior, As Formas Elementares da
Vida Religiosa (1912).
Entretanto, a Primeira Guerra Mundial produziu um efeito trágico
na vida de Emile Durkheim. Emocionalmente devastado pela perda
de seu filho mais velho e de vários de seus alunos, nas trincheiras,
Durkheim entrou em colapso, após um acidente vascular cerebral e
faleceu em 15 de novembro de 1917.
A importância de Durkheim para a sociologia é sine qua non. Con-
siderado o pai desta ciência, os trabalhos de Durkheim possuem, até
hoje, impacto significativo na análise da sociedade e na influência
que ela causa sobre a vida dos indivíduos. De fato, Durkheim foi um
79
dos que mais contribuiu para a construção e consolidação da Socio-
logia como ciência empírica e acadêmica, tendo as mudanças sociais
da época, bem como a ciência positivista, as grandes influenciadoras
do seu pensamento.
80
uma ciência autônoma, e, para isso, era necessário delimitar o obje-
to próprio desta ciência. Ao objeto, Durkheim chama de “Fato Social”.
Para ele, Fato Social é definido como “toda maneira de agir fixa ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então
ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando
uma existência própria, independente das manifestações individuais
que possa ter”, as “maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores
ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se
lhe impõem”, ou ainda “maneiras de fazer ou de pensar, reconhecíveis
pela particularidade de serem suscetíveis de exercer influência coerci-
tiva sobre as consciências particulares” (DURKHEIM, 1895).
Em outras palavras, Fato Social é uma instituição social com 3 ca-
racterísticas básicas: 1) é externo, ou seja, não foi criado ou inventado
por algum indivíduo particular, vem de fora dele; 2) é geral, influencia
todos os indivíduos na sociedade e não apenas um; 3) é coercitivo,
o indivíduo é obrigado ou coagido a realizar tal ação ou comporta-
mento. Pense na língua. No Brasil, a língua é o Português. Quando um
indivíduo nasce, ele aprende o Português como lhe é ensinado. Não é
ele que inventa uma língua nova. Ela é externa a ele. Além disso, os in-
divíduos na sociedade brasileira falam português, não apenas um indi-
víduo. Logo, é geral. O indivíduo que quiser se comunicar, tem que falar
o Português. Não pode criar uma língua, só para ele, porque ninguém
vai lhe compreender. Por conseguinte, ela é coercitiva. Conclui-se, en-
tão, a Língua é um fato social.
Fato social é algo dotado de vida própria. Não é resultado da sim-
ples vontade dos indivíduos, ou que atua sobre os indivíduos fazendo
com que eles atuem, comportem-se e pensem de uma certa forma.
Como a sociedade, o “reino social” está sujeito a leis próprias e es-
pecíficas, necessita de um método próprio, que guie as análises. Para
Durkheim, a sociedade não é a simples soma dos indivíduos vivos,
composta por uma união de suas consciências. “Ações e sentimen-
tos particulares, ao serem associados, combinados e fundidos, fazem
81
nascer algo novo e exterior àquelas consciências e às suas manifesta-
ções” (QUINTANEIRO, 2003:62). Mesmo que a sociedade seja compos-
ta pelos indivíduos e se forme pelo agrupamento das partes, a com-
posição “dá origem ao nascimento de fenômenos que não provêm
diretamente da natureza dos elementos associados” (DURKHEIM,
1895). A sociedade é, portanto, mais do que uma soma. Comparan-
do-se ao corpo humano, a vida está no todo e não nas partes de forma
independente. Daí, para Durkheim, a sociedade é
82
Os fatos sociais podem ser mais ou menos consolidados e cristali-
zados na sociedade. Os fatos sociais menos consolidados e mais flui-
dos são as maneiras de agir. Entre tais maneiras estão as correntes
sociais, os movimentos coletivos e as correntes de opinião, “que nos
impelem com intensidade desigual, segundo as épocas e os países,
ao casamento, por exemplo, ao suicídio, à uma natalidade mais ou
menos forte etc.” (DURKHEIM, 1895). Pense, por exemplo, no casamen-
to. Mesmo que você não queira casar, é esperado de você que pelo me-
nos pense na possibilidade e considere juntar-se a alguém pelo resto
da vida.
Já os fatos sociais mais consolidados e cristalizados se relacionam
às maneiras de ser: “regras jurídicas, morais, dogmas religiosos, sis-
temas financeiros, vias de comunicação, a maneira como se constro-
em casas, vestimentas de um povo e inúmeras formas de expressão.
Eles são, por exemplo, os modos de circulação de pessoas e de mer-
cadorias, de comunicar-se, vestir-se, dançar, negociar, rir, cantar, con-
versar, etc., que vão sendo estabelecidos pelas sucessivas gerações”.
(QUINTANEIRO, 2003:63). Imagine que você não goste do sistema de
trocas comerciais que existe, ou seja, compra e venda e utilização do di-
nheiro e moeda. Por mais que você não goste, dificilmente você vai con-
seguir comprar ou vender alguma coisa sem utilizar dinheiro. Se você
aparecer em uma loja de carros, querendo comprar um e quiser dar
em troca uma certa quantidade de bois e vacas, provavelmente não irá
conseguir. É provável que você tenha que vender os animais utilizando
dinheiro e com esse dinheiro, volte e compre o carro. Ou seja, há uma
coerção para utilizar o sistema de trocas vigente.
São mais ou menos cristalizados e consolidados. Tanto as manei-
ras de agir quanto as maneiras de ser são, de igual modo, coercitivas,
coagindo os membros das sociedades a adotar certas formas de agir,
de se comportar, ou de sentir. Por não ser algo que surge dentro dos
indivíduos, ou seja, tem sua origem de forma externa, que foi passado
para ele pelos seus ancestrais e pelos outros indivíduos em socieda-
83
de, formando, assim, uma realidade objetiva, constitui-se como fato
social.
Durkheim, então, a fim de provar que as formas de agir, de ser, de
pensar e de sentir são externas ao indivíduo, afirma que estas diversas
formas são internalizadas por meio de um processo educativo. Desde
crianças, quando ainda são muito pequenos, os indivíduos são edu-
cados a seguir horários, ter disciplina, desenvolver comportamentos
e maneiras de ser específicas, trabalhar, responder de determinada
forma a certos sentimentos e a ter certas expectativas. É importante
lembrar que, para Durkheim, o processo educacional ocorre por uma
transmissão da família para a criança, da escola para a criança e dos
outros indivíduos para a criança. Conquanto o indivíduo vive em so-
ciedade, recebe influência daqueles que estão à sua volta, fazendo do
processo educacional uma constante realidade.
As crianças passam por um processo de socialização metódica, e
“é uma ilusão pensar que educamos nossos filhos como queremos.
Somos forçados a seguir regras estabelecidas no meio social em que
vivemos” (DURKHEIM, 1895). Neste processo, com o passar do tem-
po, as crianças vão internalizando e adquirindo os hábitos que lhes
são ensinados, deixando de agir desta forma porque são obrigadas,
aprendendo o comportamento e os modos de ser do grupo que as
cerca. A educação cria no homem um ser novo, colocando-o em uma
sociedade, e fazendo com que ele compartilhe com os outros desta
sociedade uma série de valores, sentimentos, comportamentos e ex-
pectativas. Nasce, assim, um ser superior àquele natural. As maneiras
de agir e de ser precisam ser transmitidas externamente, pelo proces-
so educacional, porque são externas ao indivíduo.
84
mentos de crédito que utilizo nas minhas relações comerciais, as
práticas seguidas na profissão etc. funcionam independentemen-
te do uso que delas faço (DURKHEIM, 1895).
85
sobre as pessoas uma autoridade específica. Caso o indivíduo deci-
da não aderir às convenções humanas, resistir a alguma lei, violar
alguma regra moral, não usar o idioma ou usar a moeda local enfren-
tará uma série de obstáculos e dificuldades de se relacionar com os
outros indivíduos. Ademais, não haverá só uma dificuldade de rela-
cionamento, mas a sociedade tentará reprimir, convencer, restringir
a ação deste indivíduo que não adere à prática social. A repreensão
ocorrerá através de punição, advertências, vergonha, violência e ou-
tras sanções que façam o indivíduo agir de acordo com a sociedade
ao redor, mostrando-lhe que existe algo superior a ele mesmo. Assim,
quando se opta por uma não submissão, “as forças morais contra as
quais nos insurgimos reagem contra nós e é difícil, em virtude de sua
superioridade, que não sejamos vencidos. (...). Estamos mergulhados
numa atmosfera de ideias e sentimentos coletivos que não podemos
modificar à vontade” (DURKHEIM, 1895).
Por outro lado, a única alternativa não é apenas a submissão às
regras sociais e à obediência cega às pressões dos fatos sociais. Os
indivíduos podem questionar e não seguir tais pressões sociais, ape-
sar das dificuldades impostas por um poder contrário de origem so-
cial. Podem surgir comportamentos inovadores e questionadores. As
instituições sociais são passíveis de mudança e transformação, desde
que “vários indivíduos tenham, pelo menos, combinado a sua ação
e que desta combinação se tenha desprendido um produto novo”
(DURKHEIM, 1895). Desta nova ação combinada, surge um novo fato
social. Assim, algumas ações que podem parecer desconexas e im-
próprias para seu tempo podem conter tendências do futuro, aspira-
ções de um novo ideal, podendo vencer os obstáculos, impondo-se,
tomando o lugar das ideias em vigor até então. Por exemplo, há algu-
mas décadas, o divórcio era considerado um ato odioso e repreensivo.
Líderes religiosos perdiam cargos por tomarem tal atitude. Atualmen-
te, uma boa parcela da população ainda considera o divórcio um ato
errado, mas é melhor aceito socialmente, até mesmo entre líderes reli-
86
giosos. Isto ocorre, porque uma parte considerável da sociedade come-
çou a tomar tal atitude, fazendo com que o divórcio perdesse seu status
de ilegal ou imoral.
A ação transformadora de um fato social se torna mais difícil de-
pendendo da importância dele para a coesão e cooperação social.
Quanto mais importante for um fato social para a permanência da es-
trutura social, mais difícil será a sua transformação. Enquanto na so-
ciedade moderna questões como aborto, eutanásia, clonagem e por-
te de armas estão constantemente sendo colocadas em discussão,
nas sociedades antigas tal discussão seria desconsiderada. Aqueles
que desejassem discuti-las nas sociedades tradicionais, enfrentariam
enorme resistência. Como demonstra Durkheim,
87
3.3. O Método de Estudo Sociológico
No desenvolvimento de seus estudos da vida social, Durkheim bus-
cava desenvolver um método que o permitisse desenvolver suas análi-
ses de maneira científica, indo além do senso comum. Para Durkheim,
o método utilizado deveria se assemelhar ao das ciências naturais, mas
não deveria ser o mesmo das ciências naturais, uma vez que os fatos es-
tudados pela Sociologia pertencem ao reino social e são distintos dos
fenômenos da natureza. Por isso, o método deveria ser estritamente
sociológico. Baseados nele, os cientistas sociais analisariam as regula-
ridades deste mundo, considerando suas causas e efeitos, descobrindo
e estabelecendo as leis que apontam as regras de ação para o futuro,
observando fenômenos rigorosamente definidos,
88
sim, as regras do método sociológico. A primeira delas é considerar os
fatos sociais como coisas. Para isso, é preciso 1) afastar sistematica-
mente as prenoções, ou seja, afastar os valores e desejos subjetivos;
2) definir os fenômenos tratados, previamente, a partir das caracte-
rísticas exteriores comuns; 3) considerá-los de maneira mais objetiva
possível, independentemente de manifestações individuais. Assim,
Durkheim coloca em xeque a conduta do investigador que, mesmo
que entre em contato com uma realidade completamente desconhe-
cida, precisa se portar como analisando coisas, como se estivesse
“entre coisas imediatamente transparentes ao espírito, tão grande é a
facilidade com que o vemos resolver questões obscuras” (DURKHEIM,
1985). Assim, a coisa pode ser reconhecida
89
se substituir às coisas. Com efeito, as coisas sociais só se realizam
através dos homens; são um produto da atividade humana. Não
parecem, pois, constituir outra coisa senão a realização de ideias,
inatas ou não, que trazemos em nós; não passam da aplicação
dessas ideias às diversas circunstâncias que acompanham as re-
lações dos homens entre si. A organização da família, do contrato,
da repressão, do Estado, da sociedade aparece assim como um
simples desenvolvimento das ideias que formulamos a respeito da
sociedade, do Estado, da justiça etc., por conseguinte, tais fatos e
outros análogos parecem não ter realidade senão nas ideias e pe-
las ideias; e como estas parecem o germe dos fatos, elas é que se
tornam, então, a matéria peculiar à Sociologia (DURKHEIM, 1895).
Por isso é tão relevante que uma das bases da ciência sociológi-
ca fosse a objetividade, o afastamento da subjetividade. O cientista
social necessita de objetividade para ser capaz de se colocar “num
estado de espírito semelhante ao dos físicos, químicos e fisiologistas,
quando se aventuram numa região ainda inexplorada de seu domí-
nio científico”, deixando de lado seus desejos, pré-conceitos e noções
90
prévias a fim de adotar a dúvida metódica, como colocaria Descartes.
Esta atitude leva à convicção de que
91
só a personalidade moral que esteja acima das personalidades
particulares é que forma a coletividade. Somente assim ela tem
a continuidade e mesmo a perenidade necessárias para manter a
regra acima das relações efêmeras que a encarnam diariamente
(DURKHEIM, 1893).
92
sendo independente deles, e possuindo sobre eles uma autoridade que
os constrange, mas que eles amam. A sociedade é o que dá ao homem
sua humanidade, pois “não poderíamos pretender sair da sociedade
sem querermos deixar de ser homens” (DURKHEIM, 1895).
Todavia, os ideais que mantém unidos os indivíduos precisam ser,
periodicamente, verificados e modificados para não se debilitarem.
Tal transformação ocorre durante as ocasiões que aproximam as pes-
soas, tornando mais frequentes e intensas as relações entre elas, uma
vez que tal
reconstituição moral não pode ser obtida senão por meio de reu-
niões, de assembleias, de congregações, onde os indivíduos, es-
treitamente próximos uns dos outros, reafirmam em comum seus
sentimentos comuns, daí as cerimônias que, por seu objeto, pelos
resultados que produzem, pelos procedimentos que empregam,
não diferem em natureza das cerimônias propriamente religio-
sas. Qual é a diferença essencial entre uma assembleia de cristãos
celebrando as datas principais da vida de Cristo, ou de judeus ce-
lebrando a saída do Egito ou a promulgação do decálogo, e uma
reunião de cidadãos comemorando a instituição de uma nova cons-
tituição moral ou algum grande acontecimento da vida nacional?
(DURKHEIM, 1912)
93
3.5. Tipos de Solidariedade e Consciência
Outros dois conceitos bastante importantes para compreender a so-
ciologia durkheimiana são os conceitos de solidariedade e consciência
social. Ainda que ele não tenha sido o primeiro a elaborar sobre o tema,
Durkheim procurou mostrar como a solidariedade não só é constituí-
da, como também age como uma forma de coesão entre os membros
do grupo, podendo variar segundo o modelo de organização social.
Para explicar as formas de solidariedade, Durkheim considera a divisão
do trabalho social. Segundo ele, todos os seres humanos possuem dois
tipos de consciência: “Uma é comum com todo o nosso grupo e, por
conseguinte, não representa a nós mesmos, mas a sociedade agindo e
vivendo em nós. A outra, ao contrário, só nos representa no que temos
de pessoal e distinto, nisso é que faz de nós um indivíduo. ” (DURKHEIM,
1893). Isso significa que, para ele, existe em cada um de nós dois tipos
de seres. O primeiro ser é individual, “constituído de todos os estados
mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acon-
tecimentos de nossa vida pessoal”. O segundo, é social, “um sistema de
ideias, sentimentos e de hábitos que exprimem em nós (...) o grupo ou
os grupos diferentes de que fazemos parte; tais são as crenças religio-
sas, as crenças e as práticas morais, as tradições nacionais ou profissio-
nais, as opiniões coletivas de toda espécie. Seu conjunto forma o ser
social. ” (DURKHEIM, 1893). Quanto mais o indivíduo participa da vida
social, mais ele supera a si mesmo. O objeto da educação social, pela
família, escola, regras morais e punições, por exemplo, é formar uma
consciência comum, formar cidadãos para sociedade e não trabalha-
dores para as fábricas ou contadores para o mercado. “O ensino deve,
portanto, ser essencialmente moralizador; libertar os espíritos das vi-
sões egoístas e dos interesses materiais; substituir a piedade religiosa
por uma espécie de piedade social” (DURKHEIM, 1893).
Essa consciência comum ou coletiva corresponde ao “conjunto
das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de
94
uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado que
tem vida própria (DURKHEIM, 1895). Portanto, a consciência coletiva
produz no indivíduo um mundo de sentimentos, ideias e imagens e
independe da maneira pela qual cada um dos membros da sociedade
manifesta tal consciência, porque possui uma realidade e natureza
próprias. Quanto mais extensa é a consciência coletiva de uma socie-
dade, mais coesão haverá entre os participantes dela, referindo-se a
uma “conformidade de todas as consciências particulares a um tipo
comum”, fazendo com que as pessoas tenham ideais e sentimentos
semelhantes, atraindo um ao outro pela similaridade existente entre
ele, diminuindo a individualidade de cada membro. Mesmo assim,
95
sas e mais importantes à medida que o campo das relações sociais
se torna mais vasto. Ali, então, onde elas encontram uma resistên-
cia débil, é inevitável que elas se provenham de fora, se acentuem,
se consolidem, e como elas são o âmago da personalidade indivi-
dual, esta vai necessariamente se desenvolver. Cada qual, com o
passar do tempo, assume mais sua fisionomia própria, sua manei-
ra pessoal de sentir e pensar (DURKHEIM, 1895).
96
É válido lembrar que a divisão do trabalho não é específica da esfe-
ra econômica. Ela está presente em outras áreas da sociedade, como
nas funções políticas, administrativas, judiciárias, artísticas, cientí-
ficas, religiosas, entre outras. Portanto, se por um lado o processo
educacional perpetua os elementos comuns existentes em toda so-
ciedade, como respeito, moral, dever e direito, ele também propaga
e colabora para a diferenciação, já que cada profissão “reclama apti-
dões particulares e conhecimentos especiais”.
Onde há uma alta divisão do trabalho, a sociedade não consegue
regulamentar todas as funções, deixando possível o fortalecimento
da consciência individual, isto é, a esfera de ação própria de cada um
dos membros. Desta forma, quando a comunidade ocupa um espaço
menor, abre-se mais lugar para desenvolverem-se diferenças, indivi-
dualidades e personalidades.
97
se assemelham, fazendo deles pouco ou nada distintos entre si e por
causa disso, a solidariedade entre eles existe por conta das similari-
dades que compartilham.
98
de se dá devido à interdependência existente entre os membros que
compõem esta sociedade. Desta forma, a função da divisão do tra-
balho social é integrar o corpo social e lhe garantir a unidade, sendo
uma condição, ou ainda, uma necessidade da sociedade organizada.
Percebe-se que, a sociedade se assemelha a um organismo com
sistema de funções diferentes e especiais, onde cada órgão tem uma
função específica, e o papel que o indivíduo desempenha é o que
marca seu lugar na sociedade. Daí a afirmação: “chegará o dia em
que toda organização social e política terá uma base exclusivamente
ou quase exclusivamente profissional” (DURKHEIM, 1893). A partir da
ideia de solidariedade orgânica, fruto da divisão do trabalho, tem-se
a ideia que
99
rem. (...). Quanto mais solidários são os membros de uma socie-
dade, mais relações diversas sustentam, seja entre si, seja com o
grupo tomado coletivamente, porque se os seus encontros fossem
raros, eles não dependeriam uns dos outros senão de maneira frá-
gil e intermitente (DURKHEIM, 1893).
3.7. O Suicídio
Para medir as formas de solidariedade em uma sociedade,
Durkheim se utiliza de regras do Direito. Nas sociedades complexas
e diferenciadas, o Direito cumpre o mesmo papel do sistema nervoso
no corpo humano, ou seja, regular as funções do corpo. Por exemplo,
as sanções e penalidades impostas pelo Direito, que objetivam con-
trolar e organizar a vida em sociedade, são mais organizadas do que
as sanções morais. As punições impostas pelo Direito são divididas
em duas classes: as repressivas, que infligem sobre o culpado alguma
dor, privação ou sofrimento e as restitutivas, que fazem com que as
coisas que perderam a ordem sejam postas de volta no lugar, levando
o culpado a reparar o dano causado.
Nas sociedades onde a principal característica é a semelhança en-
tre os indivíduos, um comportamento desviante é punido por meio
de ações que estão diretamente relacionadas com os costumes. “Os
membros dessas coletividades participam conjuntamente de uma
espécie de vingança contra aqueles que violaram algum forte senti-
mento compartilhado que tenha para a sociedade a função central de
assegurar sua unidade. Sendo a consciência coletiva tão significativa
e disseminada, feri-la é uma violência que atinge a todos aqueles que
se sentem parte dessa totalidade” (QUINTANEIRO, 2003:75). Aqui,
o crime rompe com elos de solidariedade e sua reparação funciona
como confirmação dos valores que unem os indivíduos e demons-
tram como a solidariedade é vital para a própria manutenção da vida
100
social. A punição contra o agressor cumpre a função de destacar a
importância do respeito a estes valores e sentimentos, garantindo a
continuidade da sociedade.
Em sociedades primitivas, os sentimentos coletivos são fortemen-
te gravados em todas as consciências, sendo essenciais e incontes-
táveis, como também o é a punição. Desta forma, os crimes são atos
que
101
vez que, provavelmente, ele desconheça a prática e a razão pela qual o
produtor precisa ser punido.
Por isso o Direito vai se dividir em Penal, Civil, Comercial, Adminis-
trativo, Comercial e Processual, para conseguir dar conta das diversas
áreas da sociedade diferenciada.
A diferenciação se torna cada vez maior, exigindo cada vez mais
uma especialização das regras e normas, necessitando que sejam
criados, também, novos órgãos para executar tais normas.
A sociedade, portanto, é capaz de cobrar ações e comportamen-
tos específicos de seus membros, contando com formas de punição
e correção para garantir tal comportamento. Tal cobrança é feita com
o intuito de garantir a autopreservação. Ante a isso, Durkheim afirma
que, para garantir a autopreservação e coesão, a sociedade pode exi-
gir que o indivíduo abdique de sua própria vida. Vendo esta realida-
de, Durkheim analisa o suicídio como um fato social. O que torna tal
proposição interessante, é o fato de Durkheim analisar o fenômeno,
tendo base as motivações sociais para o ato, e não como se fosse algo
exclusivamente privado. Ele parte da seguinte reflexão:
102
ciedade para sociedade. Para iniciar uma análise objetiva, Durkheim
define o suicídio como “todo caso de morte que resulte direta ou in-
diretamente de um ato positivo ou negativo praticado pela própria
vítima, sabedora de que devia produzir esse resultado” (DURKHEIM,
1897). Assim, após o conceito e a delimitação do fato que se preten-
de estudar, Durkheim considera que tal fato é um fenômeno coletivo,
utilizando dados relativos às sociedades europeias, a fim de demons-
trar as regularidades existentes e construir uma taxa específica para
cada uma delas. Com isso, Durkheim procurou diferenciar a Sociolo-
gia das outras ciências que, tendo o homem como objeto, analisam o
suicídio considerando fatos individuais e casos isolados. A Sociologia,
contudo, procura analisar este fato como algo social e coletivo. Mes-
mo que exija diretamente a ação isolada de um indivíduo, tal ação só
ocorre por influência social. A análise isolada dos casos impede a real
compreensão da questão do suicídio, que é coletiva.
Ele constrói, desta forma, uma tipologia dos suicidas. Cada gru-
po social tem uma disposição coletiva para o suicídio. A partir destas
inclinações coletiva, derivam as inclinações individuais. A disposição
coletiva deriva de “correntes de egoísmo, de altruísmo ou de anomia
que afligem a sociedade ... com as tendências à melancolia langoro-
sa, à renúncia ativa ou à fadiga exasperada que são as consequências
das referidas correntes” (DURKHEIM, 1897). O autor estabelece três
tipos de correntes suicidogêneas, a saber: o suicídio egoísta, o sui-
cídio altruísta e o suicídio anômico. De forma geral, as três correntes
mantêm os indivíduos estáveis e se compensam mutuamente. Uma
relação desequilibrada com a sociedade pode gerar no indivíduo um
estímulo, uma ação de tirar a própria vida. Certas condições sociais,
certas profissões ou certas religiões podem tanto ajudar os indivídu-
os a cometerem tal ato, como podem ajudar a contê-lo. Por ser algo
objetivo e exterior ao indivíduo, isto é, algo social, a real razão para a
tomada de ação do suicídio é social, onde a influência de questões
particulares são “ressonâncias do estado moral da sociedade”. Pode-
103
se concluir então que, quanto maior a coesão e vitalidade das insti-
tuições às quais as pessoas estão ligadas, menor a possibilidade de o
indivíduo cometer tal ato.
104
cia na vida social é maior nos povos modernos do que nos primitivos
e afligia mais os homens do que as mulheres. Por isso, acredita que
uma mulher viúva ou solteira suportaria melhor a solidão, porque as
necessidades femininas, mais rudimentares nos aspectos sociais, se-
riam satisfeitas nessa área com “poucos gastos” em relação às dos
homens, socialmente mais complexos (QUINTANEIRO, 2003:79).
Já em sociedades inferiores, os suicídios mais frequentes eram os
altruístas, que são praticados por pessoas enfermas, ou idosas, por
viúvas após a morte do marido, por fiéis religiosos, por escravos após
a morte de seus servos, ou atos heroicos que ocorrem durante guer-
ras e convulsões sociais. “O suicídio é visto então como um dever que,
se não for cumprido, é punido pela desonra, perda da estima pública
ou por castigos religiosos” (QUINTANEIRO, 2003: 79). Aqui também é
a sociedade que influencia o indivíduo na tomada de decisão. Mas,
se o suicídio egoísta é resultado de um afrouxamento de laços com a
sociedade, o suicídio altruísta é fruto de uma ausência de ego, onde
este ego pertence a alguma instituição na qual o indivíduo faz parte,
como o Estado, a Igreja ou a família.
105
Em suma, o suicídio é um fato social, porque ocorre devido à influ-
ência da sociedade sobre o indivíduo, levando-o a tomar tal decisão.
O suicídio egoísta ocorre por um descumprimento da ordem, uma de-
sonra e o indivíduo tira a própria vida, porque quebrou as normas da
sociedade. O suicídio altruísta ocorre quando o indivíduo se entrega
pelo bem da sociedade e de sua manutenção. O suicídio anômico, fi-
nalmente, é uma ocorrência da ausência de normas e laços sociais.
106
e pouco duradouros, há uma situação de desequilíbrio, fazendo com
que o sentimento de interdependência diminua, as relações fiquem
instáveis e precárias e as regras vagas e indefinidas. Este é o estado
de anomia, onde é impossível que os órgãos solidários estejam em
contato suficiente e suficientemente prolongado, já que,
107
têm mais limites, seus fracassos e crises multiplicam-se, e as restri-
ções parecem-lhe insuportáveis. O divórcio, aliado ao afrouxamen-
to do controle social, pode também levar à anomia, rompendo o
estado de equilíbrio moral dos indivíduos (QUINTANEIRO, 2003: 81)
108
tuições protetoras do mundo feudal, como a estrutura social pouco dife-
renciada onde todos eram obedientes ao rei e à Igreja. Todo o progresso
social e econômico da sociedade moderna não foi acompanhado pelo
desenvolvimento de instituições dotadas de autoridade capaz de regula-
mentar os interesses e estabelecer limites. Daí, o caos e a desordem, bem
como a anomia moral, presentes na sociedade modera.
As crises que perturbavam a sociedade não eram controladas por
um freio moral, ou uma consciência superior à dos indivíduos. Devido
a isso, a solidariedade é perdida, e a coesão social é ameaçada, pois
109
Dada a importância da profissão na sociedade moderna, bem
como a ausência de solidariedade e, consequentemente, o estado de
anomia da sociedade, Durkheim procura no campo do trabalho, nos
grupos profissionais, um lugar onde a solidariedade e a moralidade
integradoras pudessem ser reconstruídas. O autor encontra nos gru-
pos profissionais uma resposta para a necessidade de reconstrução
moral. Ele percebe que o grupo profissional preenche as duas con-
dições necessárias para a regulamentação da vida social, a saber, 1)
está interessado na vida econômica e 2) tem uma durabilidade como
o grupo familiar. Assim, como o grupo profissional é mais restrito que
o Estado e está perto da vida econômica do indivíduo, é capaz de “co-
nhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessida-
des e seguir todas as suas variações” (DURKHEIM, 1893). Desta forma,
o grupo profissional é capaz de exercer sobre os membros daquela
sociedade profissional uma regulamentação moral capaz de limitar
determinados impulsos e a pôr fim aos estados anômicos existentes,
quando tal grupo busca
110
está ligada à divisão anômica do trabalho, gerando não só desigualda-
des, como também as insatisfações existentes na sociedade. Mesmo que
esta sociedade já houvesse “enorme quantidade de indivíduos cuja vida
se passa quase que inteiramente no meio industrial”, ela ainda não era
capaz de exercer a “coação, sem a qual não há moral”, isto é, “não se lhes
apresentavam como uma autoridade que lhes impusesse deveres, re-
gras, limites” (QUINTANEIRO, 2003: 83).
111
a presença da imoralidade coletiva. Como observa Durkheim, a civili-
zação é moralmente neutra, sendo a ciência o único de seus elemen-
tos que apresenta um certo caráter de dever (DURKHEIM, 1893).
De fato, Durkheim propõe que a corporação ou grupo profissional
deveria se ampliar, à medida que o mercado também se ampliasse
passando de nacional para internacional. Com essa ampliação, a cor-
poração se ampliaria e tornar-se-ia um órgão autônomo, exercendo
os princípios dos distintos ramos comerciais, desenvolvendo uma
moral que abrangesse o todo.
Não haveria uma reconstrução das corporações medievais, mas
seria necessário reconhecer o papel que estas corporações haviam
realizado enquanto instituições e seu “poder moral capaz de conter
os egoísmos individuais, de manter no coração dos trabalhadores um
sentimento mais vivo de sua solidariedade comum, de impedir que a
lei do mais forte se aplique tão brutalmente às relações industriais e
comerciais” (DURKHEIM, 1893). Da mesma forma, as novas corpora-
ções profissionais possuiriam uma autoridade moral, criando solida-
riedade e coesão entre seus membros.
Ora, essa união com algo que supera o indivíduo, essa subordina-
ção dos interesses particulares ao interesse geral é a própria fonte
112
de toda atividade moral. Se esse sentimento se precisa e se determi-
na, quando, aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais
importantes da vida, se traduz em fórmulas definidas, temos um
corpo de regras morais prestes a se constituir (DURKHEIM, 1893)
113
Isto se dá porque tal distanciamento ocorreu mais rápido do que as
novas instituições sociais foram capazes de acompanhar, a fim de es-
tabelecer um equilíbrio sobre as relações. Quando indivíduos se iso-
lam, a anomia e o risco de desintegração põem em risco o corpo so-
cial e “quando o indivíduo, absorvido por sua tarefa, se isola em sua
atividade especial, já não percebe os colaboradores que trabalham a
seu lado e na mesma obra, nem sequer tem ideia dessa obra comum”
(DURKHEIM, 1893).
Durkheim discorda que a divisão do trabalho reduziu o homem a
uma máquina que repete os mesmos movimentos sem relacionar a
ação com seu propósito. Para ele, se o trabalhador “já não é uma célu-
la viva de um organismo vivo que vibra sem cessar ao contato das cé-
lulas vizinhas”, é porque tornou-se “uma engrenagem inerte que uma
força externa põe em funcionamento” (DURKHEIM, 1893). O sistema
social moderno não é indiferente a moral. De fato, a ausência de uma
moral põe em risco as funções sociais como um todo, necessárias
para manter a vida social. É justamente pela falta desta moral que as
crises, crimes e anomia existem. Logo, a solução está em demonstrar
para o trabalhador que “suas ações têm um fim fora de si mesmas.
Daí, por especial e uniforme que possa ser sua atividade, é a de um
ser inteligente, porque ela tem um sentido e ele o sabe”.
A desarmonia entre as habilidades do indivíduo e as tarefas reali-
zadas causam perturbação na sociedade, mas esta desarmonia não
é, necessariamente, fruto da divisão do trabalho. “O trabalho só se di-
vide espontaneamente se a sociedade está constituída de tal maneira
que as desigualdades sociais expressam exatamente as desigualda-
des naturais” (DURKHEIM, 1893).
114
circunstâncias”. Entretanto, “tais normas distinguem-se de outros
conjuntos de regras, porque envolvem uma noção de dever, cons-
tituem uma obrigação, possuem um respeito especial, são senti-
das como desejáveis e, para cumpri-las, os membros da sociedade
são estimulados a superar sua natureza individual” (QUINTANEIRO,
2003:87). As normas morais objetivam se apresentar como algo dese-
jado e desejável para os seres humanos a quem são destinadas. Elas
não são apresentadas como uma simples ordem, mas, sim, como um
dever, pois “experimentamos um prazer sui generis em cumprir com
nosso dever, porque é nosso dever. A noção de bem penetra na no-
ção de dever”. Portanto, ao praticar seu dever, não porque é obrigado,
mas porque entende que é o melhor a ser feito, o indivíduo vive em
liberdade, que é a “filha da autoridade bem compreendida. Porque
ser livre não é fazer o que se queira; é ser-se senhor de si, saber agir
pela razão, praticando o dever” (DURKHEIM, 1897).
A moral está presente em cada povo, cada cultura em diferentes
tempos e momentos históricos. Baseados na moral, a opinião pública
e os tribunais exercem seus julgamentos. A moral está diretamente
relacionada com o bem. Mesmo que existam consciências individu-
ais que não se ajustem à moralidade de seu tempo, existe uma mo-
ral comum e geral sobre aqueles que pertencem à coletividade, e as
consciências individuais expressam as diversas formas que a moral
se expressa. Por isso, se o educador, seja um pai ou um professor,
possui uma ascendência moral sobre seus filhos ou alunos é porque
tem uma autoridade legítima, que se dá devido à crença na missão
que desempenha e não no medo que inspira. Tal autoridade existe
também nos sacerdotes religiosos que falam em nome de Deus. Para
Durkheim há dois grandes órgãos de entidades morais: um, da socie-
dade, e outro de Deus. Mas, a sociedade é a autoridade moral; é dela
que parte a obrigatoriedade às normas morais. Assim, o valor moral
dos atos se deve a seu objetivo superior aos indivíduos, isto é, sua
fonte sendo mais elevada e sua finalidade sendo a sociedade.
115
Durkheim dedica grande parte de sua obra buscando fundamen-
tar os princípios que embasam sua noção de sociedade. Para ele, o
valor moral superior à soma moral de cada indivíduo demonstra
como ela não é a simples soma dos indivíduos que a constituem. A
moral que surge não é inventada por indivíduos particulares, mas
algo que emerge das relações sociais que exercem. E, “se existe uma
moral, um sistema de deveres e obrigações, é mister que a socieda-
de seja uma pessoa qualitativamente distinta das pessoas individuais
que compreende e de cuja síntese é o resultado”. Por isso, a moral se
inicia onde se inicia também a vida em grupo, ou seja, na família, cor-
poração profissional, cidade, pátria, organizações internacionais, etc.
Nestes grupos começam a moral e “o devotamento e o desinteresse
adquirem sentido”.
Estar ligado a um grupo significa estar ligado a um determinado
ideal social, e só na vida coletiva que se aprende a idealizar. Para
Durkheim, “a sociedade é o melhor de nós”, é o que torna o indivíduo
um ser humano, “na verdade, o homem não é humano senão por-
que vive em sociedade” (DURKHEIM, 1893), e deixar de viver em so-
ciedade é também deixar de ser humano. Para adquirir humanidade,
é necessário superar a si mesmo, dominando seus desejos, paixões e
considerar outros interesses além dos seus próprios. E quem ensina
tais virtudes ao homem é a sociedade. É ela quem educa o homem,
dando a ele a capacidade de sacrifício, privação e subordinação dos
desejos individuais a outros mais elevados.
Entretanto, no processo de divisão do trabalho, a crescente di-
ferenciação afasta os indivíduos até o ponto em que nada mais os
une, senão a qualidade de serem seres humanos. Não há nada que
eles “possam amar e honrar em comum, senão o próprio homem...
E como cada um de nós encarna algo da humanidade, cada cons-
ciência individual encerra algo de divino e fica, assim, marcada por
um caráter inviolável para os outros” (DURKHEIM, 1893). Por isso é
tão importante para Durkheim a existência de uma moral, ou ainda,
116
uma religião da humanidade, pois é um único sistema de crenças que
pode garantir a unidade moral da sociedade moderna. E “quem quer
que atente contra a vida de um homem, contra a liberdade de um
homem, contra a honra de um homem, inspira-nos um sentimento de
repulsa, análogo àquele que o crente sente quando vê profanarem o
seu ídolo” (DURKHEIM, 1893).
Como afirma Quintaneiro (2003:88), a relação do indivíduo com a
sociedade é um dos elementos mais relevantes da Sociologia Durkhei-
miana: “lugar do indivíduo na sociedade moderna, sua relação com o
Estado, a proteção de seus interesses e a criação de seus direitos”. Em
sociedades menos complexas, o Estado possui um caráter religioso e
os indivíduos são controlados de perto; a moral cívica, que trata dos
deveres dos cidadãos, confunde-se com a religião pública, e o indiví-
duo é um instrumento para a realização dos objetivos do Estado. Já
em sociedades complexas, onde o Estado possui funções mais exten-
sas, forma-se um número cada vez maior de grupos secundários que
representam interesses organizados de seus membros. As liberdades
e os direitos individuais são frutos desta relação entre o Estado e os
diversos grupos existentes, tais como a família, corporação, Igreja,
entre diversos outros.
Durkheim chama a concepção do Estado de individualista. Quan-
do grupos exercem pressão sobre o Estado, “aquilo que ontem não
parecia passar de uma espécie de luxo virá a tornar-se, amanhã, direi-
to estrito. A tarefa, assim, do Estado, é ilimitada. (...) Tudo faz prever
que nos tornaremos mais sensíveis a quanto respeite a personalidade
humana” (DURKHEIM, 1893).
A exaltação do indivíduo existe com base na simpatia “tudo o que
é do homem, uma maior piedade por todas as dores, por todas as
misérias humanas, uma mais ardente necessidade de os combater
e atenuar, uma maior sede de justiça”. As liberdades do indivíduo,
como sua vida e sua honra, são respeitadas e protegidas, e se “ele
tem direito a esse respeito religioso é porque existe nele qualquer
117
coisa da humanidade. É a humanidade que é respeitável e sagrada”
(DURKHEIM, 1893). Contudo, a moral não é um egoísmo utilitário, ou
um culto ao ego. Ela precisa ser sair de si e se estender a outros.
118
oculto pelas complexidades e adições à crença. Nas comunidades
primitivas, onde a similaridade é maior, a diferença menor e há me-
nos individualidades, Durkheim crê que o religioso ainda apresentava
sinais de sua origem, demonstrando elementos que eram comuns a
todas as sociedades.
Durkheim afirma que as religiões são formadas por “um sistema
solidário de crenças e de práticas relativas às coisas sagradas - isto é,
separadas, interditas - crenças comuns a todos aqueles que se unem
numa mesma comunidade moral chamada Igreja” (1912). Os fenô-
menos religiosos são de duas espécies: as crenças, que são “estados
de opinião”; e os ritos que representam “modos de conduta”. Duas
espécies que se organizam e classificam as coisas em dois grupos ou
classes excludentes: o sagrado e o profano. Transformar o profano
em sagrado exige um processo de mudança e metamorfose, que en-
volve ritos de iniciação, através de cerimônias que marcam a morte
de um para o ressurgimento em forma de outro. A separação entre
sagrado e profano envolve palavras, objetos, animais, alimentos, lu-
gares, pessoas, ações, etc. Nesta relação, existe o que pode ou não
pode ser dito, tocado, comido, visitado, feito e quem e com quem tais
coisas podem ser feitas, existindo permissões e proibições que estão
correlacionadas com o dia a dia e associam-se com as outras áreas
da vida, desde o relacionamento íntimo, ao relacionamento com o
outro, e com a sociedade como um todo.
Por vezes, a capacidade de priorizar o sagrado exige sacrifícios, uma
vez que “nos aferramos com todas as fibras de nossa carne ao mundo
profano; nossa sensibilidade nos ata a ele; nossa vida depende dele. (...)
Não podemos, pois, desprender-nos dele, sem violentar nossa nature-
za, sem chocar-nos dolorosamente com nossos instintos”. (DURKHEIM,
1912). O sofrimento e a dor são chamados, por Durkheim, de culto ne-
gativo, formado pelos ritos ascéticos que estabelecem os tabus.
Ainda na tentativa de transformar o profano em sagrado, as cele-
brações religiosas cumprem um importante papel, ao colocarem a
119
coletividade em movimento para a sua celebração. As celebrações
tornam os indivíduos mais íntimos, aproximando-os e criando laços
entre eles, relembrando-os que são parte de um mesmo grupo, com-
partilhando questões comuns. Os cultos e celebrações são capazes
de manterem unidos os indivíduos de uma sociedade uma vez que,
nestes dias,
Uma família que tolera que um dos seus possa morrer sem ser cho-
rado atesta por esse fato que carece de unidade moral e de coesão:
ela abdica, renuncia a existir. Por seu lado, o indivíduo, quando está
firmemente aderido à sociedade da qual forma parte, sente-se mo-
ralmente obrigado a participar de suas tristezas e alegria. Desinte-
120
ressar-se seria romper os vínculos que o unem à coletividade, seria
renunciar a querê-la e contradizer-se (DURKHEIM, 1912).
121
vulgares da vida social. Como tratam de sentimentos comuns, que
afetam todos os indivíduos, as religiões representam também os pri-
meiros sistemas de interpretação e explicação do mundo, as cosmo-
logias. Desta forma, “se a filosofia e as ciências nasceram da religião,
é porque a própria religião começou por ocupar o lugar das ciências
e da filosofia” (DURKHEIM, 1912). Durkheim percebe que, através do
estudo das religiões, era possível analisar as formas pelas quais os
grupos entendem diversas questões da vida, como noções sobre o
tempo, espaço, causa e efeito, personalidade e substância. As noções
são expressas em conceitos e símbolos religiosos, e explicam rela-
ções do indivíduo com as diversas áreas da vida. Por isso, “a ideia de
sociedade é a alma da religião”, e a partir dela se originaram quase to-
das as grandes instituições sociais. Ela é uma expressão resumida da
vida coletiva, não se reduzindo à experiência individual, indo, de fato,
além do indivíduo, impondo-se aos membros da sociedade, tendo o
caráter coercitivo e autoridade da própria sociedade
122
são tomados da vida social. As divisões em dias, semanas, meses,
anos etc. correspondem à periodicidade dos ritos, das festas, das
cerimônias públicas. A base da categoria “tempo” é o ritmo da vida
coletiva. Um calendário expressa o ritmo da atividade coletiva ao
mesmo tempo que tem por função assegurar sua regularidade. O
mesmo acontece com o espaço (DURKHEIM, 1912).
123
A obra de Durkheim teve um impacto fundamental para a formação
da Sociologia como ciência e a estruturação de seu método e objeto.
Ademais, é considerável a importância do pensamento durkheimiano
para a Sociologia da Religião e os estudos dos sistemas simbólicos de
representação.
Desta forma, a Sociologia durkheimiana é fundamental para com-
preender o papel da própria Sociologia e como esta interpreta o mun-
do ao seu redor, analisando as formações dos conceitos, símbolos e
representações sociais, bem como qual a influência que a sociedade
sobre as crenças, escolhas e interpretação dos sentimentos dos indi-
víduos, como também qual a capacidade, se existe alguma, do indiví-
duo de transformar e impactar a estrutura social.
3.13. Referências
DURKHEIM, E. A ciência social e a ação. Tradução de Inês D. Ferrei-
ra. São Paulo: Difel, 1975.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. Tradução de Maria
Isaura P. Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974.
Publicação Original: 1895
DURKHEIM, E. De la división del trabajo social. Tradução de David
Maldavsky. Buenos Aires: Schapire, 1967.
Publicação Original: 1893
DURKHEIM, E. Educação e Sociologia. 4. ed. Tradução de Lourenço
Filho. São Paulo: Melhoramentos, 1955.
DURKHEIM, E. Las formas elementales de la vida religiosa. Buenos
Aires: Schapire, 1968.
Publicação Original: 1912
DURKHEIM. La famille conjugale. Revue Philosophique de la Fran-
ce et l’Étranger, Paris, n. XCI, p. 8, jan. /juin 1921.
124
DURKHEIM, E. Lições de Sociologia: a moral, o direito e o Estado.
Tradução de B. Damasco Penna. São Paulo: T. A. Queiroz/Edusp, 1983.
DURKHEIM, E. Sociología y filosofía. Tradução de M. Bolafío Hijo.
Buenos Aires: Kraft, 1951.
DURKHEIM, E. O suicídio. Tradução de Nathanael Caixeiro. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982.
Publicação Original: 1897
QUINTANEIRO, T.; OLIVEIRA, M.; OLIVEIRA, B. Um toque de Clássi-
cos: Marx, Durkheim, Weber. Ed. UFMG, 2ª Ed.; Belo Horizonte, 2003
125
CAPÍTULO 4
Max Weber
126
Em 1882, Weber ingressou na Universidade de Heidelberg, onde es-
tudou Direito e frequentou também aulas de política, história e teolo-
gia. Após sete anos, tornou-se Doutor em Direito, e em 1893, casou-se
com Marianne Schnitger, também estudiosa e responsável por termi-
nar alguns trabalhos inacabados de Weber após sua morte em 1920.
Após seu doutorado, Weber foi nomeado professor de Economia da
Universidade de Freiburg, em 1894, e professor da Universidade de
Heidelberg, em 1896. Nestas Universidades, lecionou até 1900, quan-
do precisou parar de lecionar, devido a um colapso nervoso e aguda
depressão. Tal problema atingiu seriamente a carreira de Weber, sendo
superado apenas 18 anos depois, quando voltou a lecionar.
Durante o período que ficou impossibilitado de lecionar, Weber
atuou de outras formas, como através da prestação de consultoria,
realizando diversas pesquisas acadêmicas, colaborando com os jor-
nais da época.
Em 1903 aceitou a posição de diretor-associado do Arquivos de Ci-
ências Sociais e Política Social, onde em 1904 e 1905, publicou um de
seus trabalhos mais conhecidos: A Ética Protestantes e o Espírito do
Capitalismo. Ademais, dedicou-se aos estudos de Economia, Direito,
Filosofia, História Comparada, Sociologia e Religião. Durante a Pri-
meira Guerra Mundial, atuou como diretor de hospitais militares de
Heidelberg. Em 1918, esteve entre os responsáveis pelo desenvolvi-
mento do Tratado de Versalhes. Posteriormente, em 1919, voltou a
lecionar e dirigiu o primeiro Instituto Universitário de Sociologia da
Alemanha, em Munique.
Tendo desenvolvido estudos sobre as religiões mundiais, não con-
seguiu terminar seus escritos sobre o Cristianismo e o Islamismo, de-
vido à gripe espanhola. Impossibilitado fisicamente de dar continui-
dade, faleceu, em Munique, em 14 de junho de 1920.
A influência de Weber ocorre sobre várias áreas do conhecimen-
to das ciências humanas. Além disso, ele mantém diálogos com as
127
obras de Immanuel Kant e Friedrich Nietzsche e com alguns sociólo-
gos de seu tempo, como Georg Simmel e Karl Marx. De fato, Nietzsche
e Marx tiveram maior impacto sobre o pensamento de Weber. Assim
como Marx, Weber se aprofunda no tema do capitalismo moderno
ocidental, estudando-o na perspectiva histórica, econômica, ideo-
lógica e sociológica. Já Nietzsche influencia a percepção de Weber
sobre como o poder, “expresso na luta entre valores antagônicos, é
o que torna a realidade social, política e econômica compreensível”
(QUINTANEIRO, 2003:98).
Dentre as principais obras de Weber, destacam-se: A Ética Protes-
tante e o Espírito do Capitalismo (1905), Ensaios Reunidos de Sociolo-
gia da Religião (1920), A Ciência como Vocação (1917), A Política como
Vocação (1919), Economia e Sociedade (1920), e também a organiza-
ção póstuma de parte de seus escritos, Ensaios de Sociologia (1946).
128
mento de fatos inter-relacionados” (WEBER, 1917). A preocupação da
ciência não é responder à pergunta: Qual deus devemos seguir? Essa
é uma preocupação ética. O que significa que é preciso diferenciar
entre os julgamentos de valor e o saber empírico. O saber surge das
necessidades e das considerações práticas, ao longo da história, e se
tornam problemas para o cientista, que deve ter o propósito de res-
ponder a tais problemas, bem como propor a adoção de medidas que
objetivem solucioná-los. Todavia, o cientista nunca deve se propor a
estabelecer normas e ideias para a prática diária, nem decidir o que
deve ser feito. Deve sim, dizer o que pode ser feito. A ciência, portan-
to, é um procedimento racional que busca explicar as consequências
de determinados atos, enquanto a política se vincula a convicções e
deveres. Desta forma, a relação entre ciência e valores é uma relação
complexa:
129
Weber entende que não é possível ignorarmos a existência dos va-
lores nas ciências. Mas, ele também compreende que é possível al-
cançar a objetividade no estudo. Para Weber, os valores devem ser
incorporados conscientemente à pesquisa e controlados através de
esquemas de explicação condicional, isto é, um rigoroso procedimen-
to de análise. A ação do cientista é seletiva. Os valores atuam como
um guia para a escolha do objeto de estudo dele. Depois que definir
sua opção, o cientista decide o caminho que traçará para na expli-
cação do objeto eleito. Ele selecionará as hipóteses, construindo um
esquema lógico-explicativo que garanta a objetividade, uma vez que
o cientista obedecerá com rigor as regras do pensamento científico.
Ao tentar estabelecer uma relação causal entre os fenômenos, o pró-
prio cientista atribui uma ordem ao real e à história, produzindo o que
Weber chama de tipo ideal.
Portanto, a atividade científica é racional com relação a sua fina-
lidade e objetivo, ou seja, busca a verdade científica, mas é também
racional com relação aos valores, pois perscruta a verdade. Desta for-
ma, existe uma ética absoluta que se impõe aos cientistas, a saber, a
obrigação de dizer a verdade.
A discussão weberiana sobre a respeito da objetividade da ciência
não é algo simples, e merece uma avaliação mais profunda, para ser
melhor compreendida. Afirma que, a fim de alcançar o conhecimento
pretendido, o cientista social precisa efetuar quatro operações 1) esta-
belece leis e fatores hipotéticos que servirão como instrumentos para
seu estudo; 2) analisa e expõe ordenadamente “o agrupamento indivi-
dual desses fatores historicamente dados e sua combinação concreta
e significativa”, buscando tornar compreensível a causa e natureza da
significação; 3) remonta ao passado para observar como se desenvol-
veram as diferentes características individuais daqueles agrupamentos
que possuem importância para o presente e procura fornecer uma ex-
plicação histórica a partir de tais constelações individuais anteriores, e
4) avalia as constelações possíveis no futuro (QUINTANEIRO, 2003:100).
130
Weber faz parte dos que entendem que as ciências sociais buscam
compreender eventos culturais enquanto singularidades. O objetivo
seria, assim, entender a especificidade dos fenômenos estudados e
seus significados. Entender por que aquele fenômeno aconteceu na-
quele momento e daquela forma. Contudo, como a realidade cultural
é infinita, a análise de todas as circunstâncias ou variáveis envolvi-
das na ocorrência de um fenômeno se torna impossível. Por isso, o
cientista precisa isolar um fragmento que considera relevante para
ser analisado. Além do mais, o cientista social necessita estar atento
a importância do fenômeno para aquela cultura naquela época.
131
res que o nosso pensamento utiliza para esse efeito e, b) porque
nenhum conhecimento dos acontecimentos culturais poderá ser
concebido senão com base na significação que a realidade da
vida, sempre configurada de modo individual, possui para nós em
determinadas relações singulares (WEBER, 1917)
132
Como a Sociologia é uma ciência generalizadora, ela constrói con-
ceitos que funcionam como fórmulas interpretativas da realidade, se-
gundo a qual se apresenta uma explicação racional para a realidade
que se organiza. Aos conceitos generalizadores, Weber chama de ti-
pos ideais. Esta forma de interpretação da realidade pode ser aplicada
para a explicação de fenômenos irracionais, como questões mágicas,
espirituais, afetivas. Por outro lado, o conceito se torna mais comple-
to quando a racionalidade da conduta é maior. O valor da construção
teórica, isto é, do conceito desenvolvido, está diretamente ligado com
a capacidade de dar sentido aos fatos, se não, esta construção não
possui utilidade. Quando não é possível realizar a prova empírica, ou
seja, provar a teoria na realidade existente, a construção teórica ra-
cional não passa de hipótese. “Uma construção teórica que pretende
ser uma explicação causal baseia-se em probabilidades de que um
certo processo “A”; siga-se, na forma esperada, a um outro determi-
nado processo “B” (QUINTANEIRO, 2003:102).
Assim, ao selecionar um fragmento da realidade para ser analisa-
do, o cientista atribui a ele um sentido, destacando os aspectos que
lhe pareçam importantes, baseando-se nos seus próprios valores.
Enquanto “o objeto de estudo e a profundidade do estudo na infini-
dade das conexões causais são determinados somente pelas ideias
de valor que dominam o investigador e sua época”, o método que o
cientista irá submeter seu objeto, bem como os conceitos que utiliza-
rá deverão ser submetidos ao rigor científico referidos a uma teoria.
Este é o modelo “tipo ideal” utilizado por Weber, que o cientista utili-
za para desenvolver suas análises do real.
As possibilidades e limites do tipo ideal se devem 1) à unilaterali-
dade, 2) à racionalidade, 3) ao caráter utópico. Quando o tipo ideal
é elaborado, alguns elementos da realidade são escolhidos e inter-
pretados, estabelecendo um caminho para a explicação do fenômeno
escolhido. Com isso, enfatiza-se alguns pontos e deixa-se, necessa-
riamente, outros de fora, dando unilateralidade ao modelo puro, ao
133
tipo ideal. Os elementos que causam tal fenômeno são estabelecidos
pelo cientista de modo racional, sem negar, contudo, a existência de
fatores irracionais que influenciam o desenvolvimento do fenômeno
estudado.
O tipo ideal é, sobretudo, uma utopia. É algo fora da realidade, mas
que serve para avaliá-la. Isso porque o tipo ideal não é e nem preten-
de ser um reflexo da realidade, e nem um modelo do que ela deveria
ser. Ele é, assim, uma forma de avaliação da realidade e um modelo
simplificado do real, elaborado com base naquilo que é considerado
essencial para determinar a causa e efeito dos fenômenos estudados.
Pense, por exemplo, no indivíduo religioso no Brasil. Se utilizarmos os
dados do censo do IBGE de 2010, poderemos relacionar religião com
idade, renda mensal, nível educacional, cor, sexo e área domiciliar, por
exemplo. Desta forma, se formos construir o tipo ideal do evangélico de
missão no Brasil, teríamos o seguinte esquema: o tipo ideal evangélico
no Brasil é mulher, branca, 30 a 39 anos, com ensino médio comple-
to, urbana, que recebe entre R$ 1064,01 e R$ 4591,00 por mês. Quando
construímos esse tipo ideal, não o fazemos para achar pessoas na rea-
lidade, mas sim para respondermos questões tais como: a) por que há
mais mulheres evangélicas do que homens?; b) por que estão ligados à
classe C?; c) por que são mais novos que os Católicos e mais velhos do
que os Pentecostais?; d) existe alguma relação entre religião evangéli-
ca e escolaridade mais alta? etc. São questões que surgem a partir da
formulação do tipo ideal. Assim, é possível comparar o modelo cons-
truído com a dinâmica da realidade analisada.
Para Weber, a análise do capitalismo elaborada por Marx tem a ca-
racterística do tipo ideal, ou seja, mesmo que teoricamente ela esteja
correta, não se deve lhe atribuir a validez empírica ou crer que são
tendências reais.
134
nossas construções, determinar o grau de aproximação do fenô-
meno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspec-
to, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita
uma disposição e terminologia mais lúcidas (WEBER, 1946).
135
maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos,
“observando suas regularidades as quais se expressam na forma de
usos, costumes ou situações de interesse” (WEBER, 1920). De fato, a
Sociologia não analisa apenas o fato social, mas este é fundamental
para a explicação das relações dos indivíduos.
A Sociologia busca entender e explicar o sentido, o desenvolvi-
mento e os efeitos da conduta de um indivíduo em relação a outro,
sem julgar a validez dos atos. Compreender a ação é ser capaz de
dar sentido a ela, captando e interpretando tal sentido. Ou seja, ação
compreensível é ação com sentido. Por exemplo, se alguém usa de
violência com o outro por estar em um surto psicótico, a ação não tem
sentido, não é ação social, pois não é feita de forma racional. Por outro
lado, se a violência é usada por ciúmes, é necessário entender quais as
causas e os efeitos desta ação, que é social.
Quanto mais o agente se orientar por sua razão, e por um planeja-
mento de ação, mais racional a conduta será. Por outro lado, quanto
maior for o efeito dos costumes ou sentimentos sobre a ação, menor
seu grau de racionalidade. Quanto mais racionais as ações, mais so-
ciologicamente compreensíveis serão. O que não significa que ações
religiosas, fanáticas ou afetivas não podem ou devam ser interpreta-
das. Serão, no entanto, mais difíceis de serem compreendidas racio-
nalmente e demonstradas empiricamente.
Para compreender a ação através do método científico, o sociólo-
go desenvolve um conceito ou elaboração, a saber, o tipo ideal. Com
relação à ação, Weber constrói quatro tipos ideais: 1) ação racional
com relação a fins; 2) ação racional com relação a valores; 3) ação
tradicional; 4) ação afetiva. Como são tipos ideais de ação, são ele-
mentos para interpretá-las no agir dos indivíduos. Há diversas combi-
nações que leva o agente a agir desta ou daquela forma, mesmo que
perceba ou não as razões, os meios e as condições existentes, assim
como as consequências advindas de suas ações.
136
Os quatro tipos de ação desenvolvidos por Weber são formados
em uma escala de racionalidade pura até a irracionalidade. Quanto
maior a influência de valores, emoções e tradições na tomada de de-
cisão, menos racional ela é, ao passo que a maior racionalidade exige
a menor influência de valores e emoções.
A ação do indivíduo será considerada racional com relação a
fins, se, para atingir um objetivo definido, o indivíduo utiliza meios
avaliados e combinados através de uma interpretação racional. Por
exemplo, quando alguém compra um carro, entra em uma relação eco-
nômica com o vendedor, onde o que importa é a troca econômica, o
pagamento pelo bem. A amizade e a tradição, por exemplo, são secun-
dárias. O que realmente importa é o preço a ser pago e o dinheiro para
pagar. Uma ação racional, com relação a fins, significa uma ação que
o indivíduo utiliza a razão para atingir um objetivo.
137
em seu senso moral, de dignidade, de beleza e de justiça, ou em suas
crenças religiosas ou políticas. Ele não é guiado pelo resultado das suas
ações, mas pela convicção que as embasa. Dizer que tal ação é racional
em relação a valores, significa dizer que o indivíduo entende, reconhe-
ce, racionaliza ações a partir de seus valores, ou seja, ele entende que
age de certa forma porque é movido por seus valores.
Por outro lado, por vezes, tal ação pode apresentar um grau de
irracionalidade, uma vez que o agente aja de certa forma movido por
um princípio que não consegue racionalizar ou entender completa-
mente, mas que o influencia para tomar a ação.
Além desses dois tipos ideias de ação racional, seja com relação
a fins, ou com relação aos valores, há também tipos de ação irracio-
nais, sem motivação racional, como é o caso da ação daquelas de
tipo afetivo ou de tipo tradicional. A ação afetiva ocorre e é orientada
por um sentimento ou desejo, como ciúme, vingança, ódio, paixão e
tantos outros sentimentos. Ao agir de modo afetivo, o indivíduo tem
sua ação inspirada em emoções imediatas, tais como medo, desejo,
compaixão e gosto, sem considerar os meios ou os fins de sua ação.
“Ações desse tipo podem ter resultados não pretendidos, desastrosos
ou magníficos como, por exemplo, magoar a quem se ama, destruir
algo precioso ou produzir uma obra de arte, já que o agente não se
importa com os resultados ou consequências de sua conduta” (QUIN-
TANEIRO 2003:108).
138
Ações afetivas se diferem das ações racionais orientadas por va-
lores, uma vez que, nestas últimas, o indivíduo elabora consciente-
mente o caminho e os pontos que o guiarão e, desta forma, se orienta
segundo o que indicam, de maneira consciente, racionalmente. Já as
ações afetivas são orientadas por sentimentos do agente que as reali-
za, como agir violentamente a um comentário, torcer para um time de
futebol, chorar ao ver uma cena triste e levar a namorada para assistir
um filme que ela quer ver.
Quando a ação do indivíduo é realizada por costumes ou hábitos
enraizados, ou por agir de uma forma porque “sempre foi assim”, ou
ainda, agir por estímulos habituais, - a ação é considerada tradicio-
nal. Por exemplo, a ação de perguntarmos “- Tudo bem? ”, para alguém
que encontramos, não é feita porque realmente queremos saber se
está tudo bem, mas é um hábito da convivência social. Outros exem-
plos: o costume de batizar o filho, mesmo não praticando a religião,
pedir a bênção aos pais são exemplos de ações tradicionais, pois são
realizadas por força do hábito e não do sentimento ou da razão. We-
ber compara as ações tradicionais com imitações reativas, pois não
é possível conhecer o grau de racionalidade da ação. Desta forma, a
ação tradicional ou a ação afetiva são realizadas com pouca ou ne-
nhuma racionalidade.
Assim, Weber desenvolve os quatro tipos ideais de ação. a fim de
avaliar como os indivíduos atribuem significado a suas ações. Atra-
vés das quatro categorias pode-se avaliar uma imensa quantidade de
ações ou não-ações dos indivíduos, as razões pelas quais fazem ou
deixam de fazer algo, praticam ou deixam de praticar atos, como estu-
dar, doam alguma coisa, compram, se casam, vão à igreja, comem ou
não algum alimento, usam a internet, vão à guerra, ajudam alguém
ou ferem outro.
É certo que uma ação pode ser orientada por diferentes razões, We-
ber afirma que “muito raras vezes a ação, especialmente a social, está
exclusivamente orientada por um ou outro destes tipos”. Por isso, elas
139
são tipos ideais. São uma ferramenta de avaliação da realidade, que
procura entender a sociedade, mas não uma tentativa de limitar o real.
Isto significa que, por vezes, as ações são realizadas com base em mais
de um desses tipos. Busca-se classificar a ação no tipo que o sociólogo
julga predominante, para melhor analisá-la e dar significado a ela.
140
O gerente do supermercado solicita a um empacotador que aten-
da um cliente. Temos aqui três agentes cujas ações orientam-se
por referências recíprocas, cada um dos quais contando com a
probabilidade de que o outro terá uma conduta dotada de sentido
e sobre a qual existem socialmente expectativas correntes. Tome-
mos o exemplo desde o ponto de vista da conduta e expectativas
de um desses agentes. O cliente, ao fazer suas compras, já conta
tanto com a possibilidade de ser auxiliado pelo empacotador, as-
sim como tem conhecimento de que, se necessário, poderá recor-
rer ao gerente para que este faça com que o funcionário trabalhe
adequadamente. Substituindo-os por um cidadão, um assaltante
e um policial, ou por um casal, ou por pais e filhos, temos outros
tipos de relação social que se fundam em probabilidades e expec-
tativas do comportamento de cada um dos participantes (QUITA-
NEIRO, 2003:109).
Tomemos uma ilustração. Ana notou que Beto tem interesse nela:
vários de seus atos assim o indicam. Ele a convida para sair, conce-
de-lhe muita atenção. Mas Ana não tem intenção de namorar Beto e
141
procura fazê-lo entender isso através de recusas polidas. Conquan-
to ambos guiem suas ações por expectativas da ação do outro, nes-
se caso o conteúdo de ambas não é recíproco, apesar de totalmente
compreensível para cada uma das partes. Da mesma forma, somos
capazes de entender o sentido de um gesto violento numa agressão,
e é isto o que nos leva a reagir de acordo com ele, mesmo que não
haja reciprocidade de nossa parte. O que importa para identificar
relações sociais como tais é que estejam inseridas em e reguladas
por expectativas recíprocas quanto ao seu significado. Os agentes
podem conduzir-se como colegas, inimigos, parentes, comprador e
vendedor, criminoso e vítima, admirador e astro, indiferente e apai-
xonado, patrão e empregado, ou dentro de uma infinidade de possi-
bilidades, desde que todas elas incluam uma referência comum ao
sentido partilhado (QUINTANEIRO, 2003:110).
142
babilidade de coação física ou psíquica exercida por um quadro de
indivíduos instituídos com a missão de obrigar à observância dessa
ordem ou de castigar sua transgressão”. No primeiro caso, a ordem
chama-se convenção e, no segundo, direito (WEBER, 1920).
143
Ao agir socialmente, o indivíduo participa de uma ordem, cujo
sentido é compartilhado por aqueles que participam da relação. Por
exemplo, ao comprar um carro, o comprador e o vendedor compreen-
dem a ação e troca ali existentes, isto é, para levar o carro, o indiví-
duo necessita dispor de certa quantidade de recursos financeiros. Ao
participar das relações sociais, os indivíduos agem conforme os pa-
drões estabelecidos em cada esfera, como a troca financeira na esfera
econômica, ou o voto, na esfera política, articulando diferentes ações
com distintos sentidos em cada relação instituída. Weber demonstra
essa relação, com as esferas sociais específicas, na vida do protestan-
te calvinista. Os cristãos calvinistas orientam suas ações para o mun-
do secular de uma forma, e de outra forma para o mundo religioso,
buscando a salvação da alma. Na relação com o mundo secular, o
calvinista se porta de forma ascética, isto é, negando os “prazeres”
do mundo e agindo nele de forma puramente econômica. As ações
ascéticas calvinistas demonstram o conflito ético e moral com a so-
ciedade que os rodeia, mas tais ações permitiram aos protestantes
adquirirem poupança e acumulação.
A partir do contexto de significados que a ordem possui em uma so-
ciedade, isto é, como que os indivíduos entendem as relações de po-
der e hierarquia sociais, que se pode compreender sociologicamente
o significado existente nas relações sociais. Assim, “a forma pela qual
a honra social é distribuída dentro de uma comunidade, entre gru-
pos típicos pertencentes a ela pode ser chamada de ordem social”
(WEBER, 1920). “Cada pessoa pode participar, ao mesmo tempo, de
diferentes esferas, como: ser membro de um partido, desfrutar de um
certo grau de prestígio, ter uma propriedade, praticar uma religião... e
da infinidade real das ações individuais é que devem extrair-se as re-
gularidades do comportamento humano” (QUINTANEIRO, 2003:113).
Entendendo que as consciências individuais são capazes de dar
sentido à ação social, e que este sentido pode ser compartilhado por
múltiplos indivíduos, Weber estabelece diferentes tipos ideais em re-
144
lação à organização coletiva, observando que os indivíduos podem
se organizar socialmente em classe, estamentos ou partidos. Através
desta divisão, Weber analisa como o poder é distribuído e a riqueza é
adquirida.
Quando os indivíduos possuem a mesma posição com relação à
propriedade de bens, eles estão em uma mesma situação de classe.
Neste contexto social, as ações sociais são mais racionalizadas, sendo
definidas pelo mercado, onde os indivíduos buscam adquirir poder
econômico. A partir desta relação, Weber estabelece seu conceito de
classes,
145
prestígio ocorrem por outros critérios. As relações sociais são então
baseadas em regras de pertencimento a grupos de status ou esta-
mentos. A lógica de funcionamento que confere racionalidade a es-
fera é outra.
146
dos pela crença em alguma missão divina, como os frades francisca-
nos, mantendo sua honra e sentimento comunitário na sua ligação
com Deus. Logo, o estamento pode ser fechado, como aqueles que se
mantém por causa dos ascendentes, ou abertos, como os dos frades
franciscanos.
147
tencimento à consciência de classe, Weber distingue o conceito de
classe entre o fenômeno econômico e definido na esfera do merca-
do e a consciência de classe, pertencente à esfera social. Para Weber,
pertencer a determinada classe não significa possuir sentimento de
comunidade ou consciência de interesses ou direitos. A consciência
comum ocorre mais facilmente entre membros do mesmo grupo de
status, mas nem sempre entre os membros da mesma classe. De fato,
é possível que, em uma mesma classe, os membros ajam homogene-
amente, transformando tal ação em ação comunitária, isto é, aquela
inspirada pelos sentimentos (afetivos ou tradicionais) de seus mem-
bros de pertencimento a um todo. Todavia, a ação comunitária não
é uma regra entre membros de classe. Tipicamente, os membros de
uma classe participam de um outro tipo de ação, a societária, que
está baseada em interesses racionalmente motivados.
148
quer pessoa que pode fazer parte deste grupo, pois está baseado em
critérios de exclusão sociais, tais como privilégios ou monopólios.
Participar de um grupo estamental é viver de acordo com certas re-
gras que diferenciam um grupo dos outros. A razão da distinção dos
grupos é justamente caracterizar e orientar as condutas dos indivídu-
os que fazem parte deles. Condutas em relação a estilos de vida, tra-
dições, etiquetas, lugares de residência, estabelecimentos matrimo-
niais e até mesmo gostos estão diretamente ligadas à diferenciação
dos grupos de status, separando um grupo de outro e caracterizando
seus membros. Por outro lado, tal diferenciação não ocorre da mes-
ma forma em uma sociedade de classes, uma vez que
149
quecida como parte do mesmo grupo e era, ainda assim, vista como
socialmente superior. Para Weber, “As classes se organizam segundo
as relações de produção e aquisição de bens, os estamentos, segundo
princípios de seu consumo de bens nas diversas formas específicas
de sua maneira de viver” (WEBER, 1920). Assim,
150
Ao analisar distintas sociedades, Weber percebe que muitas vezes
as castas são vinculadas com certas profissões ou tarefas específicas.
As castas mais altas, por exemplo, exercem os serviços religiosos, sa-
cerdotais ou políticos, afastando-se, desta forma, “de toda ideia de
racionalização do modo de produção que se encontra na base de
toda técnica racional moderna - sistematização da exploração para
convertê-la em uma economia lucrativa racional - de todo capitalis-
mo moderno” (WEBER, 1920).
Se as classes dizem respeito as diferenças na esfera econômica, e
os estamentos estão relacionados com a distribuição da honra, os par-
tidos estão relacionados à esfera do poder, isto é, como o poder é ra-
cionalmente distribuído dentro de uma associação ou comunidade. O
partido é uma organização que luta especificamente pelo domínio, mas
só adquire caráter político se puder utilizar a coação física ou ameaça.
4.7. A Dominação
Uma das importantes questões na Sociologia weberiana está re-
lacionada com a manutenção das relações sociais, por um determi-
151
nado tempo e em um determinado espaço. Weber entende que tal
questionamento pode ser entendido tendo em vista uma questão
basilar para a própria relação social, a saber, a dominação ou ainda a
produção de legitimidade, daquilo que faz com que um grupo se sub-
meta a autoridade de um indivíduo. Para isso é necessário diferenciar
as noções de poder e dominação.
Poder deve ser entendido como a capacidade de fazer com que
outro indivíduo faça sua vontade. “Significa a probabilidade de impor
a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra toda
a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade”
(WEBER, 1920). Desta forma, o poder não está limitado a uma relação
social específica, pois a imposição da vontade pode ocorrer em diver-
sas ocasiões.
152
Quando legítima, a dominação pode ser justificada por três moti-
vos de submissão ou de princípios de autoridade, a saber, racionais,
tradicionais ou afetivos.
153
A do “ontem eterno”, isto é, dos mores santificados pelo reconhe-
cimento inimaginavelmente antigo e da orientação habitual para
o conformismo. É o domínio tradicional exercido pelo patriarca e
pelo príncipe patrimonial de outrora. (...) A do dom da graça (caris-
ma) extraordinário e pessoal, a dedicação absolutamente pessoal
e a confiança pessoal na revelação, heroísmo ou outras qualida-
des da liderança individual. É o domínio carismático exercido pelo
profeta ou - no campo da política - pelo senhor de guerra eleito,
pelo governante plebiscitário, o grande demagogo ou o líder do
partido político. Finalmente, há o domínio da legalidade, em virtu-
de da fé na validade do estatuto legal e da competência funcional,
baseada em regras racionalmente criadas. Nesse caso, espera-se
o cumprimento das obrigações estatutárias. É o domínio exercido
pelo moderno servidor do Estado e por todos os portadores do
poder que, sob este aspecto, a ele se assemelham (WEBER, 1920).
154
cional. Pode surgir um novo pastor, que através de seu carisma, critica a
denominação e propõe uma nova forma de viver aquela religião, alteran-
do, assim, a forma de dominação exercida sobre aquele povo. Contudo,
como o carisma está diretamente ligado à figura individual, é necessário
que, em algum momento, o carisma transforme-se em dominação tra-
dicional ou racional-legal a fim de manter a dominação mesmo depois
da morte do portador do carisma. Esse processo de transformação do
carisma é chamado por Weber de rotinização do carisma.
10 Burocracia, para Weber, não está ligada com a dificuldade para realizar algo. Mas
é, na verdade, o domínio das relações técnicas e impessoais. Pense em um concurso
público. Neste caso, não importa seu nome de família, mas sua capacidade de fazer
o exigido na prova. Ou seja, existe impessoalidade, não diferenciação dos indivíduos
por questões de família, cor, sexo, etc. Ademais, o mais qualificado é aquele que
melhor consegue realizar a tarefa, isto é, o técnico.
155
e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino trans-
cendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações hu-
manas diretas e pessoais” (WEBER, 1917). Contudo, para Weber, os
efeitos desta transformação não geram um conhecimento efetivo e
satisfatório, gera apenas uma maior intelectualização.
A menos que seja um físico, quem anda num bonde não tem ideia
de como o carro se movimenta. E não precisa saber. Basta-lhe po-
der contar com o comportamento do bonde e orientar sua condu-
ta de acordo com essa expectativa; mas nada sabe sobre o que é
necessário para produzir o bonde ou movimentá-lo. O selvagem
tem um conhecimento incomparavelmente maior sobre suas fer-
ramentas. (...) A crescente intelectualização e racionalização não
indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições
sob as quais vivemos. Significa mais alguma coisa, ou seja, o co-
nhecimento ou crença em que, se quiséssemos, poderíamos ter
esse conhecimento a qualquer momento. Significa principalmen-
te, portanto, que não há forças misteriosas incalculáveis, mas que
podemos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto
significa que o mundo foi desencantado. Já não precisamos re-
correr aos meios mágicos para dominar ou implorar aos espíritos.
(...). Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço. Isto, acima
de tudo, é o que significa a intelectualização (WEBER, 1917).
156
chefes de caçadas ou comandantes militares), de uma personali-
dade, graças à qual esta é considerada possuidora de forças so-
brenaturais, sobre-humanas - ou pelo menos especificamente ex-
tra cotidianas, não-acessíveis a qualquer pessoa - ou, então, tida
como enviada de Deus, ou ainda como exemplar e, em consequ-
ência, como chefe, caudilho, guia ou líder (WEBER, 1920).
157
te nas sociedades ocidentais - questão de grande centralidade no
conflito sociopolítico internacional contemporâneo (QUINTANEI-
RO, 2003:125).
158
Para concentrar-se nas obras de salvação pode ser necessária uma
separação do mundo - incluindo-se aí as relações familiares, os
interesses econômicos, eróticos etc. (ascetismo negador do mun-
do) - ou a atividade dentro e frente à ordem do mundo (ascetismo
orientado para o mundo, secular ou intramundano). No primeiro
caso, o crente defende-se contra as distrações que a vida terrena
oferece, no segundo, o mundo torna-se uma obrigação, e a missão
do crente, que se torna um reformador ou revolucionário racional,
consiste em transformá-lo segundo os ideais ascéticos (QUINTA-
NERO, 2003:126).
159
to de auxiliares permanentes. Já uma igreja se baseia na tradição e
é composta por sacerdotes, indivíduos socializados por meio da hie-
rarquia religiosa, com funções administrativas distintas. Isto significa
que uma igreja existe para manter a tradição que, um dia, foi iniciada
por um líder carismático, um profeta. A transformação de congre-
gação em igreja exige um processo onde o carisma “morre” para dar
lugar a uma estrutura com serviços com fins objetivos. O processo de
transformação do carisma em tradição é chamado, por Weber, de ro-
tinização do carisma. Significa que os mandamentos do salvador, ou
a profecia do líder carismático precisam ser levados adiante depois
de sua morte, fazendo com que os crentes continuem a modificar seu
modo de vida a fim de alcançar um ideal sagrado. Para alcançarem
este ideal, o crente precisa ser guiado. A responsável por guiá-los é
a classe sacerdotal, que organiza, sistematiza e torna acessível aos
leigos o conteúdo da profecia ou da tradição sagrada. Portanto,
160
posses e prazer”. Suas ações e fortunas eram, assim, legitimadas pela
religião.
Era necessário, entretanto, dar respostas também aos mais po-
bres, mais carentes e oprimidos, que precisavam de não só entender
sua situação, mas encontrar esperança para a redenção futura e me-
lhoria de vida. Respondendo também questões sobre a injustiça e a
imperfeição do mundo. Era necessário desenvolver uma teodiceia do
sofrimento, uma interpretação sobre “a incongruência entre o des-
tino e o mérito”, uma forma de dar uma concepção positiva para o
sofrimento.
161
formas distintas de acordo com o conteúdo da religião, sejam elas a
redenção, a absolvição, a salvação pela fé e a predestinação.
162
uma vontade de Deus para os crentes no mundo. Assim, o puritano
“renunciou ao universalismo do amor e rotinizou racionalmente todo
o trabalho neste mundo, como sendo um serviço à vontade de Deus e
uma comprovação de seu estado de graça” (WEBER, 1920).
4.10.Racionalização e Burocracia
Na concepção weberiana, uma característica fundamental que dis-
tingue as sociedades ocidentais das demais diz respeito à tendência à
163
racionalização presentes em todas as esferas da vida social. Até mesmo
em sua Sociologia da Religião, Weber busca entender como a racionali-
zação religiosa afeta e é afetada por outras esferas sociais. De fato, ain-
da que a sociedade moderna seja marcada pela tendência de raciona-
lização das esferas, isto não significa que esta tendência sempre existiu,
Em sua forma primitiva, todo afanar-se dos homens por sua ali-
mentação é muito semelhante àquilo que nos animais tem lugar
sob o império dos instintos. Do mesmo modo, encontra-se pouco
desenvolvido o grau de calculabilidade da ação econômica cons-
cientemente orientada pela devoção religiosa, pela emoção guer-
reira, pelos impulsos de piedade ou por outros afetos semelhantes
(WEBER, 1920).
164
técnica que garanta precisão, velocidade, clareza, unidade, es-
pecialização de funções, redução do atrito, dos custos de ma-
terial e pessoal etc. Ela deve também eliminar dos negócios o
amor, o ódio e todos os elementos sensíveis puramente pesso-
ais, todos os elementos irracionais que fogem ao cálculo (WE-
BER, 1920).
165
nas formas de conhecimento, como é o caso da ciência, que se coloca
como a principal avaliadora do que é verdadeiro, útil e bom.
4.11.Racionalização e Capitalismo
O surgimento e desenvolvimento do capitalismo na sociedade oci-
dental moderna não possui, para Weber, a característica principal na
acumulação de metais preciosos ou no aumento populacional. Sua
principal característica se encontra na existência “da empresa per-
manente e racional, da contabilidade racional, da técnica racional e
do Direito racional. A tudo isso se deve ainda adicionar a ideologia
racional, a racionalização da vida, a ética racional da economia (WE-
BER, 1905). Weber entende que o capitalismo está diretamente ligado
à racionalização da vida prática. Para ele,
166
Todas as esferas da vida, até mesmo o esporte, deveriam “servir a
uma finalidade racional: a do restabelecimento necessário à eficiên-
cia do corpo” e nunca como diversão ou como meio “de despertar o
orgulho, os instintos, ou o prazer irracional do jogo” (WEBER, 1905).
A atividade que não possuía finalidade racional voltada para o traba-
lho e para a melhoria da produção era abandonada, entendida como
“prazeres do mundo” e, portanto, passível de reprovação. Atividades
estéticas e artísticas como o teatro, poesia, música, literatura, tipos
de vestuário e decoração pessoal, como maquiagem e joias, são re-
provadas em prol de uma melhor disposição do tempo e energia para
o trabalho e transformação do mundo.
Weber demonstra esta relação entre a esfera religiosa e a econômi-
ca ao analisar as obras de Benjamin Franklin, em meados no século
XVIII, que servem como base daquilo que Weber chamou de espírito
do capitalismo:
167
em uma mesa de bilhar ou escutar tua voz numa taverna quando
deverias estar no trabalho (WEBER, 1920).
168
tuada contradição não só com o Oriente, mas também com quase
todas as ordens monásticas do mundo (...) O trabalho vocacional
é, como dever de amor ao próximo, uma dívida de gratidão à graça
de Deus (...) não sendo do agrado de Deus que ele seja realizado
com relutância. O cristão deve assim mostrar-se industrioso em
seu trabalho secular (WEBER, 1905).
169
4.12. Conclusão
A análise weberiana das relações sociais oferece diversas possibi-
lidades para entender a forma pela qual os indivíduos se relacionam
com os demais e com a sociedade que os cerca. De fato, tais relações
são complexas e atingem os indivíduos nas mais diversas esferas so-
ciais, desde a religião, política e até a economia.
Ao desenvolver os tipos-ideais, Weber formula uma importante
ferramenta para entender, analisar e julgar as relações sociais. Seus
tipos de ação social auxiliam na compreensão dos combustíveis que
movem a tomada de decisão dos indivíduos. Ademais, as formas de
dominação auxiliam na compreensão das razões pelas quais os in-
divíduos aceitam obedecer a seus comandantes. Em consonância, a
tendência da sociedade moderna à impessoalidade e à técnica pode
ser profundamente analisada com os conceitos de burocratização e
racionalização.
Além disso, a análise da religião realizada por Weber ajuda o estu-
dioso a compreender como as religiões mundiais se relacionam com
diferenças necessidades e interesses dos indivíduos, não apenas re-
velando tais interesses, como também promovendo soluções para es-
tes. Por fim, Weber dá uma importante contribuição na compreensão
das razões pelas quais o capitalismo se desenvolveu de forma sem
igual no Ocidente, ao relacionar o surgimento e desenvolvimento do
capitalismo à ética protestante e a visão de mundo a partir de tal éti-
ca. Portanto, Weber lanças as bases sociológicas para a interpretação
de uma gama de temas sociais e formas de análise da rica realidade
que nos cerca.
4.13.Referências
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