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Os Mackenzies
Livro 14
NATHALIA
MARVIN
A saudade do amor é a mais dolorosa que existe.
Capítulo 1
***
— Oi, filha.
Olho para a porta do escritório do meu pai, encontrando minha mãe no
batente, me olhando com seus olhos amendoados curiosos. Ela quer saber
alguma coisa.
— Oi, mãe — deixo meu livro de lado.
Já é noite e, desde que cheguei da minha tarde com Lance, não consigo
esquecer nada do que saiu da boca dele. Foi completamente tudo sem nexo.
— Você vai ficar em casa?
— Vou — falo com tom óbvio. Aonde mais eu iria? — Por quê? A
senhora quer ir a algum lugar?
— Tem um carro na frente da nossa casa. E o motorista quer te ver —
ela franze as sobrancelhas. — Parece que eu o conheço, tem uns traços
familiares, mas não consigo me lembrar de onde.
Me levanto imediatamente, a boca abrindo de forma inevitável. Tudo
que vem acontecido com relação a ele tem se tornado assim. Todas as
reações. Ele realmente anda muito diferente.
— Droga — o resmungo sai sem que eu me dê conta. — É o Lance?
Ela franze as sobrancelhas e gesticulo, talvez parecendo um pouco
agoniada.
— O Lancelot.
— Oh — parece surpresa, então pensativa. — Ah, sim. O menino de
mãozinhas sujas que vinha aqui brincar de casinha com você.
— Era castelo — corrijo. — É ele?
— Sim, nossa. Ele está um homem — uma risadinha. — Ele tem um
nome peculiar, né?
— Muito — começo a respirar mais pesadamente. — O que ele disse?
— Que veio buscar você. Foi muito bom que eu o atendi e não seu pai.
Você não sabe como o Ethan pode ser um pouco grosso quando se trata de
mencionar seu nome com o sexo oposto.
— Droga — repito, esfregando as mãos no rosto. — Tá, eu vou falar
com ele. Obrigada, mãe — caminho rapidamente e passo por ela, indo
direto para a porta de entrada, que abro um pouco nervosa.
Por que ele está aqui?
Giro a maçaneta e logo tenho um Lance muito alto e delicioso me
encarando de cima. Nossos olhares se encontram, mas estou um pouco
divida entre me perder em seu olhar e seu perfume gostoso. É algo doce,
mas vibrante. Não é enjoativo, o que é muito bom. Deve ser uma mistura
eletrizante em sua pele.
— O que houve? — é tudo que pergunto, após uns segundos pesarosos
de silêncio.
— Oito horas.
Continuo olhando-o, demonstrando minha alienação.
— Nós temos um jantar marcado — Lance parece decepcionado. —
Você se esqueceu?
— Você é doido? Depois do fim da nossa tarde, era óbvio de se supor
que nós não temos mais nada marcado.
Ele estreita seus olhos castanhos que são de uma mistura escura e
profunda, então confere o relógio no pulso. Seus ombros se erguem um
pouco, em uma demonstração de desdém e algo mais.
— Você não me contou sobre o cancelamento, não posso fazer nada.
Marcamos e gosto que palavras de terceiros sejam cumpridas.
Balanço a cabeça, descrente.
— Eu não vou.
— Você disse que iria. E eu já fiz a reserva. Vai me deixar na mão?
— Você fez de propósito — concluo, dando um passo à frente para sair
de dentro de casa e conseguir fechar a porta atrás de mim. Quase posso ter
certeza de que minha mãe está bisbilhotando. — Sabia que eu não iria
querer ir, mas marcou mesmo assim.
Ele parece ofendido, levando uma mão ao peito.
— Acha que eu seria capaz de uma encenação dessas?
— Acho. E diria que tenho certeza, se você não tivesse mudado tanto.
— Você não cancelou, e isso é a palavra final: você afirmou que sim.
— Mas não confirmei no fim — debato.
— Questão de semântica, meu bem. Não vamos nos prender —
gesticula nós dois — nisso que parece uma discussão sem necessidade.
Vamos ter uma boa noite. É bem melhor do que ficar sozinha em casa só
com seus pais, não acha?
Sim, possivelmente. Apesar da saudade, ficar com meus pais não é a
coisa mais legal e divertida do mundo.
Me silencio, isso parecendo ser minha resposta quando Lance abre seu
sorriso lindo.
— Vou esperar você bem aqui. Só não demore muito que o restaurante
fecha às dez.
Bufo, inconformada.
— Vou demorar o tempo que eu quiser — volto para dentro, a mão
ainda na maçaneta quando percebo que, droga, fiz o que não queria fazer.
E sem perceber.
***
***
***
— Eu pensei que você tinha dito que ia passar a noite longe — Emma
diz quando passo pela recepção. Ela não parece em seu melhor dia de
aparência.
— É. Não foi como eu esperava — hesito os passos, parando no
batente da porta da segunda entrada. — Que barulho é esse?
Ela ergue as sobrancelhas louras ante uma expressão óbvia.
— Hoje não é dia de show — emendo.
— Não era, mas você sabe como o Matt pode ser.
Grunho de descrença e atravesso a sala, abrindo a porta vermelha para
me deparar com o salão cheio de mulheres e homens, em suas mais diversas
atividades com os próprios corpos.
Não me impressiono mais, na verdade; então só percorro meu olhar
pelo que parece normal para mim, procurando por ele.
Não entendo como alguém pode ser tão... Irresponsável não é
exatamente a palavra certa.
Matt está no fim da sala enorme, seu sofá vermelho estando ocupado
por três mulheres, que parecem muito entusiasmadas em obter sua atenção
em todos os lugares possíveis dos próprios corpos.
A cena poderia causar repulsa em uma pessoa não habituada a esse
tipo de coisa, mas em mim só causa raiva. Ele não deveria mudar o
cronograma a cada semana.
Caminho em sua direção, tentando não me desconcentrar por conta de
algumas mulheres livres que vêm até mim, então o chamo quando já estou
perto o bastante.
Ele não me olha, parecendo rir do próprio show que está recebendo.
Bem, ele vai me pagar sobre isso.
Entro no meio e o agarro pelo braço, levantando-o.
— Nós temos que conversar — falo alto o suficiente para que entenda.
Matt resmunga em voz baixa e pega sua calça e blusa que estão
jogadas no sofá, ainda dando uma risadinha para as mulheres.
Sigo de volta à recepção, passando pelas duas primeiras portas e
seguindo pelo corredor que me deixa em minha própria sala. Ele entra junto
comigo, sentando em uma das poltronas para vestir a calça com dificuldade.
Tomo assento em minha cadeira, já não estando muito paciente por
como desandou a minha própria noite.
— Me explica isso — peço.
— O quê? — ele tem a cara de pau de parecer desentendido.
— Isso no salão principal, idiota.
— Mas você tá acostumado a ver — dá de ombros.
— Hoje é quinta — o lembro.
— E? O lugar é meu e faço o que eu quiser. Além do mais, você não ia
passar a noite longe?
— Falou bem, eu ia. Você sabe que não pode ficar fazendo isso de
mudar os horários.
— As meninas estão aí — ele gesticula. — São pagas para isso.
— São pagas para satisfazer os clientes e não os donos.
— Você não aproveita porque não quer — sorri em deboche e começa
a vestir a camisa. — Além do mais, seu lugar é no ringue com o Hugh, sabe
disso.
— Sei que sou sócio e mando aqui, também. É mais meu do que seu.
— É mais meu porque é de herança — ele balança a cabeça, em um
movimento de lamento. — Não vamos discutir por isso, está bem? —
levanta-se. — O que quer conversar?
— Por que decidiu me contar que sua prima ia voltar?
Matt tem um pequeno momento de desentendimento, mas logo
explica:
— Vocês se conhecem e, bem, uma hora ou outra você ia descobrir e
me questionar o motivo de não ter contado, então...
— Eu tive que mentir para ela.
— E isso é da minha conta porque... — pensa um pouco. — Ah, não é.
— Se você não tivesse me dito, eu não ia atrás dela e não teria mentido
sobre a mulher que me adotou.
— O que você disse? — parece levemente interessado, mas não muito.
— Que ela estava morrendo, e Áquila acha que estou ficando lá. Ao
menos eu penso que deve achar. Ela está muito mudada. Não sei o que
concluir.
Matt dá um risinho.
— Eu só disse para você ir vê-la, não para mentir. Isso é culpa sua.
— Um abismo chama o outro — passo as mãos no rosto, meio
perdido. — Menti uma, duas, três vezes... Quantas mais vou precisar?
— Nenhuma. É só parar de ir até ela. Só "oi" já matou a saudade.
— O que você entende sobre gostar muito de alguém? — questiono,
irônico.
— Mais do que você imagina.
— Ah, sério? Acho que posso imaginar já que mente para sua família,
fingindo ser somente executivo.
Ele estreita os olhos claros.
— Não tenho culpa se minha tia deixou em minhas mãos — ele dá de
ombros. — Ela nunca buscou saber sobre, e nem ninguém, então tudo certo.
— Aqui já foi o lar de crianças — o lembro.
Ele faz careta.
— Estão em um lugar melhor e maior, é o que vale. Para de me
lembrar coisas nada a ver, Scott. Se deu ruim para você, não quer dizer que
vai dar para mim. Parou com essa merda.
Me silencio por um momento, detestando o fato de ele ter razão.
Matt tem vinte e seis anos, sendo um ano mais velho que eu, mas,
parece que tem muito menos. O que acho errado por ser o dono de um lugar
que requer muita responsabilidade e disciplina.
— Quer saber — ele bufa —, acho que você está precisando dormir
um pouco. Vou voltar no salão para terminar tudo e vai dormir.
Não digo nada, só espero que ele saia.
Até porque, minha casa é minha própria sala.
Capítulo 13
Estou ainda me indagando sobre o que foi a noite anterior. Boa? Sim, em
partes. Quero dizer, todos aqueles amassos e pegação foram de fato uma
delícia, mas teve aquilo da mentira.
Lance mentiu pra mim. E, vamos lá, eu não vou fingir que isso não me
machucou. Mesmo que tenhamos ficado anos sem nos ver. Somos amigos,
certo? Amigos não mentem uns para os outros.
Eu pensava que não...
E, agora, aqui em frente ao zoológico do Central Park, tomando meu
sorvete, escondendo minhas olheiras com os óculos escuros; consigo ver o
vulto masculino que desliza por entre as muitas pessoas.
Certo. Talvez deslizar seja uma palavra errada, mas com certeza é algo
leve. Um caminhar leve. Do tipo que eu nunca conseguiria fazer.
E por que diabos o reconheço entre tantas pessoas? Talvez pela altura,
por ser encorpado, seu jeito lindo de andar ou pela vestimenta...
Só então me dou conta e preciso levantar os óculos para provar de
verdade. Lance está de terno.
De terno!
Se isso não é a coisa mais estranha e linda de se ver, não sei o que é
então.
Devo estar um pouco doida, porque ergo a mão livre e começo a
acenar, deixando passar despercebido o fato de que existe a possibilidade de
uma em duzentos de eu ser notada.
Quando pareço muito ridícula sinalizando para o nada, começo a
mexer todo o braço, necessitando que ele me veja.
Sim, porque Lance está muitíssimo delicioso e eu preciso lambê-lo
todinho. Isso soou estranho, mas na minha mente se fez uma cena deliciosa.
Ele é delicioso.
Quando penso em desistir, ele começa a ir em direção à saída. E eu
vou atrás. Quase correndo porque suas pernas são muito longas em
contraste com as minhas. E não me importo se algumas crianças me olham
como se eu fosse outra delas, só que maior.
— Lance! — tento uma chamada, que não surte efeito quando ele
finalmente alcança a saída e para perto de uma árvore.
Estou aliviada e um tanto ofegante, então paro um pouco e recomeço
passos lentos, logo percebendo que ele está ao telefone.
Abro a boca para chamá-lo, ciente que agora serei ouvida, mas desisto
quando começo a ouvir a conversa.
Algo sobre novo lugar. Aluguel. Não, compra. Maior. Precisa ser
arejado, espontâneo, sublime e digno de uma…
Dama?
O que isso significa?
Não ouço mais nada muito bem depois disso, até que Lance desliga o
celular e se senta perto da grande árvore, parecendo fatigado.
Já eu, estou… toda descrente.
Seu olhar se fixa em um ponto invisível, até que uma criança passa
correndo perto de onde estou, e isso chama sua atenção. E, quando torço
para não ser vista, então sou.
Uma maravilha.
Lance levanta no mesmo instante, suas sobrancelhas se erguendo, até
que ele me induz a uma aproximação por sua expressão de desentendimento
profundo e óbvio.
— Ei, Lance — paro quando acho que estou perto o suficiente. —
Lindo dia, hein?
— O que faz aqui?
Hm, certo. Tom seco. Não gosto disso.
— O zoo é seu? — brinco, mas queria mesmo perguntar quem é a
dama.
— Não — ele continua com um semblante fechado e que não combina
em nada com ele. — O que faz aqui? — repete.
— Vim ver os animais — gesticulo. — O que mais seria? O que você
está fazendo aqui?
— Pensando um pouco.
Claro. Na dama dele.
— Parecia que estava no telefone, e não pensando.
Ele quase sorri. Quase.
— Estava me espionando, Srta. Reeves?
— Ah, bom, sim, claro. Porque estou com bastante tempo sobrando e
pensei, "oh, que ótima ideia seria espionar o meu amigo men… melhor" —
quase mordo a língua. — Melhor amigo — corrijo.
— Eu sou seu melhor amigo? Ainda? — parece surpreendido.
— Tirando os homens da minha família, sim, você é — dou meu
melhor sorriso. — Bom te ver, preciso ir.
— Depois dessa declaração, não. Vamos conversar um pouquinho —
ele dá dois passos e captura minha mão livre, levando aos lábios e deixando
um beijo, só para me incentivar a caminhar com ele. — Você dormiu bem?
Não.
— Sim. — Inclusive estou cheia de olheiras. — E você?
— Dormi umas duas horinhas. É meio pesado não ter um sono
tranquilo. Você não funciona direito.
— Não costuma dormir bem?
Eu deveria perguntar por que está de mãos dadas comigo se por aí
existe uma suposta dama que ele pretende lhe dar uma casa. Uma sublime
casa.
Minha nossa, eu quase dei para um homem comprometido! Minha
culpa não poderia ser maior.
— Entende?
Sou trazida de volta com a pergunta, então só maneio a cabeça com um
sim.
— É… Não é fácil — finjo entender.
— Conseguiu dormir rápido depois que eu saí?
É claro que não.
— Demorou um tantinho, mas consegui. Acordei bem cedo, tomei café
e vim para cá ver os animais. Mais tarde vou almoçar com a minha prima.
Ele dá uma risadinha.
— Você me contou todo seu cronograma, obrigado.
Sorrio, sem graça.
— Qual das primas? Eu conheço?
— Não sei se você se lembra dela. A Mandy.
— Mandy? — parece buscar o nome na memória. — Mandy…
— Sim, a irmã do Matthew. Os gêmeos, filho dos tios Amber e
Nicholas.
Lance para os passos por um momento, seu olhar buscando o meu.
Parece ter lembrado, mas não gostado disso. E eu fico muito desentendida.
Mais ainda.
— Mandy — conclui.
— Sim. Estou com muitas saudades, mesmo ela sendo bem mais velha
que eu. Quer dizer, nem tanto. Ela tem quase sua idade.
— Ela é um ano mais velha que eu. Ela mora onde?
— Como sabe a exatidão? — ergo uma sobrancelha e emendo a outra
resposta: — Ela está morando com o irmão agora, porque fiquei sabendo
que tinha fugido para a casa do suposto namorado que meu tio desaprova,
então o cara depois de ter o que queria, pediu para ela ir embora.
Lance emite um murmúrio baixo, só o som.
— Isso parece pesado. Como soube disso?
— Minha mãe me contou e pretendo saber detalhes no almoço.
Ele assente, e recomeçamos os passos.
— Ela deve estar bem triste… — divaga depois de alguns segundos.
E pode parecer loucura, mas o fato de ele pensar isso da minha prima,
enquanto mencionou uma tal dama e estando de mãos dadas comigo, me
enche de raiva.
Ele não devia falar de outras mulheres. Ponto. Simples assim.
— É — digo simplesmente.
— Como ela é?
Dessa vez eu que paro.
— Pra que você quer saber? — questiono.
Ele ergue as sobrancelhas.
— Curiosidade só. Ela tem olhos claros como o irmão?
Sorrio, muito descrente pela minha percepção.
Lance é um mulherengo.
— Não, ela não tem — desprendo a mão da sua. — Eu preciso mesmo
ir. Tchau e até outra hora.
Me afasto dele, seguindo para sabe-se lá onde, mas muito triste.
Eu pensei que na noite anterior tinha sido real, mas não foi.
E isso dói.
Capítulo 14
Nem acredito no que estou vendo. Ou melhor, quem. Mandy está vindo em
minha direção, completamente diferente do que esperava.
Está muito arrumada. Bem vestida. Os cabelos em um brilho intenso e
os lábios com uma cor vermelho escarlate são um contraste gritante
madeixas longas e escuras. Ela está enormemente sensual e isso realmente é
estranho.
Meu dia se resumiu em coisas estranhas pelo jeito.
Ela se aproxima e eu me levanto, abrindo um sorriso enquanto abro os
braços.
— Olha pra você! — foi perto de um grito e ela me abraça com força.
— Cresceu demais, Áquila!
— Do mesmo tamanho eu não poderia ficar.
Nós rimos e ficamos abraçadas por um tempo, até que ela resolve se
afastar e sentar.
— Você está muito mudada — comento.
Ela dá um sorrisinho, mas parece não ligar muito.
— Me conta, como você está? — pergunta, logo após chamando o
garçom.
— Bem. Acho que vou trabalhar com meu pai mesmo... E você?
Super esquisito.
— Ah, ótima. Tirando uma coisa aqui e outra ali. Nada muito
relevante. Tem namorado?
Sorrio.
— Não, eu não tenho. E você?
— Ah — Mandy bufa. — Eu meio que tinha, mas ele era um babaca.
Então eu só estou à deriva, parecendo o vento.
— É um ótimo termo, sem dúvidas.
O garçom se aproxima e fazemos nossos pedidos, Mandy pedindo uma
garrafa de vinho específica, o que me deixa mais admirada.
É completamente estranho que eu esteja de volta e pareça não
conhecer mais meus parentes. Ela não bebia. Era uma garota bem quieta. E
com toda certeza do mundo não usava roupas de couro coladas e um batom
tão vermelho.
— Estou morando com o Matt — ela fala, meio vaga. — Estou me
sentindo mal por isso, mas ele tem uma parcela de culpa pelo que fiz… —
hesita. — Bem, de qualquer forma, não é por todo tempo. Estou pensando
em comprar um apartamento longe de todo nosso... nicho.
A última palavra sai cheia de desdém e isso me impressiona mais.
— Você está bem?
Mandy me olha por uns instantes antes de soltar uma lufada de ar. E eu
tenho minha resposta.
— Na verdade, não. Faz sentido se eu disser que estou apaixonada por
um homem que não pode ser o que quero?
Estreito os olhos.
— Faz. — Consigo entender perfeitamente. — O que houve? Quem é
o cara?
— Ele trabalha com algo que eu não sei o que é, porque conseguiu
tirar o pai do trabalho e agora o homem parece que vive em férias. E ele me
proibiu de me aproximar.
Ela parece não entender as próprias palavras.
— Parece complicado… — divago, sorrindo quando nossos pratos
chegam, mas Mandy parece mais animada com o vinho; que ela serve em
uma taça e sorve de uma vez pela garganta.
Faço uma careta, simplesmente porque a cena é nova para mim.
— Nossa…
Ela me olha e sorri, o garçom se retirando em seguida quando
agradecemos.
— Está vendo na última mesa à direita? — pergunta. — Olha
discretamente. Matt está tendo uma reunião com os maiorais da Silver.
Eu olho, me impressionando por ver meu primo, que também mudou
para um cacete. Até a franja ele tirou. Parece mais velho, sério – o que é
uma novidade – e, sem dúvidas, mais bonito.
— Estou vendo — sussurro. — Ele está muito diferente. Se não pelos
olhos, eu não teria reconhecido.
— Ele me convidou para participar, mas eu não consegui, porque estou
com raiva dele.
— Certo... — Isso está muito estranho. — Você vai me contar por que
ou só está desabafando?
— A segunda opção — sorri de novo, se servindo de mais vinho. —
Você quer?
— Não, obrigada — pigarreio, voltando os olhos para meu prato, a fim
de comer em paz.
Mandy deve estar não só com um, mas vários problemas. Ela não só
está me dizendo como transparecendo.
— Eu o segui outro dia.
Eu a olho, mastigando devagar.
— Segui o cara que amo — explica. — É um lugar estranho e cheio de
prostitutas. Me disseram que ele não estava lá, mas eu o vi entrando. E
agora, estou sofrendo aos montes porque acho que ele me trocou por
mulheres pagas. Céus, eu não o satisfazia?
Engulo depressa quando percebo seus olhos atingirem uma cor escura
e Mandy começa a tremer um pouco, levando a taça à boca de forma
hesitante.
— Mandy...
— Isso é muito triste, prima. Sabe, eu o amo, ele não podia fazer isso
comigo. Dizer que eu era boa demais e me trocar por um prostíbulo? —
seus olhos lacrimejam. — Por quê? Eu não merecia isso…
Levo as mãos à mesa e seguro a sua que está livre, dando meu melhor
sorriso encorajador.
— Tenho certeza que você merece alguém melhor e não um cara que
se esfrega em putas.
Ela sorri, balançando a cabeça.
— Acho que é por aí, né? Mas é muito difícil esquecer quando se
ama… Você já amou?
Desvio o olhar, vagueando em qualquer canto.
Será que já?
— Não.
— Não deve mesmo. É doloroso. Sabe, não ser correspondida — ela
desfaz o contato para pegar a garrafa e colocar mais vinho. — Eu não sei
por que me humilhei a ponto de ir atrás. Definitivamente porque estou
apaixonada. Mas, merda, será que não bastou os três nãos que ganhei no
meio da cara?
Ela está incrédula, mas não mais que eu.
— Quer saber? — emenda. — Eu não estou nem aí sinceramente. Só
pensei que ele seria um cara diferente. Mas não foi, e não é com o passar do
tempo que vai ser — sorri. — Deixa quieto. Eu não preciso dele agora e
nem nunca precisei. Estou muito bem e definitivamente não preciso de um
homem para me completar. Ou o amor. Não preciso.
E eu não posso deixar de sorrir porque, definitivamente, essa parece
ser eu tentando me convencer de algo.
Um brinde a nós.
Capítulo 15
***
Quando volto à sala, Áquila está sentada no sofá, olhando para uma
das janelas. Já está vestida, o que me deixa triste. Ainda não tinha acabado.
— Você se vestiu por quê? — pergunto, indo sentar ao seu lado.
— Porque estava com frio — sorri cinicamente. — O que te deu?
Remorso. Culpa. Tristeza. Arrependimento.
— Eu ia te dizer que vou precisar ir embora. Por isso queria que
tivéssemos algo romântico, sabe? Mas acho que não deu certo.
Não deu, porque quando vi o jeito sentimental que ela pareceu se
entregar, me desabou. Estava se entregando por completo e eu não. Não
poderia fazer o mesmo. Eu sou destruído por dentro.
— Não deu, mas você gozou e era o que parecia importar, não é? —
seus olhos se voltam para mim. — Por que você pareceu com raiva?
Desvio o olhar, um pouco desconcertado.
Raiva por não poder tê-la.
— Sabe o casal que me adotou? Eles não gostavam de mim —
despejo, incapaz de não contar ao menos um pouco da verdade. Por menor
que seja. Apenas uma parte. — No início, nos primeiros anos que me
lembro, sim, eu fui bem tratado e realmente houve carinho. Uns seis anos.
Mas então fui para a escola, e veio o problema. Eu não conseguia aprender.
E os professores particulares, que não conseguiam me ajudar... E então os
apelidos maldosos e… as coisas poderiam entrar na minha cabeça com
tapas. Ou socos. Ou… Como fosse.
— O que você está dizendo? — ela toca meu pulso com as mãos, bem
próxima em um segundo seus olhos claros me perfurando. — Lance…
— Por isso eu fugi. Cansei de tudo aquilo que tive que suportar. Piadas
sobre como eu não podia mesmo ser filho deles sendo burro como era.
— Você não é burro. Para com isso…
— Eu sou — olho-a. — Claro que sou, Áquila. Ou de que outra forma
se chama? Eu só consegui alguma coisa por causa do meu corpo. Da minha
agilidade. Da minha força. Não foi pelo meu cérebro. Não foi, porque eu
sou burro.
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela levanta, somente para me
empurrar para trás pelos ombros e montar em mim, passando os braços ao
meu redor e me abraçando.
— Para com isso. Você não é burro, chega de dizer bobagens.
— Não é bobagem, é a verdade — abraço-a de volta, fechando os
olhos e tentando me confortar na sensação do seu corpo junto ao meu e do
seu cheiro delicioso. — Eu gosto muito de você. Ainda tenho isso, essa
certeza. Ainda existe você.
Áquila parece desregular a respiração, até que se afasta para me olhar.
Seus olhos claros estão me dizendo algo que não consigo entender o que é.
— Mas você não precisava ter me tratado assim, não é?
— Me perdoa.
— Vamos resumir isso. É aqui que tem morado?
Engulo em seco, entendendo que chegou no limiar de dizer a verdade.
— É.
Ela olha ao redor, avaliando. Balança a cabeça positivamente.
— É um lugar legal. Arrumado e organizado. Faz parecer melhor —
volta a me olhar. — Eu não teria imaginado em mil anos que seria em um
local assim. Você não parece o tipo isolado. E o que quer dizer com
trabalhar com o corpo, agilidade e força?
— Eu sou lutador. — Outra verdade.
— Mentira? — sua boca se abre e os olhos arregalam-se. —
Profissional?
Não.
— Mais ou menos…
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que ganho pelo que faço, mas nem todo mundo está
liberado a ver.
Áquila franze as sobrancelhas, em um desentendimento óbvio.
— Por que não?
— Podem ser brigas feias.
— Me diga em que lugar existe uma briga bonita — seu tom soa
sarcástico. — Eu quero ver. Uma luta sua.
— Não. — Minha resposta é imediata e não exista beiradas. — Não é
seguro.
— Por que não? — ela está quase rindo, mas não é porque achou
graça.
— Acabei de dizer. Não é seguro. Não é totalmente profissional. Nem
todos podem ver.
— Você está metido com coisas ilegais? — Não parece uma acusação,
mas ela também não está feliz.
— Depende do ponto que se vê — elevo os ombros, só para deixá-los
caírem novamente, em uma expressão desdenhosa. — Se você gosta de
lutas, não vê assim.
— Não existe quem gosta de lutas, Lance. Você está de brincadeira?
— Há pessoas que pagam para ver outras apanhando e outras que
pagam para apanhar. Há também quem só queira se divertir em tentar uma
vez no ringue. Descobrir seu limite. Entenda como quiser. O conceito é o
mesmo. E eu trabalho com isso. Eu faço tudo isso.
Áquila parece de repente sem fala e isso é uma novidade. Ela nunca
parece assim. Sem saber o que dizer.
— A questão é que você não deveria saber, mas como eu estou indo
embora, agora tanto faz — emendo.
— Você bate em pessoas?
— Eu luto. Quase profissionalmente. Mas não quero ser reconhecido
por isso, é o que estou tentando te dizer.
— E pelo que você quer ser reconhecido? — ela volta a sentar ao meu
lado. Parece que a notícia a chocou. E não foi pouco.
— Isso é o problema, eu não sei. Não tenho vocação para nada. Não
sei fazer nada que não bater.
Áquila se silencia por uns segundos. Minutos. Um tempo pesaroso.
— Você sabe cozinhar — diz, de repente. Quase muito animada. —
Fez essa comida deliciosa para nós.
— Comprei praticamente pronta. Isso não conta.
Ela expira, seu olhar voltando a se perder.
— Pra onde você vai?
— Não sei ainda. Qualquer lugar — passo as mãos no rosto. — Tanto
faz. Só não quero continuar com isso que faço.
— Fica comigo.
As palavras me pegam de surpresa.
— O quê?
Ela me encara, então balança a cabeça afirmativamente.
— Comigo — repete. — Vamos descobrir algo que você seja bom.
Nós podemos fazer isso. Descobrir juntos. É uma boa ideia.
— É uma péssima ideia — levanto. — Não vou te envolver na minha
vida, Áquila. Eu sou todo errado.
— Você disse no parque. Nós gostamos um do outro. Por que não?
— Eu estava brincando! Não posso sequer imaginar fazer isso com
você. Está louca? Você tem tudo para ter sua vida perfeita, não com alguém
que não sabe fazer nada.
— Você está sendo pessimista.
— Não, realista. São duas coisas bem diferentes. Não vamos ficar
juntos e parou com isso.
— Então isso aqui é um adeus? — gesticula.
— Eu disse que era. Tentei fazer ser. Se você me deixar fazer certo, é,
vai ser um adeus.
— Mas como você vai fazer certo? — ela caminha até sua bolsa e a
coloca no ombro. — Se não sabe fazer nada, é óbvio que isso também não
daria certo.
— Você disse que dormiria aqui — começo a parecer desesperado.
— Não estou vendo cair água do céu, você está? — vai em direção à
porta e a abre. — É bom rever, mas o pior é deixar. Adeus.
E ela sai, me fazendo querer ir atrás, mas sabendo que não é certo.
Afinal, desde quando faço algo certo?
Capítulo 19
***
— Isso está um barulho horrível! — grito para Mandy, que está
abrindo espaço entre a multidão.
Por algum motivo, ela só precisou dizer que éramos da família de
Matthew Morrison para que o segurança enorme nos deixasse passar. Mas
eu não gostei do interior do lugar. É muito tumulto.
Quando finalmente chegamos à uma área aberta, que possui um sofá
em formato L, com três mesas redondas à frente, nós conseguimos nos
sentar.
Por falta de costume ou atenção, não percebemos que há alguns caras
perto, que logo se aproximam e sentam conosco.
Um deles, que tem um cheiro forte de algo não agradável, aproxima o
rosto do meu.
— Chegou pra sentar, princesa?
Faço uma careta, detestando sua voz embargada. Obviamente ele está
alterado.
— Sim, eu procuro lugares para sentar devido ao cansaço — grito para
que ele possa ouvir.
— Cansaço do quê?
— De lidar com pessoas. Principalmente as intrometidas — me
esquivo ao máximo para o lado de Mandy, que está sendo cantada por dois,
o que é um absurdo. Ela está apaixonada, pobrezinha.
Depois de ficarem mais alguns minutos nos enchendo, os caras
decidem levantar e vazar. O que é ótimo, porque eu mesma já estava quase
fazendo isso.
— Por que nós viemos mesmo? — questiono a ela.
— Distrair. Não importa como. Se for só olhando, vale também.
— Estou vendo danças horríveis e pessoas se esfregando. Não é
exatamente uma boa distração para nós, duas abandonadas.
Mandy me olha, arregalando seus olhos claros.
— Não somos duas abandonadas. Apenas não souberam nos escolher.
— Abandonadas — reforço.
Ela resmunga e eu poderia rir, se não estivesse me sentindo tão mal.
Lance voltou. Mentiu. Mudou. Mentiu de novo. E agora vai ir de novo.
Não faz o menor sentido para mim. E lutador quase profissional de
algo que não é ilegal, mas também não é legal? O que exatamente significa
isso? Não consigo nem entender. Nem fingir entender.
— Boa noite, meninas.
Olho para os dois lados, de onde vem as vozes. Dois outros homens se
aproximaram e estão nos encarando com sorrisos saudosos.
— Boa noite — eu respondo porque Mandy resolveu ignorá-los, mas
ao menos esses foram educados a ponto de nos cumprimentar.
— Podemos fazer companhia a vocês? — o loiro pergunta para mim e
eu assinto, ele tomando lugar ao meu lado e o outro ao lado da minha prima
triste. E agora emburrada.
— Muito prazer, eu sou Jeff. E você, como se chama?
— Áquila — aperto sua mão que me é estendida. — O prazer é seu.
Ele sorri mais largamente, balançando a cabeça positivamente.
— Tem algo de errado com a sua amiga?
— Ela está chateada. Não quer papo — deixo claro.
O homem estica um pouco a cabeça para conseguir enxergar o amigo.
— Nem tenta, Paul.
— Não vou — o outro grita a resposta e vai para a outra extremidade
do sofá.
— Posso te oferecer uma bebida? — Jeff questiona a mim.
— Aceito uma taça de vinho.
— Eu vou pegar, já volto — o homem parece muito contente por
minha resposta e levanta muito depressa, sumindo entre as pessoas.
— Não se aceita bebida de estranhos — Mandy critica.
— Quem liga?
Ela bufa e vejo de soslaio que Paul está nos observando.
Isso pode ser estranho, mas com certeza não mais que meu dia.
Capítulo 20
— Aqui está — Jeff senta ao meu lado depois que pego a taça de sua
mão. Ele tem um cheiro bom. É um perfume suave e não enjoativo, o que é
um contraste aceitável.
— Obrigada.
Levo a taça aos lábios e, quando estou prestes a virar na boca, ouço
meu nome.
Mas não é simplesmente o meu nome sendo dito. É um chamado. Um
aviso. Tem raiva. O tom é imperativo. Não gosto principalmente de
reconhecer a voz.
Lance.
— O que está fazendo? — seus passos aparentemente pesados logo o
trazem para perto de mim e ele arranca a taça de minhas mãos, jogando-a
no chão, que se quebra em cacos.
— O que você está fazendo? — rebato, me levantando no mesmo
instante. — Quê?
— Primeiro que você não deveria estar bebendo e, segundo que,
Áquila, em uma boate?
— Ando por onde quiser. Isso não é da sua conta. Eu não te devo
explicação de nada! — Estou ciente de estar gritando, mas não teria como
ser de outra forma.
De onde ele aparece afinal?
— Não, não deve. Mas estou sendo prestativo o suficiente para visar o
seu bem — seu tom soa áspero e isso é estranho. Não gosto. — Vamos, eu
vou te levar para casa.
— Não! — recuso no mesmo instante e viro para segurar a mão de
Mandy e puxá-la comigo. — Vamos dançar.
Ela balbucia alguma coisa, mas não me dou tempo de prestar atenção.
Nos levo para o meio das pessoas e começamos a dançar. Eu começo
primeiro, porque Mandy ainda está aérea e emburrada. E eu nem sei se o
que estou fazendo é exatamente uma dança. São só… movimentos
descontrolados.
Quem ele pensa que é para aparecer do nada e me dizer o que fazer?
Eu queria o vinho. Quero estar aqui.
Por que ele está aqui?
A música começa a estremecer minha cabeça e é muito estranho
porque não sou acostumada, mas gosto da batida e tento acompanhá-la com
o corpo.
Mas parece que ouvir "não desista, me deixe te amar" na letra por
muitas vezes não está fazendo o efeito que eu gostaria. Não poderia ser só o
ritmo?
— Você está chorando! — Mandy grita para mim, o que me faz
perceber que estou mesmo, e é muito sem querer.
Paro os passos e resolvo só tampar o rosto com as mãos e chorar.
Como se eu pudesse mudar alguma coisa. Ou deixar de sentir o que estou
sentindo. Por que parece doer?
Ele ter que ir embora? Por quê? Ele não gosta de mim na mesma
medida. Não tem carinho. Não me quer em sua vida.
Isso dói.
Sinto braços ao meu redor, que me apertam de um jeito acolhedor. E eu
não poderia pensar ser de outra pessoa, que não ele. Mas não tem seu
cheiro, não tem o calor e carinho; e é exatamente o que me faz dar um passo
para trás e olhar para cima, encontrando um homem igualmente alto.
Mas não é o Lance.
— Oi. Vim ver como você estava depois daquele cara aparecer. — É o
tal Paul.
— Oh — estou bastante impressionada e surpresa. Desentendida. —
Estou bem.
Ele gesticula.
— Está chorando.
— Bom, sim, mas só porque foi algo muito ruim e…
Sou interrompida quando Lance também aparece em meu campo de
visão, empurrando Paul pelo ombro, de forma que ele cambaleia para o
lado.
Agora eu estou descrente.
— Nós podemos conversar? — questiona.
Sua voz tem uma potência louvável, pois sobressai todo o barulho da
música e consigo ouvi-lo perfeitamente.
— Você não ia embora?
— Eu vou, mas não agora — ele se aproxima e segura minha mão com
a sua. — Vamos. Vamos conversar um pouco.
Por um momento, devido o calor que me é transmitido, eu aceito. E
vou.
Saímos do grande movimento em direção a um espaço oculto por trás
de uma cortina pesada, que tem na direita do local onde fica o DJ.
E, quando ultrapassamos uma porta, todo o barulho some. Fica
inaudível.
— Onde estamos? — eu tento recuperar minha voz.
— Está segura, baby.
Não é exatamente o que quero ouvir, mas gosto. É aconchegante. Me
faz ter um pouco de esperança que Lance ainda pode ser apenas um homem
comum. E que me quer.
Depois de mais alguns passos por um corredor mal iluminado, nós
chegamos de frente a outra porta, a qual é aberta e vejo uma sala ampla.
É a cara do Lance. Essa sim. Deveria ser sua casa.
— O que está acontecendo? — olho-o. — Como sabe sobre esse
lugar?
— Entre e eu explico — pede.
Eu entro, ficando no meio da sala, juntando as mãos uma na outra,
agoniada por me sentir perdida.
Lance tranca a porta e guarda a chave no bolso da calça escura que
usa. Está delicioso com camisa social branca e um colete cinza por cima.
Lindo.
— Explica — peço.
— É aqui que trabalho. Este é o meu escritório. Sou sócio daqui e luto
aqui. Tenho licença para impor ordens e fazer o que eu quiser até o limite
das portas de saída.
Estou boquiaberta, digerindo.
— Por que está aqui? Por que estava chorando? E por que infernos
estava abraçada com aquele homem?
Ergo as mãos, o parando.
— Para, para — o repreendo. — Estou aqui porque eu quis, estava
chorando por sua causa e ele que me abraçou.
Lance caminha em direção a uma adega perto da grande mesa e se
serve de um tipo de vinho. Eu observo, intrigada.
— Me trouxe aqui para quê? — questiono.
— Eu gosto de você, Áquila.
— E daí? O que isso significa? Você me negou.
— Não neguei, eu disse que vou embora.
— E?
— Vamos simplificar. Esta não é a melhor boate para você estar.
— Por quê? Por que você está aqui?
— Também.
— Suspeito — seco o rosto. — Eu não vou embora. Não sou igual
você.
Lance bebe todo o vinho de uma vez, deixando a taça na mesa e indo
em direção ao sofá, onde senta.
— Venha aqui, nós vamos conversar sobre nós. E você vai me explicar
porque chorou.
Bufo, mas ele parece estar tão aconchegante sentado com um braço
por cima do sofá, todo grande e me chamando; e eu vou.
Sabendo que vou me arrepender.
Capítulo 21
Áquila parece estar trêmula quando senta ao meu lado e passo meu
braço por seu ombro, puxando-a para mim. E me surpreendo por ela se
encolher contra meu corpo, me abraçando de forma apertada.
Como se não quisesse me deixar partir. Como se eu não devesse ir.
Como se tivesse que ficar.
— Me conta — eu peço junto aos seus cabelos, seu cheiro doce me
deixando leve e tranquilo. Eu mais que gosto dela.
— Estou triste por como tudo se desandou. Eu quero você, será que
isso não importa?
— O que significa você me querer? — acaricio seu braço, adorando a
forma como ela se arrepia com o contato.
— Estar juntos — ela passa o rosto em mim, até encaixar em meu
pescoço. — Eu não gostei de ouvir tudo que acha sobre você mesmo. Não é
certo e não é verdade. Você tem inúmeras qualidades e não é burro.
— Não?
— Nem em mil anos — ela hesita. — Você sabe que essa sala tem
mais a sua cara?
— Uhum — inspiro, tentando focar só no agora. — Você bebeu?
— Ia, mas você me impediu.
Graças a Deus.
— Você já ouviu falar em Matthew Morrison? — questiona e fico na
defensiva.
Mentir ou omitir?
— Sim. Por quê?
— Ele é meu primo.
… … Droga.
— Ah — digo simplesmente.
— A minha prima disse o nome dele para o segurança e ele nos
deixou entrar — ela afasta o rosto para me encarar. — O que ele faz aqui? É
sócio também?
— Sim — tento sorrir. — Ele é.
— Você manda nele?
— Não exatamente… — pigarreio. — A irmã dele está aqui?
— Viemos juntas. A Mandy, que você perguntou sobre como era, é ela.
Tento não demonstrar meu alarde porque, se Matt sabe de um negócios
desses, ele pira. Sem falar que é dia de show e por isso está tudo tão lotado.
E também por isso eu pedi que Jeff e Paul olhassem ela. Mas não sabia que
a amiga era prima. E muito menos que o idiota do Jeff fosse oferecer
bebida.
Se ele tivesse feito certo, eu não precisaria aparecer e Áquila o ia achar
tão insuportável, que iria embora.
Mas deu tudo errado.
— Ah… você sabe se ela vai embora?
— Não sei — balança a cabeça. — Então por isso você fica bem
vestido? Por ser um sócio?
— Sim. — Não. — Você está linda. Mesmo e de verdade.
Ela sorri, mas logo seu semblante se enche de melancolia novamente.
— Quem era a dama que você estava falando ao telefone?
— Oi?
— Cedo, no zoológico, você estava falando com alguém e dizendo
algo sobre ser digno de uma dama… — hesita, seu olhar vazio. — Quem é?
Por um instante, fico sem saber o que dizer. Mas é tão rápido que mal
me dou conta. Porque definitivamente olhar nos olhos dela e perceber que
eu sou o motivo de sua tristeza, me destrói.
— Matt, o seu primo, fez um espaço para homens se divertirem. Fica
em uma parte separada da boate que você entrou. Estamos entrando em uma
obra em uma semana, e os quartos novos precisam ser dignos de uma dama.
Falo tão rápido que não noto, mas fico aliviado por ser a verdade.
Matthew que me desculpe. Eu não poderia fazê-la imaginar centenas de
coisas.
— Ah… — ela não parece surpresa. — A Mandy disse algo assim.
Sobre ele ter muitas mulheres. Você também?
— Não — minha resposta é rápida e não tem dúvidas. — Não mesmo.
O seu primo é desenfreado, não eu.
— Então você conhece o Matt… Ele tem a ver com você ser sócio
aqui?
Respiro fundo, odiando ter que explicar tudo, mas, depois da minha
atitude escrota de mais cedo, é o mínimo que posso fazer.
— Tem…
— Como?
— Morei um tempo em um abrigo para pessoas de rua quando fugi…
— hesito, buscando força e equilíbrio. — Por o período de um ano... Mas
era difícil, porque eram jovens na faixa da minha idade, todos frustrados
com a vida de alguma forma e tinham também os revoltados.
— Você fazia parte desses? — ela segura minha mão com as suas e
puxa para seu colo, me transferindo algum calor.
— Não antes, mas quando comecei a apanhar, sim. Precisava me
defender. Todo mundo tinha uma revolta, todos estavam ali por um motivo,
mas ninguém ali dentro tinha culpa. Por que eu teria que pagar?
— Eu… — ela engole em seco. — Como o Matt entra nisso?
— Nos encontramos na rua. Eu estava em uma briga… Ele lembrou de
mim e… Bom, assistiu a briga até o fim e me chamou. Vim morar aqui e
lutar. E é isso — gesticulo. — É a minha vida. E devo muito a seu primo.
Áquila está em um transe aparentemente. E não a culpo. Está
processando as informações.
— Seus pais adotivos nunca buscaram saber de você?
— Não. E foi melhor assim. Eu não ia voltar, de qualquer forma.
— Você não voltou para ver sua mãe, não é? — ela se encolhe. —
Quando me encontrou no chafariz…
— Não. Matt tinha me dito que você ia voltar naquele dia. Eu fiquei
esperando que fosse para lá, no chafariz, sabia que iria, porque é uma coisa
nossa e eu sei que nos fazíamos bem. Apesar de tudo, eu tinha minha
amiguinha legal — sorrio. — Você era minha força já naquela época e eu
não sabia.
Ela funga, está quase chorando e é uma coisa linda.
— Eu deveria estar com raiva por você conhecer meu primo e não ter
me falado, e ter estado sempre por perto; mas eu só vou te dizer que sempre
vou estar aqui se você quiser e precisar. Não precisa mais ficar revoltado e
triste, porque você tem a mim. Não é muito, mas é o que sou e tenho para
oferecer. Você não merece nada disso — ela se inclina e me dá um beijo
estalado na bochecha. — Gostaria de ter te isolado do mundo para você não
ter passado por nada disso, mas como não pude, me disponho a ajudar a
cicatrizar suas feridas.
Impossibilitado de aguentar, puxo-a para mim e preencho seus lábios
com os meus, em um beijo completamente rendido.
Capítulo 22
***
— Eu espero que você saiba que está sendo uma grande tarefa estar em
um bar neste frio absurdo, com chuva — Mandy alfineta quando entramos
em um bar.
— Não viajamos para ficar deitadas, certo? Kristen falou sobre o
Temple Bar, não me culpe.
É muito movimentado. Tem uma música alta. Com muitas pessoas
dançando. Isso me faz sorrir, mas é pela cara da minha prima.
— Eu pensei que você gostasse de barulho — preciso falar bem mais
alto para ela me ouvir.
— Gosto, mas não quando estou sofrendo.
Dou risada e seguimos para o bar.
O lugar é pequeno, mas parece contagiante. Não tem como ficar sério
ou triste por muito tempo. Talvez eu levante e vá dançar algum momento.
Mandy pede uma bebida do cardápio para nós duas e simplesmente
ficamos observando as pessoas, como se não tivéssemos com a ideia de
dispersar a mente.
Posso ter certeza que ela está pensando em Christian. Como seria se
ele estivesse com ela.
Sei porque é exatamente o que penso.
Nós bebemos quando somos servidas, Mandy fazendo uma careta
imediata. Acho que alguém nunca bebeu algo forte. Eu também não, mas
parece que a adrenalina da realidade me faz não resmungar.
— Meu Deus! — ela tosse.
— Arrependida?
— Não, só que… Arrgh. Dá uma rasgada na garganta.
Isso me faz rir. Muito. E logo ela me acompanha.
— Vai pedir mais um?
— Talvez um que não fosse tão forte? — palpita.
— Certo, então vamos escolher…
Mas minha atenção é totalmente esvaída para o lado, quando sinto um
cheiro mais forte e ao mesmo tempo delicioso. Suave, também.
Um homem se debruça no balcão, pedindo uma bebida, logo voltando
o olhar para a multidão enquanto aguarda.
Olho para Mandy, que imediatamente parece apreensiva.
— Não — cochicha.
Sorrio e volto à olhá-lo, pigarreando para chamar sua atenção. E
funciona.
— Boa noite — começo, tentando um sorriso simpático. Estar sozinha
em Londres me ensinou a falar com pessoas estranhas de forma natural.
Não é um problema. — Você é irlandês?
Ele estreita os olhos, logo sorrindo de volta.
— Claro que ele é, olha a cara dele — Mandy sussurra atrás de mim,
só que não baixo o suficiente porque o cara ouve, mudando sua atenção
para ela.
— Sou. Vejo que vocês não.
Ficamos em silêncio por um momento, mas logo pigarreio e respondo:
— Não somos. Estamos viajando. Minha amiga aqui quer encontrar
uma boa companhia masculina para a noite — aponto Mandy, que parece
horrorizada.
Ele sorri. É bonito com a sua barba muito grande, mas não faz o meu
estilo. Definitivamente não.
— Ah, pena que não é você…
Ela ri.
— Também estou, mas primeiro vou arrumar a dela.
— Estou com uns amigos. Por que não nos juntamos?
Olho Mandy, que me olha; e, mesmo sem dizer nada, concordarmos
em silêncio.
O que temos a perder?
Imagino que nada. Porque nada pode acontecer.
Capítulo 25
Mandy sai do banheiro com uma toalha enrolada nos cabelos e outra
no corpo. Ela já não parece a mesma. Está inteiramente majestosa de novo.
Diferente de mim, que continuo um caco.
— Então é o seu cara que está no hospital?
Eu ouço a pergunta e custo a assimilar, levando mais tempo do que
gostaria para encontrar minha voz e responder.
— Não é bem o meu cara, mas, sim, o que me deu o fora.
— Um dos motivos de estarmos aqui. Isso é bem barra. Não gosto
dessa sensação. Nós fomos imprudentes?
— Meio que sim, mas não nos trouxe nenhum mal, então acho que
tudo bem.
— É — ela vai até sua mala e vasculha por alguma roupa. — Vamos
almoçar e depois? Outro bar?
— Não te serviu como lição ficar absurdamente com dor?
Ela dá um sorrisinho, isso sendo minha resposta.
— Eu gostei de extravasar. Tipo, a gente se divertiu, mas fizemos
coisas que não fazemos e não lembro metade delas, então acho que não, não
teve lição a não ser que Chris não é a última bolacha do pacote. Eu até me
esqueci mais dele.
— Eu transei com um desconhecido em um carro... — penso alto,
recebendo um olhar cúmplice. — Não estou louvando minha atitude, mas
foi… Bom. Eu acho.
— Você não se lembra? — ela começa a se vestir, parecendo mais
rápida que o normal.
— Não muito, sinceramente. Eu sei que os beijos foram ótimos e nos
beijamos o tempo todo, então suponho que ruim não foi.
— Então não temos do que reclamar. Vamos a um restaurante. Está
ansiosa para a noite de hoje? — questiona, risonha. — Imagina que a gente
fique igual o filme dos caras que bebem e acordam sem saber onde estão?
Em outro país.
— Aposto que você não reclamaria.
— Não mesmo. Estou gostando desta minha recém vontade por
aventura. É algo cheio de adrenalina. Eu gosto muito.
— Só não ultrapasse todos os pilares.
Ela ri.
— Imagina. Eu gostaria de algo novo e consegui. Nós conseguimos.
Volto a atenção para a janela, me perdendo nas cores do céu, o azul
claro em meio às nuvens brancas e uns fios de luz que revelam pouco do
sol. É diferente também.
— Está aflita por ele — minha prima diz. — Não fique assim. Meu
irmão está cuidando dele. E, mais, a mulher que ele ama também deve estar
com ele.
— Ele me usou como uma prostituta? — reflito. — A custo de quê?
— Claro que não, Áquila — ela sibila. — Ele só é idiota, mas te disse
a verdade, não foi? Ele foi sincero com você e isso importa muito. Assim
como o Chris foi comigo. Eles não nos deixaram na expectativa.
— Será que eles se conhecem? — eu a olho.
— Quem? — ela está penteando os cabelos com os dedos.
— O meu e o seu cara.
Ela abre mais olhos, surpresa nítida.
— Por que se conheceriam?
— O Lance conhece seu irmão.
— Não é a mesma coisa.
— Ele não estava lá bebendo com duas mulheres? — pergunto e ela
assente. — Então, quem garante que não eram as mulheres que estiveram
na sala do Lance atrás de uma companhia masculina?
Quase tenho pena quando a coitada cai sentada na cama, a boca
formando um O.
— Talvez por esse motivo o Matthew não tenha querido que
ficássemos juntos… — reflete. — Por que ele não me contou?
— Talvez ele não queira que você saiba todos os tipos de coisas que
ele está envolvido... Como uma boate que diverte homens em seus confins.
Ela faz careta. Nitidamente não gosta da possibilidade.
— Isso soa quase como uma traição... — pondera. — Estou chateada.
Custava me dizer?
— Custava ao ver dele — dou de ombros. — Estamos cercadas de
homens que não nos querem ver bem. Enfim, eu não deveria estar pensando
sobre o Lance, mas ele teve uma vida horrível e está tentando esquecer a tal
pessoa. Deve não ter ninguém com ele além do seu irmão.
Mandy aquiesce. Parece pensativa.
— Você quer vê-lo?
— Eu quero — não hesito. — Não vou negar, estou preocupada. Eu
gosto muito dele, quero seu bem. É a mesma coisa se fosse o seu Chris,
você não iria atrás?
Ela fica pensativa.
— Ah… Depois disso tudo que você falou, ele e meu irmão sem me
dizer a verdade, eu pensaria muito. Mas, né, eu sou burra, no fim iria.
Definitivamente iria — ela levanta as mãos, dando um risinho sem
graça. Tadinha. — E iria morrer de chorar quando o visse. Eu já posso ter o
selo de Mais Idiota?
— A gente divide — sorrio, voltando a olhar o céu.
Estou em mil pensamentos. Quero ir até ele, sim. Mas não sei se é
exatamente o que devo fazer. Eu quero dizer, ele é apaixonado por outra. O
que não faz o menor sentido pra mim, porque ele disse que eu era força dele
mesmo sem saber... Ele me disse. Em sua sala. Quando estava me
abraçando carinhosamente.
— E se for verdade? — a pergunta escapa dos meus lábios e volto a
olhar minha prima. — E se ele tiver dito porque realmente se acha
insuficiente para mim?
Mandy morde a unha, meio alienada agora.
— Não me parece a melhor coisa a se dizer. Sabe, fazer a pessoa
imaginar que você está apaixonada por outra. É bem idiota, na verdade.
— Mas é uma possibilidade, não é? — me levanto, algum brilho de
esperança lampejando dentro de mim. — Pode ser isso e estou aqui,
pensamento mil coisas que não são verdade.
— Isso também pode não ser uma verdade — aponta para mim.
— A probabilidade para o sim é maior.
Ela franze o cenho, então desdenha com as mãos.
— Bom, você pode ir, se quiser. Eu vou ficar um pouco mais. Quero
voltar tendo esquecido completamente o Chris.
— Então você não vai voltar tão cedo — caminho até minha mala,
procurando uma roupa para ir embora.
Ela resmunga baixinho.
— É claro que vou. Posso parecer fraca em me apegar, mas te garanto
que esquecer é quase na mesma proporção.
— Espero que sim — saio depressa para o banheiro, com o intuito de
um novo banho para uma longa viagem.
Lance pode estar mentindo. E precisando de mim. E gravemente
ferido. Machucado. Como quando era apenas um menino...
Deus, tantas possibilidades que me sinto mal e me apresso em não
perder tempo.
Eu preciso dele.
Capítulo 28
***
É longe, mas eu consigo ouvir. Meu nome. Ou quase isso.
Abro os olhos, olhando diretamente para a cama. É de onde o som
vem.
Me levanto imediatamente, acordando no mesmo instante. Ou dormi
muito, ou foi somente um cochilo.
Lance está com o olho bom aberto, agora já da cor normal, parecendo
observar ao redor.
— Ei, oi — eu digo, colocando uma mão sobre a sua. — Estou aqui.
— Você veio. — A voz dele já está quase normal, mas os lábios
cortados e ainda inchados, não ajudam muito.
— Vim — Não sei como me sentir sobre. — Fiquei preocupada.
— Eu não queria te preocupar… — ele hesita. — Me perdoe.
— Tudo bem. Fiquei mais tranquila quando seu médico informou que
amanhã você pode ir para casa.
— Bem melhor.
— E eu vou com você — complemento. — Sabe, para cuidar de você
enquanto se recupera. Matthew não vai poder.
— Seria injusto de minha parte permitir isso. — Ele chia baixinho,
parecendo mais um gemido de dor. — Não precisa, Rapunzel.
Meu peito aperta. Eu gosto muito dele. Sinto saudades da gente. Das
conversas que fluíam e os dias longos que duravam. Ele faz falta.
O que posso fazer sobre isso? Nada.
— Na verdade, você precisa e muito — me inclino para ajeitar os
travesseiros embaixo de sua cabeça. — Está com fome? Imagino que sim,
depois de dormir tanto.
— Estou me sentindo fraco. É muito grave?
— Não, apenas apanhou muito e quebrou o braço. E um corte na
cabeça. Você é louco ou algo assim?
— Eu estava me sentindo mal e não sabia o que fazer.
— Uau — ajeito o curativo em sua bochecha. — Foi ótimo apanhar
enquanto se sentia mal. Parabéns.
— Não tinha outra opção… Você está com raiva de mim?
Eu suspiro, olhando-o. Ele está péssimo.
— Sim. Não vou mentir. Mas eu também gosto muito de você para ver
que está sofrendo e precisa de ajuda, pra não fazer nada.
Percebo que ele está com alguma dificuldade para manter a respiração
regular, e preciso falar com o médico sobre isso.
— Meu nome não é Lance — ele despeja.
Tento não ficar surpresa. E nem estou.
— Eu sei, é Scott.
— Também não — ele hesita. — Eu nem sei qual foi meu nome… o
verdadeiro. Se eu tive um. Descobri não ter… uma certidão. A mulher que
me adotou… Ela não tinha. Ela apenas me chamava como queria.
Eu fico quieta. Não sabendo se impressionada, ou abismada.
— O que sobre você é verdade afinal? — meu tom sai sarcástico,
quase um riso.
— Eu ser adotado e...
Lance é interrompido quando a porta se abre e uma enfermeira entra.
Quer dizer que nada mais é verdade? Me sinto a mais idiota de todos
os tempos.
Talvez eu seja.
Capítulo 30
***
***
— Por que não? — questiono, tentando segurar o riso.
Lance faz uma cara feia, mas que não serve para me repreender em
nada.
— Combinou muito e vai servir para você não mostrar o corte. E nem
vai machucar. Não é o que quer?
— Eu já estou feio o suficiente, você ainda quer que eu apareça de
boné?
Dou um riso discreto.
— Mas está lindo — coloco o boné de volta. — Vamos. Precisamos
arrasar.
Ele bufa, mas deixo o carro e o espero sair para irmos adiante.
A casa está completamente linda e brilhante. E parece que não voltei
de viagem, porque a saudade me acerta em cheio.
— Sua família caprichou na decoração — Lance elogia.
— Sim, minha mãe adora o Natal. Talvez por isso tenha aceitado que
viessem todos para cá.
Nós subimos os degraus que nos levam à porta principal, e toco a
campainha, Lance dando um pigarreio. Ele está nervoso.
Mas meu sorriso é imediato quando James abre a porta, com meu
sobrinho no colo.
— Olá — ele estreita os olhos para Lance, e então me olha. — Eu
pensei que você estaria em seu quarto se aprontando.
— Não. Eu estava com o meu namorado — seguro no braço bom de
Lance, sorrindo. — Ele passou por um acidente.
— Ao menos sabia que você estava namorando. — Parece confuso e
agradeço quando Johny começa a chorar, tirando nossa atenção.
Eu entro em casa, puxando Lance comigo.
— Por que tudo parece parado aqui dentro? — questiono enquanto
James tenta fazer o bebê parar de chorar e também aproveito para segurar
sua mãozinha em cumprimento.
— Deve ser cedo, mas… — ele troca Johny de braço. — Imagino que
porque ainda não sabemos se a vovó virá.
— Pensei que eles dois já estariam aqui.
James balança a cabeça, como se não tivesse resposta.
— Quem já chegou?
— A Mandy e o namorado, e Arthur.
— O Arthur está aqui? — É um dos meus primos mais novo, filho da
minha tia Beatrice. — Estou cheia de saudades dele. — Olho Lance. — Ele
é apenas um ano mais velho que eu.
Mandy tem namorado? Ela trouxe Christian?
— Filho, pare de chorar — James pede a Johny. — Eu vou procurar a
Nicole. Podem ficar à vontade.
Eu o observo sair pelos fundos, provavelmente para ir a algum lugar ao
lado de fora onde o neném não chore tanto ou procurar a esposa, que eu
ainda nem conheço.
Está parecendo tudo muito estranho. Nem tem uma música tocando.
— Engraçado que seu irmão diga para você ficar à vontade na casa que
mora — Lance diz e eu sorrio.
— É o costume. Quase não nos vemos. Vamos à sala de estar.
Eu o incentivo a caminhar comigo, chegando no cômodo e vendo de
longe os três que chegaram em uma conversa.
E parece que adivinham o momento que chegamos, pois nos olham, e
eu evito meu queixo de ir ao chão quando vejo quem é o "namorado" da
Mandy.
Meu Deus, o cara da Irlanda.
Mal tenho tempo de assimilar quando mamãe desce as escadas
correndo, chorando em um nível absurdo e passa por nós correndo, como se
fôssemos invisíveis.
Papai vem atrás, também correndo, mas para no meio da sala,
parecendo meio branco e amedrontado.
— Não teremos uma festa — sussurra.
Dou um passo à frente, preocupada.
— Por que não? O que houve?
Ele me encara por uns segundos, antes de enfim falar, parecendo
pesaroso.
— Sua vó morreu.
Então sai, me deixando sem chão.
Capítulo 34
Eu não sei bem o que fazer, então somente a abraço e deixo que fique
em seu silêncio junto a mim.
Matt nos deu uma carona de volta para minha casa – que ainda não é
realmente minha. Áquila não quis ficar na casa dos pais, ainda mais
sozinha.
Não posso dizer que entendo sua dor, porque nunca perdi alguém que
amava. Mas posso me oferecer a ela, como alguém para lhe passar algum
conforto, talvez.
Deve ser algo muito difícil e eu nem imagino o quanto.
Por mais que o tempo do silêncio seja gritante assim, nada é tão ruim
quando sentir a tristeza dela. Ela estava tão empolgada, com a família, a
festa e com nós dois. Até combinou nossas roupas. E então recebe uma
notícia dessas.
— Eu pegaria sua dor para mim, se pudesse… — digo enquanto
acaricio seu braço.
Áquila esconde mais o rosto em meu pescoço, parecendo querer mais
que só tentar fazê-lo desaparecer.
— Eu estou tentando lembrar somente dos momentos bons, mas as
coisas não são assim — sua voz sai quase sumindo. — Há muito tempo não
a via... Só assim que cheguei. Estou me sentindo... Não consigo dizer.
— Você não precisa dizer algo, baby. Tome seu tempo para sentir
tristeza.
— Eu não quero ir — funga. — Ao velório, eu não vou. Não quero ver
a vovó assim.
— Você não precisa ir.
— Talvez não... O vovô deve estar arrasado. Não quero vê-lo assim
também.
Gostaria de não estar muito remendado e machucado, para poder lhe
passar todo conforto e carinho possível, mas nem mexer o tronco direito
posso, por conta dos pontos.
— Vai ficar tudo bem. Nenhuma tristeza dura para sempre — Não sei
se é o certo a dizer, mas é melhor do que não dar alguma resposta.
— Eu não quero te perder também — ela beija meu pescoço, deixando
os lábios demoradamente repousados na minha pele. — Eu não quero. Não
quero te ver machucado. Não quero ter que correr esse risco... Nada disso.
Minha vista vagueia pela pequena sala, eu não sabendo o que dizer.
É a minha vida. Lutar é tudo que eu sei fazer. Nunca consegui algo
diferente. Se não for isso, o que vai ser? Não vai ter nem como imaginar
uma vida com ela ao meu lado, não sendo isso que sou. Como poderia dar
algo ela? Como poderia mantê-la junto a mim? Eu tenho noção do quanto a
situação financeira é importante. Quanto mais com a Áquila, que já é filha
de pessoas com muitos patrimônios.
Fecho os olhos por um instante, tentando não pensar muito nisso no
momento.
— Não acredito que é Natal e tudo morreu... Nunca mais esse dia será
o mesmo — ela fala baixinho.
— O dia vai ser o que você fizer dele.
Talvez seja a coisa errada a se dizer, porque ela se afasta para levantar
a cabeça, o lindo rosto vermelho de chorar, e parte meu coração.
— O que quer dizer com isso?
— Apenas que, não acredito que sua avó fosse querer que você ficasse
triste em uma época que gosta tanto. Ela esteve feliz quando viva, tinha
pessoas que a amavam, ela foi em paz, não é?
Ela assente levemente.
— Então, vamos celebrar o Natal — tento um sorriso. — Pois eu tenho
certeza que ela não iria querer todos tristes. O que você acha?
— Eu… É impossível — sussurra. — É impossível que eu lide com
essa... realidade sem me sentir completamente afetada. É impossível.
— "Algo só é impossível até que se prove o contrário" — eu me
levanto com um pouco de esforço. Toda a região da minha barriga parece
muito sensível e repuxada. É uma sensação muito ruim e tenho vontade, por
um nonassegundo, de nunca mais lutar. — Vamos fazer biscoitos de Natal.
Você gosta?
Ela funga, assentindo quase imperceptivelmente.
— Vou me sentir como negligenciando a morte da minha vó, Lance...
Seguro sua mão, a incentivando a levantar. Ela o faz, meio relutante.
— Você não vai estar fazendo isso — toco seu rosto, acariciando da
testa ao queixo, Áquila estando em soluços. — Nós apenas vamos marcar
uma memória não só com uma notícia ruim, tudo bem?
Quando ela concorda, levo-nos em direção à pequena cozinha, não
fazendo ideia do que estou fazendo. Mas sei que não quero vê-la tão triste e
talvez essa seja uma pequena solução.
No entanto, eu não sei como fazer biscoitos de Natal, porque nunca
comemorei um.
***
3 meses depois…
***
Áquila está tensa. Eu consigo ver e sentir. Assim que chegamos, ela foi
direto para o banheiro e depois comemos, sempre eu tentando puxar algum
assunto – que não deu certo. Assim que acabou, ela foi para o sofá, onde
está deitada agora e mexendo no celular.
Entendo que ela ainda esteja péssima pelo que aconteceu em sua
família, mas não me agrada nenhum pouco isso de colocar distância entre
nós.
Já não basta a distância física. Faz quase quatro meses que não nos
tocamos fisicamente. Ela parece ter criado um muro nesse sentido e eu não
sei como quebrar.
Tiro os potinhos de comida da mesa e levo à cozinha, tirando a blusa
social para conferir como está a cicatrização. Parece tudo bem, por ora.
Assim que tirei os pontos, inchou bastante e isso me deixou um pouco
alarmado, mas Áquila parece ter cuidado tão bem de mim, que melhorou de
forma rápida.
Volto à sala, vendo que ela continua distraída. Me aproximo, querendo
falar alguma coisa, mas ela já não parece muito feliz comigo por causa das
lutas, então decido apenas me ajoelhar perto de suas pernas e esperar que
ela queira falar.
Mas Áquila não quer. Mesmo quando se passam minutos longos. Ela
faz um ótimo trabalho em não me ver ou me ignorar.
Isso me deixa triste, então decido que talvez a culpa da distância seja
minha também.
Achando uma melhor posição, puxo sua perna, que ela deixa vir.
— O que está fazendo? — sua pergunta é meio baixa, mas deixa claro
que não está ligando muito.
— Estou com saudades da minha namorada.
Ela tira o celular do rosto, me olhando. Nós nos encaramos por um
instante, até eu achar que posso ter dito algo errado. Mas não. Leve e
suavemente, Áquila ergue a barra da minha blusa que está vestindo, me
mostrando que não usa nada por baixo.
Minha boca seca na hora. Faz muito tempo. Estou com tanta e tanta
saudade.
— Eu sei — ela diz, terminando de tirar a blusa pela cabeça, deixando-
a cair no chão. — Também estou.
Inclino a cabeça e beijo sua coxa. Isso parece impelir um pouco sua
vontade, pois ela coloca a perna que está no chão por cima do meu ombro,
me atingindo em cheio com a visão de tê-la aberta e deliciosa para mim.
Não precisamos de palavras. Não agora, pelo menos. Levo meus dedos
ao seu sexo, abrindo-a delicadamente para mim. Áquila geme assim que
minha língua entra em contato com sua carne quente e macia.
É verdade que eu posso ter tido muitas mulheres, mas quando se ama,
tem essa diferença. Cada reação é um prazer diferente. Cada suspiro,
estremecimento, respiração... Tudo é sobre o prazer de dar prazer a quem
se ama.
Ela traz as mãos aos meus ombros, arranhando de leve, mostrando que
está gostando quando intensifico a carícia com a língua. Áquila também
está muito sensível, molhando-se rapidamente e começando uns gemidos
mais altos, o que me deixa ainda mais ligado.
Levanto o rosto para observá-la, pirando no fato de que ela está de
olhos fechados e prendendo o lábio inferior entre os dentes, parecendo
imersa no mais profundo prazer.
Sorrio com a cena, quase emocionado demais. Sim, porque depois de
tanto tempo... é doloroso esperar.
Meu pau já está pulsando dentro da calça quando enfio dois dedos
dentro de seu núcleo molhado, com certa dificuldade. Ela é quente,
apertada e deliciosa. Tudo na mais perfeita perfeição.
Quando Áquila começa a se remexer de forma agitada e sinto que está
molhando muito meus dedos, levo a boca de volta como auxílio, e dou
lambidinhas e chupadas em seu clitóris, ajudando-a chegar mais rápido no
ápice.
E ela explode com força. Me chamando. Penso que sou eu. Não é
Lance e não é Scott, é amor. Ela falou "amor".
Isso me enche de uma satisfação inominável. Tiro os dedos de dentro
dela e chupo com toda vontade, só para levantar e levar a boca à sua,
apoiando o corpo com meus próprios braços aos lados de seu corpo; e beijo-
a, adorando o fato de ela corresponder com a mesma fome que eu.
Seus lábios são doces e macios, como tudo nela. E Áquila tem essa
precisão e urgência, que me deixa louco. E com mais vontade. Muito mais.
Sinto suas mãos descerem e, em uma ação rápida, ela tenta abrir minha
calça. Mas a posição não favorece muito e isso a faz resmungar e separar a
boca da minha, procurando olhar para baixo entre nossos corpos.
Eu riria se não estivesse mais desesperado que ela.
Rapidamente me levanto, abrindo a calça e abaixando junto com a
cueca. Meu pau está duro que dói, mas então me lembro que não tenho
preservativo em casa. Já faz tanto tempo desde que transamos, que me
descuidei desse fato.
— Vem logo — ela me chama, parecendo agoniada.
— Não tem camisinha, acho que…
— Você goza em outro lugar, mas não começou para não terminar, por
favor — se remexe, me fazendo ver o quanto seu corpo parece desejoso.
E eu sou incapaz de recusar a vontade dela, voltando a me colocar
sobre seu corpo, levando a boca a um seio e sugando, só para mordiscar de
levinho. Ela grita, me fazendo levar a cabeça ao outro, ela levantando o
corpo e procurando minha ereção.
Levo uma mão ao meu pau e direciono para dentro de seu corpo,
conseguindo espaço dentro dela centímetro por centímetro. E é quase
doloroso de tão bom.
Preciso olhá-la quando começo a me mover, Áquila me olhando de
olhos arregalados e soltando a respiração, parecendo pulsar como eu, ou
mais.
— Meu Deus! — ela ofega quando saio de uma vez, só para meter de
novo com força. Sua cabeça se levanta e recebo um tapa forte no rosto, que
queima e me faz rugir, começando uma série de investidas profundas e
precisas.
Ela deixa a cabeça cair de volta no sofá, começando a levantar o corpo
para me acompanhar.
E estamos numa sincronia tão intensa que fica óbvio que nenhum de
nós vai mais aguentar muito. Principalmente quando Áquila leva as mãos
aos próprios seios lindos e aperta, soltando um gemido tão quente que
preciso levar os dedos ao seu clitóris para fazê-la gozar mais rápido.
Quando isso acontece, já estou com a cabeça de cima quase pulsando
também. Rapidamente me tiro de dentro dela e a intenção é gozar na sua
barriga, mas meu sêmen chega até o seu pescoço e, quando ela sorri de um
jeito sexy, eu quase caio de prazer.
— Meu Deus! — ofego. — Isso foi muito gostoso.
— Gostoso é você — ela respira fundo, parecendo relaxada. —
Delicioso.
Também sorrio, só não deitando ao seu lado pelo sofá não caber, então
fico de joelhos, observando-a; a noção de eu querer isso para sempre não
me pegando de surpresa.
Então proponho a única coisa que posso no momento:
— Quer morar comigo?
Capítulo 37
Estou tentando olhar o monitor e entender algo do que está escrito, mas
não consigo. Minha cabeça está dando voltas por dentro e um algo arde
dentro de mim. É físico e sentimental. Eu estou triste. Amargurada.
Dolorida.
E não consigo mostrar isso a ninguém. Não é algo que se pode
enxergar a menos que alguém te conheça muito bem. E ninguém me
conhece tão bem. Depois de tanto tempo longe, e com o acontecimento
recente da minha família, é impossível que alguém ao menos queira me
conhecer a fundo.
Está doendo de verdade.
— Eu vou almoçar com alguns sócios — Alexander avisa, chegando
até o sofá, onde estou fazendo o que me pediu. Entender a porcentagem dos
lucros e prejuízos de projetos já feitos não me entusiasma muito. — Você
pode pedir algo aqui ou sair. Temos uma hora.
Somente assinto, nem me impressionando quando ele sai depressa sem
dar tchau e nem nada.
Respiro fundo e fecho o notebook num baque estalado. Me levanto,
pego minha bolsa e também saio, com a intenção de achar um restaurante
ou simplesmente dar uma volta.
Eu só queria… Que pelo menos meu namorado estivesse disponível
para mim.
Lance chegou de madrugada, mas eu estava acordada por não
conseguir dormir com tantas coisas rondando minha cabeça, então ele se
desculpou e disse que poderíamos conversar depois que saísse do banho.
Mas ele dormiu. Apagou. E eu nem tinha começado a falar.
Quando vou passar pela porta de saída, ouço meu nome ser chamado.
Eu não tenho muito entusiasmo em parar e olhar para trás, mas o faço. E
não fico surpreendida por ver Gael.
Dou um sorriso discreto em comparação ao que ele dá para mim.
— Oi — me cumprimenta ao chegar perto com um beijo na bochecha.
Muita intimidade e isso não parece legal. — Está indo almoçar?
— Estou.
— Posso te acompanhar? Podemos ir a um restaurante que serve pratos
irlandeses quase aqui perto. Eu peguei o endereço — ele tira o celular do
bolso do terno. — Podemos ir de táxi.
— Fico grata, mas não sou irlandesa, então prefiro ir em um
tradicional mesmo.
Ele me olha por uns segundos, parecendo decepcionado.
— Ah — guarda o celular de novo. — Tudo bem então. Mas se
incomoda de eu te acompanhar mesmo assim? Não fiz amizades ainda e
estou me sentindo meio sozinho... por aqui.
Solto um suspiro fundo, quase frustrado.
— É claro, sem problema — gesticulo. — Vamos.
Eu saio andando na frente, logo Gael me acompanhando e andando ao
meu lado. Ele parece muito alto perto de mim, e isso me faz pensar. Deveria
ser Lance me acompanhando em um almoço. Ele nunca fez isso.
Certo. Ele voltou a poder ter sua rotina há pouco tempo, mas eu
poderia almoçar com ele em sua casa e isso nunca pareceu o encher de
vontade.
Depois de alguns minutos caminhando, Gael e eu entramos em um
restaurante. Está razoavelmente cheio por causa do horário, mas logo nos
auxiliam para uma mesa vazia de quatro lugares.
— Aqui parece bom — ele diz enquanto coloco a bolsa na cadeira ao
lado. — Eu fico no refeitório do subsolo toda vez.
— Ah.
— É — ele passa uma mão na barba. — Você parece estar triste e eu
sei que isso não é algo que se deve comentar, mas como já tivemos algo
mais íntimo, acho que tudo bem...
Evito bufar para não parecer grosseira. Acho que homens não devem
parar e refletir sobre o que querem dizer, porque é muita merda que falam.
Deviam pensar sobre isso.
— Estou triste porque você está aqui e não meu namorado — respondo
e levanto a mão, chamando um garçom próximo a uma mesa.
Quando ele chega, faço meu pedido de macarrão com
bife engordurado. Gael pede o mesmo, dizendo que quer extravasar as
emoções como eu.
Ele não parece ser atingido por palavras. E não é o que estou fazendo,
apenas gostaria que ele entendesse que aquilo lá na Irlanda, ficou lá.
E é o que digo.
— Não vamos mais transar, você sabe, não é?
Ele se acomoda melhor na cadeira, dando um sorriso leve.
— Você já tinha namorado quando transamos? — questiona.
— Óbvio que não. Não estávamos namorando — gesticulo.
— Sei... — parece não ligar. — Tudo bem, eu não pensei que ia rolar.
Só quero sua amizade, apesar de ter sido muito bom. Você pareceu louca de
vontade. Eu adorei.
Engulo em seco, desviando o olhar, porque é estranho de ouvir de
quem não é meu namorado e também porque não me lembro bem disso.
— É claro que eu gostaria de repetir. Seria louco se não, mas eu
entendo — emenda, atraindo de volta meu olhar. — Eu entendo mesmo.
Respiro fundo, assentindo somente.
Ele não parece entender, mas não vou rebater sobre isso. Preciso
conversar com Lance ao chegar em casa.
Estou carente e preciso de atenção.
Capítulo 38
Eu não quis ir para casa, porque minha mãe ainda está um baque por
causa da vovó, então dirigi de novo para casa do Lance, e agora posso
imaginar que ele não esperava me ver, pois está demorando a abrir a porta.
Ao que parece muito tempo depois, finalmente a maçaneta gira e ele
surge, parecendo ofegante.
— Baby — me cumprimenta, então dá dois passos a frente e me
abraça forte, afastando-se em seguida para me olhar. — Tudo bem? Não
esperava você hoje. Estava terminando umas flexões.
— Se importa se eu ficar mais uma noite?
— Não — balança a cabeça junto, como para dar ênfase. — Nenhum
pouco. Entre.
Lance me dá espaço para passar e eu vou direto para o sofá, tirando as
botas de salto e relaxando no sofá confortável. Ele, por sua vez, se
aproxima e fica me analisando.
— Como foi seu dia? — pergunta.
— Bom. O Alexander é muito profissional. Tipo, muito. Ele não
conversa sobre nada que não seja trabalho. É agonizante e não é um elogio
— tiro o terninho e começo a desabotoar a blusa de seda. — E eu almocei
com um amigo do trabalho hoje.
— E como foi? — ele não parece levar muito em pauta e sai andando
para a cozinha. — Está com fome? Posso fazer um sanduíche para nós.
— Aceito, obrigada. Se for de frango com molho italiano, esse que
você tem aí, melhor ainda.
Ele dá uma risadinha.
— Entendido. Mas me conta do almoço.
— Foi normal. Ele é um cara legal, mas... — suspiro, desanimada. —
Enfim, foi um almoço nada a ver com o trabalho.
— Você se divertiu?
— Não — admito. — Faz tempo que não sei o que é isso, na verdade.
Sabe o que eu pensei?
— Não, me diga — ele começa a mexer nas coisas da cozinha, e eu
levanto para tirar a calça e as meias de seda que vão à metade das minha
coxas.
— Que eu poderia ir ver uma luta sua. Vai ser sábado, não é?
Lance não diz nada por uns segundos, eu ouvindo somente o barulho
da água caindo em algum recipiente.
— Vai — se silencia mais um pouco. — Por que você quer isso?
— Você disse que é o que faz e é a sua vida, eu quero participar disso
— caminho para o batente da porta da pequena cozinha, o vendo pegar o
frango na geladeira, já desfiado. — Não acha que é uma boa ideia?
Ele vira a cabeça para me olhar, abrindo um pouco mais os olhos ao
ver que estou só de calcinha e sutiã, me tirando um sorriso.
— Acho que não — busca meus olhos novamente. — Você está linda
assim.
— Obrigada, mas eu quero ir. É bom que se te machucarem, eu já vou
estar perto para cuidar de você.
— Parece uma ótima ideia, mas não é — ele abre a bandejinha de
frango e despeja em uma tigela, então me olha. — Não é um lugar para
você.
— Se não é para mim, também não é para você.
— Já conversamos sobre isso, Áquila — agora seu tom soa mais sério,
ele voltando a atenção ao que estava fazendo. — É a única coisa que sei
fazer. Se soubesse algo mais, eu sairia de lá.
— Bobagem. Eu não acho que você o ia fazer, mas…
Eu me silencio porque, lamento por ele, se ele não quer que eu vá por
bem, vou ir por mal.
Lance abre uma latinha de milho e coloca na tigela, me olhando de
soslaio.
— Você quer dizer algo mais?
— Sim, estou carente. Eu me senti muito mal quando você
simplesmente saiu ontem e não me ouviu depois porque dormiu.
— Eu sinto muito — ele lava as mãos, secando-as em seguida e vindo
até mim. Lance me olha de cima, parecendo ocupar todo o batente e isso me
causa um arrepio gostoso. — Me perdoa. Confesso que fiquei chateado por
você ter dito não, mas não devia ter te deixado, ainda mais depois de termos
feito algo tão bom.
Seu olhar está em mim, mas sinto que sua atenção não.
— Às vezes eu acho que faço tudo errado quando se trata de você —
continua. — De nós. Eu queria apenas ser um bom homem e namorado para
você, mas acho que...
Levo um dedo à sua boca, o silenciando.
— Eu não quero ouvir sobre você pensar em me deixar… de novo.
Nós apenas pensamos diferente, mas que casal não discorda ao menos uma
vez do outro?
Ele suspira, assentindo.
Levo as mãos aos seus braços e acaricio.
— Como foi o seu dia?
— Normal, muito normal.
— Estava pensando que você poderia me encontrar amanhã para
almoçarmos juntos.
Lance ergue uma sobrancelha. Parece surpreendido com a proposta.
— Claro que podemos — responde. — Às três?
— Almoço uma hora. Você não pode sair antes?
— Não, e você não pode depois?
— Não, o Alexander é muito rígido com horário. Ele quer que eu o
acompanhe estritamente, todos os dias — bufo, desanimada. — Então nada
feito.
— Podemos jantar juntos — ele acaricia meu rosto. — Pode ser?
— É, acho que tudo bem. Mas hoje eu quero muito carinho e atenção.
Ele sorri, deixando um beijo em meu rosto, então volta à sua tarefa,
dizendo um "pode deixar".
E volto para o sofá, deitando e o esperando.
Porque estou cansada. Muito cansada.
E não é só fisicamente.
Capítulo 39
— Por que você veio vestida como uma prostituta? — pergunto para
Mandy enquanto nos dirigimos à entrada da boate, que agora sei o nome. É
Fire. E não gosto.
— Não foi a intenção, eu apenas esqueci que destacar os olhos e a
boca não pega legal.
— Que bom que você descobriu quando já estamos quase dentro da
boate.
Ele dá um sorriso sarcástico e revira os olhos, o segurança de quase
dois metros e óculos escuros nos avaliando de cima a baixo. Sua mão
direita levanta com a palma para cima.
— Cartões de cliente, por gentileza.
— Sou irmã do dono, Matthew Morrison — ela fala.
— E eu sou o Pinóquio.
Franzo o cenho, Mandy parecendo mais chocada.
— Estou falando sério — insiste. — Você não deve ser o segurança
bondoso da outra vez.
O cara não diz nada, apenas permanece esperando o cartão.
Minha prima bufa.
— Está bem, está bem — levanta as mãos. — Eu vim para uma
entrevista de... mulheres que alegram os clientes e trouxe minha amiga
comigo. Ela também quer ver como funciona. Nós estamos prestes a perder
uma grande oportunidade se não nos deixar passar — ela consegue fazer
uma voz dramática, que me deixa surpreendida.
O homem parece acreditar nessa desculpa, pois dá espaço e abre a
porta larga e preta para nós.
Tem muita gente. Está lotado. E a música é estridente aos ouvidos.
Mas algo parece muito mais diferente, pois algumas mulheres estão
somente de calcinha.
— Eu não acredito que estou parecendo uma prostituta mesmo! —
Mandy grita e nos puxa em direção à algum lugar.
E, quando chegamos, percebo ser o sofá que ficamos da outra vez, mas
está todo ocupado com mulheres seminuas fazendo companhia para alguns
homens.
— Oh, minha nossa — ela chia. — O que há nesse lugar hoje?
— Eu não sei.
— Por que estamos aqui? — ela me olha.
— Preciso falar com o Lance.
— Ah, pelo amor de Deus, e como você acha que vamos encontrar ele
nessa muvuca? — abre os braços, indicando todo o espaço cheio.
— Eu sei por onde ele me levou. Vem.
Saio na frente, abrindo caminho por entre as pessoas, ignorando
algumas mãos que passam em mim, até que finalmente chegamos à parede
preta por trás do bar. É uma parede falsa.
Assim que empurro um pouco, ela abre uma porta estreita e entramos.
Quando fecho, todo o barulho cessa, Mandy soltando um suspiro de alívio.
— O que eu faço agora? — questiona.
— Procura a sala do seu amado ou me espera aqui, não sei. Eu preciso
achar o meu namorado.
Saio caminhando pelo corredor estreito, tentando lembrar os passos do
Lance, o que é muito difícil, porque é muito escuro.
Depois de caminhar uns bons passos, finalmente chego a um corredor
onde tudo se ilumina. Parece automático. E a porta que vejo à minha frente
é conhecida.
Sorrio de alívio e me aproximo, dando três batidas fortes. Mas o
material parece muito pesado e eu insisto em mais batidas subsequentes,
quase levando um susto quando a porta se abre de repente.
Lance está materializado à minha frente, vestido de um jeito muito
requintado, parecendo espantado por me ver.
— O que você está fazendo aqui? — questiona.
Sua voz sai um pouco carregada, mas não levo para o lado pessoal
porque ele não esperava mesmo me ver.
— Preciso falar com você — respondo, juntando as mãos de um jeito
agoniado. — É importante.
— Imagino que sim, porque você veio até aqui — gesticula, agora sim
demonstrando o seu total desagrado. — Alguém mais da sua família morreu
para ser tão urgente a ponto de você não poder me esperar?
Estreito os olhos, impressionada.
— Não. É óbvio que não. Eu apenas não podia... — bufo. — Posso
entrar?
Ele me dá espaço para passar e caminho ao meio de sua sala,
percebendo que há algum perfume presente, mas não é o dele.
— O que é tão importante? — ele vai para trás de sua mesa e começa a
juntar um monte de papéis. Não sei se é impressão, mas suas mãos parecem
trêmulas.
— Lembra que eu disse ontem para você que tinha almoçado com um
amigo do trabalho?
— Me lembro, o que tem?
Junto novamente as mãos, já incerta agora. Mas eu preciso dizer. O
que fiz foi errado e estou arrependida, mas não posso não falar para ele,
porque é injusto. Ele é meu namorado.
— Quando você me disse que tinha outra pessoa, nessa mesma sala, eu
viajei para a Irlanda com a minha prima. — Agora ele me olha. — E nós
fomos a um bar e... Eu transei com um cara.
Lance abre a boca, mas então fecha. Parece triplamente chocado.
— Não tínhamos nada — continuo —, você e eu. Mas então eu vim
embora para ficar com você no hospital, mas a Mandy ficou por lá, e acho
que descobriu que ele era empresário ou algo assim e o colocou em contato
com meu irmão. Apenas que... Ele é o amigo. Está trabalhando lá há uns
meses.
— E o que isso tem a ver sobre você invadir isso aqui em dia de show?
— pergunta, seu tom sendo áspero.
— Ele me beijou hoje — falo de uma vez, Lance soltando lentamente
as folhas em mãos na mesa. — Ele me beijou, algo muito rápido. Eu não
estava esperando, não estava... Mas... Eu gostei. Gostei e acho que seria
injusto não te contar porque...
— Mas que porra — ele sai de detrás da mesa, caminhando em minha
direção com um olhar furioso. — O que caralhos isso quer dizer, Áquila?
Me encolho, me sentindo culpada.
— Apenas que foi um beijo rápido e bom, mas que não significou
nada.
Então ele gargalha. Uma gargalhada estrondosa e que me deixa com
certo medo.
— É claro que não significou nada! Óbvio que não! Você beijou o cara
que transou estando namorando comigo. O que isso pode significar, não é
mesmo?
— Nada — repito. — Apenas foi bom porque eu estava com vontade.
— Quando se estar com vontade — se aproxima mais, me olhando de
um jeito feroz — você procura o namorado e não um homem que não seja
nada seu!
— Eu procurei você! Faz dias que te digo que estou carente e você
parece achar que estou brincando! — rebato. — Eu não estou justificando o
beijo, estou apenas esclarecendo o que disse. Quero que você me toque e
me ame, e você não faz nada disso.
Lance começa a rondar a sala, com passos incertos.
— Eu não acredito que você está tentando jogar a culpa para cima de
mim — ri de novo. — Acabei de dispensar várias mulheres e você
simplesmente beija um cara nas minhas costas.
— Não estou te culpando, apenas...
— Você gostou do beijo dele! — grita, me interrompendo.
— Eu gostei, porque talvez se eu tivesse um namorado que ao menos
me satisfizesse, eu não estaria gostando do beijo de outro homem!
Lance respira irregularmente, me olhando de um jeito chocado.
— É bom saber que você quer dar para o primeiro que te aparece. Se
meu pau não era suficiente, era só ter me falado.
— Você não vai ser um escroto agora, ouviu bem? E eu senti seu pau
duas vezes e terminou uma merda!
Ele balança a cabeça em negativa.
— Vai embora, Áquila. Eu não consigo conversar agora algo coerente
ou ao menos te olhar — ele vai até a adega no canto da sala.
Me sinto esmiuçada, mas concordo com ele. Não dá para conversar
agora.
Vou em direção à porta, abrindo-a e não me surpreendendo ao ver
Mandy fingir que não tentava ouvir.
— Nós já vamos? — pergunta.
— Não, nós vamos ver o que significa esse show.
— Áquila?
Me viro ao ouvir a voz dele, então Lance agora parece triste.
— Isso que você fez não tem parte alguma com o amor — diz e bate a
porta.
E eu tento não me sentir pior do que estou.
Capítulo 41
***
Talvez seja impressão, mas a noite parece estar ainda mais escura do
que deveria. Isso eu noto quando estaciono ao lado da casa onde estamos
passando tanto tempo desde que me lembro.
Áquila sai do carro primeiro que eu, mas seguimos juntos o caminho
até a porta. Está um clima pesado. É como se fôssemos dois estranho e isso
é doloroso.
Quando entramos, ela faz o de sempre, o que é seu primeiro passo:
caminha até o sofá e cai sentada, soltando uma lufada de ar.
Puxo a cadeira da mesinha e sento de frente para ela, me inclinando
com o intuito de vê-la bem perto.
— Então... — ela começa, fazendo um biquinho que termina em um
som de incerteza. — Nós vamos colocar os pingos nos is?
— Sim. Você confia em mim?
Ela abre um pouco mais os olhos verdes e, infelizmente, hesita.
— Sim.
— Não, você não confia — pontuo. — Eu não quero que isso que vou
falar esteja sendo usado para explicar ou justificar o que eu fiz ou você acha
que fiz, ou até mesmo o que sou. Mas, quando você não sabe de onde veio e
descobre que as pessoas que acharam que iam te querer, não te querem, isso
fica meio forçado. Você acaba se tornando... — busco a palavra na mente.
— Eu não tenho um nome exato, mas acaba que tudo fica muito "tudo
bem".
— Não entendo… O que isso quer dizer?
— Tudo se torna levado para a aceitação. Eu não sei como te explicar.
— Tudo bem? Aceitação? — estreita os olhos. — Comodismo você
quer dizer? Já é minha namorada então tudo bem, é isso?
Ela parece indignada, ou quase isso.
— Não, Áquila. Eu quero dizer que chega um ponto que se acha que
essa é a única saída. Falei para você como foi a minha vida, eu te contei que
talvez não fosse dar certo nós dois porque eu sei dessas falhas que tenho.
Tudo que sei fazer de verdade é lutar e isso não envolve o meu sentimental
— respiro fundo, estudando suas expressões. Ela está tentando acompanhar
o que estou dizendo. — Eu quero dizer, isso é a minha vida. É o que me
tornei. Eu não tive uma mãe para abraçar e me ensinar o que é afeto ou
carinho, e garanto a você que estou tentando com você. Fazer esse lado
sentimental aparecer. Mas não é fácil, não é. E, se você quer que esse
relacionamento perdure, terá que ter um pouco mais de paciência.
Ela lambe os lábios, que parecem estar secos.
— Acho que posso imaginar que não é nada fácil. Talvez só tenha me
ocorrido que você estava me confundindo — desvia o olhar e gesticula. —
Sabe, como você disse, as mulheres que se envolveu não precisam de
carinho.
Seguro seu queixo, virando seu rosto para mim.
— Não foi nada disso — pauso, porque talvez eu tenha sido um
desgraçado por imaginar que seria do mesmo jeito. Mas eu senti que não
pode ser. Não tem como ser. — Se eu dei a entender isso, então, certo, eu
sou um desgraçado.
— Foi — ela aponta o banheiro. — Você quase me jogou a toalha da
última vez e saiu só porque eu disse não para morarmos juntos.
— Eu sinto muito...
— Entendo que antes você só precisava se satisfazer, mas agora
precisa também me deixar do mesmo jeito. E eu não falo só do sexo, mas
do afeto e sobre tudo isso que você diz não saber... — ela parece muito
paciente ao falar, o que me deixa melhor. Não precisamos de dois alterados.
— Mesmo que você esteja apreendendo, um beijo gostoso por dia não é
nada que precise ser pedido. Principalmente ao namorado.
Isso de beijo só me faz lembrar do que aconteceu e preciso fechar os
olhos por uns segundos e contar até três.
E isso parece demais para pensar, então apenas volto abrir os olhos e
me levanto, dizendo um "ok".
Áquila parece descrente e indignada.
— Ok o quê? Aonde você pensa que vai?
— Nós vamos — corrijo. — Tem algo que quero fazer com você.
— O quê? — ela também levanta, eu vendo a sombra e o indício de
uma raiva aflorar.
— Você vai ver. Espere enquanto pego uma coisa — e saio para o
quarto, talvez não sendo a melhor opção para essa hora da noite, mas com
certeza boa o suficiente para nos fazer sorrir.
Pelo menos um pouco.
Capítulo 44
Eu não sei o que Lance pensa que está fazendo enquanto estamos
caminhando por entre as árvores escuras perto de sua casa.
É muito sinistro.
— Ei, estou com medo — falo, tentando manter meus lábios sem
tremer do frio.
Não sei porque ele está com dois edredons embaixo de um braço. Já
perguntei do que se trata, mas ele não quer falar.
— Não tenha medo, estou aqui com você, não estou? Nós já vamos
chegar.
— Daqui a pouco estamos perdidos, Lance — murmuro, trêmula. —
Vamos voltar para sua casa, que é quentinha e confortável.
— Tem um lugar mais quentinho e confortável — ele me olha de
relance, enquanto a outra mão está segurando o celular para iluminar o
caminho com a lanterna.
Estou querendo esmagá-lo, mas, nessas condições de medo e frio, não
dá mesmo. Ele é minha única segurança no momento.
— Pronto, chegamos — anuncia e eu paro junto com ele, olhando para
frente e quase estando com mais raiva ao ver um lago.
— Um lago? — o olho, a boca aberta em descrença e desânimo. —
Por que estamos em um lago, Lance?
— Pra nadar — responde, como se fosse óbvio.
— Eu não vou nadar nesse frio.
— Por que não? — ele se afasta para me entregar o celular. —
Ilumine, por favor.
Eu o faço, o observando pegar os edredons e estender perto de uma
pedra grande, um ao lado do outro, deixando em o tamanho de um colchão
de casal.
— Eu não vou nadar — repito.
Ele volta a se colocar de pé, me brindando com um sorriso longo,
então começa a desfazer os botões da camisa lentamente, até tirá-la e jogá-
la sobre os panos estendidos. Faz o mesmo com a calça em frações de
segundos e eu evito que minha boca se abra quando fica totalmente nu.
— Eu não acredito — murmuro.
Ele me ignora com uma risadinha e começa a entrar na água, soltando
um resmungo no início, mas logo mergulha e; quando emerge, seus lábios
estão trêmulos, mas ele parece ter gostado.
Eu me aproximo mais da borda do lago, desacreditada.
— Por onde eu devo começar? — questiono. — Em você poder pegar
uma bactéria aí e ter problemas com as cicatrizes, ou pegar um resfriado?
— Comece tirando as roupas e se juntando a mim — ele mergulha de
novo, mas logo volta para me olhar. — Vamos lá, é gostoso. Só é gelado no
início.
Engulo um murmúrio de decepção. Eu pensei que nós poderíamos
terminar a noite transando, mas ele provavelmente não vai conseguir uma
ereção com todo esse gelo.
— Por que eu faria isso? Esse lago parece ser sujo.
— Não é. Para de bobeira. Vai me deixar nessa sozinho? — ele se
finge triste, mas os lábios trêmulos de frio não ajudam muito.
Finalmente, agoniada por vê-lo ali e imaginando que, se eu entrar, ele
saia mais rápido; eu coloco o celular em cima dos edredons e começo a me
despir. O medo é mais dos bichos da noite do que de alguém aparecer, o que
é meio difícil, levando em conta que esse lugar é super afastado.
Caminho ao pé do lago, respirando fundo antes de colocar uma perna e
depois a outra. Lance está sorrindo para mim, como me encorajando, mas, à
essa altura, não é possível identificar bem suas expressões. Somente a luz
da lua meio escondida pelas nuvens auxilia um pouco.
Dou um grito de ardor quando entro, a água geladíssima chegando aos
meus ombros e me fazendo tremer os lábios imediatamente.
Logo sinto os braços quentes ao meu redor, o corpo se colando ao meu
e então a risada profunda em meu ouvido.
Imediatamente o abraço de volta, me perguntando como seu corpo
pode-se sentir tão quente mesmo estando nítido o seu frio. As camadas rijas
de músculos estão me circulando e isso é realmente gostoso de sentir. Devia
ser sobre isso que ele se referia ser gostoso e não sobre estar em um lago
congelante pelados.
— Como se sente? — pergunta num sussurro.
Fecho os olhos e inspiro em seu ombro, sentindo seu cheiro. Ele tem
algo que lembra calor e suavidade. É um bom contraste.
— Com frio — admito. — Embora seja bom ter você me abraçando
assim.
— É congelante?
— Não — viro a cabeça para inspirar em seu pescoço. — Frio, mas
não tanto quanto pensei.
— Na verdade, é, mas estou te esquentando.
Sorrio.
— Pode ser, mas... — minhas palavras morrem na boca quando sinto
suas mãos começarem a me acariciar por baixo da água e sua boca procurar
a minha.
Essa. Essa foi finalmente a parte que eu esperei.
Levanto a cabeça para poder cumprir nosso desejo, Lance chocando os
lábios aos meus em um segundo, um suspiro fundo sendo inevitável. O
contraste também de seus lábios gelados com o interior da boca quente, é
magnífico de se sentir.
Eu poderia derreter se não estivesse com frio, meus braços se erguendo
para que eu possa envolver seu pescoço e me sentir totalmente colada a ele.
Lance está em um beijo calmo e sincronizado, e isso me deixa mais
sedenta, eu não resistindo a começar a esfregar meu corpo no dele, da forma
que consigo.
Há momentos em que a calma não ajuda muito. E esse é um deles.
Recebo como resposta pelo ação, um gemido áspero e masculino, que
reverbera por cada poro meu. É como uma corrente elétrica e imediata.
Suas mãos descem aos meus glúteos e Lance me puxa com firmeza
para si, grunhindo quando o impulso é tão forte que ele me levanta e sou
impelida a rodear seus quadris com as pernas.
Tem um quê de desespero, também.
Nós nos beijamos até eu pensar que não sinto mais meus lábios, e
mesmo assim ele ainda persiste, me fazendo acompanhá-lo em um ritmo
agora mais duro, exigente e faminto.
E eu correspondo, na mesma proporção e vontade. Talvez além,
porque eu estive insatisfeita todo o tempo.
Quando sinto suas mãos deixarem de me amparar, escorrego por seu
corpo até estar novamente imersa na água até os ombros.
Ele me olha e sorri, virando a cabeça para beijar meu pescoço quando
coloca meus cabelos para trás dos ombros. E é muito bom de sentir, porque
logo os beijos viram sugadas e chupadinhas, intercalando com seus dentes e
língua.
Estou respirando irregularmente pelo calor que começa a me corroer, a
pressão entre as pernas parecendo ser demais quando Lance segura minha
cabeça e fica focado em todo meu pescoço, como se fosse o centro de tudo.
Eu nunca recebi tanta glória no pescoço. Posso chorar de desejo.
Parece uma tortura, mas essa é boa.
Quando seus dentes raspam em meu queixo, eu quase me sinto gozar, e
não é exagero, porque nunca senti essa dedicação apenas no pescoço.
Ele se afasta, seu olhar junto ao meu, e sei que está me dizendo algo,
mas não consigo decifrar no momento porque já estou aérea de desejo.
Seguro seus ombros, e inclino a cabeça, desejando que ele me agracie
mais, mas Lance novamente engole minha boca em um beijo, dessa vez
mais desesperado e faminto, enfiando sua língua em minha boca e
passeando-a por cada canto.
Eu já nem sei mais o que é frio. Parece que estamos em água morna,
com direito a canto dos grilos.
Meus gemidos estão competindo com isso, eu sei. E não poderia ser de
outra forma quando meu lábio inferior é sugado e mordiscado, me deixando
à beira do torpor.
Lance novamente me impulsiona a passar as pernas ao seu redor, não
desfazendo o beijo. E, de algum jeito que eu tomo nota de perguntar depois,
ele nos tira do lago e sei que estamos indo para algum lugar.
O vento frio me causa um arrepio forte, que logo é amenizado quando
sinto meu corpo em contato com algo quente. Estou sendo deitada no
edredom e só posso imaginar quantos músculos ele tem nas pernas para
conseguir esse feito sem problema de nos derrubar.
Lance deita por cima de mim, sem romper nosso beijo, que agora é
mais suave, mesmo que sua língua invada minha boca vez ou outra, me
tirando suspiros de prazer.
Quando sua boca se afasta da minha, eu quase protesto, mas logo
desisto quando sinto-a chegar em meus seios. Lance chupa um, depois o
outro. Uma mão grande e áspera desce por meu corpo, chegando ao meu
sexo.
Estou ensopada de duas formas.
Seguro em seus ombros quando ele começa a me estimular com os
dedos, sua boca ainda em meus seios, e a combinação é tão boa, que
começo a arranhá-lo, quase enfiando minhas unhas em seus braços.
Ele solta um rosnado alto, quase me fazendo gozar só pelo som. Mas
logo estou gritando quando dois dedos grossos e longos começam a ganhar
espaço dentro de mim, somado ao polegar que continua a ação anterior e
sua boca procurar a minha de novo; Lance começando a sincronizar as
investidas da língua em minha boca com as de seus dedos em meu interior.
Minhas mãos começam a tocá-lo por onde alcanço, eu tendo ciência de
que talvez vá ficar marcas depois, mas não posso evitar. Eu quero explodir.
E ele sabe disso quando os movimentos de sua mão aceleram, os dedos
indo fundo o suficiente para me fazer levantar os quadris e pedir mais.
Nós dois estamos gemendo loucamente a esse ponto, quase afogados
de prazer.
E, quando Lance tira os dois dedos, só para voltar com três, sou
obrigada a separar os lábios dos seus para gritar, tendo um orgasmo
alucinante a ponto de levantar a cabeça e morder seu ombro com a mesma
força que me atinge.
Ele grunhe, não parando os movimentos dos dedos até que eu
novamente deito a cabeça e começo a me contrair ao seu redor, seu olhar no
meu agora, e o dele parece queimar de prazer e desejo.
Não parece um momento de palavras, mesmo estando óbvio que nós
queiramos dizer alguma coisa. Mas não dá, não agora.
Lance puxa devagar os dedos para fora, emitindo uns sons muito
masculinos, então os leva à própria boca e chupa, me fazendo e remexer
sobre os edredons.
Rapidamente ele se coloca de joelhos e procura sua calça, vasculhando
algo, até estar com um pacote de camisinha em mãos.
Me remexo quando ele volta a se colocar entre minhas pernas,
abrindo-as mais, até voltar a atenção à embalagem, que abre e logo está
envolvendo a extensão exuberante.
Ele é todo exato e perfeito.
Respiro fundo, ansiosa.
Quando termina, ele dá um tapinha no interior da minha coxa, me
arrancando um gemido; mas que logo é substituído por um suspiro quando
sinto-o se colocar em minha entrada, só o início.
Minhas pernas tremem pela sua largura. Agora parece diferente. É
como se eu o estivesse tendo pela primeira vez e isso nem faz sentido.
— Não prenda a respiração — ele pede, tirando tudo e voltando,
repetindo o movimento até eu mesma levantar os quadris, querendo recebê-
lo todo.
Ele rosna quando finalmente consegue seu espaço, ficando parado um
momento, olhando onde nossos corpos se conectam, me deixando excitada
e emocionada ao mesmo tempo. É um ligação diferente de todas.
— Isso é... — ele expira. — A melhor coisa do meu mundo — seu
olhar se volta ao meu e quase choro. — Você passou a ser. O meu mundo.
Não tenha dúvidas disso.
Eu diria algo, se tivesse tempo, porque Lance rapidamente começa a se
mover; saindo e entrando, ondulando os quadris e estocando fundo antes de
sair novamente só para mergulhar em mim com uma força e precisão
impactantes.
É tão bom que eu apenas fecho os olhos e aperto os seios, que estão
pesados. E ele parece entender quando sinto seu corpo se colocar sobre o
meu de novo, com o apoio dos braços, e ele suga um e depois o outro, sem
parar de me penetrar.
É uma sensação esplendorosa.
Levo minhas mãos aos seus braços, o segurando para também me
segurar e não me deixar levar pelas investidas capazes de me fazer subir
pelo chão – que pode estar me machucando, mas o tesão é maior.
Lance traz a boca de volta à minha, seu beijo quente e desejoso me
deixando como lava, desesperada por um alívio.
Ele começa a intercalar intensidades, sendo rápido e do nada sendo
lento. E isso faz o orgasmo pesar tão forte, que me obrigo a acompanhá-lo
como consigo, deixando claro que não aguento mais.
Sua boca desvia ao meu pescoço, onde ele começa a chupar, até que
sua mão direita passa por baixo da minha coxa, enroscando-a em sua
cintura e levo um tapa forte na bunda, que termina em um aperto
igualmente forte; e, somado a sua pélvis roçando meu clitóris enquanto ele
me continua a se mover, eu explodo longa e deliciosamente, com força e
desespero.
Parece um desmaio de segundos longos, Lance me amparando com
todo seu corpo e prolongando meu prazer até ele próprio achar o seu,
gozando entre rugidos, o rosto se perdendo em meu pescoço e me dando
oportunidade de fazer o mesmo.
E talvez isso não seja explicável, mas, como se pudesse fazer algum
sentido, nós falamos ao mesmo tempo:
— Eu te amo você.
Sim, porque eu disse "eu te amo", mas Lance falou "eu amo você" por
cima. E é impossível que eu não desmanche.
Agora em lágrimas.
Capítulo 45
De longe foi a noite mais maravilhosa que tive na vida. Pelo menos,
que me lembro. E acho que foi bem-vinda depois de tantas coisas que
aconteceram.
E quando acordei enroscada no Lance, eu me senti bem. Segura.
Mesmo que estivéssemos no meio de uma floresta. Não tive medo.
Porque isso estava acontecendo. Desde que ele se machucou e a vovó
se foi... Uma morte de alguém próximo pode causar isso constante. O medo.
E talvez eu estivesse vendo isso como a ausência do Lance, quando ele não
tinha nada a ver.
— Você tem certeza que é um bom momento? — ele me tira dos
pensamentos, então somente assinto e toco a campainha, só para indicar que
cheguei.
Meu pai me ligou na parte do almoço e disse que finalmente o meu
avô tinha concordado passar uns dias em casa conosco.
— É um ótimo momento — digo para Lance e abro a porta.
Estranho de imediato porque uma música está tocando, o que é inédito,
porque não me lembro de meus pais fazerem algo do tipo.
Sigo direto para a sala de estar, vendo de imediato o vovô sentado na
poltrona do meu pai, distraído enquanto olha em direção à janela. E eu não
sei se é melhor gritar de alegria e ir abraçá-lo, ou somente abraçá-lo.
Escolho a segunda opção devido a situação, então apenas me aproximo
com calma.
— Oi, vovô — digo, me fazendo notar.
Seu olhar é lento ao encontrar o meu, então ele sorri. É um sorriso
feliz, sem sombra de dúvidas, e isso me instiga a abaixar o corpo e lhe dar
um abraço demorado. Recebo dois tapinhas nas costas e isso me faz
perceber que talvez o sorriso feliz seja um reflexo.
— Que bom te ver, querida — ele diz, sua voz rouca e baixa. — Sua
mãe disse que você chegaria mais tarde.
Me sento na poltrona ao lado e seguro sua mão, que o faz dar outro
sorriso.
— Estava com saudades do senhor, vim depressa.
Ele concorda, voltando a perder a vista.
E eu me sinto mal, porque não sei o que falar...
— Gosta da música? — É a única coisa que imagino não ser errada de
questionar.
— Ah, sim... — O sorriso é imenso e ele volta a me olhar. — Foi a
música que dancei a primeira vez com sua avó.
Meus olhos umedecem e preciso me concentrar para não demonstrar.
— Ela era incrível, você sabe? — continua. — Eu nunca vou deixar de
sentir saudades dela… Nunca.
— Nem eu... — minha voz sai um tanto embargada e preciso respirar
fundo, porque é muito triste tudo isso.
— Ela me disse que não sabia dançar — seu olhar agora está
vagueando qualquer ponto. — Mas ela dançou muito bem, tirando a parte
que pisou no meu pé — um risinho fraco, que parece exigir muito de sua
garganta e ele tosse. — Só que não doeu. Eu não senti dor, porque... — Ele
hesita por longos segundos. — Porque já estava anestesiado de amor.
Fecho os olhos por um momento, buscando equilíbrio.
— A Katherine — ele tosse de novo. — Ela tinha todos os motivos
para ser fraca, mas ela sempre foi mais forte do que eu. Ela me deu tudo de
si, sem querer nada em troca — seu olhar encontra o meu, tão profundo e
significativo, que engulo um nó na garganta. — Acho que isso devia ser
sobre o amor. Eu o encontrei e agora ele partiu.
Aperto um pouco sua mão, que está gelada, mesmo estando um tempo
ameno.
Vovô olha para baixo, então começa a balançar a cabeça
negativamente.
— Eu não a merecia. Não merecia — sussurra. — Mesmo assim, eu a
tive e fui tão feliz que não vou ser capaz de dizer nunca... Mas teve algo que
ela sempre disse para mim que queria.
Uma lágrima teimosa cai de meus olhos e eu não sei se pergunto, se
devo, mas ele responde mesmo assim, me deixando mais tranquila.
— Ela sempre disse que teria que ir antes de mim porque não
suportaria me ver... — ele levanta a cabeça e vejo seus olhos marejados, o
que me faz imediatamente levar a outra mão para envolver a sua. — Ela não
suportaria me ver partir. E o pior é eu sei que não ia mesmo... Meu coração
está doendo tanto, mas estou em paz porque sei que fiz tudo que estava ao
meu alcance para fazê-la feliz.
— E o senhor fez, vovô — acaricio sua mão. — Muito feliz.
Ele sorri, mais curto agora. Eu sei que quer se desmontar, porque
também quero. É muito doloroso. Mas ele está sendo forte. Como sempre é.
— Sim, ela foi feliz — ele suspira sonhador. — Nós tivemos sua mãe e
depois nos divertimos um pouco sendo pais casamenteiros — outro riso,
mais contido. — Nós encontramos o sentido da vida. E isso não é fácil,
querida. Nós tivemos muita sorte.
— Tiveram — eu concordo, meu olhar levantando para encontrar
Lance, que está parado no batente. Eu sorrio, e ele retribui.
Talvez eu também tenha sorte...
— Existem muitas provas, muitas lutas — ele continua. — Mas nada é
mais forte ou maior do que o amor. Nunca.
— Espero encontrar algo como vocês, vovô.
— Você vai, minha querida — ele me dá dois tapinhas na mão. — Só
não pense em fingir não ver o amor, ou ele pode ir embora para sempre.
— Não farei isso — sorrio, querendo chorar.
— Aquele moço que está nos olhando é seu segurança?
Então dou risada. Nada nunca passa despercebido do meu avô.
— É o meu namorado.
— Ora — ele olha para o Lance. — Venha cá, rapaz. Não seja
acanhado. Posso não ver bem, mas do seu tamanho não é difícil reparar,
sim? Se aproxime.
Enquanto ele se aproxima, vovô me olha.
— Seus pais sabem?
— Sabem — afirmo. Eu contei, não sei se lembram.
— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Mackenzie — Lance o
cumprimenta. — Meus pêsames pela... — ele me olha rapidamente,
questionando com o olhar se fez a coisa errada, mas eu também não sei
dizer.
— Obrigado — vovô nos alivia. — Sente-se aí. Vamos conversar um
pouco. Gosto de jovens.
Ele senta no sofá ao lado, parecendo acanhado e nervoso.
— Como se chama?
— Lancelot.
Vovô ri de forma contida.
— Na verdade ele não sabe o nome dele, vovô. Lance é adotado. Ele
também é conhecido por Scott — entro na conversa.
— Mesmo? E seus pais?
— Eu fui adotado — Lance responde. — Por um embargador e uma
advogada. Eles moram aqui perto. Mas eles não gostaram de mim, então eu
fugi de casa.
— Que interessante, não? — meu avô parece mesmo curioso. — Você
conseguiu uma vida?
— Sim — Lance sorri de leve. — Eu sou lutador, porque é a única
coisa que sei fazer. Mas eu pretendo evoluir…
— Hm — ele me olha. — Isso lembra a Amanda, não lembra?
Estreito os olhos, então ele parece entender que não sei do que está
falando.
— Você a ama? — volta a atenção ao Lance, que não hesita em
responder com um "sim" enfático. — Então tudo está bem. Uma vida sem
amor não faz sentido.
— Então esse é o sentido da vida? — Lance questiona, um sorriso
brincando nos lábios.
— Sim, sim. Mas também não se esqueça que magoar o seu amor pode
ser algo que traz consequências irreparáveis, como tirar o sentido que antes
existia — ele solta uma mão minha para levar a dele até Lance. Observo
meu namorado aceitar o cumprimento. — Eu não estou em condições de
dizer que posso lhe quebrar se magoar minha neta, mas o pai dela pode
fazer isso.
Lance ri, assentindo.
— Sim, senhor. Eu não tenho essa intenção, pode ficar despreocupado.
Estreito os olhos para ele, admirando sua cara de pau, mas entendo que
está se referindo ao agora em diante.
— Façam algo por mim — vovô pede, nos olhando. — Dancem para
que possa me lembrar de quando minha amada Katherine e eu fazíamos o
mesmo.
Lance me olha, por um nonassegundo, então se levanta, chegando à
minha frente e fazendo uma reverência.
— Me concede a honra, honorável senhorita? — pergunta, estendendo
a mão para mim.
Vovô ri baixinho.
— Eu concedo — respondo, vovô soltando minha mão para que eu
possa me levantar.
Lance nos conduz ao meio da sala, eu sentindo sua mão suada, o que
me faz rir.
— E eu ainda nem enfrentei seu pai… — sussurra. — Eu não sei
dançar, mas vamos tentar.
— É um pé, depois outro — sorrio da sua falta de jeito quando ele fica
meio perdido onde ficam as mãos. — Me acompanhe.
Deito a cabeça em seu peito, coloco sua mão livre em minha cintura e
começo a trocar os pés, ele me acompanhando de um jeito horrível, que
quase me faz gargalhar; mas quando olho vovô nos assistindo, um sorriso
imenso no rosto, eu apenas penso que está tudo certo. Nós estamos
dançando com amor.
E só então me dou conta de que a música está repetindo, o que me faz
virar o rosto contra sua camisa e começar a chorar.
— Baby... — ele beija o alto da minha cabeça. — Não chore.
Mas não posso evitar. Não posso, porque é como se eu estivesse
sentindo algo rasgar dentro de mim ao mesmo tempo que uma bonança
também flui. E é maior do que eu.
— Tudo bem — ouço o vovô. — Tudo bem se ela chorar. Quando
dançamos essa música, foi a primeira vez que a Katherine confiou em mim
e ela também chorou.
Levanto a cabeça para olhá-lo, sorrindo como consigo, mas volto
imediatamente para o peito de Lance porque a música não ajuda muito.
Mas tudo bem porque... Era assim que deveria ser.
E isso nunca me aconteceu antes.
Capítulo 46
— Isso está errado — Alexander diz, o que me faz olhar para Lance e
ver seus olhos amedrontados.
Seguro um riso, imaginando que não deve ser mesmo nada fácil
começar a trabalhar com o meu primo exigente, autoritário e perfeito em
tudo que faz.
— Mas eu refiz várias vezes os cálculos — meu namorado afirma. —
Não tem como estar errado.
Alexander pega sua calculadora e começa a somar os valores da folha,
obtendo um resultado diferente, o que prova que Lance errou mesmo.
— Isso acontece — meu primo releva. — Você está no começo e eu
vou fazer vista grossa para esse erro, mas isso nunca mais pode acontecer,
em hipótese alguma, porque estamos falando de patrimônios. Você sabe o
que é patrimônio?
Lance pensa um pouco.
— Bens — responde.
— Exato. E bens significa dinheiro. Cálculo errado, perda do dinheiro.
E, perda do dinheiro, falência. E nós não queremos isso, certo?
— Certo — ele concorda.
— Ótimo, então estamos entendidos — meu primo fecha as pastas
sobre a mesa em que estamos almoçando juntos. — Procure estudar um
pouco mais sobre essas empresas. Quero os cálculos sobre os juros e os
montantes sobre cada juros ao fim do dia em minha mesa — volta a olhar
Lance. — Se conseguimos tê-las, os salários de todos vão duplicar. Agora,
eu preciso ir. Tenham um bom almoço.
Ele levanta, parecendo muito certo de tudo que faz, então deixa o
ambiente, fazendo Lance suspirar de alívio.
— Você está bem? — questiono.
— Sim, é só que seu primo é bem enérgico. Hoje ele esteve gritando
com uma das garotas do mercado do pai. Ela falou mal com um cliente.
— Ele continua te levando para todo canto?
Ele faz isso quando as pessoas estão começando e ainda tem duas
semanas que Lance começou.
— Continua — dá risada. — Confesso que é cansativo, mas eu me
sinto bem porque estou aprendendo coisas novas e, claro, não tenho perigo
de me machucar.
Eu sorrio, levando minhas mãos às suas.
— Eu fico muito feliz que você tenha decidido por vontade própria
parar de frequentar aquele lugar. De verdade — digo sincera.
Porque é mesmo verdade. Eu não queria ter que pedir isso a ele, mas o
fato de Lance estar envolvido em lutas me causava calafrios.
Principalmente quando se machucou de verdade e estava no hospital. Foi
horrível de ver.
— Eu precisava enxergar de outra forma. Sabe, eu estava lá porque
não tinha por que não estar. Mas, agora com você, é diferente. Eu tenho
outra opção de futuro que antes não tinha e preciso confessar que nunca
esperei ter.
— Isso é bom? — questiono, apreensiva.
— Claro que é, baby. Olha para mim, tenho um trabalho que não me
sinto constrangido em falar e não tento esconder, tenho você, que é minha
namorada — responde. — Parece que tudo está se encaixando e é muito
bom de sentir. Isso por sua causa, é óbvio, porque você tem uma família
maravilhosa e que está me acolhendo de um jeito que eu nem mereço.
— É claro que você merece…
— Você sabe, eu trabalhei no meio de pessoas muito ricas. Quem fazia
parte da boate, porque é um valor exorbitante para ser membro, então eu via
o quanto eram esnobes. Eles ficavam felizes com as lutas e de me ver
levando o adversário ao chão — agora ele parece agoniado. — Que tipo de
pessoa se alegra com a dor do outro? Eu não queria fazer parte daquilo
mais, não quando encontrei a paz.
Eu sorrio, soltando um beijinho para ele.
— Pensei que todos os absurdamente ricos eram esnobes — emenda.
— Mas agora, vendo sua família de perto, percebo que me enganei.
— É engraçado você falar isso, porque você também é absurdamente
rico — estreito os olhos. — Não me diga que o valor da sua conta bancária
é uma montagem.
— Ei, onde você viu?
— Seu extrato estava em cima de uma caixa de jogos na sua casa, e eu
vi sem querer.
— Ah — ele dá um sorriso sem graça. — Mas é diferente…
— Não é diferente. Você fica querendo desmerecer o que tem porque
acha que o que fazia era errado. Talvez um pouco, mas era o seu trabalho. O
adversário também estava ciente do que poderia sofrer — acaricio seu
braço. — O que você tem, foi mérito seu e eu sei disso.
Ele dá um sorriso torto, parecendo não concordar, mas também não
rebate.
— Eu acho que agora pode dar tudo certo… — diz. — Sabe, para nós.
— É claro que pode. Já está dando.
— Por isso, eu quero te mostrar uma coisa — ele abre a maleta que
está no chão ao seu lado. — Mas não pode gritar muito.
Estreito os olhos, suspeita.
— Não vou, o que é?
Ele traz um envelope médio para a mesa, então me entrega.
Curiosa, eu o abro depressa, encontrando um papel dobrado.
— Um papel? — questiono.
— Abra e leia.
Eu o faço, meus olhos serpenteando rapidamente as palavras e,
conforme leio, mais minha boca se abre. Oh, céus…
— Isso é... um documento — concluo, olhando-o.
— Sim — seu sorriso é enorme. — Eu comprei uma casa. Perto da...
— Perto da casa do meu avô — estou mais emocionada do que
pensaria estar.
— Pensei que você gostaria de estar mais tempo com ele, mais ainda
por ter passado tantos anos fora, então eu tomei essa liberdade. Não sei se
você gostou, mas foi com uma boa intenção, porque ele deixou claro
naquele dia que não gostaria de sair de casa mais.
— Eu amei, é claro! Principalmente porque ele precisa de companhia.
— Sim, nós podemos vê-lo todo dia — Lance aponta o envelope. —
Ainda tem outro papel.
Dou risada, pegando depressa, então vejo ser o documento de outra
propriedade.
— É a casa em que ficamos tanto tempo. Eu fiz um acordo com o dono
e ele me vendeu — explica.
— Ah, isso é tudo tão… — eu me levanto para ir ao seu lado e lhe
abraçar. — Incrível. Nem sei como dizer o quanto gostei e principalmente
por você ter lembrado de mim.
— Você quer casar comigo?
Afasto o rosto, para conseguir olhá-lo, coberta de surpresa.
Ele morde o cantinho da boca, então gesticula.
— A gente se ama e eu quero ter com quem compartilhar amor todo
dia — hesita, sem desviar o olhar. — Eu não comprei uma aliança e por isso
não tenho uma para te dar agora, mas, gostaria muito de casar com você.
Seria o meu maior prazer que você se tornasse minha família. Você aceita?
— Nossa, eu... — dou um riso nervoso.
— Você não quer — ele desvia o olhar, parecendo triste.
— Não — seguro seu rosto, virando de novo para mim, então encosto
nossas testas, sorrindo como uma idiota. — É claro que eu quero e aceito.
Eu só não estava esperando, meu amor.
— Mesmo?
— Mesmo.
Ele dá uma risadinha, virando sua cadeira e me puxando para seu colo,
preenchendo minha boca com um beijo forte e decidido.
E que me diz mil coisas. Estou também assustada por não ter sentido o
medo que senti quando ele me convidou a morarmos juntos. Isso é
diferente. É um compromisso de verdade, eterno, que só prova que Lance
me quer mesmo em sua vida, tanto quanto o quero na minha.
— Você vai me amar mesmo eu sendo um pouco burro? — pergunta
com os lábios sobre os meus.
— Você não é burro — dou risada, o abraçando pelo pescoço. — Eu já
te amo de toda forma.
— Então eu estou feliz — seus braços ao meu redor parecem querer
me prender, certificando-o que não vou sair. — Se você disse sim para nós,
estou muito mais que feliz.
Sorrio, nossa atenção sendo desviada quando ouvimos um "boa tarde".
— Desculpem interromper, mas não é permitido que... — O homem
que chegou gesticula. — Sabe, sentar no colo do cliente.
— Claro, desculpe — Lance afrouxa os braços e me levanto, ele dando
uma risadinha. — Não vai se repetir, senhor.
O homem concorda e sai, nos fazendo rir.
— A gente pode comemorar no carro — palpito e rapidamente nos
apressamos em guardar os documentos de volta na mala, pagar a conta e
sair em direção ao veículo.
E tudo bem que tenha sido algo impulsivo, porque a gente conseguiu
se manter junto até aqui – mesmo com tudo que deu errado –, e teremos a
vida toda para continuar mantendo.
Porque isso parece ser o amor. Se manter junto mesmo quando tudo
parece não dar certo. E não desistir. Uma hora a gente chega lá.
E, bom, se o amor for uma luta, acho que vale a pena lutar por ele. Por
nós. Para sempre ou enquanto durar.
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