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Copyright © Nathalia Marvin 2020

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Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer


semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é
intencional por parte da autora.

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Amor em
Presunção

Os Mackenzies
Livro 14

NATHALIA
MARVIN
A saudade do amor é a mais dolorosa que existe.
Capítulo 1

A chuva torrencial parece triplamente mais forte do que eu esperava. O


capuz parece insitir em cair da minha cabeça enquanto
tento inutilmente deixá-lo no lugar. Está frio. E sair para ver se meu irmão
chegou é quase agonizante.
Já é quinta vez e fazem mais ou menos umas duas horas que aterrissei,
vindo diretamente de Londres. Depois de quatro anos, é muito estranho me
sentir de volta. Tem tanta coisa que perdi e não vivi.
Meus irmãos estão casados. Quero dizer, isso é um milagre. James, o
mais velho, é pai. Quando fui embora, ele mal falava com uma mulher mais
de três palavras estritamente profissionais. Agora é pai!
É sobremodo e elevadamente surpreendente.
O do meio, Romeo, foi o que ficou de vir me buscar. Bem, e esse, eu
deveria saber, não deve ter mudado tanto. Eu acho.
Volto para dentro do aeroporto e aguardo perto de onde estão minhas
malas – ocupando dois bancos de espera –. Meu pai pediu que eu não
trouxesse tudo, e não o fiz, somente os pertences de mais importância.
Ter morado tanto tempo longe, me fez aprender muitas coisas.
Principalmente a de ser forte. Apesar da saudade imensa da minha família,
eu soube lidar com isso. Até que muito bem, diria. E acho que cheguei bem
melhor do que fui.
Meu olhar serpenteia pelas pessoas que passam, todas parecendo com
pressa, e isso é quase muito repetitivo para mim, porque era exatamente
como eu estava vivendo quando longe. Sempre em velocidade.
Dou um suspiro cansado, mas então me levanto quando vejo meus
irmãos aparecerem.
Mesmo.
Romeo é o que acena mesmo longe e James, minha nossa, ele tem um
bebê nos braços.
Trago as mãos à boca, muito impressionada pela surpresa, então corro
de encontro a eles, me jogando nos braços do Romeo assim que os alcanço.
Ele me segura e rodopia comigo, soltando uma risadinha, que me faz
chorar.
É saudade que dói.
— Não chora, gatinha — ele me coloca no chão e segura meus
braços, me olhando de cima com um sorriso enorme. — Como você
cresceu! Droga, isso é preocupante. Você ainda gosta de boneca, né?
Dou risada entre as lágrimas e viro para ver James com um sorriso
gigante enquanto segura a mão do bebê.
— James... — engasgo. — Minha nossa, você tem um filho!
— Oi, irmãzinha. Esse aqui é o Johny, seu sobrinho.
— Johny — eu repito, me sentindo um pouco idiota quando o olho e
vejo parecer mais entretido com a barba do meu irmão. — Ele é lindo! Não
parece com você.
Romeo ri.
— Já falei para ele fazer o teste de DNA — implica.
James bufa e eu sorrio.
— Quero dizer que não tem muitos traços que lembram você...
— Eu entendi — ele coloca Johny em um só braço, me chamando
com o outro. — Vem aqui me dar um abraço, vem.
E eu vou, me sentindo tão idiota por chorar mais e segurar a mãozinha
pequena do meu sobrinho que nem sequer está me olhando.
— Estamos felizes que esteja de volta.
— Estou feliz por estar de volta — admito.
— Bom, então é melhor irmos logo porque senão a chuva aumenta
— Romeo salienta e pega três malas, arrumando duas de um jeito que fica
mais fácil. Eu pego outras duas e um guarda se oferece para nos ajudar com
as que sobraram.
Em um instante estamos dentro do carro do James, um sorriso em meu
rosto quando ele coloca o bebê na cadeirinha bem ao meu lado. Começo a
tentar brincar com ele, mas Johny não parece muito a fim, e sim do seu
brinquedo que pode morder.
— Coloquem os cintos — Romeo avisa e dá partida no carro.
— Como foi de viagem? — James quer saber. — Sente-se muito
faminta?
Dou uma risadinha, me lembrando que ele fala de forma diferente e
engraçada.
— Um pouco. Os lanches do avião não matam a fome de ninguém.
Vocês estão diferentes, me sinto vindo do passado.
— Você também está mudada. Uma linda garota.
— Eu era feia? — penso um pouco, então concluo: — Tá bom, eu
era um pouco.
— Bobagem. Você somente se tornou mais mulher — ele sorri pelo
retrovisor e eu retribuo.
— Aprontou muito enquanto estava longe? — Romeo pergunta, seu
tom risonho me fazendo perceber que sua essência prevalece.
— Que nada... Mal tive tempo de pensar. Você que parece ter
crescido, até se casou.
— Honorável Sarah. Devemos muito agradecer a ela por colocar
nosso irmão em seu devido lugar — James vira a cabeça para ver se está
tudo bem com Johny e sorri de novo para mim.
— Honorável Sarah — eu repito. — Vocês falam muito das próprias
esposas, nossos pais também, quero ver se realmente são tudo isso.
— Elas são — Romeo garante, e em seguida insiste: — Não é
possível, nenhum namoradinho? Qual é, deve ter tido. Conta, tô curioso.
— Sim, teve, mas ele foi embora e acabou — tento sorrir, mas viro a
cabeça quando me lembro novamente de tudo que aconteceu.
Não foi um namorado, foram três. E não foi ruim, foi péssimo. E eles
não foram embora, do contrário, permaneceram e conseguiram acabar com
o meu coração.
— Bom, nosso pai vai gostar de saber disso.
— Nem pensar, você não vai contar para ele! — olho-o, me
alarmando então. — Por favor, Romeo.
— Ele está te assustando, não fará isso — James me acalma. — Até
porque já passamos da fase de implicância com a irmã mais nova.
— Fala por você. Na menor das oportunidades, eu estarei fazendo
meu papel de irmão — Romeo ri quando resmungo. — Sabe quem vimos
chegar de férias para a casa da mãe, aliás?
— Quem? — viro para brincar com Johny, que começa a fazer uns
barulhinhos de bebê de um jeito alto, me fazendo sorrir.
— Lancelot.
Meu sorriso morre ao ouvir o nome, meu olhar se voltando ao meu
irmão e, quando falo, pareço mais assustada do que deveria:
— Lancelot? Ele está em Nova York?
James coloca a cabeça entre os dois bancos e me olha, sorrindo um
pouco, mesmo que eu tenha percebido que soube interpretar minha
expressão.
— Sim, ele está. Nós o vimos nesta manhã. Fique tranquila quanto a
isso, ele não parece lembrar de você — ele confere se Johny está bem
seguro, fala algo com o bebê e volta a se ajeitar.
Isso é tão... Embaraçoso.
— Mas você ainda se lembra dele, não é? — Romeo questiona, mas
eu não respondo.
Não quando ouvi que Lance está de volta. Não depois de tanto. Não
quando vivi tudo isso.
Simplesmente não.
Capítulo 2

Estou terminando de tirar as roupas da mala quando resolvo sentar um


pouco na borda da cama, minha mão indo ao pingente em meu pescoço e o
passando pelo cordão. Para lá e para cá.
Estou cansada. Foi um dia cansativo. Há dois dias não durmo e então,
quando chegamos, percebi que minha família havia feito uma festa de boas-
vindas e tinha mais gente do que me lembrava. Até o vovô Michael estava,
junto com a vovó, que mesmo doente, fez um esforço e veio.
Foi um fim de tarde e noite muito felizes. Eu sorri, ri e chorei, tudo de
alegria e saudade. Foi um bom momento. E, depois de tudo, pude voltar ao
meu quarto, as lembranças me enchendo de um jeito que parece muito forte,
como um baque.
Volto a levantar, seguindo para a janela e abrindo-a, o vento cobrindo
meu rosto de um jeito forte. Parou de chover e deve ser pouco mais das três
da manhã e, mesmo cansada, não estou com sono.
Sendo assim, resolvo vestir um casado e descer para matar a saudade
de um outro lugar que me marcou.
Saio do quarto e desço as escadas, tentando fazer o mínimo possível de
barulho para não acordar meus pais, então destranco a porta e começo a
caminhar em direção ao labirinto de grandes arbustos que tem ao lado da
casa.
Seria assustador, se eu já não conhecesse todo o caminho de frente
para trás. E um sorriso é inevitável enquanto o percorro, soltando a
respiração quando chego ao centro e vislumbro o chafariz, lindo como
sempre foi.
Sento sobre o gramado, olhando para cima, querendo vislumbrar
também as estrelas, mas que estão no momento cobertas pelas nuvens. Está
frio demais.
Cruzo os braços, tentando passar mais calor ao meu corpo, até que
ouço um farfalhar e isso me faz levantar depressa e dar dois passos para
trás.
Minha respiração fica presa com outro barulho mais alto, então uma
sombra aparece, quase me fazendo gritar; se logo não se revelasse e me
deixasse ainda mais sem fala.
— Oi, Rapunzel.
Engulo em seco, deixando os braços caírem ao lado do corpo, mas
logo tento me recuperar, nenhum pouco crendo em quem estou vendo à
minha frente.
— Meu nome não é esse — sento novamente, tentando ignorar os
sentimentos que me invadem. — Esse labirinto faz parte da casa dos meus
pais, o que está fazendo aqui?
— Eu estou bem, também, obrigado. Por que você não parece tão
surpresa ao me ver? — a sombra se aproxima e quase toma minha atenção
do chafariz.
— Não sei. O que você quer?
— Soube que também chegou hoje. Pensei que quisesse me ver.
Vejo que estava enganado.
— Você estava.
— Entendi... — ele se silencia e penso que vai embora, por algum
motivo isso me deixando triste, porque a vontade real é levantar e abraçá-lo
forte, mas isso não seria certo. — Então por que você está de madrugada,
no frio e no lugar que costumávamos ficar juntos?
— Eu gosto daqui. Por que você está?
— Vi a luz do seu quarto acesa e imaginei que viria para cá — ele
senta ao meu lado e isso parece ser muito cruel, porque me sinto fraca no
mesmo instante. — Soube que fizeram uma festa para te receber. Não fui
convidado.
Não digo nada, apenas deixo que o barulho da água caindo na fonte
toque sua sinfonia.
— Você está em um mau dia ou não quer falar comigo? Me sinto um
idiota.
— Talvez porque você seja — me forço a olhá-lo, o que é um erro.
Ele está tão mais... diferente.
— Pensei que você iria me abraçar e dizer que estava com saudades
— seus olhos parecem tristes. — Eu pensei em fazer isso, mas você está
tão, não sei, longe de como era a menina que deixei.
— Que bom que sabe — grunho, voltando o olhar onde estava. —
Você não estava indo em busca do seu sucesso?
— Eu fui — seu olhar não para de me perfurar. — E consegui. Disse
que conseguiria, você disse que eu conseguiria.
— Eu disse. — Mas não queria que você fosse...
— Estava louco para te contar. Mal podia esperar para te ver e dizer
que... Bom, eu não cheguei ao nível da sua família, claro, mas para quem
era adotado e não tinha nada, acho que tenho o suficiente.
Meu peito aperta ao lembrar do garoto que costumava brincar comigo.
Amável, engraçado, divertido, doce e paciente. Ele era o meu melhor amigo
e contávamos tudo um para o outro.
Nem tudo talvez. Um dia fui à sua casa chamá-lo para brincar e sua
mãe disse que ele não podia sair. Poucos dias depois, o vi saindo cabisbaixo
para a escola e fui perguntar o que estava acontecendo, mas ao invés de
responder, ele simplesmente ergueu o braço e vi manchas vermelhas.
Hematomas. E isso partiu meu coração.
— Você foi embora sem se despedir, não sei se lembra disso — o
olho. — Isso não se faz.
— Eu fugi, Áquila. Teria me despedido, se desse, mas não deu.
— Por que voltou?
— Minha mãe pediu — ele desvia o olhar pela primeira vez. —
Retomei o contato há quase um ano e ela implorou uma visita.
— Como se sente estando de volta?
— Em casa. Onde eu deveria estar no exato momento, no lugar
certo. Como você se sente? — rebate.
— Feliz.
— Não parece.
— O parecer está nos olhos de quem vê.
Ele ri discretamente.
— Vejo que também está com a língua afiada. O que houve em
Londres, colocaram você em algum lugar estilo quartel?
— Antes o tivessem feito — pigarreio. — Você está casado?
— Não. E você?
— Não.
O silêncio volta a nos embalar, o clima parecendo tão melancólico
quanto nós dois, e isso me enche de uma tristeza momentânea.
— Acho importante que tenha querido saber do meu estado civil,
Rapunzel. Vai me jogar suas tranças? — Volto a olhá-lo, quase sorrindo,
mas desistindo quando Lance se aproxima mais um pouco, até nossos
braços se roçarem. — Está um bom tempo para abraçar. Não quer
experimentar?
— Não com você. Não sou o tipo que encara abandono com sutileza
— me arrependo no mesmo instante do que disse, porque isso parece deixá-
lo em uma posição muito favorável, tendo em vista seu olhar. — Quero
dizer...
— Entendi — me interrompe. — Não foi um abandono, Áquila.
Sempre pensei em você.
Bufo, descrente.
— Isso não é válido?
— Não, não é — me levanto, olhando-o enquanto emendo: — Não
para mim, com certeza. Eu vou dormir, tchau.
Lance não responde e não o espero fazer, apenas sigo os passos de
volta para casa, ansiosa por dormir e esquecer que ele existe.
E está aqui. Perto de mim, de novo.
Capítulo 3

— Aonde você está indo?


Eu me viro em direção à voz, encontrando Lance perto do arbusto da
entrada da minha casa. Ele está gostosamente despenteado, usando uma
camisa branca que não é capaz de suportar os músculos de seus braços, e
uma bermuda bege fosco. É um retrato vivo.
— Ali — respondo simplesmente. Já não bastou que eu não tivesse
conseguido dormir por sua causa, ele ainda tem que aparecer assim,
sorrateiro?
— Ali — repete, um tom misterioso. Seus olhos sempre parecem ver
mais do que quero mostrar e isso é perturbador nele. — Quer companhia?
— Não precisa. — Não sei exatamente por que não continuo andando,
mas só fico parada, olhando para o lindo homem que Lance se tornou.
— Não seja grosseira. Nós nos conhecemos há tanto tempo e agora
você está recusando a minha presença? Isso me magoa — ele faz um
biquinho lindo, que me faz querer sorrir. Mas resisto a isso.
— Bobagem — dou de ombros e sigo os passos à frente, mas por
algum motivo, paro e alguns flashes do passado invadem minha mente em
questão de milésimos; Lance e tudo que já vivemos lampejando em minha
cabeça.
Eu me viro novamente em sua direção, só o suficiente para indagar:
— Você tem um carro?
Ele ergue uma sobrancelha, assentindo suavemente.
— Então pode me dar uma carona — concluo.
— Eu posso — seus passos vêm até mim, seus olhos nos meus —, mas
vamos aproveitar o caminho até a pista para conversar, e pegamos um táxi.
— Mas eu quero evitar a caminhada.
— Se tornou uma preguiçosa?
— Não — me defendo. — Eu só tive um dia exaustivo ontem, queria
poupar energia.
— Ah, é? E pra quê? — seu ar soa curioso e... algo mais.
— Ué, para poupar.
— Você tem um namorado?
A pergunta me deixa inquieta. Ele está soando muito tranquilo, como
se não tivéssemos deixado de nos falar por anos. Será que não entende que
as coisas não são assim?
— Não, Lance, eu sou solteira.
— Então não tem motivos para poupar energias — ele enfia as mãos
nos bolsos da bermuda e começa a andar. — Vamos.
Bufo, descrente. Mas não vou bancar a irredutível e me negar a ir. Eu
quero estar com ele depois de tanto tempo. Sinto falta. Dele e de nós,
juntos. Nós éramos uma boa dupla.
— Qual é a desse macacão? — questiona enquanto estou ajeitando a
bolsa para ficar atravessada.
— Qual?
— O seu. Não acha que é muito chamativo?
Meus olhos estreitam, em uma indagação óbvia, e Lance me olha de
soslaio.
— O que tem minha jardineira?
— Está mostrando muito das suas coxas — ele hesita. — Você anda
diferente. Não parece a garota de antes.
— Ninguém fica igual — pondero e apresso os passos, não sabendo
bem o motivo de agora querer ficar longe.
— É só que... — ele me acompanha sem dificuldade. — Sei lá. Não é
que estou incomodado, talvez um pouco, mas suas pernas são muito bonitas
para qualquer um ver. Olhos que não sabem apreciar, se tornam indignos de
ver.
Preciso parar de caminhar e olhá-lo, procurando vestígio de
brincadeira. Mas não parece ser. Ele falou sério.
— Você está louco — deixo claro, reiniciando passos tranquilos. —
Qual é a da camisa?
— A minha?
— Sim.
— Comprei em uma loja aleatória.
Sorrio.
— Estou dizendo que parece que ela deixou seus braços de castigo.
— Ah — um risinho —, bem, sim. Um pouco disso.
— Desde quando você se tornou tão esculpido? Mal tinha tamanho.
— Assim eu posso me ofender, cuidado.
— Mas é serio. Você mesmo era revoltado por não ser como os outros
garotos.
— Não vamos falar tanto do passado, Rapunzel. Por favor.
— Você não esquece esse apelido? — mudo de assunto por sentir
amargura em seu tom. Algo nele não gostou que eu tenha mencionado. E
não o culpo, não devem ter sido dias fáceis.
— Não me culpe, você inventou a brincadeira.
Dou risada.
— É, é. Mas você aceitou brincar.
— Claro, você foi a única pessoa que nunca riu do meu nome.
— Coitadinho...
Ele me olha e faz cara feia, me tirando outro riso.
— Sir. Lancelot é muito bonito — reitero. — Dá até uns negócio ao
ouvir.
É sua vez de rir.
— Dá uns negócio? De que tipo?
— Ah, sei lá. É tipo, "nossa", "hum", "quero".
— Não me lembro de você ser safada.
— Para, não é ser safada. Não posso fazer nada se seu nome atinge a
libido alheia.
Ele me olha e faz cara de espanto, me fazendo buscar apoio nele de
tanto que começo a rir. Também não me lembro de ele ser banhado em
músculos e dureza.
— Definitivamente eu não me recordo de nada disso.
— Estou tentando te ajudar, me dá um desconto.
— Tudo bem, mas não aconselho você a dizer coisas assim estando só
nós dois — gesticula. — Eu posso levar a sério.
— Ah, tá. Você não é desse tipo.
— As coisas não mudam?
Me calo, refletindo nas minhas próprias palavras repetidas.
Sim, mudam.
Lance recebeu esse nome da mãe adotiva, que era completamente
apaixonada pelo personagem e não fez mediu esforços para ter um filho
com o nome de seu herói favorito. Por conta dos meus cabelos longos na
infância, ele me homenageou com Rapunzel. E brincávamos de castelo.
Algo ridículo, mas quem pode nos culpar? Éramos crianças.
— Você está indo aonde? — ele retoma a conversa.
— No shopping. Vou comprar algumas coisas.
— Você não gosta de shoppings.
— É, mas, às vezes, temos que fazer o que não gostamos.
— Interessante.
Nós alcançamos a rua e ficamos esperando um táxi passar. Lance está
com os olhos em mim, estou sentindo, e isso me deixa nervosa.
Desde quando?
— Como estão seus pais? — questiona.
— Ótimos. Muito felizes que voltei — o olho, esperando que ele
quebre o contato visual, o que não acontece.
— Pretende ficar com eles até quando?
— Até eu não estar.
Um sorrisinho alcança seus lábios.
— Espertinha. Você entendeu.
— Não sei, Lance. Depende. Talvez eu case e vá embora. Talvez não e
morra com eles. Não sei de nada.
— Casa comigo.
Não posso negar que gostei de ouvir as palavras, tanto que o olho,
cheia de tremor.
— Você quer casar?
— Com você.
— Palhaço — finjo rir, mas estou contente pelo que ouvi. Casar com
Lance.
— Ei, isso é um não? Eu posso ficar triste.
— Lamento por você — faço sinal para um táxi, que para em instantes
perto de nós. Entro primeiro e Lance ao meu lado. Cumprimentamos o
taxista e peço que nos deixe no shopping.
— Olha isso — ele chama minha atenção.
— O quê?
— Sua calcinha vai aparecer — sussurra.
Reviro os olhos.
— Eu não sabia que tinha colocado uma calcinha que ia até os joelhos.
— Joelhos ficam aqui — toca meu joelho direito. — Sua roupa está
aqui — seus dedos praticamente sussurram em minha coxa, me fazendo
sentir um arrepio. — Então, logo sua calcinha aparece.
— E desde quando você é tão observador?
Ele me olha, um sorriso divertido.
— Desde que você se tornou uma safada.
Mas eu não me tornei.
Capítulo 4

Lance está todo atrás de mim.


E isso é muito estranho de sentir, mesmo que eu ache que é bom.
— Você não vai levar isso, né? — sua voz praticamente sussurra
quando pego uma cobra de pelúcia.
— Parece boa para enrolar no pescoço enquanto se dorme — o olho.
— Por quê?
Ele ergue as sobrancelhas escuras, parecendo não concordar.
— Isso se chama gasto sem necessidade. Você não precisa de uma
cobra de pelúcia.
— Você não sabe do que preciso — coloco o objeto no pescoço e vou
até outras prateleiras.
— Se é de uma cobra, fica com a minha.
Meus olhos se arregalam, procurando os dele. Lance dá um sorrisinho.
— Vai dispensar? Olha que não é todo dia que me ofereço.
— Nem sei o que você está fazendo aqui — volto minha análise para
as coisas que talvez eu não precise mesmo, fingindo que a brincadeira não
me afetou. — Veio porque quis, então fica quieto.
— Não. O que falta ainda?
— Preciso de um abajur — coço a bochecha.
Ele se põe ao meu lado, seu braço roçando no meu e, repito, não me
lembro de ele ter tanta dureza.
— Não me diga que ainda está com esse medo?
— Não — eu saio andando pelo corredor, fingindo que 'tudo bem'.
Mas ele lembra.
— Poxa, Rapunzel. Isso é bem ruim.
Suspiro, ignorando-o. Ou tentando. Porque realmente não há como
ignorar um homenzarrão como ele.
— Vamos almoçar onde? — pergunta.
— Você eu não sei, mas eu, em casa — pego dois travesseiros, Lance
gentilmente os puxando para segurar para mim.
— Então almoçamos na sua casa.
— Você não.
— Por que não?
— Não me lembro de ter te convidado.
— Não faz mal — um sorriso doce aparece em seus lábios —, eu estou
me convidando.
— Você está muito teimoso — saliento.
— Apenas com saudades. Você não?
— Estive mais — sigo para o outro departamento, em busca de um
abajur. — O que tem feito, Lance?
— Muitas coisas.
— Isso não é exatamente minha pergunta. Sua resposta foi muito
ampla e continuo curiosa.
— Trabalho bastante. Mas resolvi fazer um esforço e frear este mês. E
você?
Quero saber com o que ele trabalha. Que profissão seguiu. O que fez
quando foi embora. Como foram seus dias. Por que e por quê. São muitas
perguntas.
— Só estudei — dou de ombros.
— Hum. Só? Eu acho que é muita coisa estudar.
— É — pego qualquer abajur e me direciono à área de pagamento,
Lance sempre em minha cola. Me viro para olhá-lo, que está com um
travesseiro debaixo de cada braço. Seu olhar abaixa e ele sorri, dando uma
piscadinha. Me derreto e escolho mudar a atenção para minha bolsa.
Também não me lembro de meu estômago borbulhar por vê-lo sorrir.

***

— Tem algo nesse sorvete — Lance murmura enquanto tomamos


nossos sorvetes sentados no banco do parque, que está repleto de crianças
com seus pais ou babás. — Ele é... muito doce.
Eu o olho, inquisitiva.
Nós nos sentamos para um sorvete ao ar livre por insistência dele. E
que bom que não recusei. Está sendo um bom momento. Um clima
agradável. A luz mansa do sol batendo em meu rosto e, bem ao fundo, uma
brisa suave. É quase perfeito.
— Sorvetes não são doces — fala, como se fosse óbvio depois de me
olhar por uns segundos. — Eles têm sempre um amargo lá no fim da língua,
você nunca percebeu?
— Não. É claro que não.
— Então estou te dizendo agora. Esse sorvete não valeu o valor que
pagamos.
— Deixa de ser fresco.
— O consumidor tem direito por reclamar do produto que consome e
não agrada — diz, levantando e indo até a cesta de lixo, jogando o sorvete
dentro; então se aproxima de uma criança que parece ter levado um tombo
feio, ajudando-a levantar.
Eu observo, muito curiosa.
Definitivamente esse Lance não parece muito com o que me lembro.
Ele volta, seu tamanho quase me fazendo abrir a boca. Ele ficou muito
gostoso. E isso é quase estranho de pensar, porque é ele. Meu amigo. Pelo
amor. Quem pensa uma coisa dessas de um amigo tão próximo?
— Eu estava pensando — começa, me fazendo olhá-lo —, nós
podíamos jantar. Algo formal e por querer. Botar tudo em dia. O que acha?
— Não sei. Pode ser.
— Isso soou tão vago... O que há com você, está chateada comigo?
— Não.
Sim.
— Acho que está. Você tem seus motivos — Lance parece
decepcionado, o que me deixa mal, mas ele não pode me culpar por ter
ficado da mesma forma quando se foi sem avisar. — E eu tenho os meus.
Vamos pôr numa balança e ver quem ganha?
— Bobagem — balanço a cabeça. — Deixa isso pra lá. Onde pensa em
ser o jantar?
— Tenho um amigo que é chef e tem um restaurante não muito
conhecido, mas que é muito bom. Poderia ser lá.
— Sim, pode. Que horas?
— Oito.
Assinto e nós nos silenciamos.
Minha vista está à frente, mas não estou focando em algum ponto,
apenas divagando. Eu não sei, é estranho. Eu cheguei ontem depois de
quatro anos distante. E encontrei o Lance. Mas não é como se fosse assim.
Parece que nunca deixamos de nos ver.
E isso é uma sensação e percepção estranhas.
— Por que não? — pergunta, me fazendo murmurar um "hum?" de
desentendimento. Mesmo assim não o olho. — Por que você não tem
alguém?
— Eu tenho vinte e um anos.
— O que isso tem a ver? — ele solta um riso.
— Não tem, eu apenas falei.
— Certo, mas qual sua resposta?
— Eu não sei, Lance — bufo, minha vista indo à cena de uma babá
tentando acabar com a birra de uma garotinha, que parece não querer largar
o balanço. — Apenas não aconteceu.
— Não aconteceu... — ele repete.
— E você?
— Não aconteceu — me imita.
— É uma boa reposta.
— É uma boa resposta para quem omite a verdade, sem dúvidas. Você
acredita que a Terra é plana?
— Não, por quê?
— Porque não acredito na sua resposta tanto quanto.
O tom carregado de sua voz me induz a olhá-lo, o que parece certo, ou
não teria notado o olhar duro que recebo. Lance parece com raiva, o que me
faz erguer as sobrancelhas e sorrir.
— Acho que me perdi. Você tá com raiva? — questiono.
— Não, apenas quero que seja verdadeira comigo. Você sabe o quanto
detesto tudo que não é verdadeiro.
Eu me encolho. Parece que sei do que ele está falando. Seus pais.
— Ahn... — penso um pouco sobre, me remexendo onde estou. Isso
foi estranho. Essa mudança abrupta. — Eu namorei uns caras enquanto
estava estudando. Nada sério.
— Você esteve com algum deles? — seu olhar se torna ainda mais
duro, o que me deixa desentendida.
— Como assim?
— Transou com eles?
Meus olhos se arregalam em um espanto óbvio e inevitável.
— Isso não é da sua conta — rebato, quase muito assustada.
Lance parece engolir em seco, desviando o olhar rapidamente.
Acho que vi uma sombra de vergonha, mas foi embora tão rápido
quando chegou.
Um silêncio pesaroso recai. E eu não sei se fico como estou ou... ou o
que for. Foi estranho. Bem estranho.
— Preciso ir — me levanto, Lance fazendo o mesmo imediatamente.
Ele é muito mais alto e tenho que olhar para cima para vê-lo. — Vou
embora sozinha — deixo claro e pego as sacolas do chão. — Tchau.
Me viro para jogar o recipiente de sorvete no lixo e pegar o caminho
da rua, para um táxi.
Isso foi muitíssimo estranho.
Capítulo 5

— Oi, filha.
Olho para a porta do escritório do meu pai, encontrando minha mãe no
batente, me olhando com seus olhos amendoados curiosos. Ela quer saber
alguma coisa.
— Oi, mãe — deixo meu livro de lado.
Já é noite e, desde que cheguei da minha tarde com Lance, não consigo
esquecer nada do que saiu da boca dele. Foi completamente tudo sem nexo.
— Você vai ficar em casa?
— Vou — falo com tom óbvio. Aonde mais eu iria? — Por quê? A
senhora quer ir a algum lugar?
— Tem um carro na frente da nossa casa. E o motorista quer te ver —
ela franze as sobrancelhas. — Parece que eu o conheço, tem uns traços
familiares, mas não consigo me lembrar de onde.
Me levanto imediatamente, a boca abrindo de forma inevitável. Tudo
que vem acontecido com relação a ele tem se tornado assim. Todas as
reações. Ele realmente anda muito diferente.
— Droga — o resmungo sai sem que eu me dê conta. — É o Lance?
Ela franze as sobrancelhas e gesticulo, talvez parecendo um pouco
agoniada.
— O Lancelot.
— Oh — parece surpresa, então pensativa. — Ah, sim. O menino de
mãozinhas sujas que vinha aqui brincar de casinha com você.
— Era castelo — corrijo. — É ele?
— Sim, nossa. Ele está um homem — uma risadinha. — Ele tem um
nome peculiar, né?
— Muito — começo a respirar mais pesadamente. — O que ele disse?
— Que veio buscar você. Foi muito bom que eu o atendi e não seu pai.
Você não sabe como o Ethan pode ser um pouco grosso quando se trata de
mencionar seu nome com o sexo oposto.
— Droga — repito, esfregando as mãos no rosto. — Tá, eu vou falar
com ele. Obrigada, mãe — caminho rapidamente e passo por ela, indo
direto para a porta de entrada, que abro um pouco nervosa.
Por que ele está aqui?
Giro a maçaneta e logo tenho um Lance muito alto e delicioso me
encarando de cima. Nossos olhares se encontram, mas estou um pouco
divida entre me perder em seu olhar e seu perfume gostoso. É algo doce,
mas vibrante. Não é enjoativo, o que é muito bom. Deve ser uma mistura
eletrizante em sua pele.
— O que houve? — é tudo que pergunto, após uns segundos pesarosos
de silêncio.
— Oito horas.
Continuo olhando-o, demonstrando minha alienação.
— Nós temos um jantar marcado — Lance parece decepcionado. —
Você se esqueceu?
— Você é doido? Depois do fim da nossa tarde, era óbvio de se supor
que nós não temos mais nada marcado.
Ele estreita seus olhos castanhos que são de uma mistura escura e
profunda, então confere o relógio no pulso. Seus ombros se erguem um
pouco, em uma demonstração de desdém e algo mais.
— Você não me contou sobre o cancelamento, não posso fazer nada.
Marcamos e gosto que palavras de terceiros sejam cumpridas.
Balanço a cabeça, descrente.
— Eu não vou.
— Você disse que iria. E eu já fiz a reserva. Vai me deixar na mão?
— Você fez de propósito — concluo, dando um passo à frente para sair
de dentro de casa e conseguir fechar a porta atrás de mim. Quase posso ter
certeza de que minha mãe está bisbilhotando. — Sabia que eu não iria
querer ir, mas marcou mesmo assim.
Ele parece ofendido, levando uma mão ao peito.
— Acha que eu seria capaz de uma encenação dessas?
— Acho. E diria que tenho certeza, se você não tivesse mudado tanto.
— Você não cancelou, e isso é a palavra final: você afirmou que sim.
— Mas não confirmei no fim — debato.
— Questão de semântica, meu bem. Não vamos nos prender —
gesticula nós dois — nisso que parece uma discussão sem necessidade.
Vamos ter uma boa noite. É bem melhor do que ficar sozinha em casa só
com seus pais, não acha?
Sim, possivelmente. Apesar da saudade, ficar com meus pais não é a
coisa mais legal e divertida do mundo.
Me silencio, isso parecendo ser minha resposta quando Lance abre seu
sorriso lindo.
— Vou esperar você bem aqui. Só não demore muito que o restaurante
fecha às dez.
Bufo, inconformada.
— Vou demorar o tempo que eu quiser — volto para dentro, a mão
ainda na maçaneta quando percebo que, droga, fiz o que não queria fazer.
E sem perceber.

***

Estou remexendo os dedos enquanto tento entender que isso não é


estranho.
Não tem por que ser. É o Lance, pelo amor de Deus.
Mas não é só. Ele voltou. E estamos indo jantar. Estou com uma
grande interrogação na testa por como todas as coisas estão procedendo,
tenho certeza.
Ele está parecendo muito mais que só uma pessoa dentro de um carro.
Está ocupando muito mais que seu espaço. Não no sentido literal, mas para
mim.
— É longe? — questiono para quebrar o silêncio gritante.
— Não.
— E que horas vai me trazer de volta?
— Não vamos anteceder os acontecimento, hum? — ele leva a mão ao
som do carro e liga, uma música de ritmo bom começando a tocar.
Viro o rosto para a janela ao meu lado, vendo que tudo parece muito
turbulento. E não só ao lado de fora. Em mim e dentro de mim. Mas só
quando pareço estar com ele.
Nós éramos melhores amigos, e agora, vendo-o depois de tanto tempo,
não parece ser simplesmente isso. A saudade é tanta que corrói e dói,
mesmo vendo-o tão perto.
Não é perto o suficiente.
— Você está bem? — sua voz parece um estrondo em minha mente,
misturada à música que não ajuda com uma letra sobrecarregada de
emoções.
— Sim. — É uma resposta que não convence nem a mim mesma.
— Não acho que está.
— Que diferença vai fazer dizer que não?
— Tente.
— Estou confusa — admito. — E meio perdida. Sabe, agora que voltei
e... parece que não vou fazer mais nada como antes. É uma nova realidade,
por assim dizer.
— Isso te assusta?
Dou um riso baixo, sem qualquer humor.
— Um pouco.
— Vai dar tudo certo. Você vai se encontrar — sua voz soa mais baixa.
— Como sempre fez.
Suspiro e viro o rosto para olhá-lo, não sendo correspondida.
— Você está uma mistura do garoto que conheci com um homem que
nunca vi.
Um sorrisinho ergue um dos cantos da sua boca.
— A gente precisa crescer, não é?
— Mas às vezes é bom relembrar o eu que mais valeu — ressalto.
— Você nem chegou a conversar direito comigo, Áquila — agora seu
tom soa mais firme, me deixando entender que ele talvez esteja se irritando.
— Me dá um tempo para tentar te mostrar que não mudei tanto quanto
pensa.
— Não é uma reclamação, só relevei... E não estou incomodada. Eu
só... — respiro fundo. — É estranho porque parece que não sei mais como
iniciar uma conversa com você. Ir pelas bordas tentando achar o assunto
certo? Não era assim, e é só o que estou falando.
Ele balança a cabeça.
— Você concluiu isso sozinha. Estamos como sempre.
— Não estamos. Sabe que não estamos. Não tem como estarmos.
Lance não diz mais nada, seu semblante parecendo fechar e, quando
fala, é simplesmente para informar que chegamos.
E ele ainda diz que estamos como antes?
Capítulo 6

Áquila parece ansiosa enquanto tamborila os dedos na mesa. Ela olha


ao redor ou para qualquer canto, mas nunca para mim e isso é algo que me
deixa frustrado, porque amo olhar dentro desses olhos azuis profundos.
— Então — tento iniciar um papo —, você quer vinho?
— Não — dá um sorrisinho rápido, eu conseguindo sua atenção por
um momento. — Eu não bebo. Minha família me aconselhou a não fazer
isso.
— Mas é vinho, não tem álcool praticamente.
— Hm, sei lá. Eu sou não sou induzida ao erro.
— Não quero te levar ao erro — arrasto minha mão pela mesa, a fim
de alcançar a dela, que parece impressionada pelo meu gesto. Envolvo-a na
minha, sentindo a maciez da sua pele.
Eu estou com saudades, quem pode me culpar?
Jamais esperaria que ela estivesse tão... Assim. Uma mulher linda.
Nem que ainda teríamos essa conexão óbvia. Depois de tanto tempo... Estou
banhado de admiração.
— O que acha? — acaricio sua mão com o polegar. — Uma taça. É
doce, você vai gostar.
Seus olhos parecem mais abertos que o normal, o que me deixa na
defensiva. Mas é a Áquila. Nós não temos receios um com o outro.
Eu espero que não.
— Tá, mas... — pigarreia. — Você não me embebeda, Lance.
Sorrio, negando.
Chamo o garçom com um gesto, que logo se aproxima e faço o pedido.
Nosso jantar deve demorar um pouco devido as pessoas que vão chegando.
Mesmo não sendo conhecido o restaurante, está bem lotado.
— Você gostou daqui? — questiono quando ela não tira a mão da
minha, mas ainda parece não querer me olhar.
— Sim, é bem receptivo. Lembra romance — hesita. — Quero dizer, é
um lugar romântico.
— É, sim — eu concordo, erguendo sua mão entre as minhas e
avaliando. — Você tem uma pele muito macia. Gostosa de sentir.
Seus olhos novamente se abrem mais, então ela desfaz o contato.
— É. Bom, você ainda não me disse com o que trabalha, Lance.
O incômodo cai sobre mim.
Merda. Ela tem sempre que perguntar isso? Pra quê? Do que adianta?
A gente vai se afastar e cada um seguir sua vida mesmo. Que diferença faz
o que faço ou não faço? Não é da conta dela.
— Por que não deixamos isso do que fazemos de lado e aproveitamos
a noite somente?
Ela ergue as sobrancelhas, em óbvia desconfiança, mas acaba
assentindo.
— Se não é sobre nossas vidas, sobre o que então?
— Sobre você.
Não gosto muito da expressão que recebo, algo misturado com raiva e
descrença.
— Por que temos que falar sobre minha vida quando não quer dizer
sobre a sua? — questiona.
— Não falei sobre sua vida, mas sobre você, sua pessoa. O que mudou
em você, os gostos e vontades?
— Não sei, Lance — ela coça a testa. — Isso é estranho. É como um
encontro de dois desconhecidos envergonhados. Soa até errado levando em
conta tudo que a gente viveu.
— O que sugere? — Estou entristecido pela forma que ela vem me
tratando. — Que eu não queira ficar perto de você, é impossível. Vou ter
que ir embora em um mês e queria estar com você enquanto esse tempo
passa. Fazer valer a pena.
— Bobagem. Não temos o lance da amizade mais, é bem nítido.
Me silencio por um momento, encarando-a enquanto isso. Ela parece
perdida na própria mente enquanto mantém o olhar distante.
O garçom chega e nos serve com vinho, deixando a garrafa conosco.
Áquila parece hesitante enquanto encara a taça, provavelmente pensando se
vai beber ou não.
Ela sempre foi assim. Pensa demais.
— Vai em frente, se quiser — pego minha própria e sorvo uma
quantidade considerável, o liquido quente e ardente ao mesmo tempo na
garganta me fazendo suspirar.
É muito bom. Uma boa mistura com meu estado físico e sentimental
no momento.
Não é mistério que eu goste muito dela. Todo mundo consegue ver isso
se nos observar juntos. Mas isso parece muito forte agora depois de vê-la
novamente. Porque eu não tinha esse tipo de atração por ela. Nós éramos
apenas amigos. Não tinha nada de estranho.
Mas agora... Vendo-a assim, uma mulher, estou com uma vontade
louca de beijá-la. Sentir o sabor da sua boca na minha, por que não? Esses
cabelos lindos escorrendo por entre meus dedos enquanto seguro-a perto de
mim. No meu colo, talvez. Ela tem o tamanho perfeito para mim. Eu
poderia até mesmo pensar em tê-la na minha cama. Isso seria demais?
— Como está sua mãe? — ela me tira dos pensamentos impróprios,
me fazendo perceber que puxou a taça mais para perto de si e está rodeando
os dedos pela borda.
— Indo bem com o tratamento — é minha vez de pigarrear,
remexendo um pouco sobre a cadeira ao perceber que de repente surgiu um
incômodo na calça. — O médico acredita que ela vai melhorar em pouco
tempo.
— É muito grave? — seu olhar soa cauteloso, mas os lábios vermelhos
também chamam minha atenção e não sei onde quero me perder.
— Sim. Quero dizer — balanço a cabeça —, não. Não muito. É algo
que a idade avançada traz normalmente. O médico disse que não devo me
preocupar.
— Sei. E... O marido dela?
A pergunta saiu com cautela e fico admirado por isso, por ela ter o
cuidado em perguntar coisas que não me agradam de uma forma não
invasiva.
— Não sei — admito. — Deve estar arrumando problema com outra
família.
Não me interessa saber, na verdade.
— Você está morando onde?
— Áquila, isso não vem ao caso, sério — intervenho, novamente. —
Não vamos nos prender aos detalhes. Só o que importa é o aqui. Deixa o
que a gente vive pra lá.
Ela me observa por um tempo, então dá um riso descrente, logo em
seguida agarrando a taça e levando à boca, me deixando muito
impressionado quando bebe tudo de uma vez.
Quase faz uma careta, mas parece aprovar o gosto, enchendo sua taça
com mais vinho e bebendo de uma vez novamente.
— Sabe o que eu acho? — questiona, já indo para a terceira taça.
— O que você acha? — agora estou um pouco preocupado.
— Que você está namorando ou algo assim, e não quer contar — seu
olhar ergue para encontrar o meu. — É isso?
— Não — nego de imediato. Porque não é realmente.
— Então por que você não fala? Ou melhor, não quer falar?
— Porque você pode me repudiar — admito.
E isso eu não aguentaria.
Capítulo 7

A resposta certamente me pegou desprevenida.


Eu repudiar o Lance? Nem em mil anos. Nem em um século. Nem no
fim da vida.
Nunca.
— Por que eu faria isso? — questiono quando seus olhos parecem
tristes demais.
— Porque seria assim. Eu sei que seria. O que você pode esperar,
Áquila? Eu era ninguém e consegui ser alguém em quatro anos. Algo foi
mais do que sorte.
Não é sorte. Eu sei que não. Lance é mais do que apenas o filho
adotivo de uma senhora que não pôde engravidar. Ele é muito mais do que
se enxerga. Eu sei que é.
— Você é envolvido com coisas ilícitas?
Pode ser. Ele ficou muito grande. Pode ser algo perigoso.
— Não é ilícito. Quer dizer, depende do ponto de vista — pondera. —
Acho que depois do primeiro ano, se tornou normal para mim.
Bebo a terceira taça de vinho, já gostando mais do sabor do que
deveria. Eu devia ter bebido antes. É realmente um gosto bom e deve ser
por isso que fui induzida a não fazê-lo, para não gostar.
— Hm — penso um pouco. — E você não vai me contar?
— Não — sua reposta é imediata. E quase cortante. Muito decidida.
— Bom — começo, mas hesito. — Isso é estranho, eu admito. Tudo
parece estar se dando assim entre a gente: estranho. Mas não vou te forçar a
me falar ou algo assim. Como você mesmo disse, nós não vamos nos ver
por muito tempo e tanto faz.
Lance emite um ganido, algo baixo e contido. Mas não é agradável.
— Isso soa tão errado...
— Oh — me finjo surpresa. — Percebeu agora?
— Nós...
Ele é interrompido quando o garçom traz nossos pedidos e nos serve,
nos apresentando os pratos e desejando um bom apetite. E, claro, sendo
solícito ao observar que a garrafa de vinho está para baixo da metade, e nos
oferece outra.
Respondo 'sim', e ao mesmo tempo Lance diz 'não'. Nós nos
encaramos, mas volto meu olhar ao garçom e reforço:
— Nós vamos querer sim mais uma garrafa, por favor.
Ele assente e sai, meio confuso.
— Era somente para provar — Lance lembra.
— Bobagem. Não tem muito álcool, não é?
— É, mas você nunca provou. Se beber muito, pode te fazer mal.
— Quem vai me culpar, você?
— Não envolve culpa, é só que não quero que você fique mal — sua
voz altera novamente. — Droga, não dificulta mais, Áquila.
— Ah, eu estou dificultando? Pois pra mim, sou a única que está se
esforçando — seguro o garfo, o estômago embrulhando quando olho a
comida. Perdi o apetite.
— Se esforçando a quê? — agora ele sussurra, quase atraindo meu
olhar. — Não precisamos nos esforçar. É tudo natural entre a gente.
— Já foi, realmente — pego a bolsa na cadeira e tiro duas notas da
carteira. — Perdi a fome e obrigada por um jantar meio merda — deixo-as
na mesa e levanto, destinada a sair e ir embora.
Minha intenção é chegar à rua e pegar um táxi antes que ele me
acompanhe, mas não parece que vou conseguir. E nem tento me enganar.
Lance tem as pernas três vezes o tamanho das minhas. Ele é enorme.
Poderia me colocar medo, se eu não o conhecesse.
Ele pode colocar medo em alguém.
— Espera — ouço sua voz, mas não paro.
Não estou em passos apressados e nem nada. Estou apenas
caminhando. Normal e lentamente.
— Espera — agora sua mão em meu ombro acompanha o pedido. Eu
paro, meio que não querendo, mas também não me oponho.
Cruzo os braços e levanto o olhar para o dele, que parece agoniado.
— Não me deixa assim, por favor. É ruim para mim.
Evito demonstrar minha surpresa, então apenas me esquivo para sua
mão sair do meu ombro. Ele deixa o braço cair ao lado do corpo, em um
movimento relaxado.
— Podemos ir — falo.
Ele balança a cabeça.
Caminhamos até a calçada em silêncio.
Logo estamos entrando em um táxi e, devida ou indevidamente, o
cheiro bom do Lance se espalha pelo veículo. Ele tem um cheiro muito bom
mesmo. Que lembra conforto e paz. Relaxamento. Deve ser muito bom
cheirar sua pele.
A ideia da ação me causa um leve arrepio, que prefiro ignorar.
É só ele.
— Você nem comeu — comenta.
— Perdi a fome. Ou melhor, você me fez perder a fome.
— Acho que é melhor que paremos de nos ver.
As palavras chamam minha atenção e viro o rosto para olhá-lo, muito
surpresa.
— Mesmo que ainda nem o tenhamos feito direito — completa.
— É o que você acha? — meu tom sai um fio, demonstrando dessa vez
a minha decepção. E tristeza.
— O que eu devo achar? Você está me fazendo sentir mal. Não quero
te chatear, mas parece que está sendo inevitável.
Fico em silencio por um momento. Tudo bem, eu não vou lembrá-lo
que não respondeu nada do que eu disse. E dos nãos que me deu. E da
forma indiferente com que parece lidar com o fato de que vamos nos ver
por tempo determinado.
Está tudo bem.
— Ok — eu concordo, virando o rosto para a janela ao meu lado, até
que algo que passou despercebido, me faz indagar: — Por que não estamos
no seu carro?
Ele dá um riso. Baixo. Rouco. Sem graça.
— Eu sabia que quando desse a ideia de não nos ver mais, você iria
concordar. Volto para pegá-lo e ir embora depois que te deixar em casa, não
se preocupe.
Isso me machuca. As palavras. A forma fria com que ele parece lidar
com nossa... Amizade.
— Minha vida não é fácil — emenda, mas não o olho. — E você não
entende o que eu quero dizer, por isso que acho que essa é mesmo a melhor
opção.
— Não posso fazer nada se você pensa que tudo é tão complicado.
— Não quero discutir com você.
— Tarde demais então.
Ele bufa. Eu me calo. O caminho segue em silêncio. Tanto silêncio que
é gritante.
Mas, dane-se. Ele não se importa, por que eu deveria me importar?
Quando o motorista enfim estaciona, abro a porta e saio do carro, já
indo depressa em direção à minha casa. Quero chorar. Agora eu quero.
Porque ele me chateou.
Posso ver mesmo ainda um pouco longe que as luzes das janelas do
hall de entrada estão acessas. Tem alguém esperando por mim. Sim, porque
normalmente meus pais estão dormindo essa hora.
— Ei — ele me chama, sua mão dessa vez segurando meu pulso. —
Deixe que eu te diga algo.
Eu me viro, tristeza nos olhos, mas também incredulidade.
— Não, não deixo. Me deixa em paz. Eu não gostei ter que te ver de
novo. Você se tornou uma pessoa que nunca esperei que fosse se tornar.
Adeus — me desprendo do seu contato e sigo sozinha o resto do caminho, a
expressão surpresa de Lance sendo minha última lembrança.
Capítulo 8

— Você parece estar muito mal ou é só impressão? — Jeff pergunta,


entrando em minha sala.
Está sendo mais uma noite. Mas diferente das anteriores, eu não tinha
encontrado Áquila e nós não tínhamos discutido. E estávamos brigados. E
isso é uma sensação esquisita. Como se eu estivesse casado e tivesse
brigado com minha esposa.
E nem casei, como posso saber sobre isso?
— Tive. Ou melhor, estou.
Ele dá um risinho, sentando na poltrona em frente à visão da minha
mesa. Suas pernas se esticam e ele me encara, avaliativo.
— Que houve? — pergunta.
— Foi uma mulher.
— Ah — parece que minha resposta foi a certa. — Mulheres,
mulheres! Sempre são elas. O que foi, você engravidou alguma?
— Não.
E essa ideia então parece ‒ não deveria ‒ muito agradável. Ela
grávida. Como ia ficar linda... Eu sendo o pai. Sim, seria algo lindo.
— Bom, então não é tão preocupante. Você já encontrou com o Matt?
— Não hoje.
O nome me deixa cheio de culpa, o que não deveria ser. Ou deveria?
— Ele está te procurando. Parece que vão ter clientes VIPs na próxima
semana. Sabe, após, vai ter a festa. Dizem que vai ser na casa dele, mas não
é garantia. Ele anda muito fechado ultimamente para falar sobre isso com a
gente.
Isso sim é uma novidade.
— Ele vai me achar, como sempre acha — pego minha agenda sobre a
mesa e começo a folhear.
— Você viu que tem uma mulher nova na área? — ele gesticula a
porta. — Encontrei com ela no corredor. Ela estava procurando pelo
Christian.
Eu o olho, surpreso. Muito, aliás.
— Como ela sabia...
— O nome dele? — Jeff balança a cabeça. — Não sei. É de se saber
que aqui ninguém tem a verdadeira identidade.
— O que você disse a ela?
— Que ela estava no lugar errado — ele sorri. — A garota ainda quis
fazer alarde, mas pedi que o Stan a colocasse para fora. Mulheres...
— O que você tem contra elas? — questiono.
Jeff se espreguiça, parecendo cansado mesmo. Ele deve ter passado a
noite aqui de novo. Provavelmente só observando o movimento, como
sempre. Ele não é o cara mais bonito do mundo e nem mais amigável, mas
lida bem com números, e isso parece importar.
— Nada — responde. — Apenas lamento por elas não verem o grande
pacote que estão perdendo.
— Imagino que esteja falando do seu cérebro.
Ele estreita os olhos, então ri.
— Muito engraçado, Scott.
Me levanto, escondendo um sorriso.
Eu teria pena pelo seu insucesso com mulheres, se não conhecesse a
peça.
A porta da minha sala abre novamente e por ela surge Matt. Ele parece
igualmente cansado, mas esse, sei que por outro motivo.
— E aí, posso falar com você? — questiona.
— Claro — gesticulo a outra poltrona perto de onde está Jeff e vou
para a adega, em busca de algo mais forte que um vinho tinto surrado.
— Estamos com um problema — anuncia.
Sirvo uma taça, trazendo ao nariz e inalando o cheiro bom, então o
olho.
— Que problema?
— Sabe que nós temos um histórico aqui, não sabe?
— Não, você sabe — rebato, voltando à minha cadeira.
— Sim, tanto faz quem sabe. O que acontece é que temos. E está
começando a aparecer mais gente do que eu estava calculando.
— Isso é um problema? — bebo um gole, depois outro.
— Não aparenta, mas pode ser — Matt olha para Jeff, que está muito
concentrado no papo. — Você não deveria estar conferindo os valores do
fim da noite?
— Bem vós dissestes, eu deveria.
— Engraçado. Vaza daqui antes que eu te coma na porrada.
— Estúpido — ele reclama, mas o faz.
Quando está fora da sala, Matt volta a me olhar, então gesticula.
— Você vai tentar me ajudar ou não? — questiona.
— A parte de resolver esses problemas não é comigo. Eu só faço o
que foi me designado, não que é agora.
— Mas eu sou o chefe, se eu mando, você obedece.
Então eu rio. Porque é mesmo só o que posso fazer.
— Na verdade, não. Você sabe disso — rebato.
Matt estreita seus olhos muito claros, que antes me deixavam na
defensiva e, hoje... Bom, hoje eles só me mostram o quanto eu posso ser
mais forte que ele.
E sou.
— Qual foi, Scott. Se entrarmos lá e não tiver espaço suficiente para as
pessoas, o que vamos fazer? Vai rolar briga, você sabe. Além das que já
estamos acostumados. E podemos perder dinheiro com polícia no meio.
— Que seja. Você nos colocou nessa. Sabe disso melhor que ninguém.
Nós estaríamos bem só como no início, mas tinha que vir você
com sua sede por mais.
— Minha sede por mais nos colocou aqui.
— Então — me levanto —, arque com as consequências de suas
escolhas.
— Quando um peca, toda geração paga.
Eu o olho, erguendo uma sobrancelha.
— Já não basta que eu não possa imaginar uma vida normal e você
ainda vem com essa?
Ele se levanta, os cantos da boca se erguendo em um sorriso.
— Arque com as consequências de sua escolha — repete.
— Isso não está certo. Você não pode entrar aqui como se mandasse
em mim e me impor a fazer qualquer coisa.
— Não seja um babaca. Não estou fazendo isso. Perguntei se pode me
ajudar, porque sei que é capaz. Nós somos amigos, você sabe. Mas no nosso
meio é assim, Scott, uma mão lava a outra. Não me faz de vilão porque não
cola.
Grunho de descrença, então apenas balanço a cabeça.
— Está bem — encerro a conversa. — A gente ver um... novo lugar?
— Se você conseguir... Eu... — ele hesita, parecendo muito culpado.
— Tem meu nome no meio, não posso... Simplesmente ir e resolver assim
como você. O seu nome não é...
Ele hesita, mas não precisaria falar. Eu entendi e praticamente ouvi as
palavras mesmo que elas não tenham sido ditas.
Importante.
O meu nome não é importante.
— Tudo bem — eu concordo. — Vou tentar dormir bem e então vou ir
em busca de um novo lugar pela manhã.
— Ótimo! — ele parece aliviado, soltando realmente um suspiro que
prova isso. — Valeu mesmo, cara. Fico te devendo essa.
— Essa não, mais uma.
Ele ri, assentindo, então deixa minha sala.
Mas quem pode culpá-lo? Ou me culpar? Ninguém escolhe pai ou
mãe. Ou a família que vai nascer. Ninguém escolhe nada.
Nem mesmo para quem vai entregar o coração.
Capítulo 9

Abro a porta e me deparo com meu pai bem em frente praticamente.


Está com seu robe vermelho xadrez, sentado em uma das cadeiras da
entrada, o semblante fechado. Não parece feliz, o que é bom, porque eu
também não.
— Oi, pai — fecho a porta atrás de mim, com intuito de passar por ele
e ir para o meu quarto. Chorar em paz. Se é que isso é possível.
— Aonde você foi?
— Jantar com Lancelot.
— Não me diga. E eu estava dormindo com a Rainha Elizabeth.
Sorrio.
— É um amigo, pai. A mamãe não falou?
— Não, só me disse que você tinha saído com um rapaz. Mas eu
gostaria de deixar claro que preciso saber com que sai, está me ouvindo?
— Estou.
Ele me encara. Parece ter achado a resposta muito rápida.
— Você está bem? — seu olhar se estreita. — Foi um encontro ruim?
Engulo em seco, então vou me sentar ao outro lado, apoiando a cabeça
na cadeira.
— Não foi um encontro, mas foi péssimo. Ele... está diferente.
— Quer conversar comigo sobre isso?
Sua voz sai tão doce, que minha garganta embola e algumas lágrimas
irrompem inevitavelmente por meus olhos.
Escondo o rosto entre as mãos, emitindo um soluço baixo.
— Filha... — meu pai começa, mas para.
Soluço de novo.
— Eu estou triste por ele parecer negligenciar nossa amizade — e de
novo. — É muito ruim que seja assim. Não sei reagir com esse novo Lance.
E nós mal nos falamos direito.
— Hum — ele soa pensativo. — Você falou com ele sobre o que está
sentindo a respeito?
— Sim. Ele parece estar muito frio hoje em dia, não fez muita questão.
— Interessante, eu...
— Prefiro ir dormir, pai — me levanto. — Não estou com cabeça para
conversar sobre isso ou qualquer outra coisa. Tchau.
Ainda o vejo estreitar os olhos, parecendo muito surpreso.
E talvez eu também esteja, mas não me dou tempo de notar enquanto
vou em busca do meu quarto.

***

Um barulho irritante me faz abrir os olhos, já resmungando.


Demoro alguns segundos até perceber que é o meu telefone ao lado da
cama.
Estendo o braço ao criado-mudo e o capturo, trazendo ao ouvido, a
cabeça ainda em cima do travesseiro e posso ter certeza que estou babando.
— Alô? — minha voz mal sai. Quem tem a cara de pau de ligar a essa
hora?
— Dormindo, Rapunzel?
Eu poderia está mais surpresa, se não estivesse com tanto sono.
— O que você quer? — balbucio.
Ele dá uma risadinha.
— Não acredito que você vai para a cama cedo.
— O que mais eu faria? — meus olhos se fecham.
— Tem n coisas, querida. E elas não incluem você dormir à meia-
noite.
— Escuta — faço um esforço para falar —, estou com raiva de você e
agora isso aumentou porque você me acordou de madrugada.
— Não é madrugada, ainda. Eu pensei que você estaria acordada —
sua voz suaviza e se torna um pouco mais baixa. — Não quer fazer umas
travessuras comigo?
Eu riria se estivesse desperta.
Como se ele pudesse fazer alguma travessura...
— Tipo o quê?
— Ah, não sei... Você é toda santinha, não me acompanharia em nada.
Ele está me provocando, posso sentir.
— E daí? Eu faço se eu quiser — bufo, virando a cabeça para o outro
lado e mudando o telefone de ouvido. — Aliás, onde você conseguiu meu
número?
Lance hesita.
— Peguei com a sua mãe.
— Quando?
— Quando fui te buscar mais cedo — agora a resposta é imediata.
— Ela não disse nada... Só encontrei meu pai. Ele quer te bater.
— Seu pai nem se lembra de mim — ele ri. — Você está com uma voz
gostosa de ouvir. Eu posso subir aí?
— Estou com sono, isso sim. Eu te bateria se você estivesse aqui.
— Não bateria, não. Nós dormiríamos de conchinha.
Sorrio.
E isso é ruim, porque eu não deveria sorrir. Ele me fez chorar. E agora
me acordou depois de um sono bom. Eu deveria estar com raiva.
— De conchinha... — debocho.
— Isso. Agora, levante esse bumbum da cama e abra a janela para eu
subir.
Levanto a cabeça, mirando as portas da varanda do quarto.
Ele não está falando sério, está?
— Para de palhaçada... — meu tom é de cautela.
— É sério. Logo começa a chover.
Me levanto de súbito, indo até as cortinas e abrindo-as, então abro as
portas e saio à varanda. Quase preciso segurar o queixo para não ir ao chão
quando vejo Lance lá embaixo.
— Maluco — é o que me resta a dizer, mas sai um sussurro.
— Joga as tranças, Rapunzel! — ele praticamente grita, o que me
deixa em desespero.
— Shhhhh!!! — gesticulo uma mão energicamente. — Você é doido?
Se meu pai acordar...
— Não vai acontecer nada. Como eu subo aí?
— Vou abrir a porta, espera.
O que estou dizendo? Eu não deveria ir abrir a porta.
— Não — ele recusa. — Não tem a mesma emoção. Eu vou subir pela
pilastra.
— Pirou?
— A gente já fez isso antes.
Fico agoniada quando o vejo subir as mangas das blusas até os
cotovelos e se aproximar da pilastra, começando uma escalada muito hábil
para o seu tamanho, até rapidamente alcançar minha varanda.
Lance praticamente pula perto de mim, dando uma risadinha.
Se eu ainda estava meio dormindo, acabei de acordar.
Fico encarando-o, com a boca aberta. Ele se aproxima e segura meus
ombros, inclinando a cabeça e me dando um beijo no rosto. Mas a ação
parece muito mais longa porque seus lábios parecem ficar por muito tempo
na minha pele.
— Boa noite — me cumprimenta. — Desculpa te acordar, eu
realmente não achei que você estaria dormindo.
— Eu estou sonhando? Me belisca.
— Não machuco mulheres — seu tom soa mais grave. — E você não
está sonhando. — Lance segura meu braço e me incentiva a caminhar de
volta ao quarto. — Venha, aqui está frio.
E eu vou, muito conturbada e recentemente acordada.
Ele vai até minha cama e se senta, tirando a jaqueta e tenho que cruzar
os braços. Está delicioso com uma camisa de mangas compridas por baixo
dela, que marcam seu peito rijo e os músculos salientes.
— O que está fazendo aqui? — questiono.
Ele não me olha quando passa uma mão na cabeça, seu braço
marcando mais a blusa, mesmo estando um pouco escuro no quarto, eu
quase posso sentir os grandes músculos em movimento.
— Eu não consegui pensar em dormir — sua vista desvia para o chão.
— Você pode vestir um robe ou algo assim?
Só então olho para mim mesma e percebo que estou só com uma
camisola.
Sorrio, mesmo sabendo que não deveria. Eu nem tenho motivos para
isso. Deveria estar com raiva dele.
— Não — caminho até estar perto, então me sento ao seu lado. — Vou
ficar assim. Gosto de só ter uma camada de roupa enquanto durmo.
— O que isso quer dizer? — Lance arqueia as sobrancelhas grossas ao
me olhar.
Esse olhar...
— Que não uso calcinha para dormir.
Não sei bem porque respondo isso, mas já é muito tarde quando seu
olhar baixa.
Capítulo 10

— Você toma cuidado com o que diz — me aproximo do seu rosto,


ficando a poucos centímetros, e Áquila nitidamente prende a respiração. —
Eu já disse que posso levar a sério.
— Mas é realmente sério — ela sussurra.
Um sussurro rouco e... que me deixa excitado. Duro e quente. Louco
por ela.
Quem pode me culpar?
Na verdade, eu já estou assim desde cedo. Desde que ela concordou
em me deixar. Porque não era o que queria. E eu vi em seus olhos. Eu
também não queria.
— Você não sabe o que está falando — volto a me afastar, temendo
que ela esteja delirando ou só pense estar realmente sonhando.
— Por que não? — Áquila se aproxima ainda mais, colocando,
hesitante e timidamente, uma mão na minha coxa.
Olho seu gesto, bastante surpreso.
— Porque é perigoso — respondo o óbvio, não querendo tocá-la. Eu
posso me perder se isso acontecer. Não vou hesitar. Não sou famoso por
hesitações.
— Eu gosto do perigo.
Estou tremendamente impressionado por suas respostas.
— Você gosta? — sorrio.
— Eu gosto — ela umedece os lábios. — Você não me salvaria se eu
estivesse em perigo?
— E se for eu que te levar para o perigo?
Ela dá uma risadinha, sua mão se movendo lentamente. É algo que não
parece ter costume de fazer, porque não sabe exatamente onde para. Se
soubesse, não seria perto do meu pau como estou sentindo.
— Você não faria isso. A menos que tivesse certeza de que poderia me
resgatar.
Ela está sexy. Quer estar. Sedutora e maravilhosa.
— E o que você quer? Perigo mesmo? — me viro para ela, colocando
minha mão por cima da sua. O gemidinho que ela emite pelo contato é
judiante e, por um momento, eu esqueço que nós não estamos no melhor
lugar do mundo.
Minha única intenção era vir ver se ela estava bem. Não esperava
encontrá-la... Assim.
— Eu quero que você me toque — seu olhar abaixa para nossas mãos
juntas. — Você é muito quente.
— É? — subo minha mão somente com as pontas dos dedos tocando
sua pele ao longo do braço. — Você gosta de toques?
— Quero gostar do seu toque — sua voz abafa mais conforme meus
dedos sobem, até chegar à curva do pescoço, onde acaricio gentilmente. Ela
fecha os olhos, soltando um suspiro. — Estou com saudades. Morrendo de
saudades.
Inclino a cabeça, tirando seu cabelo do caminho e conseguindo
encostar meus lábios em seu ombro, onde deixo um beijo, só para começar
a mordiscar a pele macia.
Sua mão aperta onde está, ela gemendo baixinho, e é o suficiente para
me fazer levantar a cabeça novamente e buscar seus lábios com os meus.
A reciprocidade é imediata. Áquila traz as mãos ao meu pescoço e
agarra, então iniciamos um beijo agoniado. Com sede e com calor. Nós
estamos como dois desesperados que não provaram prazer em anos. Estou
sentindo isso.
Circundo sua cintura com um braço e, em um movimento fluído, a
levo até o meio da cama, deitando por cima de seu corpo, não deixando-a
muito vulnerável.
Ela pode decidir o que quer, se quer parar e sair.
Mas não parece ser isso a sinto abrir as pernas e enroscá-las em meus
quadris.
Sorrio em sua boca, meio perdido entre o gosto de seu beijo e a maciez
de seus lábios.
E isso deveria estar sendo muito estranho, porque nós somos... Somos
nós, ora essa.
Mas não é. Parece ser a coisa mais maravilhosa e certa do mundo.
— Alguém está carente — murmuro contra sua boca, só para
mordiscar seu lábio inferior.
Ela geme, me puxando para baixo, até fico real e totalmente em cima
de seu corpo.
O grunhido que dou poderia assustá-la, mas não é o que acontece
quando ela começa a se esfregar contra mim, me fazendo apertar dos olhos.
— Nossa, eu quero você — geme e de repente recebo um tapa no
rosto, o que me deixa pasmo; mas, quando seus olhos vidram nos meus, sei
que foi de desejo.
Sorrio.
— Então você gosta de bater...
Ela morde o lábio carnudo delicioso.
— Parece que sim — levanta a cabeça e logo suas mãos estão
serpenteando por dentro da minha blusa. O toque quase me faz uivar de
prazer. — Você é muito gostoso.
— Você é mais — levo uma mão ao seio quase desnudo pela camisola
curta e transparente, e o revelo para a pouca luz. — Se eu soubesse que toda
sua raiva era tesão reprimido...
Ela geme quando circulo o biquinho com o polegar, então levo minha
boca; primeiro beijando em volta, só para correr minha língua pelo caminho
também, até tomá-lo entre meus lábios e chupar, Áquila dando um grito que
preciso levar a mão à sua boca, poupando o barulho.
— Não pode gritar, baby. Sem barulho...
Ela morde minha mão, me fazendo tirar depressa, então começa a se
esfregar em mim mais veemente, soltando uns gemidos alucinantes
enquanto continuo com a boca no seio delicioso.
— Você é selvagem — observo.
— Por que você está só aí? — ela ofega. — Desce mais. Preciso de
mais.
Sorrio, mudando para o outro seio, que está tão eriçado quanto o
primeiro e eu ainda nem toquei.
— Eu não sabia que encontraria uma Áquila excitada — admito.
Estou sendo controlado e paciente, e isso é uma novidade. Tem uma
linda garota se esfregando em mim e louca para gozar. Por que não estou
dentro dela?
A ideia rapidamente invade minha mente e levanto a cabeça, vendo-a
parecer muito agoniada por um alivio. Volto a olhar seus seios molhados
por minha boca, e sua pele maravilhosa contra a luz fraca que vem de fora.
— O que foi? — ela pergunta, cessando os movimentos e parecendo
cautelosa.
— Nós... — hesito. — Não podemos. Isso — olho-a. — Você sabe.
— Por que não? — Agora parece com um pouco de raiva. — Você não
pode parar assim, no meio do caminho. Eu preciso disso.
— Mas... E se você se arrepender?
— É impossível! Você nem chegou onde eu quero e eu já estou
pingando — suas mãos agarram meus ombros e ela me induz a ir para
baixo. — Vai. Eu quero sua boca mais embaixo.
— Você é uma safada.
— Sou. Rápido.
Me sento, sorrindo um pouco pela expressão desapontada que toma
seu rosto, então me livro da camisa.
Ela geme, mordendo o lábio em seguida.
— Eu não aguento — sussurra. — Quando foi que você ficou assim?
— Ah, foi...
Sou interrompido quando ouvimos uma batida na porta e Áquila
nitidamente xinga, mas rapidamente vou para debaixo da cama.
Que merda.
Capítulo 11

Puxo rapidamente as alças da camisola para o lugar e me levanto


quando a segunda batida irrompe por minha concentração.
Que. Droga.
Abro a porta, só o suficiente para me ver, e tento manter a postura.
— Pai? — Quero imediatamente me incriminar por parecer alegre.
— Sua mãe ouviu ruídos — ele explica. — Está tudo bem?
— Sim, sim! Tudo ótimo. Eu estava... — hesito, me perguntando se
realmente vou fazer isso: mentir para o meu pai.
— Chorando?
Meus olhos se abrem um pouco mais em surpresa, mas logo concordo
veemente, assentindo com a cabeça.
— Exato. Eu estava chorando por causa daquele episódio ruim.
— Poxa, filha... — Ele parece triste e eu quase me sinto mal, mas não
muito, porque é verdade que chorei. Mas não foi agora. E como ele disse
"estava", que é passado, não se tornou uma mentira porque não abordamos
horários.
— Sim, sim, pois é — levo uma mão à testa, tentando interpretar um
papel de chateação e desespero, o que é algo que devo falhar porque não sei
demonstrar o que realmente sinto com gestos. — Eu vou ficar bem, pai.
Desculpa interromper o sono de vocês, eu...
— De quem é aquela blusa na sua cama?
Eu congelo com a pergunta, meu coração retumbando contra o peito,
então me viro lentamente para trás e vejo a camisa de Lance jogada na
minha cama.
Duas vezes que droga...
— Aquela? — volto a olhá-lo, dando um riso nervoso. — É dele. Do
Lance.
Meu pai dá um passo à frente, nitidamente dando a entender que quer
entrar no quarto, mas fecho mais a porta e explico melhor:
— Eu pedi a camisa porque estava com frio e me esqueci de devolver.
Ficou dentro da bolsa.
É uma desculpa terrível. Ou melhor, uma mentira terrível. Mas não sei
fazer isso direito. Coisas erradas. É bem provável que ele me pegue.
Quando seus olhos se estreitam, em óbvia suspeita, me adianto:
— Eu queria sentir seu cheiro, por isso pedi.
— Meu Deus, filha — ele faz careta. — Isso é masoquismo.
Eu riria, se não estivesse interpretando um papel.
— Eu vou melhorar, pai. Prometo.
— Tudo bem — parece lamentar meu estado. — Não chore muito, se
não posso ir atrás dele.
— Não, já vou dormir.
— Boa noite então — ele deseja e olha uma última vez para dentro do
meu quarto, antes de sair pelo corredor.
Espero ouvir seus passos sumindo e respiro aliviada, fechando a porta
e trancando-a dessa vez.
Se ele entra sem bater?
Olho para trás e vejo Lance reaparecer. Ele estava nitidamente se
divertindo.
— Ora, ora. Se eu não presenciei a Srta. Reeves mentindo para o pai.
— Tira esse sorrisinho do rosto, não estou orgulhosa por isso — volto
à cama, onde me jogo.
Foi uma péssima atitude, mas eu também não poderia dizer a verdade.
Ele mataria o Lance.
E também estou com um pouco de raiva por meu pai ter interrompido
o bom momento, principalmente porque Lance estava quase me dando uma
pista do seu passado.
Foi um bom plano. Seduzi-lo para conseguir respostas. Eu não tinha
certeza se daria certo, mas quando ele foi receptivo a mim, eu tive certeza.
E eu poderia conseguir respostas e ainda ganhar prazer. Dele.
Era um bom plano, apesar de inusitado, e ele só não podia descobrir.
— Ficou triste por isso? — questiona e logo sinto o toque quente que
sobe da minha panturrilha para a coxa.
Suspiro, de puro prazer.
— Não, só nunca contei uma mentira olhando dentro dos olhos do meu
pai — abaixo a cabeça, procurando seu olhar, que não encontro porque
Lance começa a distribuir beijos em minha pele. E é muito carinhoso.
É isso. Carinho. Ele parece dar bastante disso.
— Você já contou mentiras olhando dentro dos olhos de pessoas que
ama? — faço a pergunta, ao mesmo tempo em que separo lentamente as
pernas; detestando a hesitação dele, mas me aliviando quando o ouço
gemer.
E não qualquer gemido. Algo rouco, baixo e delicioso, que me
estremece da cabeça aos pés.
— Nossa — sua língua ultrapassa os lábios carnudos e deliciosos, e
Lance já vai aproximando o rosto demais, o que me obriga a novamente
juntar as pernas.
— Você não respondeu o que perguntei.
Ele lamenta, procurando meu olhar.
— Eu sinceramente não ouvi o que você perguntou.
— Se você já mentiu olhando nos olhos de pessoas que ama.
Lance balança a cabeça, parece não estar raciocinando bem.
— Já — fala. — Eu acho que já. Todo mundo fez isso em algum
momento. Você acabou de fazer até.
Evito me sentar e começar a debater, porque eu tive motivos. Mas
agora só preciso de respostas.
— Entendi, e...
— E separa de novo essas pernas lindas, eu quero provar o seu gosto
— ele me interrompe, taxativo.
Não deveria, mas me arrepio e acabo separando mesmo, mas não
muito e não de uma vez.
Lance parece ficar muito agoniado e segura minhas panturrilhas,
colocando-as por cima de seus ombros. Logo suas mãos erguem minha
camisola acima da cintura e um gemido é inevitável quando sinto o vento
contra minha pele misturado ao beijo que recebo no interior da coxa direita.
— Meu Deus, Lance... — suspiro, já agarrando o edredom com as
mãos para depositar força para não fazer barulho. Não quero pensar em ser
atrapalhada novamente. — Você não vai... — me interrompo ao sentir sua
língua subir por um caminho exato até entre minhas pernas.
O choque é inevitável e muito mais o gemido.
— Não é tão difícil fazer você ficar quietinha, é? — sua pergunta
mistura sedução, mas também verdade.
Ele quer me fazer ficar quieta.
Mas não é possível que saiba o que estou tentando fazer, então levo as
mãos à sua cabeça e o induzo a calar a própria boca e me chupar.
Seu gemido áspero reverbera por todo meu corpo e preciso me
concentrar para não perder a cabeça.
Preciso de algumas respostas e, se não for agora, não vai ser nunca e
em nenhum outro momento.
— Lance... — tento uma voz sensual, que acho horrível, mas parece
funcionar quando ele geme. — Estou com saudades... — outro gemido seu.
— Por que você me deixou? Para onde você foi?
Fecho os olhos de tão mal que me sinto por interpretar uma mentirosa
duas vezes seguidas.
— Também estou com saudades, baby — ele responde, agarrando
minhas coxas e distribuindo beijinhos por onde alcança.
— Me fala — peço novamente, as mãos acariciando sua cabeça —,
onde você esteve?
— Já disse — ele nem está parecendo pensar. — Eu estive
trabalhando, baby.
— Mas onde? Por que tão longe?
— Não fui para longe, sempre estive aqui, sempre estive perto.
Quero me sentar e separá-lo de mim. Estou aborta com a resposta.
Ele sempre esteve aqui?
— Aqui onde? Por que não voltou? — minha voz não sai mais tão
"sensual" e eu poderia ficar preocupada, mas Lance parece mais
concentrado em me chupar; o que é ótimo, exceto por sua resposta.
— Aqui, baby. Mais perto do que você imagina.
Foco o teto, não muito feliz com a resposta, mas também não
insatisfeita.
É bom saber que esteve por perto, quando deu a entender que foi para
longe.
Sua primeira mentira.
Capítulo 12

Áquila está muito deliciosa me correspondendo em todos os gestos.


E isso é quase emocionante, porque me deu um escape de estar com a
mente nos problemas do Matt. Do meu trabalho. Da minha forma de viver.
Do que sou.
— Lance, eu... — ela hesita e isso me faz buscar seu olhar, o que é
algo de um esforço absurdo porque seu gosto é muito alucinante. — Acho
que...
— O que, baby?
Suas mãos em minha cabeça caem sobre a cama e ela olha para o lado,
o olhar vago.
Já na defensiva, aguardo quando, depois de uns segundos, ela decide
sentar.
Preciso me esforçar ainda mais para fazer o mesmo. Sobretudo quando
suas mãos ajeitam a camisola e ela pigarreia.
— Acho que você precisa ir agora — seus olhos não estão em mim
quando fala.
— Por quê? — Faz sentido que eu pergunte. Ela estava totalmente
entregue há alguns minutos.
— Eu preciso dormir — ela passa as mãos nos braços, em um
movimento irreflexivo, de acolhimento.
— Mas... — começo, mas quando seu olhar não se ergue para o meu,
sei que não vai adiantar insistir. E nem valer a pena. — Tudo bem — me
levanto e pego a blusa. — A gente se vê?
— Acho que sim. Por aí.
Por aí.
— Certo — visto a blusa e vou para a janela, dando uma última olhada
nela, que decide deitar e virar para o outro lado.
Em que momento eu fiz algo errado? Não percebi, sinceramente.
Mas não me impressiono muito, porque isso não é uma novidade.
Resolvo somente descer e voltar ao meu carro; repetir minha noite
como sempre.

***

— Eu pensei que você tinha dito que ia passar a noite longe — Emma
diz quando passo pela recepção. Ela não parece em seu melhor dia de
aparência.
— É. Não foi como eu esperava — hesito os passos, parando no
batente da porta da segunda entrada. — Que barulho é esse?
Ela ergue as sobrancelhas louras ante uma expressão óbvia.
— Hoje não é dia de show — emendo.
— Não era, mas você sabe como o Matt pode ser.
Grunho de descrença e atravesso a sala, abrindo a porta vermelha para
me deparar com o salão cheio de mulheres e homens, em suas mais diversas
atividades com os próprios corpos.
Não me impressiono mais, na verdade; então só percorro meu olhar
pelo que parece normal para mim, procurando por ele.
Não entendo como alguém pode ser tão... Irresponsável não é
exatamente a palavra certa.
Matt está no fim da sala enorme, seu sofá vermelho estando ocupado
por três mulheres, que parecem muito entusiasmadas em obter sua atenção
em todos os lugares possíveis dos próprios corpos.
A cena poderia causar repulsa em uma pessoa não habituada a esse
tipo de coisa, mas em mim só causa raiva. Ele não deveria mudar o
cronograma a cada semana.
Caminho em sua direção, tentando não me desconcentrar por conta de
algumas mulheres livres que vêm até mim, então o chamo quando já estou
perto o bastante.
Ele não me olha, parecendo rir do próprio show que está recebendo.
Bem, ele vai me pagar sobre isso.
Entro no meio e o agarro pelo braço, levantando-o.
— Nós temos que conversar — falo alto o suficiente para que entenda.
Matt resmunga em voz baixa e pega sua calça e blusa que estão
jogadas no sofá, ainda dando uma risadinha para as mulheres.
Sigo de volta à recepção, passando pelas duas primeiras portas e
seguindo pelo corredor que me deixa em minha própria sala. Ele entra junto
comigo, sentando em uma das poltronas para vestir a calça com dificuldade.
Tomo assento em minha cadeira, já não estando muito paciente por
como desandou a minha própria noite.
— Me explica isso — peço.
— O quê? — ele tem a cara de pau de parecer desentendido.
— Isso no salão principal, idiota.
— Mas você tá acostumado a ver — dá de ombros.
— Hoje é quinta — o lembro.
— E? O lugar é meu e faço o que eu quiser. Além do mais, você não ia
passar a noite longe?
— Falou bem, eu ia. Você sabe que não pode ficar fazendo isso de
mudar os horários.
— As meninas estão aí — ele gesticula. — São pagas para isso.
— São pagas para satisfazer os clientes e não os donos.
— Você não aproveita porque não quer — sorri em deboche e começa
a vestir a camisa. — Além do mais, seu lugar é no ringue com o Hugh, sabe
disso.
— Sei que sou sócio e mando aqui, também. É mais meu do que seu.
— É mais meu porque é de herança — ele balança a cabeça, em um
movimento de lamento. — Não vamos discutir por isso, está bem? —
levanta-se. — O que quer conversar?
— Por que decidiu me contar que sua prima ia voltar?
Matt tem um pequeno momento de desentendimento, mas logo
explica:
— Vocês se conhecem e, bem, uma hora ou outra você ia descobrir e
me questionar o motivo de não ter contado, então...
— Eu tive que mentir para ela.
— E isso é da minha conta porque... — pensa um pouco. — Ah, não é.
— Se você não tivesse me dito, eu não ia atrás dela e não teria mentido
sobre a mulher que me adotou.
— O que você disse? — parece levemente interessado, mas não muito.
— Que ela estava morrendo, e Áquila acha que estou ficando lá. Ao
menos eu penso que deve achar. Ela está muito mudada. Não sei o que
concluir.
Matt dá um risinho.
— Eu só disse para você ir vê-la, não para mentir. Isso é culpa sua.
— Um abismo chama o outro — passo as mãos no rosto, meio
perdido. — Menti uma, duas, três vezes... Quantas mais vou precisar?
— Nenhuma. É só parar de ir até ela. Só "oi" já matou a saudade.
— O que você entende sobre gostar muito de alguém? — questiono,
irônico.
— Mais do que você imagina.
— Ah, sério? Acho que posso imaginar já que mente para sua família,
fingindo ser somente executivo.
Ele estreita os olhos claros.
— Não tenho culpa se minha tia deixou em minhas mãos — ele dá de
ombros. — Ela nunca buscou saber sobre, e nem ninguém, então tudo certo.
— Aqui já foi o lar de crianças — o lembro.
Ele faz careta.
— Estão em um lugar melhor e maior, é o que vale. Para de me
lembrar coisas nada a ver, Scott. Se deu ruim para você, não quer dizer que
vai dar para mim. Parou com essa merda.
Me silencio por um momento, detestando o fato de ele ter razão.
Matt tem vinte e seis anos, sendo um ano mais velho que eu, mas,
parece que tem muito menos. O que acho errado por ser o dono de um lugar
que requer muita responsabilidade e disciplina.
— Quer saber — ele bufa —, acho que você está precisando dormir
um pouco. Vou voltar no salão para terminar tudo e vai dormir.
Não digo nada, só espero que ele saia.
Até porque, minha casa é minha própria sala.
Capítulo 13

Estou ainda me indagando sobre o que foi a noite anterior. Boa? Sim, em
partes. Quero dizer, todos aqueles amassos e pegação foram de fato uma
delícia, mas teve aquilo da mentira.
Lance mentiu pra mim. E, vamos lá, eu não vou fingir que isso não me
machucou. Mesmo que tenhamos ficado anos sem nos ver. Somos amigos,
certo? Amigos não mentem uns para os outros.
Eu pensava que não...
E, agora, aqui em frente ao zoológico do Central Park, tomando meu
sorvete, escondendo minhas olheiras com os óculos escuros; consigo ver o
vulto masculino que desliza por entre as muitas pessoas.
Certo. Talvez deslizar seja uma palavra errada, mas com certeza é algo
leve. Um caminhar leve. Do tipo que eu nunca conseguiria fazer.
E por que diabos o reconheço entre tantas pessoas? Talvez pela altura,
por ser encorpado, seu jeito lindo de andar ou pela vestimenta...
Só então me dou conta e preciso levantar os óculos para provar de
verdade. Lance está de terno.
De terno!
Se isso não é a coisa mais estranha e linda de se ver, não sei o que é
então.
Devo estar um pouco doida, porque ergo a mão livre e começo a
acenar, deixando passar despercebido o fato de que existe a possibilidade de
uma em duzentos de eu ser notada.
Quando pareço muito ridícula sinalizando para o nada, começo a
mexer todo o braço, necessitando que ele me veja.
Sim, porque Lance está muitíssimo delicioso e eu preciso lambê-lo
todinho. Isso soou estranho, mas na minha mente se fez uma cena deliciosa.
Ele é delicioso.
Quando penso em desistir, ele começa a ir em direção à saída. E eu
vou atrás. Quase correndo porque suas pernas são muito longas em
contraste com as minhas. E não me importo se algumas crianças me olham
como se eu fosse outra delas, só que maior.
— Lance! — tento uma chamada, que não surte efeito quando ele
finalmente alcança a saída e para perto de uma árvore.
Estou aliviada e um tanto ofegante, então paro um pouco e recomeço
passos lentos, logo percebendo que ele está ao telefone.
Abro a boca para chamá-lo, ciente que agora serei ouvida, mas desisto
quando começo a ouvir a conversa.
Algo sobre novo lugar. Aluguel. Não, compra. Maior. Precisa ser
arejado, espontâneo, sublime e digno de uma…
Dama?
O que isso significa?
Não ouço mais nada muito bem depois disso, até que Lance desliga o
celular e se senta perto da grande árvore, parecendo fatigado.
Já eu, estou… toda descrente.
Seu olhar se fixa em um ponto invisível, até que uma criança passa
correndo perto de onde estou, e isso chama sua atenção. E, quando torço
para não ser vista, então sou.
Uma maravilha.
Lance levanta no mesmo instante, suas sobrancelhas se erguendo, até
que ele me induz a uma aproximação por sua expressão de desentendimento
profundo e óbvio.
— Ei, Lance — paro quando acho que estou perto o suficiente. —
Lindo dia, hein?
— O que faz aqui?
Hm, certo. Tom seco. Não gosto disso.
— O zoo é seu? — brinco, mas queria mesmo perguntar quem é a
dama.
— Não — ele continua com um semblante fechado e que não combina
em nada com ele. — O que faz aqui? — repete.
— Vim ver os animais — gesticulo. — O que mais seria? O que você
está fazendo aqui?
— Pensando um pouco.
Claro. Na dama dele.
— Parecia que estava no telefone, e não pensando.
Ele quase sorri. Quase.
— Estava me espionando, Srta. Reeves?
— Ah, bom, sim, claro. Porque estou com bastante tempo sobrando e
pensei, "oh, que ótima ideia seria espionar o meu amigo men… melhor" —
quase mordo a língua. — Melhor amigo — corrijo.
— Eu sou seu melhor amigo? Ainda? — parece surpreendido.
— Tirando os homens da minha família, sim, você é — dou meu
melhor sorriso. — Bom te ver, preciso ir.
— Depois dessa declaração, não. Vamos conversar um pouquinho —
ele dá dois passos e captura minha mão livre, levando aos lábios e deixando
um beijo, só para me incentivar a caminhar com ele. — Você dormiu bem?
Não.
— Sim. — Inclusive estou cheia de olheiras. — E você?
— Dormi umas duas horinhas. É meio pesado não ter um sono
tranquilo. Você não funciona direito.
— Não costuma dormir bem?
Eu deveria perguntar por que está de mãos dadas comigo se por aí
existe uma suposta dama que ele pretende lhe dar uma casa. Uma sublime
casa.
Minha nossa, eu quase dei para um homem comprometido! Minha
culpa não poderia ser maior.
— Entende?
Sou trazida de volta com a pergunta, então só maneio a cabeça com um
sim.
— É… Não é fácil — finjo entender.
— Conseguiu dormir rápido depois que eu saí?
É claro que não.
— Demorou um tantinho, mas consegui. Acordei bem cedo, tomei café
e vim para cá ver os animais. Mais tarde vou almoçar com a minha prima.
Ele dá uma risadinha.
— Você me contou todo seu cronograma, obrigado.
Sorrio, sem graça.
— Qual das primas? Eu conheço?
— Não sei se você se lembra dela. A Mandy.
— Mandy? — parece buscar o nome na memória. — Mandy…
— Sim, a irmã do Matthew. Os gêmeos, filho dos tios Amber e
Nicholas.
Lance para os passos por um momento, seu olhar buscando o meu.
Parece ter lembrado, mas não gostado disso. E eu fico muito desentendida.
Mais ainda.
— Mandy — conclui.
— Sim. Estou com muitas saudades, mesmo ela sendo bem mais velha
que eu. Quer dizer, nem tanto. Ela tem quase sua idade.
— Ela é um ano mais velha que eu. Ela mora onde?
— Como sabe a exatidão? — ergo uma sobrancelha e emendo a outra
resposta: — Ela está morando com o irmão agora, porque fiquei sabendo
que tinha fugido para a casa do suposto namorado que meu tio desaprova,
então o cara depois de ter o que queria, pediu para ela ir embora.
Lance emite um murmúrio baixo, só o som.
— Isso parece pesado. Como soube disso?
— Minha mãe me contou e pretendo saber detalhes no almoço.
Ele assente, e recomeçamos os passos.
— Ela deve estar bem triste… — divaga depois de alguns segundos.
E pode parecer loucura, mas o fato de ele pensar isso da minha prima,
enquanto mencionou uma tal dama e estando de mãos dadas comigo, me
enche de raiva.
Ele não devia falar de outras mulheres. Ponto. Simples assim.
— É — digo simplesmente.
— Como ela é?
Dessa vez eu que paro.
— Pra que você quer saber? — questiono.
Ele ergue as sobrancelhas.
— Curiosidade só. Ela tem olhos claros como o irmão?
Sorrio, muito descrente pela minha percepção.
Lance é um mulherengo.
— Não, ela não tem — desprendo a mão da sua. — Eu preciso mesmo
ir. Tchau e até outra hora.
Me afasto dele, seguindo para sabe-se lá onde, mas muito triste.
Eu pensei que na noite anterior tinha sido real, mas não foi.
E isso dói.
Capítulo 14

Nem acredito no que estou vendo. Ou melhor, quem. Mandy está vindo em
minha direção, completamente diferente do que esperava.
Está muito arrumada. Bem vestida. Os cabelos em um brilho intenso e
os lábios com uma cor vermelho escarlate são um contraste gritante
madeixas longas e escuras. Ela está enormemente sensual e isso realmente é
estranho.
Meu dia se resumiu em coisas estranhas pelo jeito.
Ela se aproxima e eu me levanto, abrindo um sorriso enquanto abro os
braços.
— Olha pra você! — foi perto de um grito e ela me abraça com força.
— Cresceu demais, Áquila!
— Do mesmo tamanho eu não poderia ficar.
Nós rimos e ficamos abraçadas por um tempo, até que ela resolve se
afastar e sentar.
— Você está muito mudada — comento.
Ela dá um sorrisinho, mas parece não ligar muito.
— Me conta, como você está? — pergunta, logo após chamando o
garçom.
— Bem. Acho que vou trabalhar com meu pai mesmo... E você?
Super esquisito.
— Ah, ótima. Tirando uma coisa aqui e outra ali. Nada muito
relevante. Tem namorado?
Sorrio.
— Não, eu não tenho. E você?
— Ah — Mandy bufa. — Eu meio que tinha, mas ele era um babaca.
Então eu só estou à deriva, parecendo o vento.
— É um ótimo termo, sem dúvidas.
O garçom se aproxima e fazemos nossos pedidos, Mandy pedindo uma
garrafa de vinho específica, o que me deixa mais admirada.
É completamente estranho que eu esteja de volta e pareça não
conhecer mais meus parentes. Ela não bebia. Era uma garota bem quieta. E
com toda certeza do mundo não usava roupas de couro coladas e um batom
tão vermelho.
— Estou morando com o Matt — ela fala, meio vaga. — Estou me
sentindo mal por isso, mas ele tem uma parcela de culpa pelo que fiz… —
hesita. — Bem, de qualquer forma, não é por todo tempo. Estou pensando
em comprar um apartamento longe de todo nosso... nicho.
A última palavra sai cheia de desdém e isso me impressiona mais.
— Você está bem?
Mandy me olha por uns instantes antes de soltar uma lufada de ar. E eu
tenho minha resposta.
— Na verdade, não. Faz sentido se eu disser que estou apaixonada por
um homem que não pode ser o que quero?
Estreito os olhos.
— Faz. — Consigo entender perfeitamente. — O que houve? Quem é
o cara?
— Ele trabalha com algo que eu não sei o que é, porque conseguiu
tirar o pai do trabalho e agora o homem parece que vive em férias. E ele me
proibiu de me aproximar.
Ela parece não entender as próprias palavras.
— Parece complicado… — divago, sorrindo quando nossos pratos
chegam, mas Mandy parece mais animada com o vinho; que ela serve em
uma taça e sorve de uma vez pela garganta.
Faço uma careta, simplesmente porque a cena é nova para mim.
— Nossa…
Ela me olha e sorri, o garçom se retirando em seguida quando
agradecemos.
— Está vendo na última mesa à direita? — pergunta. — Olha
discretamente. Matt está tendo uma reunião com os maiorais da Silver.
Eu olho, me impressionando por ver meu primo, que também mudou
para um cacete. Até a franja ele tirou. Parece mais velho, sério – o que é
uma novidade – e, sem dúvidas, mais bonito.
— Estou vendo — sussurro. — Ele está muito diferente. Se não pelos
olhos, eu não teria reconhecido.
— Ele me convidou para participar, mas eu não consegui, porque estou
com raiva dele.
— Certo... — Isso está muito estranho. — Você vai me contar por que
ou só está desabafando?
— A segunda opção — sorri de novo, se servindo de mais vinho. —
Você quer?
— Não, obrigada — pigarreio, voltando os olhos para meu prato, a fim
de comer em paz.
Mandy deve estar não só com um, mas vários problemas. Ela não só
está me dizendo como transparecendo.
— Eu o segui outro dia.
Eu a olho, mastigando devagar.
— Segui o cara que amo — explica. — É um lugar estranho e cheio de
prostitutas. Me disseram que ele não estava lá, mas eu o vi entrando. E
agora, estou sofrendo aos montes porque acho que ele me trocou por
mulheres pagas. Céus, eu não o satisfazia?
Engulo depressa quando percebo seus olhos atingirem uma cor escura
e Mandy começa a tremer um pouco, levando a taça à boca de forma
hesitante.
— Mandy...
— Isso é muito triste, prima. Sabe, eu o amo, ele não podia fazer isso
comigo. Dizer que eu era boa demais e me trocar por um prostíbulo? —
seus olhos lacrimejam. — Por quê? Eu não merecia isso…
Levo as mãos à mesa e seguro a sua que está livre, dando meu melhor
sorriso encorajador.
— Tenho certeza que você merece alguém melhor e não um cara que
se esfrega em putas.
Ela sorri, balançando a cabeça.
— Acho que é por aí, né? Mas é muito difícil esquecer quando se
ama… Você já amou?
Desvio o olhar, vagueando em qualquer canto.
Será que já?
— Não.
— Não deve mesmo. É doloroso. Sabe, não ser correspondida — ela
desfaz o contato para pegar a garrafa e colocar mais vinho. — Eu não sei
por que me humilhei a ponto de ir atrás. Definitivamente porque estou
apaixonada. Mas, merda, será que não bastou os três nãos que ganhei no
meio da cara?
Ela está incrédula, mas não mais que eu.
— Quer saber? — emenda. — Eu não estou nem aí sinceramente. Só
pensei que ele seria um cara diferente. Mas não foi, e não é com o passar do
tempo que vai ser — sorri. — Deixa quieto. Eu não preciso dele agora e
nem nunca precisei. Estou muito bem e definitivamente não preciso de um
homem para me completar. Ou o amor. Não preciso.
E eu não posso deixar de sorrir porque, definitivamente, essa parece
ser eu tentando me convencer de algo.
Um brinde a nós.
Capítulo 15

— Vim o mais rápido que pude — Matt entra em minha sala,


parecendo bem apressado. — Você conseguiu?
— É, eu consegui — o olho de onde estou, perto da janela principal da
minha sala, vendo o movimento. — Não vamos mudar de local, vamos
mudar o local. Faremos uma obra. Aumentaremos o salão da luta, o do
show, o de jogos e o quarto executivo. No mais, manteremos a ordem.
Ele me encara por uns segundos, até que ri. Uma risada completamente
escarniosa.
— Você pirou?
— Não, eu fiz os cálculos. Vamos gastar mais com isso de mudança.
Até levarmos tudo, informarmos aos membros, preencher outros cômodos...
É um pesadelo logístico.
— Eu não me importo com o dinheiro, isso não é mesmo um
problema, Scott — ele senta, parecendo cansado. — Nem sei o que dizer.
— Não esperava que o fosse fazer, na verdade. Eu já contratei a
equipe. Começamos na semana que vem. Temos esse período para avisar a
todos — me movo até minha cadeira. Matt parece tão perdido que eu riria
se as coisas não tivessem tomado esse rumo. — A obra vai levar três
semanas, não é muito tempo. Você pode viajar enquanto isso. Não reclama
sempre que aqui tira seu tempo?
Ele grunhe. Parece irritado.
— Não banca o idiota. Três semanas sem abrir significa vinte e um
dias sem ganhar milhares.
— Bom, eu visei o melhor para nós.
— Nós — bufa. — Nós. Se estava pensando nisso, deveria ter falado
comigo.
— Eu te liguei, você não atendeu. Pensei rápido e pela melhor atitude.
Não vou aceitar que fique com raiva de mim.
— Não é raiva, Scott, é incredulidade!
Uma batida na porta chama nossa atenção, e em seguida ela se abre,
Jeff e Christian se juntando a nós.
Jeff parece esgotado; já o segundo, totalmente ao contrário.
— Aquele ringue faz a gente sentir vontade de ficar lá para sempre —
diz.
— Recebi a ligação de um Designer — Jeff levanta as mãos. — Que
significa?
— Que vamos ter três semanas de férias — respondo.
— É disso que estou falando — dá um sorrisinho.
— Você não tem ideia de por que um novo lugar era importante, não
é? — Matt levanta. — A minha irmã sabe que aqui existe. Ela veio atrás do
Christian a poucos dias. Ela pode estragar tudo.
Um pequeno silêncio recai sobre o lugar, e eu somente olho para
Christian, que parece em partes chocado, mas também culpado.
— O que os dois têm a ver?
— Minha irmã se apaixonou por ele — grunhe. — Ela o seguiu aqui
na semana passada.
— De onde… — balanço a cabeça. — Como ela o conheceu?
— Ele trabalhava na casa do Jason.
— Jason? — cuspo o nome.
Ele nos roubou e depois disse que não queria ser mais sócio. Era
amigo do Matt, então nós o culpamos por esse desastre que aconteceu há
dois anos.
Mas nunca imaginei que, três semanas depois, quando nos apresentou
Christian como o novo sócio, tivesse ligação.
— É uma longa história — bufa. — O negócio é que ela está
apaixonada e mesmo com muitos nãos, parece não entender.
— Se eu soubesse que isso me tiraria dela, não tinha aceitado —
Christian se pronuncia.
— Por isso que você transa com as meninas do clube, é claro — Matt
cassoa.
— Eu não vou me tornar celibatário por causa dela, já que sei que não
vou poder me aproximar de novo. E quem é você para apontar o dedo pra
mim?
Jeff assobia. Eu estou totalmente pego de surpresa.
— Você pegou minha irmã enquanto ela namorava outro cara — Matt
avança em Christian, e eu não me preocupo com isso. — Foi por isso que
ele nos sacaneou.
— Ela é boa demais para ele. Você também sabe disso.
— Dane-se. Você não tinha parte com isso.
— Eu tenho parte com isso! — ele parece com muita raiva. E não tiro
sua razão. — Ela foi minha antes de ser dele! Tenho muita parte com isso!
Matt grunhe de descrença.
— Eu não vou ficar ouvindo tudo isso da minha irmã — reclama. —
Me deixem raciocinar.
— Ninguém está com o seu cérebro — Jeff intervém. — Além do
mais, que mal faz três semanas sem abrir a boate, hum? Só algumas pessoas
insatisfeitas, mas elas superam. Estou nessa há mais tempo que me lembro e
supero.
Christian e eu o olhamos, compaixão em nossos olhos. Ele ergue os
ombros, meio envergonhado.
— Só quero dizer que acho que merecemos… — recoloca, de forma
menos dramática. — Uma folga. Daqui, dos nossos dias, um dos outros…
Matt bufa. Parece louco da vida.
— Vou ver meu pai, então — Christian declara, recebendo um olhar
nada amistoso do que foi quase seu cunhado. — Boa noite pra vocês. Até
três semanas.
— Puta merda — Matt pragueja.
— E eu acho que vou… — Jeff inicia, mas não conclui. — Vou dar um
alô pra Emma. Ela disse que sairia comigo se eu conseguisse ingresso para
o show dessa nova banda que surgiu. Vamos ver se é verdade, porque já dei
os ingressos a ela.
E ele sai, me deixando com uma vontade absurda de lhe dar uns três ou
quatro socos para que aprenda que vale mais do que as mulheres o fazem
ver; apesar de achar que seria vão.
— E você, o que vai fazer? — pergunto ao Matt quando o silêncio
parece muito pesado.
Ela solta um murmúrio de resignação.
— Eu vou bancar só o executivo, merda — uiva. — Você tem ideia
que essa semana não me diz respeito, né? Colocou a gente nessa, vai ter que
arcar com as consequências.
— Que consequências? — ergo as sobrancelhas, desentendido.
— Acha que vai ser simples como uma equipe vindo trabalhar? Isso dá
trabalho!
— Você também, Matthew. E nem por isso eu me estresso com você.
Agora, faz um favor pra nós dois, pensa em algo pra fazer nessa semana
enquanto aviso todos, e me deixa quieto um pouco.
— Onde você vai dormir?
A pergunta me pega desprevenido. Eu não pensei nisso.
— Em um hotel.
— Não na minha casa e com certeza não no hotel da minha família.
Sorrio, pegando uma caneta e passando pelos dedos.
— Não existe só o hotel da sua família na cidade. E, digo mais, todo
esse temor de que eles descubram o que você refez, só te deixa mais óbvio.
— Que merda, cara! Será que você tirou o dia para me frustrar!?
— Longe de mim — ergo as mãos, na defensiva.
— Quer saber? Eu vou comer alguém. Tchau.
Eu o observo deixar minha sala, parecendo muito irritado. Mais do que
em todo ano. É é quando me dou conta.
Nós estamos no final do ano. Mais uma vez vai chegar o Natal e eu…
Balanço a cabeça, tentando não pensar nisso.
Tudo bem. Vai ser só mais um dia. Só mais um. E eu não preciso me
lembrar que não tenho uma família.
Eu não preciso de ninguém, só de mim mesmo.
Capítulo 16

— Por que é que exatamente estamos fazendo isso? — pergunto, mas


Mandy não parece muito querer me dá atenção.
Depois do almoço, ela me chamou para vir ao shopping. Tudo bem até
aí. Mas, quando viemos a uma loja esportiva e ela disse, "Nós vamos dar
uma corrida por aí", eu comecei a questionar.
Não é simplesmente assim. Vamos correr por aí. Por que eu faria isso?
— Por que nós vamos correr? — É exatamente o que pergunto, de
forma mais insistente.
Ela se vira para me olhar, um cabide com shorts em cada mão.
— Correr nos fará bem. Eu corro sozinha, mas agora que chegou,
posso fazer isso com você.
— Correr não é muito minha praia. Principalmente sem eu esperar —
tento sorrir, porque minha prima parece triste. Desde que começou a falar
sobre o tal Christian que a deixou péssima.
— Não seja boba. Correr é a praia de todo mundo. Correr é
simplesmente a segunda melhor coisa do mundo, porque a primeira é
transar com o Christian — só assim ela esboça um sorrisinho. — Vamos lá,
só falta os tênis.
E eu vou, somente porque estou com a concentração em fazê-la ficar
contente.
Quando nos aproximamos da vitrine, meu celular toca na bolsa. Me
apresso em pegar, achando útil que alguém me socorra em meio a minha
situação.
— Alô? — atendo.
— Oi — é o Lance. — Eu tenho folga pelo restante do dia. Pensei que
poderia te receber na minha casa, o que acha?
Fico um pouco surpreendida. Não, muito. Ele tem o número do meu
celular também?
— Ahn... Verdade?
— Verdade. Me lembro que você gosta de comer... Tudo. Você ainda
come de tudo?
— Sim — dou uma risadinha. — Me dá seu endereço. Vou pegar um
táxi.
— Quer que eu te pegue?
— Também...
Ele ri.
— Que danadinha. Mas me refiro a ir te buscar — especifica.
— Não precisa. Só me manda o endereço, eu prefiro. Chego aí logo.
Quero dizer, dependendo de onde é.
Nem presto muita atenção quando minha prima chia algo sobre o que
iremos levar, e só me concentro na parte que: eu vou conhecer a casa do
Lance.
Meu dia acabou de melhorar oitenta por cento.

***

Estou um pouco impressionada quando o taxista estaciona ao lado de


uma pequena casa. É... totalmente contrária ao que pensei.
Uma casinha geminada, no meio de algumas árvores, isolada,
parecendo quase abandonada. Eu diria que lembra um chalé. E isso é muito
intrigante, levando em conta que Lance me disse que trabalha muito.
Será que não ganha tão bem?
Saio do veículo e pago o motorista, tomando caminho para o lugar
meio misterioso levando em conta que é dele. Não é definitivamente seu
estilo.
Quando estou perto de chegar à porta, ela se abre e ele aparece. Eu
paro. Não por nada, só porque Lance está usando apenas um short preto e
secando as mãos com um pano. Gostoso em um nível indescritível.
Abro a boca para falar algo, mas nada sai.
— Bem-vinda — ele sorri. — Chegou rapidinho. Eu ainda nem
terminei.
Inspiro fundo, tomando consciência de terminar os passos que me
levam até ele.
— Tudo bem. Eu estava no shopping com a minha prima e foi meio
difícil deixa-la, mas ela acabou entendendo e... — gesticulo. — Você
cozinha sem roupa?
Lance ergue as sobrancelhas.
— Estou com roupas.
— Seminu — olho seu lindo abdome. — Mas, tudo bem, sou a favor
do que se diz que o que é bonito é para se olhar.
Ele dá uma risadinha.
— Vamos lá para dentro. Talvez chova na parte da noite. Você se
importa em ficar por aqui se isso acontecer?
— Nenhum pouco — sorrio largamente, animada com a ideia de
passar a noite com ele.
Tudo bem, ele mentiu para mim uma vez, mas eu realmente não acho
que Lance é do tipo que trai. Quero dizer, se existisse de fato uma dama
dele, ele não me traria aqui.
E agora ficou mais óbvio o por que de querer uma nova casa. Mas
seria uma casa para a tal dama. Uma casa sublime.
E se a dama for eu? E a casa for essa? Faz sentido. O simples pode ser
sublime, não é?
— Cuidado o degrau — ele avisa e volto à realidade, tentando não
pensar muito nisso.
Quando chegamos ao interior da casa, me impressiono mais ainda. É
tão pequena e tudo parece feito da mais pura madeira. Não tem TV e nem
nada, apenas um sofá pequeno, uma lareira, um espaço com alguns jogos de
tabuleiro, um aparelho de som e uma mesinha redonda com duas cadeiras; e
à extrema direita, o caminho para outro cômodo — pequeno da mesma
forma, eu imagino.
— Essa é sua casa? — Não resisto a perguntar.
— É — ele se coloca ao meu lado. — Não é o que esperava?
Dou risada, olhando-o.
— Definitivamente não, mas tem estilo, eu gostei — hesito. — Parece
sublime.
— É o meu lugar sublime — sorri. — Fica à vontade, eu vou terminar
nosso almoço.
Deixo oculta a parte que acabei de almoçar e apenas me movo para o
pequeno sofá marfim, que logo se revela ser muito macio.
É um lugar frio, a casa. Quase arrepiando os pelos, mas sem ser algo
ruim e isso me faz entender o motivo da lareira. Outro ponto são as muitas
janelas, quadradas e praticamente uma ao lado da outra. Estão fechadas,
deixado visível a paisagem bonita de muitas árvores ao vento.
Eu sorrio. É um bom momento.
Até agora.
Depois de algum tempo, em que já estou mais à vontade no sofá,
Lance aparece, trazendo uma bandeja.
Levanto para ajuda-lo, mas ele apenas recusa com a cabeça. E eu
espero, me impressionando — de novo — com a visão. É algum tipo de
molho e carne à parte. Uma visão linda e que, mesmo tendo acabado de
comer, me enche de fome de novo.
— Espero que você goste — um sorrisinho envergonhado alcança seus
lábios e é a coisa mais linda do mundo. — Eu estava sem prática, mas fiz de
acordo com a receita.
— Tenho absoluta certeza que vou amar — tomo assento, esperando-o
fazer o mesmo.
— Obrigado por ter vindo — me surpreende dizendo. — Geralmente
eu fico sozinho e isso pode ser um pouco angustiante. Enfim, vamos comer.
Eu concordo, mas com certeza fico meio presa às suas palavras. E
principalmente ao semblante que se encheu de expressão.
Ele está triste.
Capítulo 17

Nós terminamos de comer quase em meio ao silêncio, exceto por


minhas perguntas. Coisas aleatórias e que eu não precisava saber, apenas
para não deixar o ambiente imerso ao vazio.
— Vou guardar tudo, licença — Lance levanta e pega a bandeja,
levando tudo de volta ao outro cômodo.
Também levanto e vou em direção à área com jogos, pegando o
primeiro que encontro e indo para perto da lareira. Sento no chão de
madeira, que está morna, e abro a caixa, vendo ser um jogo aparentemente
sem graça. Pego o manual e quase no mesmo instante ouço a voz do Lance.
— Vamos jogar? — pergunta.
— O que você acha? — não o olho. — Você tem tantos jogos, acho
que é pra serem jogados.
Ele se aproxima e senta à minha frente. Busco seu olhar, ainda tomada
de dúvidas sobre sua vida misteriosa e que me deixa um tanto preocupada.
— Acho que todos esses jogos são muito sem graça, mas nós podemos
mudar isso — uma sobrancelha se ergue e ele pega o manual de minhas
mãos com um gesto rápido. — Uma consequência por cada perda, o que
acha?
— Sério? De que tipo?
— Se você for mal em uma jogada, eu posso escolher o que fará em
mim ou em você.
— Tipo? — Estou quase rindo.
— Me beijar, tocar ou qualquer algo relacionado ao que tenho vontade
de fazer com você ou que faça comigo.
Fico um tempo encarando-o, imersa em surpresa, mas acabo rindo e
concordo.
— Acho que é justo, se eu posso fazer o mesmo.
— Absolutamente — ele pega as peças e o tabuleiro, começando a
organizar. Eu observo, um pouco preocupada, mas nem tanto.
Principalmente porque ele está um pouco para baixo e isso pode ajudá-lo.
— Você começa. Se seu peão parar em um precipício, perde e tem que
fazer algo por mim — avisa.
Pego os dados e torço para perder.
Balanço na mão e os deixo cair sobre o chão de madeira, somando
quatro pontos, onde é o caminho para a primeira montanha que leva a um
precipício.
Lance ri, e o olho, fingindo tristeza – mas isso seria muito difícil de
estar, mesmo por causa de tudo.
— Vem aqui me beijar — ele me chama, estendendo os braços.
E eu vou, engatinhando até estar ao seu alcance. Lance não parece ter
qualquer dificuldade em me puxar para seu colo, me sentando sobre ele e
começando a acariciar meus braços, me olhando bem de perto.
Seguro seus ombros com as mãos, ele não abandonando a carícia.
— Você está bem? — questiono.
— Agora estou — sorri. — Esteve um pouco complicado
ultimamente...
— Me conta.
Ele me encara por uns segundos, mas logo uma mão espalma em
minha nuca e recebo um beijo apressado, mas que suaviza rapidamente.
É estranho, mas não ruim e logo estou passando meus braços ao redor
de seu pescoço para melhor acesso à sua boca.
Nossos lábios começam a sincronizar de um jeito delicioso,
principalmente quando Lance me incita a abrir mais a boca para sua língua
quente, que começa a me consumir e dissipar meus pensamentos.
Ele é perfeito e tem esse jeito, essa facilidade de me deixar quente e
entregue em pouco tempo. Já percebi isso. E pode ser um problema. Um
muito grande. Porque existe em mim essa facilidade de se apaixonar. Por
ele então… é algo bem mais fácil.
Lance me traz de volta quando solta um gemido longo dentro da minha
boca, e me remexo em seu colo.
Estamos nos correspondendo e, pelo menos aqui, nessa parte, ele
parece ser verdadeiro. Não existe hesitação; ele realmente demonstra o que
está querendo e sentindo.
Sou inclinada para trás, até estar deitada sobre o chão morno. Lance
não para o beijo por longos minutos, sua mão direita em carícias pela lateral
do meu corpo.
Estamos demonstrando muitas coisas. Principalmente a saudade. E,
quando ele se afasta um pouco para se erguer até estar de pé, eu o
acompanho com o olhar até onde consigo; e, depois do que demora uns dois
minutos, ele retorna, surpreendentemente já sem qualquer roupa.
E eu entro em combustão simplesmente por vislumbrar cada pedaço do
seu lindo corpo. Cada delicioso pedaço.
— Você é muito gostoso — umedeço os lábios, agoniada pelo…
tamanho. — Nós vamos transar?
— Vamos — responde simplesmente atraindo minha atenção para suas
mãos, que abrem o pacote de camisinha.
Depois de colocar em sua extensão – e que extensão, minha nossa –,
ele volta a deitar por cima de mim, apoiado nos braços.
E nós nos beijamos por mais tempo. É um beijo delicioso. Paciente,
harmônico, controlado. E, apesar de muito bom, parece estranho. Tem algo
errado.
Ergo as mãos e levo à sua nuca, onde acaricio com as pontas dos
dedos. E ele se afasta, nunca me olhando, apenas para começar a tirar
minha calça e então minha calcinha.
São movimentos totalmente controlados e isso é… Eu não sei. Ele
parece estar triste. E eu não gosto disso. Dessa sensação de ele estar assim.
Lance volta a se colocar sobre meu corpo e sinto sua respiração quente
me encher por todos os lados. Ele me cerca.
— Fala comigo — insisto, tocando seus ombros. — Deixa eu te
entender.
Seu rosto se inclina para o lado e ele morde de levinho minha orelha,
sussurrando com a voz contida:
— Eu quero ter você. Entende isso.
Expiro o ar, embalada pela declaração, mas não muito satisfeita.
Não até senti-lo abrir passagem para dentro do meu corpo. A ação
igualmente contida. Ele parece ser grosso. Realmente é. E, conforme
consegue espaço dentro de mim, é estranho porque meus olhos se enchem
de lágrimas e eu o abraço forte, inspirando seu cheiro.
Lance parece perceber, pois suaviza ainda mais a insistência em me
penetrar, enquanto sua mão direita volta a acariciar a lateral do meu corpo.
É um sexo com sentimentos. Eu, pelos meus motivos. E ele, pelos
próprios. E eu queria ao menos entender alguma coisa. Algum de nós.
Meu corpo parece amolecer quando Lance finalmente consegue espaço
dentro de mim. Uma sensação perfeita. Gostosa e satisfatória. Ele parece
ideal e além.
Depois de esperar alguns segundos e sua respiração parecer pesar, ele
começa a se mover. De início, paciente e controlado; mas não demora dois
minutos até que se coloque de joelhos e abra minhas pernas ainda mais,
começando a investir mais veemente.
Estou pegando fogo de um momento para o outro, mas começo
também a ficar preocupada quando Lance parece não hesitar na velocidade
máxima que consegue, olhando onde nossos corpos se conectam com
precisão. E até aí tudo bem.
Isso se ele não parecesse com raiva. Definitivamente ele parece estar
furioso. Um contraste muito gritante com poucos minutos atrás, quando
começou a me tocar.
— Inferno! — ele grunhe de repente e eu mais vejo do que sinto
quando chega ao orgasmo, não parando as investidas durante e, logo depois,
se tirando do meu interior.
Não sei se fico boquiaberta, chocada ou mais preocupada.
Então ele levanta e tira a camisinha, caminhando para algum lugar fora
do alcance da minha visão.
E eu fico onde estou.
Deitada. No chão. De blusa. Pernas abertas.
A ver navios.
Capítulo 18

Quando volto à sala, Áquila está sentada no sofá, olhando para uma
das janelas. Já está vestida, o que me deixa triste. Ainda não tinha acabado.
— Você se vestiu por quê? — pergunto, indo sentar ao seu lado.
— Porque estava com frio — sorri cinicamente. — O que te deu?
Remorso. Culpa. Tristeza. Arrependimento.
— Eu ia te dizer que vou precisar ir embora. Por isso queria que
tivéssemos algo romântico, sabe? Mas acho que não deu certo.
Não deu, porque quando vi o jeito sentimental que ela pareceu se
entregar, me desabou. Estava se entregando por completo e eu não. Não
poderia fazer o mesmo. Eu sou destruído por dentro.
— Não deu, mas você gozou e era o que parecia importar, não é? —
seus olhos se voltam para mim. — Por que você pareceu com raiva?
Desvio o olhar, um pouco desconcertado.
Raiva por não poder tê-la.
— Sabe o casal que me adotou? Eles não gostavam de mim —
despejo, incapaz de não contar ao menos um pouco da verdade. Por menor
que seja. Apenas uma parte. — No início, nos primeiros anos que me
lembro, sim, eu fui bem tratado e realmente houve carinho. Uns seis anos.
Mas então fui para a escola, e veio o problema. Eu não conseguia aprender.
E os professores particulares, que não conseguiam me ajudar... E então os
apelidos maldosos e… as coisas poderiam entrar na minha cabeça com
tapas. Ou socos. Ou… Como fosse.
— O que você está dizendo? — ela toca meu pulso com as mãos, bem
próxima em um segundo seus olhos claros me perfurando. — Lance…
— Por isso eu fugi. Cansei de tudo aquilo que tive que suportar. Piadas
sobre como eu não podia mesmo ser filho deles sendo burro como era.
— Você não é burro. Para com isso…
— Eu sou — olho-a. — Claro que sou, Áquila. Ou de que outra forma
se chama? Eu só consegui alguma coisa por causa do meu corpo. Da minha
agilidade. Da minha força. Não foi pelo meu cérebro. Não foi, porque eu
sou burro.
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela levanta, somente para me
empurrar para trás pelos ombros e montar em mim, passando os braços ao
meu redor e me abraçando.
— Para com isso. Você não é burro, chega de dizer bobagens.
— Não é bobagem, é a verdade — abraço-a de volta, fechando os
olhos e tentando me confortar na sensação do seu corpo junto ao meu e do
seu cheiro delicioso. — Eu gosto muito de você. Ainda tenho isso, essa
certeza. Ainda existe você.
Áquila parece desregular a respiração, até que se afasta para me olhar.
Seus olhos claros estão me dizendo algo que não consigo entender o que é.
— Mas você não precisava ter me tratado assim, não é?
— Me perdoa.
— Vamos resumir isso. É aqui que tem morado?
Engulo em seco, entendendo que chegou no limiar de dizer a verdade.
— É.
Ela olha ao redor, avaliando. Balança a cabeça positivamente.
— É um lugar legal. Arrumado e organizado. Faz parecer melhor —
volta a me olhar. — Eu não teria imaginado em mil anos que seria em um
local assim. Você não parece o tipo isolado. E o que quer dizer com
trabalhar com o corpo, agilidade e força?
— Eu sou lutador. — Outra verdade.
— Mentira? — sua boca se abre e os olhos arregalam-se. —
Profissional?
Não.
— Mais ou menos…
— O que isso quer dizer?
— Quer dizer que ganho pelo que faço, mas nem todo mundo está
liberado a ver.
Áquila franze as sobrancelhas, em um desentendimento óbvio.
— Por que não?
— Podem ser brigas feias.
— Me diga em que lugar existe uma briga bonita — seu tom soa
sarcástico. — Eu quero ver. Uma luta sua.
— Não. — Minha resposta é imediata e não exista beiradas. — Não é
seguro.
— Por que não? — ela está quase rindo, mas não é porque achou
graça.
— Acabei de dizer. Não é seguro. Não é totalmente profissional. Nem
todos podem ver.
— Você está metido com coisas ilegais? — Não parece uma acusação,
mas ela também não está feliz.
— Depende do ponto que se vê — elevo os ombros, só para deixá-los
caírem novamente, em uma expressão desdenhosa. — Se você gosta de
lutas, não vê assim.
— Não existe quem gosta de lutas, Lance. Você está de brincadeira?
— Há pessoas que pagam para ver outras apanhando e outras que
pagam para apanhar. Há também quem só queira se divertir em tentar uma
vez no ringue. Descobrir seu limite. Entenda como quiser. O conceito é o
mesmo. E eu trabalho com isso. Eu faço tudo isso.
Áquila parece de repente sem fala e isso é uma novidade. Ela nunca
parece assim. Sem saber o que dizer.
— A questão é que você não deveria saber, mas como eu estou indo
embora, agora tanto faz — emendo.
— Você bate em pessoas?
— Eu luto. Quase profissionalmente. Mas não quero ser reconhecido
por isso, é o que estou tentando te dizer.
— E pelo que você quer ser reconhecido? — ela volta a sentar ao meu
lado. Parece que a notícia a chocou. E não foi pouco.
— Isso é o problema, eu não sei. Não tenho vocação para nada. Não
sei fazer nada que não bater.
Áquila se silencia por uns segundos. Minutos. Um tempo pesaroso.
— Você sabe cozinhar — diz, de repente. Quase muito animada. —
Fez essa comida deliciosa para nós.
— Comprei praticamente pronta. Isso não conta.
Ela expira, seu olhar voltando a se perder.
— Pra onde você vai?
— Não sei ainda. Qualquer lugar — passo as mãos no rosto. — Tanto
faz. Só não quero continuar com isso que faço.
— Fica comigo.
As palavras me pegam de surpresa.
— O quê?
Ela me encara, então balança a cabeça afirmativamente.
— Comigo — repete. — Vamos descobrir algo que você seja bom.
Nós podemos fazer isso. Descobrir juntos. É uma boa ideia.
— É uma péssima ideia — levanto. — Não vou te envolver na minha
vida, Áquila. Eu sou todo errado.
— Você disse no parque. Nós gostamos um do outro. Por que não?
— Eu estava brincando! Não posso sequer imaginar fazer isso com
você. Está louca? Você tem tudo para ter sua vida perfeita, não com alguém
que não sabe fazer nada.
— Você está sendo pessimista.
— Não, realista. São duas coisas bem diferentes. Não vamos ficar
juntos e parou com isso.
— Então isso aqui é um adeus? — gesticula.
— Eu disse que era. Tentei fazer ser. Se você me deixar fazer certo, é,
vai ser um adeus.
— Mas como você vai fazer certo? — ela caminha até sua bolsa e a
coloca no ombro. — Se não sabe fazer nada, é óbvio que isso também não
daria certo.
— Você disse que dormiria aqui — começo a parecer desesperado.
— Não estou vendo cair água do céu, você está? — vai em direção à
porta e a abre. — É bom rever, mas o pior é deixar. Adeus.
E ela sai, me fazendo querer ir atrás, mas sabendo que não é certo.
Afinal, desde quando faço algo certo?
Capítulo 19

Estou cabisbaixa enquanto o elevador me deixa no andar de Mandy. E


não exatamente dela, do meu primo Matthew.
Foi um dia estranho e cheio de coisas que não consegui entender. E eu
ainda transei. Com o Lance. Apesar de ser totalmente estranho, porque não
parece que realmente aconteceu algo.
Foi tão rápido. Tão vago. Tão… sem lógica. Tirando os beijos, eu não
vi qualquer resquício de algo romântico. Ele pareceu com raiva no fim e eu
nem entendi o motivo.
Toco a campainha e rapidamente a porta à minha frente se abre,
revelando uma Mandy desarrumada. Ela parece pior que eu. Sua
maquiagem bonita de mais cedo parece estar toda borrada.
— Nem precisa dizer — fala depressa. — Estou no meu estado pós-
corrida. Corpo doendo, cabelos bagunçados, maquiagem borrada… e depois
eu fui ver um filme de romance. Foi um mix que não deu muito certo —
gesticula.
— Seu irmão não está?
— O Matt quase nunca vem em casa. Acho que ele dorme com uma
mulher diferente a cada noite e isso não é da minha conta, porque já não
basta que o homem que amo faça o mesmo — ela começa a chorar.
— Oh, Mandy — dou dois passos à frente para chegar até ela e lhe dar
um abraço, que é gentilmente recusado.
— Eu estou bem, preciso superar isso. Quando você perceber que
estou falando dele, me repreenda. Ele não me merece. Eu não mereço ele.
Não nos merecemos.
— Tudo bem…
— Vem, entra. O que você tem? Também não parece estar bem. Com
certeza está diferente de como me deixou no shopping sozinha.
— Foi mal. Não teria feito isso se tivesse adivinhado que seria uma
merda — caminho em direção ao primeiro sofá que encontro. — Por que
seu irmão mora em um lugar aparentemente tão grande se nem fica em
casa?
— Também não sei — ela vem sentar próxima a mim. — Me conta.
— Acabei de ter o pior sexo da minha pouca vida e o cara disse que foi
uma despedida, e ainda disse não para mim quando pedi para ele ficar. Ficar
comigo.
Ela fica em silêncio, seus olhos verdes parecendo ansiosos por mais.
Mas não tem mais. Isso já foi o fim.
— Ah… Bom, ao menos o Chris não me negava na hora do sexo e…
— Ele me negou exatamente como o tal Christian fez com você. Ele só
quis o sexo. E só ele ficou satisfeito. Estou um caco.
— Minha nossa, isso é tão frustrante — Mandy deita, olhando um
tempo para o teto. — Sabe o que eu acho?
— Provavelmente que sou tão idiota quanto você.
— Ei, também não precisa pegar pesado assim. Eu acho que nós
deveríamos sair. Tentar distrair.
— É uma péssima ideia.
— Não, é ótima — discorda e levanta-se, parecendo muito eufórica de
repente. — Vamos lá, podemos só jantar fora. São oito horas, não vamos
ficar como duas adolescentes apaixonadas e tristes.
Eu a olho meio sem querer, quase dizendo não com mais veemência,
mas, sei lá, Mandy parece ter um pouco de razão. Nós estamos horríveis e
não podemos ficar assim.
— O que você sugere?
— Alguém vai me dar o lugar perfeito, não se preocupe. Vem.
Ela sai correndo, se perdendo em algum cômodo do corredor e, só
depois de alguns minutos, eu faço o mesmo. Não estou com a menor
vontade, mas, quem liga?

***
— Isso está um barulho horrível! — grito para Mandy, que está
abrindo espaço entre a multidão.
Por algum motivo, ela só precisou dizer que éramos da família de
Matthew Morrison para que o segurança enorme nos deixasse passar. Mas
eu não gostei do interior do lugar. É muito tumulto.
Quando finalmente chegamos à uma área aberta, que possui um sofá
em formato L, com três mesas redondas à frente, nós conseguimos nos
sentar.
Por falta de costume ou atenção, não percebemos que há alguns caras
perto, que logo se aproximam e sentam conosco.
Um deles, que tem um cheiro forte de algo não agradável, aproxima o
rosto do meu.
— Chegou pra sentar, princesa?
Faço uma careta, detestando sua voz embargada. Obviamente ele está
alterado.
— Sim, eu procuro lugares para sentar devido ao cansaço — grito para
que ele possa ouvir.
— Cansaço do quê?
— De lidar com pessoas. Principalmente as intrometidas — me
esquivo ao máximo para o lado de Mandy, que está sendo cantada por dois,
o que é um absurdo. Ela está apaixonada, pobrezinha.
Depois de ficarem mais alguns minutos nos enchendo, os caras
decidem levantar e vazar. O que é ótimo, porque eu mesma já estava quase
fazendo isso.
— Por que nós viemos mesmo? — questiono a ela.
— Distrair. Não importa como. Se for só olhando, vale também.
— Estou vendo danças horríveis e pessoas se esfregando. Não é
exatamente uma boa distração para nós, duas abandonadas.
Mandy me olha, arregalando seus olhos claros.
— Não somos duas abandonadas. Apenas não souberam nos escolher.
— Abandonadas — reforço.
Ela resmunga e eu poderia rir, se não estivesse me sentindo tão mal.
Lance voltou. Mentiu. Mudou. Mentiu de novo. E agora vai ir de novo.
Não faz o menor sentido para mim. E lutador quase profissional de
algo que não é ilegal, mas também não é legal? O que exatamente significa
isso? Não consigo nem entender. Nem fingir entender.
— Boa noite, meninas.
Olho para os dois lados, de onde vem as vozes. Dois outros homens se
aproximaram e estão nos encarando com sorrisos saudosos.
— Boa noite — eu respondo porque Mandy resolveu ignorá-los, mas
ao menos esses foram educados a ponto de nos cumprimentar.
— Podemos fazer companhia a vocês? — o loiro pergunta para mim e
eu assinto, ele tomando lugar ao meu lado e o outro ao lado da minha prima
triste. E agora emburrada.
— Muito prazer, eu sou Jeff. E você, como se chama?
— Áquila — aperto sua mão que me é estendida. — O prazer é seu.
Ele sorri mais largamente, balançando a cabeça positivamente.
— Tem algo de errado com a sua amiga?
— Ela está chateada. Não quer papo — deixo claro.
O homem estica um pouco a cabeça para conseguir enxergar o amigo.
— Nem tenta, Paul.
— Não vou — o outro grita a resposta e vai para a outra extremidade
do sofá.
— Posso te oferecer uma bebida? — Jeff questiona a mim.
— Aceito uma taça de vinho.
— Eu vou pegar, já volto — o homem parece muito contente por
minha resposta e levanta muito depressa, sumindo entre as pessoas.
— Não se aceita bebida de estranhos — Mandy critica.
— Quem liga?
Ela bufa e vejo de soslaio que Paul está nos observando.
Isso pode ser estranho, mas com certeza não mais que meu dia.
Capítulo 20

— Aqui está — Jeff senta ao meu lado depois que pego a taça de sua
mão. Ele tem um cheiro bom. É um perfume suave e não enjoativo, o que é
um contraste aceitável.
— Obrigada.
Levo a taça aos lábios e, quando estou prestes a virar na boca, ouço
meu nome.
Mas não é simplesmente o meu nome sendo dito. É um chamado. Um
aviso. Tem raiva. O tom é imperativo. Não gosto principalmente de
reconhecer a voz.
Lance.
— O que está fazendo? — seus passos aparentemente pesados logo o
trazem para perto de mim e ele arranca a taça de minhas mãos, jogando-a
no chão, que se quebra em cacos.
— O que você está fazendo? — rebato, me levantando no mesmo
instante. — Quê?
— Primeiro que você não deveria estar bebendo e, segundo que,
Áquila, em uma boate?
— Ando por onde quiser. Isso não é da sua conta. Eu não te devo
explicação de nada! — Estou ciente de estar gritando, mas não teria como
ser de outra forma.
De onde ele aparece afinal?
— Não, não deve. Mas estou sendo prestativo o suficiente para visar o
seu bem — seu tom soa áspero e isso é estranho. Não gosto. — Vamos, eu
vou te levar para casa.
— Não! — recuso no mesmo instante e viro para segurar a mão de
Mandy e puxá-la comigo. — Vamos dançar.
Ela balbucia alguma coisa, mas não me dou tempo de prestar atenção.
Nos levo para o meio das pessoas e começamos a dançar. Eu começo
primeiro, porque Mandy ainda está aérea e emburrada. E eu nem sei se o
que estou fazendo é exatamente uma dança. São só… movimentos
descontrolados.
Quem ele pensa que é para aparecer do nada e me dizer o que fazer?
Eu queria o vinho. Quero estar aqui.
Por que ele está aqui?
A música começa a estremecer minha cabeça e é muito estranho
porque não sou acostumada, mas gosto da batida e tento acompanhá-la com
o corpo.
Mas parece que ouvir "não desista, me deixe te amar" na letra por
muitas vezes não está fazendo o efeito que eu gostaria. Não poderia ser só o
ritmo?
— Você está chorando! — Mandy grita para mim, o que me faz
perceber que estou mesmo, e é muito sem querer.
Paro os passos e resolvo só tampar o rosto com as mãos e chorar.
Como se eu pudesse mudar alguma coisa. Ou deixar de sentir o que estou
sentindo. Por que parece doer?
Ele ter que ir embora? Por quê? Ele não gosta de mim na mesma
medida. Não tem carinho. Não me quer em sua vida.
Isso dói.
Sinto braços ao meu redor, que me apertam de um jeito acolhedor. E eu
não poderia pensar ser de outra pessoa, que não ele. Mas não tem seu
cheiro, não tem o calor e carinho; e é exatamente o que me faz dar um passo
para trás e olhar para cima, encontrando um homem igualmente alto.
Mas não é o Lance.
— Oi. Vim ver como você estava depois daquele cara aparecer. — É o
tal Paul.
— Oh — estou bastante impressionada e surpresa. Desentendida. —
Estou bem.
Ele gesticula.
— Está chorando.
— Bom, sim, mas só porque foi algo muito ruim e…
Sou interrompida quando Lance também aparece em meu campo de
visão, empurrando Paul pelo ombro, de forma que ele cambaleia para o
lado.
Agora eu estou descrente.
— Nós podemos conversar? — questiona.
Sua voz tem uma potência louvável, pois sobressai todo o barulho da
música e consigo ouvi-lo perfeitamente.
— Você não ia embora?
— Eu vou, mas não agora — ele se aproxima e segura minha mão com
a sua. — Vamos. Vamos conversar um pouco.
Por um momento, devido o calor que me é transmitido, eu aceito. E
vou.
Saímos do grande movimento em direção a um espaço oculto por trás
de uma cortina pesada, que tem na direita do local onde fica o DJ.
E, quando ultrapassamos uma porta, todo o barulho some. Fica
inaudível.
— Onde estamos? — eu tento recuperar minha voz.
— Está segura, baby.
Não é exatamente o que quero ouvir, mas gosto. É aconchegante. Me
faz ter um pouco de esperança que Lance ainda pode ser apenas um homem
comum. E que me quer.
Depois de mais alguns passos por um corredor mal iluminado, nós
chegamos de frente a outra porta, a qual é aberta e vejo uma sala ampla.
É a cara do Lance. Essa sim. Deveria ser sua casa.
— O que está acontecendo? — olho-o. — Como sabe sobre esse
lugar?
— Entre e eu explico — pede.
Eu entro, ficando no meio da sala, juntando as mãos uma na outra,
agoniada por me sentir perdida.
Lance tranca a porta e guarda a chave no bolso da calça escura que
usa. Está delicioso com camisa social branca e um colete cinza por cima.
Lindo.
— Explica — peço.
— É aqui que trabalho. Este é o meu escritório. Sou sócio daqui e luto
aqui. Tenho licença para impor ordens e fazer o que eu quiser até o limite
das portas de saída.
Estou boquiaberta, digerindo.
— Por que está aqui? Por que estava chorando? E por que infernos
estava abraçada com aquele homem?
Ergo as mãos, o parando.
— Para, para — o repreendo. — Estou aqui porque eu quis, estava
chorando por sua causa e ele que me abraçou.
Lance caminha em direção a uma adega perto da grande mesa e se
serve de um tipo de vinho. Eu observo, intrigada.
— Me trouxe aqui para quê? — questiono.
— Eu gosto de você, Áquila.
— E daí? O que isso significa? Você me negou.
— Não neguei, eu disse que vou embora.
— E?
— Vamos simplificar. Esta não é a melhor boate para você estar.
— Por quê? Por que você está aqui?
— Também.
— Suspeito — seco o rosto. — Eu não vou embora. Não sou igual
você.
Lance bebe todo o vinho de uma vez, deixando a taça na mesa e indo
em direção ao sofá, onde senta.
— Venha aqui, nós vamos conversar sobre nós. E você vai me explicar
porque chorou.
Bufo, mas ele parece estar tão aconchegante sentado com um braço
por cima do sofá, todo grande e me chamando; e eu vou.
Sabendo que vou me arrepender.
Capítulo 21

Áquila parece estar trêmula quando senta ao meu lado e passo meu
braço por seu ombro, puxando-a para mim. E me surpreendo por ela se
encolher contra meu corpo, me abraçando de forma apertada.
Como se não quisesse me deixar partir. Como se eu não devesse ir.
Como se tivesse que ficar.
— Me conta — eu peço junto aos seus cabelos, seu cheiro doce me
deixando leve e tranquilo. Eu mais que gosto dela.
— Estou triste por como tudo se desandou. Eu quero você, será que
isso não importa?
— O que significa você me querer? — acaricio seu braço, adorando a
forma como ela se arrepia com o contato.
— Estar juntos — ela passa o rosto em mim, até encaixar em meu
pescoço. — Eu não gostei de ouvir tudo que acha sobre você mesmo. Não é
certo e não é verdade. Você tem inúmeras qualidades e não é burro.
— Não?
— Nem em mil anos — ela hesita. — Você sabe que essa sala tem
mais a sua cara?
— Uhum — inspiro, tentando focar só no agora. — Você bebeu?
— Ia, mas você me impediu.
Graças a Deus.
— Você já ouviu falar em Matthew Morrison? — questiona e fico na
defensiva.
Mentir ou omitir?
— Sim. Por quê?
— Ele é meu primo.
… … Droga.
— Ah — digo simplesmente.
— A minha prima disse o nome dele para o segurança e ele nos
deixou entrar — ela afasta o rosto para me encarar. — O que ele faz aqui? É
sócio também?
— Sim — tento sorrir. — Ele é.
— Você manda nele?
— Não exatamente… — pigarreio. — A irmã dele está aqui?
— Viemos juntas. A Mandy, que você perguntou sobre como era, é ela.
Tento não demonstrar meu alarde porque, se Matt sabe de um negócios
desses, ele pira. Sem falar que é dia de show e por isso está tudo tão lotado.
E também por isso eu pedi que Jeff e Paul olhassem ela. Mas não sabia que
a amiga era prima. E muito menos que o idiota do Jeff fosse oferecer
bebida.
Se ele tivesse feito certo, eu não precisaria aparecer e Áquila o ia achar
tão insuportável, que iria embora.
Mas deu tudo errado.
— Ah… você sabe se ela vai embora?
— Não sei — balança a cabeça. — Então por isso você fica bem
vestido? Por ser um sócio?
— Sim. — Não. — Você está linda. Mesmo e de verdade.
Ela sorri, mas logo seu semblante se enche de melancolia novamente.
— Quem era a dama que você estava falando ao telefone?
— Oi?
— Cedo, no zoológico, você estava falando com alguém e dizendo
algo sobre ser digno de uma dama… — hesita, seu olhar vazio. — Quem é?
Por um instante, fico sem saber o que dizer. Mas é tão rápido que mal
me dou conta. Porque definitivamente olhar nos olhos dela e perceber que
eu sou o motivo de sua tristeza, me destrói.
— Matt, o seu primo, fez um espaço para homens se divertirem. Fica
em uma parte separada da boate que você entrou. Estamos entrando em uma
obra em uma semana, e os quartos novos precisam ser dignos de uma dama.
Falo tão rápido que não noto, mas fico aliviado por ser a verdade.
Matthew que me desculpe. Eu não poderia fazê-la imaginar centenas de
coisas.
— Ah… — ela não parece surpresa. — A Mandy disse algo assim.
Sobre ele ter muitas mulheres. Você também?
— Não — minha resposta é rápida e não tem dúvidas. — Não mesmo.
O seu primo é desenfreado, não eu.
— Então você conhece o Matt… Ele tem a ver com você ser sócio
aqui?
Respiro fundo, odiando ter que explicar tudo, mas, depois da minha
atitude escrota de mais cedo, é o mínimo que posso fazer.
— Tem…
— Como?
— Morei um tempo em um abrigo para pessoas de rua quando fugi…
— hesito, buscando força e equilíbrio. — Por o período de um ano... Mas
era difícil, porque eram jovens na faixa da minha idade, todos frustrados
com a vida de alguma forma e tinham também os revoltados.
— Você fazia parte desses? — ela segura minha mão com as suas e
puxa para seu colo, me transferindo algum calor.
— Não antes, mas quando comecei a apanhar, sim. Precisava me
defender. Todo mundo tinha uma revolta, todos estavam ali por um motivo,
mas ninguém ali dentro tinha culpa. Por que eu teria que pagar?
— Eu… — ela engole em seco. — Como o Matt entra nisso?
— Nos encontramos na rua. Eu estava em uma briga… Ele lembrou de
mim e… Bom, assistiu a briga até o fim e me chamou. Vim morar aqui e
lutar. E é isso — gesticulo. — É a minha vida. E devo muito a seu primo.
Áquila está em um transe aparentemente. E não a culpo. Está
processando as informações.
— Seus pais adotivos nunca buscaram saber de você?
— Não. E foi melhor assim. Eu não ia voltar, de qualquer forma.
— Você não voltou para ver sua mãe, não é? — ela se encolhe. —
Quando me encontrou no chafariz…
— Não. Matt tinha me dito que você ia voltar naquele dia. Eu fiquei
esperando que fosse para lá, no chafariz, sabia que iria, porque é uma coisa
nossa e eu sei que nos fazíamos bem. Apesar de tudo, eu tinha minha
amiguinha legal — sorrio. — Você era minha força já naquela época e eu
não sabia.
Ela funga, está quase chorando e é uma coisa linda.
— Eu deveria estar com raiva por você conhecer meu primo e não ter
me falado, e ter estado sempre por perto; mas eu só vou te dizer que sempre
vou estar aqui se você quiser e precisar. Não precisa mais ficar revoltado e
triste, porque você tem a mim. Não é muito, mas é o que sou e tenho para
oferecer. Você não merece nada disso — ela se inclina e me dá um beijo
estalado na bochecha. — Gostaria de ter te isolado do mundo para você não
ter passado por nada disso, mas como não pude, me disponho a ajudar a
cicatrizar suas feridas.
Impossibilitado de aguentar, puxo-a para mim e preencho seus lábios
com os meus, em um beijo completamente rendido.
Capítulo 22

Lance está me beijando quase apaixonadamente. É. Ele tem essa forma


de conduzir um bom beijo. É suave, mas demonstrando propriedade. Que
anseia mais. Quer mais.
E eu também.
Suas mãos estão por todos os lados. Me tocando de forma paciente,
mas que também me diz o quanto ele parece ansioso.
Não estou diferente.
Quando ele inclina mais em minha direção e suas mãos deslizam para
os meus seios, sei qual é sua intenção. Me levanto um pouco, só o suficiente
para ficar de joelhos no sofá e conseguir beijá-lo melhor.
Ele geme em aprovação quando desço uma mão para avançar para
dentro da sua blusa e acariciar a pele quente que cobre os músculos rijos.
Em instantes nosso beijo se torna intenso, nossas línguas dançando e
sincronizando em uma carícia cheia de calor.
Lance não perde muito tempo, de algum jeito seus dedos alcançando
minhas minhas coxas, subindo meu vestido. Suas mãos se enchem com
minha bunda, me arrancando um gemido longo e abafado.
Ele me quer. Mas só desse jeito não parece tão certo. Não parece tão
justo. Não quando estou disposta a tudo por ele.
Eu me afasto. Sua respiração parece interromper e ele imediatamente
abre os olhos, me encarando.
— Que houve? — pergunta.
— Sou apaixonada por você — eu digo de uma vez, porque isso é algo
que se nota. E que eu sinto. Também quero.
Lance parece ter um momento súbito de surpresa, suas mãos
abandonando minha pele para irem descansar sobre suas pernas. Sua vista
também não sustenta a minha por muito tempo, e ele foca qualquer lugar.
— Eu… — ele começa, mas não termina.
E quero arrancar meus cabelos quando una batida na porta estremece o
lugar.
Lance demora a se situar, balançando a cabeça para, em seguida, se
dirigir à porta.
Abaixo o vestido, mas continuo de joelhos para poder enxergar quem
quer que seja. Ele parece demorar o triplo do tempo para girar a maçaneta,
demonstrando hesitação.
Quando finalmente gira, me surpreendo ao ouvir gritos femininos.
— Matt nos mandou aqui! — uma mulher se pronuncia e entra na sala,
Lance puxando-a para trás de novo, arrancando uma risada dela. —
Podemos ajudar no seu estresse, Scott.
Minha boca se abre, então fecha. E abre de novo. Principalmente
quando uma segunda mulher entra correndo e vai direto para sua mesa.
Elas estão quase peladas. Perto dele. Vindo por causa dele.
— Meninas, por favor — sua voz soa mais cortante que já vi. — Eu
agradeço a prestatividade, mas não estou no clima. Procurem o Jeff.
Me levanto quando a da cadeira parece não ligar e oferece um
sorrisinho descarado.
— Vai embora daqui — eu digo, tentando não demonstrar tanta
emoção misturada, mas também impondo o tom que quero.
Lance vira de onde está, e eu sinto seu olhar em mim, mas opto por
encarar a mulher tentando fazer seu trabalho a qualquer custo. Mas ela
escolheu o homem errado.
Pelo menos agora.
— Gisele… — ele ainda chia e ela levanta contragosto, saindo batendo
os pés com preguiça.
Quando as mulheres estão fora da sala, ele volta a fechar a porta, dessa
vez não trancando.
— Então é assim que você passa as noites? — gesticulo, agoniada.
— Não. — As palavras parecem certas. — Elas têm essa função. Não
as culpe.
Então eu rio. Porque é mesmo um absurdo.
— Eu não estou culpando elas. E nem você. Só te fiz uma pergunta.
— E eu já respondi.
— Eu sei disso — respondo, absorta. — Por que está assim do nada?
— Porque ele parece mesmo estar reagindo diferente. —Atrapalhei seus
planos pra noite? Me desculpa então. Essa nunca foi a intenção.
Caminho até o sofá, pegando minha bolsa.
Minhas mãos estão trêmulas agora e eu gostaria de quebrar algo.
Como ele pode?
— Áquila, não é isso… É só que… — ele balbucia, ainda parado no
mesmo lugar. — Isso aqui não é pra você. Eu não sou. Entende isso?
— Então sua intenção era me comer duas vezes no mesmo dia e me
dispensar?
Suas sobrancelhas se erguem. Ele está surpreso. Mas não mais que eu.
— É óbvio que não! De onde você tirou isso?
— Você está me fazendo entender isso. E se eu não tivesse confessado
que sou apaixonada por você? Se essas mulheres não tivessem chegado? O
que você teria feito?
— A mesma coisa, Áquila. Eu estaria alienado, exatamente como
estou agora. Incapaz de dizer algo sobre isso… Apenas que... — ele expira
o ar, que parece ter estado preso por muito tempo. — Eu jamais teria
condições de ter você comigo. A minha vida é cheia de lacunas não
preenchidas. Eu tenho muitas coisas não resolvidas. Não poderia querer ter
alguém com todas essas… Essas circunstâncias.
Estou triste. Decepcionada. Dolorida.
— Tem outra pessoa — emenda. — Não vou usar sua boa vontade pra
esquecer alguém, como uma outra opção. Isso seria muito errado.
Me encolho onde estou, as palavras rasgando-me por dentro.
— Você merece muito mais. Eu preciso superar isso primeiro —
completa.
— Nossa, eu… — digo depois de algum pesaroso momento em
silêncio. — Realmente não esperava que fosse por já… — minha garganta
dói e arde por dizer — Já existisse alguém na sua vida. Me desculpa. Eu
não… Não teria dito nada se soubesse.
Lance passa as mãos no rosto e pigarreia.
— Não deveria ter te tocado, me desculpa — ele gesticula, de um jeito
nervoso e ansioso. — Você é muito boa para…
— Não termina — peço, colocando a bolsa no ombro. — Não termina,
por favor — minha garganta se fecha de um jeito absurdamente doloroso.
Com muita dificuldade, eu consigo caminhar para a porta, perto dele,
seu perfume ainda me atingindo. É mesmo muito doloroso isso. De verdade.
Dói lá no fundo.
— Como faço para chegar à saída? — minha voz sai meio embargada,
mas consigo. Ele tem outra pessoa.
— Eu posso te…
— Sem a sua ajuda — o interrompo.
Ele fica em silêncio por um pouco de tempo, parecendo pensar. Mas
ele não tem o que pensar. Deveria ter pensado antes.
De reaparecer. Se aproximar. Me tocar. E iludir.
Porque, sim, se ele me fez acreditar em algo que não existia, é uma
ilusão. E foi muito desgraçado por fazer isso. Por me deixar acreditar
nisso…
Tudo bem que eu já era apaixonada por ele quando fui embora, e
pensei que isso passaria, mas foi só vê-lo de novo que o sentimento
acendeu. Mostrou que nunca tinha ido embora. Ainda estava ali, como se
não tivessem passado anos; como se não tivéssemos nos separado; como se
eu não tivesse me iludido tantas outras vezes…
Até aqui. Agora. Depois dessas palavras cortantes.
— Segue direto por uns vinte metros e depois vira à direta, em
seguida, esquerda — sua voz parece mais grave.
Com os olhos pesados, abro a porta e ganho a direção do corredor
escuro, ouvindo uma última respiração funda do Lance como resposta.
Isso, sem dúvidas, doeu mais do que quando Jacob terminou comigo
no meio de uma festa enquanto estava bêbado.
Capítulo 23

Mandy está deitada com a cabeça em meu colo, bebendo refrigerante


em um canudo, enquanto eu como alguns bombons e, juntas, estamos
assistindo Enquanto Você Dormia.
Nós ainda estamos com a roupa da boate. As coordenadas que Lance
me deu me levaram até uma saída de frente para um ponto, onde peguei um
táxi. Minha prima já tinha vindo embora. Ela viu Christian bebendo com
duas mulheres.
Nós estamos na casa do irmão dela, que agora não parece apenas meu
primo. Ele está parecendo Matt, o cara que mandou prostitutas irem
encontrar Lance.
Nós estamos em um momento crítico, compartilhando a mesma dor.
Há algo mais doloroso do que ouvir da pessoa que se está interessada
que ela está superando outra?
— Eu não gosto desse cara. Esse Jack — Mandy diz, se referindo ao
filme. — Ele é muito nada a ver com ela.
— Eu gosto do filho do dono do prédio. Pelo menos ele é engraçado.
— Você ficaria com alguém só por ser engraçado?
— Antes um que me faça rir, do que chorar.
— Nisso eu concordo — ela funga. Acho que já chorou por muito
tempo antes de eu chegar. — Você acha que teremos sorte como a Lucy?
Sorrio.
— Eu espero que sim. Não como a Sandra Bullock, que não deu a
mesma sorte que as suas personagens.
— Isso soa injusto… — Mandy reflete.
— E tem alguma justiça nisso tudo? Na vida?
— Não — ela senta, limpando os olhos. — Acha que Christian não
gosta mesmo de mim?
— Eu tenho plena e absoluta certeza, prima — aperto seu ombro de
leve quando percebo que está se preparando para uma nova enxurrada de
lágrimas. — Se ele tivesse ao menos respeito por você, não faria você sentir
esse tipo de coisa.
— Ele não sabia que eu estava lá…
— Acredito... Posso te passar o contato do Lance, pra ele te dar umas
dicas de como superar uma pessoa amada.
Ela balança a cabeça. Pena explícita.
Tem outro jeito de ver?
— Não acredito que ele disse isso a você…
— Ele disse. Com todas as letras — dou de ombros. — O que posso
fazer? Mirei nos caras errados. A vida tem que seguir.
— E eu que pensei que eles eram fáceis de manter por perto — Mandy
pega um bombom e morde. — Perdi minha virgindade com o Christian e
parece que eu estou vendo só ele no mundo.
— Não parece, você está.
Ela resmunga em voz baixa.
— Com quem perdeu sua virgindade?
— Jacob — pigarreio. — Três meses depois, ele terminou comigo em
uma festa de amigos, em voz alta, enquanto estava bêbado. Não sei se isso
doeu mais do que todos rindo de mim e eu precisando rir também para
fingir que ele só estava bêbado.
— Meu Deus — ela faz uma careta. — Isso deve ter sido horrível.
— Foi, de fato.
Nós paramos de falar para ver o momento em que Lucy vai à casa dos
Callaghan, para o Natal, levando seu papo inspirador com o tio legal.
— Parece meu avô — digo. — Ele tem dessas coisas de dizer sobre o
que a gente tem que aproveitar.
— Não me venha com essa — Mandy já parece estar chorando depois
de ouvir que o tio é triste e Lucy mais ainda. — Fui pela cabeça do meu avô
de que perder a virgindade com o homem que se ama é a melhor coisa do
mundo, e estou nessa, pregada ao Christian. Eu não deveria tê-lo ouvido.
Respiro fundo.
— Acho que eles esqueceram de nos avisar que tiveram uns caminhos
íngremes antes de passar por toda a fase boa.
— Nós estamos nesses caminhos. Espero que seja um prenúncio do
bom que está por vir.
Concordo com um manear de cabeça, com muita dor por mim e pela
Mandy.
Nós não precisamos disso, né? Por que a gente tinha que entregar o
coração tão facilmente? Por que fomos enganadas tão fácil?
— Por que a gente tem mania de insistir no erro? — questiono quando
minha prima funga de novo vendo que a família deu uma meia de Natal
para a Lucy. E me seguro para não chorar também. — Principalmente
quando o erro é homem?
— Quem entende? — ela volta a deitar, parecendo mais cabisbaixa. —
Nós deveríamos dar um tempo sobre homens. Será que conseguimos?
— Como?
— Vamos viajar. Ir à umas festas, focar em outras coisas… Isso só está
acontecendo porque já estamos resolvidas nas outras áreas e nosso foco está
só neles.
Dou risada.
— De fato. Ou porque o amamos.
— Quem sabe o que é o amor? — ela parece irritada agora. — Por que
sentimos por quem não deve? Isso pra mim é pura injustiça com a gente.
Nós merecemos ser amadas e eles estão se lixando para isso!
— Quanto mais importância você der a um problema, maior ele fica —
ressalto. — Deixa estar, Mandy. Tudo é superável.
— Odeio essa palavra. Odeio que ela nos ligue a outra mulher. Será
que o Christian também tem outra?
— Outras.
Ela resmunga, começando a chorar mais baixinho.
Mas a verdade precisa mesmo ser dita. Não vou dizer "meias palavras"
só por ela ser minha prima. Aprendemos tudo errado. Nossa família nos
ensinou tudo errado.
O que adianta falar do resultado se não aprendemos sobre as
consequências? Foi tudo meio torcido. Temos ótimos exemplos em nossas
casas, sim, mas ninguém disse que íamos quebrar a cara pelas pessoas que
amamos.
— Até seu irmão casou, pelo amor de Deus! — Mandy sibila. — Até o
James encontrou o amor, por que eu não?
— Porque, assim como eu, você escolheu o homem errado, e isso é
irreversível — coloco. — Mas, pensa bem, é melhor que se diga não do que
se eles fossem desabafar conosco sobre suas amadas. Pensa só. Imagina
que… Isso seria muito pesado. Já passei por isso. O Lewis, depois do Jacob,
terminou comigo e deixou a amizade, vindo me falar sempre sobre a
idolatrada Mary. Ela nunca o quis.
— Tem algo pelo que você não tenha se ferrado horrivelmente no
amor? — Mandy parece chocada e eu quase rio.
— Tem e imagino que eu ainda vá passar, mas, enfim… — suspiro,
sem mais palavras. — É melhor que sigamos para uma viagem mesmo. Já
sabe o destino?
— Irlanda, o que você acha?
— Por que tão longe?
— Por que não? Posso ir para longe, mas parece que Christian está
sempre muito perto do meu coração.
Ergo as sobrancelhas, logo franzino o cenho.
— Meu Deus, você está obsessiva por ele.
Ela dá uma risadinha e levanta, dizendo que vai pegar o notebook e
desaparecendo pelo corredor.
E eu volto meus olhos para a TV, vendo que Lucy está chegando à
igreja, para se casar com o homem que não ama.
E isso sim parece bem vida real.
Capítulo 24

— Nós realmente estamos fugindo dos nossos problemas? — pergunto


para Mandy, que está ligando para Kristen, a secretária do pai, que
organizou toda nossa viagem. Ela esqueceu o endereço do hotel.
— Não. Nós estamos esvaindo a mente — sorri e vai mais ao lado de
onde vamos pegar o táxi.
Está ventando muito e nós mal tivemos tempo de nos preparar direito.
Só fiz a mala em casa e viemos logo. Algo como "não desperdiçar tempo",
foi o que ela disse.
Meu coração está doendo. Não literalmente. Mas é estranho. É muito
estranho quando você se apaixona, admite isso para a pessoa em questão e
ela simplesmente se desfaz dos seus sentimentos como se você fosse nada.
É realmente muito doloroso.
E o Lance fez isso.
— Já tenho o endereço — Mandy volta e pegamos nossas malas para
nos aproximar de um táxi disponível. — Kristen me mandou mais algumas
coisas por mensagem.
— Tipo?
O motorista nos ajuda a guardar as malas e entramos no táxi,
aguardando-o.
— Tipo coisas essenciais. Tem uns lugares pra gente ir.
— Pensei que íamos sem precisarem nos lembrar.
— E vamos — ela sorri, dizendo o endereço ao motorista, que nos
coloca em movimento. — Aqui não parece ter tantas festas. Não acha?
— Nós ainda nem chegamos direito. Não sei se fui louca o suficiente
para aceitar isso tão de ímpeto só porque estamos frustradas
emocionalmente.
— Então deixa que eu afirmo: você foi louca o suficiente.
Bufo em descrença.
Não que eu ache que fizemos errado, apenas que…
— Somos muito burras — digo, olhando Mandy, que parece surpresa
por meu tom. — Como é que conseguimos ser tão trouxas? Alguém tem
uma explicação pra isso? Porque, é sério, eu não consigo entender.
— A gente acostuma. — Ela gesticula quando franzo o cenho. — A
gente acostuma com eles, só pode ser isso. Ficamos cegas. Não dizem que o
amor é cego?
— Não, não, não. O amor não é cego, nós que fingimos não ver
mesmo quando está diante dos nossos olhos. Culpam o amor, mas o retrato
é o sentimento.
— Ué, o amor é o sentimento.
— Não penso que seja. Na minha opinião, o amor é a resiliência sobre
o sentimento que vai se criando.
— Isso dá a entender que nós podemos controlar o que sentimos pela
pessoa e eu não acho que seja assim.
— Então me explica por que o termo "superar"? Superar não é fazer
deixar de ser o amor até não se sentir mais nada?
Ela me encara por uns segundos, balançando a cabeça de forma
negativa.
— Sei lá, Áquila…
— Tenho mais convicção no que eu acho, por isso nós vamos a um bar
e vamos fazer algo que inclua sentir por outros.
— Que seria?
— Beijar outras bocas.
Ela dá uma risadinha, mas – não a culpo – não é de felicidade.

***

— Eu espero que você saiba que está sendo uma grande tarefa estar em
um bar neste frio absurdo, com chuva — Mandy alfineta quando entramos
em um bar.
— Não viajamos para ficar deitadas, certo? Kristen falou sobre o
Temple Bar, não me culpe.
É muito movimentado. Tem uma música alta. Com muitas pessoas
dançando. Isso me faz sorrir, mas é pela cara da minha prima.
— Eu pensei que você gostasse de barulho — preciso falar bem mais
alto para ela me ouvir.
— Gosto, mas não quando estou sofrendo.
Dou risada e seguimos para o bar.
O lugar é pequeno, mas parece contagiante. Não tem como ficar sério
ou triste por muito tempo. Talvez eu levante e vá dançar algum momento.
Mandy pede uma bebida do cardápio para nós duas e simplesmente
ficamos observando as pessoas, como se não tivéssemos com a ideia de
dispersar a mente.
Posso ter certeza que ela está pensando em Christian. Como seria se
ele estivesse com ela.
Sei porque é exatamente o que penso.
Nós bebemos quando somos servidas, Mandy fazendo uma careta
imediata. Acho que alguém nunca bebeu algo forte. Eu também não, mas
parece que a adrenalina da realidade me faz não resmungar.
— Meu Deus! — ela tosse.
— Arrependida?
— Não, só que… Arrgh. Dá uma rasgada na garganta.
Isso me faz rir. Muito. E logo ela me acompanha.
— Vai pedir mais um?
— Talvez um que não fosse tão forte? — palpita.
— Certo, então vamos escolher…
Mas minha atenção é totalmente esvaída para o lado, quando sinto um
cheiro mais forte e ao mesmo tempo delicioso. Suave, também.
Um homem se debruça no balcão, pedindo uma bebida, logo voltando
o olhar para a multidão enquanto aguarda.
Olho para Mandy, que imediatamente parece apreensiva.
— Não — cochicha.
Sorrio e volto à olhá-lo, pigarreando para chamar sua atenção. E
funciona.
— Boa noite — começo, tentando um sorriso simpático. Estar sozinha
em Londres me ensinou a falar com pessoas estranhas de forma natural.
Não é um problema. — Você é irlandês?
Ele estreita os olhos, logo sorrindo de volta.
— Claro que ele é, olha a cara dele — Mandy sussurra atrás de mim,
só que não baixo o suficiente porque o cara ouve, mudando sua atenção
para ela.
— Sou. Vejo que vocês não.
Ficamos em silêncio por um momento, mas logo pigarreio e respondo:
— Não somos. Estamos viajando. Minha amiga aqui quer encontrar
uma boa companhia masculina para a noite — aponto Mandy, que parece
horrorizada.
Ele sorri. É bonito com a sua barba muito grande, mas não faz o meu
estilo. Definitivamente não.
— Ah, pena que não é você…
Ela ri.
— Também estou, mas primeiro vou arrumar a dela.
— Estou com uns amigos. Por que não nos juntamos?
Olho Mandy, que me olha; e, mesmo sem dizer nada, concordarmos
em silêncio.
O que temos a perder?
Imagino que nada. Porque nada pode acontecer.
Capítulo 25

Mandy já está na terceira garrafa de vinho. Terceira. E rindo sem parar,


enquanto nitidamente flerta com um dos caras. Eu estaria rindo se não
estivesse preocupada.
Eles estão em um trio, sendo o mais calmo dele o irlandês que nos
convidou. Ele está somente comendo uns petiscos e conversando comigo.
— A sua prima parece um pouco alterada — ele ressalta. — Ela não é
de beber. — Não foi uma pergunta.
— Não. Ela está decepcionada. Nós estamos, na verdade, por isso a
viagem e tudo mais.
— Com o quê?
— O sexo oposto — sorrio, tentando manter a atenção nela, que agora
dá um gritinho tirando a mão do cara de seu ombro. — Nitidamente ela está
pior que eu.
Ele assente.
— Saíram de relacionamentos?
— É algo realmente irrelevante nesse momento. Estamos aqui já para
não pensar sobre isso — o olho. — Você consegue entender?
— Sim, sem problemas. Quer mais uma bebida?
— Não. Acho que nós devemos ir, porque…
O alvoroço de repente em nossa mesa me faz voltar a atenção para
Mandy e o outro cara está gritando porque ela e o tal Sean estão se
beijando.
E logo se agarrando. Ela parece muito afoita, puxando sua blusa como
se quisesse tirar.
Emito um ruído de descrença, o homem ao meu lado rindo um pouco.
— Demorou, na verdade. Eu esperava que eles fossem se agarrar antes
— comenta.
— Ela está bêbada. Acho que não vai lembrar de nada disso.
— Posso ter certeza que ela está lembrando sobre o rompimento ou
não estaria se vingando.
— Não é uma vingança — deixo claro, recebendo uma risadinha como
resposta.
Não é. Nem estou pensando mais nisso. Quero dizer, é realmente o
motivo por ter vindo, mas…
Pensando melhor, não estamos sendo idiotas em tentar esquecer uns
caras com outros? Nem conhecemos esses. Exceto por saber que estão em
uma noite de amigos depois do trabalho. E, fala sério, eles nem fazem nosso
tipo...
— Você quer me beijar também? — pergunto ao Gael, que parece
imediatamente surpreso.
Uma sobrancelha clara se ergue, um sorriso divertido alcançando seus
lábios.
— Está perguntando se eu aceito que me use para momentaneamente
esquecer quem te fez mal?
Torço um pouco a boca, incomodada por perceber que é realmente o
que quero.
— Só se você quiser…
Ele deixa o copo da bebida na mesa, puxando a cadeira para mais
próximo de mim.
— Claro que eu quero. Você é muito sexy.
Sorrio, meio hesitante, mas quando Gael se inclina em minha direção,
sua mão vindo à minha nuca e segurando firme, deixo os pensamentos
serem levados pelo momentos.
Seus lábios carnudos estão nos meus em segundos, o toque aveludado
sendo muito bom de sentir. Ele beija bem. Sim, eu consigo sentir.
E também a vontade que faz isso. Parece que aumenta quando ergo os
braços para passar ao redor de seu pescoço, gostando muito quando suas
mãos vêm à minha cintura e ele faz uma pressão leve.
Definitivamente não estou bêbada como minha prima, nem de
qualquer jeito, porque me inclino mais na direção dele, querendo que suas
mãos explorem mais.
Sim, elas são grandes e quentes, parecendo que o toque faz tudo ao
redor morrer e se silenciar. É estranho. Estranho que esteja sendo tão bom.
Nossa correspondência no beijo é muito completa, ele se afastando
para descer os lábios por meu pescoço, me deixando em um estado quente.
Ele é quente. Parece saber exatamente o que fazer ou onde ir. Ou posso
estar carente também. Porque o homem que eu gostaria que estivesse me
deixando satisfeita, não me quer. Tem outra pessoa.
Arranho as costas de Gael por cima da camisa, gostando quando ele
responde a isso com uma mordidinha em meu pescoço, que me arrepia toda.
— O que você acha se a gente sair um pouco daqui? — ele questiona
baixinho em meu ouvido.
Parece uma boa ideia. Eu posso ter algo que Lance não me deu:
prazer.
O afasto pelos ombros, para olhar Mandy, que está bebendo mais uma
taça.
Ryan, o cara que sobrou, parece estar sóbrio também. E sozinho. Ele
não conseguiu um par.
— Posso confiar que seu amigo vai olhar esses dois? — pergunto,
apontando Mandy e o outro amigo, que já está meio louco também.
— Com certeza, ele é responsável.
— Ótimo, vamos — me levanto e deixo a bolsa com ela, que parece
estranhar que eu esteja indo a algum lugar.
Pelo menos não está tão louca quanto parece.
Gael me leva junto com ele para fora do bar, e seguimos a rua estreia
até onde estão alguns carros. Percebo que estamos indo para o seu.
Ele não perde tempo em abrir a porta para mim, e em instantes
estamos dentro, ele me puxando para suas pernas, onde acabo sentada em
seu colo.
Rápido? Rápido, sem dúvidas. Estranho, sim. Algo indizível, por
assim colocar. Mas é bom. É, cara, muito bom. E eu não estou errada por
isso.
Penso que não. Quero dizer, não estou pensando sobre isso, mas não é
errado, certo? Eu sou solteira.
Merda.
— Tenho preservativo aqui. Você quer que usemos? — ele pergunta
me fazendo afastar um pouco a boca, porque estou desesperada por seu
beijo.
Ele beija muito bem.
— Acho que… — Estou ofegante, muito mais quando ele se inclina
para levar a mão ao porta-luvas e trazer com um pacotinho.
Meus pensamentos de repente estão à mil e, mesmo assim, não parece
que acho resposta coerente.
Nisto, apenas junto nossas bocas novamente e me concentro em beijá-
lo, enquanto decido se é uma boa ideia.
A essa altura, parece que é. Muito boa, por sinal.
Capítulo 26

Abro os olhos, mas me arrependo imediatamente. Uma dor louca me


faz ter vontade de desmaiar, só para não senti-la.
Definitivamente isso é o que chamam de ressaca.
Posso não ter bebido muito antes, na nossa noite, mas, quando Gael e
eu voltamos do carro, eu precisava beber. Não sabia se a decisão que tinha
tomado era a melhor e não queria pensar sobre, então eu bebi igual minha
prima, como se não fôssemos nos arrepender no dia seguinte.
E agora estamos aqui, ela caída na cama e eu no chão, porque ele
chegou. O dia do arrependimento.
Grunho de descrença, buscando alguma força interior que me faça
levantar e ir em busca do banheiro.
Eu não sei exatamente como nossa noite terminou, o que dirá como
chegamos no hotel. Poderia ser preocupante, se eu não me lembrasse do que
aconteceu antes.
A bebida. O barulho. Os meninos. Os gritos. E o carro.
— Ai, merda — reclamo ao levantar, a cabeça latejante. Beber não é
legal, preciso me lembrar disso.
Fecho os olhos por uns segundos, para evitar cair, então os abro só
para reparar em minha prima, que está babando enquanto dorme de bruços
na cama. Ela está definitivamente pior que eu.
Um toque estridente começa a rugir. Quase literalmente. Parece oitenta
vezes mais alto e isso me faria gritar para alguém desligar, mas minha
cabeça doeria mais e ninguém desligaria, porque só estamos Mandy e eu.
Me arrasto como posso tentando achar a origem do barulho. Só depois
de muito tempo percebendo vir de debaixo dela.
Sento na cama, meio caída, o esforço de virá-la sendo quase
desgastante. Ela geme de incômodo, eu quase reclamando, quando
finalmente consigo pegar sua bolsa de mão e vasculhar até encontrar o
celular.
O barulho fica indizível vezes mais alto e atendo depressa.
— Mandy?
Parece um grito, algum lugar em meu cérebro dizendo que não, só
parece.
— Oi, não. Ela está… bêbada.
— Ela o quê?
— Bêbada — chio. — Quem é?
— Sou irmão dela. Quem tá falando?
— Oi, é a Áquila.
— Você pode chamar ela, por favor, anjo?
Olho para a cama, minha prima agora de barriga para cima, a boca
aberta com a baba escorrendo.
— Ela não pode te atender agora. Está desmaiada.
— Puta merda — ele sibila. — Por que cê tá falando meio noiada?
— Estou de ressaca — trago a mão livre à cabeça. — O que você
quer?
— Preciso que ela traga algo para mim de casa. Vou passar o dia no
hospital e…
— O que você tem?
— Não eu — ele suspira fortemente. — Um amigo. Ele se machucou e
não tem ninguém que possa ficar com ele, eu vou ficar. Só preciso de umas
roupas porque estou com as da noite anterior.
— Hm — coço a cabeça. — Nós estamos na Irlanda. Acho que não vai
ser possível. Pede pra sua mãe.
— Não posso falar com ela sobre… — ele parece hesitante, quase me
fazendo questionar.
— Não vamos sair da Irlanda pra ir deixar umas roupas pra você,
Matthew. Esse seu amigo também não tinha outro dia pra se machucar?
— Que nada a ver, Áquila. O cara levou uns golpes nos lugares
errados, ninguém pode culpar ele por isso.
De repente a informação me faz pensar. De um jeito estranho, mas faz.
Amigo. Golpes. Hospital.
— Que amigo?
— O quê?
— Esse amigo, ele levou golpes? Onde?
— Isso não importa, meu bem — sua voz se torna mais suave. — Por
que quer saber? Vocês estão longe mesmo. Juízo, tchau.
Ele desliga. E eu começo a ficar preocupada.
Jogo o celular na cama e viro para acordar minha prima.
Ela precisa ligar de volta e saber quem é o tal amigo. Pode estar
passando mil coisas na minha cabeça. E está. Mas… Merda, e se for o
Lance?
— Mandy! — a balanço fortemente. — Ô, Mandy! Acorda, por favor!
Maaaaaandy!
— Desgraçada! — ela ruge depois de uns minutos, começando a me
estapear como consegue.
— Acorda! Você tem que ligar pro seu irmão. Ele está no hospital por
causa de um amigo.
— E que porra eu tenho a ver com isso?!
— Eu preciso saber se é o Lance — minhas mãos em seus ombros
começam a tremer. — Descobre, por favor. Liga pra ele.
Ela tapa o rosto com as mãos, gemendo de dor. Por isso não a culpo.
Eu estou do mesmo jeito, só que agora menos porque a possibilidade de ser
Lance me deixou agoniada.
Depois de um tempo, relativamente longo, minha prima se senta e
esfrega o rosto, pedindo o celular em seguida.
Parece levar muito além do tempo para fazer a chamada e, quando
começa a falar com o irmão, meu coração inicia um ritmo de batidas
desesperadas.
— O nome… pergunta — peço.
Ela faz careta, mas sei que é por causa da dor.
— Qual o nome do amigo? É óbvio que não conheço — ela se altera.
— Mas quero saber o nome mesmo assim. Me fala. Argh. Diz logo. Scott?
Não conheço mesmo.
Solto um suspiro de alívio, quase me deixando cair de costas na cama
para mais umas horas de sono, então um episódio lampeja em minha mente.
As mulheres que foram à sala dele o chamaram de Scott. Eu me
lembro. Tanto que teria questionado, se não tivesse levado um fora.
Meu Deus. É ele.
E eu não sei o que devo fazer. Lance está no hospital.
Capítulo 27

Mandy sai do banheiro com uma toalha enrolada nos cabelos e outra
no corpo. Ela já não parece a mesma. Está inteiramente majestosa de novo.
Diferente de mim, que continuo um caco.
— Então é o seu cara que está no hospital?
Eu ouço a pergunta e custo a assimilar, levando mais tempo do que
gostaria para encontrar minha voz e responder.
— Não é bem o meu cara, mas, sim, o que me deu o fora.
— Um dos motivos de estarmos aqui. Isso é bem barra. Não gosto
dessa sensação. Nós fomos imprudentes?
— Meio que sim, mas não nos trouxe nenhum mal, então acho que
tudo bem.
— É — ela vai até sua mala e vasculha por alguma roupa. — Vamos
almoçar e depois? Outro bar?
— Não te serviu como lição ficar absurdamente com dor?
Ela dá um sorrisinho, isso sendo minha resposta.
— Eu gostei de extravasar. Tipo, a gente se divertiu, mas fizemos
coisas que não fazemos e não lembro metade delas, então acho que não, não
teve lição a não ser que Chris não é a última bolacha do pacote. Eu até me
esqueci mais dele.
— Eu transei com um desconhecido em um carro... — penso alto,
recebendo um olhar cúmplice. — Não estou louvando minha atitude, mas
foi… Bom. Eu acho.
— Você não se lembra? — ela começa a se vestir, parecendo mais
rápida que o normal.
— Não muito, sinceramente. Eu sei que os beijos foram ótimos e nos
beijamos o tempo todo, então suponho que ruim não foi.
— Então não temos do que reclamar. Vamos a um restaurante. Está
ansiosa para a noite de hoje? — questiona, risonha. — Imagina que a gente
fique igual o filme dos caras que bebem e acordam sem saber onde estão?
Em outro país.
— Aposto que você não reclamaria.
— Não mesmo. Estou gostando desta minha recém vontade por
aventura. É algo cheio de adrenalina. Eu gosto muito.
— Só não ultrapasse todos os pilares.
Ela ri.
— Imagina. Eu gostaria de algo novo e consegui. Nós conseguimos.
Volto a atenção para a janela, me perdendo nas cores do céu, o azul
claro em meio às nuvens brancas e uns fios de luz que revelam pouco do
sol. É diferente também.
— Está aflita por ele — minha prima diz. — Não fique assim. Meu
irmão está cuidando dele. E, mais, a mulher que ele ama também deve estar
com ele.
— Ele me usou como uma prostituta? — reflito. — A custo de quê?
— Claro que não, Áquila — ela sibila. — Ele só é idiota, mas te disse
a verdade, não foi? Ele foi sincero com você e isso importa muito. Assim
como o Chris foi comigo. Eles não nos deixaram na expectativa.
— Será que eles se conhecem? — eu a olho.
— Quem? — ela está penteando os cabelos com os dedos.
— O meu e o seu cara.
Ela abre mais olhos, surpresa nítida.
— Por que se conheceriam?
— O Lance conhece seu irmão.
— Não é a mesma coisa.
— Ele não estava lá bebendo com duas mulheres? — pergunto e ela
assente. — Então, quem garante que não eram as mulheres que estiveram
na sala do Lance atrás de uma companhia masculina?
Quase tenho pena quando a coitada cai sentada na cama, a boca
formando um O.
— Talvez por esse motivo o Matthew não tenha querido que
ficássemos juntos… — reflete. — Por que ele não me contou?
— Talvez ele não queira que você saiba todos os tipos de coisas que
ele está envolvido... Como uma boate que diverte homens em seus confins.
Ela faz careta. Nitidamente não gosta da possibilidade.
— Isso soa quase como uma traição... — pondera. — Estou chateada.
Custava me dizer?
— Custava ao ver dele — dou de ombros. — Estamos cercadas de
homens que não nos querem ver bem. Enfim, eu não deveria estar pensando
sobre o Lance, mas ele teve uma vida horrível e está tentando esquecer a tal
pessoa. Deve não ter ninguém com ele além do seu irmão.
Mandy aquiesce. Parece pensativa.
— Você quer vê-lo?
— Eu quero — não hesito. — Não vou negar, estou preocupada. Eu
gosto muito dele, quero seu bem. É a mesma coisa se fosse o seu Chris,
você não iria atrás?
Ela fica pensativa.
— Ah… Depois disso tudo que você falou, ele e meu irmão sem me
dizer a verdade, eu pensaria muito. Mas, né, eu sou burra, no fim iria.
Definitivamente iria — ela levanta as mãos, dando um risinho sem
graça. Tadinha. — E iria morrer de chorar quando o visse. Eu já posso ter o
selo de Mais Idiota?
— A gente divide — sorrio, voltando a olhar o céu.
Estou em mil pensamentos. Quero ir até ele, sim. Mas não sei se é
exatamente o que devo fazer. Eu quero dizer, ele é apaixonado por outra. O
que não faz o menor sentido pra mim, porque ele disse que eu era força dele
mesmo sem saber... Ele me disse. Em sua sala. Quando estava me
abraçando carinhosamente.
— E se for verdade? — a pergunta escapa dos meus lábios e volto a
olhar minha prima. — E se ele tiver dito porque realmente se acha
insuficiente para mim?
Mandy morde a unha, meio alienada agora.
— Não me parece a melhor coisa a se dizer. Sabe, fazer a pessoa
imaginar que você está apaixonada por outra. É bem idiota, na verdade.
— Mas é uma possibilidade, não é? — me levanto, algum brilho de
esperança lampejando dentro de mim. — Pode ser isso e estou aqui,
pensamento mil coisas que não são verdade.
— Isso também pode não ser uma verdade — aponta para mim.
— A probabilidade para o sim é maior.
Ela franze o cenho, então desdenha com as mãos.
— Bom, você pode ir, se quiser. Eu vou ficar um pouco mais. Quero
voltar tendo esquecido completamente o Chris.
— Então você não vai voltar tão cedo — caminho até minha mala,
procurando uma roupa para ir embora.
Ela resmunga baixinho.
— É claro que vou. Posso parecer fraca em me apegar, mas te garanto
que esquecer é quase na mesma proporção.
— Espero que sim — saio depressa para o banheiro, com o intuito de
um novo banho para uma longa viagem.
Lance pode estar mentindo. E precisando de mim. E gravemente
ferido. Machucado. Como quando era apenas um menino...
Deus, tantas possibilidades que me sinto mal e me apresso em não
perder tempo.
Eu preciso dele.
Capítulo 28

Estou um pouco agoniada quando saio do táxi. Não trouxe minha


mala, apenas a bolsa. Mas me arrependi. O meu voo atrasou e demorei o
dobro do tempo para chegar.
E agora aqui, de frente para o hospital em que Lance está, sinto uma
canseira e moleza nas pernas por imaginar que algo, nesse meio tempo,
possa ter acontecido com ele.
Minha prima foi de grande ajuda em ter conseguido o endereço com o
irmão. E me encorajado mais um pouco a vir. Percebo agora que ela é uma
pessoa boa para se manter perto. Uma amiga.
Respiro fundo e tomo coragem para adentrar as portas e seguir à
recepção, onde informo o nome de Lance, que na verdade está registrado
como Scott, de acordo com meu primo.
O que é verdade, afinal?
Preciso mentir ao dizer que sou parente, então sou direcionada a
procurar a sala do fim do corredor à direita.
Minha mente está muito embaralhada. E estou cansada física e
psicologicamente. Não devia ser assim. Quando nos importamos com
alguém, eu quero dizer. Deveríamos ficar felizes... Não tristes.
Pudera... Com tantas verdades que ele te disse. Mas eu ainda não sei
se são realmente verdades.
Quando estou prestes a bater na porta, preciso me concentrar mais
fortemente para tomar controle da respiração. E me preparar para o que
quer que seja que verei.
E não sei se realmente vou conseguir.
Com um toque leve, dou duas batidinhas na porta, aguardando ansiosa.
Não demora muito para que a maçaneta se mexa e logo ela se abre,
apresentando um Matthew muito acabado aparentemente.
— Áquila? — ele está imediatamente surpreso, sua vista procurando
algo atrás de mim. — Você veio com minha irmã? Cadê ela?
— Vim sozinha — gesticulo a sala. — Vim ver o... Scott — o nome
soa super estranho, não parecendo com Lance.
Meu primo logo começa a massacrar o lábio inferior entre os dentes,
me encarando, com toda certeza considerando a possibilidade de me deixar
ou não entrar.
— Ele não está em horário de visitas — responde por fim.
— A moça da recepção não se opôs, por que você o fará?
— Só alguém da família pode estar.
— Você não é família dele — ressalto.
— Sou o mais próximo que ele tem de uma família, querida — dá um
sorriso atravessado. — Ele está descansando. Não sei se seria uma boa ideia
deixar você vê-lo.
— Por favor, Matt, eu vim da Irlanda só pra isso. Estou muito
preocupada com ele. O que aconteceu? Por que ele apanhou?
Meu primo inspira profundamente.
— Nitidamente ele quis apanhar. Deixou que lhe batessem. Eu não sei
o motivo, mas deve ter sido algo forte. O Scott não apanha — balança a
cabeça de leve. — Tente não deixar ele fazer muitos esforços, certo? Eu vou
até a lanchonete tomar um café ou algo assim.
Prendo a respiração quando ele passa por mim, deixando a porta
entreaberta. Consigo ver os pés cobertos por lençóis brancos, e o desespero
toma conta.
Sigo à frente, entrando no quarto, quase esquecendo de respirar
quando vejo Lance com vários curativos no rosto e o braço direito
engessado. Sua cabeça também tem faixas.
Minhas mãos vêm a boca, em uma surpresa nítida. Ele está pior do que
esperei.
Caminho depressa para perto dele, tentando fazer a respiração ficar
constante, mas não consigo. Não consigo porque ele está…
— Meu Deus... — meus olhos lacrimejam, porque não sei se existe
alguma dor semelhante a de ver a pessoa que você ama em uma situação
dessas. — Meu…
Um gemido baixo e rouco me faz hesitar. É ele. Está falando algo.
Me inclino para mais perto, tentando não tremer tanto, incitada a ouvir
o que dizer.
Mas é muito baixo e eu não consigo.
Então apenas fico em pé, olhando-o, tentando entender exatamente por
que isso aconteceu com ele. Por qual motivo – se for a verdade – quis
apanhar.
Faz algum sentido?
Nada tem feito, na verdade.
Olho seu grande corpo, que faz a cama ficar tão insignificante,
parecendo agora fraco e caído. Algo que eu nunca imaginaria ver. Não ele.
— Se eu pudesse ter impedido... — as palavras fogem da boca, eu
estando muito agoniada. Tudo está acontecendo muito rápido.
Mas não é culpa minha. Deve ser da outra. A que ele gostaria de estar
junto. A que ama.
Mas por que ele ama alguém que o faz sofrer?
Você está na mesma.
Pode ser verdade. Mas não cheguei a esse nível. Quero dizer, ele quis
apanhar. Isso não parece saudável.
Mais um ruído dele e dessa vez um olho se abre. O olho bom. O que
não está tão inchado a ponto de formar uma aquarela de cores, o que só está
pouco machucado; e, olhando dentro dele, eu consigo enxergar quase como
se estivesse palpável: o sofrimento.
— B... — ele começa e eu me inclino novamente para ouvir melhor,
tentando poupar as lágrimas. — B-baby.
E isso é suficiente para que qualquer tentativa seja falha. Eu
definitivamente choro.
Capítulo 29

Estou sentada no sofá da sala hospitalar, e aflita. Lance está à minha


frente, na cama, imerso em um sono profundo.
Já é noite após um dia que cheguei. E ele percebeu que eu estava aqui,
com ele, presente. E tudo que disse foi "baby", para em seguida cair no
sono.
O médico disse que está tudo bem, que ele está exausto, é normal que
seu corpo queira descansar e, logo depois de mais um dia em observação,
ele poderá ter alta.
Mas não está tudo bem. Ele está muito machucado. Muitíssimo. Nem
parece o Lance que conheço. Estou quase desesperada.
Deito um pouco, me sentindo acabada. Não tinha ninguém com ele
além do meu primo, que agora aparece de novo, como se adivinhasse que
estou pensando nele.
— Voltei — ele se anuncia, andando para perto da cama e analisando
Lance. — Ele acordou enquanto eu saí?
Ele foi até sua casa tomar banho e trocar de roupa. Imagino que cansou
mesmo. E devia já estar cansado por causa da noite que trouxe isso ao
Lance.
— Não — minha voz é um fio. — Nem se mexeu...
— O médico já veio?
— Já. Disse que ele só está dormindo... E que vai poder ter alta logo.
— Que bom, que bom — ele parece realmente aliviado.
Eu fico quieta, tentando entender por que estou me sentindo culpada.
Porque a culpa não é minha. Foi ele quem disse que não me queria. Ele me
deixou ir. Quis que eu fosse, afinal. Disse-me coisas dolorosas…
— Fica de boa, ele vai sair dessa — meu primo fala. — Eu teria falado
com você ao invés da minha irmã se soubesse que são realmente próximos.
— Quem é a mulher que ele ama? — pergunto e volto a sentar,
percebendo que Matthew tem um olhar meio vago.
— Eu não sei. Ele ama alguém?
— Ele disse que sim. Me dispensou por estar esquecendo alguém. Só
gostaria de saber quem é — gesticulo a cama. — Porque olha o que ela fez
com ele.
Meu primo assobia. Parece impressionado.
— Eu nem sabia que existia uma mulher no meio disso, pra falar a
verdade. O Scott não tem ninguém por perto, que eu saiba. Não — balança
a cabeça. — Eu realmente acho que não tem uma pessoa.
— Gosto de acreditar que não. É menos doloroso.
— Cê é ligada na dele? — ele ergue uma sobrancelha.
— Sou apaixonada por ele. Desde de sempre — suspiro
profundamente. — Isso é tão idiota que eu mesma quero me calar.
— Que nada. É uma boa ouvir que tem alguém mais que se preocupa
com ele. Ele é bem sozinho e às vezes isso não pode ser muito bom. Achei
que tinha sido esse o motivo de ele querer apanhar.
— Eu queria que fosse — levanto para ir até a cama, avaliando sua
aparência. — O médico falou que na cabeça não foi nada grave — volto a
olhar Matthew. — Mesmo?
— Mesmo. Foi um corte só — ele dá um sorriso nervoso. — Acho que
nunca fiquei tão preocupado na vida.
— Vocês são muito amigos?
— Ele é o mais próximo de um amigo que tenho. É um cara sincero,
sempre me dizendo verdades. Apesar de às vezes eu ter vontade de socar
sua cara até não mais aguentar.
— Não pense nisso ou eu vou me resolver com você.
Ele dá um risinho.
— É só vontade. Sei lidar com isso.
Assinto, meu olhar voltando ao Lance, e meu coração aperta.
Deus, por que alguns homens são tão burros?

***
É longe, mas eu consigo ouvir. Meu nome. Ou quase isso.
Abro os olhos, olhando diretamente para a cama. É de onde o som
vem.
Me levanto imediatamente, acordando no mesmo instante. Ou dormi
muito, ou foi somente um cochilo.
Lance está com o olho bom aberto, agora já da cor normal, parecendo
observar ao redor.
— Ei, oi — eu digo, colocando uma mão sobre a sua. — Estou aqui.
— Você veio. — A voz dele já está quase normal, mas os lábios
cortados e ainda inchados, não ajudam muito.
— Vim — Não sei como me sentir sobre. — Fiquei preocupada.
— Eu não queria te preocupar… — ele hesita. — Me perdoe.
— Tudo bem. Fiquei mais tranquila quando seu médico informou que
amanhã você pode ir para casa.
— Bem melhor.
— E eu vou com você — complemento. — Sabe, para cuidar de você
enquanto se recupera. Matthew não vai poder.
— Seria injusto de minha parte permitir isso. — Ele chia baixinho,
parecendo mais um gemido de dor. — Não precisa, Rapunzel.
Meu peito aperta. Eu gosto muito dele. Sinto saudades da gente. Das
conversas que fluíam e os dias longos que duravam. Ele faz falta.
O que posso fazer sobre isso? Nada.
— Na verdade, você precisa e muito — me inclino para ajeitar os
travesseiros embaixo de sua cabeça. — Está com fome? Imagino que sim,
depois de dormir tanto.
— Estou me sentindo fraco. É muito grave?
— Não, apenas apanhou muito e quebrou o braço. E um corte na
cabeça. Você é louco ou algo assim?
— Eu estava me sentindo mal e não sabia o que fazer.
— Uau — ajeito o curativo em sua bochecha. — Foi ótimo apanhar
enquanto se sentia mal. Parabéns.
— Não tinha outra opção… Você está com raiva de mim?
Eu suspiro, olhando-o. Ele está péssimo.
— Sim. Não vou mentir. Mas eu também gosto muito de você para ver
que está sofrendo e precisa de ajuda, pra não fazer nada.
Percebo que ele está com alguma dificuldade para manter a respiração
regular, e preciso falar com o médico sobre isso.
— Meu nome não é Lance — ele despeja.
Tento não ficar surpresa. E nem estou.
— Eu sei, é Scott.
— Também não — ele hesita. — Eu nem sei qual foi meu nome… o
verdadeiro. Se eu tive um. Descobri não ter… uma certidão. A mulher que
me adotou… Ela não tinha. Ela apenas me chamava como queria.
Eu fico quieta. Não sabendo se impressionada, ou abismada.
— O que sobre você é verdade afinal? — meu tom sai sarcástico,
quase um riso.
— Eu ser adotado e...
Lance é interrompido quando a porta se abre e uma enfermeira entra.
Quer dizer que nada mais é verdade? Me sinto a mais idiota de todos
os tempos.
Talvez eu seja.
Capítulo 30

— Você tem certeza sobre isso? — Matthew questiona. — Eu posso


encontrar alguém para cuidar dele.
Eu olho para dentro do quarto, onde Lance está deitado. Nós viemos
para sua casa. Matthew nos trouxe. A casa que não é dele, mas alugada.
— Eu quero fazer isso. Estou muito mal pelo que aconteceu. E
também quero entender o motivo de ele ter feito isso.
— Tá certo então. Você tem número, me liga qualquer coisa. Eu dou
uma passada aqui amanhã pra ver como ele está — ele acaricia meu ombro,
dando um sorriso confortador. — Valeu por isso. Fica bem.
Matthew sai, fechando a porta em um ruído.
Inspiro fundo e vou depressa ao quarto, onde Lance está com o olho
bom aberto, os lábios inchados parecendo secos e eu caminho para perto,
analisando sua situação. Não sei o que fazer primeiro.
O canto esquerdo da sua boca levanta, em um quase sorriso.
— Está sorrindo pelo quê? — questiono, prendendo os cabelos com os
próprios fios e me direcionando à pequena sala, onde pego uma cadeira e
arrasto para perto da cama, onde deixei uma bacia com água enquanto
falava com Matthew. — Você vai precisar de um banho mais tarde.
— Eu ouvi o que falou pro Matt. Aqui tudo é muito perto de se ouvir.
Eu o olho, mas logo desvio para pegar as sacolas da farmácia e ir me
sentar na cadeira.
— Não falei nada que você não pudesse ouvir — levanto sua blusa,
evitando uma careta pelos dois grandes hematomas e cortes. — Quem te
bateu?
— Um inimigo. Ele queria essa chance há muito tempo.
— E por que você a deu? — começo a tirar os curativos com cuidado.
— Perdeu a noção?
— Eu nem ia lutar aquela noite… mas deixei você ir embora… Fiz
tudo errado — hesita. Sim, ele fez. — Você me odeia? Você odeia ser
apaixonada por mim?
Dou um sorriso discreto, não entendendo bem o por quê.
— Não para as duas perguntas — descarto os esparadrapos e pego a
gaze para limpar com água. — Você só é um babaca.
— Então você ainda gosta de mim do mesmo jeito?
— Não um ou dois dias mudarão meus sentimentos — pego outra gaze
para continuar limpando com cuidado. — Então você realmente quis
apanhar?
— É. Estava me sentindo mal por você… Não é verdade, sabe? Não
tem outra pessoa.
Paro a ação, não devendo estar surpreendida porque pensei nisso, mas
é bem melhor ouvir. Com toda certeza.
Lance fica me encarando e eu o beijaria, se isso não fosse impossível
no momento.
Idiota? Sim. Mas é o meu jeito. Eu gosto dele e não sei fazer meias
voltas por isso.
— Então por que mentiu?
— Ah — ele expira levemente, como se a ação fosse difícil. — Eu
queria que você desistisse de mim. Mas não porque eu realmente queria, era
para o seu bem. Só que eu percebi, quando te vi sair, que a dor de te perder
é maior do que a que de te ter perto mesmo sabendo que não é certo.
Pisco algumas vezes, embaraçada, mas muito feliz pelo que estou
ouvindo.
Volto à tarefa, pegando mais gaze para secar os pontos.
— Significa o quê? — questiono.
— A gente pode ficar junto — hesita. — Se você ainda me quiser. Eu
posso melhorar por você, porque eu quero e você me dá vontade de tentar.
Sorrio, me sentindo boba. Mas é algo fofo de me dizer. E eu caio
mesmo nessa.
— Isso é bom...
Nós ficamos em silêncio por um tempo, enquanto cuido dele. A parte
na cabeça é mais difícil e me deixa receosa. Não curto muito isso de ver
pontos e imaginar que estava o local aberto antes. É meio agonizante.
— Você não deveria deixar fazerem isso com você nunca mais —
aviso.
— Não vou. Foi só porque eu quis. O que você vai fazer agora que
voltou? Tem planos?
— Vou trabalhar com meus irmãos. Afinal, fui estudar para isso.
— É o que você quer?
— É. Eu adoro isso de administrar e tudo o mais. Mas ainda não
comecei porque cheguei faz pouco tempo e meu pai quis me dar um
descanso. Enfim, eu quero.
— Deve ser bom ter uma família tão importante e amorosa… Vocês
vão viajar semana que vem?
Ah, meu Deus...
— Não, por que iríamos?
— Natal…
Sua voz sai tão baixa que, se eu não estivesse perto, não teria ouvido.
— Não vamos. Você vai para a casa do Matthew?
— Não...
— Vai viajar?
— Do jeito que estou, impossível — É um tom quase risonho. — Eu
vou... ficar aqui mesmo.
— Você costuma ficar com quem nas festas de fim de ano?
— Eu moro no meu escritório, pra falar a verdade. Fico lá mesmo.
Geralmente abrimos porque sempre tem as pessoas que não se importam
com isso... Mas, na maioria das vezes, o Matt não permite, pois considera
esses dias algo familiar. Acho que é a única coisa nele que lembra algum
apreço.
— Entendi — termino de passar o iodo nos últimos cortes e começo a
cobri-los novamente. — Você quer passar comigo? Esse ano.
E todos os outros...
Ele fica quieto por um momento. Tempo demais, que quase me ponho
a observar se dormiu.
Então pigarreia de repente.
— Acho que seus pais vão questionar se eu aparecer todo quebrado na
sua casa…
— Não vão — acaricio seu ombro. — Eles são pessoas educadas —
sorrio, aparecendo em seu campo de visão. — Isso é um sim?
— Bom, sim, se você quer mesmo que eu vá.
— Eu quero — termino com todos os cortes e volto a sentar,
estudando-o por um momento. — Como você não sabe que seu nome é
mesmo Lancelot?
Ele tenta um risinho.
— A mulher que me adotou disse.
— E sua documentação?
Ele sorri de leve.
— Você ficaria impressionada com o que pessoas com poder podem
fazer ou conseguir. Isso nunca foi um problema pra eles, o casal que me
adotou.
— Que ruim — toco seu rosto, onde não está machucado. — Você
consegue sentir meu toque?
— Consigo.
Nós nos encaramos, sua pele estando bem quente e fico preocupada.
— Está com febre ou calor?
— Não, é porque você está sendo muito boa comigo e meu corpo está
reagindo a isso. Então se é febre ou calor — respira fundo —, é unicamente
de você.
Recolho o toque depois de uns segundos, um sorriso brincando nos
lábios.
— Eu vou tomar banho e ligar para minha prima, ela ficou na Irlanda.
Já volto. Não ouse tentar levantar dessa cama.
— Não vou, baby.
Eu o deixo, só para ir ao banheiro chorar um pouco. Porque estou
doída por tudo que ele disse. Não deve ter sido fácil. E tudo que passa.
E não sei bem por que me afeta tanto.
Ou talvez saiba.
Capítulo 31

Áquila volta depois de quase muito tempo, cheirosa como só ela. E


tudo que tenho vontade é de abraçá-la bem forte e agradecer com todo meu
coração por ter me aceitado tão prontamente. De novo.
Ela é mais do que eu mereço.
— Está com fome? — pergunta.
— Um pouco.
— Vou fazer algo. Como se sente? — seu toque aveludado vem ao
meu rosto e ela me estuda por uns segundos.
— Dolorido — admito. — Nunca tinha sentido tanta dor, confesso.
Obrigado. Por voltar e ficar…
— De nada — sorri. — Eu gosto da sua companhia. A gente combina,
eu acho. Vou colocar uma música, se importa?
— Não.
Ela dá uma risadinha graciosa e vai até sua bolsa, obtendo o celular.
— Vou colocar no modo aleatório — avisa enquanto parece distraída.
E eu me pego observando-a. Ela é maravilhosa. Não tenho algo para
dizer que não elogios para ela. Eu não entendo agora por que acreditei que
afastá-la seria melhor. Deus, não seria. O lugar dela é comigo. O meu lugar
é com ela.
Nosso lugar é estar nós dois. Juntos.
Ela dá um assobio, então diz algo como amar a música que começa a
tocar.
— Eu consigo te ouvir ali da cozinha, então significa que você também
vai me ouvir cantar — sorri. — Espero que não se incomode.
Sorrio de volta, tanto quanto consigo.
Ela sai, já começando a cantar baixinho. E eu me sinto muito bem, o
que é uma ironia, considerando meu estado, mas estar com ela, com a
Áquila… Ela está parecendo leve, à vontade, feliz.
Não. Acho que não é certo ser tão apressado em dizer isso. Eu nem sei
se posso fazê-la feliz. Tudo que eu tenho para dar é minha companhia e
esforço. Se Matt decidir fechar a boate, o que vai ser de mim?
Consegui investir algum dinheiro e tenho uma certa quantia intacta,
mas não vai durar para sempre. Vai ser o suficiente para ela? Eu vou ser
suficiente?
Preciso buscar ser melhor. Algo em que eu realmente tenha valor. Se
quero mantê-lo comigo, preciso mesmo disso.
— Você está bem? — ela pergunta. — Parece que ouvi um gemido de
dor.
— Estou — tento falar um pouco mais alto. — Você gosta da letra
dessa música?
— Amo! — Parece empolgada.
— Lembra algo para você?
Ela ri.
— Não, na verdade. Mas parece... — hesita. — Deixa pra lá. Nós
vamos comer macarrão. Parece que é só o que você tem aqui. E frango,
também. Algumas frutas. Salada. Ei, tem torta.
Sorrio.
— Está verificando?
— Estou. Vamos comer frutas à la Áquila como sobremesa.
— É bom, imagino.
— Esplêndido — dá risada. — Vou começar. Já volto aí. Se não gostar
da música, avisa e vou tirar.
— Tudo bem. Você gostou dessa casa?
— Eu gostei muito. Mas, vamos ser sinceros, ela é mais a minha cara
do que a sua. Seu escritório é mais você.
— Você disse. Nós estamos namorando?
— Estamos?
— Você quer namorar comigo?
Ela coloca a cabeça em um instante no batente, um sorriso enorme e
lindo nos lábios.
— Eu quero — responde.
— Então estamos — tento virar melhor a cabeça para vê-la bem, mas
ela me repreende. — Eu te daria um beijo, mas não posso levantar e meus
lábios estão dormentes.
Seu riso delicioso me deixa pensando que estou sonhando ou algo
assim.
— Eu cobro depois. Agora me deixa cozinhar — ela desaparece de
novo e, quando volta a cantar, é ainda mais empolgada.
E eu sorrio sozinho, tendo certeza de que fiz a escolha certa.
Alguma vez eu tinha que acertar. E foi em cheio.
Capítulo 32

Estou toda boba.


Não poderia ser de outra forma. Lance me pediu em namoro. Apesar
de eu não ter muita sorte com namoros, claro que aceitei. Não foi ele que eu
sempre quis? Pois bem.
Agora estou levando a bandeja para a mesinha ao lado da cama, nossos
pratos juntos.
— Vamos ajeitar você para que possa comer — aviso e me ponho a
levantar sua cabeça para ajeitar os travesseiros. — Consegue ficar semi
deitado?
Ele dá um risinho, levando uns bons segundos para conseguir subir o
corpo mais um pouco.
Sem chance que eu consiga. Ele é muito grande e forte.
— Está com um cheiro ótimo — diz enquanto sento na cadeira. — De
dar água na boca.
— Então vamos comer. Fico feliz que esteja sentindo fome. Significa
que está bem mesmo. Confortável?
— Na medida do possível.
Pego um prato e enrolo o macarrão no garfo, provando para ver se está
morno.
— Ficou bom mesmo — me elogio, o que o faz rir. Enrolo mais
macarrão. — Vamos lá, abra a boca — direciono o prato para perto dele, o
que o faz parecer hesitante, mas acaba me obedecendo.
Sorrio em aprovação.
Lance mastiga devagar, a ação parecendo cobrar muito dele. Pego
macarrão do outro prato para mim enquanto aguardo ele terminar.
E demora.
A cada três garfadas minha, é uma dele. Mas eu não me incomodo. De
verdade. Nós estamos em um bom momento. É algo íntimo só nós dois
nessa casa isolada, ouvindo música e eu lhe dando comida.
— Tem algo que você não seja realmente boa? — questiona, me
fazendo levantar a cabeça onde prestava atenção em pegar os cubinhos de
frango no garfo.
— Muitas coisas.
— Eu duvido muito — ele me encara um pouco. — Você está muito
bonita… Sempre está, pra falar a verdade.
Sorrio, levando o garfo à sua boca mais uma vez. Lance parece mais
relaxado agora e isso me deixa muito feliz. Quando ele se recuperar, nós
vamos poder aproveitar muito em nosso namoro.
Algo me diz que é diferente dessa vez. Porque somos nós, claro.
— Obrigado — fala enquanto mastigo. Devo ficar com cara de
paisagem, porque ele acrescenta: — Por tudo. Você tem sido o que não
mereço. Tudo o que não mereço.
— De nada — digo simplesmente, voltando a atenção ao seu prato.
Isso vai ser estupendo. Depois de anos longe, vou passar o Natal com a
minha família e levando o meu namorado. Quero sorrir largamente e beijá-
lo, mas não dá agora, então só sorrio.
— Você gosta de sorrir — ele observa.
— É melhor que chorar.
Inclusive por ele. E isso já aconteceu algumas vezes. Mais do que eu
esperava ou gostaria. Era melhor que não tivesse chorado.
— Desculpe — sua voz é quase um sussurro envergonhado e eu penso
que talvez tenha ficado muito óbvia.
— Bobagem. Se concentre em comer — levo mais uma garfada à sua
boca, tentando distraí-lo.
Não é mesmo um bom assunto.

***

Levanto do sofá rapidamente quando meu celular toca na mesinha.


Não imagino quem pode ser.
Lance apagou depois de comer e eu fiquei lendo em sua sala. Pelo
menos dormindo ele não sente muito desconforto.
— Alô? — atendo.
— Oi, sou eu — Mandy tem um tom risonho. — Não salvou meu
número?
— Não, porque você não me deu ele — volto a sentar. — Você ainda
está na Irlanda?
— Voltei hoje — uma risadinha.
— Conseguiu esquecer o carinha?
— Ah, não sei. Eu me diverti bastante, mas, esquecer é um negócio
difícil. Foram só dias — ela murcha a voz. — Ei, como está o tal Lance?
Está com ele?
— Estou e ele está melhorando. Sua situação não é das melhores
fisicamente. Ele nem consegue abrir um olho. Espero que não tenha
prejudicado sua vista.
— Oh, que droga. Lamento por você. Nós lidamos com homens
difíceis.
— Ele me pediu em namoro...
Hesito quando ela começa a rir.
— Oh, verdade? — questiona.
— Sim, verdade.
— Entendi. E você aceitou?
— Aceitei. Ele é muito sofrido.
— Espero que não tenha aceito por pena — ela parece abismada. —
Ou só porque quer algo dele, como o Chris fez comigo.
— Esquece o Chris — a repreendo. — Você quer que eu pergunte se
Lance o conhece?
— Não. Posso ouvir o que não quero. Eu sei que ele tem muitas
mulheres... Não preciso de uma afirmação — suspira profundamente. —
Ele não foi digno da minha virgindade.
Me controlo para não rir, porque eu também concordo.
— Esquece isso. Você merece muito mais.
— Eu sei, e eu quero esquecer ele, mas é muito difícil. Sério, muito
mesmo. E também não queria gostar dele, mas é involuntário — parece
triste.
— Sei como se sente. Mas nada é para sempre, fica tranquila.
— Acho que por aí. Agora eu preciso sair, vou ver seu irmão.
— Meu irmão? Pra quê?
— Sabe o carinha da Irlanda? O seu carinha — ela ri. — Não
transamos, mas eu fiquei saindo com ele esses dias. Ele é empresário e
estava buscando novas empreitadas. Um assunto leva ao outro, então
consegui uma reunião com o James para ele.
— Ah... Tudo bem. Cuidado para não se apaixonar.
Agora seu riso é de nervosismo.
— Vou tentar. Tchauzinho.
Desligo o celular, levantando para ir ver Lance. Mas ele ainda está
dormindo tranquilamente, e isso me faz sorrir.
Com a gente deu certo, pelo menos.
Capítulo 33

Eu estou exultante. E não poderia ser diferente. É sábado e noite de


Natal. Estou indo à casa de Lance ajudá-lo a se arrumar. Nem acredito que
ele concordou em ir para minha casa e se reunir com minha família.
Passei todos os últimos seis em dias em sua casa, cuidando dele.
Gostaria de dizer que está recuperado, mas não. O olho inchado só está
semiaberto e os cortes ainda não estão cicatrizados. Os lábios foram os mais
rápidos a desinchar, acredito que por ser a pancada mais leve. E o corte na
cabeça já deu para substituir só por alguns esparadrapos.
Deixei-o durante a tarde, para poder ir até o shopping com minha
prima. Nós fomos comprar roupas novas e lindas. Iremos passar o Natal
todo em família, na minha casa, que foi nomeada como a maior.
O que eu discordo, mas tudo bem.
Estaciono o carro, faltando talvez umas três horas para o pôr-do-sol.
Me apresso em pegar as sacolas e voltar para ele.
As luzes estão acesas e vou depressa ao seu encontro, abrindo a porta e
encontrando Lance no sofazinho, parecendo uma criança que não
desobedece. Foi exatamente onde o deixei e disse para não fazer esforços.
— Ué, você não saiu daí?
— Não saí, você disse que para eu ficar.
— Ah, bom saber que você é obediente.
Ele dá um sorrisinho.
— Só quando se trata de você, aí eu obedeço.
— Então tá, vou acreditar. — Talvez seja um erro. — Como se sente?
— Estou bem, apenas um pouco dolorido. Menos que antes, é claro,
mas bem feito para mim. Consequência das minhas escolhas.
— Temo ter que concordar.
Ele sorri.
— O que você trouxe aí nessas sacolas? — questiona.
— Nossas roupas.
— Escuta Áquila, você tem certeza que realmente quer que eu vá?
Porque não sei... Pode ser constrangedor seus pais verem que o seu
namorado está numa condição dessas.
Eu o olho, desacreditada.
— Óbvio que não, e sim, eu tenho certeza que você vai. Não está
querendo dar para trás agora, não é?
— Não, eu só queria ter certeza mesmo — recebo um sorriso, mas não
de animação.
— Bom, nós precisamos nos apressar um pouco, talvez — tiro meu
vestido azul cristal da sacola e abro para ele ver. — O que acha? Gosta?
Lance inclina a cabeça para o lado, avaliando.
— Eu acho que vou confundir você com uma princesa — sorri. —
Uma Rapunzel, de fato.
— Que bom. Eu trouxe um terno cinza que vai combinar, e nós vamos
ser o casal da festa.
— Impressão minha ou você tem a intenção de nos exibir?
— Tenho, definitivamente.
— Creio não estar muito bem para ser exibido — dá uma risadinha
desanimada, o que me faz deixar o vestido para ir até ele, e me ajoelho à
sua frente.
— Eu quero que nos vejam independente de como você estiver. E, pra
mim, você continua lindo — deixo um beijo em seu rosto. — Ninguém vai
fazer você se sentir mal, Lance. É a minha família.
Ele segura meu rosto e acaricia, assentindo levemente.
— Tudo bem, eu posso fazer isso por você. Por nós.
Sorrio, levantando para começar a me despir.
Nós vamos ter uma bela noite em família. E isso me parece mais que
maravilhoso, porque Lance não deve saber o que é isso.

***
— Por que não? — questiono, tentando segurar o riso.
Lance faz uma cara feia, mas que não serve para me repreender em
nada.
— Combinou muito e vai servir para você não mostrar o corte. E nem
vai machucar. Não é o que quer?
— Eu já estou feio o suficiente, você ainda quer que eu apareça de
boné?
Dou um riso discreto.
— Mas está lindo — coloco o boné de volta. — Vamos. Precisamos
arrasar.
Ele bufa, mas deixo o carro e o espero sair para irmos adiante.
A casa está completamente linda e brilhante. E parece que não voltei
de viagem, porque a saudade me acerta em cheio.
— Sua família caprichou na decoração — Lance elogia.
— Sim, minha mãe adora o Natal. Talvez por isso tenha aceitado que
viessem todos para cá.
Nós subimos os degraus que nos levam à porta principal, e toco a
campainha, Lance dando um pigarreio. Ele está nervoso.
Mas meu sorriso é imediato quando James abre a porta, com meu
sobrinho no colo.
— Olá — ele estreita os olhos para Lance, e então me olha. — Eu
pensei que você estaria em seu quarto se aprontando.
— Não. Eu estava com o meu namorado — seguro no braço bom de
Lance, sorrindo. — Ele passou por um acidente.
— Ao menos sabia que você estava namorando. — Parece confuso e
agradeço quando Johny começa a chorar, tirando nossa atenção.
Eu entro em casa, puxando Lance comigo.
— Por que tudo parece parado aqui dentro? — questiono enquanto
James tenta fazer o bebê parar de chorar e também aproveito para segurar
sua mãozinha em cumprimento.
— Deve ser cedo, mas… — ele troca Johny de braço. — Imagino que
porque ainda não sabemos se a vovó virá.
— Pensei que eles dois já estariam aqui.
James balança a cabeça, como se não tivesse resposta.
— Quem já chegou?
— A Mandy e o namorado, e Arthur.
— O Arthur está aqui? — É um dos meus primos mais novo, filho da
minha tia Beatrice. — Estou cheia de saudades dele. — Olho Lance. — Ele
é apenas um ano mais velho que eu.
Mandy tem namorado? Ela trouxe Christian?
— Filho, pare de chorar — James pede a Johny. — Eu vou procurar a
Nicole. Podem ficar à vontade.
Eu o observo sair pelos fundos, provavelmente para ir a algum lugar ao
lado de fora onde o neném não chore tanto ou procurar a esposa, que eu
ainda nem conheço.
Está parecendo tudo muito estranho. Nem tem uma música tocando.
— Engraçado que seu irmão diga para você ficar à vontade na casa que
mora — Lance diz e eu sorrio.
— É o costume. Quase não nos vemos. Vamos à sala de estar.
Eu o incentivo a caminhar comigo, chegando no cômodo e vendo de
longe os três que chegaram em uma conversa.
E parece que adivinham o momento que chegamos, pois nos olham, e
eu evito meu queixo de ir ao chão quando vejo quem é o "namorado" da
Mandy.
Meu Deus, o cara da Irlanda.
Mal tenho tempo de assimilar quando mamãe desce as escadas
correndo, chorando em um nível absurdo e passa por nós correndo, como se
fôssemos invisíveis.
Papai vem atrás, também correndo, mas para no meio da sala,
parecendo meio branco e amedrontado.
— Não teremos uma festa — sussurra.
Dou um passo à frente, preocupada.
— Por que não? O que houve?
Ele me encara por uns segundos, antes de enfim falar, parecendo
pesaroso.
— Sua vó morreu.
Então sai, me deixando sem chão.
Capítulo 34

Eu não sei bem o que fazer, então somente a abraço e deixo que fique
em seu silêncio junto a mim.
Matt nos deu uma carona de volta para minha casa – que ainda não é
realmente minha. Áquila não quis ficar na casa dos pais, ainda mais
sozinha.
Não posso dizer que entendo sua dor, porque nunca perdi alguém que
amava. Mas posso me oferecer a ela, como alguém para lhe passar algum
conforto, talvez.
Deve ser algo muito difícil e eu nem imagino o quanto.
Por mais que o tempo do silêncio seja gritante assim, nada é tão ruim
quando sentir a tristeza dela. Ela estava tão empolgada, com a família, a
festa e com nós dois. Até combinou nossas roupas. E então recebe uma
notícia dessas.
— Eu pegaria sua dor para mim, se pudesse… — digo enquanto
acaricio seu braço.
Áquila esconde mais o rosto em meu pescoço, parecendo querer mais
que só tentar fazê-lo desaparecer.
— Eu estou tentando lembrar somente dos momentos bons, mas as
coisas não são assim — sua voz sai quase sumindo. — Há muito tempo não
a via... Só assim que cheguei. Estou me sentindo... Não consigo dizer.
— Você não precisa dizer algo, baby. Tome seu tempo para sentir
tristeza.
— Eu não quero ir — funga. — Ao velório, eu não vou. Não quero ver
a vovó assim.
— Você não precisa ir.
— Talvez não... O vovô deve estar arrasado. Não quero vê-lo assim
também.
Gostaria de não estar muito remendado e machucado, para poder lhe
passar todo conforto e carinho possível, mas nem mexer o tronco direito
posso, por conta dos pontos.
— Vai ficar tudo bem. Nenhuma tristeza dura para sempre — Não sei
se é o certo a dizer, mas é melhor do que não dar alguma resposta.
— Eu não quero te perder também — ela beija meu pescoço, deixando
os lábios demoradamente repousados na minha pele. — Eu não quero. Não
quero te ver machucado. Não quero ter que correr esse risco... Nada disso.
Minha vista vagueia pela pequena sala, eu não sabendo o que dizer.
É a minha vida. Lutar é tudo que eu sei fazer. Nunca consegui algo
diferente. Se não for isso, o que vai ser? Não vai ter nem como imaginar
uma vida com ela ao meu lado, não sendo isso que sou. Como poderia dar
algo ela? Como poderia mantê-la junto a mim? Eu tenho noção do quanto a
situação financeira é importante. Quanto mais com a Áquila, que já é filha
de pessoas com muitos patrimônios.
Fecho os olhos por um instante, tentando não pensar muito nisso no
momento.
— Não acredito que é Natal e tudo morreu... Nunca mais esse dia será
o mesmo — ela fala baixinho.
— O dia vai ser o que você fizer dele.
Talvez seja a coisa errada a se dizer, porque ela se afasta para levantar
a cabeça, o lindo rosto vermelho de chorar, e parte meu coração.
— O que quer dizer com isso?
— Apenas que, não acredito que sua avó fosse querer que você ficasse
triste em uma época que gosta tanto. Ela esteve feliz quando viva, tinha
pessoas que a amavam, ela foi em paz, não é?
Ela assente levemente.
— Então, vamos celebrar o Natal — tento um sorriso. — Pois eu tenho
certeza que ela não iria querer todos tristes. O que você acha?
— Eu… É impossível — sussurra. — É impossível que eu lide com
essa... realidade sem me sentir completamente afetada. É impossível.
— "Algo só é impossível até que se prove o contrário" — eu me
levanto com um pouco de esforço. Toda a região da minha barriga parece
muito sensível e repuxada. É uma sensação muito ruim e tenho vontade, por
um nonassegundo, de nunca mais lutar. — Vamos fazer biscoitos de Natal.
Você gosta?
Ela funga, assentindo quase imperceptivelmente.
— Vou me sentir como negligenciando a morte da minha vó, Lance...
Seguro sua mão, a incentivando a levantar. Ela o faz, meio relutante.
— Você não vai estar fazendo isso — toco seu rosto, acariciando da
testa ao queixo, Áquila estando em soluços. — Nós apenas vamos marcar
uma memória não só com uma notícia ruim, tudo bem?
Quando ela concorda, levo-nos em direção à pequena cozinha, não
fazendo ideia do que estou fazendo. Mas sei que não quero vê-la tão triste e
talvez essa seja uma pequena solução.
No entanto, eu não sei como fazer biscoitos de Natal, porque nunca
comemorei um.

***

— Você gostou? — pergunto quando Áquila parece engolir com


dificuldade.
— Não estou sentindo gosto, pra falar a verdade. Mas aprecio o seu
gesto.
Assinto, virando para tirar a outra bandeja de biscoitos do forno. Eu fiz
uma massa que peguei na internet e tentei fazer bloquinhos de neve como
formato, enquanto ela ficou sentada, observando; mas não acho que ficou
bem feito.
— Eu não tenho o costume de cozinhar, desculpe.
— Não se preocupe, tudo bem.
Despejo os biscoitos no recipiente onde coloquei os outros e me apoio
na pequena bancada, uma pontada forte na barriga me fazendo quase gemer
de dor, mas me seguro.
— Se não quiser comer, tudo bem também — aviso, segurando um
pouco a respiração depois de falar, e soltando aos poucos, para a pressão na
barriga não ser tanta. — O que mais você gosta no Natal?
Ela balança a cabeça em negativa.
— Eu quero dormir lá fora — aponta qualquer canto. — Podemos?
— Você quer dormir? — Estou um pouco surpreso.
— Ou tentar — hesita. — Mas é provável que eu não consiga... Pode
ser?
— Pode, claro. Eu acho que tenho uns lençóis, vou buscar — saio
caminhando devagar, me sentindo muito frágil.
Acho que nada está muito bem e, mesmo que eu tente melhorar, não
vai adiantar.
Capítulo 35

3 meses depois…

Acordar já foi fácil. Não é ingratidão. Apenas há momentos que


chegam em sua vida e você não sabe o que fazer. Em outros, para onde ir.
Indiferente de qual for, a sensação é a mesma. Isso é muito difícil.
Caminho para a sala de reuniões da Brass, em mais um desses dias que
parece ser cansativo e exigente. Acho que pensaram que essa ia ser a
solução para todo mundo: imergir no trabalho como se não houvesse mais
nada.
Abro a porta de vidro e caminho a uma das cadeiras. Há somente três
homens presentes, esperando enquanto mexem em seus celulares.
Verifico as horas no relógio de pulso. 9h00.
Não demora muito e James irrompe pela porta, parecendo, como
sempre, muito sério e centrado. Ele cumprimenta a todos e começa a
separar alguns envelopes que trouxe.
Conforme o tempo passa, mais pessoas se juntam a nós.
E, devo admitir, mesmo estando aqui há um mês, vendo como as
coisas funcionam, ainda não consigo entender muito bem. Parece tudo
muito deslocado.
Abaixo a cabeça e fecho os olhos, esperando o inicio da reunião.
Estou com saudades do Lance. Não nos vemos há dois dias por conta
do seu trabalho, que eu não gosto nenhum pouco. Mas, o que posso fazer?
Ele não quer parar. Assim que começou a se recuperar, há uma semana, já
esteve com Matthew para marcar suas lutas e isso me deixou muito
chateada com meu primo.
Tudo parece muito fora do lugar. Minha mãe está muito triste e meu
pai também, por causa dela. O meu avô não quer falar com ninguém desde
que a vovó faleceu e, mesmo que alguém tente, ele não diz nada. Romeo vai
buscá-lo para ficar conosco um tempo, mas não é certo se ele virá.
— Bom dia.
A voz.
Uma droga. Esse detalhe que não precisaria estar se somando a tantas
coisas que aconteceram em tão pouco tempo.
Levanto a cabeça, só para acompanhar Gael sentando-se ao meu lado.
Ele está sempre com um sorriso enorme no rosto e é estranho que agora
esteja trabalhando na empresa da minha família.
Preciso parabenizar Mandy, é claro. Não basta não saber controlar os
próprios romances, tem que trazer problemas para o meu.
Não que eu esteja preocupada. Não. Está tudo bem entre mim e Lance.
Nós nos damos bem e ele não tem sido um idiota de novo, mas, não é legal
ter o homem que eu transei para esquecer momentaneamente o meu atual
namorado andando pelos corredores.
— Oi — digo simplesmente.
— Tudo bem?
Eu o tenho evitado a todo custo, mas ele não tem culpa por meus
problemas. E também por eu o ter escolhido naquele dia.
Mas minha prima…
Tento um sorriso, assentindo.
— Adorei sua roupa — ele gesticula levemente. — É bem a ver com a
época.
— Obrigada.
Viro a cabeça para o início da mesa, onde James ainda está olhando
uns papéis.
Eu deveria levantar e ir embora, mas ele me colocou como uma das
responsáveis pela administração de um setor em comum nas quatro
empresas. Eu não posso ir embora.
A verdade me faz quase gemer de desespero.
Minha atenção é novamente desviada para a porta, por onde Alexander
entra. Ele está ainda mais sério que James, o que não parece ser uma
novidade para ninguém. Ele não gosta muito de falar e nem mesmo de se
juntar à família. Eu diria que ele nem parece ser do nosso meio.
— Bom dia a todos — ele toma a palavra e vejo que é quem vai
comandar tudo, pois James pega seus papéis e senta na primeira cadeira. —
Desculpem o pequeno atraso. Eu sei que estão todos preocupados em como
vai se dar o segundo trimestre, mas estou aqui para tranquilizá-los.
— Ele deve estar se referindo a porcentagem, que caiu um pouco no
último mês — ouço o cochicho, nem olhando para ver Gael falando.
— Refizemos todas as estruturas de equipes e vamos mexer nisso —
Alexander continua. — Alguns de vocês vão ser transferidos para outra
empresa nossa. Vai depender da capacidade.
Um homem levanta a mão, pedindo a palavra. Quando meu primo
assente, ele pergunta:
— Mas o que quer dizer "depender da capacidade"?
— Porque, quem não tiver capacidade de somar, tem de diminuir ou
estagnar, e não é do que precisamos.
O cara faz uma expressão desentendida, mas sei que entendeu. Mesmo
assim, Alexander acha viável formalizar completando:
— Isso mesmo. Vão chover demissões. Eu já estou muito cansado de
receber funcionários em minha sala que sabem abrir a boca para pedir
aumento, mas não se mostram merecedores de tal.
O homem murcha na cadeira, somente concordando com a cabeça.
E Alexander prossegue, não se importando com alguns olhares
chocados. Mas creio que isso não o surpreende mais. Ele comanda o
patrimônio do pai, que é a rede de supermercados, e ainda o lugar que
deveria ser da mãe na empresa. Ele, definitivamente, pode estar em dois
lugares ao mesmo tempo, mesmo que não fisicamente. Arthur, o irmão mais
novo, ajuda também. Só que a autoridade toda parte do mais velho.
— Áquila — ele me chama, eu levantando no mesmo instante. — Se
incomoda de me acompanhar? — eu nego e seu olhar desvia para James. —
É com você. Nos vemos mais tarde.
Ele sai e pego minhas pastas, indo atrás. Nós passamos pelos
corredores até o elevador, eu precisando quase correr porque suas passadas
são muito longas.
— Aconteceu alguma coisa? — questiono. Sinceramente, eu nem me
surpreenderia. Tem sido tantas ultimamente.
Alexander olha as mangas do terno e tira alguma coisa que não deveria
estar ali, em seguida, seu olhar me perfura. Ele é um homem muito bonito,
eu preciso admitir. Principalmente olhando tão de perto.
— Sim — responde, se inclinando para apertar o botão do seu andar.
— Seu irmão me disse que você não está conseguindo se adaptar.
— Quase soa como se eu fosse um animal trocando de hábitat. Foi o
James?
Ele assente, tirando outro algo que o está incomodando no ombro.
— Vamos dar um jeito nisso. Você ficará comigo em uma semana, me
acompanhando e entendo a politicagem de uma empresa.
— Mas eu estudei para isso. Já sei como lidar.
O elevador abre as portas e ele sai andando a passos largos,
cumprimentando sua secretária com um aceno discreto e abrindo a porta de
seu escritório para eu passar na frente.
— Não entendo por que meu irmão disse isso — resmungo.
— Uma coisa é teoria, outra é prática — ele gesticula o meio de sua
sala. — Coma o meu café da manhã, nós temos um longo dia pela frente.
Estreito os olhos.
— Mas já estou bem.
Alexander novamente limpa a manga do paletó, me lançando um olhar
cortante.
— Coma, Áquila. Acredite, vai me agradecer depois — e segue à sua
mesa, me deixando resignada para trás.
Como eu disse, está tudo deslocado.
Capítulo 36

Áquila parece cabisbaixa enquanto vem em direção ao carro. E não é


só impressão quando entra e me cumprimenta com um simples "boa noite"
meio gélido.
— Tudo bem? — questiono cauteloso.
— Sei lá. Acho que sim — inspira fundo e coloca o cinto. — Posso
passar a noite com você hoje?
— Claro. Como foi seu dia?
Ela dá de ombros.
— Normal. Exceto porque vou passar uma semana ao lado do
Alexander para entender como funciona uma empresa — hesita. — O
James disse a ele que eu não estava me adaptando.
— E não estava mesmo? Pensei que estava tudo certo.
— Na minha opinião, eu estava indo super bem, mas James é o cabeça,
ele sabe de tudo — solta um suspiro cansado. — Se ele disse que não, então
é porque é verdade.
— Sinto muito, baby. Você acha que seu primo vai te ajudar nessa?
— Ele é bem profissional, acho que sim — ela massageia o próprio
pescoço. — O que você acha de a gente passar em algum lugar e comprar
comida pronta? Não estou com paciência de esperar que a gente cozinhe.
Sorrio, assentindo. Então ligo o carro e nos coloco em movimento.
— E o seu dia, como foi? — questiona.
— Produtivo, embora cansativo. Com toda a obra que fizemos, quase
triplicaram os clientes. Tem muita gente mesmo, e mais pessoas pagando
para ver as "atrações".
— Tipo luta? — seu tom sai carregado de decepção e me sinto
culpado.
— É, também. Mas não só isso. Não se preocupe, não é algo perigoso.
— Imagino que não. Você ficou três meses para se recuperar. Não é
mesmo algo que me instigue a acreditar no perigo.
Resolvo ficar quieto, porque ela tem razão. Mas eu não posso parar,
porque é a forma que consigo ganhar a vida.
Sendo assim, apenas dirijo em silêncio, quase podendo ouvir no
mesmo silêncio todas as palavras que Áquila quer me dizer, mas não diz.

***

Áquila está tensa. Eu consigo ver e sentir. Assim que chegamos, ela foi
direto para o banheiro e depois comemos, sempre eu tentando puxar algum
assunto – que não deu certo. Assim que acabou, ela foi para o sofá, onde
está deitada agora e mexendo no celular.
Entendo que ela ainda esteja péssima pelo que aconteceu em sua
família, mas não me agrada nenhum pouco isso de colocar distância entre
nós.
Já não basta a distância física. Faz quase quatro meses que não nos
tocamos fisicamente. Ela parece ter criado um muro nesse sentido e eu não
sei como quebrar.
Tiro os potinhos de comida da mesa e levo à cozinha, tirando a blusa
social para conferir como está a cicatrização. Parece tudo bem, por ora.
Assim que tirei os pontos, inchou bastante e isso me deixou um pouco
alarmado, mas Áquila parece ter cuidado tão bem de mim, que melhorou de
forma rápida.
Volto à sala, vendo que ela continua distraída. Me aproximo, querendo
falar alguma coisa, mas ela já não parece muito feliz comigo por causa das
lutas, então decido apenas me ajoelhar perto de suas pernas e esperar que
ela queira falar.
Mas Áquila não quer. Mesmo quando se passam minutos longos. Ela
faz um ótimo trabalho em não me ver ou me ignorar.
Isso me deixa triste, então decido que talvez a culpa da distância seja
minha também.
Achando uma melhor posição, puxo sua perna, que ela deixa vir.
— O que está fazendo? — sua pergunta é meio baixa, mas deixa claro
que não está ligando muito.
— Estou com saudades da minha namorada.
Ela tira o celular do rosto, me olhando. Nós nos encaramos por um
instante, até eu achar que posso ter dito algo errado. Mas não. Leve e
suavemente, Áquila ergue a barra da minha blusa que está vestindo, me
mostrando que não usa nada por baixo.
Minha boca seca na hora. Faz muito tempo. Estou com tanta e tanta
saudade.
— Eu sei — ela diz, terminando de tirar a blusa pela cabeça, deixando-
a cair no chão. — Também estou.
Inclino a cabeça e beijo sua coxa. Isso parece impelir um pouco sua
vontade, pois ela coloca a perna que está no chão por cima do meu ombro,
me atingindo em cheio com a visão de tê-la aberta e deliciosa para mim.
Não precisamos de palavras. Não agora, pelo menos. Levo meus dedos
ao seu sexo, abrindo-a delicadamente para mim. Áquila geme assim que
minha língua entra em contato com sua carne quente e macia.
É verdade que eu posso ter tido muitas mulheres, mas quando se ama,
tem essa diferença. Cada reação é um prazer diferente. Cada suspiro,
estremecimento, respiração... Tudo é sobre o prazer de dar prazer a quem
se ama.
Ela traz as mãos aos meus ombros, arranhando de leve, mostrando que
está gostando quando intensifico a carícia com a língua. Áquila também
está muito sensível, molhando-se rapidamente e começando uns gemidos
mais altos, o que me deixa ainda mais ligado.
Levanto o rosto para observá-la, pirando no fato de que ela está de
olhos fechados e prendendo o lábio inferior entre os dentes, parecendo
imersa no mais profundo prazer.
Sorrio com a cena, quase emocionado demais. Sim, porque depois de
tanto tempo... é doloroso esperar.
Meu pau já está pulsando dentro da calça quando enfio dois dedos
dentro de seu núcleo molhado, com certa dificuldade. Ela é quente,
apertada e deliciosa. Tudo na mais perfeita perfeição.
Quando Áquila começa a se remexer de forma agitada e sinto que está
molhando muito meus dedos, levo a boca de volta como auxílio, e dou
lambidinhas e chupadas em seu clitóris, ajudando-a chegar mais rápido no
ápice.
E ela explode com força. Me chamando. Penso que sou eu. Não é
Lance e não é Scott, é amor. Ela falou "amor".
Isso me enche de uma satisfação inominável. Tiro os dedos de dentro
dela e chupo com toda vontade, só para levantar e levar a boca à sua,
apoiando o corpo com meus próprios braços aos lados de seu corpo; e beijo-
a, adorando o fato de ela corresponder com a mesma fome que eu.
Seus lábios são doces e macios, como tudo nela. E Áquila tem essa
precisão e urgência, que me deixa louco. E com mais vontade. Muito mais.
Sinto suas mãos descerem e, em uma ação rápida, ela tenta abrir minha
calça. Mas a posição não favorece muito e isso a faz resmungar e separar a
boca da minha, procurando olhar para baixo entre nossos corpos.
Eu riria se não estivesse mais desesperado que ela.
Rapidamente me levanto, abrindo a calça e abaixando junto com a
cueca. Meu pau está duro que dói, mas então me lembro que não tenho
preservativo em casa. Já faz tanto tempo desde que transamos, que me
descuidei desse fato.
— Vem logo — ela me chama, parecendo agoniada.
— Não tem camisinha, acho que…
— Você goza em outro lugar, mas não começou para não terminar, por
favor — se remexe, me fazendo ver o quanto seu corpo parece desejoso.
E eu sou incapaz de recusar a vontade dela, voltando a me colocar
sobre seu corpo, levando a boca a um seio e sugando, só para mordiscar de
levinho. Ela grita, me fazendo levar a cabeça ao outro, ela levantando o
corpo e procurando minha ereção.
Levo uma mão ao meu pau e direciono para dentro de seu corpo,
conseguindo espaço dentro dela centímetro por centímetro. E é quase
doloroso de tão bom.
Preciso olhá-la quando começo a me mover, Áquila me olhando de
olhos arregalados e soltando a respiração, parecendo pulsar como eu, ou
mais.
— Meu Deus! — ela ofega quando saio de uma vez, só para meter de
novo com força. Sua cabeça se levanta e recebo um tapa forte no rosto, que
queima e me faz rugir, começando uma série de investidas profundas e
precisas.
Ela deixa a cabeça cair de volta no sofá, começando a levantar o corpo
para me acompanhar.
E estamos numa sincronia tão intensa que fica óbvio que nenhum de
nós vai mais aguentar muito. Principalmente quando Áquila leva as mãos
aos próprios seios lindos e aperta, soltando um gemido tão quente que
preciso levar os dedos ao seu clitóris para fazê-la gozar mais rápido.
Quando isso acontece, já estou com a cabeça de cima quase pulsando
também. Rapidamente me tiro de dentro dela e a intenção é gozar na sua
barriga, mas meu sêmen chega até o seu pescoço e, quando ela sorri de um
jeito sexy, eu quase caio de prazer.
— Meu Deus! — ofego. — Isso foi muito gostoso.
— Gostoso é você — ela respira fundo, parecendo relaxada. —
Delicioso.
Também sorrio, só não deitando ao seu lado pelo sofá não caber, então
fico de joelhos, observando-a; a noção de eu querer isso para sempre não
me pegando de surpresa.
Então proponho a única coisa que posso no momento:
— Quer morar comigo?
Capítulo 37

— Eu não posso, você sabe… — hesito surpresa, mas não muito


porque eu já devia esperar que Lance iria querer algo assim.
— Por que não? — seu semblante cai um pouco.
— Não é o momento. Não acho que estamos prontos para isso, mas
enfim… A gente continua assim. Eu prefiro ver até onde podemos ir.
— Ok.
Lance se levanta e sai andando para o banheiro. Parece que ficou algo
estranho, mas não me impressiono porque não tem algo que não esteja
estranho ultimamente.
Então só o aguardo voltar, com uma toalha de rosto em mãos, que me
entrega.
— Espero que você não se incomode, mas eu preciso dar uma saída
antes de dormir. Tenho uma coisa para resolver e a pessoa só pode me
receber nesse horário.
— Tudo bem — eu sento e começo a me limpar, levantando um pouco
o olhar quando ele vai ao quarto dessa vez e derruba algo por lá.
— Talvez eu também demore um pouco — emenda.
— Não pedi para vir aqui porque queria ficar sozinha. Devia ter me
dito que não ficaria em casa — jogo a toalha no chão e pego a blusa,
vestindo depressa.
Estou me sentindo péssima agora.
— Eu lamento, mas vou tentar ser rápido, prometo — Lance
reaparece, já fechando a blusa, então vem até mim, me dando um beijo na
bochecha. — Tente não ficar acordada quando o sono chegar, está bem?
Eu riria, se não estivesse absurdamente indignada.
— Estou carente, não demora.
— Certo — ele sorri, conferindo as horas no relógio de pulso, então sai
andando depressa para fora.
Volto a deitar, olhando o teto e me sentindo muito ignorada. Imagino
que não deveria ser assim depois de uma reaproximação. Mas Lance
sempre tem que reagir estranho.
E isso me deixa desapontada.
***

Estou tentando olhar o monitor e entender algo do que está escrito, mas
não consigo. Minha cabeça está dando voltas por dentro e um algo arde
dentro de mim. É físico e sentimental. Eu estou triste. Amargurada.
Dolorida.
E não consigo mostrar isso a ninguém. Não é algo que se pode
enxergar a menos que alguém te conheça muito bem. E ninguém me
conhece tão bem. Depois de tanto tempo longe, e com o acontecimento
recente da minha família, é impossível que alguém ao menos queira me
conhecer a fundo.
Está doendo de verdade.
— Eu vou almoçar com alguns sócios — Alexander avisa, chegando
até o sofá, onde estou fazendo o que me pediu. Entender a porcentagem dos
lucros e prejuízos de projetos já feitos não me entusiasma muito. — Você
pode pedir algo aqui ou sair. Temos uma hora.
Somente assinto, nem me impressionando quando ele sai depressa sem
dar tchau e nem nada.
Respiro fundo e fecho o notebook num baque estalado. Me levanto,
pego minha bolsa e também saio, com a intenção de achar um restaurante
ou simplesmente dar uma volta.
Eu só queria… Que pelo menos meu namorado estivesse disponível
para mim.
Lance chegou de madrugada, mas eu estava acordada por não
conseguir dormir com tantas coisas rondando minha cabeça, então ele se
desculpou e disse que poderíamos conversar depois que saísse do banho.
Mas ele dormiu. Apagou. E eu nem tinha começado a falar.
Quando vou passar pela porta de saída, ouço meu nome ser chamado.
Eu não tenho muito entusiasmo em parar e olhar para trás, mas o faço. E
não fico surpreendida por ver Gael.
Dou um sorriso discreto em comparação ao que ele dá para mim.
— Oi — me cumprimenta ao chegar perto com um beijo na bochecha.
Muita intimidade e isso não parece legal. — Está indo almoçar?
— Estou.
— Posso te acompanhar? Podemos ir a um restaurante que serve pratos
irlandeses quase aqui perto. Eu peguei o endereço — ele tira o celular do
bolso do terno. — Podemos ir de táxi.
— Fico grata, mas não sou irlandesa, então prefiro ir em um
tradicional mesmo.
Ele me olha por uns segundos, parecendo decepcionado.
— Ah — guarda o celular de novo. — Tudo bem então. Mas se
incomoda de eu te acompanhar mesmo assim? Não fiz amizades ainda e
estou me sentindo meio sozinho... por aqui.
Solto um suspiro fundo, quase frustrado.
— É claro, sem problema — gesticulo. — Vamos.
Eu saio andando na frente, logo Gael me acompanhando e andando ao
meu lado. Ele parece muito alto perto de mim, e isso me faz pensar. Deveria
ser Lance me acompanhando em um almoço. Ele nunca fez isso.
Certo. Ele voltou a poder ter sua rotina há pouco tempo, mas eu
poderia almoçar com ele em sua casa e isso nunca pareceu o encher de
vontade.
Depois de alguns minutos caminhando, Gael e eu entramos em um
restaurante. Está razoavelmente cheio por causa do horário, mas logo nos
auxiliam para uma mesa vazia de quatro lugares.
— Aqui parece bom — ele diz enquanto coloco a bolsa na cadeira ao
lado. — Eu fico no refeitório do subsolo toda vez.
— Ah.
— É — ele passa uma mão na barba. — Você parece estar triste e eu
sei que isso não é algo que se deve comentar, mas como já tivemos algo
mais íntimo, acho que tudo bem...
Evito bufar para não parecer grosseira. Acho que homens não devem
parar e refletir sobre o que querem dizer, porque é muita merda que falam.
Deviam pensar sobre isso.
— Estou triste porque você está aqui e não meu namorado — respondo
e levanto a mão, chamando um garçom próximo a uma mesa.
Quando ele chega, faço meu pedido de macarrão com
bife engordurado. Gael pede o mesmo, dizendo que quer extravasar as
emoções como eu.
Ele não parece ser atingido por palavras. E não é o que estou fazendo,
apenas gostaria que ele entendesse que aquilo lá na Irlanda, ficou lá.
E é o que digo.
— Não vamos mais transar, você sabe, não é?
Ele se acomoda melhor na cadeira, dando um sorriso leve.
— Você já tinha namorado quando transamos? — questiona.
— Óbvio que não. Não estávamos namorando — gesticulo.
— Sei... — parece não ligar. — Tudo bem, eu não pensei que ia rolar.
Só quero sua amizade, apesar de ter sido muito bom. Você pareceu louca de
vontade. Eu adorei.
Engulo em seco, desviando o olhar, porque é estranho de ouvir de
quem não é meu namorado e também porque não me lembro bem disso.
— É claro que eu gostaria de repetir. Seria louco se não, mas eu
entendo — emenda, atraindo de volta meu olhar. — Eu entendo mesmo.
Respiro fundo, assentindo somente.
Ele não parece entender, mas não vou rebater sobre isso. Preciso
conversar com Lance ao chegar em casa.
Estou carente e preciso de atenção.
Capítulo 38

Eu não quis ir para casa, porque minha mãe ainda está um baque por
causa da vovó, então dirigi de novo para casa do Lance, e agora posso
imaginar que ele não esperava me ver, pois está demorando a abrir a porta.
Ao que parece muito tempo depois, finalmente a maçaneta gira e ele
surge, parecendo ofegante.
— Baby — me cumprimenta, então dá dois passos a frente e me
abraça forte, afastando-se em seguida para me olhar. — Tudo bem? Não
esperava você hoje. Estava terminando umas flexões.
— Se importa se eu ficar mais uma noite?
— Não — balança a cabeça junto, como para dar ênfase. — Nenhum
pouco. Entre.
Lance me dá espaço para passar e eu vou direto para o sofá, tirando as
botas de salto e relaxando no sofá confortável. Ele, por sua vez, se
aproxima e fica me analisando.
— Como foi seu dia? — pergunta.
— Bom. O Alexander é muito profissional. Tipo, muito. Ele não
conversa sobre nada que não seja trabalho. É agonizante e não é um elogio
— tiro o terninho e começo a desabotoar a blusa de seda. — E eu almocei
com um amigo do trabalho hoje.
— E como foi? — ele não parece levar muito em pauta e sai andando
para a cozinha. — Está com fome? Posso fazer um sanduíche para nós.
— Aceito, obrigada. Se for de frango com molho italiano, esse que
você tem aí, melhor ainda.
Ele dá uma risadinha.
— Entendido. Mas me conta do almoço.
— Foi normal. Ele é um cara legal, mas... — suspiro, desanimada. —
Enfim, foi um almoço nada a ver com o trabalho.
— Você se divertiu?
— Não — admito. — Faz tempo que não sei o que é isso, na verdade.
Sabe o que eu pensei?
— Não, me diga — ele começa a mexer nas coisas da cozinha, e eu
levanto para tirar a calça e as meias de seda que vão à metade das minha
coxas.
— Que eu poderia ir ver uma luta sua. Vai ser sábado, não é?
Lance não diz nada por uns segundos, eu ouvindo somente o barulho
da água caindo em algum recipiente.
— Vai — se silencia mais um pouco. — Por que você quer isso?
— Você disse que é o que faz e é a sua vida, eu quero participar disso
— caminho para o batente da porta da pequena cozinha, o vendo pegar o
frango na geladeira, já desfiado. — Não acha que é uma boa ideia?
Ele vira a cabeça para me olhar, abrindo um pouco mais os olhos ao
ver que estou só de calcinha e sutiã, me tirando um sorriso.
— Acho que não — busca meus olhos novamente. — Você está linda
assim.
— Obrigada, mas eu quero ir. É bom que se te machucarem, eu já vou
estar perto para cuidar de você.
— Parece uma ótima ideia, mas não é — ele abre a bandejinha de
frango e despeja em uma tigela, então me olha. — Não é um lugar para
você.
— Se não é para mim, também não é para você.
— Já conversamos sobre isso, Áquila — agora seu tom soa mais sério,
ele voltando a atenção ao que estava fazendo. — É a única coisa que sei
fazer. Se soubesse algo mais, eu sairia de lá.
— Bobagem. Eu não acho que você o ia fazer, mas…
Eu me silencio porque, lamento por ele, se ele não quer que eu vá por
bem, vou ir por mal.
Lance abre uma latinha de milho e coloca na tigela, me olhando de
soslaio.
— Você quer dizer algo mais?
— Sim, estou carente. Eu me senti muito mal quando você
simplesmente saiu ontem e não me ouviu depois porque dormiu.
— Eu sinto muito — ele lava as mãos, secando-as em seguida e vindo
até mim. Lance me olha de cima, parecendo ocupar todo o batente e isso me
causa um arrepio gostoso. — Me perdoa. Confesso que fiquei chateado por
você ter dito não, mas não devia ter te deixado, ainda mais depois de termos
feito algo tão bom.
Seu olhar está em mim, mas sinto que sua atenção não.
— Às vezes eu acho que faço tudo errado quando se trata de você —
continua. — De nós. Eu queria apenas ser um bom homem e namorado para
você, mas acho que...
Levo um dedo à sua boca, o silenciando.
— Eu não quero ouvir sobre você pensar em me deixar… de novo.
Nós apenas pensamos diferente, mas que casal não discorda ao menos uma
vez do outro?
Ele suspira, assentindo.
Levo as mãos aos seus braços e acaricio.
— Como foi o seu dia?
— Normal, muito normal.
— Estava pensando que você poderia me encontrar amanhã para
almoçarmos juntos.
Lance ergue uma sobrancelha. Parece surpreendido com a proposta.
— Claro que podemos — responde. — Às três?
— Almoço uma hora. Você não pode sair antes?
— Não, e você não pode depois?
— Não, o Alexander é muito rígido com horário. Ele quer que eu o
acompanhe estritamente, todos os dias — bufo, desanimada. — Então nada
feito.
— Podemos jantar juntos — ele acaricia meu rosto. — Pode ser?
— É, acho que tudo bem. Mas hoje eu quero muito carinho e atenção.
Ele sorri, deixando um beijo em meu rosto, então volta à sua tarefa,
dizendo um "pode deixar".
E volto para o sofá, deitando e o esperando.
Porque estou cansada. Muito cansada.
E não é só fisicamente.
Capítulo 39

— Você está pensando muito ou apenas divagando? — a voz me tira


dos pensamentos e olho para Alexander na poltrona em frente à minha. Ele
está sério – como sempre –, deixando a entender que talvez também esteja
irritado.
— Estou — pigarreio —, hm, tentando abordar um pouco da logística
da nova ideia de empreendimento da empresa.
Ele solta um som abafado, que me confirma que está irritado.
— Eu não me lembro de ter te pedido isso. Você sabe, nós precisamos
de concentração no trabalho. Palavras são tão importantes quanto números.
Você não vai acertar se ficar pensando em coisas que não tem parte em sua
tarefa, Áquila.
— Certo. Desculpa — volto a atenção às folhas que tenho sobre as
pernas. — Eu vou prestar mais atenção.
— Desculpas não nos fazem lucrar — me lembra antes de levantar e
sair pela porta, já quase me fazendo explodir de raiva e decepção.
Fala sério. Estou tentando. Estou mesmo, mas simplesmente não estou
conseguindo me adaptar a tudo isso de novo. Eu passei muito tempo longe,
voltei quando todos estão mudados e diferentes, estou aprendendo... Alguém
podia notar isso. Podiam ter paciência.
O Lance podia notar isso.
Resignada, me levanto e deixo as folhas em cima da mesa, saindo para
ir em busca de um café. Ainda ouço Alexander murmurar algo, mas o
ignoro.
Estou com uma forte suspeita de que vou ter uma dor de cabeça
daquelas. E isso não é o que preciso.
— Áquila!
E nem disso.
Gael sai de sua sala, que fica no mesmo corredor da salinha onde fica o
café. Ele parece sempre tão animado e isso é bem chato. Não confio em
quem está sempre elétrico.
— Estou indo pegar um café só — adianto, querendo ser deixada em
paz. — Já vou voltar à sala.
— Eu comprei algo para você — ele me acompanha. — Gostaria de
ver? Achei sua cara na loja e foi impossível não te dar de presente.
Paro os passos, soltando uma lufada de ar, muito impaciente.
— O que é?
— Venha ver — ele segura minha mão e me incentiva a caminhar
consigo.
E eu vou. Porque quero ser deixada quieta. E, toda vez que o vejo,
sinto muita vontade de ir até a Silver e gritar um pouco no ouvido da
Mandy pela burrada que ela me fez.
Quando chegamos à sua sala, ele gesticula o sofá, onde vejo uma caixa
média coberta por gliter dourado.
— Pode ir lá pegar — ele me encoraja.
Caminho depressa, abrindo-a e vendo que se trata de um vestido. Sou
impelida a tirar da caixa, e meu queixo quase cai porque é muito lindo, se
arrastando ao chão em um tecido suave e brilhoso, com as alças feitas de
pedrinhas brilhantes.
— São diamantes — ele fala.
— Nossa, eu... — busco seu olhar, vendo que Gael já está perto, um
sorriso no rosto. — É lindo, mas eu não posso aceitar. Sério, não posso. Isso
é algo que eu realmente não posso aceitar — imediatamente guardo o
vestido de volta.
São diamantes. Eu poderia rir. De desespero.
Me afasto dele e de seu presente, indo em direção à porta enquanto
falo ao mesmo tempo.
— É realmente um prazer que tenha lembrado de mim, mas não posso
aceitar.
— Áquila — sua voz é tão cortante que tiro a mão que já está na
maçaneta e me viro. — Você não sabe o que é realmente um prazer.
Engulo em seco, ficando apreensiva quando ele para bem perto de
mim. Isso parece uma atmosfera mudada.
— É o vestido, mas não quero.
Ele sorri. Um sorriso estranho, então uma mão sua se ergue em direção
ao meu rosto e Gael coloca meu cabelo atrás da orelha, acariciando o lóbulo
em seguida suavemente.
Algo dentro de mim grita para que eu me afaste, mas parece algo tão
bom, um carinho tão bem-vindo, que suspiro.
— Não — sua voz sai sussurrada quando ele inclina a cabeça e fala em
minha outra orelha. — É realmente um prazer quando eu me lembro de
você rebolando em cima de mim e gemendo louca.
Meus olhos se arregalam, minhas mãos indo aos seus ombros com
intuito de empurrá-lo, mas ele as segura e em uma fração de milissegundos,
sua boca se choca na minha, me pegando de surpresa.
Tento virar a cabeça para os lados, a fim de escapar de seu beijo, mas
parece que ele sabe o que fazer quando suaviza os lábios e repete o beijo
que me lembro. Um dos muitos que demos.
E ao mesmo tempo que isso é muito bom, porque ele realmente beija
bem, eu me sinto um lixo ao lembrar que...
O afasto com força, balançando a cabeça em negativa.
— Eu tenho namorado — deixo claro. — O que pensa que está
fazendo?
— Você não parece ter um namorado. Acho que está me enganando —
se reaproxima. — Você estava começando a gostar. Já estava amolecida
quase. Não vamos parar agora — sua mão ameaça levantar novamente.
— Não — me viro e abro a porta depressa. — Não e não.
Saio pelo corredor, esquecendo de café e da dor de cabeça, então pego
o celular no bolso da calça e ligo para Mandy.
— Srta. Morrison falando.
— Você me deve umas muitas, sua cachorra — sibilo. — Nós vamos à
boate do seu irmão hoje à noite. E não é uma pergunta.
— Eu não quero ver o Chris…
— Foda-se o Chris. Nós temos que ir lá, ouviu?
— Ok, sem neuras. O que houve?
Entro no elevador, apertando o botão e olhando para cima em seguida,
me sentindo uma vagabunda.
— O irlandês me beijou... E eu gostei.
— Puta merda!
Mandy inicia uma série de perguntas e eu apenas ouço, porque... Lance
nunca vai me perdoar por isso.
Capítulo 40

— Por que você veio vestida como uma prostituta? — pergunto para
Mandy enquanto nos dirigimos à entrada da boate, que agora sei o nome. É
Fire. E não gosto.
— Não foi a intenção, eu apenas esqueci que destacar os olhos e a
boca não pega legal.
— Que bom que você descobriu quando já estamos quase dentro da
boate.
Ele dá um sorriso sarcástico e revira os olhos, o segurança de quase
dois metros e óculos escuros nos avaliando de cima a baixo. Sua mão
direita levanta com a palma para cima.
— Cartões de cliente, por gentileza.
— Sou irmã do dono, Matthew Morrison — ela fala.
— E eu sou o Pinóquio.
Franzo o cenho, Mandy parecendo mais chocada.
— Estou falando sério — insiste. — Você não deve ser o segurança
bondoso da outra vez.
O cara não diz nada, apenas permanece esperando o cartão.
Minha prima bufa.
— Está bem, está bem — levanta as mãos. — Eu vim para uma
entrevista de... mulheres que alegram os clientes e trouxe minha amiga
comigo. Ela também quer ver como funciona. Nós estamos prestes a perder
uma grande oportunidade se não nos deixar passar — ela consegue fazer
uma voz dramática, que me deixa surpreendida.
O homem parece acreditar nessa desculpa, pois dá espaço e abre a
porta larga e preta para nós.
Tem muita gente. Está lotado. E a música é estridente aos ouvidos.
Mas algo parece muito mais diferente, pois algumas mulheres estão
somente de calcinha.
— Eu não acredito que estou parecendo uma prostituta mesmo! —
Mandy grita e nos puxa em direção à algum lugar.
E, quando chegamos, percebo ser o sofá que ficamos da outra vez, mas
está todo ocupado com mulheres seminuas fazendo companhia para alguns
homens.
— Oh, minha nossa — ela chia. — O que há nesse lugar hoje?
— Eu não sei.
— Por que estamos aqui? — ela me olha.
— Preciso falar com o Lance.
— Ah, pelo amor de Deus, e como você acha que vamos encontrar ele
nessa muvuca? — abre os braços, indicando todo o espaço cheio.
— Eu sei por onde ele me levou. Vem.
Saio na frente, abrindo caminho por entre as pessoas, ignorando
algumas mãos que passam em mim, até que finalmente chegamos à parede
preta por trás do bar. É uma parede falsa.
Assim que empurro um pouco, ela abre uma porta estreita e entramos.
Quando fecho, todo o barulho cessa, Mandy soltando um suspiro de alívio.
— O que eu faço agora? — questiona.
— Procura a sala do seu amado ou me espera aqui, não sei. Eu preciso
achar o meu namorado.
Saio caminhando pelo corredor estreito, tentando lembrar os passos do
Lance, o que é muito difícil, porque é muito escuro.
Depois de caminhar uns bons passos, finalmente chego a um corredor
onde tudo se ilumina. Parece automático. E a porta que vejo à minha frente
é conhecida.
Sorrio de alívio e me aproximo, dando três batidas fortes. Mas o
material parece muito pesado e eu insisto em mais batidas subsequentes,
quase levando um susto quando a porta se abre de repente.
Lance está materializado à minha frente, vestido de um jeito muito
requintado, parecendo espantado por me ver.
— O que você está fazendo aqui? — questiona.
Sua voz sai um pouco carregada, mas não levo para o lado pessoal
porque ele não esperava mesmo me ver.
— Preciso falar com você — respondo, juntando as mãos de um jeito
agoniado. — É importante.
— Imagino que sim, porque você veio até aqui — gesticula, agora sim
demonstrando o seu total desagrado. — Alguém mais da sua família morreu
para ser tão urgente a ponto de você não poder me esperar?
Estreito os olhos, impressionada.
— Não. É óbvio que não. Eu apenas não podia... — bufo. — Posso
entrar?
Ele me dá espaço para passar e caminho ao meio de sua sala,
percebendo que há algum perfume presente, mas não é o dele.
— O que é tão importante? — ele vai para trás de sua mesa e começa a
juntar um monte de papéis. Não sei se é impressão, mas suas mãos parecem
trêmulas.
— Lembra que eu disse ontem para você que tinha almoçado com um
amigo do trabalho?
— Me lembro, o que tem?
Junto novamente as mãos, já incerta agora. Mas eu preciso dizer. O
que fiz foi errado e estou arrependida, mas não posso não falar para ele,
porque é injusto. Ele é meu namorado.
— Quando você me disse que tinha outra pessoa, nessa mesma sala, eu
viajei para a Irlanda com a minha prima. — Agora ele me olha. — E nós
fomos a um bar e... Eu transei com um cara.
Lance abre a boca, mas então fecha. Parece triplamente chocado.
— Não tínhamos nada — continuo —, você e eu. Mas então eu vim
embora para ficar com você no hospital, mas a Mandy ficou por lá, e acho
que descobriu que ele era empresário ou algo assim e o colocou em contato
com meu irmão. Apenas que... Ele é o amigo. Está trabalhando lá há uns
meses.
— E o que isso tem a ver sobre você invadir isso aqui em dia de show?
— pergunta, seu tom sendo áspero.
— Ele me beijou hoje — falo de uma vez, Lance soltando lentamente
as folhas em mãos na mesa. — Ele me beijou, algo muito rápido. Eu não
estava esperando, não estava... Mas... Eu gostei. Gostei e acho que seria
injusto não te contar porque...
— Mas que porra — ele sai de detrás da mesa, caminhando em minha
direção com um olhar furioso. — O que caralhos isso quer dizer, Áquila?
Me encolho, me sentindo culpada.
— Apenas que foi um beijo rápido e bom, mas que não significou
nada.
Então ele gargalha. Uma gargalhada estrondosa e que me deixa com
certo medo.
— É claro que não significou nada! Óbvio que não! Você beijou o cara
que transou estando namorando comigo. O que isso pode significar, não é
mesmo?
— Nada — repito. — Apenas foi bom porque eu estava com vontade.
— Quando se estar com vontade — se aproxima mais, me olhando de
um jeito feroz — você procura o namorado e não um homem que não seja
nada seu!
— Eu procurei você! Faz dias que te digo que estou carente e você
parece achar que estou brincando! — rebato. — Eu não estou justificando o
beijo, estou apenas esclarecendo o que disse. Quero que você me toque e
me ame, e você não faz nada disso.
Lance começa a rondar a sala, com passos incertos.
— Eu não acredito que você está tentando jogar a culpa para cima de
mim — ri de novo. — Acabei de dispensar várias mulheres e você
simplesmente beija um cara nas minhas costas.
— Não estou te culpando, apenas...
— Você gostou do beijo dele! — grita, me interrompendo.
— Eu gostei, porque talvez se eu tivesse um namorado que ao menos
me satisfizesse, eu não estaria gostando do beijo de outro homem!
Lance respira irregularmente, me olhando de um jeito chocado.
— É bom saber que você quer dar para o primeiro que te aparece. Se
meu pau não era suficiente, era só ter me falado.
— Você não vai ser um escroto agora, ouviu bem? E eu senti seu pau
duas vezes e terminou uma merda!
Ele balança a cabeça em negativa.
— Vai embora, Áquila. Eu não consigo conversar agora algo coerente
ou ao menos te olhar — ele vai até a adega no canto da sala.
Me sinto esmiuçada, mas concordo com ele. Não dá para conversar
agora.
Vou em direção à porta, abrindo-a e não me surpreendendo ao ver
Mandy fingir que não tentava ouvir.
— Nós já vamos? — pergunta.
— Não, nós vamos ver o que significa esse show.
— Áquila?
Me viro ao ouvir a voz dele, então Lance agora parece triste.
— Isso que você fez não tem parte alguma com o amor — diz e bate a
porta.
E eu tento não me sentir pior do que estou.
Capítulo 41

— Você é uma fofoqueira.


— Eu não sou — Mandy rebate. — Eu apenas estava chocada que
você fosse me deixar sozinha naquele lugar escuro, então fui atrás. Mas
acho que foi algo pesado o que você disse sobre o órgão dele.
— Eu não queria ter feito aquilo com o irlandês e muito menos dito
nada daquilo ao Lance.
Nós estamos em uma parte perto do bar e, estranhamente, quando
voltamos toda a galera tinha sumido. Só tem umas cinco pessoas no bar e
um casal dançando. Não sabemos para onde foram, mas estamos contentes
com isso.
— Mas você fez. Você beijou o cara e gostou, e disse isso para o seu
namorado — ela assobia, dando um gole na taça de água que pediu. — Isso
é bem pesado.
— Você não precisa me lembrar o quanto...
— E o que estamos fazendo aqui, afinal? Ele é um dos sócios junto
com meu irmão, nem deveríamos estar aqui nessa vergonha para o nome da
nossa família.
— Eu só não tenho para onde ir — a olho. — Meus pais estão tristes
demais, meus irmãos têm suas próprias casas e o Lance... — minha voz
falha, um choro ameaçando se iniciar. — Ele não quer me ver. Para onde eu
vou?
— Vamos para um hotel ou para a casa do meu irmão. Só sei que ficar
aqui é a pior opção — ela levanta, estendendo as mãos para mim. — Vamos
dormir um pouco. Amanhã é um novo dia.
Eu aceito sua ajuda para levantar e nós seguimos para a porta, ela
colocando minha mão em seu braço, como quando andávamos juntas mais
novas.
Sei que errei. E foi o que eu disse a ele. Não tentei justificar. Apenas
estava precisando de carinho e me vi recebendo isso de uma forma rápida e
de alguém que eu não queria.
É difícil se colocar na balança.
Nós chegamos à porta, então Mandy para abruptamente, o que me faz
olhá-la. Vejo que sua boca está aberta e seus olhos de igual forma. Quando
acompanho seu olhar, vejo que está parado no segurança, que está
conversando com um outro cara.
— Vamos — chamo.
— É o... — Ela não termina porque o segundo homem nos olha e
parece levemente surpreso por vê-la.
Ótimo. Uma noite com o pacote completo.
— Morrison, o que está fazendo aqui? — ele sibila, se aproximando de
nós. Eu não quero me sentir pior, mas o cara está nitidamente com uma
aparência de quem esteve em uma transa selvagem. Até marcas de unha no
pescoço ele tem.
— Ela está comigo — eu digo, porque Mandy parece que travou.
— Você também gosta de mulher? — questiona.
— Nós somos primas — respondo por ela, olhando-a para que fale
algo. Mas parece que não vai rolar. — Nós viemos porque eu queria falar
com alguém. Quem é você?
Só assim ele me olha, me avaliando de cima a baixo.
— Ela não falou de mim? — seu tom parece de incredulidade.
— Por que ela deveria?
Ele a olha.
— Porque eu fui seu primeiro — volta a me olhar. — Vocês não estão
topando nada daqui? Hoje é dia de show.
— O que é esse show? Eu não vi nenhum cantor.
Ele dá um risinho.
— Show de sexo. Os quartos estão todos ocupados com tudo que você
pode imaginar. O meu está vazio — ele lambe os lábios. — Não estão
topando uma brincadeirinha a três? Eu deixo vocês duas loucas.
Mandy começa um choro desesperado assim que ele termina de falar, o
que me faz quase ter um susto, então nos puxo, incentivando-a caminhar
comigo pela rua.
— Eu não acredito que foi com isso que você perdeu a virgindade e
está obcecada — resmungo, nos levando ao ponto para um táxi. — Pelo
amor, tanto homem por aí.
— Tipo o irlandês? — ela cospe por entre o choro.
— Ei — a olho, indignada. — Não vem me julgando. Você não sabe
como me senti. E eu só comentei que o tal Chris é um babaca. Você tem que
estar cega se não quer ver. Ele estava querendo se gabar por ter tirado sua
virgindade.
— Ele não é assim, deve estar bêbado — funga.
— Ele me parecia bem sóbrio. Esse homem só queria te comer — faço
sinal para um táxi que está passando. — Não se faça de idiota. Ele nunca te
mereceu.
— Não acredito que ele nos convidou para... Meu Deus — volta a
chorar.
O táxi para e deixo que ela entre primeiro. Mandy se encolhe e chora
baixinho, enquanto peço ao motorista que nos deixe no endereço do
Garden.
Essa noite pode piorar?
Capítulo 42

Mandy não conseguiu parar de chorar, mesmo agora, que deixamos o


táxi e entramos para a recepção do Garden. Esse lugar tem um cheiro bom e
próprio, que lembra em muito meus pais, e isso me deixa mais triste.
Caminho para falar com a recepcionista, que rapidamente nos
reconhece e me convida a acompanhá-la até onde ela pega um cartão de
quarto para nós.
Ficamos com um no sexto andar, Mandy já quase me dando nos
nervos. Ela precisa superar esse homem.
Entramos no elevador e aperto o botão, esfregando o rosto quando
parece que tudo desmoronou. Simples assim. Caiu tudo como em um efeito
dominó.
Eu nunca esperei por tantas coisas assim quando pensei em voltar para
casa.
Meu celular toca na bolsa, eu pegando para atender o número sem
registro de chamada.
— Alô?
— Sou eu. — É ele.
— Oi… — Minha voz sai baixa e isso é angustiante.
— Onde você está?
— Estou na rua, por quê?
— Em que lugar? — Parece sério e enfático.
— Por quê? — insisto.
Lance solta um suspiro de impaciência, então se silencia por uns
instantes.
— Eu gostaria de falar pessoalmente, será que pode me dizer onde
está?
— No hotel da minha família. O que você quer falar? — Já estou
agoniada.
— Não pode ser por telefone.
— Temo que, no momento, seja a única forma. Fala de uma vez.
Ele fica em silêncio de novo. Parece pensar. Eu quase posso ver que
está pensando.
— Nós não vamos terminar — diz, parecendo meio rápido. — Não
vamos, se é isso que você estava esperando.
Solto o ar que não percebi estar prendendo, então as portas do elevador
se abrem e eu caminho para fora, sentindo Mandy me seguir.
Paro um pouco no corredor e me encosto em uma parede.
— Sim, eu pensei que você fosse...
— Não — ele pontua. — Você errou, eu sei, e isso foi doloroso para
mim. Não imagina o quanto. Mas eu também errei em te negligenciar.
Parece que fiz muito isso sem perceber. Me desculpa. Eu nunca tive que dar
carinho. As mulheres que me envolvi nunca precisaram disso.
— As mulheres que você se envolveu... — debocho. — Que você
tivesse me dito que não sabia o que era isso.
— Pensei que estava dando certo do jeito que estamos, mas
obviamente você está insatisfeita. Isso de você beijar outro e gostar é muito
ruim de se ouvir, eu nem sei se isso é apagável, mas vamos ter que aprender
a lidar com isso. Você entende ou quer acabar por aqui? — questiona, sua
voz parecendo mais séria a cada palavra. — Porque, por mim, continuamos
juntos, mas, se você quiser acabar, eu respeito isso. Vai doer mais, mas vou
entender.
— O que você vai entender?
— Que não sou suficiente para você, é óbvio.
— Você é suficiente para mim — grunho, Mandy aparecendo à minha
frente e estendendo a mão, pedindo o cartão. E eu dou, seguindo-a após
isso. — Não tenho dúvidas disso.
— Sou muito — ri, irônico. — Tem mais uma coisa.
— O quê?
— Eu preciso saber se você vai se manter fiel a mim, porque não
posso estar em algo que eu não confie na pessoa.
— É claro que pode. O beijo não durou três segundos direito. Você
pode confiar em mim, se eu confio em você estando em um covil de
prostitutas.
— Mas foi um beijo. Que você gostou. — Ele resmunga algo baixinho.
— Isso é uma merda de sentir. Quando eu posso te ver?
— Foi você quem me mandou vir embora — digo, incrédula.
— Não hoje. Não quero mesmo hoje.
Reviro os olhos, entrando no quarto atrás de Mandy, então vou direto
para a cama.
— Amanhã depois do trabalho então.
— Ele vai estar lá? — seu tom sai cheio de desprezo. — O cara que
você beijou?
— Ele tentou me beijar — ressalto. — Sim, ele está trabalhando agora
por lá. Eu falei com você.
— Eu ouvi — me interrompe. — Ouvi cada maldito detalhe que você
contou.
— Não teria nem o conhecido se você não tivesse me mandado
embora dizendo ter outra pessoa logo depois de eu dizer que estava
apaixonada por você — pondero.
— E a culpa volta de novo para mim — caçoa. — Incrível.
— Tá todo mundo errado nessa merda — Mandy grita de repente,
puxando o celular da minha mão, que está no viva-voz. — Você é tão
babaca quanto todos esses seus amigos escrotos dessa boate.
Abro a boca para pedir o celular de volta, mas fecho quando Lance a
responde.
— Você é a culpada por ela ter viajado e conhecido o babaca. E ainda
o trouxe para perto dela!
— Eu pensei em lucro e não pintos! — Talvez ela esteja um pouco
alterada com sua voz elevada enquanto tem o rosto da cor de um pimenta
por causa de tanto choro. — Vocês todos deveriam passar por um
treinamento de como tratar as mulheres, seu ridículo!
— Devolva o celular para a sua prima. Não quero falar com uma
moça bêbada e revoltada.
— Eu não estou bêbada! — ela grita, então Lance desliga, o que a faz
olhar de boca aberta para o celular. — Como eu disse, um ridículo — joga o
celular na cama e sai para o banheiro.
Me deito como estou, apenas tirando os saltos.
Eu pensei que pudesse ser uma noite boa, mas não é novidade que eu
pense errado.
Só queria que tivéssemos terminado na cama e não separados.
Capítulo 43

Confesso que estou me sentindo acabado. Mesmo agora, tendo passado


um dia depois do que tive que ouvir. A minha namorada beijou outro
homem e gostou.
Agora estou aqui, em frente ao prédio em que trabalha, vendo-a se
aproximar. E é muito nítido que, mesmo de longe, eu consiga sentir a tensão
entre nós. Não tinha como ser de outra forma.
— Oi — me cumprimenta timidamente ao se aproximar.
Preciso admitir que não estou à vontade. É esquisito que eu tente levar
isso numa boa e dar segmento no que estamos tendo. Um namoro, pelo que
penso.
— Oi.
Nós nos encaramos. Ela tem o semblante triste e parece
ressentida. Com motivos.
— Vamos para minha casa? — questiono.
— Não é a sua casa — despeja, o tom gélido. E, devo admitir, isso me
pega de surpresa.
— Estou morando lá, só ainda não comprei. Você entendeu a pergunta.
— Tudo bem. Nós precisamos mesmo conversar. Mas antes, eu queria
perguntar se você tem algo a ver com o Gael ter sido dispensado,
aparentemente, sem nenhum motivo a ver com seu trabalho.
Então eu quase me indigno.
— Quem é Gael?
— O cara da Irlanda.
Dou risada.
— Não entendi porque você acha que eu tenho a ver com isso se eu
nem sabia quem era o cara. Aliás, não precisava saber o nome dele também
— grunho.
Ela parece não acreditar em mim e isso me deixa quase furioso.
— Por que infernos você acha que eu tenho a ver com isso? — abro os
braços, em um gesto descrente. — Ele deve ter ido embora porque rompeu
a ética de trabalho, quem sabe, beijando a irmã do chefe.
Áquila estreita os olhos.
— Eu apenas achei uma coincidência, você não precisa se estressar.
— É claro que não vou me estressar enquanto você ainda está
relembrando do idiota que transou, e beijou estando namorando comigo.
— Está bem, me desculpe.
Bufo, impaciente.
— Se você tem a intenção de ficar lembrando, eu...
— Não tenho — me interrompe. — Eu apenas perguntei porque o meu
primo ficou chateado por isso e teve algum prejuízo, mas não que esteja
lembrando de nada.
— Eu não quero falar sobre nada disso aqui, nesse frio e nessa calçada.
Vamos embora — gesticulo meu carro e Áquila concorda, entrando e
tomando seu lugar.
É algo difícil, eu admito. A minha vontade é de dizer mil coisas, mas
apenas me controlo e também tomo meu lugar dentro do veículo.

***

Talvez seja impressão, mas a noite parece estar ainda mais escura do
que deveria. Isso eu noto quando estaciono ao lado da casa onde estamos
passando tanto tempo desde que me lembro.
Áquila sai do carro primeiro que eu, mas seguimos juntos o caminho
até a porta. Está um clima pesado. É como se fôssemos dois estranho e isso
é doloroso.
Quando entramos, ela faz o de sempre, o que é seu primeiro passo:
caminha até o sofá e cai sentada, soltando uma lufada de ar.
Puxo a cadeira da mesinha e sento de frente para ela, me inclinando
com o intuito de vê-la bem perto.
— Então... — ela começa, fazendo um biquinho que termina em um
som de incerteza. — Nós vamos colocar os pingos nos is?
— Sim. Você confia em mim?
Ela abre um pouco mais os olhos verdes e, infelizmente, hesita.
— Sim.
— Não, você não confia — pontuo. — Eu não quero que isso que vou
falar esteja sendo usado para explicar ou justificar o que eu fiz ou você acha
que fiz, ou até mesmo o que sou. Mas, quando você não sabe de onde veio e
descobre que as pessoas que acharam que iam te querer, não te querem, isso
fica meio forçado. Você acaba se tornando... — busco a palavra na mente.
— Eu não tenho um nome exato, mas acaba que tudo fica muito "tudo
bem".
— Não entendo… O que isso quer dizer?
— Tudo se torna levado para a aceitação. Eu não sei como te explicar.
— Tudo bem? Aceitação? — estreita os olhos. — Comodismo você
quer dizer? Já é minha namorada então tudo bem, é isso?
Ela parece indignada, ou quase isso.
— Não, Áquila. Eu quero dizer que chega um ponto que se acha que
essa é a única saída. Falei para você como foi a minha vida, eu te contei que
talvez não fosse dar certo nós dois porque eu sei dessas falhas que tenho.
Tudo que sei fazer de verdade é lutar e isso não envolve o meu sentimental
— respiro fundo, estudando suas expressões. Ela está tentando acompanhar
o que estou dizendo. — Eu quero dizer, isso é a minha vida. É o que me
tornei. Eu não tive uma mãe para abraçar e me ensinar o que é afeto ou
carinho, e garanto a você que estou tentando com você. Fazer esse lado
sentimental aparecer. Mas não é fácil, não é. E, se você quer que esse
relacionamento perdure, terá que ter um pouco mais de paciência.
Ela lambe os lábios, que parecem estar secos.
— Acho que posso imaginar que não é nada fácil. Talvez só tenha me
ocorrido que você estava me confundindo — desvia o olhar e gesticula. —
Sabe, como você disse, as mulheres que se envolveu não precisam de
carinho.
Seguro seu queixo, virando seu rosto para mim.
— Não foi nada disso — pauso, porque talvez eu tenha sido um
desgraçado por imaginar que seria do mesmo jeito. Mas eu senti que não
pode ser. Não tem como ser. — Se eu dei a entender isso, então, certo, eu
sou um desgraçado.
— Foi — ela aponta o banheiro. — Você quase me jogou a toalha da
última vez e saiu só porque eu disse não para morarmos juntos.
— Eu sinto muito...
— Entendo que antes você só precisava se satisfazer, mas agora
precisa também me deixar do mesmo jeito. E eu não falo só do sexo, mas
do afeto e sobre tudo isso que você diz não saber... — ela parece muito
paciente ao falar, o que me deixa melhor. Não precisamos de dois alterados.
— Mesmo que você esteja apreendendo, um beijo gostoso por dia não é
nada que precise ser pedido. Principalmente ao namorado.
Isso de beijo só me faz lembrar do que aconteceu e preciso fechar os
olhos por uns segundos e contar até três.
E isso parece demais para pensar, então apenas volto abrir os olhos e
me levanto, dizendo um "ok".
Áquila parece descrente e indignada.
— Ok o quê? Aonde você pensa que vai?
— Nós vamos — corrijo. — Tem algo que quero fazer com você.
— O quê? — ela também levanta, eu vendo a sombra e o indício de
uma raiva aflorar.
— Você vai ver. Espere enquanto pego uma coisa — e saio para o
quarto, talvez não sendo a melhor opção para essa hora da noite, mas com
certeza boa o suficiente para nos fazer sorrir.
Pelo menos um pouco.
Capítulo 44

Eu não sei o que Lance pensa que está fazendo enquanto estamos
caminhando por entre as árvores escuras perto de sua casa.
É muito sinistro.
— Ei, estou com medo — falo, tentando manter meus lábios sem
tremer do frio.
Não sei porque ele está com dois edredons embaixo de um braço. Já
perguntei do que se trata, mas ele não quer falar.
— Não tenha medo, estou aqui com você, não estou? Nós já vamos
chegar.
— Daqui a pouco estamos perdidos, Lance — murmuro, trêmula. —
Vamos voltar para sua casa, que é quentinha e confortável.
— Tem um lugar mais quentinho e confortável — ele me olha de
relance, enquanto a outra mão está segurando o celular para iluminar o
caminho com a lanterna.
Estou querendo esmagá-lo, mas, nessas condições de medo e frio, não
dá mesmo. Ele é minha única segurança no momento.
— Pronto, chegamos — anuncia e eu paro junto com ele, olhando para
frente e quase estando com mais raiva ao ver um lago.
— Um lago? — o olho, a boca aberta em descrença e desânimo. —
Por que estamos em um lago, Lance?
— Pra nadar — responde, como se fosse óbvio.
— Eu não vou nadar nesse frio.
— Por que não? — ele se afasta para me entregar o celular. —
Ilumine, por favor.
Eu o faço, o observando pegar os edredons e estender perto de uma
pedra grande, um ao lado do outro, deixando em o tamanho de um colchão
de casal.
— Eu não vou nadar — repito.
Ele volta a se colocar de pé, me brindando com um sorriso longo,
então começa a desfazer os botões da camisa lentamente, até tirá-la e jogá-
la sobre os panos estendidos. Faz o mesmo com a calça em frações de
segundos e eu evito que minha boca se abra quando fica totalmente nu.
— Eu não acredito — murmuro.
Ele me ignora com uma risadinha e começa a entrar na água, soltando
um resmungo no início, mas logo mergulha e; quando emerge, seus lábios
estão trêmulos, mas ele parece ter gostado.
Eu me aproximo mais da borda do lago, desacreditada.
— Por onde eu devo começar? — questiono. — Em você poder pegar
uma bactéria aí e ter problemas com as cicatrizes, ou pegar um resfriado?
— Comece tirando as roupas e se juntando a mim — ele mergulha de
novo, mas logo volta para me olhar. — Vamos lá, é gostoso. Só é gelado no
início.
Engulo um murmúrio de decepção. Eu pensei que nós poderíamos
terminar a noite transando, mas ele provavelmente não vai conseguir uma
ereção com todo esse gelo.
— Por que eu faria isso? Esse lago parece ser sujo.
— Não é. Para de bobeira. Vai me deixar nessa sozinho? — ele se
finge triste, mas os lábios trêmulos de frio não ajudam muito.
Finalmente, agoniada por vê-lo ali e imaginando que, se eu entrar, ele
saia mais rápido; eu coloco o celular em cima dos edredons e começo a me
despir. O medo é mais dos bichos da noite do que de alguém aparecer, o que
é meio difícil, levando em conta que esse lugar é super afastado.
Caminho ao pé do lago, respirando fundo antes de colocar uma perna e
depois a outra. Lance está sorrindo para mim, como me encorajando, mas, à
essa altura, não é possível identificar bem suas expressões. Somente a luz
da lua meio escondida pelas nuvens auxilia um pouco.
Dou um grito de ardor quando entro, a água geladíssima chegando aos
meus ombros e me fazendo tremer os lábios imediatamente.
Logo sinto os braços quentes ao meu redor, o corpo se colando ao meu
e então a risada profunda em meu ouvido.
Imediatamente o abraço de volta, me perguntando como seu corpo
pode-se sentir tão quente mesmo estando nítido o seu frio. As camadas rijas
de músculos estão me circulando e isso é realmente gostoso de sentir. Devia
ser sobre isso que ele se referia ser gostoso e não sobre estar em um lago
congelante pelados.
— Como se sente? — pergunta num sussurro.
Fecho os olhos e inspiro em seu ombro, sentindo seu cheiro. Ele tem
algo que lembra calor e suavidade. É um bom contraste.
— Com frio — admito. — Embora seja bom ter você me abraçando
assim.
— É congelante?
— Não — viro a cabeça para inspirar em seu pescoço. — Frio, mas
não tanto quanto pensei.
— Na verdade, é, mas estou te esquentando.
Sorrio.
— Pode ser, mas... — minhas palavras morrem na boca quando sinto
suas mãos começarem a me acariciar por baixo da água e sua boca procurar
a minha.
Essa. Essa foi finalmente a parte que eu esperei.
Levanto a cabeça para poder cumprir nosso desejo, Lance chocando os
lábios aos meus em um segundo, um suspiro fundo sendo inevitável. O
contraste também de seus lábios gelados com o interior da boca quente, é
magnífico de se sentir.
Eu poderia derreter se não estivesse com frio, meus braços se erguendo
para que eu possa envolver seu pescoço e me sentir totalmente colada a ele.
Lance está em um beijo calmo e sincronizado, e isso me deixa mais
sedenta, eu não resistindo a começar a esfregar meu corpo no dele, da forma
que consigo.
Há momentos em que a calma não ajuda muito. E esse é um deles.
Recebo como resposta pelo ação, um gemido áspero e masculino, que
reverbera por cada poro meu. É como uma corrente elétrica e imediata.
Suas mãos descem aos meus glúteos e Lance me puxa com firmeza
para si, grunhindo quando o impulso é tão forte que ele me levanta e sou
impelida a rodear seus quadris com as pernas.
Tem um quê de desespero, também.
Nós nos beijamos até eu pensar que não sinto mais meus lábios, e
mesmo assim ele ainda persiste, me fazendo acompanhá-lo em um ritmo
agora mais duro, exigente e faminto.
E eu correspondo, na mesma proporção e vontade. Talvez além,
porque eu estive insatisfeita todo o tempo.
Quando sinto suas mãos deixarem de me amparar, escorrego por seu
corpo até estar novamente imersa na água até os ombros.
Ele me olha e sorri, virando a cabeça para beijar meu pescoço quando
coloca meus cabelos para trás dos ombros. E é muito bom de sentir, porque
logo os beijos viram sugadas e chupadinhas, intercalando com seus dentes e
língua.
Estou respirando irregularmente pelo calor que começa a me corroer, a
pressão entre as pernas parecendo ser demais quando Lance segura minha
cabeça e fica focado em todo meu pescoço, como se fosse o centro de tudo.
Eu nunca recebi tanta glória no pescoço. Posso chorar de desejo.
Parece uma tortura, mas essa é boa.
Quando seus dentes raspam em meu queixo, eu quase me sinto gozar, e
não é exagero, porque nunca senti essa dedicação apenas no pescoço.
Ele se afasta, seu olhar junto ao meu, e sei que está me dizendo algo,
mas não consigo decifrar no momento porque já estou aérea de desejo.
Seguro seus ombros, e inclino a cabeça, desejando que ele me agracie
mais, mas Lance novamente engole minha boca em um beijo, dessa vez
mais desesperado e faminto, enfiando sua língua em minha boca e
passeando-a por cada canto.
Eu já nem sei mais o que é frio. Parece que estamos em água morna,
com direito a canto dos grilos.
Meus gemidos estão competindo com isso, eu sei. E não poderia ser de
outra forma quando meu lábio inferior é sugado e mordiscado, me deixando
à beira do torpor.
Lance novamente me impulsiona a passar as pernas ao seu redor, não
desfazendo o beijo. E, de algum jeito que eu tomo nota de perguntar depois,
ele nos tira do lago e sei que estamos indo para algum lugar.
O vento frio me causa um arrepio forte, que logo é amenizado quando
sinto meu corpo em contato com algo quente. Estou sendo deitada no
edredom e só posso imaginar quantos músculos ele tem nas pernas para
conseguir esse feito sem problema de nos derrubar.
Lance deita por cima de mim, sem romper nosso beijo, que agora é
mais suave, mesmo que sua língua invada minha boca vez ou outra, me
tirando suspiros de prazer.
Quando sua boca se afasta da minha, eu quase protesto, mas logo
desisto quando sinto-a chegar em meus seios. Lance chupa um, depois o
outro. Uma mão grande e áspera desce por meu corpo, chegando ao meu
sexo.
Estou ensopada de duas formas.
Seguro em seus ombros quando ele começa a me estimular com os
dedos, sua boca ainda em meus seios, e a combinação é tão boa, que
começo a arranhá-lo, quase enfiando minhas unhas em seus braços.
Ele solta um rosnado alto, quase me fazendo gozar só pelo som. Mas
logo estou gritando quando dois dedos grossos e longos começam a ganhar
espaço dentro de mim, somado ao polegar que continua a ação anterior e
sua boca procurar a minha de novo; Lance começando a sincronizar as
investidas da língua em minha boca com as de seus dedos em meu interior.
Minhas mãos começam a tocá-lo por onde alcanço, eu tendo ciência de
que talvez vá ficar marcas depois, mas não posso evitar. Eu quero explodir.
E ele sabe disso quando os movimentos de sua mão aceleram, os dedos
indo fundo o suficiente para me fazer levantar os quadris e pedir mais.
Nós dois estamos gemendo loucamente a esse ponto, quase afogados
de prazer.
E, quando Lance tira os dois dedos, só para voltar com três, sou
obrigada a separar os lábios dos seus para gritar, tendo um orgasmo
alucinante a ponto de levantar a cabeça e morder seu ombro com a mesma
força que me atinge.
Ele grunhe, não parando os movimentos dos dedos até que eu
novamente deito a cabeça e começo a me contrair ao seu redor, seu olhar no
meu agora, e o dele parece queimar de prazer e desejo.
Não parece um momento de palavras, mesmo estando óbvio que nós
queiramos dizer alguma coisa. Mas não dá, não agora.
Lance puxa devagar os dedos para fora, emitindo uns sons muito
masculinos, então os leva à própria boca e chupa, me fazendo e remexer
sobre os edredons.
Rapidamente ele se coloca de joelhos e procura sua calça, vasculhando
algo, até estar com um pacote de camisinha em mãos.
Me remexo quando ele volta a se colocar entre minhas pernas,
abrindo-as mais, até voltar a atenção à embalagem, que abre e logo está
envolvendo a extensão exuberante.
Ele é todo exato e perfeito.
Respiro fundo, ansiosa.
Quando termina, ele dá um tapinha no interior da minha coxa, me
arrancando um gemido; mas que logo é substituído por um suspiro quando
sinto-o se colocar em minha entrada, só o início.
Minhas pernas tremem pela sua largura. Agora parece diferente. É
como se eu o estivesse tendo pela primeira vez e isso nem faz sentido.
— Não prenda a respiração — ele pede, tirando tudo e voltando,
repetindo o movimento até eu mesma levantar os quadris, querendo recebê-
lo todo.
Ele rosna quando finalmente consegue seu espaço, ficando parado um
momento, olhando onde nossos corpos se conectam, me deixando excitada
e emocionada ao mesmo tempo. É um ligação diferente de todas.
— Isso é... — ele expira. — A melhor coisa do meu mundo — seu
olhar se volta ao meu e quase choro. — Você passou a ser. O meu mundo.
Não tenha dúvidas disso.
Eu diria algo, se tivesse tempo, porque Lance rapidamente começa a se
mover; saindo e entrando, ondulando os quadris e estocando fundo antes de
sair novamente só para mergulhar em mim com uma força e precisão
impactantes.
É tão bom que eu apenas fecho os olhos e aperto os seios, que estão
pesados. E ele parece entender quando sinto seu corpo se colocar sobre o
meu de novo, com o apoio dos braços, e ele suga um e depois o outro, sem
parar de me penetrar.
É uma sensação esplendorosa.
Levo minhas mãos aos seus braços, o segurando para também me
segurar e não me deixar levar pelas investidas capazes de me fazer subir
pelo chão – que pode estar me machucando, mas o tesão é maior.
Lance traz a boca de volta à minha, seu beijo quente e desejoso me
deixando como lava, desesperada por um alívio.
Ele começa a intercalar intensidades, sendo rápido e do nada sendo
lento. E isso faz o orgasmo pesar tão forte, que me obrigo a acompanhá-lo
como consigo, deixando claro que não aguento mais.
Sua boca desvia ao meu pescoço, onde ele começa a chupar, até que
sua mão direita passa por baixo da minha coxa, enroscando-a em sua
cintura e levo um tapa forte na bunda, que termina em um aperto
igualmente forte; e, somado a sua pélvis roçando meu clitóris enquanto ele
me continua a se mover, eu explodo longa e deliciosamente, com força e
desespero.
Parece um desmaio de segundos longos, Lance me amparando com
todo seu corpo e prolongando meu prazer até ele próprio achar o seu,
gozando entre rugidos, o rosto se perdendo em meu pescoço e me dando
oportunidade de fazer o mesmo.
E talvez isso não seja explicável, mas, como se pudesse fazer algum
sentido, nós falamos ao mesmo tempo:
— Eu te amo você.
Sim, porque eu disse "eu te amo", mas Lance falou "eu amo você" por
cima. E é impossível que eu não desmanche.
Agora em lágrimas.
Capítulo 45

De longe foi a noite mais maravilhosa que tive na vida. Pelo menos,
que me lembro. E acho que foi bem-vinda depois de tantas coisas que
aconteceram.
E quando acordei enroscada no Lance, eu me senti bem. Segura.
Mesmo que estivéssemos no meio de uma floresta. Não tive medo.
Porque isso estava acontecendo. Desde que ele se machucou e a vovó
se foi... Uma morte de alguém próximo pode causar isso constante. O medo.
E talvez eu estivesse vendo isso como a ausência do Lance, quando ele não
tinha nada a ver.
— Você tem certeza que é um bom momento? — ele me tira dos
pensamentos, então somente assinto e toco a campainha, só para indicar que
cheguei.
Meu pai me ligou na parte do almoço e disse que finalmente o meu
avô tinha concordado passar uns dias em casa conosco.
— É um ótimo momento — digo para Lance e abro a porta.
Estranho de imediato porque uma música está tocando, o que é inédito,
porque não me lembro de meus pais fazerem algo do tipo.
Sigo direto para a sala de estar, vendo de imediato o vovô sentado na
poltrona do meu pai, distraído enquanto olha em direção à janela. E eu não
sei se é melhor gritar de alegria e ir abraçá-lo, ou somente abraçá-lo.
Escolho a segunda opção devido a situação, então apenas me aproximo
com calma.
— Oi, vovô — digo, me fazendo notar.
Seu olhar é lento ao encontrar o meu, então ele sorri. É um sorriso
feliz, sem sombra de dúvidas, e isso me instiga a abaixar o corpo e lhe dar
um abraço demorado. Recebo dois tapinhas nas costas e isso me faz
perceber que talvez o sorriso feliz seja um reflexo.
— Que bom te ver, querida — ele diz, sua voz rouca e baixa. — Sua
mãe disse que você chegaria mais tarde.
Me sento na poltrona ao lado e seguro sua mão, que o faz dar outro
sorriso.
— Estava com saudades do senhor, vim depressa.
Ele concorda, voltando a perder a vista.
E eu me sinto mal, porque não sei o que falar...
— Gosta da música? — É a única coisa que imagino não ser errada de
questionar.
— Ah, sim... — O sorriso é imenso e ele volta a me olhar. — Foi a
música que dancei a primeira vez com sua avó.
Meus olhos umedecem e preciso me concentrar para não demonstrar.
— Ela era incrível, você sabe? — continua. — Eu nunca vou deixar de
sentir saudades dela… Nunca.
— Nem eu... — minha voz sai um tanto embargada e preciso respirar
fundo, porque é muito triste tudo isso.
— Ela me disse que não sabia dançar — seu olhar agora está
vagueando qualquer ponto. — Mas ela dançou muito bem, tirando a parte
que pisou no meu pé — um risinho fraco, que parece exigir muito de sua
garganta e ele tosse. — Só que não doeu. Eu não senti dor, porque... — Ele
hesita por longos segundos. — Porque já estava anestesiado de amor.
Fecho os olhos por um momento, buscando equilíbrio.
— A Katherine — ele tosse de novo. — Ela tinha todos os motivos
para ser fraca, mas ela sempre foi mais forte do que eu. Ela me deu tudo de
si, sem querer nada em troca — seu olhar encontra o meu, tão profundo e
significativo, que engulo um nó na garganta. — Acho que isso devia ser
sobre o amor. Eu o encontrei e agora ele partiu.
Aperto um pouco sua mão, que está gelada, mesmo estando um tempo
ameno.
Vovô olha para baixo, então começa a balançar a cabeça
negativamente.
— Eu não a merecia. Não merecia — sussurra. — Mesmo assim, eu a
tive e fui tão feliz que não vou ser capaz de dizer nunca... Mas teve algo que
ela sempre disse para mim que queria.
Uma lágrima teimosa cai de meus olhos e eu não sei se pergunto, se
devo, mas ele responde mesmo assim, me deixando mais tranquila.
— Ela sempre disse que teria que ir antes de mim porque não
suportaria me ver... — ele levanta a cabeça e vejo seus olhos marejados, o
que me faz imediatamente levar a outra mão para envolver a sua. — Ela não
suportaria me ver partir. E o pior é eu sei que não ia mesmo... Meu coração
está doendo tanto, mas estou em paz porque sei que fiz tudo que estava ao
meu alcance para fazê-la feliz.
— E o senhor fez, vovô — acaricio sua mão. — Muito feliz.
Ele sorri, mais curto agora. Eu sei que quer se desmontar, porque
também quero. É muito doloroso. Mas ele está sendo forte. Como sempre é.
— Sim, ela foi feliz — ele suspira sonhador. — Nós tivemos sua mãe e
depois nos divertimos um pouco sendo pais casamenteiros — outro riso,
mais contido. — Nós encontramos o sentido da vida. E isso não é fácil,
querida. Nós tivemos muita sorte.
— Tiveram — eu concordo, meu olhar levantando para encontrar
Lance, que está parado no batente. Eu sorrio, e ele retribui.
Talvez eu também tenha sorte...
— Existem muitas provas, muitas lutas — ele continua. — Mas nada é
mais forte ou maior do que o amor. Nunca.
— Espero encontrar algo como vocês, vovô.
— Você vai, minha querida — ele me dá dois tapinhas na mão. — Só
não pense em fingir não ver o amor, ou ele pode ir embora para sempre.
— Não farei isso — sorrio, querendo chorar.
— Aquele moço que está nos olhando é seu segurança?
Então dou risada. Nada nunca passa despercebido do meu avô.
— É o meu namorado.
— Ora — ele olha para o Lance. — Venha cá, rapaz. Não seja
acanhado. Posso não ver bem, mas do seu tamanho não é difícil reparar,
sim? Se aproxime.
Enquanto ele se aproxima, vovô me olha.
— Seus pais sabem?
— Sabem — afirmo. Eu contei, não sei se lembram.
— Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Mackenzie — Lance o
cumprimenta. — Meus pêsames pela... — ele me olha rapidamente,
questionando com o olhar se fez a coisa errada, mas eu também não sei
dizer.
— Obrigado — vovô nos alivia. — Sente-se aí. Vamos conversar um
pouco. Gosto de jovens.
Ele senta no sofá ao lado, parecendo acanhado e nervoso.
— Como se chama?
— Lancelot.
Vovô ri de forma contida.
— Na verdade ele não sabe o nome dele, vovô. Lance é adotado. Ele
também é conhecido por Scott — entro na conversa.
— Mesmo? E seus pais?
— Eu fui adotado — Lance responde. — Por um embargador e uma
advogada. Eles moram aqui perto. Mas eles não gostaram de mim, então eu
fugi de casa.
— Que interessante, não? — meu avô parece mesmo curioso. — Você
conseguiu uma vida?
— Sim — Lance sorri de leve. — Eu sou lutador, porque é a única
coisa que sei fazer. Mas eu pretendo evoluir…
— Hm — ele me olha. — Isso lembra a Amanda, não lembra?
Estreito os olhos, então ele parece entender que não sei do que está
falando.
— Você a ama? — volta a atenção ao Lance, que não hesita em
responder com um "sim" enfático. — Então tudo está bem. Uma vida sem
amor não faz sentido.
— Então esse é o sentido da vida? — Lance questiona, um sorriso
brincando nos lábios.
— Sim, sim. Mas também não se esqueça que magoar o seu amor pode
ser algo que traz consequências irreparáveis, como tirar o sentido que antes
existia — ele solta uma mão minha para levar a dele até Lance. Observo
meu namorado aceitar o cumprimento. — Eu não estou em condições de
dizer que posso lhe quebrar se magoar minha neta, mas o pai dela pode
fazer isso.
Lance ri, assentindo.
— Sim, senhor. Eu não tenho essa intenção, pode ficar despreocupado.
Estreito os olhos para ele, admirando sua cara de pau, mas entendo que
está se referindo ao agora em diante.
— Façam algo por mim — vovô pede, nos olhando. — Dancem para
que possa me lembrar de quando minha amada Katherine e eu fazíamos o
mesmo.
Lance me olha, por um nonassegundo, então se levanta, chegando à
minha frente e fazendo uma reverência.
— Me concede a honra, honorável senhorita? — pergunta, estendendo
a mão para mim.
Vovô ri baixinho.
— Eu concedo — respondo, vovô soltando minha mão para que eu
possa me levantar.
Lance nos conduz ao meio da sala, eu sentindo sua mão suada, o que
me faz rir.
— E eu ainda nem enfrentei seu pai… — sussurra. — Eu não sei
dançar, mas vamos tentar.
— É um pé, depois outro — sorrio da sua falta de jeito quando ele fica
meio perdido onde ficam as mãos. — Me acompanhe.
Deito a cabeça em seu peito, coloco sua mão livre em minha cintura e
começo a trocar os pés, ele me acompanhando de um jeito horrível, que
quase me faz gargalhar; mas quando olho vovô nos assistindo, um sorriso
imenso no rosto, eu apenas penso que está tudo certo. Nós estamos
dançando com amor.
E só então me dou conta de que a música está repetindo, o que me faz
virar o rosto contra sua camisa e começar a chorar.
— Baby... — ele beija o alto da minha cabeça. — Não chore.
Mas não posso evitar. Não posso, porque é como se eu estivesse
sentindo algo rasgar dentro de mim ao mesmo tempo que uma bonança
também flui. E é maior do que eu.
— Tudo bem — ouço o vovô. — Tudo bem se ela chorar. Quando
dançamos essa música, foi a primeira vez que a Katherine confiou em mim
e ela também chorou.
Levanto a cabeça para olhá-lo, sorrindo como consigo, mas volto
imediatamente para o peito de Lance porque a música não ajuda muito.
Mas tudo bem porque... Era assim que deveria ser.
E isso nunca me aconteceu antes.
Capítulo 46

Eu estou me sentindo muito bem. E muito bem talvez seja eufemismo.


Os irmãos da Áquila chegaram com seus filhos e esposas, e está um clima e
atmosfera diferentes de quando chegamos. Seu avô parece muito feliz
brincando com os bisnetos.
E é a primeira que me sinto em um ambiente familiar, que nitidamente
transborda amor e paz. Isso é muito difícil de encontrar. Eu sei o quanto.
— Oi.
Eu olho para o lado, vendo que o Sr. Reeves me cumprimenta,
enquanto come um doce.
— Senhor — aceito seu aperto de mão. Mais uma vez.
— Áquila parece mais interessada nos sobrinhos agora — ele diz, num
tom sério. — O que acha de termos uma conversa em meu escritório?
— Claro, senhor — eu concordo, o seguindo quando ele deixa a sala
de estar para seguir ao corredor até uma porta.
Em instantes ele está em sua cadeira alta por trás da grande mesa, eu
estando na posição de ouvinte – o que é muito incomum –. E isso me causa
arrepios.
— Seu nome é Lance?
— Como me chamam, eu não tenho uma certidão, na verdade —
pigarreio. — Não sei se sua filha falou sobre mim.
— Não, as coisas não andaram muito bem por aqui nos últimos meses.
Como posso te chamar?
— Lance mesmo ou Scott, como o senhor preferir.
Ele ergue uma sobrancelha.
— Você tem duas vidas?
— Não. Quero dizer, devido a isso de não saber qual o meu nome, me
chamam por esses dois — explico.
— No que você trabalha?
— Eu sou lutador, mas não profissional. É só algo que tenho mais
facilidade. Também era sócio de uma boate.
— Era?
— Sim — afirmo. — Não sou mais porque não creio ser um ambiente
que desejo frequentar, mesmo por trabalho, estando namorando com a sua
filha. Também preciso encontrar uma nova profissão. E vou, o senhor não
tem que se preocupar, a Áquila não vai ser prejudicada.
Ele parece refletir nas minhas palavras, o que me deixa apreensivo.
Também espero que não pergunte onde e qual o nome da boate, ou minhas
chances e as bonitas palavras do Sr. Mackenzie, não vão servir de nada.
— O que quer dizer com "algo que tem mais facilidade?" — quer
saber.
— Eu... Eu tenho dificuldade para aprender algumas coisas... Não sei,
talvez seja algum problema.
— Mas você disse que era sócio… Não sabe mexer com dinheiro?
— Sim — assinto. — Entendo bem de números, porque também tive
uma parte de administrador quando estava sendo sócio.
— Quanto tempo isso faz?
— Um dia — dou um riso nervoso, quase ficando assustado quando o
Sr. Reeves me acompanha.
— Bem, Lance — ele pega uma caneta e vasculha algo em sua mesa.
— Talvez eu possa te ajudar. Você sabe que o homem mais velho na sala foi
o dono de todo império dessa família, não sabe?
— Sim, eu me lembro de quando vinha aqui ainda pequeno.
— Verdade — começa a escrever alguma coisa. — Devido a isso, eu
tenho diversas possibilidades, incluindo poder te empregar. O que acha? —
volta a me olhar.
Sou pego de surpresa, quase arregalando os olhos.
— Eu?
— Não gostaria? — rebate.
— Eu adoraria, senhor, mas eu não sei se estou apto para isso...
— Bobagem. Você pega o jeito, tem experiência. Nós estamos
precisando de pessoas para administração mesmo. Não é um cargo que se
dar a qualquer um. Entende, certo?
— Entendo, claro — concordo. — Eu ficaria extremamente honrado,
Sr. Reeves. Nem tenho palavras para agradecer a oportunidade.
Ele sorri, me passando uma folha.
— Vou falar com o James. Isso aqui é só uma folha que ele precisa
assinar e você levar no RH. Começa amanhã mesmo — informa.
Eu pego a folha, logo também o envelope pardo que me estende.
— Sobre a Áquila, acho que não preciso ser enfático sobre a questão
de magoá-la. Eu não quero minha filha sofrendo — ele aproxima o rosto. —
Nós estamos entendidos?
— Nós estamos, sim senhor. Obrigado, eu não pretendo fazer nada de
ruim com sua filha.
— Assim espero — ele se levanta e faço o mesmo. — Seja bem-vindo
à nossa família e você precisa ajeitar a questão sobre seu nome, certo?
— Certo — sorrio. — Eu o farei.
— Ótimo. Agora podemos voltar a participar da confraternização em
família — ele diz, saindo de detrás da mesa e vindo até mim. Recebo um
abraço caloroso. — Boa escolha, rapaz.
— Tenho certeza que sim. — Estou feliz em um nível que não posso
colocar em palavras.
Nós voltamos à sala de estar, Áquila logo vindo ao meu encontro com
seu sobrinho no colo.
— Você estava com o meu pai? — pergunta.
— Estava — mostro o envelope. — Ele me ofereceu uma vaga na
empresa da sua família, não é a melhor coisa de se ouvir?
Sua boca faz um O e ela começa a pular com o bebê no colo, que logo
faz uns barulhinhos e gargalha.
— Áquila, cuidado — o irmão mais velho se aproxima. — Tenha mais
cuidado com o meu filho, não quero que se machuque.
— Desculpe — ela brilha os olhos e deixa-o levar o bebê, que sai de
seu colo em protestos. — Nós vamos trabalhar juntos?
— Sim — deixo o envelope na mesinha ao meu lado e puxo-a para
mim pela cintura. — Juntos — lhe dou um selinho. — Nada de irlandês
mais.
Ela faz um beicinho, colocando as mãos em meu pescoço.
— Por que essa carinha? — questiono. — Você o queria?
— Óbvio que não. Estou triste porque não pensei nisso antes — ela
fica na ponta dos pés e morde meu queixo, eu precisando me controlar para
não beijá-la onde estamos.
— Seu pai pensou.
— Você parou de suar as mãos?
Dou risada.
— Ufa, sim — me sinto aliviado.
— Que bom. Estou feliz por estarmos todos juntos. Muito feliz e
dançar com você, com o vovô admirado, foi melhor ainda — recebo um
abraço agora, bem apertado, que retribuo de imediato, Áquila dando uma
risadinha.
— É a primeira vez que estou em família — suspiro, olhando ao redor
e vendo alguns olhares em nós, enquanto as crianças brincam. — É melhor
parar, estão todos nos olhando.
— Deixe que olhem, estou apaixonada, e estou abraçando o meu
namorado.
Ouço um pigarreio e dou uma olhada atrás, vendo ser o outro irmão
dela.
— Áquila — ele a chama, o olhar em mim. — Não precisamos ver
você de mimimi com seu namorado.
— Pois feche os olhos, Romeo.
Ouço uns risos, já ele não parece achar muita graça, mas acaba
optando por ir até sua esposa.
— Temos que ajudar sua mãe com o almoço — proponho.
Ela levanta a cabeça, sorrindo de um jeito muito doce.
— Eu amo você — diz, de novo, e isso me enche de uma sensação
nova e maravilhosa.
Toco a pontinha do seu nariz com o dedo, sorrindo também.
— Eu amo mais, Rapunzel.
Realmente amo, e porque ela é tudo. Tudo para mim e que me faz
feliz. Tudo.
Ela é o sentido.
EPÍLOGO

— Isso está errado — Alexander diz, o que me faz olhar para Lance e
ver seus olhos amedrontados.
Seguro um riso, imaginando que não deve ser mesmo nada fácil
começar a trabalhar com o meu primo exigente, autoritário e perfeito em
tudo que faz.
— Mas eu refiz várias vezes os cálculos — meu namorado afirma. —
Não tem como estar errado.
Alexander pega sua calculadora e começa a somar os valores da folha,
obtendo um resultado diferente, o que prova que Lance errou mesmo.
— Isso acontece — meu primo releva. — Você está no começo e eu
vou fazer vista grossa para esse erro, mas isso nunca mais pode acontecer,
em hipótese alguma, porque estamos falando de patrimônios. Você sabe o
que é patrimônio?
Lance pensa um pouco.
— Bens — responde.
— Exato. E bens significa dinheiro. Cálculo errado, perda do dinheiro.
E, perda do dinheiro, falência. E nós não queremos isso, certo?
— Certo — ele concorda.
— Ótimo, então estamos entendidos — meu primo fecha as pastas
sobre a mesa em que estamos almoçando juntos. — Procure estudar um
pouco mais sobre essas empresas. Quero os cálculos sobre os juros e os
montantes sobre cada juros ao fim do dia em minha mesa — volta a olhar
Lance. — Se conseguimos tê-las, os salários de todos vão duplicar. Agora,
eu preciso ir. Tenham um bom almoço.
Ele levanta, parecendo muito certo de tudo que faz, então deixa o
ambiente, fazendo Lance suspirar de alívio.
— Você está bem? — questiono.
— Sim, é só que seu primo é bem enérgico. Hoje ele esteve gritando
com uma das garotas do mercado do pai. Ela falou mal com um cliente.
— Ele continua te levando para todo canto?
Ele faz isso quando as pessoas estão começando e ainda tem duas
semanas que Lance começou.
— Continua — dá risada. — Confesso que é cansativo, mas eu me
sinto bem porque estou aprendendo coisas novas e, claro, não tenho perigo
de me machucar.
Eu sorrio, levando minhas mãos às suas.
— Eu fico muito feliz que você tenha decidido por vontade própria
parar de frequentar aquele lugar. De verdade — digo sincera.
Porque é mesmo verdade. Eu não queria ter que pedir isso a ele, mas o
fato de Lance estar envolvido em lutas me causava calafrios.
Principalmente quando se machucou de verdade e estava no hospital. Foi
horrível de ver.
— Eu precisava enxergar de outra forma. Sabe, eu estava lá porque
não tinha por que não estar. Mas, agora com você, é diferente. Eu tenho
outra opção de futuro que antes não tinha e preciso confessar que nunca
esperei ter.
— Isso é bom? — questiono, apreensiva.
— Claro que é, baby. Olha para mim, tenho um trabalho que não me
sinto constrangido em falar e não tento esconder, tenho você, que é minha
namorada — responde. — Parece que tudo está se encaixando e é muito
bom de sentir. Isso por sua causa, é óbvio, porque você tem uma família
maravilhosa e que está me acolhendo de um jeito que eu nem mereço.
— É claro que você merece…
— Você sabe, eu trabalhei no meio de pessoas muito ricas. Quem fazia
parte da boate, porque é um valor exorbitante para ser membro, então eu via
o quanto eram esnobes. Eles ficavam felizes com as lutas e de me ver
levando o adversário ao chão — agora ele parece agoniado. — Que tipo de
pessoa se alegra com a dor do outro? Eu não queria fazer parte daquilo
mais, não quando encontrei a paz.
Eu sorrio, soltando um beijinho para ele.
— Pensei que todos os absurdamente ricos eram esnobes — emenda.
— Mas agora, vendo sua família de perto, percebo que me enganei.
— É engraçado você falar isso, porque você também é absurdamente
rico — estreito os olhos. — Não me diga que o valor da sua conta bancária
é uma montagem.
— Ei, onde você viu?
— Seu extrato estava em cima de uma caixa de jogos na sua casa, e eu
vi sem querer.
— Ah — ele dá um sorriso sem graça. — Mas é diferente…
— Não é diferente. Você fica querendo desmerecer o que tem porque
acha que o que fazia era errado. Talvez um pouco, mas era o seu trabalho. O
adversário também estava ciente do que poderia sofrer — acaricio seu
braço. — O que você tem, foi mérito seu e eu sei disso.
Ele dá um sorriso torto, parecendo não concordar, mas também não
rebate.
— Eu acho que agora pode dar tudo certo… — diz. — Sabe, para nós.
— É claro que pode. Já está dando.
— Por isso, eu quero te mostrar uma coisa — ele abre a maleta que
está no chão ao seu lado. — Mas não pode gritar muito.
Estreito os olhos, suspeita.
— Não vou, o que é?
Ele traz um envelope médio para a mesa, então me entrega.
Curiosa, eu o abro depressa, encontrando um papel dobrado.
— Um papel? — questiono.
— Abra e leia.
Eu o faço, meus olhos serpenteando rapidamente as palavras e,
conforme leio, mais minha boca se abre. Oh, céus…
— Isso é... um documento — concluo, olhando-o.
— Sim — seu sorriso é enorme. — Eu comprei uma casa. Perto da...
— Perto da casa do meu avô — estou mais emocionada do que
pensaria estar.
— Pensei que você gostaria de estar mais tempo com ele, mais ainda
por ter passado tantos anos fora, então eu tomei essa liberdade. Não sei se
você gostou, mas foi com uma boa intenção, porque ele deixou claro
naquele dia que não gostaria de sair de casa mais.
— Eu amei, é claro! Principalmente porque ele precisa de companhia.
— Sim, nós podemos vê-lo todo dia — Lance aponta o envelope. —
Ainda tem outro papel.
Dou risada, pegando depressa, então vejo ser o documento de outra
propriedade.
— É a casa em que ficamos tanto tempo. Eu fiz um acordo com o dono
e ele me vendeu — explica.
— Ah, isso é tudo tão… — eu me levanto para ir ao seu lado e lhe
abraçar. — Incrível. Nem sei como dizer o quanto gostei e principalmente
por você ter lembrado de mim.
— Você quer casar comigo?
Afasto o rosto, para conseguir olhá-lo, coberta de surpresa.
Ele morde o cantinho da boca, então gesticula.
— A gente se ama e eu quero ter com quem compartilhar amor todo
dia — hesita, sem desviar o olhar. — Eu não comprei uma aliança e por isso
não tenho uma para te dar agora, mas, gostaria muito de casar com você.
Seria o meu maior prazer que você se tornasse minha família. Você aceita?
— Nossa, eu... — dou um riso nervoso.
— Você não quer — ele desvia o olhar, parecendo triste.
— Não — seguro seu rosto, virando de novo para mim, então encosto
nossas testas, sorrindo como uma idiota. — É claro que eu quero e aceito.
Eu só não estava esperando, meu amor.
— Mesmo?
— Mesmo.
Ele dá uma risadinha, virando sua cadeira e me puxando para seu colo,
preenchendo minha boca com um beijo forte e decidido.
E que me diz mil coisas. Estou também assustada por não ter sentido o
medo que senti quando ele me convidou a morarmos juntos. Isso é
diferente. É um compromisso de verdade, eterno, que só prova que Lance
me quer mesmo em sua vida, tanto quanto o quero na minha.
— Você vai me amar mesmo eu sendo um pouco burro? — pergunta
com os lábios sobre os meus.
— Você não é burro — dou risada, o abraçando pelo pescoço. — Eu já
te amo de toda forma.
— Então eu estou feliz — seus braços ao meu redor parecem querer
me prender, certificando-o que não vou sair. — Se você disse sim para nós,
estou muito mais que feliz.
Sorrio, nossa atenção sendo desviada quando ouvimos um "boa tarde".
— Desculpem interromper, mas não é permitido que... — O homem
que chegou gesticula. — Sabe, sentar no colo do cliente.
— Claro, desculpe — Lance afrouxa os braços e me levanto, ele dando
uma risadinha. — Não vai se repetir, senhor.
O homem concorda e sai, nos fazendo rir.
— A gente pode comemorar no carro — palpito e rapidamente nos
apressamos em guardar os documentos de volta na mala, pagar a conta e
sair em direção ao veículo.
E tudo bem que tenha sido algo impulsivo, porque a gente conseguiu
se manter junto até aqui – mesmo com tudo que deu errado –, e teremos a
vida toda para continuar mantendo.
Porque isso parece ser o amor. Se manter junto mesmo quando tudo
parece não dar certo. E não desistir. Uma hora a gente chega lá.
E, bom, se o amor for uma luta, acho que vale a pena lutar por ele. Por
nós. Para sempre ou enquanto durar.
OUTROS LIVROS DA SÉRIE:

Amor em Atração
Amor em Redenção
Amor em Obsessão
Amor em Opção
Amor em Omissão
Amor em Negação
Amor em Ilusão
Amor em Impulsão
Amor em Possessão
Amor em Intenção
Amor em Pretensão
Amor em Obstinação
Amor em Depressão
Amor em Presunção
Amor em Ambição
Amor em Solidão
Amor em Exceção
Amor em Emoção

Conheça outros livros da autora:

Armstronger:
Submissão sob Amor
Coração sob Amor
Rendição sob Amor
Perseguição sob Amor

Falhas de Amor

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