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1No Prefácio à primeira série da antologia As Grandes Viagens Portuguesas, Fernão Mendes Pinto é
apresentado da forma seguinte: «Mas, entre todos os portugueses que até hoje viajaram, sobressai Fernão
A humildade de andar na aula dos velhos mestres não quer dizer que se
escreva como eles, pois só isso bastaria para os envergonhar do discípulo, a eles
que escreveram como ninguém antes tinha escrito. Antes de Fernão Lopes quem
escreveu como ele? E antes de Mendes Pinto, que é dos maiores escritores da nossa
língua e dos maiores que narraram, em todos os tempos, histórias ou romances?
Alguém antes dele escreveu uma prosa mais viva e mais rica? E antes de Camilo? e
do Eça? e do Machado de Assis? quem escreveu como eles, que leram, sem tresler,
o Fernão Lopes e Mendes Pinto e Vieira e Garrett e tantos quantos foram grandes
pelo que em si próprios eram e pelo que não perdem da herança legítima? (ibid.: 19).
Mendes Pinto. Além do grande escritor, ele é o aventureiro sem igual na nossa história, e a que raros de
outras nações se poderão aproximar» (Fonseca, 1984: 10).
2 Vide a seguinte passagem de Mar Santo: «Aos pescadores, deitados na praia, ou nas tabernas, a beber
e a jogar a laranjinha, o que se passa em terra interessa-lhes pouco. Mas para o mar estão alerta, num
instinto aventureiro de nómadas. O cavalo é o barco. Não sabem andar a pé, têm um passo pesado e
oscilante. Ou no batel que corre ao vento, que salta na crista das ondas, ou estendidos na areia a dormir»
(Fonseca, 1971: 161).
3 Veja-se, por exemplo, a reacção de Pedro ao saber, inesperadamente, no conto «O Ninho», que Chinca
passava fome: «Pedro olhava o oiro das acácias floridas e pensava no fato do companheiro que ia ali a
seu lado. Não queria agora olhar para ele, não fosse atraiçoá-lo algum ar de pena» (Fonseca, s/d: 102).
E no último conto do livro, «Um Peixe Gordo», perante o corpo morto de Chinca, Pedro presta atenção
ao casaco do amigo «tão velho, todo cosido. A mãe tinha razão: estragava muito os fatos. O menino
Pedro dá-lhos que são novos, ele derrete-os» (ibid.: 210).
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No conto «O Ninho», a questão é bem apresentada. Chinca só confiava em Pedro, «não por pergaminhos
de menino rico, nem por terem sido companheiros de escola, mas por um natural à-vontade, categoria
e qualidades que o outro sentia completarem as suas, só Pedro tratava com Chinca de igual para igual,
e era companheiro desejado e conveniente» (ibid.: 99).
(...) Apressando o passo pela rua estreita, sentia o alívio de lhe terem arrancado a
camada que aqueles anos lhe tinham acumulado sobre a pele. E todo nu, como num
regresso simbólico à pureza primitiva, debaixo da velha capa que o vento sacudia,
parecia-lhe ser agora, enfim, um homem livre. (Fonseca, 1947: 345) 6
6 Cito a partir da primeira edição do romance, pois na edição das Obras Completas o final do romance é
um pouco diferente: «Mas Bernardo ia alheio às divagações do amigo. Atravessou o jardim da Universidade;
pela nobre Porta de Minerva, com seu arco de pedra coroado pela deusa antiga, desceu à rua estreita.
E como num regresso simbólico à pureza primitiva, nu, debaixo da velha capa sacudida pelo vento, sentia
que era, enfim, um homem livre» (Fonseca, 1968: 315).
7 Miguel Torga descreve assim a sua experiência, no primeiro volume do Diário: «Coimbra, 8 de Dezembro
de 1933 Médico. Conforme a tradição, mal o bedel disse que sim, que os lentes consentiam que eu
receitasse clisteres à humanidade, conhecidos e desconhecidos rasgaram-me da cabeça aos pés. Só
deixaram a capa. E aí vim eu pelas ruas fora o mais chegado possível à minha própria realidade: um homem
nu, envolto em três metros de negrura, varado de lado a lado por um terror fundo que não diz donde vem
nem para onde vai» (Torga, 1989: 11). E no segundo volume de A Criação do Mundo também é referido
o mesmo episódio, precedido das seguintes considerações: «O velho costume universitário de ser rasgado
no fim do curso, aplicado à minha pessoa, parecia-me duplamente absurdo. Sempre combatera abertamente
a praxe, e considerava a capa e batina símbolos anacrónicos dum passado morto» (Torga, 1970: 103).
Referências bibliográficas
FERREIRA, António Manuel (2004). Arte Maior: os contos de Branquinho da Fonseca. Lisboa:
Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
FONSECA, Branquinho da (1966). «Situação do escritor». Espiral 13, 13-22.
(1971). Mar Santo. Lisboa: Portugália.
(1998). O Barão. Lisboa: Relógio D'Água.
(s/d). Bandeira Preta. Lisboa: Portugália.
(1984). As Grandes Viagens Portuguesas. 1ª Série. Sintra: Manuscrito.
(1947). Porta de Minerva. Lisboa: Ática.
(1968). Porta de Minerva. Lisboa: Portugália.
MISHIMA, Yukio (2000). O marinheiro que perdeu as graças do mar. Lisboa: Assírio & Alvim.
QUADROS, António (1992). «As matrizes arcaicas da psicologia portuguesa na obra novelística
de Branquinho da Fonseca». In Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura portuguesa.
Lisboa: Átrio, 145-153.
TORGA, Miguel. (1989). Diário. Coimbra.
(1970). A Criação do Mundo II. Coimbra.