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DOI: 10.

17666/bib8906/2019

Antropologia das demências: uma revisão a partir da Doença de Alzheimer*

Cíntia Liara EngelI

Introdução O escopo deste artigo é marcado pelo


diálogo com a produção de etnografias e
O interesse de cientistas sociais pelas pesquisas qualitativas dentro das ciências so-
demências se relaciona com uma série de ciais, especialmente da antropologia. A pro-
fatores. O crescimento considerável da sua ximidade e o aprendizado comunicativo de
dimensão epidemiológica é um deles: cal- pesquisadores envolvidos com pessoas com
cula-se que o número de pessoas que vivem demência têm nutrido o questionamento de
com demência ao redor do mundo triplique conceitos básicos, metodologias utilizadas e
nas próximas décadas, passando dos atuais tipos de narrativas produzidas. A intenção,
50 milhões para 152 milhões até 2050. então, é observar alguns caminhos da etno-
Tal  fenômeno é delineado e acompanhado grafia nessa área e, inclusive, pensar como
por políticas globais de prevenção e cuidado as produções da antropologia nesse tema
a partir da biomedicina (WHO, 2017). Ob- podem se pulverizar dentro da disciplina,
serva-se, em conjunto, um crescimento de por constantemente reformularem conceitos
investimentos em pesquisa de medicamen- muito caros a ela, entre eles: vida, sujeito,
tos, amplos questionamentos de regimes de self, normalidade, pessoa e intersubjetivi-
cuidado nacionais e globais e, de modo para- dade. Contudo, o campo das demências é
lelo, o aumento de produções artísticas que consideravelmente multidisciplinar tanto no
colocam a demência em evidência. A doença Brasil como em outros lugares. Dessa forma,
de Alzheimer se transformou no diagnóstico mesmo que o foco da minha abordagem es-
mais comum entre as síndromes demenciais, teja em trabalhos etnográficos e qualitativos
angariando maiores recursos e atenção pú- engajados com as ciências sociais e com a an-
blica — inclusive de cientistas sociais —, por tropologia, muitos deles são atravessados pela
isso a sua centralidade nesta revisão. multidisciplinaridade comum ao campo.

*Agradeço a Annette Leibing e Soraya Fleischer, a leitura da versão inicial desse texto e as valorosas contribuições
para sua versão final. E, ainda, a Iara Maria de Almeida Souza, Lia Zanotta Machado e Marcela Stockler Coelho de
Souza, a leitura de meu projeto de qualificação e apontamentos para a continuidade da revisão de literatura realizada
naquele momento.
I
Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade de Brasília – Brasília (DF), Brasil. E-mail:
cintiaengel@gmail.com
Recebido em: 20/12/2018. Aprovado em: 24/04/2019.

BIB, São Paulo, n. 89, 2019 (publicada em agosto de 2019), pp. 1-22. 1
Justifico a produção desta revisão de li- ticas principais. Para este artigo, selecionei
teratura, então, pela potência que os traba- autores que apresentassem variadas versões
lhos me parecem ter de refratar conceitos, de debates que são mais comuns ao campo.
engajamentos e a prática antropológica e Por questão de espaço, escolhi dialogar com
etnográfica a partir dos mundos da demên- autores clássicos a partir de releituras con-
cia. Mas também porque esse campo ainda temporâneas e, assim, dar visibilidade para
é muito incipiente e pouco articulado den- o acúmulo das discussões. A intenção geral
tro das ciências sociais brasileiras. Existe um foi dar uma luz panorâmica à variedade dos
interesse relativamente consolidado sobre debates e seus caminhos de continuidade, es-
o tema do cuidado de idosos com alguma pecialmente a partir do Brasil.
demência no Brasil, especialmente em áreas Separei o texto em três seções, as quais
como enfermagem, psicologia, sociologia e se relacionam com o tipo de pesquisa realiza-
assistência social (ver, por exemplo, Dela- da, os conceitos mais comuns manejados e as
libera et  al., 2015; Marins; Hansel; Silva, diferentes aproximações da demência e suas
2016; Neumann, 2010; Mattos, 2017), mas realidades. Primeiro, falo da constituição de
são poucas as etnografias das ciências sociais uma categoria-doença e dos campos de in-
sobre a doença de Alzheimer e outras demên- tervenção/criação articulados a ela; em se-
cias, inclusive focadas no cuidado (Leibing, guida, dialogo com aspectos práticos de cli-
1999, 2006, 2018; Feriani, 2017a; Engel, nicar, medicar e cuidar; e, por fim, descrevo
2013; Vianna, 2013; Silva, 2012), apesar de algumas investidas que têm como interesse
serem relativamente estabelecidos estudos se aproximar da experiência das pessoas que
sobre cuidado e velhice (Debert e Pulhez, vivem com os sintomas e diagnósticos — de-
2017), profissionalização do trabalho de bate que ficou conhecido como personhood
cuidado de idosos (Hirata e Debert, 2016; movement. Ao que me parece, esses campos
Silva, 2017) e políticas de cuidado para ido- se retroalimentam constantemente, criando,
sos (Batista et al., 2009; Camarano, 2010). a partir de perspectivas e embates, coletivos
Estudos sobre envelhecimento e relações que dão visibilidade para experiências até
intergeracionais também têm certa tradição muito pouco tempo, e ainda em muitos es-
(Eckert, 2012; Debert, 1999; Brito da Mot- paços, invisíveis. Ao final, arrisco algumas
ta, 2010; Minayo e Coimbra, 2002). Assim, palavras sobre as aberturas e possibilidades
um campo que envolva cientistas sociais a contemporâneas do campo, especialmente
partir do fenômeno da demência e doença para pesquisadores brasileiros.
de Alzheimer ainda não se consolidou local-
mente. Espero, com este texto, caminhar no Constituição de uma doença:
sentido de diminuir essa lacuna um campo de intervenção/criação
Não se trata de uma revisão extensiva e
sistemática da literatura. Tenho feito o tra- Como uma condição chamada — pelo
balho de revisão sobre as demências a partir menos até meados dos anos 1960 — generi-
da metodologia bola de neve — quando um camente de senilidade, demência, caduqui-
texto leva a outros. Durante cinco anos de ce, loucura ou até velhice se transformou em
pesquisa com o tema, reuni artigos, livros e um diagnóstico biomédico e gerou tamanha
capítulos e os organizei a partir de suas temá- comoção? O que a define? Quais são os seus

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limites? Como mudou através do tempo? fendia o primeiro conjunto de causas estava
Tais questões têm ocupado pesquisadores e Sigmund Freud e do segundo, Kraepelin.
profissionais da área da saúde a partir de in- Alzheimer conhecia, assim como vá-
tensos debates e controvérsias. rios pesquisadores antes dele, a condição
A antropóloga canadense Lock (2013) comportamental chamada comumente de
produziu uma etnografia recente e de bas- demência senil, amplamente compreendi-
tante fôlego sobre o contínuo debate em da como uma das possíveis consequências
torno dos biomarcadores e das ofertas de normais do envelhecimento, caracterizada
tratamento em relação à doença de Alzhei- por esquecimentos e mudanças comporta-
mer. A autora descreve como o fenômeno mentais. À época, na Alemanha, quando as
da doença de Alzheimer tem se constituído famílias não queriam ou não podiam con-
em uma epidemia e conquistado fundos para viver e cuidar, era comum que pessoas com
pesquisa. Abordando quais debates existiram tais características fossem mandadas a asilos
e continuam em aberto, remonta toda essa ou hospitais psiquiátricos, nos quais Alzhei-
história do Alzheimer e o atualiza com con- mer e muitos outros desenvolveram suas
trovérsias genéticas e com a virada investi- pesquisas; ou ainda para clínicas universitá-
gativa para a prevenção. A autora acumula rias fundadas com o propósito de pesquisa e
entrevistas e conversas com especialistas da estudo, nas quais as pessoas permaneceriam
área entre Estados Unidos, Canadá e Reino por pouco tempo, até serem encaminhadas
Unido, lê as principais produções de pesqui- para os asilos.
sas empíricas e seus resultados, acompanha Em um desses asilos, Alzheimer co-
conferências importantes e coloca em texto nheceu Frau Auguste Deter, uma mulher
as muitas controvérsias que têm feito parte de 51 anos. Em 1901, o médico começou a
do desenvolvimento de um corpus de conhe- escrever um extenso relato clínico sobre ela.
cimento biomédico e genético sobre a doen- Inicialmente, via-a todos os dias e anotava
ça de Alzheimer. suas repetições, esquecimentos, agressivi-
Ao recontar a história, dialogando es- dades, medos. Depois de três meses que os
pecialmente com Ballenger (2006) e Fox dois se conheceram, Auguste D. não se co-
(1989) — autores americanos tidos como municava mais pela conversa e tinha acessos
clássicos nesse debate —, Lock (2013) re- de gritos intensos. Quando ela faleceu, em
lembra que o alemão Alois Alzheimer era 1907, Alzheimer requisitou seu cérebro para
um psiquiatra clínico muito dedicado ao uma autópsia. Alzheimer viu o que chamou
cuidado e tratamento de seus pacientes, as- de emaranhados neurofibrilares em quanti-
sim como compunha o grupo de pesquisa dades excessivas, formando fibras densas e
coordenado por Emil Kraepelin (chamado retorcidas dentro das células nervosas e, ain-
com frequência de “pai da psiquiatria mo- da, placas de proteína beta-amiloide (depois
derna”). À época, estava em jogo um debate batizadas de placas senis) entre os neurônios.
sobre a causalidade das condições de saúde Apresentou esse achado em um seminário,
mental observadas pela psiquiatria, havia um em 1906, sustentando sua hipótese de asso-
embate entre explicações somáticas e outras ciação entre esses marcadores e o comporta-
que localizavam causas físicas de tais circuns- mento de sua paciente, mas suas descobertas
tâncias. Como agregador da posição que de- tiveram pouco eco.

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Lock (2013) continua: tais marcadores conquistado tal abrangência. Uma delas foi
não eram desconhecidos de seus colegas que o abandono da diferenciação entre demên-
estudavam outras condições do cérebro, o cia senil e doença de Alzheimer — o que
que Alzheimer fez foi chamar a atenção para aumentou o número de casos e o apelo pú-
a quantidade e localização deles. Apesar de blico. Outra foi o crescimento dos investi-
Kraepelin ter batizado, em 1910, a demência mentos no desenvolvimento de tecnologias
pré-senil com o nome de Alzheimer em uma biomédicas específicas. Ballenger (2006) nos
revisão de seu influente Livro de Psiquiatria, conta a história de parte dos medicamentos
o termo não se estandardizou por uma boa produzidos para a demência e como, desde
quantidade de décadas. Nesse manual, Krae- 1950, eles têm servido como poderosos agen-
pelin diferenciou a senilidade em idade avan- tes socioculturais, atuando de forma decisiva
çada da doença que batizou como doença de nas transformações do envelhecimento nos
Alzheimer, acredita-se que ele fez isso por con- Estados Unidos1. Para Ballenger (2006), a
siderar a primeira como um processo normal busca por tratamentos para a demência senil
do envelhecimento. A relação entre normal e aumentou em 1930, em diálogo com movi-
patológico na velhice dava o tom, além dis- mentações que buscavam alternativas mais
so, certas autópsias apresentavam resultados humanitárias à internação de pessoas com
controversos: determinadas pessoas tinham os demência em instituições psiquiátricas e asi-
marcadores encontrados por Alzheimer, mas los. Entre 1940 e 1950, uma série de terapias
não desenvolviam a demência e vice-versa. passou a ser testada com pessoas portadoras
Para Lock (2013), um dos principais in- de demência instaladas em mental hospitals,
teresses de Alzheimer em encontrar os mar- desde eletrochoques a terapias nutricionais.
cadores físicos da demência era lidar com o As demências haviam sido reconceituadas
estigma de teorias somáticas que acabavam por um grupo de pesquisadores liderado pelo
por “culpar” certos comportamentos e a vida psiquiatra norte-americano David Rothschild
pregressa da pessoa que os experimentava. como parte de um conjunto mais amplo de
Alzheimer ainda pensava que futuramente experiências sociais e relacionais. Tais sujeitos
as demências iriam se subdividir em vários insistiam que a demência tinha relação não só
tipos de diagnósticos, com marcadores espe- com a experiência de envelhecimento moder-
cíficos e diferenciados. O que acabou acon- no, a aposentadoria obrigatória, o isolamento
tecendo, contudo, foi que o diagnóstico da social e a desintegração de laços familiares,
Doença de Alzheimer se tornou um grande mas também com a capacidade pessoal de
agregador de atenção e fundos para estudos lidar com os obstáculos da vida. Tal perspec-
e pesquisas sobre demências. Alguns autores tiva, inclusive, continua presente no discurso
chamam esse processo de Alzheimerização de muitos médicos e sujeitos envolvidos com
das demências (como, por exemplo, Kit- a condição (Lock, 2013).
wood, 1997). De acordo com Ballenger (2006), foi
Existe um conjunto de razões citadas nesse contexto que surgiram, nos anos 1950,
na literatura para que o diagnóstico tenha as primeiras drogas para demência. Eram

1 Em uma coletânea multidisciplinar chamada Treating dementia: do we have a pill for it (Ballenger et al., 2009) é possí-
vel consultar vários dos debates sobre os medicamentos da demência e sua influência na estabilização do diagnóstico.

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de três tipos: psicoestimulantes, vasodilata- tarem muitos deles), as quais permanecem
dores cerebrais e potencializadores metabó- no mercado até hoje — donepezila, rivastig-
licos para o cérebro. Nenhum deles estava mina e galantamina. Também permanecem
focado em qualquer mecanismo patológico, as controvérsias sobre seus efeitos, já que tais
mas sim em melhorias gerais do funciona- medicamentos são utilizados para retardar o
mento mental. A ampla propaganda desses tempo previsto para a piora dos sintomas,
medicamentos tornou mais forte a ideia de não prometem qualquer cura e têm chances
que a deterioração mental não era natural consideráveis de não funcionar. Outros me-
ao envelhecimento e poderia ser combati- dicamentos que passaram a se relacionar de
da. Tais  medicamentos permaneceram no forma intensa com a demência a partir dos
mercado até os anos 1980. Nesse período, anos 1990 foram os antidepressivos e antip-
psiquiatras, gerontólogos e associações de sicóticos, quando a categoria behavioral and
pacientes passaram a defender que demência psychological symptoms of dementia (BPSD)
senil era um termo muito amplo e discri- foi estabelecida (Leibing, 2009).
minatório, e era inaceitável não buscar tra- O’Donovan, Moreira e Howlett (2013)
tamentos específicos para uma variedade de e Moser (2008) nos dão uma dimensão de
condições que causavam sofrimento. Nesse como associações de pacientes participa-
contexto, a categoria demência de Alzheimer ram no advocacy por algum tratamento da
foi ganhando mais aceitação, sendo diferen- demência. Para O’Donovan, Moreira e Ho-
ciada de outros tipos de demência e consi- wlett (2013), é possível pensar em dois regi-
derada a mais comum (ou geral) entre elas. mes que acompanharam a atuação de tais as-
Ballenger (2006) conta que, em 1970, sociações. O primeiro regime de orientação
vários laboratórios sugeriram que havia um dessas instituições teria focado na experiên-
déficit do neurotransmissor acetilcolina no cia dos cuidadores e na pressão maior por
cérebro de pessoas com sintomas de demên- investimentos públicos e privados em alter-
cia, tese que ficou conhecida como hipótese nativas de cuidado. A mudança de regime se
colinérgica. Por mais que muitos pesquisa- deu entre 1990 e 2000, com o crescimento
dores admitissem a complexidade orgânica e de produções e campanhas que reconheciam
ambiental do que poderiam ser causas da de- a capacidade de pessoas com demência de
mência, tal hipótese serviu como um simpli- falarem por si mesmas. Mais pessoas com
ficador acordado para a busca de medicamen- demência em fase leve passaram a participar
tos. Em 1993, a droga tacrine foi aprovada dessas associações e o tom do debate sobre
pela Food and Drug Administration (FDA), cuidado foi se modificando. Algumas formas
mesmo com resultados controversos em pes- de argumentar, centralmente aquelas que
quisas. Foi a primeira inibidora colinérgica focavam exclusivamente no horror da expe-
amplamente difundida como tratamento da riência de cuidado com as perdas do Alzhei-
demência. Apesar dos muitos efeitos adver- mer e, assim, reforçavam estereótipos como
sos e da contínua controvérsia sobre seu fun- “perda do self” e “morte em vida” (Hersko-
cionamento, seu uso se popularizou. Outras vits, 1995), foram questionadas.
três drogas desse tipo foram aprovadas logo Para O’Donovan, Moreira e Howlett
em seguida, consideradas mais seguras, com (2013), esse movimento também veio acom-
menos efeitos colaterais (apesar de apresen- panhado de mudanças na argumentação so-

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bre os medicamentos e no investimento em é uma nova forma de conceituar senilidade e
pesquisa. Em certo momento, passou-se a traçar uma linha que a separa dos outros en-
considerar pessoas com demência como con- velhecimentos. O que muda com a categoria
sumidoras e a possibilidade de uma cura mo- de doença é um manejo de esperança sobre
bilizou esperança pública. Para os autores, o uma possível cura. A doença de Alzheimer
regime atual envolve a luta por investimento seria, então, a senilidade da modernidade —
em pesquisa em busca da cura (uma vida que pretende superá-la.
sem Alzheimer) e por qualidade de vida e A tentativa de falar e investir em tratar
possibilidades de uma boa vida para pessoas dessa diferença-doença não é só uma em-
com demência e seus cuidadores. Tal pes- preitada de médicos ou demógrafos e suas
quisa se deu no Reino Unido e na Irlanda, previsões do envelhecimento populacional; é
mas dialoga com achados parecidos das as- também uma demanda de grupos de fami-
sociações americanas (Fox, 1989; Gubrium, liares e pessoas que querem ser consideradas
1986) — as quais são reconhecidas como como sujeitos merecedores de tratamento e
personagens principais da pressão pública cura dentro da lógica que os atende. Para
que transformou a demência senil e depois Moreira (2010a), a gerontologia e a geriatria
o Alzheimer em uma questão merecedora de se constroem a contragosto da biomedicina
investimentos e atenção. mainstream — e especializada —, preven-
Ballenger (2006) reflete ainda sobre do e buscando abordagens holísticas para
como a senilidade (termo genérico associado reclamações e sofrimentos de pessoas enve-
à velhice com perda de memória) passa a ser lhecidas. É no diálogo com elas que certas
estigmatizada e gerar ansiedades partilhadas demandas de tratamento surgem. Ademais,
na sociedade americana e de que modo ge- Moser (2008) chama a atenção para a forma
rontólogos, em diálogo com associações de como as associações e produções estéticas de
cuidadores e pacientes, tentaram enfrentar grupos de familiares e pessoas com demência
tal estigma. Para o autor, o trabalho inicial transformaram a vida com demência, pro-
dos gerontólogos e geriatras foi estabelecer movendo possibilidades de lidar com sofri-
um campo para ouvir e cuidar do envelhe- mentos, pautar a qualidade dessas vidas e in-
cimento, tomando-o como um período de vestir em medicamentos, cuidados e lugares
possíveis cuidados e, em outra ponta, dife- de convívio.
renciando doenças que eram tratáveis. Para o Alguns autores (Leibing, 1999; Cohen,
autor, a tentativa de chamar a senilidade de 1998) interessados nesses fluxos que tentam
Alzheimer teve o intento de tirar o estigma ou disputam o que vem a ser e como tra-
da primeira, muito associado à experiência tar a demência intentam, a partir de olhares
do envelhecimento moderno americano. comparativos para países do sul, como Brasil
A  tentativa de centrar no corpo e na ideia e Índia, observar modelos ou regimes que
de doença a causa de comportamentos tidos recontam esse contexto a partir de outros
como moralmente condenáveis seria uma termos. Para a antropóloga alemã que fez seu
forma de enfrentar moralizações negativas de campo de pesquisa no Brasil, Leibing (1999),
sujeitos, famílias e discursos. Contudo, para a popularização da Doença de Alzheimer
o autor, o próprio Alzheimer como condi- no Brasil aconteceu desde o início dos anos
ção, mesmo que conectada a aspectos físicos, 1990. Tratou-se de uma nova nomeação para

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condições já conhecidas. Para a autora, uma O ponto de Cohen (1998) e Leibing
explicação “mecanicista” e orgânica da doen- (1999) é não estabilizar os termos e os fe-
ça começou a ganhar adeptos entre os médi- nômenos em narrativas únicas. Já um dos
cos, mas ela disputava com outra, “relacio- principais argumentos do trabalho de Lock
nal”, que considerava a senilidade (ou, aqui, (2013) é que uma ontologia hegemônica
caduquice) o resultado de uma vida dura, sobre os rumos da demência parece nunca
complicada e que teve consequências que ter se estabilizado, inclusive entre cientis-
resultaram nas “esquisitices” comportamen- tas americanos, canadenses e ingleses. Lock
tais e nos esquecimentos. De toda maneira, (2013) nos resume algumas das principais
mesmo o modelo mecanicista ganhando for- tensões não resolvidas na estabilização de
ça, ele não substituiu o relacional, inclusive uma ontologia da demência. A primeira ten-
na prática médica; os profissionais optavam são: corpo e mente. Pesquisadores investem
por explicações mecanicistas quando a pes- muito tempo para debater se a mente é redu-
soa não trazia reclamações de infelicidade ou zida ao cérebro, se é mais do que isso e quais
dureza durante a vida. as relações entre mente e cérebro, questão
O antropólogo americano Cohen (1998) que tem consequências diretas no reconheci-
é um autor clássico nesse circuito. Decide mento, ou não, de determinadas patologias e
não fechar sua etnografia a partir dos termos de seus sintomas. Outra tensão, muito recor-
demência e doença de Alzheimer, já que na rente, é se certos sintomas da demência em
época da sua pesquisa não encontrou essas pessoas de idade avançada são patológicos
categorias entre seus interlocutores indianos. ou parte de um processo normal da velhi-
Acompanha, então, vários caminhos de cons- ce. A terceira tensão apresentada pela autora
tituição de uma diferença relacional, seja ela envolve o DNA e o que ele significa em ter-
o próprio envelhecimento ou um envelheci- mos de diagnóstico, prevenção e corpo, ou
mento específico. Os nomes e tipos de mar- seja, se a sequência de DNA determina ou
cação da diferença variam: é esse o ponto do aumenta consideravelmente a probabilidade
autor. Ao chamar a atenção para tanto, argu- do desenvolvimento de certas doenças, ou se
menta sobre a necessidade de contextualizar o próprio DNA faz parte de uma complexa
reflexões e não fechar os fenômenos em cer- rede epigenética, o que torna esse investi-
tos termos e histórias, olhando para os fluxos mento investigativo muito mais complexo.
de padronização, mas também para as mui- Em suma, uma nova roupagem para o deba-
tas histórias de constituição das diferenças. te inato/adquirido.
Cohen (1998) ainda sublinha que é o corpo Para a autora, com raríssimas exceções, é
envelhecido de uma maioria de mulheres ins- comum que pesquisadores concordem tanto
titucionalizadas em asilos que tem servido com a fisicalidade da demência como com a
como fonte para pesquisas e explicações sobre multifatorialidade dela e a multiplicidade de
a senilidade. Determinados corpos são escru- marcadores orgânicos em articulação. A con-
tinados e se transformam em narrativas polí- trovérsia não é bem essa, mas sim como tra-
ticas, por vezes para buscar modos de cuidar e tar, achar uma causa ou prevenir. E mais, em
tratar outros corpos; ou mesmo para silenciar, que investir dinheiro e pesquisa. Mesmo que
separar e proteger a nação dos que envelhe- o emaranhado ambiente/estilo de vida/gené-
cem, adoecem e geram gastos. tica/placas/neurotransmissores seja um com-

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plexo mundo reconhecido, existem recortes ao redor do mundo: o Código Internacional
de sua abordagem. Um deles se volta para a de Doença (CID) existe, assim como padro-
esperança de achar uma cura, seja ela a partir nizações escritas sobre critérios de diagnósti-
da qualificação da localização da demência co, protocolos de distribuição e prescrição de
e dos medicamentos, ou, mais contempo- medicamentos, condutas padrão e avaliações
raneamente, de prevenção por mudança de de boas práticas. A doença de Alzheimer se
estilo de vida. A complexidade reconhecida institucionalizou e pulverizou na prática bio-
parece disputar com a localização disciplinar, médica. O que, como veremos, não chegou
de pesquisa, de capacidade de conhecimento a estabilizar as complexidades do processo de
e de interesses políticos e financeiros. diagnóstico e tratamento.
Ademais, a mudança de uma perspec-
tiva de tratamento para outra de prevenção Clinicar, medicar e cuidar
não muda necessariamente o paradigma em
questão. Como Leibing e Kampf (2013) Outro modo de se aproximar das cons-
observam, a mais recente preocupação em tituições, dos delineamentos e dos trans-
torno da prevenção passa por estratégias de bordamentos do que vem a ser a doença de
intervenção localizadas de fármacos para Alzheimer é a partir das práticas e da orga-
pressão e diabetes; ou para a proposição de nização dos processos de diagnóstico, trata-
mudanças privadas de “estilo de vida” — e mento e cuidado. Vou dialogar, nesta seção,
isto não é particular à demência, mas segue especialmente com etnografias em clínicas,
um “paradigma cardiovascular”, como vários grupos de apoio, grupos de memória, casas
outros males. Engajamentos financeiros e e, nelas, sobre as lidas com diagnósticos,
propostas de intervenção raramente se enca- medicamentos, tratamentos propostos e or-
minham no sentido de lidar com o ambiente ganizações de cuidado.
e com fatores que podem tanto desencadear A antropóloga brasileira Feriani (2017a,
a demência ou prevenir que certas pessoas a 2017b)2 circulou por grupos organizados
desenvolvam, mesmo tendo os marcadores. pela associação mais conhecida no contexto
No lugar disso, tais intervenções produzem brasileiro, a Associação Brasileira de Alzhei-
narrativas de culpa e responsabilidade pes- mer (ABRAz), por ambulatórios da psiquia-
soal, seja da “‘família”’ ou das “‘pessoas”’, o tria geriátrica e neurologia de um hospital
que dialoga com a tese da reprivatização da universitário e visitou algumas casas em São
velhice, de Debert (1999). Paulo. A autora nos conta como conseguir o
Esse contínuo interesse e campo de pes- diagnóstico do Alzheimer é, para familiares e
quisa em torno da constituição de conceitos médicos, desatar um nó: esquecimentos, agi-
e delimitação de tratamentos parece confir- tações, ver coisas que os outros não veem —
mar o que Cohen (2006) postulou: o futuro tudo isso é constantemente avaliado para
das demências está em aberto. Houve, con- se fechar um diagnóstico, ou para duvidar
tudo, padronizações e normativas importan- deste e revisitá-lo. O processo de feitura e
tes ao longo dos anos para a prática biomédi- rearranjo do diagnóstico circula entre o que
ca de diagnóstico e tratamento da demência seriam causas de ordem orgânica ou psicos-

2 O primeiro livro sobre grupos de DA é de Jaber Gubrium (1986), desde então essa estratégia tem sido comum.

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social; entre comportamentos que podem descartar outras hipóteses e, por vezes, al-
ser normais da pessoa ou patológicos; e entre guns testes neuropsicológicos mais longos.
negociações sobre o que é da doença ou da O que ouvi é que o processo de busca
velhice. Todas essas dúvidas são avaliadas a por um diagnóstico gera muita ansiedade em
partir do cotidiano, que é relatado por fami- familiares e pessoas com demência; acompa-
liares. Muitas vezes, existem divergências nos nhar a objetividade feita na prática, a falta de
relatos de pessoas que experimentam os sin- um exame patológico decisivo, os muitos e
tomas e os familiares. Para Feriani (2017b), constantes testes criam desconfianças e frus-
esse nó difícil de desfazer que é o diagnósti- trações (Engel, 2017a). Saga que tinha ainda
co parece acompanhar a biografia inteira da relação com a fila do Sistema Único de Saú-
pessoa com os sintomas, alargando-se por de (SUS) no Brasil para conseguir o primei-
anos. O diagnóstico e o que se entende por ro atendimento com um especialista, com o
sintomas são constantemente revisitados. “medo de ouvir” que é mesmo Alzheimer,
Em minha pesquisa em um centro uni- com as repetidas pesquisas na internet e com
versitário de geriatria multidisciplinar em as conversas com conhecidos. As informa-
Brasília (Engel, 2013), circulei em grupos ções circuladas pela internet, os noticiários e
de treinamento de memória, dicas de cui- as conversas não eram narradas apenas como
dado e reuniões de diagnóstico. Esse longo úteis para se aproximar de um diagnóstico,
e complexo caminho para ter e confiar em mas eram entendidas como causadoras de
um diagnóstico também apareceu de forma sofrimentos, sentenças de piora e desespero.
muito intensa. Esquecimentos e dilemas Outro tema trabalhado por Feriani
com visões, agitações e ciúmes faziam parte (2017a, 2017b) são as divergências entre
da experiência da pessoa por um longo pe- médicos de diferentes especialidades. Neuro-
ríodo até que alguns acontecimentos extre- logistas e psiquiatras geriátricos estabelecem
mos, repetidos demais, de perda de recursos critérios particulares de avaliação do caso, e
ou caminhos, faziam com que se buscasse, lidam, por vezes, com opções por medica-
pela primeira vez, um médico. Ou seja, a mentos que se influenciam mutuamente de
avaliação entre normal e patológico, velhice modo negativo. Os especialistas disputam,
e doença vinha de um longo histórico an- ainda, com qual deles seria mais apropriado
tes de ser de fato levada como questão para o paciente ficar e por que, de acordo com as
um médico. Depois disso, uma verdadeira suas leituras e avaliações dos sintomas que
saga (termo também utilizado por Feriani, são mais importantes ou graves, ou que mais
2017b) entre médicos de diferentes áreas incomodam.
se estabelecia e muitos testes precisavam Achado esse que dialoga com outros au-
ser acumulados para estabilizar um diag- tores: ao que parece, dependendo da prática
nóstico — este que era avaliado novamente médica que toma frente no receituário dos
ao longo da experiência com os sintomas. medicamentos e na indicação de cuidados
Os testes, também vistos em muitos outros necessários, o tratamento apresenta variações
trabalhos (Feriani, 2017a; Moreira, 2010b; importantes. Graham (2006) analisou com-
Lock, 2013; Vianna, 2013), sempre contam parativamente um banco de dados com exten-
no início com o Mini-Mental State Exami- sas avaliações clínicas de idosos, coletadas por
nation (MMSE), exames de imagem para meio de um survey epidemiológico realizado

9
no Canadá e no Reino Unido. Para a autora, Moreira (2010b) acompanha decisões de pa-
informações de bancos de dados são também cientes e seus médicos, no norte da Inglater-
textos culturais e podem ser analisados dessa ra, diagnosticados com Comprometimento
forma, sua observação se deu acerca dos crité- Cognitivo Leve — uma categoria utilizada
rios de diagnóstico. Como esperado, a autora somente em alguns lugares e que antecederia
nota uma considerável diferença sobre como um diagnóstico de demência. Para o autor,
cada especialidade diagnostica a demência: os existem práticas mais individualizadas e mais
próprios critérios variam, assim como o que coletivas relativas ao cuidado da demência.
se transforma em problema. Graham (2006) O uso do medicamento seria orientado por
fala em diferentes culturas médicas por es- uma prática individualizada, isso porque os
pecialidades e uma resultante diversidade de constantes testes para produzir dados e ver-
critérios de diagnóstico. E, talvez, de doenças dades focam na trajetória da doença no in-
dentro de uma grande categoria difusa: “a divíduo; o uso dos medicamentos também
doença de Alzheimer”. Ao entrevistar clínicos, seria orientado pela esperança, por parte de
Lock (2013) ouviu que, ao longo dos anos, médicos e sujeitos, de uma relativa melhora.
no lugar de diferenciar tipos de demências, Contudo, dentro da mesma clínica, existem
os critérios de diagnóstico da doença de Al- práticas mais coletivizadas, como grupos
zheimer teriam se ampliado, tornando-a um de treino da memória. Alguns pacientes,
termo guarda-chuva. quando não se relacionam bem com o me-
Em minha pesquisa (Engel, 2013, dicamento — ou porque passam muito mal,
2017a), observei diversas frustrações de ou porque não melhoram —, optam pelos
familiares que comparavam a quantidade grupos. Para Moreira (2010b), essa opção
de notícias lidas por eles sobre o crescente refletiria um regime de cuidado e comparti-
número de pesquisas e novas tecnologias de lhamento dos esquecimentos que, eventual-
diagnóstico e exames — que seriam, em tese, mente, disputam com os regimes de verdade
mais certeiros do que o diagnóstico clíni- e esperança presentes na prática biomédica
co — com a falta desses testes na rede públi- sobre as demências.
ca brasileira; o que os levava a desconfiar da Usar ou não medicamentos, se eles fa-
insistência dos médicos de que o diagnóstico zem diferença mesmo, se a diferença com-
dado por eles era o mais objetivo possível em pensa os efeitos adversos — essas são discus-
seu contexto. Ao que me parece, os familia- sões intermináveis (Ballenger et  al., 2009).
res julgavam haver desencontros entre o que Leibing (2009) ainda chama a atenção
se vende como “objetivo” e a prática clínica para a relativa pouca importância que me-
da produção de objetividade (Engel, 2017a). dicamentos da memória ganham em certos
Essas divergências no longo processo contextos clínicos, nos quais o manejo de
de diagnóstico e rediagnóstico por fases, fármacos para o comportamento são ampla-
pioras e mudanças sobre o que incomoda mente utilizados: como os antidepressivos e
e a quem refletem também nas decisões e antipsicóticos, especialmente depois que a
medidas sobre como tratar, cuidar ou lidar categoria BPSD foi estabelecida no fim dos
com o sofrimento. Vale situar o que pode ser anos 1990 — uma categoria que também foi
lido como tensão entre medicalização versus amplamente divulgada e apoiada pela indús-
uma prática holística e coletiva de cuidado. tria farmacêutica, que anteriormente somen-

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te tinha investido nos medicamentos para a ca ainda mais quais condições são gestadas
memória (Leibing, 2009). como demência e doença de Alzheimer.
Essa oposição entre práticas individuali- Muito possivelmente, isso se relaciona com
zadas — remédios — e coletivizadas — cui- a prática de uma geriatria multidisciplinar.
dado — parece não se sustentar em outros Feriani (2017b) provocou seus interlocuto-
contextos, nos quais coletivos de cuidado res a falarem sobre o que cada especialidade
convivem com o constante uso de medica- poderia fazer pelas pessoas com demência
mentos. Moser (2010) analisa uma técnica “O psiquiatra foi o primeiro a tomar a fala:
de melhoria do cuidado praticada em uma ‘quando tem mais alteração de comporta-
instituição da Noruega: trata-se da filmagem mento, vai no psiquiatra; uma alteração mais
de estratégias de cuidado que foram avalia- cognitiva, motora, vai no neuro...’” E a ge-
das como adequadas e exemplares porque riatra logo interrompeu: “e quando está tudo
melhoraram o comportamento da pessoa ‘estrupiado’, manda para o geriatra!” (Feria-
com demência. Esses vídeos são usados como ni, 2017b, p. 20).
etapa prática para a formação de cuidadoras Questões mais estruturais sobre divi-
da instituição pesquisada. A ideia de copre- são e provimento de cuidados entram tam-
sença é importante, junto com sua potência bém nesses debates. Elas definem como, o
comunicativa, e aprender a colocá-la em que e a partir de quais instituições cuidar.
prática seria um dos exercícios fundamen- No Brasil, a dissertação de Silva (2012) se
tais do cuidado na demência. Apesar disso, preocupa em enquadrar seu tema dentro da
os medicamentos são utilizados como parte problemática do envelhecimento popula-
desse processo. Para o autor, não haveria a cional e das demandas de cuidado cada vez
opção entre um e outro, mas sim o diálogo mais frequentes dessa parcela da população.
entre estratégias, especialmente nos casos de Trata do envelhecimento como questão a
demência mais avançada. Moser (2010) de- partir da dinâmica de dependência que or-
fende que olhar para tecnologias manejadas ganiza relações familiares e sociais de certos
nas práticas de cuidado seria uma forma para modos. Para especificar esse envelhecimento
compreender o que se quer cuidar, como e com dependência, cunha o conceito de pós-
o que se entende por qualidade a partir das -envelhecimento, o qual teria em torno de
experiências com o cuidado. si uma série de significados, relações sociais
Leibing, Engel e Carrijo (2019), a partir e representações. A doença de Alzheimer se-
de uma etnografia das práticas da geriatria ria uma das possibilidades desse fenômeno.
de um hospital universitário no Distrito Fe- Ao observar a questão por essa chave, traz
deral, observaram a centralidade dos medi- o cuidado como fundamental para pensar
camentos nessa clínica, não só os indicados seu campo. O cuidado é, em sua perspectiva,
para memória e comportamento, mas tam- uma prática terapêutica e social; reconfigu-
bém para diabetes, pressão, sono, coração ra família e posições relacionadas; exige pa-
— isso porque a maior parte das pessoas que ciência e outras habilidades adquiridas pelo
frequentam o centro acumula doenças. Seria diálogo com grupos e com significados da
quase impossível olhar para um único grupo doença; as mudanças de comportamento são
de medicamentos para falar sobre a experiên- as mais desafiadoras para familiares; e, em
cia de cuidado oferecido, o que complexifi- certos casos, o cuidado cotidiano é exercido

11
por empregadas domésticas ou cuidadoras e previsões catastróficas, reforçando estereó-
contratadas. Ao observar a importância de tipos de sujeitos faltosos, beirando a não-hu-
empregadas domésticas e cuidadoras, o au- manidade. Anos depois, a cientista política
tor toca um ponto fundamental sobre o am- americana Behuniak (2011) argumenta que,
biente de cuidados no Brasil. mesmo que o papel da biomedicina tenha
Em suma, as contradições que modu- sido e ainda seja fundamental nessa estigma-
lam pesquisas e formulações de padrões tização, outras produções, tais como: filmes,
sobre as demências parecem informar e se- séries, propagandas ou romances, têm cons-
rem informadas pelas práticas clínicas e de tantemente sublinhado somente aspectos ne-
cuidado de forma complexa. Por vezes, antes gativos e estereotipados da experiência com a
de vermos posições e contradições entre um demência, o que ajuda a fortalecer um ima-
ou outro modelo de atenção, é o acúmulo, ginário muito negativo. Uma concordância
complementariedade ou sobreposição e con- entre autores engajados nesse movimento é
fusão acerca de estratégias que informa sobre que existe muito estigma sobre a demência
a experiência e os dilemas de profissionais de e ele é constantemente alimentado, resultan-
saúde, familiares e pessoas com demência. do em modos de cuidar e se relacionar que
Nesse campo, as muitas variações das de- diminuem as possibilidades de fruição da
mências e das doenças de Alzheimer e as ten- pessoa e isso precisa ser enfrentado — seja
tativas constantes e, às vezes, frustradas de criando novos conceitos, seja enfrentando
padronização vão acumulando saberes e des- narrativas hegemônicas, seja criando alter-
crições sobre os modos de fazer de diferentes nativas de cuidado, espaços e possibilidades
médicos, as experiências com o diagnóstico, de comunicação. Essa concordância de prin-
os refazimentos e constantes disputas deles cípio se transforma em debates e estratégias
e o mundo de substâncias, redes de apoio, bastante diversificados.
instituições e expectativas que atravessam e Tal investida ficou conhecida como
relacionam a vida dos sujeitos. personhood movement. O psicólogo social
Kitwood (1997) é considerado seu princi-
Experiências com a demência: pal precursor. Para o autor, a manifestação
personhood, self, corporeidade, da pessoa é realizada em relação a alguém,
socialidades, alteridades, devir dentro de determinado contexto. Indivíduos
com demência estão em processo constante
Outro conjunto de reflexões que in- de constituição e manifestação de suas pes-
fluencia sobremaneira tudo que tem sido soas. O autor desenvolve uma proposta acer-
discutido sobre demência é sobre o modo ca do cuidado prestado às pessoas que vivem
como a experiência das pessoas é tocada por com demência baseada no que chama de
narrativas, diagnósticos, possibilidades de person-centred care practices — isto é, práticas
cuidado e de vivência com processos como os de cuidado que não infantilizem ou impo-
da demência. Para a antropóloga americana nham situações de dependência, mas possi-
Herskovits (1995), a doença de Alzheimer se bilitem as manifestações da pessoa em suas
constituiu a partir de uma narrativa agônica relações. Assim, o contexto de cuidados e as
de perda da consciência e do self criada pelo relações estabelecidas pelos sujeitos seriam
paradigma biomédico, produzindo imagens responsáveis diretos por agravar ou amenizar

12
os sintomas da doença. O autor critica um meio de entrevistas com pessoas recém-diag-
paradigma organicista que reduz a demência nosticadas ou em fases moderadas da doença.
e sua manifestação a aspectos físicos e sugere Pesquisadores olham para as formas como as
que, para práticas de cuidado centradas na pessoas elaboram sobre suas experiências,
pessoa, seria importante que esse paradigma como buscam caminhos para assegurar algo
fosse substituído pelo que ele chama de para- de sua personalidade e seu self, bem como
digma ethogenic — uma proposta de análise o que sentem ao passar pelos processos de
do que ocorre organicamente e no nível da diagnóstico. O limite observado pelas auto-
experiencia dos sujeitos, ambos com a mes- ras é que são poucas as pesquisas que inovam
ma importância na análise da experiência da metodologicamente para além da fala e das
demência e do cuidado. Para o autor, seria entrevistas, agregando também pessoas em
fundamental um movimento de reconhecer fases mais graves de demência.
e olhar para a pessoa, antes de categorizá-la e A pesquisadora canadense de estudos
reduzi-la à demência. sociais da saúde, Kontos (2005) — em con-
Uma década depois, O’Connor et  al. junto com outros autores: Kontos e Naglie
(2007) desenvolveram uma revisão biblio- (2009) e Kontos et al. (2011) — são conhe-
gráfica multidisciplinar sobre as principais cidos por apresentarem uma saída conceitual
investidas dentro das discussões sobre per- para se aproximar da experiência subjetiva
sonhood. A proposta foi engajar diversos sem se basear unicamente na linguagem.
pesquisadores canadenses na produção de Sugerem considerar o corpo na análise da
uma estrutura conceitual para organizar o experiência com o Alzheimer. Os autores
debate em torno da personhood, observar o argumentam que é necessário superar a pers-
que havia sido feito e sugerir lacunas e di- pectiva de Kitwood (1997). Orientadas pelo
reções futuras de pesquisa. A busca e análise interacionismo simbólico, as análises desse
se deu majoritariamente em periódicos de autor deixariam de levar em consideração a
língua inglesa. Para as autoras, trata-se de dimensão do corpo. De acordo com Kontos
um campo reflexivo e propositivo, conside- (2005), o corpo é compreendido pela pers-
rando-se que parte importante dos autores pectiva interacionista enquanto símbolo,
(ou pesquisadores) que refletem nesse cam- isto é, significado relacionalmente; mas não
po se engaja com experiências práticas para há uma reflexão sobre a sua agência e seu de-
assegurar um cuidado centrado na pessoa e sejo nas relações pessoais e mesmo sobre seu
na sua qualidade de vida. Vou aproveitar esse papel na construção do que a autora chama
esforço como linha que organiza esta seção, de selfhood. O conceito que Kontos (2005)
trazendo alguns trabalhos mais próximos da formula para dimensionar o corpo enquanto
etnografia para o centro do debate. agente de selfhood é o de embodied selfhood.
Ao realizar esse trabalho, O’Connor O segundo conjunto de abordagens
et  al. (2007) concluíram que três grandes trabalhadas por O’Connor et  al. (2007) diz
conjuntos de abordagens poderiam ser ob- respeito ao ambiente interacional no qual os
servados nesse campo. O primeiro e mais sujeitos estão envolvidos e experimentam suas
comum envolve estudos que se esforçam por relações com a demência. Foram realizadas
compreender e levar em conta a experiência algumas pesquisas sobre interações com cui-
subjetiva daqueles(as) com demência, por dadores e familiares, outras sobre como o am-

13
biente físico e as arquiteturas podem, ou não, gênero, culturas institucionais e contextos de
promover um foco na pessoa e em sua expe- produção de narrativas da doença. Para os au-
riência. Para as autoras, esse campo teria mui- tores, essa iniciativa ainda é tímida em rela-
to potencial, mas ainda são poucos os links ção a outras que dão maior relevância para as
que direcionam como tais relações influen- relações interpessoais mais próximas e para a
ciam na manutenção da personhood. Por esse experiência do que seria, genericamente, um
motivo, indicam como caminho de pesquisa sujeito e do que são, genericamente, relações
futura tomar este conceito, personhood, como interpessoais e ambientais.
orientador para os debates sobre interações de Tais grupos reflexivos organizados pelas
cuidado e outras interações. autoras parecem se mesclar, especialmente
A antropóloga Chatterji (1998) faz um quando as pesquisas realizadas são etnográfi-
trabalho etnográfico em uma instituição de cas, como nos trabalhos de Kontos (2005) e
cuidado de idosos nos Países Baixos que Chatterji (1998). Uma tendência mais atual
ganhou muito reconhecimento. Seguindo — que se relaciona tanto com a densidade
Cohen (1995), a autora decide utilizar a ca- do debate ao longo dos anos como com as
tegoria voz, no lugar de narrativa, isso para investidas de pesquisa em diferentes lugares,
se aproximar do que as pessoas dizem, sem a partir de novas questões e com pesquisado-
que elas precisem compor o que dizem em res orientados por outras linhas reflexivas e
uma narrativa organizada — chamando a formados em diferentes antropologias — é
atenção para as inabilidades de compreen- rever as novas estabilizações que o próprio
são dos ambientes e das pessoas e para a personhood moviment criou em termos do
possibilidade de eco dessa voz. A autora nos que é self, sujeito, corpo, agência e decorren-
apresenta, a partir de muitas versões de um tes normativas sobre o cuidado.
“caso”, um pouco da cultura institucional, o Mais do que olhar para o contexto a
que vai se constituindo como adequado, o partir de uma noção fechada do que é per-
que vai sendo decidido para manter autono- sonhood, Leibing (2018) observa, a partir de
mias relativas, relações e interações. Descre- uma etnografia no Brasil, uma limitação dos
ve o modo como princípios que orientam o próprios termos do debate, tendo como base
cuidado naquela instituição fazem parte de as culturas institucionais e as produções mi-
um debate mais amplo, de decisões políti- diáticas que conheceu. Além de personhood ser
cas, de organização das redes de cuidado e de uma palavra de difícil tradução para o portu-
uma cultura institucional. É a partir da pro- guês, as preocupações com a boa experiência
ximidade e do testemunho dessa experiência da demência têm certas variações em relação
que a autora considera possível poder falar à literatura e ao ativismo que a formaram.
algo com ela — por isso a etnografia. Para  a autora, a memória e a falta de reco-
Voltando para O’Connor  et  al. (2007), nhecimento biográfico não eram os maiores
o terceiro grupo de investimentos se dá em dilemas gestados na prática médica em diálo-
torno de pesquisas que tentam observar como go com cuidadoras e pessoas com demência
o contexto sociocultural mais amplo está re- que conheceu. A autora conclui que a forma
lacionado com a experiência dos indivíduos e de pensar personhood, por vezes, reproduz um
com as relações e interações. Os autores cha- paradigma individualista e é um falso contra-
mam a atenção para diferenças de raça, etnia, ponto ao paradigma biomédico.

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Esse incômodo com os termos desse de- cuidado de forma fixa, o autor propõe uma
bate parece encontrar bastante eco contem- alternativa à ideia de embodied selfhood apre-
poraneamente, como no campo crescente de sentada por Kontos (2005), já que a autora
uma “antropologia do cuidado”. Para Jenkins tematiza um corpo unívoco, unificado, e,
(2014), cientista social da saúde inglês, uma para Jenkins (2014), a corporeidade e a inte-
visão mais holística de cuidado tem permiti- ração com as pessoas e com o ambiente não
do que alternativas de promoção de mundos são entidades separadas.
e espaços de desenvolvimento da expressão O sociólogo inglês Halewood (2016) é
da pessoa sejam pensadas. Para o autor, as um pouco mais radical em relação aos ter-
discussões sobre cuidado centrado na pessoa mos. Para o autor, ao usarmos termos como
com demência moldaram esforços interna- identidade, self e pessoa para pensar sobre a
cionais de padronização de modos de fazer experiência da demência, nos arriscamos a
e de expectativas de qualidade, muitos deles assumir que sabemos de pronto o que quere-
embasados em uma ideia de preservação da mos manter ou recuperar naqueles diagnos-
individualidade e autonomia dos sujeitos. ticados com demência. Ou seja, assumimos
Para o autor, a ideia de self como subproduto que já sabemos o que é uma pessoa e o que
da individualidade também ajudou a moldar é um self. Para o autor, para nos aproximar-
certas redes de cuidado a partir de valores de mos de certa realidade, seria fundamental
individualidade e da ideia de preservação de que olhássemos para como uma entidade se
algo que já estava ali, algo anterior à doença constitui, quais os processos que a formam.
que precisava ser preservado. Jenkins (2014) Para seu exercício, o autor escolhe uma re-
afirma que o self poderia ser pensado como flexão sobre a alma, questionando se o que
um constante processo de tornar-se e o ob- nos aflige ao olharmos para pessoas com Al-
jetivo de um cuidado que leve em conta a zheimer é o medo de que elas poderiam vir
possibilidade de expressão da pessoa não de- a perder sua alma. O autor tenta pensar o
veria focar em reviver ou reparar um self que- que seriam essas constituições momentâneas
brado, mas facilitar uma rica sociointeração da alma em todos nós, como elas se fazem e
com o ambiente e na qual seja possível que quais os riscos reais de perdê-las. Em termos
uma pluralidade de selves se manifeste. conclusivos, o autor sugere um foco e uma
Para o autor, noções que se centram em investigação detalhada nos ambientes sociais
uma ideia fixa de self e em oposições entre e nas possibilidades, sempre temporárias, de
duas figuras — quem cuida e quem preci- ocasionalmente se possuir almas, olhar para
sa de cuidado — tenderiam a ignorar a ex- as possibilidades reais da vida sendo vivida,
periência coletiva da demência, o trabalho no lugar de sublinhar a falta de determina-
coletivo de criação e promoção de solidarie- das características e habilidades do que se-
dades, as várias subjetividades envolvidas no ria, conceitualmente, uma vida. E, para isso,
processo e as intercorporalidades das relações seria fundamental abrir mão de ideias pre-
entre as pessoas. O caminho alternativo pro- concebidas de pessoa, self e identidade, ou
posto pelo autor é pensar no que poderia ser mesmo dessas palavras.
um inter-embodied self. Ou seja, um self que Um modo diverso de abordar esses
se estabelece relacionalmente. Nesse sentido, problemas, que parte de outra trajetória
além de se afastar de trabalhos que tomam o reflexiva, vem dos trabalhos de dois antro-

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pólogos brasileiros — Vianna (2013) e Fe- nômades multiplicadores dos dois mundos
riani (2017a). Estes pensam a partir de um nos quais transitam: dos normais e dos de-
diálogo intenso com Deleuze-Guatarri e lirantes. Chama de processo demencial o
seu uso por Viveiros de Castro. Fazem seus modo possível de pensar demência e pensar
argumentos na potência de alcançar, pensar a própria normalidade, sempre atravessada
ou intentar um devir-outro — devir-Al- desse mesmo processo. Para Vianna (2013),
zheimer ou devir-demente. Falam, ainda, o cuidado e as dicas institucionais dos gru-
em experiências que se dão em processos pos de apoio a cuidadores (nos quais fez sua
demenciais dos quais, em alguma medida, pesquisa) referentes ao amor, à paciência e
todos estamos sujeitos a participar, não da ao carinho relacionam incondicionalmente
mesma forma, contudo. Não partem, en- cuidadores e médicos a esses outros. Em sua
tão, de divisões fixas entre o que é normal visão, “a fragmentação deles nos faz amá-
e patológico, ou de definições fechadas do -los”. Amor, assim, não é pelo que foi ou de-
que é delírio ou sanidade, ou ainda de me- veria ser a pessoa, amor faz lidar com o que
mória e lembrança, mas nos fazimentos des- é: a fragmentação apaixona. Ambos, Feriani
sas pontes e nomeações em contextos e na (2017a) e Vianna (2013), criticam a ideia
sua não estabilidade. Fazem aparecer dinâ- de dissolução do self, buscando dimensio-
micas de patologização e possibilidades de nar potências dessa pessoa outra que nasce
individuações outras. Os autores parecem do processo demencial e das contaminações/
concluir que um ponto de vista demente e afetações/criações dele em devires-outros,
modos possíveis de acessá-lo se configuram devires-dementes.
no problema e esforço da etnografia. Pensando que devir é sempre uma pro-
A etnografia de Feriani (2017a) trabalha dução coletiva (Gane e Haraway, 2010), en-
com o que chama de uma estética do Alzhei- tendo que um exercício similar, em termos
mer, a qual transborda o campo médico e é de estratégias de criação de mundos e rela-
formada por fios que se emaranham, soltam ções, tem sido realizado a partir dos estudos
e recompõem. Não se pergunta o que é o Al- do care. Está se gestando uma tentativa de
zheimer, mas pretende-se transcorrer o que dimensionar a complexidade dessa relação
ele conecta. Tanto doença como etnografia e prevenir oposições entre quem cuida de/
são chamadas de composições que passam quem é cuidado. Para a antropóloga ame-
por esses fios e emaranhados. Ao investigar ricana Taylor (2010, 2017), promover um
esse devir-outro, Feriani (2017a) afirma a mundo com possibilidades expressivas diver-
necessidade de fugir da linguagem, buscan- sas tem relação com uma afetação conjun-
do uma produção imagética, poética e literá- ta entre pessoas que experimentam e vivem
ria de pessoas com demência. Em sua pers- com a demência, sejam elas as diagnosticadas
pectiva, acessar um ponto de vista demente ou as que cuidam, convivem e constituem
envolve delirar, passar pela dobra, ouvir e relações de amizade. Para a autora, são cole-
buscar compreensões parciais, mas possíveis. tivos que transformam e criam vidas e boas
Vianna (2013) parte de questões e mo- vidas com demência. Não é que as relações
vimentos teóricos parecidos. Em sua pers- não sejam atravessadas de desentendimen-
pectiva, pessoas com Alzheimer estariam tos e conflitos, mas é pelo esforço mútuo de
em um lugar fronteiriço, aqui e lá, seriam compreensão que tais mundos são criados.

16
Apesar da quantidade considerável de promoção e manutenção da personhood e, de
iniciativas — teóricas e práticas — sobre outro, a organização social do cuidado e as
modos de lidar com vidas articuladas por re- muitas desigualdades nela envolvidas. A au-
lações com sintomas da demência, o debate tora afirma que é comum que essas perspec-
ainda parece cheio de novas possibilidades tivas estabeleçam críticas uma a outra sobre
de criação, especialmente fora desse circui- suas limitações, mas raramente essas duas
to de produção observado com O’Connor preocupações são tomadas em conjunto, ou
et  al. (2007). A socióloga australiana Swaf- seja: é raro que se pergunte como determina-
fer (2014), ao experimentar sintomas da das práticas de respeito a personhood se arti-
demência em si e na tentativa de dialogar culam a conjunturas hierárquicas de produ-
com pesquisadores, insiste que os critérios ção e circulação de cuidado e de que modo
de pesquisa, os textos e o modo de construir compor melhor esse debate.
narrativas ainda precisam melhorar. Em al- Parece-me que, no campo da demên-
guma medida, entendo que Swaffer (2014) cia, muito recentemente o debate sobre per-
e muitos outros autores defendem que os sonhood tem se aproximado de modo mais
coletivos ainda precisam crescer, se espalhar, produtivo dos estudos do care e vice-versa —
diversificar e contaminar arquiteturas, rela- seguindo um caminho parecido com os es-
ções, espaços e a própria produção de con- tudos de deficiência (Fonseca e Fietz, 2018;
ceitos, de etnografia e de articulações multi- Winance, 2010). Contudo, ainda é raro en-
disciplinares que produzam práticas — mas contrar etnografias que abarquem tanto o ní-
sem cristalizá-las. vel mais interpessoal das experiências como a
produção de redes sociotécnicas de composi-
Palavras finais: caminhos de continuidade ção de mundos possíveis, relações de cuida-
do prováveis, tristezas e sobrecargas localiza-
A produção sobre a demência é, com das que tensionam as relações interpessoais.
muita frequência, atravessada por inda- Ou seja, reflexões que, no lugar de recortar
gações relacionadas a como os conceitos sua produção a partir de pontos de vista, ou
se transformam em práticas de cuidado, perspectivas, sigam, sem desconsiderar ou
em políticas públicas, em críticas sobre o perder de vista o debate sobre personhood, as
modo de escrever e como se relacionar com redes e coletividades formadas, suas tensões,
as pessoas em campo. Parece-me, então, seus fluxos migratórios, suas normatividades
uma oportunidade muito potente de pro- internas, as substâncias engajadas no cuida-
duzir em um campo aberto, em disputa e do, a complexidade de atores envolvidos e
constante interlocução com outros modos suas interações.
de pensar. O debate está longe de qualquer Também mais recente é a tentativa de,
saturação, mas algum acúmulo de diálogos em vez de reconceituar ou sublinhar lacu-
me orienta nesta escrita sobre caminhos nas em determinados conceitos a partir do
atuais de continuidade. campo da demência, colocar em suspenso
Buch (2015), em uma revisão sobre os seu significado e investigar os processos.
estudos de envelhecimento e cuidado na an- Por exemplo: no lugar de pensar o que é uma
tropologia, aponta para a quantidade já esta- pessoa ou um conceito adequado de pessoas
belecida de produções sobre, de um lado, a que envolva sujeitos com demência, seguir

17
quais processos se articulam para ela ser ou Por fim, seguindo a deixa de Halewood
não ouvida (Halewood, 2016); no lugar de (2016) de que são as coletividades que pro-
fixar o que é um corpo e o que ele tem como movem mundos e engajam diversos atores
característica geral, colocar em questão os sobre as vidas com demência, acredito que
processos que fazem dele corpo, as substân- o fortalecimento conjunto de produções et-
cias que o atravessam (Engel, 2017b), e, as- nográficas no Brasil seria muito produtivo ao
sim, dialogar com a produção de narrativas campo da demência no país. Ao fortalecer
sobre a fisicalidade também, como faz Lock esse conjunto, recolocamos os termos e pro-
(2013). Ou, no lugar de apontar para os li- blemas a partir de tradições intelectuais da
mites metodológicos para ouvir os sujeitos, antropologia brasileira e do tipo de produ-
forjar com eles tentativas de interlocução ção multidisciplinar e ativismo constituído
(Feriani, 2017a; Swaffer, 2014). Talvez essas em relação a esse Estado, ao SUS e suas polí-
já sejam tendências atuais empregadas pelos ticas de saúde e cuidado — especialmente os
estudos sobre demência e parecem promis- serviços de geriatria, saúde da família e far-
soras para rever algumas organizações do mácias populares de alto custo. Além disso,
próprio pensamento antropológico. Pols imagino que esse movimento coletivo possa
et al. (2018) nos propõem que, no lugar de dar maior visibilidade para os circuitos de
pensarmos sobre a demência, pensemos com cuidado, circulação de medicamentos, locais
a demência, assim podemos nos aproximar de experimentação, doenças, acolhimentos,
de forma intensa de refrações de categorias problemas e saberes práticos produzidos em
que organizam nosso modo de pensar e, des- distintos contextos a partir daqui e, desse
se modo, transformar nossos textos e engaja- modo, fortalecer redes locais de articulação,
mentos com o tema em outras coisas. fluxos e pensamento.

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Resumo

Antropologia das demências: uma revisão a partir da doença de Alzheimer

O artigo dialoga com etnografias e estudos qualitativos sobre o fenômeno das demências. Dada a centralidade que o
termo doença de Alzheimer angariou nesse campo, retoma sua história, as contínuas e atuais controvérsias a respeito
da doença, bem como os tratamentos e modos de cuidar, estudar e se relacionar com pessoas com demência. O campo
das demências tem questionado conceitos e abordagens metodológicas das ciências sociais, e transformado modos de
cuidar, tratar e medicar a velhice ao redor do mundo, contudo ainda é pouco conhecido no Brasil e são raras as revisões
de literatura que sistematizem o que foi produzido e apontem agendas de pesquisa contemporâneas.

Palavras-chave: Doença de Alzheimer; cuidar; tratar; conviver; pesquisar.

Abstract

Anthropology of dementias: a review from Alzheimer’s disease

The article analyses ethnographies and qualitative studies on the dementia phenomenon. The Alzheimer’s disease has
centrality in this field and for this reason the article returns to its history, classics and ongoing controversies about the
disease, treatments and ways of caring, studying and relating to people with dementia. The dementia field has ques-
tioned concepts and methodological approaches in the social sciences, and transformed care, treating and medication
of old age around the world, but it is still little known in Brazil. Also, literature reviews that systematize what was
produced and point to contemporary research agendas are rare.

Keywords: Alzheimer’s disease; caring; treating; socializing; researching.

Résumé

Anthropologie des démences: une revue de la maladie d’Alzheimer

L’article discute d’ethnographies et d’études qualitatives sur le phénomène de démence. Compte tenu de la centralité
que le terme maladie d’Alzheimer a soulevé dans ce domaine, il renvoie à son histoire, aux controverses en cours sur la
maladie, ainsi qu’aux traitements, aux méthodes d’étude et aux relations avec les personnes. Le domaine de la démence
a remis en question des concepts et des approches méthodologiques en sciences sociales et transformé le traitement,
les medicines et le care de la vieillesse dans le monde entier. Mais le domain est encore peu connu au Brésil et n’ai pas
des revues de la littérature qui faire une systématisation de ce qui a été produit et pointez vers les agendas de recherche
contemporains.

Mots-clé: Maladie d’Alzheimer; care; traitement; socialization; recherche.

© 2019 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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