tentativa de sistematização dos conhecimentos apreendidos.
O empirismo bastante forte, desenvolvido através dos traba-
lhos de campo, foi caracterizado, nos primórdios da Geogra- fia, pelas expedições científicas de europeus na própria Europa e em outros continentes.
Neste contexto, pode-se dizer que a Geografia surge, como
ciência, no século X I X na Alemanha. Os autores considerados os "pais" da Geografia são os alemães Alexander von Humboldt e Karl Ritter. E, também, nesse país que aparecem as primeiras cá- tedras dedicadas à disciplina, as primeiras propostas metodológicas e a formação das primeiras correntes de pensamento na Geografia (MORAES, 1987, p . 4 2 ) .
4.1 A Sistematização da Geografia:
Humboldt e Ritter A Geografia, ao fim do século XVIII, já apresentava as condi- ções necessárias para se emancipar, tornar-se ciência no sentido moderno. Podia compor seus elementos, que estavam espalhados nos mais diversos campos do conhecimento, e sistematizá-los. Os conhecimentos, muitos deles pertencentes a outras ciências, se- riam tratados pela Geografia de forma particular, depois de asso- ciados de maneira diferente. Criaram-se, dessa forma, as condições para u m a descrição com base mais científica da superfície terrestre (SODRÉ, 1 9 8 9 , p. 2 9 ) . Segundo Ferreira e Simões ( 1 9 8 6 , p. 5 9 ) , no século XIX, a Terra já estava toda conhecida. A questão que começa a preocupar os geógrafos a partir de então é: "O que existe em tal l u g a r ? " Assim, eles passaram a se dedicar a dois problemas: o estudo da diferenciação de espaços e o estudo das relações homem-meio. A Geografia do século X I X desenvolve-se, inicialmente, como já citado, com as grandes contribuições de dois cientistas alemães: Alexander von Humboldt ( 1 7 6 9 - 1 8 5 9 ) e Karl Ritter ( 1 7 7 9 - 1 8 5 9 ) . Ambos serão considerando os fundadoresda Geografia, devido ao caráter sistemático e metodológico que lhe dão, permitindo que seja considerada u m a ciência moderna. Alexander von Humholdt nasceu em 14 de setembro de 1 7 6 9 , na cidade de Berlim, na Prúcia e morreu em 1 8 5 9 . Foi um gran- de estudioso das ciências naturais. Estudou Botânica, Engenha- ria de Minas, Geologia, Meteorologia, Física e Filosofia. Realizou inúmeras viagens: percorreu a Europa. Equador, Peru, Venezue- la, Colômbia, América Central, México, Estados Unidos e Rússia, observando e estudando os g r a n d e s fenômenos físicos e biológicos. Descreveu as características naturais da fauna, flora, atmosfera, formações aquáticas e terrestres e. também, as populações que habitavam esses lugares. Nas viagens, acumulou grande quan- tidade de conhecimento que lhe possibilitou elaborar e publicar diversos trabalhos, mas suas duas grandes obras são: Quadros da natureza ( 1 8 0 8 ) e Cosmos ( 1 8 4 5 - 1 8 5 9 ) . Após percorrer o mundo, ele voltou à Europa e estimulou a organização de sociedades e de reuniões científica. Na velhice, retornou a Berlim, dedicou-se ao magistério e se tornou conselheiro do rei da Prússia. Os trabalhos desenvolvidos e publicados por Humboldt são todos de natureza científica. Elerealizava seus estudos considerando a unidade da natureza, e as pesquisas e r a m soltadas à descoberta da conexão causai dos fenômenos Humboldt, tanto em cosmos c o m o em Quadros da natureza, fez a descrição dos fenômenos naturais e humanos, ou melhor, do con- junto dos fenômenos do universo, desde as nebulosas planetárias, a Geografia Físicaf estados dr Geologia. Geomorfologia, Mineralogia etc.) até a Geografia d a s Plantas e dos Animais (sua distribuição, fisionomia e t c ) , terminados pelas etnias dos homens. Analisou os fenômenos geológicas, climáticos e botânicos na distribuição e in- ter-relação na superfície terrestre. Seu principal objetivo era a busca de u m a ciência integradora, por meio da qual se pudesse demonstrar a harmonia e a inter-re- lação dos diversos fenômenos da natureza. A paisagem, para ele, era resultado da interação de vários fenômenos. Das investigações dos fenômenos feitas em escala regional, continental ou mundial, resultou u m a sistematização de conhecimentos geográficos, consi- derando que o mesmo fenômeno pode ser analisado tanto no âm- bito regional como mundial. Assim, ele estudava diversos assuntos; por exemplo, o clima, o relevo, a vegetação, levando em conta as várias escalas, região, continente e o mundo. Com Humboldt, a Geografia passou a ser considerada u m a ciência sistemática. Ou seja, Humboldt comparava sistematicamente as paisagens (os fenô- menos) da área que estudava com outras áreas da superfície terres- tre. Utilizava, para o estudo dos fenômenos, o método empírico e indutivo, partindo de casos particulares para os gerais, objetivando obter u m a lei geral, válida também para os casos não-observados (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 6 1 - 6 4 ) . Com Humboldt, a Geografia seria u m a disciplina sintética, preocupada com a conexão entre os elementos e buscando, atra- vés destas conexões, a relação de causalidade existente na natureza. Humboldt concebia a Geografia como o estudo da parte terrestre da ciência do cosmos, u m a espécie de síntese de todos os conheci- mentos relativos à Terra (MORAES, 1987, p. 4 7 - 4 8 ) . Humboldt não analisava apenas um fato isolado, e sim procura- va estabelecer relações de causa e efeito entre eles, surgindo daí o Princípio de Causalidade. A l é m desse, ele t a m b é m buscou aplicar o chamado Princí- pio de Geografia Geral, ou seja, n e n h u m l u g a r da Terra pode ser estudado sem o conhecimento do conjunto; sendo que um fe- nômeno, verificado em d e t e r m i n a d a região, pode ser g e n e r a - lizado p a r a todas as outras áreas do globo com características semelhantes, isto é, busca-se, a partir da comparação, verificar semelhanças e diferenças entre os fenômenos e os lugares na superfície terrestre. S e g u n d o H u m b o l d t :
{...] quando fixa sua atenção num problema geológico, bio-
lógico ou humano, esse grande espírito não se absorve na contemplação do fato local: volta o seu olhar para as outras regiões onde se absorvam fatos análogos {...}. Nenhum pon- to lhe parece independente do conhecimento do conjunto do globo (apud MARTONE, 1953, p. 13).
Já Karl Ritter nasceu a 7 de agosto de 1779, na Saxônia, e mor-
reu em 1859- Foi amigo pessoal de Humboldt, estudou Filosofia, História, Matemática e Ciências Naturais. Foi professor de u m a família de banqueiros e professores de História e Geografia no Gi- násio de Frankfurt. Em 1820, tornou-se o primeiro docente da re- cém-criada cátedra de Geografia da Universidade de Berlim, na qual passou grande parte da vida. É importante destacar que, se Immanuel Kant foi o primeiro a ensinar a disciplina de Geografia sob a forma de curso mão regalar, na universidade de Kõnigsberg, Ritter foi o primeiro a lecionar Geografia num curso regular uni- versitário, em Berlim. É bom esclarecer que:
Por mais amadurecida ciência geográfica estivesse, ape-
nas começou a dar fracos no momento em que lançou raízes no solo universitários em íntimo contato com aquelas ciências a cujo desenvolvimento deve andar associada. E tal é demons- trado à sociedade pelo avanço considerável da Alemanha, onde o ensino geográfico universitário foi organizado mais cedo do que em qualquer outro país (MARTONNE, 1953, p. 17).
Ao contrário de Humboldt, Karl Ritter foi considerado um
"geógrafo de g a b i n e t e ' , pois não foi um grande viajante; baseava grande parte dos estilos em leituras de trabalhos já existentes. Suas publicações apresentam metodológico e normativo. Concentrou as pesquisas nos vários sistemas de organização espa- cial, comparando povos, culturas, instituições e os fenômenos natu- rais. Foi o precursor do método comparativo em Geografia.
Ritter reitera o princípio corológico e aperfeiçoa o método
comparativo, estabelecendo o perfil e o rigor científico que ainda faltavam à Geografia. O método comparativo consiste, segundo Ritter, em "ir da observação à observação" {...}. O objetivo da Geografia comparativa é a constituição da "indivi- dualidade regional" (MOREIRA, 2006, p. 21).
Moraes (1987, p. 4 8 - 4 9 ) esclarece que, na principal obra de Ritter,
Geografia comparada, há o objetivo de propor a constituição de uma ciência geográfica, sendo um livro normativo. Ritter propõe o con- ceito de "sistema natural" à Geografia, ou seja, uma área delimitada que apresenta u m a individualidade própria. A Geografia deveria se preocupar em estudar esses arranjos individuais e compará-los. Cada arranjo era composto de um conjunto de elementos inter-relaciona- dos, representando u m a totalidade em que o homem seria o principal elemento. Assim, a Geografia de Ritter é direcionada, principalmen- te, para o estudo dos lugares. A proposta é considerada antropocên- trica (o homem é o sujeito da natureza) e regional (direcionada para o estudo de individualidade), valorizando a relação homem-natureza. Em termos de método, ele considera a análise empírica, da observa- ção à observação, para a explicação dos fenômenos. Na obra, Ritter descreve diversas áreas do mundo, buscando as- sociar os fenômenos naturais com os humanos. As descrições são de áreas individualizadas a partir da inter-relação dos fenômenos nela existentes, considerando a Geografia como u m a ciência de síntese e empírica. A metodologia deve basear-se na observação direta dos fenômenos, em vez de partir de hipóteses teóricas. Ritter procurou aplicar o princípio da Geografia Geral ou Analo- gia, em que, delimitada u m a área em estudo, ela deveria ser com- parada com o que se observa em outras áreas, encontrando, assim, diferenças e semelhanças entre elas. Também era possível, a partir de estudos particulares, estabelecer-se a formulação de leis, utili- zando-se do método indutivo. Todavia, ao tentar propor leis gerais que pudessem explicar os fatos humanos, ele percebeu u m a g r a n d e dificuldade, u m a vez que os fatos humanos não são uniformes como as leis físico- naturais (ANDRADE, 1 9 8 7 , p. 5 3 ) . Desenvolveu seus trabalhos sobre estudos regionais. A partir de Humboldt e Ritter, ficou estabelecida a Geografia como ciência descritiva, empírica, indutiva e de síntese, pautada na observação. As contribuições de ambos foram de grande relevância para conferir caráter científico à Geografia e a inserção acadêmica. Nos trabalhos, eles utilizaram a observação da paisagem com o objetivo de fazer um estudo de síntese a partir da inter-relação dos elementos observados. As obras dos autores são de grande importância e compõem a base da Geografia Moderna Tradicional. Todos os trabalhos pos- teriores vão se reportar às formulações de Humboldt e Ritter, seja para aceitá-las, seja para contestá-las. A Geografia de Ritter pode ser considerada regional e antropocêntrica; já a de Humboldt visa abarcar todo o Globo, toda a superfície terrestre, sem privilegiar o homem (MORAES, 1987, p. 4 8 - 4 9 ) . Esclarece Moreira ( 2 0 0 6 , p. 2 2 ) :
Tanto Ritter quanto Humboldt são holistas em suas con-
cepções de Geografia. Enquanto Ritter vai do todo — a superfí- cie terrestre — à parte - o recorte da individualidade regional -, de modo a daí voltar ao todo para vê-lo como um todo diferenciado em áreas, Humboldt vai do recorte — a formação vegetal — ao todo — o planeta Terra {...} ambos se valendo do método comparativo {...}. Estes autores criaram uma linha de continuidade no pensamento geográfico que não existia. Entretanto, apesar da relevância de ambos para a Geografia, eles não deixaram discípulos diretos. Isto é, não chegaram a formar u m a "escola geográfica". Proporcionaram um conjunto de estudos de grande influência para todas as "escolas" da Geografia Tradicional (MORAES, 1987, p. 50).
Karl Ritter {...]. Dedicou-se por muitos anos ao ensino na Uni-
versidade de Berlim, tendo sido um grande professor. Apesar de ter ensinado aos maiores geógrafos dos fins do século XIX, como Friedrich Ratzel, Élisée Reclus e Vidal de la Brache, não fez escola. Estes, porém, tinham grande entusiasmo por ele {...]. (ANDRADE, 1987, p. 52).
E importante ressaltar que Humboldt foi um grande incentivador
das chamadas Sociedades de Geografia, que organizavam expedições e pesquisas científicas em diversas partes do mundo; e esses estudos foram de muito interesse para o domínio dos grandes impérios co- loniais europeus. Outro fato é que não há, da parte de Humboldt, um estudo específico voltado somente à Geografia. Mas também de Botânica, Geologia, Hidrologia, Astronomia, Física, Mineralogia, Meteorologia, entre outras. Humboldt, inicialmente, não obteve prestígio entre os geógra- fos. Sua obra foi muito mais difundida entre os estudiosos das ciên- cias naturais. Ritter, por sua vez, exerceu influência nos geógrafos da Alemanha e também nos da França. Há, da parte de Ritter, um desejo em fazer da Geografia u m a disciplina do currículo universi- tário, u m a ciência acadêmica. Na obra, existe grande preocupação pedagógica e normativa. Os estudos de Humboldt e Ritter foram decisivos para conferir à Geografia o verdadeiro caráter científico. Com a institucionalização da Geografia, surgem as escolas nacionais, ou seja, as "escolas geo- gráficas", que serão descritas nos próximos capítulos. 4.2 O Determinismo na Geografia: Friedrich Ratzel Podem-se destacar três condições vivenciadas pela Alemanha no início do século XIX: primeira, um território fragmentado em de- zenas de pequenos feudos (reinos, principados, ducados e cidades livres); segunda, o desejo de unificação; terceira, os ideais expansio- nistas imperialistas, articulados ao capitalismo industrial. A Alemanha vivia então u m a situação singular:
a) inexistência de um Estado Nacional;
b) inexistência de u m a monarquia absoluta, forma de governo própria do período de transição na Europa; c) poder nas mãos dos proprietários de terras (os junkers), numa estrutura feudal; d) falta de um centro econômico forte e organizador do território; e) disputas de fronteiras, entre os feudos e com países vizinhos não-germânicos; f) atraso econômico de inúmeros "Estados" alemães.
Tais condições dificultavam a organização e a integração territo-
rial e, conseqüentemente, um fortalecimento da nação alemã. Para resolver a situação, surge, nas classes dominantes, a idéia de unifi- cação nacional. A unificação da Alemanha foi liderada pela Prússia, incentivada, sobretudo, pela necessidade de construir um Estado alemão rico e desenvolvido, para poder competir com as grandes nações euro- péias, especialmente França e Inglaterra. Nesse contexto, a Geo- grafia irá contribuir para o processo de unificação e atender aos in- teresses políticos e econômicos da aristocracia prussiana (os grandes proprietários de terra). A formação do Estado nacional alemão precisou de estímulos, o que fez com que o discurso geográfico assumisse um sentimento de pátria, por meio da identidade territorial. O desejo alemão de nacionalismo apresentou-se como decisivo para a consolidação da ciência geográfica e para transformá-la num instrumento de difu- são dos ideais de nacionalismo e integração territorial. É mister saber que, na partilha do mundo, a Alemanha che- gou "atrasada", pois as grandes potências da época, principalmente França e Inglaterra, dividiram, entre si, boa parte dos países da África e da Asia. Até a primeira metade do século XIX, a Alemanha não existia como país. O que havia era um conjunto de "Estados" independen- tes. Em 1 8 1 5 , com o fim das guerras napoleônicas e pelas deter- minações do Congresso de Viena, os "Estados" foram reunidos na condição de Confederação Germânica, sob a hegemonia da Áustria e da Prússia. A partir de 1834, por influência da Prússia, foi estabe- lecida u m a união aduaneira na Confederação. As revoluções popu- lares de 1848, marcadas pelo nacionalismo e por aspirações liberais que se propagavam na Europa, levaram à formação, na Confedera- ção, do primeiro Parlamento Germânico. Em 1862, o rei prussiano Guilherme I nomeou como primeiro-mi- nistro Otto von Bismarck, chanceler da Prússia. Bismarck introduziu um programa de desenvolvimento industrial e modernização do Exér- cito prussiano e, pela força ou por acordos diplomáticos, coordenou o processo de unificação da Alemanha, que envolveu, ainda, guerras contra a Dinamarca (1864), Áustria (1866) e França (1870). No caso da França, ocorre a tomada, pela Prússia, dos territórios franceses da Alsácia e da Lorena, ricas em minério de ferro e carvão. É o reino da Prússia que inicia o processo de unificação alemã. Para Bismarck, "a unificação será feita a ferro e sangue". No seu entender, a unificação só poderia ser feita pela eliminação da influência política da Áustria e de países que viessem a interferir no processo. Em 1871, finalmente se legitima a unificação, e Guilherme I foi proclamado imperador da Alemanha. Porém, os problemas relativos ao espaço ainda não haviam sido solucionados. Havia a necessidade de manter a unidade da nação por meio de uma ideologia que conferisse identidade germânica, e o crescimento da produção industrial exigia a ampliação de mercados consumidores. Isso levou a Alemanha a dis- putar regiões dominadas por Inglaterra e França. Para justificar a unificação, o nacionalismo e o expansionismo, foram as idéias de Ratzel um instrumento poderoso de legitima- ção e expansionismo do Estado alemão recém-constituído, como afirma Andrade ( 1 9 8 7 , p. 54): "Friedrich Ratzel [ . . . ] . Vivendo na Alemanha e tendo assistido a sua unificação sob a égide da Prússia, formulou u m a concepção geográfica que correspondia aos anseios expansionistas do novo Império". Friedrich Ratzel ( 1 8 4 4 - 1 9 0 4 ) foi professor de Geografia na Uni- versidade de Leipzig, na Saxônia (Alemanha). Seu principal livro, publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia: fundamentos da aplicação da Geografia à História. Em decorrência da obra, é consi- derado o fundador da Geografia Humana, tendo em vista o grande enfoque que dá ao homem. Mas é mister saber que esse enfoque está relacionado à influência que o homem sofre em conseqüência do meio em que vive. Ratzel estuda o desenvolvimento dos povos sob a influência do meio natural. Ratzel realizou viagens pela Europa e América, observando a migração dos animais e dos seres humanos, a concentração das populações em determinadas áreas da Terra, o que lhe possibilitou concluir sobre a influência do meio natural no homem. A influên- cia pode, por exemplo, direcionar, impedir, favorecer, acelerar, desordenar as ações dos homens sobre o meio natural. Tal fato de- corre das condições naturais diferenciadas da superfície terrestre. E importante ressaltar que as concepções geográficas de Ratzel foram influenciadas pelo Positivismo, seguindo um procedimento que buscava as "leis" que explicariam o comportamento dos ho- mens na Terra; e pelas idéias evolucionistas de Charles Darwin, com A evolução das espécies; e de Ernst Haeckel, aceitando que, na luta pela vida, venceriam sempre os mais fortes, e que a vitória dos mais fortes, dos mais aptos sobre os mais fracos, era o resultado lógico da luta pela vida. Assim, são selecionados para a sobrevivência os povos mais ca- pazes a se adaptar ao meio natural. Daí a idéia da superioridade dos europeus, como u m a civilização mais dinâmica em relação aos po- vos colonizados, considerados, portanto, selvagens e pertencentes a civilizações estagnadas (ANDRADE, 1987, p. 54). Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência das condições naturais sobre a humanidade. Compara a sociedade a um organismo que mantém fortes relações com o solo, para atender a sua necessidade de sobrevivência. Quando a sociedade se organiza para a defesa do solo, ou melhor, de seu território, ela transforma-se em Es- tado. O território é condição de trabalho e existência de uma sociedade. Sua perda conduz à decadência de uma sociedade. Já o progresso im- plicaria o aumento de território, a conquista de novas áreas. A partir dessas idéias, Ratzel elabora o conceito de "espaço vital", que consiste no equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis para a sobre- vivência. Há, assim, uma vinculação entre as formulações das idéias de Ratzel e o projeto imperial alemão, que se expressa na justificativa do expansionismo como fator natural (MORAES, 1987, p. 56). O homem está sempre relacionado ao meio natural. A histó- ria humana seria a história natural da luta dos povos pelo "espaço vital", u m a luta pela adaptação, pela sobrevivência e pela defesa ou conquista de territórios. O conceito de Estado passou a estar relacionado a u m a sociedade organizada sobre as bases de um ter- ritório. O território pode expandir-se ou retrair-se, conforme a luta pela sobrevivência de u m a determinada sociedade. Assim, justifi- cam-se as guerras entre os povos. A concepção de defesa, expansão e domínio de território fora incorporada pelos militares e dirigentes do Estado alemão, de forma preponderante, desde as formulações de Ratzel: "Exatamente porque não é possível conceber um Estado sem território e sem fronteiras é que vem se desenvolvendo rapi- damente a Geografia Política [...] u m a teoria do Estado que fizesse abstração do território não poderia, jamais, contudo, ter qualquer fundamento seguro" (RATZEL, 1990, p. 7 3 ) .
[...} os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o
Estado, o Estado é um organismo. A Sociedade e o Estado são o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é um organismo em parte humano e em parte terrestre. É a íorma concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio, poder-se-ia dizer. A própria síntese. O Estado é assim porque possui uma relação necessária com a natureza: do espaço é que retira sua existência e desenvolvimento. Os Estados ne- cessitam de espaço, como as espécies. A subsistência, energia, vitalidade e o crescimento dos Estados têm por motor a busca e conquista de novos espaços. Troquemos "Estado" por "impe- rialismo" e entenderemos Ratzel (MOREIRA, 1992, p. 33).
Em Ratzel, a Geografia é u m a ciência de síntese, descritiva,
empírica e que trabalha com a observação e a coleta de informa- ções em campo, buscando a relação entre os fenômenos, relações de causalidade numa perspectiva indutiva, aceitando a concepção positivista. Isto é, a utilização na Geografia dos mesmos métodos aplicados pelas ciências naturais. Ratzel deixa discípulos que seguem suas propostas. Todavia, es- tes vão buscar evidências empíricas para comprovar a influência do meio natural sobre a humanidade. Dessa forma, Ratzel e seus discí- pulos foram rotulados de deterministas, ou melhor, formadores de uma "Escola Determinista na Geografia", considerando "o homem como produto do meio natural". A concepção determinista vai ser desenvolvida principalmente pe- los discípulos Ellem Semple, uma geógrafa americana que estudou na Alemanha com Ratzel, e pelo geógrafo inglês Elsworth Huntington. Ellen Semple ( 1 8 6 3 - 1 9 3 2 ) , no livro As influências do meio geográfico, apresenta um estudo mostrando a dependência dos povos em rela- ção ao meio natural. Por exemplo: regiões planas, predomínio de religiões monoteístas; regiões acidentadas, predomínio de religiões politeístas. Os Estados com territórios pequenos apresentam socie- dades mais conflituosas e com tendências expansionistas. Semple foi aluna de Ratzel e u m a grande divulgadora das teses do mestre nos Estados Unidos. Já o inglês Ellsworth Huntington ( 1 8 8 9 - 1 9 7 5 ) , na obra Clima e sociedade, utiliza-se de u m determinismo invertido, isto é, as con- dições naturais mais hostis seriam as que possibilitariam o maior desenvolvimento das sociedades. Assim, por exemplo, os rigores do inverno explicariam, pelas necessidades impostas (abrigo, estoca- g e m de comida), o que provocou o desenvolvimento das sociedades européias (MORAES, 1987, p. 58). Pode-se, ainda, destacar W i l l i a m Morris Davis ( 1 8 5 0 - 1 9 3 4 ) , com estudos voltados para a Geografia Física. Sua contribuição re- levante se encontra na Geomorfologia: a teoria do "ciclo de erosão", em que as formas do relevo evoluem e passam, sucessivamente, pelo estado de juventude, maturidade e velhice. Em Davis, a Geo- grafia deve estudar as características naturais da superfície da Terra e o efeito sobre os povos (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 7 1 ) . Além da corrente determinista, as propostas de Ratzel permi- tiram mais dois desdobramentos, destacados por Moraes ( 1 9 8 7 , p. 59-60):
1) a geopolítica - corrente dedicada ao estudo da dominação de
territórios, levando-se em consideração as colocações rat- zelianas referentes à ação do Estado sobre o espaço. Seus estudiosos e defensores desenvolveram teorias e técnicas que possibilitavam legitimar o imperialismo (defesa, ma- nutenção e conquistas de territórios). São considerados os principais representantes dessa corrente: Rudolf Kjéllen (1864-1922), Halford J. Mackinder (1861-1947) e Karl Haushofer (1869-1946); 2) o ambientalismo - foi chamada de escola ambientalista, ape- sar de não ser considerada uma filiação direta da Antropogeo- grafia. Todavia, foi Ratzel o formulador de suas bases. Esta corrente propõe o estudo do homem em relação ao seu meio natural. O ambientalismo propõe um determinismo atenua- do, sem uma visão fatalista. A natureza é colocada como su- porte da vida humana.
A obra de Ratzel, apresentada nos seus dois livros mais famo-
sos, Antropogeografia e Geografia Política, teve grande influência no desenvolvimento da ciência geográfica, destacando o estudo do ho- m e m sob a influência do meio natural, a importância do território e a sua relação com a sociedade, o Estado e o poder. Fica, portanto, clara a importância da Geografia como ciência e como instrumental estratégico, político e de dominação dos povos pelos Estados impe- rialistas e pelo capitalismo.
4.3 O Possibilismo na Geografia: Vidal de La Blache
Antes de apresentar as propostas de Vidal de La Blache, e para melhor compreensão do pensamento geográfico na França, é neces- sário esboçar alguns traços gerais deste país no século XIX. Em 1804, Napoleão Bonaparte é coroado imperador da Fran- ça, sob o nome de Napoleão I. O Império Napoleônico promove u m a política expansionista: domina a Itália, a Holanda e parte da Alemanha; estabelece aliança com a Rússia e declara bloqueio con- tinental à Inglaterra, em 1806. Em 1814, um poderoso exército, formado por ingleses, austríacos, russos e prussianos, invade Paris e destitui Napoleão do poder. Ele é exilado na Ilha de Elba e, em menos de um ano, consegue fugir e retornar à França, reconquis- tando o poder. Inicia-se o Governo dos Cem Dias. Mas a coligação militar internacional rapidamente se reorganiza e marcha contra a França. Napoleão e suas tropas foram definitivamente derrotados na Batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815. Com a derrota, em 1 8 1 5 , os representantes das potências eu- ropéias se reuniram no Congresso de Viena para redefinir o m a p a político da Europa e do mundo. Sob a liderança da Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia, os territórios do Império Napoleônico são redistribuídos entre os países vencedores, restaurando as dinas- tias e as fronteiras alteradas pelas guerras napoleônicas. Entre 1830 e 1832, ocorreram movimentos de caráter liberal e burguês, que se iniciaram na França e se espalharam pela Europa, ficando conhecidos como Revoluções Liberais. Na França, surgiram revoltas populares depois que o rei Carlos X (dinastia dos Bourbon) suspendeu a liberdade de imprensa e dissolveu a Câmara. Mas as forças liberais burguesas deflagraram uma revolução e depuseram Carlos X, levando ao trono da França o rei Luís Felipe I. A derrubada dos Bourbon estimulou o surgimento de várias outras insurreições na Europa. Entre 1830 e 1 8 3 1 , manifestações nacionalistas eclodiram na Polônia, porém foram abafadas pelos russos. Em 1832, começa- ram as agitações em várias partes da Alemanha e da Itália. Em 1848, as crises econômicas e a falta de liberdade civil acen- tuaram a oposição à monarquia na França, iniciando a onda revo- lucionária de 1848. Os revoltosos proclamaram a II República e instalaram um governo provisório de maioria burguesa. Apesar da conquista da liberdade democrática, as condições de vida dos traba- lhadores pouco mudaram. A onda revolucionária atingiu também outras nações européias. Em 1 8 7 0 , aconteceu a Guerra Franco-Prussiana, que marcou o fim da hegemonia francesa na Europa. Reagindo à ambição de Napoleão III de conquistar a Prússia, o chanceler prussiano Otto von Bismarck derrotou o exército francês, em 1870, e anexou à A l e m a n h a os territórios da Alsácia e de Lorena, pertencentes à França. Em 1 8 7 1 , Bismarck efetivou a unificação alemã, in- tegrando os Estados germânicos, e Guilherme I foi proclamado imperador da Alemanha. Em 1 8 7 1 , os termos de paz impostos à França, derrotada na Guerra Franco-Prussiana, e as diversas crises internas (econômicas, políticas e sociais) provocaram u m a revolta popular liderada pelo socialista Louis Blanc e pelo anarquista Joseph Proudhon. E im- plantado, então, um governo revolucionário - a Comuna de Paris — que instituiu o fim dos privilégios e distinções de classe, o ensino gratuito e obrigatório, o controle de preço dos alimentos e a distri- buição da renda em sistema cooperativo. Após 72 dias de poder, em Paris, a Comuna é derrotada por tropas conservadoras francesas e estrangeiras. Mais de 2 0 . 0 0 0 revolucionários são executados. Segundo Andrade ( 1 9 8 7 , p. 6 9 ) , a derrota da França para a Ale- manha, em 1870, foi considerada, por muitos como devida ao ensi- no ministrado no país, que era considerado de qualidade inferior ao que era ministrado na Alemanha. Diziam que a guerra havia sido ganha pelo mestre-escola alemão. E fundamental ressaltar que a França foi derrotada, humilhada, ficou com u m a grande dívida de guerra e teve, ainda, os territórios da Alsácia e de Lorena perdidos para a Alemanha. Assim, o governo republicano procurou recupe- rar-se, e um dos setores que muito o preocupou foi a educação. Daí a necessidade de reorganização do ensino, dando maior ênfase às disciplinas de Geografia e História no nível secundário. As rivalidades existentes há muito tempo entre França e Ale- manha a u m e n t a r a m com a perda da Alsácia e de Lorena durante a guerra franco-prussiana. Esse fato impulsionou o desenvolvi- mento da Geografia na França, já que a perda da g u e r r a pela França foi atribuída não ao exército alemão, e sim à Geografia, como ela era ensinada e aplicada. Vidal de La Blache (1845-1918) é considerado o fundador da escola regional francesa. Sua formação era de historiador, mas se interessava por assuntos de Geografia. Assim, fez um doutoramento em Geogra- fia e conseguiu, para ela, a independência acadêmica (universitária) em relação a História (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 73). Quando criada a cadeira de Geografia na Universidade de Nancy, ela foi confiada a Vidal de La Blache. Posteriormente, de Nancy, Vi- dal foi transferido para a Universidade de Sorbonne. Entre as principais obras, destaca-se Tableau de la géographie de la France. Foi o fundador da revista Annales de Géographie e também fundou a Escola Francesa de Geografia, denominada "Escola Possi- bilista", termo utilizado e divulgado por Lucien Febvre. Formou dis- cípulos que passaram a ocupar as cátedras dessa disciplina nas várias universidades francesas e a atuar em diversos países do mundo. Com Vidal de La Blache, o centro das principais discussões so- bre a ciência geográfica foi transferido para a França. Ele criticou o discurso político, dentro da ciência geográfica, ressaltando a ne- cessidade da neutralidade científica. Mas suas teorias não deixaram de ser politizadas e respondiam aos interesses da elite dominante francesa da época; o discurso político e ideológico era disfarçado. Vidal criticou a Geografia alemã nas formulações naturalistas de Ratzel (submissão do homem ao meio natural, ou um homem, "produto do meio") e defendeu a variabilidade de decisões humanas diante das possibilidades oferecidas pela natureza. Nesse sentido, defendeu a capacidade criativa contida na ação h u m a n a em sua história. No entanto, apesar de destacar a i m - portância do estudo do elemento h u m a n o na Geografia, Vidal não rompeu totalmente com a visão naturalista, já que afirmava explicitamente: "a Geografia é u m a ciência dos lugares, não dos homens". Assim, o importante na análise seria o resultado da ação h u m a n a na p a i s a g e m , e não esta em si m e s m a (MORAES, 1987, p . 6 6 - 6 7 ) . Segundo Moraes ( 1 9 8 7 , p. 6 8 ) , em seus estudos, La Blache vai conceber o objeto da Geografia como a relação homem-natureza na perspectiva da paisagem; sendo o homem um ser ativo, ele sofre a influência do meio natural, mas, também, atua sobre este, trans- formando-o. No processo, o homem cria formas sobre a superfície terrestre. Assim, com Vidal, a natureza passou a ser vista como possibilidade para a ação humana. Assim sendo, o homem, agora, é um agente geográfico que atua sobre o meio natural conforme a necessidade. O meio na- tural passou a ser um elemento relativo sobre o homem. Mas é importante ressaltar que, com Vidal, não se descartou a influência do meio natural sobre o homem, só que agora o homem pode criar possibilidades para sobreviver, agir sobre este meio natural, transformando-o conforme a necessidade. O homem, pelo enfo- que histórico, passa a ser um agente com liberdade de escolha e que acumulou um conjunto de hábitos, costumes e técnicas na relação com o meio natural. Vidal considerou o homem como hóspede antigo das várias partes da superfície terrestre. No relacionamento histórico com o meio na- tural, o homem criou um acervo de técnicas, hábitos e costumes. A esse conjunto, construído e transmitido socialmente, Vidal denomi- nou "gênero de vida", o qual corresponde a uma relação de equilíbrio entre a população e os recursos (MORAES, 1987, p. 6 8 - 6 9 ) . Assim, pode-se perceber em suas palavras em Tableau de la g é o - graphie de la France:
As relações entre o solo e o homem são marcadas, na Fran-
ça, por um caráter original de antigüidade, de continuidade. Desde o começo, os estabelecimentos humanos parecem ha- ver adquirido aí a permanência; o homem se deteve aí porque encontrou, com os meios de subsistência, os materiais de suas construções (LA BLACHE, 1994, p. 15). À área, englobando várias comunidades com um "gênero de vida" comum, Vidal denominou "domínio de civilização". Qual- quer tentativa de não respeitar tal "domínio de civilização" signifi- caria u m a agressão (MORAES, 1987, p. 7 0 ) . Pode-se dizer que a Alemanha ou qualquer outro Estado deve- ria respeitar os "domínios de civilização", ou melhor, respeitar o domínio da França sobre as colônias, domínio que foi construído historicamente, consistindo num "domínio de civilização" francês. Nesse sentido, busca-se impedir o expansionismo alemão sobre as colônias francesas. Outra importante proposta de Vidal de La Blache refere-se ao estudo da região, que é concebida como um espaço síntese da rela- ção homem e meio natural; esse espaço exibe u m a homogeneidade que difere de outros espaços. A região seria, portanto, u m a unidade espacial que apresenta u m a individualidade específica, diferente em relação às áreas li- mítrofes. Pela observação, seria possível delimitá-la e localizá-la (MORAES, 1987, p. 7 5 ) . Em seus estudos, Vidal enfatiza a importância da Geografia no estudo da superfície terrestre a partir das diversas divisões, a "região", considerando a inter-relação dos fenômenos naturais e humanos. A partir da inter-relação desses fenômenos, era possí- vel delimitar as várias regiões do globo terrestre. Era necessário procurar saber, por exemplo, a combinação entre o relevo, o solo, a vegetação, o clima, a agricultura, a população e a indústria, para a delimitação da região. Vidal vê a região como resultante do estudo da paisagem. A re- gião é u m a realidade objetiva que pode ser observada e delimitada pelo observador.
A região é então a forma matricial da organização do espaço
terrestre e cuja característica básica é a demarcação territorial de limites rigorosamente precisos. O que os geógrafos viam na paisagem era a forma geral e de longa duração, e passaram a concebê-la como uma porção de espaço cuja unidade é dada por uma forma singular de síntese dos fenômenos físicos e hu- manos que a diferencia e demarca dos demais espaços regio- nais na superfície terrestre justamente por sua singularidade. Pouco importava se o dito e o visto não coincidissem exata- mente (MOREIRA, 2006, p. 158).
Com Vidal, há um grande enfoque no estudo da Geografia Re-
gional, que irá propagar-se com seus discípulos. Até os dias atuais, realizam-se estudos de Geografia Regional. Essa forma de estudo, pelos geógrafos, busca um conhecimento cada vez mais profundo de determinada área. La Blache planejou u m a obra coletiva, a Geografia universal, que cobria um estudo das áreas em todo o mundo, na qual cada dis- cípulo ficou responsável por u m a porção determinada do planeta. No trabalho, ficou marcado um conceito utilizado por esse geó- grafo — o de região — que posteriormente se tornou o balizador da Geografia francesa (MORAES, 1987, p. 7 5 ) . Outro elemento importante em Vidal de La Blache é a orien- tação empírica à Geografia, pois ele enfoca a importância dos tra- balhos geográficos ser realizados, principalmente, pela observação direta da realidade, a necessidade das excursões geográficas como trabalhos pedagógicos, ou seja: a escola ao ar livre deve guiar o espírito geográfico. A realidade existia, independente do observa- dor, e era preciso achá-la no campo, dando ênfase à observação da paisagem para delimitação e estudo da região. Nesse sentido, ele trabalha com uma abordagem descritiva, mé- todo empírico-indutivo, necessidade dos trabalhos de campo, obser- vação da paisagem na inter-relação do homem com o meio natural e o estudo da região, considerando a integração do físico com o humano. Vidal deixou vários discípulos que divulgaram ou desenvolve- ram idéias com enfoque possibilista. Eles elaboraram monografias regionais nos vários países europeus. "O método de estudo de u m a região passou a ter u m a estrutura própria: primeiro, a análise do meio físico, depois, as formas de ocupação e atividades humanas e, por fim, o processo de integração do homem com o meio ambiente" (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 7 5 ) . Na Geografia Regional, ele divide o estudo geográfico em qua- dros físicos, humanos e econômicos. Assim, tem-se, por exemplo, nos trabalhos monográficos e regionais: a localização da área, por meio de projeções cartográficas; o quadro físico; como relevo, solo, hidrografia, clima, vegetação e t c ; a formação histórica de ocupação humana do território; a estrutura agrária; a estrutura urbana; a estru- tura industrial etc. Finalmente, apresenta-se u m a conclusão, com um conjunto de cartas, objetivando demonstrar u m a relação entre os elementos humanos e naturais da região. Segundo Sodré ( 1 9 8 9 , p. 8 6 - 8 7 ) , nos Annales de Géographie, que La Blache fundou e dirigiu, no volume de 1 9 1 3 , no artigo "Dês caracteres distinctifs de la Géographie", buscou estabele- cer os princípios básicos em que a Geografia deveria assentar-se, considerando: a unidade dos fenômenos terrestres; a combinação variável desses fenômenos; o reconhecimento da relação do meio com o homem; a necessidade de um método científico para o estudo dos fenômenos; a importância do homem na m o d e l a g e m do meio geográfico. Esses princípios, a seu ver, levam a u m a de- finição melhor da função da Geografia no conjunto das ciências. Vidal procurou mostrar como o homem, considerando o fator his- tórico, soube tirar proveito do meio natural. Vidal de La Blache vinculou os estudos à Geografia Humana. Po- rém, esta foi concebida como um estudo da paisagem. A Geografia de Vidal fala de população, nunca de sociedade; de estabelecimentos humanos, não de relações sociais; estuda a relação homem-natureza, mas não aborda as relações entre os homens. U m a Geografia Hu- mana não uma ciência social (MORAES, 1987, p. 7 2 - 8 2 ) . Seguindo a Geografia francesa, surgiram autores como: Ema- nuel de Martonne, J e a n Brunhes, Camille Valloux, André Chollay e Max Sorre. Emanuel de Martonne (1873-1955) foi diretor do Instituto de Geo- grafia da Universidade de Paris, em 1927, e presidente de honra da União Geográfica Internacional, em 1949. Publicou vários livros sobre Morfologia, referentes à erosão das geleiras e à evolução das formas dos relevos. Também deixou produção científica nos Annales de Géographie. Para Martonne, a Geografia deveria estudar a distribuição dos fenômenos físicos, biológicos e humanos na superfície terrestre (ANDRADE, 1 9 9 8 , p. 13). Já J e a n Brunhes ( 1 8 6 9 - 1 9 3 0 ) foi professor da Universidade de Friburgo e publicou La géographie humaine, em que classificou os fatos de ocupação do espaço em três grupos: de ocupação i m - produtiva do solo, como casas e caminhos; de conquista vegetal e animal, como lavouras e criação; de economia destrutiva, como devastações vegetais e animais (SODRE, 1 9 8 9 , p. 9 4 ) . Camille Vallaux ( 1 8 7 0 - 1 9 4 5 ) publicou diversas obras, entre elas, detacam-se: Les sciences géographiques, La géographie de 1'histoire e Géographie générale des mers. Preocupou-se em estudar assuntos re- lacionados à Geografia e à História, aos oceanos, à política e às fronteiras geográficas. A Combinação de Complexo, elaborada por André Cholley, deve- ria ser objeto de estudo geográfico, pois ela expressaria a realida- de geográfica na convergência dos fenômenos físicos, biológicos e humanos. Assim, a Geografia seria u m a "ciência de complexos" (MORAES, 1987, p. 7 5 ) . Conforme Andrade ( 1 9 9 8 , p. 7 4 ) , Cholley retoma os estudos de caracterização das regiões geográficas, destacando a importância do homem como organizador e produtor das regiões. M a x Sorre ( 1 8 8 0 - 1 9 6 2 ) desenvolveu o conceito de habitat, sen- do este considerado u m a porção do planeta organizado pela co- munidade que o habita. Considera o habitat como u m a constru- ção humana que expressa as múltiplas relações entre o homem e o ambiente que o envolve. Cabe à Geografia estudar as formas pelas quais os homens organizam o meio (MORAES, 1987, p. 7 9 - 8 0 ) . Destacam-se, ainda, as contribuições de Albert D e m a n g e o n , pelas publicações e estudos geográficos; Roger Dion, que desen- volveu estudos de Geografia H u m a n a ; Lucien Gallois, que foi professor na Sorbonne e trabalhou na organização da Géogra- phie universelle, que viria substituir a Nouvelle géographie universelle — La terre et lês hommes, de Elisée Reclus; e Murice le Lannou, com estudos de Geografia Regional. A Escola Francesa de Geografia não formava u m a única ver- tente. Pode-se admitir que havia divergência entre os principais mestres, m a s , de forma geral, eles estavam voltados ao estudo da região e da paisagem e a dar continuidade às propostas de Vidal de La Blache. Para Andrade ( 1 9 8 7 , p. 7 4 ) , os principais mestres da Geogra- fia francesa caracterizavam-se, especialmente, por u m a orientação ideográfica, apresentando u m a posição política conservadora, en- coberta por neutralidade científica. Foi dada grande importância à descrição, todavia, sem menosprezar a explicação. Eles estavam muito ligados à universidade e à formação cultural.
4.4 Élisée Reclus e Piotr Kropotkin e a Geografia
Elisée Reclus foi um geógrafo intelectual e anarquista. Nasceu na França em 1830. Filho de pastor protestante e de família humilde, aos 13 anos vai para a Alemanha estudar numa escola religiosa, onde recebe a formação básica que marca sua ampla cultura e trava o pri- meiro rompimento com a religião, que o levará progressivamente ao ateísmo. Era simpatizante dos movimentos republicanos e apoiou os levantes populares de 1848 e da Comuna de Paris em 1 8 7 1 . A participação nos levantes populares o obrigou ao exílio, para evitar a prisão, indo para a Irlanda, os Estados Unidos e a Colôm- bia, e viveu muitos anos na Suíça. Realizou diversas viagens pelo mundo, durante as quais pode de- senvolver pesquisas e preparar várias obras. Entre elas, destacam-se: A terra, em dois volumes, publicada em 1869; a Nova geografia universal, em dezenove volumes, publicada no período de 1875 a 1892; e O ho- mem e a terra, em seis volumes, editada no período de 1905 a 1908. Aborda assuntos como a luta de classes, a educação e as ciências, as formas de propriedade, o colonialismo e a dominação dos países desenvolvidos (VESENTINI, 1988, p. 14). Nos estudos, buscava não fazer separação entre a Geografia Fí- sica e Humana, ou seja, estudava a inter-relação dos fatores físicos e humanos. O estudo da natureza, para ele, deveria facilitar a compreensão da evolução da humanidade. Os geógrafos deveriam fazer análises, considerando que a sociedade está dividida em classes sociais, decor- rentes das formas de apropriação dos meios de produção. As dife- renças de classes provocam as lutas entre elas: as classes dominadas, que aspiram a melhores condições de vida, com as dominantes, que não desejam perder o controle do poder e das riquezas (ANDRADE, 1987, p. 57). Elisée Reclus elaborou um conjunto de obras de grande relevân- cia para a Geografia, o que lhe rendeu reconhecimento internacio- nal. Anistiado em 1879, tornou-se professor de Geografia na Uni- versidade de Bruxelas, recebeu u m a medalha de ouro da Sociedade Geográfica e faleceu em 1905. É considerado um dos expoentes intelectuais do anarquismo do século XIX. Atualmente, com o florescimento de u m a perspectiva crítica nas universidades, constata-se um ressurgimento do interesse pelas obras de Reclus, o que tem levado à publicação de seus escritos considerados mais atuais (ANDRADE, 1997, p. 58). Já Piotr Alexeevich Kropotkin ( 1 8 4 2 - 1 9 2 1 ) , grande amigo de Elisée Reclus, nasceu em Moscou e pertencia a u m a família rica, aristocrata e tradicional da Rússia. Entre 1857 e 1 8 6 1 , recebeu in- fluências da nova literatura liberal revolucionária em seu país. Tam- bém demonstrou grande interesse pelas obras dos enciclopedistas e pelas condições do campesinato russo. Estudou em São Petersburgo, onde se interessou pela Geogra- fia, cujas pesquisas e explorações lhe abriram caminho para u m a destacada carreira científica. Em 1862, foi para o exército, servin- do como oficial na Sibéria, onde fez levantamentos topográficos e geográficos. Sua reputação como geógrafo se deu em grande parte pelas viagens e pelos estudos que realizou na Sibéria. Posteriormente, para a decepção da família, desligou-se do exército, tornando-se geógrafo e anarquista, inimigo declarado de q u a l q u e r forma de autoridade e hierarquia. Esta opção de vida acabou por levá-lo, em 1 8 7 4 , à prisão-fortaleza de Pedro e Paulo, por promover e participar de revoltas camponesas. Con- s e g u i u fugir e foi para países da Europa Ocidental (Suíça, França e I n g l a t e r r a ) , nos quais viveu durante mais de q u a r e n t a anos, onde publicou as obras. Sua concepção anarquista e libertária fez com que ele acabasse sendo m a r g i n a l i z a d o pela Geografia aca- dêmica, institucionalizada pelo Estado. Pois se pode deduzir que Geografia e Liberdade são inseparáveis na acepção de Kropotkin. Sua percepção de ciência é a do sujeito do conhecimento atuando na libertação dos homens diante das determinações da natureza e da dominação de a l g u n s sobre os outros (VESENTINI, 1 9 8 8 , p. 4-11). Kropotkin não aceitava o Estado-Nação, as fronteiras políticas e a glorificação da "pátria". A tarefa da Geografia era mostrar que a humanidade é u m a só, as fronteiras políticas são relíquias de um passado; e o nacionalismo, as guerras e os preconceitos entre as na- ções só servem para manter ou reforçar os interesses de grupos ou classes dominantes (VESENTINI, 1988, p. 3). Percebe-se que suas idéias e ações vão de encontro ao próprio processo de institucionalização da Geografia, isto é, instituída para servir ao Estado-Nação e ao Capitalismo. Suas obras mais importantes são: A conquista do pão; Ajuda mú- tua: um fator de evolução; Memórias de um revolucionário; 0 anarquis- mo e a ciência moderna; e Campos, fábricas e oficinas. Na Inglaterra, conviveu com os principais intelectuais da épo- ca e foi colaborador da Geographical Society. Em alguns livros, Kropotkin tentou buscar u m a base científica para o pensamento anarquista. Após a Revolução Socialista, voltou à Rússia, vindo a falecer em 1921. Chegou a receber uma medalha de ouro da Sociedade Geográfica Russa pelas investigações sobre os aspectos da Geografia Física da Sibéria. Até o fim da vida, Kropotkin escreveu sobre o ensino de Geografia, a relação homem e natureza, entre outros. Kropotkin era um cientificista que aceitava que as ciências da natureza e as sociais tivessem o objetivo de descobrir as leis gerais que regulam os fenômenos e, para ele, a Geografia era uma ciência da natureza (ANDRADE, 1987, p. 59). Para Andrade ( 1 9 8 7 , p. 6 1 - 6 2 ) , Elisée Reclus e Piotr Kropotkin foram dois geógrafos libertários (cuja obra foi denominada por este autor como a Geografia Libertária). Apesar de positivistas, rece- beram grande influência dialética, citando constantemente Karl Marx e a categoria "classe social" no estudo da Geografia; escreve- ram livros e artigos de doutrinação política e livros especificamente geográficos. Foram excluídos da vida universitária, exilados, presos e perseguidos, e seus livros não agradavam à maioria dos leitores ligados às classes mais abastadas econômica e socialmente. Andrade afirma ainda que:
Elisée Reclus e Pietr Kropotkin foram dois grandes geógrafos
que viveram nos fins do século XIX e início do XX e deram uma contribuição bem diversa daquela dada pelos geógrafos anteriormente estudados. Enquanto os primeiros se coloca- ram de acordo com a classe dominante, ocuparam cátedras universitárias e assessoraram príncipes e presidentes, os dois se colocaram contra a estrutura de poder, negaram validade ao Estado, adotaram idéias de reformas sociais radicais e de- fenderam as classes menos favorecidas. Embora positivistas e com posições que se opunham a Marx na militância polí- tica, eles adotaram algumas categorias marxistas e abriram perspectivas de uma visão libertária, tanto da sociedade como da Geografia como ciência. Tiveram origens sociais distintas, mas lutaram juntos pelos mesmos ideais e colaboraram tanto em obras de cunho político como científico (1987, p. 56).
E importante esclarecer que o anarquismo é considerado, g e -
ralmente, u m a "desordem" ou um "caos", por ser u m a doutrina política que defende a abolição de qualquer tipo de governo formal. A palavra é formada pelo sufixo arcbon, que, em grego, significa governante; e an, que significa sem. Ou seja, anarquismo significa, ao pé da letra, "sem governante". A principal idéia que rege o anar- quismo é de que o governo é desnecessário, pois a população pode voluntariamente se organizar e sobreviver em harmonia. Apesar das diferentes tendências no anarquismo, ele tem u m a mensagem comum: a liberdade e a igualdade só serão conquistadas com o fim do capitalismo e do Estado que o defende. Para os defensores do anarquismo, à época, o sistema educacional e outros recebem o apoio e o controle do Estado para perpetuar os obje- tivos deste último. Nessas condições, pode-se dizer que a Geografia, que foi institucionalizada, era um instrumento para a ação do Estado e do capitalismo. Assim, era necessário abolir o Estado e criar uma educação libertária; no caso da Geografia, uma Geografia Libertária.
4.5 Alfred Hettner e Richard Hartshorne
e a Geografia Outra escola geográfica surge no início do século XX e foi, por al- guns autores, denominada de Geografia Racionalista. Ela tem, como principais representantes: Alfred Hettner ( 1 8 5 9 - 1 9 4 1 ) e Richard Hartshorne ( 1 8 9 9 - 1 9 9 2 ) . O objetivo era desenvolver uma Geografia de menor carga empirista e privilegiar o raciocínio dedutivo. Alfred Hettner foi um geógrafo alemão, professor da Universidade de Heidelberg, na cidade de mesmo nome, na Alemanha. Publicou obras entre 1890 e 1910. Segundo Moraes (1987, p. 85), Hettner pro- põe a Geografia como a ciência que estuda "a diferenciação de áreas", ou melhor, a ciência que objetiva explicar "por que" e "em que" diferem as diversas partes da superfície terrestre. Ele considera que o caráter singular das várias parcelas do espaço decorre da forma particular de inter-relação dos fenômenos. A Geografia seria, assim, o estudo dessas formas de inter-relação dos fenômenos na superfície terrestre.
A preocupação fundamental de Hettner era banir o dualismo
da Geografia, o perigo da sua divisão em física e humana, e consegue-o ao considerar que, na medida em que, ao estudar simultaneamente, num mesmo espaço, fenômenos físicos e humanos, a Geografia é ao mesmo tempo uma ciência física e humana (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78).
Para Hettner, a partir dos elementos inter-relacionados, podem-se
reconhecer as diferentes "áreas" da superfície terrestre. A Geografia deve descrever unidades espaciais e compará-las. As unidades espa- ciais são caracterizadas pelas associações específicas de fenômenos que existem nesses lugares (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78). Em Hettner, a Geografia se torna a ciência que estuda a diferen- ciação de áreas da superfície terrestre. Em La Blache, a Geogra- fia se transforma numa Geografia Regional (estruturada num método regional, a região vira o conteúdo temático e o método da Geografia). [...] Na perspectiva labrachiana, a conexão re- gional é um dado para dentro. A seqüência das descrições e ins- crições dos elos vai não só formando a síntese da totalidade dos fenômenos e seus componentes, como decidindo a referência do marco dos limites que vão recortar a região no todo da superfície terrestre e garantindo-lhe seu caso único de identidade. Lacoste condenou-a como um "poderoso conceito obstáculo" (Lacoste, 1974 e 1988). Na perspectiva hettneriana, a conexão vem do movimento de diferenciação de um dado todo em recortes (o clima terrestre em seu movimento de variação na superfície ter- restre), a seqüência das descrições e elos servindo para flagrar o movimento em sua diferenciação na superfície, em busca da sua diversificação paisagística [...} (MOREIRA, 2006, p. 128).
As idéias de Hettner encontraram pouca divulgação em sua épo-
ca. Provavelmente, em função da disputa vigente entre o determi- nismo e o possibilismo. Somente a partir dos anos 1940, especial- mente nos Estados Unidos, as idéias de Hettner foram retomadas e valorizadas, tendo, no centro dessa valorização, um renomado geógrafo norte-americano: Richard Hartshorne. Hartshorne lecionou na universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos. Procurou desenvolver reflexões sobre a natureza da Geogra- fia, como ciência, em dois livros: A natureza da geografia, publicado em 1939, que trata da evolução do pensamento geográfico; e Questões sobre a natureza da geografia, publicado em 1959, que revisa posições de vinte anos antes e apresenta o conteúdo final de sua proposta. Para Hartshorne, as ciências se definiriam por métodos próprios. Assim, a Geografia se individualiza como ciência devido à forma específica de analisar a realidade. O método geográfico decorre do fato de essa ciência trabalhar com a variação dos fenômenos na superfície terrestre. A Geografia deveria buscar o estudo das in- ter-relações entre fenômenos heterogêneos, apresentando-as numa abordagem sintética. Assim, a partir das inter-relações entre os fe- nômenos, ela deve explicar a variação das diferentes áreas da su- perfície da Terra (MORAES, 1987, p. 8 7 ) . A área seria u m a unidade da superfície terrestre delimitada pelo observador. A delimitação é feita segundo a escolha do observador. Dependendo dos elementos selecionados, a delimitação será dife- rente. A área é construída subjetivamente pelo pesquisador, com base nos dados escolhidos; diferente da região vista como realidade exterior ao observador (La Blache). Assim, a singularidade de cada área seria dada pela integração de fenômenos inter-relacionados, conforme a escolha do observador (MORAES, 1987, p. 8 8 ) . A partir das inter-relações entre os fenômenos, Hartshorne apre- senta duas formas de estudo em Geografia: a particular (a região), quando se faz a Geografia a qual denominou de Ideográfica; e a g e - ral, quando se faz a Geografia a que chamou de Nomotética. Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferen- ciando-as pelo nível de profundidade das inter-relações dos elemen- tos estudados, ou seja, quanto menor o número de elementos inter- relacionados, maior a possibilidade de generalização; quanto maior o número de elementos inter-relacionados, mais profunda a análise efetuada, maior conhecimento da singularidade da "área", maior possibilidade de estudo regional. Em Hartshorne, os estudos de Geografia devem analisar as variações espaciais e as conexões de fenômenos em integração. Na Geografia Geral, realizam-se "estudos tópicos", como: Geo- grafia do Petróleo, Geografia da Cana-de-Açúcar, Geografia do Café, Geografia da Monocultura, Geografia da Policultura, Geo- grafia da Pesca etc. Para ele, a região "área" é u m a construção intelectual de acordo com objetivos traçados pelo pesquisador e, como tal, ela pode va- riar em delimitação conforme esses objetivos. Moraes ( 1 9 8 7 , p. 9 1 - 9 2 ) afirma que as propostas de Richard Hartshorne, por um lado, e de André Chollay e M. le Lannou, por outro, encerraram as proposições da Geografia Tradicional. Finaliza- ram um conjunto de propostas cuja unidade foi dada pela aceitação de certas máximas (os princípios gerais que deveriam ser utilizados nos estudos geográficos) consideradas verdadeiras na ciência geográ- fica: "a Geografia é u m a ciência empírica, pautada na observação"; "a Geografia é u m a ciência de contato entre o domínio da natureza e o da humanidade"; "a Geografia é u m a ciência de síntese". O autor afirma ainda que a Geografia Tradicional deixou uma ciência elaborada, um conjunto de conhecimento sistematizado; possibilitou a formação de u m a ciência autônoma; elaborou um rico acervo empírico; e, finalmente, a Geografia Tradicional elaborou al- guns conceitos como: território, região, habitat, paisagem, área e t c , que ainda merecem ser rediscutidos (MORAES, 1987, p. 9 1 - 9 2 ) . Convém não esquecer que a Geografia Moderna teve seus pri- meiros grandes mestres na Alemanha e, logo após, na França. Há grande influência do Positivismo na Geografia Tradicional. A Escola Alemã de Geografia é marcada pelo caráter determinista, e o prin- cipal representante foi Friedrich Ratzel. Em oposição ao Determi- nismo alemão, surgiu, na França, o Possibilismo, corrente que teve em Vidal de La Blache o maior representante, consolidando a Escola Francesa de Geografia. Foram estas duas escolas que exerceram a maior influência no decorrer da Geografia Tradicional. É muito provável que as doutrinas dessas escolas estivessem a serviço de interesses políticos e militares dos Estados em que elas se inseriam e da classe hegemônica dominante desses Estados, a fim de que a exploração nas colônias fosse justificada.