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tentativa de sistematização dos conhecimentos apreendidos.

O empirismo bastante forte, desenvolvido através dos traba-


lhos de campo, foi caracterizado, nos primórdios da Geogra-
fia, pelas expedições científicas de europeus na própria Europa
e em outros continentes.

Neste contexto, pode-se dizer que a Geografia surge, como


ciência, no século X I X na Alemanha. Os autores considerados os
"pais" da Geografia são os alemães Alexander von Humboldt e
Karl Ritter. E, também, nesse país que aparecem as primeiras cá-
tedras dedicadas à disciplina, as primeiras propostas metodológicas
e a formação das primeiras correntes de pensamento na Geografia
(MORAES, 1987, p . 4 2 ) .

4.1 A Sistematização da Geografia:


Humboldt e Ritter
A Geografia, ao fim do século XVIII, já apresentava as condi-
ções necessárias para se emancipar, tornar-se ciência no sentido
moderno. Podia compor seus elementos, que estavam espalhados
nos mais diversos campos do conhecimento, e sistematizá-los. Os
conhecimentos, muitos deles pertencentes a outras ciências, se-
riam tratados pela Geografia de forma particular, depois de asso-
ciados de maneira diferente. Criaram-se, dessa forma, as condições
para u m a descrição com base mais científica da superfície terrestre
(SODRÉ, 1 9 8 9 , p. 2 9 ) .
Segundo Ferreira e Simões ( 1 9 8 6 , p. 5 9 ) , no século XIX, a Terra
já estava toda conhecida. A questão que começa a preocupar os
geógrafos a partir de então é: "O que existe em tal l u g a r ? " Assim,
eles passaram a se dedicar a dois problemas: o estudo da diferenciação
de espaços e o estudo das relações homem-meio.
A Geografia do século X I X desenvolve-se, inicialmente, como
já citado, com as grandes contribuições de dois cientistas alemães:
Alexander von Humboldt ( 1 7 6 9 - 1 8 5 9 ) e Karl Ritter ( 1 7 7 9 - 1 8 5 9 ) .
Ambos serão considerando os fundadoresda Geografia, devido ao
caráter sistemático e metodológico que lhe dão, permitindo que
seja considerada u m a ciência moderna.
Alexander von Humholdt nasceu em 14 de setembro de 1 7 6 9 ,
na cidade de Berlim, na Prúcia e morreu em 1 8 5 9 . Foi um gran-
de estudioso das ciências naturais. Estudou Botânica, Engenha-
ria de Minas, Geologia, Meteorologia, Física e Filosofia. Realizou
inúmeras viagens: percorreu a Europa. Equador, Peru, Venezue-
la, Colômbia, América Central, México, Estados Unidos e Rússia,
observando e estudando os g r a n d e s fenômenos físicos e biológicos.
Descreveu as características naturais da fauna, flora, atmosfera,
formações aquáticas e terrestres e. também, as populações que
habitavam esses lugares. Nas viagens, acumulou grande quan-
tidade de conhecimento que lhe possibilitou elaborar e publicar
diversos trabalhos, mas suas duas grandes obras são: Quadros da
natureza ( 1 8 0 8 ) e Cosmos ( 1 8 4 5 - 1 8 5 9 ) . Após percorrer o mundo,
ele voltou à Europa e estimulou a organização de sociedades e de
reuniões científica. Na velhice, retornou a Berlim, dedicou-se ao
magistério e se tornou conselheiro do rei da Prússia. Os trabalhos
desenvolvidos e publicados por Humboldt são todos de natureza
científica. Elerealizava seus estudos considerando a unidade da
natureza, e as pesquisas e r a m soltadas à descoberta da conexão
causai dos fenômenos
Humboldt, tanto em cosmos c o m o em Quadros da natureza, fez a
descrição dos fenômenos naturais e humanos, ou melhor, do con-
junto dos fenômenos do universo, desde as nebulosas planetárias, a
Geografia Físicaf estados dr Geologia. Geomorfologia, Mineralogia
etc.) até a Geografia d a s Plantas e dos Animais (sua distribuição,
fisionomia e t c ) , terminados pelas etnias dos homens. Analisou os
fenômenos geológicas, climáticos e botânicos na distribuição e in-
ter-relação na superfície terrestre.
Seu principal objetivo era a busca de u m a ciência integradora,
por meio da qual se pudesse demonstrar a harmonia e a inter-re-
lação dos diversos fenômenos da natureza. A paisagem, para ele,
era resultado da interação de vários fenômenos. Das investigações
dos fenômenos feitas em escala regional, continental ou mundial,
resultou u m a sistematização de conhecimentos geográficos, consi-
derando que o mesmo fenômeno pode ser analisado tanto no âm-
bito regional como mundial. Assim, ele estudava diversos assuntos;
por exemplo, o clima, o relevo, a vegetação, levando em conta as
várias escalas, região, continente e o mundo. Com Humboldt, a
Geografia passou a ser considerada u m a ciência sistemática. Ou
seja, Humboldt comparava sistematicamente as paisagens (os fenô-
menos) da área que estudava com outras áreas da superfície terres-
tre. Utilizava, para o estudo dos fenômenos, o método empírico e
indutivo, partindo de casos particulares para os gerais, objetivando
obter u m a lei geral, válida também para os casos não-observados
(FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 6 1 - 6 4 ) .
Com Humboldt, a Geografia seria u m a disciplina sintética,
preocupada com a conexão entre os elementos e buscando, atra-
vés destas conexões, a relação de causalidade existente na natureza.
Humboldt concebia a Geografia como o estudo da parte terrestre
da ciência do cosmos, u m a espécie de síntese de todos os conheci-
mentos relativos à Terra (MORAES, 1987, p. 4 7 - 4 8 ) .
Humboldt não analisava apenas um fato isolado, e sim procura-
va estabelecer relações de causa e efeito entre eles, surgindo daí o
Princípio de Causalidade.
A l é m desse, ele t a m b é m buscou aplicar o chamado Princí-
pio de Geografia Geral, ou seja, n e n h u m l u g a r da Terra pode ser
estudado sem o conhecimento do conjunto; sendo que um fe-
nômeno, verificado em d e t e r m i n a d a região, pode ser g e n e r a -
lizado p a r a todas as outras áreas do globo com características
semelhantes, isto é, busca-se, a partir da comparação, verificar
semelhanças e diferenças entre os fenômenos e os lugares na
superfície terrestre. S e g u n d o H u m b o l d t :

{...] quando fixa sua atenção num problema geológico, bio-


lógico ou humano, esse grande espírito não se absorve na
contemplação do fato local: volta o seu olhar para as outras
regiões onde se absorvam fatos análogos {...}. Nenhum pon-
to lhe parece independente do conhecimento do conjunto do
globo (apud MARTONE, 1953, p. 13).

Já Karl Ritter nasceu a 7 de agosto de 1779, na Saxônia, e mor-


reu em 1859- Foi amigo pessoal de Humboldt, estudou Filosofia,
História, Matemática e Ciências Naturais. Foi professor de u m a
família de banqueiros e professores de História e Geografia no Gi-
násio de Frankfurt. Em 1820, tornou-se o primeiro docente da re-
cém-criada cátedra de Geografia da Universidade de Berlim, na
qual passou grande parte da vida. É importante destacar que, se
Immanuel Kant foi o primeiro a ensinar a disciplina de Geografia
sob a forma de curso mão regalar, na universidade de Kõnigsberg,
Ritter foi o primeiro a lecionar Geografia num curso regular uni-
versitário, em Berlim. É bom esclarecer que:

Por mais amadurecida ciência geográfica estivesse, ape-


nas começou a dar fracos no momento em que lançou raízes
no solo universitários em íntimo contato com aquelas ciências
a cujo desenvolvimento deve andar associada. E tal é demons-
trado à sociedade pelo avanço considerável da Alemanha, onde
o ensino geográfico universitário foi organizado mais cedo do
que em qualquer outro país (MARTONNE, 1953, p. 17).

Ao contrário de Humboldt, Karl Ritter foi considerado um


"geógrafo de g a b i n e t e ' , pois não foi um grande viajante; baseava
grande parte dos estilos em leituras de trabalhos já existentes.
Suas publicações apresentam metodológico e normativo.
Concentrou as pesquisas nos vários sistemas de organização espa-
cial, comparando povos, culturas, instituições e os fenômenos natu-
rais. Foi o precursor do método comparativo em Geografia.

Ritter reitera o princípio corológico e aperfeiçoa o método


comparativo, estabelecendo o perfil e o rigor científico que
ainda faltavam à Geografia. O método comparativo consiste,
segundo Ritter, em "ir da observação à observação" {...}. O
objetivo da Geografia comparativa é a constituição da "indivi-
dualidade regional" (MOREIRA, 2006, p. 21).

Moraes (1987, p. 4 8 - 4 9 ) esclarece que, na principal obra de Ritter,


Geografia comparada, há o objetivo de propor a constituição de uma
ciência geográfica, sendo um livro normativo. Ritter propõe o con-
ceito de "sistema natural" à Geografia, ou seja, uma área delimitada
que apresenta u m a individualidade própria. A Geografia deveria se
preocupar em estudar esses arranjos individuais e compará-los. Cada
arranjo era composto de um conjunto de elementos inter-relaciona-
dos, representando u m a totalidade em que o homem seria o principal
elemento. Assim, a Geografia de Ritter é direcionada, principalmen-
te, para o estudo dos lugares. A proposta é considerada antropocên-
trica (o homem é o sujeito da natureza) e regional (direcionada para
o estudo de individualidade), valorizando a relação homem-natureza.
Em termos de método, ele considera a análise empírica, da observa-
ção à observação, para a explicação dos fenômenos.
Na obra, Ritter descreve diversas áreas do mundo, buscando as-
sociar os fenômenos naturais com os humanos. As descrições são de
áreas individualizadas a partir da inter-relação dos fenômenos nela
existentes, considerando a Geografia como u m a ciência de síntese
e empírica. A metodologia deve basear-se na observação direta dos
fenômenos, em vez de partir de hipóteses teóricas.
Ritter procurou aplicar o princípio da Geografia Geral ou Analo-
gia, em que, delimitada u m a área em estudo, ela deveria ser com-
parada com o que se observa em outras áreas, encontrando, assim,
diferenças e semelhanças entre elas. Também era possível, a partir
de estudos particulares, estabelecer-se a formulação de leis, utili-
zando-se do método indutivo.
Todavia, ao tentar propor leis gerais que pudessem explicar
os fatos humanos, ele percebeu u m a g r a n d e dificuldade, u m a
vez que os fatos humanos não são uniformes como as leis físico-
naturais (ANDRADE, 1 9 8 7 , p. 5 3 ) . Desenvolveu seus trabalhos
sobre estudos regionais.
A partir de Humboldt e Ritter, ficou estabelecida a Geografia
como ciência descritiva, empírica, indutiva e de síntese, pautada na
observação. As contribuições de ambos foram de grande relevância
para conferir caráter científico à Geografia e a inserção acadêmica.
Nos trabalhos, eles utilizaram a observação da paisagem com o
objetivo de fazer um estudo de síntese a partir da inter-relação dos
elementos observados.
As obras dos autores são de grande importância e compõem a
base da Geografia Moderna Tradicional. Todos os trabalhos pos-
teriores vão se reportar às formulações de Humboldt e Ritter, seja
para aceitá-las, seja para contestá-las. A Geografia de Ritter pode
ser considerada regional e antropocêntrica; já a de Humboldt visa
abarcar todo o Globo, toda a superfície terrestre, sem privilegiar o
homem (MORAES, 1987, p. 4 8 - 4 9 ) .
Esclarece Moreira ( 2 0 0 6 , p. 2 2 ) :

Tanto Ritter quanto Humboldt são holistas em suas con-


cepções de Geografia. Enquanto Ritter vai do todo — a superfí-
cie terrestre — à parte - o recorte da individualidade regional
-, de modo a daí voltar ao todo para vê-lo como um todo
diferenciado em áreas, Humboldt vai do recorte — a formação
vegetal — ao todo — o planeta Terra {...} ambos se valendo do
método comparativo {...}.
Estes autores criaram uma linha de continuidade no pensamento
geográfico que não existia. Entretanto, apesar da relevância de ambos
para a Geografia, eles não deixaram discípulos diretos. Isto é, não
chegaram a formar u m a "escola geográfica". Proporcionaram um
conjunto de estudos de grande influência para todas as "escolas" da
Geografia Tradicional (MORAES, 1987, p. 50).

Karl Ritter {...]. Dedicou-se por muitos anos ao ensino na Uni-


versidade de Berlim, tendo sido um grande professor. Apesar
de ter ensinado aos maiores geógrafos dos fins do século XIX,
como Friedrich Ratzel, Élisée Reclus e Vidal de la Brache, não
fez escola. Estes, porém, tinham grande entusiasmo por ele
{...]. (ANDRADE, 1987, p. 52).

E importante ressaltar que Humboldt foi um grande incentivador


das chamadas Sociedades de Geografia, que organizavam expedições
e pesquisas científicas em diversas partes do mundo; e esses estudos
foram de muito interesse para o domínio dos grandes impérios co-
loniais europeus. Outro fato é que não há, da parte de Humboldt,
um estudo específico voltado somente à Geografia. Mas também de
Botânica, Geologia, Hidrologia, Astronomia, Física, Mineralogia,
Meteorologia, entre outras.
Humboldt, inicialmente, não obteve prestígio entre os geógra-
fos. Sua obra foi muito mais difundida entre os estudiosos das ciên-
cias naturais. Ritter, por sua vez, exerceu influência nos geógrafos
da Alemanha e também nos da França. Há, da parte de Ritter, um
desejo em fazer da Geografia u m a disciplina do currículo universi-
tário, u m a ciência acadêmica. Na obra, existe grande preocupação
pedagógica e normativa.
Os estudos de Humboldt e Ritter foram decisivos para conferir à
Geografia o verdadeiro caráter científico. Com a institucionalização
da Geografia, surgem as escolas nacionais, ou seja, as "escolas geo-
gráficas", que serão descritas nos próximos capítulos.
4.2 O Determinismo na Geografia: Friedrich Ratzel
Podem-se destacar três condições vivenciadas pela Alemanha no
início do século XIX: primeira, um território fragmentado em de-
zenas de pequenos feudos (reinos, principados, ducados e cidades
livres); segunda, o desejo de unificação; terceira, os ideais expansio-
nistas imperialistas, articulados ao capitalismo industrial.
A Alemanha vivia então u m a situação singular:

a) inexistência de um Estado Nacional;


b) inexistência de u m a monarquia absoluta, forma de governo
própria do período de transição na Europa;
c) poder nas mãos dos proprietários de terras (os junkers), numa
estrutura feudal;
d) falta de um centro econômico forte e organizador do território;
e) disputas de fronteiras, entre os feudos e com países vizinhos
não-germânicos;
f) atraso econômico de inúmeros "Estados" alemães.

Tais condições dificultavam a organização e a integração territo-


rial e, conseqüentemente, um fortalecimento da nação alemã. Para
resolver a situação, surge, nas classes dominantes, a idéia de unifi-
cação nacional.
A unificação da Alemanha foi liderada pela Prússia, incentivada,
sobretudo, pela necessidade de construir um Estado alemão rico e
desenvolvido, para poder competir com as grandes nações euro-
péias, especialmente França e Inglaterra. Nesse contexto, a Geo-
grafia irá contribuir para o processo de unificação e atender aos in-
teresses políticos e econômicos da aristocracia prussiana (os grandes
proprietários de terra).
A formação do Estado nacional alemão precisou de estímulos,
o que fez com que o discurso geográfico assumisse um sentimento
de pátria, por meio da identidade territorial. O desejo alemão de
nacionalismo apresentou-se como decisivo para a consolidação da
ciência geográfica e para transformá-la num instrumento de difu-
são dos ideais de nacionalismo e integração territorial.
É mister saber que, na partilha do mundo, a Alemanha che-
gou "atrasada", pois as grandes potências da época, principalmente
França e Inglaterra, dividiram, entre si, boa parte dos países da
África e da Asia.
Até a primeira metade do século XIX, a Alemanha não existia
como país. O que havia era um conjunto de "Estados" independen-
tes. Em 1 8 1 5 , com o fim das guerras napoleônicas e pelas deter-
minações do Congresso de Viena, os "Estados" foram reunidos na
condição de Confederação Germânica, sob a hegemonia da Áustria
e da Prússia. A partir de 1834, por influência da Prússia, foi estabe-
lecida u m a união aduaneira na Confederação. As revoluções popu-
lares de 1848, marcadas pelo nacionalismo e por aspirações liberais
que se propagavam na Europa, levaram à formação, na Confedera-
ção, do primeiro Parlamento Germânico.
Em 1862, o rei prussiano Guilherme I nomeou como primeiro-mi-
nistro Otto von Bismarck, chanceler da Prússia. Bismarck introduziu
um programa de desenvolvimento industrial e modernização do Exér-
cito prussiano e, pela força ou por acordos diplomáticos, coordenou
o processo de unificação da Alemanha, que envolveu, ainda, guerras
contra a Dinamarca (1864), Áustria (1866) e França (1870). No caso
da França, ocorre a tomada, pela Prússia, dos territórios franceses da
Alsácia e da Lorena, ricas em minério de ferro e carvão.
É o reino da Prússia que inicia o processo de unificação alemã. Para
Bismarck, "a unificação será feita a ferro e sangue". No seu entender,
a unificação só poderia ser feita pela eliminação da influência política
da Áustria e de países que viessem a interferir no processo.
Em 1871, finalmente se legitima a unificação, e Guilherme I foi
proclamado imperador da Alemanha. Porém, os problemas relativos
ao espaço ainda não haviam sido solucionados. Havia a necessidade de
manter a unidade da nação por meio de uma ideologia que conferisse
identidade germânica, e o crescimento da produção industrial exigia
a ampliação de mercados consumidores. Isso levou a Alemanha a dis-
putar regiões dominadas por Inglaterra e França.
Para justificar a unificação, o nacionalismo e o expansionismo,
foram as idéias de Ratzel um instrumento poderoso de legitima-
ção e expansionismo do Estado alemão recém-constituído, como
afirma Andrade ( 1 9 8 7 , p. 54): "Friedrich Ratzel [ . . . ] . Vivendo na
Alemanha e tendo assistido a sua unificação sob a égide da Prússia,
formulou u m a concepção geográfica que correspondia aos anseios
expansionistas do novo Império".
Friedrich Ratzel ( 1 8 4 4 - 1 9 0 4 ) foi professor de Geografia na Uni-
versidade de Leipzig, na Saxônia (Alemanha). Seu principal livro,
publicado em 1882, denomina-se Antropogeografia: fundamentos da
aplicação da Geografia à História. Em decorrência da obra, é consi-
derado o fundador da Geografia Humana, tendo em vista o grande
enfoque que dá ao homem. Mas é mister saber que esse enfoque
está relacionado à influência que o homem sofre em conseqüência
do meio em que vive. Ratzel estuda o desenvolvimento dos povos
sob a influência do meio natural.
Ratzel realizou viagens pela Europa e América, observando a
migração dos animais e dos seres humanos, a concentração das
populações em determinadas áreas da Terra, o que lhe possibilitou
concluir sobre a influência do meio natural no homem. A influên-
cia pode, por exemplo, direcionar, impedir, favorecer, acelerar,
desordenar as ações dos homens sobre o meio natural. Tal fato de-
corre das condições naturais diferenciadas da superfície terrestre.
E importante ressaltar que as concepções geográficas de Ratzel
foram influenciadas pelo Positivismo, seguindo um procedimento
que buscava as "leis" que explicariam o comportamento dos ho-
mens na Terra; e pelas idéias evolucionistas de Charles Darwin,
com A evolução das espécies; e de Ernst Haeckel, aceitando que, na
luta pela vida, venceriam sempre os mais fortes, e que a vitória dos
mais fortes, dos mais aptos sobre os mais fracos, era o resultado
lógico da luta pela vida.
Assim, são selecionados para a sobrevivência os povos mais ca-
pazes a se adaptar ao meio natural. Daí a idéia da superioridade dos
europeus, como u m a civilização mais dinâmica em relação aos po-
vos colonizados, considerados, portanto, selvagens e pertencentes a
civilizações estagnadas (ANDRADE, 1987, p. 54).
Ratzel definiu o objeto geográfico como o estudo da influência das
condições naturais sobre a humanidade. Compara a sociedade a um
organismo que mantém fortes relações com o solo, para atender a sua
necessidade de sobrevivência. Quando a sociedade se organiza para a
defesa do solo, ou melhor, de seu território, ela transforma-se em Es-
tado. O território é condição de trabalho e existência de uma sociedade.
Sua perda conduz à decadência de uma sociedade. Já o progresso im-
plicaria o aumento de território, a conquista de novas áreas. A partir
dessas idéias, Ratzel elabora o conceito de "espaço vital", que consiste
no equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis para a sobre-
vivência. Há, assim, uma vinculação entre as formulações das idéias
de Ratzel e o projeto imperial alemão, que se expressa na justificativa
do expansionismo como fator natural (MORAES, 1987, p. 56).
O homem está sempre relacionado ao meio natural. A histó-
ria humana seria a história natural da luta dos povos pelo "espaço
vital", u m a luta pela adaptação, pela sobrevivência e pela defesa
ou conquista de territórios. O conceito de Estado passou a estar
relacionado a u m a sociedade organizada sobre as bases de um ter-
ritório. O território pode expandir-se ou retrair-se, conforme a luta
pela sobrevivência de u m a determinada sociedade. Assim, justifi-
cam-se as guerras entre os povos. A concepção de defesa, expansão
e domínio de território fora incorporada pelos militares e dirigentes
do Estado alemão, de forma preponderante, desde as formulações
de Ratzel: "Exatamente porque não é possível conceber um Estado
sem território e sem fronteiras é que vem se desenvolvendo rapi-
damente a Geografia Política [...] u m a teoria do Estado que fizesse
abstração do território não poderia, jamais, contudo, ter qualquer
fundamento seguro" (RATZEL, 1990, p. 7 3 ) .

[...} os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o


Estado, o Estado é um organismo. A Sociedade e o Estado são
o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é um
organismo em parte humano e em parte terrestre. É a íorma
concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio,
poder-se-ia dizer. A própria síntese. O Estado é assim porque
possui uma relação necessária com a natureza: do espaço é
que retira sua existência e desenvolvimento. Os Estados ne-
cessitam de espaço, como as espécies. A subsistência, energia,
vitalidade e o crescimento dos Estados têm por motor a busca
e conquista de novos espaços. Troquemos "Estado" por "impe-
rialismo" e entenderemos Ratzel (MOREIRA, 1992, p. 33).

Em Ratzel, a Geografia é u m a ciência de síntese, descritiva,


empírica e que trabalha com a observação e a coleta de informa-
ções em campo, buscando a relação entre os fenômenos, relações
de causalidade numa perspectiva indutiva, aceitando a concepção
positivista. Isto é, a utilização na Geografia dos mesmos métodos
aplicados pelas ciências naturais.
Ratzel deixa discípulos que seguem suas propostas. Todavia, es-
tes vão buscar evidências empíricas para comprovar a influência do
meio natural sobre a humanidade. Dessa forma, Ratzel e seus discí-
pulos foram rotulados de deterministas, ou melhor, formadores de
uma "Escola Determinista na Geografia", considerando "o homem
como produto do meio natural".
A concepção determinista vai ser desenvolvida principalmente pe-
los discípulos Ellem Semple, uma geógrafa americana que estudou na
Alemanha com Ratzel, e pelo geógrafo inglês Elsworth Huntington.
Ellen Semple ( 1 8 6 3 - 1 9 3 2 ) , no livro As influências do meio geográfico,
apresenta um estudo mostrando a dependência dos povos em rela-
ção ao meio natural. Por exemplo: regiões planas, predomínio de
religiões monoteístas; regiões acidentadas, predomínio de religiões
politeístas. Os Estados com territórios pequenos apresentam socie-
dades mais conflituosas e com tendências expansionistas. Semple
foi aluna de Ratzel e u m a grande divulgadora das teses do mestre
nos Estados Unidos.
Já o inglês Ellsworth Huntington ( 1 8 8 9 - 1 9 7 5 ) , na obra Clima
e sociedade, utiliza-se de u m determinismo invertido, isto é, as con-
dições naturais mais hostis seriam as que possibilitariam o maior
desenvolvimento das sociedades. Assim, por exemplo, os rigores do
inverno explicariam, pelas necessidades impostas (abrigo, estoca-
g e m de comida), o que provocou o desenvolvimento das sociedades
européias (MORAES, 1987, p. 58).
Pode-se, ainda, destacar W i l l i a m Morris Davis ( 1 8 5 0 - 1 9 3 4 ) ,
com estudos voltados para a Geografia Física. Sua contribuição re-
levante se encontra na Geomorfologia: a teoria do "ciclo de erosão",
em que as formas do relevo evoluem e passam, sucessivamente,
pelo estado de juventude, maturidade e velhice. Em Davis, a Geo-
grafia deve estudar as características naturais da superfície da Terra
e o efeito sobre os povos (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 7 1 ) .
Além da corrente determinista, as propostas de Ratzel permi-
tiram mais dois desdobramentos, destacados por Moraes ( 1 9 8 7 ,
p. 59-60):

1) a geopolítica - corrente dedicada ao estudo da dominação de


territórios, levando-se em consideração as colocações rat-
zelianas referentes à ação do Estado sobre o espaço. Seus
estudiosos e defensores desenvolveram teorias e técnicas
que possibilitavam legitimar o imperialismo (defesa, ma-
nutenção e conquistas de territórios). São considerados os
principais representantes dessa corrente: Rudolf Kjéllen
(1864-1922), Halford J. Mackinder (1861-1947) e Karl
Haushofer (1869-1946);
2) o ambientalismo - foi chamada de escola ambientalista, ape-
sar de não ser considerada uma filiação direta da Antropogeo-
grafia. Todavia, foi Ratzel o formulador de suas bases. Esta
corrente propõe o estudo do homem em relação ao seu meio
natural. O ambientalismo propõe um determinismo atenua-
do, sem uma visão fatalista. A natureza é colocada como su-
porte da vida humana.

A obra de Ratzel, apresentada nos seus dois livros mais famo-


sos, Antropogeografia e Geografia Política, teve grande influência no
desenvolvimento da ciência geográfica, destacando o estudo do ho-
m e m sob a influência do meio natural, a importância do território e
a sua relação com a sociedade, o Estado e o poder. Fica, portanto,
clara a importância da Geografia como ciência e como instrumental
estratégico, político e de dominação dos povos pelos Estados impe-
rialistas e pelo capitalismo.

4.3 O Possibilismo na Geografia: Vidal de La Blache


Antes de apresentar as propostas de Vidal de La Blache, e para
melhor compreensão do pensamento geográfico na França, é neces-
sário esboçar alguns traços gerais deste país no século XIX.
Em 1804, Napoleão Bonaparte é coroado imperador da Fran-
ça, sob o nome de Napoleão I. O Império Napoleônico promove
u m a política expansionista: domina a Itália, a Holanda e parte da
Alemanha; estabelece aliança com a Rússia e declara bloqueio con-
tinental à Inglaterra, em 1806. Em 1814, um poderoso exército,
formado por ingleses, austríacos, russos e prussianos, invade Paris
e destitui Napoleão do poder. Ele é exilado na Ilha de Elba e, em
menos de um ano, consegue fugir e retornar à França, reconquis-
tando o poder. Inicia-se o Governo dos Cem Dias. Mas a coligação
militar internacional rapidamente se reorganiza e marcha contra a
França. Napoleão e suas tropas foram definitivamente derrotados
na Batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815.
Com a derrota, em 1 8 1 5 , os representantes das potências eu-
ropéias se reuniram no Congresso de Viena para redefinir o m a p a
político da Europa e do mundo. Sob a liderança da Inglaterra,
Áustria, Prússia e Rússia, os territórios do Império Napoleônico
são redistribuídos entre os países vencedores, restaurando as dinas-
tias e as fronteiras alteradas pelas guerras napoleônicas.
Entre 1830 e 1832, ocorreram movimentos de caráter liberal e
burguês, que se iniciaram na França e se espalharam pela Europa,
ficando conhecidos como Revoluções Liberais. Na França, surgiram
revoltas populares depois que o rei Carlos X (dinastia dos Bourbon)
suspendeu a liberdade de imprensa e dissolveu a Câmara. Mas as
forças liberais burguesas deflagraram uma revolução e depuseram
Carlos X, levando ao trono da França o rei Luís Felipe I. A derrubada
dos Bourbon estimulou o surgimento de várias outras insurreições na
Europa. Entre 1830 e 1 8 3 1 , manifestações nacionalistas eclodiram
na Polônia, porém foram abafadas pelos russos. Em 1832, começa-
ram as agitações em várias partes da Alemanha e da Itália.
Em 1848, as crises econômicas e a falta de liberdade civil acen-
tuaram a oposição à monarquia na França, iniciando a onda revo-
lucionária de 1848. Os revoltosos proclamaram a II República e
instalaram um governo provisório de maioria burguesa. Apesar da
conquista da liberdade democrática, as condições de vida dos traba-
lhadores pouco mudaram. A onda revolucionária atingiu também
outras nações européias.
Em 1 8 7 0 , aconteceu a Guerra Franco-Prussiana, que marcou
o fim da hegemonia francesa na Europa. Reagindo à ambição de
Napoleão III de conquistar a Prússia, o chanceler prussiano Otto
von Bismarck derrotou o exército francês, em 1870, e anexou
à A l e m a n h a os territórios da Alsácia e de Lorena, pertencentes
à França. Em 1 8 7 1 , Bismarck efetivou a unificação alemã, in-
tegrando os Estados germânicos, e Guilherme I foi proclamado
imperador da Alemanha.
Em 1 8 7 1 , os termos de paz impostos à França, derrotada na
Guerra Franco-Prussiana, e as diversas crises internas (econômicas,
políticas e sociais) provocaram u m a revolta popular liderada pelo
socialista Louis Blanc e pelo anarquista Joseph Proudhon. E im-
plantado, então, um governo revolucionário - a Comuna de Paris
— que instituiu o fim dos privilégios e distinções de classe, o ensino
gratuito e obrigatório, o controle de preço dos alimentos e a distri-
buição da renda em sistema cooperativo. Após 72 dias de poder, em
Paris, a Comuna é derrotada por tropas conservadoras francesas e
estrangeiras. Mais de 2 0 . 0 0 0 revolucionários são executados.
Segundo Andrade ( 1 9 8 7 , p. 6 9 ) , a derrota da França para a Ale-
manha, em 1870, foi considerada, por muitos como devida ao ensi-
no ministrado no país, que era considerado de qualidade inferior ao
que era ministrado na Alemanha. Diziam que a guerra havia sido
ganha pelo mestre-escola alemão. E fundamental ressaltar que a
França foi derrotada, humilhada, ficou com u m a grande dívida de
guerra e teve, ainda, os territórios da Alsácia e de Lorena perdidos
para a Alemanha. Assim, o governo republicano procurou recupe-
rar-se, e um dos setores que muito o preocupou foi a educação. Daí
a necessidade de reorganização do ensino, dando maior ênfase às
disciplinas de Geografia e História no nível secundário.
As rivalidades existentes há muito tempo entre França e Ale-
manha a u m e n t a r a m com a perda da Alsácia e de Lorena durante
a guerra franco-prussiana. Esse fato impulsionou o desenvolvi-
mento da Geografia na França, já que a perda da g u e r r a pela
França foi atribuída não ao exército alemão, e sim à Geografia,
como ela era ensinada e aplicada.
Vidal de La Blache (1845-1918) é considerado o fundador da escola
regional francesa. Sua formação era de historiador, mas se interessava
por assuntos de Geografia. Assim, fez um doutoramento em Geogra-
fia e conseguiu, para ela, a independência acadêmica (universitária)
em relação a História (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 73).
Quando criada a cadeira de Geografia na Universidade de Nancy,
ela foi confiada a Vidal de La Blache. Posteriormente, de Nancy, Vi-
dal foi transferido para a Universidade de Sorbonne.
Entre as principais obras, destaca-se Tableau de la géographie de la
France. Foi o fundador da revista Annales de Géographie e também
fundou a Escola Francesa de Geografia, denominada "Escola Possi-
bilista", termo utilizado e divulgado por Lucien Febvre. Formou dis-
cípulos que passaram a ocupar as cátedras dessa disciplina nas várias
universidades francesas e a atuar em diversos países do mundo.
Com Vidal de La Blache, o centro das principais discussões so-
bre a ciência geográfica foi transferido para a França. Ele criticou
o discurso político, dentro da ciência geográfica, ressaltando a ne-
cessidade da neutralidade científica. Mas suas teorias não deixaram
de ser politizadas e respondiam aos interesses da elite dominante
francesa da época; o discurso político e ideológico era disfarçado.
Vidal criticou a Geografia alemã nas formulações naturalistas
de Ratzel (submissão do homem ao meio natural, ou um homem,
"produto do meio") e defendeu a variabilidade de decisões humanas
diante das possibilidades oferecidas pela natureza.
Nesse sentido, defendeu a capacidade criativa contida na ação
h u m a n a em sua história. No entanto, apesar de destacar a i m -
portância do estudo do elemento h u m a n o na Geografia, Vidal
não rompeu totalmente com a visão naturalista, já que afirmava
explicitamente: "a Geografia é u m a ciência dos lugares, não dos
homens". Assim, o importante na análise seria o resultado da
ação h u m a n a na p a i s a g e m , e não esta em si m e s m a (MORAES,
1987, p . 6 6 - 6 7 ) .
Segundo Moraes ( 1 9 8 7 , p. 6 8 ) , em seus estudos, La Blache vai
conceber o objeto da Geografia como a relação homem-natureza na
perspectiva da paisagem; sendo o homem um ser ativo, ele sofre a
influência do meio natural, mas, também, atua sobre este, trans-
formando-o. No processo, o homem cria formas sobre a superfície
terrestre. Assim, com Vidal, a natureza passou a ser vista como
possibilidade para a ação humana.
Assim sendo, o homem, agora, é um agente geográfico que
atua sobre o meio natural conforme a necessidade. O meio na-
tural passou a ser um elemento relativo sobre o homem. Mas é
importante ressaltar que, com Vidal, não se descartou a influência
do meio natural sobre o homem, só que agora o homem pode
criar possibilidades para sobreviver, agir sobre este meio natural,
transformando-o conforme a necessidade. O homem, pelo enfo-
que histórico, passa a ser um agente com liberdade de escolha e
que acumulou um conjunto de hábitos, costumes e técnicas na
relação com o meio natural.
Vidal considerou o homem como hóspede antigo das várias partes
da superfície terrestre. No relacionamento histórico com o meio na-
tural, o homem criou um acervo de técnicas, hábitos e costumes. A
esse conjunto, construído e transmitido socialmente, Vidal denomi-
nou "gênero de vida", o qual corresponde a uma relação de equilíbrio
entre a população e os recursos (MORAES, 1987, p. 6 8 - 6 9 ) .
Assim, pode-se perceber em suas palavras em Tableau de la g é o -
graphie de la France:

As relações entre o solo e o homem são marcadas, na Fran-


ça, por um caráter original de antigüidade, de continuidade.
Desde o começo, os estabelecimentos humanos parecem ha-
ver adquirido aí a permanência; o homem se deteve aí porque
encontrou, com os meios de subsistência, os materiais de suas
construções (LA BLACHE, 1994, p. 15).
À área, englobando várias comunidades com um "gênero de
vida" comum, Vidal denominou "domínio de civilização". Qual-
quer tentativa de não respeitar tal "domínio de civilização" signifi-
caria u m a agressão (MORAES, 1987, p. 7 0 ) .
Pode-se dizer que a Alemanha ou qualquer outro Estado deve-
ria respeitar os "domínios de civilização", ou melhor, respeitar o
domínio da França sobre as colônias, domínio que foi construído
historicamente, consistindo num "domínio de civilização" francês.
Nesse sentido, busca-se impedir o expansionismo alemão sobre as
colônias francesas.
Outra importante proposta de Vidal de La Blache refere-se ao
estudo da região, que é concebida como um espaço síntese da rela-
ção homem e meio natural; esse espaço exibe u m a homogeneidade
que difere de outros espaços.
A região seria, portanto, u m a unidade espacial que apresenta
u m a individualidade específica, diferente em relação às áreas li-
mítrofes. Pela observação, seria possível delimitá-la e localizá-la
(MORAES, 1987, p. 7 5 ) .
Em seus estudos, Vidal enfatiza a importância da Geografia
no estudo da superfície terrestre a partir das diversas divisões, a
"região", considerando a inter-relação dos fenômenos naturais e
humanos. A partir da inter-relação desses fenômenos, era possí-
vel delimitar as várias regiões do globo terrestre. Era necessário
procurar saber, por exemplo, a combinação entre o relevo, o solo, a
vegetação, o clima, a agricultura, a população e a indústria, para a
delimitação da região.
Vidal vê a região como resultante do estudo da paisagem. A re-
gião é u m a realidade objetiva que pode ser observada e delimitada
pelo observador.

A região é então a forma matricial da organização do espaço


terrestre e cuja característica básica é a demarcação territorial
de limites rigorosamente precisos. O que os geógrafos viam
na paisagem era a forma geral e de longa duração, e passaram
a concebê-la como uma porção de espaço cuja unidade é dada
por uma forma singular de síntese dos fenômenos físicos e hu-
manos que a diferencia e demarca dos demais espaços regio-
nais na superfície terrestre justamente por sua singularidade.
Pouco importava se o dito e o visto não coincidissem exata-
mente (MOREIRA, 2006, p. 158).

Com Vidal, há um grande enfoque no estudo da Geografia Re-


gional, que irá propagar-se com seus discípulos. Até os dias atuais,
realizam-se estudos de Geografia Regional. Essa forma de estudo,
pelos geógrafos, busca um conhecimento cada vez mais profundo
de determinada área.
La Blache planejou u m a obra coletiva, a Geografia universal, que
cobria um estudo das áreas em todo o mundo, na qual cada dis-
cípulo ficou responsável por u m a porção determinada do planeta.
No trabalho, ficou marcado um conceito utilizado por esse geó-
grafo — o de região — que posteriormente se tornou o balizador da
Geografia francesa (MORAES, 1987, p. 7 5 ) .
Outro elemento importante em Vidal de La Blache é a orien-
tação empírica à Geografia, pois ele enfoca a importância dos tra-
balhos geográficos ser realizados, principalmente, pela observação
direta da realidade, a necessidade das excursões geográficas como
trabalhos pedagógicos, ou seja: a escola ao ar livre deve guiar o
espírito geográfico. A realidade existia, independente do observa-
dor, e era preciso achá-la no campo, dando ênfase à observação da
paisagem para delimitação e estudo da região.
Nesse sentido, ele trabalha com uma abordagem descritiva, mé-
todo empírico-indutivo, necessidade dos trabalhos de campo, obser-
vação da paisagem na inter-relação do homem com o meio natural e o
estudo da região, considerando a integração do físico com o humano.
Vidal deixou vários discípulos que divulgaram ou desenvolve-
ram idéias com enfoque possibilista. Eles elaboraram monografias
regionais nos vários países europeus. "O método de estudo de u m a
região passou a ter u m a estrutura própria: primeiro, a análise do
meio físico, depois, as formas de ocupação e atividades humanas e,
por fim, o processo de integração do homem com o meio ambiente"
(FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 7 5 ) .
Na Geografia Regional, ele divide o estudo geográfico em qua-
dros físicos, humanos e econômicos. Assim, tem-se, por exemplo,
nos trabalhos monográficos e regionais: a localização da área, por
meio de projeções cartográficas; o quadro físico; como relevo, solo,
hidrografia, clima, vegetação e t c ; a formação histórica de ocupação
humana do território; a estrutura agrária; a estrutura urbana; a estru-
tura industrial etc. Finalmente, apresenta-se u m a conclusão, com
um conjunto de cartas, objetivando demonstrar u m a relação entre
os elementos humanos e naturais da região.
Segundo Sodré ( 1 9 8 9 , p. 8 6 - 8 7 ) , nos Annales de Géographie,
que La Blache fundou e dirigiu, no volume de 1 9 1 3 , no artigo
"Dês caracteres distinctifs de la Géographie", buscou estabele-
cer os princípios básicos em que a Geografia deveria assentar-se,
considerando: a unidade dos fenômenos terrestres; a combinação
variável desses fenômenos; o reconhecimento da relação do meio
com o homem; a necessidade de um método científico para o
estudo dos fenômenos; a importância do homem na m o d e l a g e m
do meio geográfico. Esses princípios, a seu ver, levam a u m a de-
finição melhor da função da Geografia no conjunto das ciências.
Vidal procurou mostrar como o homem, considerando o fator his-
tórico, soube tirar proveito do meio natural.
Vidal de La Blache vinculou os estudos à Geografia Humana. Po-
rém, esta foi concebida como um estudo da paisagem. A Geografia
de Vidal fala de população, nunca de sociedade; de estabelecimentos
humanos, não de relações sociais; estuda a relação homem-natureza,
mas não aborda as relações entre os homens. U m a Geografia Hu-
mana não uma ciência social (MORAES, 1987, p. 7 2 - 8 2 ) .
Seguindo a Geografia francesa, surgiram autores como: Ema-
nuel de Martonne, J e a n Brunhes, Camille Valloux, André Chollay
e Max Sorre.
Emanuel de Martonne (1873-1955) foi diretor do Instituto de Geo-
grafia da Universidade de Paris, em 1927, e presidente de honra da
União Geográfica Internacional, em 1949. Publicou vários livros sobre
Morfologia, referentes à erosão das geleiras e à evolução das formas dos
relevos. Também deixou produção científica nos Annales de Géographie.
Para Martonne, a Geografia deveria estudar a distribuição dos
fenômenos físicos, biológicos e humanos na superfície terrestre
(ANDRADE, 1 9 9 8 , p. 13).
Já J e a n Brunhes ( 1 8 6 9 - 1 9 3 0 ) foi professor da Universidade
de Friburgo e publicou La géographie humaine, em que classificou
os fatos de ocupação do espaço em três grupos: de ocupação i m -
produtiva do solo, como casas e caminhos; de conquista vegetal
e animal, como lavouras e criação; de economia destrutiva, como
devastações vegetais e animais (SODRE, 1 9 8 9 , p. 9 4 ) .
Camille Vallaux ( 1 8 7 0 - 1 9 4 5 ) publicou diversas obras, entre
elas, detacam-se: Les sciences géographiques, La géographie de 1'histoire
e Géographie générale des mers. Preocupou-se em estudar assuntos re-
lacionados à Geografia e à História, aos oceanos, à política e às
fronteiras geográficas.
A Combinação de Complexo, elaborada por André Cholley, deve-
ria ser objeto de estudo geográfico, pois ela expressaria a realida-
de geográfica na convergência dos fenômenos físicos, biológicos e
humanos. Assim, a Geografia seria u m a "ciência de complexos"
(MORAES, 1987, p. 7 5 ) .
Conforme Andrade ( 1 9 9 8 , p. 7 4 ) , Cholley retoma os estudos de
caracterização das regiões geográficas, destacando a importância do
homem como organizador e produtor das regiões.
M a x Sorre ( 1 8 8 0 - 1 9 6 2 ) desenvolveu o conceito de habitat, sen-
do este considerado u m a porção do planeta organizado pela co-
munidade que o habita. Considera o habitat como u m a constru-
ção humana que expressa as múltiplas relações entre o homem e o
ambiente que o envolve. Cabe à Geografia estudar as formas pelas
quais os homens organizam o meio (MORAES, 1987, p. 7 9 - 8 0 ) .
Destacam-se, ainda, as contribuições de Albert D e m a n g e o n ,
pelas publicações e estudos geográficos; Roger Dion, que desen-
volveu estudos de Geografia H u m a n a ; Lucien Gallois, que foi
professor na Sorbonne e trabalhou na organização da Géogra-
phie universelle, que viria substituir a Nouvelle géographie universelle
— La terre et lês hommes, de Elisée Reclus; e Murice le Lannou, com
estudos de Geografia Regional.
A Escola Francesa de Geografia não formava u m a única ver-
tente. Pode-se admitir que havia divergência entre os principais
mestres, m a s , de forma geral, eles estavam voltados ao estudo da
região e da paisagem e a dar continuidade às propostas de Vidal
de La Blache.
Para Andrade ( 1 9 8 7 , p. 7 4 ) , os principais mestres da Geogra-
fia francesa caracterizavam-se, especialmente, por u m a orientação
ideográfica, apresentando u m a posição política conservadora, en-
coberta por neutralidade científica. Foi dada grande importância
à descrição, todavia, sem menosprezar a explicação. Eles estavam
muito ligados à universidade e à formação cultural.

4.4 Élisée Reclus e Piotr Kropotkin e a Geografia


Elisée Reclus foi um geógrafo intelectual e anarquista. Nasceu na
França em 1830. Filho de pastor protestante e de família humilde,
aos 13 anos vai para a Alemanha estudar numa escola religiosa, onde
recebe a formação básica que marca sua ampla cultura e trava o pri-
meiro rompimento com a religião, que o levará progressivamente ao
ateísmo. Era simpatizante dos movimentos republicanos e apoiou os
levantes populares de 1848 e da Comuna de Paris em 1 8 7 1 .
A participação nos levantes populares o obrigou ao exílio, para
evitar a prisão, indo para a Irlanda, os Estados Unidos e a Colôm-
bia, e viveu muitos anos na Suíça.
Realizou diversas viagens pelo mundo, durante as quais pode de-
senvolver pesquisas e preparar várias obras. Entre elas, destacam-se: A
terra, em dois volumes, publicada em 1869; a Nova geografia universal,
em dezenove volumes, publicada no período de 1875 a 1892; e O ho-
mem e a terra, em seis volumes, editada no período de 1905 a 1908.
Aborda assuntos como a luta de classes, a educação e as ciências,
as formas de propriedade, o colonialismo e a dominação dos países
desenvolvidos (VESENTINI, 1988, p. 14).
Nos estudos, buscava não fazer separação entre a Geografia Fí-
sica e Humana, ou seja, estudava a inter-relação dos fatores físicos
e humanos.
O estudo da natureza, para ele, deveria facilitar a compreensão
da evolução da humanidade. Os geógrafos deveriam fazer análises,
considerando que a sociedade está dividida em classes sociais, decor-
rentes das formas de apropriação dos meios de produção. As dife-
renças de classes provocam as lutas entre elas: as classes dominadas,
que aspiram a melhores condições de vida, com as dominantes, que
não desejam perder o controle do poder e das riquezas (ANDRADE,
1987, p. 57).
Elisée Reclus elaborou um conjunto de obras de grande relevân-
cia para a Geografia, o que lhe rendeu reconhecimento internacio-
nal. Anistiado em 1879, tornou-se professor de Geografia na Uni-
versidade de Bruxelas, recebeu u m a medalha de ouro da Sociedade
Geográfica e faleceu em 1905. É considerado um dos expoentes
intelectuais do anarquismo do século XIX.
Atualmente, com o florescimento de u m a perspectiva crítica
nas universidades, constata-se um ressurgimento do interesse pelas
obras de Reclus, o que tem levado à publicação de seus escritos
considerados mais atuais (ANDRADE, 1997, p. 58).
Já Piotr Alexeevich Kropotkin ( 1 8 4 2 - 1 9 2 1 ) , grande amigo de
Elisée Reclus, nasceu em Moscou e pertencia a u m a família rica,
aristocrata e tradicional da Rússia. Entre 1857 e 1 8 6 1 , recebeu in-
fluências da nova literatura liberal revolucionária em seu país. Tam-
bém demonstrou grande interesse pelas obras dos enciclopedistas e
pelas condições do campesinato russo.
Estudou em São Petersburgo, onde se interessou pela Geogra-
fia, cujas pesquisas e explorações lhe abriram caminho para u m a
destacada carreira científica. Em 1862, foi para o exército, servin-
do como oficial na Sibéria, onde fez levantamentos topográficos e
geográficos. Sua reputação como geógrafo se deu em grande parte
pelas viagens e pelos estudos que realizou na Sibéria.
Posteriormente, para a decepção da família, desligou-se do
exército, tornando-se geógrafo e anarquista, inimigo declarado
de q u a l q u e r forma de autoridade e hierarquia. Esta opção de
vida acabou por levá-lo, em 1 8 7 4 , à prisão-fortaleza de Pedro e
Paulo, por promover e participar de revoltas camponesas. Con-
s e g u i u fugir e foi para países da Europa Ocidental (Suíça, França
e I n g l a t e r r a ) , nos quais viveu durante mais de q u a r e n t a anos,
onde publicou as obras. Sua concepção anarquista e libertária fez
com que ele acabasse sendo m a r g i n a l i z a d o pela Geografia aca-
dêmica, institucionalizada pelo Estado. Pois se pode deduzir que
Geografia e Liberdade são inseparáveis na acepção de Kropotkin.
Sua percepção de ciência é a do sujeito do conhecimento atuando
na libertação dos homens diante das determinações da natureza
e da dominação de a l g u n s sobre os outros (VESENTINI, 1 9 8 8 ,
p. 4-11).
Kropotkin não aceitava o Estado-Nação, as fronteiras políticas
e a glorificação da "pátria". A tarefa da Geografia era mostrar que
a humanidade é u m a só, as fronteiras políticas são relíquias de um
passado; e o nacionalismo, as guerras e os preconceitos entre as na-
ções só servem para manter ou reforçar os interesses de grupos ou
classes dominantes (VESENTINI, 1988, p. 3).
Percebe-se que suas idéias e ações vão de encontro ao próprio
processo de institucionalização da Geografia, isto é, instituída para
servir ao Estado-Nação e ao Capitalismo.
Suas obras mais importantes são: A conquista do pão; Ajuda mú-
tua: um fator de evolução; Memórias de um revolucionário; 0 anarquis-
mo e a ciência moderna; e Campos, fábricas e oficinas.
Na Inglaterra, conviveu com os principais intelectuais da épo-
ca e foi colaborador da Geographical Society. Em alguns livros,
Kropotkin tentou buscar u m a base científica para o pensamento
anarquista.
Após a Revolução Socialista, voltou à Rússia, vindo a falecer em
1921.
Chegou a receber uma medalha de ouro da Sociedade Geográfica
Russa pelas investigações sobre os aspectos da Geografia Física da
Sibéria. Até o fim da vida, Kropotkin escreveu sobre o ensino de
Geografia, a relação homem e natureza, entre outros.
Kropotkin era um cientificista que aceitava que as ciências da
natureza e as sociais tivessem o objetivo de descobrir as leis gerais
que regulam os fenômenos e, para ele, a Geografia era uma ciência
da natureza (ANDRADE, 1987, p. 59).
Para Andrade ( 1 9 8 7 , p. 6 1 - 6 2 ) , Elisée Reclus e Piotr Kropotkin
foram dois geógrafos libertários (cuja obra foi denominada por este
autor como a Geografia Libertária). Apesar de positivistas, rece-
beram grande influência dialética, citando constantemente Karl
Marx e a categoria "classe social" no estudo da Geografia; escreve-
ram livros e artigos de doutrinação política e livros especificamente
geográficos. Foram excluídos da vida universitária, exilados, presos
e perseguidos, e seus livros não agradavam à maioria dos leitores
ligados às classes mais abastadas econômica e socialmente.
Andrade afirma ainda que:

Elisée Reclus e Pietr Kropotkin foram dois grandes geógrafos


que viveram nos fins do século XIX e início do XX e deram
uma contribuição bem diversa daquela dada pelos geógrafos
anteriormente estudados. Enquanto os primeiros se coloca-
ram de acordo com a classe dominante, ocuparam cátedras
universitárias e assessoraram príncipes e presidentes, os dois
se colocaram contra a estrutura de poder, negaram validade
ao Estado, adotaram idéias de reformas sociais radicais e de-
fenderam as classes menos favorecidas. Embora positivistas
e com posições que se opunham a Marx na militância polí-
tica, eles adotaram algumas categorias marxistas e abriram
perspectivas de uma visão libertária, tanto da sociedade como
da Geografia como ciência. Tiveram origens sociais distintas,
mas lutaram juntos pelos mesmos ideais e colaboraram tanto
em obras de cunho político como científico (1987, p. 56).

E importante esclarecer que o anarquismo é considerado, g e -


ralmente, u m a "desordem" ou um "caos", por ser u m a doutrina
política que defende a abolição de qualquer tipo de governo formal.
A palavra é formada pelo sufixo arcbon, que, em grego, significa
governante; e an, que significa sem. Ou seja, anarquismo significa,
ao pé da letra, "sem governante". A principal idéia que rege o anar-
quismo é de que o governo é desnecessário, pois a população pode
voluntariamente se organizar e sobreviver em harmonia.
Apesar das diferentes tendências no anarquismo, ele tem u m a
mensagem comum: a liberdade e a igualdade só serão conquistadas
com o fim do capitalismo e do Estado que o defende.
Para os defensores do anarquismo, à época, o sistema educacional e
outros recebem o apoio e o controle do Estado para perpetuar os obje-
tivos deste último. Nessas condições, pode-se dizer que a Geografia,
que foi institucionalizada, era um instrumento para a ação do Estado
e do capitalismo. Assim, era necessário abolir o Estado e criar uma
educação libertária; no caso da Geografia, uma Geografia Libertária.

4.5 Alfred Hettner e Richard Hartshorne


e a Geografia
Outra escola geográfica surge no início do século XX e foi, por al-
guns autores, denominada de Geografia Racionalista. Ela tem, como
principais representantes: Alfred Hettner ( 1 8 5 9 - 1 9 4 1 ) e Richard
Hartshorne ( 1 8 9 9 - 1 9 9 2 ) . O objetivo era desenvolver uma Geografia
de menor carga empirista e privilegiar o raciocínio dedutivo.
Alfred Hettner foi um geógrafo alemão, professor da Universidade
de Heidelberg, na cidade de mesmo nome, na Alemanha. Publicou
obras entre 1890 e 1910. Segundo Moraes (1987, p. 85), Hettner pro-
põe a Geografia como a ciência que estuda "a diferenciação de áreas",
ou melhor, a ciência que objetiva explicar "por que" e "em que" diferem
as diversas partes da superfície terrestre. Ele considera que o caráter
singular das várias parcelas do espaço decorre da forma particular de
inter-relação dos fenômenos. A Geografia seria, assim, o estudo dessas
formas de inter-relação dos fenômenos na superfície terrestre.

A preocupação fundamental de Hettner era banir o dualismo


da Geografia, o perigo da sua divisão em física e humana, e
consegue-o ao considerar que, na medida em que, ao estudar
simultaneamente, num mesmo espaço, fenômenos físicos e
humanos, a Geografia é ao mesmo tempo uma ciência física e
humana (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78).

Para Hettner, a partir dos elementos inter-relacionados, podem-se


reconhecer as diferentes "áreas" da superfície terrestre. A Geografia
deve descrever unidades espaciais e compará-las. As unidades espa-
ciais são caracterizadas pelas associações específicas de fenômenos
que existem nesses lugares (FERREIRA; SIMÕES, 1986, p. 78).
Em Hettner, a Geografia se torna a ciência que estuda a diferen-
ciação de áreas da superfície terrestre. Em La Blache, a Geogra-
fia se transforma numa Geografia Regional (estruturada num
método regional, a região vira o conteúdo temático e o método
da Geografia). [...] Na perspectiva labrachiana, a conexão re-
gional é um dado para dentro. A seqüência das descrições e ins-
crições dos elos vai não só formando a síntese da totalidade dos
fenômenos e seus componentes, como decidindo a referência do
marco dos limites que vão recortar a região no todo da superfície
terrestre e garantindo-lhe seu caso único de identidade. Lacoste
condenou-a como um "poderoso conceito obstáculo" (Lacoste,
1974 e 1988). Na perspectiva hettneriana, a conexão vem do
movimento de diferenciação de um dado todo em recortes (o
clima terrestre em seu movimento de variação na superfície ter-
restre), a seqüência das descrições e elos servindo para flagrar o
movimento em sua diferenciação na superfície, em busca da sua
diversificação paisagística [...} (MOREIRA, 2006, p. 128).

As idéias de Hettner encontraram pouca divulgação em sua épo-


ca. Provavelmente, em função da disputa vigente entre o determi-
nismo e o possibilismo. Somente a partir dos anos 1940, especial-
mente nos Estados Unidos, as idéias de Hettner foram retomadas
e valorizadas, tendo, no centro dessa valorização, um renomado
geógrafo norte-americano: Richard Hartshorne.
Hartshorne lecionou na universidade de Wisconsin, nos Estados
Unidos. Procurou desenvolver reflexões sobre a natureza da Geogra-
fia, como ciência, em dois livros: A natureza da geografia, publicado
em 1939, que trata da evolução do pensamento geográfico; e Questões
sobre a natureza da geografia, publicado em 1959, que revisa posições de
vinte anos antes e apresenta o conteúdo final de sua proposta.
Para Hartshorne, as ciências se definiriam por métodos próprios.
Assim, a Geografia se individualiza como ciência devido à forma
específica de analisar a realidade. O método geográfico decorre do
fato de essa ciência trabalhar com a variação dos fenômenos na
superfície terrestre. A Geografia deveria buscar o estudo das in-
ter-relações entre fenômenos heterogêneos, apresentando-as numa
abordagem sintética. Assim, a partir das inter-relações entre os fe-
nômenos, ela deve explicar a variação das diferentes áreas da su-
perfície da Terra (MORAES, 1987, p. 8 7 ) .
A área seria u m a unidade da superfície terrestre delimitada pelo
observador. A delimitação é feita segundo a escolha do observador.
Dependendo dos elementos selecionados, a delimitação será dife-
rente. A área é construída subjetivamente pelo pesquisador, com
base nos dados escolhidos; diferente da região vista como realidade
exterior ao observador (La Blache). Assim, a singularidade de cada
área seria dada pela integração de fenômenos inter-relacionados,
conforme a escolha do observador (MORAES, 1987, p. 8 8 ) .
A partir das inter-relações entre os fenômenos, Hartshorne apre-
senta duas formas de estudo em Geografia: a particular (a região),
quando se faz a Geografia a qual denominou de Ideográfica; e a g e -
ral, quando se faz a Geografia a que chamou de Nomotética.
Hartshorne articulou a Geografia Geral e a Regional, diferen-
ciando-as pelo nível de profundidade das inter-relações dos elemen-
tos estudados, ou seja, quanto menor o número de elementos inter-
relacionados, maior a possibilidade de generalização; quanto maior
o número de elementos inter-relacionados, mais profunda a análise
efetuada, maior conhecimento da singularidade da "área", maior
possibilidade de estudo regional.
Em Hartshorne, os estudos de Geografia devem analisar as
variações espaciais e as conexões de fenômenos em integração.
Na Geografia Geral, realizam-se "estudos tópicos", como: Geo-
grafia do Petróleo, Geografia da Cana-de-Açúcar, Geografia do
Café, Geografia da Monocultura, Geografia da Policultura, Geo-
grafia da Pesca etc.
Para ele, a região "área" é u m a construção intelectual de acordo
com objetivos traçados pelo pesquisador e, como tal, ela pode va-
riar em delimitação conforme esses objetivos.
Moraes ( 1 9 8 7 , p. 9 1 - 9 2 ) afirma que as propostas de Richard
Hartshorne, por um lado, e de André Chollay e M. le Lannou, por
outro, encerraram as proposições da Geografia Tradicional. Finaliza-
ram um conjunto de propostas cuja unidade foi dada pela aceitação
de certas máximas (os princípios gerais que deveriam ser utilizados
nos estudos geográficos) consideradas verdadeiras na ciência geográ-
fica: "a Geografia é u m a ciência empírica, pautada na observação";
"a Geografia é u m a ciência de contato entre o domínio da natureza
e o da humanidade"; "a Geografia é u m a ciência de síntese".
O autor afirma ainda que a Geografia Tradicional deixou uma
ciência elaborada, um conjunto de conhecimento sistematizado;
possibilitou a formação de u m a ciência autônoma; elaborou um rico
acervo empírico; e, finalmente, a Geografia Tradicional elaborou al-
guns conceitos como: território, região, habitat, paisagem, área e t c ,
que ainda merecem ser rediscutidos (MORAES, 1987, p. 9 1 - 9 2 ) .
Convém não esquecer que a Geografia Moderna teve seus pri-
meiros grandes mestres na Alemanha e, logo após, na França. Há
grande influência do Positivismo na Geografia Tradicional. A Escola
Alemã de Geografia é marcada pelo caráter determinista, e o prin-
cipal representante foi Friedrich Ratzel. Em oposição ao Determi-
nismo alemão, surgiu, na França, o Possibilismo, corrente que teve
em Vidal de La Blache o maior representante, consolidando a Escola
Francesa de Geografia. Foram estas duas escolas que exerceram a
maior influência no decorrer da Geografia Tradicional.
É muito provável que as doutrinas dessas escolas estivessem a
serviço de interesses políticos e militares dos Estados em que elas se
inseriam e da classe hegemônica dominante desses Estados, a fim
de que a exploração nas colônias fosse justificada.

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