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O menino gordo chamava-se Matias e era, na

verdade, um menino muito gordo. Andava no


primeiro ano, no Colégio de S. Torcato, e
sentava-se sempre nas carteiras do fundo porque
à frente tapava a vista aos colegas. Também é
verdade que os colegas se escondiam atrás do
seu corpanzil, a fim de a professora não os
chamar a dar lição junto do quadro.
Ao fundo da sala. Quase encostado à parede. Havia um
esqueleto de plástico, desmontável, que servia para estudar
os ossos do corpo humano.
O Zé Nabo, o mais malandro dos colegas do Matias, quando
via o menino gordo passar pelo esqueleto para se sentar no
fundo da sala, sempre dizia com voz de falsete:
- Olha o Bucha e o Estica!
E todos se riam.
Toda a gente se ria
muito do que
acontecera. Mas o
Matias nem se levantou
da carteira, entretido a
comer umas bolachinhas
de manteiga que levara
na mochila. O Zé Nabo,
quando o viu tirar o
segundo pacotinho e
começar a rasgar o
celofane, aproximou-se
de mão estendida e ar
mandão. E o Matias,
sorrindo, disse-lhe:
- Pede ao estica, que o
Bucha não te pode
atender!
A professora Anita Mosca Morta estava zangadíssima. Ela sim,
saiu porta fora a chamar a doutora Purificação.
Quando a doutora Purificação entrou na sala e sentiu aquele mau
cheiro e viu os meninos das carteiras da frente a quererem levantar-se e a
tropeçarem outra vez, gritou. E apareceu o senhor Hipólito, que era uma
espécie de faz-tudo no Colégio S. Torcato.
Mas o faz-tudo ia ali fazer o quê?
Bem, a verdade é que foi ele a descobrir que o cheirete vinha da
cadeira da professora Anita Mosca Morta. A cadeira estivera suspensa
sobre uns vidrinhos de mau cheiro que algém ali colocara. E ao sentar-
se…
-Eu?!
O menino gordo estava furioso com o colega.
-Foste tu, aposto! Puseste a cadeira em cima dos vidrinhos e quando a
senhora professora se sentou as patas da cadeira partiram os vidrinhos e
pronto, é este cheirete!
Matias engasgou-se com um bombom recheado. Aquele Zé Nabo iria
pagar-lhe bem caro! Ergueu-se da cadeira, mas a doutora purificação
caminhava já na sua direção, dizendo:
-O Josezinho não mente, Matias. Então foste tu que fizeste isto?
-Fui sim, senhora.
-Era outra vez a voz de falsete do Zé Nabo, a querer culpar ainda mais o
colega. Com que então ele era Josezinho! Até dava para rir!
Matias, naquele preciso instante, estendia um bombom recheado de
amêndoa à doutora Purificação, que se deliciava com ele enquanto o
ouvia queixar-se:
- Senhora diretora, eu não seria capaz... Coçando a cabeça, a doutora
Purificação suspirava:
- Serão coisas do Cientista Maluco?
E o Alfeu, ao escutar estas palavras, suspirou em voz baixa, coçando a
barriga com um perónio:
- Acho que isto é mais coisa do Zé Nab... do Josezinho!
E com isto tocou a campainha e, antes que a diretora ou a professora
pudessem fazer o que quer que fosse, todos os alunos saíram porta fora.
Era a hora do almoço.
E que cara ela trazia!
- Se tivesse outra, de certeza que não trazia esta! - comentou o Zé
Nabo.
- Vou mandar debitar um cântaro na conta de cada aluno desta sala! -
gritou a diretora. E, depois, em voz baixa: - Assim, poderão partir
cântaros até ao fim do ano letivo...
No entanto, toda a turma ficou de castigo até à hora de saída.
O Matias acabou os bombons da caixinha que era para a diretora meia
hora antes de tocar para fora. Na sua cabeça andava só a ideia: "Este dia
é para esquecer! O que terei para o lanche?"
José Viale Moutinho nasceu no meio do mar, na Ilha da Madeira. Diverte-
se a escrever para crianças e faz uma cara muito séria quando escreve
para as pessoas grandes. E foram os adultos que lhe deram cinco ou seis
prémios por saber contar histórias!

Olhem, não quer que se saiba, mas o menino gordo deste livro é mesmo ele - quer dizer: foi
ele quando andava na escola! Mas a verdade é que ele também foi o contador d'O
Cavaleiro de Tortalata, do Fernando Pessoa, d’O Adivinhão e até aprendeu um bocadinho
de russo para escrever o seu primeiro livro para vós, Manhas do Gato Pardo, que eram
(re)contos populares russos. Ah, mas guardem lá um segredo: depois de O Menino Gordo e
Pedro Pescador, nesta coleção sairá O Meu Amigo Invisível.

Carla Pott nasceu em Moçambique em 1973 e vive em Lisboa desde 1977. Licenciou-se em
Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa em 1996. No mesmo ano
parte para Praga, onde frequenta o primeiro semestre do Atelier de Ilustração e Gravura da
Escola Superior de Artes Aplicadas de Praga como estudante convidada e sob a orientação
do Professor Jirí Salamoun. Em 1997, frequenta o segundo semestre do Atelier de Gravura
II na Academia de Belas-Artes de Praga sob a orientação do professor Jirí Lidóvsky.
No ano seguinte, trabalha em cerâmica como artista convidada para a
Manufatura Estatal Majolika Karlsruhe ria Alemanha. Em 1998, inicia a sua
atividade como ilustradora que, para além da Pintura, é a sua atividade
principal colaborando com as revistas Notícias Magazine, Adolescentes e
Pais & Filhos. Começa então a ilustrar os primeiros livros para crianças, e é,
sem dúvida, neste campo que prefere trabalhar pois entende que é no mundo
do livro infantil que melhor pode expressar o seu imaginário.

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