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Análise Macroeconômica V

Prof. Paulo Levy

O Modelo Harrod-Domar (HD) – Notas de Aula

Resumo
1. Solow, Growth Theory – an exposition: fatos estilizados, definição de steady
state (estado estacionário; equilíbrio dinâmico);
2. A contribuição de Domar: o duplo caráter do investimento e a condição de
equilíbrio dinâmico  capacidade produtiva e demanda crescendo à mesma
taxa;
3. Resultado g  s é, num certo sentido, trivial (não apresenta hipóteses sobre o

comportamento dos agentes econômicos), e decorre da especificidade da função
de produção com coeficientes fixos: mais que uma condição de equilíbrio, é uma
condição de consistência dinâmica; derivação algébrica;
4. o modelo HD pode assumir uma dimensão mais interessante se for associado a
hipóteses comportamentais: por exemplo, hipóteses sobre como os empresários
formam expectativas e tomam decisões sobre investimentos (modelo do
multiplicador-acelerador)  contribuição de Harrod (taxa garantida de
crescimento);
5. por fim, é preciso levar em consideração que a taxa de crescimento da força de
trabalho é exogenamente determinada: taxa natural de crescimento => condição
de consistência de HD e o problema do “fio da navalha”;
6. HD à la Sala-i-Martin
7. HD à la Solow: possíveis mecanismos de ajuste: poupança (Kaldor, relação
entre poupança e distribuição de renda); crescimento populacional (Malthus,
transição demográfica); ajuste na relação capital-produto.

1. Fatos Estilizados - aquilo que o modelo tem que ser capaz de reproduzir:

a. produtividade – produto real por trabalhador ou por hora trabalhada – cresce a


uma taxa aproximadamente constante por longos períodos. Há flutuações de curto prazo
e quebras de tendência, mas não uma tendência a acelerar ou desacelerar. A implicação
é que se o trabalho (ajustado para levar em conta mudanças na taxa de participação)
crescer a uma taxa mais ou menos constante, o produto também crescerá a uma taxa
constante. A taxa de crescimento da produtividade varia bastante entre países;
b. o estoque real de capital cresce a uma taxa relativamente estável e maior do
que a do trabalho => o capital por trabalhador (ou relação capital-trabalho) também
crescerá a uma taxa relativamente estável por períodos longos;
c. as taxas de crescimento do produto e do capital são aproximadamente iguais,
ou, a relação capital-produto não apresente tendência sistemática. Em relação a esse
fato, é preciso destacar que há problemas de mensuração já que a relação capital-
produto empiricamente é muito volátil devido às flutuações do produto e à rigidez do
estoque de capital no curto prazo (para a indústria, é possível corrigir isso ajustando
estoque de capital pelo grau de utilização);
d. a taxa de retorno do capital, embora flutuando acentuadamente no curto prazo,
não apresenta tendência.
A combinação de (c) e (d) implica que a participação da renda do capital ( ) na renda
  Y
total (  ) é constante.
K Y K

A combinação de (b) e (c) implica que a taxa de investimento líquido (do investimento
bruto também) em relação ao produto é constante. Por definição, o investimento líquido
 
é a variação do estoque de capital: I  dK  K . Se K e K são constantes, então
dt K Y

K I também será constante.
Y Y

O estado estacionário (crescimento equilibrado, steady state – EE) requer que as


variáveis cresçam a taxas constantes. Do ponto de vista do crescimento econômico, ele
pode ser caracterizado, por exemplo, pelos fatos estilizados (a) a (c); talvez (d): produto,
emprego e estoque de capital crescem exponencialmente e a relação capital-produto é
constante.

Alternativamente, o EE pode ser caracterizado por taxas de crescimento constantes do


produto e do emprego e por taxas de investimento e poupança também constantes. A
razão para caracterizar o EE dessa forma é que o conceito de investimento é mais
familiar (“people know what we mean” conforme Solow1), ou menos controverso, que o
de capital. As implicações são as mesmas: o investimento crescerá à mesma taxa que o
produto; assim, como o estoque de capital é a soma dos investimentos líquidos
passados, a relação capital-produto será constante.

2. O modelo keynesiano procura explicar desvios da economia em relação ao pleno


emprego. Esses desvios ocorreriam em torno de uma trajetória de crescimento de longo
prazo que, para o modelo, é dada. O modelo HD é uma extensão do modelo keynesiano
para o plano dinâmico. Essa extensão equivale a relaxar a hipótese de que a capacidade
produtiva da economia – o produto de pleno emprego – é constante (uma forma de
definir curto prazo).

Mas o modelo HD não explica o crescimento de longo prazo. Na verdade, com


se verá, ele nem é capaz de gerar crescimento, pelo menos do produto per capita. Ele
vai explorar as implicações do crescimento equilibrado, isto é, que relações devem
existir entre algumas variáveis para que a economia evolua segunda uma trajetória de
crescimento constante e compatível com os fatos estilizados acima apontados.

Domar explorou o caráter duplo do investimento, que faz com que ele seja ao
mesmo tempo parcela importante da demanda agregada e fator de expansão da
capacidade produtiva e do produto de pleno emprego. No estado estacionário, a
demanda tem que crescer ao mesmo ritmo da capacidade produtiva para evitar que a
ociosidade dos fatores de produção (desemprego da força de trabalho e ociosidade do
estoque de capital) aumente continuamente.

Hipóteses do modelo:

1
R. Solow, “Growth Theory – an exposition”, Oxford University Press, 1970.
(a) função de produção com coeficientes fixos, isto é, em que não existe substituição
entre fatores de produção. Dados os requerimentos mínimos de capital e trabalho por
unidade de produto, a quantidade de produto só pode aumentar caso haja aumento
proporcional em ambos os fatores de produção. Essa hipótese significa que:

i) a produtividade do trabalho é constante e, ignorando mudanças na taxa


de participação (relação PEA/PIA) e em parâmetros demográficos
(relação PIA/PopTotal), também o PIB per capita será constante. O
crescimento dependerá de algum fator exógeno associado ao progresso
técnico – é nesse sentido que o modelo HD não explica o crescimento
de longo prazo;

ii) a relação capital-produto (   K ) é constante e determinada por


Y
fatores tecnológicos. Ao se aplicar o modelo HD a países em
desenvolvimento, assume-se que existe um excedente de trabalhadores
no setor de subsistência que poderia ser incorporado às atividades
urbanas, de produtividade mais alta, desde que o estoque de capital
fosse ampliado: nesses modelos, o investimento em capital físico é a
variável crítica para explicar o crescimento.

(b) a economia encontra-se em equilíbrio, i. e, poupança (S) = investimento (I); a


poupança é uma proporção fixa do produto: s = S/Y. Dessa condição deriva-se o modelo
1
do multiplicador de determinação da renda: Y  I , lembrando que s = (1-c).
s
(c) o produto potencial, ou de pleno emprego, é representado por Y * ; a população (e a
força de trabalho) cresce à taxa n, de modo que a cada instante, N t  N 0 e nt .

“Resolver” o modelo, segundo a abordagem de Domar, significa encontrar implicações


para as taxas de crescimento das diferentes variáveis ao se impor a condição de
equilíbrio de que demanda e produto de pleno emprego cresçam à mesma taxa.

Assumindo que a economia parte de uma posição de pleno emprego, tal que Y0  Y0* ,
dY * dY
isso implica  . A relação capital-produto,   K , nos diz quantas unidades
dt dt Y
de capital são necessárias para obter uma unidade de produto; seu inverso, 1 , nos diz

quantas unidades de produto podem ser obtidas com uma unidade de capital (ou seja, é
a produtividade do capital). Se o estoque de capital aumenta em I unidades (lembre que

I  K ), então o produto potencial da economia, ignorando por enquanto a restrição
* 1
imposta pela força de trabalho, aumentará dY  I . Por outro lado, Y  I , de onde
dt  s
dY  1 dI . Então:
dt s dt

I 1 dI dI s
 . Rearranjando os termos:  dt . Integrando dos dois lados:
 s dt I 
1 s s
 dI   dt . A primeira integral corresponde a lnI+c1; a segunda a t  c2 , onde c1 e
I  
s
c2 são constantes de integração. Igualando: ln I  t  c , onde c = c2 – c1.

Tomando a exponencial dos dois lados:


s s s
( t c) ( t) ( t)
e (ln I )  e   I t  e c e   Ae  , que nos dá a solução geral da equação diferencial
dI s
 I (t ) , e onde A é uma constante, cujo valor (solução particular) se obtém ao se
dt 
impor t=0 (isto é, se a solução vale sempre, valerá também nesse instante em particular).
s
( )t
Nesse caso, I 0  A , e a solução pode ser escrita como I t  I 0 e  .

Em palavras: para que demanda e produto de pleno emprego cresçam à mesma taxa, o
investimento (e o produto, o consumo e o estoque de capital) devem crescer à taxa s .

3. Essa condição de equilíbrio dinâmico é, como adiantado, num certo sentido trivial.
Ainda ignorando a restrição imposta pelo fato de a força de trabalho crescer a uma taxa
n exogenamente determinada, ou, o que dá no mesmo, que o fator trabalho não é uma
restrição, o que a condição de equilíbrio dinâmico nos diz é que o produto e o estoque
de capital têm que crescer à mesma taxa:

dY dK dY
dt  dt , mas dK  I  sY e K   .Y  g  dt =  s .
Y
Y K dt Y Y 

Ray (Cap. 3)2 inclui o crescimento populacional e depreciação do estoque de capital


para obter resultados semelhantes trabalhando com intervalos discretos. As equações de
Ray são:

(3.1) Yt = Ct + St
(3.2) Yt = Ct + It
(3.3) St = It  condição de equilíbrio
(3.4) Kt 1  (1   ) Kt  It : o estoque de capital em (t+1) é igual ao estoque de capital em
t, menos a depreciação δ mais o investimento bruto, It.

It
Além disso, assume-se que a taxa de poupança, s  e a relação capital-produto,
Yt
  K t Y são constantes.
t

de (3.4) Kt 1  (1   ) Kt  St (usando 3.3)


Kt 1  (1   ) Kt  sYt
 .Yt 1  (1   ) .Yt  sYt (usando a definição de relação capital-produto)
 (Yt 1  Y )t   . .Yt  sYt , e dividindo por Yt dos dois lados:

2
Ray, Debraj; Development Economics, Princeton University Press, 1998
Yt 1  Yt s
g 
 
, o mesmo resultado encontrado antes, apenas com a diferença de
Yt
que o modelo considera a depreciação do estoque de capital. Como antes, como a
relação capital-produto é constante, o produto tem que crescer à mesma taxa que o
estoque de capital. O termo s nos dá a taxa bruta de crescimento do capital, como

mostrado acima. Ao deduzir a depreciação,  , obtém-se a taxa líquida de crescimento
do capital.

Se a população e a força de trabalho estiverem crescendo à taxa n, o crescimento do


Y
produto per capita tem que levar isso em consideração. Seja yt  t , onde Nt é
Nt
população. Partindo de:

 .Yt 1  (1   ). .Yt  sYt , divida por Nt dos dois lados e multiplique e divida ao mesmo
tempo por Nt+1 do lado esquerdo:

Yt 1 Nt 1 Yt Y Y N Y Y
 (1   )  s t  t 1 t 1  (1   ) t  s t
Nt Nt 1 Nt Nt Nt 1 Nt Nt Nt

yt 1
yt 1 (1  n)  (1   )yt  syt   (1  n)  (1   )  s , onde usou-se o fato de que
yt
Nt 1
 1  n é a taxa de crescimento da população. Então:
Nt
y
 (1  g )(1  n)  (1   )  s , onde agora g  t 1  1 é a taxa de crescimento do produto
yt
per capita. Fazendo o produto lado esquerdo: (1  g )(1  n)  1  g  n  ng , pode-se
considerar que para valores pequenos de n e g, o produto ng será bem pequeno, podendo
ser desprezado, de modo que:
g  s  (n   ) .

Ou seja, o produto per capita cresce à mesma taxa que o estoque de capital bruto,
menos a taxa de depreciação e a taxa de crescimento populacional. O termo (n   ) pode
ser considerado a taxa efetiva de depreciação do estoque de capital por trabalhador.

Mesmo sendo trivial, este resultado apresenta uma utilidade prática: a partir dessa
condição de equilíbrio dinâmico é possível determinar qual a taxa de investimento
necessária para se atingir uma meta de crescimento do produto per capita, dada a
relação capital-produto: s necessario  ( g meta  n   )  . Se  = 3, n = 0,02, δ = 3,3% ao
ano (implica supor que a vida útil média do estoque de capital é de 30 anos) e gmeta =
3% ao ano, então a taxa de investimento terá que ser de aproximadamente 25% do PIB.

4. Introduzindo hipóteses comportamentais no modelo: a contribuição de Harrod.

(a) Como observado antes, o modelo acima tem alcance limitado, já que os resultados
decorrem quase algebricamente das hipóteses. Harrod deu-lhe uma dimensão mais
interessante ao associá-lo a um mecanismo de formação de expectativas e sua influência
na determinação do investimento.3 Esse modelo é conhecido como modelo
“multiplicador-acelerador” do investimento, em que este depende das expectativas
quanto à demanda no futuro. Se o comportamento corrente da demanda é importante
para a formação das expectativas, o modelo passa a exibir forte instabilidade.

Suponha que o investimento no período t dependa do fluxo adicional esperado de


produção, que por sua vez é igual à diferença entre a demanda esperada, Xt, e o nível de
produção observado no período anterior, Yt-1. Para atender a essa demanda adicional, os
empresários deverão investir It =  ( Xt –Yt-1). Pelo processo do multiplicador, a
demanda efetivamente observada no período t será Yt  1 I t . Substituindo a equação
s
para It nesta última equação e dividindo por Xt obtém-se:

Yt  X t  Yt 1
 ( )
Xt s Xt

A expressão entre parêntesis pode ser interpretada com sendo a taxa esperada de
crescimento, como proporção de Xt (essa forma de apresentar a taxa de crescimento é
uma particularidade da formulação de Harrod que não altera o resultado), e pode ser
representada por ĝ t , de modo que
Yt 
 gˆ t . É claro que as expectativas irão se realizar – isto é, Xt será igual a Yt
Xt s
– se e somente se ĝ for igual a s (se Yt = Xt, o lado esquerdo da equação será igual a
t 
1). A essa taxa, ĝ t , Harrod deu o nome de taxa garantida de crescimento, no sentido de
que apenas ela garante um crescimento equilibrado.

Exemplo: Seja a taxa de poupança s = 0,2 e a relação capital-produto,  = 2. Suponha


que o nível corrente de produto é 90 unidades e que o crescimento esperado da demanda
é 10%. O aumento esperado da demanda é de 10 unidades (e a taxa de crescimento,
calculada sobre o valor futuro de 100, corresponde a 10%). Se os empresários esperam
um aumento de 10 unidades na demanda e se precisam de 2 unidades de capital para
produzir 1 unidade de produto, vão investir 20 unidades. Pelo modelo do multiplicador,
Yt  1 I t , e a demanda será igual a 100 (pois 1/s = 5), exatamente aquela esperada
s
pelos empresários. O equilíbrio é então caracterizado por uma situação em que as
expectativas se realizam, como no modelo keynesiano simples, em que uma forma de
definir equilíbrio é exatamente pela igualdade entre expectativas e realizações, com o
mecanismo de ajuste operando pelo efeito que a acumulação ou redução indesejadas de
estoques terão sobre as decisões de produção nos períodos subsequentes.

O equilíbrio nessa abordagem resulta do fato de que os empresários esperam um


crescimento que é dado exatamente pela taxa s . Suponha que ao invés de esperarem

um aumento na demanda de 10 unidades, esperassem um aumento de 11 unidades (uma
taxa de 11/101 = 10,9%, maior que a taxa garantida). Nesse caso, para atender à
demanda adicional esperada teriam que investir 22 unidades, o que, pelo multiplicador,

3
Baseado em A. Sen (ed), Growth Economics – Selected Readings, Penguin Books, 1970, Introduction.
levaria a um produto de 110 unidades. Ao se depararem com um nível de demanda
maior que o esperado, pelo mecanismo de ajuste de expectativas, provavelmente
aumentariam ainda mais a demanda futura esperada, e com isso o produto entraria numa
trajetória explosiva de crescimento. O inverso ocorreria caso o aumento esperado da
demanda fosse inferior a 10 unidades – por exemplo, 9 unidades (uma taxa de 9,1%), o
que levaria a um investimento de 18 unidades e demanda total de 90 unidades. Nesse
caso, a frustração das expectativas levaria os empresários a reverem para baixo as
expectativas de crescimento no futuro, o que levaria a níveis de investimento e demanda
cada vez mais baixos.

(b) uma elemento adicional que até agora foi ignorado é o fato de que para Harrod e
Domar a função de produção com coeficientes fixos impõe um limite natural à
expansão do produto, dado pela taxa de crescimento da força de trabalho. Neste caso,
para que se tenha equilíbrio no longo prazo mantendo a taxa de desemprego constante é
preciso que o produto cresça à mesma taxa que a população. Daí deriva a condição de
consistência de Harrod-Domar, ou condição de stady state:
s n

Lembrando que s
 corresponde à taxa de crescimento do estoque de capital, o que essa
condição traduz, em última análise, é a necessidade de capital e trabalho crescerem à
mesma taxa, já que são combinados em proporção fixa para produzir uma unidade de
produto. Caso isso não aconteça, algum desses fatores de produção ficará ocioso ao
longo do tempo. Antes de explorar um pouco mais as implicações dessa condição,
vamos recorrer à apresentação gráfica para o modelo HD proposta por Sala-i-Martin.4

5. Sala-i-Martin propõe uma forma específica para essa função de produção de


coeficientes fixos:
K L
Yt  F ( K t , Lt )  min( t , t ) . Como essa função é homogênea de grau 1, i.e,
 b
apresenta retornos constantes de escala, podemos representá-la naquilo que se chama
forma intensiva, dividindo dos dois lados da equação por Lt:
Y k 1
yt  t  min( t ; )  f (kt )
Lt  b
k t para k  
 t
b
yt  f (kt )  {
1 para k  
b t
b
O gráfico que representa a função de produção na forma intensiva (em termos per
capita, ou por unidade de trabalho) será:

4
Lecture Notes on Economic Growth (I), NBER Working Paper nº 3563, Dezembro de 1990.
E
1 f(k)
b

k

b

Note que para valores de k<  , existe trabalho em abundância e o fator restritivo é o
b
capital, de modo que quando ele cresce (em termos per capita), a produção também
cresce num montante igual a 1 . A partir do valor  , o trabalho é o fator restritivo, e
 b
a produção per capita ficará constante, mesmo que k aumente. Para pontos à esquerda
de E há desemprego da força de trabalho, para pontos à direita, parte do estoque de
capital estará ociosa.

A equação de movimento do estoque de capital relaciona os valores em t+1 aos valores


observados em t, como na equação (3.4) do modelo HD segundo Ray, acima. Vamos
associar as variações do estoque de capital à diferença entre o investimento bruto e a
depreciação:

 K F ( K , L)
K  sF ( K , L)  K , ou em termos de taxa de crescimento: s  .
K K
Estamos interessados na evolução do PIB por unidade de trabalho, logo temos que
expressar essa equação em termos de taxa de crescimento do estoque de capital por
K
trabalhador. Se kt  t , tomando o log e derivando em relação ao tempo os dois
Lt
  
k K L
lados da equação tem-se:   , e
k K L


k F ( K , L)
s    n , onde usou-se o fato que L  n . Se dividirmos o numerador e
k K L
denominador da fração no primeiro termo do lado direito por L obtém-se:

k f (k )
s  (n   ) onde f (k )  F ( K ,1) . Podemos então substituir f(k) pela função
k k L
acima desenvolvida:

 

  (n   ), se k   , ou   (n   ), se k   .
k s k s
k  b k bk b

A trajetória da economia segundo esse modelo dependerá então da relação entre os


valores de s,  , n e δ. Há três casos:
(a) s  (n   )

(n+δ)
s

sf (k )
 k
b

Neste caso, sf (k ) , que representa a taxa bruta de crescimento do estoque de capital,


k
em termos per capita (lembre que s.f(k) é a poupança, que é igual ao investimento bruto,
que é igual à variação bruta do estoque de capital, tudo em termos per capita, de modo
que sf (k ) é a taxa bruta de variação do estoque de capital per capita), é sempre
k
menor que a taxa de depreciação “efetiva” – efetiva no sentido de que se refere ao
estoque de capital per capita, e que por isso inclui não apenas a taxa de depreciação, δ,
mas também a taxa de crescimento da população, n. (Se o capital não crescer pelo
menos a essa taxa, ele passa a diminuir em termos per capita). Ou seja, quando
s  (n   ) , o crescimento do estoque de capital não acompanha a depreciação efetiva,

e ele declina continuamente, com indicado pelas flechas.

(b) s  (n   )

E
s

(n+δ)

sf (k )
k

k 0 k *  ( k * )
b k0
Essa é a condição de consistência de Harrod-Domar (com depreciação). Nessa situação,
a taxa bruta de crescimento do estoque de capital, s , é exatamente igual à taxa de

depreciação efetiva, e o estoque de capital per capita será constante no EE. Se o estoque
de capita inicial, k0, for menor que o valor crítico, 
b , permanecerá nesse valor no EE
Se k0 for maior que  sf (k ) < (n+δ), e o estoque de capital vai se reduzir até
b , então k
alcançar o valor 
b , que corresponde ao ponto E. Note que esse ponto é a única
situação onde todos os fatores de produção estão plenamente empregados. Pontos à
esquerda são situações em que parte da força de trabalho está desempregada; pontos à
direita, onde parte do estoque de capital está ocioso. No equilíbrio k0 = k*, a taxa de
desemprego da força de trabalho é constante.

(c) s  (n   )

s

(n+δ)
E

sf (k )
k
k0
 k*
b

Até o ponto E, sf (k ) > (n+δ), e o estoque de capital per capita está se expandindo. No
k
ponto E, a economia alcança o equilíbrio, e a partir daí o estoque de capital por
trabalhador se estabiliza. Para pontos em que k0 está à direita de k*, acontece o inverso:
o estoque de capital se reduzirá até alcançar o valor k*, permanecendo constante a partir
daí. Embora o equilíbrio E faça sentido do ponto de vista matemático, não parece fazer
muito sentido do ponto de vista econômico: nessa situação, parte do estoque de capital
está ociosa, e embora o capital per capita esteja constante, em valor absoluto ele está
crescendo. Quem investiria sabendo que esse capital permanecerá ocioso?

6. A condição de consistência de HD é muito restritiva na medida em que envolve


apenas parâmetros, sem que existam mecanismos de ajuste: ou os parâmetros assumem
valores tais que ela é observada, e a taxa de desemprego permanece constante
(possivelmente “zero”), ou a taxa de desemprego da força de trabalho vai para infinito
(caso (a)), ou o estoque de capital ocioso aumenta sem limites (embora permaneça
constante em termos per capita). Essa propriedade do modelo HD (uma instabilidade
muito grande) recebe o nome de “fio da navalha”, caracterizando uma situação em que
a condição de equilíbrio é muito tênue, e que uma vez tenha sido perdida não há
mecanismos que façam a economia a ela retornar.

Como o mundo não parece exibir um comportamento desse tipo, alguma coisa nessa
relação deve ajustar. Esse foi o insight de Solow no Cap 1 do livro “Growth Theory –
an exposition” para fazer a transição para o modelo neo-clássico. Ele vai associar cada
um dos parâmetros da condição de consistência ( s  (n   ) ) a um possível

mecanismo de ajuste (ignorando a taxa de depreciação). As histórias a seguir não devem
ser tomadas literalmente – são como parábolas para ilustrar uma idéia.

a) Uma primeira possibilidade faz da taxa de crescimento populacional o


mecanismo de ajuste a um eventual desequilíbrio. É uma idéia análoga ao
mecanismo descrito por Malthus, e faz mais sentido numa sociedade agrária,
onde a população vive próxima das condições de subsistência e o crescimento
populacional é regulado pela disponibilidade de alimentos. Suponha que
s  (n   ) . Nesse caso, o capital está crescendo a uma taxa superior à força de

trabalho, ou seja, o estoque de capital por trabalhador estaria aumentando. Isso
levaria a um aumento da produtividade marginal do trabalho, a um aumento do
salário real e assim a um aumento da taxa de crescimento populacional,
reequilibrando o sistema. O inverso ocorreria se s  (n   ) .

b) O segundo exemplo explora a taxa de poupança como mecanismo de ajuste. No
mundo neo-clássico, esse certamente será o caso no contexto de um modelo de
equilíbrio geral, em que consumidores maximizam sua utilidade intertemporal e
dessa forma determinam sua taxa de poupança. No contexto do modelo HD, esse
mecanismo foi pensado por Kaldor, explorando a hipótese de que a taxa de
poupança dos trabalhadores é menor que a dos capitalistas, e que a taxa agregada
será dada por uma média ponderada dessas duas taxas de poupança, com os
pesos associados à participação de trabalhadores e capitalistas na renda:
s   L s L  (1   L )sc
onde ωL é a participação dos trabalhadores na renda e sL e sc são as taxas de
poupança de trabalhadores e capitalistas, respectivamente, com sL < sc.

Se s  (n   ) , o estoque de capital per capita está crescendo, aumentando a



produtividade marginal do trabalho, os salários reais e portanto o peso dos
trabalhadores na renda, fazendo com que a taxa agregada de poupança diminua.
O inverso ocorreria quando s  (n   ) .

Sem aprofundar muito as razões, que no primeiro caso são óbvias no que se refere a
uma economia industrializada, Solow descarta esses mecanismos e aponta para a
relação capital-produto,  , como o mecanismo de ajuste. No modelo neo-clássico,
então, a relação capital-produto irá variar até atingir um valor de equilíbrio, a partir do
qual ele permanece constante.

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