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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

JULIANA CARDOSO NERY

FALAS E ECOS NA FORMAÇÃO DA


ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL

Salvador

2013

I
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

JULIANA CARDOSO NERY

FALAS E ECOS NA FORMAÇÃO DA


ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL

Salvador

2013

I
JULIANA CARDOSO NERY

FALAS E ECOS NA FORMAÇÃO DA


ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura,
Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial
para obtenção do grau de Doutora em Arquitetura e
Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis da Costa


Coorientador: Profa. Dra. Nelci Tinem

Salvador

2013

II
Faculdade de Arquitetura da UFBA - Biblioteca

N456 Nery, Juliana Cardoso.


Falas e ecos na formação da arquitetura moderna no Brasil / Juliana
Cardoso Nery. 2013.
481p. : il.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis da Costa.


Coorientador: Profa. Dra. Nelci Tinem.
Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Arquitetura, 2013.

1. Arquitetura moderna - Brasil - Periódicos. 2. Costa, Lúcio.


I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura. II. Costa, Francisco de Assis da.
III. Tinem, Nelci. IV. Título.

CDU: 72.036(81)

III
TERMO DE APROVAÇÃO

JULIANA CARDOSO NERY

FALAS E ECOS NA FORMAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA NO BRASIL

Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Ana Carolina de Souza Bierrenbach ______________________________________


Doutora em Teoría e Historia de la Arquitectura, Universitat Politècnica de Catalunya
Universidade Federal da Bahia

Elyane Lins Corrêa ____________________________________________________


Doutora em Estética e Teoria da Arquitetura pela Universitat Politècnica de Catalunya
Universidade Federal da Bahia

Fernando Luiz Camargos Lara ___________________________________________


Doutor pelo Doctoral Program In Architecture - University of Michigan - Ann Arbor
University of Texas at Austin

Francisco de Assis da Costa ____________________________________________


Doutor em Historia de la Arquitectura e Historia Urbana, Escuela Técnica Superior de Arquitectura de
Barcelona
Universidade Federal da Bahia

Maria de Fátima de Mello Barreto Campello ________________________________


Doutora em Desenvolvimento Urbano, Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Federal de Alagoas

Nelci Tinem _________________________________________________________


Doutora em Historia de la Arquitectura e Historia Urbana, Universitat Politecnica de Catalunya
Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona
Universidade Federal da Paraíba
IV
A

Artur e Rodrigo

V
AGRADECIMENTOS

Agradeço especialmente a Nelci, esse anjo que me estendeu a mão em um

momento tão difícil e delicado; a ela e a Xico agradeço o voto de confiança e

orientações.

Agradeço a Carol pelas tantas contribuições a essa tese, demais trocas sobre o

estudo da arquitetura moderna e o apoio de uma grande amizade;

a Fátima, Fernando e Elyane pelas contribuições e cuidadosa avaliação;

a Rodrigo pelo apoio e grande ajuda com o acervo da revista “A CASA” no Rio;

a Michele pela enorme ajuda com as imagens;

a Tai pelas trocas num momento estruturador na elaboração dessa tese;

à professora Odete pelas contribuições que mesmo anteriores a esse trabalho foram

decisivas nos rumos que a nova tese tomou;

a Eleonora a ficha catalográfica

aos meus pais Catarina e Jodauro pelo apoio incondicional em vários sentidos para

a realização desse trabalho;

a Maria pelo seu tempo dedicado a Artur para que eu pudesse me dedicar à tese;

a Cida, Ida, Leo e Monique pelo apoio de amizades sempre presentes.

Enfim, muitíssimo obrigado a todos que de uma maneira ou de outra contribuíram

para a realização desse trabalho.

VI
Precisamos ser sensíveis aos fios de silêncio com que é tramado o tecido da fala.

Merleau-Ponty

De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida.

Bertolt Brecht

VII
RESUMO

Esta tese objetiva mapear as importantes contribuições de dois periódicos nacionais


especializados – “A CASA” e “ARQUITETURA E URBANISMO” – entre os anos de
1923 e 1942 na formação da arquitetura moderna no Brasil e tencionar as narrativas
históricas mais celebrada sobre o assunto, trama constituída na dobra das falas de
Lúcio Costa, um de seus mais célebres participantes, e seus duradouros ecos. A
pesquisa evidencia um processo bem mais alargado e nem sempre convergente
sobre os significados e as formas da arquitetura moderna. Nele, bem mais que por
uma questão estética, lutava-se pela afirmação da arquitetura como campo
específico de saber e da própria classe profissional em suas várias frentes de
atuação. Nesse trabalho, defende-se a ideia que muito distante de um milagroso e
quase individual instante instaurador da nova arquitetura brasileira – original e genial
– as expressões modernas se deram em um leque variado, de aproximações e
interpretações diferenciadas do repertório e ideário das vanguardas europeias. A
hipótese da tese, que a pesquisa nos periódicos confirma, é a formação da
arquitetura moderna brasileira dada num âmbito coletivo e multifacetado de duração
relativamente longa a partir dos anos 20. Uma produção que amadurece
paulatinamente, entre discussões teóricas, soluções projetuais e detalhamentos
técnicos, até atingir a qualidade das obras icônicas do final dos anos 30 em diante.
Como no grande caleidoscópio do modernismo internacional, também no Brasil
foram vários os movimentos que constituíram o moderno, não necessariamente
convergentes e contínuos, mas todos imersos em um efervescente cenário cultural e
fortemente permeado pelo poder público vigente, em busca de uma expressão que
fosse à época simultaneamente atual e local.

Palavras-chave: Historiografia, História da arquitetura brasileira; Arquitetura


moderna no Brasil.

VIII
ABSTRACT

This thesis aimed to map the important contributions of two Brazilians’ magazines -
"A CASA" and "ARQUITETURA E URBANISMO” - between the years of 1923 and
1942 about the construction of the architecture of the modern movement in Brazil and
intends to reveal the most celebrated historiography on the subject, plot the
statements made in the speeches of Lúcio Costa, one of its most famous
participants, and their enduring echoes. The survey shows a much more extended
process and not always convergent about the meanings and shapes of modern
architecture. In this process, more far than an aesthetic issue, they were fighting for
assertion of architecture as a specific knowledge and their own professional class
and its various fronts. In this paper we argue the idea that, far away from a
miraculous and almost individual establisher instant of a Brazilian new architecture –
original and genius – the modern expressions are given in a range that approached
and interpreted differently repertoire and European avant-garde ideas. The thesis’
hypothesis, confirm by the researches, is a genesis of modern architecture in Brazil
been in a collective and multifaceted process of a relatively long duration from the
twenties. A production that matures gradually until it reaches the quality of the iconic
works of the thirties and onwards. As the great kaleidoscope of international
modernism, also in Brazil there were several movements that constituted the
modernism, not necessarily convergent and continuous, but all part of a thriving
cultural scene and heavily permeated by government force, seeking an expression
that was simultaneously current and located.

Keywords: Historiography, History of brazilian architecture, Modern architecture in


Brazil.

IX
LISTA DE FIGURAS

Figura Identificação Página

1. Páginas da Revista Para Todos com artigo “A Exposição da Casa Modernista” que 15
impressionou decisivamente Lúcio Costa. Fonte: site J. Carlos em revista, disponível em
http://www.jotacarlos.org/revista/index.html acessado em 17/07/2013 às 14:00hs.
2. Ilustração que acompanha o artigo STILE em agosto. Fonte: Revista Casabella, 1930, n. 25
32, s/p.
3. Seção “Orientazioni” de Casabella em dezembro de 31. Fonte: Revista Casabella, 1931, 28
n. 48, s/p.
4. Edifício de uso misto em Montparnasse, Paris. Fonte: Revista L’Architecture 29
d’Aujourd’hui, 1937.
5. Edifício Lutetia de 1939. Fonte: REVISTA SOCIAL TRABALHISTA. Belo Horizonte 29
Completou 50 Anos. Belo Horizonte, 1947.
6. Pilares em V da Escadaria Monumental do Parque Henri-Barbusse, Issy-les- Moulineaux. 30
Fonte: Revista L’architecture d’aujourd’hui, no 4 do ano 8, abril de 1937.
7. Pilares em V do edifício projetado por Oscar Niemeyer em Berlim para a Interbau 30
inaugurado em 1957. Fonte: http://revistamdc.files.wordpress.com
8. Café do Zoológico de Whipsnade (projeto 1934-35) inaugurado em 1937. Arquiteto 33
Berthold Lubetkin. Fonte: L’Architecture d’Aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 12, p. XII-
70, dez. 1938.
9. Casa do Baile, Complexo da Pampulha, Belo Horizonte (1940-1943) - Arquiteto Oscar 33
Niemeyer. Fonte: http://www.skyscrapercity.com
10. Planta Café do Zoológico de Whipsnade. Fonte: L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne- 34
sur-Seine, n. 12, p. XII-70, dez. 1938.
11. Planta Casa do Baile. Fonte: 34
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.004/98.
12. Exterior do projeto para a Capela na Bretanha do arquiteto P. Abraham. Fonte: 36
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 22, jul. 1938.
13. Interior do projeto para a Capela na Bretanha do arquiteto P. Abraham. Fonte: 36
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 22, jul. 1938.
14. Exterior da Capela da L’École de Foucauld em Rabat, do arquiteto Laforgue. Fonte: 36
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 24, jul. 1938.
15. Interior da Capela da L’École de Foucauld em Rabat, do arquiteto Laforgue. Fonte: 36
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 24, jul. 1938.
16. Exterior da Igreja de São Francisco na Pampulha (1940-1943), do arquiteto Oscar 36
Niemeyer. Fonte: http://www.arcoweb.com.br, acesso: 24/11/2010 - 17:30hs
17. Interior da Igreja de São Francisco na Pampulha (1940-1943), do arquiteto Oscar 36
Niemeyer. Fonte: http://www.arcoweb.com.br, acesso: 24/11/2010 - 17:30hs
18. Página aberta da publicação “Arquitetura Brasileira”. Pórtico da Academia Imperial de 133
Belas Artes e piloti do Ministério da Educação. Fonte: COSTA, Lúcio: Arquitetura
Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1952.
19. Primeira página do Caderno de Urbanismo e Construção do número especial do Correio 134
da Manhã de 15/06/1951. Destaque para a o título do artigo e a chamada destacada em
negrito. Fonte: http://hemerotecadigital.bn.br/correio-da-manh%C3%A3/089842 acesso:
06/10/2012 às 12:02.
20. Croquis ilustrativos de Lúcio Costa em Documentação Necessária. Disposição original do 142
texto publicado na Revista do Patrimônio. Fonte: COSTA, Lúcio. Documentação
necessária. Revista Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro,
n.1, 1937, p. 35.
21. Característica dos vãos nos séculos XVII e XVIII. Croquis ilustrativos de Lúcio Costa. 142
Fonte: COSTA, Lúcio. Documentação necessária. Revista Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 36.
22. Característica dos vãos nos séculos XIX e XX. Croquis ilustrativos de Lúcio Costa. Fonte: 142
COSTA, Lúcio. Documentação necessária. Revista Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 37.
23. Croquis de Lúcio Costa demonstrando a linha evolutiva na transformação das aberturas 143
do período colonial ao moderno na arquitetura no Brasil. Fonte: COSTA, Lúcio. Lúcio
Costa - registro de uma vivência. Empresa das artes. 1995, p. 461.
24. Croqui ilustrativo de Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio. Documentação necessária. 143
Revista Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 38.
25. Hotel Park Hotel São Clemente em Nova Friburgo (1944-45) de Lúcio Costa. Fonte: 149

X
WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
26. Detalhe Hotel Park Hotel São Clemente. Fonte: WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São 149
Paulo: Cosac & Naify, 2001.
27. Detalhe Hotel Tijuco em Diamantina (1951) de Oscar Niemeyer. Fonte: 149
http://www.hoteltijuco.com.br/2/index.asp?c=325, acesso 03/10/2012 às 15:30.
28. Hotel Tijuco em Diamantina (1951) de Oscar Niemeyer. Fonte: 149
http://www.google.com.br/imgres?q=hotel+tijuco+diamantina, acesso 03/10/2012 às
15:28.
29. Montagem com a primeira proposta de Oscar Niemeyer para o Grande Hotel de Ouro 150
Preto inserida no terreno que ocuparia no centro histórico da antiga Vila Rica. Fonte:
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na
arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
30. Montagem com o projeto modificado incorporando as sugestões de Lúcio Costa: uso da 150
telha de barro e das varandas. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a
história de uma nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2006.
31. O edifício construído, já com o teste da modificação proposta por Niemeyer, felizmente 151
não autorizada pelo IPHAN, de fechar as varandas originais. Fonte: Rodrigo Baeta, 2008.
32. Capa dura do catálogo da exposição Brazil Builds: architecture new and old do MoMA – 152
Nova York em 1943. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old
-1652-1942. Nova York: MoMA, 1943.
33. Mapa do Rio de Janeiro que abre a segunda parte do catálogo “Brazil Builds” referente às 163
obras modernas. Fonte: GOODWIN, Philip L. Brazil Builds: architecture new and old
1652 – 1942. Nova York: MOMA, 1943, pp. 82-83.
34. Página referente à personalidades. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture 168
new and old 1642-1942. Nova York: MOMA, 1943, p.196.
35. Fazenda Vassouras no Rio de Janeiro, exemplo da arquitetura antiga mergulhada na 173
natureza e numa condição rural arcaica. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds:
architecture new and old 1642-1942. Nova York: MOMA, 1943, p.37.
36. Página de rosto do catálogo da exposição “Brazil Builds”.Detalhe do Cassino da 173
Pampulha. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1642-1942.
Nova York: MOMA, 1943, p.3 e 4.
37. Páginas referentes à Escola Normal em Salvador – ICEA. Fonte: GOODWIN, Philip. 174
Brazil Builds: architecture new and old 1642-1942. Nova York: MOMA, 1943, p.144 e 145.
38. Capa do catálogo da exposição Brazil Builds: architecture new and old do MOMA – Nova 183
York em 1943. Fonte: www.google.com.br/imgres?q=brazil+builds, acesso 03/10/2012 às
18:39.
39. Páginas que apresentam a casa Domingos Dias do arquiteto Arnaldo Furquim no livro de 188
Mindlin. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 1999, pp 74-75.
40. Páginas que apresentam o Cassino da Pampulha do arquiteto Oscar Niemeyer no livro 189
de Mindlin. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 1999, pp.190-191.
41. Páginas que apresentam o Edifício Caramuru do arquiteto Paulo Antunes no livro de 189
Mindlin. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro:
Aeroplano, 1999, pp 234-235.
42. Capa do livro Arquitetura Moderna no Brasil, vale observar que a capa da publicação de 194
1956 foi mantida na tradução brasileira de 1999. Fonte: MINDLIN, Henrique E.
Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.
43. Charge da Revista Ilustração Brasileira de setembro de 1929 dedicada a Arquitetura e a 197
Artes Afins, que ilustra o livro de Ferraz. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a
introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965, p. 34
44. Foto de Lúcio Costa, Frank Lloyd Wright e Gregori Warchavchik que abre o livro de 198
Ferraz. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no
Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965, s/p.
45. Páginas do livro de Ferraz que apresentam a casa Silva Prado Neto. Fonte: FERRAZ, G. 199
Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo.
MASP. 1965,pp.120 e 121.
46. Página do livro de Ferraz que apresenta a capa da revista francesa L’homme et 200
l’architecture com o edifício de Warchavchik. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a
introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965,p.237.
47. Recepção na Casa Modernista, reunindo Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Raul 202
Bopp, Flávio de Carvalho, Anita Malfaltti entre outros. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik
e a introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP.
1965,p.57.
48. Página do livro de Santos em que aparece o Ministério da Educação e Saúde. Fonte: 206
SANTOS, Paulo, Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981, p 114.
XI
49. Capa do livro de Paulo Santos. Fonte: SANTOS, Paulo, Quatro Séculos de Arquitetura. 207
Rio de Janeiro: IAB, 1981, p 234-235.
50. Páginas do terceiro tomo da publicação da tese original em francês de Yves Bruand com 219
imagens do Ministério da Educação e Saúde. Cada imagem ocupa toda uma página de
acordo com a orientação da fotografia e não de uma diagramação mais elaborada da
composição do livro. Fonte: BRUAND, Yves. L’architecture contemporaine au Brésil.
Lille: Service de reproduction des theses Universite de Lille III, 1973 pp.47/48
51. Página do livro de Bruand da publicação em português com imagem do Ministério da 220
Educação e Saúde sem grande destaque no meio do texto. Fonte: BRUAND. Yves.
Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981, p 88.
52. Capa e contracapa do livro “Arquitetura Brasileira” de Carlos Lemos. Fonte: LEMOS, 223
Carlos A. C. Arquitetura brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979.
53. Cassino da Pampulha na imagem do livro de Lemos. Fonte: LEMOS, Carlos. Arquitetura 225
brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979, p. 143.
54. Peças gráficas da casa do sítio Querubim, em São Roque/SP do século VXIII na 225
reprodução do livro de Lemos. Fonte: LEMOS Carlos. Arquitetura brasileira. São Paulo:
Melhoramentos, 1979, p. 71.
55. Página de ilustração que mostra o Ministério da Educação no texto de Lemos na 230
coletânea de Zanini. Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes no Brasil. São
Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, p. 842
56. Abertura do texto de Lemos na coletânea de Zanini com os desenhos do conjunto 231
projetado por Flávio de Carvalho na Alameda Lorena em São Paulo. Fonte: ZANINI,
Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983,
pp. 822/823.
57. Página inteira de ilustrações do item “A arquitetura moderna carioca” do texto de Lemos. 232
Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira
Salles, 1983, pp. 848/849
58. Página inteira de ilustrações do item “A arquitetura paulista” do texto de Lemos. Fonte: 232
ZANINI, Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles,
1983, pp. 858/859
59. Fotos de Victor Dubugras e Oscar Niemeyer colocadas lado a lado por Lemos no item 233
“As primeiras obras modernas”. Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes no
Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, p. 829.
60. Foto que reuni Lúcio Costa, Flávio de Carvalho e Gregori Warchavchik. Fonte: ZANINI, 233
Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983,
pp. 831.
61. Mina Klabin, esposa de Warchavchik. Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes 233
no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, p. 833.
62. Monumento rodoviário de Guaranhuns/PE do arquiteto Armando de Holanda. Fonte: 236
FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo.
Projeto. 1982, p 101.
63. Capa do livro de Ficher e Acayaba. Fonte: FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. 238
Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982.
64. Páginas que apresentam as plantas do Ministério da Educação e Saúde. Fonte: FICHER, 239
Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto.
1982, pp 12 e 13.
65. Páginas que apresentam croquis de estudos preliminares para o Ministério da Educação 240
e Saúde. Fonte: FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna
brasileira. São Paulo. Projeto. 1982, pp 10.
66. Marquise da Casa do Baile na Pampulha. Foto de Dante Paglia. Fonte: FICHER, Sylvia & 241
ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982, p.
15.
67. Igreja de São Francisco na Pampulha. Foto de Hugo Segawa. Fonte: FICHER, Sylvia & 241
ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982, p.
25.
68. Conjunto de imagem que ilustra na trama de Jover as primeiras obras “propriamente” 245
modernas: duas casas de Warchavchik e o Ministério da Educação e Cultura Fonte:
JOVER, Ana Maria. A Arquitetura Moderna. In: CIVITA, Victor (org). Arte no Brasil. São
Paulo: Abril Cultural e Industrial, 1982, p. 257.
69. Página dupla que mostra a Igrejinha da Pampulha, a Catedral de Brasília e o Palácio da 246
Justiça na Capital Federal. Com se pode ver, os destaques na leitura de Jover revelados
pelas imagens do momento de formação estão na Pampulha em Brasília. Fonte: JOVER,
Ana Maria. A Arquitetura Moderna. In: CIVITA, Victor (org). Arte no Brasil. São Paulo:
Abril Cultural e Industrial, 1982, pp. 260/261.
70. Interior da Catedral de Brasília na abertura do capítulo intitulado “A Arquitetura Moderna” 246
na coleção “Arte no Brasil”. Fonte: JOVER, Ana Maria. A Arquitetura Moderna. In:
XII
CIVITA, Victor (org). Arte no Brasil. São Paulo: Abril Cultural e Industrial, 1982, pp.
254/255.
71. Ilustração do Ministério da Educação e Saúde no livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, 250
Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 92.
72. Lúcio Costa à frente do Ministério da Educação e Saúde no livro de Segawa. Fonte: 251
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 93.
73. Álvaro Vital Brazil à frente do Edifício Esther no livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo. 251
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 86.
74. Recorte publicitário de 1928 que ilustra o livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo. 251
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 22.
75. Página com desenhos ilustrativos do livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo. 252
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 99.
76. Estação Mairinque, um marco do pioneirismo da arquitetura em concreto armado no 257
Brasil construída entre 1905 -1908. Fonte: BICCA, Briane Elisabeth Panitz e BICCA,
Paulo Renato Silveira (orgs.). Arquitetura na formação do Brasil. Brasília: Unesco,
IPHAN/Programa Monumenta, 2007, p.317.
77. Foto de página inteira do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. Fonte: 258
BICCA, Briane Elisabeth Panitz e BICCA, Paulo Renato Silveira (orgs.). Arquitetura na
formação do Brasil. Brasília: Unesco, IPHAN/Programa Monumenta, 2007, p.328
78. Capa do livro “Arquitetura na formação do Brasil”. Montagem com fotos de Marcel 259
Gautherot. Fonte: BICCA, Briane Elisabeth Panitz e BICCA, Paulo Renato Silveira (orgs.).
Arquitetura na formação do Brasil. Brasília: Unesco, IPHAN/Programa Monumenta,
2007, capa
79. Páginas dedicadas a apresentar o Ministério da Educação e Saúde em tratamento 264
destacado na narrativa de Comas. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura
Brasil 500 anos. Recife: UFPE, 2002, pp. 190/191.
80. Imagens da ABI, em tratamento bem menos destacado que àquele dado ao Ministério da 265
Educação e Saúde. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos.
Recife: UFPE, 2002, p. 193
81. Páginas dedicadas a apresentar o Cassino da Pampulha em tratamento destacado na 265
narrativa de Comas. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos.
Recife: UFPE, 2002, pp. 204/205
82. Página dupla com a foto da Igreja de São Francisco na Pampulha. Destaque na narrativa 266
de Comas. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife:
UFPE, 2002, pp. 210/211.
83. A foto do centro do Rio de Janeiro mostra a Biblioteca Nacional, a Sede da ABI e 267
soberano, como um navio navegando em direção certeira, o Ministério da Educação e
Saúde. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife:
UFPE, 2002, pp. 194
84. Fotografia de abertura do texto de Carlos Martins mostra Lina Bo Bardi na escada de 273
acesso a sua casa de vidro em São Paulo. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da
Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 371.
85. Primeira página da parte de ilustrações da narrativa de Carlos Martins apresentando a 275
obra de Warchavchik. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a Brasília:
Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 384/385.
86. Página que apresenta o Ministério da Educação e Saúde. Edifício que nessa narrativa 276
teve o maior número de fotografias. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a
Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 402/403.
87. Página que apresenta Obras de Oscar Niemeyer. Arquiteto que nessa narrativa teve o 276
maior número de obras apresentadas. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da
Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp.
414/415.
88. Ilustração do livro de Cavalcanti que mostra um jovem numa passeata com bandeira com 281
a foto de Getúlio Vargas no Bolso Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a
história de uma nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2006, p.22.
89. Capanema e Vargas na apresentação dos planos para a cidade universitária no livro de 282
Cavalcanti. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova
linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.11.
90. Cerimônia de lançamento da pedra fundamental do MÊS com Capanema cercado pelos 282
modernistas. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma
nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.54.
91. Página ilustrativa do livro de Cavalcanti que mostra os focos separados de seu interesse 283
sem intermediações. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de
uma nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006,
p.59.
92. Imagem que abre o item sobre o Ministério da Educação no livro de Cavalcanti. Fonte: 284
XIII
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na
arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.32.
93. Primeira imagem da introdução do livro de Cavalcanti, que mostra Agache apresentado 284
seu plano para o Rio. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de
uma nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006,
p.8.
94. Capa da Revista A CASA em agosto de 1936, momento em que Le Corbusier estava 292
pela segunda vez no Brasil. Fonte: A CASA, n. 147 ago., capa, 1936.
95. Capa da Revista ARQUITETURA E URBANISMO em agosto de 1936, momento em que 292
Le Corbusier estava pela segunda vez no Brasil. Fonte: A CASA, n. 2, jul./ ago., capa,
1936.
96. Capa da primeira edição da Revista A CASA. Fonte: A CASA, setembro, n.1, 1923. 294
97. Projeto de residência apresentado no primeiro número da Revista A CASA. Fonte: A 295
CASA, setembro, n.1, s/p,1923.
98. Projeto de hall apresentado no primeiro número da Revista A CASA. Fonte: A CASA, 295
setembro, 1923, n.1, s/p.
99. Pergolado publicado no segundo número da revista A CASA. Fonte: A CASA, novembro, 297
1923, n.2, s/p.
100. Capa de maio de 1932 da Revista “A CASA”, com o Teatro Carlos Gomes no Rio de 301
Janeiro. Fonte: A CASA, n.96, capa, mai., 1932.
101. Capa de setembro de 1926 da Revista A CASA. Fonte: A CASA , n.29, capa, set., 1926. 302
102. Capa de outubro de 1928 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.54, capa, out.,1928. 302
103. Capa de março de 1929 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.59, capa, mar., 1929. 302
104. Capa de fevereiro de 1929 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.58, capa, fev., 1929. 303
105. Primeiro projeto em “estylo moderno” publicada em A CASA de J. Cordeiro Azeredo. 304
Fonte: A CASA, n.19, p. 14, nov.,1925.
106. Capa de junho de 1932 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.97, capa, jun.,1932. 306
107. Capa de janeiro de 1933 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.104, capa, jan., 1933. 306
108. Capa de fevereiro de 1936 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, 1936, n.141. 306
109. Capa de setembro de 1936 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.148, capa, set., 1936. 307
110. Capa de março/ abril de 1939 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.178/179, capa, 307
mar./abril, 1939.
111. Capa de junho de 1943 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.229, capa, jun., 1939. 308
112. Capa de setembro/ outubro de 1945 da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.246-247, 309
capa set./out., 1939.
113. Capa de julho / agosto de 1939 da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: 316
ARQUITETURA E URBANISMO, n.4, capa, jun./ ago., 1939.
114. Capa de setembro / outubro de 1939 da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: 316
ARQUITETURA E URBANISMO, n.5, capa, set./out., 1939.
115. Capa do primeiro número da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: 320
ARQUITETURA E URBANISMO, n.1, maio/ junho, capa, 1936.
116. Capa do último número da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: 320
ARQUITETURA E URBANISMO, n.2, março/abril, capa, 1942.
117. Capa de maio/ junho de 1939 da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: 322
ARQUITETURA E URBANISMO, n.3, capa, mai./jun., 1939.
118. "Um Bungalow moderno”, J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista A Casa, n. 7, p. 12, 325
nov.,1924,
119. “Residência de um arquiteto”. Ruderico Pimentel e Cia. Fonte: Revista A CASA, n. 188, 325
p. 12 e 13, jan. 1940.
120. Concurso “A CASA IDEAL”, perspectiva 1º lugar. Fonte: Revista A CASA, n. 124, p. 14, 327
set.,1934.
121. Concurso “A CASA IDEAL”, projeto 1º lugar. Fonte: Revista A CASA, n. 124, p. 15, 327
set.,1934.
122. Imagem que evidencia a estrutura do concreto armado na construção de um edifício no 332
Japão no artigo “As vantagens do concreto armado”. Fonte: A CASA, n. 8, p. 06, dez,
1924.
123. Páginas de ilustração do artigo “Os grandes edifícios do Rio e de São Paulo” com o 335
Cinema Odeon e o Cinema Império. Fonte: A CASA, n. 37, pp. 10 -11, maio, 1927.
124. Páginas de ilustração do artigo “Os grandes edifícios do Rio e de São Paulo” com dois 335
ângulos do Edifício Brasil. Fonte: A CASA, n. 37, pp. 12 -13, maio,1927.
125. Pavilhões da Feira de Paris 1925 que ilustram o artigo “A Arte Moderna”. Fonte: Revista 337
A CASA, n. 39, p. 14-15, jul., 1927.
126. Perspectiva da casa apresentada como “modernista” no artigo “A Casa Moderna”. Fonte: 341
Revista A CASA n. 63, p. 14, jul., 1929.
127. Desenho do Elevador Lacerda que ilustra o artigo “O Elevador da Bahia”. Fonte: Revista 342
A CASA, n. 62, p. 19, jun., 1929.
128. Desenho ilustrativo de J. Cordeiro de Azeredo para o artigo “Arquitetura Moderna”. 346
XIV
Fonte: Revista A CASA, n. 82, p. 07, mar., 1931.
129. Desenho ilustrativo de J. Cordeiro de Azeredo para o artigo “Arquitetura Moderna”. 346
Fonte: Revista A CASA, n. 82, p. 08, mar., 1931.
130. Primeira página do artigo “A Arte Moderna” de Alexander Altberg. Fonte: Revista A 348
CASA, n. 39, p.27, fev., 1932.
131. Desenhos de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. Fonte: ARQUITETURA E 355
URBANISMO, n. 04, p. 175, jul./ago., 1937.
132. Desenhos de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. Fonte: ARQUITETURA E 356
URBANISMO, n. 04, p. 174, jul./ago., 1937.
133. Croquis de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. O edifício moderno a que se 361
refere é a Sede do Ministério da Educação e Saúde. Fonte: ARQUITETURA E
URBANISMO, n. 05, p. 635, set./out, 1939.
134. Capa da Revista “A CASA”, março e abril de 1933. Fonte: Revista “A CASA”, n. 106-107, 375
capa, mar,/abr., 1933.
135. Bangalô moderno. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 07, p. 380
15, nov., 1924.
136. Residência. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 90, p. 18, 381
nov., 1931.
137. Residência. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 106/107, p. 382
25, mar/abr, 1933.
138. Residência. Projeto de J. A. Fontes Ferreira. Fonte: Revista “A CASA”, n. 134, pp. 16-17, 383
jul., 1935.
139. Residência. Projeto sem identificação. Fonte: Revista “A CASA”, n. 134, p. 24, jul., 1935. 384
140. Residência. Projeto sem identificação. Fonte: Revista “A CASA”, n. 134, p. 25, jul., 1935. 384
141. Residência Assioly Neto. Projeto de Gerson Pinheiro e Affonso Reidy. Fonte: Revista 385
“ARQUITETURA E URBANISMO”, n.01, p. 25, jan./fev., 1937.
142. “Casas com terraço”. Artigo e projetos de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A 388
CASA”, n. 25, p. 27, mai., 1926.
143. “Casas com terraço”. Artigo e projetos de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A 388
CASA”, n. 25, p.28, mai., 1926.
144. Projeto residencial. Fonte: “A CASA”, n.21, p. 9, jan., 1926. 389
145. Projeto residencial de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: “A CASA”, n.35, p.28-29, mar, 389
1927.
146. Projeto de conjunto residencial de Moacyr Fraga. Fonte: “A CASA”, n.49, p. 34, mai., 390
1928.
147. Residência moderna. Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n.85, pp. 14-15, jun., 391
1931.
148. Residência moderna com telhado cerâmico. Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n. 392
86, p. 12-13, jul., 1931.
149. Casa de Campo. Arquiteto Paulo Antunes Ribeiro. Fonte: Revista “ARQUITETURA E 392
URBANISMO”, n. 05, p. 250, set/out, 1937.
150. Casa de Campo. Arquiteto Roberto Magno de Carvalho. Fonte: Revista “ARQUITETURA 393
E URBANISMO”, n. 04, p. 187, jul./ago., 1937.
151. Esboço de residência. Arquiteto Ângelo Murgel. Fonte: Revista “ARQUITETURA E 394
URBANISMO”, n. 06, pp. 316-317, nov./dez., 1938.
152. Residência. Arquiteto Gerson Pompeu Pinheiro. Fonte: Revista “ARQUITETURA E 394
URBANISMO”, n. 06, pp. 314-315, nov./dez., 1937.
153. Residência. Arquiteto Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n. 223, p. 10, dez, 1942. 395
154. Residência. Arquiteto Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n. 223, p.11, dez, 1942. 395
155. Residência. Arquiteto Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n. 223, p.12, dez, 1942. 395
156. Projeto Residencial denominado “Arte Nova”. Arquiteto J. Freitas Pereira. Fonte: Revista 396
“A CASA”, n. 38, p.12, jun., 1927.
157. Edifício moderno. Arquiteto Joaquim Gomes dos Santos. Fonte: Revista “A CASA”, n. 90, 397
capa, nov., 1931.
158. Fachada e plantas. Edifício moderno. Arquiteto Joaquim Gomes dos Santos. Fonte: 398
Revista “A CASA”, n. 90, p.19-21, nov., 1931.
159. Projeto de Anibal de Melo Pinto. Fonte: Revista “A CASA”, n. 88, set, 1931. 399
160. Projetos modernos. Fonte: Revista “A CASA”, n. 91, p. 10-11, dez, 1931. 400
161. Projeto de Dacy Roza. Fonte: Revista “A CASA”, n. 92, p. 10, jan., 1932. 400
162. Projeto de Dacy Roza. Fonte: Revista “A CASA”, n. 93, p.21, fev., 1932. 400
163. Projeto moderno. Fonte: Revista “A CASA”, n. 93, p. 16-17, fev., 1932. 401
164. Projeto moderno. Fonte: Revista “A CASA”, n. 97,p10-11, jun., 1932. 401
165. Projeto moderno “A máquina de morar”. Fonte: Revista “A CASA”, n. 32, p. 8-9, jun., 402
1932.
166. Detalhes da cobertura e da entrada da residência J. F. Penteado em Campinas. Fonte: 403
Revista “A ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 02, p. 92, mar/abr., 1937.
167. Residência J. F. Penteado em Campinas. Fonte: Revista “A ARQUITETURA E 403
XV
URBANISMO”, n. 02, p. 90-91, mar/abr., 1937.
168. Interior de uma residência moderna. Fonte: Revista “A CASA”, n. 152, p. 15, jan., 1937. 404
169. Residência moderna. Fonte: Revista “A CASA”, n. 152, p. 12-13, jan., 1937. 404
170. Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A 405
ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 01, p. 23, jan./fev., 1938.
171. Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A 406
ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 01,p. 24-25, jan./fev., 1938.
172. Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A 406
ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 01, p. 26-27, jan./fev., 1938.
173. Residência Oswald de Andrade. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte: Arquitetura e 407
Urbanismo, n. 03, p. 503, mai./jun., 1939.
174. Residência Oswald de Andrade de Oscar Niemeyer. Fonte: Arquitetura e Urbanismo, n. 408
03, p.502, mai./jun., 1939.
175. Residência Moderna em meio de pagina como propaganda de construtora evidenciando 410
o sucesso dessa linguagem. Fonte: Revista “A CASA”, n. 219 – 220, p. 20-21, ago./set.,
1942.
176. Montagem da autora com capas da revista A CASA. 447
177. Montagem da autora com capas da revista ARQUITETURA E URBANISMO. Ao centro 448
obras de Lúcio Costa, a primeira é uma casa neocolonial que é publicada em 1938 e a
outra é o Ministério da Educação e Saúde publicado em 1939.

XVI
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 01

2. SOBRE OS NOVOS TEMPOS 41

2.1. MODERNIDADE: OS TEMPOS DO ETERNO TRANSITÓRIO 45

2.2. MODERNIZAÇÃO: UM MUNDO EM ETERNA TRANSIÇÃO 56

2.3. MODERNISMO: A EXPRESSÃO DO PORVIR 63

2.4. O MOVIMENTO DO MUNDO NO ENTRE-GUERRAS 88

2.5. A CENTRALIDADE MODERNISTA NO BRASIL 103

3. SOBRE FALAS CONSAGRADAS E SEUS ECOS DURADOUROS 117

3.1. A FALA CONSAGRADA DE LÚCIO COSTA 120

3.1.1. Um milagre brasileiro 127

3.1.2. Entre tradição e plasticidade 138

3.2. A FALA CONSAGRADORA DO “BRAZIL BUILDS” 152

3.2.1. Na tangência das falas 155

3.2.2. Sobre formas e falas 170


3.3. ECOS CONSAGRANTES
184
4. SOBRE OUTRAS FALAS E OUTROS ECOS
285
4.1. PERIÓDICOS: FALAS ESQUECIDAS DE ECOS DURADOUROS
287
4.2. REVISTA “A CASA”: FALAS DE UM PROCESSO EMBRIONÁRIO
293

4.3. REVISTA “ARQUITETURA E URBANISMO”: EM NOME DA CLASSE


310
5. MUITAS FALAS: OUTRAS HISTÓRIAS
323
5.1. SER MODERNO: IDEIAS E EMBATES
330
5.2. DO “ESTYLO” MODERNO À ARQUITETURA MODERNA
375
5.3. POR UM ARQUITETO
411
6. CONCLUSÃO
427
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
449
ANEXO
463

XVII
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

1. INTRODUÇÃO
O Brasil é um país que vive para fora, e é precisamente no campo das
experimentações artísticas que isso se torna evidente. Já escrevi, várias
vezes, sobre esse tipo de delírio que faz com que toda pintura brasileira de
prestígio – a pintura moderna em suas várias manifestações – tenha por
objetivo ganhar prêmios no exterior e conseguir lá fora qualquer tipo de
distinção que a imponha a nós mesmos. No caso da pintura, esses ‘nós
mesmos’ são alguns poucos artistas, críticos, amadores, colecionadores e
donos de galerias. Não é muito diferente no campo da arquitetura.

Ferreira Gullar (1965)

Algumas das manifestações do movimento moderno no Brasil ultrapassaram

os limites da nacionalidade e se inscreveram na ordem de importância internacional

desse capítulo da história da arquitetura e do urbanismo. O destaque internacional

da produção da arquitetura brasileira no pós-guerra, especialmente nos anos 50 é

inegável. Fato facilmente comprovado não só pelo significativo número, até então

inédito e posteriormente não repetido, de artigos publicados em revistas

especializadas internacionais sobre essas obras, bem como a referência, mesmo

que com propósitos e espaços bem diferenciados destinados a elas, em vários livros

sobre arquitetura moderna1.

No entanto, as expressões da arquitetura moderna no país não se deram

somente através da vertente canônica mais representativa em termos de

reconhecimento internacional, mas também numa diversidade enorme de

realizações e matizes que configuram até hoje grande parte das cidades brasileiras.

Entre obras primas reconhecidas (ou não) e as simples aplicações empobrecidas do

repertório moderno – numa enormidade de gradações dessas expressões no povoar

1
A exemplo de GIEDION, Sigfried. Espacio, Tiempo y Arquitectura. Madrid: Dossat, 1980 (primeira edição em inglês – 1941,
o Brasil é incluído em citações rápidas na introdução acrescentada pelo autor na quarta edição na década de 60 , publicado em
português - 2004); ZEVI, Bruno. Storia dell’architettura moderna. Torino: Giulio Einaudi, 2004 (primeira edição em italiano -
1950, publicado em português - 1970); DORFLES, Gillo. L’architettura moderna. Milano: Aldo Garzanti, 1956 (primeira edição
em italiano - 1954, publicado em português - 1986); BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo:
Perspectiva, 1989 (primeira edição em italiano - 1960, publicado em português - 1976). JOEDICKE, Jürgen. 1930-1960: trinta
anos de arquitetura. Belo Horizonte: EAUMG, 1962 (primeira publicação em alemão – 1961, publicado em português – 1962).
JENCKS, Charles. Movimentos Modernos em Arquitetura. Lisboa: Edições 70, 1987 (primeira edição em inglês - 1973, cita o
Brasil rapidamente no bojo das discussões do ultimo capítulo sobre a cena internacional, publicado em português - 1985);
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1997 (primeira edição em inglês
– 1980, publicado em português - 1997).
1
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

do meio entre os extremos supracitados – a arquitetura moderna no Brasil, tanto

pela excepcionalidade da obra de alguns poucos arquitetos, como pela incorporação

desse vocabulário por uma gigantesca produção leiga, se consolidou como um

momento fundamental na história do país.

Esse movimento em suas várias e variadas possibilidades expressivas

construiu uma massa gigantesca de obras sob sua tutela que nenhuma nação

centro-europeia, em que o movimento moderno teve origem, pôde igualar. Erudita ou

popular, pública ou privada a disseminação da linguagem moderna, em suas

inúmeras mutações e hibridismos característicos das realizações brasileiras

representaram à época o progresso e o desenvolvimento, que mesmo apenas como

cenário, o país parecia ou desejava desfrutar. Da construção do Ministério da

Educação e Saúde Pública (1936-1947), atual Palácio Capanema, a Brasília (1956-

1960) um “ciclo de ouro” de nossa arquitetura parece ter se dado com uma força

expressiva ímpar capaz de reposicionar o país no campo das belas artes, cujo

deslocamento no campo das criações artísticas, se aproxima em certa medida,

somente ao efeito da Bossa Nova na música e em outros campos nos feitos do

futebol.

Ultrapassados o reconhecimento do mérito dessa produção e da importância

das tramas 2 críticas e historiográficas para a construção da cultura nacional

pautadas nessas realizações, podemos hoje, passados praticamente três quartos de

século do concurso para o Ministério da Educação e Saúde Pública e quase a beira

do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, rever esse período e acender

2
O termo trama nessa tese é usado no sentido de construção narrativa, o tecido da história como define Paul Veyne, “uma
mistura muito humana e muito pouco ‘científica’ de causas materiais, de fins e de acasos; de um corte de vida que o historiad or
tomou, segundo sua conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua importância relativa” (VEYNE, 1995, p.2 8)
2
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

outras luzes em partes menos conhecidas ou propositadamente esquecidas dos

acontecimentos, tensões e diversidade dos pensares e fazeres de tal época.

Mesmo com algumas tentativas de dar nuances ao surgimento das

expressões da modernidade no Brasil feitas por autores como Hugo Segawa em

“Arquiteturas no Brasil 1900-1990” (1998) e Carlos Martins em “Arquitetura e

Urbanismo: construir uma arquitetura, construir um país” (2002), bem como uma

série generosa de artigos reunidos nos anais dos seminários nacionais e regionais

do DOCOMOMO3 a partir de meados dos anos 90, a versão traçada por Lúcio Costa

em carta-depoimento (1948) e no texto intitulado “Muita construção, alguma

arquitetura e um milagre” (1951), também conhecido como “Depoimento de um

arquiteto carioca” e posteriormente publicado sob o título “Arquitetura Brasileira”

(1952) ainda permanece. Nessa construção narrativa a origem da arquitetura

moderna no Brasil é apresentada como um milagre: o brotar no centro da capital do

país do monumental Edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública como fruto

das “sementes de um gênio”4 que com o revelar do talento de um “arquiteto5, por

assim dizer predestinado”(COSTA, 1962, p.124) instaura a arquitetura moderna

brasileira e aí se inicia a “cruzada santa” para a afirmação e disseminação dessa

vertente como a única expressão legitima das possibilidades arquitetônicas de seu

tempo.

Apesar de reconhecer o pioneirismo de Gregori Warchavchik na publicação

das ideias modernas no Brasil, Lúcio Costa desqualifica a importância desse

arquiteto ao afirmar que nem seu manifesto, nem suas obras foram capazes de
3
O primeiro seminário da organização não – governamental internacional para a Documentação e Conservação do Movimento
Moderno no Brasil – DOCOMOMO – foi realizado em 1995 na cidade de Salvador pela Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da UFBA. A partir de então já foram realizados mais de vinte eventos ligados a essa instituição no país de
diferentes alcances que vão do internacional em Brasília em 2000 aos vários regionais, passando por nove versões nacionais
até a finalização dessa tese.
4
Título da carta de Lúcio Costa dirigida a Le Corbusier em 1946 que noticia a finalização do edifício do Ministério da Educação
e Saúde.
5
Lúcio Costa se refere aí especificamente ao arquiteto Oscar Niemeyer.
3
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

impactar na criação da “feição diferenciada” da arquitetura brasileira sem a qual,

segundo ele, “não teria ultrapassado o padrão da estrangeira, nem despertado tão

unânime louvor” (COSTA, 1962, p.124). Já ficam desde então estabelecidos não só

os fatos históricos a serem considerados como decisivos, mas também a construção

da trama narrativa consolidada e reafirmada pelo paleontólogo francês Yves Bruand

em “Arquitetura Contemporânea no Brasil” (tese defendida em 1971 e publicada em

português apenas em 1981) um dos primeiros livros de história da arquitetura

moderna brasileira, que permanece ainda hoje como referência fundamental sobre o

assunto.

Nessa trama a arquitetura colonial é valorizada como produto nacional, o

ecletismo desqualificado como repetição e importação de modelos estrangeiros nada

originais e a arquitetura moderna no Brasil tem “a transformação decisiva”6 marcada

pela construção do Ministério da Educação e Saúde Pública. Yves Bruand (1981)

difere de Lúcio Costa sobre o surgimento da arquitetura moderna em terras

brasileiras e, de certa maneira, arrefece (mas nem tanto) a versão miraculosa do

arquiteto carioca ao ressaltar a importância da ação pioneira de Warchavchik e da

Semana de Arte Moderna de 1922, endossando as reivindicações paulistas na voz

de Geraldo Ferraz (1965) sobre a importância dos acontecimentos em São Paulo.

Essa tensão e concentração no eixo Rio / São Paulo focados nas figuras

supracitadas permanece até hoje como versão canônica e a nosso ver bastante

reducionista da conjunção dos fenômenos que propiciaram a gigantesca empreitada

construtiva de feição moderna em quase todo o território nacional e que nos anos do

pós-guerra causaram grande perplexidade aos olhares do mundo.

6
Título do terceiro capítulo do Livro de Yves Bruand que disserta sobre a nova arquitetura brasileira e tem seu início no
episódio do Ministério da Educação e Saúde.
4
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Outro ponto que insiste em marcar as reflexões sobre os acontecimentos da

arquitetura brasileira, não só, mas principalmente a moderna é essa baliza do corte

estrangeiro e na maioria dos casos de viés eurocêntrico que a crítica nacional não só

endossou como também perpetuou. Mesmo nos casos de conflito, como nas

respostas às críticas desfavoráveis de Max Bill às manifestações brasileiras do

ideário moderno, buscava-se sempre outro nome forasteiro que vislumbrasse aqui

qualidades louváveis dessas mesmas obras. Marcada pela lente estrangeira desde a

primeira publicação sobre o assunto – a saber: o livro-catálogo da exposição

homônima “Brazil Builds: architecture new and old 1652 – 1942” (1943) de Philip L.

Goodwin e G.E. Kidder Smith – essa tensão entre o eu e o outro na instauração do

mundo da arquitetura no país parece tomar sempre o caminho da reprodução do

pensamento estrangeiro como forma de legitimação e valorização do nacional.

Parece-nos que ainda permanece em aberto o flanco do enfrentamento desses

acontecimentos e suas possíveis ressignificações, capazes de ampliar a

complexidade das tramas recorrentes e aproximar-se melhor da diversidade do

campo que permitiu essa ampla e memorável produção. Bem como pontuar seus

limites sob um foco nacional, que mesmo ciente da imbricada e inseparável conexão

com os acontecimentos no exterior, pode mapear e tecer sob outras perspectivas

uma tessitura sobre o surgimento e disseminação tanto da arquitetura moderna de

modo ampliado como do movimento moderno especificamente em terras brasileiras.

Nosso interesse particular é investigar sobre esse momento em certa medida

turvo, do fervilhar, do devir, do movimento de elementos que se conectaram e se

colocaram em embate na transformação dos modos de fazer e de expressar da

arquitetura no Brasil. Entre meados dos anos 20 e os primeiros anos da década de

40, os acontecimentos que contribuíram para a formação da arquitetura moderna

5
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

brasileira ultrapassaram em muito as já celebradas e insistentemente repetidas

versões sobre a sequencia evolutiva linear e pouca tencionada dos manifestos de

Warchavchik e Levi em 1925 que trazem os primeiros contatos com as ideias

modernas; a visita de Le Corbusier em 1929 que coloca mestre e discípulos em

contato direto; a tentativa de reformulação da Escola de Belas Artes por Lúcio Costa

entre 1930/1931 que tenta institucionalizar a formação moderna e mesmo sem

sucesso abre o embate e desperta o interesse da geração que logo daria novas

respostas às suas atuações profissionais; o processo de concepção e construção do

Ministério da Educação e Saúde Pública de 1936 a 1947 que instaura num único

momento tanto a aplicação do receituário corbusiano7 como a inauguração de uma

forma própria brasileira de utilização do mesmo; e finalmente a explosão e

consolidação desse modo brasileiro quando Oscar Niemeyer concebe o Complexo

da Pampulha em 1940, construído entre 1940 e 1943. Essa maneira de

entendimento apenas reforça e se dá na perpetuação das falas de Lúcio Costa que

acabou por reduzir a arquitetura moderna brasileira às obras de Oscar Niemeyer.

Segundo Costa:

Agora é preciso esclarecer: esta arquitetura que ocorreu desde a época do


Ministério se deveu fundamentalmente a Oscar Niemeyer. Sem o Oscar não teria
havido esta arquitetura que surpreendeu os países europeus, a América do
Norte, Japão, depois de um período de matança, de guerra, de destruição
sistemática, bombardeios, bomba atômica. Enquanto isso construiu-se aqui o
Ministério da Educação, e o Oscar, convidado pelo Juscelino, fez a Pampulha.
Ele surgiu como arquiteto durante a construção do Ministério, onde sua
contribuição foi fundamental, e na oportunidade oferecida em Minas, de fazer a
Pampulha, ele se revelou uma personalidade fora de série. O movimento da
arquitetura dita brasileira contemporânea, no fundo, é Oscar Niemeyer. O resto
era arquitetos que acompanhavam mais ou menos o que ele fazia: o Reidy,
esse, aquele outro, todos mais ou menos dentro do esquema, naquela tendência
de querer renovar um pouco a arquitetura mais racionalista que havia
anteriormente com esse novo elemento que dava uma certa graça, como
nenhum dos grandes arquitetos anteriores havia contribuído, com elegância, um
certo charme. (...) Por isso quando o Oscar escreve, fala “nós isso, nós aquilo”,

7
O receituário corbusiano se refere ao particular modo de proposição da nova arquitetura defendido e propalado pelo arquiteto
franco-suíço Le Corbusier vinculado ao uso de formas puras, do concreto armado e da estrutura livre que em última instância
recai nos cinco pontos da arquitetura moderna segundo tal arquiteto, a saber: pilotis, planta livre, fachada livre, janela em fita e
teto jardim. No urbanismo a liberação do solo, setorização das funções e fluidez do espaço. Vide LE CORBUSIER. Por uma
arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973 e LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
6
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ele está falando é dele, a “arquitetura brasileira” é a arquitetura dele, do que ele
fez, do que faz, porque é um fato, uma realidade, ele está dizendo a verdade de
uma forma como se fosse modesta: “nós, a arquitetura brasileira.” (1979, p.16).

Essa postura revela uma mudança radical de Lúcio Costa no entendimento do

que é fundamental na definição da arquitetura própria de um país e definiu sua

maneira de tecer a história de tais acontecimentos. Se em seus primeiros escritos 8

em 1929 sobre arquitetura no Brasil, minimiza a importância da figura de Aleijadinho

como um episódio isolado e afetado da arquitetura colonial brasileira – que se

revelava segundo ele verdadeiramente na simplicidade robusta das edificações civis

– passa a partir do início dos anos 40 a defender o argumento do gênio

predestinado. Mudança de posição ocorrida depois dos episódios do Pavilhão do

Brasil na Feira de Nova York (1939), em que a crítica internacional prontamente

destacou e cobriu de elogios, do sucesso da exposição “Brazil Builds” (1943) e do

Complexo da Pampulha, que já em 1946 é saudado com entusiasmo pelo crítico

francês Germain Bazin que ali identifica a presença de um “estilo brasileiro” calcado

agora, não pela utilização ressaltada no entendimento corbusiano de materiais

locais, nem pelas soluções de adaptação ao clima da visão norte-americana, mas

sim nas formas inusitadas e surpreendentes da liberdade criativa, do sonho e do

desejo não arrefecidos “pelos hábitos do bom senso e da razão” (apud FABRIS,

2000, p.195) que remeteria ao “gênio barroco, que foi o gênio autóctone da arte

brasileira (...) [como uma] reviviscência magnífica” (BAZIN apud FABRIS, 2000,

p.195). A nosso ver o pensamento de Costa, sem desmerecer seu importante papel

na história da arquitetura, como também da cultura nacional, exprime uma posição

extremamente partidária e em certa medida extremista que o impediu de reconhecer

8 o
Ver O Aleijadinho e a arquitetura tradicional trabalho publicado em 1929, n especial sobre Minas Gerais em “O Jornal”.
7
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

que a configuração e a riqueza da produção nacional estão na existência conjugada

e nos interstícios entre a excepcionalidade e o ordinário.

Se Brasília pode ser considerada o momento de fechamento de um ciclo na

história da arquitetura brasileira e o início de outro, meio século dessa gigantesca

empreitada já nos dá suficiente distanciamento para melhor avaliar os méritos e

limites desse período. Em primeira instância buscar uma crítica que tanto se afaste

da lente modernista, cujo principal expoente foi sem dúvida Lúcio Costa, como

também das análises filtradas pelo olhar estrangeiro, que tanto marcou o

entendimento que a arquitetura brasileira teve de si mesma. Buscar um olhar menos

moldado pelo foco eurocêntrico9 talvez possa nos revelar singularidades em nossa

produção até então não percebidas, mapear a diversidade e as tensões dessa

produção, como por outro lado apontar os limites dessas formas expressivas aqui

manifestadas. Apostamos em um universo bem mais ampliado de atores e questões

que alavancaram a instauração e a disseminação da arquitetura moderna no Brasil.

Segundo o professor Nestor Goulart, em sua conferência no XI Seminário de

História da Cidade e do Urbanismo (2010), fazemos história não só para conhecer,

mas também para reconhecermos a nós mesmo, bem como para buscarmos

subsídios para intervir. Ao concordarmos com essa afirmação abrimos uma grande

lacuna sobre os acontecimentos e seus significados na gestação da arquitetura

moderna no Brasil e temos então muito ainda que revisitá-la, já que boa parte dos

entendimentos que temos sobre esse momento de nossa história se deu bem mais

pela leitura do outro sobre nós mesmos do que pelo nosso próprio reconhecimento.

Essa necessidade quase atávica do reconhecimento estrangeiro, bem como um

9
Essa lente eurocêntrica (talvez lente seja o termo mais adequado para o que pontuo aqui) revela-se nessa insistente
caracterização da cultura brasileira, e em especial no caso em questão da arquitetura moderna, ser necessariamente uma
derivação deturpada, uma distorção, para o bem (vista como exótica) ou para o mal (vista como formalismo gratuito), dos
acontecimentos europeus.
8
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

saudosismo por um passado glorioso, parece turvar até hoje a ação crítica nacional

no campo de nossa arquitetura. Por outro lado ainda hoje podemos observar os

rebatimentos da arquitetura moderna no “fazer arquitetônico” dos arquitetos

brasileiros. Esse tema ainda que pouco abordado nas discussões teóricas e

pesquisas acadêmicas, aflora na prática de alguns arquitetos brasileiros de destaque

na atualidade, a exemplo do escritório mineiro Arquitetos Associados ou do arquiteto

paulista Márcio Kogan, dentro tantos outros. O livro “Ainda Modernos? Arquitetura

Brasileira Contemporânea” de Lauro Cavalcanti e André Corrêa do Lago (2005),

desdobramento de uma exposição homônima realizada em Paris no final de 2005 e

início de 2006, aponta essa realidade, mesmo que não apresente um

aprofundamento mais detido sobre a questão.

Por volta dos anos 90 já podemos ver um esforço dos pesquisadores da área

em rever a história canônica da arquitetura moderna no Brasil, em especial nos

trabalhos desenvolvidos nos programas de pós-graduação no país e no exterior 10.

No entanto, o principal foco de interesse ainda se mantém em torno dos “anos

dourados” da arquitetura no Brasil, no ciclo que vai do Ministério da Educação à

Brasília. Nosso recorte temporal propõe um recuo temporal e uma reavaliação sobre

o surgimento da arquitetura moderna brasileira, em busca de outro possível desvelar

desse momento que ainda parece envolto numa espécie de bruma santa, numa

gênese miraculosa: “e então se fez o Ministério da Educação e da Saúde Pública”,

nos tantos ecos das falas de Lúcio Costa.

Os anos 20 e 30 ainda não receberam por parte dos pesquisadores da

arquitetura devida atenção no mapear de um campo de forças em formação, pleno

10
Podem-se citar os exemplos de MARTINS, Carlos Alberto Ferreira. Arquitetura e Estado no Brasil. Elementos para uma
análise da constituição do discurso moderno no Brasil. A obra de Lúcio Costa 1924-52. São Paulo: dissertação de
mestrado em História Social USP, 1988; e COMAS, Carlos Eduardo. Precisões brasileiras: arquitetura moderna 1936-45.
Paris: tese de doutorado em Projet Architectural et Urbain - Universite de Paris VIII, 2002.
9
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

de embates e tensões, numa heterogeneidade bem mais alargada que a polaridade

entre acadêmicos e modernos pôde sugerir na luta pela hegemonia de uma vertente

moderna que aqui se consagrou.

Daquelas pesquisas que se debruçam sobre as revistas especializadas

merecem destaque os trabalhos de Nelci Tinem – “O Alvo do olhar estrangeiro: o

Brasil na historiografia moderna” de 2001, cujo recorte temporal vai de 1936 a 1955

– e Maria Beatriz Capello – “Arquitetura em revista: Arquitetura moderna no Brasil e

sua recepção nas revistas francesas, inglesas e italianas (1945-1960)” de 2005,

ambas, teses de doutorado, que se propõem a compreender como o Brasil era

noticiado no exterior.

Sem dúvida as realizações do movimento moderno brasileiro despertaram

certo interesse do olhar estrangeiro sobre o Brasil, em especial no campo da

arquitetura e do urbanismo. Várias podem ser as motivações que explicam esse

interesse. Elas podem perpassar e variar da originalidade desse movimento em

terras brasileiras como defendem Yves Bruand (1981) e seus seguidores, à escassa

produção europeia de interesse em tempos difíceis de guerras e entre - guerras que

forçava os críticos europeus a voltarem seus olhares para países periféricos como o

Brasil na visão de pesquisadores mais céticos como Fernando Lara e Sônia

Marques (2008). O fato, no entanto é que houve um crescente número de artigos e

citações à produção brasileira em revistas internacionais de arquitetura e urbanismo,

que vão de raríssimas referências na virada dos anos 40, com um número razoável

de citações na década de 50 que volta a decair nos anos 60. A leitura que cada

periódico fez destas realizações também é extremamente variada, não só de país

para país de origem, mas também das diferentes publicações de um mesmo país.

10
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os franceses da “L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI” parecem entender as

realizações não só brasileiras, mas de vários países de fora da região eurocêntrica

como uma extensão de suas criações, numa visão colonialista aponta e valora essas

obras não apenas como influência da vertente francesa do movimento moderno, em

especial das ideias de Le Corbusier no caso do Brasil, mas como uma extensão

mesma da arquitetura francesa. Já os ingleses da “ARCHITECTURAL REVIEW”

revelam um olhar interessado nas realizações de destaque independente de sua

procedência como expressões de um tempo que se concretizam de maneira singular

em cada lugar. Para os italianos de “CASABELLA”, “DOMUS” e “L’ARCHITETTURA:

CRONACHE E STORIA”, um ponto nos parece comum nas variadas interpretações

da arquitetura moderna no Brasil: o caráter exótico e a liberdade formal que eles

parecem reconhecer aqui. Esse novo contorno que a nova arquitetura ganha em

terras brasileiras parece ao mesmo tempo fascinar e ser motivo de reserva quanto

aos desdobramentos desse movimento aqui. Essa produção então é entendida para

além de detratores e defensores como uma distorção de princípios originários

europeus e nunca como uma criação genuína capaz de uma expressão própria de

uma cultura que interage com a “vontade da arte” de seu tempo. Essa visão

eurocêntrica revela a base primeira das leituras italianas, nas quais, a meu ver, se

perpetuam o colonialismo cultural.

Não cabe aqui desenvolver uma possível explanação dos motivos para a

variedade de entendimentos em todos os países em que revistas especializadas

fizeram referências à arquitetura brasileira, pois fugiria aos limites e propósito de

nossa pesquisa, apenas nos interessa situar o contexto e a ordem da diversidade

dessa discussão. De um lado há algo que fascina e interessa: o Brasil é ao mesmo

tempo mistura e mistério para o europeu. Ele não é absolutamente selvagem, nem

11
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

absolutamente civilizado, não é e é o outro e o eu, se constrói no entre. E no

transitar desse entre é irredutível a modelos pré-estabelecidos e ao mesmo tempo

causa admiração e estranheza. Por outro lado, divergente da impressão intencional

ou não, que a maioria dos estudos que tratam essa questão deixa transparecer,

talvez por não explicitarem o contexto geral: o Brasil foi apenas mais um dos tantos

países em que, para além dos limites geográficos da Europa Central, a arquitetura

moderna tornou-se uma importante forma de expressão cultural e despertou o

interesse do olhar centro-europeu. Tanto ou mais que as obras brasileiras, as

realizações nas cidades da África e do Oriente Próximo eram fartamente retratadas

nas revistas francesas, inglesas e italianas, assim como também números inteiros

eram dedicados à arquitetura e ao urbanismo de outros países excêntricos aos

limites geográficos onde se deram as primeiras manifestações do movimento

moderno europeu. Talvez o destaque efetivo brasileiro seja em relação à produção

Latino-Americana sobre a qual a quantidade de referências é inegavelmente e

largamente superior em relação a todos os outros países dessa região do globo.

O que justifica essa pesquisa é o deslocamento de foco, é a tentativa de

compreender não como éramos vistos, pois já existem consistentes trabalhos com

esse enfoque supracitados, mas o que víamos sobre os estrangeiros e sobre nós

mesmos, o que e como as formas e ideários modernos eram bem mais que

apresentados, debatidos, engolidos e transformados, talvez num “movimento

antropofágico”, por uma geração de arquitetos em formação que modificaram por

completo o panorama da arquitetura no país.

Hoje a imensa facilidade de acesso a informações e novidades de toda ordem

que temos a nosso dispor neste início de século XXI, num cenário onde a troca e

circulação de ideias possuem a rapidez do quase instantâneo, nos distanciam


12
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

muitíssimo da realidade da maior parte do século XX em especial de suas primeiras

décadas. Apesar das grandes transformações e dos avanços tecnológicos desse

período, os percursos e os meios de acesso a eles eram bem mais escassos. As

revistas e em especial as especializadas eram à época essencial meio pelo qual se

dava o fluxo de informação e possuíam um papel fundamental nesse movimento ao

flagrar e divulgar em primeira linha as realizações e os debates em curso no fervor

mesmo do momento em que aconteciam. Para as expressões modernas eram ainda

mais centrais, e nesse sentido alguns trechos da introdução do livro “Arquitetura

Contemporânea no Brasil” 11 de 1947 são bastante reveladores e comprovam essa

centralidade dos periódicos no processo de renovação da arquitetura brasileira:

Até bem pouco tempo acontecia um fato estranho entre nós: para conhecermos
mais detalhadamente nossa própria arquitetura contemporânea precisávamos
adquirir revistas estrangeiras. Não havia no Brasil uma publicação periódica que
revelasse o árduo e contínuo trabalho que vinham realizando os arquitetos
brasileiros.
(...)
ANTE-PROJETO vai vencendo. Cresceu e evoluiu. Hoje é um ponto de contato,
um traço de união de tôda uma geração de arquitetos brasileiros – justamente
essa geração que está criando nossa arquitetura contemporânea e possibilitando
ao Brasil apresentar-se ao mundo com algo mais valioso que “sacas de café” e a
“arte exótica” de dançarinas baianas ao sabor de Hollywood.
Para os estudantes essa revista tem sido o canal de uma arquitetura viva e
vibrante, tem trazido para as pranchetas de estudo aquilo que as escolas ainda
teimam repudiar. (GRAEF et al, 1947, s/p).

Esse último trecho evidencia a ainda tensa correlação de forças que

determinavam os rumos da arquitetura erudita no Brasil. Também revelam que

mesmo as portas dos anos 50, momento de exuberância para arquitetura modernista

no Brasil, o modernismo não era a vertente que predominava nas instituições de

ensino e que eram outras as formas de disseminação das arquiteturas modernas,

dentre as quais as revistas ocupavam lugar destacado. Outra comprovação da

11
Esse livro foi organizado por Edgar Graeff, Marcos Jaimovich, José Duval, Nestor Lindenberg e Slioma Selter, a época
editores da revista ANTE-PROJETO, periódico do diretório acadêmico da Faculdade Nacional de Arquitetura no Rio de Janeiro
cujo primeiro número foi publicado em 1945.
13
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

importância dos periódicos para a propagação das formas modernas é o depoimento

do próprio Lúcio Costa sobre seu despertar para a nova arquitetura em uma

entrevista publicada na Folha se São Paulo em 1995:

Vi um trabalho do Warchavchik pela primeira vez na revista Para Todos. Era a


‘casa modernista’, exposta em São Paulo. Apesar do nome, foi a primeira vez
que vi a possibilidade de fazer algo contemporâneo. A partir daí, comecei a me
interessar pela arquitetura nova (COSTA, 2010, p.233).

Esse artigo ao qual Costa se refere é publicado em 19 de abril de 1930 sob o

título “A exposição da casa modernista”, cerca de cinco meses após a primeira visita

de Le Corbusier ao Brasil cujas palestras na ENBA parecem ter surtido bem menos

efeito que as palavras e imagens contidas na referida revista, para a tão propalada

“conversão” ao moderno desse grande mestre de nossa arquitetura. Sobre a

passagem de Le Corbusier em 1929, Lúcio afirma:

Eu era totalmente alienado nesta época, mas fiz questão de ir até lá. Cheguei um
pouco atrasado e a sala estava toda tomada. As portas do salão da Escola
estavam cheias de gente e eu o vi falando. Fiquei um pouco depois desisti e fui
embora, inteiramente despreocupado, alheio à premente realidade (COSTA,
1995, p. 144).

No artigo da revista “PARA TODOS”, a casa-exposição de Warchavchik na

Rua Itápolis é apresentada em dupla página com curto mas elogioso texto de Plínio

Cavalcanti e generosas nove fotografias: uma do arquiteto; quatro internas que

enfatizam o despojamento e claridade dos compartimentos pela iluminação direta,

bem como o arrojo e harmonia entre o espaço, o mobiliário e objetos de arte; e

quatro externas sempre em escorço cujas visadas permitiam revelar o movimento

das caixas cúbicas e marquises em balanço, num conjunto compositivo cuja

expressão se funda nos deslocamentos e deslizamentos de planos retangulares e

paralelepípedos regulares tão caros às pesquisas neoplasticistas dos holandeses do

De Stijl no início dos anos 20. Provavelmente o paisagismo com o uso de plantas

14
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

tropicais bem como o trecho do texto que afirma que “O mobiliário de gosto e

sobriedade, tem peças originaes que realçam bem o talento do autor que soube tirar

partido das nossas essencias, principalmente da imbuya” (CAVALCANTI, 1930,

p.35), tenham despertado especial interesse no jovem Lúcio Costa, cuja

preocupação com a tradição nacional marcou sua postura profissional desde os

tempos do neocolonial e posteriormente seu vínculo com o SPHAN.

Figura 1 - Páginas da Revista “PARA TODOS” com artigo “A Exposição da Casa Modernista” que impressionou decisivamente
Lúcio Costa. Fonte: site J. Carlos em revista, disponível em http://www.jotacarlos.org/revista/index.html acessado em
17/07/2013 às 14:00hs.

Além de um papel informativo, os periódicos também possuíam, e ainda o

mantém, um caráter conformador que perpassa pela formatação das

subjetividades 12 . Nesse sentido esses periódicos foram centrais na criação e

aceitação das formas modernas e na disseminação de seu ideário pelos mais

12
Ver discussão sobre subjetividade e processo criativo em GUATTARI, Félix & ROLNIK, Suely. Microplolítica: Cartografias
do Desejo. Petrópolis: Ed. Vozes, 1993 e OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processo de Criação. Petrópolis: Editora
Vozes, 2004.
15
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

diversos cantos do mundo ocidental, através e apesar das posturas díspares de

cada um deles. A opção pelos periódicos especializados em arquitetura e urbanismo

se deve ao fato de ser esse meio bastante citado entre os profissionais da época

como fonte de contato e maneira de divulgação das formas e ideários modernos. As

palavras de Warchavchik ao defender sua casa-exposição num artigo no Diário de S.

Paulo em 1930, mostram bem essa importância.

A casa da rua Itápolis (...) está em exposição para mostrar ao grande público,
que até agora só conheceu arquitetura e interiores modernos pelas fitas de
cinema e pelas revistas europeias, uma destas casas realizadas em São Paulo
(apud. LIRA, 2011, p.212/213).

Se as obras do arquiteto ucraniano foram sem dúvida um importante marco

das realizações modernas no Brasil, essa sua afirmação revela de um lado seu

esforço para engrossar o front das formas de disseminação e aceitação dessa nova

arquitetura no país, bem como o papel crucial dos periódicos nessa empreitada 13.

Embora ciente dos limites que a escolha de uma fonte impõe ao resultado de

uma pesquisa, assinalamos que além da representatividade reconhecida entre os

arquitetos do período abordado das revistas como meio decisivo no fluxo de ideias e

formas necessário a renovação da arquitetura, o motivo da eleição dos periódicos

nacionais especializados como fonte central da pesquisa também se deve ao fato de

terem sido as leituras das revistas da época importante peça na construção da

própria hipótese investigada nesta tese. A citação a seguir retirada de um artigo

intitulado “Novos Horizontes” do presidente a época do Instituto dos Arquitetos do

Brasil (IAB), no primeiro número da Revista “ARQUITETURA E URBANISMO” em

13
Valem ressaltar que para um mapeamento ainda mais aproximado e abrangente do universo em questão são necessárias
outras fontes de pesquisa como anuários, almanaques, revistas de cultura, revistas de variedades, jornais, arquivos, catálogos
de exposições, entre outras que garantam resultados de maior relevância do que aqueles inscritos nessa tese, porém
ultrapassam os limites dessa pesquisa.
16
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

1936 é um importante indicativo da relevância dos periódicos nacionais para a

formação da arquitetura moderna no Brasil.

Satisfazendo imperiosa necessidade de divulgação e discussão dos assuntos


relacionados com a profissão do arquiteto, ela aparece como órgão oficial do
Instituo de Arquitetos do Brasil – associação de classe fundada no Rio de
Janeiro, em 1921, para defesa de seus ideais superiores. (...) Ao envez de
buscarem nas revistas estrangeiras idéias exóticas, que, muitas vezes,
perturbam o nosso ambiente por falta absoluta de adaptação, os brasileiros
encontrarão, certamente, em ARQUITETURA E URBANISMO, soluções
brasileiras, por isso que foram estudadas e realizadas pelos nossos arquitetos.
(VASCONCELLOS JUNIOR, in: ARQUITETURA E URBANISMO 1936, n.01 p.
05).

Ou ainda, nesse mesmo sentido, as afirmações do arquiteto Roberto Capello,

autor de obras modernas como os Edifícios do SUCALAP em Belo Horizonte (1941)

e em Salvador (1942), num artigo de 1936:

O movimento moderno arquitetônico, iniciado no fim do século p. p. como


revolução decorativa, já atingira, então, é verdade, o próprio âmago de nossa
arte, em face de novas necessidades e de novos processos construtivos. Mas
essa renovação, lógica e imperiosa, ainda não se havia generalizado, até chegar
a estas plagas. Aquí estávamos, ainda na fase dos “estilos”. (...)
Os anos correram, uns após outros... Surgiram vertiginosamente centenas de
construções por toda a cidade... As dimensões dos edifícios aumentaram, por
vezes sem o devido controle... Os estilos mudaram em sucessão
caleidoscópica... As revistas de arquitetura foram chegando cheias de sugestões
e de formas nunca vistas... A “Sky-line” da capital brasileira mudou por completo!
(CAPELLO, in: ARQUITETURA E URBANISMO 1936, n.02 p. 17).

Dada à amplitude do universo dos periódicos nacionais e internacionais de

arquitetura e áreas afins que circularam no Brasil na primeira metade do século XX;

à impossibilidade de abarcar com profundidade essa totalidade no âmbito de uma

tese doutoral; e à existência de estudos relevantes sobre as revistas internacionais

nesse campo; dois títulos nacionais foram selecionados como objetos centrais de

investigação por serem considerados representativos para os domínios dessa

pesquisa e os questionamentos focais tratados. Portanto foram escolhidas duas

17
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

revistas nacionais de relevância no meio profissional dentre as seis14 lançadas antes

da divulgação do projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública (“o milagre

instaurador” do moderno no Brasil segundo a versão costiana): “A CASA” por ser a

de maior longevidade e quantidade de edições, com 304 números entre o primeiro

em outubro de 1923 e o último em 1949; e “ARQUITETURA E URBANISMO” revista

do Instituto de Arquitetos do Brasil, instituição nacional oficial representante da

categoria profissional dos arquitetos, cujo primeiro número foi publicado em maio de

1936 e o último em 1942, num total de 36 números15.

No panorama nacional esses dois periódicos representam dois extremos

importantes: por um lado uma revista que revela o olhar institucionalizado do

profissional arquiteto, direcionada para a classe com uma circulação mais restrita ao

meio, que apesar de, em certa medida, já ser conhecida pelos pesquisadores

contemporâneos, ainda apresenta informações pouco exploradas na perspectiva

que esse trabalho se propõe; de outro uma revista de linguagem popular e grande

penetração nos vários extratos sociais, mas praticamente desconhecida das

pesquisas acadêmicas devido tanto à dificuldade de acesso a seus números quanto

à sua mudança de orientação em 1945, quando a revista deixa de ser um periódico

especializado na área de arquitetura para se tornar um magazine do lar, mais

genérico e voltado para o público feminino.

14
Os periódicos nacionais de arquitetura lançados até 1936 foram: “Architectura no Brasil” de 1921 a 1926 com 29 números,
“A Construcção em São Paulo” de 1923 a 1926 com 20 números, “A Casa” de 1923 a 1949 com 304 números,
“Architectura e Construcções” de 1929 a 1932 com 30 números, “Revista de Arquitetura” de 1934 a 1944 com 64
números e “Arquitetura e Urbanismo” de 1936 a 1940 com 30 números segundo artigo intitulado “Revistas de Arquitetura no
Brasil” publicado no número 295/296 de junho de 1963 da Revista Acrópole, cuja primeira edição publicada foi em 1938.
15
Ressalta-se que apesar da informação contida no artigo da Revista Acrópole na nota anterior sobre a Revista “Arquitetura e
Urbanismo”, foram encontrados durante a pesquisa na biblioteca EA-UFMG mais dois anos de publicação deste periódico: a
edição única do ano de 1941 correspondente aos números 1 a 6 daquele ano e os números 1 e 2 de 1942. Considerou -se
então aí o final dessa publicação, informação também contida no Catálogo Coletivo Nacional de Publicações Seriadas – CCN,
coordenado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT.
18
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O objetivo central desse trabalho investiga como se deu o campo de forças na

formação16 da arquitetura moderna no Brasil, na tentativa de mapear a diversidade

dos pensares e fazeres à época. O objeto específico da pesquisa, então, é

constituído pelo tencionar entre os textos de Lúcio Costa centrais na estruturação da

trama mais recorrente sobre o surgimento dessa nova arquitetura no país e as

contribuições dos periódicos supracitados.

O recorte temporal da investigação vai de 1923 – ano da publicação da

primeira edição de “A CASA” – e 1942 – ano da publicação do último número de

“ARQUITETURA E URBANISMO”, coincidente com o marco final do já citado “Brazil

Builds: architecture new and old 1652 – 1942”, primeiro texto monográfico sobre a

arquitetura moderna brasileira. Esse período ainda é pouco abordado pelos

estudiosos da arquitetura no país e convencionalmente apresentado por saltos

abruptos de acontecimentos esporádicos, que mesmo já citados vale repetir: recuam

a Semana de Arte Moderna de 1922, passam pelos manifestos sobre arquitetura

moderna de Gregori Warchavchik e Rino Levi em 1925, pela construção da casa

desse arquiteto russo em 1927 e sua casa-exposição em 192917, pela direção da

Escola Nacional de Belas Artes por Lúcio Costa em 1930, pela visita de Le Corbusier

e o projeto do Ministério da Educação em 1936, e enfim por uma profícua produção

a partir de então que culmina com o Conjunto da Pampulha projetado em 1940 e o

reconhecimento da arquitetura brasileira internacionalmente através da exposição

norte-americana e publicação homônima supracitada em 1943. Interessante notar

que a visita de Le Corbusier em 1929, quando passou a ser incorporada nessa

16
A formação é entendida aqui em um sentido mais amplo, que extrapola a capacitação institucionalizada das profissões, e se
instaura no campo das buscas, interesses, referências e influências que se mesclam na constituição de subjetividades que
optam por determinada vertente expressiva e criam imbuídos dessa nova sensibilidade.

17
A visita de Le Corbusier em 1929 ao Brasil bem como a estadia de três semanas de Frank Lloyd Wright em 1931 no país,
quando mencionadas, não são relatadas como fatores importantes nos acontecimentos que contribuíram para a formação de
uma cultura moderna arquitetônica brasileira.
19
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

trama, ainda aparecia como de importância significativamente menor que a estadia

de 1936 e, mesmo se mencionada, a estadia de três semanas de Frank Lloyd Wright

em 1931 no país não é relatada como fator importante nos acontecimentos que

contribuíram para a constituição de uma cultura moderna arquitetônica em terras

brasileiras, e só recentemente começa a ser estudada.

Se no período abordado a inclinação das instituições responsáveis pela

formação profissional dos arquitetos ainda pendia para uma orientação tradicional,

como a nova arquitetura se difundiu e conseguiu tantos e tais exemplares

construídos em pouco mais de uma década a ponto de chamar a atenção da crítica

internacional? E mais que intenções, falas e ideários, como as formas expressivas,

soluções técnico-construtivas e configurações espaciais modernas surgiram aqui?

Como se deu a criação do repertório e do vocabulário da arquitetura moderna no

Brasil? Será mesmo que o edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública

brotou no centro do Rio de Janeiro como um milagre da arquitetura moderna, no

instante instaurador da arquitetura moderna brasileira como afirmou Lúcio Costa?

Quais eram as discussões postas nos periódicos nacionais especializados?

Quais eram as tensões e limites entre os diversos modos de ser moderno

apresentados por essas revistas? Quais eram os argumentos utilizados em prol da

renovação da linguagem arquitetônica? Como as imagens e ilustrações participavam

da transformação das referências formais em busca da nova arquitetura? Afinal o

que aqui aconteceu nos anos 20 e 30 que possibilitou uma ordem de grandeza

tamanha em qualidade e quantidade das realizações modernas nos anos 40 e 50?

Quais as dissonâncias entre o flagrado nas revistas e o registrado nos livros como

história oficial?

20
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A pesquisa volta-se então para buscar as aproximações e distanciamentos

sobre o que era apontado como moderno e como ele era apresentado nos textos de

Lúcio Costa e nas revistas selecionadas. Busca-se no dissecar dos próprios textos,

entre escrita e imagem, mapear as vertentes e tensões das manifestações modernas

e o que no trânsito entre falas e ecos revelou-se como fundamental para o acontecer

das expressões dessa arquitetura no Brasil, para além da trama consolidada pelo

conjunto de textos de maior evidência sobre o tema. Os documentos analisados são

falas entendidas no sentido merleau-pontiano de fenômeno da expressão

encarnado, ou seja, é ao mesmo tempo meio e modo concreto do sujeito falante,

que dá e toma da linguagem a possibilidade de significação do pensamento desse

sujeito a outro. Nesse sentido, como bem nos coloca Merleau-Ponty: “o falar e o

compreender são os momentos de um único sistema eu-outrem” (2002, p.40) e a

linguagem é “a pulsação de minhas relações comigo mesmo e com o outro” (2002,

p.42).

A linguagem é o artifício pelo qual aquele que fala cria significações

particulares, ao mesmo tempo em que faz ressonar naquele que compreende essas

significações considerando-as próprias no que Merleau-Ponty denomina

“cumplicidade entre a fala e seu eco” (2002,p. 35). Esse artifício de significações tem

sua virtude em simultaneamente nos lançar ao significado, desaparecer

imediatamente enquanto signo e permanecer enquanto sentido. Assim há uma

linguagem falada, “a massa das relações de signos estabelecidos com significações

disponíveis” e a linguagem falante “aquela operação pela qual um certo arranjo dos

signos e das significações já disponíveis passa a alterar e depois transfigurar cada

um deles, até finalmente secretar uma significação nova” (MERLEAU-PONTY,

2002,p. 34/35).

21
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A fala é então a resultante concreta dessa operação que se consolida e se

apresenta em nosso caso em texto escrito e imagem visual. O desafio da pesquisa é

se aproximar de seus modos e motivos de significação, bem como de suas

reverberações, ou seja, de seus ecos. O questionamento então se constitui na

aproximação da forma e do conteúdo, o funcionamento efetivo das falas sobre a

história da formação da arquitetura moderna no Brasil, nos escritos de Lúcio Costa,

nas revistas especializadas e em seus ecos na “história oficial” sobre esse momento.

Quem fala? Como fala? O que fala? O que cala? E o que ressoa? Por quê? É tentar

compreender a maneira de construção dos textos que nos revela o sentido que está

além das palavras:

Não é depositando todo o meu pensamento em palavras nas quais os outros


viriam captá-lo que me comunico com eles, é compondo – com minha garganta,
com minha voz, com minha entonação, e também obviamente com as palavras,
com as construções que prefiro, com o tempo que decido dar a cada parte da
frase – um enigma tal que comporte apenas uma solução e que o outro,
acompanhando em silêncio essa melodia recortada por mudanças de claves, por
picos e quedas, passe a tomá-lo como seu e a dizê-lo comigo, o que significa
compreender. (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 52)

As falas são entendidas como meio e modo de expressão dos sujeitos, aquilo

que possibilita tanto a existência e transformação de uma linguagem como a

condição de comunicação dela e através dela. Assim a linguagem para nós não se

restringe a linguagem verbal, mas se estende a possibilidade não verbal de

expressão das artes e da arquitetura. Por extensão a fala, ação expressiva do

sujeito falante não se atém apenas às construções da palavra escrita ou dita, mas

alcança a obra artística e arquitetônica em seu poder de significação e em sua

expressão criadora. Segundo o pensador francês Maurice Merleau-Ponty:

(...) chamamos de fala o poder que temos de fazer que certas coisas
convenientemente organizadas (...) sirvam para pôr em relevo, para diferenciar,
para conquistar, para entesourar as significações que vagueiam no horizonte do
mundo sensível, ou ainda o poder de insuflar na opacidade do sensível aquele
vazio que o tornará transparente, mas vazio que, como o ar soprado na garrafa,

22
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

jamais é desprovido de alguma realidade substancial. (MERLEAU-PONTY, 2002,


p.177).

Se a obra moderna revela a expressão criadora através de uma linguagem

falante18, aquela que é capaz de retomar a tradição, mas se lança para o futuro

numa forma nova, ao ser difundida e aplicada passa a ser linguagem falada, ou seja

corrente. As trocas possibilitadas pelas revistas de arquitetura nesse sentido são ao

mesmo tempo eco, no ressonar das obras, e fala na construção crítica sobre o que

era ou deveria ser moderno. Elas são componentes fundamentais da percepção do

mundo e da criação de novas sensibilidades. Importantes indícios da expressão

arquitetônica em si, são simultaneamente disseminações da linguagem falada e

abertura para linguagem falante. Isto porque através das revistas tanto se dissemina

uma linguagem falante e possibilita sua transformação em linguagem falada, ao

mesmo tempo em que possibilita o movimento de ultrapassagem de uma linguagem

falada por uma outra falante, na abertura das tantas possibilidades do devir artístico.

Não só na fala como texto escrito, mas também como forma e imagem da forma, os

periódicos são um meio fundamental de criação de vocabulário e repertório na

arquitetura moderna.

O que sustenta a invenção de um novo sistema de expressão é portanto o


ímpeto dos sujeitos falantes que querem se compreender e que retomam como
uma nova maneira de falar os restos gastos de um outro modo de expressão. A
língua é inteiramente acaso e inteiramente razão, porque não há sistema
expressivo que siga um plano e que não tenha sua origem num dado acidental
qualquer, mas também não há acidente que se torne instrumento lingüístico sem
que a linguagem tenha insuflado nele o valor de uma nova maneira de falar,
tratando-o como exemplo de uma “regra” futura que se aplicará a todo um setor
de signos. (MERLEAU-PONTY, 2002:,p.57/58).

Por outro lado, a inovação só é compreendida e apropriada como linguagem

se mesmo em sua inovação falante tenha algo do já falado. Assim o ato inovador da

linguagem falante se dá e se dobra sobre a linguagem falada e não é possível sem

18
Ver discussão em MERLEAU-PONTY, Maurice. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
23
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ela, não só pela contraposição entre o novo e o antigo, mas na própria condição de

possibilidade de proposição criativa e compreensão significante. E então chegamos

ao ponto em que coincidem subjetividade e objetividade, a criação é uma ação

autônoma do sujeito, no entanto se dá em um contexto encarnado e corporificado

seja do mais desconhecido construtor aos mais celebrados arquitetos. A criação não

é autista, embora também não seja uma questão de reinterpretação simples de

modelos como pode parecer em uma primeira impressão. Ela se dá a partir de novos

encontros e ordenamentos compositivos que mesmo fundada em referências, seja

para reforçá-las ou rechaçá-las, se reconfiguram num arranjo singular. Portanto a

criação na arquitetura não se dá nem na acéfala reprodução de modelos, nem no

autismo do ineditismo absoluto das especificidades e singularidades, mas sim na

interação desses polos, no movimento que se estabelece no entre linguagem falada

e linguagem falante, no qual entre os anos 20 e 30 no Brasil e no mundo ocidental

os periódicos especializados eram motores imprescindíveis.

Num primeiro momento a cruzada do movimento moderno objetivava a

formatação de uma nova sensibilidade, como mostra a sequência de artigos

intitulados “Stile” de Edoardo Persico na revista italiana “CASABELLA” de agosto e

setembro de 1930. Imagem e texto se reforçam nessa empreitada em defesa de

uma nova linguagem para um novo tempo:

Tutto questo per chiarire ancora uma volta che uno stile non è soltanto la cosa,
come pretenderebbe un classico, ma è anche l’uomo come affermano i romantici:
il che vuol dire che bisogna essere attenti ad andare con i tempi, i quali
camminano per conto loro. Naturalmente, anche sotto la spinta di quel ragazzo
dell’ascensore Stigler. (Persico, In: Casabella, 1930, n. 32, s/p.).19

19
Tudo isso para deixar claro mais uma vez que um estilo não é somente uma coisa, como reivindica um clássico, mas é
também o homem, como alegam os românticos: o que significa que se deve estar atento e andar junto com os tempos e com
aqueles que caminham por conta própria. Naturalmente sobre o impulso desse menino do elevador Stigler. (Tradução livre da
autora).
24
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 2 – Ilustração que acompanha o artigo STILE em agosto. Fonte: Revista CASABELLA, 1930, n. 32, s/p.

Esse papel fica bastante evidente numa outra série de artigos da seção

intitulada “Orientazioni”, também da Revista “CASABELLA” nos números do ano de

1931do italiano Mario Tinti.

No artigo “ORIENTAZIONI - Modernità e Modernismo” (CASABELLA, n.45,

1931, pp. 43 e 44) esse autor constrói uma narrativa que vai do Renascimento a sua

atualidade para distinguir o que é modernidade de modernismo. Para ele a

modernidade era um conceito tipicamente moderno, próprio da consciência reflexiva,

crítica das coisas da arte que encontrava na época a expressão máxima de


25
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

desenvolvimento e rigor, se referindo aqueles contemporâneos a ele que haviam

encontrado a correspondência entre o espírito e a necessidade prática daquele

tempo, criticando ferozmente os nostálgicos classicistas incapazes de conjugar arte

e vida. A modernidade era colocada por ele como um fluido potentíssimo de energia

do pensar moderno na ordem estética e o artista moderno aquele ser cuja

sensibilidade, intelecto e consciência eram próteses com cem antenas

ultrassensíveis para escutar as múltiplas vozes psíquicas, intelectuais e morais do

seu tempo e que com poder imaginativo de interpretar, deduzir, sintetizar segundo

contextos próprios, de acordo com os impulsos de sua personalidade, completaria

aquela operação mágica que se chama criação artística.

Exatamente como Lúcio Costa, Mario Tinti colocava a criação artística como

algo exclusivo de gênios que acabam concentrando, ao seu redor, seguidores e

condições que geram um movimento. O modernismo também era visto por ele como

uma farsa, uma falsa originalidade, falsa arte, uma afetação das características

modernas, uma sofisticação engenhosa da modernidade só possível de ser distinto

do autêntico moderno através da boa crítica que possibilita o discernimento através

de um dom natural de sensibilidade, intuição e gosto longamente exercitado no

contato com a obra de arte seja antiga ou contemporânea.

Outro artigo dessa mesma seção e mesmo autor ratifica ainda mais o papel

central das revistas em construir uma nova sensibilidade própria ao moderno. Em

“ORIENTAZIONI - Unità del Gusto Moderno” (CASABELLA, n.48, 1931, s./ p.) Mario

Tinti faz uma crítica favorável e elogiosa aos bailarinos Clotilde e Alexandre Sakaroff,

importantes artistas da primeira metade do século XX, criadores de um estilo próprio

26
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

20
conhecido como “Pantomínia Abstrata” . Para ele esses bailarinos criaram uma

forma própria de dança afinada com a arte decorativa da época, a literatura e todo

um conjunto de expressões artísticas que formavam um completo e harmonioso

panorama do gosto e do estilo do seu tempo. Nessa nova forma de dança o instinto

primordial é dominado e ordenado por uma sutil e elevada consciência estética,

diversa da melancolia passadista e das coreografias carnavalescas do

Renascimento e do Barroco.

O autor defende a ideia de uma unidade entre todas as artes correspondente

ao estilo da época em oposição à diversidade eclética do século XIX de inspiração

no passado. Em sua narrativa além de buscar formatar as subjetividades para

fruição de tal estética por ele entendida como própria de seu tempo, também aponta

explicitamente a contribuição das revistas em especial de “CASABELLA” nessa

empreitada:

A chi scrive in questa rivista, che si è particolarmente assunta l’esegesi del


gusto attuale, lê creazioni mimicoplastiche dei Sakaroff costituiscono anzitutto
la testimonianza dell’esistenza di uma sensibilità e di uma concezione estetiche
contemporanee che, come è dimostrato dal loro carattere unitário e dal loro
irradiarsi in tutte lê branche dell’arte pura e decorativa, hanno radici profonde
21
nella psicologia del nostro secolo. (TINTI, In: CASABELLA, n.48, 1931, s./ p.).

20
Informação disponível em http://oasis.lib.harvard.edu/oasis/deliver/~hou01561, acessado em 16/03/08 as 12:30 h.
21
Para quem escreve nesta revista, que particularmente trata da exegese do gosto atual, as criações mimicoplasticas dos
Sakaroff são principalmente o testemunho da existência de uma sensibilidade e de uma concepção estética contemporâneas,
como é demonstrado pelo caráter unitário que deles irradiam de todos os seus componentes de arte pura e decoração, que
têm raízes profundas na psicologia do nosso século. (Tradução livre da autora)
27
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 3 – Seção “Orientazioni” de CASABELLA em dezembro de 31. Fonte: Revista CASABELLA, 1931, n. 48, s/p.

28
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os periódicos também atuavam na disseminação de modelos edilícios e

vocabulário formal, cujas interpretações variavam das repetições mais literais, com

pouca alteração em relação ao modelo dado, às criações mais originais, cuja

referência é apenas impulso para uma obra que supera em muito sua obra

inspiradora. Independente do grau de divergência ou convergência entre modelo e

nova solução a contribuição das revistas é inegável.

Neste exemplo comparativo entre um edifício em Paris publicado na Revista

“L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI” em 1937 e o Edifício Lutetia em Belo

Horizonte de 1939, a influência é gritante. Os edifícios são semelhantes em

volumetria e proporção, na implantação em lote de esquina e articulação dos planos

compositivos separados em base corpo e coroamento. Ao mesmo tempo são

diversos e se particularizam na fenestração e proporção das aberturas, no número

de pavimentos e na sutileza da solução de esquina cuja primeira se dá num

movimento côncavo e no segundo caso convexo.

Figura 4 – Edifício de uso misto em Figura 5 – Edifício Lutetia de 1939. Fonte:


Montparnasse, Paris. Fonte: Revista REVISTA SOCIAL TRABALHISTA. Belo
L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, 1937. Horizonte Completou 50 Anos. Belo
Horizonte, 1947.

29
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em obras menos celebradas ou em monumento notáveis, o movimento de

criação que se dá no entre linguagem falada – linguagem falante se revela

fundamental e os periódicos subsídios essenciais. Os pilares em V de concreto

armado que se tornaram a marca de Oscar Niemeyer 22 na década de 1950 é

também um exemplo da contribuição das revistas nesse sentido.

Figura 6 - Pilares em V da Escadaria Monumental do Parque Figura 7 - Pilares em V do edifício projetado por
Henri-Barbusse, Issy-les-Moulineaux. Fonte: Revista Oscar Niemeyer em Berlim para a Interbau
L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI, no 4 do ano 8, abril inaugurado em 1957. Fonte:
de 1937. http://revistamdc.files.wordpress.com

A invenção deste grande expoente do modernismo brasileiro não está

propriamente na criação da forma do pilar, mas sim em seu uso e na espacialidade

criada a partir dele.

Na solução do arquiteto M. Chappey para a escadaria monumental do Parque

Henri-Barbusse em Issy-les-Moulineaux, publicada na Revista “L’ARCHITECTURE

D’AUJOURD’HUI” em abril de 1937, os pilares em V servem para suporte de planos

relativamente delgados e escalonados, dispostos no sentido do vigamento cujo

conjunto estrutural forma uma triangulação e cada pilar ampara as duas

extremidades da barra horizontal em um único ponto de apoio que chega ao chão,

em seção delgada, que se abre de acordo com o nível do plano da escadaria.

22
A utilização de pilares em V de concreto armado é uma solução recorrente de Oscar Niemeyer, que mesmo com certa
variação, já havia sido proposta em 1951 para o Conjunto Califórnia em São Paulo e aplicada em muitas de suas obras nos
anos 50 como é o caso do edifício em Hansaviertel / Alemanha. Vale ressaltar que apoio em estrutura de metal formando V já
havia sido utilizado pelo autor no Cassino da Pampulha para suporte da marquise do acesso principal.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Já na utilização de Niemeyer aqui corporificada no Edifício Hansaviertel da

“Interbau” em Berlim inaugurado em 1957, os pilares em V apoiam um bloco em

barra retangular, que no caso citado possui oito pavimentos, como composição de

embasamento tanto do edifício quanto da estrutura independente que o sustenta,

posicionado no sentido inverso ao do primeiro caso. A sensação de leveza lírica

dada pelas proporções esbeltas estabelecidas entre o elemento a ser sustentado,

seção, altura, espaçamento e posição dos pilares no parque francês diferem

muitíssimo da espacialidade criada pelo arquiteto brasileiro de efeito dramático

situado no achatamento provocado pelo volume prismático sobre a robustez

escultórica dos pilares adjacentes, em um pé-direito relativamente baixo.

Essa dramaticidade é ainda mais reforçada por outro efeito interessante da

solução de Niemeyer, o jogo de luz e sombra do intercolúnio cujo espaçamento

superior é metade do inferior e dos pontos de tangência com os planos horizontais,

que em seu reverso no plano superior são o dobro daqueles que chegam ao chão.

Assim o piloti passa a ter uma espacialização nova, diversa da linearidade delgada

das colunas referenciais corbusianas, o espaço ganha dramaticidade na robustez

escultórica dos pilares de Niemeyer.

Mesmo que de alguma maneira a solução apresentada na revista francesa

possa ter sido fonte inspiradora e referência da solução de Niemeyer, não se pode

reduzir uma a outra, nem desqualificar nenhum dos gestos criativos, na interação

entre linguagem, subjetividade e expressão. Essa interação segundo Merleau-Ponty,

é central no modo de se estar no mundo e na própria condição de expressão:

A única virtude – mas decisiva – da expressão é então substituir as alusões


confusas que cada um de nossos pensamentos faz a todos os outros por atos de
significação pelos quais somos realmente responsáveis, porque o exato alcance
deles nos é conhecido, é recuperar para nós a vida de nosso pensamento (...)
(MERLEAU-PONTY, 2002:25).

31
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

No entanto essa subjetividade não é absoluta, ela se faz na relação entre o

eu, o outro e o mundo, ela existe porque há o outro e ele não é objeto, é também

sujeito. Paradoxalmente é o outro que aponta a minha subjetividade. E é justamente

a partir das diferentes expressões que se relacionam os sujeitos, a linguagem muda

do mundo ganha sentido através do diálogo, da linguagem que possibilita a

intersubjetividade, ou seja, a interação entre sujeitos, só possível porque ambos

estão no mundo, percebem e agem no mundo a partir de suas subjetividades.

Por outro lado, segundo Merleau-Ponty, há na expressão uma

espontaneidade que não cabem instruções porque ela arrasta aquele que fala e

aquele que ouve para um universo comum que ultrapassa a significação primeira e

abre uma nova significação, cujo melhor exemplo é a obra de arte.

O que é insubstituível na obra de arte (...) é que ela contém, melhor do que
idéias, matrizes de idéias; ela nos fornece emblemas cujo sentido jamais
acabaremos de desenvolver, e, justamente porque se instala e nos instala num
mundo do qual não temos a chave, ela nos ensina a ver e nos faz pensar como
nenhuma obra analítica pode fazê-lo, porque nenhuma análise pode descobrir
num objeto outra coisa senão o que nele pusemos. (MERLEAU-PONTY,
2002:118)

E se podemos atrelar arte e linguagem isso se deve a ideia moderna de

expressão criadora de ação autônoma. No entanto essa autonomia não é abstrata,

mas encarnada em cada momento vivido.

A pintura moderna, como em geral o pensamento moderno, nos obriga


absolutamente a compreender o que é uma verdade que não se assemelha às
coisas, que seja sem modelo exterior, sem instrumentos de expressão
predestinados, e que seja, no entanto verdade. (...) Se recolocarmos, como
tentamos fazê-lo, o pintor em contato com seu mundo, talvez acharemos menos
enigmática a metamorfose que através dele transforma o mundo em pintura,
aquela que, desde seus primórdios até sua maturidade, o transforma nele
mesmo, e aquela enfim que, a cada geração, reanima certas obras do passado e
lhes arranca um eco que elas nunca haviam produzido. (MERLEAU-PONTY,
2002:93).

Assim, se a obra moderna revela a subjetividade na expressão criadora de

uma linguagem falante, aquela que é capaz de retomar a tradição, mas se lança
32
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

para o futuro numa forma nova, e ao difundir-se e aplicar-se passa a ser linguagem

falada, as trocas intersubjetivas possibilitadas pelas revistas especializadas são

mais que ecos. Elas são componentes fundamentais da percepção do mundo, da

criação de novas sensibilidades e elemento da constituição das próprias

subjetividades. Explicitam a potencia da interação entre referência e singularidade

no revelar do movimento de criação que se dá no entre linguagem falada –

linguagem falante que se funda em algum ponto entre o grito do inédito e o eco do já

dito.

Em uma das mais importantes e singulares obras da arquitetura modernista

brasileira, o movimento sinuoso da marquise do arquiteto Berthold Lubetkin, ainda

preso a uma solução simétrica de corpo central retangular no café do Zoológico de

Whipsnade publicado em 1938 na Revista “L’ARCHITECTURE D’AUJOURD’HUI”,

ganha inusitada liberdade e leveza na solução assimétrica e aberta de corpos

circulares da Casa do Baile no Complexo da Pampulha de Oscar Niemeyer de 1940.

Figura 9 - Casa do Baile, Complexo da


Figura 8 - Café do Zoológico de Whipsnade (projeto
Pampulha, Belo Horizonte (1940-1943) - Arquiteto
1934-35) inaugurado em 1937. Arquiteto Berthold Oscar Niemeyer.
Lubetkin. Fonte: http://www.skyscrapercity.com
Fonte: L’Architecture d’Aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine,
n. 12, p. XII-70, dez. 1938.

33
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 10 - Planta Café do Zoológico de Whipsnade.


Fonte: L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 12, p. XII-70, dez. 1938.

Figura 11 - Planta Casa do Baile. Fonte:


http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.004/98

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na esteira da criação como movimento entre linguagem falada – linguagem

falante intermediado pelos periódicos também se pode verificar que a ideia de que é

na Pampulha que se faz uso da abóbada parabólica em concreto para um espaço

sacro pela primeira vez não é exatamente precisa. Mesmo que a combinação de

planta trapezoidal, com uma abóbada que gera tanto a forma externa quanto a

interna conjugada a outros volumes curvos e a uma torre trapezoidal de topo mais

largo que a base, sem dúvida produza uma solução singular de expressão artística

ímpar – indissociável dos materiais, texturas e obras de arte que a compõem.

De algum modo os exemplares da Revista “L’ARCHITECTURE

D’AUJOURD’HUI” de 1937 e 1938, mesmo que inconsciente, marcaram Oscar

Niemeyer em sua pesquisa plástica sobre as possibilidades do concreto armado. No

número 07 de julho de 1938 (dedicado à arquitetura religiosa), está presente na

Capela da Bretanha de P. Abraham tanto a solução de entrada de luz pela diferença

de nível de abóbadas de concreto que chegam ao chão e conformam a nave que

definem a solução espacial interna, como a ideia de um altar configurado por uma

pintura em uma parede plana ao fundo, mesmo que nessa obra a forma interna não

apareça no exterior de solução tradicional em cobertura inclinada de duas águas.

Já na Capela da L’École de Foucauld em Rabat / Marrocos, o arquiteto

Laforgue coincide interior e exterior em uma única forma abobadada para o edifício

religioso. Publicado neste mesmo número da revista francesa, nessa solução a nave

da capela é conjugada a uma torre, que mesmo colada ao edifício parece um

elemento independente, posta em frente à sacristia ligando o corpo da capela a uma

loggia ao fundo. Essa obra também foi publicada com as mesmas imagens na

Revista “A CASA” em janeiro de 1939.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figuras 12 e 13 - Exterior e Interior do projeto para a Capela na Bretanha do arquiteto P. Abraham. Fonte:
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 22, jul. 1938.

Figuras 14 e 15 - Exterior e Interior da Capela da L’École de Foucauld em Rabat, do arquiteto Laforgue. Fonte:
L’architecture d’aujourd’hui, Boulogne-sur-Seine, n. 07, p. 24, jul. 1938.

Figuras 16 e 17 - Exterior e Interior da Igreja de São Francisco na Pampulha (1940-1943), do arquiteto Oscar
Niemeyer. Fonte: http://www.arcoweb.com.br, acesso: 24/11/2010 - 17:30hs

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Posto isto, aproximar-se da arquitetura moderna no Brasil, e a particular

condição que ela atingiu no país, é também compreender as falas a seu favor e as

formas dessas falas e como elas se revelaram tão essências para a sua

consolidação quanto suas próprias obras. Interessa-nos então distender a trama

histórica consolidada sobre o surgimento da arquitetura moderna brasileira através

do confronto entre os textos de Lúcio Costa e a diversidade dos artigos publicados

em revistas de arquitetura que circulavam naquela época no país em busca de um

panorama mais alargado do que era ser moderno a época e como se deu a

formação dessa arquitetura no país.

Entende-se, portanto que a fala é elemento central na e da linguagem23, e

através de um olhar detido sobre as falas podemos compreender melhor os

discursos históricos no enlace entre história e historiografia 24. História compreendida

como narração no sentido que aponta Antonio Pizza (2000), cuja preocupação não é

mais explicar através do paradigma da causalidade e da lógica os fatos do passado

e sim interpretar a ação humana que vê o passado como “um efectivo texto, allí

donde será su próprio esquema autógeno de desarrollo el que incluya um

significado” (PIZZA, 2000, p. 35).

A tese se estrutura em quatro capítulos. O primeiro se detém na construção

de um aparato conceitual e contextual que embase o enfrentamento da questão

central da pesquisa e do material documental trabalhado. Nele a discussão

conceitual sobre os escorregadios temas da modernidade, modernização e

23
“A linguagem exprime tanto pelo que está entre as palavras quanto pelas próprias palavras, tanto pelo que não diz quanto
pelo que diz, assim como o pintor pinta tanto pelo que traça quanto pelos espaços em branco que dispõe ou pelos traços de
pincel que não efetuou” (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 67).
24
O termo historiografia nessa tese é utilizado para se referir ao estudo da forma da escrita da história no conjunto de textos
históricos sobre um determinado tema. Vide CARDOSO, Irene: Narrativa e história. In: Revista de Sociologia Tempo Social.
São Paulo: USP, v. 12 n. 2, nov., 2000, pp.3-13. Vale também ressaltar que no âmbito dessa tese considera-se que a escrita
da história é feita tanto pelo texto escrito como pelas imagens na construção da narrativa.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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modernismo vão ganhando corpo encarnado no horizonte da compreensão de

acontecimentos centrais no contexto nacional e internacional dos anos 20 e 30, para

chegar ao debate sobre o modernismo como conceito central na arquitetura e na

cultura moderna brasileira.

O segundo capítulo debruça-se sobre as falas consagradas e consagrantes

da arquitetura moderna brasileira em como elas tratam esse momento de gestação

entre os anos 20 e 30. Em primeiro lugar busca-se aproximar da figura de Lúcio

Costa e de seus escritos que versam sobre o surgimento da arquitetura moderna

brasileira e/ou a tangenciam como fala consagrada que delineia a trama de maior

visibilidade sobre o assunto em “Razões da nova arquitetura” de 1936, “Carta

depoimento” de 1948 e “Muita construção, alguma arquitetura e um milagre” de

1951, segue-se depois pela análise do “Brazil Builds: architecture new and old 1652

– 1942”, como primeira fala consagradora da arquitetura brasileira; e finaliza com a

identificação dos ecos dessas falas supracitadas no conjunto de textos históricos de

maior visibilidade, a saber: “Arquitetura Moderna no Brasil” por Henrique Mindlin de

1956 (publicado em português apenas em 1999), “Warchavchik e a introdução da

nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940” por Geraldo Ferraz de 1965, “Arquitetura

Brasileira” por Carlos Lemos de 1979 e “Arquitetura Contemporânea” do mesmo

autor na coletânea “História Geral das Artes no Brasil” de 1983, “Quatro Séculos de

Arquitetura” por Paulo Santos de 1981, “Arquitetura contemporânea no Brasil” por

Yves Bruand de 1981, “Arquitetura Moderna Brasileira” por Sylvia Ficher e Marlene

Acayaba de 1982, “A Arquitetura Moderna” por Ana Maria Jover na coletânea “Arte

no Brasil” de 1982, “Arquiteturas no Brasil 1900-1990” de 1998 e “Rumo à

Industrialização: a arquitetura da primeira metade do século XX” na coletânea

“Arquitetura na formação do Brasil” de 2007, ambos de Hugo Segawa, “Arquitetura

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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Moderna” por Carlos Comas capítulo da coletânea “Arquitetura Brasil 500”

organizado por Roberto Montezuma de 2002, “Arquitetura e Urbanismo: Construir

uma arquitetura, construir um país” por Carlos Alberto Ferreira Martins na Coletânea

“Da antropofagia a Brasília: Brasil 1920 – 1950” de Jorge SCHWARTZ também de

2002, e finalmente “Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na

arquitetura, 1930-1960” por Lauro Cavalcanti de 2006.

O terceiro capítulo apresenta um mergulho nas revistas de arquitetura

nacionais “A CASA” e “ARQUITETURA E URBANISMO” em busca de mapear entre

texto e cultura visual a riqueza e as variações das discussões e possibilidades de

ser moderno no Brasil dos anos 20 e 30 e as maneiras de disseminação e afirmação

da arquitetura moderna. Procura explicitar as principais discussões e personagens

de cada um dos dois periódicos analisados, bem como compreender um pouco das

características e transformações de cada um deles de uma maneira mais geral.

O quarto capítulo então procura aprofundar três eixos específicos e através

delas ampliar e tencionar algumas ideias mais correntes sobre a formação da

arquitetura moderna no Brasil, em especial o entendimento de que foi um

acontecimento pontual, repentino e vinculado a um grupo muitíssimo restrito de

arquitetos. Em primeiro lugar analisa-se a questão dos discursos e debates teóricos

sobre os significados de ser moderno presente desde os anos 20 na Revista “A

CASA” e seus desdobramentos nos anos 30, quando se somam as contribuições da

revista “ARQUITETURA E URBANISMO”. Segue-se então para compreender uma

sutil e interessante transformação – a passagem do “estilo moderno” para a

“arquitetura moderna” e seus variados caminhos que revelam semelhanças e

divergências nas soluções arquitetônicas. O último ponto se debruça sobre a relação

entre a afirmação da arquitetura moderna e particularmente do movimento moderno


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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com a consolidação do campo profissional da arquitetura e do urbanismo no Brasil e

como esses dois processos se reforçaram mutuamente.

Arrematando as discussões então retomamos as questões postas em cada

capítulo, em especial os conceitos de moderno e modernismo para as revistas

analisadas e os poucos ecos do conteúdo revelado nesses periódicos na narrativa

consolidada de maior visibilidade sobre a arquitetura moderna brasileira.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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2. SOBRE OS NOVOS TEMPOS

Em busca de uma aproximação possível de outras versões reveláveis

nas páginas dos periódicos especializados em arquitetura sobre a “gestação”

da “nova arquitetura” no Brasil entre os anos 20 e 30 e no revisitar dos

escritos de Lúcio Costa sobre essa questão, julgou-se devido construir um

arcabouço teórico que ajude a enfrentar essa complexa rede de termos e

conceitos que se entrecruzam e muitas vezes formam um emaranhado

nebuloso que turva uma compreensão mais aguda da questão. Na

construção que se segue buscamos estabelecer sentidos mais precisos,

mesmo que temporariamente, para alguns termos que muitas vezes são

indistintos pela ambivalência e complexidade de seus significados bem como

pelas tangências e sombreamentos com outros afins. É com esse intuito que

se inicia a discussão pela definição do que, no âmbito desse trabalho,

entende-se por modernidade, modernização e modernismo.

No entanto, para além dos sentidos possíveis dos termos, as

condições socioeconômicas e culturais dos acontecimentos também nos

parecem determinante nessa procura de outros entendimentos sobre as falas

e os modos dessas falas que narraram o período estudado. E é assim que

seguimos pelo mapeamento dos contextos nacional e internacional entre os

anos 20 e 30, para então investigarmos sobre a centralidade do modernismo

na construção do “Brasil Moderno” e em que sentido se pode falar de

modernidade no país.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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Segundo Nicolau Sevcenko (2004), a experiência da modernidade se

assemelha a sensações de andarmos numa montanha russa que começa lenta e

tranquila em direção ao alto, para de repente dar-se uma queda e uma aceleração

súbitas e terminar com um loop que parece dominar todos os sentidos humanos sem

possibilidade de escolha, tal é o arrebatamento que atordoa seus passageiros. A

euforia inicial da primeira fase, segundo esse autor é marcada pelo otimismo e

agigantamento causados pelo processo de desenvolvimento e conquistas que vai do

século XVI a meados do século XIX. A segunda então, que coincide com a chegada

ao ponto mais alto corresponde à segunda metade do século XIX e se estende até o

segundo pós-guerra. Segundo Sevcenko “num repente inesperado, veio o mergulho

no vácuo, o espasmo caótico e destrutivo, o horror engolfou a história: a irrupção da

Grande Guerra descortinou um cenário que ninguém jamais previa” (2004:16). Por

fim a aceleração necessária para a vertigem do loop corresponde à aceleração

aparentemente incontrolável e obrigatória do ritmo crescente das inovações

tecnológicas a partir da segunda metade do século XX e toda a implicação que elas

trazem ao mundo contemporâneo.

Entretanto esse mesmo autor nos alerta que essa síndrome de efeito

desorientador só pode ser controlada pelo discernimento que apenas a crítica pode

oferecer. A possibilidade de avaliação e escolha é a contrapartida cultural aos

impactos das inovações principalmente tecnológicas que nos solapa não só por um

progresso “irrefreável” das ciências, mas também pela necessidade expansionista e

“novidadeira” do capitalismo. Por essa lente se pode entender que esse autor não

entende o momento presente como uma ruptura, mas sim como uma continuidade

das lógicas que definem a modernidade.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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Nesse sentido, alguns termos merecem reflexão e definições precisas como

ponto de partida, em busca de uma postura crítica aprofundada para a análise de

nosso objeto de estudo. Inicia-se, portanto, por uma das mais complexas e talvez

controversas destas definições: o entendimento do que venha a ser a modernidade

e especialmente sua vigência.

Tentar ultrapassar as discussões superficiais e adentrar no sentido efetivo

desse termo é navegar pelas construções filosóficas capazes de uma compreensão

basilar da questão. Jürgen Habermas em “O Discurso Filosófico da Modernidade”

publicado em 1985 e traduzido para o português em 1990, desenvolve uma crítica

aguda sobre a modernidade e sua validade, numa tentativa de responder ao debate

dos anos 80, em especial a postura desconstrutivista do filósofo Jacques Derrida,

que defendia a pós-modernidade. Expressão que então havia se tornado corriqueira,

possibilitada pelas investigações iniciadas nos anos 50 e 60 em busca da revisão

das premissas modernas que foram capazes de desembocar em episódios tão

catastróficos como as duas Grandes Guerras e permitir a ascensão ao poder de

regimes autoritários como o nazismo. No desenvolvimento de seu texto, Habermas

acaba por revelar não só o sentido do termo modernidade e o principal limite de

suas conotações fundamentais – situado precisamente no conceito de razão25 e na

possibilidade de conhecimento que esse conceito estabelece – bem como o

conteúdo normativo que aí se instaura. Para esse autor o projeto da modernidade

permanece inacabado, mas plausível de retomada e sua crítica à época moderna

segue nessa direção. Ao recolocar a razão, não mais como razão instrumental 26,

25
O conceito de razão será motivo de reflexão a seguir, mas para situar a discussão aqui pontuada esse termo refere-se nesse
caso ao entendimento idealista de razão, largamente utilizado pelo iluminismo e seus posteriores desdobramentos nos séculos
XIX e XX, foi delineado por Descartes, desenvolvido por Kant e consolidado por Hegel. Ver ABRÃO, Bernadette Siqueira,
História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1999.
26
A razão instrumental é a capacidade humana de chegar a conclusões através de premissas ou suposições de um sujeito
isolado que tem como único validador esse próprio sujeito. É aquela que “tornou-se algo inteiramente aproveitado no processo
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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mas sim como razão comunicativa27 no horizonte da validação e a esfera pública

como local das mediações possíveis, o pensador alemão ao mesmo tempo em que

revela o limite do projeto da modernidade, aponta também um caminho para a

superação desse limite. Ao contrário dos opositores da modernidade Habermas não

abandona os elementos formadores do mundo moderno 28 apenas repropõe a

maneira de definir seu conteúdo normativo. Postura bastante pertinente para um

mundo que se auto-redefine constantemente e é caracterizado pela predisposição a

sistemáticas crises.

social. Seu valor operacional, seu papel de domínio dos homens e da natureza tornou-se o único critério para avaliá-la” (Max
Horkheimer, Eclipse da Razão, Ed. Centauro, p. 29).
27
A razão comunicativa, cunhada por Jürgen Habermas, é essa mesma capacidade do pensamento humano, porém cujo
validador é a interação dialógica argumentativa de atores envolvidos em situação determinada.
28
Por moderno, no senso comum, entende-se algo relativo à atualidade, aos tempos atuais, de caráter inovador. A palavra tem
suas origens no latim, na era de Constantino, no século V, quando o Imperador romano adota o cristianismo como religião
oficial do Estado e bane os demais cultos. Instaura-se aí uma ruptura temporal. “Modernus” significava, então, uma
diferenciação temporal entre a época vivida e a passada. A relação entre antigo e moderno entendida como oposição é algo
recente na história da humanidade. Até o século das “Luzes”, esses adjetivos indicavam uma periodização, o sentido destes
termos não indicavam valoração, e sim temporalização. É a partir do século XVI, com a retomada dos cânones clássicos, que o
homem do renascimento divide a história da humanidade em períodos determinados, classificando-os em antigo, medieval e
moderno. Nesse momento tais termos passam a não só indicar tempo, mas podem conter um sentido qualitativo. A primeira
oposição explícita entre antigo e moderno se dá no campo da música, no século XVI (LE GOFF, 1996). Mas é somente no
século XIX que o binômio antigo / moderno, se consolida como contrário, com o aparecimento do conceito de modernidade. O
moderno, então, “assinala a tomada de consciência de uma ruptura com o passado” (LE GOFF, 1996:172). Seu sentido de
inovação é insinuado pela primeira vez pelo teórico Marsílio de Pádua, no século XIV, tido como o precursor da moderna
economia política (LE GOFF,1996), porém somente cinco séculos depois, o termo teria efetivamente ess e significado. O
moderno é, para a atualidade, um adjetivo que designa não só um tempo, mas uma ruptura com algo preexistente através de
algo novo, ainda não existente; carrega em si o sentido de algo dialético, que só existe por ser contrário a outro. Ser moderno
significa ser oposto a algo antigo, não sendo possível a existência de um sem o seu contraponto, necessitando para tal
antagonismo alguma coisa que os diferencie, o que implica na ocorrência necessária de uma transformação, mudança de um
estado para outro diferente, sugerindo dinâmica e movimento. Vide discussão mais desenvolvida em NERY, Juliana Cardoso.
Configurações da Metrópole Moderna: Os Arranha-Céus de Belo Horizonte (1940/1960). Salvador: dissertação de
mestrado PPGAU/UFBA, 2001).

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

2.1. MODERNIDADE: OS TEMPOS DO ETERNO TRANSITÓRIO

Da consciência histórica da modernidade faz parte, por conseguinte, a


demarcação da <<época mais recente>> da <<idade moderna>>, o presente
como história contemporânea goza de uma situação de destaque dentro do
horizonte da idade moderna. (...) Um presente que, a partir do horizonte dos
<<novos tempos>>, se compreende a si próprio como a actualidade da época
mais recente, tem de assumir, como uma renovação contínua, a cisão que
esses novos tempos levaram a cabo com o passado. (HABERMAS, 1998, p.
18)

O que define uma época? O que dá a um relativo período de tempo a coesão

para mesmo com acontecimentos diversos poder ser entendido como pares a ponto

de pertencerem a um mesmo período histórico como “o medievo” ou no caso que

nos particularmente interessa “a modernidade”? O que define a mudança de

paradigmas basilares que identificam uma era? E o que põe fim a ela? Será que o

mundo contemporâneo tem distanciamento suficiente de tudo que significou a

modernidade para se julgar pertencente à outra era? Ou será talvez, que as rupturas

das correntes “pós-modernas” e suas sucessoras sejam apenas mais uma faceta da

condição fáustica 29 que caracteriza a modernidade, como nos aponta Habermas

(1986) e Sevcenko (2004)?

Na compreensão retroativa de grandes eras passadas, alguns fatores parecem

ser basilares na caracterização e na definição dos limites desses grandes períodos

da história da humanidade. O que propulsiona o ultrapassar de uma era a outra são

exatamente as mudanças na natureza desses fatores que mesmo

irremediavelmente atrelados podem ser sintetizados nas formas do poder e do saber

econômico, sociocultural, e fundamentalmente na maneira de apreensão do mundo.

29
Ver discussão em BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986.
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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Assim, quando se remonta à Idade Média, abre-se um cenário que inclui

necessariamente: um sistema econômico feudal e sua forma de produção baseado

na posse da terra e no trabalho servil; as relações sociais estabelecidas entre clero,

nobreza e povo com pouca ou nenhuma mobilidade e a manutenção das tradições

de fazeres e saberes através das guildas corporativas e corporações de ofício

fechadas; e principal e fundamentalmente a fé dogmática como explicação para os

fenômenos do mundo e a importância do poder da igreja católica na manutenção de

um “status quo”. As formas supracitadas caracterizam aproximadamente mil anos de

história da civilização ocidental na Europa nos quais, mesmo com suas nuances e

especificidades, o mundo ainda era unificado e possuía estruturas essencialmente

estáticas se comparadas às atuais, com pouquíssimo espaço para a dúvida, para a

transformação e para o novo30, mesmo que estas condições tenham sido mantidas

por mecanismos de coação brutais como a Inquisição.

Olhar nessa perspectiva para a modernidade é então evidenciar sua condição

primeira fundada num mundo em constante movimento e transformação – um eterno

transitório – um mundo inevitavelmente de separações. É na reconfiguração e no

apartar radical de saberes e fazeres, na mudança das mentalidades e dos meios de

30
A eterna busca de algo novo tornou-se um dos grandes guias dos tempos modernos. “‘Novo’ implica um nascimento, um
começo (...). Mais que uma ruptura com o passado, ‘novo’ significa um esquecimento, uma ausência de passado” (LE GOFF,
1996: 173). Assim esse adjetivo traz, em seu cerne, o germe de sua própria destruição. Não há nada que o legitime a
continuação – qualidade da tradição. Sua única importância, para a sociedade moderna, estaria em seu valor de novidade, um
valor efêmero. No dicionário novo quer dizer: “que tem pouco tempo de existência, recente; que é visto pela primeira vez; que
acaba de ser feito ou adquirido; estranho, desconhecido; origina”. Assim, ao se adjetivar qualquer coisa como nova, naquele
mesmo instante em que acaba de ser feito já se principia seu processo de deixar de sê-lo, dado que uma vez pensado,
fabricado, acabado e/ou visto não é mais inédito, passa a ser conhecido. Inicia-se, portanto seu processo de envelhecimento,
processo dialético sem o qual a noção de novo não existiria. Nada pode ser novo sem que para isso exista o antigo, é uma
adjetivação relacional e comparativa que implica não só numa questão de qualidade, mas indissociavelmente numa questão
temporal, ou melhor, de transcurso de tempo. Não um tempo como simples sucessão de momentos, mas como “um agente
absoluto de mudança” (GUMBRECHT, 1998). Essa função foi agregada ao conceito de tempo no início do século XIX, período
no qual a noção de progresso se torna mais evidente à coletividade, já que o tempo de mudança do mundo, evidenciado nas
transformações das cidades, passa a ser menor que o tempo relativo à vida do homem (BUARQUE, 1990:50). Assim, ao
atrelar a ideia de progresso ao período de sucessão dos momentos, o homem passa a ter uma percepção do tempo como
gerador de modificações. Essa noção do “tempo como um agente absoluto de mudanças dá à inovação o rigor de uma lei
compulsória” (GUMBRECHT, 1998:15). Cria-se uma espiral, cuja geratriz é a procura incessante do novo que logo se torna
obsoleto, e é superado por outro novo e assim sucessivamente. Esse movimento espiral conjugado à condição intrínseca de
destruição de sua própria condição torna o novo evidentemente fugaz. Vide discussão mais desenvolvida em NERY, Juliana
Cardoso. Configurações da Metrópole Moderna: Os Arranha-Céus de Belo Horizonte (1940/1960). Salvador: dissertação
de mestrado PPGAU/UFBA, 2001).
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

produção que novas formas de poder se impõem através de uma nova estrutura

social e principalmente de um novo sistema econômico. A modernidade se configura

e se consolida então no imbricado embaraço e mútuo fortalecimento entre:

capitalismo31 e produção baseada na indústria, na divisão do trabalho e na mão de

obra assalariada; relações sociais basicamente estabelecidas entre uma classe que

detém os meios de produção – a burguesia – e outra que vende sua força de

trabalho – o proletariado – e a possibilidade de mobilidade que surge numa condição

social ditada menos pelo ser e mais pelo ter 32; uma condição de transmissão de

saberes e fazeres institucionalizados e a princípio de livre acesso; e especialmente

em uma maneira de explicação para os fenômenos do mundo através da razão e via

conhecimento técnico-científico. A era de um mundo fundamentalmente focado na

sua própria superação, numa constante transformação guiada pela ideia de

progresso33, locado no horizonte das especificidades e instrumentalizado por sua

capacidade de auto compreensão e sua necessidade de auto certificação.

31
Ver a discussão em WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001. Segunda a
autora:“(...) a prática capitalista consiste em: a maximização do valor de troca por meio da redução de custos e do aumento da
produtividade, através da especialização, da acumulação e da inovação” (WOOD, 2001:101).
32
O que se pretende pontuar aqui é a diferença na condição de mobilidade social entre uma sociedade cujo sujeito é
classificado por seu nascimento/ descendência e outra na qual essa classificação se dá pela posse dos meios de produção e
ou conhecimento técnico-científico.
33
O sentido de progresso para filósofos gregos, como Xenófanes e Protágoras, referia-se a “um sentimento de
aperfeiçoamento cultural do homem”. Já para os judeus, ele se referia à “ascensão espiritual do homem”. Durante séculos, a
definição se restringiu a estes conceitos, sendo utilizada apenas por grupo seleto de pensadores que buscavam compreender
o mundo e sua lógica (BUARQUE, 1990). Foi o século XIX que trouxe a afirmação e consolidação do progresso como a grande
força motriz do mundo moderno. Contribuem para tal afirmação o triunfo das Revoluções Francesa e Industrial, o aumento do
índice de alfabetização e instrução, o crescimento do liberalismo e da democracia e as melhor ias do conforto, da segurança e
do bem-estar, principalmente (ou quase que exclusivamente) para as elites ocidentais. A ideologia do progresso é consagrada
no pensamento positivista de Augusto Comte, que encontra neste viés filosófico, segundo Le Goff (199 6), sua “expressão mais
acabada”. O termo carrega então o sentido de transformação gradual para algo melhor, melhoramento gradual das condições
econômicas e cultural, mas segundo Cristóvão Buarque: “No sentido usual, o conceito de progresso é uma das mais recentes
idéias da imaginação coletiva dos homens. A idéia não poderia existir antes da revolução industrial e capitalista que ocorreu há
duzentos anos. (...) Entretanto, neste curto período ela se tornou uma idéia tão arraigada na consciência humana, que
dificilmente se consegue imaginar um tempo em que a história era vista de forma não tendencial em direção a um progresso
contínuo, onde o futuro é sinônimo de mais produção” (BUARQUE, 1990:45). Isto porque foi após a II Grande Guerra que mais
uma vez a linha motriz da ideologia do progresso foi redefinida e o fio condutor da medida desse fenômeno deixou de ser a
inovação técnico-científica e passou a ser o crescimento e o desenvolvimento econômico. Para Buarque, o que se entende
atualmente como progresso está estreitamente ligado à crescente produção e tudo passou a ser hierarquizado de acordo com
“o rumo definido pelo progresso”, até mesmo o conceito de cultura, visto que “as idéias do mundo, salvo a idéia de progresso,
passam a ser descartáveis, ou legitimadas em função de sua articulação com a idéia central, a realização do progresso”
(BUARQUE, 1990:50). Vide discussão mais desenvolvida em NERY, Juliana Cardoso. Configurações da Metrópole
Moderna: Os Arranha-Céus de Belo Horizonte (1940/1960). Salvador: dissertação de mestrado PPGAU/UFBA, 2001).

47
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Desde os fins do século XVIII a arte, a ciência e a moral se desmembram em

domínios específicos de validades autônomas de gosto, verdade e justiça. É nesse

mesmo momento que se deu a separação das esferas do saber, da fé e das

relações sociais características do mundo moderno.

Segundo Habermas (1998), no campo da economia e da política a

modernidade se diferencia dos tempos passados também por uma separação.

Enquanto a economia da Idade Média, caracterizada pela grande célula doméstica

de subsistência baseada na produção agro-artesanal, possibilitou a manutenção do

conceito aristotélico de política que abrangia estado e sociedade numa dominação

política integrada; o direito privado da economia capitalista e sua circulação de

mercadorias separaram o social do político e o estado burocrático da sociedade

econômica despolitizada – sociedade a partir de então denominada civil.

Já na filosofia para Habermas (1998) o que marca o pensar moderno é a

diferenciação que se estabelece entre o conceito acadêmico e o conceito universal

da filosofia. A ruptura com a tradição se deu no momento em que “o espírito da

época ganhou poder sobre a filosofia, no momento em que a moderna consciência

da época fez estilhaçar a forma do pensamento filosófico” (HABERMAS, 1998:58).

Os vários ramos especializados da ciência no século XIX construíram pela primeira

vez na história visões de mundo sem a mediação da filosofia34 e foram capazes de

influenciar a consciência da época. Caracterizado pela separação e

consequentemente pela autonomia, o mundo moderno é marcado, então, pelas

especialidades e pela fragmentação dos campos da vida e da atividade humana.

34
É só nos anos 20 do século XX que Heidegger em “Ser e Tempo” vai recolocar numa corrente de pensamento genuinamente
filosófica a questão da modernidade. É também a partir desse momento que a filosofia, através de uma crítica da ciência,
recupera a sua competência para fazer a diagnose de sua época. Ver discussão em HABERMAS, 1998.
48
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Entretanto mais que os fatores e elementos que a caracterizam, compreender a

modernidade, é compreender seu cerne, suas entranhas. Nesse sentido o primeiro

pensador, segundo Habermas (1998), a desenvolver o conceito de “novos tempos”

ou “tempos modernos” 35 foi o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-

1831). Esse filósofo teria estabelecido os termos basilares da discussão sobre essa

nova era ao problematizar a relação interna entre modernidade, consciência do

tempo e racionalidade.

Nessa relação, concomitante ao movimento da racionalidade que permite a

consciência de seu tempo, é essa própria consciência que funda tal racionalidade e

juntas configuram a modernidade ao mesmo tempo em que são configuradas (e

constantemente reconfiguradas) por ela. Essa relação então se torna o cerne desse

período e a racionalidade ocupa lugar de destaque tanto na constituição da

modernidade, como na consciência desses novos tempos de si mesmo.

Característica daquilo que constitui a razão36 ou diz respeito a ela, a racionalidade

plasma e carrega o complexo e denso conceito do termo razão, que para Hegel era

a própria identidade da autoconsciência, identidade esta entre pensamento e

realidade.

Segundo o filósofo Carlos Nelson Coutinho (1943) há uma linha estendida,

apesar de tortuosa, entre Galileu e Hegel que “afirma claramente a subordinação da


35
Hegel começa a usar o termo como conceito epocal: “novos tempos” equivalente a “tempos modernos”, em certo sentido
coincidente com o sentido do termo contemporâneo, próprio do seu tempo diferente de um tempo anterior. Essa época seria
referente, então, ao período que tem início nos anos de 1500 com a descoberta de “novos mundos”, o Renascimento e a
Reforma, acontecimentos que desenham a transição da Idade Média para Idade Moderna. É no século XVIII que se dá o
reconhecimento desse limiar no século XVI. Esse entendimento é fundado dentro de uma perspectiva filosófico-histórica na
qual o conceito de “tempos modernos” significa “a presentificação reflexiva do lugar onde nos encontramos a partir do horizonte
da história no seu todo” (HABERMAS,1998:17).
36
O conceito de razão e de racionalidade ganham sentidos diferentes ao decorrer da história da filosofia. Mesmo que desde a
Antiguidade Grega, apesar da inseparabilidade entre filosofia e ciência, o pensar racional tenha se mantido atrelado à
faculdade orientadora guia de todo o gênero humano que o difere dos animais pela capacidade de encadeamentos de
pressupostos ou suposições, numa operação mental que estabelece relações entre elementos dados, oposta às explicações
mítico-religiosas, é somente na Renascença que essa realidade passa a ser subordinada a um sistema de leis objetivas e a
natureza conquistada através da apreensão matemática, que abre o campo das ciências. Por outro lado o filósofo inglês John
Locke (1632 – 1704) da fundamental e inovadora contribuição ao conceito de razão para a modernidade e a insere
definitivamente no mundo da expectativa: a perspectiva da razão como instrumento não só do conhecimento estabelecido, mas
também do conhecimento provável, o que abre a potência do pensar racional a um campo infinito das possibilidades e
perspectivas.
49
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

realidade a um sistema de leis racionais, capazes de serem integralmente

apreendidas pelo nosso pensamento” (COUTINHO, 2010, p. 22). Segundo esse

autor é Hegel que agrega à racionalidade um duplo aspecto: o saber imediato

correspondente à intuição e o entendimento proveniente do intelecto analítico.

Nesse duplo aspecto a razão ganha a espessura da dialética e “afirma a

cognoscibilidade da essência contraditória do real” (COUTINHO, 2010, p. 30). Uma

realidade que mesmo sendo uma totalidade, não é homogênea e tem como modo

primeiro de seus processos a contradição. Por outro lado, para Hegel a apreensão

do mundo é fincada nas ações dos homens, decorrente de sujeitos individuais,

porém conformada por um sistema de leis superior ao arbítrio imediato do indivíduo.

Essa razão é uma razão progressista que compreende o real “como síntese de

possibilidade e realidade, como totalidade concreta em constante evolução (...) [uma

forma de] apreensão do mundo em permanente devir” (COUTINHO, 2010, p. 25).

Se essa potência revolucionária da razão burguesa foi crucial no motor que

possibilitou o desmantelar da estrutura feudal e a instauração do capitalismo, passou

a ser ameaçadora à manutenção do poder burguês. É nesse sentido que Carlos

Nelson nos aponta o empobrecimento pós-hegeliano do conceito de razão reduzido

a partir desse momento à lógica formal. Essa recolocação da compreensão do

conceito de razão limita a racionalidade às formas intelectivas37. Foi precisamente

essa razão cerceada o motor do pensamento cientificista hegemônico do século XIX

e grande parte do XX. Entretanto, mesmo alterada, se manteve a relação entre

37
Nessa razão reduzida a estabelecer limites para o conhecimento, seu mote deixa de ser a apreensão da essência do real
para se voltar para a “classificação do existente” (COUTINHO, 2010, p. 25) e passa a ser confundida com “regras formais que
manipulam “dados” arbitrariamente extraídos daquela totalidade objetiva.” (COUTINHO, 2010, p. 51). Na positividade
capitalista, o positivismo de Auguste Comte é central no abandono do “exame da gênese dos fenômenos em troca da
descrição de suas leis invariáveis de manifestação” (COUTINHO, 2010, p. 53). Assim foram banidas à irracionalidade toda a
riqueza do pensável e as contribuições da apreensão subjetiva. Em seu avesso as correntes filosóficas que tomaram essa di ta
irracionalidade como forma de apreensão do mundo, ou seja, as filosofias da subjetividade que negaram a potência mediadora
da razão terminaram por “cair no mais profundo pessimismo, numa conformista sensação de impotência” (COUTINHO, 2010,
p. 50) complementando os pensares positivistas na manutenção da soberania burguesa capitalista.
50
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

racionalidade, consciência do tempo e modernidade, característica dos “tempos

modernos”.

Se a consciência do tempo manifestada na capacidade de auto compreensão é

fundante para os novos tempos como relação interna entre modernidade e

racionalidade, a necessidade de auto certificação também tem papel instaurador

para essa nova era. Retomando o rastro do pensamento hegeliano e o movimento

de apartamento próprio desse período, o problema da auto certificação é gerado

pelo processo de separação dos tempos modernos “das sugestões normativas do

passado que lhe são exteriores” (HABERMAS, 1998, p 18).

(...) a modernidade não pode e não quer continuar a ir colher em outras épocas
os critérios para sua orientação, ela tem de criar em si própria as normas por que
se rege (HABERMAS, 1998, p 18).

Assim compreender a modernidade é entender a condição, flagrada por Hegel

e revisitada por Habermas dos “novos tempos”, caracterizada pela ausência de

modelos, e consequentemente sua obrigatoriedade de encontrar equilíbrio dentro de

si mesma. Esse novo momento se abre para o futuro e não se orienta mais pelo

passado. Porém essa nova condição não pode ser traduzida por um estrito e

simples abandono do passado pelo presente 38. Ela estabelece uma outra relação,

mais complexa e menos direta com as referências anteriores. Não é mais o passado

que define as normativas do presente, é o presente que orienta a maneira como nos

apropriamos do passado. Isso se dá porque no movimento de se abrir para o futuro

a modernidade distanciou o horizonte de expectativa do espaço da experiência,

consequentemente desvalorizou a tradição, mas paradoxalmente permanece

38
Presente que passa então a expressar o espírito da época (Zeitgeist) e compreende a si mesmo como “renovação contínua”
o que implica em um presente como “uma transição que se consome na consciência da aceleração e na expectativa do que há
de diferente no futuro” (HABERMAS,1998: 17).
51
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

dependente dela para se estabelecer como diferente, para tornar possível a ruptura

com o que já foi. O passado é orientado para o futuro e o presente se torna o lugar

tanto da tradição como da inovação necessariamente e simultaneamente.

E porque o mundo novo, o mundo moderno, se distingue do antigo pelo facto de


se abrir ao futuro, o começo do novo epocal repete-se e perpetua-se a cada
momento do presente, o qual a partir de si gera o que é novo. (HABERMAS,
1998, p. 18).

Essa noção se apresenta pela primeira vez no campo da crítica estética –

“Querelle des Anciens et des modernes” no século XVIII. Contra o classicismo

francês de uma beleza absoluta, propõe-se uma beleza relativa e condicionada pelo

tempo. A ideia de perfeição atrela-se à de progresso como nas modernas ciências

da Natureza. Por manter até hoje esse sentido de auto compreensão das

vanguardas desde meados do século XIX o termo modernidade carrega em si um

cerne de significado estético.

Na experiência fundamental da modernidade estética agudiza-se o problema da


autofundamentação, porque aqui o horizonte da experiência temporal se reduz à
subjectividade descentrada, que se afasta das convenções da vida quotidiana. É
por isso que para Baudelaire a obra de arte moderna ocupa uma posição
peculiar na intersecção dos eixos da actualidade e da eternidade (HABERMAS,
1998,p. 20).

Se observarmos como a solução em pilotis corbusiana retoma e reconfigura o

peristilo dos templos gregos mais tradicionais, podemos compreender esse

desvinculo com a continuidade da tradição e essa livre referência a um passado

escolhido. Não é a solução passada que determina a nova arquitetura, mas a inspira

indiretamente através da leitura que o sujeito autor da obra faz da obra antiga. E é

assim que também compreendemos as interpretações de Le Corbusier sobre a

52
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

arquitetura passada e sua admiração à racionalidade grega 39 . Não que a Grécia

tenha ditado as soluções corbusianas, e mesmo que as tenham inspirado, é na

tangência do uso racional dos elementos construtivos modernos que ela se faz

relevante. Ao valorizar as obras da antiguidade grega, Le Corbusier legitima e

ressalta sua própria obra.

A Grécia através de Bizâncio, pura criação do espírito. A arquitetura não


somente feita de ordenação, de belos prismas sob a luz. Há uma coisa que nos
arrebata, é a medida. Medir. Repetir em quantidades ritmadas, animadas por um
sopro igual, passar em toda parte a relação unitária e sutil, equilibrar, resolver a
equação. (LE CORBUSIER, 2002, p.111).

No Brasil, a figura de Lúcio Costa e a amplitude, algumas vezes

aparentemente contraditória, de sua atuação40 é também fruto da moderna relação

do presente com o passado que abre espaço para escolha deliberada de referendar

sua pesquisa por novas formas arquitetônicas na tradição colonial do país, ao

mesmo tempo em que luta pela preservação dessas referências. Mais que valorar o

passado, a posição de Costa visava o presente e a construção do futuro. Nessa

perspectiva a fusão entre as premissas universais corbusianas e a local tradição

construtiva colonial brasileira se torna plenamente compreensível e absolutamente

moderna, como um presente que orienta a apropriação de um fragmento de passado

na proposição do futuro. Por outro lado sua ação preservacionista que busca um

“passado digno” para o esplendor do moderno brasileiro é mais uma confirmação

dessa complexa, porém descontínua condição moderna. Sem menosprezar a

importância das ações institucionais e pessoais para a incipiente preservação do

patrimônio brasileiro, nos primeiros tempos do Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (SPHAN – atual IPHAN), o que se preservou derivou bem mais

39
Vide capítulo Arquitetura: 1. “A lição de Roma”. In: LE CORBUSIER, Por uma Arquitetura, São Paulo: Perspectiva, 2002.
40
Ver discussão mais aprofundada em WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
53
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

dos interesses voltados para a construção de uma nova nação e de um novo homem

que propriamente pela perpetuação da tradição passada a ser seguida.

O presente deliberadamente escolhe e pinça fragmentos do passado que

melhor lhe convém. Isso é possível e se dá porque os tempos modernos são em

princípio e em primeira instância os tempos da subjetividade 41 . A subjetividade

nesses termos significa uma estrutura de auto relação42 definida pela liberdade e

pela reflexão que caracteriza a modernidade. Segundo Habermas isso implica em

quatro conotações fundamentais do mundo moderno: individualismo, direito à crítica,


43
autonomia do agir e a própria filosofia idealista . Esse princípio explica

simultaneamente a superioridade e a vulnerabilidade à crise do mundo moderno,

visto que ao mesmo tempo ele é o “mundo do progresso” e o “mundo do espírito

alienado44 de si mesmo”. Por isso a primeira tentativa de conceituar a modernidade

coincide com sua crítica.

A cultura moderna tem suas configurações delineadas pelo princípio da

subjetividade: a ciência liberta o homem da magia que explicava a Natureza para

entendê-la através de leis conhecidas e reconhecidas; os conceitos morais

modernos “fundam-se no direito do indivíduo de discernir como válido aquilo que é

suposto fazer” (HABERMAS, 1998:28) o que significa a liberdade subjetiva do

41
Ao levar a cabo a tarefa da filosofia de traduzir em pensamentos o seu próprio tempo, segundo Habermas “Hegel descobre o
princípio dos tempos modernos: a subjectividade” (HABERMAS, 1998:27).
42
A estrutura da auto relação refere-se ao sujeito que debruça sobre si mesmo como objeto; numa atitude especulativa.
43
Com exceção do último, no qual estaria locado o limite do projeto da modernidade na crítica desenvolvida por vários autores
de Nietzsche ao próprio Habermas, os demais matem sua capacidade de explicar e caracterizar o mundo atual. O que sustenta
a vigência da modernidade e a defesa do seu projeto inacabado por Habermas, questão já citada. Os acontecimentos que
possibilitaram esse mundo foram: a Reforma Protestante – “o protestantismo proclama a soberania do sujeito que faz valer o
seu próprio discernimento”, o Iluminismo e a Revolução Francesa, consagrados na declaração dos direitos do Homem e o
Código Napoleônico, que garantiram o livre arbítrio.
44
No pensamento hegeliano a alienação significa especificamente o processo que vai da consciência a autoconsciência, ou
seja, o colocar da consciência como objeto de reflexão dela própria.
54
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

indivíduo; e a arte moderna 45 tem como princípio artístico a auto realização

expressiva, na qual forma e conteúdo são determinados por uma interioridade.

A modernidade se configura assim, como uma era de interrogação e reflexão

crítica do estado presente, capaz de auto compreensão e auto avaliação em

tentativas sempre alteráveis de auto-organização. Nesse período busca-se a

aventura marginal, a superação de limites, caracterizada segundo Le Goff (1996)

pela inconformidade com regras pré-estabelecidas e com a autoridade. É o tempo

de um mundo fervilhante e voraz, se autodestrói e se reconstrói, num turbilhão

estonteante em busca de um eterno por vir – o mundo da expectativa46.

45
Apesar de essa definição ter sido desenvolvida para o Romantismo, ela cabe para explicar muitos dos vários “ismos”
entendidos como movimentos artísticos modernos, especialmente as vanguardas do final do século XIX e início do XX.
46
Ver discussão sobre o horizonte de expectativa da época moderna em J. Habermas “O discurso filosófico da modernidade”,
1998.
55
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

2.2. MODERNIZAÇÃO: UM MUNDO EM ETERNA TRANSIÇÃO

Com ou sem majestade, suntuoso ou negligente, muito rico ou miserável,


sempre mais violento, mais rápido, mais barulhento, avança o mundo moderno
(LEFEBVRE, 1969:3).

Embora a modernidade tenha seu cerne no mundo inteligível, é na

transformação das estruturas do mundo sensível que ela se manifesta e se

concretiza. Assim dentro dos tempos modernos, distinguiram-se dois projetos

diferentes. O projeto da modernidade e o projeto modernizante. O primeiro, fruto das

proposições da Revolução Francesa, possuía um cerne social, cuja principal

preocupação era dar condições dignas e igualitárias a todos os partícipes da

sociedade. Ele se revelou, em certa medida, utópico, visto que a melhoria das

condições de vida das classes menos favorecidas não acompanhava o

desenvolvimento da nova estruturação econômica. Já o projeto modernizante

apenas utilizava as benfeitorias da era da técnica para criar uma “condição de

modernidade” restrita às classes dominantes esvaziando o conteúdo social do

primeiro.

O conceito de modernização refere-se a um feixe de processos cumulativos que


se reforçam mutuamente: à formação de capital e mobilização de recursos, ao
desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do
trabalho, ao estabelecimento de poderes políticos centralizados e à formação de
identidades nacionais, à expansão de direitos de participação política, de formas
urbanas de vida e de formação escolar formal, refere-se à secularização de
valores e normas, etc. A teoria da modernização procede a uma abstração do
conceito de modernidade de Weber com importantes conseqüências. Essa
abstração dissocia a modernidade das suas origens na Europa dos novos
tempos e utiliza-a até como um padrão neutralizado espaço-temporalmente de
processos de desenvolvimento social em geral. Quebra, além disso, as conexões
internas entre a modernidade e o contexto histórico do racionalismo ocidental
(HABERMAS, 1998:14).

Estabelece-se aí uma desvinculação entre os conceitos de modernização e

modernidade: o primeiro se vê liberto “da carga representada pela idéia de uma

completude e perfeição” (HABERMAS, 1998:14) do segundo. Apesar da complexa

56
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

transformação da estrutura socioeconômica da sociedade, o projeto moderno não se

consolida por completo e a modernidade passa a ser representada por processos

fragmentados de modernização, com intensidades diferentes em cada parte do

mundo ocidental.

A sociedade ocidental é reformulada em todos seus níveis de estruturação:

social, cultural e econômico. Aos processos de modificação e reestruturação dessa

sociedade, que se complementam e se reforçam em busca de uma nova ordem, são

denominados modernizações. Da primeira reformulação radical na ultrapassagem do

período medieval para a era moderna, outras tantas reformulações se sucederam e

continuaram a ocorrer dada a natureza mutante intrínseca da própria modernidade.

Devido à autonomia dos tempos modernos, a cada inovação em qualquer campo,

aciona-se um processo modificador pontual ou de maior alcance conforme a

potência e abrangência da novidade.

Portanto, modernização é todo e qualquer processo de transformação que

vise estabelecer novos padrões para algo dentro da estrutura da sociedade. Padrões

estes entendidos em circunstância determinada como modernos – mais atuais, é

uma atualização. Na modernidade a modernização sai de episódio esporádico para

acontecimento constante e central, mas não necessariamente vincula-se a uma

preocupação social. Esse movimento de renovação condenado a tragédia fáustica

da constante reformulação, como nos revela Marshall Berman (1986), parece

infindável posto que os padrões estabelecidos como atuais são rapidamente

ultrapassados e superados por outros ainda mais recentes, e assim sucessivamente.

Dentre os processos de remodelação da sociedade, pode-se destacar como

um dos principais motores dessa nova ordem, a transformação da estrutura

econômica em um sistema capitalista. O capitalismo não se difere dos sistemas


57
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

anteriores por sua prática de compra e venda já existente desde a antiguidade na

história da humanidade. Essa distinção se dá pela lógica de regulamentação dos

excedentes de produção e privilégios que passa a ser feita exclusivamente pelos

fatores econômicos.

Somente no capitalismo é que o modo de apropriação baseia-se na


desapropriação dos produtos diretos legalmente livres, cujo trabalho excedente é
apropriado por meios puramente ‘econômicos’. (...) Essa relação singular entre
produtores e apropriados é mediada, obviamente, pelo ‘mercado’ (WOOD.
2001:77/78).

O mercado 47 conjuga-se ao Estado na regulamentação das transações

econômicas, assim como na estruturação das relações sociais em geral, e tende a

subjugar toda a ordem de processos de transformação à lógica do lucro, da

produção e da auto expansão do capital (WOOD. 2001). Incluindo-se aí a

reestruturação das cidades para atender suas necessidades e simbolizar seu

desenvolvimento.

A cidade como o “locus” da vida moderna é, portanto cenário privilegiado

das inúmeras modificações impostas pelos novos tempos. Ela passa a ser um dos

principais alvos dos diversos processos de modernização. Modernizações, essas,

que desde o século XIX veem constituindo realidades ou imagens de modernidade

através de símbolos que explicitam ou simulam o avanço e o desenvolvimento de

cada período, representações do progresso e dos tempos modernos, com destaque

para as remodelações viárias e novas soluções arquitetônicas.

Como coloca Berman (1986), os bulevares da Paris de Haussmann foram

instrumentos de modernização que respondiam ao desenvolvimento das forças

produtivas e às transformações das relações sociais, mesmo que não tão igualitárias

47
O mercado aqui é entendido como o mecanismo ou mecanismos que regulamentam a lei de oferta e demanda ao
disponibilizar mercadorias e serviços à sociedade. Ver discussão em WOOD, Ellen Meiksins. A origem do capitalismo. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
58
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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como propunham os idealizadores da Revolução Francesa. Por outro lado, a Nevski,

em São Petersburgo, mesmo que se assemelhasse com os bulevares franceses,

servia apenas de cenário para uma modernidade truncada, “ocultando uma perigosa

falta de profundidade por detrás da fachada brilhante” (BERMAN, 1986:218). Há,

portanto, uma diversidade nas formas com que as cidades responderam e ainda

respondem a diferentes escalas de modernização.

Bem mais próxima à faceta modernizante de São Petersburgo que

propriamente à modernidade dos bulevares parisienses de Haussmann, as

intervenções urbanas no Brasil, desde as primeiras tentativas de modernizar os

maiores centros urbanos, em meados do século XIX, foram balizadas pelo

controverso beneficiamento de uma pequena porção privilegiada da população e a

esmagadora exclusão de grande parte dela dos supostos benefícios da

modernidade. Esse impulso modernizante tomou ainda maior fôlego nas

intervenções urbanas da virada do século XIX para o XX, através dos planos de

melhoramentos 48 e na criação de novas cidades49 cujas preocupações motivadoras

podem ser sintetizadas em: uma de cunho funcional – a adequação da cidade às

novas exigências do sistema econômico – e outra de fundo ideológico – criar nos

centros urbanos do Brasil, ou pelo menos numa parte deles, uma imagem de

“civilização”, de progresso (FERNANDES e GOMES. In: PADILHA, 1998). O grande

embate, então, era transformar a cidade “velha”, “incivilizada”, em uma cidade

“nova”, “civilizada”, onde o progresso econômico e moral estivessem estampados

48
São paradigmáticos os vários Planos de Melhoramentos elaborados pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito, com
destaque para os de Recife, Santos e Vitória, o Plano de Melhoramentos para o Rio de Janeiro de Pereira Passos idealizados
entre 1875 e 1876 somente levados a cabo entre 1902 e 1906 durante seu mandato como prefeito da capital e as propostas
para Salvador executadas por J.J. Seabra. Ver LEME, Maria Cristina da Silva. Urbanismo no Brasil 1895 –1965. São
Paulo:Studio Nobel; FAAUSP; FUPAM, 1999.
49
A construção de Belo Horizonte (1893-1897) foi naquele momento a intervenção mais importante dessa natureza realizada
no país. Ver discussão em LIMA, Fábio. Bello Horizonte: Um Passo de Modernidade. Salvador:
MAU/UFBA.1994.Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo.

59
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

nas fachadas dos palacetes ecléticos, como numa vitrine mostrando o avanço dessa

sociedade dos trópicos rumo aos padrões europeus. A busca da construção de uma

imagem moderna não correspondeu à realidade total de nossas cidades, restando

uma imensa parcela excluída dos benefícios que a modernidade poderia oferecer.

Meio século depois, o país novamente se depara com uma paisagem quase

inteiramente remodelada de seus maiores centros, fruto mais uma vez do discurso

modernizador, porém sob novos padrões e novas soluções técnico-expressivas. A

partir dos anos 30, os paradigmas que balizavam as transformações urbanas irão se

modificar e algumas expressões do progresso serão alteradas, o “(...) que

corresponde à implantação de uma modernidade metropolitana ‘opondo-se à

modernidade neoclássica e higienista anterior’” (FERNANDES e GOMES. In:

PADILHA, 1998:18). A cidade passa a atender a outra dinâmica econômica, inicia-se

o processo de industrialização e a passagem do capital mercantil para o industrial

(FERNANDES e GOMES. In: PADILHA, 1998). Outras necessidades vão comandar

a modernização dos grandes centros urbanos – a cidade deixa de ser apenas um

entreposto de distribuição para ser local de produção. O modelo ideal deixa de ser

exclusivamente o europeu e passa a ser prioritariamente o norte-americano. O

automóvel, o cinema e destacadamente o arranha-céu serão fundamentais na

disseminação dessas novas referências. Os conceitos de fluidez e eficácia passarão

a servir de guia para as intervenções urbanas. A cidade será vista numa escala mais

ampla, o que gera a necessidade de estruturação de planos urbanísticos que tratem

o urbano de maneira mais geral, um sistema interligado. A prática de intervenções

pontuais é abandonada. Adota-se o zoneamento 50 , setorizando o espaço urbano

50
Ver discussão sobre o surgimento e disseminação da prática do zoneamento urbano em SOMEKH, Nádia. A cidade vertical
e o urbanismo modernizador: São Paulo 1920-1939. São Paulo: Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo/ USP,
1994.
60
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

segundo funções distintas. A verticalização passa a ser o novo símbolo de

modernidade e progresso. A preocupação com a circulação na cidade será o ponto

chave para se pensar a forma urbana. A expansão da cidade é crescente tanto

horizontal como verticalmente. O problema da habitação social se torna pauta

importante na discussão urbana e arquitetônica, mas mesmo com algumas

iniciativas importantes e uma aproximação maior com as preocupações sociais de

fundo da modernidade, as modernizações das cidades brasileiras continuaram a

perpetuar as lógicas excludentes de uma sociedade que ainda se mantinha em certa

medida oligárquica51. Condição revelada na tangência entre o beneficiamento de um

restrito setor imobiliário em detrimento da população menos favorecida na abertura

das avenidas Central e Presidente Vargas no Rio de Janeiro, inauguradas

respectivamente em 1910 e 1944.

A Avenida Presidente Vargas é inaugurada em 7 de setembro de 1944 pelo


presidente Getúlio Vargas, pouco mais de três anos após o início de sua
construção. Sua abertura contribuiu para o processo de expulsão das
populações pobres da área central da cidade (LEME, 1999, p. 367).

Esse padrão modernizador, de uma modernidade apenas modernizante,

excludente e clientelista ecoou em várias regiões do país desde a segunda metade

do século XIX, paulatinamente intensificado na virada para o século XX em diante. O

que efetivamente se viu alterado ao longo do segundo quartel do século XX foram as

soluções técnico-construtivas e as linguagens arquitetônicas adotadas, cuja

51
Apesar de historicamente o Brasil ser considerado efetivamente uma oligarquia apenas durante o período da Primeira
República (1898-1930), muito de suas práticas permaneceu enraizada nos procedimentos políticos do país, mesmo após a
Revolução de 1930. Como aponta Monique Cittadino para a Paraíba e estendível em maior ou menor grau para outros
estados: “Até 1946, a estrutura de dominação vigente durante toda a chamada República oligárquica permaneceu inalterada na
Paraíba, mas tendo a revolução de 30 sentido efeito na hegemonia exercida pelos grupos oligárquicos locais” (CITTADINO,
1998, p. 18). A perpetuação dos poderes oligárquicos, mesmo submetidos ao poder central é evidenciado na Constituição de
34 como coloca Francisco Iglesias: “Feita a constituição, Vargas até então governava com os tenentes, recompõe-se com as
oligarquias Paulistas e as demais, iniciando uma carreira notável de êxito político, marcado pela dissimulação e pela habilidade
compondo-se conforme seus interesses e impondo o jogo por fina estratégia nos compromissos que fazem dele talvez o mais
sagaz de todos os chefes de Estado que o Brasil já teve” (IGLESIAS, 1993, p. 235). Ver discussões em IGLESIAS, Francisco.
Trajetória política do Brasil: 1500 – 1964. São Paulo: Companhia de Letras, 1993; e CITTADINO, Monique. Populismo e
Golpe de Estado na Paraíba. João Pessoa: Universitária Idéia, 1998.

61
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

modernidade então se vinculava a expressões racionalizadas em variadas vertentes

durante o período Vargas, culminando com a adoção do modernismo como

representação oficial do poder público no governo JK.

Interessante notar na arquitetura as várias formas que o rótulo moderno pode

abrigar nas primeiras décadas do século XX. Em certa medida, essa variedade é

expressão da própria tragédia da modernidade e seus sucessivos e muitas vezes

desconexões processos de modernização. Especialmente para as soluções de

ordem estética a modernização da arquitetura no Brasil parece ter coincidido com

um processo de depuração e simplificação da forma plástica, em tentativas múltiplas

e diversificadas de superação de padrões. Como exemplo, podem-se citar as

variadas feições das residências que mereceram o título de modernas nos

periódicos especializados entre os bangalôs dos anos de 1920 e as casas

modernistas da década de 1950.

62
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

2.3. MODERNISMO: A EXPRESSÃO DO PORVIR

Tentar definir e limitar temporalmente o modernismo é uma tarefa

extremamente complexa e muitas vezes traiçoeira. A diversidade de enfoques é

cada vez maior, assim como a proliferação dos autores que buscam compreendê-lo

a ponto de, em alguns momentos, parecer que cada um deles 52 possui uma

definição particular para a questão. Essa diversidade e dificuldade perpassam pelo

recorte feito por cada autor vinculado ao seu tipo de interesse dentro do largo

espectro das questões relacionadas ao modernismo e obviamente pela forma de

pensar de cada um.

Para exemplificar essa disparidade pode se citar a falta de consenso sobre a

duração do modernismo que para alguns autores, como Peter Gay (1923), ela giraria

em torno de 150 anos ou mais enquanto para outros não passaria de 3 ou 4

décadas como para Giulio Carlo Argan (1909-1992). Talvez a primeira dificuldade

seja a questão da inadequação do nome levantada por Malcolm Brandbury (1932-

2000) e James McFarlane (1920-1999), que nos parece bastante pertinente. Estes

autores apontam que a denominação derivada do modernismo e afins do termo

moderno que graças a isso ganha, de certa forma, um sentido fixo no tempo cujo

significado primeiro não possui, seria extremamente problemática para identificar um

fenômeno dessa natureza.

Evidentemente, o mundo da crítica determinou que algumas variantes ou usos


do termo ‘moderno’ viessem a identificar as artes do seu próprio tempo – se não
todas, pelo menos parte delas. Tal é o caso do Movimento Moderno, a Tradição
Moderna, a Idade Moderna, o Século Moderno, o Temperamento Moderno, o
Modernismo ou ainda – pelo que tudo indica, um neologismo, embora
provavelmente por analogia com rótulos como a Renascença ou o Iluminismo –
simplesmente O Moderno, tout court. O que se pode lamentar nessa escolha não

52
Dentre esses autores podemos citar: Clement Gremmberg (1939, 1960 e 1979); Giulio Carlo Argan (1970); Malcolm
Brandbury e James McFarlane (1976); Charles Jencks (1977); Jean-François Lyotard (1979); Nikos Stangos (1988); Fredric
Jameson (1991); Briony Fer (1993); William Everdell (1997); Charles Harrison (1997); Peter Gay (2008).
63
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

é apenas que ela predetermine a natureza de nossa visão sobre a literatura


moderna; lembremos também a impropriedade de se aplicar um termo
semanticamente tão variável e até febril a um fenômeno histórico que agora
queremos radicar no tempo. (BRANDBURY & MCFARLANE 1999:15).

Esta dificuldade evidentemente não se colocava para aqueles que se auto

proclamaram modernos, pois afinal eles efetivamente estariam utilizando o

significado primeiro do termo – eram próprios de seu tempo – e com a conotação de

ruptura com algo precedente que ele carrega desde o século XVI exponenciada pela

imbricada relação que a questão estabelece com a ideia de progresso no século

XIX 53 . O problema se coloca então na adoção do termo para denominar algo

pretensamente passado e se complica ainda mais quando seu sucessor parte dele

para se autodenominar como é o caso do pós-modernismo e suas derivações. O

adicionar do sufixo “ismo” ao termo moderno não foi nem parcialmente suficiente

para desfazer o enorme desentendimento gerado pela adoção de um adjetivo com

implicações temporais para denominar de certa maneira um momento da cultural

ocidental, se não mais54.

Se as discussões da segunda metade do século XIX se desenvolveram em

torno da necessidade de ser moderno, na esteira de Charles Baudelaire (1821-1967)

e Arthur Rimbaud (1854-1891), e na primeira metade do século XX se centrava na

adversidade que caracterizava ser moderno, como em Ortega y Gasset (1883-1955)

“A desumanização da arte” (1925) e nos desafiantes escritos de Virgínia Woolf

(1882-1941), é nos anos 70 que os debates ganham novos contornos e “ser

moderno” outra conotação. A questão, que ganha um cunho institucionalizado, agora

se vincula à superação ou não de uma condição cultural colocada pela

53
Ver discussão em LE GOFF, Jacques. História e Memória. São Paulo: Editora UNICAMP, 1996.
54
O termo também é usado por alguns autores para denominar também predecessores e sucessores do modernismo: proto-
modernismo, pré-modernismo, pós- modernismo, neo-modernismo.
64
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

generalização do uso dos termos “pós-moderno” e “pós-modernismo” que por sua

vez remetem à problematização da definição do “moderno” como um movimento

expressivo específico, sinônimo de “modernismo”. Ser moderno deixa então, em

certo sentido, de ser sinônimo de contemporâneo, apesar do uso do termo no senso

comum manter seu significado primeiro; bem como sua conotação de resistência à

tradição é abandonada e passa a ser ele mesmo a tradição vigente contra a qual

algo posterior, no caso o “pós-moderno” 55, vem em seu embate.

O crítico de arquitetura americano Charles Jencks (1939) é emblemático na

instauração da discussão modernismo x pós-modernismo. Mesmo que o termo pós-

moderno tenha sido utilizado pela primeira vez 56 muito antes do lançamento de seu
57
livro “A linguagem da Arquitetura Pós-Moderna” em 1977 foi esse autor que

ultrapassando o campo da arquitetura inflama o debate e difunde o termo.

55
Mais uma vez os termos utilizados já se mostram inadequados por princípio já que nos é ainda impossível viver efetivamente
num tempo a frente do nosso. Isto porque se o significado de moderno remete a algo atual e necessariamente diferente do
passado, pós-moderno tem necessariamente que ser algo que vem depois do próprio tempo em que se vive e é justamente aí
que se instaura o ponto cego dos defensores da pós-moderno. Por mais que se flexionem as temporalidades ainda vivemos
necessariamente num tempo presente, com as mais diversas expressões que ele possa ter. Dos tantos “pós” na história da
arte e do pensamento ocidental perpassando pelo pós-impressionismo até o pós-estruturalismo o prefixo define um movimento
de ultrapassagem, mas é somente no pós-moderno que cria tal desconcerto. Se a questão da denominação do pós-moderno/
pós-modernismo vem na esteira do entendimento de uma economia pós-industrial como nos coloca Fredric Jameson (1934)
em seu livro “Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio” (2004), o problema se torna ainda mais complicado e
controverso. Isto porque nesse sentido o “pós” significa a superação do processo de industrialização do mundo ocidental e a
indicação de uma condição totalmente industrializada dos meios de produção, com um sentido não de ruptura e nem mesmo
de redirecionamento, mas sim de completude de uma condição, o que não nos parece ser o significado que o termo pós -
modernismo nos remete.
56
“(...) a idéia de um ‘pós-modernismo’ surgiu pela primeira vez no mundo hispânico, na década de 1930, uma geração antes
do seu aparecimento na Inglaterra e ou nos Estados Unidos. Foi um amigo de Unamuno e Ortega, Frederico de Onís, que
imprimiu o termo postmodernismo. Usou-a para descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo: a busca de
refúgio contra o seu formidável desafio lírico num perfeccionismo do detalhe e do humor irônico, em surdina, cuja principal
característica foi a nova expressão autêntica que concedeu às mulheres. Onís contrastava esse modelo – de vida curta,
pensava – com sua seqüela, um ultramodernismo que levou os impulsos radicais do modernismo a uma nova intensidade
numa série de vanguardas que criavam então uma ‘poesia rigorosamente contemporânea’ de alcance universal.” ANDERSON
apud Ivo Dantas. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13310, acesso em 10/04/2010 às 16:20.
57
Duas entradas são cruciais para esse autor em sua estruturação teórica: a arquitetura como produto (fruto de um sistema
econômico) e a arquitetura como linguagem no sentido semiótico do termo. Assim a visão marxista que prioriza o entendimento
de qualquer realidade a partir das formas de produção, é o horizonte fundamental da crítica de Jencks e a partir do
entendimento de que há uma supraestrutura econômica que define todas as formas de produção, inclusive as culturais,
qualquer forma de expressão sob as égides do capital estaria a serviço de sua reprodução. É assim que esse autor norte-
americano explica a crise da arquitetura que deixa de ser uma produção de pequena escala em aporte de capitais e tamanho
de projetos para ser parte de um sistema terceirizado, impessoal e de grande escala. Nas entrelinhas, defende a submissão da
arte e em particular da arquitetura ao sistema econômico, não reconhecendo, portanto a autonomia de qualquer movimento
cultural. Contraditória a sua base marxista, suas colocações ao criticar a arquitetura moderna nos revelam que para ele o
modernismo foi um momento de resistência ainda possível, de autonomia da arte em relação ao sistema, devido à proximidade
entre autor/usuário/proprietário, não redutíveis unicamente às lógicas do c apital. A outra entrada de Jencks é via semiologia,
sua busca por uma linguagem “comunicante” da arquitetura. É nesse sentido que ele emprega o termo pós -moderno para
classificar aqueles arquitetos que “utilizam conscientemente a arquitetura como linguagem” (1980, p. 06) com a ressalva que a
maioria dos arquitetos estaria vinculada à tradição moderna. Para esse autor a linguagem na arte não significa expressão
65
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Ao ironicamente declarar e datar a morte da arquitetura moderna com um

episódio tão preciso e emblemático, para não dizer “espetaculoso” da implosão do

Complexo Habitacional Pruitt-Igoe (1951-1972), Charles Jencks, praticamente, não

só condena ao aniquilamento as possibilidades de desenvolvimento da arquitetura

moderna bem como à extinção de todo o campo da produção cultural dita moderna;

se ela ainda não estava morta de fato, foi assassinada.

Paradoxalmente é este autor que quatro anos antes mapeia os

desdobramentos da arquitetura moderna e amplia o leque de entendimento do

significado desse movimento em “Movimentos Modernos em Arquitetura” de 1973

dando um sentido de pluralidade ao modernismo que ele mesmo renega

posteriormente. Sua mudança de postura reafirma o descompasso da utilização do

termo já que ao defender a diversidade das expressões nos escritos de 1973,

Jencks ainda aplica o termo moderno, e o faz no plural, em seu sentido de

contemporaneidade. Ao restringir a abrangência e recolocá-lo no singular no texto

de 1977 ele passa a usá-lo não mais como adjetivo e sim como substantivo, no

57
artística ou poética do artista e sim a relação entre significante/significado e a comunicação que daí se estabelece com o
público em geral. No entanto, sua construção não revela que essa possibilidade de comunicação na arquitetura como em
qualquer outra forma de linguagem é culturalmente construída e modificada no tempo. A inovação da expressão artís tica é
fundamental nesse movimento de ressignificação. Quando critica Mies van der Rohe como o exemplo de um racionalismo
excessivo e equivocado modernista que perverte a semântica tradicional da arquitetura ao dar à sala de caldeiras da MIT a
forma de uma basílica cuja natureza religiosa seria acentuada pelo intercolúnio dos pilares e pelos vidros na parte alta nos
parece equivocado. Em primeiro lugar, Mies muito mais que um racionalista era um esteta, suas preocupações formais
superavam em muito suas preocupações com a racionalização da arquitetura em qualquer entendimento que esse termo
possa ter, mesmo ciente de todo o domínio e apuro dos materiais construtivos que ele possuía. Segundo, a análise não recua
no tempo suficientemente para dizer que em seu surgimento a basílica como tipologia na Roma Antiga não tinha um caráter
religioso só adquirido no medievo quando a solução do templo clássico romano já não era compatível com as necessidades da
prática cristã. Se por um lado o caráter semântico de uma obra não pode ser definido apenas e exclusivamente por sua
tipologia espacial, isto porque ela é ainda uma abstração que se materializa nos materiais, nas cores, nos ornatos, na luz, n a
sombra, nas texturas, entre outros, não redutíveis a ela; por outro as tipologias mesmo que ligadas às necessidades de uso,
são usos variáveis conforme os valores e práticas socioculturais de uma determinada sociedade, assim ela não pode ser lida
como determinante de um significado absoluto e fixo. A transformação de uso profano para sagrado e novamente a
dessacralização da basílica adotada numa quantidade enorme de armazéns de incontáveis cidades portuárias bem anteriores
à sala de Caldeiras de Mies, para citar apenas um exemplo de seus usos, mostram a impertinência do entendim ento quase
atemporal e fixo das tipologias que o autor quer defender. Em outra perspectiva, ao tomar a basílica semanticamente, desde
sua primeira aplicação, como uma tipologia vinculada ao abrigo de algo importante em uma determina sociedade, Mies então é
absolutamente coerente com seu significado ao dar às máquinas tal destaque numa sociedade que se diferencia das demais,
dentre outras questões, exatamente pelo pleno uso delas como meio de produção. Como nos coloca Lucrécia Ferrara (1988) a
semiótica é um ponto de partida e não de chegada, assim compreender a arquitetura através da semiótica é estabelecer rede
de conexões entre signos e significados dentro de um determinado horizonte cultural bem menos rígido do que pode parecer
numa primeira aproximação, dada as constantes ressignificações dos signos no tempo e no espaço.

66
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

sentido de um movimento artístico determinado, datado e fundamentalmente

ultrapassado. Sua afirmação de que “Pruitt-Igoe foi construído de acordo com os

ideais mais progressistas do CIAM (Congresso Internacional de Arquitetos

Modernos) e foi premiado pelo Instituto Norte-americano de Arquitetos quando foi


58
projetado em 1951” (JENCKS, 1980:09) leva a uma interpretação no mínimo

ambígua. Se a crítica às linhas rigorosas do conjunto em busca de um espaço que

favorecesse a boa convivência social59 seguiam os ditames dos CIAMs como o autor

afirma, com certeza não eram os de suas discussões mais atualizadas já que neste

mesmo ano de 1951, em sua oitava versão o evento foi intitulado “O coração da

cidade” e já vinha rediscutindo a importância das referências humanizadoras do

espaço urbano e a importância dos centros históricos. O tema do congresso revela a

capacidade autocrítica desse movimento e sua disposição para redirecionamentos e

desdobramentos, cuja caracterização não pode ser reduzida a princípios fixos e

rígidos.

Parece-nos, que para Charles Jencks o modernismo foi um movimento

caracterizado pelo distanciamento e/ou deslocamento entre signo e significado nas

artes, numa ruptura com as formas tradicionais de comunicação entre obra e público

na qual o criador ressignifica de tal maneira os elementos de composição da obra

que os tornam ininteligíveis ao fruidor comum. Essa então é sua crítica efetiva à

arquitetura modernista, uma linguagem muda, incapaz de se comunicar com o

grande público e justamente por isso se vê em crise quando é chamada a servir ao

58
Tradução livre da autora.
59
Quando Jencks condiciona o fracasso do projeto à enorme violência que ali acontecia, além de inverter o problema, reduz as
complexas relações que determinam a apropriação de uma obra arquitetônica por seus usuários a uma condição de causa e
efeito estreita. Se o problema fosse apenas o rigor das linhas traçadas por alguém que imagina um ser tipo no qual o usuário
deveria se tornar, as favelas brasileiras construídas por seus próprios moradores com a espontaneidade da necessidade dos
recursos, das vontades, das referências locais seriam os lugares mais tranquilos e distantes da violência possível, o que em
absoluto não corresponde à realidade. Sua argumentação ultrapassa a arquitetura, é social e se alguns modernistas se
equivocaram em acreditar que da nova arquitetura poderia nascer um novo homem, essa utopia por se só não define o
modernismo e não pode ser aplicada a todos os artistas reconhecidamente modernistas.

67
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

gosto desse grande público, ao se tornar hegemônica e vinculada ao sistema político

e econômico dominante.

Mas mesmo discordando de suas explicações para a morte do modernismo,

não podemos deixar de reconhecer que as formas de arte ganharam soluções e

lógicas diferentes daquelas emblemáticas obras do início do século XX, bem antes

do debate chegar à acadêmica e ganhar rótulos. A pergunta então é, ultrapassado o

problema da nomenclatura, o que é esse fenômeno denominado modernismo e em

que medida se pode ou não falar do fim desse movimento? Como as mudanças nos

percursos da arte durante o século XX podem ser colocadas como continuidades,

deslocamentos ou rupturas com perspectivas modernistas nos caminhos de uma

“condição pós-moderna” 60?

Mesmo durante o embate enfurecido da primeira geração que reivindicou o

desligamento com as “frias”, “incompreensíveis” e “impopulares” expressões do

modernismo, muitos foram aqueles que saíram em defesa não só das importantes

60
Um autor crucial na instauração desse embate e que merece a devida atenção, especialmente em evidenciar em que termos
coloca o problema e levanta a bandeira do pós-moderno é Jean-François Lyotard (1924-1998) ao escrever em 1979 o livro “A
Condição Pós-Moderna”. Como ele mesmo afirma no prefácio, o livro é um “escrito de circunstância”, fruto de um trabalho
desenvolvido pelo filósofo para o Conselho das Universidades junto ao governo de Quebec / Canadá, a pedido de seu presidente cuja
publicação foi possível após a anuência deste. Seu objetivo centra-se então em avaliar, “a posição do saber nas sociedades mais
desenvolvidas” (LYOTARD, 2002, p. XV). Ao apontar os conflitos entre a ciência moderna e sua principal forma de legitimação,
a saber, a filosofia, ele toma como moderno o arcabouço do saber institucionalizado no século XVIII proveniente do
pensamento iluminista e seus relatos heroicos, que já estariam em crise desde o final do século XIX. Nesse sentido,
ultrapassar a condição moderna é para ele transpor as lógicas estabelecidas pelos filósofos do século das Luzes que não
seriam mais capazes de responder à realidade do mundo industrializado e informatizado. O risco do relativismo da teoria dos
jogos que embasam as colocações de Lyotard é voltar por lógicas distintas a legitimar exatamente o que essa forma de pensar
criticou na unanimidade da razão – o extermínio de seres humanos por suas diferenças – já que os jogadores podem sempre
restabelecer as regras segundo seus interesses. Como muito bem nos coloca Habermas sobre essa forma de pensar: “(...)
aparece sempre uma simbiose de coisas incompatíveis, uma amálgama que, no fundo, s e opõe à análise científica
<<normal>>. Ora a dificuldade só é deslocada quando trocamos o sistema de referência e não abordamos mais os mesmos
discursos como ciência e filosofia, mas como um pedaço de literatura. O facto de a crítica auto-referencial à razão se
estabelecer ao mesmo tempo em discursos sem local definido, por assim dizer em todo o lado e em lado nenhum, quase os
torna imunes em relação às interpretações concorrentes. Tais discursos tornam inseguros os critérios institucionalizados de
falibilismo; permitem, quando a argumentação já está perdida, dizer sempre uma última palavra: que o oponente entendeu mal
o sentido do jogo de linguagem e que na sua maneira de responder cometeu um erro categorial”. (HABERMAS, 1998,
p.309/310). Se por um lado não há como discordar com a mudança de estatuto do saber nas “sociedades informatizadas”, não
se pode afirmar que essa condição é exclusividade das sociedades contemporâneas mais desenvolvidas como afirma Lyotard, pois
essa coincidência se um dia houve já não se verifica mais; por outro ela não é suficiente sozinha para determinar uma nova já que na
extensão global que o mundo informatizado alcançou não se pode falar de uma plena industrialização de todas as sociedades
pertencentes a este mundo e assim essa cultura vinculada a esta condição ainda estaria por vir. Mesmo que essa condição estivesse
consolidada, ainda assim não se poderia ser contundente ao afirmar a existência de uma era completamente nova já que os principais
elementos que definem a configuração e reconfiguração dos grandes tempos da humanidade, a saber, as formas de explicação do
mundo, as relações de trabalho e seu sistema econômico ainda persistem.
68
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

contribuições deste movimento, mas alegavam efetivamente a perpetuação do

modernismo. Em sua maioria, esses autores ainda viam as obras do momento, em

suas respectivas especialidades, como desdobramentos e desenvolvimentos desse

próprio movimento; continuidades muito mais do que rupturas como nos colocam

Malcolm Brandbury (1932-2000) e James McFarlane (1920-1999), ao organizarem a

coletânea “Modernismo Guia Geral 1890-1930” em 1974:

Quando planejamos este livro, tínhamos em mente que essa literatura continua a
ser desconcertante, que nós atualmente ainda pertencemos a ela de diversas
formas importantes, e que as discussões críticas sobre ela ainda não saíram de
seu estágio de formação. (1999, p. 07).

Para eles mais que um sítio arqueológico sepultado e rotulado, o modernismo

em muitas de suas características ainda se faziam presentes na literatura daquele

momento e os textos ali reunidos representavam bem a pluralidade da natureza do

fenômeno identificado como modernismo. Seguindo ainda a trilha desses autores, a

ordem de grandeza dos deslocamentos da história das artes, literatura e do

pensamento no início do século XX são de uma “sublevação de natureza

cataclísmica” (BRANDBURY & MCFARLANE, 1999, p.13). O modernismo promoveu

mudanças de tal ordem que questionou toda uma civilização e sua cultura, demoliu

todas as crenças e postulados para uma reconstrução frenética destes, cujo alcance

ultrapassa uma expressão estilística, e se situa em uma ordem bem mais ampla

(BRANDBURY & MCFARLANE, 1999).

Podemos intuir, então, que um fenômeno de tal grandeza não seja tão

rapidamente extinguível e que seus desdobramentos sejam sentidos por um período

razoável de tempo. É neste sentido que esses autores afirmam a continuidade do

modernismo, não em formas congeláveis e reproduzíveis das obras emblemáticas

do alvorecer do século XX, mas em sua condição de reinvenção das relações do

69
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

homem com o mundo. Condição esta que não poderia ser entendida como moda

que caracterizaria uma década, nem ainda redutível a um estilo que identificaria um

século, mas algo responsável por uma era, caracterizada pela derrubada das

fronteiras nacionais e culturais.

Com tal amplitude o modernismo ganha uma dimensão gigantesca, que se

por um lado faz jus à escala de mudança das artes e da cultura que ele efetivamente

promoveu, por outro nos abre uma perspectiva pouco compatível com a dimensão

que ele efetivamente teve. Talvez ele possa ser bem melhor caracterizado como um

momento síntese e ápice de vários contextos em transformação e que sem dúvida

não só contribuiu, mas determinou a abertura das múltiplas possibilidades das

expressões na arte e na cultura da contemporaneidade em vários de seus aspectos.

Porém seria dar um tamanho que ele não teve caracterizá-lo com tal ordem de

grandeza, talvez um equívoco motivado por não considerar os enlaces da arte com

outros campos, mesmo que defendamos a sua autonomia não podemos descolá-la

dos horizontes contextuais em que ela se dá e as interferências múltiplas que se dão

entre campos e horizontes mutuamente. É de certa forma confundi-lo com a própria

modernidade.

Das discussões e vários posicionamentos é fundamental destacar o valor

ímpar de ruptura autoconsciente do modernismo. Foi esse movimento sem dúvida

que refunda o estatuto da arte como campo efetivamente autônomo. E mesmo que

seus detratores tentem minimizar sua contribuição foi esse movimento que liberou

definitivamente a subjetividade de suas amarras normativas vinculadas ao passado

e a tradição, e abriu a pluralidade das possibilidades e descontinuidades que tanto

são celebradas na atualidade. A revalorização do modernismo pode ser explicada

por motivações distintas que perpassam não só pelo reconhecimento de suas


70
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

contribuições fundamentais para o campo das artes, como também pela referência

importante de princípios criativos e compositivos ainda válidos na atualidade. Vale

ressaltar que, com o centenário de suas obras mais paradigmáticas e as reviravoltas

do mundo ocidental nos anos 90, há distanciamento suficiente dos críticos e

historiadores para ultrapassar a querela entre moderno e pós-moderno e entender

com mais tranquilidade os significados e papeis desse movimento no largo percurso

da história das artes e da cultura.

É nesse clima de revisão da importância do modernismo no final dos anos 90

e após a euforia pós-moderna dos anos 80, que críticos como o inglês Charles

Harrison (1942-2009), professor de história e teoria da arte da “Open University”,

buscam conceituar o modernismo mais focado nas atitudes de seus protagonistas

do que propriamente nas formas das obras produzidas sob sua égide. Essa forma

de pensar busca ultrapassar o objeto e revelar as questões que as motivam. Para

esse autor o modernismo seria uma espécie de valor mais que de uma forma,

inatingível “sem reflexão ou luta”. Uma forma de contraste com alguma cultura

considerada canônica e imutável.

A produção artística, segundo esse autor, é sempre conduzida dentro de um

contexto de alguma tradição da própria arte e o modernismo não é uma exceção a

isso. As obras artísticas são inspiradas em outras obras precedentes, no entanto

essa inspiração se manifesta de diversas maneiras. São justamente nas maneiras

dessa manifestação que se caracterizam os movimentos na história da arte, o que

permite a ele afirmar que “(...) o valor do modernismo se estabelece (...) como uma

espécie de diferença intencional com respeito a outras formas, estilos e práticas

correntes.” (HARRISON, 2000, p. 14). É uma tradição que estabelece constante

tensão com a cultura circundante e não é identificável por determinados cânones


71
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

estilísticos, mas por um tipo de disposição ou tendência à dissociação de

procedimentos legitimados de ver e reproduzir o mundo. (HARRISON, 2000). O

modernismo então para esse autor é uma forma de valor alcançável através de

reflexão e combate sempre construído a partir de sua relação com outras formas de

valor na arte – não tem existência independente, é algo que se institui na

comparação com o outro. Não é nem apenas uma arte reativa, nem pode ser

compreendida isoladamente e incontestavelmente. A distinção entre arte moderna e

modernista ainda segundo esse autor se revela então na condição identificável pelo

estilo da primeira, enquanto a segunda vai mais além, é aquela que “registra o seu

surgimento como indicativo de certos posicionamentos e atitudes críticos adotados

pelo artista em relação tanto à cultura mais ampla do presente quanto à arte do

passado recente.” (HARRISON, 2000, p. 14).

O problema desse tipo de entendimento é que de um lado dissolve o

modernismo enquanto movimento artístico identificável e independente, já que ele

passa a ser exclusivamente um valor somente detectável na comparação entre

obras e não reconhecível através de suas formas expressivas. De outro abre de tal

forma o conceito desse movimento a ponto de extinguir sua especificidade, torna-se

tão genérico que qualquer variação nos procedimentos artísticos que se caracterize

como diferença pode ser interpretada como modernismo, já que não há

particularidades que o caracterize. O modernismo então deixa de ser um movimento

artístico para ser um posicionamento pessoal do artista frente ao mundo, um

posicionamento crítico, de resistência – sem dúvida posturas importantes para

aquelas figuras fundamentais para sua história – mas que sozinho se torna

insuficiente para explicá-lo. Evidentemente é um procedimento que justifica as

insinuações de continuidade desse movimento até a atualidade por parte do autor

72
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

que finaliza seu livro com o seguinte questionamento endereçado a cultura “do

passado recente e do presente”:

Que significado tem dizer que, sejam quais forem as suas virtudes e o modo de
representá-lo, o modernismo não é mais a nossa cultura? Será o caso de aquilo
que o termo “modernismo” designa ser apenas uma forma historicamente
específica de cultura – a qual já perdeu sua vitalidade crítica e, assim sendo,
encerrou sua carreira? Ou será o caso de o modernismo representar um tipo de
demanda a que continuamos sujeitos? Estamos tão decadentes a ponto de
sermos incapazes de corresponder àquele persistente padrão moral e intelectual
com o qual ele é associado nos escritos de Fried e de outros? (HARRISON,
2000, p. 75).

O crítico inglês defende uma elasticidade da aplicação do conceito do

modernismo que satura o termo excessivamente. Condição que fica evidente

quando ele usa o exemplo das línguas: aquelas clássicas como grego arcaico e o

latim possuem formas imutáveis e são distinguíveis das modernas exatamente por

não estarem em uso nem serem passíveis de transformação. Essa comparação,

mais uma vez dá uma amplitude tamanha ao termo que se torna impossível limitá-lo,

remete e confunde seu entendimento com moderno em seu sentido primeiro de

próprio de seu tempo, o que volta a turvar o esforço de distinguir ambos os termos,

objetivo primeiro desse autor.

Ainda nos parece adequada a postura de Jürgen Habermas (1929) em

primeiramente distinguir modernidade e modernismo. Em suas palavras no apêndice do

livro de Arantes e Arantes (1992, p. 109): “aquilo que chamei de projeto da

modernidade só se dá a ver se deixamos de aplicá-lo apenas à arte”. O modernismo foi

o gesto de expressão da modernidade possível após a libertação da arte de fins

exteriores a ela mesma e da compreensão esteticista que artistas e críticos passaram a

ter de si mesmos, que constituiu o que o filósofo alemão chamou de especificidade do

estético, ou seja: “a objetivação da subjetividade descentrada, que experimenta a si

mesma, o desvio das estruturas espaço-temporais do cotidiano, a ruptura com as


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

convenções da percepção e da atividade em vistas de fins, a dialética de desvelamento

e choque”. (opus cit., p. 114).

Para esse autor o modernismo foi uma explosão vigorosa de energia que tentou

inutilmente diminuir a distância entre arte e vida e cumprir uma promessa de felicidade

impossível de superação que começa com Baudelaire e termina no surrealismo. É um

movimento que ao valorizar o transitório e celebrar o dinamismo, se constrói na

negação de si mesmo e se caracteriza pela “nostalgia de um presente imaculado” (opus

cit., p. 104). Assim, essa característica também explica a relação desse movimento com

a história que não é propriamente anti-histórica e sim constrói a atualidade na

espessura de passados objetivados, rompe com a tradição através da insurgência

contra seus efeitos normativos, o contínuo da imitação de modelos e desvela a

“subjetividade descentrada, liberta de todas as restrições da cognição e da atividade

voltada para fins” (opus cit., p. 121). Mesmo ciente do fracasso da revolta modernista,

Habermas não vê motivos para uma desqualificação completa desse movimento, e

defende inclusive o aprendizado como os desacertos de seus programas ambiciosos.

Críticos como Otília Arantes (1940), cujo viés estruturalista-marxista não admite

a autonomia da arte, criticam Habermas por defender as lógicas de um movimento que

deveria ser síntese de uma era da razão e que foi incapaz de acertar em suas

respostas aos problemas da vida cotidiana. A ambiguidade, a complexidade, a

autocrítica capaz do reconhecimento da fragilidade e vulnerabilidade da condição do

homem que as formas modernistas foram capazes de expressar e a autora paulista

interpreta como fraqueza, para nos é exatamente a grandeza do modernismo, sua

condição de instabilidade que questiona e inova, numa inquietação constante. Muito

mais do que certezas e respostas para um novo mundo, o legado do modernismo se

74
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

situa no estranhamento, no questionamento do mundo corrente, na capacidade do

homem de expressar seu inconformismo e sua indignação.

Vale ressaltar que ao contrário do que pode parecer num primeiro momento,

Habermas não defende a continuidade do modernismo e situa seu esgotamento nos

anos 60, mas é ele que abre o horizonte para a valorização de questões importantes

colocadas pelos modernistas em alternativas para a contemporaneidade artística que

não sejam simplesmente voltar a formas normativas conservadoras. Passados mais de

três décadas do fervor do impulso antimodernista, podemos verificar a pertinência das

colocações desse pensador ao alertar sobre aqueles que ele denominou

“neoconservadores”:

Saúdam o desenvolvimento da ciência moderna, na medida em que esta só


ultrapasse sua própria esfera para impulsionar o progresso técnico, o crescimento
capitalista e uma administração racional. No mais, recomendam uma política de
desativação dos conteúdos explosivos da modernidade cultural (opus cit., p. 122).

Sua defesa da modernidade cultural se dá em um sentido que ultrapassa a

perpetuação das expressões modernistas em si, e situa-se na perpetuação das

conquistas da livre expressão que esse movimento alcançou. Ao advogar a favor da

autonomia da arte, da ciência e da justiça, como planos distintos, porém

intercambiantes e intercambiáveis, Habermas nos revela a importância do sujeito como

ser ainda capaz de exercer um papel crítico e dar alternativas as condições

hegemônicas. Não cede às perspectivas pessimistas, ou talvez confortáveis, que

condenam o homem a um ser manipulável e subjugado a um sistema econômico, sem

poder de escolha, muito menos de criação; nem comunga das posturas que

vislumbram apenas o sujeito como um ser esquizofrênico apto apenas a gritos

dissonantes e dispersos incapazes de ressonâncias articuláveis.


75
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Assim, parece-nos fundamental a distinção entre a modernidade enquanto era

histórica como um horizonte temporal amplo, e o modernismo como um dos

movimentos artísticos pertencentes a esse período histórico. Grosso modo, ao

traçarmos um paralelo entre as grandes eras históricas, a relação entre modernidade e

modernismo equivale, de certa maneira, àquela entre medievo e românico: um estilo na

arte que mesmo capaz de sintetizar seu tempo não pode ser identificado com ele como

a única expressão desse grande período da história ocidental. O mesmo pode se

pensar para a antiguidade clássica e a arte grega. Esses longos tempos são

caracterizados por aspectos gerais de mentalidades, culturas, relações sociais,

estruturas de poder e sistemas econômicos específicos, mas não estanques. Assim as

manifestações artísticas de um mesmo período ganham contornos distintos o suficiente

para serem considerados como estilos diversos, mas próximos o suficiente para

estarem alinhavados por um mesmo horizonte contextual. É por isso que podemos falar

de arte paleocristã, românica e gótica na Idade Média ou de arte renascentista,

maneirista, barroca e rococó no Humanismo, e é esse um dos sentidos que podemos

dar ao modernismo, um movimento que juntamente com o neoclassicismo, o

romantismo, o ecletismo e mais alguns outros “ismo” configuram as diversas formas

expressivas da modernidade.

Talvez o turvar dos entendimentos se dê pela ambiguidade e complexidade do

modernismo que sintetizou com propriedade ímpar os anseios e dilemas da

modernidade. Em certo sentido pode ser considerado seu ápice, aquele ponto no qual

se conjugam o melhor e o pior de um momento, onde se confrontam sonho e fato na

concretização da utopia e seus embates com os limites da realidade. Nesse ponto se

dá a expressão mais madura de um momento ao mesmo tempo em que ficam claros

seus limites, bem como evidencia seu esgotamento. A abrangência então da


76
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

modernidade é de um alcance e um sentido bem mais amplo que o modernismo, que

se refere especificamente a um momento artístico que mesmo com sua imbricada

conexão com a era histórica tem seus limites restritos ao campo das artes. A distinção

do significado dos termos e suas abrangências nos parecem fundamental dada à

ordem de equívocos gerados pela filiação de ambos do termo moderno que muitas

vezes é utilizado para denominar os dois fenômenos, como por exemplo, tempos

modernos e o movimento moderno. A tomada de um fenômeno pelo outro, ganha ainda

contornos mais confusos com o tom dos debates a partir dos anos 70, quando os

defensores do pós-modernismo buscam a todo custo proclamar não só o esgotamento

de determinadas lógicas de expressão, mas o fim de uma era inteira61.

O esgotamento das lógicas do modernismo não se dá propriamente na

ultrapassagem de sua linguagem como advoga Jencks (1977), mas na verificação de

sua incapacidade para transformar bruscamente e controlar as formas de vida

pretensamente modernas num direção pré-determinável. O maior problema se dá na

verificação dos limites efetivos dos domínios da arquitetura e do urbanismo, um dia


61
O estopim da querela moderno x pós-moderno acontece na arquitetura, que mesmo antes dos primeiros textos instauradores que
colocam de fato a questão como o livro de Charles Jencks (1977), já se fazia sentir nas argumentações de Robert Venturi em
Complexidade e Contradição em Arquitetura (1966). Tal fato pode talvez ser explicado não por entendermos a arquitetura como
absolutamente distinta das demais manifestações artísticas como a pintura, a música ou a literatura, mas por entendermos sua
especificidade que se constrói no entre objeto de arte e produto utilitário industrializável. Essa condição a colocou em um ponto central
nos embates da própria modernidade, visto que enquanto em sua grande maioria os caminhos das demais expressões da arte que
caracterizaram o modernismo trilharam direções opostas e até mesmo resistentes à industrialização, a arquitetura em sua vertente
mais representativa foi ao seu encontro. E a liberação das subjetividades potencializada pelas novas possibilidades técnicas, se deu
sobre a busca da funcionalidade e racionalização da construção. No entanto, como bem nos adverte Habermas, as linhas de pureza
geométrica que caracterizaram a maioria das obras desse período devem suas formas “ao construtivismo, esteticamente motivado e
nascido de problemas novos, colocados pela própria arte, o que erroneamente é atribuído ao funcionalismo.” (1992, p.138). O debate
surge primeiro na arquitetura por sua condição impar, sua localização num ponto de intercessões entre uma gama de saberes que
vão da física à filosofia, da ecologia à antropologia, da ciência à arte. Sua especificidade se funda na dobra desses saberes e suas
tantas interações e ressonâncias. Como habitat humano a arquitetura é indissociável dos mundos da vida e ressente com maior
intensidade a tensão entre a autonomia da arte, levada ao extremo pelos modernistas, e os modos de vida cada vez mais complexos
e variáveis das sociedades a partir de seus processos de industrialização. Pontuar esse lugar da arquitetura é compreender sua
natureza e o que efetivamente significou voltar-se para seus próprios fins e auto normatizar-se. O movimento que gera a condição
moderna de autonomia da arte é o mesmo que a coloca em cheque, e esse embate é sentido em primeira mão na arquitetura porque
é apenas nela que essa condição gera conflitos irreconciliáveis. Se a pintura ou a literatura pode se dirigir aos poucos que
compartilhem de determinados princípios expressivos, esse não é o caso da arquitetura, goste ou não, entenda ou não, ela é pública
e configura a cidade e seus espaços. Quando a preocupação da arte volta-se exclusivamente para se mesma desde o último quarto
do século XIX e se desvincula de qualquer finalidade outra que não ela própria põe a arquitetura em um lugar de desconforto. É
justamente nela que não é possível ignorar os seus enlaces com outros campos, já que sua finalidade implica questões que
ultrapassam os limites da expressão artística e se fundam na necessidade do habitat humano. Assim sendo, é a arquitetura que em
primeira frente se coloca em embate com a esfera pública e voltar-se para seus próprios fins é abrir-se para multiplicidade das
necessidades humanas, não determináveis unicamente pelo gênio criador do artista. O limite do pensar modernista se dá exatamente
aí, na verificação da impossibilidade do pleno desvinculo entre a arte e os mundos da vida preexistentes, na constatação da
necessidade de conexões efetivamente interdependentes entre arquitetura e vida cotidiana em suas múltiplas e complexas
realidades.
77
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

alargados por uma utopia inatingível ou talvez extremamente pretensiosa de

transformação do próprio homem a partir do espaço construído. Diferente do impacto

das demais formas de expressão modernistas, a arquitetura gerou uma reação mais

imediata em seu público visto que a fruição de suas obras não se dá através de

encontros eventuais e optativos e sim pelas vivências cotidianas obrigatórias de toda

uma população.

A nosso ver, no entanto, as lógicas estabelecidas pelo modernismo em certo

sentido ainda permanecessem, o que se perdeu foi a tensão entre tradição x inovação

e a força propulsora de ruptura, tão características desse movimento. Num mundo onde

o horizonte cultural é fundado na transformação e não na permanência, essa tensão se

afrouxa e até mesmo perde o sentido: nem novidade é sinônimo de ruptura, nem

tradição sinônimo de normativa imutável. Para além da ultrapassagem de um

determinado repertório formal, o esgotamento do modernismo não está propriamente

na impertinência absoluta de suas contribuições, e sim no desaparecimento de um

horizonte contra o qual sua lógica de resistência ia de encontro, num deslocamento no

qual o plano de corte se tornou o horizonte.

Se as obras do modernismo são de fácil e imediato reconhecimento, apesar da

dificuldade de defini-lo, como afirma Peter Gay (2009), é bastante defensável que essa

definição perpasse não só pela postura herética e autocrítica de seus principais

personagens, como defende esse autor, mas também por características formais

reconhecíveis em contextos circunstanciáveis.

Para uma melhor aproximação desse movimento, é necessário tanto ultrapassar

a visão dos críticos modernistas e seus opositores nos anos 70 que ainda se

concentravam no objeto em busca da definição do modernismo; bem como aquela dos


78
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

críticos a partir dos anos 90 que concentraram seus esforços em depositar tal definição

nas personalidades combatentes e irreverentes dos artistas cujas posturas de

contraposição ao panorama tradicional da arte de seu tempo eram traço fundante.

Procuramos entender aqui o modernismo como uma reinvenção das relações do

homem com o mundo num movimento artístico explosivo – em um sem número de

expressões tão variadas, variantes e variáveis quantos foram seus participantes ou

bem mais dada às guinadas nas pesquisas de certas subjetividades mais inquietas –

que buscou sua autonomia na libertação da ação criadora das ataduras do passado,

em pesquisas experimentais das potencialidades do mundo em processo de

industrialização em suas múltiplas facetas. Reconhecíveis em uma imbricada, tensa e

específica relação entre expressões formais, subjetividades desveladas e contextos

específicos, o modernismo culminou numa ruptura sem precedentes na história das

artes ao se desvincular proposital e conscientemente dos princípios compositivos

normativos preexistentes.

Caracterizado por formas não só inovadoras como também desconcertantes,

direcionadas para o futuro e não mais inspiradas no passado, que se desvinculam

bruscamente da tradição da mimese e de qualquer espécie de fórmulas e modelos

preestabelecidos, essa importante expressão dos tempos modernos leva a cabo em

suas últimas consequências as premissas de auto compreensão, autocrítica, auto

normatização e auto certificação da modernidade, fruto de subjetividades capazes de

mergulhos profundos e rigorosos em suas interioridades. Personalidades que de posse

de um grande lastro de conhecimento da tradição tiveram estofo suficiente para

contestá-la, situados num contexto propício e permissível ao experimental dado às

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mudanças nas mentalidades, nas formas econômicas e nas possibilidades técnicas

caracterizadas pela constituição do mundo capitalista.

Esse contexto foi essencial para o modernismo, que de maneira paradoxal, foi

ao mesmo tempo foco de combate do movimento, seu primeiro promotor e

consumidor de suas obras. Sem dúvida foi graças a dispersão de poderes do mundo

burguês que a heresia modernista pode acontecer (GAY, 2009), mas somente num

horizonte onde ainda figurava a imponência de tradições canonicas (nativas ou

importadas) pode essa força de ruptura ter um efeito tão bombástico. A energia

explosiva do modernismo se constituiu na capacidade de reconfigurar todo o

universo da arte e transbordar para outros campos da ação humana suas lógicas da

descontinuidade subjetiva. Criar então passa a ser voltar-se para si mesmo, navegar

pelo não conhecido, não feito, não pensado, se abrir ao futuro. É esse movimento

para dentro que permite o impulso para o futuro em aberto, liberto do direcionamento

fixo com sentido determinado que o seguir de regras previamente definidas

estabelece. No entanto, as obras modernistas não eram gratuítas, elas respondiam

a uma reflexão crítica de cada artista sobre seu campo de expressão.

O modernismo transgride a tranquilidade das relações entre forma expressiva e

conteúdo temático, a qualidade da obra se desvincula do tema e se volta para o

tratamento ou seja sua técnica. As obras modernistas dão ao banal posição de

destaque, ao cotidiano monumentalidade, dão voz a intimidade e ao privado,

visibilidade ao marginal. Suas formas mais que elementos fixos ou reprodutíveis de

linguagem, são soluções inusitatas que provocam essa sensação de descompasso,

desconforto e estranhamento. Esse movimento se funda no valor da diferença crítica

como aponta Harrison (2000), mas não qualquer diferença, uma diferença cortante

sobre o horizonte da permanência, do esperado, do conhecido. Essa tensão é


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

fundamental para o modernismo. A atitude de transgressão de seus artistas é, muito

mais que uma rebeldia, uma busca consciente das possibilidades que a abertura das

mentalidades rascou sob o véu das convenções. Abertura possível com o ganho de

importância da ciência e redução do papel da igreja, com a instituição do capitalismo

como sistema econômico predominante e suas implicações nas instituições políticas,

com a diversificação, multiplicação e pulverização dos poderes, das vontades, das

sensibilidades, enfim com a instituição do mundo burguês. Como afirma Peter Gay,

os modernistas “tinham sólidos bastiões da cultura a assaltar e alternativas drásticas

a oferecer. A despeito da aparente frivolidade, eles sabiam o que estavam atacando.

A despeito dos exageros, eles eram sérios.” (2009, p. 28). Ainda compartilhando das

colocações desse autor:

(...) o modernismo foi uma dupla libertação psicológica, para os produtores e


também para os consumidores da alta cultura. Deu aos artistas a liberdade de
levar a sério suas fantasias de insubordinação, de encarar com indiferença os
cânones que por tantos séculos haviam ditado os temas e as técnicas, de decidir
se era o caso de modificar – ou, mais radicalmente, de derrubar – os critérios
vigentes, e que seriam eles a empreender a revolução. (GAY, 2009, p.45)

Embora bastante pertinente, a visão de Peter Gay ainda se revela restrita a

um colonialismo que apenas reconhece as contribuições do eixo Europa Central –

Estados Unidos. Mesmo as raríssimas exceções como o reconhecimento de Gabriel

García Marquez é tratado como um incidente fora de época e quase descabido. Os

epsódios excêntricos a esse eixo se conhecidos são desconsiderados ou incluidos

no que ele denomina de “cornucópia modernista”, obras de pouca ou nenhuma

qualidade artística que aproveitando a abertura inovadora e a fome de novidade do

clima gerado pelo modernismo reivindicam uma condição que não lhes é devida.

A nosso ver esse movimento artístico é caracterizado pela expressão livre de

sujeitos que foram capazes de uma autocrítica cortante, potente o suficiente para ao

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mesmo tempo destruir sensibilidades há muito consolidadas e criar outras novas

através de formas desconcertantes e experimentais que expuseram em primeiro

plano os problemas intrísecos específicos a cada tipo de manifestação artística. Mas

não só, é também definido necessariamente por um contexto de tensão fundante de

transposição de crenças, saberes, poderes, desejos e principalmente pela inserção

definitiva da sociedade no horizonte da espectativa ansiosa de futuro tão cara ao

capitalismo e da mecanização da era da máquina.

Como movimento de “objetivação de subjetividades descentradas”

(HABERMAS, 1998), suas manifestações foram tão diversas quantos os sujeitos na

face da terra que se aventuraram a levar a cabo a potência criadora através da

autonormatização e autoregulamentação, como expressão de uma autoreflexão

profunda que funda alternativas aos mundos vingentes. O modernismo não

aconteceu apenas na Europa e mesmo que em momentos disitntos foi responsável

com maior ou menor contundência pela tranformação do quadro cultural em outros

tantos lugares no globo, sempre correspondente, apesar dos descompassos, a

processos de industrialização (disitintos) e à euforia do progresso na ascensão da

sociedade burguesa, inflexionado pelas duas Grandes Guerras.

A questão assim é recolocada no sentido de verificar se e em que medida as

manifestações excêntricas ao espaço geográfico de gestação do modernismo, como

no Brasil, as expressões modernistas foram apenas ecos dispersos das fontes

europeias (como continuam a afirmar as visões eurocêntricas) cujo papel foi apenas

ratificar as formas originárias do velho continente ou se falas criativas que

contribuiram com direcionamentos novos para o desdobramento e continuidade

desse movimento.

Segundo Marcio Doctors (2001):


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

(...) a arte latino-americana como um todo, e de forma mais radical a arte


brasileira, sofre de um desvio de instauração. O que estamos chamando de um
desvio de instauração? É que nessas paragens, abaixo do Rio Grande, formou-
se o mesmo diferenciado da civilização ocidental européia. Ao mesmo tempo nos
vemos e não nos vemos, somos vistos e não somos vistos como continuidade
dessa cultura. Esse paradoxo cria o incômodo e a riqueza da dúvida. É uma
esquizofrenia que, por exemplo, a cultura norte-americana não sofre. Ela se vê e
é vista como um desdobramento natural da civilização ocidental. Ela está
integralmente inscrita nela. Não é o que ocorre conosco. Somos o fora-dentro.
(DOCTORS, 2001:35)

Reconhecer a imbricada conexão entre a cultura europeia e a cultura

brasileira no que Doctors chama de “desvio” não significa procedência submissa e

subordinada e sim um desvio criador, uma diferença existencial.

Nesse sentido e na tentativa de contrapor a lente eurocêntrica que se revela

nessa insistente caracterização de nossa cultura, e em especial no caso em questão

da arquitetura, como necessariamente uma derivação deturpada (para o bem ou

para o mal) dos acontecimentos europeus, o modernismo no Brasil, é aqui entendido

como um dentre os tantos movimentos de legitima descontinuidade com uma cultura

vigente. Um movimento caracterizado pela criação de novas formas expressivas a

partir de uma reflexão autocrítica da realidade vivida em suas mutações provocadas

pela vida moderna, pela industrialização62 e pela ascensão da burguesia, ocorridos

em espasmos descompassados e desconexos temporalmente, espacialmente e/ou

socialmente, como por exemplo, o Arts and Crafts inglês dos idos de 1860 e a

Bauhaus fundada em 1919. Esses episódios, criados por indivíduos ou grupos com

programas e experimentos distintos só ganharam nexos de continuidade e unidade

nas narrativas históricas e textos críticos favoráveis e politicamente engajados,

62
Seja como realidade efetiva, como estado embrionário ou apenas como um desejo. Por outro lado, a realidade da
industrialização europeia criou impactos enormes também no mundo ainda não industrializado ou pré-industrializado.
83
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

interessados em dar hegemonia à invenção desse imenso bolsão denominado

“Movimento Moderno” 63 e em âmbito mais restrito ao modernismo.

Enfim, muito distante de uma coesão unitária, a arte/arquitetura moderna em

amplo horizonte, o movimento moderno em um plano intermediário e o modernismo

em universo mais limitado foram frutos absolutos do espírito apartado e fragmentário

dos tempos modernos, compostos por inúmeros movimentos independentes e

descontínuos – caleidoscópios concêntricos crescentes que se revelam através de

mosaicos multifacetados compostos por estilhaços que geram imagens mutantes

conforme a combinação e recombinação de suas peças no movimento do olhar.

Em seu período mais frutífero nas primeiras décadas do século XX, alguns de

seus mais notórios participantes, imbuídos da tradição hegeliana do “Zeitgeist”,

alegavam a correspondência unívoca de suas soluções com as condições e o

espírito do moderno mundo industrializado. Tais artistas e seus defensores

acreditavam e defendiam que suas realizações manifestavam o verdadeiro “espírito

do tempo”. Condição que as colocariam, acima dos modismos estilísticos, como a

única expressão própria de seu tempo e, portanto o rumo a ser seguido. Nessa

esteira são centrais as contribuições do crítico de arte Clement Greenberg e as falas

de Walter Gropius, Le Corbusier e Sigfried Giedion, na arquitetura. No Brasil essa

ideia também permeia os círculos modernistas das rajadas de Mário de Andrade às

colocações de Antonio Candido, presente na arquitetura desde o manifesto de

Gregori Warchavchik de 1925, e ganha ainda mais evidência em “Razões da Nova

Arquitetura” (1936) de Lúcio Costa:

63
Ver discussão em ARAÚJO, Anete. A Construção do Movimento Moderno: entre a arquitetura e a historiografia. In:
CARDOSO, Luiz Antônio Fernandes & OLIVEIRA, Olívia Fernandes (Orgs). (Re)Discutindo o Modernismo: universalidade e
diversidade do movimento moderno em arquitetura e urbanismo. Salvador: Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da
UFBA, 1997.
84
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A nova técnica, no entanto, conferiu a esse jogo imprevista liberdade, permitindo


à arquitetura uma intensidade de expressão até então ignorada: a linha melódica
das janelas corridas, a cadência uniforme dos pequenos vãos isolados, a
densidade dos espaços fechados, a leveza dos panos de vidro, tudo
voluntariamente excluindo qualquer idéia de esforço, que todo se concentra, em
intervalos iguais, nos pontos de apoio; solto no espaço, o edifício readquiriu,
graças à nitidez das suas linhas e à limpidez dos seus volumes de pura
geometria, aquela disciplina e retenue próprias da grande arquitetura,
conseguindo mesmo um valor plástico nunca antes alcançado e que o aproxima
– apesar do seu ponto de partida rigorosamente utilitário – da arte pura.

É essa seriedade, esse quê de impassível altivez, a melhor característica dos


verdadeiros exemplos da nova arquitetura e que a distingue, precisamente, do
falso modernismo cujos ares brejeiros de trocadilho têm qualquer coisa de
irresponsável. (COSTA. In: XAVIER, 2003, p.47).

Se na América Latina, inclusive no Brasil, a preocupação central da

manifestação modernista não perseguiu exclusiva nem necessariamente as variadas

tentativas europeias de universalidade e deliberadamente voltou-se para

nacionalidades individuais, isto é forte indicativo da maturidade e independência

desse movimento nessas paragens. Pois essa diferenciação, ao contrário de revelar

um empobrecimento ou uma distorção dos centros irradiadores, mostrou a riqueza

de suas inúmeras possibilidades de expressão para além das vanguardas modernas

do velho mundo, na capacidade de reflexão, auto compreensão, e liberdade de

responder de maneira singular e condizente com seus contextos particulares às

demandas artísticas dos tempos modernos.

Se as fortes identidades nacionais europeias, centrais no incipiente

desenvolvimento industrial no século XIX se tornaram entraves para esse mesmo

desenvolvimento nos primórdios do século XX (vinculado ao medo de outra

catástrofe bélica cujo universalismo tentou ultrapassar), na América Latina nesse

período foi o fortalecimento dessas identidades que permitiu o seu desenvolvimento

que em saltos descontínuos criou outro lugar para esses países no cenário

internacional diverso da condição dependente e inferiorizada do período colonial,

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

que parecia insistir em perpetuar, mesmo após todo o movimento emancipatório das

Américas.

Se a defasagem da condição econômica industrializada era efetivamente

inexorável entre: de um lado os países ditos periféricos e de outro os maiores

centros europeus e os Estados Unidos à época; o mesmo não era válido no campo

das artes. Isso porque, na fragmentação da totalidade realizada pela modernidade,

os campos da atividade humana se tornaram autônomos e a arte assumiu o poder

unificador antes pertencente à religião atrelado a um papel social-revolucionário.

Enquanto que a modernidade é enredada pelos progressos da própria razão,


cada vez mais profundamente, no conflito entre o sistema desenfreado das
necessidades e os princípios abstratos da moral, a arte pode conferir a esta
totalidade bipartida <<um caráter social>>, porque ela participa em ambas as
legislações: <<No meio do reino medonho das forças e no meio do reino sagrado
das leis, o instinto estético da formação labora imperceptivelmente num terceiro
reino do jogo e da aparência em que alivia o homem das cadeias de todas as
relações e o desembaraça de tudo o que se chama coação, tanto física como
moral (HABERMAS, 1998, p. 53).

Assim, na interseção entre a autonomia da arte e a consciência da diferença

de sua realidade para a europeia, bem como na crença do poder transformador da

arte, o modernismo na e da América Latina acabou por redefinir a inserção de seus

componentes na modernidade não apenas como figurantes, mas como participantes

ativos nesse fenômeno, evidentes em obras com a pintura da mexicana Frida Kahlo

(1907-1954) e a arquitetura do brasileiro Oscar Niemeyer (1907-2012). Obviamente

as contribuições e os destaques foram bastante distintos e variados de país para

país como também entre as diferentes manifestações artísticas de cada país.

No Brasil, segundo Otávio Leonídio (2007) foi a consciência da diferença

entre o que Mário de Andrade chamou de “nossa atualidade” e uma “atualidade

estranha” que os modernistas brasileiros conseguiram ultrapassar a crise de

86
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

participação – gerada pelo descompasso entre o avanço do progresso nos países

mais desenvolvidos e o atraso da industrialização brasileira que parecia nos

condenar a pobreza de percorrer os caminhos já trilhados pela cultura europeia – e

estabelecer um programa estético próprio. Nas palavras de Mário de Andrade:

E como este problema de acomodar a invenção artística nossa com a entidade


nacional era importante demais, ele evitou que a “atualidade” histórica universal
que nos vinha da França e de outros países da Europa, continuasse aqui como
simples reflexo, simples macaqueação. Dum momento pro outro a inquietude
europeia (produto de excesso de cultura, produto de esfalfamento, produto de
decadência) não coincidiu mais com a inquietude brasileira (produto de
problemas nacionais ingentes, produto de progresso, produto de terra e
civilização moças, principiando apenas). Com efeito, as capelas artísticas
europeias deixaram de repente de influir na criação brasileira. Nos interessam
agora como curiosidade. Não têm mais pra nós uma importância funcional.
Ninguém mais entre os espíritos já formados, se amola de estar no dernier-
bateau parisiense ou florentino. Se volta ao metro como se foge dele, se pinta
palmeiras como se esculpe banhistas, sem mais a preocupação da atualidade
europeia. Porque já readquirimos o direito da nossa atualidade (ANDRADE, apud
LEONÍDIO, 2007, p. 29).

Se Os Sertões (1902) de Euclides da Cunha (1866-1909) ou a Estação

Ferroviária em Mairinque (1904/1906) de Victor Dubugras (1868-1933) são obras

pouco citadas e nem sempre consideradas decisivas para as expressões modernas

no Brasil, a Semana de Arte Moderna em São Paulo em 1922 marca definitivamente

a presença e a potencia do modernismo em terras brasileiras. Os desejos e ações

modernizadoras no país datam de meados do século XIX e se intensificam a partir

de 1889 com a Proclamação da República, mas é a década de 20 do século

seguinte que o fervilhar das ideias, das pesquisas, bem como das tensões e dos

embates em busca das expressões próprias da modernidade possível que o país

ensaiava em adentrar vão tomar um rumo definitivo que colocará o modernismo no

centro não só artístico, mas também político da construção de um novo Brasil em

consonância com os vários acontecimentos revolucionários dos agitados anos 20

em toda a fatia ocidente do globo.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

2.4. O MOVIMENTO DO MUNDO NO ENTRE-GUERRAS

O final do século XIX deixa um legado arrebatador para os primeiros anos do

século XX. Os artistas já vinham contestando as estruturas rigorosas da tradição

artística, porém foram os avanços em várias áreas distintas que, mesmo não tendo

ligação direta ou compreensão plena e imediata entre si e com as artes, instituíram

uma atmosfera revolucionária e inquietante nas várias e novas possibilidades sobre

o entendimento do mundo e seus componentes.

Em 1872 o matemático alemão Richard Dedekind (1831-1916) publica

“Continuidade e números irracionais”, no qual enfrenta o problema da continuidade

matemática através da divisão dos números entre racionais e irracionais,

desencadeando uma série de problemas matemáticos que vão paulatinamente

abalar a credibilidade da visão positivista entre os matemáticos, filósofos e

posteriormente nos demais campos do saber. Em 1889 são publicados num

congresso em Berlim os primeiros estudos ilustrados do médico espanhol Santiago

Ramón y Cajal (1852-1934) que mostravam a conformação dos neurônios,

instauravam-se aí os primeiros passos da neurociência (o mais impressionante das

imagens era a clareza da não ligação física contínua dessas células). Em 1899 o

médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939) publica “O Sonho”, abrindo as

porteiras para a compreensão da enorme ação do inconsciente humano sobre sua

vida consciente, bem como para todo o campo da psicanálise que se desenvolverá a

partir de então64. Em 1872 Oscar-Claude Monet pinta “Impressão, nascer do sol”

cujas pinceladas fragmentadas e justapostas deixavam impressos na tela as

sensações e percepções de um artista sobre o mundo num preciso momento de


64
William R. Everdell (2000) traça um rico mapeamento da diversidade de contribuições nos diversos campos do saber e do
fazer humanos na virada do século XIX para o XX em “Os primeiros modernos: as origens do pensamento do século XX”
de 1997.
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

contato descortinado pela luminosidade incidente. Dois anos depois é realizada a

primeira exposição impressionista, um movimento que revolucionou por completo o

campo da pintura. Em comum a ideia de que a realidade não pode mais ser

compreendida como um todo contínuo.

Nesses poucos exemplos, dentre as tantas descobertas e criações explosivas

que irão modificar radicalmente a ciência e a cultura ocidental, é interessante notar

de um lado a constatação da descontinuidade e de outro a centralidade da auto

compreensão do próprio homem para o entendimento do mundo. No entanto esse

homem não é mais o homem da razão iluminista e sim o homem do desejo, da

intuição, da percepção e da sensação.

O alvorecer do século XX trouxe ainda maior vigor e intensidade ao turbilhão

de invenções e descobertas desestabilizadoras do universo conhecido e de

conhecimento de até então. Dentre tantas, sem dúvida, vale citar a devastadora (nos

vários sentidos que ela, propositadamente ou não, tomou) “Teoria da Relatividade”

de 1905 do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), e seus desdobramentos como

a nova e revolucionária noção de espaço-tempo e todo o avanço na física que ela e

os demais estudos desse cientista inauguram.

Infelizmente no lugar do festim, pólvora. Ao invés de fogos de artifícios,

bombas. Os explosivos avanços do período não foram comemorados nem

celebrados com o desenvolvimento moral e o crescimento social da dita civilização

ocidental e sim lamentados em choros dilacerados e sangrentos de não apenas um,

mas dois conflitos mundiais.

A primeira metade do século XX foi, então, um período tenso que alternou

momentos de grande euforia e esperança com outros tantos de profunda angustia e

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

desespero. Dos maiores avanços técnicos e desenvolvimento econômico que a era

moderna pode oferecer para as potências europeias, ao contrário do que a ideologia

do progresso parecia anunciar, adveio duas guerras absurdamente devastadoras

que colocaram por terra, não só casas e cidades inteiras, mas também foram

derradeiros em sepultar todo um universo de certezas e otimismo instituído pelo

mundo racionalizado do iluminismo do século XVIII e seus desdobramentos no

século seguinte. O titânico desenvolvimento científico, civilizatório e cultural não

conseguiu reter a barbárie que culminou com a eclosão de duas bombas atômicas

em 1945. No contexto mundial a primeira metade desse século correspondeu a

tempos de agitação tensa que alternou esperanças eufóricas, terríveis desalentos,

criações surpreendentes e acontecimentos catastróficos. A sucessão e sobreposição

de avanços técnicos e novas criações são de ordem e rapidez inéditas até então, no

entanto o progresso moral e a ética não compartilharam da mesma intensidade de

desenvolvimento durante o período. E é assim que:

A “pilha de detritos” começa na guerra de trincheiras nos campos encharcados


da Europa e no ruído do canhonaço do cruzador Aurora, na Rússia de 1917, e se
completa com a abertura dos portões de Auschwitz e os cogumelos atômicos
sobre o Japão, em 1945. A “catástrofe única”, num paradoxo aparente, também
proporcionou clarões luminosos, rupturas criativas fundamentais, na cultura e
nas artes (MAGNOLI & BARBOSA, 2011, p. 13).

Se o advento da Primeira e da Segunda Grande Guerra foram determinantes

na reconfiguração dos horizontes políticos, econômicos, geográficos e sociais da

civilização moderna, o intervalo de paz entre esses dois eventos bélicos, em

especial a euforia dos anos 20, revelou-se extremamente produtivo para os

caminhos da arte e da cultura do século XX. Mesmo que o movimento para a

renovação das expressões artísticas da era da máquina tenha ensaiado seus

primeiros passos no final do século XIX, foi o alvorecer do século XX que deu

impulso e potência as experiências inovadoras e seu desvinculo decisivo com as


90
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

normativas vinculadas ao passado e a tradição. Se por um lado a Primeira Guerra

realizou o desejo demolidor dos futuristas italianos e abriu efetivo espaço para o

surgimento de uma nova sensibilidade, por outro, essa sensibilidade veio vincada

pelos estilhaços do combate. Acontecimento que deixou um saldo de nove milhões

de mortos e trinta milhões de feridos segundo Magnoli e Barbosa (2011).

Ainda durante a guerra, a abertura do Cabaret Voltaire 65 em 1916 e o

surgimento do Movimento Dada, no terreno neutro da cidade suíça de Zurique,

revela uma das mais cortantes faces da nova arte. O Dadaísmo é o grito

ensurdecedor da irracionalidade da “Era da Razão” enfatizado no terceiro manifesto

de tal movimento, de autoria do poeta e ensaísta romeno Tristan Tzara, que

proclama em 1919 a abolição da lógica e do futuro66. Ele expunha e expurgava as

chagas do avesso da razão humana, abertas na dobra das realizações possíveis e

parciais do projeto da modernidade. No rastro do Movimento Dada e da crítica ao

racional e ao mecânico, surge em 1924 com o manifesto do poeta e psiquiatra

francês André Breton o Surrealismo que crava definitivamente a expressão do

inconsciente no horizonte da arte do século XX.

Se uma das faces da arte moderna anunciava sua própria morte pautada no

contrassenso irreconciliável entre criação artística e produção industrial, havia outra

tecida pelas mãos daqueles que apostavam na construção positiva de uma nova

sociedade e que com o final da guerra e o fortalecimento dos partidos vinculados à

Segunda Internacional nos anos 20 conseguiram espaço para concretizações de

seus ideários que vinculavam arte e indústria na construção de uma nova sociedade.

65
Vale ressaltar que seu fundador foi um desertor de guerra alemão, o ator com formação em filosofia Hugo Ball. Ver
discussão em MAGNOLI, Demétrio & BARBOSA Elaine Senise. Liberdade versus igualdade: O mundo em desordem(1914-
1945). Rio de Janeiro: Record , 2011.
66
“Abolição da lógica, dança dos impotentes de criação: Dada; (...) a abolição da memória: Dada; a abolição do futuro: Dada; a
absoluta e inquestionável fé em cada deus que é produto da espontaneidade: Dada” (TZARA, In: MAGNOLI & BARBOSA,
2011, p. 31).
91
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

(...) na Europa, os partidos da Segunda Internacional alargavam suas bases


eleitorais, fixando-se como elementos permanentes de constelações políticas
sinuosas e complexas. Na Alemanha, o SPD, patrono de toda a social-
democracia, formou com partidos de centro a chamada “Colisão de Weimar” e
participou de gabinetes de governo até a ascensão nazista. Na vizinha Áustria, o
Partido Social-Democrata conheceu sucesso ainda maior, tornando-se o maior
partido do país e liderando uma grande coalizão de governo em 1919.
A maré social-democrata não se circunscrevia à Europa Central. Na Grã-
Bretanha, o Partido Trabalhista, seção da Internacional Socialista, formou um
gabinete apoiado pelos liberais em 1924. Na França, os socialistas constituíram
o Cartel das Esquerdas, uma coalizão com o centrista Partido Radical, e
apoiaram gabinetes liderados pelos radicais.
O reformismo social-democrata mudou a face de quase todos os países
europeus. (MAGNOLI & BARBOSA, 2011, p. 82).

A nova configuração do campo político favoreceu a intensificação das

pesquisas artísticas. Assim se as vanguardas dos anos 1910 lançaram a pedra

fundamental, foram os movimentos da década de 20 que deram vulto e fôlego às

formas expressivas capazes da completa reconfiguração do campo artístico e dos

modos criativos da humanidade. Essa reconfiguração não se limitou ao universo da

arte e também perpassou por mudanças na moral e nos costumes sociais, cuja

chama incendiária da liberação logo foi apagada pelas retrações e enrijecimentos da

década seguinte.

A emblemática Revolução Russa de 1917, o final da Primeira Guerra em 1918

e o novo quadro sociopolítico dos anos 20 foram centrais no surgimento dos

movimentos mais importantes no caleidoscópio modernista, na Europa e fora dela.

Este é um momento de abertura e intensa renovação. Assim o surgimento do

Construtivismo Russo em 1917 e o primeiro manifesto considerado construtivista

fixado nas ruas de Moscou em 1919; a revista holandesa De Stijl de Piet Mondrian,

Theo van Doesburg e Bart van der Leck publicada pela primeira vez em 1917; e o

manifesto de Walter Gropius para a fundação da Bauhaus também de 1919, são

coincidências que evidenciam a ebulição e conformação de um campo favorável às

transformações profundas na cultura e na sociedade ocidentais.


92
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na esteira da construção de um novo mundo pós-guerra muitas e cruciais

foram as experiências e contribuições dos anos 20. Na arquitetura, Ozenfant e Le

Corbusier fundam em 1920 a Revista L’Esprit Nouveau, cujos artigos mais

emblemáticos tomam formato de livro – “Por uma Arquitetura” em 1923, o que

fomenta ainda mais a divulgação dos princípios corbusianos desenvolvidos desde os

anos de 1910 para uma generosa porção de arquitetos por todo o globo.

No final da década é realizado em La Sarraz na Suíça em 1928 o primeiro dos

dez Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna – CIAMs, também centrais

no desenvolvimento do modernismo na arquitetura e no urbanismo. No campo da

habitação, em 1927, tem lugar na Alemanha a exposição mais significativa dos

experimentos modernos do período – a Weissenhof em Stuttgart que reuniu

contribuições de variadas procedências. Antecedem a ela experiências consistentes

de arquitetos renovadores no comando de órgãos públicos voltados para enfrentar o

problema como o checo Adolf Loos, nomeado em 1922 arquiteto-chefe do

Departamento de Habitação da Comuna de Viena, que aplicou nas realizações

desse órgão no período seu pensamento sobre uma arquitetura modulada, simples e

derivada diretamente da tecnologia da construção. Outro caso semelhante é do

arquiteto holandês Jacobus Johannes Pieter Oud, nomeado arquiteto municipal de

habitação de Roterdã em 1918, que desenvolveu importante concepção sobre a

habitação econômica e vida moderna nos conjuntos que construiu durante a década

de 20 nesta cidade.

Ainda imbuídos da crença hegeliana de que “a objetivação do espírito

absoluto, através da produção do conhecimento e da criação sucessivos na história

da humanidade, conduzia ao progresso” (ARAÚJO, In: CARDOSO, 1997, p. 72),

artistas em vários países da Europa em processos de industrialização tomaram a si


93
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

a empreitada de “reflectir e exaltar a nova concepção do trabalho e do progresso”

(ARGAN, 1993, p. 28).

Segundo Giulio Carlo Argan (1993) em torno dos anos de 1910, alguns

desses movimentos, denominados vanguardas (numa analogia direta às frentes de

batalha), para além da renovação da expressão artística, pretendiam “fazer da arte

um incentivo à transformação radical da cultura e do costume social: a arte de

vanguarda propõe-se antecipar, com a transformação das próprias estruturas, a

transformação da sociedade” (ARGAN, 1993, pp. 28/29). A tentativa de criar uma

nova sensibilidade, que reconciliasse criação artística e modo de produção,

compatível com a era das máquinas era o mote central daqueles correntes

apontadas por Carlo Argan como positivas cujo bojo acolhe todos os ramos dos

movimentos construtivistas e das arquiteturas ditas racionais.

Interessante ressaltar que, se um ou outro desses movimentos pleiteou

efetivamente a universalidade da expressão como o caso do holandês De Stijl, a

maioria esmagadora das vanguardas – mesmo que com resultados formais próximos

no uso da geometrização e da abstração procedente das pesquisas experimentais

do Construtivismo Russo67 – objetivou a criação de uma estética da máquina e de

uma sensibilidade social capaz de fruí-la condizente com os modos de produção

incipientemente industrializados da sociedade moderna em seus contextos

específicos. Assim, bem mais que um “Estilo Internacional” as pesquisas da

Bauhaus herda da Werkbund a preocupação primeira de qualificar os produtos da

ainda púbere indústria alemã e não só isso, mas também significava dar

competitividade internacional a tais produtos.

67
Como no Brasil, o movimento russo artístico antecipa a efetiva industrialização do país, a Rússia inicia seu processo de
industrialização tardiamente em relação aos principais centros industrializados europeus e tem o grande impulso dado por
Stalin, que sobe ao poder em 1924.
94
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se na Europa a descontinuidade e a tensão entre racionalismo e

irracionalidade marcou a arte do século XX, ela ganhou uma alternativa de propósito

e de constituição na sua encarnação latino-americana. Os anos vinte também são

anos de levante e reconfiguração no campo artístico e cultural na América

Espanhola e no Brasil. A modernidade e o problema da separação nesse canto do

planeta funda-se sim no desvinculo da tradição e do passado, mas não como

regulação e normativa já não correspondente aos modos de vida e de produção

industrializada e sim como normativa de dependência e submissão cultural. Assim a

questão da expressão moderna no novo mundo locado abaixo do Río Bravo Del
68
Norte tinha duplo aspecto: ser próprio de seu tempo como também e

primeiramente próprio de si mesmo. A identidade como distinção definitiva do

vínculo colonial é nesse momento tão ou mais central nessas paragens que a

possibilidade de conciliação da arte com a indústria, apenas incipiente (ou mesmo

inexistente) nessa parte do globo.

A agitação impetuosa de tal década não foi privilégio do velho mundo, mas

eclodiu em fragmentos dispersos por toda a porção ocidental da civilização, e apesar

de isolados e descontínuos, terminaram por gerar a multiplicidade complexa

modernista. Ressalta-se aqui a simultaneidade da temporalidade desses

acontecimentos.

O Muralismo de Diego Rivera (1886-1957), José Clemente Orozco (1883-

1949) e Davi Alfaro Siqueiros (1896-1974) no México dos anos 1920, bem como a

Semana de Arte Moderna de 1922 e o posterior Movimento Antropofágico na

segunda metade dessa década no Brasil são evidências tanto dessa terceira via de

68
Denominação mexicana para o Rio Grande que delimita a fronteira do México com os Estados Unidos.
95
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

acontecimentos modernistas como da contemporaneidade destes com os episódios

europeus.

Nos anos 1920, a América Latina foi palco de conflitos sociais e políticos
relevantes, alguns de caráter mais geral e outros mais específicos, como a
Revolução Mexicana que teve grande impacto na América. Nesse período deu-
se, em vários países, a criação de partidos comunistas, ocorreram movimentos
operários e estudantis de grande porte, além de movimentos nacionalistas de
esquerda e de extrema direita. No plano intelectual, foram formuladas propostas
de unidade latino-americana e houve significativo debate em torno da questão
indigenista. Todos esses acontecimentos tiveram, cada um à sua maneira,
repercussão importante. Foi nesse contexto que ocorreram redefinições no
campo cultural com propostas de novos códigos artísticos para interpretar o
mundo em mudança.

É importante lembrar, também, que nas primeiras décadas do século XX, foram
organizadas comemorações relacionadas aos centenários de independência em
muitos países. Tais comemorações deram ensejo a reflexões em torno dos
problemas nacionais e busca de soluções para eles, o que explica, em parte, as
tentativas de revisão das identidades nacionais.

A busca de uma identidade nacional fundamentada em novas bases coincidiu


com o surgimento dos movimentos modernistas dos anos 1920. (...) O processo
de circulação entre o nacional e o internacional que caracterizou os movimentos
modernistas latino-americanos foi permeado por uma tensão existente entre o
prestígio dos modelos externos e a procura de uma identidade nacional. O
cubano Alejo Carpentier, autor de O século das luzes e O recurso do método,
dentre outros, afirmou: "Temos que tomar nossas coisas, nossos homens e
projetá-los nos acontecimentos universais para que o cenário americano deixe
de ser uma coisa exótica". O modernismo tentou por em prática essa idéia e por
isto se pode dizer que, muitos deles foram, ao mesmo tempo, nacionalistas e
cosmopolitas.

Os uruguaios Joaquim Torres-Garcia e Pedro Figari, o argentino Xul Solar, a


brasileira Tarsila do Amaral e o mexicano Diego Rivera são, a meu ver, os mais
representativos dessa tendência. Todos eles tiveram importância singular no
desenvolvimento das artes plásticas, não só em seus países de origem; além
disso, suas obras foram reconhecidas externamente. (ROLIM, 2005)69.

Essa terceira via das expressões modernistas só foi possível pela separação

e autonomia dos campos de ação e manifestação do homem próprios da

modernidade. E talvez ela possa também contribuir para caracterizar a diferença das

69
Ver ROLIM, Maria Helena. Modernismo Latino-Americano e construção de identidades através da pintura. In: Revista de
História da USP – Dossiê História das Américas, n 153, dez, 2005. Disponível em:
Capelatohttp://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034-83092005000200010&script=sci_arttext Acessado em
23/05/2012 às 14:30
96
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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expressões modernas para as outras tantas manifestações artísticas ao longo da

história da arte ocidental. Isso porque não é a universalidade no mundo conhecido

das formas de uma época que ganha singularidade local cujo fenômeno ocorre

desde o Império Romano (guardadas as especificidades de condição de império),

perpassa todo o Medievo e chega ao Humanismo – do qual provavelmente o melhor

exemplo de internacionalização e singularização seja o Barroco. É a autonomia

entre modo de vida, modo de produção e modo de expressão que permitiu às

formas expressivas modernas não corresponderem necessariamente às condições

materiais produtivas nem sociais de determinada sociedade.

Esse descolamento identificado por alguns autores como imagens

modernizantes ou pseudomodernidades cujas “aparências” não correspondem a

“essência” do mundo moderno, é precisamente o que funda e diferencia as

expressões modernas das precedentes. Se os ideais da Revolução Francesa jamais

foram realizados plenamente, e menos ainda a conciliação deles com os do

progresso e da Revolução Industrial, podemos apenas falar de modernidades

possíveis e sempre parciais, cuja autonomia inerente à própria condição moderna

permite sua realização descompassada e incompleta em pontos de encarnação

diversos e singulares como acontece no Brasil da primeira metade do século XX. Se,

na década de 20, a produção industrializada brasileira se apresentava ainda

bastante incipiente frente à industrialização europeia e norte-americana, a produção

artística no “matriarcado de Pindorama” se revelou em condições de igualdade a

esses centros, capaz inclusive já em 1924, com o “Manifesto Pau-Brasil” de Oswald

de Andrade, elaborar movimento próprio de potencia e expressão singular

significativa no caleidoscópio modernista.

97
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na porção norte do continente americano, os Estados Unidos assumiram a

liderança das potências industrializadas e criaram a primeira sociedade de consumo

de massas do capitalismo. Os anos 20 também foram (ou foram ainda mais)

eufóricos para os norte-americanos, cujas principais contribuições no campo cultural

se deram na música com a criação do Jazz e no cinema de Hollywood. No entanto

esse surto desenvolvimentista foi fruto de um liberalismo econômico “plasmado

sobre uma paisagem política profundamente conservadora” (MAGNOLI &

BARBOSA, 2011, p.144). Assim a crise detonada com o colapso de 1929 da

economia americana ecoou nas políticas e economias em todo o globo e definiu

uma guinada representativa de suas práticas. A quebra da bolsa foi apenas um

sintoma do grande problema da economia americana que deu sinais de

esgotamento bem antes do colapso, isso porque a real causa estava “na

superprodução desencadeada por um modelo econômico concentrador e sem freios”

(MAGNOLI & BARBOSA, 2011, p.144).

Nenhum fato ocorrido no século XX teve impacto tão direto na vida de seus
contemporâneos quanto a quebra da bolsa de Nova York no 24 de outubro de
1929. O dia do crash – a “Quinta-Feira Negra” – é ainda hoje o mais forte
símbolo da instabilidade econômica inerente ao sistema capitalista. A imagem de
investidores arruinados se suicidando nos Estados Unidos, ou das imensas filas
de desempregados esperando pela distribuição de comida, era o exato oposto
das cenas de euforia e hedonismo dos “loucos anos 20” que haviam
impressionado o mundo inteiro, especialmente quando comparadas ao
empobrecimento e desânimo que se abatera sobre as velhas potências da
Europa. (MAGNOLI & BARBOSA, 2011, p. 143).

O abalo foi de tal ordem que os anos de 1930, na ressaca do turbilhão da

década anterior, se tornaram o recuo do mar para um tsunami de proporções ainda

mais devastadoras que o foi a Primeira Grande Guerra. O mundo se viu em

retrocesso e novamente em estado de apreensão e medo. Se os anos 20

conseguiram mascarar as consequências do tratado de paz assinado em Versalhes

em 1919 (que impunha a Alemanha condições vexatórias e consequentemente

98
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

perpetuou a fragilidade e instabilidade da economia e da civilidade europeia), a

grande depressão americana (1929-1932) determinou um colapso da economia

global70 de tal ordem que trouxe à tona toda a vulnerabilidade da condição europeia

e o risco de novo litígio pelos conflitos mal ou não resolvidos da guerra anterior. É

nesse cenário de recessão econômica que regimes autoritários 71 ganham expressão

não só na Europa, mas também em outros tantos cantos do planeta.

(...) o liberalismo fez uma retirada durante toda a Era da Catástrofe, movimento
que se acelerou acentuadamente depois que Adolf Hitler se tornou chanceler da
Alemanha em 1933. Tomando-se o mundo como um todo, havia talvez 35 ou mais
governos constitucionais e eleitos em 1920 (dependendo de onde situamos
algumas repúblicas latino-americanas). Até 1938, havia talvez dezessete desses
Estados, em 1944 talvez doze, de um total global de 65. A tendência mundial
parecia clara. (HOBSBAWN, 2008, p. 115)

Especificamente sobre a América Latina, segundo Hobsbawn (2008), esses

regimes autoritários são francamente inspirados na liderança e nos modelos

estabelecidos por Hitler e Mussolini:

Na América Latina é que a influência fascista europeia foi aberta e reconhecida,


tanto em políticos individuais, como Jorge Elizer Gaitán da Colômbia (1898-
1948) e Juan Domingo Perón da Argentina (1895-1974), quanto em regimes,
como o Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937 a 1945, no Brasil. (...) visto do
outro lado do Atlântico, o fascismo sem dúvida parecia a história de sucesso da
década. Se havia um modelo no mundo a ser imitado por políticos promissores
de um continente que sempre recebera inspiração das regiões culturalmente
hegemônicas, esses líderes potenciais de países sempre à espreita da receita
para tornar-se modernos, ricos e grandes esse modelo certamente podia ser
encontrado em Berlim e Roma, uma vez que Londres e Paris não mais ofereciam
muita inspiração política e Washington estava fora de ação. (Moscou ainda era
vista essencialmente como um modelo para a revolução social, o que restringia
seu apelo político) (HOBSBAWN, 2008, p. 136-137).

Mesmo tendo certa pertinência, as afirmações do historiador inglês de

enfoque eurocêntrico não lhe permite ultrapassar a “ideologia da missão civilizadora

do homem branco” e perceber como relevantes os complexos nexos de tais regimes

no Novo Mundo, nem suas diferenças para com aqueles do Velho Continente. Os
70
A derrocada da economia americana teve impacto tão decisivo e desastroso na economia global porque era o maior país
exportador após a guerra e atrás da Grã-Bretanha o maior importador (HOBSBAWN, 2008), além de ser o credor das enormes
dívidas contraídas pelas nações europeias após a guerra, o que atrelava tais economias.
71
O Fascismo italiano (1922-1943/1945), o Nazismo alemão (1933-1945), o Salazarismo português (1933-1974), o Franquismo
espanhol (1939-1975), o Getulismo brasileiro (1930 -1954), o Peronismo argentino (1946-1955/1973-1974) entre outros.
99
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

episódios na América Latina apesar das inspirações e simpatias com o fascismo

europeu não podem ser sintetizados como reprodução empobrecida dos

acontecimentos além mar. Se é verdadeiro o desejo de modernização e crescimento

desses países, também o é que desde o final do século XIX e com especial

intensidade a partir dos anos 20, os latino-americanos buscaram construir caminhos

próprios. E se esses caminhos não poderiam ser plenamente desvinculados do

percurso europeu foram conscientemente apartado dele.

Retomando uma perspectiva mais alargada, o principal motivador da

ascensão dos regimes autoritários (em suas diversas modelagens) foi mais uma vez

o empobrecimento e a mutilação do projeto da modernidade em prol da manutenção

do poder burguês e da economia capitalista. Nesse sentido, dada à impossibilidade

da resolução dos problemas econômicos e a ameaça da revolução trabalhista, a

burguesia e o capital não podiam se dar ao luxo de governos democráticos e

apelaram para a força e a coesão. O único lugar em que o capitalismo não pode

adaptar a política a seus propósitos é no regime que o exproprie de fato

(HOBSBAWN, 2008). Assim foram inúmeras as insurreições em todo o globo que

derrubaram os governos vigentes, independente de suas inclinações políticas,

resultantes da grande depressão americana e do colapso da economia mundial. Mas

a opção pela estrema direita se revelou bem mais perniciosa do que a ameaça da

esquerda.

O medo da revolução social, e do papel dos comunistas nela, era bastante real,
como provou a segunda onda de revolução durante e após a Segunda Guerra
Mundial, mas nos vinte anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único
regime que pudesse ser chamado de liberal-democrático foi derrubado pela
esquerda. O perigo vinha exclusivamente da direita. E essa direita representava
não apenas uma ameaça ao governo constitucional e representativo, mas uma
ameaça ideológica à civilização liberal como tal, e um movimento potencialmente
mundial, para o qual o rótulo “fascismo” é ao mesmo tempo insuficiente, mas não
inteiramente irrelevante.

100
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Insuficiente porque de modo algum todas as forças que derrubaram os regimes


liberais eram fascistas. E relevante porque o fascismo, primeiro em sua forma
original italiana, depois na forma alemã do nacional-socialismo, inspirou outras
forças antiliberais, apoiou-as e deu à direita internacional um senso de confiança
histórica: na década de 1930, parecia a onda do futuro. (HOBSBAWN, 2008, p.
116)

Os anos de 1930 também foram tempos de recessão para o horizonte

cultural do “Velho Mundo”. As vanguardas europeias arrefeceram e perderam seu

poder de choque e abertura. A liberdade crítico-criativa tão bombástica da década

anterior reduzia-se a inocentes traques quase sem efeito explosivo. Uma parte

delas se encantou pelo mercado e adaptou-se a ele, mas o mais danoso foi o

retrocesso nos valores e mentalidades imposto pelos regimes autoritários das

distintas orientações que dominaram a cena política da época.

A tragédia dos artistas modernistas, de esquerda ou de direita, foi que o


compromisso político muito mais efetivo de seus próprios movimentos de massa
e de seus próprios governantes – para não falar de seus adversários – os
rejeitaram. Com a parcial exceção do fascismo italiano influenciado pelo
futurismo, os novos regimes autoritários da direita e da esquerda preferiam
prédios e visitas monumentais anacrônicos e gigantescos, representações
edificantes na pintura e na escultura, elaboradas interpretações dos clássicos no
palco e ideologia aceitável em literatura. (...) Nem a vanguarda alemã, nem a
russa, portanto, sobreviveram à ascensão de Hitler e Stalin, e os dois países, na
ponta de tudo que era avançado e reconhecido nas artes da década de 1920,
quase desapareceram do panorama cultural (HOBSBAWN, 2008, p. 187).

Na América Latina esse período foi de intensa produção cultural e artística.

Ao contrário do processo europeu a via modernista da identidade nacional não

entrou em colapso junto com a economia, pois ela era a esperança de

independência de uma exploração não apenas circunstancial, mas de fundo para

esses países que foram inscritos na narrativa histórica da civilização ocidental como

colônias e permaneceram por longo período na condição de dependente em

múltiplos sentidos. Assim, democráticos ou autoritários, os regimes políticos vigentes

na região durante os anos 30 tiveram seus focos de governo voltados para a

construção de “novas nações”, através da modernização de seus meios produtivos,

101
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
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das reformas trabalhistas, sociais e educacionais com maciço apoio popular. A

expressão modernista ganhou nessas paragens paradoxalmente ao processo

europeu apoio decisivo do Estado. E bem mais que evento sazonal, essa adesão se

deu como aponta o arquiteto argentino Adrián Gorelik (2005) como “impulsionador

privilegiado”. Segundo esse autor:

Algo da figuração modernista, nas muito diferentes encarnações que teve,


parece haver sintonizado com o papel que o Estado tradicionalmente tinha se
atribuído, na América Latina – e que define por excelência as vanguardas: o de
construtor ex nihilo de uma nova sociedade (GORELIK, 2005, p. 26).

E se em toda a América Latina essa tangência entre os interesses do Estado

e a postura das vanguardas artísticas se deu, no Brasil ela ganhou contornos

específicos e de uma extensão duradoura e inigualável. Essa aliança brasileira do

“moderno e nacional” foi tão profícua que possibilitou a criação de uma nova capital

para o país, inaugurada trinta anos após a adoção oficial do pensamento modernista

para a formatação da nova cultura nacional com a criação do Ministério dos

Negócios da Educação e Saúde Pública em 1930 e o convite para Lúcio Costa não

apenas dirigir, mas reformular o ensino da Escola Nacional de Belas Artes, dentre

outras ações que deram posto e voz aos intelectuais modernistas.

102
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

2.5. A CENTRALIDADE MODERNISTA NO BRASIL

O nome de Getúlio Vargas tornou-se irremediavelmente ligado à

modernização do país, seja na cultura entendida de modo bastante alargado capaz

de abarcar política, economia, ações sociais, educação e demais campos da

atividade humana, seja num corte mais restrito do termo vinculado à produção

literária e artística. Segundo Eduardo Bueno “o fato é que, após a Revolução de 30,

o Brasil passou a refletir sobre si próprio e seus destinos de uma forma inovadora e

surpreendente” (2010, p. 352).

Vargas veria florescer, ao longo de seu extenso domínio político, uma nova era
para a cultura brasileira (ainda que, muitas vezes, isso se desse não por causa,
mas apesar dele). (...)
Apesar da censura e das perseguições, Vargas, disposto a revelar sua face
conciliadora e paternalista, passou a desenvolver uma política sistemática de
“assimilação da inteligência nacional”, desenvolvida em especial pelo Ministério
da Educação – a princípio sob o comando do jurista Francisco Campos e,
depois, de Gustavo Capanema. (...) Com tais atitudes, Vargas lutava para obter,
no mundo das artes, a mesma aceitação – e o mesmo grau de cooptação – que
sua política trabalhista, baseada no paternalismo positivista, estava conseguindo
entre os trabalhadores. (BUENO, 2010, p.352)

Se essa política foi especialmente desenvolvida pelo Ministério da Educação, a

construção da sede desse ministério no centro do Rio de Janeiro a partir de 1936 –

incluindo toda a celeuma do concurso para seu projeto que foi descartado a favor de

outro – e a expressão arquitetônica adotada na proposta construída revelam a luta e

a vitória que colocou o modernismo definitivamente no centro decisório que formulou

e formatou a cultura brasileira, ou pelo menos a parte institucionalizada dessa “nova”

cultura, que não só reposicionou o país no campo cultural perante o panorama

103
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mundial, mas também traçou as guias para seu futuro e redesenhou em certa

medida seu passado72.

Usar a arquitetura como termômetro para tal constatação se justifica não só

por ela ser signo e acontecimento como aponta Aldo Rossi (1995), como também

porque segundo Amos Rapoport (1972) a arquitetura é resultante não

exclusivamente, mas fundamentalmente de fatores socioculturais. Por tanto ela

concomitantemente representa e constitui um tempo de uma cultura, assim como


73
sua forma é motivada bem mais por condicionantes simbólicos que por

determinantes climáticos ou técnicos, ou seja, as escolhas formais decisivas são

eminentemente de ordem cultural. Parece-nos que a saga da construção do

Ministério da Educação e Saúde Pública reforça essa paradoxal condição, no

avesso das muitas falas que sustentam exatamente o contrário, em especial o

discurso funcionalista que embasa o modernismo, na defesa racional e pragmática a

partir da necessidade funcional das escolhas projetuais para a forma arquitetônica.

Por outro lado esse simbolismo não é só questão de representação e

motivação formal é também, e sobretudo, manipulação e dominação na estruturação

de campos de poder no sentido que lhe dá Pierre Bourdieu (2000). Como estrutura

estruturante do poder simbólico, “de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de

72
A potência e centralidade do modernismo no Brasil se deram não só, mas também porque através de seu olhar o país
ganhou um passado digno de certo orgulho (mesmo que descontínuo e em certa medida malformado) e um presente
instaurador e formador de um novo rumo glorioso e nacional a caminho de um futuro brilhante para a nação, obviamente
apoiado e fomentado pelo poder público. Paulo Arantes e Otília Arantes (1997) apontam em “Sentido da Formação” uma
“aspiração coletiva de construção nacional”, que se transf orma em “verdadeira obsessão nacional” por parte dos intelectuais
brasileiros em construir um corpus que dotasse “o meio gelatinoso de uma ossatura moderna que lhe sustentasse a evolução”
(ARANTES e ARANTES, 1997, p.11/12), revelada na recorrência da questão da formação em um generoso número de ensaios
que pretenderam dar conta do “caso brasileiro” e cita entre outros a “Formação do Brasil contemporâneo” de Caio Prado Júnior
(1942); a “Formação econômica do Brasil” de Celso Furtado (1958); “Casa-grande e Senzala” de Gilberto Freyre (1933) e
“Raízes do Brasil” de Sérgio Buarque de Holanda (1936). Essa ensaística, não só confirma a ideia de malformação brasileira
compartilhada pelos intelectuais modernistas e sua luta em dar rumos melhores a essa condição, mas também a importância
dessa literatura em formatar através desse olhar o passado brasileiro. A formação da cultura desenvolvida nesses termos
confirma a centralidade modernista, que se coloca e legitima sua própria posição como única e “verdadeira” possibilidade de
redenção do país, ao retirá-lo da posição de atraso e reprodutor periférico. Ver discussão em ARANTES, Otília Beatriz Fiori e
ARANTES, Paulo Eduardo. Sentido da Formação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
73
Ver discussão em RAPOPORT, Amos. Vivienda y Cultura. Barcelona: Gustavo Gili, 1972, e em RAPOPORT, Amos.
Origens Culturais da Arquitetura. In: SNYDER, James e CATANESE Anthony. Introdução à Arquitetura. Rio de
Janeiro:Campus, 1984.
104
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

transformar a visão do mundo” (BOURDIEU, 2000, p.14), o icônico Ministério da

Educação e Saúde Pública – de linhas corbusianas e requintes nacionais – cumpre

seu papel na estruturação do campo, na legitimação da supremacia modernista e

sua enunciação. Ele marca concreta e indelevelmente no espaço da cidade a

posição destacada do modernismo na cultura brasileira.

Vale ressaltar que, se a divergência das linguagens arquitetônicas que deram

forma aos ministérios construídos na Esplanada do Castelo em meados dos anos 30

revelavam a diversidade das possibilidades de ser moderno e um campo ainda em

disputa pela hegemonia das formas expressivas de seu tempo 74 , a quase total

unicidade das soluções arquitetônicas dos edifícios ministeriais, na monumental

Esplanada dos Ministérios em Brasília na segunda metade dos anos 50 não deixa

margem para a dúvida sobre o triunfo do modernismo e a centralidade modernista

não só na arte e na arquitetura, mas na cultura do país e seu vínculo crucial com o

poder público.

Evidenciada com tal potência essa centralidade, a questão se põe então em

compreender porque ela se dá e como ela é construída. Quais os elementos e

situações que culminam na tangência entre o ideário de uma vertente artística

explosiva como foi o modernismo e os propósitos e posturas políticas de um governo

autoritário como foi a era Vargas.

Essa centralidade começa a se delinear nos anos 20, quando segundo Eduardo

Moraes (1978) se dá uma transformação radical na cultura brasileira, na qual mais

que um engajamento dos intelectuais na prática política “não há mais distinção entre

esta prática e o trabalho” destes (MORAES, 1978, p. 169). Tal autor se refere

74
Ver discussão em CAVALCANTI, Lauro. Moderno e Brasileiro: s história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-
1960). Rio de Janerio: Jorge Zahar, 2006.
105
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

especificamente a adesão de Oswald de Andrade ao Partido Comunista e ao

lançamento da Ação Integralista por Plínio Salgado em 1923. Para além desses e

outros que o engajamento político significou oposição, foram significativos aqueles

intelectuais que já nos anos 30 estiveram dentro do governo, especialmente como

técnicos e especialistas responsáveis pela construção e legitimação de uma nova

nação. Se essa conformação foi principiada essencialmente na literatura dos anos

20, a constelação que participou do Ministério da Educação e Saúde Pública,

ministério chave para a reconfiguração da cultura nacional, deu corpo a um projeto

para a cultura nacional de cunho modernista e efetivamente o consolidou dos anos

30 em diante. Reunidos nesse projeto, estavam figuras de destaque em várias áreas

como Carlos Drummond de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Anísio Teixeira, Mário de

Andrade, Lúcio Costa, dentre outros. De clara orientação modernista, tais

intelectuais fomentaram a reformulação em amplo horizonte da cultura nacional,

especialmente na longa gestão de Gustavo Capanema (1934-1945), diretamente

como funcionários dessa instituição ou indiretamente como colaboradores eventuais.

Importante notar que tanto para o governo como para os intelectuais a questão

da cultura era uma questão de educação, pontuada no próprio nome do ministério,

assim o foco se colocava na construção de um novo brasileiro através do ensino. A

instauração dessa nova cultura nacional passou pela reestruturação do ensino

fundamental e superior, decisivos nas formas de pensar de toda a população. O

ideário da Escola Nova que desde os anos 20 inspirou reformas no ensino brasileiro

ganhou especial impulso nos anos 30 com a figura de Anísio Teixeira, Fernando de

Azevedo, Cecília Meireles e outros. Para além da escolarização gratuita qualificada

e de uma nova pedagogia, esse movimento trouxe para os conteúdos pedagógicos

contribuições específicas de diversas áreas do conhecimento. Foi assim que além

106
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

da reforma na Escola Nacional de Belas Artes, de propostas curriculares para cursos

de arquitetura75, Lúcio Costa propôs, com rico detalhamento, um curso completo de

desenho da primeira a quarta série para o ensino secundário em 1948, publicado no

primeiro número do periódico “Cultura” do Serviço de Documentação do Ministério

de Educação e Saúde Pública. Se já é bastante sugestivo o nome da revista, é

também interessante notar o direcionamento proposto por Costa nesse curso:

O presente programa foi elaborado precisamente com esse intuito de integrar a


educação artística, da mesma forma que a literária e a científica, no quadro geral
da educação secundária, a fim de possibilitar, aos poucos, um nível coletivo de
simpatia, compreensão, discernimento e, como consequência um grau
generalizado de acuidade capaz de tornar a arte do nosso tempo de âmbito
popular, pois é de lamentar-se que tantas criaturas que poderiam gozar dessa
fonte puríssima de vida na sua plenitude, se vejam privadas dela tão-sómente
por falta de uma iniciação adequada; iniciação que deve constituir, portanto, a
finalidade última do ensino do desenho secundário. (...) um convite para
conhecer, compreender e também, se possível, amar essas coisas de aparência
complicada, mas no fundo, afinal, tão simples, que são as obras de arte.
(COSTA, 1962, p.160).

Abrem-se então dois extratos nessa construção: um evidente e evidenciado de

formação de uma parcela mais ampliada da população através do acesso público,

gratuito, qualificado e modernizado do ensino formal; e outro não explicitado de

formatação dos moldes que determinariam essa formação. Essa formatação da

cultura nacional, para além da preocupação com a capacitação da população,

objetivava construir um novo brasileiro de traço cultural mais unitário e obviamente

orgulhoso de seu país e seu governante. Essa era a preocupação central da

disciplina de Educação Moral e Cívica criada em 1940 juntamente com a instituição

da uniformização do ensino em todo o país por decreto-lei76. No entanto, apesar da

importante ação do Ministério da Educação, a imagem positiva de Getúlio Vargas e

75
Em Lúcio Costa: sobre arquitetura, organizado por Alberto Xavier e publicado em 1962 há duas propostas a título de
sugestões para os cursos de arquitetura da Universidade da Bahia em 1959 e Universidade do Paraná em 1961.
76
Ver discussão em BUENO, Eduardo. Brasil: uma história: cinco séculos de um país em construção. São Paulo: Leya,
2010.
107
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

o maior censor das manifestações culturais foi obra prioritariamente do DIP –

Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1939 e extinto em 1945.

Segundo Antônio Gramsci (1982) a organização social se dá através das

instituições culturais e não políticas77. Escolas, igrejas, jornais, televisão e outros

agentes dirigem a vida dos cidadãos de maneira quase imperceptível, através da

manipulação das subjetividades. Assim o domínio efetivo de um povo não vem da

conquista de uma posição de comando e sim da substituição de seus critérios de

legitimação só possíveis através da cultura. Apenas através da substituição de tais

valores é possível não só validar como também manter um determinado poder. A

cultura então tem dois papeis fundamentais: o primeiro de legitimação ideológica

através da criação de consensos e o segundo de meio organizador, gerando

condutas78.

Componentes chaves dos processos culturais, os intelectuais são decisivos

para a produção e reprodução ideológica. De acordo com o sociólogo búlgaro

Tzvetan Todorov (1999) o intelectual é aquele ser que se encontra equidistante entre

o sábio e o artista, se sente mais preocupado com o bem público, com os valores da

sociedade onde vive e participa dos debates que dizem respeito a estes valores. Se

sente em posição privilegiada capaz de refletir e discernir com maior imparcialidade

os melhores rumos para a sociedade, a princípio se caracteriza pela parte da

população mais esclarecida. São importantes geradores de opinião, capazes de

formar juízos e fomentar posturas de comunidades inteiras.

77
Ver GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Editora Civilização Brasileira S.A. RJ. 1982.
78
Ver discussão mais aprofundada em MAAR, Wolfgang Leo. O que é política. São Paulo: Brasiliense, 2004.

108
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

No entanto, não é incomum flagrar um grande número de intelectuais que

optaram por apoiar regimes autoritários a exemplo de Heidegger com o nazismo e o

já citado grupo modernista no Ministério da Educação durante a era Vargas. Para

Todorov, isso se dá porque o intelectual visa chegar ao poder unicamente pela

simples força de suas capacidades intelectuais, considerada mais dotada que a

média, e os regimes totalitários são mais propícios a isso que a democracia.

Se por um lado na democracia o direito a crítica às normas existentes lhe dá

maior condição para exercer sua função, por outro o coloca numa posição mais

sofrível já que seu ponto de vista não é o único e pode não ser devidamente

considerado e muito menos ser unanimidade. Já nos sistemas autoritários, uma vez

partidário e pertencente às esferas decisórias ele é ouvido sem críticas adversárias

e se faz mais presente e atuante.

Portanto, os intelectuais são figuras decisivas na relação cultura / ideologia /

política, com poder direcional ainda mais alargado nos regimes autoritários. Assim

da consciência da importância do domínio cultural por Getúlio Vargas tanto para a

perpetuação de seu domínio como para a construção de sua nova nação e da

pretensa certeza dos intelectuais modernistas sobre o caminho correto a ser seguido

para a formação de uma nova nação dar-se-ia a aliança que unificou autoritarismo e

vanguarda, costurada pelo problema da nacionalidade como tangência central dos

interesses de ambos os lados. Essa questão é decisiva, e mesmo que por

motivações distintas, é a solução da nacionalidade via “brasilidade” que coloca

governo e intelectuais em comunhão. Para o governo Vargas a questão da

nacionalidade tinha o objetivo de manutenção do poder e controle da gigantesca

109
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

unidade territorial, como também o foi para os governos anteriores desde a

independência do país79.

A sobrevivência do país independente se confunde, pois com a capacidade


política de suas classes dirigentes realizarem com sucesso a missão política
fundamental do século XIX – estruturar e tornar efetivo um projeto de nação
(ODALIA, 1997, p. 31).

A prioridade da cultura oficial na política brasileira continuava a se mover pela

necessidade de seus dirigentes de construir, mesmo que sobre novo modelo, um

projeto de nação una. Já para os modernistas a questão da nacionalidade resolvida

na construção da “brasilidade” era o modo da atualização/modernização singular da

cultural nacional capaz de reposicionar o país no cenário internacional.

Veja bem: abrasileiramento do brasileiro não quer dizer regionalismo nem


mesmo nacionalismo. O Brasil pros brasileiros não é isso, significa só que o
Brasil, pra ser civilizado artisticamente, entrou no concerto das nações que hoje
em dia dirigem a civilização da terra, tem de concorrer pra esse concerto com a
sua parte pessoal, com o que o singulariza e individualiza, parte essa única que
poderá enriquecer e alargar a civilização (ANDRADE, apud MORAES, 1978, p.
71).

Segundo Eduardo Moraes (1978) a transformação capital na cultura nacional

aconteceu quando o problema da renovação estética deixou de ser uma questão de

atualização geral da arte para ser um modo particular de atualização revestido “das

cores nacionalistas” com consciência que somente através desse modo o país

poderia “alcançar o nível da concorrência universal” (MORAES, 1978, p. 52).

A nacionalidade reinventada através da “brasilidade modernista” ganhou

evidência crucial nos percursos da cultura do país. Se a busca pela “alma brasileira”

se principia ainda no final do século XIX com Machado de Assis na literatura e Jose

Ferraz de Almeida Junior na pintura, ela ganha contornos decisivos nos anos 20

79
Ver discussão em ODALIA, Nilo. As formas do mesmo: ensaios sobre o pensamento historiográfico de Varnhagen e
Oliveira Vianna. São Paulo: UNESP, 1997.

110
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

com o “Manifesto Pau-Brasil” (1924) de Oswald de Andrade e o quadro “Abaporu”

(1928) de Tarsila do Amaral. Segundo Moraes (1978) essa brasilidade é constituída

de duas categorias: a intuição “que possibilita atingir o substrato profundo da

realidade nacional” e “operar a cura da alma brasileira” do desenraizamento da

cultura nacional do solo da nação, ou seja, ultrapassar a erudição acadêmica de

origem estrangeira; e a integração que permite a “construção de uma cultura

nacional em comunicação ou contato com o solo da pátria”, a afirmação da

independência e soberania nacional. E somente através dessa condição de

brasilidade seriamos capazes de “comunicar com o Universo inteligente e enriquecê-

lo” (MORAES, 1978, pp. 167/168).

Segundo Moraes (1978) o primeiro tempo modernista foi um momento de

ruptura com a tradição acadêmica e tentativa de equalizar os movimentos artísticos

brasileiros com o que havia de maior avanço no mundo, ou seja,

modernizar/atualizar as expressões estéticas em geral. Já o segundo tempo teria um

caráter propositivo: se propunha a construir uma cultura moderna e brasileira. Assim

o problema da brasilidade, ou melhor, da constituição da brasilidade era um projeto

de construção da cultura nacional. Foram dois os principais caminhos dessa

tentativa: a pesquisa analítica através de estudo profundo das “raízes brasileiras”, do

folclore e da cultura tradicional e/ou popular como o fez Mario de Andrade e muitos

outros intelectuais em vários campos do saber dentre eles Lúcio Costa na

arquitetura; e a via intuitiva seja em sua face pacífica de integração verde-amarela

de Salgado Plínio e companhia ou em sua faceta violenta da antropofagia de Oswald

de Andrade e seguidores. Dentro desse movimento, foi na redescoberta do Brasil

que os intelectuais modernistas pautaram a tentativa concomitante de superar um

111
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

problema atávico de malformação 80 e dependência cultural e de recolher subsídios

para a criação ex nihilo de uma cultura própria e moderna.

Quando os modernistas redescobriram o Brasil, passada a libertinagem do


mundo sem culpa, da barafunda nacional festejada, reencontraram exposta a
mesma fratura. Recém-inaugurado o decênio construtivo de 30, Mário de
Andrade logo atinava com o nome pelo qual atenderia o problema nos clássicos
publicados a partir de então. “Nossa formação nacional não é natural, não é
espontânea, não é, por assim dizer lógica”, escreveria em 1931. Éramos uma tal
“imundície de contrastes” que os fenômenos culturais, de tão desencontrados,
proibiam qualquer síntese interpretativa, pois nada lhe correspondia na vida real
do espírito, ainda desconjuntada. Daí as providências que passaria a tomar –
sendo o nosso problema um problema de formação –, no sentido coletivo do
“alto nivelamento artesanal” da inteligência brasileira em processo de atualização
acelerada. Balanços de época, poemas meditativos, programas de estudos ou
instituições culturais bem planejadas, tudo convergia, solicitado por uma
“formação” ainda mal resolvida, como parecia demonstrar o recomeço
modernista da capo (ARANTES e ARANTES, 1997, p.18).

E assim, para além das obras literárias e artísticas, uma quantidade

significativa de importantes ensaios e estudos se debruçaram sobre a questão da

formação do Brasil em várias áreas do conhecimento – de “Raízes do Brasil” (1936)

de Sergio Buarque de Holanda sob uma óptica sociológica dessa formação à

“Formação do Brasil contemporâneo” (1942) de Caio Prado Júnior pelo viés da

economia81. Na arquitetura podemos destacar dois textos que cumprem esse papel,

e mesmo que não tenham se tornado compêndios mais alongados sobre a questão

traçam decisivamente a trama e a linha de desenvolvimento da produção

arquitetônica no Brasil: Documentação Necessária (1937) e Notas sobre a evolução

do mobiliário luso-brasileiro (1939), ambos de Lúcio Costa. Nesse contexto de busca

por um enraizamento em solo nacional, para além das narrativas históricas usadas

desde o século XIX como aponta Salah Khaled (2010) como dispositivos

80
Segundo Paulo Arantes em “Sentido de Formação”, a sensação de malformação da cultura brasileira era senso comum entre
os intelectuais brasileiros mesmo antes de se estabelecer a querela local entre acadêmicos e modernos. Essa sensação
especialmente na literatura, mas que poderia ser estendida a todas as expressões artísticas, vinha de um lado da não
continuidade entre os autores que permitisse a constituição de uma escola ou tradição local (problema que não se
circunscrevia a uma questão mental era também um problema social) e por outro a constatação de sermos uma cultura de
terceira ou quarta ordem, visto que éramos, segundo Antonio Candido “galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto
de segunda ordem no jardim das Musas” (CANDIDO, apud, ARANTES e ARANTES, 1997, p.20).
81
Ver discussão em ARANTES, Otília Beatriz Fiori e ARANTES Paulo Eduardo. Sentido da Formação. São Paulo: Paz e
Terra, 1997).
112
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

identitários82 por parte dos dirigentes do país, todo um amplo leque de produção

cultural passou a partir dos anos 30 a exercer esse papel. É nessa perspectiva que

as tramas da formação da cultura brasileira foram tecidas, inclusive a formação da

arquitetura brasileira. No cerne dessas tramas a ideia de que somente através de

uma cultura pretensamente nova e própria, seria possível eclipsar o “atraso”

irremediável do desenvolvimento industrial e ultrapassar o desconforto da “ausência

de uma genética” (ROMERO, apud ARANTES E ARANTES, 1997, P.15) no

desenvolvimento espiritual do país. Esse caminho tecido para a nova cultura

brasileira era apresentado e defendido por seus agentes como a única e verdadeira

expressão própria de seu tempo – dentro do espírito hegeliano da modernidade – e

próprio do país – na característica condição de singularização e separação dessa

modernidade.

Quando no Brasil as vanguardas optam pelo nacional e pelo primitivo

elegem uma terceira via de manifestação do modernismo diversa das duas


83
apontadas por Argan (1993) . Se as duas vias do modernismo europeu se

constituíram no embate entre criação e produção, atreladas à condição de

industrialização existente e a realidade sociocultural que ela impõe a vida humana –

uma como resistência e outra como fomento; no Brasil a via alternativa se deu no

descolamento entre criação artística e condição produtiva industrializada. A arte

moderna – arte da era da máquina – nessas paragens se deu desconectada da

82
“A elaboração de uma narrativa nacional se tornou condição sine qua non para legitimar a Monarquia e satisfazer as
pretensões de alcançar o Brasil à condição de país ordeiro, integrado e desenvolvido na segunda metade dos oitocentos”. Ver
KHALED Jr., Salah H. Horizontes identitários: a construção da narrativa nacional brasileira pela historiografia do século
XIX. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010, p. 46.
83
Para esse autor as vanguardas do início do século XX se dividiam em positivas, caracterizadas pela ação propositiva de
buscar a nova expressão para o trabalho agora industrializado e o progresso (já citadas) e as negativas que pregavam a
incompatibilidade irreconciliável entre criação artística e produção cultural. Ver discussão em ARGAN, Giulio Carlo. Arte e
crítica da arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1993.

113
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

condição industrializada e apenas como miragem ou antecipação pôde tangenciar

tal realidade e as implicações socioculturais vinculadas a ela.

Na consciência da impossibilidade de ultrapassar o abismo que separava o

desenvolvimento da industrialização europeia e norte-americana da incipiência

precária da indústria brasileira, o modernismo de Pindorama tomou a negação da

possibilidade de conciliação entre arte e indústria, no mergulho em busca do

primitivo e do selvagem e o recolocou como miragem construtiva de uma condição

material ainda não realizada dessa industrialização. Com isso descolou o sentido de

uma expressão artística que persegue uma condição produtiva já em vigência para

uma expressão artística que antecipa um desenvolvimento material na recolocação

do país como produtor e não reprodutor cultural no panorama internacional.

Para o governo interessava tanto essa recolocação quanto sua verve

nacionalista e a brasilidade modernista, construída sobre a ilusória neutralidade dos

intelectuais modernistas, que foi cooptada pelo poder no que lhe era pertinente e da

maneira que melhor lhe serviu em prol de sua manutenção e constante legitimação.

A questão da brasilidade continuou sendo, a partir da década de 20, em diversos


momentos da nossa história, acionada por mecanismos políticos que as elites
letradas sistematicamente não perceberam. Embevecidas pelo mito da
neutralidade científica, ou por aquele menos sofisticado da pureza, das suas
faculdades intuitivas, as elites letradas do país nunca puderam perceber o
quanto tinham sido instrumentos num jogo de forças no qual desempenharam
apenas função secundária (MORAES, 1978, p. 125).
Parece-nos bastante pertinente a afirmação de Moraes sobre a ingenuidade

dos modernistas quanto ao mito da neutralidade dos intelectuais e a utilização

manipulada da “brasilidade” pelo poder em campos muito distantes do horizonte de

formação cultural em que ela foi gerada, colocado num plano secundário em relação

às forças decisórias políticas e econômicas do país. No entanto, nos parece

questionável o desconhecimento desinteressado desses mesmos intelectuais quanto

114
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

aos usos tácitos dos saberes pelos poderes envolvidos e vice-versa. Isto porque a

aliança com o Estado representava para os modernistas a garantia de realização de

seus ideários, que no caso da arquitetura e do urbanismo tal envolvimento era uma

das pautas de discussão importante nos Congressos Internacionais de Arquitetura

Moderna (CIAMs) desde sua primeira edição em 1928 84 . Bem mais que uma

exploração inescrupulosa de ingênuos e brilhantes intelectuais por parte de

dirigentes políticos a relação que se estabelece entre modernistas e governo pode

melhor ser caracterizada como uma simbiose de duradouro sucesso para seus

partícipes. Essa aliança tanto possibilitou avanços e ganhos enormes para uma

importante porção das manifestações que compõem a cultura brasileira como gerou

a exclusão de outras tantas contribuições que poderiam ter sido importantes na

constituição e enriquecimento desse horizonte cultural em suas narrativas oficiais.

No longo processo de modernização da era Vargas o modernismo adquiriu

uma centralidade inquestionável e inquestionada na cultura nacional, a ponto de

alcançar a hegemonia na era JK, numa mescla peculiar e extremamente complexa

entre interesses diversos implícitos e explícitos, de âmbito e proporções também

diversas. Se a tangência entre o movimento tenentista e o movimento modernista

em 1922 se dava apenas na esfera vaga de uma geração combativa de inspiração

comum que nesse caso específico segundo Francisco Iglésias (2002) se colocava

no centenário da Independência como “fato histórico capaz de criar estado de

consciência” (IGLÉSIAS, In: ÁVILA, 2002, p. 20) sobre a insatisfação com a

realidade vigente naquele momento; Getúlio Vargas e os modernistas do Ministério

da Educação e saúde Pública, mesmo que não coincidentes em todos os seus

propósitos, compartilhavam concretamente de um específico projeto para a cultura

84
Ver BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. São Paulo: Perspectiva, 1989.
115
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

nacional, que não só efetivamente promoveu um salto qualitativo gigantesco das

condições culturais brasileiras, bem como os legitimava em seus lugares de poder.

Indubitavelmente o modernismo foi um momento importante e essencial na

cultura brasileira que transcendeu em vários e complexos sentidos o próprio campo

cultural, como muito bem aponta Francisco Iglésias:

Não foi o modernismo que fez o Brasil, que ele vem sendo feito desde o século
XVI, notadamente a contar de 1822. Não foi também uma página em branco,
episódio sem significação, simples barulho de jovens irrequietos (...). Foi um
momento de construção do Brasil, crítico e criador. Contribuiu para revelar a
verdadeira fisionomia nacional (IGLÉSIAS, In: ÁVILA, 2002, p. 17).
Se a literatura foi protagonista na invenção e disseminação da “nova” e oficial

cultura brasileira plasmada na visão/expressão modernista e fomentada pelo poder

público, a arquitetura foi prima-dona na consolidação, representação e legitimação

dessa cultura. Isso se revela em seu duplo aspecto – de centralidade e de potência

de fala – na paulatina adoção da vertente corbusiana na construção de edifícios

públicos, que culminou com a integral construção da nova capital do país sob seus

ditames. Lúcio Costa tem papel decisivo nesse percurso: de um lado seus textos e

ações foram determinantes na adoção oficial de tal vertente para a construção de

tais edificações, de outro foi o responsável pelo projeto da maior realização dessa

arquitetura – o plano urbanístico para a supracitada capital. Para além de sua

importante contribuição em várias áreas do campo arquitetônico, foi ele o principal

responsável por urdir a trama oficial sobre a história da arquitetura brasileira no bojo

da formatação dessa cultura una moderna e nacional atrelada aos propósitos

modernizadores do Governo Vargas. Incluída nessa narrativa se encontra a mais

recorrente versão sobre a formação da arquitetura moderna brasileira em sua trama

quase miraculosa e insistentemente ecoada, tecida na exaltação de alguns poucos

nomes e feitos e no grande silêncio sobre muitos outros acontecimentos.

116
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3. SOBRE FALAS CONSAGRADAS E SEUS ECOS DURADOUROS

O que transporto ao papel não é essa coexistência dos objetos


percebidos, sua rivalidade diante do meu olhar. Encontro o meio de
arbitrar seu conflito, que produz a profundidade. Decido fazê-los
coabitar num mesmo plano, e obtenho isso substituindo o espetáculo
total e coagulando sobre o papel uma série de visões locais
monoculares (...). Meu olhar percorrendo livremente a profundidade, a
altura e o comprimento, não estava submetido a nenhum ponto de
vista, porque os adotava e os rejeitava a todos sucessivamente, ao
passo que agora renuncio a essa ubiqüidade e convenho só fazer
figurar em meu desenho o que poderia ser visto de um certo ponto de
observação por um olho imóvel fixo num certo “ponto de fuga”, de
uma certa “linha de horizonte” escolhida de um vez por todas.

Maurice Merleau-Ponty (2002, pp.78/79).

Talvez tal como a Bossa Nova e o futebol, a arquitetura moderna brasileira

tenha alcançado uma força expressiva tamanha que, para além de seu campo

específico de atuação, reverberou e reverteu-se em momento crucial da própria

constituição da imagem de uma nação brasileira. O legado da arquitetura moderna

no Brasil em suas mais diversas vertentes e variáveis qualificações da arquitetura e

do urbanismo construiu não só grande parte de nossas cidades, mas contribuiu de

maneira ímpar para a construção da ideia de uma cultura nacional. Embora a

importância central da materialidade desse movimento nas obras em concreto

armado seja inegável, foi no campo das ideias e da retórica que uma específica

linhagem encontrou maior poder de expressão e realização através do delineamento

do campo disciplinar da arquitetura brasileira. Se essa específica linguagem

moderna teve como marco icônico a nova capital do país, teve em Lúcio Costa seu

maior configurador, que através de seus textos e ações, para muito além de suas

obras arquitetônicas e urbanísticas, formatou, entre passado e futuro, a “história da

arquitetura brasileira”. Para o futuro, Costa tanto foi figura chave na criação e

fomento de obras cruciais para o modernismo de influência corbusiana no Brasil

117
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

como também foi exímio defensor e construtor de uma sensibilidade moderna que

possibilitou a adoção dessa arquitetura modernista como expressão oficial de um

novo Brasil que se pretendia construir. Para o passado foi um dos maiores

responsáveis pela formatação da memória nacional através de sua ação junto a

mais importante instituição voltada para a preservação do patrimônio nacional – o

SPHAN (atual IPHAN), desde seus primórdios.

O quadro da arquitetura brasileira, segundo Costa e seguidores, é composto

fundamentalmente pela exaltação das obras do período colonial (um passado que se

queria como referencial), pela desqualificação absoluta dos exemplares ecléticos (o

presente exógeno que se quer combater) e a mitificação quase sacra do

modernismo (novo caminho a ser seguido que segundo esse autor brotou no centro

do Rio de Janeiro com a construção do Ministério da Educação e Saúde Pública

entre 1936 e 1947). Esse caminho “moderno e nacional” teria como gênio mentor Le

Corbusier (1887-1965), como grande tutor o próprio Lúcio Costa (1902-1998) e

como expoente notável Oscar Niemeyer (1907-2012).

Se entendida à luz de um momento de tensão e luta por afirmação de saberes

e poderes no delinear do “Brasil Moderno” a trama tecida por Lúcio Costa em seus

vários textos e depoimentos sobre a arquitetura brasileira nos parece bastante

compreensível. A versão restritiva e dogmática que ele apresenta se coloca como

posição de combate necessária para a defesa da vertente moderna da qual

pertencia num complexo horizonte de possibilidades para a arquitetura do período

que buscavam se estabelecer como hegemônicas no país. Costa defendia não só

uma nova forma de expressão arquitetônica, mas propriamente um espaço político

para que ela se concretizasse e se disseminasse. Seu objetivo foi exaltar a vertente

nacional que ganhou projeção internacional, vinculada a uma forma excepcional de


118
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

fazer arquitetura que mais que linguagem falada na aplicação de um determinado

vocabulário que a tornou corrente, se fez linguagem falante na criação de vocábulos

próprios dentro do repertório formal moderno e novas maneiras de articular os

espaços.

No entanto, a perpetuação da versão desse mestre manteve reduzido o vasto

horizonte das expressões modernas nas primeiras décadas do século XX no país,

hoje passíveis de outras leituras que possam distender e tencionar essa trama. Por

outro lado, permanece também em nossa história e em nossa historiografia a visão

eurocêntrica de que as expressões brasileiras são sempre versões empobrecidas ou

no máximo exóticas dos movimentos artísticos originais do velho mundo que

tardiamente chegam ao país. Para uma aproximação diversa dessa versão é crucial

rever algumas falas e modos dessas falas para melhor retomarmos esse momento

em seus pontos de inflexão. Deixar nosso olhar desfrutar do “conflito, que produz a

profundidade” (MERLEAU-PONTY, 2002, p.78) e ultrapassar as significações dadas

ao desenho feito a partir de “um certo ponto de observação por um olho imóvel fixo

num certo ‘ponto de fuga’, de uma certa ‘linha de horizonte’ escolhida” (MERLEAU-

PONTY, 2002, pp.78/79) sobre o surgimento da arquitetura moderna no Brasil.

119
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.1. A FALA CONSAGRADA DE LÚCIO COSTA

(...) talvez o último ou o único dos arquitetos brasileiros com uma


dimensão cultural que transcendeu as fronteiras da arquitetura para
situá-lo entre os pensadores de um Brasil do século XX.

Hugo Segawa (In: NOBRE [et al.], 2004, p.42.)

Aproximar-se do horizonte que revela a importância de Lúcio Costa não só

para a arquitetura brasileira como também para a cultura do país é em primeiro lugar

reconhecer a gigantesca dimensão e papel central de sua figura na conformação e

consagração do modernismo brasileiro no Brasil85 e no exterior. A citação acima de

Hugo Segawa sobre Lúcio Costa num texto que alerta sobre a pouca atenção dada

aos projetos residenciais dentro da obra desse arquiteto explicita essa condição. O

brilho do jovem que com apenas 28 anos potencializou uma radical mudança nos

caminhos da mais importante instituição educacional voltada para a expressão

artística do país, ao assumir a direção da Escola Nacional de Belas Artes em

dezembro de 1930, é inegável. Indicado por Rodrigo Melo Franco de Andrade, à

época chefe de gabinete de Francisco Campos, ministro da Educação e Saúde

Pública do primeiro governo de Getúlio Vargas, o lugar de diretor da ENBA lhe

conferiu especial tribuna que certamente esse mestre soube aproveitar. Se dos

méritos de sua excepcional atuação muito já foi pesquisado e celebrado, muito

pouco foi investigado sobre seus impactos menos favoráveis como os silêncios e os

esquecimentos que tão expressiva presença terminou por provocar,

propositadamente ou não, sobre as outras tantas contribuições importantes no

complexo campo das manifestações e formas de ser moderno no Brasil da primeira

metade do século XX. Em particular nos interessa compreender como e porque as

85
Menos redundante do que possa parecer em uma primeira leitura, a importância de Lúcio Costa não se deu apenas no
acontecer do modernismo no Brasil, mas sim num modo particular desse movimento no país que lhe conferiu um caráter
singular e nacional que permitiu distingui-lo de suas manifestações em outras partes do globo (ou pelo menos defender a ideia
de) a ponto de ser nominado “brasileiro”.
120
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

falas de Lúcio Costa alcançaram tamanha legitimidade e foram tão determinantes

tanto no surgimento do modernismo arquitetônico brasileiro como (ou bem mais) na

versão dada pela trama mais recorrente sobre a história da arquitetura moderna no

Brasil como já apontaram alguns pesquisadores como Carlos Martins (1994), Nelci

Tinem (2002) e Otávio Leonídio (2007).

Se a partir dos anos 50 a legitimação dos saberes instituídos tradicionalmente

nas universidades, moldados no arcabouço do saber institucionalizado no século

XVIII proveniente do iluminismo e seus meta relatos, entra em crise como nos

aponta Jean-François Lyotard (2002); no Brasil da primeira metade do século XX e

posteriormente sob o silencio forçado da ditadura militar essa forma de legitimação

ainda era bastante válida, em especial em seus desdobramentos positivistas do

século XIX. Assim conhecimento científico e saber especializado se constituíam em

lugar privilegiado de validade e respeitabilidade do período, responsáveis pela

legitimação e proeminência de certas falas e seus autores.

Aluno de destaque 86 e formado com distinção 87 entre os alunos da Escola

Nacional de Belas Artes, a mais antiga e tradicional instituição do país no campo das

artes, Lúcio Costa atendia plenamente a tais quesitos. Assim, mesmo antes de

ocupar cargos que lhe dariam ainda mais legitimidade, as falas desse arquiteto já

tinham certa representatividade, fato comprovado por suas primeiras manifestações

em jornais, na forma de entrevista desde 1924 88.

Para além da capacidade intelectual e da formação especializada em

instituição de grande credibilidade – construída sobre os bastiões do neoclassicismo

86
A premiação em segundo lugar em 1923 de Lúcio Costa no concurso para o Solar Brasileiro pode atestar tal constatação,
bem como apontar a aproximação de Costa com as representações nacionais.
87
O fato de em 1924 (ano de sua formatura) ter sido um dentre os três arquitetos comissionados para realizar a viagem de
estudo a Minas Gerais em busca de aprofundar os conhecimentos sobre a arquitetura colonial promovida por José Mariano
Filho, a época presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes, demonstram essa distinção.
88
Publicada no Jornal “A Noite” em 19/03/1924, intitulada “A alma de nossos lares”. In: COSTA, Lúcio (NOBRE, Ana Luiza
org.). Encontros. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010.
121
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

francês mais apurado89 – outros fatores também contribuíram para que o prestígio

das falas de Costa atingisse tamanha importância. O furor do nacional era evidente

na Primeira República, porém o Brasil ainda se mantinha como um país cuja elite

intelectual e econômica tinha no velho continente, em especial no campo das artes

na França, o exemplo a seguir, supervalorizando qualquer ponte que ligasse o Brasil

à Europa. Assim um brasileiro nascido e educado em terras europeias, cuja

formação superior se dá em território nacional, representava uma síntese ímpar

entre tradição do velho mundo e pulso nacional. Lúcio Costa era esse brasileiro:

nasceu em Toulon (França) em 1902, cursou o ensino fundamental na Royal

Grammar School em Newcastle (Inglaterra) e no Collège National em Montreaux

(Suíça) entre 1910 e 1916, e graduou-se pela Escola Nacional de Belas Artes no Rio

de Janeiro, à época capital do Brasil, entre 1917 e 1924 no Curso Especial de

Arquitetura, com passagem inicial pelo curso de pintura (WISNIK, 2001). Esse “parti

pris” somado a atuação profissional de Costa, imbricada de maneira indelével em

sua vida pessoal, deu ainda maior notoriedade às falas desse arquiteto. Segundo

Guilherme Wisnik (2001):

(...) a variada gama de sua atuação compõe-se de uma trama irregular de


avanços e recuos, ‘profissões de fé’ e incertezas, refletindo de maneira aberta
e ambígua a matéria viva do país, com a qual dialoga. (...) Lúcio Costa é a
figura-chave no quadro de implantação da arquitetura moderna no Brasil. (...) é
figura central também na definição das normas e diretrizes de preservação do
patrimônio histórico no Brasil e fundador da nossa historiografia. (WISNIK,
2001, p.07).

Lúcio Costa foi diretor da Escola Nacional de Belas Artes, fato que

isoladamente já atribui grande potência de fala aquele que o exerce. Mesmo que

tenha sido por exíguo tempo, ter exercido tal cargo atrelado às circunstâncias

89
Apesar da mudança do nome da antiga Academia Imperial de Belas Artes para Escola Nacional de Belas Artes com a
proclamação da República, a estrutura da instituição não sofreu mudanças significativas em relação à proposta original
delineada por Joachim Lebreton baseada no sistema da consagrada Academia Francesa. O curso de arquitetura teve como
principal estruturador o arquiteto Auguste Henri Victor Grandjean de Montigny, formado pela École d’Architetucture de Paris e
vencedor do prêmio Grand Prix de Rome em 1799.
122
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

políticas daquele momento potencializou a fala desse arquiteto, bem como o colocou

dentro do Ministério da Educação e Saúde, instituição central na conformação do

“novo homem” para a concretização do desejo de Getúlio Vargas de criar um “Novo

Brasil”. Na trama costiana o curto tempo à frente dessa instituição, os tão

mencionados nove meses, parecem dar tom ainda mais apoteótico à epopeia do

“surgimento da arquitetura moderna no Brasil”. Sua indicação para a direção da

ENBA, não foi tão surpreendente quanto sua autobiografia tenta evidenciar, já que

além das premiações em concursos voltados a criação de obras de caráter e

representação nacional, Lúcio Costa havia trabalhado em firmas cujas atividades

tinham importância reconhecida na capital do país, incluindo obras institucionais de

vulto, a exemplo do Escritório Técnico Heitor de Mello, responsável pelos principais

edifícios da Exposição Internacional do Centenário da Independência 90. Por outro

lado, para além de ter sido pupilo destacado de José Mariano Filho, uma das mais

influentes figuras no meio artístico e cultural das primeiras décadas do século XX,

ele trabalhava na época da nomeação como assessor de obras do Itamaraty, o que

o colocava dentro do quadro técnico do governo e por mais contraditório que possa

parecer o aproximou do governo revolucionário seguinte.

Assim Lúcio Costa era este jovem franco-brasileiro, de formação europeia e

nacional, que representava o novo referenciado pela tradição, com apreço pelas

“raízes do país” e filho de um engenheiro naval militar de certo relevo – o Almirante

Joaquim Ribeiro da Costa da Marinha do Brasil – e que preenchia de maneira ímpar

o perfil de moderno e nacional da vontade política do período.

90
Ver trajetória profissional de Lúcio Costa em WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

123
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Pautada em uma grande erudição e numa fusão simbólica invulgar, somadas

ainda a uma trajetória profissional que passou por lugares centrais no delineamento

da cultura e da arquitetura brasileira, a fala de Lúcio Costa alcançou estatuto de

axioma magno, aclamada e ecoada até a atualidade.

(...) Lúcio, se fosse divindade, seria o Janus bifronte, o deus dos inícios, das
portas, portões e umbrais, das mudanças e transições. A coisificação da
transformação não parece ser menos instigante entre a multiplicidade de
leituras que sua obra admite. (COMAS, In: NOBRE [et al.], 2004, p.30).

Sem dúvida as contribuições e o papel de Lúcio Costa são patentes na

constituição não só de uma importante vertente da arquitetura brasileira, como

também na própria constituição de novas mentalidades na tentativa de construção

de uma certa nacionalidade, preocupação incipiente desde a Proclamação da

República e que se torna uma importante bandeira do Estado Novo.

Porém a contundência e o sucesso dessa empreitada por um determinado

grupo de intelectuais, que sem dúvida lutou com todas as suas armas nas batalhas

pela vitória e hegemonia de uma expressão moderna específica, dificultaram a

compreensão dos limites dessa construção de maneira menos comprometida com a

causa ou sua imediata oposição. Talvez pelo comprometimento da geração dos

anos 40 com a busca da supremacia dessa vertente moderna e as seguintes por

terem se formado imersos no moderno vencedor, muito se conjecturou sobre o papel

determinante do modernismo sobre a cultura do país, porém nada, ou quase nada,

refletiu-se sobre a unilateralidade exacerbada do modernismo brasileiro e sua ação

indutora e restritiva sobre essa mesma cultura, ou pelo menos em sua parcela

oficial.

A versão heroica da saga do modernismo contra o panorama de uma

população apartada de sua própria cultura forjou uma unidade e uma identidade

124
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

nacional que, apesar de nunca ter correspondido à diversidade cultural brasileira,

permaneceu no imaginário nacional como tal e quiçá na arquitetura tenha ganhado

sua versão de maior evidência.

O artigo de Lúcio Costa decisivo na construção de sua trama sobre a história

da arquitetura brasileira e o surgimento da nova arquitetura nessas paragens com

grande repercussão foi “Muita Construção, Alguma Arquitetura e Um Milagre” de

1951. A condição destacada desse texto fica evidenciada por ele ter sido

transformado em uma publicação do Serviço de Documentação do Ministério da

Educação e Saúde, na série “Os Cadernos de Cultura”, no ano posterior a sua

divulgação no jornal, com o título de “Arquitetura Brasileira” (1952). Nessa passagem

de artigo de jornal para livro com título tão incisivo essa fala ganhou status de

axioma sobre a arquitetura no Brasil.

Esse artigo foi escrito para o número especial comemorativo dos 50 anos do

“Correio da Manhã”, que tinha em cada caderno (comércio, agricultura, etc.) um

artigo de representante, tido como expressivo na sua área, incumbido de traçar o

desenvolvimento do campo em questão na primeira metade do século XX,

coincidente com a existência do jornal 1901-1951, e que em linhas gerais acabaria

por traçar um panorama sobre o Brasil nesse período. O texto de Lúcio Costa é

então o responsável por estabelecer o quadro da arquitetura, como capa e destaque

do caderno de construção e urbanismo. Seu autor foi apresentado pelo jornal num

pequeno texto que dentre outros atributos destaca-se:

Não há, individualmente, ninguém que tenha contribuído mais do que Lúcio
Costa para tornar uma realidade no Brasil a arquitetura contemporânea. Autor da
reforma do ensino artístico no Brasil, primeiro arquiteto das Américas a ter
assento, ao lado de Gropius, no Symposium de Arquitetura de Londres e atual
diretor de Estudos e Tombamento do Patrimônio Histórico, o arquiteto do bloco
residencial do Parque Guinle tem dedicado à arte, na teoria e na prática, sua
vida inteira. (CORREIO DA MANHÃ, 1951,seção de construção e urbanismo,
p.1).
125
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Colocado nessa posição de autoridade a fala de Lúcio Costa tomou tal

dimensão de verdade absoluta e indiscutível que ecoou e continua a ecoar sem

questionamentos significativos por mais de meio século. Entrevistado em 1979,

Costa volta, e agora sem rodeios e concessões, a afirmar o advento repentino e o

caráter individual da instauração da arquitetura brasileira:

Sem o Oscar não teria havido esta arquitetura que surpreendeu os países
europeus, a América do Norte, Japão, depois de um período de matança, de
guerra, de destruição sistemática, bombardeios, bomba atômica. Enquanto isso
construiu-se aqui o Ministério da Educação, e o Oscar, convidado pelo Juscelino,
fez a Pampulha. Ele surgiu como arquiteto durante a construção do Ministério,
onde sua contribuição foi fundamental, e na oportunidade oferecida em Minas,
de fazer a Pampulha, ele se revelou uma personalidade fora de série. O
movimento da arquitetura dita brasileira contemporânea, no fundo, é Oscar
Niemeyer. O resto era arquitetos que acompanhavam mais ou menos o que ele
fazia: o Reidy, esse, aquele outro, todos mais ou menos dentro do esquema,
naquela tendência de querer renovar um pouco a arquitetura mais racionalista
que havia anteriormente com esse novo elemento que dava uma certa graça,
como nenhum dos grandes arquitetos anteriores havia contribuído, com
elegância, um certo charme. (...) Por isso quando o Oscar escreve, fala “nós
isso, nós aquilo”, ele está falando é dele, a “arquitetura brasileira” é a arquitetura
dele, do que ele fez, do que faz, porque é um fato, uma realidade, ele está
dizendo a verdade de uma forma como se fosse modesta: “nós, a arquitetura
brasileira” (COSTA, In: NOBRE 2010, p. 68 / 69).

No entanto, como nos aponta o próprio Lúcio Costa “(...) há certos exageros

na expressão, é preciso dar esses descontos porque, quando a pessoa está na linha

de frente, é questão de vida ou morte, não é quando o sujeito está afastado, depois

da batalha ganha“ (COSTA, 2010 p.162).

É no rastro desses excessos que revisitaremos os escritos desse arquiteto, na

tentativa de desvelar outros significados de suas falas na tessitura de tão propalada

trama sobre o período de formação da arquitetura moderna brasileira, também

tecida nos fios de silêncios e desqualificações.

126
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.1.1. Um milagre brasileiro

Foi efetivamente a presença desse criador de gênio, especialmente convidado


pelo ministro Capanema e o seu convívio diário, durante três meses91, com o
talento excepcional, mas até então ainda não revelado, daquele arquiteto, por
assim dizer predestinado, que provocaram a centelha inicial, cujo rastro logo se
expandiu graças à circunstância feliz de se haverem podido aplicar
imediatamente os benefícios decorrentes de tão proveitosas experiências:
primeiro, na elaboração do projeto definitivo e na construção do edifício do
Ministério da Educação e Saúde, e, logo depois, em Nova Iorque, no ano de
1938, na organização do novo projeto para o pavilhão do Brasil na feira
mundial daquela cidade. Foram esses os fatores determinantes do surto
avassalador que se seguiu. (COSTA, 1948).

Com esse exíguo e sucinto parágrafo Lúcio Costa define os fatos, os agentes,

as obras e as circunstâncias que supostamente teriam sido os responsáveis pela

“instauração”, numa formação súbita e repentina da arquitetura moderna brasileira.

Inusitada, para não dizer irônica, foi a situação que desencadeou a construção

dessa trama. A singela dedicatória do álbum “Arquitetura Contemporânea no Brasil”

de 1947, uma coletânea de 40 exemplares, entre projetos e obras, produzidos por

arquitetos brasileiros a partir de 1940 vinculados a Revista “Ante-Projeto” produzida

pelos estudantes Edgar Graeff, Marcos Jaimovich, José Duval, Nestor Lindenberg e

Slioma Selter, da Faculdade Nacional de Arquitetura desde 1945, provocou a

indignação do jornalista Geraldo Ferraz que através de um artigo no jornal “Diário de

São Paulo” de fevereiro de 1948 convoca Lúcio Costa a esclarecer o equivocado

título dado a ele pelos estudantes. Na terceira página da publicação encontra-se a

seguinte inscrição em três idiomas: “Ao arquiteto LÚCIO COSTA mestre da

arquitetura tradicional e pioneiro da arquitetura contemporânea no Brasil”.

Começa aí um ríspido embate no qual Lúcio Costa responde publicamente

em “O Jornal” ainda em fevereiro de 1948, à provocação do paulista que defendia o

91
Segundo Hugo Segawa (1998, p. 90) Le Corbusier passa 34 dias semanas no Brasil em sua estadia em 1936 e não 3
meses, porém optou-se por transcrever conforme o texto consultado em “Carta-depoimento”In: COSTA, Lúcio (XAVIER,
Alberto org.). Lúcio Costa: Sobre Arquitetura. Porto Alegre: Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962. Não
foi possível precisar se o equívoco foi do autor, o arquiteto Lúcio Costa ou problemas de transcrição/edição/impressão.
127
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

pioneirismo de Warchavchik e chamava de falsa informação a atribuição dada ao

arquiteto brasileiro. Nessa resposta Costa lança explicita e incisivamente os fios da

trama que explicaria o surgimento e o sucesso da arquitetura moderna brasileira,

consolidada no artigo “Muita Construção, Alguma Arquitetura e Um Milagre” de

1951. Nela, como o trecho supracitado mostra, o Edifício do Ministério da Educação

e Saúde Pública é o momento instaurador de uma gênese quase súbita e milagrosa.

Neste texto ele não só desqualifica o papel do arquiteto ucraniano na formação da

arquitetura moderna brasileira, como também todas as demais contribuições ao

afirmar:

(...) as realizações posteriores ao “avento” do arquiteto Oscar de Almeida Soares


– que se assina Oscar Niemeyer – e que alcançaram tamanha repercussão no
estrangeiro, têm vinculo direto com as fontes originais do movimento mundial de
renovação tendente a repor a arquitetura sobre bases funcionais legítimas. Não
foi de segunda ou terceira mão, através da obra de Gregório, que o processo se
operou: foram as sementes autênticas, em boa hora plantadas aqui por Le
Corbusier, em 1937, que frutificaram (COSTA, In: XAVIER, 1962, p.124).

Mesmo se colocando num papel secundário, no que denominou de

“participação indireta” (COSTA, In: XAVIER, 1962, p. 126) ele afirma seu pioneirismo

e não deixa dúvidas sobre a importância de seu papel ao assinalar suas

contribuições para o fenômeno que segundo ele gerou a excepcionalidade da

arquitetura brasileira da época, a saber: sua tentativa de reformular o ensino da

ENBA e sua decisiva participação na empreitada de trazer Le Corbusier em 1937.

Curioso ressaltar que nem mesmo a vinda do mestre franco-suíço em 1929 é

mencionada na trama de Lúcio Costa na qual o momento instaurador é o miraculoso

encontro entre Le Corbusier e Oscar Niemeyer. Nessa trama não houve precedentes

nem precursores efetivamente relevantes, à exceção dos episódios em que ele

mesmo esteve envolvido, como os citados acima e o seu pequeno, mas fervoroso

grupo de estudos da primeira metade dos anos 30:

128
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

(...) constituiu-se porém, de 1931 a 35, pequeno reduto purista consagrado ao


estudo apaixonado não somente das realizações de Gropius e de Mies van der
Rohe, mas, principalmente, da doutrina e obra de Le Corbusier, encaradas já
então, não mais como um exemplo entre tantos outros, mas como o Livro
Sagrado da Arquitetura.
Foi o conhecimento prévio e a demorada e minuciosa análise dessa tese
monumental (...) foi esse estado de espírito predisposto à receptividade, que
tornou possível resposta instantânea quando a oportunidade de pôr a teoria em
prática se apresentou. (COSTA, 1951, p.1).

No artigo de 1951, publicado pela primeira vez no jornal “Correio da Manhã”

do qual a citação supra foi retirada, Lúcio Costa é ainda mais enfático na afirmação

da versão miraculosa do surgimento da arquitetura moderna brasileira, a começar

pelo título dado a essa fala. Numa versão reducionista e direcionada da história da

arquitetura brasileira, contradizendo sua própria posição no final dos anos 30 que

dava aos antigos mestres portugueses o mérito da preservação da tradição e

qualidade construtiva que incorporava lentamente no tempo às soluções modernas,

Costa vincula a descendência de nossa arquitetura à francesa. Sintetizada em: o

marco inicial de modernização com a fundação da Academia de Belas Artes e a

introdução do neoclassicismo por um descente direto da academia francesa, o

arquiteto francês Grandjean de Montigny92; segue-se então, precedida de um salto

de pouco mais de um século93, a contribuição fundamental de outro “francês” – o

“autodidata de gênio” (COSTA, 1951, p.1) Le Corbusier; e finalmente, com menos de

15 anos de intervalo, a retribuição a esses mestres simbolizada na visita de um

estudante francês da “École de Beaux Arts” para coletar material sobre as

realizações brasileiras devido ao surpreendente desenvolvimento da arquitetura

moderna nacional cuja qualidade destacada internacionalmente na metade do

século XX, colocava o país na vanguarda mundial dos acontecimentos na área.

92
Arquiteto francês que vem na Missão Francesa em 1816 para o Brasil, além de ser o responsável pelo Curso de Arquitetura
da Academia Imperial de Belas Artes, projetou o edifício que abrigou tal instituição.
93
Apesar da chegada da Missão Francesa datar de 1816 é somente dez anos depois que se dá a fundação da Academia
Imperial de Belas Artes. Assim entre 1826 e 1936, ano da visita de Le Corbusier ao Brasil na qual se dá o encontro entre o
mestre e o grupo carioca liderado por Lúcio Costa, passam-se 110 anos.
129
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na narrativa costiana é explicito e sempre recorrente a afirmação de que essa

condição de evidência atingida pela arquitetura brasileira foi súbita e milagrosa,

independente de quaisquer fatores e acontecimentos precedentes. Segundo ele:

Há certa tendência – agora que o louvor de fora a consagrou, e o hábito


decorrente da vista e do uso já lhe vai assimilando as formas e percebendo a
intenção -, de pretender-se encarar essa floração de arquitetura como processo
natural, fruto de umas tantas circunstâncias e fatores propícios, e
consequentemente, demonstrável por a + b. Nada menos verdadeiro, entretanto.
(COSTA, 1951, p. 1).
(...) O desenvolvimento da arquitetura brasileira ou, de modo mais preciso, os
fatos relacionados com a arquitetura no Brasil nestes últimos cinquenta anos,
não se apresentam concatenados num processo lógico de sentido evolutivo;
assinalam apenas uma sucessão desconexa de episódios contraditórios,
justapostos ou simultâneos, mas sempre destituídos de maior significação e,
como tal, não constituindo, de modo algum, estágios preparatórios para o que
haveria de ocorrer. (COSTA, 1951, p.1).

A afirmação e destaque do Ministério da Educação e Saúde Pública são tão

potentes na fala de Lúcio Costa que a chamada do artigo no jornal, bem abaixo do

título que já é por si só bastante sugestivo traz: “com o projeto e construção do

Ministério da Educação e Saúde a arquitetura jamais passou, noutro igual

espaço de tempo, por tamanha transformação”. (CORREIO DA MANHÃ, 1951,

seção de construção e urbanismo, p.1). Esse também é o fechamento do texto, o

que indica a confirmação e o coroamento do fenômeno e seu significado.

Mais uma vez, mesmo sem se autocitar, o texto de 1951 traz a presença

central de Lúcio Costa na instauração do modernismo e da arquitetura brasileira.

Essa presença é evidente na pontuação da reforma do ensino da ENBA, no Salão

de 31 e principalmente no extenso espaço e exaltação do Edifício do Ministério da

Educação. Inclui-se nessa fala toda a saga dessa obra: da fundamental contribuição

de Le Corbusier à decisiva atuação da equipe brasileira. Também é nela que Costa

faz a defesa dos controversos enfrentamentos para que ela tomasse a feição que

possui: a substituição do arquiteto premiado no concurso organizado para tal sede e

130
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

o abandono do projeto concursado à contravenção da legislação vigente: “quando o

estado normal é doença organizada, e o erro, lei, - o afastamento da norma se

impõe e a ilegalidade, apenas é fecunda.” (COSTA, 1951, p. 15).

Interessante notar como as imagens escolhidas para ilustrar o artigo reforçam

não só os pontos considerados mais importantes por Lúcio Costa, como também a

centralidade dele próprio para tais acontecimentos decisivos do passado, presente e

futuro da arquitetura brasileira, especialmente a importância do Ministério da

Educação. No “Correio da Manhã”, são cinco ilustrações que acompanham o texto,

quatro fotos de Marcel Gautherot94 e um croqui do plano de Le Corbusier para o Rio

de Janeiro em 1929. Todas as fotos aparecem na primeira página e o desenho

aparece na segunda página do artigo que tem continuação na nona página do

caderno do jornal.

Dentre as fotos, colocada no centro da primeira página, está o Pórtico da

Academia Imperial de Belas Artes num destaque evidente da instauração da

tradição erudita da arquitetura brasileira de descendência francesa. O pórtico

removido para o Jardim Botânico com a demolição do edifício projetado por

Grandjean de Montigny é o recorte escolhido por Lúcio Costa para salvaguardar a

lembrança de tão importante obra/instituição. Na edição modernista do passado, o

vestígio do antigo edifício remete, de certa maneira, a uma espécie de metáfora

trágica da tentativa de renovação que Costa buscou implantar nessa instituição. A

foto enquadra de frente todo o pórtico ladeado por palmeiras imperiais e evidencia a

importância dessa instituição, agora editada pelos tempos modernos e nacionais.

Símbolo fragmentário e fragmentado tão próprio da saga fáustica da modernidade, o

94
Francês, esse fotógrafo fez importante carreira no Brasil especializado em registrar a cultura, arte e arquit etura com olhar
apurado e enquadramentos artísticos modernos. Querido por arquitetos modernistas como Niemeyer, Gatherot trabalhou para
muitas revistas e para o SPHAN.
131
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

antigo portal se tornou um elemento escultural, componente recortado e apartado do

seu todo, desvinculado de seu sentido de existência – entrada para lugar nenhum.

No final da página, colocadas lado a lado, formando uma barra numa espécie

de embasamento e exemplo a ser seguido, três fotos do Edifício do Ministério da

Educação em ângulos recortados – enquadramento próprio da cultura visual

modernista95. Duas delas com destaque para esculturas que compõem o conjunto

edificado e reforçam a integração das artes: “Juventude” de Bruno Giorgio e “Figura

Reclinada” (uma alusão à fertilidade) de Antônio Celso – cada uma a seu modo

aponta para um novo amanhã. No centro, celebrando o modelo da nova arquitetura,

uma visada do piloti monumental do novo prédio: um espaço amplo, livre e fluido

possibilitado pela implantação moderna da obra, onde três homens caminham em

direção à luz da cidade moderna que ali também tem instaurada sua nova forma.

O croqui da proposta de Le Corbusier aparece no centro da segunda página,

numa clara reverência ao mentor de Costa, mestre iluminado, arauto da nova

arquitetura e do novo urbanismo. A presença dessa imagem também reforça a tese

do texto sobre a descendência da arquitetura brasileira, não da portuguesa, e sim

direta e definitivamente da francesa (musa de primeira linha). Tacitamente, difunde-

se a mensagem que tal vínculo enobreceria a “formação” da arquitetura brasileira.

Na transformação em publicação, as imagens também reforçam o texto

escrito com sutis diferenças na apresentação. Elas agora aparecem juntas e em

sequência, cada uma em página inteira praticamente no final do livro. A ordem é

alterada e o desenho da proposta de Le Corbusier é colocado antes das demais

ilustrações. No livro, o mestre moderno ganhou maior evidência e assim

95
Vide COSTA, Eduardo Augusto. ‘Brazil Builds’ e a construção de um moderno, na arquitetura brasileira. Campinas:
dissertação de mestrado da Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2009.

132
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

redimensionam-se as importâncias da descendência francesa para a arquitetura

brasileira – em primeiro lugar o mestre moderno, depois a foto do Pórtico da

Academia Imperial de Belas Artes sucedida pelas fotos do Edifício do Ministério da

Educação. A sequência de imagens do Ministério inclui mais quatro fotos também de

Gautherot em ângulos recortados do prédio, exclui a foto com a escultura de Antônio

Celso e mantém as outras presentes no jornal. Ressalta-se que a foto que sucede

ao Pórtico da Academia é a imagem do piloti do Ministério com os três homens a

caminho da luz. Colocadas lado a lado, elas reforçam ainda mais a afirmação da

centralidade do modernismo no entendimento do passado e na construção do futuro

da cultura e da cidade brasileiras, bem como a certeza do caminho a ser seguido – o

passado estanque é editado pelo olhar do presente; um presente em movimento

para o futuro – e esse presente passa pelo crivo do Dr. Lúcio.

Figura 18 – Página aberta da publicação “Arquitetura Brasileira”. Na legenda do Pórtico da Academia faz-se referência à
remoção dele pelo DPHAN, mas não cita que é esse mesmo órgão que permite a demolição do edifício, parecer do próprio
Lúcio Costa. E apesar de a legenda destacar os painéis de Portinari no Ministério, a imagem destaca o espaço e o movimento
dos transeuntes. Fonte: COSTA, Lúcio: Arquitetura Brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1952.

133
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 19 - Primeira página do Caderno de Urbanismo e Construção do número especial do Correio da Manhã de
15/06/1951. Destaque para a o título do artigo e a chamada destacada em negrito. Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/correio-da-manh%C3%A3/089842 acesso: 06/10/2012 às 12:02.

134
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Sem paralelo com o “prodígio” do Ministério da Educação, nenhuma outra

obra mereceu ter ilustração tanto no artigo como no livro, numa clara afirmação do

milagre instaurador dessa emblemática, singular e inigualável obra, segundo a trama

costiana, como o título original no jornal já não deixava qualquer dúvida.

Nesta fala Costa inscreve definitivamente o Ministério da Educação na história

da arquitetura brasileira como a grande lição que revela a capacidade de renovação,

criação e realização brasileira. Bem como, através da construção dessa fala,

evidencia que o triunfo da arquitetura moderna brasileira foi uma luta contra tudo e

contra todos de algumas iluminadas figuras que, na contra mão do óbvio e do legal,

instauraram numa gênese milagrosa tanto o moderno na arquitetura no Brasil como

a própria arquitetura brasileira que ganha suas características definitivas no

Complexo da Pampulha (1940-1943) em Belo Horizonte, projeto do mesmo arquiteto

que se destaca na equipe de projetistas e se revela através de soluções centrais no

projeto do Ministério da Educação – o “predestinado” Oscar Niemeyer.

Esse pedestal desmesuradamente alto e muitíssimo a cima de todos os

demais arquitetos que atuaram no Brasil naquele período é dado a Niemeyer por

Costa ainda no texto de 1948, quando ele afirma:

(...) há precursores, há influências, há artistas maiores ou menores: Oscar


Niemeyer é dos maiores; a sua obra procede diretamente da de Le Corbusier, e,
na sua primeira fase sofreu, como tantos outros, a benéfica influência do apuro e
elegância da obra escassa de Mies van der Rohe, eis tudo. No mais, foi o nosso
próprio gênio nacional que se expressou através da personalidade eleita desse
artista (COSTA, In: XAVIER, 1962, p. 125).

A fala incisiva de Lúcio Costa sela uma trama na qual, além de repentina, a

formação da arquitetura brasileira é atribuída ao trabalho de pouquíssimos

indivíduos, envoltos em uma áurea de heroísmo e genialidade, cujos destaques

135
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

recaem invariavelmente sobre a sua própria figura, na orquestração das condições,

e a de Oscar Niemeyer na invenção da expressão moderna e nacional.

A personalidade de Oscar Niemeyer Soares Filho, arquiteto de formação e


mentalidade genuinamente cariocas – conquanto, já agora, internacionalmente
consagrado – soube estar presente na ocasião oportuna e desempenhar
integralmente o papel que as circunstâncias propícias lhes reservavam e que
avultou, a seguir, com as obras longínquas da Pampulha. Desse momento em
diante o rumo diferente se impôs e nova era estava assegurada. (COSTA, 1951,
p.15).

Imposto o rumo e assegurado o caminho, delineado sob seu tutoramento, e

fecundado no encontro, também possibilitado por ele, do mestre genial francês e do

excepcional talento nacional abre-se um fecundo campo de produção da arquitetura

no Brasil, uma “obra esplêndida e numerosa” agora sim “devida a tantos arquitetos

diferentes” (COSTA, 1951, p. 15). Se Lúcio Costa atribuiu a Niemeyer “a invenção

do Brasil” na arquitetura, é ele também que nomeia, dentre esses tantos

profissionais que o seguiram, aqueles que mereciam ser lembrados: “(...) desde o

impecável veterano Affonso Eduardo Reidy e dos admiráveis irmãos Roberto, de

sangue sempre renovado, ao civilizado arquiteto Mindlin, transferido para aqui de

São Paulo” (COSTA, 1951, p. 15), e como não poderia deixar de ser, o

enriquecimento dessa produção “(...) pela contribuição paisagística do pintor Roberto

Burle Marx” (COSTA, 1951, p. 15).

Interessante observar que as falas de Lúcio Costa transcorrem num espaço

liso e colocam a arquitetura à margem de qualquer relação com os contextos que a

condicionam, descolada das demais expressões artísticas e desatrelado de qualquer

referência ao tenso e conflituoso campo profissional da época. Num momento crucial

para a constituição deste campo, no qual a luta pela afirmação do próprio arquiteto

enquanto profissional e detentor de um saber específico e necessário à sociedade

era intensa, a postura de Costa de discorrer num plano idealizado, imbuído da

136
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

desconexão modernista – no qual a questão da arquitetura se circunscreveria

apenas a seus problemas intrínsecos e pretensamente autônomos da expressão

artística e da técnica construtiva – foi possível apenas para aqueles que como ele

estavam vinculados a um poder autoritário. Apesar das referencias esparsas e

superficiais sobre as condições socioeconômicas e culturais do país pouco ou quase

nada, nem mesmo as condições mesológicas parece se relacionar efetivamente com

o que Lúcio Costa chamava de “movimento de renovação arquitetônica” (COSTA,

1951, p. 15).

Por outro lado esse arquiteto aponta um problema que continua a reverberar

no Brasil, mesmo que em outros sentidos: o descompasso entre a academia e a

prática profissional. Segundo Lúcio Costa a causa do descompasso daquela época

se dava pelo “(...) movimento de renovação arquitetônica haver-se desenvolvido à

revelia do ensino oficial” (COSTA, 1951, p. 15). E mesmo que ele tenha advertido

para o perigo do “(...) regime da liberdade desamparada do indispensável

esclarecimento, como se a arquitetura contemporânea dita moderna fosse mera

questão de licença ou de improvisação do capricho pessoal” (COSTA, 1951, p. 15)

suas falas acabaram por estimular esse entendimento. A ideia de que um arquiteto

nasce pronto e basta apenas passar por um rito de iluminação e sua genialidade

será revelada, para além dos ecos nas narrativas históricas, continuam a guiar boa

parte dos arquitetos, dos professores nas inúmeras escolas de arquitetura em todo

país e a acalentar os sonhos dos estudantes de arquitetura que passam toda a sua

formação esperando uma grande iluminação que os tornem novos “Niemeyers”.

137
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.1.2. Entre tradição e plasticidade

Dois pontos extremos parecem fundamentais nas falas de Lúcio Costa sobre

a particularidade da arquitetura moderna brasileira: numa ponta a singular fusão

entre modernidade e tradição e na outra a insólita inserção no centro da

problemática da arquitetura funcionalista da questão da qualidade plástica. Muitas

poderiam ser as mediações entre esses extremos inclusive o simples fato da

arquitetura tradicionalmente ser parte do universo das artes. Porém não foi

exatamente nesse sentido que esse intelectual construiu sua ideia de tradição nas

falas de 1937 em “Documentação Necessária” e 1939 em “Notas sobre a evolução

do mobiliário luso-brasileiro”.

Esse vínculo entre tradição e modernidade na arquitetura brasileira parece

desaparecer como centralidade e particularidade da arquitetura moderna brasileira

na fala de 1952 no texto “Considerações sobre a Arte Contemporânea” no qual

Costa afirma que a importância do Brasil no desenvolvimento da arquitetura

moderna se encontrava no fato do país ter colocado “na ordem do dia, com a devida

ênfase, o problema da qualidade plástica e do conteúdo lírico e passional da obra

arquitetônica” (COSTA, In: XAVIER, 1962, p. 202).

Assim permanece nebuloso o nexo entre a defesa da tradição e a defesa da

originalidade plástica nas falas de Lúcio Costa sobre a formação e a especificidade

da arquitetura moderna brasileira. Enfim, o que fez um intelectual que defendia a

ideia da singularidade da arquitetura moderna brasileira estar no seu vínculo com a

tradição – como repetição apurada e depurada – criador de múltiplas condições para

a disseminação e efetivação dessa ideia, inclusive no mote de concepção de suas

obras arquitetônicas, investir, fomentar e valorizar contraditoriamente uma vertente

138
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

arquitetônica que teve na plasticidade e na originalidade seu principal motor, sua

mais evidente característica e sua qualidade de destaque?

A singularidade da obra de Niemeyer, de Affonso Reidy, dos irmãos Roberto

como a de boa parte dos arquitetos que se destacaram nacional e

internacionalmente entre os anos 40 e 60, mesmo que alguns até utilizassem esse

discurso para legitimar suas obras, não está locada na feliz relação entre

modernidade e tradição da versão costiana. As curvas de Niemeyer, como ele

mesmo afirmava, apesar de não desmentir seus defensores, estão bem mais “no

corpo da mulher preferida” (NIEMEYER, 2000, p. 17), que nas montanhas cariocas

da leitura de Le Corbusier ou no barroco mineiro da leitura de Germain Bazin.

Lúcio Costa corresponde na arquitetura a uma espécie de Mário de Andrade

na literatura, aquele que procura o moderno num profundo mergulho analítico nas

raízes do Brasil para buscar através do estudo e da pesquisa intelectualizada a

“brasilidade” que geraria a nova expressão nacional; Oscar Niemeyer via instinto e

intuição como Oswald de Andrade “apreende a brasilidade sob uma forma sintética”

(MORAES, 1987, p. 141). Niemeyer consegue em suas obras “retomar esse Brasil

subjacente, de alma embrionária, carregado de assombros...” (BOPP, apud

MORAES, 1987, p. 141). Porém, diferente do campo literário em que essa

divergência acabou por afastar efetivamente os Andrade, na arquitetura – talvez

porque esse movimento ocorreu num momento posterior ao furor modernista de

primeira hora, ou pela peculiar personalidade de Lúcio Costa – se deu uma inusitada

mistura onde a plasticidade instintiva foi legitimada pelo discurso erudito do vinculo

com a tradição, que apesar de controverso reverberou e consolidou-se como a

especificidade da Arquitetura Brasileira.

139
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“(...) é fora de dúvida que não fora aquela conjugação oportuna de circunstâncias e a
espetacular e comovente arrancada do Oscar, a Arquitetura Brasileira contemporânea,
sem embargo de sua feição diferenciada, não teria ultrapassado o padrão da
estrangeira, nem despertado tão unanime louvor (...). No mais, foi o nosso próprio
gênio nacional que se expressou através da personalidade eleita desse artista, da
mesma forma como já se expressara no século XVIII, em circunstâncias, aliás, muito
semelhantes, através da personalidade de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”
(COSTA, In: XAVIER, 1962, p. 125)

Se o Lúcio Costa de 1948 era defensor da afinidade entre Francisco Lisboa e

Oscar Niemeyer na tangência de suas obras que seriam expressões de um mesmo

“gênio nacional”, admirador da excepcionalidade e originalidade que definiu a

genialidade de Aleijadinho; em 1929 era ferrenho crítico desse artista por essas

mesmas características no artigo publicado em “O Jornal” intitulado “O Aleijadinho e

a Arquitetura Tradicional”. Ao valorizar no final dos anos 20 o tipo arquitetônico que

se consolidou no tempo com a repetição apurada e a simplicidade da arquitetura que

brotava do chão, o mestre carioca acusava o artista mineiro de ser nota dissonante

na arquitetura brasileira.

Os poucos arquitetos que têm estudado de verdade a nossa arquitetura do tempo


colonial, sabem o quanto é difícil, por forçada, a adaptação dos motivos por êle criados.
E isso porque o Aleijadinho nunca estêve de acordo com o verdadeiro espírito geral da
nossa arquitetura. A nossa arquitetura é robusta, forte, maciça, e tudo que êle fêz foi
magro, delicado, fino, quase medalha. A nossa arquitetura é de linhas calmas,
tranqüilas, e tudo que êle deixou é torturado e nervoso. Tudo nela é estável, severo,
simples, nada pernóstico. Nêle tudo instável, rico, complicado, e um pouco precioso.
Assim tôda a sua obra como que desafina de um certo modo com o resto da nossa
arquitetura. É uma nota aguda numa melodia grave. Daí a dificuldade de adaptá-la,
amoldá-la ao resto. Ela foge, escapa, é ela mesma. - Êle mesmo.” (COSTA, In:
XAVIER, 1962, p. 14 e 15).

Numa entrevista publicada na Revista Gávea em 1986, concedida a Jorge

Czajkowki, Ronaldo Brito e Carlos Zilio, questionado sobre essa radical mudança de

interpretação Costa, assim como faz com sua fase neocolonial, afirma ter sido um

lapso, fruto da juventude e do desconhecimento.

Antes, naquele artigo de 1929, eu tinha falado de uma forma leviana, coisa de rapaz.
Por isso acho um perigo certas coisas de gente moça que não tem conhecimento e fala
com aquela suficiência, como se entendesse de tudo (COSTA, In: NOBRE, 2010, p.
104).

140
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Apesar de justificada a mudança e desconsiderado o episódio como deslize

imaturo da inexperiência, a tensão entre inovação e tradição permanece irresoluta

nas falas do autor. Apesar de celebrar em seus textos entre os anos 40 e 60 o

extraordinário, os textos precedentes à Pampulha e ao reconhecimento internacional

(primeiro na Feira de Nova York em 1939 e logo a seguir na exposição e no catálogo

do “Brazil Builds” em 1943), bem como nas falas do final dos anos 70 em diante ele

se volta para o que realmente parece lhe importar: a tradição construtiva e a

repetição tipológica, que é depurada no tempo. Pois é nessa questão que se

encontram o nexo e o vínculo costiano entre a tradição e a modernidade, delineados

pela linha evolutiva tecida em “Documentação Necessária”, texto publicado

originalmente pela Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

em 1937 e republicado na Revista Arquitetura e Urbanismo no segundo número de

1938, em Lúcio Costa: sobre arquitetura de 1962 e reeditado por seu próprio autor

no livro Lúcio Costa - registros de uma vivência de 1995:

Tais características, transferidas – na pessoa dos antigos mestres e pedreiros


“incultos” – para a nossa terra, longe de significarem um mau começo,
conferiram desde logo, pelo contrário, à Arquitetura Portuguêsa na colônia, esse
ar despretensioso e puro que ela soube manter, apesar das vicissitudes por que
passou, até meados do século XIX. (COSTA, 1937, p. 31).

E segue mais adiante:

(...)“aquilo” faz parte da terra como formigueiro, figueira-brava e pé de milho – é


o chão que continua... Mas, justamente por isto, por ser coisa legítima da terra,
tem para nós, arquitetos, uma significação respeitável e digna; enquanto que o
“pseudomissões, normandos ou colonial”, ao lado, não passa de um arremedo
sem compostura. (COSTA, 1937, p. 34).

Entre a erudição da escrita e a singeleza precisa dos croquis de Lúcio Costa,

os elementos de texto e imagem reforçavam a ideia de uma evolução contínua do

colonial ao moderno, mesmo com a “falta de jeito” do século XIX:

141
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Diz-se, por exemplo, que os beirais das nossas velhas casas tinham por função
proteger do sol, quando a verdade é no entanto bem outra. Um simples corte
(fig.3), faz compreender como, na maioria dos casos, teria sido ineficiente tal
proteção; e os bons mestres jamais pensaram nisto, mas na chuva, isto é,
afastar das paredes a cortina de água derramada do telhado.
Depois, com o aparecimento das calhas (fig.4), surgiram aos poucos,
logicamente, as platibandas, continuando as cornijas – já sem função – presas
ainda à parede pela força do hábito e meio sem jeito (fig.5), até que, agora, com
as coberturas em terraço-jardim, a transformação se completou (fig. 6). (COSTA,
1937, pp. 35/36).

Figura 20 – Croquis ilustrativos de Lúcio Costa em seu texto Documentação Necessária. Disposição original
do texto publicado na Revista do Patrimônio. Fonte: COSTA, Lúcio. Documentação necessária. Revista
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, n.1, 1937, p. 35.

A afirmação da linha evolutiva segue ainda mais emblemática, no mutuo

reforço entre escrita e ilustração, quando Costa coloca a questão das

aberturas.

Figura 21 – Característica dos vãos nos


séculos XVII e XVIII. Croquis ilustrativos
de Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio.
Documentação necessária. Revista
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 36.

Outro ponto digno de atenção é o que se refere à relação dos vãos com a
parede. (...) O que se observa, portanto, é a tendência para abrir sempre e cada
vez mais. (COSTA, 1937, p. 36/37).

Figura 22 – Característica dos vãos nos


séculos XIX e XX. Croquis ilustrativos de
Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio.
Documentação necessária. Revista
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 37.

142
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Vale ressaltar a mudança de encadeamento dos

croquis postos aos pares lado a lado entremeados por texto

escrito na publicação original para a colocação em linha única

sequencial e ininterruptamente da versão de 1995, na qual

essa evolução se coloca ainda mais contundente.

O texto não polpa esforços em sua tentativa de provar

em detalhes a tese de seu autor da inabalável linha reta e

contínua, com destacado papel para os mestres portugueses,

que conduzia a arquitetura no Brasil do colonial, não só ao

moderno, como propriamente à vertente corbusiana:

Fiéis à bôa tradição portuguêsa de não mentir, eles


vinham aplicando, naturalmente, às suas construções
meio feiosas tôdas as novas possibilidades da técnica
moderna, como, além das fachadas quase
completamente abertas, as colunas finíssimas de ferro,
os pisos de varanda armados com duplo T e
abobadilhas, as escadas também de ferro, sôltas e
bem lançadas – ora direitas, ora curvas em S, outras
vezes em caracol e, ainda outras características, além
da procura, não intencional, de um equilíbrio plástico
diferente. (COSTA, 1938, p. 37/38).

Figura 23 - Croquis
de Lúcio Costa
demonstrando a linha
evolutiva na
transformação das
aberturas do período
colonial ao moderno
na arquitetura no
Brasil. Fonte:
COSTA, Lúcio. Lúcio
Costa - registro de
uma vivência.
Empresa das artes.
1995, p. 461.
Figura 24 - Croqui ilustrativo de Lúcio Costa. Fonte: COSTA, Lúcio.
Documentação necessária. Revista Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, 1937, p. 38.

A legenda do croqui acima que ilustra essa passagem é ainda mais incisiva:

A fachada da rua - como um nariz postiço - ainda mantém certa aparência


carrancuda; mas, do lado do jardim, que liberdade de tratamento e como são
acolhedoras; e tão “modernas” - puro Lê Corbusier. (COSTA, 1937, p. 38).

143
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Passada a “fase de combate” (COSTA, In: NOBRE 2010, p. 137) e “depois da

batalha ganha” (COSTA, In: NOBRE 2010, p. 162) na entrevista à Álvaro Hardy,

Éolo Maia, José Eduardo Ferolla, Maurício Andrés e Paulo Laender, publicada no

primeiro número da Revista Pampulha em 1979, o ex-diretor da ENBA deixa

transparecer essa tensão controversa, distante da suposta integração pacífica entre

inovação e tradição dos ecos do pensamento costiano. Em sua real posição é

menos na plasticidade (para não dizer bastante longe dela) e mais na tradição e no

apuro da repetição das soluções que Lúcio Costa locou os fundamentos basilares da

consolidação de uma expressão arquitetônica. Primeiro deixa evidente como citado

anteriormente que a arquitetura moderna brasileira de 1936 à 1960 é Oscar

Niemeyer, mas no desenvolver de sua fala deixa claro a defesa de que apenas pela

tradição construtiva através do eco tipológico se encontra a possibilidade de

consolidação de uma linguagem.

Assim como a morte do Corbusier foi um alívio para todo mundo, o fato de Brasília ter
sido construída foi um alívio para todos os arquitetos que finalmente se livraram
daquele pesadelo, daquela arquitetura moderna que vinha desde 1936 até Brasília.
Agora é preciso esclarecer: esta arquitetura que ocorreu desde a época do Ministério
se deveu fundamentalmente a Oscar Niemeyer. (COSTA, In: NOBRE 2010, p. 68)

Na finalização da entrevista afirma:

Se o arquiteto é bem formado, com sentimento de brasileiro, natural, sem afetação,


evidentemente, a solução que der ao programa será uma solução interessante, e com
o correr do tempo se tornará nativa. Mas é dificil, né? Porque realmente os arquitetos
são estimulados para serem gênios, para inventar. Então, o sujeito fica inventando
demais, o próprio Oscar foi culpado disso. (...) Ora, a verdadeira arquitetura, o
verdadeiro estilo de uma época, sempre esteve na repetição. O apuro das coisas
repetidas caracterizou sempre o estilo do passado; é uma invenção unânime do meio
social, uma determinação, uma direção; quer dizer, sendo resolvida a casa, não custa
nada que outra seja semelhante àquela, apenas com mais apuro, uma série de coisas
que personalizam, individualizam aquela casa, mas dentro de uma certa uniformidade
de estilo, é disto que foi feito o estilo da época, de um país, de uma região: é essa
uniformidade (COSTA, In: NOBRE 2010, p. 76).

144
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Não é difícil perceber que o reconhecimento e a valorização da

excepcionalidade do Aleijadinho se deram na dobra da defesa da originalidade de

Niemeyer e no discurso da contribuição diferenciada que dava feição própria às

realizações no Brasil filiadas aos movimentos artísticos europeus. Porém volta-se à

questão: Quais os motivos que levaram Lúcio Costa, um defensor da tradição, em

sua “cruzada santa” em defesa da arquitetura moderna de linhagem corbusiana

investir na defesa de uma arquitetura da excepcionalidade, plasmada na plasticidade

de Oscar Niemeyer?

A efetiva qualidade das obras de Niemeyer seria uma primeira explicação,

porém insuficiente. Parece-nos que esse deslocamento pode ser compreendido,

para além dos atributos e méritos da obra de Oscar Niemeyer, pela tangência dada à

primazia da arte como natureza primeira da arquitetura nas falas de Lúcio Costa, de

Le Corbusier e de Oscar Niemeyer, somada à estratégica defesa de uma linguagem

que inegavelmente já havia conquistado estrondoso reconhecimento internacional

(fato que praticamente decidia a legitimação interna e a conquista da hegemonia

nacional). A potência expressiva e os ecos do reconhecimento estrangeiro das

realizações brasileiras tiveram tal alcance e evidência que sem dúvida foram

decisivos para a escolha do rumo que a arquitetura moderna tomou no país.

O genial, ou talvez maquiavélico, nas falas e na trama tecida pelo intelectual

franco-carioca foi – mais que fazer esse deslocamento do padrão para a

singularidade como medida da “boa arquitetura”, sem o qual seria impossível

legitimar a arquitetura de Niemeyer já aclamada e reconhecida internacionalmente –

aproximar Niemeyer e Aleijadinho como maneira de manter referendada a ideia de

que o nexo particular da arquitetura nacional era seu vínculo com o passado.

145
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A argumentação brilhante de Lúcio Costa, mais que a real conexão com a

tradição ou com o “espírito nacional”, nos revela a importância dos discursos e suas

construções no favorecimento e rearticulações para afirmação de certas ideias e

interesses. Nesse caso específico a construção ultrapassa o campo da arquitetura e

do urbanismo e se insere num projeto mais amplo no que Moraes aponta como

“construção de um ‘Brasil brasileiro’, de uma cultura genuinamente nacional”

(MORAES 1987, p. 163). Na arquitetura assim como aconteceu na literatura

brasileira modernista, a história foi escrita no eco das “vozes de um hegelianismo

difuso com uma faculdade autônoma e superior que parece dirigir os caminhos

tomados pela história concreta” (MORAES, 1987, pag. 75).

É nesse momento crítico e decisivo para o modernismo no país, no qual ele

se redefiniu “como um movimento de constituição da brasilidade” (MORAES, 1987,

pag. 75) que se insere a trama costiana sobre a própria instauração da “arquitetura

brasileira”. De um lado a brasilidade havia se tornado segundo Moraes (1987, p.

104) o critério da boa arte e consequentemente da “boa arquitetura”, defendida por

Lúcio Costa. Por outro, essa mesma brasilidade e o projeto de construção de uma

cultura nacional no qual a arquitetura moderna da dita “escola carioca” fazia parte

servia à ideologia autoritária e nacionalista do Estado Novo96. Num contexto político

dessa natureza, uma fala dita de dentro do governo, conscientemente ou não,

tomava forma de axioma e é assim que em certa medida podemos entender que

propositadamente ou não, as falas de Costa terminaram por não abrir espaço algum

para outras falas sonantes ou dissonantes que pudessem questionar se não o rumo,

as razões e motivações das escolhas feitas. Mesmo que os mecanismos de coerção

e indução da “Era Vargas” tenham ultrapassado muito os domínios dos modernistas

96
Ver discussão em BUENO, Eduardo. BRASIL: UMA HISTÓRIA: cinco séculos de um país em construção. São Paulo:
Leya, 2010.
146
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

vinculados direta ou indiretamente ao Ministério da Educação, esse órgão era sim

parte central do sistema.

O que nos parece mais intrigante é que mesmo depois de suplantados o

contexto e os mecanismos artificiais silenciadores a trama costiana, bem como a

modernista, permaneceu intocada e intocável por longo período.

A fala de Lúcio Costa foi tão singular e de tal força, nas suas diversas frentes

de atuação, que criou e disseminou a ideia de que a singularidade da arquitetura

brasileira é fundada num particular nexo entre tradição e modernidade, apesar de

ser construída na dobra da originalidade inovadora e da plasticidade veemente de

Oscar Niemeyer, sem que houvesse estranhamentos da contradição embutida nessa

trama. O descompasso e a desconexão ficam ainda mais exacerbados quando se

observa que na obra construída de feição moderna de Lúcio Costa há claramente a

tentativa de concretização do vínculo com a tradição, mas não há nenhuma

pretensão de originalidade e exuberância plástica. Já na arquitetura de Oscar

Niemeyer (atendo-se apenas ao expoente costiano da arquitetura moderna

brasileira) não há relações efetivas com as soluções construtivas tradicionais e as

incursões prioritárias desse arquiteto sempre foram voltadas para a pesquisa

plástica e a inovação.

É bem verdade que a fala costiana teve tal penetração no imaginário dos

arquitetos brasileiros que o próprio Niemeyer afirma, a sua maneira, o vínculo criado

por Germain Bazin em 1946 entre as obras do Barroco Mineiro e as obras da

Pampulha, especificamente a Igrejinha de São Francisco 97 , no qual identifica um

97
Ver discussão no texto A batalha da Pampulha em FABRIS, Annateresa. Fragmentos Urbanos: representações culturais.
São Paulo: Studio Nobel, 2000.

147
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

estilo brasileiro, propalado por Costa desde 1948 como a expressão do gênio

nacional na afinidade entre Aleijadinho e Niemeyer:

“(...) me inclinava para uma arquitetura mais livre, mais leve, tão desenvolta que
se aproximasse melhor das nossas velhas igrejas coloniais, fugindo das
estruturas mais robustas” (NIEMEYER, 2000, p.15).

Essa conexão que se dá no plano do discurso tem, quando muito, frágil

rebatimento no universo das obras construídas. Com programas próximos e partidos

razoavelmente semelhantes no bloco único linear em dois andares implantado em

meia encosta, o Hotel Park São Clemente em Nova Friburgo de Lúcio Costa (1944-

1945) e o Hotel Tijuco em Diamantina de Oscar Niemeyer (1951) das figuras a

seguir, revelam a gritante diferença nas intenções e motivações projetuais desses

arquitetos. Enquanto Niemeyer insere num centro histórico densamente consolidado

um edifício inovador cuja ruptura com o contexto se torna ainda mais cortante dado

ao contraste agudo entre o conjunto antigo e o novo edifício; Costa, em uma área

livre de contrastes construtivos e unicamente condicionada pela paisagem natural

opta por um delicado equilíbrio entre soluções modernas e tradicionais, bem como o

uso de materiais locais. Obviamente que as nuances e variações nas obras desses

dois grandes arquitetos são muitas, mas não se afastam tanto no que tange o ponto

específico da análise exposta sobre as preocupações e motivações projetuais de

cada um deles.

148
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 25 - Hotel Park Hotel São Clemente em Nova Friburgo (1944-45) de Lúcio Costa.
Fonte: WISNIK, Guilherme. Lúcio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

Figura 26 – detalhe Hotel Park Hotel


São Clemente.
Fonte: WISNIK, Guilherme. Lúcio
Costa. São Paulo: Cosac & Naify,
2001.

Figura 27 – detalhe Hotel Tijuco em


Diamantina (1951) de Oscar
Niemeyer.
Fonte:
http://www.hoteltijuco.com.br/2/index
.asp?c=325, acesso 03/10/2012 às
15:30.

Figura 28 - Hotel Tijuco em Diamantina (1951) de Oscar Niemeyer.


Fonte: http://www.google.com.br/imgres?q=hotel+tijuco+diamantina, acesso 03/10/2012 às 15:28.

149
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Outro exemplo que nos mostra essa divergência, bem como a tentativa de

conciliação em um mesmo objeto é o Grande Hotel de Ouro Preto (1938-1940),

perceptível na diferença da primeira proposta de Oscar Niemeyer e na versão final

com os ajustes propostos por Lúcio Costa em busca de uma relação que

aproximasse mais as soluções modernas da preexistência de tão importante centro

histórico, como mostram as imagens a seguir.

Figura 29 - Montagem com a


primeira proposta de Oscar
Niemeyer para o Grande
Hotel de Ouro Preto inserida
no terreno que ocuparia no
centro histórico da antiga Vila
Rica. Fonte: CAVALCANTI,
Lauro. Moderno e brasileiro:
a história de uma nova
linguagem na arquitetura,
1930-1960. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006.

Figura 30 - Montagem com o


projeto modificado
incorporando as sugestões de
Lúcio Costa: uso da telha de
barro e das varandas. Fonte:
CAVALCANTI, Lauro.
Moderno e brasileiro: a
história de uma nova
linguagem na arquitetura,
1930-1960. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2006.

150
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 31 – O edifício
construído, já com o teste da
modificação proposta por
Niemeyer, felizmente não
autorizada pelo IPHAN, de
fechar as varandas originais.
Fonte: Rodrigo Baeta, 2008.

A centralidade de Niemeyer na arquitetura moderna nacional e seus

rebatimentos internacionais são inegáveis, assim como seu talento e capacidade

criativa. É também irrefutável a importância crucial de Lúcio Costa na construção da

vertente moderna que se consolidou e se destacou na produção da arquitetura

brasileira. No entanto, é igualmente importante reconhecer que a introdução da nova

arquitetura, o desenvolvimento de uma arquitetura propriamente brasileira, a

formação do campo e das condições para o acontecer dessa vertente consagrada

foi bem mais complexo, portador de contribuições múltiplas e bem anteriores do que

a trama costiana aponta; foi fruto de uma gama muito mais ampla de outros

arquitetos e outros agentes, que o ecoar das falas de Lúcio Costa não possibilitou

reconhecer.

151
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.2. A FALA CONSAGRADORA DO “BRAZIL BUILDS”

Aqui começa a ser escrita uma das tramas mais recorrentes da


história da arquitetura brasileira até os anos setenta: a valorização da
arquitetura colonial, por um lado, e da arquitetura moderna, por outro,
como os dois momentos importantes de criação nacional. Neste caso,
a adaptação ao clima é o elo que entrelaça essas produções tão
distintas. Goodwin foi o primeiro que registrou claramente tal
afirmação, já insinuada nos escritos de Costa.
Nelci Tinem (TINEM, 2002, p. 30).

Figura 32 - Capa dura do catálogo da exposição Brazil Builds: architecture new and old do MoMA – Nova York em 1943.
Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old -1652-1942. Nova York: MoMA, 1943.

152
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Dentre as várias publicações sobre a arquitetura moderna brasileira, entre

defensores e detratores, o livro homônimo à exposição “Brazil Builds: Architercture

New and Old 1652-1942” de 1943, ambos realizados pelo Museu de Arte Moderna

de Nova York (MoMA), foi a primeira obra dessa natureza publicada sobre o assunto

e terminou por ocupar um lugar fundamental na história e na historiografia da

arquitetura brasileira. Segundo Eduardo Augusto Costa (2009) 98 a ideia primeira do

diretor do museu, o historiador de arte Sr. Alfred H. Barr Jr. ao contrário do

entendimento recorrente não era fazer uma exposição e sim um livro cuja mostra

seria um meio magnífico de divulgá-lo. Isso como já aponta esse autor modifica

completamente o entendimento dessa publicação, que deixa de ser um simples

catálogo para ser o elemento central das preocupações do MoMA e das outras

instituições brasileiras que deram forma a ele. Tal fato evidência ainda mais a

importância desse material nas construções das falas modernas sobre as obras

modernistas e especificamente sobre a produção brasileira, seus contextos de

produção e seus mecanismos legitimadores.

Esse livro-catálogo foi o consagrador de uma arquitetura que lutava por

espaço e afirmação dentre as várias correntes modernas no Brasil dos anos 20 e 30.

Através dessa publicação – de fala estrangeira e por isso devidamente respeitada e

reconhecida pela sociedade brasileira à época – o modernismo corbusiano de feição

local foi saldado e valorizado com expressão nacional. O lugar do reconhecimento

estrangeiro naquele momento já era claramente conhecido pelos intelectuais

modernistas e Mário de Andrade não só o aponta com precisão, mas também o

explora brilhantemente para legitimar tanto a arquitetura como outros tantos artistas

modernistas coligados aos seus ideais, ao afirmar:

98
Ver discussão em COSTA, Eduardo Augusto. ‘Brazil Builds’ e a construção de um moderno, na arquitetura brasileira.
Campinas: dissertação de mestrado da Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2009.
153
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Essa consciência de nossa normalidade humana só mesmo os estrangeiros é


que podem nos dar. Porque nós, pelo mesmo complexo de inferioridade, ou
reagimos caindo num porque-me-ufano idiota, ou num jeca-tatuísmo conformista
e apodrecente. Ninguém está esquecido de que foi um artigo de Henry
Prundières que deu valor a Villa-Lobos e abriu as portas dum dos maiores jornais
do país à música moderna. Ninguém está esquecido de que foi um prêmio nos
Estados Unidos que deu genialidade a Portinari, apesar dos poucos brasileiros
que muito antes disso já afirmavam essa genialidade. (...) Brazil Builds é um livro
que nos regenera em nosso valor normal (ANDRADE, In: XAVIER, 2003, p.180).

Assim Mário de Andrade naturaliza a expressão modernista como a

normalidade expressiva de seu tempo e em uma só tacada legitima o modernismo e

desqualifica as demais expressões contemporâneas. Se as obras contidas e

saldadas no “Brazil Builds” reconhecidas internacionalmente apontariam a

normalidade brasileira, ou seja, o acompanhar do Brasil em igualdade de condições

às demais nações nas formas expressivas de seu tempo, tacitamente significava que

as demais formas expressivas eram anormais, indevidas, impróprias, anacrônicas.

Essas falas se articulam na construção de uma afirmação que ultrapassa a vitória do

modernismo na arquitetura brasileira, para conformar a política cultural da “Era

Vargas” pautada na identidade nacional unitária. Essa naturalização hegeliana do

modernismo como a única resposta devida de seu momento ratifica essa

construção.

O ecoar da consagração evidenciada de uma linguagem falante no conteúdo

dessa publicação gerou outras falas que corroboraram e reforçaram o discurso

modernista e a transformação dessa vertente em linguagem falada. Assim fala e

eco, linguagem falante e linguagem falada determinam um sistema auto legitimador

central no direcionamento e consolidação do modernismo no Brasil. Isto não se deu

somente na arquitetura brasileira e nem foi ela sua precursora, mas teve nela

destaque especial e lugar privilegiado pela simbiose que se estabeleceu entre a

arquitetura modernista e o poder público.

154
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Fruto da política estadunidense da boa vizinhança o “Brazil Builds”

ultrapassou em muito seu propósito originário de ser uma das tantas pontes que

através da cultura estreitariam relações entre países das Américas possíveis aliados

dos EUA na 2ª Grande Guerra e depois dela. Esse interesse político para

fortalecimento da aliança entre os EUA e o Brasil, produziu vários objetos culturais

como filmes, desenhos animados e novos personagens, exposições, entre outros

que visavam mais que conhecer uma nação amiga, mostrar a ela o interesse

americano pelo país. Por outro lado, interessava ao Brasil uma fala estrangeira que

valorizasse a identidade nacional que nesse momento se forjava. E no bojo desses

propósitos a exposição e o livro-catálogo “Brazil Builds” acabariam por intervir

decisivamente na constituição da hegemonia da vertente moderna na arquitetura

que simbolizaria o “Brasil Moderno” diante dos olhos do mundo e do próprio país.

3.2.1. Na tangência das falas

Ao se pontuar quem fala nesse caso abre-se uma rede complexa de agentes,

pois esse livro não da voz apenas a pessoas, mas a instituições e mais ainda a

nações. Portanto a fala ali apresentada é filtrada e editada por um conglomerado de

forças que vão do Estado Americano aos intelectuais brasileiros de verve

modernista. A primeira articulação a se colocar é a publicação como fruto de

interesses tangentes, mas não unitário dos governos dos Estados Unidos e do Brasil

em ver e ser visto. Se para o Estado Norte-Americano a publicação deveria mapear

as potencialidades do Brasil não só quanto à cultura arquitetônica, mas também e

principalmente no campo da economia, para o governo brasileiro ela seria elemento

de propaganda de suas realizações e do desenvolvimento do país. Terminaria por

ser também um consolidador desse traço de singularidade da cultura nacional,


155
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

forjado dentro do Ministério da Educação, dado pela controversa relação entre a

plasticidade inovadora do momento e as reminiscências de um passado escolhido –

opção própria da modernidade que: determinada pelo “presente, aberto ao futuro,

orienta a forma como nos apropriamos do passado.” (HABERMAS, 1998, p. 24).

Ainda nas linhas das instituições o interesse do MoMA é, para além de

reconhecimento das expressões arquitetônicas brasileiras, demonstrar uma

possibilidade de desdobramento, nas alternativas de reinterpretação dos ditames do

“Estilo Internacional” pelas particularidades locais do Movimento Moderno

homogeneizado por eles dez anos antes na primeira exposição de arquitetura da

instituição em 193299. Essa ponte não foi privilégio nem pioneirismo brasileiro, já que

tanto a ideia quanto o nome da exposição sobre a arquitetura antiga e nova no Brasil

foi aproveitado da exposição desse mesmo museu sobre a arquitetura sueca 100 em

1941. Por outro lado ao Museu também interessava mapear potenciais aquisições

para seu acervo.

Duas instituições brasileiras foram diretamente envolvidas na elaboração do

“Brazil Builds”, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e o

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Os interesses da primeira se

vinculavam à construção da memória nacional, particularmente aí temos a figura de

Lúcio Costa que para além de suas preocupações ligadas ao passado tinha papel

crucial na estruturação da arquitetura moderna e da cultura brasileiras. Já a segunda

tinha suas preocupações voltadas à construção e propagação tanto da imagem de

99
A exposição organizada por Barr Jr., Hitchock, Johson e Mumford, intitulada “Modern Architects”, para além do catálogo que
guarda o mesmo nome vincula-se a publicação de Hitchock & Johson, denominada “The International Style: Architecture
since 1922”, também de 1932 reeditada em 1966, pela qual ficou mundialmente conhecida.
100
Ver discussão detalhada em DECKKER, Zilah Quezado. Brazil Built: the architecture of the modern movement in Brazil.
Londres e Nova York: Spon Press – Taylor & Francis Group, 2001 e COSTA, Eduardo Augusto. ‘Brazil Builds’ e a construção
de um moderno, na arquitetura brasileira. Campinas: dissertação de mestrado da Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2009.
156
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

um país moderno vinculado à figura de Getúlio Vargas, quanto da imagem desse

governante101.

A constituição do “Brazil Builds” tem caráter duplo, texto e imagem são

equivalentes na construção da obra. Assim tanto os escritos como as fotografias são

cruciais na narrativa e na trama que ela estabelece. Philip Lippincott Goodwin (1885-

1958), responsável pelos textos foi arquiteto e à época, além de responsável pela

cadeira de assuntos internacionais do Instituto Americano de Arquitetos, era

contratado pelo MoMA como colecionador de obras de arte por questões ligadas à

economia de gastos do museu devido à 2ª Guerra. Outro fato que merece destaque

é sua participação como tenente do exército americano na 1ª Guerra na negociação

de paz em Budapeste. Seu vinculo com o museu americano era de tal ordem que foi

ele quem projetou a sede do MoMA em 1939, em parceria com o arquiteto Edward

Durell Stone – um edifício de linhas modernistas que ecoavam os esforços da

instituição de promover o “Estilo Internacional”. Assim trata-se de um senhor de 57

anos com experiência em relações políticas internacionais, comprometimento com

os interesses de sua categoria profissional e formação especializada – o que então

explica para além do interesse geral político de seu olhar sobre o Brasil e sua

capacidade mediadora102, o interesse específico em questões técnicas reveladas em

sua acuidade nas descrições dos elementos para controle de calor e luz utilizados

pelos arquitetos modernos brasileiros.

Apesar de não ser o único responsável pelas fotografias da publicação

George Everard Kidder Smith (1913-1997) foi o autor da maioria esmagadora das

imagens constantes no livro e na exposição. Não apenas fotógrafo de arquitetura,

101
Sobre o papel central do DIP na conformação do culto à personalidade de Getúlio Vargas ver BUENO, Eduardo. Brasil:
uma história: cinco séculos de um país em construção. São Paulo: Leya, 2010.
102
Habilidade necessária a alguém que deveria conciliar e sintetizar múltiplas forças governamentais e profissionais de duas
nacionalidades distintas.
157
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mas arquiteto e mestre em Artes, esse jovem que vem ao Brasil aos 29 anos estava

em princípio de carreira, iniciada em 1939, coincidentemente na Feira Internacional

de Nova York. Sua parceria com o MoMA se estabeleceu em 1941 na exposição

“Stockholm Builds” de curadoria bastante similar e antecedente ao “Brazil Builds”.

Também conhecido por suas ações preservacionistas do patrimônio moderno,

Kidder contribuiu ativamente na preservação da Robie House de Frank Lloyd Wright

e da Villa Savoye de Le Corbusier. Interessante notar que mesmo de formação

acadêmica, o primeiro fazia parte de uma primeira geração do Movimento Moderno

que via na internacionalização e racionalização as respostas para a arquitetura de

seu tempo e o segundo já faz parte de um momento de crítica e reposicionamento

do Movimento Moderno que via na articulação com o local a saída para os

desdobramentos desse movimento. Serão essas duas personalidades o filtro que

deu efetivo formato a fala do “Brazil Builds” numa refinada fusão entre textos e

imagens.

Nas páginas da publicação americana aparece uma síntese da arquitetura

moderna brasileira, na qual a vertente corbusiana matizada por alguns arquitetos

brasileiros, em especial aqueles vinculados ao circuito carioca da ENBA

comandados por Lúcio Costa, tem absoluta hegemonia. Tal formato acabou por criar

a ilusão que apenas esse tipo de linguagem aconteceu ou teve valor expressivo

naquele momento no país. Por outro lado traçou para arquitetura antiga uma

pequena história também vinculada àquilo que a colocava como base e ponte para o

devir do modernismo brasileiro. É tão sintomático o uso do passado para valorar o

presente que, subvertendo a ordem cronológica, a do próprio livro e dando primazia

ao novo, a exposição é nomeada: “Brazil Builds - architecture new and old”, no lugar

de “old and new”. Nesse sentido, também é digno de nota a importância do presente

158
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

na tradução literal de “Brazil Builds” em “Brasil constrói”, nuance perdida na versão

em português de “Construção Brasileira”.

Nessa tessitura complexa, onde uma rede de interesses se interpenetra, o

Ministério da Educação, via SPHAN (atual IPHAN) tem papel central na

orquestração do trabalho. E é deste modo que mais uma vez a figura de Lúcio Costa

se encontra no centro da urdidura da trama sobre a arquitetura brasileira,

especialmente na criação da ideia de que a particularidade dessa arquitetura está no

vínculo com o passado – mais que no encontro, num pacífico entrelaçamento entre

tradição e modernidade. Essa construção simbólica e mítica se inseria num contexto

mais amplo de conformação da cultura nacional, inclusive da política pública do

próprio Ministério que tinha como foco homogeneizar a miscigenação característica

do povo brasileiro. Essa fórmula que vincula passado e presente dos modernistas

não é particularidade nem da arquitetura nem dos brasileiros. Mas nas terras de

Pindorama, em todas as áreas da cultura, com destaque para a literatura, constituiu-

se um estado de “formação” no qual, nas palavras de Antônio Candido, a “superação

da dependência” estaria na “capacidade de produzir obras de primeira ordem,

influenciadas, não por modelos estrangeiros imediatos, mas por exemplos nacionais

anteriores” (CANDIDO, apud ARANTES & ARANTES, 1997, p.30). Em cada área

esses exemplos foram pinçados de maneira diferente, e se na pintura foi no tipo rural

e geralmente sofrido dos interiores do Brasil que o modernismo encontrou seu mote

nacional, na arquitetura esse mote foi colocado na arquitetura colonial, já

redescoberta pelo neocolonial e transplantada sem muitas dificuldades para o

modernismo por um antigo partidário desta corrente – o mestre Lúcio Costa.

A própria forma de apresentar as obras brasileiras revela a primazia do

interesse pela produção nova e colocação do passado numa condição quase


159
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

alegórica. No entanto o formato da apresentação e as obras escolhidas fortalecem a

tese que vincula moderno e tradição na singularidade do “moderno brasileiro”. É bem

mais plausível que certas soluções arquitetônicas se repetissem ou permanecessem

muito próximas no passado e no presente daquele momento devido ao clima do que

propriamente vinculadas a uma tradição construtiva que se tornou tão forte que foi

capaz de se manter apesar das rupturas propostas pelos modernistas. A

preocupação comum dos modernistas e getulistas com a formação cultural do país

se dava, não só, mas também pela consciência de fragilidade e descontinuidade das

tradições nacionais. Assim o vínculo que Lúcio Costa estabelece entre modernidade

e tradição como fundante do modernismo brasileiro está mais em seu discurso do

que propriamente nas obras arquitetônicas em geral. No entanto sua fala é tão

significativa que se impôs através de um ínfimo número de obras e por certas

publicações relevantes não necessariamente de sua autoria, dentre as quais o

“Brazil Builds” teria papel crucial.

Outro fator revelador do comprometimento partidário dos autores americanos

com o Movimento Moderno é, para além das obras escolhidas, a equidade da

quantidade entre obras novas e antigas, que se iguala em número de exemplares de

interesse – um passado de 300 anos de construção é representado por 39

edificações e um presente de pouco mais de uma década também é apresentado

por 39 edifícios.

A trama do “Brazil Builds” não é exatamente a mesma tecida pelas falas de

Lúcio Costa, mas se tangenciam em pontos centrais da tessitura: no impulso

propulsor da Revolução de 1930, no vínculo entre passado colonial e presente

moderno, na desconsideração do ecletismo, na centralidade da sede do Ministério

da Educação e no destaque do Pavilhão da Feira de Nova York em 1939 e do


160
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Complexo da Pampulha. Vale ressaltar que mesmo tangentes, a versão costiana

tem os fios proeminentes na renovação estética. Já na variante americana o motor é

quase sempre político. Portanto se 1930 para uma é a data da reforma da ENBA,

para a outra é o início da Era Vargas. Do mesmo modo o edifício do Ministério da

Educação é para uma a instauração milagrosa de uma linguagem moderna e

nacional, e para a outra o símbolo político de um país que na sua opção estética

demonstra uma monumental potência modernizadora. Evidentemente as duas

tramas se sobrepõem e se reforçam, as sombras e destaques são tão imbricados

que é impensável desvincular a reforma das Belas-Artes da revolução getulista, nem

a consagração para uma linguagem expressiva ao ser adotada em um edifício

público monumental como é o caso do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Talvez, na imbricada teia entre influentes e influenciados, diante do

estrondoso sucesso internacional e da euforia nacional causados pelo “Brazil

Builds”, Lúcio Costa tenha influenciado a trama americana tanto quanto esta o

influenciou. Isto porque tal publicação (1943) está virtualmente no ponto de inflexão

do discurso costiano que se dá entre o texto “Notas sobre a evolução do mobiliário

luso-brasileiro” (1939) e “Considerações sobre o ensino da arquitetura” (1945). Neste

ponto de inflexão a tradição que brotava do chão, pautada na sobriedade e numa

continuidade evolutiva, ainda presente na fala de 39 foi deslocada para uma tradição

posta na plasticidade e na originalidade das excepcionalidades artísticas, já acenada

no texto de 45.

No livro-catálogo da exposição do MoMA sobre a arquitetura no Brasil, as

preocupações formais e simbólicas se sobrepõem, de certa maneira, aos outros

problemas tectônicos, mesmo com a ênfase dada aos elementos reguladores do

clima, este não chega a ser o fio condutor que justifica a escolha da maioria das
161
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

obras antigas nem das modernas pertencentes à publicação. O texto discorre pouco

e superficialmente sobre o concreto e a habitação social. A questão da verticalização

não é efetivamente discutida, mas se revela como caminho potente na quantidade

representativa de edifícios mostrados que adotam a solução em altura. Sobre a

cidade, dá ênfase aos conjuntos históricos urbanos do Rio de Janeiro, Congonhas,

Ouro Preto, Salvador e Recife, mas tece criticas à Belo Horizonte e à Goiânia,

apontadas como cidades de traçado moderno e roupagem ultrapassada. As demais

discussões sobre o urbanismo são ignoradas, inclusive o moderno plano do EPUCS

para Salvador.

A praticidade americana apenas se interessava pelo já realizado e as

reflexões, intenções e embates nada significavam nos processos de modernização.

E assim, mais uma vez, a obra de Goodwin e Kidder-Smith se revela determinante

através de sua linha estruturadora que parece ecoar no conjunto de textos históricos

sobre a arquitetura brasileira: apenas as obras construídas são consideradas como

elementos importantes no decorrer dos acontecimentos, os embates teóricos, os

textos, os projetos e muito pouco do contexto geral e especificamente do artístico é

considerado como elo significativo dos caminhos da arquitetura moderna no país –

as realizações e fatos majoritariamente são da ordem do material e as ideias tão

caras à criação de novas sensibilidades, ao possibilitar a efetiva transformação da

linguagem falante em linguagem falada inclusive na arquitetura, são

menosprezadas103.

103
Mesmo nos autores mais recentes como Hugo Segawa esse traço da materialidade física da história da arquitetura
brasileira, ou quem sabe não seria mais adequado chamar de história das obras arquitetônicas no Brasil, permanece. Em um
trecho sobre os manifestos de Levi e Warchavchik de 1925, Segawa afirma: “A publicação desses manifestos em nada alterou
a rotina da arquitetura corrente no Brasil. Foram textos pioneiros resgatados muito tempo depois pela historiografia do
modernismo, mas que prenunciaram a atividade futura desses dois arquitetos, que efetivamente mais tarde materializaram
suas ideias em obras construídas” (SEGAWA, 1997, p. 44).
162
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Não é preciso muito esforço para demonstrar a fragilidade desse tipo de

interpretação, apenas o efeito bombástico da exposição e da publicação em questão

nos caminhos do moderno no Brasil é prova suficiente que nem só de obra

construída é feita a história da arquitetura.

O “Brazil Builds” também possibilita a leitura de algumas mensagens

subliminares naquilo que valoriza em seu formato de organização. Separado em

duas partes – edifícios antigos reunidos por localização geográfica e edificações

novas por uso – essa obra mostra a vastidão territorial brasileira que permanece no

passado, pronta para ser explorada, e a potencia política modernizadora do país

concentrada na sua capital, possibilidade real dessa exploração.

Assim o lugar do moderno posto na capital do país, como centro irradiador do

progresso nacional, contraposto ao extenso território, ratifica de um lado a potência e

possibilidade de desenvolvimento do país em busca de se colocar de alguma

maneira dentro do mundo industrializado; e de outro a vastidão territorial

apresentada descortina o muito a se explorar e a fazer – interesse do investimento

internacional. Essa leitura pode ser revelada quando damos atenção ao mapa do

Brasil104 que abre a publicação e localiza os lugares nela mencionados e o mapa do

Rio de Janeiro, primeira ilustração da segunda parte no texto que introduz as obras

novas. No mapa da capital federal à época 18 obras mencionadas são ali situadas,

sendo que: 12 são modernas e representam mais de 30% da quantidade total de

obras modernas apresentadas na publicação; quatro são obras do período colonial,

cerca de 10% desse universo; e as outras duas restantes são o Itamaraty e o Largo

do Boticário, situadas na produção menosprezada da segunda metade do século

104
Interessante ressaltar que ficam de fora acervos importantes do Brasil Colonial como, por exemplo, as obras de São Luiz do
Maranhão. Outros estados não citados além do Maranhão são: Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas, Paraná e Santa
Catarina. Esses estados não são nomeados no mapa e assim parecem deixar de existir no Brasil visto pelos norte-americanos.
163
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

XIX e início do século XX, presenças cujas melhores explicações recaem sobre

questões políticas no primeiro caso e pela relação de Lúcio Costa com este recanto

carioca no segundo, e não por interesses arquitetônicos em primeiro lugar.

Figura 33 – Mapa do Rio de Janeiro que abre a segunda parte do catálogo “Brazil Builds” referente às obras modernas.
Fonte: GOODWIN, Philip L. Brazil Builds: architecture new and old 1652 – 1942. Nova York: MOMA, 1943, pp. 82-83.

A obra que pode apontar para a ligação entre: investimento estrangeiro,

potencial de matéria prima brasileira, vastidão territorial nacional, desenvolvimento e

arquitetura moderna – é a emblemática casa do empresário Herbert Johnson em

Fortaleza no Ceará, local que nem aparece na primeira parte do livro apesar de

possuir obras antigas de interesse, inclusive com tombamento pelo SPHAN em

1941. Dos estados citados no mapa de abertura apesar de acervo também

importante da arquitetura no Brasil, não aparecem na ala das obras antigas: São

Paulo (apenas vinculado ao moderno), Goiás (vinculado à criação de sua nova

164
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

capital, sem nenhuma citação ao importante ciclo do ouro que também lá produziu

admiráveis exemplares da arquitetura em solo nacional), Amazônia (como já dito,

por questões de ordem do patrimônio natural) e Ceará (que só aparece vinculada a

casa do empresário americano).

Ao inverter a leitura e mapear a produção moderna por localização

geográfica, tem-se a exata medida da primazia carioca: das 39 obras publicadas, 19

são locadas no Rio de Janeiro e as demais se distribuem em apenas mais outros 5

estados da federação – 8 em São Paulo, 4 em Pernambuco, 4 em Minas Gerais

(todas de Niemeyer), 2 na Bahia e 1 no Ceará que aparece pelo duplo mérito de ser
105
propriedade de um grande empresário americano e ser projeto de Oscar

Niemeyer. Portanto, o Brasil e sua arquitetura moderna foram praticamente

restringidos desde sua primeira monografia a hegemonia da produção vinculada aos

profissionais atuantes no Rio de Janeiro, atrelados ao grupo de Lúcio Costa, com

raras exceções. Dá-se aí mais um ponto de tangência entre a trama norte-americana

e a costiana, na generalização reducionista da arquitetura moderna brasileira à

produção carioca de filiação corbusiana. Mesmo que Goodwin tenha apontado as

influências italianas na arquitetura moderna paulista e as germânicas na Bahia, isso

se dá de maneira tão diluída no desenrolar da publicação que tem pouquíssima

expressão.

Ao buscar-se agora o entendimento via tipos/usos dos edifícios antigos

prevalecem as instituições religiosas como a grande expressão do Brasil tradicional:

das 39 obras apresentadas tem-se um chafariz, um palácio de governo (o Itamaraty),

dois fortes, quatro fazendas, seis residências, um teatro e as outras 24 são

vinculadas à igreja católica. Esses números mostram a importância das estruturas

105
Também dono de uma casa feita por Frank Lloyd Wright
165
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

religiosas na organização do mundo colonial brasileiro. É sob a tutela de tal poder

que surgiram as expressões artísticas mais representativas do Barroco –

manifestação do passado portador da linguagem local e nacional – destacado na

publicação americana, outra tangencia entre Goodwin e Costa, já mencionada.

Apesar de tantas tangências, há uma divergência efetiva nas duas tramas

quanto ao papel e a importância dos arquitetos estrangeiros. Vários foram os

profissionais vindos do exterior que aqui aportaram trazendo e construindo

exemplares da nova arquitetura em suas muitas variantes. Na versão do “Brasil

brasileiro” de Lúcio Costa, a única contribuição externa significativa foi a do mestre

Le Corbusier; e até mesmo seu ex-sócio, o imigrante Gregori Warchavchik, professor

na ENBA a seu convite, foi por ele desqualificado. Na variante de Goodwin, fruto de

um movimento de interação internacional a atuação importada é reconhecida: “A

number of the architects were foreign born and trained, and came to Brazil already

equipped with the new aesthetic” (1943, p. 81)106. Mesmo que isso tenha se dado de

maneira insólita, devido à rápida e pouco relevante citação a Warchavchik e ao

destaque desproporcional dado a Bernard Rudofsky, os estrangeiros são

representados com tal relevância que se encontram na exígua galeria das

personalidades no final da publicação.

O arquiteto austríaco tem, além de sua foto, duas residências publicadas, que

segundo Goodwin relê a casa tradicional mediterrânea. Como o “Brazil Builds”

também é fruto das indicações políticas nacionais e deveria estar afinada com a

narrativa getulista, a presença desse arquiteto, vincula-se, para além da real

importância de suas obras no panorama da arquitetura brasileira, a suas

106
Optou-se pela citação em inglês porque na versão em português o sentido é levemente alterado, nela lê-se: “Certo número
de arquitetos são mesmo de origem estrangeira, tendo vindo para o Brasil já formados, prontos a aplicar ideias e princípios de
traziam” (GOODWIN, 1943, p. 81).
166
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

aproximações com o MoMA e ao fato de, na época da iniciativa norte-americana,

encontrar-se radicado nos EUA (COSTA, 2009, p. 132). Provavelmente foi ele o

estrangeiro que atuou no Brasil a quem os autores norte-americanos tiveram maior

acesso. As informações oficiais fornecidas pelos brasileiros estavam

irremediavelmente atreladas à tentativa de nacionalizar a arquitetura moderna. E

esse processo passou tanto por ressaltar os arquitetos brasileiros como por

desconsiderar a contribuição estrangeira, na esmagadora maioria das vezes, através

de grandes silêncios sobre a atuação forasteira.

O que a princípio pode parecer intrigante – o fato de mesmo ecoando a trama

urdida por Lúcio Costa a publicação não evidenciar tal arquiteto a ponto de nem

colocá-lo no elenco de fotos no final do livro – nos parece similar à posição desse

arquiteto no artigo para o Correio da Manhã em 1951, no qual ele não se autocita

diretamente no transcurso dos acontecimentos no campo da arquitetura no país,

mesmo pontuando todos os eventos centrais nessa trama cuja sua participação foi

decisiva. Segundo Costa ele teria recebido Philip Goodwin apenas uma vez e não dá

muita ênfase ao encontro: “prestei-lhe as informações que me ocorreram no

momento” (COSTA, 1995, p. 200).

Por outro lado Costa, cujo nome na lista de arquitetos da publicação em

questão aparece vinculado ao SPHAN, atende aos americanos como membro de um

órgão público atrelado a um ministério dos quais era devido destacar seus chefes

por motivos políticos evidentes.

167
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 34 – Página que finaliza o livro-catálogo o “Brazil Builds” com as fotos das figuras de destaque, seguida pela lista dos
arquitetos e suas obras contidas na publicação. Fonte: GOODWIN, Philip L. Brazil Builds: architecture new and old 1652 –
1942. Nova York: MOMA, 1943, p. 196.

168
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Assim a página das personalidades do “Brazil Builds” traz em primeiro plano e

no local mais alto o Ministro Gustavo Capanema, ao lado o Diretor do SPHAN

Rodrigo Mello Franco de Andrade, posições justificadas, para além do papel na

produção da arquitetura moderna no Brasil, pelas motivações da própria publicação


107
dentro da política externa americana da “boa vizinhança” . Adjacente a eles, mas

um pouco abaixo Oscar Niemeyer, arquiteto que assina o maior número disparado

de obras apresentadas na publicação 108 , abaixo outros arquitetos brasileiros que

também mereceram destaque: Atílio Correa e Lima, os irmãos Roberto e Álvaro Vital

Brazil.

A ausência de Lúcio Costa parece a princípio tão inusitada quanto à presença

do austríaco Bernard Rudofsky. No entanto, a presença do arquiteto franco-carioca

se dá indiretamente, via representações - institucionalmente por seus superiores e

enquanto arquiteto por seu parceiro 109 . Assim como a foto de Rudofsky liga o

nacional ao estrangeiro no campo da produção arquitetônica, as fotos que fecham a

página de Kidder-Smith e Goodwin simbolizam, conjugadas as fotos de Capanema e

Rodrigo Andrade, outra faceta dessa ligação agora no plano institucional e na

cooperação internacional. Entre os poderes de fomento e legitimação, um meio

povoado pelos detentores de um novo saber – os criadores de uma nova arquitetura.

107
Ver discussão em CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura, 1930-
1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
108
São apresentadas dez obras de Oscar Niemeyer, que incluem sua participação na equipe da sede do MEC e as obras da
Pampulha, mas curiosamente não mostram a Igreja de São Francisco. De Atílio Correa e Lima foram publicadas duas obras,
dos irmãos Roberto quatro e de Álvaro Vital Brazil três.
109
Mesmo tendo registrado nessa publicação em sua conta a autoria de dois dos mais importantes edifícios da arquitetura
moderna brasileira, eles foram desenvolvidos em parceria e já representados por Niemeyer, autor de mais outras tantas obras
individualmente.
169
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.2.2. Sobre formas e falas

Embora o “Brazil Builds” tenha tido pretensão inicial expositiva e não

historiográfica 110 , essa publicação se tornou o marco tanto da história como da

historiografia da arquitetura brasileira, como já citado. Foi ela a fala estrangeira de

reconhecimento da qualidade da produção moderna nacional. Pelas formas das

obras modernas que apresenta, acaba por dar evidência e legitimidade a uma dentre

as várias vertentes do moderno que lutavam por afirmação e hegemonia junto ao

corpo social e político nacional. Com o privilégio dado à expressão modernista

corbusiana por essa publicação, corou-se o caminho já escolhido por Lúcio Costa

para a arquitetura moderna brasileira. Nesse sentido, essa monografia dá a vertente

nacional de filiação franco-suíça o reconhecimento internacional que ratifica sua

continuidade e aceitação geral, ao mesmo tempo em que desqualifica pelo ínfimo

espaço e pela omissão as outras possibilidades expressivas contemporâneas que

naquele momento tinham tanto ou maior espaço nas realizações feitas no país. É

essa publicação que aponta como fala falante essa porção da produção brasileira,

ao destacá-la não como simples reprodução das expressões internacionais, mas

como criação própria e desdobramento significativo do “International Style”.

Por mais paradoxal que possa parecer era fundamental à expressão que se

pretendia nacional e independente o aval estrangeiro para seu reconhecimento

interno. No reverso da moeda, a afirmação e a continuidade do que o próprio MoMA

denominou de “Estilo Internacional” se deu graças não apenas às essenciais, porém

poucas obras construídas no velho continente nos anos 20 e 30, mas também e em

grande parte, ao poderio construtivo do novo mundo nas décadas posteriores, no

110
Fato que justifica o relativo comprometimento com a fidelidade das informações.
170
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

qual o Brasil foi um importante renovador, a fênix de uma linhagem já em franco

declínio na Europa.

Dentro desse horizonte os símbolos da cultura nacional oficial estariam sendo

consolidados, celebrados e propagados pelo “Brazil Builds”. A publicação

estrangeira mostraria ao mundo e ratificaria para o país que o Brasil tinha um

passado digno de orgulho e um futuro promissor, que estava em acelerada

construção por um presente que fundia tradição e modernidade, nas asas líricas da

excepcionalidade plástica modernista. Nessa linha evolutiva situar-se-iam o barroco

do período colonial e a força do país católico que ainda eram as bases da tradição e

da família numa ponta e na outra o modernismo promotor do progresso e do avanço

social não só atrelado, mas sistematicamente fomentado pelo poder público. Numa

linguagem própria, o modernismo brasileiro ao mesmo tempo em que se vincularia à

vanguarda internacional se diferenciaria dela em sua expressão nacional – prova

que poderíamos estar em pé de igualdade com o que de mais moderno havia no

mundo industrializado. Mais do que simples reprodutor, o Brasil seria gloriosamente

um produtor diferenciado, na afirmação da política cultural do estado brasileiro.

Seríamos tanto capazes de usar a linguagem falada como também, e mais

importante, de criar uma linguagem falante. A miscelânea inculta e o ecletismo

importado haviam sido “banidos” da história da arquitetura brasileira na busca de

homogeneizar e equalizar a cultura nacional. Eles eram mais que ecos

desconcertantes, ruídos indesejáveis para a afirmação de uma pretensa unidade

nacional.

171
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As imagens são reveladoras quanto ao significado do antigo e do novo e que

novo deveria ser este. Nas fotografias das construções antigas, representantes do

patrimônio brasileiro, os edifícios aparecem, com exceção de algumas obras

barrocas111, imersos em uma natureza exuberante, a paisagem natural emoldura a

arquitetura, em quadros bucólicos que revelam um território ainda selvagem

pontuado por suas antigas tradições. Ao contrário desse Brasil rudimentar, o

enquadramento das obras modernas em sua quase totalidade mostra a potência de

um país onde prevaleceriam o domínio do homem sobre o meio natural e a

grandeza da técnica moderna. A natureza aparece domada e a fotografia de Kidder-

Smith não deixa dúvidas sobre isso – no exemplo abaixo o edifício se sobrepõe a

linha do horizonte e a marquise de linhas retas e sóbrias contém as montanhas ao

fundo.

A nova expressão tinha uma constante plástica que se construiu na

repetição de elementos construtivos nus – colunas, marquises, aberturas, protetores

solares, etc. – e volumetrias regulares – prismas elementares e figuras geométricas

tangentes e/ou sobrepostas. Em algumas fotos é a esquadria que marca a repetição

do elemento que dá o ritmo obstinado da mecanização das formas de uma

arquitetura pretensamente industrializada. Se a imagem ressalta essa estética, a

possibilidade construtiva local ainda utilizava peças artesanais e a estandardização

era muitíssimo incipiente.

111
Algo também sintomático, já que apenas o que era considerado produto efetivamente nacional de valor singular e nacional
na visão do SPHAN tinha fotografia diferenciada e similar aos modernos.
172
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 35 – Fazenda Vassouras no Rio de Janeiro, exemplo da arquitetura antiga mergulhada na natureza e numa
condição rural arcaica. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1642-1942. Nova York: MOMA,
1943, p.37.

Figura 36 – Página de rosto do catálogo da exposição “Brazil Builds”.Detalhe do Cassino da Pampulha. Fonte: GOODWIN,
Philip. Brazil Builds: architecture new and old 1642-1942. Nova York: MOMA, 1943, p.3 e 4.

173
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Comprometida com a moderna cultura visual, a estética que se impõe é da

horizontalidade, da predominância dos vazios e da permeabilidade, nas obras e nas

fotografias das obras – fachadas e espaços atravessados pelo sol, pelo vento, pelo

olhar, mas raramente por corpos humanos112.

Figura 37 – Páginas referentes à Escola Normal em Salvador – ICEA. Fonte: GOODWIN, Philip. Brazil Builds: architecture
new and old 1642-1942. Nova York: MOMA, 1943, p.144 e 145.

Essa cultura visual que marca o “Brazil Builds” é recorrente nas publicações

do modernismo internacional e paulatinamente é incorporada nas publicações

brasileiras. Nela os textos são complementares, é a imagem que informa e forma o

caminho da expressão moderna em novos enquadramentos favoráveis a essa

estética – nas possibilidades estruturais, nas formas das aberturas, nos jogos

volumétricos, nos encaixes, nas espessuras, nas proporções, nos efeitos, enfim na

112
Nas fotos raramente aparem pessoas e quando aparecem são sempre jovens ou crianças reforçando a ideia de algo novo
que irá se desenvolver.
174
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

afirmação do “Estilo Internacional” e de uma arquitetura que se contrapõe à natureza

através de formas puras, ritmadas por elementos construtivos desnudos e

composições secas.

Consequentemente, este livro pode ser entendido como um marco inaugural


institucionalizado de um modo de ver, que se refere, ao menos, a uma
arquitetura moderna brasileira. Se com esta publicação uma linha historiográfica
da arquitetura é inaugurada ou institucionalizada, é também o momento chave
para a construção de uma linguagem visual. (COSTA, 2009, p. 203).

Embora as imagens sejam bem mais potentes na apreensão imediata da fala

do “Brazil Builds”, seus textos também são cruciais na orquestração de sua

mensagem. O prefácio deixa claro as motivações e os agentes dessa empreitada.

Quanto as primeiras, Goodwin aponta logo de início os motivos políticos: “travar

relações com o Brasil, um país que ia ser nosso futuro aliado” (GOODWIN, 1943, p.

7) e as atrela a questões de ordem técnico-arquitetônicas:

(...) conhecer melhor a arquitetura brasileira, principalmente as soluções dadas


ao problema do combate ao calor e aos efeitos da luz sobre as grandes
superfícies de vidro na parte externa das construções (GOODWIN, 1943, p. 7).

Entre os agentes vale ressaltar, para além das instituições norte-americanas

promotoras – o Museu de Arte Moderna de Nova York e o Instituto Norte-Americano

de Arquitetos, das quais ele era o representante – a presença do Governo dos EUA,

através do Gabinete do Coordenador de Assuntos Inter-Americanos sob o comando

de Nelson Aldrich Rockefeller113 e do Governo brasileiro via DIP e SPHAN – cada

um deles duas vezes citados nos agradecimentos – e o Ministério da Educação e

Saúde Pública. Ainda da participação das instituições brasileiras faz-se referência às

contribuições do IAB.

Dentre as pessoas que de uma forma ou de outra colaboraram com essa

obra, numa longa lista, estão obviamente presentes os nomes dos dirigentes das

113
Ver referência em CAVALCANTI, 2006, p. 150.
175
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

instituições brasileiras supracitadas – Gustavo Capanema (MESP), Assis Figueiredo

(DIP), Rodrigo Mello Franco de Andrade (SPHAN) e Nestor de Figueiredo (IAB).

Destaca-se pelo especial agradecimento aos brasileiros, os senhores:

P.C. Almeida, Álvaro Vital Brazil, Roberto Burle-Marx, Flávio de Carvalho, Lúcio
Costa, Carlos Frederico Ferreira, Rino Levi, Atílio Corrêa Lima, Henrique E.
Mindlin, Jorge Moreira, Oscar Niemeyer, Carlos Porto, Afonso Reidy, Marcelo e
Milton Roberto, Paulo Rossi, Aldary Toledo e Gregori Warchavchik (GOODWIN,
1943, p. 8).

Como o livro-catálogo é estruturado em duas partes, assim também são

construídos os textos que reforçam o contraponto entre a vastidão territorial

mergulhada no passado a espera do novo e o surpreendente moderno no centro

político, em processo de industrialização que dá confiabilidade aos possíveis

parceiros internacionais. A cada parte corresponde uma introdução com um texto

corrido mais longo, seguido de pequenas legendas que acompanham as fotografias.

Na primeira introdução Goodwin traça um panorama histórico geral do país,

no qual em largas e mescladas pinceladas aponta as características econômicas,

geográficas e sociais brasileiras entrelaçadas ao desenvolvimento da arquitetura do

período colonial até o alvorecer do século XX, cujas principais referências foram os

textos de Roy Nash e Robert C. Smith. Nessa narrativa sobre o Brasil ficam

evidentes a admiração com a vastidão territorial inexplorada e a preocupação em

caracterizar o clima do país e suas variações bem como os recursos para enfrentá-

lo, perceptíveis pelo generoso espaço dado no texto às questões mesológicas e aos

materiais e técnicas construtivas.

As tentativas de estabelecer relações entre a arquitetura dos dois países são

muito frágeis e se atêm a uma comparação entre o porto do Rio de Janeiro e o de

São Francisco, e à identificação da falta de originalidade da arquitetura colonial tanto

no Brasil como nos EUA. Constata, apesar da pouca influência teórica, o muito que
176
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

a prática americana era incorporada à arquitetura e ao urbanismo brasileiros: nos

arranha-céus, nos elevadores, nas instalações sanitárias e na iluminação moderna.

Na Introdução I, Goodwin declara que o Brasil dá início ao seu

desenvolvimento em 1520114 e se mantém como colônia até 1807, condição alterada

com a chegada de D. João VI e a corte portuguesa às terras brasileiras que se torna

Império sob o comando de D. Pedro I, filho desse rei de Portugal. Quanto à vida e às

obras construídas do período colonial, o norte-americano aponta os fatores que

teriam impulsionado e determinado seus desenvolvimentos reduzidos: à igreja

católica, ao ouro das Minas Gerais e ao escravo africano. Não reconhece nenhuma

excepcionalidade nessa arquitetura e mesmo sobre o barroco – excetuando Minas e

Bahia, onde constata “certa independência em relação ao modelo português”

(GOODWIN, 1943, p.20) – deixa claro que se trata de repetições simplificadas das

expressões próprias da metrópole europeia. Na explanação desse período dá

ênfase inusitada à arquitetura dos armazéns para exportação e das fazendas, o que

indicava uma característica, que ainda se perpetuava, de país agrário e exportador.

Da extensa atenção ao período colonial, segue-se uma pequena, mas importante

pontuação sobre advento do neoclássico, como escola importada da França por

ordem real, mas estranhamente não a vinculada à transferência da corte para o

Brasil e funde confusamente a Missão Francesa de Lebreton, Montigny e Debret

com a estadia de Vauthier no Recife.

Subitamente, mas não gratuitamente, após narrar o passado que merecia

reconhecimento, e interrompendo a narrativa cronológica, Goodwin coloca a criação

e ação do SPHAN na preservação do patrimônio nacional. Acontecimento colocado

114
Sem maiores explicações ou referência que justifique essa data, talvez Goodwin se refira a década de 1520 quando devido
às investidas dos franceses na costa brasileira, Portugal se viu obrigado a mudar a relação apenas extrativista com a nova
colônia para não perder o vasto território conquistado.
177
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

estrategicamente no ponto de corte que marca a passagem entre o que esse órgão

considerava passado remoto esplêndido e passado imediato nefasto. Essa

orquestração reforça ainda mais o conteúdo exposto. Segue-se a essa passagem

então uma referência ao teatro de Manaus classificado como Art-Nouveau e

prossegue em um trecho curtíssimo sobre o ecletismo tratado como moda instável e

enfermidade que a capital se cura rapidamente referindo-se as edificações da

Avenida Rio Branco no Rio de Janeiro na finalização do texto introdutório às

imagens da arquitetura antiga:

Poucos anos decorridos e, quase da noite para o dia, a encantadora cidade


curou-se dessa doença, começando ver melhor as vantagens de uma arquitetura
de acordo com a vida atual e com a moderna técnica construtora. (GOODWIN,
1943, p. 25).

Na sequencia são apresentadas as obras escolhidas para representar o

passado nacional. A colocação do Rio de Janeiro e do Palácio do Itamaraty em

primeiro lugar obviamente está vinculada à questão política: a cidade ainda era a

capital do país e o Itamaraty foi a primeira sede da República do Brasil, assim a

opção se revela evidente. Porém nada parece explicar o que se segue – nem quanto

à ordem em que se sucedem os estados, nem quanto à escolha dos edifícios

apresentados. As opções parecem aleatórias e extremamente subjetivas, motivadas

talvez por uma mistura entre interesses pessoais, político, histórico e artístico, não

claramente explicitados e/ou explicitáveis.

Se as fazendas cariocas poderiam esboçar a tentativa de mostrar a estrutura

econômica do Brasil Colônia e Império, a ausência dos engenhos de açúcar do

Nordeste (representados por apenas um exemplo pernambucano), das fazendas de

café paulistas e das charqueadas do sul põe por terra tal possibilidade de

encadeamento por não se refletir nos exemplares escolhidos nas demais regiões.

178
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Também não são justificáveis as ausências da Matriz do Pilar em Ouro Preto e da

Catedral de Salvador, antiga igreja do Colégio dos Jesuítas, mesmo que as

motivações da presença da Missão Jesuítica de São Miguel no Rio Grande do Sul,

vinculada à apresentação de seu museu sejam evidentes tanto pela atuação do

SPHAN quanto pela ponte com a arquitetura moderna. A obra deste museu é a

única construção nova locada na parte das construções antigas. O vínculo entre

tradição e modernidade na arquitetura brasileira personalizado na figura de Lúcio

Costa ficava assim consagrado.

A poucas centenas de metros das ruínas de São Miguel, o SPHAN construiu


recentemente um encantador museu para abrigar o grande número de entalhes de
pedra e madeira oriunda da igreja.
O arquiteto das varias restaurações e construções feitas pelo SPHAN é o engenheiro
Lúcio Costa, muito conhecido pelos seus trabalhos de arquitetura moderna.
É consolador encontrar-se uma instituição dessa espécie que compreende que só um
plano lidimamente moderno fora adequado a tal museu. A construção, de simples
paredes de vidro, proporciona um fundo agradável que não entra em competição com a
escultura brilhantemente disposta (GOODWIN, 1943, p. 42).

Outro fato que causa estranhamento, ressaltado no título desta

exposição/publicação, é a locação do ponto inicial da construção brasileira em 1652,

apesar de citar a fundação de Salvador em 1549 e apresentar o forte de Montserrat

de 1586. Ao dar ênfase à data incerta do final das obras do Mosteiro de São Bento

no Rio de Janeiro, há mais de um século e meio após a chegada dos portugueses

em território brasileiro, e sem esclarecer suas razões115, o autor acaba por dar um

entendimento dúbio sobre o começo das construções no antigo Pindorama.

As inscrições que acompanham cada obra, mais próximos a legendas que

propriamente a textos corridos, apresentam conteúdos não sistemáticos. Os

comentários são praticamente uma colagem entre informações curiosas e

115
Provavelmente a escolha dessa data está vinculada as expressões barrocas no Brasil, porém em 1652, ano estimado para o
final das construções de São Bento não inclui o trabalho em talha bem posterior – tratamento que torna o interior da igreja
desse convento efetivamente barroco.
179
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

percepções pessoais que se aproximam mais de panfletos turísticos do que qualquer

tipo de análise efetiva dos objetos expostos. Na segunda parte, apesar de mais

comprometidos com questões propriamente arquitetônicas, as explanações também

não seguem qualquer sistemática para abordagem dos edifícios.

No entanto na Introdução II que abre a segunda parte com 21 páginas, agora

bem mais generosa que a primeira de apenas nove, fica ainda mais claro de um lado

a primazia do interesse pela arquitetura brasileira moderna e seu foco pragmático

nas soluções projetuais para resolver os problemas mesológicos. A valorização

gritante das realizações cariocas é justificável por ser o Rio de Janeiro a capital do

país e todas as óbvias questões políticas que isso implica somado ainda ao

interesse norte-americano de mapear as potencialidades e possibilidades brasileiras.

Porém em nuances menos evidentes essa primazia revela também as limitações de

um trabalho de dimensões hercúleas feito em tempo tão exíguo, cuja maioria das

informações foi fornecida por instituições governamentais sem muita ou nenhuma

apuração, verificação, ampliação e muito menos contraposição dessas fontes; para

além de ser tutorado e monitorado por um órgão de coerção poderoso como o DIP.

Como não poderiam ser diferentes, os destaques recaíram sobre obras

públicas ou de patrocínio público: a sede do Ministério da Educação e o Cassino da

Pampulha foram expostos em seis páginas cada; a ABI, o Grande Hotel de Ouro

Preto e o Iate Clube da Pampulha em quatro; e mesmo que com apenas duas

páginas dedicado a ele ao fechar o conjunto das obras, é indubitável a importância

dada ao Pavilhão Brasileiro (1938/1939):

Havia na feira de Nova York excelentes edifícios modernos, mas nenhum de tão
elegante leveza como o Pavilhão Brasileiro. Distinguia-se pela maneira feliz com
que foi o espaço aproveitado e pelos seus pormenores vivos e frescos.
(GOODWIN, 1943, p. 194).

180
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na versão do “Brazil Builds”, a formação da arquitetura moderna brasileira,

apesar de não ser tão miraculosa, corrobora como a trama costiana no seu

entendimento como um advento repentino e meteórico, filiado ao pensamento

corbusiano:

Muito antes do advento do governo Vargas, em 1930, apareceram no Brasil os


primeiros ensaios de arquitetura moderna. De inicio modesto, coincidindo o
movimento com uma verdadeira febre de construções, generalizou-se
rapidamente. Quase que da noite para o dia, mudaram-se as feições de grandes
cidades como Rio e São Paulo, onde a novidade tivera o acolhimento mais
entusiástico.
A França influiu sempre grandemente na cultura brasileira, já no campo da
educação, já no da literatura, já no da ciência e das artes. As ideias
revolucionárias do grande arquiteto suisso-francês Le Corbusier foram recebidas
com simpatia especial pelos jovens arquitetos brasileiros. E seus ensinamentos
se puseram em prática com brilho particular no Ministério da Educação e outras
obras em Belo Horizonte. (GOODWIN, 1943, p. 81).

Como já assinalado por Nelci Tinem (2002), essa orquestração assim

como nas falas de Lúcio Costa é delineada: na referência ao neoclássico

acadêmico e na desqualificação do ecletismo; na omissão da Semana de 22,

dos escritos de Warchavchik e Levi, da primeira visita de Le Corbusier ao Brasil

em 1929, do pioneirismo de Flávio de Carvalho e outros, do episódio da Casa

na Rua Toneleros e da visita de Frank Lloyd Wright em 1931; na pouca

importância dada as primeiras casas modernas de 1927 a 1930; no destaque

central da Revolução de 1930 para o desenvolvimento da arquitetura moderna

no Brasil; e finalmente na decisiva visita de Le Corbusier em 1936 e no enorme

destaque à Sede do Ministério da Educação e Saúde Pública.

Essa sede ministerial é saudada como o mais belo edifício público do

ocidente, criativo, inovador e corajoso. O elogio é direcionado para um poder

público que investe no novo e tem a coragem de sair da segurança da tradição

clássica. Assim o brinde à originalidade é bem mais à postura do governo que

propriamente às inovações arquitetônicas do edifício. Isto porque mesmo


181
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

dando a primazia de aplicação dos elementos de proteção solar aos brasileiros

– neles estaria a diferenciação da arquitetura no Brasil, o crédito da invenção é

dado a Le Corbusier.

O silêncio sobre obras como as já construídas à época de Luiz Nunes no

Recife é mais um reforço para a similaridade das tramas, não só na súbita, mas

também na pontual instauração do movimento moderno no Brasil, centrada na

arquitetura carioca.

A divergência entre as versões se dá num ponto quase imperceptível. Na fala

de Goodwin a conciliação entre o antigo e o novo permanecia na sobriedade do

Museu das Missões de Lúcio Costa e a obra prima da arquitetura brasileira seria o

Cassino da Pampulha – uma edificação sem qualquer mediação com o passado,

mas uma esplendida capacidade de renovar a linguagem da vanguarda europeia. Já

na fala costiana a obra prima seria a Igreja de São Francisco na Pampulha, nela o

triunfo da plástica poderia se encontrar com um glorioso passado brasileiro, na

interpretação de uma tradição forjada na expressão de um suposto gênio nacional

cuja exuberância criativa e excepcionalidade artística diferenciariam a arquitetura

brasileira no cenário internacional, tanto na moderníssima obra de Oscar Niemeyer

quanto no barroco tardio de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho no século XVIII.

Se essa conexão fosse compartilhada por Goodwin, não seria um detalhe da

Estação de Hidroaviões de Atílio Correia e Lima e sim de uma obra de Oscar

Niemeyer a fazer par com a obra de Aleijadinho na capa da publicação norte-

americana.

182
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 38 - Capa do catálogo da exposição Brazil Builds: architecture new and old do MOMA – Nova York em 1943. Fonte:
http://www.google.com.br/imgres?q=brazil+builds, acesso 03/10/2012 às 18:39.

183
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

3.3. ECOS CONSAGRANTES

Não são muitas as falas que constituem o conjunto de textos históricos de

maior visibilidade sobre a arquitetura moderna no Brasil e menos ainda são as

diferenças efetivas das mensagens contidas nelas, incluindo-se as produções mais

recentes. Mesmo que as abordagens sejam sempre distintas, o ecoar das falas de

Lúcio Costa e Philip Goodwin são uma constante, especialmente no tratamento da

formação e instauração da nova arquitetura, à exceção, em certa medida, de

Geraldo Ferraz (1965), Hugo Segawa (1997) e Carlos Alberto Martins (2002).

Os trabalhos produzidos no âmbito do DOCOMOMO Brasil 116 e das pós-

graduações em arquitetura e urbanismo e áreas afins no país e no exterior têm

revelado uma gama bem mais ampla e complexa da arquitetura e do urbanismo

modernos brasileiros, porém ainda circunscritos a um universo bastante restrito, de

pouco alcance. Por outro lado, mesmo que essas pesquisas se esforcem em ampliar

os agentes, as obras, os precedentes, os sucessores, os rebatimentos, como

também os contextos, as motivações, os propósitos e os enlaces com outras áreas,

e mais outras tantas possíveis ilações e aprofundamentos da pesquisa

contemporânea – são raríssimas aquelas que enfrentam algumas questões

estruturantes pautadas em verdades instituídas por essas falas modernistas e

comprometidas com sua própria afirmação. Permanece a ecoar, como base sagrada

e indiscutível da constituição e caracterização da arquitetura moderna e daquela

especificamente vinculada ao movimento moderno no Brasil, o entendimento de que:

foi um acontecimento súbito e atrelado a um pequeno grupo carioca (quase

individual); teve sua especificidade atrelada à fusão ímpar e indissolúvel entre


116
Refere-se ao variado tipo de produção direta ou indiretamente ligado ao DOCOMOMO Brasil, entre pesquisas individuais,
grupos, redes e a infinidade dos textos publicados nos seminários internacionais, nacionais e regionais.
184
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

tradição e plasticidade inovadora; e teve no Edifício do Ministério da Educação e

Saúde Pública seu momento instaurador.

Numa passagem pelos principais autores da “história” da arquitetura nacional,

centrada exclusivamente nos acontecimentos e na maneira em que se deu a

“formação” da arquitetura moderna no Brasil, na construção de uma historiografia

desse momento, podem-se perceber os ecos duradouros das falas de Lúcio Costa e

do “Brazil Builds” – a força e a potencia de duas versões tão próximas que se

tornaram uma única trama. Essencialmente traçada por Costa, essa construção foi

consagrada ao longo de mais de meio século e continua a ecoar.

Assim como uma pedra jogada na água torna-se centro e causa de muitos
círculos, e o som se difunde no ar em círculos crescentes, assim também
qualquer objeto que for colocado na atmosfera luminosa propaga-se em círculos
e preenche os espaços em sua volta com infinitas imagens de si, reaparecendo
em todas e em cada uma de suas múltiplas partes (DA VINCI, apud FAYGA,
1998, p. XV).

A pedra fundamental havia sido lançada e o primeiro círculo foi o livro

“Arquitetura Moderna no Brasil”, do arquiteto paulista radicado no Rio de Janeiro,

Henrique Mindlin (1911-1971). Curiosamente apenas traduzida para o português em

1999, a publicação em inglês e alemão de 1956, traduzida para o francês no ano

seguinte, segundo seu autor, teria sido concebida “inicialmente como um suplemento

ao livro Brazil Builds” (MINDLIN, 1999, p.21).

No entanto, como Brazil Builds está esgotado há vários anos, decidiu-se mais
tarde incluir aqui alguns dos exemplos mais importantes ali mostrados
anteriormente. Assim, será possível dar uma imagem mais completa do
desenvolvimento da arquitetura moderna no Brasil, dos seus primórdios no final
dos anos 20 até os dias de hoje. Mas este livro não substitui o belo trabalho de
Goodwin, nem isso jamais esteve nas minhas intenções.
O objetivo deste livro é antes apresentar, da forma mais condensada e ordenada
possível, por meio de um certo número de exemplos selecionados, a imagem
daquilo que o Brasil alcançou no campo da arquitetura moderna, de modo a
permitir um julgamento fundamentado, tanto por parte dos próprios arquitetos
quanto dos críticos daqui e do exterior (MINDLIN, 1999, p.21).

185
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Portanto é explicito o propósito de dar continuidade a um trabalho iniciado de

promoção dessa nova arquitetura no país, cuja sistematização mais ordenada daria

maior rigor à narrativa. A inclusão de obras já apresentadas no “Brazil Builds” e a

intenção de mostrar os “primórdios” da renovação da arquitetura no Brasil locada no

final dos anos 20, podem revelar a perpetuação da ideia de uma linha evolutiva que

culminaria com a gloriosa obra dos modernistas nos anos 50, momento dessa

narrativa. Se esse propósito for somado ao fato de ser tal autor também um

participante engajado do movimento moderno parece bastante natural que as falas

de Mindlin sigam os indicativos já traçados por seus contemporâneos.

Descendente de imigrantes ucranianos de origem judaica procedentes de

Odessa (cidade natal de Warchavchik), Henrique Ephim Mindlin, cujo pai era

dentista e colecionador de arte, nasceu na cidade de São Paulo onde se formou

engenheiro-arquiteto em 1932 pela Escola de Engenharia da Universidade

Presbiteriana Mackenzie e manteve escritório particular de 1933 a 1941. Transferiu-

se para o Rio de Janeiro no ano seguinte, quando foi nomeado para cargo público

no Governo Vargas, após vencer concurso para o projeto não executado da nova

sede do Itamaraty. Mindlin estabeleceria, divergindo do forte vínculo cultural dos

arquitetos brasileiros com a França, intensa troca com a cultura norte-americana,

chegando a trabalhar como consultor da National Housing Agency onde realizou

estudos sobre urbanismo e habitação popular.

A atuação desse arquiteto se deu em distintas frentes que perpassaram

dentre outras atividades por: autor de projetos em arquitetura e urbanismo (foi o

primeiro arquiteto a fundar um escritório de arquitetura e urbanismo como empresa

juridicamente instituída); membro atuante do Instituto dos Arquitetos do Brasil;

consultor em órgãos públicos; promotor cultural; professor; autor de artigos, manuais


186
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

e conselheiro editorial. Dentro desse amplo leque de atuação profissional, a redação

de “Arquitetura Moderna no Brasil” parece ter dividido a atenção do arquiteto com o

trabalho de escritório em meados dos anos 50 e sua publicação em 1956 coincidiria

com o ano em que ele assumia o cargo de diretor-secretário do Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro. Esses dois últimos fatos são fortes indicativos das

preocupações e envolvimento desse arquiteto com a constituição, disseminação e

perpetuação de certas condições de produção da arte, e em especial da arquitetura

e sua profissionalização – o que culminaria com seu ingresso aos 51 anos na

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro

em 1962, através de concurso público para Livre Docente, carreira acadêmica

coroada pelo título de Professor Catedrático dessa mesma instituição em 1969.

Com uma visão mais sistematizada e muito pautada por questões projetuais,

são as demandas programáticas que parecem ditar a organização dessa publicação.

Sua parte mais significativa é constituída por 224 páginas com 114 obras

selecionadas por Mindlin e apresentadas como “algumas das obras mais

significativas desde o começo do movimento até os dias de hoje” (MINDLIN, 1999, p.

35). As obras são agrupadas pela semelhança de usos/programas, a saber: 1)

casas, edifícios residenciais, hotéis e conjuntos habitacionais; 2) escolas, hospitais,

igrejas, prédios esportivos e de recreação, museus e pavilhões de exposições; 3)

administração, comércio e indústria; 4) transporte, urbanismo e paisagismo.

Nessa parte de apresentação das obras as imagens são tão importantes

quanto os textos. Cada uma delas, que em sua grande maioria é apresentada em

duas páginas, é identificada em primeiro lugar por seu autor (o que indica a

importância dada à figura do arquiteto), depois pelo nome, ano e local da

construção. Segue-se então um pequeno texto descritivo que ressalta as qualidades


187
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

da obra apresentada com destaque para as soluções projetuais e em alguns

momentos certos detalhes construtivos. A implantação é sempre assinalada e caso a

proposta tenha sido premiada isso também é sempre sinalizado.

As imagens de cada proposta são, sem nenhuma exceção, divididas entre

peças gráficas e fotos, sendo que invariavelmente são apresentadas as plantas

baixas e algumas vezes cortes ou plantas de situação, em escalas reduzidas. As

fotos, sempre em preto e branco, têm ângulos e enquadramentos variados, mas

sempre absoluta primazia na apresentação das obras. Muitas vezes as fotos são de

todo o edifício conjugadas a outras que enquadram recortes da volumetria externa

e/ou mostram ambientes internos e raramente enfocam detalhes específicos. Nota-

se a valorização da geometria e linhas puras das soluções modernas.

Figura 39 – Páginas que apresentam a casa Domingos Dias do arquiteto Arnaldo Furquim no livro de Mindlin. Fonte:
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999, pp. 74-75.

188
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 40 – Páginas que apresentam o Cassino da Pampulha do arquiteto Oscar Niemeyer no livro de Mindlin. Fonte:
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999, pp. 190-191.

Figura 41– Páginas que apresentam o Edifício Caramuru do arquiteto Paulo Antunes no livro de Mindlin. Fonte: 189
MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999, pp 234-235.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O livro possui uma apresentação feita por Sigfried Giedion, que apesar de

pontuar a qualidade geral da produção brasileira, parece não conseguir explicá-la e

acaba por situá-la na ala do exotismo selvagem – “o prodígio da arquitetura

brasileira floresce como uma planta tropical” (GIEDION, In: MINDLIN, 1999, p. 17) –

e da irracionalidade – “Há qualquer coisa de irracional no desenvolvimento da

arquitetura brasileira” (GIEDION, In: MINDLIN, 1999, p. 17).

Segue-se então à apresentação de Giedion uma pequena nota de Mindlin que

rapidamente explica as motivações, objetivos da publicação e detidamente agradece

às pessoas e instituições que contribuíram para a realização desta.

Para introduzir então a apresentação das obras modernas há um texto que

narra em largas e rápidas passadas a “história” da arquitetura no Brasil, salpicada

por alguns poucos acontecimentos, algumas poucas condições e certa quantidade

de nomes e estilos que povoaram a produção de nossa arquitetura do período

colonial à época republicana em três das suas treze páginas. As outras dez páginas

da introdução narram a “saga” da arquitetura moderna no Brasil, pontuam

rapidamente o problema do ensino e da infraestrutura do país 117 . A narrativa é

finalizada com o exame das características da arquitetura brasileira naquele

momento, ressaltando o particular vínculo da tradição com a modernidade, e

indicando os dois principais fatores que “contribuíram decisivamente para a sua

formação” (MINDLIN, 1999, p. 32), a saber: “a pesquisa sobre os problemas da

insolação” (MINDLIN, 1999, p. 32) e “o desenvolvimento de uma técnica avançada

no uso do concreto armado” (MINDLIN, 1999, p. 33). Posição que perpetuaria a

visão norte-americana do “Brazil Builds”.

117
Que segundo Mindlin deveriam ser sanados para manter a alta qualidade que a produção arquitetônica tinha atingido até ali
(problemas que parecem continuar a nos assombrar).
190
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As ilustrações dessa parte são dispostas ao longo do texto e somam 10

croquis e 33 fotos. Do universo das fotografias nove são obras do período colonial,

cinco do século XIX e dezenove do século XX, reforçando a supremacia tanto dos

tempos modernos quanto do movimento moderno na arquitetura brasileira, já que

dentre o último conjunto de obras apenas uma é neocolonial e as outras 18 possuem

traços do movimento supracitado. Os enquadramentos dessas imagens mesclam

muitas visadas externas de edifícios, algumas internas, poucos detalhes e alguns

panoramas urbanos. Quanto aos croquis são nove apresentando o processo

projetual do Edifício do Ministério da Educação (“a instauração”) e um único que

mostra o projeto de Burle Marx para a Praça da Independência em João Pessoa.

Entre a introdução e apresentação das obras construídas são apresentados

um total de 31 projetos modernos de expressão modernistas por suas volumetrias –

uma foto, 27 maquetes (algumas em fotomontagem) e três perspectivas – que o

autor julgou relevante incluir por se tratar de “projetos de interesse histórico ou obras

importantes ainda em execução” (MINDLIN, 1999, p. 35), mesmo que não

estivessem enquadradas no recorte adotado pelo livro de contemplar apenas obras

construídas.

Na narrativa de Mindlin, mesmo com pequenas diferenças, o conteúdo central

da mensagem costiana se mantém e a própria figura de Lúcio Costa é exaltada.

A história da arquitetura moderna no Brasil é a história de um punhado de jovens


e de um conjunto de obras realizado com uma rapidez inacreditável. Em poucos
anos, uma idéia que teve apenas o tempo de lançar suas raízes, em São Paulo e
no Rio de Janeiro, floresceu e alcançou uma maturidade paradoxal. Não
demandou sequer, como se poderia supor, o tempo de uma geração, mas
apenas os poucos anos de passagem de uma turma pela escola de arquitetura.
Em seu ensaio sobre a arquitetura brasileira, Lúcio Costa, cujo papel nessa
história jamais será suficientemente louvado, ao analisar o período que vai de
1930 a 1940 e que antecede a construção do Ministério da Educação e Saúde,
assinala com propriedade que “a arquitetura jamais passou, noutro igual espaço
de tempo, por tamanha transformação”. (...) Naqueles dez anos, no Brasil, a
arquitetura internacional se tornou arquitetura brasileira. Esse desenvolvimento
extraordinário, cujas raízes podem ser encontradas em condições históricas
191
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

favoráveis, apareceu, todavia, como uma mutação inesperada, que um


determinismo estrito não conseguiria explicar. (MINDLIN, 1999, p.21).

Embora ecoe a fala costiana, que loca a renovação da arquitetura brasileira

nos anos 30, “a fase heróica” (MINDLIN, 1999, p. 27), com os mesmo episódios

apontados por Lúcio Costa – a tentativa de Reforma da ENBA vinculada à

Revolução de 1930, a reação às novas ideias, e finalmente o inesperado episódio do

Ministério da Educação – Mindlin introduz alguns precedentes novos e valoriza

outros desqualificados por Costa. Talvez por sua origem paulista, os acontecimentos

em São Paulo tenham lhe parecido mais relevantes, em especial no que ele chamou

de “fatores subjetivos de preparação espiritual e de ambiente intelectual” (MINDLIN,

1999, p. 21). É assim que já na versão desse arquiteto, incorpora-se à trama

consagrada a Semana de Arte Moderna de 1922, os manifestos de Rino Levi e

Gregori Warchavchik e sua primeira casa modernista, e a visita de Le Corbusier em

1929.

O distanciamento da fala de Lúcio Costa se dá na incorporação do episódio

da greve dos estudantes em 1931 e no apontamento não de apenas um arquiteto

predestinado ou um pequeno grupo, mas toda uma geração de estudantes que iria

contribuir decisivamente para a renovação das artes e em particular da arquitetura.

Citada apenas em algumas das versões seguintes, infelizmente o sentido coletivo

que essa greve dava à implantação da nova arquitetura no país na versão de Mindlin

é completamente perdido posteriormente. Assim como se deu com as importantes

contribuições apontadas por ele e desconsideradas na maioria das demais

publicações – as ações escandalizadoras de Flávio de Carvalho e o estabelecimento

de um vínculo crucial entre a arte moderna e “os mais altos valores da vida

192
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

brasileira, com as fontes do passado, com a terra e com o povo” (MINDLIN, 1999, p.

26) do Movimento Antropofágico.

Apesar dessa tentativa de tornar mais coletiva a formação da arquitetura

moderna brasileira, a valorização da figura de Lúcio Costa e do episódio do

Ministério da Educação, bem como a reafirmação do advento inesperado e súbito

dessa renovação, acabam por colapsar o entendimento de processo coletivizado e

perpetuar a mesma versão restritiva do fenômeno.

Quanto à filiação corbusiana dessa arquitetura brasileira, Mindlin não abre

espaço para dúvidas, e acaba por induzir sua exclusividade através das escolhas

das obras apresentadas em sua publicação. Sobre a estadia de Le Corbusier em

1936 e sua estreita colaboração com a equipe responsável pelo novo projeto para o

edifício ministerial sob o comando de Gustavo Capanema, comenta: “Sua estada no

Rio teve, portanto um enorme valor instrutivo e uma inesquecível e duradoura

influência” (MINDLIN, 1999, p. 28).

Em relação à especificidade da arquitetura nacional, mesmo atento às buscas

da “brasilidade” dos movimentos artísticos da época no país, como supracitado, as

falas desse arquiteto ecoam a interpretação norte-americana. Tanto para Mindlin

como para Goodwin o destaque e o interesse das soluções brasileiras estavam

menos na plasticidade ou na conexão com um passado colonial e mais na

capacidade técnica e inventiva do uso de artifícios e elementos construtivos para

adaptação da nova arquitetura ao clima tropical. Os edifícios e seus ângulos

colocados na capa são sintomáticos na explicitação dessa argumentação. Nessa

capa também fica bem evidente a centralidade do processo de projetação do

Ministério da Educação para a nova arquitetura brasileira na versão desse autor.

193
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 42 – Capa do livro Arquitetura Moderna no Brasil, vale observar que a capa da publicação de 1956 foi mantida na
tradução brasileira de 1999. Fonte: MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano, 1999.

194
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A versão de Geraldo Ferraz (1905-1979) em “Warchavchik e a introdução da

Nova Arquitetura no Brasil: 1925 a 1940” de 1965 é sem dúvida a mais dissonante

das falas sobre a formação da arquitetura moderna brasileira. Motivada pela

indignação desse autor com o alcance da trama que tinha se tornado oficial, na qual

apenas os feitos especialmente de Lúcio Costa e o pequeno grupo carioca ligado a

ele mereciam os louvores do pioneirismo da iniciação do país à arquitetura moderna.

Benedito Geraldo Ferraz Gonçalves foi escritor, jornalista e crítico de arte e

arquitetura de orientação modernista. Procedente de família muito pobre, Ferraz

ficou órfão aos 10 anos118. Autodidata teve sua carreira sempre vinculada ao meio

gráfico – de entregador da “Magone” à redator do “Diário da Noite” e do “Diário

Nacional” – esse autor ocupou importante lugar na cena jornalística cultural em

meados do século XX119. Em 1928 foi convidado por Oswald de Andrade para os

Salões de Tarsila do Amaral e tornou-se atuante membro do grupo modernista

paulista, bem como frequentador de uma alta elite paulistana. Casou-se com a

jornalista e escritora Patrícia Galvão, a Pagu, em 1940 e nos anos 60 após ficar

viúvo juntou-se a pintora Wega Nery, com quem compartilhava a “Ilha Verde”, uma

casa projetada por Warchavchik no Guarujá. Conviveu intensamente com Sérgio

Milliet, Mário de Andrade, Mário Pedrosa, Raul Bopp, Plínio Salgado e Di Cavalcanti,

dentre muitas outras figuras importantes no campo da cultura no Brasil. Foi membro

fundador dos periódicos “Correio da Tarde”, “O Homem Livre” e “Vanguarda

Socialista” e chegou a secretariar a “Revista de Antropofagia”.

Na revista “Habitat”, fundada por Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, Ferraz

teve uma coluna em 1956 desenvolvida em seis números denominada

118
Quando perdeu a mãe que faleceu pouco depois da morte do pai e chegou a morar num cortiço com a avó.
119
Vide NEVES, Juliana. Geraldo Ferraz e Patrícia Galvão: a experiência do Suplemento Literário do Diário de S. Paulo
nos anos 40. São Paulo: Annablume, 2005.
195
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“Individualidades na atual história da Arquitetura no Brasil”, na qual escreveu sobre

Warchavchik, Reidy, Levi, os irmãos Roberto, Lúcio Costa e Burle Marx,

respectivamente. Segundo Merli e Cappello na sequencia desses artigos “Ferraz

traça um roteiro quase cronológico” (2011, p. 5). Nesse sentido a própria ordem de

publicação dos artigos teria um sentido de narrativa histórica sobre a renovação da

arquitetura no país e o papel que coube a cada um desses arquitetos nesse

processo. Esses artigos, de certa maneira, davam desdobramento à polêmica de

1948 sobre os pioneiros da “nova” arquitetura no Brasil travado entre Ferraz e Costa,

da qual o livro “Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a

1940” também pode ser considerado descendente. Essa publicação, por outro lado,

pode ser lida como fruto do engajamento de um modernista paulista e repórter

investigativo, num empenho particular para registrar e marcar o papel inaugural de

São Paulo na empreitada da renovação da arquitetura no Brasil.

Nesse livro o jornalista paulista – num louvável esforço de pesquisa coleta

vasta documentação, e numa hábil argumentação sobre o caráter internacional da

nova arquitetura – constrói uma narrativa em que afirma em altos brados o

pioneirismo na formação da arquitetura moderna no Brasil de um imigrante, Gregori

Warchavchik, na efervescente capital do estado de São Paulo.

Com prefácio de Pietro Maria Bardi, a organização do livro se dá em duas

partes: a primeira nomeada “Warchavchik e a nova arquitetura” e a segunda “A obra

de Warchavchik”. Na primeira parte com 34 páginas predomina o texto escrito e são

poucas as ilustrações, das quais a maioria são documentos também escritos –

recortes de jornais e periódicos, cartas e manifestos que mostram artigos do próprio

Warchavchik ou textos relacionados a ele de algum modo, enfatizando o caráter

documental de comprovação histórica da narrativa do jornalista. As imagens


196
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

figurativas que acompanham o texto são: duas fotos e um desenho da fachada da

casa do arquiteto na Rua Santa Cruz, uma caricatura da 38ª Exposição Geral da

ENBA em 1931 e uma charge de 1929 que havia saído no número especial

dedicado à arquitetura da Revista “Ilustração Brasileira”. Quase no final dessa parte

o jornalista ainda acrescenta, no último momento antes da impressão da publicação

em páginas com numeração especial, o episódio da comemoração dos 40 anos do

manifesto de autoria do arquiteto “Acerca da Architectura Moderna” e da

homenagem a seu autor acompanhado pela integra desse texto.

Figura 43 – Charge da Revista Ilustração Brasileira de setembro de 1929 dedicada a Arquitetura e a Artes Afins,
que ilustra o livro de Ferraz. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil;
1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965, p. 34.

197
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em sua narrativa, Ferraz constrói uma trama de horizonte mais alargado para

a instauração da nova arquitetura no Brasil. Essa narrativa começa por compreender

o contexto e o caráter internacional desse movimento arquitetônico, os enlace da

nova forma de expressão com a era das máquinas e da industrialização no mundo

ocidental, para só então chegar aos acontecimentos nacionais. Aponta a atuação de

Warchavchik e seus esforços para introduzir uma nova arquitetura no país, como

também enfatiza o reconhecimento no exterior por parte de arquitetos e instituições

modernistas do trabalho do ucraniano em terras tropicais, dando ênfase à escolha

de seu nome para delegado da América do Sul junto aos CIAM.

Na segunda parte, com 180 páginas, predominam as ilustrações, onde a obra

do arquiteto é fartamente mostrada em peças gráficas e fotos – desde alguns

trabalhos de estudante até o projeto classificado em segundo lugar no concurso de

1939 para o Paço Municipal de São

Paulo. Aparecem obras construídas,

projetos arquitetônicos, peças de

mobiliário, cartazes, perspectivas, que

tanto no tipo de desenho como nos

enquadramentos das fotos reiteram as

formas modernistas e reforçam uma

nova cultura visual. Até mesmo na

maneira de diagramação revela-se o

traço modernista. Os desenhos são

limpos e bem geométricos. Nas fotos

há sempre uma luz radiante que

Figura 44 – Foto de Lúcio Costa, Frank Lloyd W right e Gregori


Warchavchik que abre o livro de Ferraz. Fonte: FERRAZ, G. 198
Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil;
1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965, s/p.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

enfatiza as formas puras, mas raríssimas são as vezes que aparecem pessoas,

apenas retratadas quando interessa mostrar determinado grupo como a célebre foto

de Frank Lloyd Wright, Lúcio Costa e Gregori Warchavchik que abre o livro ou o

registro da visita dos membros do “Congresso de Habitação” de 1931 à residência

de Luiz da Silva Prado projetada pelo arquiteto ucraniano.

Figura 45 – Páginas do livro de Ferraz que apresentam a casa Silva Prado Neto. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a
introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965,pp.120 e 121.

Entre a generosa quantidade de imagens da segunda parte, além das

legendas explicativas, o jornalista salpica pequenos escritos seus e extratos de

artigos e depoimento de personalidades nacionais e estrangeiras120 que destacam a

atuação de Warchavchik em jornais e revistas. Interessante notar que há inclusive

trechos de textos de Lúcio Costa, que da maneira que são recortados e colocados

reforçam o discurso do paulista e se afastam completamente do sentido de seus

120
Como Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Flávio de Carvalho, Cristiano das Neves, Richard Neutra, Le Corbusier,
Alberto Sartoris e Menotti Del Picchia, dentro vários outros.
199
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

textos originários. Também estão postos nessa parte textos do arquiteto como parte

do relatório para o CIAM de 1930 e o artigo “Arquitetura Viva” publicado em “O

Jornal” de 01/11/1931. No final, para reforçar a importância da figura de

Warchavchik e ainda mais o caráter documental e historiográfico de seu texto,

Ferraz reproduz uma série de documentos diversos em línguas estrangeiras

endereçados ao arquiteto e uma carta de Lúcio Costa vinculada à outra de Le

Corbusier. Há também uma capa da Revista “L’HOMME ET L’ARCHITECTURE”

com o desenho do prédio de apartamentos na Alameda Barão de Limeira em São

Paulo do arquiteto.

Figura 46 – Página do livro de Ferraz que apresenta a capa da revista francesa


L’homme et l’architecture com o edifício de Warchavchik. Fonte: FERRAZ, G.
Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São 200
Paulo. MASP. 1965,p.237.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A fala do jornalista teve pouco alcance e nenhum tipo de resposta que desse

maior visibilidade a suas argumentações, para além do orgulho paulista. A

dissonância de Ferraz se dá em primeira linha no deslocamento do período, do lugar

e do agente da instauração da arquitetura moderna em território nacional.

Pouco interessante para a verve nacionalista que a Era Vargas havia legado à

cultura brasileira, a fala desse paulista, foi praticamente esquecida, provavelmente

por desnacionalizar a gênese de um movimento tão caro a tal legado. Ao transladar

a instauração da nova arquitetura para fora da capital do país, do coração da nação,

e atribuí-la a ação não de um cidadão brasileiro, mas de um imigrante estrangeiro de

origem ucraniana, descendência pouco significativa na constelação das

descendências europeias, o paulista desarticulava toda uma trama que conectava

modernismo, brasilidade, modernização e nacionalismo. Recuar o momento

instaurador para a década anterior e desvinculá-lo da conexão com a Revolução de

1930 e da fundação do “novo Brasil” avivava ainda mais essa desarticulação.

Esse formato não pareceu interessar ao orgulho nacional instituído pela

história do Estado Novo e seus heróis, tão pertinente a outro governo militar que

acabava de tomar novamente o poder 121. Por outro lado, a trama desse jornalista

cometia o sacrilégio de retirar a arquitetura moderna produzida no Brasil do hall das

excepcionalidades milagrosas e inseri-la no bojo internacional da arquitetura

ordinária do século XX, da era da máquina e da industrialização.

Mais um fator que corrobora com a exclusão dessa publicação do elenco das

narrativas capitais sobre o assunto é sua restrição aos primeiros anos da atuação do

arquiteto ucraniano. Embora evidencie a parceria profissional entre Costa e

121
O livro de Geraldo Ferraz é publicado no ano seguinte ao Golpe de 1964 e à instauraç ão da Ditadura Militar, período pouco
propício a qualquer tipo de dissonância. Num momento de tensão e conflito, logo seguido pelo mergulho em silêncio forçado
imposto ao cenário cultural brasileiro, a publicação de Geraldo Ferraz parece ter sido propositalmente esquecida e
intencionalmente apagada da historiografia nos anos 60.
201
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Warchavchik e sua atuação como professor na ENBA sob a direção de seu sócio,

Ferraz não se aventura a conectá-lo aos desdobramentos da arquitetura brasileira

após os anos 40, quando ela ganha maior vulto. E assim, sistematicamente presente

nas narrativas sobre o tema, o papel de Warchavchik, com maior ou menor

destaque, se manteve no tempo dos antecedentes, no momento da “sucessão

desconexa de episódios contraditórios (...) destituídos de maior significação”

(COSTA, 1951, p.1) no qual Lúcio Costa o colocou.

Embora pautada na divergência, a versão de Ferraz, primeiro não arquiteto a

escrever sobre acontecimentos históricos da arquitetura moderna, tem em comum

com a trama costiana a afirmação que a introdução da nova arquitetura no país foi

um advento súbito e inesperado, fruto de um heroico empenho individual – mesmo

que o herói seja outro. Mantém-se a ideia de uma instauração e não de um processo

de maturação mais coletivo e menos acelerado do que o defendido em todas as

falas referidas até então, agora sem nenhuma exceção.

Figura 47 – Recepção na Casa Modernista, reunindo Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Raul


Bopp, Flávio de Carvalho, Anita Malfaltti entre outros. Fonte: FERRAZ, G. Warchavchik e a
introdução da nova arquitetura no Brasil; 1925 a 1940. São Paulo. MASP. 1965,p.57. 202
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“Quatro Séculos de Arquitetura” livro publicado em 1981 pelo IAB, como

primeiro de uma coleção do Instituto que visava cumprir uma política de afirmação

da profissão através também da “produção do conhecimento em sua área específica

de atuação” (SANTOS, 1981, p. 03), foi originalmente uma palestra ministrada pelo

arquiteto Paulo Santos (1904-1988) no ciclo de conferências organizado pela

Universidade do Brasil para comemorar o 4º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro

em 1965 e transformado na coletânea “Quatro Séculos de Cultura”, publicada no

ano seguinte 122 . Essa narrativa ímpar na historiografia brasileira tem como autor

alguém que funde na mesma fala as construções imersas no calor dos

acontecimentos de quem vivenciou ativamente o momento de renovação da

arquitetura no país e a tentativa de interpretação distanciada de um pesquisador e

professor responsável pela cadeira de “Arquitetura no Brasil”.

Paulo Ferreira Santos nasceu no Rio de Janeiro e era sobrinho do médico

sanitarista Oswaldo Cruz. Formou-se arquiteto em 1926 pela Escola Nacional de

Belas Artes, onde foi colega de turma de Paulo Antunes, Paulo Camargo e Paulo

Pires com quem montou escritório em 1927 e o manteve até o fim de seus dias.

Como muitos colegas de seu tempo teve múltiplas frentes de atuação e além do

escritório de arquitetura, foi membro atuante na luta pela classe profissional,

chegando a vice-presidente do IAB em 1931, foi sócio benemérito do Instituto

Histórico e Geográfico do Brasil, membro do Conselho Consultivo do SPHAN, filiado

ao “Comité International d’Histoire de l’Art” de Paris e um dos membros fundadores

do Comitê Brasileiro de História da Arte. Como professor sua atuação começou

ainda nos anos 30, quando ministrou várias disciplinas vinculadas ao campo da

122
Esse texto parece ter sido importante nas pesquisas de Yves Bruand para sua tese de doutorado que deu origem ao livro
“Arquitetura Contemporânea no Brasil”. Na bibliografia junto à referência dessa coletânea encontra-se a seguinte observação:
“Estudo muito importante de Paulo F. SANTOS, “Quatro Séculos de Arquitetura”, p. 43 a 202, sendo 70 p. sobre o século XX”
(BRUAND, 1981, p. 387).
203
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

arquitetura no curso de Arte Decorativa, na Escola Técnica do Exército e na Escola

Nacional de Engenharia. Em 1932 participaria da comissão liderada pelo professor e

arquiteto Arquimedes Memória para reforma do Curso de Arquitetura da ENBA, que

entraria logo em vigor e permaneceria até 1945, quando foi fundada a Faculdade

Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Nessa instituição em 1946 foi

criada a cadeira de “Arquitetura no Brasil” e desde então, primeiro como catedrático

interino e depois efetivado por concurso público em 1951, Paulo Santos foi o

professor dessa disciplina, cargo que ocupou até sua aposentadoria em 1969 como

professor emérito e catedrático. “A Arquitetura Religiosa em Ouro Preto” foi o título

de sua tese doutoral defendida em 1949.

Em “Quatro Séculos de Arquitetura” Santos traça um quadro da arquitetura e

do urbanismo no Brasil, mais amplo e de caráter menos linear e evolucionista que

aquele da trama costiana. Dividido em Período Colonial, Período Imperial e Período

Republicano, a narrativa tece um panorama rico que mescla apontamentos do

contexto social, político e econômico com os episódios no campo das artes e com

mais atenção e detalhes as realizações e acontecimentos no campo da arquitetura e

da cidade123. Sua narrativa tem como centro a cidade do Rio de Janeiro, mas faz

várias pontes e extensões com os eventos em outras partes do país. Apesar de se

deter com razoável equilíbrio na distribuição do espaço dado a cada período,

inclusive às obras do ecletismo, Santos não se eximi de expor sua avaliação crítica

das expressões de cada momento. Como modernista é mais ácido com as demais

vertentes arquitetônicas do século XX e menos com as expressões do movimento

moderno ao qual se vinculava.

123
Interessante perceber que ao longo da narrativa de Paulo Santos os episódios da história da arquitetura e do urbanismo vão
sempre sendo conjuntamente pontuados. Formato que possibilita uma melhor condição de compreensão da interação em
compasso ou descompasso entre eles em cada momento histórico.
204
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em relação às imagens essa fala de Santos tem condição particular. Isto

porque se deu primeiro como palestra, provavelmente repleta de slides como ele

induz em sua afirmação na nota introdutória do livro: “os slides, constituíam, como

numa história em quadrinhos, o principal da palestra” (SANTOS, 1981, pp. 11-12).

Sobre a publicação de 1981 Paulo Santos lamenta a perda da abundância das

imagens e a perda do protagonismo delas:

Infelizmente, o defeito maior é o da falta de ilustrações (...) defeito que espero


algum dia possa ser suprido, se alguém capacitado quiser incumbir-se disso,
realizando uma co-autoria que poderia ser proveitosa ao trabalho (SANTOS,
1981, pp. 11-12).

Em pé de página coloca que a seleção das fotografias foi feita por ele naquela

edição. Suas observações em relação às imagens indicam por um lado a

importância que ele dava a essa questão e por outro uma prática que passou a ser

comum nas narrativas dai por diante – a predominância da escrita e o uso das

imagens como exemplificação de algo já ressaltado na narrativa textual, porém sem

força expressiva significativa. No total são 51 imagens em preto e branco, em sua

grande maioria fotos, com alguns poucos desenhos antigos ou plantas, de resolução

razoável, dispostas ao longo do texto, mas nenhuma de página inteira. São 17

ilustrações do Período Colonial, 14 do Imperial e 20 do Republicano, dessas últimas

apenas 05 referentes a obras modernistas, a saber: primeiro a Sede da ABI ao lado

da Obra do Berço, depois a Sede do Ministério da Educação, um detalhe da fachada

do Edifício Bristol do Parque Guinle e por último a Sede da Sotreq.

205
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 48 – Página do livro de Paulo Santos em que aparece o Ministério da Educação e Saúde. Fonte: SANTOS,
Paulo, Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro: IAB, 1981, p 114.

206
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O destaque fica para a capa com uma foto de Marcel Gautherot do centro do

Rio de Janeiro que mostra em seu enquadramento a sobreposição dos tempos da

cidade na contraposição entre o moderno edifício vertical da Sede do Ministério da

Educação e a Igreja de Santa Luzia, originária do século XVI, que após intervenções

modernizadoras chega à feição neoclássica da imagem; mais ao fundo uma

pequena ponta da Sede do Ministério do Trabalho. Esta mesma foto já havia sido

utilizada por Mindlin na folha de rosto de “Arquitetura Moderna no Brasil” em página

inteira. Em certa medida a imagem parece sintetizar o pensamento de Santos entre

relevância da história e pujança do modernismo na arquitetura e na cidade.

Figura 49 – Capa do livro de Paulo Santos. Fonte: SANTOS, Paulo, Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de
Janeiro: IAB, 1981, p 234-235.

207
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Apesar do enorme respeito e reverência a figura de Lúcio Costa

explicitamente revelada nas várias vezes e modos que ele é citado no texto de

Santos e da coincidência de muitos episódios, a trama construída por esse autor

para explicar a formação da arquitetura moderna no país tem uma divergência

central da trama costiana. Mesmo que na sutileza de sua construção não fique

evidente para um leitor menos atento a questão, para Santos esse momento

renovador não foi nem milagroso nem tão repentino, mesmo que na sua leitura

tenha sido uma explosão. No espaço dado aos acontecimentos das três primeiras

décadas do século XX e a concatenação (mesmo que não evolutiva) que dá a esses

acontecimentos, esse autor tece um panorama bem mais complexo e de importância

central como formador das condições de possibilidade que permitiram o que ele

nomeou de “Eclosão do Movimento Moderno”. Nessa narrativa, já bem distinta da

fala costiana que desqualifica todos os episódios que precederam a “milagrosa e

instauradora construção da Sede do Ministério da Educação”, Santos dá mais

matizes à história da formação da arquitetura moderna brasileira quando acende

mais luzes sobre a remodelação do Rio de Janeiro por Pereira Passos e seus

colaboradores; na relevância que dá aos episódios do neocolonial (incluindo o que

ele nomeou “o Saldo Positivo do Neocolonial” e o “Conflito entre o Movimento

Neocolonial e o Moderno” 124); a importância destacada que dá a Warchavchik – “A

grande figura do Movimento Moderno na Arquitetura da década 20-30” (SANTOS,

1981, p. 97) e demais figuras “dos primórdios do MODERNISMO” (SANTOS, 1981,

p. 97) Flávio de Carvalho, Baldassini e Buddeus; a relevância da Exposição de Arte

Decorativa em Paris de 1925; a vinda de Agache; e finalmente a primeira visita de Le

Corbusier.

124
Estes são subtítulos que nomeiam: o primeiro o item “Da Proclamação da República à Revolução de Trinta” e o segundo o
item “Da Revolução de Trinta à Eclosão do Movimento Moderno”, ambos da terceira parte “Período Republicano”.
208
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Esse autor dá uma versão sobre essa “eclosão” sutilmente distinta da trama

costiana. Ela teria início na Revolução de Trinta – a responsável por colocar “os

moços no comando” (SANTOS, 1981, p. 103). É assim que explica a nomeação de

Lúcio Costa para a direção da ENBA por indicação de Manuel Bandeira a Rodrigo

Melo Franco de Andrade. A construção do Ministério da Educação já estaria num

segundo momento desse movimento renovador e não seria “o momento

instaurador”. Entre esses dois momentos supracitados outros episódios de destaque

no Movimento Moderno tem lugar: a reforma da ENBA e a centralidade do papel de

Warchavchik e Buddeus com seus novos ensinamentos de “efeitos bombásticos”

sobre os alunos de arquitetura, bem como os demais professores das outras áreas

como Leo Putz e Celso Antônio; a vinda de Frank Lloyd Wright e o importante

impulso que seus pronunciamentos deram ao movimento; as primeiras obras de

Affonso Eduardo Reidy e Gerson Pompeu Pinheiro, bem como as de Wladimir Alves

de Souza, Enéias Silva e Paulo Camargo; o Salão de Arquitetura Tropical; os

desenvolvimentos do urbanismo; por fim a regulamentação da profissão do arquiteto

e sua equiparação ao engenheiro. Nos episódio em que Lúcio Costa participa, sua

figura é sempre exaltada, mas Santos também narra outros eventos que não eram

vinculados ao mestre franco-brasileiro. Assim o acréscimo desses outros fatos bem

como de outros tantos arquitetos não só ampliam a trama histórica como também

dão maior coletividade ao processo de renovação.

No que Santos chamou de segunda fase, o momento instaurador costiano se

tornou o ponto de inflexão final e abertura para um terceiro momento, antecedido

pela muitíssimo ressaltada vinda de Le Corbusier e os vários níveis de atuação,

assim como sua influência na arquitetura e no urbanismo no Brasil. Nessa fase o

autor destaca também o papel do texto “Razões da Nova Arquitetura” de Lúcio

209
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Costa, as construções da Sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da

Obra do Berço e chama a atenção para outras tantas realizações para além do

especial episódio do Ministério da Educação. A terceira fase então seria do

Complexo da Pampulha, precedido pelo Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York,

até Brasília e a última fase se daria de Brasília em diante.

Na fala de Paulo Santos o protagonismo de certos episódios e a

excepcionalidade das realizações de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer são apontados,

mas, ao mesmo tempo, dividem com outros arquitetos e outras realizações os

papeis centrais nos acontecimentos que caracterizaram a formação e disseminação

do movimento moderno no país. Como Mindlin já havia acenado reforça em sua fala

a condição mais coletiva e não tão restrita a um único e ínfimo grupo ligado a Lúcio

Costa nesse processo de renovação. Condição que pode ser lida, por exemplo, no

desfecho de seu texto, no qual coloca a ABI e o Ministério da Educação em pé de

igualdade e mesmo lugar na síntese final que denominou “O Caminho Percorrido”:

Na ABI e no Ministério da Educação, é nítida a afirmação da independência da


estrutura, que aparece desnuda em todo o edifício; a alvenaria, os panos de
vidro, o brise-soleil têm cada qual sua função própria, sem o encargo de suportar
a não ser seu próprio peso; a planta e as elevações são resolvidas em razão das
conveniências funcionais e plásticas, sem subordinação à estrutura, mas nas
plantas predominam a contenção regular dos traçados (SANTOS, 1981, p. 118).

Em comum com a trama costiana, Paulo Santos afirma a esmagadora filiação

corbusiana da arquitetura moderna brasileira e revelando sua verve modernista é

absolutamente enfático e entusiástico nas passagens que se refere a Le Corbusier:

A vinda do genial arquiteto franco-suíço em dezembro de 1929 foi


indubitavelmente o fato capital da década de 1920-1930. (...)
Assistimos às conferências. Cerca de duas horas cada uma. Lógica implacável.
Lucidez total. A maioria de nós ouvimo-lo perplexos. (...)
Parte Le Corbusier, mas ficam as suas idéias, para o estudo das quais se formou
de 1931 a 1935 um reduto purista de jovens arquitetos – a informação é de Lúcio
Costa – que estudava também as realizações de Gropius e Mies Van der Rohe,
mas, numa espécie de culto a um autêntico gênio, considerava a doutrina e a

210
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

obra de Corbusier “não como um exemplo entre tantos outros, mas como o Livro
Sagrado da Arquitetura” (SANTOS, 1981, pp. 100-101).
(...)
Junho de 1936. Chega Le Corbusier. Momento culminante para a história da
nossa arquitetura. Impacto vigoroso sobre os moços, frente a um dos mais
proeminentes apóstolos de um mundo novo. (...)
A atuação de Le Corbusier foi absolutamente fundamental (SANTOS, 1981, p.
109).
Mesmo que tenha ampliado o grupo, assim como Lúcio Costa, Santos é

bastante incisivo na afirmação da exclusividade e hegemonia carioca:

Ainda que o Movimento Moderno nos 35 anos já decorridos revele admirável


unidade, traduzida num objetivo principal: o de integrar a arquitetura e o
urbanismo nas novas condições técnicas, econômicas e sociais impostas pela
Revolução Industrial – ainda assim é possível distinguir dentro dessa unidade a
existência de fases, cada uma das quais sem negar a precedente ou contrariar
aquela meta principal, incorporando novas formas de expressão que têm
constituído etapas da escalada por uma liberdade maior: 1ª) Fase de
implantação (ou “heróica” na interpretação de Warchavchik): da posse de Lúcio
em 1930 na direção da ENBA à vinda de Le Corbusier; 2ª) Da vinda de Le
Corbusier em 1936 e início da construção do Ministério da Educação e Saúde à
Pampulha (1941), esta precedida do projeto para o Pavilhão do Brasil na Feira
de Nova Iorque (1939) que pode ser tido como obra de transição; 3ª) Da
Pampulha (1939-1941) a Brasília (1957-1961); 4ª) Iniciada com Brasília (1957...).
As duas primeiras fases tiveram como palco a cidade do Rio de Janeiro; as duas
seguintes se processaram fora do Rio, mas por obra predominante de arquitetos
cariocas, diplomados aqui, militando aqui, que daqui irradiaram suas idéias para
todo o Brasil e para fora do Brasil, situando o Rio como um dos focos da
arquitetura (SANTOS, 1981, p. 103).

Essa passagem que acaba por sintetizar o processo de renovação no olhar

de Paulo Santos pode induzir em leituras rápidas e menos atentas a um

entendimento simplificado dessa trama e reduzida à trama costiana que não

corresponde à totalidade da narrativa do autor de “Quatro Séculos de Arquitetura”.

Porém mesmo que parcialmente, e especificamente por serem seus pontos de

inflexão os mesmos fatos eleitos por Lúcio Costa em suas falas, somados a muitos

outros pontos de tangência entre esses dois arquitetos modernistas, a trama

costiana mantem certos ecos ainda muito fortes na versão de Paulo Santos. Como

nas construções costiana, com uma franqueza ainda mais cortante, Santos situa a

211
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

especificidade do movimento moderno brasileiro na liberdade e excepcionalidade

plástica:

No Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York e na Pampulha persistem essas


mesmas idéias, mas as formas curvas livremente traçadas, em planta e
elevação, predominam no conjunto infundindo a idéia de liberdade total; a
qualidade plástica é a nota do conjunto. (SANTOS, 1981, p. 118)

Infelizmente esse livro de Paulo Santos, que tão bem aponta certas

contradições e descontinuidades na formação da arquitetura moderna no Brasil,

além de alargar o horizonte de suas narrativas históricas, é bem menos conhecido e

teve bem menor repercussão que “Arquitetura Contemporânea no Brasil”, a versão

em português de um trabalho de grande fôlego originalmente em língua francesa do

mesmo ano125.

A tese doutoral do paleógrafo Yves Bruand (1926-2011) apresentada à

Universite de Paris IV em 23 de dezembro de 1971 e publicada em 1973 126 ,

traduzida para o português quase dez anos depois em 1981 é ainda hoje, como

afirma Nelci Tinem “o livro que apresenta o percurso mais exaustivo e sistemático da

literatura existente sobre o tema” (TINEM, 2002, p. 38).

Yves Bruand nasceu na França, formou-se arquivista paleógrafo pela École

Nationale des Chartes em 1951 e logo enveredaria pela pesquisa no campo da

história da arte. Vai para a École Française de Rome membro das 78ª e 79ª turmas

(1952-1953 e 1953-1954) e na École des Hautes Études Hispaniques et Ibéquis foi

125
A disparidade da repercussão entre os dois livros pode ser em parte medida pela enorme quantidade de exemplares do livro
de Yves Bruand disponível nas bibliotecas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo em todo o país e a ínfima quando existente
do exemplar do livro de Paulo Santos. Numa rápida pesquisa só nos cursos situados em Salvador, por exemplo, na biblioteca
da UFBA são 21 exemplares de Yves Bruand (mais um exemplar de dois dos três tomos do original em francês) e nenhum de
Paulo Santos (nem mesmo para consulta no local); na biblioteca da UNIFACS são 11 exemplares doe Bruand e nenhum de
Santos. Ao verificar em outro estado o mesmo acontece, na biblioteca da UFMG são 12 exemplares do Bruand e 2 de Santos.
126
A tese de Yves Bruaand “L’architecture contemporaine au Brésil” foi publicada pelo Service de Reproduction des theses /
Universite de Lille III, em três tomos, sendo os dois primeiros de texto escrito e o terceiro exclusivamente de ilustrações.
212
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

da 45ª turma (1954-1955). Fruto de sua investigação nesse período publica “La

restauration des sculptures antiques du Cardinal Ludovisi (1621-1623)” em 1956.

A relação desse professor francês com o Brasil e as expressões da arte

produzidas no país se daria bem antes do início de suas pesquisas específicas para

sua tese sobre a nova arquitetura em terras brasileira. No início da década de 60, ele

era o responsável pelas áreas de Metodologia e Teoria da História e Paleografia 127

da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-

USP) onde ministrou junto ao Departamento de História uma disciplina optativa

sobre história da arte – segundo Walter Zanini teria sido este o primeiro momento de

aprofundamento desse campo disciplinar na USP 128.

Em 1966 Bruand publicava o artigo “Baroque et rococó dans l’architecture de

Minas Gerais”, mas foi “L’architecture contemporaine au Brésil” que inscreveu com

destaque o nome do francês na história da arte e da arquitetura brasileira, bem como

foi essa publicação um ponto de inflexão decisivo para a historiografia no campo da

arquitetura moderna no país. Bruand foi o primeiro a construir uma ampla narrativa

histórica sobre as circunstâncias e condições de produção da nova arquitetura no

Brasil, pautada em vasta documentação – em especial diversos artigos de revistas

especializadas129 de um ponto de vista distanciado. Sua tese foi, portanto, a primeira

fala cujo narrador não era mais partícipe de nenhum dos episódios narrados, sem

qualquer envolvimento direto com os acontecimentos – mesmo que tenha optado

pelo termo contemporânea para nomear a arquitetura que investigava e não nova ou

127
Yves Bruand é mais um professor francês que dá continuidade à prática da FFCL-USP de trazer professores europeus para
estruturar certos campos disciplinares. Prática que tem início na fundação da FFCL-USP nos anos 30 quando uma missão de
professores europeus, especialmente franceses vem para a capital paulista ajudar a organizar sua estruturação. Dentre eles se
encontravam o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o historiador da Escola dos Annales Fernand Braudel, o sociólogo Roger
Bastide, o sociólogo Paul Arbousse Bastide, o filósofo Jean Maugüe, entre outros.
128
Vide ZANINI, Walter. Arte e História da Arte. In: Estudos Avançados. São Paulo: USP, vol. 8, n. 22, set./dez. 1994.
Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141994000300070&script=sci_arttext. Acesso: 27 de agosto de
2013 às 16:08.
129
Ressalta-se que a Revista A CASA, uma das fontes principais desse trabalho não foi alvo das investigações de Bruand e
permaneceu fora do interesse dos pesquisadores sobre o tema até bem recentemente.
213
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

moderna. Provavelmente essa opção se deu pelo entendimento do autor de que as

formas de expressão da arquitetura correntes no Brasil no momento de sua fala

seriam desenvolvimentos contínuos do que ele mesmo nomeou “A transformação

decisiva” (BRUAND, 1981), em sua narrativa sobre tal processo de renovação.

Apesar de ainda não superada a vastidão dessa fala e sua condição

referencial sobre o tema, alguns limites dessa narrativa devem ser pontuados como

o faz com bastante precisão Nelci Tinem:

(...) essa amplitude é sua principal qualidade, é também, sua debilidade: ao


reunir diferentes versões acaba por se contradizer no interior do texto, inclusive
porque não se propõe a debater as contradições contidas nos textos
consultados, afirmando como elemento homogeneizador a influência francesa
e os parâmetros clássicos presentes na obra de Le Corbusier. (2002, p. 41).

Por outro lado, o supracitado elemento de homogeneização, a estrutura do

texto e a mensagem geral revelam o forte eco da fala costiana e o predomínio de

sua trama na pesquisa do autor francês, evidenciadas também na generosa e

elogiosa quantidade de citações à Lúcio Costa e suas obras – entre textos, projetos

e realizações. A tangência dos interesses desses dois autores pode ser em parte

explicada pelo entendimento de ambos da arquitetura em primeiro lugar como

expressão artística e a primazia dessa leitura como central quesito de qualificação

da produção arquitetônica. Se as falas de Lúcio Costa se davam num campo de

batalha em busca da afirmação de uma vertente arquitetônica, a fala de Bruand,

mais que a constatação da conquista da hegemonia do campo, foi o reconhecimento

e a valorização definitiva da qualidade artística de tal vertente. Assim a perpetuação

da trama costiana em Bruand não deve ser lida como uma repetição pueril da trama

de Lúcio Costa. O autor francês traça uma narrativa que como historiador de arte

tem seu interesse privilegiado nas formas expressivas da arquitetura como formas

plástica no campo das artes. Sua investigação que também é respaldada pelos
214
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

métodos da paleografia, buscou compreender as condições de produção das

soluções que para ele haviam atingido grande excepcionalidade no que se refere à

qualidade plástica. Na percepção de Bruand as obras e os fatos que mereciam

atenção coincidiam, quase inteiramente, com aqueles narrados por Costa ou ligados

de alguma maneira à vertente arquitetônica por ele defendida.

Também nos parece bastante natural a reiteração de um pesquisador francês

da descendência cultural francesa em outro país, condição que no Brasil não se

pode negar a grande parcela de veracidade. Portanto, são muitas as aproximações

da construção narrativa entre Bruand e Costa que ultrapassam a simples

perpetuação de certa trama. Mais que isso a fala do paleógrafo acaba por consolidar

com a alta potência de uma fala estrangeira e especificamente francesa, a versão da

“milagrosa” formação da nova arquitetura no Brasil, que passa a partir daí a consistir

em indiscutível verdade histórica.

A narrativa de Yves Bruand, além da introdução e da conclusão se divide em

três partes: Do ecletismo sem originalidade à afirmação internacional da nova

arquitetura brasileira (1900-1945); A maturidade da nova arquitetura brasileira:

unidade e diversidade; e Arquitetura e Urbanismo. Cada uma das partes

subdivididas em vários itens e subitens na tentativa de uma aproximação fina dos

vários acontecimentos, atores e obras que julgou determinantes para o campo

arquitetônico moderno brasileiro. Bruand, apesar de se deter com mais vagar e

detalhamento em cada episódio, segue o mesmo encadeamento do texto de Lúcio

Costa em 1951 e só não tem exatamente o mesmo recorte temporal porque ambos

se propõem a discorrer sobre a arquitetura brasileira do século XX até a

contemporaneidade, sendo que um é escrito praticamente duas décadas depois do

outro. Assim os maiores acréscimos à fala consagrada do arquiteto carioca estão no


215
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

desenvolvimento da arquitetura nos vinte anos que se seguiram ao escrito de Costa.

Obviamente que os preâmbulos, premissas e aprofundamentos de uma tese de

doutorado são diversos dos de um artigo de jornal, mas a maioria dos elos e dos

nexos é similar.

Ambos começam por destacar o digno início da renovação erudita da

arquitetura no país com o neoclássico da Missão Francesa; desqualificam o

ecletismo e as tentativas de modernização do “Art Nouveau”; reconhecem a tentativa

do neocolonial, mas pontuam seu equívoco; abordam os acontecimentos pontuais

nos anos 20 e 30 na tentativa de modernizar a arquitetura; não se referem

especificamente ao “Art Deco”; e finalmente situam no episódio da Sede do

Ministério da Educação e Saúde Pública, especialmente com a vinda de Le

Corbusier em 1936, o surgimento de uma expressão moderna e nacional.

Há efetivamente uma diferença no tratamento dos acontecimentos da década

de 20 e inícios dos anos 30 – no que Bruand denomina “As premissas da

renovação” (BRUAND, 1981) – para os episódios contraditórios e irrelevantes

segundo Costa (1951) desse mesmo período. No capítulo referente a esse momento

o autor francês, dissonando da trama costiana, dá certa concatenação entre a

Semana de 22, a atuação de Warchavchik, a tentativa de reforma curricular na breve

direção da ENBA por Costa e finaliza com a atuação de Luís Nunes no Recife com

inédito destaque130.

Há nessa construção uma ideia de continuidade entre esses acontecimentos

na qual a vanguarda paulista tem papel pioneiro e o estrangeiro Warchavchik papel

decisivo na renovação da arquitetura no Brasil por introduzir o pensamento

130
O nome de Luís Nunes aparece nas falas tratadas anteriormente. Costa, Goodwin, Mindlin, e posteriormente Lemos citam
com pouca ênfase o trabalho desse arquiteto. Paulo Santos dá evidência maior ao papel de Luís Nunes no Rio e em Recife,
mas não com tal atenção e papel diferenciado como o faz Yves Bruand.
216
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

corbusiano no país e se tornar o elo entre a vanguarda paulista e a escola carioca.

Além disso, o imigrante ucraniano torna-se uma espécie de mediador da migração

de Lúcio Costa do neocolonial para o modernismo. Os acontecimentos no Recife,

então, indicam na figura de um ex-aluno da ENBA, ativo participante nos episódios

do início dos anos 30, Luís Nunes, a irradiação dessa arquitetura carioca para o

resto do Brasil e sua passagem de uma linguagem local para expressão nacional.

Contraditoriamente, como já dito por Tinem (2002), Bruand no capítulo

seguinte volta a ecoar a versão costiana e nega todo um processo introdutório

afirmado anteriormente. Desconsidera inclusive os impactos da visita de Le

Corbusier em 1929 e apenas reconhece nela uma consequência que efetivamente

não aconteceu – a conversão de Lúcio Costa ao modernismo corbusiano131.

O ano de 1936 constituiu um marco fundamental na história da arquitetura brasileira,


especialmente pela visita de Le Corbusier (...). Ao contrário da primeira estadia do
mestre franco-suíço, em 1929, de consequências somente indiretas, não perceptíveis
de imediato, como a conversão de Lúcio Costa, a segunda teve repercussões bem
profundas. A experiência transmitida por Le Corbusier, nas seis semanas de trabalho
intensivo desenvolvido com a equipe, influenciou profundamente os jovens brasileiros
que dela faziam parte, modificando-os profundamente com esse breve contato. Desse
trabalho, resultou o célebre edifício do Ministério da Educação e Saúde, concluído em
1943, marco da transformação decisiva da arquitetura contemporânea no Brasil.
(BRUAND, 1981, p. 81).

Novamente volta-se a afirmar a saga dos poucos heróis iluminados e a brusca

instauração da nova arquitetura no país. Da ordem do inesperado e do improvável –

milagroso para Lúcio Costa e mágico para Yves Bruand – o advento instaurador da

Sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, nessas tramas similares é esse

instante mítico que funde num só momento de gênese o semeador genial, a terra

fértil predestinada e o fruto miraculoso da criação encarnados respectivamente em

131
Com essa afirmação mesmo que equivocada, Bruand dá uma versão afirmativa para a relação entre a primeira visita de Le
Corbusier ao Brasil em 1929 e a mudança de direcionamento de Lúcio Costa, episódio que aparece dúbio tanto na versão de
Mindlin quanto na de Paulo Santos. Essa relação não é reconhecida pelo próprio arquiteto que dá outra versão para seu
redirecionamento tanto em sua autobiografia com em outras falas quando entrevistado. Vide COSTA, Lúcio. Lúcio Costa -
registros de uma vivência. Rio de Janeiro: Empresa das artes. 1995; e NOBRE, Ana Luiza (org.). Lucio Costa: Encontros.
Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2010.
217
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Le Corbusier, o pequeno grupo de arquitetos brasileiros e o próprio edifício

ministerial. A plenitude do amadurecimento desse movimento se dá no Complexo da

Pampulha ainda dentro do instante instaurador visto que tem suas obras acabadas

em 1942, antes da inauguração do Ministério e sua autoria assinada pelo maior

talento desse pequeno grupo, cujo dom também é revelado nesse instante

mitológico – o jovem Oscar Niemeyer.

Com efeito, bastou uma pequena equipe de jovens arquitetos trabalhar diariamente
com Le Corbusier, durante três semanas, em julho de 1936, para que seus membros
surgissem transformados como que por um passe de mágica, lançando-se em busca
de novos caminhos, e sendo logo seguidos pela maioria de seus colegas. (BRUAND,
1981, p. 81).

Daí em diante o mito da instauração parece ter se tornado um axioma e a

formação dessa nova arquitetura brasileira é dada como indiscutível nas falas

seguintes. O ecoar da fala costiana continua sendo tão duradouro que os textos de

maior alcance a partir dos anos 80, quando muito citam alguns acontecimentos

isolados nos anos 20, os antecedentes propriamente são a revolução política e a

reforma artística da ENBA em 1930 e dão por início da arquitetura moderna

brasileira o marco instaurador da construção do Ministério da Educação, seguido da

consolidação na Pampulha. A partir desse ponto a abordagem de cada relato define

a maior ou menor proximidade sobre os percursos e desdobramentos da nova

arquitetura no Brasil.

Interessante acentuar a mudança do papel das imagens para a construção da

narrativa já sinalizada no livro de Paulo Santos. Na tese de Bruand há uma generosa

quantidade de imagens entre plantas, cortes, fotos internas, externas, de fachadas,

detalhes, etc., porém raríssimos croquis. Apesar da abundância e da ótima

qualidade da reprodução, as fotos (todas em preto e branco) parecem ter um papel

menos expressivo, ou seja, elas se prestam apenas à visualização de algo descrito e


218
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

não mais à afirmação de uma linguagem expressiva, uma cultura visual moderna

que compartilha com o texto escrito o discurso narrativo. Na publicação em francês

as imagens são totalmente separadas do texto, colocadas cada uma em uma

página, num tomo a parte, no qual aparecem de elementos textuais apenas a

numeração das figuras e as legendas de identificação: primeiro o autor quando

conhecido, depois a obra e por último o tipo (se planta, corte, exterior, interior,

detalhe, etc.). Não há nenhum comentário que acompanhe as ilustrações. A

amarração entre a narrativa escrita e as imagens ilustrativas se dá pelas indicações

no texto escrito do número das figuras, que reforça o entendimento da imagem como

meio de visualização de argumentos descritos, mas não indissociáveis.

Figura 50 – Páginas do terceiro tomo da publicação da tese original em francês de Yves Bruand com imagens do
Ministério da Educação e Saúde. Cada imagem ocupa toda uma página de acordo com a orientação da fotografia e não de
uma diagramação mais elaborada da composição do livro. Fonte: BRUAND, Yves. L’architecture contemporaine au
Brésil. Lille: Service de reproduction des theses Universite de Lille III, 1973 pp.47/48.

219
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na publicação em português as imagens utilizadas são exatamente as

mesmas da versão francesa, porém de menor qualidade de reprodução e

distribuídas ao longo do texto. Colocadas o mais próximo possível da parte que faz

referência a cada uma das imagens, nessa versão elas têm tamanhos bastante

variados e não fica claro o critério adotado para essas diferenciações. Como a

programação visual do livro em português coube a terceiros e não foi definida nem

pelo autor do texto nem por seus tradutores, provavelmente as razões que levaram

às diferenciações não passaram por intenções vinculadas ao papel delas na

narrativa escrita. Obviamente que as imagens continuaram sendo reveladoras do

que o autor intencionou dar maior visibilidade, porém definitivamente elas haviam

deixado o papel de

protagonista que possuíam

de igual ou até mesmo

maior relevância

expressiva que a palavra

escrita das publicações

anteriores na afirmação

tanto das expressões

modernas como de uma

cultura visual moderna.

Figura 51 – Página do livro de Bruand da


publicação em português com imagem
do Ministério da Educação e Saúde sem
grande destaque no meio do texto.
Fonte: BRUAND. Yves. Arquitetura
Contemporânea no Brasil. São Paulo:
Perspectiva, 1981, p 88.
220
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Sob o mesmo título e também patrocinado pelo Ministério da Cultura, em

outra série agora intitulada “Arte e Cultura”, que deveria ter distribuição gratuita,

através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é publicado

27 anos depois do texto de Lúcio Costa novamente “Arquitetura Brasileira” agora de

autoria de Carlos Alberto Cerqueira Lemos (1925). Arquiteto formado pela

Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1950, esse autor é também desenhista,

pintor, respeitado pesquisador da história da arquitetura brasileira, especificamente a

paulista e professor titular aposentado do Departamento de História da Arquitetura e

Estética do Projeto da FAU-USP, ainda atuante na Pós-Graduação. Procedente de

uma família de classe média132 Lemos nasceu em São Paulo onde voltou a morar

aos treze anos, após passar a infância no interior paulista. Era assíduo frequentador

da Biblioteca Municipal de São Paulo (atual Biblioteca Mário de Andrade) onde

conviveu em sua juventude com Sérgio Milliet. Em 1952 passou a trabalhar no

escritório de Oscar Niemeyer na capital paulista, que chefiou até 1957.

Foi também na década de 50 que Carlos Lemos, convidado por Eduardo

Corona para ser seu assistente, começa em 1954 a dar aulas na FAU-USP. Em

1956 diante da dúvida sobre um termo arquitetônico não encontrado no dicionário,

Corona e Lemos teriam começado um trabalho que duraria cinco anos em busca de

construir um léxico para a arquitetura baseado em aprofundado trabalho de

pesquisa, publicado aos poucos na Revista Acrópole e transformado em livro,

editado em 1972 sob o título “Dicionário da Arquitetura Brasileira”. A partir de então,

seguiram-se muitas pesquisas e publicações em busca de compreender as soluções

da arquitetura no percurso da história brasileira.

132
A mãe era mineira e o pai um médico paulista.
221
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“Arquitetura Brasileira”, publicada em 1979, pode ser considerada uma

descendente desse mergulho de Lemos na história da arquitetura, bem como de seu

comprometimento com a docência e provavelmente de seu vinculo com as questões

da preservação cultural. Essa publicação, escrita quando seu autor ocupava o cargo

de diretor técnico do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,

Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) do Estado de São Paulo tem caráter didático e

um recorte metodológico bastante preciso. Diferente do texto homônimo de Lúcio

Costa que trata a arquitetura no Brasil a partir da fundação da Academia Imperial de

Belas-Artes e apenas reconhece uma produção efetivamente brasileira após o

episódio da construção da Sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, os

escritos de Lemos recuam ao período colonial (como no texto de Paulo Santos).

Numa abordagem instrumentalizada pela antropologia cultural identifica três

momentos originais da arquitetura brasileira: a arquitetura paulista bandeirista, o

barroco mineiro e a arquitetura contemporânea à sua época.

Após uma breve apresentação, o livro segue estruturado em seis capítulos:

Panorama geral; Arquitetura europeia no litoral da colônia; A arquitetura paulista dos

primeiros séculos; O caso do barroco mineiro; O neoclássico e o ecletismo; e Os

tempos recentes. Essa divisão revela o horizonte de seu entendimento sobre a

arquitetura na tangencia entre costume cultural e solução formal (o partido), no

pêndulo entre adaptação a um modelo estrangeiro e criação local, pautada pela

técnica construtiva, o clima, a topografia do sítio, o programa de necessidades, as

condições econômicas e a legislação reguladora. Assim os episódios considerados

criações singulares brasileiras merecem especial atenção em capítulos específicos e

os demais são tratados em passadas mais largas e menos detidas no percurso da

história da arquitetura no Brasil, do período colonial ao final dos anos 60.

222
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Mesmo com avanços interessantes na estruturação e abordagem da narrativa

histórica sobre a arquitetura no Brasil, não se pode deixar de notar certo bairrismo

na supervalorização da arquitetura bandeirante e na desconsideração das demais

soluções arquitetônicas em outras regiões do país no período colonial que passaram

por processos bem semelhantes de adaptação e criação. Postura que também

explicaria a pontuação apenas dos desenvolvimentos em São Paulo da nova

arquitetura após o destacado episódio da “corrente arquitetônica carioca” (LEMOS,

1979, p.141), indicativo de mais um episódio singular paulista na arquitetura

brasileira, cuja definição coube ao arquiteto e professor curitibano João Vilanova

Artigas na leitura do pesquisador paulistano.

Figura 52 – Capa e contracapa do livro “Arquitetura Brasileira” de Carlos Lemos. Fonte: LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura
brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979.

223
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A capa e a contra capa não deixam muita dúvida do privilegiado lugar da

arquitetura paulista na trama da história da arquitetura brasileira de Carlos Lemos

que destaca dois detalhes de capiteis: na capa em maior evidência a solução

moderna de Artigas para a Rodoviária de Jaú e na contra capa, como uma alusão à

tradição basilar do período colonial para a nova arquitetura, a solução bandeirista da

Casa do Sítio Padre Inácio. Ambas sobre um fundo amarelo que traz em marca

d’água uma parte do desenho da Igreja de São João Batista em Cananéia no interior

paulista feito pelo engenheiro Militar José Custódio de Sá e Faria em 1776.

O texto de Lemos, assim como o de Santos e o de Bruand, é uma fala que se

coloca francamente como narrativa histórico-crítica, na interpretação dos

acontecimentos históricos da arquitetura brasileira. No entanto, apesar de ser uma

fala distanciada já que o autor paulista, assim como o francês e diverso do carioca,

não foi contemporâneo ao processo de renovação, volta a ser uma fala de dentro do

campo não só arquitetônico como também do próprio movimento moderno pela

formação e orientação expressiva de seu autor. O texto escrito corrido mantém

preponderância e é entremeado por ilustrações que em sua maciça maioria são

fotos coloridas. Apesar da novidade da cor nas imagens, elas parecem não ter

preocupação cuidadosa com uma cultural visual moderna e nem mesmo com a

qualidade das fotos (algumas são muito ruins). De vários autores, muitas delas

pertencentes ao acervo da FAU-USP, as fotos são quase todas de tomadas gerais

internas ou externas e em alguns poucos momentos de detalhes construtivos.

224
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 53 – Cassino da Pampulha na imagem do livro de Lemos. Fonte: LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura brasileira. São
Paulo: Melhoramentos, 1979, p. 143.

Os desenhos (cinco iconografias antigas) são raríssimos assim como as

peças gráficas, que se reduzem a ilustração de duas casas bandeirantes

apresentadas cada qual em uma prancha com plantas e cortes (de leitura quase

nula). Somam-se a esses uma planta da Igreja do Pilar em Ouro Preto e outra do

Plano Piloto de Brasília. As imagens aparecem como apresentação das obras

citadas e de maior evidência em cada período, porém com pouca expressão

fotográfica e de fraca potência narrativa. Há pouca atenção ao tratamento delas e

não se observa diferença significativa dos enquadramentos nem da cultura visual

entre os diferentes tempos e momentos da expressão arquitetônica. Essa forma de

narrativa e utilização das imagens busca evidenciar o caráter documental e

investigativo da história como explanação científica, cujo

narrador é pretensamente neutro e distante dos

acontecimentos narrados.
Figura 54 – Peças gráficas da casa do sítio Querubim, em São Roque/SP do século
VXIII na reprodução do livro de Lemos. Fonte: LEMOS Carlos. Arquitetura brasileira.
São Paulo: Melhoramentos, 1979, p. 71.

225
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Assim como Mindlin em 1956, Carlos Lemos em 1979, mais de vinte anos

depois, nomeia o texto de Lúcio Costa de 1951 como principal referência do que ele

chama de “primeiros tempos” (LEMOS, 1979, p. 134) do movimento carioca que

“definiu-se como uma expressão cultural nacional independente da conceituação e

de seus modelos originais europeus” (LEMOS, 1979, p. 141):

Sobre o movimento arquitetônico carioca desses primeiros tempos do nosso


século é de fundamental interesse o “depoimento de um arquiteto carioca”, de
1951, feito pelo sempre citado Lúcio Costa. A década de 20 terminou já tendo
havido alguns fatos que viriam a influir na formação dos primeiros e raros
adeptos da arquitetura moderna então praticada na Europa, mas,
verdadeiramente sem terem tido repercussão popular. (LEMOS, 1979, p. 134).

O eco da fala costiana, portanto, continua a reverberar, agora já como ponto

pacífico sobre os primeiros acontecimentos da renovação da arquitetura brasileira,

mesmo em uma abordagem sistemática de um trabalho investigativo “no campo da

antropologia cultural” (LEMOS, 1979, p. 9). Nessa fala permanece a afirmação da

aventura heroica e meteórica de um pequeno grupo iluminado por Le Corbusier que:

(...) pronuncia série de palestras que calaram fundo, fazendo com que naquele
momento ficasse caracterizado o surgimento de uma corrente arquitetônica
carioca sob égide das suas teorias funcionalistas (LEMOS, 1979, p. 141).

Instaurava-se assim “graças a esses pioneiros cariocas (...) uma expressão

cultural nacional” (LEMOS, 1979, p. 141).

Lemos reforça a desqualificação dos acontecimentos dos anos 20, apesar de

citar a Semana de Arte Moderna de 1922 evidencia sua “pouca influência” (LEMOS,

1979, p. 133) na arquitetura praticada na cidade, diagnóstico similar ao dado para a

carta de Levi e a atuação de Warchavchik. A visita de Le Corbusier é apontada

numa passagem um pouco dúbia que dá margens a conectá-la diretamente à

“conversão” de Lúcio Costa ao moderno e a tentativa de reforma da ENBA. Segundo

Lemos:

226
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Essa visita acompanhada de conferências do arquiteto funcionalista, que


retornava de Buenos Aires e Montevidéu, realmente abriu os olhos de alguns
jovens arquitetos e deu impulso a outros já conhecedores de sua obra, como
Lúcio Costa que, logo depois, foi nomeado diretor da Escola Nacional de Belas-
Artes, onde, em brevíssima gestão, introduziu reformas de base (1979, p. 134).

Essa conexão, como já pontuada nessa tese, não é reconhecida nem mesmo

pelo próprio Lúcio Costa que em sua autobiografia dos anos 90, relata a sua

displicência em relação à visita do mestre franco-suíço em 1929:

Eu era totalmente alienado nesta época, mas fiz questão de ir até lá. Cheguei um
pouco atrasado e a sala estava toda tomada. As portas do salão da Escola estavam
cheias de gente e eu o vi falando. Fiquei um pouco depois desisti e fui embora,
inteiramente despreocupado, alheio à premente realidade (COSTA, 1995, p. 144).

O que havia realmente de diferente na fala desse paulista sobre o momento

instaurador da nova arquitetura foi o apontamento de uma expressão que até então

não havia sido contemplada como manifestação específica – o “art déco”, apesar de

alguns acenos do texto de Paulo Santos. Lemos aponta que nos anos 30 essa

expressão era predominante e comumente chamada de “futurista”, denominação

segundo ele equivocada, fruto do desconhecimento popular. Na fala de Goodwin,

mesmo que em poucos exemplares, os edifícios “déco” aparecem sem distinção na

ala das obras modernas. Na fala de Lúcio Costa de 1951, referência maior para

Lemos, o edifício A Noite foi descrito como uma “fase experimental” rumo ao

“símbolo definitivo, o edifício do Ministério da Educação e Saúde” (COSTA, 1952, p.

28) – o que também colocava o “déco” na ala dos modernos no entendimento

costiano. Em Mindlin e Bruand há apenas silêncio, não há menção escrita nem

registro fotográfico de nenhum edifício que pudesse ser caracterizado com “art

déco”, em ambos. Em Paulo Santos apesar da depois completamente esquecida

“Influência da Exposição de Arte Decorativa de 1925 em Paris” (SANTOS, 1981, p.

98) já citada, trata as obras vinculadas a esse episódio sem nomeá-las


227
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

especificamente como uma espécie de intermédio entre o eclético e o moderno, pois

mesmo que já tivessem um “espirito diferente” ainda se preocupavam mais com o

“Decorativo em lugar do Estrutural” (SANTOS, 1981, p. 98). Na narrativa de Lemos,

então, é a primeira vez que essa forma expressiva é efetivamente diferenciada tanto

da arquitetura eclética como daquela do movimento moderno, chamada por esse

autor de modernismo.

Para a arquitetura brasileira, essa década de 30 foi o período das manifestações


isoladas e personalistas dos primeiros a desejarem a implantação do modernismo, que
continuaram, como anteriormente, a não ter muita repercussão, interessando somente
a um ou outro curioso. (LEMOS, 1979, p. 136 e 139).

Com essa nova distinção entre as obras modernas, mesmo que pontuando a

rapidez da transformação, o professor paulista alarga em mais uma década esse

momento formador e distende o processo de renovação da arquitetura brasileira,

como o já havia feito Paulo Santos dos anos 20 aos 40.

Para Lemos o “Brazil Builds” tem papel decisivo na efetiva disseminação e

aceitação da arquitetura moderna brasileira e a Pampulha é um momento de inflexão

central, especificamente para a ascendente carreira de Oscar Niemeyer. Diferente

de Lúcio Costa, o paulista não atribui à plasticidade e à pesquisa do inesperado nas

formas em concreto a especificidade da arquitetura brasileira e abre outros espaços

para seu desenvolvimento, em especial para a poética do concreto bruto em São

Paulo.

Carlos Lemos também escreve em 1983 o texto nomeado “Arquitetura

Contemporânea” na coletânea “História Geral das Artes no Brasil” de Walter Zanini

que segundo seu organizador tinha o propósito de cobrir a lacuna sobre a história

das artes no Brasil. A coletânea é composta por artigos de autores variados

publicada em dois volumes, no primeiro são apresentadas as expressões da arte no

228
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

país do período pré-colonial ao início do século XX e o segundo inteiramente para a

produção do século XX, denominada de contemporânea em vários campos da

expressão artística. Interessante perceber nessa coletânea primeiro a importância da

produção moderna que ocupa mais que a metade do espaço total da obra, depois a

importância da arquitetura dentro do campo artístico que em mais de um momento é

pontuada como a mais expressiva e representativa das artes de tais momentos e por

fim o eco também nas artes da desqualificação das expressões ecléticas, postura

recorrente em muitas das falas na arquitetura.

Nessa fala Carlos Lemos, parte da mesma abordagem pautada na

antropologia cultural do livro anterior, na qual tem primazia a forma e o papel do

partido arquitetônico para a compreensão da história da arquitetura. Assim, mesmo

que nesse texto o recorte temporal tenha sido diferente, muitos pontos são

coincidentes com a narrativa anterior. Focado agora apenas na renovação da

arquitetura brasileira que para ele teria definido um caminho que continuava sendo

percorrido pelos arquitetos até o momento de sua fala, Lemos pode aprofundar

alguns pontos e tecer algumas considerações mais detidas sobre os acontecimentos

da arquitetura moderna na narrativa de 1983 que o longo arco temporal e o

propósito do livro de 1979, não o permitiram fazer. Dividida em: “Introdução”; “As

primeiras obras modernas”; “A introdução do funcionalismo de Le Corbusier”; “A

arquitetura moderna carioca”; “Os tempos do amadurecimento”; “A arquitetura

paulista”; e finalizado com “Panorama atual”; essa fala aponta a dificuldade de

“determinar com exata precisão quais foram as primeiras obras arquitetônicas

modernas brasileiras, ou pelo menos já tendentes à modernidade mercê do uso

racional da nova tecnologia” (LEMOS. In: ZANINI, 1983, p. 827).

229
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

No entanto, o arquiteto paulista mantém sua posição de desqualificar os

episódios dos anos 20, em especial a atuação de Warchavchik. A novidade fica para

o episódio da Estação Mairinque (1907) de Victor Dubugras apontado como

“pioneiro da arquitetura moderna brasileira” (LEMOS. In: ZANINI, 1983, p. 827). Pela

ênfase que dá ao episódio na fala de 1983 e o silêncio sobre o mesmo na fala de

1979, parece ter sido uma descoberta entre uma narrativa e outra. Flávio de

Carvalho recebe redobrada atenção e como em nenhuma narrativa anterior ou

posterior ganha evidência nos “antecedentes” dos “tempos modernos”, onde também

estão, e mereceram certa atenção, as obras de expressão “art-déco”, já assim

nomeadas e sua disseminação nas grandes cidades na década de 30. Também

ressalta a importância da primeira visita de Le Corbusier ao Brasil, mas num eco

fortíssimo da fala de Lúcio Costa

reafirma a instauração súbita da

arquitetura moderna brasileira,

restrita ao grupo carioca ligado ao

episódio do Ministério da Educação:

Realmente em menos de dez


anos, a partir da decisão
histórica de Gustavo
Capanema, a nossa
arquitetura, graças aos
pioneiros cariocas, definiu-se
como uma expressão cultural
nacional, independentemente
da conceituação e de seus
modelos originais europeus
(LEMOS. In: ZANINI, 1983, p.
841).

Figura 55 – Página de ilustração que mostra o


Ministério da Educação no texto de Lemos na
coletânea de Zanini. Fonte: ZANINI, Walter.
História Geral das Artes no Brasil. São Paulo:
Instituto Moreira Salles, 1983, p. 842.

230
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na página que apresenta as imagens do Ministério da Educação e Saúde

Pública, Lemos o coloca lado a lado com a sede da ABI, mesmo que acompanhada

de outras peças iconográficas referentes ao Ministério.

As imagens nessa publicação parecem recuperar um pouco do protagonismo

perdido nas publicações anteriores e retomam importância na narrativa. Em

generosa quantidade as ilustrações voltam a ocupar páginas inteiras sem texto

narrativo (apenas legenda) e a ter boa qualidade e maior expressão. Elas voltam a

fazer parte não apenas da visualização de algo narrado, mas para, além disso, dão

evidência a certos episódios e questões, como por exemplo, a importância e a

diferença das soluções do que o autor chamou de arquitetura carioca e paulista, com

páginas inteiras para mostrar um conjunto significativo dessas produções.

O desenho de Flávio de Carvalho na abertura da narrativa já demostra tanto

esse protagonismo da imagem como as dissonâncias para a fala de Lúcio Costa na

valorização dos episódios paulistas no processo de renovação da arquitetura

brasileira na fala de Carlos Lemos.

Figura 56 – Abertura do texto de Lemos na coletânea de Zanini com os desenhos do conjunto projetado por 231
Flávio de Carvalho na Alameda Lorena em São Paulo. Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes no
Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, pp. 822/823.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 57 – Página inteira de ilustrações do item “A arquitetura moderna carioca” do texto de Lemos. Fonte: ZANINI,
Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, pp. 848/849.

Figura 58 – Página inteira de ilustrações do item “A arquitetura paulista” do texto de Lemos. Fonte: ZANINI, Walter.
História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, pp. 858/859.

232
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Entre alguns croquis, muitas fotos em preto e branco e a cores, a novidade

fica para os retratos de alguns personagens de destaque na história narrada por

Lemos. No livro de Ferraz, já aparece uma fotografia destaca de Warchavchik, junto

a Lúcio Costa e Frank Lloyd Wright, mas agora os retratos são em maior número e

não só personificam as figuras já famosas da história como Oscar Niemeyer bem

como dão especial e enfática luz a figuras apenas destacadas na narrativa de

Lemos como Victor Dubugras, Mina Klabin, e Flávio de Carvalho. Esse tipo de

fotografia em nenhuma outra fala, antes ou depois dessa, teve tamanha

representatividade.

Figura 59 – Fotos de Victor Dubugras e Oscar Niemeyer colocadas lado a lado por Lemos no item “As
primeiras obras modernas”. Fonte: ZANINI, Walter. História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto
Moreira Salles, 1983, p. 829.

Figura 60 – Foto que reuni Lúcio Costa, Flávio de Figura 61 – Mina Klabin, esposa de
Carvalho e Gregori Warchavchik. Fonte: ZANINI, Walter. Warchavchik. Fonte: ZANINI,
História Geral das Artes no Brasil. São Paulo: Instituto Walter. História Geral das Artes
Moreira Salles, 1983, pp. 831. no Brasil. São Paulo: Instituto 233
Moreira Salles, 1983, p. 833.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em 1982 Sylvia Ficher e Marlene Acayaba, arquitetas e pesquisadoras

formadas pela FAUUSP, lançam “Arquitetura Moderna Brasileira”. A narrativa que

deu origem a essa publicação foi escrita em inglês para fazer parte da coletânea

“International Handbook of Contemporary Developments in Architecture” organizada

pelo professor de história da arte, Warren Sanderson, da Faculty of Fine Arts da

Concordia University de 1981133.

Sylvia Ficher (1949) arquiteta formada em 1972 pela USP e atualmente

professora associada da Universidade de Brasília, tem uma trajetória que passa por

um curso de especialização em preservação arquitetônica na própria USP, pelo

mestrado em Preservação na Columbia University em Nova York finalizado em 1978

e pelo doutorado novamente na USP em História Social defendido em 1989.

Marlene Milan Acayaba (1949) também arquiteta formada em 1973 pela USP, fez

toda a sua Pós-Graduação na USP cujo doutorado defendeu em 1991, e foi também

diretora do Museu da Casa Brasileira, dividi até hoje escritório de arquitetura com

seu sócio e marido Marcos Acayaba. No momento da produção desse texto Sylvia

Ficher já era professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da UNB e cursava o

doutorado na USP e Marlene Acayaba cursava o mestrado em História da

Arquitetura na FAUUSP cuja dissertação tratava da arquitetura residencial em São

Paulo entre os anos de 1950 e 1970. Para ambas as autoras essa publicação se deu

no início de suas carreiras, com o olhar fresco da juventude e fruto de interesses e

preocupações semelhantes frente à arquitetura. Segundo Acayaba (2011)134:

133
Segundo depoimento de Sylvia Ficher. Vide FICHER, Sylvia. A quatro mãos: Arquitetura Moderna Brasileira, 1978 -82. In:
mdc. Revista de arquitetura e urbanismo. Disponível em: http://mdc.arq.br/2011/03/29/a-quatro-maos-arquitetura-moderna-
brasileira-1978-82/. Acesso em: 04/09/2013 às 16:10.

134
Vide trecho “Do que a Marlene se lembra”. In: FICHER, Sylvia. A quatro mãos: Arquitetura Moderna Brasileira, 1978-82. In:
mdc. Revista de arquitetura e urbanismo. Disponível em: http://mdc.arq.br/2011/03/29/a-quatro-maos-arquitetura-moderna-
brasileira-1978-82/. Acesso em: 04/09/2013 às 16:10.
234
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

(...) em 1978 reencontrei a Sylvia no curso de especialização em patrimônio que


eu estava assistindo na FAU. Uma noite, convidadas para jantar com nossa
colega e amiga Marta Dora Grostein, conversamos durante horas sobre os
nossos interesses, que coincidiam, uma vez que ambas gostaríamos de nos
dedicar à história da arquitetura.
Nos dias seguintes, ela me convidou para escrevermos um artigo sobre
arquitetura moderna no Brasil, a ser incluído em um livro que seria publicado nos
Estados Unidos.

Conforme a lembrança de Ficher (2011)135:

(...) em São Paulo, recebo outra carta – datada de 5 de julho de 1978, o que
estabelece cientificamente o início da novela – de um tal professor Warren
Sanderson, explicando que está organizando um livro e que a Dra. Joyce Bailey
– deve ser a tal pesquisadora, mas juro que o nome não me traz nada à memória
– havia me indicado como alguém que poderia, por sua vez, indicar
pesquisadores daqui para preparar um capítulo sobre arquitetura brasileira.
Evidentemente, pensei logo em me oferecer para escrever o capítulo. Contudo, a
tarefa estava muito além da minha competência, precisava achar alguém para
trabalhar comigo. Tudo clicou naquela conversa com a Marlene no apartamento
da Marta Dora. Da conversa com a Marlene me lembro como se fosse hoje,
nossos interesses e dúvidas eram parecidos. Tinha encontrado a parceira ideal!
(...)
Eis a gênese do Arquitetura Moderna Brasileira, o capítulo sobre o Brasil, ou
melhor, “Brazil”, do Handbook. Tudo muito canhestro e mal articulado, coisa de
principiante, porém fruto de uma excepcional amizade, escrito com a
despreocupação da mocidade.

No prefácio as autoras evidenciam o entendimento por elas compartilhado

sobre o trabalho do historiador como “um inescapável compromisso de seleção e

julgamento” (FICHER & ACAYABA, 1982, p.04) e que necessariamente o historiador

é também fruto da sociedade em que vive e da própria história, vista como “o modo

como homens determinados criam os meios e as formas de sua existência social,

reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e

cultural” (CHAUÍ, apud FICHER & ACAYABA, 1982, p.04). Nesse sentido, portanto

não se pode deixar de apontar a influência das ideias de Sérgio Ferro e

principalmente das ideias, da arquitetura e da própria figura de João Vilanova Artigas

na formação do olhar dessas arquitetas naquele momento, revelado nas obras

escolhidas e de maior destaque na construção desta narrativa, que ressalta e

135
Vide trecho “Do que a Sylvia se lembra”. In: FICHER, Sylvia. A quatro mãos: Arquitetura Moderna Brasileira, 1978-82. In:
mdc. Revista de arquitetura e urbanismo. Disponível em: http://mdc.arq.br/2011/03/29/a-quatro-maos-arquitetura-moderna-
brasileira-1978-82/. Acesso em: 04/09/2013 às 16:10.

235
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

celebra um “Brasil Moderno” em concreto armado bruto que existe em Salvador,

Recife e Fortaleza no nordeste do país, em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre no

sul; no Rio de Janeiro e em Brasília.

Figura 62 – Monumento rodoviário de Guaranhuns/PE do arquiteto Armando de Holanda. Fonte: FICHER, Sylvia & ACAYBA,
Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982, p 101.

Entre os excluídos lugares que pouco depois se revelam no campo da

arquitetura e da cidade com obras e movimentos significativos no cenário nacional,

com é o caso da arquitetura em Minas Gerais. Será mesmo que a renovação no

campo arquitetônico no Brasil se dá sempre em surtos individuais de arquitetos

geniais sobre o vácuo da não arquitetura? Obviamente que tentar mapear uma

produção que se deu majoritariamente sobre o empobrecimento forçado do debate

teórico no campo arquitetônico determinado pela ditadura militar no Brasil e ainda

236
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

emerso nesse contexto político, mesmo que em vias de transformação é, em certo

sentido, tarefa árdua e ingrata. Essa publicação tem o mérito de destacar um

momento menos celebrado dos desdobramentos da arquitetura moderna no Brasil,

porém mais que nas demais narrativas simplifica a complexidade do campo e

descarta a diversidade da produção arquitetônica, numa redução da arquitetura

brasileira às sonâncias da arquitetura paulista, mesmo que com algumas variações

regionais, em apenas certas partes do gigantesco território brasileiro.

O livro é dividido em quatro partes: “Origens da arquitetura moderna

brasileira”; “A difusão da arquitetura moderna brasileira”; “Brasília 1956-60”;

“Tendências regionais após 1960”. O primeiro capítulo é dedicado ao processo de

renovação da arquitetura moderna e sua concomitantemente nacionalização, no

qual são sintéticas e incisivas em apontar:

As realizações dos pioneiros europeus do Movimento Moderno começam a ser


difundidas nos círculos intelectuais de vanguarda de São Paulo e do Rio de Janeiro no
início da década de 20. O arquiteto Gregori Warchavchik, formado em Roma, projeta a
Casa Modernista em 1927, primeira obra moderna a ser construída em São Paulo.
Porém, a divulgação ampla do ideário moderno só vai ocorrer na década seguinte
devido, principalmente, ao papel da liderança exercido pelo jovem arquiteto Lúcio
Costa. Os momentos iniciais deste processo são a passagem de Le Corbusier pelo
Brasil em 1929 e a indicação de Lúcio Costa para diretor da Escola de Belas Artes,
quando procurou reformular o ensino até então voltado para o neocolonial brasileiro,
dando-lhe uma orientação racionalista. (FICHER & ACAYABA,1982, p. 9).

Entre os primeiros trabalhos as arquitetas apontam o plano de Goiânia e as

obras dos irmãos Roberto postas igualmente no bojo do funcionalismo. O edifício do

Ministério da Educação é saudado como “a oportunidade de realizar uma obra de

repercussão nacional” (FICHER & ACAYABA,1982, p. 10) e obra inaugural do

momento de produção “mais fértil e unitária da arquitetura moderna brasileira”

(FICHER & ACAYABA,1982, p. 26), cujo reconhecimento internacional se deve

primeiramente à exposição e à publicação “Brazil Builds” do MoMA e se estende até

início dos anos 50, com absoluto destaque para as obras de Oscar Niemeyer,
237
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

começando pelo Complexo da

Pampulha. Afirmação reiterada pela

estampa da Igreja de São Francisco na

Pampulha na capa e contracapa do livro

em trabalho sobre fotografia em fundo

acinzentado que lembra a cor do

concreto.
Figura 63 – Capa do livro de Ficher e Acayaba. Fonte:
FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura
moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982.

Nas colocações tão sucintas e afirmativas dessas autoras, não há espaço

para dúvidas ou questionamentos sobre esse momento inicial, ele é posto e tomado

como verdade indiscutível. No final do livro há uma conclusão, na qual apesar de

apontar a diferença dos dois grandes momentos em que se deu a produção da

arquitetura moderna brasileira e sinalizar tanto a abundância de documentação do

primeiro e a dificuldade e escassez de material sobre o segundo, determinam o que

teria dado a linha de união a essa arquitetura. Nessa parte final ficam ainda mais

claras tanto as motivações do ecoar da fala de Lúcio Costa quanto a centralidade de

sua própria figura, nas construções de Ficher e Acayaba:

Porém, mesmo diante de opções tão amplas, não nos pode passar
desapercebida a influência marcante e unificadora exercida pelos três arquitetos
contemporâneos mais significativos: Lucio Costa, pioneiro do ensaio da
arquitetura e do urbanismo modernos; Oscar Niemeyer, cuja obra definiu o
caminho plástico dominante da arquitetura brasileira e Vilanova Artigas que criou
no currículum da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo o modelo de ensino da arquitetura agora difundido no país (FICHER &
ACAYABA,1982, p. 112).

Interessante nessa publicação é a volta do protagonismo das imagens. Elas

compartilham novamente com o texto escrito a narrativa. Mesmo que a qualidade

das fotos não sejam excepcionais e isto se deve mais a qualidade do material e

238
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

condições da publicação que propriamente das fotografias, percebe-se tanto pela

quantidade generosa como na diagramação e espaço dado as elas o papel de

destaque que ocupam. São todas em preto e branco e muitas delas ocupam página

inteira. Com exceção do prefácio e da conclusão, relativamente curtos, que não tem

imagens o restante do livro é absolutamente preenchido por elas e apenas seis

páginas das 103 que compõem o desenvolvimento da narrativa não tem nenhum

tipo de ilustração. Também vale ressaltar a grande quantidade de desenhos, entre

plantas, perspectivas e muitos cortes que compõe o conjunto das imagens. As peças

gráficas não chegam a ter o rigor e regularidade que Mindlin imprimiu em seu livro,

mas têm significativa presença no corpo dessa publicação. O episódio do Ministério

da Educação e Saúde, por exemplo, foi descrito em dois parágrafos e três páginas

de ilustração, uma com a foto de corpo inteiro que ocupa toda uma página e outras

duas páginas com as plantas do edifício.

Figura 64 – Páginas que apresentam as plantas do Ministério da Educação e Saúde. Fonte:


FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo.
Projeto. 1982, pp 12 e 13.

239
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 65 – Páginas que apresentam croquis de estudos preliminares para o Ministério da Educação e Saúde. Fonte:
FICHER, Sylvia & ACAYBA, Marlene Milan. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo. Projeto. 1982, pp 10.

Como na maioria das imagens das obras nas demais publicações, as pessoas

são raridade ou quase imperceptíveis. Porém duas fotos chamam atenção

exatamente pela intensa presença humana em locais que sistematicamente

aparecem vazios quando fotografados. As fotos desses locais ocupados, onde a

presença dos corpos humanos ganha protagonismo na imagem dá outro significado

na apreensão desses espaços. Eles deixam de ser expressões plásticas exemplares

para o olhar e passam a ser também (e bem mais) lugares vividos, apropriados.

Uma delas é a foto da marquise da Casa do Baile de Dante Paglia e a outra da

240
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

entrada da Igreja de São Francisco de Hugo Segawa, ambas na Pampulha. É

também interessante notar a diferença entre elas – enquanto a foto de Paglia parece

flagrar um momento de uso cotidiano da casa do Baile, a de Segawa parece

fotografar um episódio esporádico, talvez um grupo em visita à Igrejinha.

Figura 66 – Marquise da Casa


do Baile na Pampulha. Foto de
Dante Paglia. Fonte: FICHER,
Sylvia & ACAYBA, Marlene
Milan. Arquitetura moderna
brasileira. São Paulo. Projeto.
1982, p. 15.

Figura 67 – Igreja de São


Francisco na Pampulha. Foto
de Hugo Segawa. Fonte:
FICHER, Sylvia & ACAYBA,
Marlene Milan. Arquitetura
moderna brasileira. São
Paulo. Projeto. 1982, p. 25.

241
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

É também no início dos anos 80 que a Abril Cultural e Industrial lança uma

versão condensada da Coleção “Arte no Brasil”, primeiramente publicada em

fascículos. Dirigido a um público bastante amplo o livro foi “organizado a partir de

monografias de renomados especialistas e de um acervo fotográfico dificilmente

igualdo neste país” segundo explicação não assinada na orelha da publicação. Os

textos são de Carlos Lemos, José Roberto Teixeira Leite e Ana Maria Jover. Esta

última foi a autora do capítulo “A Arquitetura Moderna”. Os dois primeiros autores

sem dúvida são de reconhecida projeção nacional, com várias publicações no

campo da história da arquitetura e da arte, no entanto nada se conseguiu apurar

sobre a responsável pelo capítulo da arquitetura moderna para além da autoria

dessa fala 136 . Mesmo sem uma expressiva produção intelectual na área, as

colocações dessa autora pelo tipo de publicação provavelmente alcançou uma

visibilidade bem maior que os mais reconhecidos autores no campo e ultrapassou

em muito o público especializado.

A narrativa após uma brevíssima introdução é dividida em: “Os anos 20”; “O

apogeu do ‘Art Déco’”; “O grande marco da arquitetura moderna”; “Em busca de uma

linguagem nacional”; “Os pioneiros da modernidade paulista”; “A consagração de

Niemeyer”; “A criação de Brasília”; “A execução do projeto”; “O triunfo da

funcionalidade”; “A resistência paulista”; “Uma arquitetura engajada”; “O brutalismo

vence em São Paulo”; “Pouco estilo e muito dinheiro”; e finalmente “Os

independentes”. Sua fala começa afirmando:

136
Pela proximidade da narrativa dessa autora às narrativas do professor Carlos Lemos em outras publicações sobre o tema,
acredito que possivelmente tenha havido algum vínculo significativo entre esses dois pesquisadores. A suspeita que a autora
fosse orientanda de mestrado ou doutorado de Lemos não se confirmou em pesquisa no banco de teses e dissertações da
USP, nem no Currículo Lattes do Professor Carlos Lemos. É bem possível que ela tenha sido aluna de Lemos em alguma
disciplina voltada para a história da arquitetura brasileira. Outra possibilidade é essa autora ter trabalhado junto com ele em
pesquisa sobre o tema.
242
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Como ocorreu em outras manifestações artísticas, houve uma defasagem entre as


correntes modernistas da arquitetura europeia e as da arquitetura brasileira, que
surgiram praticamente na década de 40 (JOVER, In: CIVITA, 1982, p. 256).

Numa espécie de síntese da versão de Carlos Lemos (1979) seu parceiro na

redação do livro em questão sobre a formação da arquitetura moderna brasileira,

Jover começa pelos anos 20 evidenciando a pouca influência da Semana de 22.

Como acontecimentos de alguma relevância essa autora aponta os escritos de 25, a

visita de Le Corbusier em 1929 e a reforma da ENBA sob a direção de Lúcio Costa.

Discorre rapidamente sobre o apogeu do “art déco” nos anos trinta e aponta o

desconhecimento popular que chamava tanto a casa modernista de Warchavchik

como as expressões “déco” de “futuristas”, mas não as reconhece propriamente

como modernas. Em um item destacado fala do Ministério da Educação e Saúde

Pública como “o grande marco da arquitetura moderna” (JOVER, In: CIVITA, 1982,

p. 257) momento do surgimento de uma nova corrente arquitetônica. A definição de

uma linguagem nacional nessa narrativa viria com as pesquisas vinculadas ao

concreto armado e o alinhamento de outros arquitetos às pesquisas de Lúcio Costa

e Oscar Niemeyer, reconhecidas internacionalmente no “Brazil Builds”.

Interessante nessa versão é que a autora abre uma seção destacada para os

pioneiros na capital paulista antes de apresentar a consagração de Oscar Niemeyer

a partir da Pampulha. Essa forma de colocação acaba por enfatizar o entendimento

menos unitário dos encaminhamentos da arquitetura brasileira após o advento já

esboçado na fala de Carlos Lemos do Ministério da Educação e Saúde Pública. Mas

como o texto centra-se muito na arquitetura paulista, com exceção dos episódios da

arquitetura carioca e seus braços em Belo Horizonte e Brasília, e raras referências

ao resto do país, mais uma vez a “história” da arquitetura brasileira é contata como a

história da arquitetura modernista de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e afins no Rio de


243
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Janeiro e fora dele somada a história do brutalismo paulista vinculado a Vilanova

Artigas e seus ecos no resto do país. Mesmo que dada a notícia de outras

arquiteturas elas foram sumariamente desqualificadas, como colocado na passagem

incisiva dessa fala no item denominado “Pouco estilo e muito dinheiro”:

Em 1964, Artigas foi preso e Niemeyer foi obrigado a deixar o país por razões
políticas. Embora os seus seguidores tenham levado adiante, com vigor e
brilhantismo, as propostas fundamentais dos dois grandes mestres, não se
formaram nas universidades brasileiras novas idéias das quais emergissem
correntes alternativas.
De qualquer forma, a atividade arquitetônica nos anos subsequentes foi das mais
intensas. Na década de 70, como, reflexo imediato do “milagre econômico”,
assistiu-se a uma verdadeira febre de construções públicas e privadas, em todo
o país, exibindo uma total variedade de estilos.
(...) Construíram-se prédios de apartamento aos milhares, em estilos duvidosos
(...) geralmente indistintos compondo uma estranha colagem arquitetônica. Essa
“recaída” eclética também se verificou nas mansões construídas nos novos
bairros elegantes, onde se pode encontrar concreto aparente e amplas paredes
de vidro fumê em projetos antiquados, inadequados a esses materiais (JOVER,
In: CIVITA, 1982, pp. 273 / 274).

Permanece nessa fala o entendimento da arquitetura como obra de arte e um

forte eco das falas de Lúcio Costa. Assim mais uma vez o processo de formação da

arquitetura moderna é posto como um instante instaurador repentino. Nessa

narrativa não só o momento instaurador, mas também os desdobramentos dessa

“modernidade” estariam vinculados a indivíduos geniais, no caso a Niemeyer e

Vilanova Artigas. E ainda pior, a constatação no mínimo infeliz de que na falta deles

o campo da arquitetura brasileira estaria fadado a melhores ou piores seguidores,

porém condenados irremediavelmente à “mediocridade” da repetição.

Sem dúvida o melhor da fala de Jover são as imagens. O conjunto das

ilustrações é generoso em número e em tamanho. Compõe esse conjunto alguns

poucos desenhos, inclusive um croqui de Le Corbusier a cores, algumas fotos em

preto e branco e predominam as fotografias coloridas. Em sua grande maioria de

excelente qualidade de impressão e chegam a ocupar mais espaço que o texto

244
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

escrito no total do capítulo. Interessante notar que predominam as fotos de corpo

inteiro das obras e são poucas as tomadas interna e menos ainda detalhes

arquitetônicos. É também notória a importância dada à arquitetura paulista e ao

“brutalismo” que são absoluta maioria nas imagens. Sobre o processo de renovação

da arquitetura as imagens são poucas e pequenas, inclusive a imagem do Ministério

da Educação e Saúde. É a partir da Pampulha e de Brasília que as imagens ganham

destaque na narrativa, o que sugere que seria na Pampulha que a arquitetura

tomaria efetivo impulso e força expressiva.

Figura 68 – Conjunto de imagem que ilustra na trama


de Jover as primeiras obras “propriamente” modernas:
duas casas de Warchavchik e o Ministério da Educação
e Cultura Fonte: JOVER, Ana Maria. A Arquitetura
Moderna. In: CIVITA, Victor (org). Arte no Brasil.
São Paulo: Abril Cultural e Industrial, 1982, p. 257.

245
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 69 – Página dupla que


mostra a Igrejinha da Pampulha, a
Catedral de Brasília e o Palácio da
Justiça na Capital Federal. Com se
pode ver, os destaques na leitura
de Jover revelados pelas imagens
do momento de formação estão na
Pampulha em Brasília. Fonte:
JOVER, Ana Maria. A Arquitetura
Moderna. In: CIVITA, Victor
(org). Arte no Brasil. São Paulo:
Abril Cultural e Industrial, 1982, pp.
260/261.

Figura 70 – Interior da Catedral de Brasília na abertura do capítulo intitulado “A Arquitetura Moderna” na coleção “Arte no
Brasil”. Fonte: JOVER, Ana Maria. A Arquitetura Moderna. In: CIVITA, Victor (org). Arte no Brasil. São Paulo: Abril
Cultural e Industrial, 1982, pp. 254/255.

246
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Foram necessários 46 anos para que uma fala distendesse o sectarismo da

trama costiana. Quando Hugo Segawa em 1997 publica “Arquiteturas no Brasil

1900-1990”, pela primeira vez nas narrativas nacionais de grande visibilidade outras

expressões da modernidade brasileira são postas em questão e reconhecidas como

modernas, mesmo que ainda não equivalentes à canônica vertente modernista que

se consagrou no cenário internacional. Hugo Massaki Segawa (1956) é arquiteto

formado pela USP em 1979, defendeu sua dissertação de mestrado em 1988 e sua

tese de doutorado em 1994, ambas em Arquitetura e Urbanismo também pela USP.

Atualmente é Professor Titular do Departamento de História da Arquitetura e Estética

do Projeto da USP e foi professor visitante de diversas universidades em vários

países (Espanha, Argentina, Estados Unidos, Japão, México, Portugal e Panamá).

Autor de vários livros, capítulos de livro e artigos, entre os anos de 2002 e 2007 foi

coordenador do DOCOMOMO Brasil e no momento em que escreveu o livro

supracitado era professor do departamento de Arquitetura e Urbanismo na Escola de

Engenharia de São Carlos.

Na trama de Segawa a exclusividade é rompida e a ideia que apenas uma e

única linguagem foi responsável por modernizar a arquitetura brasileira é

confrontada com uma série de acontecimentos que ficaram a margem da trama

consagrada até então sobre a formação da arquitetura moderna no Brasil. Mais

interessado nos processos históricos que propriamente no produto da arquitetura

apenas como obra de arte, a narrativa de Segawa abre outros entendimentos e

percursos na formação da arquitetura moderna no Brasil, favorecida tanto pelo

distanciamento de mais de meio século do período de renovação da arquitetura

como por quase uma década da retomada do debate reflexivo após a reabertura

política do país.

247
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A fala de Segawa é estruturada por uma divisão que revela a interpolação de

adventos e processos de modernização em extratos diversos e não

necessariamente sobrepostos, mas que se interpenetram na constituição e

conformação da nova arquitetura no país. Na ampliação traçada pelo arquiteto

paulista as discussões sobre a arquitetura moderna começam no Brasil ainda no

século XIX no campo da engenharia e os estrangeiros que chegam ao país,

especialmente em São Paulo, no início do século XX são reconhecidos como

elementos dessa renovação.

Assim aborda, em cinco capítulos, processos distintos de modernização que

ocorreram no país entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do

século XX, a saber: os desenvolvimentos e expansões urbanas no país entre o

sécula XIX e XX em “O Brasil em Urbanização 1862 a 1945”; os dilemas pautados

na herança colonial entre 1880 e 1926 em “Do Anticolonial ao Neocolonial”; os

acontecimentos modernistas dos anos 20, especialmente em São Paulo na

tangencia entre literatura, arquitetura e artes plásticas em “Modernismo

Programático 1917–1932”; as diversas formas do moderno nos anos 30 e a

predominância do “art déco” em “Modernidade Pragmática 1922–1943”; e finalmente

a vertente corbusiana de feição nacional em “Modernidade Corrente 1929–1945”. Os

desdobramentos da arquitetura no Brasil seguem então por mais quatro outros

capítulos: “A afirmação de uma Escola 1945–1960”; “A afirmação de uma

Hegemonia 1945-1970”; “Episódios de um Brasil Grande e Moderno 1950–1980”;

“Desarticulação e Rearticulação? 1980–1990”.

Mesmo com todos esses extratos e uma ampliação generosa e rica dos

agentes e dos caminhos diversos percorridos – confluentes em alguns momentos,

paralelos em outros e às vezes descontínuos, ou ainda desencontrados – para


248
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

alcançar a modernidade, num processo de formação dessa nova arquitetura mais

alongado, coletivo e múltiplo, Segawa no que ele denomina de “Modernidade

Corrente” acaba por voltar a limitar a renovação da arquitetura brasileira à trama

consagrada.

O eco mesmo que enfraquecido das falas de Lúcio Costa ainda reverbera.

Embora relativizados no panorama geral da publicação, a orquestração deste extrato

é pouco contundente em dar outras explicações aos fatos ocorridos e selecionados

pela trama consagrada para mitificar o moderno e nacional na arquitetura. O

arquiteto paulista mantém determinadas interpretações chaves nas quais

inadvertidamente a fala de Lúcio Costa insiste em aparecer, como nas passagens

sobre o Ministério da Educação e Saúde e a Pampulha:

A sede do Ministério da Educação e Saúde é considerado o ponto inicial de uma


arquitetura moderna de feitio brasileiro. A avaliação é controversa, mas os
desdobramentos posteriores caminharam no sentido de confirmar a afirmação,
sobretudo no plano internacional. (SEGAWA, 1997, p. 92).
Em Pampulha, Oscar Niemeyer – agora trabalhando só – produziu uma
arquitetura que se afastava da sintaxe corbusiana por uma expressão mais
pessoal, decerto amadurecida com a sua experiência novaiorquina. (SEGAWA,
1997, p. 98).

Em alguns trechos o eco é evidente, como no fechamento do item “A

ascensão de Oscar Niemeyer”: “Lúcio Costa, em 1951, vislumbrou Pampulha como

um marco divisor, um ‘rumo diferente’ que assegurou uma ‘nova era’”. (SEGAWA,

1997, p. 100).

Apesar de alguns poucos ecos Hugo Segawa com certeza foge ao que ele

chama de “retratos totalizadores” (SEGAWA, 1997, p. 13) e não deixa de tencionar a

linearidade da fala costiana e seus fortes e duradouros ecos.

Como no livro de Bruand, o texto tem primazia sobre a imagem e as

ilustrações ocupam espaço bem menos privilegiado que a palavra escrita.

249
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Praticamente dão forma e/ou destaque a algo já descrito. Todas em preto e branco,

elas são relativamente pequenas e poucas vezes ganham dimensão um pouco mais

generosa, raríssimas vezes ocupam uma página inteira. Interessante dessa

publicação que há certo equilíbrio entre desenhos e fotografias. Entre os desenhos

aparecem muitos croquis de volumetrias e plantas de loteamento, obras ou

intervenções urbanas, mas não há nenhuma planta baixa de edifício, o que reforça o

entendimento de seu interesse pelos processos e não pelo espaço arquitetônico. As

fotos são em sua grande maioria ângulos distantes dos edifícios e conjuntos

urbanos, numa tentativa de mostrar a solução geral e jamais enfoca um detalhe

construtivo.

No conjunto das ilustrações duas fotografias ganham inusitado realce: a foto

de Lúcio Costa à frente do Ministério da Educação e a foto de Álvaro Vital Brasil à

frente do Edifício Esther, ambas do

acervo pessoal de Segawa. Elas

fogem completamente do tipo de

ilustração do livro e talvez acenem

para uma relação pessoal do autor e

sua admiração por esses dois

arquitetos modernos e suas

contribuições para o campo da

arquitetura brasileira.

Figura 71 – Ilustração do Ministério da Educação e


Saúde no livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo.
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo:
EDUSP, 1997, p. 92.

250
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 72 – Lúcio Costa à frente do Ministério da Figura 73 – Álvaro Vital Brazil à frente do Edifício
Educação e Saúde no livro de Segawa. Fonte: Esther no livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900- Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo:
1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 93. EDUSP, 1997, p. 86.

Vale ressaltar que são muitos os croquis e peças gráficas, aparecem inclusive

como ilustração as reproduções de uma propaganda de jornal que anuncia o

loteamento Jardim Europa em São Paulo de 1928, do cartaz do 4º Congresso Pan-

Americano de Arquitetos no Rio de Janeiro em 1930 e da capa do “Brazil Builds” em

sua versão em inglês e em português. O que

revela a importância para esse autor de

outros objetos e fontes que não só a obra

construída para a história da arquitetura.

Figura 74 – Recorte publicitário de 1928 que ilustra


o livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo.
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo:
EDUSP, 1997, p. 22.

251
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 75 – Página com desenhos ilustrativos do livro de Segawa. Fonte: SEGAWA, Hugo.
Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: EDUSP, 1997, p. 99.

252
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Hugo Segawa também é o responsável pelo capítulo “Rumo à

Industrialização: a arquitetura da primeira metade do século XX” no livro “Arquitetura

na formação do Brasil” de 2007. Essa publicação patrocinada pela UNESCO e pela

Caixa Econômica Federal, organizada por Briane Elisabeth Panitz Bicca e Paulo

Renato Silveira Bicca, faz parte tanto do projeto da UNESCO chamado “História do

desenvolvimento Científico e Cultural da Humanidade” iniciado em 1950 liderado por

Paulo Carneiro que visa desde então num esforço coletivo produzir estudos e

publicações no campo da história para melhor “compreensão da evolução das

sociedades e do florescimento das culturas em favor de maiores trocas e do respeito

à diversidade” (In: BICCA e BICCA, 2007, p.6); como das iniciativas da Caixa

Econômica de promover a “documentação e divulgação (...) da produção material do

povo brasileiro” (In: BICCA e BICCA, 2007, p.4). É assim que a história da

arquitetura é contada então, não pelo mais corrente viés da história da arte ou da

cultura, mas sim pelos enlaces da produção arquitetônica com os ciclos econômicos

do país e mesmo que a arquitetura seja compreendida em toda a sua complexidade,

tem na econômica seu recorte condutor.

O livro então é dividido em duas partes: a primeira introdutória, que reuni

explicações, motivações e conceituações que guiaram e possibilitaram a publicação;

e a segunda que propriamente discorre sobre a história da arquitetura no Brasil e

sua centralidade na conformação do próprio país cultural, social e politicamente

pautado nas condições econômico-produtivas que o sustentaram. Nessa segunda

parte a narrativa se divide em: “A arquitetura do açúcar”; “Arquitetura da mineração

nos Estados de Minas Gerais e Goiás”; “Arquitetura e economia do gado na Região

Sul”; “A arquitetura do café”; “A arquitetura maranhense e a economia do algodão”;

253
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“Arquitetura da borracha na Amazônia (1950-1920)”; e finalmente “Rumo à

Industrialização: a arquitetura da primeira metade do século XX”.

A partir da linha condutora proposta pelos organizadores e patrocinadores

dessa publicação, bastante diversa das demais narrativas sobre a história da

arquitetura brasileira vistas anteriormente, o enfoque e o recorte da narrativa de

Hugo Segawa acabam por tecer efetivamente outra trama sobre a formação da

arquitetura moderna no Brasil, dividida em: “Vicissitudes positivistas”, “Cenários de

modernização”, “A construção moderna”, “O céu como limite”, “As realizações de

uma era”, “Pelo menor preço, a melhor casa”, “Sanear e educar: deveres da

Revolução”, “O homem novo”, “Reduzindo o território”, “Modernidade pragmática”,

“Rumo às cidades”, e “Anos Dourados”. Nela os engenheiros precedem os arquitetos

nas preocupações de modernização da técnica constritiva, o concreto e sua

aplicação na construção tem papel central no processo de renovação da arquitetura

que dá seus primeiros sinais na primeira década do século XX com a Estação

Mairinque de Victor Dubugras (1905-1908). Por outro lado o positivismo e a

Proclamação da República são motores importantes para a modernização da

arquitetura e da cidade vista através do processo de industrialização do país, que

ganha efetivo impulso nos anos trinta com o Governo Vargas.

Ao pensar a “construção moderna” Segawa ressalta a fundação e importância

das Escolas Politécnicas e os avanços promovidos pelos “arranha-céus”

predominantemente em linhas “déco”. Mais que uma questão de luta pela

hegemonia de uma expressão artística a Era Vargas é apontada como um momento

de modernização das políticas públicas e suas preocupações, numa reestruturação

do país crucial para o desenvolvimento geral e particularmente industrial do país, no

qual a arquitetura teve papel central como instrumento e modo de modernização da


254
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

habitação social, do saneamento, da higiene, da educação, na construção mesmo

que insuficiente para o tamanho do país de escolas, hospitais e conjuntos

habitacionais em variadas expressões modernas. Também assinala a importância da

modernização das conexões do país através dos aeroportos e hidro aeroportos,

assim como do serviço postal com a criação do Departamento de Correios e

Telégrafos, especialmente pela construção de Agências de Correios e Telégrafos e

sua estratégia de padronização que permitiu construir em lugares tão diversos e

alguns bem distantes dos maiores centros produtivos brasileiros que ultrapassaram

inclusive a questão da modernização da técnica constritiva e da moderna expressão

formal da arquitetura, chegando ao campo dos modos do exercício profissional, visto

que esses edifícios “(...) foram projetados e executados em todo o Brasil – em

alguns casos, em rincões nos quais se via pela primeira vez um projeto arquitetônico

completo” (SEGAWA, In: BICCA e BICCA, 2007, p. 327).

A criação dos ministérios no Governo Vargas e a construção de suas sedes

são igualmente postos como modernização das regulagens institucionais do país.

Destaca como mediador entre empresariado e trabalhadores o papel decisivo do

Ministério do Trabalho. Quanto à moderna expressão arquitetônica das sedes

ministeriais e das demais obras levadas a cabo por essas instituições ressalta os

“desencontros” (SEGAWA, In: BICCA e BICCA, 2007, p. 328) dos episódios e usa o

Ministério da Educação como exemplo:

Não obstante o caráter referencial da sede do Ministério da Educação e Saúde –


hoje Palácio Gustavo Capanema – pela sua repercussão na época e o seu
reconhecimento internacional como um marco da arquitetura moderna, a ação
governamental, em suas várias frentes ministeriais, não estabeleceu uma
linguagem arquitetônica direcionada e coerente, a conferir uma imagem unívoca.
(...) Mesmo no Ministério da Educação e Saúde, tido como progressista do ponto
de vista estético, a arquitetura de educandários tanto ostentava traços modernos
como neocoloniais (SEGAWA, In: BICCA e BICCA, 2007, p. 327).

255
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

É interessante como nessa versão o processo de renovação da arquitetura se

torna bem mais alargado, coletivo e controverso. Mesmo que destacada, a Sede do

Ministério da Educação tem seu papel redimensionado e perde por completo a áurea

miraculosa e instauradora que Lúcio Costa havia lhe atribuído. A conquista da

hegemonia da vertente moderna corbusiana é também apresentada de maneira bem

diversa da trama costiana e seus muitos ecos:

(...) Mas é certo que, no pós-Segunda Guerra Mundial, a linha que vai ganhar
força na arquitetura oficial derivou da modernidade à Le Corbusier, expressa na
sede do Ministério da Educação e Saúde. Arquitetos de carreira no serviço
público, como Jorge Machado Moreira (1904-1992), que desenvolveu inúmeros
projetos de sanatórios para tuberculosos, clínicas fisiológicas e hospitais, além
de comandar o Escritório Técnico da Universidade do Brasil; Carlos Frederico
Ferreira (1906-1996), chefe do setor de arquitetura e desenho da Divisão de
Engenharia do IAPI; ou Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), à frente do
Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal, propiciaram a afirmação
de uma linha de arquitetura moderna, cujo corolário, sem dúvida, é Brasília.
(SEGAWA, In: BICCA e BICCA, 2007, pp. 330/331).

O entrelaçar entre processo de industrialização e atividade urbanística é

mapeado por Segawa que coloca a transformação de ação pontual para uma prática

do planejamento mais abrangente no pensar a cidade que iria se desenvolver a

partir dos anos 30 até culminar com a criação da nova capital nacional. Na exaltação

de Brasília, Hugo Segawa recoloca a figura de Lucio Costa e de Oscar Niemeyer na

arquitetura brasileira. Sem lhes retirar a importância singular esse autor os retira dos

tempos da instauração e os coloca no que chamou de “Anos Dourados” do final dos

anos 40 ao início dos anos 60, vinculados ao desabrochar da “construção de uma

identidade nacional elaborada pela intelectualidade moderna brasileira” (SEGAWA,

In: BICCA e BICCA, 2007, p. 336) e principalmente a:

(...) um momento especial para a modernização brasileira, como um período de


intensa industrialização e urbanização. Um momento generoso para a moderna
arquitetura brasileira cuja consolidação se dava com o reconhecimento
internacional de sua produção e de seus arquitetos (SEGAWA, In: BICCA e
BICCA, 2007, p. 335).

256
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Bastante diferente do papel secundário das ilustrações do seu livro

anteriormente analisado, as imagens dessa publicação tem papel fundamental na

construção narrativa. Essa importância pode ser em grande parte explicada pela

intenção e posição dos organizadores dessa publicação para os quais as ilustrações

têm “significado transcendente o de simples apoio ao discurso escrito” (BICCA e

BICCA, 2007, p. 15). Numa seleção e qualidade de impressão primorosas, bem com

na diagramação cuidadosa, o conjunto iconográfico é composto por fotos antigas,

fotos recentes, mapas, desenhos e plantas. Interessante ressaltar que se no

discurso o destaque absoluto do Ministério da Educação e Saúde e das obras

modernistas é arrefecido, as imagens voltam a colocá-los nesse lugar de

singularidade. Isto porque as únicas obras que mereceram fotos que ocupam toda

uma página separadamente em ângulos recortados que reforçam a forma e a cultura

visual modernas foram: o Ministério da Educação e Saúde, o Aterro do Flamengo e o

painel de azulejos “Peixes” de Cândido Portinari na entrada do Pampulha Iate Clube.

Figura 76 – Estação Mairinque, um marco do pioneirismo da arquitetura em concreto armado no Brasil


construída entre 1905 -1908. Fonte: BICCA, Briane Elisabeth Panitz e BICCA, Paulo Renato Silveira
(orgs.). Arquitetura na formação do Brasil. Brasília: Unesco, IPHAN/Programa Monumenta, 2007, p.317.

257
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 77 – Foto de página inteira do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. Fonte: BICCA, Briane
Elisabeth Panitz e BICCA, Paulo Renato Silveira (orgs.). Arquitetura na formação do Brasil. Brasília: Unesco,
IPHAN/Programa Monumenta, 2007, p.328 .
258
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 78 – Capa do livro “Arquitetura na formação do Brasil”. Montagem com fotos de Marcel Gautherot. Fonte: BICCA,
Briane Elisabeth Panitz e BICCA, Paulo Renato Silveira (orgs.). Arquitetura na formação do Brasil. Brasília: Unesco,
IPHAN/Programa Monumenta, 2007, capa .

259
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Na coletânea sobre arquitetura no Brasil comemorativa dos 500 anos do

descobrimento do país pelos portugueses – sob o apoio da lei de incentivo do

Ministério da Cultura, organizada por Roberto Montezuma e publicada 2002 – é o

arquiteto gaúcho Carlos Eduardo Dias Comas (1943) o responsável por falar sobre a

arquitetura moderna. Comas é arquiteto formado pela UFRGS em 1966, fez

Mestrado em Planejamento Urbano e Arquitetura na Universidade da Pensilvânia

defendido em 1977 e em 2002 se torna Doutor pela Universidade de Paris VIII. Com

várias publicações sobre a arquitetura e o urbanismo modernos no Brasil, coordenou

o DOCOMOMO Brasil entre 2008 e 2011 e ao escrever “Moderna (1930-1960)” para

a coletânea “Arquitetura Brasil 500 anos”, este autor cursava o doutorado em “Le

Projet Architectural et Urbain” na França.

A estruturação da fala do arquiteto já revela prontamente o forte eco das falas

de Lúcio Costa e deixa transparecer certa idolatria à arquitetura modernista restrita

ao grupo vinculado à Costa. Bem aos moldes panfletários dos cinco pontos da

arquitetura moderna corbusiana, nomeados de maneira enfática e determinista o

capítulo do arquiteto gaúcho também é dividido em cinco momentos: “A Incubação

1930/1936”; “A Emergência 1936/1945”; “A Consolidação 1946/1950”; “A Hegemonia

1951/1955”; e “A Mutação 1955/ 1960”.

Num discurso que se abre para outras formas narrativas para contar “a

mesma história”, Comas constrói uma fala que cria uma tensão na linearidade mais

recorrente nos discursos sobre a arquitetura moderna no Brasil. Essa tensão é

conseguida através da simultaneidade em que narra certos acontecimentos nos

quais ronda um espectro de similaridade entre suas relevâncias. As afirmações de

proeminência de alguns acontecimentos são hábil e sutilmente colocadas. É assim

na paridade que o autor constrói entre a sede do Ministério da Educação e Saúde do


260
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

grupo liderado por Costa e a sede da Associação Brasileira de Imprensa dos irmãos

Roberto, só desfeita no último momento com a indicação de superioridade das

soluções do Ministério sobre as respostas da ABI relativas ao caráter representativo

e expressão simbólico-monumental desses edifícios. A supremacia do edifício

ministerial é reforçada ainda pelo maior espaço e destaque dado às suas ilustrações.

Embora a fala de Comas tenha o mérito de, em certa medida, ampliar as

influências da nova arquitetura brasileira e em menor medida os arquitetos do que

ele chamou de “A Emergência 1936/1945” (COMAS, In: MONTEZUMA, 2002, p.

189), perpetua intensamente o eco da trama costiana. Seu recorte temporal e

subdivisão do período já citados talvez seja o maior indicativo desse eco. A trama de

Comas reitera a supremacia de um restrito grupo carioca e mesmo que acrescente a

ele o importante trabalho dos irmãos Roberto não deixa, nas entrelinhas do texto e

na sutileza da diferença do espaço dado às imagens, de coloca-los em segundo

plano. Também restringe a arquitetura moderna à arquitetura modernista de matriz

corbusiana e não reconhece nenhuma das outras expressões que tiveram lugar no

país. Mesmo que bem concatenada, com análises inéditas sobre a espacialidade

das obras paradigmáticas eleitas, a trama dessa fala é enfática em manter a versão

dos arquitetos geniais. Para uma coletânea de tal alcance que pretende mapear 500

anos de arquitetura no Brasil e para representar a arquitetura moderna brasileira,

uma fala que reitera a trama auto legitimadora de Lúcio Costa, mesmo

reconhecendo seu singular papel no campo arquitetônico brasileiro, transcorrido

mais de meio século da disputa pela hegemonia de uma vertente e “depois da

batalha ganha” (COSTA, 2010, p. 162) nos parece bastante reducionista para dar

conta do tão vasto e variado legado da arquitetura moderna em todo o território

nacional.

261
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Assim, mesmo que por outros argumentos discursivos, essa fala se dá num

forte eco das falas costianas e reafirma o cerne da orquestração já a muito

consagrada: a desconsideração dos anos 20 entendidos como irrelevantes; os

antecedentes importantes do início dos anos 30 são todos de uma forma ou de outra

vinculados à Lúcio Costa; a matriz é corbusiana apesar dos outros matizes

apontados pelo autor; o Ministério se mantém como o grande marco inaugural e a

Pampulha como momento consolidador da brasilidade na arquitetura moderna do

país; a arquitetura carioca é nacionalizada; e a singularidade da nova arquitetura

nacional é a controversa conciliação entre modernidade e tradição situada na

sensualidade fundada pela plasticidade exuberante e excepcional das obras de

Oscar Niemeyer.

No horizonte da construção dessa fala, conjugado ao entendimento da

arquitetura como prioritariamente obra de arte que compartilha com Lúcio Costa,

Comas também deixa transparecer sua compreensão da arquitetura como

linguagem simbólica e icónica. Isto porque quando mantém o lugar de obra

inigualável dado ao Ministério da Educação por Costa e sua preponderância sobre

as soluções da ABI, assinala como primeira questão que justifica sua afirmação a

superioridade das soluções adotadas nessa obra como forma-símbolo e forma-

plástica: “Corretamente, a elaboração simbólica, compositiva e tipológica é maior no

Ministério realizado que na ABI; a coreografia do movimento mais desenvolvida”

(COMAS, In: MONTEZUMA, 2002, p. 193). Nesse horizonte não há espaço, por

exemplo, para a importante contribuição das obras voltadas para habitação sociais e

equipamentos públicos, entre outras questões tão ou mais estruturantes para a

arquitetura e a cidade modernas brasileiras que sua expressão plástico-

propagandística. Quando aparecem como é o caso do Conjunto Pedregulho de

262
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Reidy, o valor da obra é sempre posto na plasticidade e uso icônico do repertório de

uma específica linguagem moderna e não como modo moderno de solucionar o

problema do habitar enquanto articulação espacial, enquanto programa

arquitetônico, enquanto inserção e morfologia urbana, enquanto técnica construtiva

e modo de construção, dentre ainda tantas outras possibilidades de abordar as

soluções arquitetônicas e urbanísticas.

Embora melhor pontuada a contribuição dos irmãos Roberto, a cruzada da

renovação permanece um advento repentino, fruto do esforço individual de um

pequeno grupo: “Em meio ano, a contribuição brasileira à arquitetura moderna se faz

original e se comenta nos textos de Lúcio e nos de Roberto” (COMAS, In:

MONTEZUMA, 2002, p. 189).

Mesmo que o Cassino feche, o Hotel da Pampulha se detenha e a Capela seja objeto
de uma polêmica viciosa a seguir, mais duma dúzia de projetos, atendendo a uma
gama diversificada de programas, exemplificam já uma arquitetura moderna à brasileira
de base carioca, preocupada com a caracterização apropriada de programa e situação,
na escala de terreno, entorno, região, país e época. Nesse sentido, arquitetura
moderna e tradição acadêmica se postulam tacitamente como aliadas. Como o via
Lúcio, a arquitetura moderna implica o debate e a conciliação entre uma concepção
estática, plástico-ideal e mediterrânea da forma, perseguindo a beleza dum cristal; e
uma concepção dinâmica, romântica, nórdico-oriental, orgânico-funcional, em que a
beleza desabrocha como flor; entre a constante clássica e a constante barroca
examinada por Eugenio d’Ors.
Nessa década que se convencionou chamar heroica, o sistema compositivo de raiz
corbusiana se enriqueceu com o debate entre o impulso barroco e o substrato clássico,
aquele exemplificado pelo movimento ordenado e pelo culto da ambiguidade espacial e
figural, este pela elevação tripartida, reiteração do esquema do vazio entre dois sólidos
e simetria conceitual. (...) A materialidade é sensual (...). A seleção de material e
componente dentro do repertório é função de sua adequação pragmática e simbólica,
ressalvada a preferência pela extroversão e pela exuberância. (COMAS, In:
MONTEZUMA, 2002, p. 224 e 226).

As ilustrações têm papel fundamental na construção dessa narrativa. São elas

que dão tom enfático e persuasivo as construções e articulações por vezes

pomposas da fala de Comas que no tecer da escrita são menos incisivas que a força

das imagens imprime à narrativa. As imagens de ótima qualidade de impressão são

cuidadosamente escolhidas, dimensionadas posicionadas e diagramadas. Num


263
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

conjunto que mistura mapas, peças gráficas, perspectivas, fotos antigas e novas, a

proeminência é dada ao Ministério da Educação e Saúde, ao Cassino da Pampulha,

à Igreja de São Francisco na Pampulha e ao Parque Guinle.

Todas essas obras são apresentadas em página dupla conjugada. As duas

primeiras supracitadas são ilustradas em uma página pelas peças gráficas

desenhadas em branco num fundo preto – artifício que evidencia sobremaneira o

desenho tanto como criação quanto como representação – ao lado de uma foto de

página inteira em ângulo favorável à geometria pura e rigorosa da arquitetura


137
modernista fotografadas por Cristiano Mascaro . O monumental pilotis do

Ministério da Educação ilustra a abertura do texto e ainda aparece em mais duas

fotos: a foto de Marcel Gautherot já publicada em Mindlin e Santos em contraponto à

Igreja de Santa Luzia e em outra panorâmica do centro do Rio de Janeiro na qual se

destacam, além do Ministério, a Biblioteca Nacional e a ABI.

Figura 79 – Páginas dedicadas a apresentar o Ministério da Educação e Saúde em tratamento destacado na narrativa de
Comas. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: UFPE, 2002, pp. 190/191.

137
Arquiteto e fotógrafo nascido em 1944 no interior paulista é mestre e doutor pela USP. Sua dissertação “O Uso da Fotografia
na Interpretação do Espaço Urbano”, foi defendida em 1986 e sua tese “A Fotografia e a Arquitetura” em1994. E é um dos mais
importantes fotógrafos de arquitetura paulistana que há mais de duas décadas documenta sistematicamente a capital paulista,
com trabalhos em outras regiões. Em 1994 fez uma exposição intitulada “Brasil: Arquitetura Recente” no Deutsches
Architektur Museum em Frankfurt.
264
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 80 – Imagens da ABI, em tratamento bem menos destacado que àquele dado ao Ministério da Educação e
Saúde. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: UFPE, 2002, p. 193.

Figura 81 – Páginas dedicadas a apresentar o Cassino da Pampulha em tratamento destacado na narrativa de Comas.
Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: UFPE, 2002, pp. 204/205.

265
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A Igrejinha da Pampulha é apresentada por uma fotografia da fachada com o

painel de Portinari em cores, também de Mascaro que ocupa as duas páginas

inteiras, em destaque absoluto, e ainda por sua planta e perspectiva hibrida entre

volumetria e interior já bastante conhecida. Também ocupando duas páginas

apresenta-se o croqui de Lúcio Costa da sua proposta completa para o Parque

Guinle novamente em branco no fundo preto, na valorização do risco não apenas

como projeto, mas como pensamento exemplar do mestre “Janus bifronte, o deus

dos inícios” (COMAS, In: NOBRE [et al.], 2004, p.30). Dessa obra também estão

presentes plantas, corte esquemático e mais duas fotos em preto e branco.

Figura 82 – Página dupla com a foto da Igreja de São Francisco na Pampulha. Des taque na narrativa de Comas. Fonte:
MONTEZUMA, Roberto (org.). Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: UFPE, 2002, pp. 210/211.

Outras belas imagens também habitam essa fala, mas não igualam a

evidência das supracitadas. Quase todas as obras ilustradas na narrativa trazem

peças gráficas e fotos, porém bem distante da similaridade das expressões que a

fala de Mindlin sugere na pluralidade de arquitetos e equivalência padronizada do

espaço e tipos de imagens dado a cada obra, na fala de Comas o espaço dado a

266
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

cada obra denunciam a diferença significativa de importância que esse autor dá ao

ínfimo número de obras que merecem ser ilustradas. Vale ressaltar que é ainda

menor o número de arquitetos que mereceram segundo essa fala serem

mencionados e ter ilustradas suas produções, reduzidos a Lúcio Costa, Oscar

Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy e os irmãos Marcelo, Milton e Maurício Roberto.

A sede da ABI, por exemplo, que também é apresentada em foto e em peças

gráficas tem espaço bastante reduzido em relação àquele dado ao Ministério da

Educação. Se no texto escrito é no último momento que essas duas obras colocadas

par e passo são diferentemente valoradas, essa diferença é gritante na leitura das

imagens. Curiosa é a posição dada ao Aeroporto Santos Dumont também dos

irmãos Roberto. Como uma espécie de medalha de prata dada aos segundos

colocados, essa obra mereceu uma foto panorâmica colorida de página inteira, uma

belíssima foto em preto e branco de Marcel Gautherot de quase meia página e uma

página completa para suas peças gráficas desenhadas em preto num fundo

acinzentado, cuja presença é bem menos chamativa que o desenho branco em

fundo preto das “madonas” arquitetônicas da fala de Comas, porém diferenciada de

todas as demais obras cujas peças gráficas foram desenhadas tradicionalmente em

preto no fundo branco.

Figura 83 – A foto do centro do Rio de Janeiro


mostra a Biblioteca Nacional, a Sede da ABI e
soberano, como um navio navegando em
direção certeira, o Ministério da Educação e
Saúde. Fonte: MONTEZUMA, Roberto (org.).
Arquitetura Brasil 500 anos. Recife: UFPE,
2002, pp. 194.

267
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

No mesmo ano de 2002, outra coletânea é publicada, agora focada no

Modernismo no Brasil num amplo espectro das manifestações culturais. Derivada da

mostra “Brasil: 1920-1950: De la Antropofagia a Brasília” do Instituto Valenciano de

Arte Moderna – IVAM, sob a curadoria de Jorge Schwartz, a iniciativa tinha como

propósito apresentar ao público espanhol a produção cultural modernista brasileira,

da Semana de Arte Moderna de 1922 e seus imediatos precedentes à inauguração

de Brasília. Assim mais uma vez como no “Brazil Builds” uma publicação vinculada a

uma exposição internacional ganha evidência na produção historiográfica da

arquitetura moderna brasileira. Consistente e muito bem ilustrada essa publicação

contém narrativas distintas sobre vários modos da expressão artística em que o

modernismo se deu no Brasil: artes plásticas; literatura; fotografia; cinema; música; e

arquitetura e urbanismo. A publicação possui uma parte introdutória com pequenos

textos que rapidamente a posicionam e com mais vagar situam conceitualmente e

temporalmente o Movimento Moderno no Brasil. Interessante notar que entre as

narrativas sobre as expressões artísticas há um texto sobre as presenças

estrangeiras intitulado “TRADUTORES DE bRASIL” 138 , nessa fala de Carlos

Augusto Calil, a proposta é compreender “em rápido sobrevôo, as experiências,

muitas delas modelares, de alguns dos estrangeiros que visitaram o Brasil no século

XX e que, voluntária ou involuntariamente, foram por elas afetados” (CALIL, In:

SCHWARTZ, 2002, p. 325). No total são 17 estrangeiros e dentre eles Le Corbusier.

O arquiteto paulista Carlos Alberto Ferreira Martins é o autor do texto sobre a

arquitetura e urbanismo intitulado “CONSTRUIR UMA ARQUITETURA,

CONSTRUIR UM PAÍS” (MARTINS, In: SCHWARTZ, 2002). Arquiteto formado pela

USP em 1974, Mestre em História Social por essa mesma instituição em 1988 esse

138
Todos os títulos que nomeiam os capítulos do livro são escritos em caixa alta e neste é o único propositalmente o nome do
Brasil vem iniciado por letra minúscula.
268
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

autor é Doutor pela Escuela Técnica Superior de Arquitectura da Universidad

Politécnica de Madrid desde 1992. No momento da preparação dessa

exposição/publicação, Carlos Martins já era professor do curso de Arquitetura e

Urbanismo da USP- São Carlos (cargo que ocupa até hoje, atualmente como

Professor Titular), coordenava o Programa de Pós-Graduação – EESC e era

membro do Conselho Universitário da USP.

Após breve introdução, a primeira parte dessa fala, na qual predomina a

narrativa escrita, é divide em: “Arquitetura e Modernismo: o paradoxo da identidade”;

“Arquitetura para a metrópole” e “Brasília: ocupação simbólica e econômica do

território”.

Já imerso em um universo mais amplo da cultura brasileira essa fala tem

antes de tudo direta e indiretamente a conexão com as demais manifestações

artístico-literárias em que o modernismo brasileiro se expressou. Esse largo

horizonte – em que há um campo cultural de trocas e reforços muito mais complexo

da atmosfera modernista do período – não aparece com tal profundidade em

nenhuma das demais falas já citadas, nas quais a renovação da arquitetura se dá

num espaço praticamente autônomo 139 , mesmo sendo corriqueiros a citação da

Semana de 22 e o apontamento da centralidade da Escola Nacional de Belas-Artes

– o que deveria implicar em uma mínima, para não dizer íntima, relação entre a

arquitetura e as demais artes plásticas.

A diferença central da fala de Martins e seu efetivo distanciamento da fala

costiana estão em pontos chaves de sua leitura sobre a nova arquitetura e seu

processo de formação. A primeira delas é um alargamento dos arquitetos

139
A exceção da narrativa de Hugo Segawa que enlaça o campo da arquitetura e urbanismo ao processo econômico de
industrialização do país é de 2007 e portanto posterior à essa fala de Carlos Martins.
269
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

responsáveis pela renovação arquitetônica brasileira no sentido de indicar um

processo coletivo de contribuições múltiplas que tiveram sim algumas figuras e

acontecimentos de destaque, mas não podem ser reduzidos a eles.

Sobre os anos 20, o arquiteto explicita as indecisões no campo arquitetônico

sobre os caminhos modernos e indica o embate entre as tentativas de modernização

pautadas na tradição predominantes na primeira metade dessa década e aquelas

que buscavam a atualização no alinhamento com as vanguardas europeias que

ganhou maior espaço no final desse período, permeadas pela questão da identidade

nacional e o ambiente de renovação artística no país. Apesar de dar ênfase a figura

do imigrante ucraniano, e mencionar a contribuição de Rino Levi, Flávio de Carvalho,

Jayme da Silva Telles, Júlio de Abreu entre outros, Martins adverte:

Seria, portanto excessivo atribuir a Warchavchik um pioneirismo absoluto na


implantação da arquitetura moderna no Brasil. Mas se deve reconhecer a
contribuição de uma obra que propugnava pela interação das artes plásticas e
aplicadas na construção de um ambiente moderno, assim como seu papel no
estímulo ao desenvolvimento de soluções e elementos construtivos que ficariam
incorporados à produção regular do mercado de construção civil do país.
(MARTINS, In: SCHWARTZ, 2002, p. 376).

Mesmo que essa advertência seja voltada para reconhecer que esse é um

momento preparatório e que a efetiva renovação se daria a partir dos anos 30 com

epicentro na capital do Brasil, ela também serve para uma reflexão mais distendida e

permeada por um entendimento interdisciplinar do momento de formação dessa

nova arquitetura, cuja natureza se deu mais na ordem de uma paulatina construção

coletiva e não de uma repentina batalha individual.

É nesse sentido que Carlos Martins pontua a rápida passagem de Lúcio

Costa pela direção da ENBA: se para a arquitetura, segundo esse pesquisador, o

impacto foi de “uma espécie de bomba de efeito retardado”, nas artes plásticas foi

imediato com o Salão de 31, no qual pela primeira vez numa mostra oficial a
270
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

produção nacional de vanguarda foi abrigada (MARTINS, In: SCHWARTZ, 2002, p.

376). O arquiteto paulista também relativiza a primazia da influência corbusiana nas

primeiras pesquisas racionalistas no Brasil e pontua, mesmo que rapidamente,

alguns arquitetos já conhecidos e outros nem tanto para mostrar a diversidade das

matrizes das primeiras tentativas, com especial destaque para a obra de Luís Nunes

no Recife. O Ministério da Educação e Saúde, então, é apresentado sim como um

advento singular e excepcional, porém de caráter simbólico afirmativo e não como

momento instaurador:

A primeira metade dos anos trinta assistiu à consolidação de uma produção já


mais informada pelos paradigmas internacionais, que preparou o terreno para o
momento chave do projeto do Ministério de Educação, com todo o peso da
presença direta de Le Corbusier e do forte significado da escolha da linguagem
moderna para a representação simbólica daquele ministério que se auto-
atribuía a tarefa de formação do “homem novo” brasileiro. (MARTINS, In:
SCHWARTZ, 2002, p. 377).

O desenvolvimento e o reconhecimento internacional alcançado pela

arquitetura brasileira então é, segundo Martins, fruto do equacionamento da

disjunção entre modernidade e identidade e não propriamente entre modernidade e

tradição como definiu Lúcio Costa e reforçaram seus vários ecos. Esse

equacionamento se forja na fusão entre as falas de Lúcio Costa e suas construções

teóricas, o fomento do governo autoritário de Getúlio Vargas e seu comprometido

com a “construção ideológica da nacionalidade” (MARTINS, In: SCHWARTZ, 2002,

p. 378) e as obras de um bom número de arquitetos, na originalidade criada pela

interpretação livre da doutrina corbusiana – com destaque, mas não exclusividade,

para a figura de Oscar Niemeyer.

Na fala de Martins uma nova caracterização da arquitetura moderna no Brasil

começa a se delinear. Nela a formação e o desenvolvimento dessa arquitetura se dá

num processo mais coletivo, não tão repentino, imerso num favorável contexto

271
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

econômico-cultural e fortemente determinado pela conjuntura política, no qual não

só os expoentes alcançaram uma qualidade arquitetônica capaz de obter o

reconhecimento internacional pela originalidade excepcional, mas que a média da

produção também possuía e conseguia manter – fator ainda mais surpreendente na

percepção mais aguçada e atenta da fala de Sigfried Giedion na introdução do livro

“Arquitetura Moderna no Brasil” de Henrique Mindlin de 1956.

Primeiramente, deve-se reconhecer que no Brasil se alcançou um certo nível de


realização que vem sendo mantido. Se certas características são claramente
visíveis nas obras de algumas individualidades excepcionais, elas não estão
ausentes no nível médio da produção arquitetônica. Isso não ocorre na maioria
dos outros países. (SIGFRIED, in: MINDLIN, 1999, p. 17).

Mesmo que essa fala teça o desenrolar da renovação arquitetônica dentro do

campo das artes, mote geral da exposição e da publicação, que poderia levar a um

eco das falas costianas na tangência do interesse na expressão plástica da

arquitetura que uma iniciativa dessa natureza poderia facilmente levar, não é esse o

viés que conduz a fala de Martins. Partindo de um olhar pautado no pensamento de

Paul Veyne que entende a história como trama narrativa verídica e dos enlaces entre

o campo político e o arquitetônico, sempre atento à ideologia por traz das

construções historiográficas, esse autor conscientemente se distancia da trama

costiana. Esse pesquisador foi um dos primeiros a chamar a atenção sobre a

insistente permanência da trama historiográfica auto legitimadora tecida por Lúcio

Costa para a arquitetura moderna brasileira, com destacado trabalho sobre o tema

no final dos anos 80.

Assim na parte onde predomina maciçamente o texto escrito, Martins busca

tecer uma trama mais matizada e coletiva sobre a arquitetura do movimento

moderno no Brasil, na qual não deixa de apontar o destaque das contribuições de

Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e o grupo do Ministério da Educação, mas sempre


272
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

acompanhada da advertência sobre a existência de outras contribuições, mesmo

que não chegue a identifica-las. Essa mesma estratégia é usada quando esse autor

narra os episódios dos anos 20 e cita a figura preponderante de Warchavchik em

tais acontecimentos. Nessa parte são colocadas apenas cinco ilustrações pequenas:

o projeto de Flávio de Carvalho para o Palácio dos Governadores, dois croquis de Le

Corbusier para as distintas propostas que ele faz para o Ministério da Educação e

Saúde, uma foto aérea do Conjunto Nacional de David Libeskind e o projeto de Burle

Marx para o Parque do Ibirapuera.

Figura 84 – Fotografia de abertura do texto de Carlos Martins mostra Lina Bo Bardi na escada de acesso a sua
casa de vidro em São Paulo. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950.
São Paulo: Cosac & Naify, 2002, p. 371.
273
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A escolha da bela foto de Lina Bo Bardi na escada de sua Casa de Vidro


140
(1951) feita por Chico Albuquerque em 1952 indica essa tentativa de

deslocamento e relativização dos acontecimentos e personagens da arquitetura

moderna no Brasil, mesmo que ainda fique praticamente restrita ao eixo Rio-São

Paulo. Vale pontuar que embora a visada dessa fotografia compartilhe com a cultura

visual moderna do período a prática dos enquadramentos nos quais a geometria

seca da arquitetura contém e domina a natureza, a presença da arquiteta posta em

sombra, assim com a sua obra, contra a luz que revela o horizonte iluminado de

colinas cobertas por uma vegetação quase intocada alterada apenas por caminhos

ainda não ocupados, estabelecem outras interpretações e sentidos para a ideia do

domínio da arquitetura moderna sobre a natureza e para a ansiosa expectativa de

futuro “dos tempos modernos”.

Na segunda parte da narrativa composta exclusivamente pelas ilustrações, na

reprodução das imagens e fotos das maquetes da exposição em excelente

qualidade de impressão e generoso tamanho, o conjunto das obras para mostrar a

excelência do modernismo na arquitetura brasileira não teria evidentemente como se

distanciar daquelas já consagradas nas falas de Costa. A grande diferença se dá

efetivamente pela importância dada à obra de Warchavchik. Talvez a presença de

David Libeskind na primeira parte, a perspectiva do Edifício Três Marias de Abelardo

Reidy de Souza e o Conjunto Habitacional do Realengo de Carlos Frederico Ferreira

na segunda parte sejam a tentativa de acenar para a participação de outros

arquitetos do “Brasil Moderno”, mesmo que timidamente presentes.

140
Francisco Afonso de Albuquerque (1917-2000) foi fotógrafo profissional. Nascido em Fortaleza desenvolve sua carreira em
São Paulo. Foi o responsável por fotografar os bastidores do filme inacabado de Orson Welles It’s All True, parte da política da
boa vizinhança que deu origem ao “Brazil Builds”.
274
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A maior distância da trama costiana, além da grande presença dos trabalhos

de Warchavchik, se dá na importância dada a Rino Levi e Luís Nunes. Essas

presenças, no entanto, não chegam a representar a ampliação do campo anunciada

no texto, visto que esses arquitetos já haviam sido incorporados por vários outros

autores nas tangências das tramas historiográficas mais recorrentes. Desse modo,

na trama revelada pela iconografia da fala de Martins continua-se a perpetuar a

“história” do moderno brasileiro dada exclusivamente no eixo Rio-São Paulo que

chega às outras partes do país através da ação direta dos profissionais formados

nesses dois grandes centros, representados pela obra de Luís Nunes no Recife.

Figura 85 – Primeira página da parte de ilustrações da narrativa de Carlos Martins apresentando a obra de Warchavchik. Fonte:
SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac & Naify, 2002, pp. 384/385.

275
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 86 – Página que apresenta o Ministério da Educação e Saúde. Edifício que nessa narrativa teve o maior número
de fotografias. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002, pp. 402/403.

Figura 87 – Página que apresenta Obras de Oscar Niemeyer. Arquiteto que nessa narrativa teve o maior número de
obras apresentadas. Fonte: SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropologia a Brasília: Brasil 1920-1950. São Paulo:
Cosac & Naify, 2002, pp. 414/415.

276
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A diferença maior entre as duas partes parece estar na tentativa de afirmar

um movimento mais coletivo no texto escrito que aparece muito pouco nas imagens

e menos ainda nas maquetes escolhidas para representar com maior ênfase a

arquitetura brasileira: a casa modernista de Warchavchik, o Ministério da Educação

e Saúde de Lúcio Costa e equipe, o Pedregulho de Affonso Reidy e o Copan de

Oscar Niemeyer. Estes últimos são usados para exemplificar o que Martins chamou

de “Arquitetura para a metrópole”, como mais uma das suas distâncias da trama

costiana no texto e nas imagens ao apontar que a afirmação da nova linguagem

arquitetônica brasileira havia ocorrido na sua capacidade de “enfrentar, de forma

consistente, outros programas além dos edifícios de representação simbólica do

poder estatal” (MARTINS, In: SCHWARTZ, 2002, p. 380). No entanto, como os

arquitetos permanecem sendo aqueles destacados por Lúcio Costa, permanece

também um esmaecido eco da afirmação do restrito grupo de Costa e seus eleitos.

Há, portanto, certo descompasso entre as mensagens contidas nas duas partes da

narrativa, talvez explicável por ser uma exposição no campo geral da expressão

artística interessado nas realizações mais notáveis do movimento moderno no país

para o exterior, cujas opções na síntese necessária a tal tipo de acontecimento e

sua linha de curadoria dificilmente não recairiam nas excepcionalidades já

reconhecidas internacionalmente da produção brasileira, com uma ou outra exceção,

mesmo que o autor do texto específico deixasse registrado seu olhar um tanto

diverso da “história”.

Pode-se perceber uma diferença central das falas de Martins para as de

Comas. Se Comas numa narrativa ampla sobre a arquitetura no Brasil reduz a

arquitetura moderna aos episódios excepcionais da arquitetura modernista brasileira,

Martins procura numa narrativa sobre as excepcionais realizações modernistas no

277
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Brasil apontar um horizonte mais amplo para os acontecimentos da arquitetura do

movimento moderno no país.

Embora o entendimento de Carlos Martins se revele menos imbuído da

passionalidade partidária da luta modernista, ou precisamente de certa linguagem

moderna e certo grupo hegemônico, no distanciamento, hoje já possível, dos

acontecimentos e coerções políticas, o eco das falas costianas ainda reverbera

fortemente em falas reducionistas e em certa medida ufanistas como a do arquiteto

carioca Lauro Cavalcanti que insiste em afirmar:

A arquitetura moderna brasileira do final dos anos 30 e início dos anos 40 é, sem
dúvida, um dos pontos altos de nossa arte no século passado. Moderno e
brasileiro, cujo embrião inicial constituiu minha tese de doutorado em
antropologia social, delineia o retrato desse fascinante momento em que se
produziu a revolução estética na construção em nosso país. (...) Esse processo
de transformação que provocará uma revolução estética começa com a
consultoria de Le Corbusier no prédio do Ministério da Educação e Saúde
(1936), é difundida através de ações da Política da Boa Vizinhança (1940-45),
chega à maioridade por ocasião do projeto da Pampulha (1942-43) e atinge seu
ápice na construção de Brasília (1956-60), fechando o ciclo que se convencionou
chamar de Alto Modernismo na arquitetura brasileira. (CAVALCANTI, 2006, p. 9).

Nascido no Rio de Janeiro em 1954, Lauro Pereira Cavalcanti, arquiteto

formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1979, acabou se

tornando antropólogo por fazer toda a sua pós-graduação na área da antropologia

social na UFRJ: mestrado defendido em 1987, doutorado em 1993 e pós-doutorado

realizado em 2001, todos vinculados à história social das artes e ao estudo do

espaço e da estética social. O livro “Moderno e Brasileiro: a história de uma nova

linguagem na arquitetura (1930-60)” perpassa pelas questões enfrentadas por esse

autor no percurso dos seus trabalhos acadêmicos, e particularmente sua tese de

doutorado. Nessa fala ele afirma a instauração de uma nova linguagem vinculada à

instauração de um campo da arquitetura pautadas na vitória alcançada pelos

arquitetos modernos em três frentes:

278
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Penso que os arquitetos modernos conquistaram a posição de dominantes,


desde 1940, ao vencerem o debate com seus oponentes neocoloniais e
acadêmicos nas seguintes frentes: a construção de monumentos estatais para o
Estado Novo, a instauração de um Serviço de Patrimônio responsável pela
constituição de um capital simbólico nacional – com a seleção e a guarda das
obras consideradas monumentos nacionais – e finalmente, a proposição de
projetos de moradias econômicas, para a implantação, no país, de uma política
de habitação popular. (CAVALCANTI, 2006, p. 10).

Esse autor tece uma trama no enlace entre poder público, elite dominante e

expressão artística excepcional. Nessa construção a tentativa é de explicar porque

cultural e socialmente uma determinada vertente estética se instaurou e ganhou

evidência nacional e internacional, especialmente na reformulação da imagem do

país. Posto num campo de batalha a fala discorre sobre a vitória, os vitoriosos e

seus percursos para atingir e manter um poder. Nesse sentido a habitação popular

seria uma forma de interação da elite com as camadas populares141, o patrimônio

uma forma de demostrar a sabedoria sobre o passado e selecionar seus

monumentos e o forte vínculo com o poder público o modo de construir os

monumentos do futuro. Segundo esse autor Lúcio Costa e equipe seriam o polo

erudito dominante que teriam demostrado sua “superioridade” e assim conquistado o

poder sobre o campo arquitetônico, o que permitiu a instauração de uma nova

linguagem.

Os arquitetos modernos brasileiros conquistam a posição de dominantes


graças a vários movimentos que comprovam a sua superioridade em face dos
competidores acadêmicos e neocoloniais nas duas extremidades do campo: a
popular e a erudita. (CAVALCANTI, 2006, p. 13).

Com tal forma de olhar e tal recorte, não é muito difícil compreender o porquê

da similaridade das tramas de Cavalcanti e Costa, dada no interesse pela

constituição de uma hegemonia estética e por uma expressão plástica singular. A

141
Mais que interação, pode-se aferir contenção e controle das classes populares no sentido que o texto coloca. Vale também
aqui pontuar que a leitura do enfrentamento dos arquitetos modernos, com destaque para Lúcio Costa, Affonso Reidy e Ernani
Vascocellos como os “responsáveis pelos principais projetos e textos acerca da moradia popular no Brasil” (CAVALCANTI,
2006, p. 12) é extremamente discutível.
279
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

trama de Cavalcanti, mais que um eco é praticamente uma “clonagem” da trama

costiana. Ela busca ratificar e legitimar a história dos poderes instituídos e

autolegitimadores já celebrados, mesmo que através de outro aporte teórico e da

ampliação do horizonte dos acontecimentos. Embora suas contribuições sejam bem

interessantes, elas permanecem reafirmando a mesma trama historiográfica e

apenas dá mais profundidade aos seus próprios argumentos autolegitimadores. Não

chega propriamente a estabelecer uma ampliação do campo arquitetônico como

profissão e coletividade centrais para formação de uma nova linguagem

arquitetônica no país. Isto porque esse autor continua a reiterar a repetida e restrita

instauração do “moderno e brasileiro”, a ponto de insistir em afirmar que: “Um

fenômeno singular, no caso brasileiro, é que são, fundamentalmente, os mesmos

indivíduos que atuam nas três frentes anteriormente descritas.” (CAVALCANTI,

2006, p. 10). Os nomes que aparecem invariavelmente nas três frentes são os de

Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e são insistentemente celebrados.

A dupla atuação de Costa e Niemeyer – o primeiro como urbanista e diretor de


arquitetura e história do Sphan, o segundo como arquiteto de grandes projetos,
principalmente na esfera pública – conferiu-lhes largo domínio no campo
arquitetônico brasileiro.
Os arquitetos modernos brasileiros conseguiram, dessa forma, realizar o sonho
de todo revolucionário: o controle dos pólos erudito e popular, além do
reconhecimento de sua sabedoria sobre o passado e o futuro. Brasília e Ouro
Preto corporificam a especificidade do modernismo brasileiro: Lucio Costa e
Oscar Niemeyer projetaram a capital do futuro, ao mesmo tempo que
remodelaram a face da capital simbólica de nosso passado colonial.
(CAVALCANTI, 2006, p. 15).

O livro se divide em cinco partes: “Ministérios, o ministério”, “Construindo o

passado”; “Casas para o povo”; “O bom vizinho constrói: relações arquitetônicas

entre Brasil e Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940”; por último “Pampulha e

Brasília: a liberdade da estrutura na invenção de uma linguagem singular”. Nessa

trama historiográfica o campo arquitetônico assemelha-se mais a um “cabo de

280
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

guerra”, uma linha tensionada de um lado pelos “heroicos” modernistas e de outro

pelos neocoloniais e acadêmicos. O mapeamento anunciado das tensões fica

reduzido aos acontecimentos da própria trama costiana. Não são reconhecidas nem

mesmo as tantas outras contribuições à instituição dessa hegemonia, muito menos

aquelas dadas à arquitetura moderna de modo mais abrangente.

A trama nessa narrativa pode ser entendida em seu duplo sentido, vale tanto

para designar o enredo que enlaça os fatos históricos como para os artifícios e

articulações de poder que possibilitaram tais fatos históricos acontecerem, com

destaque para esse último significado. Interessante notar que as imagens assumem

papel completamente distinto de todas as falas analisadas até aqui. O deslocamento

dos entendimentos da história dos objetos para o das pessoas e seus domínios de

poder, mesmo que situado na excepcionalidade de objetos plásticos, no caso a

arquitetura, fazem aparecer bem mais as fotos dos sujeitos e dos encontros desses

sujeitos. Encontros diretos como na foto que reuni Gustavo Capanema, Carlos

Drummond de Andrade e Edgar Roquete Pinto na cerimônia do lançamento da

pedra fundamental da sede do Ministério da Educação e Saúde em 1937 ou naquela

que mostra Capanema apresentando a Getúlio os planos irrealizados para a cidade

universitária na Exposição do Estado Novo em

1938. Ou os encontros indiretos como na foto do

jovem que carrega uma bandeira com a foto de

Getúlio Vargas na manifestação popular de

apoio ao estadista na abertura dessa mesma

exposição.

Figura 88 – Ilustração do livro de Cavalcanti que mostra um jovem numa


passeata com bandeira com a foto de Getúlio Vargas no Bolso Fonte:
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova
linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2006, p.22.

281
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 89 – Capanema e Vargas na apresentação dos planos Figura 90 – Cerimônia de lançamento da pedra
para a cidade universitária no livro de Cavalcanti. Fonte: fundamental do MÊS com Capanema cercado
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma pelos modernistas. Fonte: CAVALCANTI,
nova linguagem na arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Lauro. Moderno e brasileiro: a história de
Jorge Zahar, 2006, p.11. uma nova linguagem na arquitetura, 1930-
1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.54.

A quantidade de ilustrações é generosa, todas em preto e branco, mas nem

todas de boa qualidade, num conjunto formado majoritariamente por fotografias,

alguns desenhos e perspectivas, poucos folhetos, a capa do “Brasil Builds” e uma

única planta baixa – o térreo do Pavilhão Brasileiro para Feira de Nova York em

1939 com a distribuição dos estandes adaptado do catálogo original do evento.

Assim não é propriamente o espaço arquitetural, a distribuição e organização do

programa arquitetônico, a solução estrutural, a implantação e afins que constituem

para Cavalcanti a linguagem da arquitetura, ela é situada apenas nas linhas e

formas plásticas da arquitetura dos edifícios monumentais e simbólicos. Outro ponto

que merece atenção nas fotos é a pouca relação entre as obras arquitetônicas e as

pessoas, assim ou a foto enquadra a arquitetura sem corpos ou focaliza apenas as

pessoas. São raríssimas as fotos em que se apresentam o espaço moderno

habitado. Algumas imagens são muito interessantes enquanto documento e forma

de registro, como a imagem que abre a introdução que mostra o plano de

remodelação para a cidade do Rio de Janeiro de Alfred Agache numa imagem em

282
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

que o próprio urbanista aparece apresentando o plano numa espécie de quadro em

cavaletes.

Figura 91 – Página ilustrativa do livro de Cavalcanti que mostra os focos separados de seu
interesse sem intermediações (ou centra-se no edifício ou nas pessoas). Fonte: CAVALCANTI,
Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura, 1930-1960.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.59.
283
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 92 – Imagem que abre o item sobre o Figura 93 – Primeira imagem da introdução do livro de
Ministério da Educação no livro de Cavalcanti. Cavalcanti, que mostra Agache apresentado seu plano
Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: para o Rio. Fonte: CAVALCANTI, Lauro. Moderno e
a história de uma nova linguagem na arquitetura, brasileiro: a história de uma nova linguagem na
1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p.32. arquitetura, 1930-1960. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2006, p.8.

O revisitar das revistas especializadas dos anos 20 e 30 do próximo capítulo

segue o caminho sinalizado por Carlos Martins e busca mapear outras tantas falas

da época, e aprofundar o entendimento da formação da arquitetura moderna no

Brasil como um esforço coletivo, um processo lento e multifacetado na constituição e

disseminação das várias formas de ser “moderno e brasileiro”.

284
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

4. SOBRE OUTRAS FALAS E OUTROS ECOS

(...) a memória coletiva é não somente um conquista, é


também um instrumento e um objeto de poder.
(LE GOFF, 1996 p. 470).

Entre meados dos anos 20 e os primeiros anos da década de 40, os

acontecimentos que contribuíram para a formação da arquitetura moderna no Brasil

ultrapassaram em muito as já celebradas e insistentemente repetidas versões sobre

a sequencia evolutiva linear e pouca tencionada dos manifestos de Warchavchik e

Levi em 1925 que supostamente trariam a baila as primeiras ideias de renovação da

arquitetura; a visita de Le Corbusier em 1929 que colocaria mestre e discípulos em

contato direto; a tentativa de reformulação da Escola de Belas Artes por Lúcio Costa

entre 1930/1931 que tentaria institucionalizar uma formação moderna e mesmo sem

sucesso abriria o embate e desperta o interesse da geração que logo daria novas

respostas às suas atuações profissionais; o processo de concepção e construção do

Ministério da Educação e Saúde de 1936 a 1945 que instauraria num único

momento tanto a aplicação do receituário corbusiano como a inauguração de uma

forma própria brasileira de utilização do mesmo; e finalmente a explosão e

consolidação desse modo “moderno e brasileiro” com o Complexo da Pampulha

entre 1940 e 1943 de Oscar Niemeyer.

Com um afastamento já bem evidente dos limites da trama costiana e apesar

de bastante enriquecido e tensionado o entendimento sobre as expressões do

moderno no Brasil a partir dos anos 40, ainda paira uma espécie de bruma sobre o

fervilhar dos anos 20 e 30, dos movimentos e elementos que se conectaram e se

285
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

colocaram em embate na transformação dos modos de fazer e de expressar da nova

arquitetura.

O mergulho nas revistas especializadas dos anos 20 e 30 é um modo de

recuperar falas silenciadas, debates esquecidos e possibilitar uma aproximação

maior desse campo de forças na constituição e conformação de um movimento

arquitetônico significativo para o país, no mapeamento da diversidade dos pensares

e fazeres guardados nesses periódicos.

Se no período abordado a inclinação das instituições responsáveis pela

formação profissional dos arquitetos ainda pendia para uma orientação tradicional, e

se a nova arquitetura se difundiu e conseguiu tantos e tais exemplares construídos

num relativo curto período de tempo a ponto de chamar a atenção da crítica

internacional, outras falas, outras modos de fala e outros ecos foram necessários

para essa renovação. Entre intenções, ideários, formas expressivas, soluções

técnico-construtivas, composições volumétricas e configurações espaciais se deu no

Brasil a criação de vasto repertório e rico vocabulário arquitetônico que, como já

havia observado Sigfried Giedion em 1956, não se ateve ás soluções dos maiores

expoentes e obras excepcionais, mas se fez presente em uma gama generosa de

edificações comuns, projetadas por arquitetos conhecidos e outros cujos nomes a

“história oficial” não registrou e o tempo apagou, em todos os cantos do país. Para

além da arquitetura erudita também foram enormes os ecos dessa linguagem

incorporada de maneira interessantíssima na produção leiga das grandes cidades

aos recantos mais longínquos e distantes do Rio de Janeiro – capital brasileira à

época.

286
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

4.1. PERIÓDICOS: FALAS ESQUECIDAS DE ECOS DURADOUROS

(...) destinadas a um público especializado, elas vêm cumprindo, desde sempre,


o papel de expor, agitar e difundir ideias.
Humberto Werneck (In: A Revista no Brasil, 2000, p. 112).

Assim com as revistas de cultura no país cuja citação a cima se refere, as

revistas especializadas em arquitetura e urbanismo apesar de importância central na

formação e informação de um específico público, via circulação de ideias e imagens,

transformação de mentalidades e conformação de sensibilidades, na primeira

metade do século XX “enfrentaram insolúveis aperturas financeiras, responsáveis

por um altíssimo índice de mortalidade editorial” (WERNECK, 2000, p. 112). Se os

periódicos de cultura eram mais meteóricos que os periódicos técnicos, isso se dava

pela vantagem em relação a esses últimos de uma quantidade bem mais generosa

de títulos142. Talvez pelo custo mais elevado, ou pela possibilidade de patrocínio

mais restrita, ou pela dificuldade de disponibilidade de material pertinente, ou pelo

público extremamente exíguo ou ainda a conjugação dessas e outras razões as

revistas técnicas eram em número bem mais reduzido que as de interesse mais

geral. Na área de arquitetura entre os anos 20 e 30 esse número se reduzia a oito:

“Architectura no Brasil” de 1921, “A Construccção em São Paulo” de 1923, “A Casa”

de 1923, “Architectura e Construcções” de 1929, “Revista de Arquitetura” de 1934,

“Arquitetura e Urbanismo” de 1936, “Urbanismo e Viação” de 1938 e “Acrópole” de

1938 143 . Essas revistas tiveram papel central na renovação da arquitetura e do

urbanismo no Brasil.

142
Ver Linha do tempo em WERNECK, Humberto (editor). A Revista no Brasil. São Paulo: Abril, 2000.
143
Ver artigo “Revistas de arquitetura no Brasil”. Acrópole, edição comemorativa dos 25 anos da revista,1963, n.295/296, pp.
201a 203.
287
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Por meio de viagens ao estrangeiro e especialmente pelas publicações


especializadas, o Brasil familiarizou-se logo com todas as minúcias da
arquitetura moderna na Europa, não apenas a da França, mas ainda a da
Alemanha e a da Itália (GOODWIN, 1943, p. 81).

Já registrado no “Brazil Builds” e assinalado pelos arquitetos da época os

periódicos especializados tinham papel de grande importância no início do século

XX, momento extremamente revolucionário embora o tempo e o espaço ainda não

tivessem sido colapsados pelo advento dos meios de comunicação

contemporâneos. A imensa facilidade de acesso a informações e novidades de toda

ordem disponíveis neste início de século XXI, num cenário onde a troca e circulação

de ideias possuem a rapidez do quase instantâneo, é muitíssimo distante da

realidade da maior parte do século XX em especial de suas primeiras décadas.

Apesar das grandes transformações e dos avanços tecnológicos desse período, os

percursos e os meios de acesso a eles eram bem mais escassos. As revistas e em

especial as especializadas eram à época um dos principais meios pelos quais se

dava o fluxo de ideias e possuíam um papel fundamental nesse movimento ao

flagrar e divulgar em primeira linha as realizações e os debates em curso no fervor

mesmo do momento em que aconteciam. Além deste papel informativo, os

periódicos também possuíam, e ainda o mantém, um caráter conformador que

perpassa pela formatação das subjetividades. Nesse sentido foram centrais na

criação e aceitação das formas modernas em suas variadas expressões e

especificamente das expressões do movimento moderno, bem como na

disseminação das arquiteturas modernas pelos mais diversos cantos do mundo

ocidental, através e apesar das críticas díspares de cada uma delas.

No Brasil, os periódicos especializados do segundo quartel do século XX,

através das questões postas e suas diversas formas de apresentação, guardam

288
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

outras tantas possibilidades de compreender o que ocorreu na arquitetura brasileira

em cores e matizes mais variados que aqueles utilizados pela crítica e pela narrativa

modernistas e seus fortes ecos.

Essas revistas tiveram papel crucial na criação de novas sensibilidades, na

formação técnica e na disseminação das múltiplas formas de ser moderno na

arquitetura do país. A grande contribuição desse meio, juntamente com as

exposições, catálogos e debates nos artigos de jornal, foi abrir uma fenda na rígida

formação acadêmica por onde a brisa fresca de uma renovação multifacetada pode

passar. Essa fenda foi sendo paulatinamente alargada até se tornar um abismo e a

brisa virar um grande tornado, num processo cheio de embates, contraposições e

divergências sobre as formas e sentidos de ser moderno. Esse processo foi bem

mais conturbado e complexo do que aquele revelado posteriormente pelas falas

daqueles que conquistaram singular condição hegemônica na produção e na

historiografia da arquitetura brasileira.

Portanto foram raros e fracos os ecos das múltiplas falas das revistas nas

narrativas históricas de maior visibilidade, porém os ecos se deram de uma outra

maneira, ainda mais duradoura na prática projetual brasileira na qual uma linguagem

falante internacional se tornou falada nacionalmente e que se fez falante nacional e

mundialmente e se viu falada popularmente no Brasil e propalada no exterior. Esse

horizonte de análise é fundado na ideia de que a criação não se dá no vácuo, mas

no turbilhão caudaloso e múltiplo do existente, que a expressão inovadora ao

mesmo tempo em que se funda na existente, necessita de disseminação para se

tornar corrente e assim se torna concomitantemente própria do momento e

trampolim para outras inovações e assim sucessivamente. As revistas

especializadas então são um meio privilegiado de possibilitar esse movimento.


289
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se os periódicos cumpriam tais papeis e se os internacionais tinham ainda

maior importância nas apresentações do que se fazia de mais atual no mundo, os

nacionais para além das funções sensibilizadoras e informativas tinham ainda um

papel formador, no sentido técnico do termo. Esse papel fundamental revela-se na

apresentação de assuntos técnicos em seções especializadas para tal fim e artigos

variados que abarcavam de questões relacionadas ao conforto ambiental á

detalhamento de esquadrias, passando por toda uma gama de instruções

minuciosas sobre o uso do concreto armado e seus cálculos estruturais.

Assim as revistas nacionais também cobriam uma defasagem da própria

formação de grande parte dos arquitetos brasileiros que vinham de instituições nas

quais o curso de arquitetura era vinculado às Escolas de Belas Artes cujos

conteúdos disciplinares eram eminentemente voltados para o campo das artes e não

da construção – a exceção de São Paulo cujo curso era ligado à escola Politécnica.

Os periódicos nacionais apontam e contribuem enormemente para uma formação

técnica. Bem mais que a instauração de uma linguagem moderna, tratava-se da

formação de um arquiteto moderno – um único profissional que fundiria o técnico e o

artista em uma só figura, capazes de responder às complexas e múltiplas exigências

da arquitetura daquele momento.

Dentre os oito títulos em circulação entre as décadas de 20 e 30 duas se

destacam nas contribuições e entendimentos do horizonte da formação tanto da

arquitetura moderna no Brasil de modo geral, bem como da arquitetura do

movimento moderno brasileiro especificamente, por motivos distintos e por isso

mesmo complementares: a popularidade da Revista “A CASA” e a oficialidade da

Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”. A representatividade que esses dois

290
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

extremos representam baliza, de certa maneira, o campo de forças, os embates e as

ramificações da área no redemoinho da renovação da arquitetura brasileira.

A popularidade de “A CASA” se deve a ser esse o periódico de maior duração

no período. Publicação mensal, esse periódico somou um total de 304 edições até

seu encerramento em 1949 – o que indica sua larga penetração entre o público

especializado e/ou interessado. As demais publicações supracitadas totalizam cerca

de 30 edições cada uma delas, o que representa aproximadamente 10% do total de

edições da Revista “A CASA”. As exceções a essa média são a “Revista de

Arquitetura” que chega a 64 números – cujo aumento em edições publicadas144, não

faz sombra a penetração de sua comparte mais popular – e a Revista “Acrópole”, a

mais longeva delas, que atinge 33 anos de publicação encerrada em dezembro de

1971 – o que a tornou uma das mais importantes revistas brasileiras de arquitetura

do século XX. Porém esse último periódico teve início em maio de 1938, momento

em que a renovação arquitetônica já havia atingido tal grau de maturidade que

permitiu sua adoção pelo poder público. Como indubitável exemplo dessa condição

pode-se apontar, para além de uma série de edifícios públicos, todas as sedes

ministeriais recém-construídas ou em construção à época. As expressões adotadas

foram todas modernas, mesmo que vinculadas a vertentes distintas, eram

claramente distantes das soluções ecléticas, como: o Ministério da Marinha (1934-

1938), o Ministério do Trabalho (1936/1938), o Ministério da Guerra (1938/ 1942) e o

Ministério da Educação e Saúde Pública (1936/1945)145.

A oficialidade do periódico “ARQUITETURA E URBANISMO” órgão oficial do

Instituto dos Arquitetos do Brasil se deve ao fato de ter sido ela a revista do IAB,
144
O total desse aumento significa cerca de 20% das edições da “A CASA”.
145
Mesmo que o Ministério da Educação e Saúde tenha sido a vedete, não passou despercebido aos americanos do “Brazil
Builds” a modernidade, mesmo que multifacetada, das representações construtivas governamentais brasileiras, ressaltadas
ainda mais quando comparadas aos edifícios públicos americanos neoclássicos construídos para o “Federal Triangle” entre
1931-1936.
291
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

principal instituição representativa dos profissionais de arquitetura no país, mesmo

que esse consenso da categoria fosse mais uma pretensão que uma realidade.

Essa revista representava a fala da classe dos arquitetos na sua, em certa medida,

ampla gama de posicionamentos e direcionamentos projetuais, mas de interesse

comum em afirmar as habilidades e capacidades específicas do profissional

arquiteto e a real necessidade de seus serviços e conhecimentos para a sociedade,

que se pretendia, ou pelo menos almejava, culta e moderna.

“A CASA” e “ARQUITETURA E URBANISMO” nos revelam uma parte dos

modos, tempos e atores do processo de renovação da arquitetura no Brasil, já em

desenvolvimento razoável e bem diverso da “instauração milagrosa” da arquitetura

moderna com a estadia de Le Corbusier em julho/agosto de 1936 da versão de

Lúcio Costa, como se pode aferir pelas capas dessas revistas nesse momento.

Figura 94 – Capa da Revista A CASA em agosto Figura 95 – Capa da Revista ARQUITETURA E


de 1936, momento em que Le Corbusier estava URBANISMO em agosto de 1936, momento em que Le
pela segunda vez no Brasil. Fonte: A CASA, n. Corbusier estava pela segunda vez no Brasil. Fonte: A
147, capa, ago., 1936. CASA, n. 2, capa, jul./ ago., 1936.
292
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

4.2. REVISTA “A CASA”: FALAS DE UM PROCESSO EMBRIONÁRIO

“A CASA – Revista de Architectura, Engenharia e Arte Decorativa” foi

lançada em outubro de 1923 no Rio de Janeiro e teve como primeiro editor o

arquiteto Ricardo Wriedt. Esse alemão vem para o Brasil e aqui desenvolve

importante carreira, construindo obras de expressões variadas em cidades

brasileiras como Belo Horizonte, Vitória e especialmente no Rio de Janeiro onde

mantinha residência e escritório de arquitetura.

No primeiro número como uma espécie de editorial assinado pela redação da

revista, a publicação explicita seu propósito nos seguintes termos:

Afim de supprir um necessidade, que desde muito tempo vem fazendo-se sentir,
entregamos hoje ao publico uma nova revista >> A CASA <<, a qual, pelo seu
programma deverá encontrar inúmeros amigos entre profissionais de
Architectura e Construcção, assim como interessará aos, que pretendem
futuramente construir ou mandar construir o seu lar.
Tendo o Brasil um estylo architectonico (...) adaptado ás necessidades do clima
e da vida, faltava-lhe ainda uma obra ou revista que servisse de guia ou
instructor, quando trata-se da escolha de uma planta ou exterior como do interior
para uma moradia ou edifício, pois todos os trabalhos, que podem ser
consultados neste sentido, procedem do estrangeiro.
Como acima já citamos, nos resolvemos suprir esta falta (...) que cada um
encontre nella o, que desde muito tempo vem procurando: um guia exacto do
estylo decorativo externa e interna de sua casa.
Interessamos-nos especialmente pelo typo de construcção pequena, afim de
facilitar aos menos abastados a escolha e organisação do seu futuro lar.
Os modelos que publicamos em nossa revista, deverão servir do mesmo modo
aos profissionais, como aos leigos n’esta seductora arte, que é a Architectura. (A
CASA, n.1, s/p, out., 1923.).

Desta apresentação pode-se extrair um desejo modernizador na formação de

um gosto diferente do corrente. Embora ainda vinculados à ideia de modelos e

estilos, nota-se uma preocupação de qualificar as construções com posições

movidas por problemas próprios do país e não apenas vindos do exterior. Com uma

postura mais mercadológica, a revista buscava também abrir o mercado da

293
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

construção para o profissional junto a uma classe menos favorecida

economicamente. Assim mesmo que de maneira embrionária, e talvez no bojo das

discussões no campo das artes de atualização e nacionalização das expressões

brasileiras colocadas em maior evidência desde as comemorações do Centenário da

Independência do país no ano anterior, essa revista já registra uma incipiente

tentativa de renovação da arquitetura com matizes locais. As preocupações de

formar um novo gosto, de qualificar a moradia dos menos abastados e fazer

corresponder planta, interior e exterior revelam certa tangência com as

preocupações do Movimento Moderno. No entanto a capa não deixa dúvidas de que

o que havia de mais moderno na arquitetura brasileira da época eram os bangalôs,

já bem destituídos dos ornamentos ecléticos, mas de telhado bastante inclinado

como o estampado na sóbria capa cinza do primeiro número dessa revista.

Figura 96 - Capa da primeira edição da Revista A


CASA. Fonte: A CASA, n.1, capa, set.,1923. 294
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Alguns desenhos apresentados nesse primeiro número mostram tentativas

bem interessantes em busca de soluções e linhas modernas, provavelmente

desenhadas pelo arquiteto e editor Ricardo Wriedt. Destaca-se um projeto de

bangalô na Urca, cuja solução cilíndrica de cobertura piramidal e circundada por

varanda no térreo é definida por uma planta em um dodecágono em divisão radial

assimétrica no térreo a partir de uma sala central que se abre para outras salas

circunvizinhas e uma divisão interna que não necessariamente coincide parede

sobre parede de um andar para o outro. Outra solução ainda mais surpreendente é a

perspectiva de um hall interno que muitíssimo lembra as soluções de Charles Rennie

Mackintosh para o concurso realizado pelo editor alemão A. Koch da casa para um

amante da arte em 1901.

Figura 97 – Projeto de residência apresentado no primeiro Figura 98 - Projeto de hall apresentado no primeiro número da
número da Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.1, s/p, set., Revista A CASA. Fonte: A CASA, n.1, s/p, set., 1923.
1923.

295
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“A CASA” tinha uma linguagem simples e popular que buscava atingir um

grande público interessado nos problemas e novidades da construção que

rapidamente ganhou distribuidores em grande parte do país das suas edições

mensais. O primeiro número é basicamente um catálogo de obras construídas,

projetos e anúncios de toda ordem ligados a questão da construção – principalmente

de construtores e arquitetos, mas também aparecem lojas de ferragem, fogões, etc.

Os projetos são apresentados por plantas e perspectivas, os interiores por

perspectivas internas e as obras por fotografias, algumas vezes acompanhadas por

suas plantas. Não há artigos, apenas imagens e o único texto de meia página

denominado “O problema do mobiliário em face das construcções modernas” vinha

assinado por uma loja de departamento a Mappin Stores que alertava seus clientes

sobre a incompatibilidade de certas peças de mobiliário com as construções

modernas e a necessidade de compatibilização dessas com o ambiente oferecendo

seus “technicos decoradores” de “longa pratica e apurado gosto artístico” para

aconselhar seus clientes para evitar em relação à mobília que “seu estylo estivesse

em desacordo com as linhas decorativas do aposento a que se destinassem” (A

CASA, n.1, s/p., out., 1923).

A partir do segundo número já aparecem para além das imagens textos

explicativos das obras e projetos e alguns pequenos artigos: “A nossa casa” de

Alvaro Sodré, que chama atenção para a importância do conforto da casa e critica o

regulamento da prefeitura do Rio de Janeiro para a questão construtiva e o que ele

chamou de “delírios architectonicos dos constructores baratos. Dahi o espectaculo

bizarro de nossa architectura urbana” (A CASA, n.2, s/p, nov., 1923); “O problema de

habitações” de Mauricio Barbalat que denuncia a venda de casas de má qualidade

por profissionais não capacitados e instiga a população a ter atenção e economizar

296
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

para pagar uma firma qualificada; “A beleza das pérgolas”, sem autoria atribuída,

fala sobre jardins; e por fim e mais interessante o texto de Ricardo Wriedt intitulado

“Alguma cousa sobre o custo das construções”, onde se pode flagrar o começo de

um debate em busca de soluções modernas para a arquitetura, já desqualificando o

ornamento e priorizando a utilidade. Nele o arquiteto afirma:

Todos nós queremos reunir em nossa casa o bello e o agradável. Mas o que
significa a beleza de uma construção? Nada mais do que uma concepção
artística de uma expressão rhytimica extremamente adaptada ao útil, cuja
utilidade é visível sob todos os pontos de vista: na planta, na organisação dos
compartimentos, na construcção, no material, e até na occasião ou melhor
ainda na estação escolhida para construção.
Não esqueçamos que todo o enfeite superfluo, sendo uma questão de moda
agradará apenas enquanto esta dura. Depois torna-se ridícula e tras-nos
disgostos. (...) Devemos, pois, reunir a arte ao util (WRIEDT, A CASA, n.2,
s./p., nov.,1923.)

Ainda nesse segundo número, a limpeza das linhas do pergolado e das

soluções do jardim ao fundo

do artigo supracitado “A

beleza das pérgolas”,

também impressiona para

uma publicação do início dos

anos 20. Infelizmente sem a

devida identificação essa

imagem aparece como

ilustração do artigo sem

indicação nem do lugar nem

do arquiteto.

Figura 99 – Pergolado
publicado no segundo número
da revista A CASA. Fonte: A
CASA, n.2, s/p, nov., 1923.
297
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Wriedt não fica muito tempo à frente da revista. Após um ano e seis números

publicados vende a propriedade da revista ao engenheiro civil e redator Alberto

Brandão de Segadas Vianna em sociedade com o arquiteto e gerente J. Cordeiro de

Azeredo, que passa a ser o redator. Nesse momento a revista também passa a ser

secretariada e redigida pelo engenheiro civil Braz Jordão. Alberto Vianna foi

funcionário do Banco do Brasil e um dos sócios fundadores da Associação dos

Aposentados do Banco do Brasil em 1951, apesar de dono da revista sua

participação parece não estar vinculada às questões editoriais, pois seu nome não

aparece em nenhum editorial, artigo ou projeto apresentado na revista,

provavelmente por seu vínculo empregatício como funcionário público. O conteúdo

do periódico indica que eram Cordeiro de Azeredo e Braz Jordão os efetivos

responsáveis pelas discussões e obras apresentadas. Sobre esses dois quase nada

se conseguiu apurar para além de seus esforços precursores no debate sobre a

arquitetura moderna revelados nos artigos e projetos da própria revista.

São inúmeros os projetos assinados por J. Cordeiro de Azeredo publicados

em “A CASA” que revelam um interessantíssimo processo de transformação das

propostas desse arquiteto em busca de renovar a arquitetura. Além de ser

proprietário da revista e um de seus principais colaboradores, também possuía ser

escritório próprio de arquitetura e escreveu o livro “Compendio Prático de

Perspectiva” publicado em 1936. Em dezembro de 1926 deixa a propriedade da

revista e passa a contribuir sazonalmente, retornando sua contribuição mais efetiva

em janeiro de 1931 quando Braz Jordão se torna o novo proprietário. Essa parceria

dura até agosto de 1937, quando o novo parceiro de J. Cordeiro de Azeredo passa a

ser o engenheiro civil H. Vaz Correa.

298
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Durante o período que durou a parceria Azeredo e Jordão percebe-se uma

paulatina introdução das formas modernas nas obras apresentadas nesse periódico,

bem como nos debates dos seus artigos. No número 96 em maio de 1932 os seis

projetos apresentados eram de algum modo em linhas modernas e em maio de 1937

dos 17 publicados 13 poderiam ser considerados modernos. Com a saída de Braz

Jordão ocorre um processo de redução do espaço dado às expressões modernas e

amplia-se aquele dado às linhas neocoloniais e californianas (ou estilo missões),

prova disso é que o número 166 em março de 1938 das 11 obras publicadas apenas

quatro possuíam linhas modernas.

Engenheiro e geógrafo, atuante também como arquiteto, Braz Jordão era o

maior defensor do concreto armado nos artigos desse periódico e das novas

possibilidades que ele trazia para a arquitetura. São dele vários artigos que versam

sobre esse tema. Seus artigos mostravam-se sempre atentos aos acontecimentos e

problema contemporâneos ao seu momento do campo da arquitetura e afins.

Sem assinatura, mas provavelmente da dupla é o artigo intitulado “O concreto

armado nas construções” no número 81 de fevereiro de 1931, onde afirma-se que

“Não há a mínima duvida sobre o modernismo no domínio da architectura" (p.09) e

segue:

Os que não comprehendem que a opportunidade se apresentou a todos os


povos, facultando-lhes a possibilidade para a creação de sua feição
architectonica própria, - acceito e largamente divulgado o novo material – só se
limitam a censurar e emquanto isso, a influencia estrangeira vae ganhando
terreno. Nunca que poderemos ter uma architectura nossa! (A CASA, n.81, p.
10, fev., 1931).

Nesse artigo se coloca a discussão tanto da atualização da linguagem

arquitetônica como sua feição nacional, porém já não mais vinculada ao passado.

Esse direcionamento se revela quando, ao analisar esse artigo, observa-se que

299
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

apesar de apresentar um projeto de F. Saboia e F.P. Veiga de linhas neocoloniais,

construído em concreto armado, há uma longa introdução que versa sobre o

modernismo e esse novo material. Assim, é clara a advertência que essa fala faz à

contradição entre o novo material e as linhas inspiradas no passado, perceptível

tanto no longo espaço dado às considerações sobre o concreto e a arquitetura

modernista como no curto texto que fala do projeto especificamente. Posição ainda

mais evidenciada na afirmação que inicia a parte referente à proposta apresentada:

Feitas as considerações que fomos escrevendo à medida que nos iam


ocorrendo, em torno do palpitante assumpto da arte modernista, passemos ao
projecto de casa residencial cujo estylo não justifica em nada, na verdade, as
asserções acima (A CASA, n.81, p. 10, fev., 1931).

A defesa da nova arquitetura e a oportunidade que ela abria para a criação de

uma linguagem própria brasileira é patente nesse momento da revista, em certa

medida afinado com a busca pela “brasilidade” dos modernistas na literatura e nas

artes da segunda metade dos anos 20, que se torna ainda mais acirrada na virada

para a década de 30. No mês seguinte no número 82 de março de 1931 no artigo

“Architectura moderna” de J. Cordeiro de Azeredo o arquiteto é enfático em afirmar:

“O modernismo na architectura offerece-nos hoje alguma coisa de semelhante


ao que succedeu na época da Renascença. A simplificação de muitas das
formas architetonicas permitiu ao artista vulgar competir com os grandes
mestres. (...) E o Brasil que não tem architectura, poderia porfiar na creação da
sua, consoante as nossas necessidades de clima e de costumes”. (AZEREDO, A
CASA, n.82, p. 05, mar., 1931).

O início dos anos 30 marca o momento em que começa a sair nas capas da

revista obras construídas em linhas modernas, propriamente “Art Déco”, distinção

inexistente naquele momento em que eram igualmente consideradas como “estylo

moderno” ou “arte nova” – nome dado aos primeiros projetos nessa expressão

desde 1925. A primeira casa sai na capa de novembro de 1931 e a partir daí outros

tipos de edifícios de maior evidência irão segui-la, como o Teatro Carlos Gomes.
300
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 100 - Capa de maio de 1932 da Revista “A CASA”, com o Teatro Carlos Gomes no Rio de
Janeiro. Fonte: A CASA, n.96, capa, mai., 1932.

301
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Essa revista teve seu foco inicial voltado para as questões da construção

moderna e econômica, em especial de residências em suas implicações na área da

arquitetura e da engenharia. No entanto, ela passa por várias transformações

durante seus 26 anos de publicação que modificam por completo o propósito inicial

desse periódico e suas várias capas sinalizam singularmente essas mudanças.

Figura 101 - Capa de setembro Figura 102 - Capa de outubro de 1928 Figura 103 - Capa de março de 1929
de 1926 da Revista A CASA. da Revista A CASA. Fonte: A CASA, da Revista A CASA. Fonte: A CASA,
Fonte: A CASA, n. 29, capa, n.54, capa, out.,1928. n.59, capa, mar., 1929.
1926.

Nos primeiros anos há uma quantidade enorme de projetos de seu sócio

proprietário J. Cordeiro de Azeredo em busca de novas soluções, diminuídas

consideravelmente quando ele se retira da sociedade no final de 1926. A revista que

tinha o propósito de divulgar modelos e soluções modernas para a habitação

mantém e reforça esse objetivo no editorial de janeiro de 1929:

(...) esta revista, que é bem o orgam representativo dos construtores e um repositório
de modernos modelos de construção, de ensinamentos para a installação de uma
habitação, desde o levantamento do prédio até às suas decorações e disposição do
mobiliário (A CASA, n. 57, p.18, jan., 1929).

302
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em fevereiro com nova capa ganha

um subtítulo bastante sugestivo – “A

CASA: a Revista das Construcções

Modernas". O moderno para esse

periódico era sinônimo de contemporâneo

e as expressões estéticas variadas, porém

é interessante notar que a composição

estilística e o historicismo tipológico 146 ,

quase não apareciam e já eram vistos

como ultrapassados. As soluções

apresentadas como modernas

majoritariamente se vinculavam aos

chalés, bangalôs, estilo californiano e


Figura 104 - Capa de fevereiro de 1929 da Revista A
CASA. Fonte: A CASA, n.58, capa, fev., 1929.
neocolonial.

Ainda em 1925 aparecem as primeiras citações e obras no chamado “estylo

moderno”, usado para nomear aquelas de expressão mais simplificada e

geometrizada, às vezes chamado de estilo alemão. Importantes discussões contidas

nos artigos dos primeiros números revelavam a preocupação e a busca de soluções

para problemas eminentemente modernos como a estandardização das

construções, o funcionamento e o conforto das habitações, o uso do concreto

armado e a casa mínima – presentes já nas edições de 1924.

A questão da habitação econômica é colocada em evidência em 1925, e a

partir de então é tema recorrente e destacado. O primeiro projeto nomeado como


146
Ver PATETTA, Luciano. Considerações sobre o Ecletismo na Europa. In: FABRIS, Anna Teresa (org.). Ecletismo na
arquitetura Brasileira. São Paulo: EDUSP,1987. Segundo esse autor a composição estilística é a corrente do ecletismo que
permanece fiel a um determinado “estilo” em suas mais destacadas composições neogregas, neoegípcias, neogóticas,
neobizantinas, neorrenascentistas, neorromânicas, neobarrocas, etc. O mesmo vale para o historicismo tipológico, a única
diferença se dava na escolha do estilo orientada de acordo com a finalidade/uso do edifício.
303
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“estylo moderno” é publicada em novembro do referido ano de autoria do arquiteto J.

Cordeiro de Azeredo, na esteira da exposição parisiense daquele ano.

Figura 105 – Primeiro projeto


em “estylo moderno”
publicada em A CASA de J.
Cordeiro Azeredo. Fonte: A
CASA, n.19, p. 14, nov.,1925.

E em janeiro de 1926, o número 21 trazia o artigo “O concreto armado como

estylo architectonico” do engenheiro Braz Jordão. Nessa fala, o concreto armado era

apontado como, mais que uma técnica construtiva, um estilo – o estilo moderno.

No edital de janeiro de 1930, comemorativo dos sete anos da revista, já se vê

um cunho mais comercial147 e meio populista do que o teor mais engajado com a

modernização da arquitetura e da construção da década anterior – provavelmente

por uma questão de sobrevivência do periódico num momento de crise mundial.

147
Característica que nunca deixou de existir na revista, mas não parecia prioritário frente às questões técnicas dos números
anteriores.
304
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Portanto, embora não tenha abandonado o flanco em defesa das soluções mais

avançadas e arrojadas, não se restringia a ela:

E porque estamos convencidos de que as nações mais estáveis são exactamente as que
são constituídas por um povo que, em sua maioria, possúe sua própria casa, temos
consagrado as páginas desta revista às suggestões sobre prédios econômicos,
materiaes, detalhes, mobiliários e todos os demais assumptos a elles referentes. Temos
sido o que se póde chamar um magazine de propaganda, atravez do qual, sempre se
percebeu o nosso ardente desejo de proporcionar ao maior numero de pessoas, typos
variados de casas attrahentes, afim de afastal-as da triste vida de nômades. (...)
Em números anteriores temos publicado successivamente “bungalows” habilmente
desenhados, prédios em estylo colonial, missões, arte moderna, etc.
Temos mostrado, tambem, a maneira de combinar os vários materiaes de construcção;
explicado os termos de architectura; cogitado de ferragens, escadas e de muitos outros
assumptos de não menos importância para a construcção. Temos publicado bastantes
elementos sobre jardins.
Pagina por pagina, este numero prossegue na propaganda. E o numero de convertidos
pode ser julgado pelo crescimento da nossa circulação. (JORDÃO, Braz. Sete annos de
progresso. A CASA, n. 69, p. 5, jan.,1930).

Mais um ano e uma mudança significativa ocorre. Em janeiro 1931, como já

mencionado, a revista passou a ser de propriedade do engenheiro Braz Jordão, que

retorna a compartilhar a direção com o arquiteto J. Cordeiro de Azeredo. O novo

programa da revista muda seu perfil de uma publicação mais técnica voltada

exclusivamente para a construção, para um perfil mais geral do lar visando atingir as

leitoras, incluindo seções de literatura, arte, ciência, feminina, social, infantil e

humor, porém não chega a perder por completo seu foco na arquitetura e na

engenharia.

Naquele ano, para ampliar ainda mais o público e garantir a existência da

revista ao mesmo tempo em que buscava levar a um maior número de pessoas as

ideias contidas na publicação, o preço dos exemplares foi reduzido à metade.

305
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 106 - Capa de junho de 1932 Figura 107 - Capa de janeiro de 1933 Figura 108 - Capa de fevereiro de 1936
da Revista A CASA. Fonte: A CASA, da Revista A CASA. Fonte: A CASA, da Revista A CASA. Fonte: A CASA,
n.97, capa, jun., 1932. n.104, capa, jan., 1933. n.141, capa, fev., 1936.

Em janeiro de 1936 há outro redirecionamento, e a revista resolve investir

ainda mais na visão feminina, incluindo artigos de mulheres importantes na

sociedade para falarem sobre temas referentes ao lar e à casa. Paradoxalmente o

periódico vincula-se aos profissionais da construção e se torna: “Revista A CASA:

Orgão Official da Associação dos Construtores Civis do Rio de Janeiro”. Agregam-

se então aos antigos diretores o engenheiro Adelstano Soares de Mattos Porto

D’Ave e Miguel Manzolillo. Em formato mais moderno e muito próximo ao que seria a

diagramação da futura Revista “ARQUITETURA E URBANISMO” do IAB, “A CASA”

investia no público feminino: “Caracterisar-se-á a nova orientação da A CASA pela

interpretação dos pendores architectonicos das soberanas dos lares, refletctidos nas

minúcias dos arranjos interiores de suas vivendas” (A CASA, n. 140, p. 10, jan.,

1936).

Em julho desse mesmo ano o periódico passa a se chamar “Revista A CASA:

architectura, urbanismo, engenharia e artes decorativas” e a direção volta a ser

306
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

somente de Azeredo e Jordão. Nesse momento também se retoma uma presença

mais maciça das obras modernas, agora prioritariamente modernistas.

As mudanças na capa da revista, que começa monocromática com a

perspectiva de um bangalô, passando por várias combinações e transformações das

ilustrações, cores e tipografia, até o modelo que divide a capa em duas partes, uma

com uma cor opaca vibrante que recebe o texto e a outra com uma foto de obra em

enquadramento parcial típico da cultura visual moderna, é um forte indicativo da

campanha pela renovação da arquitetura nesse periódico e da linguagem que se

impunha já na segunda metade da década de 30.

Figura 109 - Capa de setembro de 1936 da Revista A Figura 110 - Capa de março/ abril de 1939 da Revista A
CASA. Fonte: A CASA, n.148, capa, set., 1936. CASA. Fonte: A CASA, n.178/179, capa mar./abril, 1939.

307
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Esse último formato, definido em setembro de 1936, se manteve como padrão

com alterações insignificantes até junho de 1943. Desde outubro de 1937 são vários

os engenheiros e arquitetos que se sucedem na parceria com J. Cordeiro de

Azeredo na redação da revista, rotatividade ainda mais intensificada em 1939. O

impacto da 2ª Guerra se faz sentir em todas as áreas e o ano de 1941 é

especialmente difícil para a revista, que consegue publicar apenas três edições: o

número de janeiro, um número triplo de fevereiro a abril e mais um correspondente

aos meses de maio a dezembro. A revista então foi incorporada pela Editora “O

Construtor S.A.”, que se comprometeu a manter a linha da revista. Ainda sob a

direção de J. Cordeiro o enfoque do periódico na arquitetura consegue resistir por

ainda mais dois anos.

A incorporação de uma mulher na revista acontece pela primeira vez no

número duplo de novembro e dezembro de 1938 quando a arquiteta Francisca

Franco da Rocha passa a dividir a redação com Cordeiro de Azeredo e H. Vaz

Correa. Em janeiro de 1941 a arquiteta é substituída por R. Gentil Saez.

Em junho de 1943, quando o arquiteto Cordeiro

de Azeredo se desvincula efetivamente da revista, ela

passa a se chamar “A CASA REVISTA DO LAR”. Ainda

de propriedade da Editora “O Construtor”, tendo como

diretor-responsável o senhor Dr. Manoel Couto Duarte

seu enfoque começa paulatinamente a ser alterado e

finalmente em setembro de 1945 a mudança se torna

radical. A revista volta-se apenas para amenidades do

lar e se desvincula completamente das questões


Figura 111 - Capa de junho de 1943
técnicas e profissionais da área de arquitetura: da Revista A CASA. Fonte: A CASA,
n.229, capa, jun., 1943.
308
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Leve, sugestiva e original, a nossa capa revelando a nova orientação adotada pela “A
CASA”, representa uma varanda improvisada (...) não foi a técnica propriamente dita da
realização da varanda, mas o desejo puro e simples de indicar qualquer coisa de subtil
que escapa aos que se dedicam exclusivamente ao trabalho profissional. A mão
feminina, com arte que lhe é peculiar sobrepuja essas dificuldades e cria arranjos
encantadores que se casam magnificamente com o conjunto. (A CASA, n. 256-257, p.
11, set./out.,1945).

Tanto o editorial como a formatação e conteúdo da capa não deixam dúvidas

do completo redirecionamento da revista. Talvez esse redirecionamento somado à

dificuldade de acesso a seus números ajude a explicar a pouca atenção dada a este

periódico pelos pesquisadores da história da arquitetura brasileira por tão longo

tempo.

Figura 112 - Capa de setembro/ outubro de 1945 da Revista A CASA. 309


Fonte: A CASA, n.246-247, capa, set./out., 1945.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

4.3. REVISTA “ARQUITETURA E URBANISMO”: EM NOME DA CLASSE

Com uma orientação e formatação bem mais unitária, a Revista

“ARQUITETURA E URBANISMO” surgiu também no Rio de Janeiro, capital do país

à época, em maio de 1936 como Órgão Oficial do Instituto de Arquitetos do Brasil e

se manteve vinculada a esta instituição até o seu fechamento em 1942, com

periodicidade bimensal. Fundada, dirigida e fruto de um enorme esforço pessoal do

arquiteto Cipriano Lemos, ela resiste algum tempo após a morte de seu principal

fundador no início de 1939, mas não sobrevive aos tempos difíceis da 2ª Guerra

Mundial.

Cipriano Lemos foi funcionário público, ocupando cargos no Ministério da

Agricultura, Justiça e Fazenda. Pertencia a Igreja Positivista do Brasil, fato que

aponta com clareza sua linha de pensamento e postura ativa diante das dificuldades

do campo arquitetônico nas primeiras décadas do século XX. Arquiteto engajado

na profissionalização da classe foi presidente do IAB entre 1928-1929. Idealizador e

fundador da Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”, parece ter sido uma figura

entusiasmada e bastante ativa pelos depoimentos de pesar com sua morte

prematura em 16 de maio de 1939. Sua estadia de cinco anos em Paris teve forte

influência em sua arquitetura, perceptível, por exemplo, na fachada principal e no

salão de concertos do Instituto Nacional de Música de 1918 de sua autoria. Esse

último inspirado na Sala Gaveau de Paris de 1905.

Em “Inaugural”, o primeiro editorial da revista, Cipriano Lemos fez questão de

apontar a importante tarefa, de “alta finalidade” (LEMOS, n. 1, p. 3, mai./jun., 1936),

da revista e seu diferencial das demais em circulação, no comprometimento com a

310
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

qualidade da arquitetura e especialmente com o campo profissional. Voltada para

um público mais erudito148 e especializado a revista se torna efetivamente a fala do

IAB e da classe dos arquitetos, como meio técnico e político de expressão.

Nesse texto inicial, o arquiteto ressalta ainda a existência de periódicos de

destaque na América Latina e a necessidade de um similar brasileiro cuja

inexistência até aquele momento devia-se à “realidade inculta” (LEMOS, n. 1, p. 3,

mai./jun., 1936) da sociedade brasileira e à incompreensão por parte desta do

trabalho do arquiteto. Assim segundo ele “poucas edificações merecem o qualitativo

de obra arquitetônica” (LEMOS, n. 1, p. 3, mai./jun., 1936), poucos também eram

aqueles que sabiam o que significava a distinção entre o arquiteto e o construtor e a

devida hierarquia entre eles. Felizmente, em transformação essa situação

apresentava para ele “sensível melhoria” nos anos precedentes ao lançamento da

revista devido à melhora do curso de arquitetura e do “acrécimo notório na

importação de revistas e livros de arquitetura, urbanismo e construção – de custo,

aliás muito elevado” (LEMOS, n. 1, p. 3, mai./jun., 1936). Segundo Lemos:

Consequentemente, si a cultura indígena deixa bastante a desejar em tudo quanto não


se aprenda pelo correio, como sejam as artes e o bom gosto; si aos nossos colegas
falta o essencial – o cliente educado; si os edifícios públicos revelam, de modo
inequívoco, ausência de senso estético, (para não dizer de senso comum) nas
camadas dirigentes, é fora de duvida que o “modus vivendi” do arquiteto brasileiro é
pouco animador, Só as naturezas enérgicas, viceralmente idealistas, não transigem,
não capitulam, em face da resistência com que deparam; quando muito, procuram
ganhar a vida, modesta mas horosamente, fóra da profissão com que sonharam.
(...) No entanto, ‘le véritable éssort de l’art exige autant la compréssión des mediocrités,
que l’encouragement des superiorités’.149 (LEMOS, n. 1, p. 3, mai./jun., 1936).

De espírito e orientação eclética, esta publicação procurava, segundo seu

diretor, reconhecer todas as expressões de qualidade da arquitetura do seu tempo,

148
As várias citações em francês e algumas em espanhol sem a preocupação de traduzi-las indicam o direcionamento da
revista para um público erudito que teria fluência em várias línguas.
149
Tradução livre: o avanço real da arte exige tanto compressão de insuficiências como o incentivo às superioridades. ( apud
Auguste Comte).

311
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

desde que feitas por arquitetos reconhecidos oficialmente. A revista não buscou

defender nenhuma vertente com exclusividade enquanto esteve sob a direção de

Cipriano e criticava abertamente àquelas que o faziam.

Deveríamos ter dito no artigo INAUGURAL, com que apresentamos ao público esta
revista, que a nossa bandeira é o ecletismo.
Muitas são as escolas em voga. E todas elas ficam situadas a distancias desiguais
entre as velhas formulas e as novíssimas.
Nem poderia deixar de assim acontecer.
Si as artes espelham fielmente o estado social, por força que hão de oscilar atualmente
entre a retrogradação e a anarquia. Este conceito se nos afigura um axioma filosófico.
É verdade que a situação da arquitetura é menos precária do que a da poesia, da
pintura, da escultura e da música. É que éla é essencialmente uma indústria, razão
pela qual no ponto de vista científico e técnico o momento arquitetônico oferece o
aspécto de um verdadeiro renascimento.
Quando as aperturas econômicas do mundo diminuírem; quando cessarem a corrida
armamentista e a exacerbação nacionalista, então, o arquiteto voltará a ser o grande
artista da sociedade, como sempre foi em saudosas épocas. Mas, até lá tudo é incerto
e quiçá transitório.
(...)
Algumas revistas como L’ARQUITECTURE D’AUJOURD’HUI se consagram a
estampar a arquitetura do dia. Entretanto muitas outras publicam de tudo.
Nós adotámos este critério, não somente pelo espírito de relatividade acima apontado,
como tambem porque o nosso meio, ainda insuficiente, não permite que um periodico
deste gênero se dê ao luxo de exclusivismos doutrinários.
O que procuramos fazer é selecionar a matéria. Si conseguirmos publicar bons
trabalhos, tão somente, teremos feito o bastante. (LEMOS, n. 2, jul./ago., p. 8–9, 1936).

Apesar dessa inclinação da direção, outros arquitetos advogados das novas

soluções e formas contribuíam com artigos assinados e seções regulares, dentre

eles Adalbert Szilard (1899-1955) membro permanente do conselho técnico da

revista e seu secretário a partir do terceiro número de 1939 até dezembro de 1940 –

momento em, com a morte de Cipriano Lemos, que a revista revela um

redirecionamento editorial, abrindo ainda maior espaço para o modernismo.

Arquiteto húngaro, Szilard começou seus estudos na escola de Belas Artes de

Budapeste e os finalizou na Academia de Belas Artes de Viena. Vem para o Brasil

em 1926 e logo começa a trabalhar no escritório do arquiteto escocês radicado no

Brasil Robert Prentice, onde toma parte no desenvolvimento de importantes projetos,


312
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

incluindo a modernização do Elevador Lacerda em Salvador (1929). De orientação

moderna e grande preparo técnico, esse arquiteto abre seu escritório próprio em

1939 e teve (apesar de demostrar grande capacidade no domínio da arquitetura)

suas maiores preocupações voltadas para o campo do urbanismo. Assim em 1951

obteve a livre docência para a cadeira de Urbanismo na Faculdade Nacional de

Arquitetura e com a criação do Curso de Urbanismo por essa instituição, sendo ele

um de seus fundadores, assumiu a cadeira de Evolução Urbana. Também publicou

junto com o engenheiro José de Oliveira Reis o livro “Urbanismo no Rio de Janeiro”

em 1950. A morte prematura aos 56 anos desse arquiteto de atuação significativa na

renovação da arquitetura brasileira somado à sua descendência estrangeira, talvez

ajude a explicar em parte o esquecimento de seu nome em grande parte das falas

que narram esse momento da história.

Apesar de não alterado substancialmente seu foco central, a revista passa por

momentos significativos de inflexão em seus direcionamentos. O primeiro deles se

dá com a introdução no segundo número de 1938 de um redator chefe específico

para arquitetura, o arquiteto Gerson Pompeu Pinheiro, e outro para urbanismo, o

arquiteto Ricardo Antunes, quando começa a se intensificar os artigos voltados para

o urbanismo.

Gerson Pompeu Pinheiro nasceu em Campinas em 1910 e aos onze anos de

idade já demostrava o talento para a pintura que impressionou o interior paulista e o

levou em 1924 aos 14 anos para a Escola Nacional de Belas Artes no Rio de

Janeiro. Em 1926 matricula-se no Curso Especial de Arquitetura por influência da

mãe que julgava a carreira de arquiteto mais sólida e rentável que a de pintor,

especialmente para uma família que enfrentava sérias dificuldades financeiras.

Assim Pinheiro se forma arquiteto aos 19 anos em 1930, já entusiasmado pela


313
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

renovação da arquitetura e pelas ideias de Le Corbusier, disposto a divulgar e

defender o que ele chamava de arquitetura racional, como apontam suas palestras

na Rádio Educadora em 1933 e seus artigos na “Revista de Arquitetura” em 1934 150.

Um ano após sua formatura abre escritório com seu colega de turma Eduardo

Affonso Reidy com quem projeta e vence o concurso para o Albergue da Boa

Vontade no Rio de Janeiro e fica em terceiro lugar no concurso para a Sede do

Ministério da Educação e Saúde Pública. Após os episódios controversos desse

último concurso (e pelo que parece devido a eles) Pinheiro parece ter tomado outro

direcionamento diante dos caminhos que defendia para a arquitetura moderna e que

francamente divergia daquele compartilhado por Lúcio Costa e Le Corbusier,

revelado nas páginas de “ARQUITETURA E URBANISMO” em seus artigos

assinados e no direcionamento da redação de arquitetura desse periódico sob sua

responsabilidade entre o segundo número de 1938 e último de 1939.

Suas falas potentes e polêmicas dos anos 30 em torno da arquitetura

moderna praticamente desaparecem nos anos 40, não só e propriamente pela

hegemonia da vertente do modernismo corbusiano que começa a se instituir, mas

bem mais pelo próprio rumo de sua vida e seus interesses que acabam de certa

maneira redirecionados. Em 1938 recebe o título de Docente-Livre da cadeira de

Teoria e Filosofia de Arquitetura na ENBA, em 1942 assume interinamente a cadeira

de Perspectiva, Sombras e Estereotomia da ENBA. Por concurso público em 1950

passa a ocupa-la efetivamente. A partir de então se dedica mais a pintura e à vida

acadêmica, sendo diretor da ENBA por três vezes (eleito em 1958, 1964 e 1968).

Paradoxalmente em 1978, ano de sua morte, recebe o título de Professor Emérito da

Faculdade Nacional de Arquitetura.

150
Vide SIOLARI, Maristela. Gerson Pompeu Pinheiro e a recepção dos ideias modernos na década de 1930. In: Anais do
8º Seminário Docomomo Brasil. Rio de Janeiro: Docomomo-Rio, 2009.
314
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se as falas de Pinheiro esmaeceram, as de seu colega Ricardo Antunes Jr.,

responsável pela parte de urbanismo no mesmo período na revista ganharam ainda

maior evidencia. Com o falecimento de Cipriano Lemos, a partir do terceiro número

de 1939, Antunes assumiu a direção geral da revista e J.O. de Saboia Ribeiro

passou a chefiar a redação de urbanismo. Nesse momento a revista volta-se mais à

propagação do moderno e especialmente do modernismo corbusiano, apesar da

resistência de Gerson Pinheiro. Arquiteto e membro ativo do IAB, Ricardo Antunes

esteve envolvido com a Revista “ARQUITETURA E URBANISMO” desde a sua

fundação. De franca orientação moderna, perceptível em seus projetos como

aqueles desenvolvidos para a Estação de Hidroaviões em Salvador e em Vitória,

imprimiu nas páginas dessa revista um direcionamento mais restrito às obras de

orientação moderna, em especial àquelas do movimento moderno. Em 1940, com a

saída de Gerson Pinheiro, o periódico irá publicar ainda mais obras modernistas

ligadas à vertente corbusiana e ajudar a construir sua hegemonia.

É tão sintomática essa mudança que o certo equilíbrio a partir do segundo


151
ano de publicação das expressões estampadas na capa desse periódico

desaparece. O número que marca a entrada de Ricardo Antunes na direção traz na

capa a maquete do Pavilhão Brasileiro para a Feira de Nova York de 1939 e no

número seguinte a capa é a maquete do Ministério da Educação e Saúde. A

resistência de Gerson Pinheiro se mostra na capa dos números seguinte que

apresentam respectivamente uma casa eclética e o Hospital das Clínicas em São

Paulo, moderno, mas não modernista. Em 1940 das cinco capas, três são obras

modernistas e uma moderna, a outra é o cartaz do 5º Congresso Pan-americano.

151
Levantamento das expressões das obras colocadas nas capas da Revista ARQUITETURA E URBANISMO: ano 1936 – 3
modernas e 1 modernista; ano 1937 – 2 modernas; 2 modernistas e 2 ecléticas; ano 1938 – 2 modernas, 2 modernistas e 2
neocoloniais; ano 1939 – 2 modernas, 2 modernistas e 2 ecléticas; ano 1940 – 1 moderna, 3 modernistas, 1 folheto do
Congresso Pan-americano de arquitetos; ano 1941 – 1 moderna; ano 1942 – 2 modernas.
315
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 113 - Capa de julho / agosto de 1939


da Revista ARQUITETURA E URBANISMO.
Fonte: ARQUITETURA E URBANISMO, n.4,
capa, jun./ ago., 1939.

Figura 114 - Capa de setembro / outubro de


1939 da Revista ARQUITETURA E
URBANISMO. Fonte: ARQUITETURA E
URBANISMO, n.5, capa, set./out., 1939.
316
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As dificuldades vinculadas à Grande Guerra e a morte de seu principal

idealizador e diretor abalaram decisivamente não só o conteúdo desse periódico,

mas principalmente seu destino. Em 1940 os números 5 e 6, correspondentes aos

meses de setembro a dezembro saem numa edição dupla e no ano de 1941 apenas

uma edição é publicada no final do ano correspondendo os números de 1 a 6 para

todos os meses daquele ano. Infelizmente em 1942 apenas os dois primeiros

números foram publicados e o periódico encerra suas atividades.

Na revista do IAB o debate centra-se nas questões fundantes do campo

profissional e na formação do arquiteto, bem como nas reflexões sobre a

importância e qualidade da arquitetura. Os artigos publicados tratam com certa

profundidade os temas expostos e que em sua maioria vinculam-se a questões

técnicas de interesse de formação dos arquitetos e urbanistas modernos. Há uma

tensão velada dentro da própria revista, perceptível nas diferentes formas de

abordagem sobre a nova arquitetura presente nos posicionamentos e argumentos

dos artigos assinados, como também na Tribuna Livre, onde Cipriano mesmo se

eximindo da responsabilidade do conteúdo, parece, principalmente nos primeiros

anos do periódico, escolher falas francamente contra a nova arquitetura para

estarem ali publicadas, a exemplo do texto “A Nova Arquitetura” de Júlio Dantas152,

no terceiro número de 1937. Nesse mesmo número uma alfinetada nos ecléticos

aparece na seção Notas e Comentários em “Um Centenário”, sobre a abertura da

exposição de Paris de 1937 e o centenário do Arco do Triunfo na Praça da L’Etoile

em Paris:

152
Júlio Dantas (1876-1962) foi um escritor e diplomata português, que chegou a ser Ministro da Instrução Pública e Ministro
dos Negócios Estrangeiros em Portugal. Em 1938-1940 presidiu à Comissão Executiva dos Centenários, dirigindo a Exposição
do Mundo Português que teve lugar em Lisboa. Em 1941 foi um dos Embaixadores Especiais enviados ao Brasil e em 1949 foi
nomeado embaixador de Portugal no Rio de Janeiro. No jornalismo e na crítica literária, foi colaborador dos jornais mais
importantes de Portugal, como o Diário Ilustrado, Novidades, Correio da Manhã e Renascença. Escreveu no La Nación, de
Buenos Aires e no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, onde tinha uma coluna aos domingos onde além de outros artigos
publicou “Poema Modernista” e “A Nova Arquitetura”, ambos duramente contra as expressões modernistas.

317
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O Arco do Triunfo, como, aliás, todas as obras arquitetônicas anteriores à época do


cimento-armado, é feito de pedra aparente. Nada de emboços, rebocos e caiações...
(...) Veja-se, também, a estereotomia da parede; é verdadeira. (ARQUITETURA E
URBANISMO, n. 3, p. 168, mai./jun.,1937).

Em “Novos Horizontes” artigo de Augusto de Vasconcellos Junior à época

presidente IAB, no primeiro número da revista levanta outro ponto importante no

horizonte das discussões daquele momento: a resposta brasileira aos problemas

brasileiros que não poderiam ser simples cópia das soluções estrangeiras:

Satisfazendo imperiosa necessidade de divulgação e discussão dos assuntos


relacionados com a profissão do arquiteto, ela aparece como órgão oficial do Instituo
de Arquitetos do Brasil – associação de classe fundada no Rio de Janeiro, em 1921,
para defesa de seus ideais superiores. (...) Ao envez de buscarem nas revistas
estrangeiras idéias exóticas, que, muitas vezes, perturbam o nosso ambiente por falta
absoluta de adaptação, os brasileiros encontrarão, certamente, em ARQUITETURA E
URBANISMO, soluções brasileiras, por isso que foram estudadas e realizadas pelos
nossos arquitetos. (VASCONCELLOS, ARQUITETURA E URBANISMO n.1, p. 5,
mai./jun.,1936).

Essa preocupação com a não subserviência, nem a simples reprodução das

soluções estrangeiras e a adoção de respostas nacionais de qualidade é sempre

recorrente. Na comemoração de um ano da revista o artigo “O êxito de uma boa

ideia” de Nestor Egídio de Figueiredo novo presidente do IAB essa preocupação

também aparece bastante evidenciada. Esse arquiteto levanta um ponto

interessante ainda não evidenciado sobre o fundamental papel dessa revista

(estendível às demais) no registro da história da arquitetura no Brasil:

Não é propósito destacar a influência do Instituto na história da arquitetura nacional.


Quero apenas acentuar que falta razão aos que não faziam fé em nosso triunfo. / O
prestígio social do Instituto é hoje incontestável. Assim sendo, precisávamos de um
órgão, através do qual nos dirigíssemos à opinião pública, um órgão para a divulgação
das obras realizadas pelos nossos arquitetos, um órgão educacional e que refletisse,
sem partidarismo, as diferentes tendências doutrinárias no meio arquitetônico.
(...) é preciso não esquecer que nas paginas de ARQUIETURA E URBANISMO está
sendo escrita a história da arquitetura nacional contemporânea. Elas registrarão as
doutrinas em debate nos meios profissionais. É desses entrechoques de opinião, em
que saberão medir forças os clássicos, atualistas e futuristas, que, há de surgir a
arquitetura de que precisamos, sem a influencia servil do que os nossos maiores
realizaram, ou sem o decalque, mais ou menos hábil, de modernas tendências em
desacordo com as nossas necessidades reais. (FIGUEIREDO, ARQUITETURA E
URBANISMO, n.3, p. 116, mai./jun., 1937)
318
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em termos de formatação e diagramação as mudanças são bem poucas e a

manutenção praticamente sem alteração da solução bastante sóbria da capa revela

bem está condição. Essa temperança algumas vezes ganhava um pouco mais de

vibração dependendo da cor escolhida para o fundo. Da primeira a última capa a

composição é feita com a colocação sobre um fundo em uma cor sólida da imagem

de uma obra no centro da página com uma fina moldura branca e identificada logo

abaixo. Praticamente todas as imagens são fotografias em preto e branco e as

únicas exceções são: uma perspectiva no segundo número de 1936 e o cartaz do 5º

Congresso Pan-Americano de Arquitetos no segundo número de 1940, ambos no

lugar da foto. Geralmente as fotos mostram uma visada externa de corpo inteiro da

obra construída ou maquete. São poucas as imagens em que aparecem ângulos

recortados dos edifícios e apenas uma vez se mostra um ambiente interno –

presente no número 1 de 1938. As imagens variam ligeiramente de tamanho e

proporção dependendo da obra e seu enquadramento.

Na parte de cima vem o nome da revista e embaixo da foto o número da

edição em destaque seguido em tipos menores pelos referidos meses e ano ou pelo

ano corrente e ano de publicação da revista, tudo centralizado em preto até o

número 2 de 1938 e depois em branco do número seguinte em diante. Uma fina tarja

preta dividida assimetricamente por uma linha branca no pé da página traz uma

inscrição que identifica a relação entre o periódico e o IAB.

319
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 115 - Capa do primeiro número da


Revista ARQUITETURA E URBANISMO.
Fonte: ARQUITETURA E URBANISMO, n.1,
maio/ junho, capa, 1936.

Figura 116 - Capa do último número da


Revista ARQUITETURA E URBANISMO.
Fonte: ARQUITETURA E URBANISMO, n.2,
março/abril, capa, 1942.
320
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se até o início de 1939 um espírito mais inclusivo e variado pairou sobre a

revista a mudança de direção trouxe um direcionamento mais doutrinário, fato que

contribuiu, como já mencionado para a hegemonia da vertente corbusiana do

modernismo brasileiro que ganhou maior visibilidade internacional. Ricardo Antunes

optou não pela diversidade, mas pelos expoentes, que se ainda não eram

unanimidade logo passariam a sê-lo. Em “EDITORIAL DO NOVO DIRETOR” afirma:

“Arquitetura e Urbanismo” por seu nível cultural e projeção reconhecida é, e deverá ser
o órgão representativo dos arquitetos brasileiros. É necessário pois, que todos os
esforços se congreguem para que o nosso paiz possa apresentar ao público e aos
arquitetos de todo mundo, a capacidade do seus colegas brasileiros.
Para isso devemos reunir em nossas paginas, os expoentes máximos da arquitetura
nacional, divulgando os seus projetos e realizações. (ANTUNES, ARQUITETURA E
URBANISMO, n. 3, p. 469, mai./jun., 1939).

Não foi exatamente esse “o espírito que presidiu a fundação desta revista”

(ANTUNES, ARQUITETURA E URBANISMO, n. 3, p. 469, mai./jun., 1939), e não

era bem “nesse propósito [que] desejamos prosseguir” (ANTUNES, ARQUITETURA

E URBANISMO, n. 3, p. 469, mai./jun., 1939). Mesmo que Ricardo Antunes

estivesse afirmando uma continuidade com o percurso da revista sob a direção de

Cipriano Lemos, o propósito era outro e o caminho bem mais direcionado.

Interessante notar que justamente nesse número, já supracitado, a capa traz a

maquete do Pavilhão de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para a Feira de Nova York

de 1939, opção que não parece deixar dúvidas sobre a nova orientação do periódico

e o caminho que o novo diretor gostaria de trilhar, mesmo que as resistências

internas e as adversas condições vinculadas aos difíceis tempos de guerra não o

tenham permitido seguir estritamente, como algumas capas posteriores indicam.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 117 - Capa de maio/junho de 1939 da Revista ARQUITETURA E URBANISMO. Fonte: ARQUITETURA E
URBANISMO, n.3, capa, mai./jun., 1939.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

5. MUITAS FALAS: OUTRAS HISTÓRIAS

A memória fabricada tem sentido e significado, sobretudo por aquilo que deixa na sombra.

Demétrio Magnoli e Elaine Barbosa (2011, p. 117).

Se Lúcio Costa contou uma história de poucos heróis, criadores iluminados de

uma nova linguagem nacional inspirada por um sagrado ideário estrangeiro, os

periódicos contam outras histórias. As revistas revelam histórias de homens comuns

dispostos ao embate de ideias e ao trabalho constante de pesquisa

projetual/construtiva, atentos às possibilidades locais e críticos às soluções

importadas, que construíram com árduo esforço um campo disciplinar e profissional,

cuja grande bandeira foi a renovação qualificada da arquitetura brasileira.

Foram muitas as frentes de batalha até que o poder público incorporasse as

expressões modernas como representações oficiais, a ponto de adotá-las nas novas

sedes ministeriais dos anos trinta e que fosse então possível a criação de um marco

excepcional como o foi o Edifício do Ministério da Educação e Saúde Pública. Fruto

não de uma ação milagrosa e isolada, mas sim de um longo processo de maturação

da arquitetura brasileira e seus variados experimentos no campo da nova

arquitetura. Mesmo que esse processo não tenha sido linear, muitas vezes

descontínuo e outras vezes desconexo, muitos e diversos acontecimentos foram

bastante significativos para a formação tanto da arquitetura moderna de modo

ampliado, como daquela específica do movimento moderno no Brasil. As falas dos

periódicos apresentam a luta para a criação de uma nova sensibilidade do público

em geral e dos profissionais em particular e o duelo para a afirmação da classe

323
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

profissional do arquiteto como campo específico e necessário do saber e do fazer

técnico-artístico.

Aparece nas revistas analisadas uma gama variada de questões e problemas

em torno da arquitetura da primeira metade do século XX e da arquitetura moderna

em particular, dentre eles: a funcionalidade e conforto das edificações; a habitação

econômica; os novos materiais e técnicas construtivas; a padronização da

construção; a verdade construtiva; a brasilidade da arquitetura; a tradição construtiva

frente à nova arquitetura; a modernização e simplificação das formas e soluções dos

interiores, da arquitetura e da cidade; a regulamentação da profissão, da construção

e da cidade; a formação e atuação do arquiteto, a necessidade de fortalecimento da

classe e do papel do arquiteto para a sociedade, dentre outros.

Elas também revelam a mudança de hábitos, mentalidades, sensibilidades e

gostos através do conteúdo e formato dos artigos, bem como pela diagramação dos

exemplares e os tipos e maneiras de imagens ilustrativas. Como já apontava

Cipriano Lemos no Inaugural de “ARQUITETURA E URBANISMO”, são as imagens

que prevalecem sobre o texto na apresentação das obras:

São os arquitetos talentosos que hão de dar vida e alma às páginas desta
revista. E tal vibração não será alcançada mediante artigos literários, mas,
sobretudo, com a apresentação de belos conjuntos e por menores arquitetônicos
(LEMOS, ARQUITETURA E URBANISMO, n. 1, p. 4, mai./jun., 1936).

No entanto, nos artigos em defesa de posições conceituais as ilustrações são

em número ínfimo ou mesmo inexistentes e naqueles de conteúdo técnico e

informativo as ilustrações são restritas a necessidade de explicação complementar.

Interessante notar como o tipo e formato dos desenhos se altera junto com a

expressão arquitetônica e assim com os ornamentos, os desenhos vão sendo

paulatinamente depurados e limpos das texturas, sobras, etc.

324
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 118 - "Um Bungalow moderno”,


J. Cordeiro de Azeredo.
Fonte: Revista A Casa, n. 7, p. 12, nov., 1924.

Figura 119 – “Residência de um arquiteto”. Ruderico Pimentel e Cia. Fonte: Revista A CASA, n. 188, p. 12 -
13, jan., 1940. 325
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Dentre os conteúdos presentes nos periódicos alguns eixos se destacam

como linhas balizadoras da formação e disseminação da arquitetura moderna no

país que possibilitou tão vasta produção em todo território nacional. O primeiro

deles, que pela complexidade das discussões que implica fogem ao âmbito dessa

tese é a questão da habitação social. O tema que aparece recorrente e é central na

busca de soluções racionais, econômicas, em grande escala e adequadas as

diversas realidades locais foi responsável por um importante braço da formação

moderna da arquitetura que ficou a margem da história e da historiografia.

Felizmente e com a devida propriedade outros pesquisadores vêm tentando

preencher essa lacuna.

O interessante nas revistas, em especial na “A CASA” é a expressiva

presença dessa questão e sua centralidade na simplificação e racionalização da

habitação. São inúmeros artigos voltados para a questão da casa popular, da casa

rural e da casa econômica. Outro destaque são os concursos para a casa

econômica, promovidos pela supracitada revista desde 1925, que dado a seu

sucesso passou a acontecer em parceria com empresas interessadas nesse tipo de

construção. Em 1934 no Concurso “A CASA IDEAL” da Cia. Brasileira de

Cooperação e Credito S.A. o primeiro lugar foi dado a uma solução francamente

pertencente ao movimento moderno. Acontecimento que mostra o domínio e a

disseminação dessa arquitetura pelos arquitetos, pelos jurados e por certo público

pelo menos dois anos antes da segunda visita de Le Corbusier ao país e os

episódios entorno da construção da Sede do Ministério da Educação e Saúde.

326
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 120 – Concurso “A CASA IDEAL”, perspectiva 1º lugar. Fonte:


Revista A CASA n. 124, p. 14, set., 1934.

Figura 121 – Concurso “A CASA IDEAL”, projeto 1º lugar. Fonte: Revista A CASA, n. 124, p. 15, set.,1934. 327
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os três eixos analisados com maior profundidade foram destacados por um

lado por mostrar a importantíssima contribuição das revistas para a formação,

discussão e disseminação da arquitetura moderna no país e por outro por tencionar

e ampliar a trama de Lúcio Costa quanto à instauração instantânea e milagrosa da

nova arquitetura. Os artigos dos periódicos revelam um processo lento e plural de

transformação e amadurecimento das soluções espaciais, construtivas e formais,

cuja maior preocupação explicita não era exatamente de ordem estética e sim

técnico-funcional.

O primeiro eixo se refere às ideias, ao debate intelectual sobre os sentidos, os

motivos e as formas de ser moderno no Brasil, mapeáveis através dos textos sobre a

arte, a arquitetura e a construção modernas de Gerson Pompeu Pinheiro, Marcelo

Roberto, Braz Jordão, Cordeiro de Azeredo, Ângelo Murgel153 dentre outros. Neles

pode-se perceber uma gama mais alargada e menos coesa de entendimentos sobre

ser moderno e como ser moderno.

O segundo traz à baila a pluralidade das formas modernas. Formas que

buscam a modernidade em primeiro lugar através da qualidade funcional e

ambiental das soluções espaciais, mapeáveis nos modos de implantação das

edificações conjugados às soluções de orientação e distribuição dos compartimentos

que revelam uma paulatina setorização dos espaços a partir das funções. Funde-se

às pesquisas pragmáticas e programáticas as pesquisas formais de simplificação e

racionalização das formas, mas que não necessariamente seguem o receituário

corbusiano. Um leque de alternativas é apresentado nas revistas, experimentos que

atravessam e/ou mesclam os caminhos da depuração e simplificação das soluções


153
Ângelo Alberto Murgel (1907-1978) mineiro de Cataguases foi arquiteto e professor. Formado pela ENBA em 1931 com
destaque, projetou várias obras de relevância no Brasil, dentre elas a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o Cine
Brasil de Belo Horizonte e o Edifício Ibaté (primeiro arranha-céu da capital mineira em 1935). Foi professor da Escola de
Arquitetura da Universidade de Minas Gerais e da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil no Rio de
Janeiro. Também foi servidor do Ministério da Agricultura. (Vide LIMA, 2003).
328
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

tradicionais, da geometrização dos ornamentos e dos volumes, da solução formal

como rebatimento direto e exclusivo das necessidades funcionais e pragmáticas e

da livre composição abstrata.

O terceiro eixo então perpassa as distintas maneiras de afirmação da classe

do arquiteto e o papel central do discurso funcionalista para a construção e defesa

desse profissional como detentor de um saber técnico, específico do campo da

arquitetura, diferenciado dos demais profissionais que atrelado a seus dons

artísticos dava a essa categoria não só lugar, mas destaque na estrutura social.

Questão revelada através dos textos em defesa e esclarecimento do papel do

arquiteto na sociedade com destaque para Cipriano Lemos, Augusto de

Vasconcellos154, Cordeiro de Azeredo, Ângelo Bruhns155 dentre outros; nos Boletins

do IAB; nos editais, atas de julgamento e artigos sobre os concursos de arquitetura;

e nas justificativas e explicações para as soluções apresentadas nos projetos.

154
Augusto de Vasconcellos foi arquiteto e presidente do IAB entre 1935-1936.
155
Ângelo Bruhns de Carvalho (1896-1975) foi arquiteto de atuação destacada no Rio de Janeiro entre as décadas de 20 a 40.
329
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

5.1. SER MODERNO: IDEIAS E EMBATES

Devem ter notado os nossos leitores que os últimos números desta revista tem vindo
repletos de projectos em estylo moderno, como, alias, acontece com o deste mez.

É que essa nova feição da architectura está sendo recebida com sympathia pelo povo
que já se inclina em aceitar os conselhos dos architectos. (...)

A casa era escolhida como os vestidos femininos, segundo o ultimo figurino parisiense.
Via-se o typo que estava mais em moda e era o quanto bastava. De todos porem o
peior era o producto hybrido, formado pelo cruzamento de todos os elementos
heterogêneos, colhidos aqui e ali nos malsinados catálogos.
E quando se pensa no mal que occasionam esses catálogos, sente-se o desejo de,
com elles, formar uma fogueira, como outr’ora procedeu o barbeiro de D. Quixote, ao
deitar ao fogo todos aquelles livros cheios de sonhos vãos da cavalaria.
Braz Jordão e J. Cordeiro de Azeredo
Revista “A CASA”, n. 97, p. 3, jun.,1932.

“Fogo aos productos hibridos da “nossa” architectura” é o título do artigo ao

qual pertencem as palavras supracitadas. Bastante sugestivo ele indica que o

processo de renovação da arquitetura no Brasil andava a passos largos já no início

dos anos 30. Para que em 1932 os diretores da revista “A CASA” pudessem afirmar

essa significativa produção do “estylo moderno” – não redutíveis apenas às soluções

de vertente modernista corbusiana, mas extensiva a um leque amplo das

expressões modernas – uma rica discussão sobre a renovação da arquitetura e os

sentidos e significados de ser moderno a precederam em quase uma década, nas

páginas desse periódico. Em seu primeiro ano de existência a revista já publicava

artigos sobre o concreto armado e o estilo próprio do período.

O texto do engenheiro e um dos redatores da revista Braz Jordão “As

vantagens do concreto armado”, publicado no número 08 de “A CASA” em

dezembro de 1924, falava de um novo estilo. Estilo, ainda não propriamente

nomeado referia-se a uma arquitetura ainda incipiente que viria do uso concreto

armado. Uma arquitetura que tomava forma a partir de um novo material construtivo

e sua evidenciação nas formas construídas:


330
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Crescendo dia a dia o numero de edificações em concreto armado, convergindo as idéas


dos architectos e o gosto do publico para este novo gênero, é fácil de se prever que o
estylo que irá marcar a época actual será o do concreto armado.
A tendência do architecto presentemente, sobretudo nos hotéis, casas commerciaes,
theatros, etc. consiste em deixar apparentes todos os caracteres construtivos no interior
do edifício – vigas, columnas, etc. – escondendo na alvenaria das paredes externas todos
os supportes dos pavimentos. (JORDÃO, A CASA, n.8, p.7, dez., 1924).

O texto do engenheiro é voltado para o esclarecimento sobre os princípios e

as vantagens do concreto armado devido, segundo ele, ao “grande incremento que

está tomando entre nós este gênero de construcção” (JORDÃO, A CASA, n.8, p.5,

dez., 1924). Interessante notar que ao levantar seis vantagens no uso do concreto

armado e não fazer nenhuma objeção a ele, obviamente seu autor era incentivador

da aplicação desse material. Assim como, ao relacioná-lo as questões estéticas na

construção e defender a conexão direta entre solução plástica e a solução

construtiva, ele também se mostra favorável não só ao uso, mas a expressão

artística do concreto armado e dá indícios explícitos de um dos principais

argumentos dos defensores da arquitetura do movimento moderno - a verdade

arquitetônica fundada na correspondência unívoca entre forma e material.

Importante pontuar que esse texto é anterior aos manifestos de Warchavchik e Levi

de 1925 que geralmente marcam o início dos debates sobre a nova arquitetura no

Brasil.

As ilustrações do artigo são quatro croquis que mostram detalhes do mau uso

do concreto nos Estados Unidos, visto que os norte-americanos envolviam pilares de

aço por com uma camada de concreto apenas para proteger o aço dos perigos do

fogo, mas não levariam em conta a resistência do concreto nos cálculos estruturais.

E duas fotos que mostram edifícios em concreto sendo construídos no Japão e que

não teriam sido abalados pelo terremoto ocorrido durante a construção, o que

331
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

evidenciaria uma vantagem do material em relação aos materiais tradicionais de

construção em resistir aos abalos sísmicos.

Figura 122 – Imagem que evidencia a estrutura


do concreto armado na construção de um
edifício no Japão no artigo “As vantagens do
concreto armado”. Fonte: A CASA, n. 8, p. 06,
dez, 1924.

Pouco mais de um ano depois no mesmo periódico, Jordão voltava a

defender essa correspondência. Em janeiro de 1926 escreve “O concreto armado

como estylo architectonico”. Esse artigo começa citando Guadet no vínculo que esse

mestre defendia terminantemente entre as leis da arquitetura às leis da construção.

Segundo Jordão havia duas linhas na arquitetura brasileira naquele momento: uma

entusiasta do concreto armado como estilo e outra conservadora que usava o

material, mas não lhe dava forma própria imitando as forma do passado.

No meio dos que se occupam de arte architectonica, distinguem-se hoje, duas


correntes com relação ao concreto armado: uma, a enthusiasta, que lhe
reconhece o direito de ser considerado como estylo; outra, a conservadora,
ainda aferrada às velhas reminiscencias do passado, que o relega para um plano
secundário, sob a allegação de que não tem forma própria.
Não podemos de modo algum concordar com esta ultima opinião. E não o
podemos porque, se há cousa que se não preste à confusão, que tenha caracter
proprio, é o concreto armado. (JORDÃO, A CASA, n.21, p.7, jan., 1926).

Para esse autor a defesa do concreto e seu estilo próprio eram necessários

porque se o uso desse material já estava estabelecido a maneira de usá-lo ainda

332
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

não e a polêmica estava na incompreensão por parte de certa parcela de seus

usuários sobre sua adequada utilização e potencial. Segundo ele:

(...) o conceito de que o concreto armado se presta a todas as fórmas, deve ser
acceito com algumas restrições, porque, se é exato que podemos fazer com elle
uma viga, um arco, uma thesoura ou uma columna – o que não acontece com os
demais materiais, - isto não significa que as suas fórmas são as mais variadas
possíveis ou arbitrarias. Estas decorrem de uma theoria baseada nas directrizes
estabelecidas pela sciencia construtiva do concreto, e das quaes ninguém póde
afastar-se. Portanto, sendo fórmas racionaes, e que exprimem uma idea exacta
daquillo que representam, conclue-se logicamente que ellas são architectonicas.
(JORDÃO, A CASA, n.21, p.7, jan., 1926).

Para o engenheiro o concreto armado permitia concepções arrojadas que

pareciam descabidas apenas aqueles que a analisavam a luz da lógica da

estabilidade das construções antigas e seria tão absurdo quanto negar a arte gótica

seu lugar dentre os estilos arquitetônicos, negá-lo ao concreto armado, pois “este

ultimo permite a realização de concepções arrojadas, que seriam tidas por

disparatadas por aquelles que as analysassem à luz das leis da estabilidade,

adoptadas pelos architectos do passado” (JORDÃO, A CASA, n.21, p.7, jan., 1926).

Apesar de estar discutindo “estilo” e, portanto soluções formais, o artigo não

traz nenhuma ilustração. Talvez essa ausência possa sugerir o não reconhecimento

por parte do autor de obras paradigmáticas que exemplificassem suas afirmações,

revelando que esse estilo era algo latente, mas ainda por acontecer.

Em abril daquele mesmo ano Jordão segue sua batalha pelo uso do concreto

armado enquanto material e expressão. Chega inclusive a afirmar a existência de

boas aplicações do material em construções brasileiras, mas não há nenhuma

imagem que acompanhe seu texto escrito. O artigo “O desenvolvimento do concreto

armado”, insere o material em uma dimensão histórica que começa com o uso do

333
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

concreto desde a antiguidade até chegar às suas novas possibilidades depois da

fusão com o ferro:

Na história moderna, vários períodos são caracterizados pelas formas especiaes


da construção.
O reforço do concreto com ferro creou uma nova arte de construir (...).
Architecturalmente, bellos resultados têm sido tirados desse modo de construir,
bastando para tanto reparar nos novos edifícios de São Paulo e desta Capital.
(JORDÃO, A CASA, n.24, p.7 - 8, abr., 1926).

A questão volta à baila em abril de 1927 no artigo desse engenheiro intitulado

“Os grandes edifícios do Rio e São Paulo”. Apesar de ser favorável à substituição

das antigas edificações por edifícios novos e altos Jordão ainda lamenta que os

arquitetos não explorem o potencial plástico do novo material:

Nos edifícios de São Paulo nota-se egualmente a falta de preoccupação pelas


possibilidades architectonicas do concreto armado. Essa inércia generalisada na
pesquiza de novas fórmas tem dado aso a que esses edifícios appareçam sem
caracter próprio e de aspecto banal, o que certamente não se verificaria se não
tivessem mascarado as estruturas com elementos estranhos, onde o concreto
armado representa papel secundário. (...) se bem que a construcção tenha feito
reaes progressos, a architectura infelizmente não evoluiu. (JORDÃO, A CASA, n.
37, p. 9, abr., 1927).

E volta a insistir nas possibilidades de renovação da expressão arquitetônica

que o concreto armado apresentava para a então chamada pelo autor de arquitetura

moderna:

A continua evolução que se vem operando no Rio e em São Paulo havia de determinar
nos centros urbanos o encarecimento das áreas disponíveis e, consequentemente, o
levantamento de prédios de muitos andares, construídos segundo as exigências da
technica moderna”. (...)
O concreto armado, pelas propriedades que apresenta, differentes das dos outros
materiais anteriores em uso, irá imprimir por certo uma nova orientação na architectura
moderna. Entretanto, nas actuaes construções desse gênero existentes na Capital não
se observa a tendência para as novas formas, apezar dos bons resultados verificados
em ensaios praticados no estrangeiro. Nestes, nota-se que os architectos têm seguido
servilmente as tradições das construções em alvenaria, dando aos edifícios uma
apparencia pesada, o que está em contradicção com os caracteres essenciaes do
concreto armado”. (JORDÃO, A CASA, n. 37, p. 9, abr., 1927).

334
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Mesmo lamentando a orientação arquitetônica, a nova técnica construtiva já

possuía exemplos dignos de serem mostrados e assim o artigo traz quatro imagens

com destacado espaço, pois cada uma ocupa uma página, de edifícios altos sendo

construídos em concreto armado no Rio e em São Paulo.

Figura 123 – Páginas de ilustração do artigo “Os grandes edifícios do Rio e de São Paulo” com o Cinema
Odeon e o Cinema Império. Fonte: A CASA, n. 37, pp. 10 -11, maio, 1927.

Figura 124 – Páginas de ilustração do artigo “Os grandes edifícios do Rio e de São Paulo” com dois ângulos
do Edifício Brasil. Fonte: A CASA, n. 37, pp. 12 -13, maio,1927.
335
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O primeiro texto referente à arquitetura moderna, também de Braz Jordão, foi

publicado em julho de 1927. Intitulado “A Arte Moderna”, segundo seu autor, foi

escrito pela necessidade de esclarecimentos sobre um projeto apresentado no

número anterior em novo estilo, “segundo o espírito moderno” (JORDÃO, A CASA,

n. 39, p. 13, jul., 1927), cuja novidade poderia suscitar estranhamento nos leitores

que poderiam estar se perguntando para que a invenção de mais um estilo.

Assim essa fala segue no sentido de justificar a pertinência e a necessidade

imperativa de um estilo artístico que acompanhasse o progresso da ciência e da

indústria do período. O surgimento desse novo estilo não era gratuito e sim

vinculado às mudanças de vida da época e dá o exemplo da Exposição de Artes

Decorativas de 1925 em Paris.

Em cada período histórico o que se vê é que a arte vem acompanhando a


evolução da vida, exprimindo a moda, as mudanças de costumes e adaptando-
se aos novos elementos.
(...) a extensão dos conhecimentos humanos dilatava mais o campo das
producções artíticas. E assim o desejo de modernizar era tal que os architectos
não se pejavam de destruir as obras legadas pelos seus antecessores, mesmo
aquellas consideradas como admiráveis, simplesmente porque tinham cessado
de ser a expressão do momento. Entretanto, o contrario praticamos nós hoje:
condenamos o presente para ressuscitar o passado.
(...) esse aproveitamento precisa ser feito de um modo intelligente, não se
limitando á copia servil e imprópria do que os artistas de gênio conceberam, para
satisfazer às exigências de outros povos, cujo grão de progresso e de cultura era
bem differente do actual.
(...) Actualmente, no velho mundo, um grupo de artista de reconhecido valor,
trabalhando sob a mesma uniformidade de vistas, se esforça para chegar a um
estylo digno dos tempos modernos. Não sendo possível descerrar o véo que
encobre essas pesquizas, comtudo já se entrevê que as suas características só
podem ser determinadas pelas necessidades da vida actual e pelos innumeros
factores de ordem industrial e social. As fórmas simplificadas, as superfícies lizas
e sobretudo as finas tonalidades e as proporções das massas são as diretrizes
por onde se guiam os artistas modernos, deixando de lado toda a ornamentação
complicada. (...) ella é lógica, por isso que decorre da raridade e do preço da
mão de obra. É da estricta adaptação às necessidades da vida que nasce a
belleza, porque na arte, como na natureza, o bello é uma consequência. O
verdadeiro architecto é o que procura, dentro das possibilidades praticas, a
solução mais simples e mais lógica, por ser sempre a mais elegante. / A
architectura moderna deve estar em harmonia com o gosto da geração actual.
336
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Ora, a humanidade evolue e cada vez mais váe se cercando do conforto que a
sciencia e a industria lhe trazem. Assim sendo, o architecto não póde
permanecer indifferente a todas essas conquistas diárias, mas adaptar-se ao
meio em que vive afim de poder proporcionar aos seus clientes habitações de
acordo com a época. (JORDÃO, A CASA, n. 39, p. 13 – 14, jul., 1927).

Figura 125 – Pavilhões da Feira de Paris 1925 que ilustram o artigo “A Arte Moderna”. Fonte: Revista A CASA n. 39, p.
14-15, jul., 1927.

Esse artigo revela o importante impacto da Exposição Internacional de Artes

Decorativas e Industriais Modernas em Paris de 1925 para renovação da arquitetura

no Brasil que pouco ou quase nada aparece nas falas de grande parte das

narrativas históricas sobre a arquitetura moderna no país, mas que tanto reverberou

nas cidades brasileiras, com destaque para os arranha-céus que começavam a

povoar os maiores centros do país. As ilustrações são todos desenhos dos pavilhões

dessa exposição parisiense, o que indica que aquelas eram as formas modernas do

momento e que deveriam servir de exemplo para as novas obras brasileiras. Apesar

de noticiar a novidade das formas e mostrar um projeto nas novas linhas, o “estilo
337
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

moderno” apenas ensaiava seus primeiros passos em terras brasileiras na segunda

metade dos anos 20.

No final dos anos 20 a arquitetura moderna era colocada como algo em

latência, um estilo por vir. Atrelada ao mundo industrializado, mas principalmente ao

concreto armado, um novo material, a nova arquitetura demandava outra expressão

cujas respostas ainda eram incertas e que os arquitetos ainda estavam à procura.

Como se vê em “A arquitetura de amanhã” e “A esthetica moderna dos edifícios

industriais” ambos publicados em janeiro de 1929 na revista “A CASA”, todos dois

sem nenhuma ilustração que exemplificasse os argumentos do texto. Em “A

arquitetura de amanhã” Braz Jordão afirma:

Como os gregos tiveram suas estruturas de architraves e um organismo


estylistico correspondente, como os romanos tiraram o seu partido estylistico dos
seus monumentos de archivoltas, assim os architectos modernos que constróem
em concreto armado – material com o qual se podem executar obras de uma
audácia até agora não ultrapassada -, encontram-se deante do difficil problema
de provocar a formação de um novo estylo, próprio do novo systema
constructivo.

De facto, parece muito mais difficil a nós outros crear o organismo estylistico
para as novas estructuras estáticas do que para os antigos. (JORDÃO, A CASA,
n. 57, p. 20, jan.,1929).

E finaliza:
(...) Eis ahi por que é difficil a tarefa artística dos architectos modernos, pois o
novo systema constructivo presta-se menos do que o antigo a manifestar-se sob
formas architectonicas expressivas. (JORDÃO, A CASA, n. 57, p. 21, jan.1929).

Um dos pontos chaves que desencadeava a crise da arquitetura naquele

momento para esse autor estava no não reconhecimento por parte dos leigos em

arquitetura de uma das “finalidades estheticas” da arquitetura – a “‘transparência’ do

organismo estático-constructivo através do estylo” (JORDÃO, A CASA, n.57, p. 17,

jan., 1929).

338
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Para Braz Jordão a condição econômica depois da guerra para os europeus

teve importância central na reorganização da produção industrial. Seus espaços e

equipamentos passaram a ser definidos exclusivamente pelas necessidades de

cada tipo de indústria e assim como os engenheiros teriam alcançado a maior

simplicidade e sobriedade nas linhas das máquinas, os arquitetos precisavam

chegar a essa condição através da plena correspondência entre o invólucro e o

conteúdo, ou seja, o prédio e suas funções. Um discurso bastante afinado com as

buscas do movimento moderno europeu. Em “A esthetica moderna dos edifícios

industriais” coloca:

(...) no domínio da construcção technica, o engenheiro já alcançou a maior


simplicidade e sobriedade nas linhas que caracterizam as machinas mais
aperfeiçoadas. Alguns exemplos são typicos: o automóvel e o turbo-alternador
de 1928 são, além de perfeitas obras artísticas, verdadeiras obras primas de
mecânica. Nessas condições, o envolucro, representado pelo edifício e o
conteúdo, pelas machinas, devem ser exactamente solidários. Pode-se até dizer,
empregando a linguagem mecânica, que os edifícios das uzinas modernas
constituem o “carter” de um vasto motor. Ellas tendem cada vez mais a moldar-
se aos seus órgãos e a sua expressão externa é dominante quando o contructor
procura attender a esse requisito. (JORDÃO, A CASA, n. 57, p. 24-25, jan.,
1929).

Interessante ressaltar que a revista “A CASA” em suas falas até esse

momento evidencia que há uma busca por algo que ainda vai acontecer, ou seja, o

surgimento da linguagem própria do concreto e os textos vêm preparando esse

campo, essa nova sensibilidade. Fica claro nesses artigos pela evidente

preocupação com o futuro e com a racionalidade que o neocolonial não era a

resposta, apesar de sempre aparecer nas obras publicadas na revista. Jamais

identificado como “estilo moderno”, essa vertente era denominada de “estilo

colonial”. Por outro lado essas falas sinalizavam que as soluções das vanguardas do

velho mundo também não satisfaziam essa busca, defendiam que o melhor caminho

estaria entre o extremismo dos cubos europeus e os excessos decorativos do


339
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ecletismo. Em “A Arte Moderna” (1929), também sem ilustrações, Jordão volta a

afirmar esse vínculo da arquitetura moderna com a economia e aponta esse rumo do

meio. Interessante notar também que nessa fala fica evidente a tentativa de

convencer os proprietários resistentes as expressões modernas à aceita-las:

Muitos proprietários são ainda refractarios à habitação executada segundo os preceitos


da arte moderna. No emtanto, se há casos em que o ambiente está a exigir a
construção de uma casa inspirada estritamente num determinado estylo antigo, esses
casos devem ser considerados como excepcionaes. Porque não só é lógico construir
de accôrdo com o estylo da nossa época, senão porque é muito mais econômico.
De facto, a arte moderna deve em grande parte o seu desenvolvimento às exigências
de economia, porquanto, é com a eliminação de todos os elementos constructivos e
decorativos que demandam mão de obra cara, que a arte moderna chega a essa
simplicidade de linhas e de superfícies que se approxima da antiga.
Na realidade, o futuro esthetico da Architectura está grandemente ligado ao
empolgante problema econômico da hora presente, que domina todas as realizações.
Assim sendo, a obra architectonica tem de submetter-se a essa contingencia actual,
simplificando todos os detalhes. É sómente com as proporções, superfícies, volumes e
jogo de luz e sombra que se procura a harmonia do conjunto, harmonia que
antigamente era obtida com o concurso da escultura e da pintura.
É claro que se levarmos essas concepções ao absolutismo extremo, chegaremos aos
edifícios inteiramente cúbicos, munidos apenas das aberturas necessárias. Muitos
architectos do velho mundo, levando essas noções às raias do absurdo, teem
apresentado soluções nesse sentido. Mas entre essas soluções extremas e o excesso
opposto das gerações passadas há um meio termo razoável, que permitte a utilização
dos novos processos de construcção, eliminando grande parte das decorações
caprichosas e, portanto, custosas. (JORDÃO, A CASA, n. 59, p. 44- 45, mar., 1929).

J. Cordeiro de Azeredo também compartilhava da ideia de que uma

linguagem derivada do concreto armado estava surgindo. Para ele a arquitetura teria

um grande futuro e a Exposição de Paris de 1925 era um marco dessa renovação.

Crítico em relação à severidade das soluções alemãs e mais favorável às

interpretações francesas da arquitetura moderna esse arquiteto apontava com gosto

a renovação da paisagem urbana em seu artigo “A Casa Moderna” publicado em “A

CASA” em julho de 1929.

A architectura ainda não alcançou o ponto que as possibilidades da technica de


hoje lhe permittem.
Graças a esse progresso, a architectura de amanhã será grandiosa e imponente.
O problema da estabilidade hoje já não é o mesmo que se impunha antigamente.
(...) O concreto armado veiu remover innumeras difficuldades e alçando do chão
o edifício antigo fez surgir o arranha-céo.

340
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A revolução na architectura se faz naturalmente, devido ás condições que


offerecem os novos materiaes.
(...) Pode-se dar ao edifício a forma mais extravagante, pois que a engenharia
equilibral-o-á.
Por força dessas circunstancias, dentro em breve teremos que nos habituar com
uma outra physionomia architectonica.
Na Europa já se vê outro aspecto de cidade, aspecto que condiz com o século
do automóvel, do rádio e da radiotelephonia sem fio.
A exposição de Artes Decorativas em Paris marcou um real sucesso,
confirmando a victoria do espírito modernista
Na Allemanha há verdadeira revolução na architectura.
(...) Na França, comtudo, o moderno não assumiu este caracter de força e de
potencia que a Allemanha lhe emprestou, por isso que o artista francez tratou-o
com aquelle carinho, com aquella meiguice que elle sempre soube dar à sua
architectura. (AZEREDO, A CASA, n. 63, p. 14 - 16, jul., 1929).

Essas palavras são ponderações que antecedem a apresentação de um

projeto para uma casa na Urca desse arquiteto que é categórico em pontuar a feição

de sua obra: “ESTYLO – Predominam apenas as linhas modernas; é portanto, uma

pretensão modernista.” (AZEREDO, A CASA, n. 63, p. 16, jul., 1929). Duas

perspectivas e a planta baixa dos dois

andares da edificação ilustram o artigo.

Diferentes das argumentações de Braz

Jordão que muito se aproximam

daquelas do movimento moderno, as

soluções chamadas modernistas por

Cordeiro de Azeredo em 1929, muito se

afastam desse movimento. Mesmo que

despida de ornamentos, a solução da

cobertura em telhado muito inclinado

demostra esse distanciamento.

Figura 126 – Perspectiva da casa apresentada como


“modernista” no artigo “A Casa Moderna”. Fonte: Revista A
CASA n. 63, p. 14, jul., 1929.

341
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O ano de 1929 é um momento decisivo no desencadeamento das formas

modernas nas páginas de “A CASA”, porém ela não noticia as casas construídas por

Gregori Warchavchik em São Paulo. No entanto outras obras modernas pouco

evidenciadas na maioria das narrativas históricas da arquitetura brasileira, nessa

revista tiveram destaca presença como o Elevador Lacerda em Salvador:

É bem visível o progresso que se váe espalhando


pelo Brasil, não só devido à iniciativa
governamental como, principalmente pela
particular, mesmo naquellas cidades que ciosas
de suas reminiscencias coloniais e de seus
abundantes monumentos históricos, parecem
indifferentes à evolução moderna. Assim
acontece na Bahia, que, como todos sabem, além
de possuir grande parte do nosso tesouro
architectonico colonial, procura, agora, enriquecer
sua capital com magníficos arranha-céos.

O sopro de modernismo que agita neste momento


aquella cidade voltou-se para os velhos
elevadores que, de há muito, vinham reclamando
uma reforma. (...)

Não há dúvida de que este elevador em muito irá


concorrer para o desenvolvimento da actividade
da velha cidade, uma das mais interessantes do
Brasil (O Elevador da Bahia, A CASA, n 62, p. 19,
jun., 1929).

Figura 127 – Desenho do Elevador Lacerda que ilustra o artigo “O


Elevador da Bahia”. Fonte: Revista A CASA, n. 62, p. 19, jun., 1929.

342
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Bem diferente do pulo abrupto encontrado na esmagadora maioria das

narrativas históricas sobre a arquitetura moderna brasileira entre os manifesto de

Rino Levi e Gregori Warchavchik em 1925 e a casa modernista desse último

arquiteto inaugurada em 1928, um importante debate sobre a arquitetura moderna

impresso nas páginas da Revista “A CASA” desde 1924 revelam uma construção

paulatina de mentalidades e sensibilidades sobre essa renovação arquitetônica e

sua imbricada conexão com o concreto armado. Assim a visita de Le Corbusier em

1929 causou mais impacto que a “história” registrou num campo já bastante

preparado para entrar em ressonância com as falas do mestre franco-suíço.

Por outro lado, bem diferente da postura reverente de Lúcio Costa e seu

grupo na segunda visita de Le Corbusier em 1936, os arquitetos de orientação

moderna no Brasil se mostravam abertos, porém críticos às colocações estrangeiras.

Os profissionais que aqui trabalhavam tinham uma consciência bastante clara sobre

as diferenças de realidade e ambiente do Brasil para a Europa, e demostravam um

direcionamento que apontava bem mais para a busca de soluções próprias do que

para a reprodução das proposições estrangeiras.

O impacto da visita de Le Corbusier de 1929 foi imediato nas páginas de “A

CASA” em um ponto bem específico. Braz Jordão que até então apontava essa

renovação arquitetônica como algo por vir e desconfiava das expressões da

vanguarda europeia passa a afirmar a vigência efetiva da nova arquitetura. O artigo

sem ilustrações denominado “A Architectura Moderna” desse autor, publicado em

novembro de 1929 e, portanto logo após as palestras do mentor estrangeiro, já fala

de uma arquitetura funcional, econômica, estandardizada, que recuperava o clássico

não pelas formas, mas pelos princípios, especialmente o da “verdade construtiva”.

343
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Essa nova linguagem era da criação e não da aplicação, sua composição era

difícil dada a suas formas simples, mas abria ao Brasil todas as possibilidades de

buscar soluções próprias por causa do clima. Mesmo sem citar Le Corbusier em seu

texto, a mudança de posição e a certeza da resposta, que então Jordão passa a

defender, revelam a influencia da fala corbusiana sobre o autor, cujos trechos

destacados desse texto comprovam:

(...) o methodo humano evolue em sentido parallelo com o da Natureza. De facto,


na industria os aperfeiçoamentos tendem cada vez mais à simplificação, ou mais
exactamente, ao trabalho em série, á standardisação, isto é, á adoção de um
modelo preferido, eliminando pouco a pouco os que lhe são semelhantes mas
que apresentem menor vantagem. (...)
É pela eliminação de todos os elementos constructivos ou decorativos que
representam um grande custo de mão de obra que a arte moderna chegou a
essa simplificação de linhas e de superfícies.
Se considerarmos attentamente os resultados alcançados até agora,
chegaremos à conclusão de que os architectos actuaes estão com razão. (...)
Devemos dizer sem embargo, que essas construcções tinham o rigor de uma
demonstração e, em muitos casos, a imperfeição dos primeiros ensaios. O
architecto queria, por assim dizer, expor a Idea em toda sua nudez. E hoje
comprehende-se perfeitamente que “l’esprit de geometrie” não é incompatível
com “l’esprit de finesse”. (...)
A nova Architectura já adquiriu direitos de cidadania, pois, não tendo adornos e
adiamentos supérfluos, tolera mal o erro. Nella tudo é segurança de cálculo. A
beleza, graça, sumptuosidade, todos os valores estheticos do edifício, dependem
da bôa solução, da utilidade pratica que rege a obra.
A nova Architectura trata de reconquistar para a arte de construir o sentido
clássico, isto é, a observancia de certos princípios na solução de qualquer
possibilidade. Como se sabe, tudo o que é supérfluo, repugna ao clássico. (...)
A nova Architectura é impulsionada por essa probidade essencial e imperativa.
Não é o reflexo de um gosto voluntario, senão o desejo de subordinar a
Architectura às novas necessidades. (...)
Interessa-nos particularmente essa formula nova não só porque carecemos de
Architectura em nosso paiz como também porque o clima nos convida a estudar
solução própria. (...).
Nossos architectos (...). Applicam soluções em vez de buscal-as. É nisso que se
differencia o architecto moderno, pois para elle o problema não está resolvido e
deante delle o classista nada mais é do que um homem que parou no meio do
caminho. (JORDÃO, A CASA, n. 67, p. 15-17, nov., 1929).

344
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A defesa da arquitetura moderna e a denúncia da dificuldade de sua

penetração no Brasil serão combustíveis para uma série de artigos nos anos de

1930 e 1931. Em janeiro de 1930 J. Cordeiro de Azeredo escreve em “A arte

moderna e os actuais acabamentos” (A CASA, n. 69, p.13, jan.,1930):

No Brasil, mesmo entre os architectos, poucos dão valor à arte moderna.


Fazemos esta asseveração porque nenhum ainda a executou nas suas
verdadeiras modalidades, ou por impresciencia artística dos proprietários ou,
talvez, porque os architectos não lhe deram atenção. No entanto, a arte moderna
é bem digna da época. (...)

Não se trata de uma arte estrambolica como muita gente pensa; ao contrario, a
arte moderna, reponta o que há de mais sábio e lógico.

Pode se dizer que dá mais idea de conforto do que mesmo de grandeza.

(...) Na arte moderna, o cimento armado é o elemento essencial. (A CASA, n. 69,


p.13, jan., 1930).

Esse artigo é ilustrado por desenhos de Cordeiro que apesar da solução

quase sem ornamentos ainda utiliza telhados inclinados e soluções tipo bangalô.

Em março daquele ano é a vez de Braz Jordão reafirmar a falta de

familiaridade do público com essa que seria a verdade da arquitetura de seu tempo

no artigo sem ilustrações intitulado “A verdade na architectura”:

Em architectura, a verdade é o primeiro principio a observar. A apparencia deve


corresponder exactamente à realidade.
Infelizmente, o público ainda não está familiarisado com essa noção, porque entende
que uma casa despida da roupagem enganadora das molduras e outros ornamentos, é
demasiadamente simples, dando Idea de casa barata. (...)
No conjunto, desde que se considere a estrutura do edifício, nada deve produzir uma
illusão falsa; nos detalhes, não dissimular uma funcção qualquer da construção sob
outros aspectos, senão accetuar os que a própria funcção traduz ordinariamente ao
observador. (...)
Portanto, não é sufficiente que o edifício seja solido e estavel; é preciso que elle
manifeste francamente essas propriedades. (...)
Todos os supportes devem ser apparentes e bem definidos. (...)
Assim, a verdade é a condição suprema de toda a boa architectura e um edifício
causará tanto maior impressão no espectador quanto mais a expressão da verdade se
manifesta ao seu olhar. (JORDÃO, A CASA, n. 71, p. 5 - 6 mar., 1930).

345
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A batalha a favor da

aceitação e disseminação da

arquitetura moderna segue nas

páginas dessa revista em artigos

como “Architectura moderna”

(AZEREDO, A CASA, n. 82, mar,

1931) e “A arquitetura sob o

domínio da arte e da ciência”

(JORDÃO & AZEREDO, A CASA,

n. 91, dez, 1931).

É notória a mudança das

soluções desenhadas por J.

Cordeiro de Azeredo para ilustrar

seu artigo sobre a arquitetura


Figura 128 – Desenho ilustrativo de J. Cordeiro de Azeredo para o
moderna. artigo “Arquitetura Moderna”. Fonte: Revista A CASA, n. 82, p. 07,
mar., 1931.

Seus exemplos apresentados em croquis de perspectivas e plantas mostram

casas de cobertura plana,

volumetrias trabalhadas em jogos

geométricos e fachadas sem

ornamentos. Há inclusive uma

vista interna para um grande pano

de vidro que descortina uma

paisagem externa.
Figura 129 – Desenho ilustrativo de J. Cordeiro de Azeredo para o
artigo “Arquitetura Moderna”. Fonte: Revista A CASA, n. 82, p. 08,
mar., 1931.

346
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em “A arquitetura sob o domínio da arte e da ciência” já se evidencia a ideia

da disseminação da arquitetura moderna no território brasileiro: “Sente-se que a

arquitetura moderna, não tanto como seria de esperar, está ganhando terreno no

nosso meio.” (JORDÃO & AZEREDO, A CASA, n. 91, p. 7, dez., 1931). Nesse artigo

são apresentados dois projetos, através de perspectivas e plantas, um de Azeredo

que segue as linhas do anterior e outro de Ângelo Bruhns, também apresentado

como moderno por não apresentar ornamentos, porém ainda com uso de telhado

cerâmico – fato que não é discutido no artigo.

Outros arquitetos também contribuem nessa luta nas páginas de “A CASA”

como Ângelo Bruhns que escreve “A escola moderna” (BRUHNS, A CASA, n. 85,

jun., 1931) e “Architectura Moderna” (A CASA, n. 86, jul., 1931). Nesse último artigo

afirma a eclosão da nova arquitetura:

É innegavel que em toda a parte, na America, na França, Belgica, Hollanda, Allemanha,


Austria, etc., se verifica a eclosão de um mesmo phenomeno artístico. É a concepção
moderna que surge espontânea e avassaladora.
(...) os materiaes construtivos por um lado, e a situação econômica, influindo na mão de
obra, por outro, estabelecem as diretrizes dessa architectura, que procura exprimir com
sinceridade a mentalidade moderna. (BRUHNS, A CASA, n. 86, p.12, jul.,1931).

Sob o mesmo título “Arquitetura Moderna” (A CASA, n. 93, fev., 1932) o

arquiteto alemão Alexander Altberg, um judeu que estudou na Bauhaus e veio para

o Brasil em 1931, escreve em defesa da nova arquitetura. Seus argumentos,

soluções e ilustrações não deixam dúvida de sua filiação ao moderno alemão.

347
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 130 – Primeira página do artigo “A Arte Moderna” de Alexander Altberg. Fonte: Revista A CASA, n. 39, p.27, fev., 1932.

348
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A partir de 1932 a vitória parecia assegurada e no lugar dos textos há uma

quantidade significativa de obras modernas publicadas na Revista “A CASA”. Essas

obras ganham não só os artigos, mas também as capas e as propagandas. As

mudanças na direção e redação da revista também interferem no conteúdo dos

textos e no final dos anos 30 e início dos 40 o embate sobre ser ou não moderno

volta a aparecer, sob uma nova perspectiva. Naquele momento a moderna

arquitetura era uma realidade e discutia-se então qual seria a vertente moderna

hegemônica.

Sem a figura de Braz Jordão na redação “A CASA” optou pela estratégia de

usar vozes estrangeiras nesse debate. A posição do periódico não é clara – se a

favor dos mais revolucionários ou dos mais tradicionalistas. Os textos publicados

reproduzem artigos de revistas internacionais. Assim, em 1939 nos números de

novembro e dezembro respectivamente publica a tradução de “Inquérito entre os

maiores expoentes da arquitetura europeia” da revista mexicana “Arquitetura”.

Nesses textos são feitas 11 perguntas a arquitetos atuantes na França que

defendem correntes bastante distintas sobre os princípios, motivações e soluções

formais da arquitetura da época, foram eles: Georges Gromont, Roux Spitz, Augusto

Perret e Le Corbusier. Em 1941, a revista publica a tradução do artigo “Tradição

versus Modernismo” da “Revista de Arquitetura” de Buenos Aires, que apresenta

através da fala do organizador e de representantes das duas vertentes a exposição

VERSUS. Essa exposição norte-americana foi idealizada para confrontar e divulgar

o debate da arquitetura e seu futuro frente às mudanças e avanços técnicos e

científicos do período. No final de 1942 e início de 1943, a revista publica uma série

de artigos sob o título “Arquitetura Funcional ou Arquitetura Tradicional?”, neles

reproduz conferências contra e a favor da arquitetura funcional que haviam ocorrido


349
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

em Paris. O interessante na apresentação desses artigos foi a colocação de J.

Cordeiro de Azeredo, que pontua com toda a propriedade o problema da

denominação corrente dessa nova arquitetura ser arquitetura moderna:

Há alguns anos, vários arquitetos notáveis promoveram, em Paris, conferências pro e


contra a arquitetura funcional, impropriamente chamada moderna. Dizemos
impropriamente porque, a permanecer essa denominação, dentro de alguns anos, depois
de passar naturalmente por transformações, a arquitetura que surgir também será
moderna para os vindouros.” (AZEREDO, A CASA, n. 223, p. 26, dez., 1942).

Se “A CASA” deu grande visibilidade e destaque ao debate sobre a

arquitetura moderna, principalmente em seus primeiros anos, ao dar o espaço ao

tema em muitos de seus artigos de abertura, o mesmo não aconteceu na Revista

“ARQUITETURA E URBANISMO”. O debate sobre a arquitetura moderna não

ganhou as primeiras páginas dessa revista, talvez por ter surgido num momento

posterior em que não estava mais em questão ser ou não ser moderno ou quiçá pela

orientação “eclética” de seu diretor Cipriano Lemos ou ainda pelo contexto político

nacional e internacional do momento pouco favorável ao modernismo.

O fato é que os artigos da revista do IAB que trataram a questão foram

locados num primeiro momento na Tribuna Livre, seção cujo conteúdo a revista se

eximia da responsabilidade. A questão em alguns momentos aparece estruturando o

texto em certos artigos, mas não chega a ser o tema central. Só no segundo ano de

publicação do periódico, com as contribuições do arquiteto Gerson Pompeu

Pinheiro, é que a arquitetura moderna passa a ser diretamente tratada e debatida.

Na posição desse arquiteto, que parece prevalecer nos demais autores presentes na

revista, a arquitetura deveria ser sem dúvida moderna, mas não deveria seguir o

ideário corbusiano, paradoxalmente a vertente que começava naquele momento sua

caminhada rumo à conquista da hegemonia na arquitetura brasileira.

350
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Uma série de artigos que chama a atenção por colocar essa tensão entre

vanguarda e tradicionalismo na arquitetura em meados dos anos 30 e assim discutir

a questão da arquitetura moderna e seus direcionamentos são de autoria do

arquiteto Alberto Monteiro de Carvalho, intitulados “Fotografias e comentários de

viagens”. O arquiteto apresenta uma vasta reflexão, fartamente ilustrada, sobre a

arquitetura alemã, especificamente em Berlim. O primeiro da série de artigos é

publicado no segundo número de “ARQUITETURA E URBANISMO” em 1936 e

sucedem a ele outros dois, nos números três e quatro respectivamente desse

mesmo ano. Nessa sequencia o autor tece uma espécie de história da nova

arquitetura, já denomina modernista, a começar por seus precursores no final do

século XIX até os recém-construídos bairros operários nos arredores de Berlim e

aponta a tensão supracitada vinculada ao contexto político da Alemanha nazista.

Essa arquitetura modesta, mas sincera, é hoje a que predomina sobretudo nos
novos “Siedlungen”. A arquitetura dos modernistas da vanguarda, é muito
combatida, sendo o lema da “Neue Sachlichkeit” muito ridicularizado. É difícil de
traduzir esta expressão, aliás criada não há muitos anos para uma certa escola
de pintura e que passou para a arquitetura.
O ninho modernista que era a escola chamada BAUHAUS, que tinha sido
fundada em Weimar e depois teve de passar para Dessau, foi fechada a três
anos. O seu fundador Walter Gropius que aliás já tinha deixado a sua direção
desde 1928, vive agora na Inglaterra.
Outros arquitetos modernistas de origem israelita tiveram de deixar a Alemanha,
como por exemplo Erich MENDELSOHN, que trabalha presentemente com
grande sucesso na Inglaterra.
A arquitetura modernista tem um carater internacional que não podia agradar ao
nacionalismo forte dos que hoje dominam a Alemanha. A Italia adotou uma
arquitetura moderno-romana. Na Russia, o futurismo teve de ceder à exigencia
dos ditadores de lá, os quais querem colunas, mais ou menos como na Italia.
A não ser os formidáveis quarteis, sobretudo para a aviação, hoje as autoridades
alemãs, em vez das grandes casas coletivas, estão auxiliando a construção do
verdadeiro “Siedlung” nos arrabaldes mais afastados em torno das grandes
cidades, com casinhas modestas, isoladas, geminadas ou em pequenos grupos
e com lotes de bom tamanho para jardim e horta. Assim despertam mais o amor
do lar, da família e da pátria. (CARVALHO, ARQUITETURA E URBANISMO, n.
2, p. 40, jul./ago., 1936).

351
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os artigos dos arquitetos colaboradores mais constantes da “ARQUITETURA

E URBANISMO” são geralmente favoráveis à nova arquitetura, porém críticos, e

alguns severamente críticos, em relação ao pensamento corbusiano. Revela-se nas

páginas desse periódico não a luta pela aceitação da renovação arquitetônica, mas

sim pelos princípios e feição que ela deveria tomar.

Longe da atitude reverente dos arquitetos brasileiro em relação à fala de Le

Corbusier nas palestras de 1936 no Brasil da trama costiana, as colocações do

mestre franco-suíço foram motivo de reflexão crítica e não de aceitação tácita sobre

a adequação de suas ideias para a realidade do país. Esse embate parece ter sido

bastante rico para a arquitetura brasileira e sem dúvida fundamental para os

acontecimentos e rumos da nova arquitetura no Brasil. Nele revela-se um campo

arquitetônico em certa medida maduro cujos arquitetos eram plenamente capazes

de interpretações, reelaborações ou mesmo refutações das proposições

estrangeiras da nova arquitetura. A busca, assimilando ou não o ideário corbusiano,

era acima de tudo pela criação de soluções próprias e pelo distanciamento

consciente da simples reprodução de modelos importados.

Em “À margem das conferências de Le Corbusier”, publicado no terceiro

número de 1936, logo depois das palestras do mestre franco-suíço, o arquiteto

Adalbert Szilard é um exemplo dessa assimilação crítica do pensamento corbusiano,

cuja postura não era de adoração fanática, mas de reflexão atenta às devidas

ponderações e alterações à realidade local. Sua fala discorre sobre o avanço do

urbanismo e adverte que a solução de cidades novas era mais fácil do que os

problemas das cidades já existentes. Para ele não era possível desapropriar todo o

centro do Rio, mas era preciso sim pensar em uma solução, já que a legislação em

352
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

vigor permitia a construção de grandes edifícios de uma maneira que em pouco

tempo a cidade teria problemas gravíssimos de tráfego, iluminação e ventilação.

Segundo ele as superfícies livres deveriam crescer nas mesmas proporções do

volume das construções e afirma:

Ouvindo Le Corbusier ocorreu-me, pois a idéia de aproveitar algumas de suas


sugestões.
A grande via que ligaria a Av. Rio Branco ao Mangue poderia ser aberta sob os
edifícios situados entre as ruas General Camara e S. Pedro. O croquis que
apresento mostra o que seria essa grande avenida e como penso que ela
asseguraria ampla areação dos arranha-céus mediante áreas obrigatórias.
(...). A solução apresentada não será por certo, aquele ideal propugnado por Le
Corbusier; mas na passagem da teoria à prática é preciso transigir, buscando as
soluções realisáveis. Ora, nessa que aqui lembro se aproveita e aplica, de fato, a
essência do pensamento daquele urbanista, que acaba de nos visitar.
(SZILARD, ARQUITETURA E URBANISMO n.03, p. 165-179, set./out, 1936).

Embora o ideário de Le Corbusier tenha ganhado espaço bastante expressivo

entre os arquitetos brasileiros, alguns se mostravam radicalmente contra essa

vertente, como é o caso do arquiteto Gerson Pompeu Pinheiro. Com o mesmo ardor

que defendia a arquitetura moderna esse arquiteto também atacava a linguagem

corbusiana. Para ele as resposta à nova arquitetura estavam longe das pesquisas

plásticas abstratas da pintura purista que guiava as soluções do mestre franco-suíço

e seus seguidores.

Em “A Estrutura Livre” de meados de 1937, Pinheiro critica duramente a

inadequação da estrutura livre para as soluções arquitetônicas. Segundo ele:

“Dentre as várias conquistas da moderna técnica de construção figura a chamada

‘estrutura livre’. Seu emprego, pelas profundas alterações que póde produzir no

tradicional conceito da arquitetura precisa ser convenientemente considerado.”

(PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 173, jul./ago., 1937).

353
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O arquiteto começa sua fala por explicar que essa solução era uma estrutura

independente onde a parede se desvinculava do sistema estrutural cujo “grande

vulgarizador” (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 173, jul./ago.,

1937) era Le Corbusier sob alegações a favor da economia, flexibilidade e liberdade

de fachada. Antes de avançar na discussão o autor propõe a revisão do “sentido

primeiro e essencial da arquitetura. A arquitetura é uma arte estática” (PINHEIRO,

ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 173, jul./ago., 1937). Segue então

avaliando o uso de tal estrutura segundo cada ponto das vantagens propagadas por

seus defensores e contrapõe todos os argumentos mostrando a inadequação de seu

uso.

Quanto à econômica afirma que o acabamento cilindro dos pilares soltos no

meio dos compartimentos era bem mais caro que as peças retangulares junto das

paredes. Sobre a flexibilidade alegava que ela provocaria a substituição do arquiteto

por um calculista de arcabouços e um desenhista de fachada, por substituir o projeto

dos espaços internos por uma arrumação de biombos segundo caprichos eventuais

do locatário. Segundo ele isso acarretaria um enorme prejuízo na distribuição e

compartimentação dos espaços perseguindo melhor condição de orientação, acesso

e fluxo centrais na qualidade arquitetônica e necessariamente definidos pelas

paredes, independente do material destas cuja mínima modificação comprometeria a

melhor solução encontrada pelo arquiteto para aquela necessidade/espaço:

“Maleabilidade, plasticidade, flexibilidade, são atributos que não se ajustam com o

espírito e a finalidade da arquitetura. Uma parede tem seu lugar e é um só”

(PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 173, jul./ago., 1937).

Sobre a fachada livre começa por comparar o edifício ao corpo humano: os

compartimentos são os órgãos, o esqueleto é a estrutura, a parede é a carne e as


354
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

instalações mecânicas são os músculos. E nessa analogia o arquiteto emprega

todos os pontos usados para a defesa da estrutura livre para atacá-la. Para ele a

estrutura livre obstruía os fluxos, era, portanto, absurda e contrária à naturalidade

das coisas, haja vista o corpo humano cujos elementos do esqueleto jamais

atravessavam os órgãos. A fachada livre, segundo esse arquiteto, mascarava a

arquitetura e se tornava, portanto gratuita e arbitrária. Reforçava suas críticas

através de desenhos que evidenciavam seus argumentos e afirmava:

A estrutura livre dá causa a situações verdadeiramente esdruxulas: circulações


por colunas, salas e compartimentos (órgãos vitais do edifício) prejudicados em
sua totalidade espacial com o aparecimento indesejável de suportes verticais.
A sinceridade plástica, um dos mais belos apanágios da bôa arquitetura perde a
sua significação. A fachada é livre, isto é, dissocia-se completamente da planta,
torna-se uma perfeita mascara. Alargam-se os horizontes para os decoradores,
os cenaristas, os ‘fachadistas’. (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n.
04, p. 175, jul./ago., 1937).

Figura 131 - Desenhos de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. Fonte: ARQUITETURA E
URBANISMO, n. 04, p. 175, jul./ago., 1937.

355
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 132 - Desenhos de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. Fonte: ARQUITETURA E
URBANISMO, n. 04, p. 174, jul./ago., 1937.

356
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As colocações de Gerson Pinheiro, bem mais que verdades pertinentes ou

argumentos razoáveis que expliquem as escolhas feitas nos caminhos e

descaminhos que a arquitetura brasileira trilhou, mostram que as mesmas palavras e

argumentações foram usadas e colocadas de maneiras tão diversas que chegavam

à oposição. Se fluidez, racionalidade e economia eram conceitos centrais da

arquitetura moderna, a concretização deles nas soluções arquitetônicas modernas,

não só, mas também no Brasil, estavam muitíssimo distantes de qualquer

correspondência unívoca e unanime entre conceito e forma.

Por outro lado essas mesmas colocações revelam definitivamente a

capacidade crítica dos arquitetos brasileiros e a diversidade das posições em nada

submissas ao “Livro Sagrado da Arquitetura” (COSTA, 1951, p.1). De maneira até

bastante ponderada Gerson Pinheiro ainda pontua e mais uma vez ressalta a

autonomia de seu pensamento:

A meu ver, o que merece maiores reparos, não é tanto o sistema, como a fórma
porque dele se têm feito uso.
A estrutura livre constitui um sistema; precário ou não, é um recurso a mais na
técnica da construção. Ela foi lembrada como solução para certas dificuldades
estruturais realmente existentes nos arcabouços incorporados.
Empregal-a, entretanto, incondicionalmente da residência de um só andar aos
edifícios de grande porte é expediente demasiado simplista para ser aceita sem
maior exame. (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 175,
jul./ago., 1937).

Como resistência a influência corbusiana e ao pensamento costiano, as falas

de Gerson Pinheiro entram em embate direto com as de Lúcio Costa. No segundo

número de 1938 publica-se na seção Tribuna Livre da Revista “ARQUITETURA E

URBANISMO”, o artigo “Documentação Necessária” de Costa (1937), transcrito da

Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Nesse texto sobre a

tradição construtiva brasileira, Costa defende a ideia de um tipo único da casa

brasileira ligada diretamente à pureza da arquitetura moderna de linguagem


357
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

corbusiana – numa linha evolutiva da arquitetura colonial até a moderna, preservado

pelos mestres de obra portugueses e baseado no “ar despretensioso e puro”

(COSTA, ARQUITETURA E URBANISMO n. 02, p. 106, mar. / abr., 1938), dessa

arquitetura. Em contraponto Pinheiro escreve “Rumo à casa brasileira” que sai no

número subsequente.

Nesse artigo Pinheiro aponta primeiramente a multiplicidade de condições da

produção da casa brasileira dado à extensão territorial, a variação do meio e do

homem brasileiros. Segundo ele a tentativa de buscar a “feição estética” vinculada a

“razões históricas e tradicionais é processo menos rigoroso” (PINHEIRO,

ARQUITETURA E URBANISMO n. 03, p. 113, mai./jun., 1938). Assim buscava

investigar a casa brasileira pelos seguintes aspectos: situação do terreno

(topografia), condições de economia (materiais) e programa doméstico de habitação

(questões sociológicas). No decorrer de seu texto o arquiteto mostra a inadequação

de certas soluções modernistas para a casa brasileira, como: a estrutura

independente por criar dificuldades no aproveitamento do espaço interno; o terraço

jardim por não ser utilizado; os volumes prismáticos que desconsideravam a

importância dos beirais e deixavam as fachadas sem a devida proteção. As criticas

eram diretamente voltadas para a linguagem formal de Le Corbusier. Pinheiro lutava

por um outro modo se ser moderno. Seu discurso era extremamente crítico em

relação ao pensamento de Lúcio Costa e à adoção sem maiores considerações dos

ditames do mestre franco-suíço.

Em nosso país tem havido certa confusão quanto á escolha de rumos para os
múltiplos problemas da nacionalidade. Com relação à arquitetura verifica-se o
mesmo. Temos variado, oscilando entre dois extremos perigosos, a ignorância
rasa, e a cultura profunda, mas, de janelas fechadas para a vida.
Tenho afirmado e insisto, não se pode em referência aos edifícios existentes no
Brasil, dizer: arquitetura brasileira. Semelhante fórmula é comum dentre os
poucos informados sobre o assunto, ou nas expansões de sabor litero-patriótico.
358
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Não será fazendo o elogio da ingenuidade dos índios e dos pretos, nossos
primitivos operários, e do mestre de obras, (este, a meu vêr, fenômeno histórico
inevitável, mas nem por isso louvável), que se chegará a um resultado positivo.
Numa atitude extranhamente paradoxal, faz-se referências a um passado
paupérrimo de qualidades arquitetônicas, e elege-se Le Corbusier para modelo
invariável. (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 03, p. 115, mai./jun.,
1938).

E completa:

Se quizermos recolher a “documentação necessária”, caminhemos à luz da


moderna técnica dentro da realidade brasileira, e convenhamos que para achar a
solução indicada não precisamos recorrer aos modelos alienígenas ou ao
exemplo colonial e sim aos métodos de probidade e estudo que norteiam os
trabalhos dos profissionais estrangeiros que todos nós sabemos admirar.
(PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 03, p. 115, mai./jun., 1938).

Em “Depoimento Esclarecido” de janeiro de 1939 faz uma homenagem ao seu

falecido professor de desenho na ENBA, o espanhol Modesto Brocos e através das

palavras de seu mestre no livro “Retórica dos Pintores” (1933) defende sua posição

sobre o caminho que deveria seguir a arquitetura moderna no Brasil citando as

palavras de seu mestre e professor:

Nós não temos tradições, o nosso passado é muito curto, as lendas ainda não
estão fixadas.
A arte colonial não vem a ser mais do que uma arte arqueológica
A arquitetura, para ser grande, deverá expressar as nossas necessidades, os
nossos gostos e a nossa civilização. Adaptar o emprego racional dos materiais
modernos: o ferro, o cimento armado, o tijolo de vidro, o tijolo esmaltado,
realizando a união harmônica destes materiais novos com os materiais
tradicionais: o granito, o mármore, o tijolo e a madeira. E será voltando a ser
construtor que o arquiteto procederá como verdadeiro artista.
A arte não é produto de uma geração, nem de duas, nem de três; a arte própria
ou nacional é o resultado de esforços acumulados por muitas gerações que
trabalham, seguindo as pegadas de um precursor. (BROCOS, apud PINHEIRO,
ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 349, jan./fev., 1939).

Em “Clássico e Moderno”, também de 1939, Pinheiro volta a alfinetar Lúcio

Costa e os seguidores inveterados de Le Corbusier ao discorrer sobre a

inadequação do uso corrente dos termos clássico e moderno, que vinham sendo

equivocadamente aplicados na descrição e distinção das obras de arte. Para ele

359
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

clássico significava tanto reconhecimento de excelência e exemplo modelar como

antiguidade, enquanto moderno era apenas e simplesmente o adjetivo para algo

novo, recente, atual. Segundo o arquiteto:

O século XX nasceu com as maiores conquistas do gênio humano. As


invenções teriam que causar sérias transmutações no organismo econômico
social da humanidade. O declínio do sentimento religioso, a preferência pelas
atividades esportivas, o aumento de intercâmbio por meio da aviação e do
rádio e muitas outras transformações deram causa ao aparecimento de um
homem de sensibilidade até certo ponto diferente. (PINHEIRO, ARQUITETURA
E URBANISMO n. 05, p. 633, set./out., 1939).

Portanto, Pinheiro apontava a necessidade de se estar aberto à liberdade

criadora do artista, de se fazer crítica e se preocupava com o modo dogmático que

certos “ditos modernos” (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 05, p. 633,

set./out., 1939) se posicionavam. Defensor de uma renovação arquitetônica

constante e atenta aos movimentos dos modos de vida e à modernização das

técnicas construtivas, via com desconfiança a tentativa de homogeneizar a

expressão plástica do período e de academicizar um estilo que para ele ainda nem

havia se tornado de excelência:

É curioso verificar que está se procurando, num trabalho sempre crescente, a


formação de um estilo caracteristicamente definido em qualquer das artes
plásticas. (...) É manifesta a semelhança de atitudes e de proporções entre as
figuras criadas pelos pintores e as desenhadas pelos arquitetos.
A força dos preconceitos, a rigidez dos sistemas, a intolerância dos seus adeptos
e praticantes, a escolha e devoção de um chefe e condutor, tais são os sintomas
que fazem admitir esteja em franco processo de formação um novo surto
acadêmico que não chamaremos de clássico porque ainda não alcançou
aquela “reconhecida excelência de estilo”. (PINHEIRO, ARQUITETURA E
URBANISMO n. 05, p. 634, set./out., 1939).

Ele achava problemática a similaridade entre as expressões dos diversos

campos das artes plásticas. Para ele o fato de “os arquitetos se inspiram nos

trabalhos dos pintores modernos” (PINHEIRO, ARQUITETURA E URBANISMO n.

05, p. 634, set./out, 1939) era indicativo de limitação e não de vitalidade da nova

arquitetura. Seu exemplo mostra a proximidade entre a cobertura do Ministério da

Educação e Saúde (sem identifica-lo) e o quadro de Juan Gris.


360
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 133 – Croquis de Gerson Pinheiro ilustrando suas argumentações. O edifício moderno a que se refere é a Sede
do Ministério da Educação e Saúde. Fonte: ARQUITETURA E URBANISMO, n. 05, p. 635, set./out, 1939.

A diversidade de posturas quanto aos entendimentos e caminhos da

arquitetura moderna no Brasil apresentados em “ARQUITETURA E URBANISMO”

mostram um cenário bastante rico das pesquisas e tentativas de se ser moderno e

brasileiro, como nos revela os artigos dos arquitetos Marcelo Roberto (1937) e

Ângelo Murgel (1939). O primeiro arquiteto, mais partidário do internacionalismo

moderno, acreditava na participação criativa dos brasileiros no panorama mundial.

Já o segundo buscava as respostas para a renovação da arquitetura através da

imbricada e tradicional relação entre técnica construtiva disponível (no caso as mais

modernas) e as imposições do meio geográfico (não só nas diferenças climáticas,

mas na diversidade da paisagem própria de cada lugar e suas formas). Roberto

aponta a construção coletiva do movimento moderno no Brasil e sua diversificada


361
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

influência estrangeira. Já Murgel atribui um sentido plástico para a controversa fusão

entre modernidade e localidade.

O artigo de Marcelo Roberto intitulado “Está acabando a incompreensão”

levanta pontos bastante interessantes sobre o movimento moderno no mundo e no

Brasil, além de pontuar a paridade nacional com as vanguardas mundiais. Publicado

no número 06 de novembro e dezembro de 1937, o vencedor dos concursos para os

projetos da sede da ABI e para a estação central do aeroporto Santos Dumont via

com entusiasmo a disseminação da nova arquitetura.

Para ele as forças contra o moderno já estariam se arrefecendo e sua

hegemonia era inevitável, seu entusiasmo chega a ser panfletário:

Nada impedirá a chegada dos tempos novos. Nada impedirá a fixação da


arquitetura nova. Os estandartes levantados em alguns lugares, visando
combater a arquitetura baseada nas técnicas contemporâneas, nada
conseguirão.
Tremendo, anti-estético, anti-humano o “estilo moderno”? Todos de acordo. (...)
Não gostam da forma da arquitetura que vem nascendo? Bem, isto é diferente;
não tem grande importância, não prejudica lado nenhum. Rafael, dizem, não
gostava das catedrais. (ROBERTO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 06, p.
323-324, nov./dez., 1937).

O interessante desse texto é a ampliação que Marcelo Roberto dá aos

condicionantes e referências da arquitetura moderna, mesmo que não deixe de

ressaltar o destaque de Le Corbusier.

Os nomes, os fatos, os elos da corrente que nos trás aos tempos novos,
ressurgem, nesse momento de emoção, nítidos, com toda a grandiosidade que
merecem.
A “epopéa do ferro”, a arrancada de Labrouste, as culminâncias de Eiffel e
Durtet. A lógica de Viollet-Le-Duc. O Modern Style. O concreto armado, o invento
simples do horticultor Monier. O empreiteiro Hennebique. A página virada pelos
irmãos Perret. Tony Garnier, as profecias do “Cidade Industrial”. O
funcionalismo, Loos, Wagner. As aspirações de após-guerra, o desenvolvimento
e divulgação dos problemas sociais. O Cubismo. O retorno às formas primitivas,
a arte negra, a arte polinésica. O desenvolvimento da máquina. As teorias
científicas acessíveis, humanas. As maravilhas da aviação. A fotografia prática, a
“vizão nova” (“Moholy-Nagy”). A redescoberta do Mar Latino, as casas claras das
Baleares. As construções do gênio Civil. Freyssinet, os hangares d’Orly. A
aplicação das grandes descobertas. O fim do empirismo. Carrier. Lyon. A
standardisação. As preocupações de urbanismo, a compreensão da doença de
362
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

todas as cidades. As teorias literárias. Os construtivistas, os racionalistas. A


“Osa” e a “Osnowa”. A dialética materialista, o neotomismo. Os precursores
ameriacanos, Sullivam, Frank Lloyd Wright. O pavilhão de L’esprit Nouveau da
exposição de 1925. A crise mundial, a super-produção, a realidade sem véus. Os
C.I.A.M. As pesquisas, em todos os países, das habitações expontâneas,
classificação das constantes humanas. A “neue Sachlichkeit”, Gropius, o grupo
“Der Ring”, a “Werkbund”. Le Corbusier, a antena receptora das vibrações de
uma época, o homem que a partir de 1920 como diz Catherine Bauer, teve todos
os arquitetos do mundo com ele ou contra ele. A marca a ré nazista e soviética.
A arquitetura humanista. A decadência do romantismo americano, melhor
compreensão de expressões arquitetônicas de 300 metros de altura. A
Publicidade, o Maravilhoso. Os grandes desfiles, os aglomerados humanos para
fins precisos. A divulgação pelo cinema. Visualisação da saturação do período
de preparação, impossibilidade de marcha antes da chegada da época de
solidariedade: Paris, Exposição de 1937. (ROBERTO, ARQUITETURA E
URBANISMO n. 06, p. 323, nov./dez., 1937).

Ele também aponta a diversidade da ordem de resistência da sociedade

brasileira ao movimento moderno em relação aos acontecimentos em outras nações:

As pequenas bandeiras levantadas no Brasil contra a nossa incipiente arquitetura


baseada nas técnicas contemporâneas, não são inspiradas pelos motivos políticos ou
comerciais dos outros países. É puro amadorismo. Tenho a certesa que elas cessarão
quando os seus porta-standartes nos compreenderem e descobrirem que tudo que eles
dizem sériamente coincide com o que pensamos e procuramos fixar dentro das
possibilidades da nossa época. (ROBERTO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 06, p.
324, nov./dez., 1937).

Marcelo Roberto compartilhava com Lúcio Costa o entendimento de que a

disseminação da arquitetura moderna era uma missão sagrada, mas não a via como

obra de raros gênios iluminados. Dois pontos bastante interessantes de sua fala se

dão na defesa da condição coletiva e solidaria da nova arquitetura e na equivalência

da produção brasileira à produção internacional da arquitetura moderna:

(...) a arquitetura foi sempre o resultado da solidariedade necessária entre os


homens. Classificação, escolha, seleção e ritmo, orientados para um objetivo
grande, comum a todos os homens de uma época, é o índice das sociedades
unitárias e aparece com elas. (ROBERTO, ARQUITETURA E URBANISMO n.
06, p. 323, nov./dez., 1937).

Nada impedirá, chegada a hora do entendimento, da solidariedade, o


desabrochar da grande Arquitetura, arquitetura na escala e envolvendo todas as
forças diretoras dos tempos novos. O mundo será coberto por uma onda de
trabalho e de fé. E nessa corrida grandiosa, parece, felizmente, que o Brasil não
se atrazará. (ROBERTO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 06, p. 324,
nov./dez., 1937).

363
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Simplesmente intitulado de “Arquitetura”, Ângelo A. Murgel publica no número

01 de 1939 de janeiro e fevereiro da Revista “ARQUITETURA E URBANISMO” uma

alternativa das pesquisas brasileiras por sua expressão moderna que foi

completamente apagada da “história oficial”. Diferente do neocolonial, do art déco,

do modernismo internacional e suas variações nacionais, essa linha buscava uma

nova arquitetura através da sempre singular fusão entre meio geográfico e técnica

moderna, bem mais atada ao lugar que as pesquisas de reconciliação costiana entre

modernidade e tradição/identidade. Segundo ele:

O que devemos combater é essa arquitetura fácil de acomodação, de cópia do


passado ou do moderno estrangeiro, arquitetura sem expressão e sem raízes no
nosso país. (MURGEL, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 374, jan./fev.,
1939).

Em sua argumentação Murgel discorre sobre o problema da forma na

arquitetura que na época vinha dividindo os arquitetos entre modernos e clássicos e

aponta a repetição dessa condição de tempos em tempos na historia da arquitetura.

Relaciona a forma da arquitetura à geografia, ao lugar, devido aos materiais, mas

também a paisagem e formas do meio ambiente. Para ele a solução arquitetural é

uma questão tanto da capacidade portante do material como de modelo formal. O

arquiteto fala do Egito, Mesopotâmia, Grécia e Roma e dá um salto da antiguidade

até a arquitetura do ferro na era moderna. Murgel aponta os equívocos da procura

pela nova forma em uma crítica implícita ao “Art Nouveau” e aponta o acerto em

buscar a unidade entre arte e técnica daquele momento. Ele vincula as grandes

mudanças da arquitetura aos avanços da técnica construtiva, mas adverte sobre a

impropriedade do internacionalismo das soluções.

A beleza deve nascer da constutição mesma dos processos construtivos, sem


que nem uma fórma insincera venha mascarar a estrutura íntima do monumento
ou similar cousas irreais. O material empregado será sempre belo quando for
apreciável, claramente, a sua verdadeira função no concerto arquitetônico.

364
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Tais são as poderosas razões inamovíveis, que determinam e determinarão


sempre o faceis arquitetônico de cada tempo, de cada meio e de cada
civilisação. Querer tornar a arquitetura universal será pretender nivelar a
mentalidade e as aspirações de povos diversos, igualar as suas condições
sociais, uniformisar a superfície da terra. É grande erro preconisar-se tão
quimérica igualdade. E se estudarmos agora as influências diversas de que o
meio dispõe para modificar, de um logar para outro, a constante físico-
geográfica, mesmo sem considerarmos os importantíssimos fatores puramente
espirituais e sociais, veremos, com uma evidência irrefutável, a condenação da
arquitetura universal. (...) Para cada região do globo terrestre deve haver uma
expressão particular da arquitetura, que corresponda às necessidades peculiares
daquela zona, atendendo aos diversos fatores de que já falamos. Àqueles
acrescentaremos ainda os climáticos que tão poderosamente influem na
aparência externa dos monumentos pela disposição especial que requerem de
elementos importantes da composição, tais como as marquises, as janelas,
portas, beirais, toldos, etc. (MURGEL, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p.
374, jan./fev., 1939).

Interessante no discurso desse arquiteto é que a busca da verdade e da

franqueza dos materiais vincula-se a relação com o meio. Há nessas colocações

uma terceira via do moderno, no qual as soluções não são uma inflexão local do

gesto universal por um passado escolhido ou pela necessidade climática, mas a

solução é por princípio singular pela indissociável relação da arquitetura com o lugar.

Para esse arquiteto, a arquitetura clássica é criada em cada vez que em algum lugar

se atinge a excelência construtiva do momento que se torna então modelo para sua

época e o problema era assim sua cópia servil. Por conseguinte, no entendimento

de Murgel o clássico deveria sim ser elemento de estudo, mas jamais modelo:

(...) infelizmente, cada vez que a arquitetura chega a uma solução verdadeira
para determinada região, com os esforços conjugados, à vezes, de séculos,
constatamos, a seguir, o abandono do estudo dos problemas, prevalecendo
então o critério da cópia servil, fixando-se os arquitetos àquelas fórmas que
corresponderam sómente às determinantes de uma dada época. Torna-se
clássica. E si essa manifestação se verifica na Europa, centro da cultura
ocidental, ela se impõe a todos os países que vivem sob sua égide intelectual e
cultural, transplantada, como flor exótica, para as regiões mais diversas, sem
que nem ao menos um critério de adaptação venha salvar as aparências dessa
imigração feita atravez dos profissionais estrangeiros, ou muito mais vulgar hoje
em dia, atravez das revistas de arquitetura, fonte de muita inspiração. (...).
É inegável a necessidade da creação de um novo tipo de arquitetura, consoante
com a nossa vida, com nossa geração, donde resultará uma beleza, que será
própria à nossa era, e que a exprimirá. A arquitetura clássica, por sua maneira
de constituição, nas diversas épocas, servirá, sem dúvida, de exemplo para o
modo por que temos de agir para chegarmos a esse ideal moderno, conduzindo
as tendências artísticas para a solução sensata e lógica, que fará do nosso
trabalho obra segura e definitiva. Dentro dessas normas, obedecendo ás

365
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

imposições do meio geográfico, lançando mão dos recursos múltiplos que nos
oferece hoje a técnica, sem perder de vista as grandes leis universais da
estética, com o intuito de fazer obra bela, é que poderemos chegar á verdadeira
expressão arquitetônica do nosso século e, particularmente, de cada região.
(MURGEL, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 374-375, jan./fev., 1939).

A influência que ele ressalta para sua formação vincula-se a Miloutine

Borissavilievitch 156 e Frank Lloyd Wright em sua passagem pelo Brasil. Murgel

também aponta a impossibilidade de tudo ser ensinado na escola e a importância

das qualidades pessoais, como Lúcio Costa defende as genialidades individuais: “A

Escola servirá para burilar e aperfeiçoar o sentimento do belo, que é inato”

(MURGEL, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 375, jan./fev., 1939). E adverte:

“Sob o título de arquitetura em “estilo moderno” rotulam-se, hoje, muitas dessas

produções malignas, que são o reflexo fiel da nossa sociedade e do nosso estado

moral”. (MURGEL, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 375, jan./fev., 1939).

Além dos artigos dos arquitetos colaboradores da revista “ARQUITETURA E

URBANISMO” e do Instituto dos Arquitetos do Brasil que descortinavam um rico

campo de embate sobre a nova arquitetura, suas várias possibilidades construtivas e

variantes expressivas, havia também nesse periódico a Tribuna Livre, espaço

destinado a outras contribuições e manifestações.

A Tribuna Livre, cujos artigos não necessariamente eram assinados por

arquitetos, era uma seção permanente da Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”

aberta a textos de diversas orientações e sua apresentação era sempre precedida

de pequena advertência de Cipriano Lemos sobre a isenção da responsabilidade do

periódico sobre seu conteúdo. No entanto, apesar de posições opostamente

distintas dos artigos ali contidos, eles parecem em certa medida pender nos

primeiros anos para a desqualificação da vanguarda moderna, com algumas defesas

156
Segundo o próprio Ângelo Murgel, Miloutine Borissavilievitch foi um grande tratadista da arquitetura.
366
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

importantes da causa modernista como o texto de Tarsila do Amaral, e mais adiante

a desqualificação volta-se para o ideário corbusiano. Com a morte de seu

idealizador e a substituição da direção da revista essa seção acaba desaparecendo.

O primeiro texto que, de certo modo, discute a questão da arquitetura

moderna em “ARQUITETURA E URBANISMO” foi publicado logo no segundo

número da revista, intitulado “Atentados contra a cidade” da cronista e poetisa Maria

Eugenia Celso, uma solidaria a José Mariano Filho. Em seu artigo, sem ilustrações,

transcrito do “Correio da Manha” de 29 de junho de 1936, ela queixa-se contra os

arranha-céus nas paisagens litorâneas, especialmente em Copacabana e dos

sucessivos aterros que descaracterizam e retificam a natureza carioca, tirando-lhe a

originalidade e a beleza. Se manifesta contra os empreendimentos realizados sobre

o sacrifício da natureza, que chama de pseudo-progresso.

Devo preliminarmente declarar que não tenho nenhuma antipatia pessoal contra
os arranha-céus.
Construído no centro da “city”, não obstruindo com a imensa mole dos seus
cubos de cimento o pedaço de horizonte em que porventura se venha desenhar
o baluarte acidentado da serra, têm na verdade uma certa grandeza de arrojo e
de modernismo que chega, por vezes, quasi a lhes disfarçar a monótona
feialdade.
(...) sempre fiz parte desse reduzido grupo de artistas e de sonhadores que na
esteira de José Mariano Filho, sempre ergueram a voz e enristaram a pena, no
mais inútil dos protestos contra a remoção do chafariz do largo da Carioca (...) e
(os modernos que tapem os ouvidos!...) contra os arranha-céus de Copacabana.
(CELSO, ARQUITETURA E URBANISMO n. 02, p. 61, jul./ago., 1936).

E finaliza:

O poeta sempre teve o privilégio de compreender o progresso a seu modo e,


superiormente alheio ao seu lado comercial e lucrativo, chorar de angustia por
ver cortar uma arvore para dar passagem a um trilho de bonde (CELSO,
ARQUITETURA E URBANISMO n. 02, p. 61, jul./ago., 1936).

Em nota no final do artigo, Cipriano pondera as colocações da autora,

compartilha de algumas e outras são apontadas como pontos exagerados de

argumentos pouco significantes sobre a paisagem. Ele também ressaltava a posição


367
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

de defesa da paisagem carioca por parte do IAB, porém fez a ressalva da

importância dos aterros para higienização e embelezamento da cidade.

Sem a manifestação de Cipriano sobre seu conteúdo, a Tribuna Livre da

edição seguinte da revista traz um texto assinado por Tarsila do Amaral intitulado

“De Joseoh Monier a Le Corbusier”, também não ilustrado e publicado originalmente

em “O Jornal” em 24 de julho de 1936. Nesse artigo a pintora sai em defesa do

modernismo e revela sua predileção apaixonada por Le Corbusier:

(...) uma nova tendência surgiu e se impoz com as teorias de Le Corbusier que
desde 1920 é considerado chefe de escola. (...) Le Corbusier compreende as
cidades como consequência de fatores moveis no tempo e no espaço e não
possue a rigidez de um tipo padrão universal. Clima, tradição e muitas outras
causas modificam e adaptam as linhas ideais de seus planos às necessidades
locais (...) No Museu Moderno de Artes Ocidentais de Moscou, vi diversas
“maquettes” de Le Corbusier, conservadas como obras primas de concepção
artística, aliadas ao espírito de utilitarismo que hoje impera como fator
preponderante na organização da vida social” (AMARAL, ARQUITETURA E
URBANISMO n. 03, p. 186, set/out, 1936).

No último ano de 1936 a Tribuna Livre publica a transcrição resumida da

conferência de Auguste Perret no Rio de Janeiro a convite do Ministro da Educação

e Saúde Pública, Gustavo Capanema, realizada no Instituto Nacional de Música. A

única ilustração que acompanha o texto é uma foto do palestrante.

A fala de Perret aponta a importância do arquiteto na antiguidade e denuncia

a perda dessa importância a partir do renascimento quando o arquiteto passou a

menosprezar a construção e voltar-se para a forma, recuperando uma linguagem já

morta. Defende que a ciência criava uma língua viva com materiais e sistemas

construtivos novos e era necessário acompanhar os novos tempos. A arquitetura era

para ele função de condições materiais naturais permanentes e de condições

passageiras definidas pelo homem cuja melhor solução se dava quando “melhor se

houver atendido à subordinação necessária das condições passageiras às


368
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

condições naturais” (PERRET, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 238,

nov./dez., 1936).

Afirmava: “A arquitetura é a arte de fazer cantar o ponto de apoio” (PERRET,

ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 238, nov./dez., 1936). Afirmação que não

significava busca do extraordinário e sim vínculo com a questão tectônica. O

arquiteto francês era partidário de uma arquitetura sóbria e vinculada a construção, a

partir dos materiais modernos disponíveis e adequada à finalidade do programa:

“aquele que sem trair o seu programa e menoscabar os materiais modernos,

produzir uma obra que pareça haver existido sempre, poderá dar-se por satisfeito”

(PERRET, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 239, nov./dez., 1936).

Assim vê-se delinear nas páginas de “ARQUITEURA E URBANISMO” a

defesa da arquitetura moderna, porém não necessariamente pautada pela influência

corbusiana tão determinante na trama costiana. A arquitetura moderna é posta em

debate e havia grande espaço para ramificações e pesquisas distintas das

possibilidades de ser moderno em meados dos anos 30. O modernismo parecia

estar em cheque no final dessa década.

O escritor e diplomata português Júlio Dantas escreve em 18 de abril de 1937

no “Correio da Manhã” o artigo sem ilustrações “A Nova Arquitetura”, que é transcrito

na Tribuna Livre do número 03 de 1937 de “ARQUITETURA E URBANISMO”.

O texto refuta os argumentos favoráveis à unicidade do estilo do artigo

“Razões da Nova Arquitetura” de Lúcio Costa publicado pela primeira vez no número

01 da Revista P.D.F. de 1936. Mas o texto não parece uma resposta direta a essa

fala costiana, primeiro porque seu combate voltava-se mais para a arquitetura de

vertente alemã (da chamada nova objetividade) e depois porque não era a primeira

369
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

vez que o escritor atacava o modernismo. Esse autor escreveu uma série de artigos

em suas colunas dominicais do “Correio da Manhã” desqualificando esse estilo em

várias expressões artísticas como, por exemplo, na literatura em “Poema

Modernista” em 12 de maio de 1935.

Júlio Dantas não se colocava contra o avanço da arquitetura e a busca por

um estilo próprio e sincero correspondente ao seu tempo, porém advertia que o novo

estilo do século XX ainda não teria sido encontrado e que a nova objetividade que se

espalhou entre os modernistas, dando a todos os edifícios expressão de fábrica era

equivocado, abominável, feio e descabido. Ele criticava ferozmente a utilização de

um único estilo para todas as edificações independente de suas finalidades.

E o arquiteto ou arquitetos apresentarão, para o Banco, para a Bolsa, para o


Museu, para o cinema, para o hospital, para o sindicato, para a igreja, para a
casa consitorial, para o monumento votivo, para o núcleo urbano, o mesmo
projeto inexpressivo, a mesma fachada nua de fabrica, as mesmas fórmas
arquitetônicas, sem arquitetura, o mesmo jogo árido e incaracterístico de
volumes e de massas inestéticas, concebido (si á atual expressão do
“monumental” se póde chamar concepção) no perpetuo êxtase do cubo,
protofenomeno inviolável da arte modernista. (...).
Há, certamente, quem procure justificar estas tendências da arquitetura
modernista, explicando-as pela fadiga da ornamentação, pela obsessão da
simplicidade e da sinceridade, pelas novas exigências higiênicas e domo-
técnicas, pela diferente concepção do que devem ser os modernos núcleos
urbanos, pela necessidade de descansar o espírito na sóbria nitidez parietal, na
austera claridade das fórmas cúbicas, na dignidade simplificada das grandes
linhas. A nova arquitetura representaria, tão somente, uma “operação de
limpeza”, uma fórma preliminar descarnada, um proto-monumento que daria
tempo às gerações para “repensar” a arquitetura do futuro. (...).
Mas a simplificação não exclue a beleza. Nada mais simples do que um templo
grego; e, entretanto, o templo grego é lógico e belo. Certos monumentos do
românico clunisiano (que alguns modernistas moderados, aliás, imitam na
arquitetura religiosa) constituem, ao mesmo tempo, fórmas majestosas e
simples. Nenhuma incompatibilidade – penso eu – existe também entre a beleza
e a sinceridade; o gótico e o plateresco foram sinceros, porque corresponderam
a “momentos” da alma universal. E, quando ao argumento de que as concepções
monumentais cubistas representam um processo transitório de eliminação para
que haja tempo de “repensar” a nova arquitetura, - ocorre objetar que, quando os
arquitetos futuristas houverem “repensado” suficientemente, já as grandes
cidades do mundo estarão cheias de edifícios abomináveis. Não seria preferível
adotar os velhos sistemas arquitetônicos até que o século XX se mostrasse
capaz de criar um estilo seu? (...).
Faço voto para que os arquitetos modernos “pensem” ou “repensem” depressa o
que deve ser a monumentalidade do século em que vivemos, porque me assalta
o justo receio de que os processos de simplicidade, de sinceridade, de

370
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

eliminação e de lógica acabem por conduzir-nos às fórmas incontestavelmente


simples do dólmen ou da caverna. (DANTAS, ARQUITETURA E URBANISMO
n. 03, p. 169 - 170, mai./jun., 1937).

Interessante notar que as denominações modernista e futurista são utilizadas

pejorativamente, forma recorrente nesse periódico, no qual esses termos são quase

que exclusivamente usados pelos detratores do Movimento Moderno. Também é

intrigante o fato de que há uma construção implícita que favorece a arquitetura

moderna na grande parte dos artigos do periódico, que tende a tê-la como referencia

de qualidade e usar seus parâmetros de racionalidade e funcionalidade para análise

das obras.

No entanto, a Tribuna Livre, quase sempre, traz um contraponto, uma crítica

muitas vezes severa ao modernismo, sempre já publicada em outro lugar. Na

maioria das vezes parece haver uma tensão intencionalmente criada pela própria

revista, pois não parece ser o autor do artigo que procura a revista para publicá-lo e

sim alguém da revista que os escolhem. No caso dos textos do português Júlio

Dantas isso parece ainda mais evidente, pois esse autor só chega ao Brasil em

1941.

Outro texto desse autor português foi publicado na Tribuna Livre do número

04 de 1938. Também sem ilustrações, nele o escritor volta a atacar os modernistas,

agora atrelando de maneira bastante questionável opção estética e posicionamento

político. Em “Bolchevismo Arquitetônico”, também publicado anteriormente no

“Correio da Manhã” Dantas afirma:

Começa a desenhar-se um movimento de salutar reação contra a chamada


“arquitetura modernista”, que por toda a parte está desfeiando o mundo,
imprimindo às grandes cidades um aspecto geométrico uniforme, e atentando
escandalosamente contra a dignidade estética da época em que vivemos. (...).
Já nestas mesmas colunas tive ensejo de manifestar a minha particular aversão
por esta espécie de arquitetura ultra-moderna, de que têm sido iniciadores e
propulsores, Messel, Le Corbusier, Walter Gropius, Moser, Firle, Perret, May,

371
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Loos, Scharoun, Eric Mendelshon, Harry Rosenthal, e outros destrutores


insignes das mais belas cidades européas, que ameaçam, no seu furor de
simplificação e de uniformização, restituil-as ao monólito e à caverna (...).
O mais visado de todos é Le Corbusier, que, no seu livro Vers une architecture,
apresenta os fundamentos da estética da construção moderna, - aliás negação
formal de todos os princípios estéticos. Para este arquiteto, a quem se deve, em
grande parte, o aflitivo mau gosto dos edifícios e dos interiores chamados
“modernistas”, a casa não é, nem tem de ser, uma obra de arte (...).
O que Fred de Diesbach (que suponho alemão) se esquece de dizer, é que foi
precisamente na Alemanha, anti –comunista e anti-judáica, que a arquitetura
moderna, manifestação de puro bolchevismo estético encontrou maiores
facilidades, melhor ambiente e mais propicias condições de adaptação e de
desenvolvimento. (...) não é Le Corbusier o único responsável do comunismo
arquitetônico atual (DANTAS, ARQUITETURA E URBANISMO n. 04, p. 223-
224, jul./ago., 1938).

Em 1939 a crítica à vanguarda europeia parece arrefecer-se nas páginas da

Tribuna Livre de “ARQUITETURA E URBANISMO”. Mas a resistência a Le Corbusier

continua. No primeiro número de 1939 essa seção publica a transcrição resumida da

palestra do professor norte-americano Nathaniel C. Curtiss157 proferida em Havana e

intitulada “Arquitetura Moderna”. Nessa fala, sem ilustrações, o professor faz um

pequeno histórico e uma avaliação dos progressos da arquitetura moderna na

Europa e nos Estados Unidos. Aponta o atraso norte-americano em relação aos

avanços europeus e a resistência da sociedade em aceitar a nova arquitetura.

Ressalta também a importância das exposições e dos concursos públicos para a

disseminação da nova linguagem que buscava expressar o desenvolvimento dos

tempos modernos e especialmente voltar a fundir arquitetura e construção.

(...) podemos dizer desde de 1860 a 1920, a Engenharia vivia divorciada da


Arquitetura e esta é a causa de certa confusão na arte de projetar edifícios. (...)
os engenheiros viviam preocupados somente em seus trabalhos habituais,
próprios de sua profissão, e os arquitetos não pensavam, absolutamente em país
algum, na influência da Engenharia sobre as construções modernas, excepção
feita daqueles primeiros cuja contribuição tratarei de fixar nesta conferência. (...).
A exposição de Artes Decorativas de Paris, 1925, foi a primeira exposição que
incluiu em seu programa de Arquitetura a exclusão de projetos baseados em
motivos históricos ou em técnicas mortas. Tudo havia de ser moderno e original.
É bom lembrar que os Estados Unidos foi a única nação que não se mostrou
preparada para participar dessa Exposição, por incapacidade para fazer frente

157
Nathaniel Cortlandt Curtiss (1881-1953) foi arquiteto atuante e professor da Escola de Arquitetura da Universidade Tulane
em New Orleans. Escreveu dentre seus livros “Architectural Composition”.
372
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ao estipulado. Dir-se-ia que não tínhamos artistas ou projetistas com


originalidade requerida, porque todos estavam dedicados à reprodução de estilos
históricos. (CURTISS, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 395, jan./fev.,
1939).

Curtiss discorre sobre os expoentes americanos: Wright, Hood, Howe,

Lescaze e Neutra e os fundadores do modernismo: Mies, Corbusier, Oud e Gropius.

Dentre eles, respeita o trabalho de Walter Gropius, destaca a qualidade e sua

preferência pela arquitetura de Mies van der Rohe e é extremamente crítico em

relação à figura de Le Corbusier, sobre o qual afirma:

É geralmente conhecido como representante do grupo de arquitetos franceses


modernos e sob todos os aspectos, seu leader. É um talento original, que adotou
a Arquitetura como profissão; sua educação artística bem pouco se relaciona
com projetos de edifícios – a não ser em sua própria opinião. (...) Seu primeiro
livro “Vers une Architecture” foi o primeiro, também a anunciar o espírito e
princípios diretores da arquitetura moderna; (...) Le Corbusier não inventou a
nova arquitetura, si bem que se tenha dado à sua participação na nova obra
grande importância, quiçá exagerada, o que é devido à sua habilidade como
publicista. (CURTISS, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01, p. 397, jan./fev.,
1939).

O mais interessante de suas colocações é a atenção que esse autor chama

para o fato de todos os fundadores do movimento moderno não haverem tido

formação em arquitetura formalmente institucionalizada. Segundo ele: “É bastante

significativo notar que os leaderes da Arquitetura moderna não receberam educação

acadêmica de espécie alguma.” (CURTISS, ARQUITETURA E URBANISMO n. 01,

p. 396, jan./fev., 1939).

373
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os debates teóricos nos artigos presentes nessas duas revistas mostram um

alargado processo na formação da arquitetura moderna no Brasil. Nos anos 20 esse

debate acenava para uma busca latente de uma linguagem própria para o concreto

armado e sua devida aceitação. Ainda muito incipiente os embates se davam entre

os adeptos das formas do passado e aqueles que sentiam a necessidade de

atualização da linguagem arquitetônica. De um lado as pesquisas dos estilos

“Missões” e “Colonial” e de outro o “estylo moderno” que denominava todas as

pesquisas de simplificação formal, principalmente o “art déco”. Já nos anos 30 as

soluções modernas aparecem aceitas e bem disseminadas, mas a discussão

voltava-se para qual seria o melhor caminho para as formas modernas. Aparecem

alternativas mais rígidas inspiradas no rigor das soluções alemãs, muitas obras

exploram a geometrização dos elementos de linhagem “déco”, alguns arquitetos

buscam a purificação e simplificação das soluções e apostam na manutenção dos

telhados cerâmicos aparentes e alguns outros se vinculavam às pesquisas

modernistas de vertente corbusiana. Todas as possibilidades modernas se

preocupavam com a adequação das soluções para a realidade brasileira, algumas

inclusive atentas à diversidade do território brasileiro e a variação das respostas para

cada região. Assim nesse segundo momento a questão se abria para a discussão

sobre as várias formas de ser moderno.

374
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

5.2. DE “ESTYLO” MODERNO À ARQUITETURA MODERNA

O estylo moderno váe ganhando terreno em nosso meio. Raras são as ruas que
não possuem uma casa nesse gênero, destacando-se das outras de uma
maneira notável. As suas linhas, largas e sóbrias, dão muito mais idéa de
conforto e de hygiene do que as das residências communs.

Braz Jordão e J. Cordeiro de Azeredo (A CASA, n. 106-107, p. 3, mar/abr, 1933).

Figura 134 – Capa da Revista “A CASA” de março / abril em 1933. Fonte: Revista “A CASA”, n.
106-107, capa, mar./abr., 1933.
375
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se é verdade que os discursos antecipam e preparam as condições para a

realização das obras construídas sob a tutela de novas linguagens, também é

verdadeiro que muitas foram as formas que desde a Renascença se sucederam sob

o mesmo adjetivo de modernas. Porém o que parece mais rico entre os anos 20 e

30 na arquitetura é a pluralidade de expressões que cabiam sob esse mesmo

adjetivo. As formas e pesquisas da arquitetura moderna no Brasil foram muitas, em

busca da compatibilização entre novas técnicas construtivas, necessidades

programáticas e pragmáticas, identidade local e expressão plástica dos novos

tempos. Bem distante da instauração abrupta e repentina da trama costiana sobre a

instauração da expressão moderna no país, as revistas nos revelam um longo

processo de amadurecimento das soluções arquitetônicas – entre a racionalização e

funcionalidade da planta e a simplificação e depuração da composição plástica.

É no decorrer dos anos 30 que o adjetivo moderno na arquitetura brasileira

deixa de ser usado para diferenciar um dentre os estilos contemporâneos aplicados

às obras arquitetônicas para se referir a toda (ao quase toda) arquitetura produzida

naquele momento. Assim na passagem do “estylo moderno” dos anos 20 para

“arquitetura moderna” da segunda metade da década de 30 em diante há uma

interessante e sutil transformação: enquanto era denominado de “estylo moderno”,

as obras que recebiam tal denominação eram apenas uma das expressões dentre

as várias possibilidades da arquitetura da época e disputavam espaço com tantos

outros estilos; quando passa a ser denomina de “arquitetura moderna”, essas formas

passam a ser, mesmo que sem uma expressão estilística unitária, a “legítima”

possibilidade da arquitetura daquele momento. Condição que obviamente não vez

desaparecer as soluções ecléticas e as tentativas de modernizar a arquitetura

376
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mantendo as referências formais do passado, mas restringiu consideravelmente o

espaço que todos os demais estilos possuíam incluso o neocolonial.

O traço de união em torno da verdade e adequação construtiva que agrupava

as várias pesquisas de expressão moderna e as contrapunham aos demais estilos

na década de 20, dividiam a preocupação com a adequação funcional da

organização do espaço e com a simplificação das formas e elementos

arquitetônicos. No entanto foram variadas as interpretações sobre como deveria se

dar formalmente essa materialização de tal “verdade” e de tal “adequação”. Depois

de conquistada a hegemonia entre os estilos, a disputa então passou a ser entre as

próprias vertentes modernas. A arquitetura do movimento moderno e em especial a

linhagem modernista de matriz corbusiana que alcançou certa supremacia

arquitetônica no Brasil posteriormente fazia então parte dessa variada gama das

vertentes modernas e do campo que começa a se estabelecer ainda nos anos 20.

Interessante notar que na arquitetura moderna a planta, independente da

vertente seguida, tinha primazia absoluta no ato projetual e na definição das

soluções. Essa primazia pode ser constatada em primeiro lugar pela presença

indispensável delas na apresentação das obras projetas e construídas em todos os

periódicos especializados da área. Por outro lado há uma defesa da importância de

uma boa resolução da planta como decisiva para a qualidade da solução

arquitetônica por parte dos profissionais. A planta é apresentada como ato fundante

da qualidade arquitetônica e prioridade do processo de projeto. Essa condição já

aparece nas falas dos arquitetos nos anos 20 e permanece nos anos 30 em diante.

Em 1924, “A CASA” publica o artigo do arquiteto português Raul Lino,

intitulado “Como projetar uma casa de moradia”, nele lia-se:

377
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Nunca se comece por pensar no aspecto exterior de uma casa antes de ser bem
estudada a sua planta. O caracter essencial das fachadas de uma casa reside
nas suas proporções geraes, e estas só podem ser determinadas depois de
haver uma planta definitiva. (...). Alem dos gostos especiaes e do modo de viver
do proprietário, há a questão muito importante da orientação que é preciso
considerar desde o princípio. (...) nunca se deve esquecer a questão
propriamente technica, procurando-se sempre a maneira pratica e econômica de
dispor as differentes partes da construção de modo que a área seja bem
aproveitada, sem complicações desnecessárias. (LINO, A CASA, n.07, p. 11,
nov., 1924).

Em 1938, “ARQUITETURA E URBANISMO” publica o resumo da palestra do

arquiteto francês Urbain Cassan158 no XIV Congresso Internacional de Arquitetos em

Paris, intitulada “A Planta Baixa”. O fato de ser a planta baixa o tema de uma

conferência num evento internacional desse porte mostra a sua centralidade para os

princípios projetuais da época, bem como a prioridade das questões funcionais no

projeto. O texto do arquiteto francês defende que a planta é essencialmente um

problema de circulação e tem como elemento definidor os pontos de apoio. O

consenso entre os arquitetos do período sobre a primazia da planta no processo

projetual é afirmado logo nas primeiras linhas:

Seria inútil dizer-vos, meus caros colegas, que a planta é a célula inicial do
trabalho do arquiteto.
O assunto está, aliás, esgotado. Mas acredito que é bom, de vez em quando,
passar a vista pelo horizonte; o que obriga a subir pelos caminhos já batidos.
(CASSON, ARQUITETURA E URBANISMO, n.01, p.6, jan./fev., 1938).

Quando o engenheiro e professor catedrático da ENBA, Felippe dos Santos

Reis159, escreve o artigo “A filosofia experimental aplicada à arte de projetar” em

1937, mais uma vez defende a prioridade da planta no ato projetual. Ele é categórico

em afirmar:

158
Urbain Cassan (1890-1979) foi um arquiteto francês formado em 1911 pela Ecole Polytechnique. Trabalho para a
Companhia Ferroviária do Norte e foi presidente da Ordem dos Arquitetos na França.
159
Felippe dos Santos Reis (1895-1979) foi engenheiro carioca formado pela Escola Politécnica em 1913. Foi professor
catedrático da disciplina resistência dos materiais na ENBA e atuou como engenheiro profissional.
378
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A meu ver, a planta é quase tudo. É, aí, que o projeto personifica o autor. Os
córtes, os detalhes, a parte construtiva acusam a cultura do profissional, porém,
não o distingue de modo claro, numa coletividade profissional. (...)
Na planta fica o homem, fica a lei, fica o teorema que se adaptou ao programa
no sistema escolhido, isto é, através da organização mental de quem projetou.
(REIS, ARQUITETURA E URBANISMO, n.05, p. 230, set./out., 1937).

Nas várias explicações para os projetos apresentados durante os anos 20 e

30 tanto na revista “A CASA” quanto na Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”,

podem-se observar uma constante e crescente preocupação com a resolução das

plantas primeiramente em busca da melhor implantação / orientação seguida das

necessidades de fluxo e organização espacial. Se as expressões plásticas

modernas são variadas, as plantas têm variações bem menores.

Nas residências pode-se perceber melhor esse processo de maturação. No

início dos anos 20 as plantas das casas são mais compactas e retalhadas, os

compartimentos têm orientações diversas e não são setorizados, também não há

integração vertical nem horizontal dos espaços. Paulatinamente, num ritmo bastante

lento, as soluções começam a se tornar mais movimentadas e os compartimentos

setorizados, os quartos vão sendo colocados todos num ou no máximo dois sentidos

de orientação, há uma integração dos espaços sociais e poucas tentativas de

integração vertical.

Exemplar desse amadurecimento e renovação das soluções arquitetônicas

são os projetos residenciais do arquiteto J. Cordeiro de Azeredo que entre seus

bangalôs modernos de 1924 e as residências de cerca de uma década depois

publicados na revista “A CASA” há uma sensível diferença. Essa diferença não só

pode ser constatada nas expressões compositivas e plásticas, mas também nas

concepções espaciais que revelam que esse processo de transformação não foi

apenas epidérmico e sim intrínseco as concepções centrais do espaço arquitetônico

379
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

e da arquitetura em toda a sua complexidade. As figuras a seguir mostram essa

transformação.

Figura 135 – Bangalô moderno. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 07, p. 15, nov.,
1924.
380
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 136 – Residência. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 90, p. 18, nov., 1931.
.

381
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 137 – Residência. Projeto de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 106/107, p. 25, mar/abr., 1933.
.

382
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Os projetos contidos nas páginas de “A CASA”, periódico bastante favorável

às formas modernas – mesmo que não doutrinários e igualmente abertos às várias

expressões modernas da arquitetura do período – mostram que os arquitetos

brasileiros já estavam bastante familiarizados com as soluções inspiradas na

linguagem corbusiana e nas demais correntes do movimento moderno, antes da

segunda visita de Le Corbusier ao país, como os projetos publicados em julho de

1935 comprovam.

Figura 138 – Planta e perspectiva de residência. Projeto de J. A. Fontes Ferreira. Fonte: Revista “A CASA”, n. 134, p. 16-17,
jul., 1935.
.

383
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 139 – Planta de residência. Projeto sem identificação. Fonte: Revista “A CASA”, n.
134, p. 24, jul., 1935.

Figura 140 – Perspectiva de residência. Projeto sem identificação. Fonte: Revista “A CASA”,
n. 134, p. 25, jul., 1935.

384
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Mas são raríssimas as vezes que a resolução espacial ganha integração

vertical nas casas unifamiliares, como é o caso da residência abaixo. Esta obra de

Gerson Pompeu Pinheiro e Affonso Eduardo Reidy foi publicada no primeiro número

de 1937 na “ARQUITETURA E URBANISMO” e provavelmente projetada antes da

visita de Le Corbusier ao Brasil em 1936 para que no momento da edição de tal

número já estivesse construída. Em terreno muito exíguo a solução é plenamente

uma expressão do movimento moderno, em seu jogo de volumes cúbicos e

geometria seca. Em seu interior um expressivo vazio integra a sala ao mezanino.

Figura 141 – Residência Assioly Neto. Projeto de Gerson Pinheiro e Affonso Reidy.
Fonte: Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 01, p. 25, jan./fev., 1937.

385
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Se as plantas e consequentemente as soluções espaciais caminharam de

certa maneira em sentido mais unitário no processo de renovação da arquitetura

entre os anos 20 e 30 no Brasil, o mesmo não se deu com as pesquisas plásticas.

Foram várias as linguagens modernas que conviveram e disputaram a hegemonia

das representações da modernidade cultural, social e política, bem como os espaços

de realização de suas obras na modernização da cidade.

Havia certa pluralidade das expressões plásticas e das pesquisas formais do

período, dentre as quais eram identificadas pelas revistas como modernas (no

sentido de contemporâneas) e já claramente distintas dos estilos históricos: o estilo

bangalô americano, o estilo colonial, o estilo missões ou californiano e o estilo

moderno. Interessante notar que com o avanço das discussões sobre a arquitetura

moderna, tradição local e identidade nacional, mais uma vertente começa a

aparecer, fruto da simplificação das soluções tradicionais. Essa vertente não foi

nomeada especificamente como um novo estilo e foi locada pelas revistas, sem

muita ênfase, no hall alargado do moderno naquele momento.

Assim nos anos 20 como “estylo moderno” elencavam-se aquelas arquiteturas

provenientes de qualquer tipo de geometrização das composições plásticas.

Incluíam-se no “estylo moderno” as pesquisas vinculadas principalmente ao “art

déco” e à nova objetividade, mas também se incluía a arquitetura do movimento

moderno e o modernismo corbusiano. De meados dos anos 30 em diante a

classificação “estylo moderno” desaparece e a então nomeada arquitetura moderna

inclui indistintamente as linguagens anteriormente denominadas como estilo

moderno e algumas vezes essa vertente da simplificação da arquitetura tradicional,

também chamada nos periódicos de arquitetura moderna.

386
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O que diferenciava o “estylo moderno” dos anos 20 e começo dos 30 não era

propriamente o uso do concreto, visto que esse material era utilizado ou não

indistintamente pelos vários estilos. Também não eram as soluções de orientação,

distribuição, funcionamento e setorização dos compartimentos que num crescente

foram sendo incorporados em todas as obras devidamente projetadas. A

implantação também não diferenciava propriamente os estilos já que as construções

eram locadas no centro do lote, algumas vezes sem afastamento nas laterais e

constantemente com um pequeno anexo ao fundo. A colocação da garagem posta à

frente ou no fundo foi uma variação mais determinada pela legislação que

propriamente pelo estilo. Assim o que caracterizava o dito “estylo moderno”, não era

propriamente uma específica vertente estética, mas sim todas as soluções plásticas

que de algum modo se afastavam das citações ou inspirações em elementos do

passado e buscavam a simplificação e geometrização dos elementos compositivos.

Também é interessante notar que não havia uma discussão propriamente

voltada para o estilo ou para a estética modernos, as discussões eram pautadas no

uso adequado principalmente do concreto armado como novo material construtivo e

posteriormente pelas questões funcionais, programáticas e pragmáticas da

arquitetura, a solução plástica era vista como consequência das demais resoluções

projetuais e não tinham espaço central nos debates dos anos 20 e 30 nos

periódicos. Vinham a reboque dos problemas construtivos e necessidades

funcionais, sendo que nas discussões sobre a expressão do concreto armado elas

eram mais evidentes. Nessa esteira das possibilidades construtivas do concreto

armado J. Cordeiro de Azeredo escreve e ilustra em 1926 160 o artigo “Casas com

terraço”, no qual comenta sobre a possibilidade até então pouco explorada da casa

160
Três anos antes da primeira visita de Le Corbusier ao Brasil.
387
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

com terraço que só com o

concreto armado e a

impermeabilização asfáltica se

tornava viável no Brasil.

Figura 142 – “Casas com terraço”. Artigo e


projetos de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte:
Revista “A CASA”, n. 25, p. 27, mai., 1926.

Figura 143 – “Casas com terraço”. Artigo e projetos de J. Cordeiro de


Azeredo. Fonte: Revista “A CASA”, n. 25, p. 28, mai., 1926.

388
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A busca por soluções formais modernas

através da simplificação e depuração das soluções

tradicionais já aparece em 1926. Na proposta de J.

Cordeiro de Azeredo ao lado já não há quase

ornamentos e as aberturas parecem seguir apenas

as necessidades funcionais, haja vista a janela

vertical a meia altura que ilumina a escada.

Figura 144 – Projeto residencial. Fonte: “A CASA”, n.21, p. 9, jan., 1926.

As pesquisas desse arquiteto são bastante interessantes nesse sentido como

comprovam a inusitada articulação espacial desse projeto de 1927 e a composição

volumétrica que dessa planta resulta.

Figura 145 – Projeto residencial de J. Cordeiro de Azeredo. Fonte: “A CASA”, n.35, p. 28-29, mar, 1927.

389
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O despojamento e jogo geométrico dessas soluções para habitações

econômicas do arquiteto Moacyr Fraga em 1928 também são impressionantes.

Figura 146 – Projeto de conjunto residencial de Moacyr Fraga. Fonte: “A CASA”, n.49, p. 34, mai., 1928.

390
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Muitas vezes, o mesmo arquiteto, como é o caso de Ângelo Bruhns, buscava

a expressão da nova arquitetura ora na geometrização das formas ora na

simplificação da arquitetura tradicional na qual o telhado cerâmico aparente

permanece como se vê nas duas casas desse arquiteto publicadas em junho e julho

de 1931 na Revista “A CASA”, ambas nomeadamente modernas. Segundo Bruhns:

É innegavel que em toda a parte, na America, na França, Belgica, Hollanda,


Allemanha, Austria, etc., se verifica a eclosão de um mesmo phenomeno artístico.
É a concepção moderna que surge espontânea e avassaladora.
(...) os materiaes construtivos por um lado, e a situação econômica, influindo na
mão de obra, por outro, estabelecem as diretrizes dessa architectura, que procura
exprimir com sinceridade a mentalidade moderna. (BRUHNS, A CASA, n. 86, p. 12
- 13, jul., 1931).

Figura 14 7 – Residência moderna com cobertura plana. Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”, n. 85, p. 14-15, jun.,
1931.

391
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 148 – Residência moderna com cobertura em telhado cerâmico. Ângelo Bruhns. Fonte: Revista “A CASA”,
n. 86, p. 12-13, jul., 1931.

A pesquisa da simplificação

e depuração da forma com a

permanencia do telhado se

desenvolve e tem algumas

soluções interessantes (outras nem

tanto) nos anos 30 e início dos 40,

como se pode observar nos

exemplos a seguir.

Figura 149 – Casa de Campo. Arquiteto Paulo


Antunes Ribeiro. Fonte: Revista “ARQUITETURA
E URBANISMO”, n. 05, p. 250, set/out, 1937.

392
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 150 – Casa de Campo. Arquiteto Roberto Magno de Carvalho. Fonte: Revista “ARQUITETURA E
URBANISMO”, n. 04, p. 187, jul./ago., 1937.

393
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 151 – Esboço de residência. Arquiteto Ângelo Murgel. Fonte: Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 06,
p. 316-317, nov./dez., 1938.

Figura 152 – Residência. Arquiteto Gerson Pompeu Pinheiro. Fonte: Revista “ARQUITETURA E URBANISMO”, n. 06,
pp. 314-315, nov./dez., 1937.

394
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figuras 153,154 e 155 – Residência. Arquiteto Ângelo Bruhns. Fonte:


Revista “A CASA”, n. 223, p. 10-12, dez, 1942.

395
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As experiências com a geometrização das composições e os tetos planos têm

seus primeiros esboços ainda no final do ano de 1925. No fervor das novidades

trazidas pela exposição paradigmática em Paris daquele ano, J. Cordeiro de

Azeredo publica alguns projetos nessa linha na edição de novembro daquele ano já

citados. Chama a atenção o projeto para uma residência à Rua Jangadeiros em

Ipanema do arquiteto J. de Freitas Pereira, apresentada sob o título “Arte Nova” em

junho de 1927. A apresentação dessa obra move inclusive a publicação no número

seguinte dessa revista o artigo “A Arte Moderna” de Braz Jordão (já mencionado)

justificado pelo autor pela necessidade de explicar o surgimento de mais um “estilo”.

Figura 156 – Projeto Residencial denominado “Arte Nova”. Arquiteto J. Freitas Pereira.
Fonte: Revista “A CASA”, n. 38, p.12, jun., 1927.
396
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Foram nos anos 30 que essa vertente ganhou fôlego. A primeira obra

construída saiu em novembro de 1931 em destaque na capa de “A CASA” – um

projeto do arquiteto Joaquim Gomes dos Santos para um pequeno prédio residencial

de dois pavimentos. O projeto é publicado com destaque nesse mesmo número.

Figura 157 – Edifício moderno. Arquiteto Joaquim Gomes dos Santos. Fonte: Revista “A
CASA”, n. 90, capa, nov., 1931.

397
Figura 158 – Fachada e plantas. Edifício moderno. Arquiteto Joaquim Gomes dos Santos. Fonte: Revista “A CASA”, n.90, p.19-21, nov., 1931.

398
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Também em 1931 são publicados vários estudos buscando soluções ainda mais

radicais quanto à geometrização do volume da edificação, mais vinculados às

vanguardas europeias dos anos 20. Nesse ano, refletindo a mudança de orientação

na ENBA, um aluno de Warchavchik do 4º ano publica o projeto abaixo. Moderno

não só nas formas e soluções arquitetônicas como também na apresentação e

representação da proposta. Várias outras propostas também foram publicadas

nessa vertente tanto na “A CASA” quanto na “ARQUITETURA E URBANISMO”,

exemplificadas nas figuras a seguir.

Figura 159 – Projeto de Anibal de Melo Pinto. Fonte: Revista “A CASA”, n. 88, set, 1931.

399
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 160 – Projetos modernos. Fonte: Revista “A CASA”, n. 91, p. 10-11, dez, 1931.

Figura 161 – Projeto de Dacy Roza. Fonte: Revista Figura 162 – Projeto de Dacy Roza. Fonte:
“A CASA”, n. 92, p. 10, jan., 1932. Revista “A CASA”, n. 93, p. 21, fev., 1932.

400
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 163 – Projeto moderno. Fonte: Revista “A CASA”, n. 93, p. 16-17, fev., 1932.

Figura 164 – Projeto moderno. Fonte: Revista “A CASA”, n. 32,p. 10-11, jun., 1932.
401
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Em 1932, inspirado no pensamento de Le Corbusier “A CASA” publica sob o

título “A machina de morar” uma residência concretizada em linguagem modernista,

ressaltada pelo autor do artigo como exemplo de qualidade e gosto na construção

para melhorar o gosto artístico do Rio de Janeiro, numa evidente afirmação da nova

estética e busca de criação de uma nova sensibilidade que desse maior espaço para

suas realizações. Essa obra, projeto e construção de Penna e Franca também foi a

capa da edição na qual foi publicada em junho de 1932.

Figura 165 – Projeto moderno, “A máquina de morar”. Fonte: Revista “A CASA”, n. 97,p. 8-9, jun., 1932.

402
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

As soluções foram as mais variadas possíveis

sobre a inspiração da geometrização e da cobertura

plana como, por exemplo, essa casa projetada pelo

arquiteto Mario Penteado em campinas, publicada em

1937. A volumetria é trabalhada e a cobertura plana. Os

cantos arredondados definem a composição na qual a

torre é o destaque do conjunto. Em terreno triangular o

edifício foi implantado no centro do lote e a planta

apresenta solução pouco inovadora.

Figuras 166 – Detalhes da


cobertura e da entrada da
residência J. F. Penteado em
Campinas. Fonte: Revista “A
ARQUITETURA E URBANISMO”,
n. 02, p. 92, mar/abr., 1937.

Figuras 167 – Residência J. F. Penteado em Campinas. Fonte: Revista “A ARQUITETURA E


URBANISMO”, n. 02, p. 90-91, mar/abr., 1937.

403
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Renovar a arquitetura brasileira eram uma

pesquisa que incluia modernizar e integrar os

espaços internos e externos em todos os seus

aspectos, porém algumas vezes a linguagem

utilizada era hídrida e não necessariamente ditada

por um direcionamento racional e/ou funcional e

sim por questões plástica como a residência

abaixo, outras vezes eram extremanete

racionalistas como a casa dos irmãos Roberto no


Figura 168 – Interior de uma residência
exemplo seguinte. moderna. Fonte: Revista “A CASA”, n. 152, p.
15 jan., 1937.

Figura 169 – Residência Moderna. Fonte: Revista “A CASA”, n. 152, p. 12-13, jan., 1937.

404
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 170 – Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A ARQUITETURA E
URBANISMO”, n. 01, p. 23, jan./fev., 1938.

405
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 171 – Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A ARQUITETURA E
URBANISMO”, n. 01,p. 24-25, jan./fev., 1938.

Figura 172 – Residência Dr. A. Neiva. Arquitetos Marcelo Roberto e Milton Roberto Fonte: Revista “A ARQUITETURA E
URBANISMO”, n. 01,p. 26-27, jan./fev., 1938.

406
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Haviam também aquelas linguagens em que as imposições funcionais

ganhavam interpretações excepcionalmente plásticas, ou quiça, era a expressão

plástica que ganhava invulgar precisão funcional, como é o projeto de Oscar

Niemeyer para a casa de Oswald de Andrade. Segundo o arquiteto no artigo

“Residência para o escritor Oswaldo de Andrade” de 1939:

A planta é resultante de um programa, do terreno, da orientação etc. (...)


Procuramos dentro de uma planta simples resolver o problema dado e
proporcionar aos proprietários ambiente de interesse plástico, de acordo com
suas necessidades espirituais. (...).

Plasticamente, procuramos encontrar solução nova, clara, fóra das fórmas


usuais, e que estivesse portanto melhor enquadrada nos verdadeiros princípios
de arquitetura, como arte de creação que é. A solução da cobertura confere ao
conjunto silhueta característica, de certo interesse plástico, pela forma nova e
própria que apresenta, perfeitamente integrada nas novas concepções de arte
moderna. (Niemeyer, ARQUITETURA E URBANISMO, n. 03, p. 502 - 503,
mai./jun., 1939).

Figuras 173 – Residência Oswald de


Andrade. Arquiteto Oscar Niemeyer. Fonte:
Arquitetura e Urbanismo, n. 03, p. 503, 407
mai./jun., 1939.
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figuras 174 – Residência Oswald de Andrade de Oscar Niemeyer. Fonte: Arquitetura e Urbanismo, n. 03, p. 502,
mai./jun., 1939.

408
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O “estylo moderno” que foi cunhado nas revistas brasileiras teve seu marco

referencial na Exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas de 1925 em

Paris e todas as vertentes ali apresentadas foram indistintamente identificadas como

modernas nos periódicos pesquisados. A exclusividade da vertente corbusiana de

fato não aconteceu e a sua primazia foi algo construído posteriormente. A

hegemonia dessa linguagem se deu, ganhou significativo espaço e

representatividade no Brasil após os anos 40. No entanto, reforçada pela trama

costiana e seus ecos tão duradores foi perpetuada uma ideia equivocada sobre sua

centralidade na formação da arquitetura moderna brasileira. O desprezo ao “art

déco” e a desconsideração das demais vertentes tão importantes nesse processo

inicial da renovação, no qual a linguagem corbusiana tem presença ínfima, se deu

ainda nos desdobramentos das falas costianas.

Esse entendimento é tão enraizado em nossa “história” que mesmo quando

resgatados as demais formas da arquitetura moderna são postas como alternativas,

quase beirando a uma modernidade menor. No entanto, bem mais que o

modernismo corbusiano, foram essas outras expressões modernas as reais

responsáveis por conquistar e fertilizar um anteriormente árido campo no qual

floresceu em solo já bastante preparado as excepcionalidades da arquitetura

moderna brasileira celebradas nacional e internacionalmente.

409
Figura 175 – Residência Moderna em meio de pagina como propaganda de construtora evidenciando o sucesso dessa linguagem.
Fonte: Revista “A CASA”, n. 219 – 220, p. 20-21, ago/set, 1942.

410
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

5.3. POR UM ARQUITETO

A ARQUITETURA é a menos estética das Belas Artes. Os processos técnicos


são aí preponderantes; o seu objetivo é quase sempre utilitário.

Cipriano Lemos (ARQUITETURA E URBANISMO, n. 4, p. 178, jul./ago., 1937).

No seio de uma classe que se une num movimento instintivo de defesa coletiva,
como é o caso da hora presente, o espírito de concorrência não se pode exercer
na plenitude dos interesses individuais. (...) Assim, a nossa primeira necessidade
ante as ameaças de uma defecção, é a de permanecermos unidos, formando no
meio das outras classes, um grupo homogêneo, posto ou pelo menos
predisposto à luta. (...) Todas as nossas atividades sociais devem ser
encaminhadas em tal direção. Em conferências nas associações de classe ou
pelo radio, em artigos pelos jornais, assim como nos estudos da
“standardização” conveniente, da produção sob o estreito regime da economia
que nos é imposta pelas circunstancias gerais, esse espírito de unidade deve ser
mantido e demonstrado, porque, de outro modo, não nos poderemos manter no
nível do respeito que devemos e que precisamos de imprimir ao nosso meio
ambiente. (...) A nossa classe tem raízes profundas na história da evolução do
espírito humano. Uma grande parcela da civilização é o produto direto do nosso
esforço, isto é, do esforço, do estudo e da dedicação dos nossos antepassados,
do pensamento cultural e artístico que deu ao mundo o Parthenon, o Taj-Marhal
e monumentos como as catedrais góticas, esses marcos da Idade Media.

J. Cordeiro Azeredo (Espírito de Classe, A CASA, n. 214, p. 5, mar., 1942).

Tanto quanto à renovação de uma linguagem expressiva, ou talvez bem mais,

evidente e preponderante para arquitetura brasileira entre os anos 20 e 30 foi a

formação de um campo profissional específico da arquitetura e do urbanismo. Esses

processos se deram concomitantemente e tiveram um entrelaçamento bastante

particular no reforço de seus objetivos e interesses. No Brasil a luta pela classe do

profissional arquiteto foi a luta pela renovação da arquitetura e vice-versa.

O discurso funcional e utilitário da arquitetura moderna, em especial do

movimento moderno, por um lado dava o devido peso técnico às discussões sobre a

arquitetura e a cidade que a respeitabilidade profissional exigia à época. Retirava o

arquiteto do universo exclusivamente idílico do artista, vinculando-o definitivamente


411
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ao horizonte da objetividade das profissões práticas e pragmáticas da era do

progresso e da industrialização. Assim opostamente ao que aconteceu na Europa

cujos principais expoentes da nova arquitetura não tinham formação profissional

específica na área 161 , no Brasil foram justamente aqueles que a tinham que se

incumbiram de liderar essa renovação.

Por outro lado, isto se deve também a não regulamentação da profissão até

meados dos anos 30 no país162, mesmo que os cursos de formação superior em

arquitetura e em engenharia existissem desde o século XIX. Como não eram

exigidos diplomas oficiais para o exercício do projeto e da construção e os

profissionais necessitavam de algum diferencial que efetivamente os destacassem

dos mestres de obra e demais leigos que ocupavam a área, essa renovação e o teor

de seu discurso eram então extremamente apropriados a tal fim.

Apesar de alguns poucos especificamente interessados nos embates sobre o

estilo mais apropriado para o seu tempo e/ou sua identidade nacional, a questão

para boa parte dos arquitetos não era prioritariamente de ordem estética, mas sim

de ordem técnica. Devia-se mostrar à sociedade a necessidade do arquiteto e como

os seus saberes específicos poderiam e deveriam contribuir para o desenvolvimento

cultural e a qualidade das edificações e das cidades brasileiras.

A batalha de afirmação da classe do arquiteto foi então paralela e

concomitante com a luta pela nova arquitetura e terminaram por se reforçar

mutuamente. Talvez por isso a arquitetura moderna nas suas tantas feições tenha

conseguido tamanho espaço de realização em todo o território nacional, para além

161
Como já citado anteriormente o professor norte-americano Nathaniel Curtiss já advertia sobre essa peculiaridade da nova
arquitetura se referindo as figuras de Le Corbusier, Walter Gropius, Frank Lloyd Wright e outros: “É bastante significativo n otar
que os leaderes da Arquitetura moderna não receberam educação acadêmica de espécie alguma.” (ARQUITETURA E
URBANISMO n. 01, jan/fev, 1939, p. 396).
162
A lei da regulamentação federal da profissão do Engenheiro e do arquiteto foi somente instituída em 11 de dezem bro de
1936 pelo Decreto Federal n. 23.569.
412
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

da vontade de imprimir no espaço das cidades os representantes do progresso e da

modernização do país – obviamente imbricado às condições econômicas e políticas

favoráveis.

O comprometimento com a qualidade arquitetônica que garantiria o campo de

trabalho do arquiteto era revelado principalmente nas falas sobre a distribuição

funcional, articulação espacial e condições de iluminação e ventilação dos

ambientes, como se observa nas afirmações de Ângelo Bruhns ao apresentar sua

proposta para o Edifício da Assicurazioni Generali di Trieste e Venezia no centro do

Rio de Janeiro. Ele primeiro ressalta as soluções funcionais, depois fala da estrutura

e só então menciona a forma relacionando-a com o impacto na paisagem urbana.

Segundo ele:

Na verdade, é a falta de ar e de luz ou uma circulação por demais complicada –


e não o mal estado de revestimentos ou a decadência do estilo – que envelhece
o edifício em 10 anos. (Bruhns, Arquitetura e Urbanismo, n. 03, p. 125, mai./ jun.,
1938).

Em artigos como “A habitação hygienica” (1927), “Casas de ontem e casas de

hoje” (1928) e “Architectura Honesta” (1932) da Revista “A CASA” ou ainda “A

missão civilisadora do arquiteto: sua situação na sociedade contemporânea” (1936),

“O arquiteto e o cliente” (1937) e “O projeto” (1938) da Revista “ARQUITETURA E

URBANISMO” outros aspectos vinculados à qualidade construtiva, ao funcionamento

e à salubridade das edificações também eram evidenciados. Esses aspectos eram

voltados a: diretrizes técnicas para escolha do terreno; avaliação da existência e

capacidade das redes de esgoto e água; avaliação do tipo adequado de fundação;

isolamento da umidade e impermeabilização; modernização das cozinhas e

banheiros com o melhor aparelhamento de gás e eletricidade; alterações nas

413
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

dimensões, usos, mobiliário e equipamentos das edificações; fluxos e circulações;

adequação dos acabamentos, economia na e da construção, etc.

O alerta sobre a impropriedade da copia de modelos também era argumento

importante para a contratação do arquiteto, como apontava Azeredo:

De nada vale copiarem os projectos insertos nas paginas das revistas; sempre é
necessária a collaboração do profissional, porque a menor alteração, seja devido
à natureza do terreno, seja devido à modificação de qualquer elemento, basta
para desvirtuar o conjunto de uma concepção architectonica. (AZEREDO, A
CASA, n. 102, p.7, nov., 1932).

Em “Fogo aos productos hibridos da “nossa” architectura”, esse arquiteto

juntamente com o engenheiro Braz Jordão, já atrelavam a nova arquitetura à

importância do trabalho do arquiteto.

É que essa nova feição da architectura está sendo recebida com sympathia pelo
povo, que já se inclina em aceitar os conselhos dos architectos. Dessa harmonia
de vistas entre o proprietário e o profissional há de resultar fatalmente apreciável
benefício para a esthetica urbana.
Até bem pouco tempo a architectura da nossa cidade vinha sendo formada por
modelos tirados quase sempre de catálogos estrangeiros, sem nenhuma
aclimatação ao nosso meio. (JORDÃO & AZEREDO, A CASA, n. 97, p. 3, jun.,
1932).

E se o discurso da utilidade e da funcionalidade da arquitetura moderna era

grande aliado na defesa do espaço de trabalho da classe do arquiteto no Brasil das

décadas de 20 e 30, a expressão plástica da nova arquitetura também o era:

De tal sorte o estylo moderno calou no espirito do povo que raras são hoje as
casas construídas sem as linhas sóbrias que lhe são caracteríticas. Mas a
simplicidade não quer dizer que todas as casas modernas sejam acabadas da
mesma fórma. Pelo contrário, a falta de decoração exige melhor acabamento.
Por ahi os proprietários deverão observar que não basta o projecto bem feito. A
actuação do architecto se faz necessária não só para a elaboração do projecto
como para a sua fiscalisação. Sem esta, mesmo que o construtor seja honesto, á
casa fica faltando qualquer coisa a que se chama paladar do artista. (JORDÃO,
Braz & AZEREDO, A CASA, n. 137, p. 34, out, 1935).

414
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Defendia-se que o valor do arquiteto estava em tornar a obra mais adequada

e confortável, mais bela e mais econômica. Também se defendia que a

especificidade desse profissional bem como seu lugar de destaque na sociedade

estava na fusão única e singular de seus conhecimentos técnicos e suas

capacidades artísticas, indispensável às culturas desenvolvidas. O arquiteto J.

Cordeiro Azeredo em “Espírito de classe” de 1942 ainda apontava a especial

responsabilidade do arquiteto naquele momento de renovação da arquitetura.

A responsabilidade cultural e artística do nosso tempo é imensa. Uma soma


igual, sinão maior, de responsabilidade sentimental e espiritual, havemos e
temos de deixar para aqueles que nos sucederem na cena do mundo. Nas
construções e nos trabalhos de arte de hoje deverão ser forjados os símbolos
arquiteturais de uma era. (AZEREDO, A CASA, n. 214, p. 9, mar., 1942).

Muitos foram os artigos nas revistas especializadas que batalhavam pelo

espaço do arquiteto e visavam mostrar a sociedade seu valor. A Revista

“ARQUITETURA E URBANISMO” não foi a única, porém teve destacado papel

nessa luta obviamente por ser órgão oficial do IAB – se não a principal, uma das

mais decisivas instituições promotoras das ações em defesa da classe, mesmo que

a união dos profissionais a partir dessa instituição fosse mais uma pretensão que

uma realidade163. Esse periódico apresentava o Boletim do IAB, uma seção ordinária

bastante esclarecedora sobre as ações do Instituto nesse sentido, que além de

relatar seus feitos mais significativos desde sua fundação expunha seus feitos mais

recentes. O leque de atuação do IAB dava-se desde a formação acadêmica do

arquiteto até os posicionamentos mais duros, com reclames a autoridades

competentes, em defesa do arquiteto, da arquitetura e da cidade.

Entre as ações mais incisivas do IAB em busca de garantir tanto a qualidade

da arquitetura como o espaço de trabalho do arquiteto estava o fomento aos

163
Situação que parece persistir até os dias atuais.
415
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

concursos públicos de arquitetura. Interessante notar que bem diversa da trama

costiana na afirmação da importância do boicote ao concurso público do Ministério

da Educação e Saúde Pública que teria possibilitado o surgimento da arquitetura

moderna brasileira, foi justamente na defesa dos concursos públicos de arquitetura

que a arquitetura moderna e especialmente a vertente modernista ganhou espaço

de realização e respeito no Brasil.

No segundo Boletim do Instituto dos Arquitetos do Brasil o arquiteto Augusto

de Vasconcellos Junior, então presidente do IAB, registrava o importante projeto de

lei formulado pelo deputado Daniel de Carvalho e aprovado em 1935. A Lei 125,

fruto desse projeto trazia no seu artigo 5º a determinação de que:

Nenhum edifício público de grandes proporções poderá ser construído sem


prévio concurso para a escolha do projeto receptivo.
No concurso tomarão parte somente profissionais habilitados legalmente.
(apud VASCONCELLOS, ARQUITETURA E URBANISMO, n. 02, p. 50, jul./ago.,
1936).

Uma grande vitória do IAB que logo surtiu efeito. Para Vasconcellos “o

primeiro benefício do citado dispositivo legal já se fez sentir a propósito do projeto do

edifício do Ministério da Fazenda” (VASCONCELLOS, ARQUITETURA E

URBANISMO, n. 02, p. 50, jul./ago., 1936). Outros concursos se seguiram a este,

alguns com histórias mais felizes outros nem tanto. O IAB sempre atento, quando

não era o organizador do concurso em voga, buscava impor o uso do regulamento

feito pelo instituto para tais fins e sempre oferecia seus préstimos.

Sem dúvida um evento importante para a disseminação dos concursos

públicos de arquitetura e concomitantemente para a arquitetura moderna e

particularmente para a arquitetura do movimento moderno foi a vitória dos irmãos

416
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Roberto no concurso para a sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no

centro do Rio de Janeiro.

Apesar do sucesso desse episódio nem a prática dos concursos, nem o

campo de atuação do arquiteto pareciam assegurados em 1943 quando Ângelo

Bruhns escreve “A profissão do arquiteto e os concursos de arquitetura” publicado

no número 229 da Revista “A CASA”. Nessa fala o arquiteto continua a apontar o

desconhecimento da profissão do arquiteto pela sociedade, ressalta a importância

dos concursos como mostra da qualidade desse profissional e o papel do IAB em

fomentá-los. Apesar de lamentar os poucos concursos realizados e alertar para a

falibilidade dessa prática insiste em defender sua existência como a melhor prova da

importância do projeto, da necessidade do arquiteto e das qualidades e atributos

específicos da profissão. Bruhns também pontua o papel decisivo do Estado no que

ele chamou de “as grandes demonstrações de arquitetura e urbanismo e a quem

cabe o dever precípuo de orientar a cultura artística da nação” (BRUHNS, A CASA,

n. 229, p.11, jun., 1943).

Dois concursos são bastante reveladores sobre essa fusão entre afirmação

da classe profissional e disseminação da arquitetura moderna e especificamente sua

vertente modernista no Brasil: o concurso para a Estação Central do Aeroporto

Santos Dumont e o concurso para o Pavilhão do Brasil para a Feira de Nova York de

1939.

Realizado no início de 1937 o concurso de anteprojeto para a Estação Central

do Aeroporto Santos Dumont, não teve vencedores imediatos e trazia em seu edital

indicações explicitas de utilização da linguagem vinculada ao movimento moderno:

O edifício central do aeroporto Santos Dumont deverá servir, em primeiro lugar,


aos objetivos, necessidades e exigências de uma grande e moderna estação das

417
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

linhas aéreas nacionais e internacionais, em acelerado progresso, que escalam


no Rio de Janeiro ou daqui irradiam (...).
O grande terraço superior, que deve cobrir o edifício, destina-se ao público que ocorrer
ao aeroporto por ocasião das festividades aeronáuticas ou comemorações cívicas que
aí se realizarem. (ARQUITETURA E URBANISMO, n.02, p. 104-106, mar./abr., 1937).

Os irmãos Roberto só ganharam o concurso numa segunda etapa que foi

instituída após o primeiro julgamento que selecionou cinco concorrentes para

reformularem suas propostas e daí serem novamente submetidos à nova avaliação.

O júri escolhido assim como o edital também se mostrava bastante favorável às

expressões do movimento moderno e era composto pelos arquitetos Augusto

Vasconcellos Junior (que também havia sido jurado no concurso da Estação de

Hidroaviões do mesmo aeroporto), Paulo Santos, Ricardo Antunes e Nestor de

Figueiredo e pelos engenheiros Maurício Joppert da Silva, Adroaldo Junqueira Ayres

(presidente do CREA) e Alberto de Mello Flôres. Nos termos de julgamento da

primeira etapa o júri considerava que esse projeto deveria ser exemplar devido às

características do programa, um símbolo do avanço da cultura arquitetônica do país

e foram levadas em conta tanto questões técnicas quanto estéticas na avaliação dos

trabalhos. Apesar de certas qualidades das propostas apresentadas para o júri

nenhuma havia atingido uma solução devidamente adequada:

Considerando que o edifício da estação central do aeroporto do Rio de Janeiro,


pela sua atualidade, evidência e expressão, deve representar o estagio da nossa
cultura e marcar o aperfeiçoamento arquitetônico da sua época no Brasil;

Considerando o caráter novo, criador e moderno dos edifícios desse gênero, a


notoriedade, o interesse público e a repercussão internacional dos projetos
selecionados nas provas de larga divulgação que se realisam para esse fim;

Considerando que a estação central do Rio de Janeiro deverá servir de padrão à


demais construções aeronáuticas que se erguerem no país;

Considerando que a situação de visibilidade e destaque do edifício em relação à


cidade, no remate da Avenida Beira-Mar e do centro urbano; (...)

Considerando que os ante-projetos apresentados (...) não satisfizeram


completamente os requisitos objetivados e não responderam de modo cabal ao
exigente conjunto de necessidade e fins que têm de preencher, apezar da finura
de concepção, do preparo técnico e da espiritualidade que alguns trabalhos
revelam (...)
418
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Considerando, por fim, a função educacional dos concursos e a necessidade de


corresponder plenamente ao apelo do Governo, dirigido à cultura e a elevação
dos concorrentes, através de uma prova de larga significação e repercussão;

Resolveu o júri escolher os trabalhos sob números um (1), dois (2), sete (7),
nove (9) e trêse (13) para que seus autores concorram a uma segunda prova
final (ARQUITETURA E URBANISMO, n.04, p. 211, jul./ago., 1937).

O resultado final revela não só a qualidade dos arquitetos premiados, mas

também o compartilhamento de certa ideia de qualidade arquitetônica entre os

avaliados e a maioria de seus avaliadores, pois caso contrário não seria possível o

reconhecimento dessas qualidades. Esse concurso coloca também em cheque o

entendimento corrente de que a primeira apropriação monumental do movimento

moderno por parte do poder público foi via Ministério da Educação e Saúde Pública,

o Departamento da Aeronáutica teve também, se não em primeiro lugar, papel

central nesse movimento. Apesar de sempre citado como importante obra moderna

no Brasil esse edifício não é considerado nesse aspecto, bem como seus

idealizadores também não tiveram o devido lugar de bem maior destaque que o

conjunto das narrativas históricas lhes atribuiu na conquista da hegemonia do

movimento moderno na arquitetura moderna brasileira. Na ata de julgamento da

segunda etapa sobre o projeto vencedor constava:

Observa-se que o autor do projeto no 5 demonstra realmente a justa


preocupação de criar um edifício pelo qual o público saberá de que modo a
técnica moderna realisa, com seguras vantagens, aquilo que os antigos só
conseguiram usando processos empíricos.
De acordo com o moderno conceito de que os problemas de urbanismo devem
estar em conexão com os edifícios, completando-se mutuamente, sem solução
o
de continuidade, observa-se que as penetrações do projeto n 5 são, por assim
dizer, uma continuação das vias de acesso.
Com a louvável preocupação de resolver racionalmente o problema, afastando o
artificial e o supérfluo e conservando-se precisamente dentro de sua época, o
autor do projeto em estudo, demonstrou que o utilitarismo integral das funções
pode ser concebido com elevado espiritualismo e superior emotividade.
Foi este conjunto de soluções lógicas e precisas que se fundou na bôa
expressão arquitetônica condizente com a atualidade do tema conforme a
condição advertida anteriormente

419
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

O espírito novo que presidiu à organisação deste projeto harmoniza-se


perfeitamente com a sua função. De fato, somente uma arquitetura dos nossos
dias, desenvolvida com inteligência, sem preocupação de habilidade, nem
decalque de outras sensibilidades estranhas ao nosso meio, poderá satisfazer às
funções de uma aerogare.
O projeto número 5 conseguiu isto plenamente. (ARQUITETURA E
URBANISMO, n.06, p. 295, nov./dez., 1937).

O parecer do júri na etapa final também mostra além dessa ressonância e dos

critérios adotados, a não submissão acrítica dos indicativos internacionais, a

consciência dos problemas da técnica ainda incipiente e a tensão da época entre

quais deveriam ser os caminhos da arquitetura moderna brasileira. Foram sete

critérios de julgamento, sendo seis funcionais (organização, distribuição, circulação,

iluminação, acesso, estrutura) e um estético. A proposta vencedora teve

unanimidade nas questões de circulação e desenvolvimento do projeto segundo a

linha norte sul, porém não teve essa unanimidade quanto à opção estética. O Prof.

Maurício Joppert da Silva, opositor das expressões do movimento moderno por

achar incompatível com o clima brasileiro, vez constar a seguinte declaração de

voto:

Reconhecendo embora que a maioria das plantas apresentadas para o edifício


central do aeroporto “Santos Dumont”, revelam da parte dos concorrentes um
estudo acurado, compreensão do problema e inteligência, recuso entretanto o
meu apoio `aprovação de fachadas onde certas vantagens construtivas do
concreto armado são exploradas com exagero, e contra o excesso de panos
envidraçados, desaconselhados e condenados perante a luminosidade e as
condições do clima do Rio de Janeiro. Lanço o meu protesto, ainda, contra a
generalização, em uma cidade tropical, onde o homem foge da luz demasiada e
procura se resguardar do calor, de um estilo de transição sem lógica e
extravagante, lançado no estrangeiro com um sucesso efêmero em países de
latitude elevadas e já em franco declínio naqueles países. (...) Não sou um
admirador estático perante as maravilhas do passado; admito e desejo a
evolução do estilo, sem sujeição á capacidade creadora do artista mas num
progresso lógico, onde se reunam os aperfeiçoamentos da técnica das
construções, a transformação dos costumes, as necessidades da vida moderna,
sem esquecer o ambiente em que estamos e o que o passado creou,
desenvolvendo motivos que, alguns , terão de ser eternamente respeitados. (...)
A moda é no estilo, como na arte em geral, um acidente transitório, nascida da
fantasia dos artistas. O exagero, porém, dos característicos de um estilo,

420
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

observa G. Espitalier, conduz à ruptura do equilíbrio feliz das condições em que


êle se estabeleceu e leva ás épocas de decadência. O clima é um fator
dominante na creação de um estilo arquitetônico. Um exemplo esclarecerá. Os
terraços nasceram em regiões secas, de pluviosidade fraca; os telhados com
inclinações mais fortes ou mais fracas, crearam-se nos países onde há neve ou
forte pluviosidade. Transportar o terraço para um lugar de pluviosidade elevada,
quando êle esgota mal as águas, já é um contra-senso, mas querer realisa-lo no
Rio de Janeiro, com lages finas de concreto armado, permeáveis ao calor e de
impermeabilidade precária contra a água, demonstra o mais perfeito alheiamento
das condições do meio em que vivemos e das lições da experiência dos nossos
antepassados. Tenho examinado diversos terraços e ainda não encontrei
nenhum cuja construção tenha sido satisfatória e duradoura contra a ação
combinada da água e do calor. (...) e reitero o meu protesto contra a
generalização entre nós de um estilo importado, que não se fixou nem mesmo
nos países onde se originou, representando um atentado ás condições de clima
do Rio de Janeiro e às tradições nacionais da nossa arquitetura, tendo culminado
em algumas “estufas”, chamadas impropriamente de edifícios escolares, com
que a Prefeitura do Distrito Federal infelicitou a poucos anos a infância da Capital
da República.” (ARQUITETURA E URBANISMO, n.06, p. 296, nov./dez., 1937).

As particularidades do concurso para o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova

York em 1939 são ainda mais reveladoras sobre as múltiplas forças que se

conjugaram para a disseminação e afirmação do movimento moderno na arquitetura

moderna brasileira e a imbricada relação entre campo profissional e linguagem

moderna.

O primeiro fato a ser destacado foi o envio de ofício do IAB ao Ministro do

Trabalho sugerindo a abertura de concurso para o anteprojeto para o pavilhão

brasileiro de tal evento, alegando a importância do mesmo e o fiasco da

representação brasileira nos acontecimentos anteriores do gênero, assim sinalizado:

Esperamos que V.E. receba esta nossa solicitação como uma sincera
demonstração de colaborar em uma obra que demonstrará aos povos
extrangeiros o nosso cabedal técnico e artístico na grande arte de arquitetura
(FIGUEIREDO, ARQUITETURA E URBANISMO, n.01, p. 50, jan./fev., 1938).

Acatada a ideia do concurso pelo poder público, o primeiro edital publicado

não respeita o regulamento do IAB para concursos públicos de arquitetura e mais

uma vez o Instituto se dirige ao ministro solicitando a retificação dos termos do edital

421
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

sob a alegação da desigualdade e pouca orientação no concurso, já que não havia

programa – o que segundo o Instituto poderia acarretar em concorrência desleal e

também na não atração dos melhores arquitetos. Apostando na importância do

pavilhão, o IAB insistia e foi atendido:

O sucesso que esperamos no atual concurso, organisado pelo Ministério do


Trabalho, tem, além do mais, uma alta finalidade patriótica, porque sendo a
arquitetura verdadeiro índice das civilisações, queremos que a nossa casa na
grande exposição internacional seja uma demonstração da capacidade real dos
nossos arquitetos de responsabilidade e uma afirmação do progresso da obra
arquitetônica brasileira. (ARQUITETURA E URBANISMO, n.01, p. 50, jan./fev.,
1938).

Outra passagem interessante desse episódio foi a negociação do IAB para

supostamente garantir de uma lado a liberdade de expressão plástica da proposta:

“Com relação ao estilo a ser adotado no projeto do pavilhão, ficou assentado que

haverá a maior liberdade da escolha” (ARQUITETURA E URBANISMO, n.01, p. 52,

jan./fev., 1938). Por outro lado, a atuação do Instituto buscou assegurar o que

chamou de “idoneidade” dos membros do júri, ao acordarem que seriam parte deste

o presidente do CREA, que não participou efetivamente do júri, o presidente do IAB

e para substituir um técnico da subcomissão em viajem para a Europa se solicitou

indicação do Ministério da Educação, já que seria essa instituição a responsável

pela “assistência à arte no Brasil” (ARQUITETURA E URBANISMO, n.01, p. 52,

jan./fev., 1938).

O júri do concurso então ficou assim composto: Dr. João Carlos Vital (como

presidente) engenheiro e representante do Ministério do Trabalho, Nestor E. de

Figueiredo arquiteto e presidente do IAB, Ângelo Bruhns arquiteto, Eduardo de

Souza Aguiar engenheiro do Ministério da Educação e Saúde Pública e Rubens

Porto arquiteto e mais um representante do Ministério do Trabalho. Obviamente

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

essa composição se revelou simpática para não dizer absolutamente favorável às

expressões do movimento moderno. Na ata de julgamento constava:

Passando a fixar o seu critério de julgamento quanto ao modo de interpretar a


nacionalidade da arquitetura, resolveu o Juri que a questão não se devia prender ao
detalhe dos elementos arquitetônicos, fossem tradicionais ou indígenas, mas se devia
ater a uma fórma arquitetônica capaz de traduzir a expressão do ambiente brasileiro; e
mais, que essa fórma fosse de preferência atualista, tendo em vista que a Feira
Mundial de New York tem, por principio, estabelecer uma visão do “Mundo de
Amanhã”.
Néstas condições, verificou o Juri que não havia dentre os projetos apresentados um
só que conciliasse plenamente tal exigência com as condições técnicas inerentes a um
pavilhão de exposição. Todavia, reconheceu que alguns autores se esforçaram por
uma solução aceitável. (...) Foram, então muito focalisados os seguintes pontos: - a
posição das salas de exposição, a circulação, a insolação, a posição do restaurante
que, por sua natureza, pede ambiente adequado em torno dele; e finalmente, o
caracter de edifício provisório, como é de um pavilhão de exposição (ARQUITETURA E
URBANISMO, n.02, p. 99, mar./abr., 1938).

Essas declarações revelavam a importância do pensamento do júri sobre o

que deveria ser a “brasilidade” na arquitetura moderna e suas determinações

centrais para a solução final dada ao pavilhão. O projeto final foi desenvolvido pelos

dois primeiros colocados no concurso a partir de uma terceira proposta que não

espelhava nenhuma das apresentadas por eles no concurso. Essa controversa

situação talvez seja reflexo do julgamento que deu a vitória a Lúcio Costa não por

unanimidade e sim por maioria. Na avaliação do júri nenhuma proposta atendia

plenamente o principal critério de julgamento e o maior mérito do projeto vencedor

era seu caráter de “brasilidade”. No entanto o parecer tecia uma série de

considerações que deveriam ser seguidas para melhorar a resolução funcional.

Sobre o segundo colocado apesar de julgado como de excelente solução funcional

seu caráter foi considerado demasiadamente internacional para carga simbólica que

a obra deveria representar.

Sobre o projeto de Lúcio Costa ressaltava-se:

Este projeto é, dos três, o que possue maior espírito de brasilidade. O seu
conjunto tem uma bela harmonia dentro do espirito moderno que o afasta da

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

preocupação de impor determinados elementos da técnica moderna de construir.


Entretanto o seu autor soube usar esses elementos quando os julgou
necessários. (ARQUITETURA E URBANISMO, n.02, p. 99, mar./abr., 1938).

E sobre o projeto de Oscar Niemeyer apontava-se:

Neste projeto nota-se relativa falta de espírito de brasilidade, mas, em


compensação, possue êle as condições técnicas essenciais do pavilhão de
exposição (ARQUITETURA E URBANISMO, n.02, p. 99, mar./abr., 1938).

Na conclusão da solenidade de premiação, segundo os redatores da revista:

Conclui o Sr. Nestor de Figueiredo dizendo que os arquitetos brasileiros


agradeciam o apoio do Governo através do seu Ministro do Trabalho, Sr.
Waldemar Falcão, e prometiam desenvolver o seu espírito de brasilidade dentro
da arquitetura moderna do século em que vivemos.
O Sr. Getulio Vargas em resposta, ainda proferiu algumas palavras, declarando
que, neste momento em que se procura ressaltar os valores nacionais, nada
seria mais oportuno do que o fazer também no que diz respeito a Arte.
(ARQUITETURA E URBANISMO, n.02, p. 99, mar./abr., 1938).

Assim percebe-se o papel central do IAB para possibilitar o acontecimento e o

resultado do concurso. O que fica ainda mais claro no artigo “O Instituto de

Arquitetos do Brasil e o nosso pavilhão na feira de Nova York” em 1939:

Preocupava também ao Instituto que o Brasil, arquitetonicamente, se


apresentasse de acordo com o próprio titulo da exposição, “o mundo de
amanhã”; e um júri que não estivesse técnicamente capacitado para
compreender este propósito poderia dar em resultado, um efeito
contraproducente.
Devemos dizer com franqueza que, tratando como foi, de uma fórma
exclusivamente funcional o projeto decepcionou a algumas pessoas,
principalmente, aquelas que não compreenderam a lealdade da apresentação,
que fugia completamente as fantasias de desenhistas tão em moda antigamente,
mas hoje já bastante combatidas.
O Instituto que confiára bastante no seu júri e conhecia da mesma fórma o valor
profissional dos arquitetos classificados, Snrs. Lúcio Costa e Oscar Niemeyer
Filho, acompanhou, vigilante, as diferentes fases da construção do pavilhão,
procurando neutralizar qualquer atividade, que tendesse perturbar o brilho da
sua realisação. Agora, que o pavilhão do Brasil foi inaugurado, que sobre o seu
valor arquitetônico se referiram as maiores autoridades, que a imprensa
estrangeira destacou-o com justos elogios, sendo de ressaltar a “Arquitectural
Forum”, que destacou o pavilhão do Brasil e da Suécia como os melhores, é
justo que, mais uma vez, se reconheça que todas as atividades do Instituto de
Arquitetos do Brasil são sempre no interesse da arquitetura nacional e dos
arquitetos brasileiros. (ARQUITETURA E URBANISMO, n.03, p. 470, mai./jun.,
1939).

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Foram muitos e incisivos os posicionamentos do IAB em defesa tanto dos

concursos e dos profissionais arquitetos bem como das próprias expressões do

movimento moderno. Um interessante exemplo foi o recurso feito às autoridades

baianas pelo IAB a respeito da injusta desclassificação do arquiteto Hélio Duarte no

concurso para o “Palácio da Segurança Pública da Baía” por apresentar um projeto

que no parecer do júri não atendia as exigências da arquitetura clássica. Em carta

enviada ao Secretário e assinada por Augusto de Vasconcellos, Adalbert Szilard e

Cipriano Lemos, o IAB argumentava a inexistência no edital de tal exigência e que o

caráter monumental solicitado não era incompatível com as soluções modernas da

arquitetura do período. Nos termos da carta constava:

“Carater monumental” ou “arquitetura clássica” são cousas diversas e


independentes, isto é, um edifício pode ter “carater monumental” sem ser em
estilo clássico ou ser clássico e não ser monumental.
“Arquitetura clássica” é estilo, como o Gótico, o Manuelino, o Colonial, O Luiz
XIV etc. “Arquitetura monumental” é qualitativo aplicável, ou não, a qualquer
manifestação arquitetônica. (...)
Quanto à estilo, nada foi exigido: e com razão, de vez que trata-se de matéria em
que deve haver liberdade de pensamento. Convém mesmo assinalar que os
arquitetos mais avançados repudiam qualquer dos estilos anteriores à época do
cimento armado. Estilisar é dar fórma estética á realidade construtiva.
Consequentemente, a construção metálica, a de cimento armado ou a que se
fazia em pedra aparente (como a clássica ou a gótica, por exemplo) devem
apresentar linhas arquitetônicas muito diversas. (ARQUITETURA E
URBANISMO, n.03, p. 167, mai./jun., 1937).

No entanto um estranho e tácito silêncio parece ter pairado sobre os

controversos episódios do concurso para a Sede do Ministério da Educação e Saúde

Pública. A revista oficial do IAB que sempre foi bastante contundente na defesa da

classe e da primazia dos concursos, jamais fez qualquer menção sobre os

acontecimentos vinculados a esse evento. Em 1939 o edifício construído para esse

Ministério foi publicado nas páginas dessa revista, porém o texto que acompanha as

imagens reproduz somente a fala de seu principal mentor – o arquiteto Lúcio Costa.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

6. CONCLUSÃO

Infeliz nação aquela que não tem heróis.


Infeliz nação aquela que precisa de heróis.

Bertolt Brecht (A vida de Galileu, 1938).

O Brasil Moderno foi erguido em concreto armado, nele o vento passava por

entre as curvas de Niemeyer e a brasilidade de suas linhas modernistas deu ao

Matriarcado de Pindorama uma arquitetura moderna e nacional para grande orgulho

do país e admiração perplexa do mundo. Envaidecedor, poético e porque não dizer

verdadeiro, mesmo que seja apenas parte da realidade. Esse entendimento corrente

sobre a relação unívoca, positiva e simbiótica entre a arquitetura modernista de

matriz corbusiana e a modernização do país se tornou tão impregnada no imaginário

coletivo que recolocá-la e entendê-la de um modo menos heroico, reconhecendo sim

sua singularidade e importância, mas também pontuando seus limites é uma tarefa

difícil e desafiadora.

A modernidade segundo Habermas abriu as portas da interrogação e reflexão

crítica do estado presente, da capacidade de auto compreensão e auto avaliação e,

ainda mais fundamental, para as tentativas sempre alteráveis de auto-organização.

Os intelectuais, artistas e arquitetos modernos do início do século XX no Brasil

passaram por essa porta e descobriram os caminhos da vanguarda moderna cujo

princípio artístico era a auto realização expressiva de uma interioridade, muitas

vezes desconexa e descontínua, mas sempre mergulhada num contexto de

acelerada modernização do avançado processo de industrialização do capitalismo

europeu. E como realmente estavam imbuídos do espírito moderno de reflexão,

experimentação, desconexão e descontinuidade, ajudados pelo forte impulso


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

nacionalista da busca de identidade própria que circulava em toda a América Latina

e inclusive no Brasil desde o século XIX, logo descobriram que seguir os caminhos

europeus não tiraria o país de seu lugar de “atraso” no cenário internacional. Isto

porque reconhecidamente a industrialização brasileira era incipiente, a estrutura

político-social oligárquica e a cultura julgada híbrida e de terceira linha.

A invenção da “brasilidade” foi a alternativa do modernismo brasileiro à

situação. A brasilidade modernista – atual e nacional – foi então esse presente, que

como adverte Habermas, se torna o lugar tanto da tradição como da inovação

necessariamente e simultaneamente. Alternativa que em suas múltiplas formas,

entre estudo erudito e mergulho instintivo nas entranhas da nação, pinçou pedaços

desconexos do passado de Pindorama e da Colônia Pau Brasil orientados para a

criação futura de certa identidade. Identidade, que como já apontou Carlos Martins

sobre a obra teórica de Lúcio Costa, “não se busca no passado, mas se inventa, se

projeta no futuro” (MARTINS, 2002, p. 378).

Essa brasilidade deu enorme centralidade à vertente modernista na cultura

brasileira, diretamente relacionada ao pensamento dos intelectuais vinculados ao

Ministério da Educação e Saúde Pública, ao governo de Getúlio Vargas e sua

bandeira de construção de um novo Brasil e de um novo brasileiro, que teve na

tentativa de uniformização da cultura um de seus pilares centrais. Dentro dessa

construção foi forjada a hegemonia da vertente modernista de matriz corbusiana na

arquitetura brasileira. Tal vertente teve então, para além de seus grandes e próprios

méritos, essencial fomento de um poder público autoritário, que deu visibilidade e

grande alcance para essa matriz, especialmente através da edição de uma história

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

do Brasil dos heróis da modernização getulista que exaltou certas falas e silenciou

muitas outras.

Embora, sob o comando de Getúlio Vargas, uma pluralidade de expressões

modernas tenham construído importantes exemplares dentro e fora das obras

governamentais, no momento em que se fundiu o papel e ação do Ministério da

Educação, a força simbólica de sua sede e a grandiosa recepção internacional, em

primeira linha na exposição/catálogo “Brazil Builds”, a primazia dessa vertente se

instituiu.

A versão milagrosa da instauração brusca e inesperada do movimento

moderno no Brasil numa obra tão paradigmática, de representação tão singular

sobre e para a cultura nacional vinha a calhar para consagrar e glorificar a

modernização do país inclusive do próprio chefe da nação Getúlio Vargas e seu

Ministro Gustavo Capanema. A sede do Ministério da Educação e Saúde Pública

simbolizava a modernidade da cultura, o modernismo da arte e a modernização da

indústria, apesar de em sentidos diferentes nenhum deles corresponderem

plenamente à realidade. Colocá-la como momento instaurador significava dar a seus

mentores e realizadores o lugar de guerreiros heroicos, solitários e iluminados que

arrancavam o Brasil do atraso e o colocavam em equivalência aos mais

desenvolvidos países no cenário mundial.

Essa versão foi interessante para a glorificação da Era Vargas, como também

para os governos democráticos e autoritários que a sucederam, herdeiros e

potencializadores do vínculo entre política, desenvolvimento, progresso e arquitetura

moderna. No entanto, o movimento de renovação da arquitetura brasileira foi

multifacetado, bem mais complexo e bem menos pomposo que o milagroso

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

surgimento da supracitada sede ministerial perpetuado por cerca de meio século no

conjunto das narrativas históricas de maior visibilidade sobre a arquitetura moderna

brasileira. Bem distante de um momento instaurador, esse edifício foi fruto de uma

arquitetura já madura e aceita socialmente.

A formação da arquitetura moderna no Brasil vista através das revistas “A

CASA” e “ARQUITETURA E URBANISMO” revelou um processo lento de

amadurecimento e incorporação de certas preocupações e modos de soluções

fartamente discutidas, numa construção coletiva de uma classe profissional também

em formação. Uma classe ciente de seus limites, responsabilidades, importância e

singularidade de seu trabalho cujo discurso moderno da funcionalidade e da

racionalidade veio dar o respaldo técnico para a sua afirmação enquanto profissional

diferenciado na sociedade brasileira. As preocupações e investigações se deram

majoritariamente no âmbito técnico-funcional e não no estético, como apontam não

só os artigos e obras publicados como também as sempre presentes seções

técnicas das revistas.

Nos dois periódicos sistematicamente analisados entre 1923 e 1942 há uma

primazia da arquitetura enquanto projeto e obra de edificações, especialmente

residências. As questões do urbanismo ganham maior espaço apenas no final da

década de 30. A arquitetura é apresentada eminentemente por imagens:

perspectivas, fotos e basicamente plantas, raramente cortes ou fachadas. Muitos

dos artigos não trazem texto acompanhando as imagens, apenas identificação do

proprietário e do arquiteto e/ou construtor (com algumas exceções) e dos espaços,

muitas vezes através de legendas.

430
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

A primazia da planta, também tema de artigos discursivos evidencia a

importância das questões funcionais, climáticas, de implantação, bem como uma

metodologia de projeto onde a planta gera a forma. A solução formal é uma questão

menos debatida explicitamente, mas muito mostrada. Não há, no entanto uma única

alternativa para as formas modernas e sim uma gama variada que reflete os

diversos posicionamentos e possibilidades da época.

A história contida nessas revistas mostra que nem a arquitetura moderna no

Brasil se reduzia à arquitetura do movimento moderno, nem a arquitetura do

movimento moderno se reduzia ao modernismo corbusiano. Revela também que

para a renovação da arquitetura brasileira os vários modos e expressões do

moderno deram contribuições importantes para o amadurecimento do campo e sua

relativa independência das soluções estrangerias.

A passagem do “estylo moderno” para a “arquitetura moderna” significou no

Brasil por um lado a vitória das múltiplas expressões arquitetônicas que se

distanciavam das citações e referências do passado e buscavam novam formas

vinculadas não só, mas principalmente, ao uso franco do concreto armado. Por outro

lado, essa passagem também significou a conformação de um campo profissional no

qual a arquitetura sai do universo das belas artes e passa para um campo próprio

onde a técnica e as questões construtivas, bem como os problemas da cidade

passam a ser decisivos. Nesse movimento os embates das ideias e as tentativas

práticas de dar novas e adequadas soluções para a arquitetura no e do Brasil foram

cruciais para o desenvolvimento do campo e possibilitou a alta qualidade das

realizações arquitetônicas e urbanísticas tanto dos arquitetos de maior

reconhecimento nacional e internacional quanto da média geral dos profissionais. O

que revela um processo coletivo de renovação profunda da arquitetura, que não se


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

restringiu aos problemas de linguagem e expressão plástica, mas passou pelas

modificações das técnicas e preocupações projetuais e construtivas da escala do

edifício à cidade, bem como do estabelecimento de uma nova condição da própria

atividade profissional do arquiteto.

O particular nexo que se estabeleceu no Brasil entre o discurso da

funcionalidade do movimento moderno e a constituição do campo específico

profissional do arquiteto foi central tanto para a consolidação do campo como para a

hegemonia do movimento moderno no país. A expressão “arquitetura moderna” que

primeiramente denominava as várias vertentes modernas se tornaria posteriormente

então sinônimo de arquitetura modernista.

Também vale ressaltar que a hegemonia do movimento moderno, e

especificamente da arquitetura modernista de matriz corbusiana, que começa a se

estabelecer no Brasil a partir dos anos 40 e se consolidou nos anos 50, para muito

além dos eleitos por Lúcio Costa teve contribuições fundamentais de muitos outros

arquitetos e instituições. Tanto as revistas especializadas como o próprio IAB

tiveram participação decisiva nesse processo. Os vários projetos de expressão

modernista publicados e os direcionamentos nos concursos de arquitetura

vinculados ao IAB são prova dessa importante participação.

Na defesa das soluções do movimento moderno os principais nomes

presentes nos periódicos são os dos irmãos Roberto. Marcelo e Milton Roberto

aparecem com destaque e sempre francamente modernos. Ressalta-se que apesar

dos ecos duradouros da trama costiana o próprio Niemeyer dá outra versão sobre a

instauração da brasilidade na arquitetura moderna do país. Para ele:

Nunca considerei a sede do Ministério da Educação e Saúde como a primeira obra de


arquitetura moderna brasileira, mas sim um exemplo da arquitetura de Le Corbusier,
um arquiteto estrangeiro que esclareceu para todos as razões do movimento moderno,
432
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

dos pilotis, da estrutura independente, do painel de vidro, e isso foi muito importante
para a nossa arquitetura.
A primeira obra moderna e de vulto elaborada por arquiteto brasileiro, ao que eu me
lembro, foi a sede da ABI, projetada pelos irmãos Roberto. Marcelo Roberto era, no Rio
um arquiteto de excepcional talento, e seu escritório, sem dúvida, o que, em
determinada época, maior número de obras modernas realizou nessa cidade.
(NIEMEYER, 2000, p. 15).

Lúcio Costa só aparece nos periódicos pesquisados a partir de 1938 e sua

primeira obra publicada é uma casa neocolonial na “ARQUITETURA E

URNANISMO”. Só em 1939, após a morte de Cipriano Lemos, saem publicados

nesse periódico o Ministério da Educação e o Pavilhão da Feira de Nova York.

Oscar Niemeyer não tem destaque nenhum nesse período, apesar de ter se tornado

posteriormente o expoente indubitável do movimento moderno brasileiro. Quando

Niemeyer começa a projetar um bom caminho na defesa das soluções modernas já

tinha sido aberto e consolidado anteriormente para propiciar sua expressão com tais

possibilidades de evidência, incluindo em primeira linha o vínculo com o poder

público e a dimensão extraordinária de realizações que este vínculo propiciou.

O embate e o pioneirismo nas tentativas e buscas do que era ser moderno no

Brasil e a luta para desvencilhar-se da simples repetição do que vinha de fora, numa

grande qualidade de reflexão e crítica foi feito por precursores como J. Cordeiro de

Azeredo, Braz Jordão, Ângelo Bruhns, Gerson Pompeu Pinheiro, Adalbert Szilard,

Ricardo Antunes, Alberto Monteiro de Carvalho, Augusto de Vasconcellos Junior,

Nestor de Figueiredo entre outros e não só pelo pequeno círculo vinculado a Lúcio

Costa. As condições para o florescimento da nova arquitetura foram duramente

preparadas desde os anos 20. Portanto, bem diferente do miraculoso pequeno

pedaço de solo inesperadamente fértil no qual a semente de um gênio brotou e

floresceu da versão costiana, a terra havia sido bravamente e lentamente preparada,

arada e irrigada por muitos outros arquitetos. O clima era adequado, o adubo de

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

qualidade e o ambiente bastante favorável. A flor carioca não brotou em solo seco e

adverso.

Os artigos de reflexão conceitual e de conteúdo técnico mostram que havia

três ordens de questões que se entrelaçavam: a modernização das técnicas e

materiais construtivos, a modernização do enfrentamento da concepção espacial e

funcional das edificações e a modernização da linguagem formal. Se nas duas

primeiras questões não havia maiores divergências, nas questões formais eram

muitos os caminhos tanto da moderna arquitetura como da arquitetura moderna. A

moderna arquitetura entendida como toda e qualquer possibilidade contemporânea

ao momento tinha destaque nos anos 20 para as expressões: do bangalô

americano, do estilo colonial, do estilo missões ou californiano e finalmente do estilo

moderno. Esse último contemplava todas as tentativas de geometrização e

simplificação da arquitetura. Também era colocada sem muita ênfase no hall das

arquiteturas modernas uma tentativa de “tropicalizar” o moderno cujas buscas por

soluções mais adequadas ao clima mantinham os telhados cerâmicos, apesar da

depuração dos ornamentos e uso do concreto nas suas possibilidades de maiores

vãos e maiores balanços. A partir de meados dos anos 30 então desaparece a

denominação “estylo moderno” e consolida-se o uso de “arquitetura moderna”, o que

também equivale ao aumento do espaço para as várias formas modernas e a

afirmação de que essas eram as expressões efetivas do momento em detrimento

das soluções em estilo californiano, missões, coloniais e os bangalôs que passam a

ter cada vez menos exemplares publicados nos periódicos, mas não chegam a

desaparecer.

O adjetivo modernista e o substantivo modernismo aparecem sempre

atrelados às vanguardas europeias, geralmente aos nomes de Walter Gropius, Le


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Corbusier e Mies van der Rohe, e eventualmente a Jacobus Johannes Pieter Oud e

Frank Lloyd Wright, bem mais utilizados por seus detratores como algo pejorativo

que por seus defensores. Para muitos partidários da nova arquitetura, modernismo

era sinônimo de um falso moderno, denominação pejorativa de um tipo de

arquitetura que deveria ser banida. Porém esse entendimento não é unanimidade e

esses termos aparecem, mesmo que não muitas vezes, também como designação

usada por seus defensores como sinônimo de uma nova arquitetura ou da

arquitetura do movimento moderno.

Havia uma crítica, entre os anos 20 e 30, quanto à aplicação de certas

soluções da nova arquitetura julgadas pouco adequadas ao clima da maioria das

regiões do país, em especial aos panos de vidro pelo excessivo calor e à cobertura

plana pelos problemas de impermeabilização aumentados ainda mais pelas

variações térmicas e índices pluviométricos altos de certas localidades brasileiras.

As narrativas históricas de cunho modernista elencaram alguns valores que

lhes pareceram pertinentes e condizentes para a afirmação dos ditames

pretensamente hegemônicos do dito “International Style” e buscaram sempre

analisar e exaltar as obras que confirmassem esses valores, no Brasil isso não foi

diferente. No entanto, um exame apurado e menos partidário revela interpretações

distintas das formas de ser moderno, em uma gama mais plural da arquitetura

produzida no século XX e sua riqueza criativa.

A excepcionalidade da expressão plástica e a qualidade das obras

arquitetônicas, especialmente de Oscar Niemeyer, a que Lúcio Costa se referia

como arquitetura moderna brasileira, que ganharam a admiração e o respeito do

mundo são inegáveis. Assim como as importantes obras, ações e posicionamentos

do próprio Lúcio Costa em suas múltiplas frentes são evidentes e extremamente


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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

admiráveis. O alto patamar no qual essa produção colocou a cultura modernista

brasileira também foi extraordinário, mas não milagroso. A investigação central da

tese através das contribuições de uma pequena parte desse rico universo das

revistas dos anos 20 e 30 mostrou que, entre debates e posições conceituais,

formas arquitetônicas plurais e posicionamentos profissionais, a formação tanto da

arquitetura moderna quanto do movimento moderno na arquitetura no Brasil foi bem

mais longa, mais coletiva e bem menos unitária do que a trama costiana ecoada

longamente levou a acreditar. Uma crença motivada talvez pelo extraordinário mérito

artístico de certa parcela das obras modernistas, ou ainda pela potencia das falas e

construções costianas, andradianas e outras tantas falas modernistas muito

possantes na cultura nacional; ou quem sabe pelo silêncio forçado da crítica mais

aguda por sucessivos governos autoritários; ou talvez pelo orgulho da grandeza

nacional, pela necessidade de identificação natural e/ou formatada de um país novo

e de um povo híbrido. Provavelmente por um pouco de tudo isso e algo mais.

Vale particularmente refletir sobre esse duradouro eco das falas costianas

sobre um ângulo específico: a permanência das narrativas sobre a história da

arquitetura como história da arte. Se a renovação da arquitetura no Brasil atingiu

grande profundidade e múltiplos aspectos que determinou inclusive a criação de

cursos independentes de arquitetura, parece que a maioria das narrativas histórica

de maior envergadura sobre nossa arquitetura continuou a compreendê-la através

das chaves da história das belas artes, se não completamente pelo menos

prioritariamente. As motivações de renovação da arquitetura foram vinculadas às

novas possibilidades construtivas e às novas condições produtivas, sociais e

culturais, bem mais do que por pesquisas plásticas particulares e isoladamente.

Porém boa parte de nossas narrativas históricas continuou a valorizar e a contar a

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

história das formas plásticas e das excepcionalidades expressivas e seus autores

geniais, pouco ou nada vinculadas às modificações nos processos e procedimentos

projetuais; nos materiais construtivos e soluções estruturais; nas organizações

espaciais, dimensionamentos e usos do espaço; nos meios e modos da construção

e na sua industrialização, etc., sem mencionar os aspectos ligados à cidade e ao

urbanismo.

Quando Lúcio Costa constrói a ideia de que a especificidade brasileira está no

seu particular nexo entre tradição e modernidade e paradoxalmente defende como

“a arquitetura moderna brasileira” a excepcionalidade plástica de Oscar Niemeyer

que nada tem de vínculo com a tradição construtiva do país revela esse seu

entendimento de que a arquitetura é em primeiro lugar arte. Numa passagem de

“Razões da nova arquitetura” (1936) Costa já aponta esse seu entendimento,

quando coloca na defesa da nova técnica que uma de suas grandes vantagens era

permitir à composição plástica desvincular-se das questões estruturais:

A nova técnica, no entanto, conferiu a esse jogo imprevista liberdade, permitindo


à arquitetura uma intensidade de expressão até então ignorada (...) conseguindo
mesmo um valor plástico nunca antes alcançado e que o aproxima – apesar do
seu ponto de partida rigorosamente utilitário – da arte pura. (COSTA, In:
XAVIER, 2003, p. 47).

Posição que fica ainda mais clara quando ele defende em “Considerações

sobre a arte contemporânea” (1952) que a contribuição do Brasil à arquitetura

moderna foi recolocar a questão da expressão plástica como prioritária na

concepção arquitetônica:

Quando se considera, no seu conjunto, o desenvolvimento atual da arquitetura


moderna, a contribuição dos arquitetos brasileiros surpreende por seu imprevisto
e sua importância.
Imprevisto porque, de todos os países, o Brasil sempre parecera, a este respeito,
dos menos predispostos; importância porque veio pôr na ordem do dia, com a
devida ênfase, o problema da qualidade plástica e do conteúdo lírico e passional
da obra arquitetônica, aquilo por que haverá de sobreviver no tempo, quando
funcionalmente já não fôr útil. Sobrevivência não apenas como exemplar
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

didático de uma técnica construtiva ultrapassada, ou como testemunho de uma


civilização perempta, mas num sentido mais profundo e permanente – como
criação plástica ainda válida, porque capaz de comover.
O reconhecimento e a conceituação dessa qualidade plástica como elemento
fundamental da obra arquitetônica – embora sempre sujeita às limitações
decorrentes da própria natureza eminentemente utilitária na arte de construir – é,
sem dúvida, neste momento, a tarefa urgente que se impõe aos arquitetos e ao
ensino profissional. (COSTA, 1962, p. 202).

Assim suas falas construíram uma história da arquitetura brasileira pautada

na valorização das singulares e excepcionais expressões arquitetônicas, aquelas

localizadas não só no campo da arquitetura, mas também no hall das obras de arte

e que obviamente estavam vinculadas à vertente do movimento moderno por ele

defendida.

Mesmo com as sonâncias e dissonâncias podemos observar que quase todos

os autores responsáveis pelo conjunto de textos históricos sobre o assunto, num

primeiro momento eram vinculados de uma maneira ou de outra ao campo das artes

e viam como Lúcio Costa a história da arquitetura como história da arte. Philip

Goodwin produz seu trabalho para o MoMA, um museu de arte; Geraldo Ferraz era

jornalista, mas também crítico de arte, Paulo Santos foi membro fundador do Comitê

Brasileiro de História da Arte, Yves Bruand era paleontólogo, mas sua pós-

graduação era em história da arte, Carlos Lemos além de arquiteto era pintor e um

de seus textos sobre a arquitetura moderna foi produzido para uma coletânea sobre

arte no Brasil. O único que de certa maneira se distancia dessa postura é Henrique

Mindlin e seu livro com um leque bem maior de obras e arquitetos revela isso. Porém

seu comprometimento com o movimento moderno e suas relações com o campo

artístico, o que o levou a diretor do Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, ainda

o vez tanto restringir as obras da arquitetura moderna brasileira às obras filiadas ao

movimento moderno, como ecoar alguns pontos centrais das falas de Lúcio Costa

no texto introdutório de seu livro. Nos autores mais recentes há uma maior variação
438
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

das posturas e em alguns já fica evidente o desvinculo entre história da arquitetura e

história da arte, especialmente Carlos Martins e Hugo Segawa. Com outras chaves

de leitura o universo da arquitetura moderna na trama desses autores é ampliado.

Sobre a historiografia há ainda outro ponto que vale apena pontuar e que nos

parece também contribuir para os ecos tão fortes da trama costiana por tão longo

tempo: o silêncio forçado dos anos 70 e a retomada da produção intelectual

brasileira nos anos 80.

O início dos anos 80 foi o momento mais farto de publicações sobre a história

da arquitetura moderna brasileira, mesmo que nem todos os textos tenham sido

escritos nesse momento como, por exemplo, o texto de Paulo Santos escrito em

meados dos anos 60 e publicado em 1981. Esse momento abundante para a

história, a historiografia e o campo teórico nacional de modo geral não só na

arquitetura, mas em várias áreas da produção cultural brasileira, pode ser explicado

em boa parte como reflexo direto do processo de redemocratização do país

desencadeado pela chamada “Lei da Anistia” em 1979, que abre espaço novamente

para o debate crítico e a retomada do “redescobrimento do Brasil” iniciado nos anos

20 e bruscamente interrompido pela ditadura em meados dos anos 60. Muitas foram

as publicações que buscavam cobrir a lacuna da produção intelectual provocada

pelos anos mais duros da repressão política no país.

Mesmo com a retomada nos anos 80 da produção intelectual sobre a

arquitetura, a interrupção dos embates provocou um dano irrecuperável no campo

da reflexão teórica, como também modificações centrais na própria prática

arquitetônica e urbanística no Brasil. Obviamente que não pretendemos e foge

completamente ao objeto desse tese compreender essa questão. Porém nos parece

interessante pontuar que esse lapso criou por um lado uma visão idealizada dos
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

“anos dourados da arquitetura moderna no Brasil” e certa aversão tácita à enorme

produção arquitetônica dos anos da ditadura. No que refere especificamente a este

trabalho então, essa perda de continuidade teria provocado uma relação uma tanto

idílica e pouco crítica da historiografia com essa produção dos anos 40 e 50 que

turvou os questionamentos e entendimentos sobre o momento de renovação do

campo arquitetônico e urbanístico no país. Foram aceitas como verdade indiscutível

as visões que o próprio momento produziu dele mesmo, na fala daqueles que

atingiram uma condição hegemônica. Assim na versão heroica e milagrosa de Lúcio

Costa, a fala mais potente do período, foram desqualificados e esquecidos os

acontecimentos dos anos 20 e 30 e a diversidade de suas contribuições direta e

indiretamente para a hegemonia moderna e especificamente do movimento moderno

que se deu posteriormente, quando a arquitetura moderna passou a significar

apenas a arquitetura do movimento moderno de matriz corbusiana. Trama narrativa

que só começa a ser reavaliada a partir da segunda metade dos anos 90.

Não nos parece ser problemático o reconhecimento da excepcionalidade e a

importância dos episódios pontuados e ressaltados por Lúcio Costa sobre o

desenvolvimento da arquitetura brasileira. O ponto cego está na trama e nos seus

fios de silêncio ecoados por tanto tempo. Essa trama criou uma visão mitológica

sobre o modernismo na arquitetura brasileira que ao invés de contribuir para o

avanço da arquitetura do país congelou no horizonte arquitetônico a ideia de que a

“boa arquitetura” é fruto de uma ação autônoma e milagrosa de uma individualidade

genial. O extraordinário legado moderno foi assim praticamente reduzido a questões

de forma e representação simbólica. Imposta a trama e silenciadas outras falas, um

campo rico de experimentações e desenvolvimento técnico e sensorial foi em certa

medida asfixiado. O forte eco da potencia expressiva dessas obras excepcionais

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

glorificadas era, por outro lado, pobre nas complexidades e ramificações da

pesquisa arquitetônica e urbanística que o moderno poderia descortinar.

O movimento moderno que segundo Habermas foi um movimento de

“objetivação de subjetividades descentradas” permitiu que o Brasil através de uma

autoreflexão profunda encontrasse suas alternativas e transformasse sua condição

cultural vingente, fincada fundalmentalmente na criação da muitas brasilidades e

mais outras tantas formas de atualização da linguagem local. É nessa abertura

propria da modernidade que o país encontrou soluções que o permitiram deslocar do

lugar de reprodutor para produtor no panorama internacional, mesmo que as

condições de industrialização e desenvolvimento fossem pífias diante dos países da

Europa Central e da América do Norte. As diversas tentativas, experimentos,

debates e ações que não foram celebrados internacionalmente foram tão

importantes para tal deslocamento como aqueles que o foram, pois foi também no

campo aberto pela batalha daqueles que foram apartados da história que essa

vertente de maior visibilidade pode acontecer.

Infelizmente a riqueza e mobilidade entre linguagem falada e linguagem

falante da arquitetura moderna foram parcialmente estancadas pelas falas

historiográficas que reforçaram essa trama de herois geniais e milagrosos. O mito se

tormou tão sagrado que imobilizou em certa medida suas possibilidades de

desenvolvimento e sombreou de tal forma as demais pesquisas modernas que

fragilizou outros caminhos, enfraquecendo a frente multipla e plural do campo

profissional que vinha sendo construída desde os anos 20. Os mitos são

insuperaveis e nesse lugar de herois mitológicos da arquitetura moderna no Brasil,

os ganhos da arquitetura modernista do grupo costiano e expecialmente a figura de

Oscar Niemeyer e do proprio Lúcio Costa foram tão idolatrados que ao inves de
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

libertar, aprisionaram. A idolatria pode cegar e tornar carrasco a própria fonte de

inspiração para desbodramentos e renovações possíveis. A projeção e

intensificação do brilho desse tão pequeno grupo carioca, acabou por empobrecer e

reduzir o alargado horizonte que os anos 20 e 30 descortinou.

Se nas pesquisas de pós-graduação em todo país nas inúmeras subáreas do

campo da arquitetura e do urbanismo gera-se enorme discussão, extremamente rica

e comprometida com sempre renovadas possibilidades, elas não se rebatem

suficientemente na formação dos novos arquitetos. O ensino, principalmente o de

projeto de arquitetura e urbanismo, continua em grande parte, a perpetuar essa

lógica costiana do gênio iluminado. A arquitetura é nesses termos fruto apenas das

habilidades sensitivas e do dom artístico do indivíduo talentoso expressos

unicamente na qualidade plástica do partido arquitetônico (obviamente com

louváveis e cada vezes maiores exceções). Sempre acompanhado por uma

quantidade enorme de estudos que o aluno não sabe exatamente a que serve, mas

sabe que devem constar, esse partido não é uma síntese complexa e difícil entre

uma série de condicionantes externos e das capacidades e conhecimentos do futuro

profissional, mas simplesmente um gesto formal – muitas vezes belo, geralmente

gratuíto e raramente consistente tecnicamente. Nessa situação, todas as demais

disciplinas e saberes do curso de arquitetura e urbanismo parecem irrelevantes e

incapazes de instrumentalizar um ato criativo que deve se dar no vácuo da

inspiração artística autônoma, mesmo que depois ganhe justificativas mais ou

menos razoáveis quase sempre de teor social e sustentável ambientalmente.

A gigantesca quantidade de seções técnicas e artigos que apareciam nas

revistas com o claro intiuto de formação técnica dos arquitetos e que tais saberes

eram absolutamente excenciais ao ato projetual revelavam esse outro caminho que
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

se delineava para a arquitetura no Brasil como campo profissional. Infelizmente essa

face foi pouquíssimo fomentada e difundida. O comprometimento do arquiteto

moderno com a tectônica foi esmaecido frente a potência plástica da arquitetura do

“período heroico”.

A denuncia de Gerson Pinheiro sobre os riscos da academização dogmática

de uma certa vertente da arquitetura brasileira tomou dimensões que ele certamente

não inaginou em 1939 quando escreveu “Clássico e Moderno”. No entanto é

interessante notar que uma enorme parte das cidades brasileiras foi construída

sobre os ecos eruditos e populares de uma pluralidade moderna que o conjunto das

narrativas históricas pouco registrou.

Por outro lado, as críticas ao modernismo também acabaram por ser

extremamente superficiais e não consideraram um legado bem maior e mais

complexo, repleto de contribuições muito importantes que esse período deu à

arquitetura brasileira. Hoje quando num gesto automático um arquiteto especifica

2,10m como a altura de uma porta comum residencial, nem de longe desconfia que

a padronização das portas e esquadrias foram fruto de amplo debate e estudos

exemplificado no artigo “A standadisação das construcções” publicado na Revista “A

CASA” em novembro de 1924 numa transcrição do artigo originalmente publicado na

Revista “A Construcção em São Paulo” sobre a padronização das portas, tamanho

das peças, tipos de madeira, funcionamento e tamanho do vão.

A fixação do vão typo, quer em altura como em largura, é susceptivel de muita


discussão. Aconselhamos, para o pé direito corrente de 3,00mts., ou mesmo até
2,50mts., a altura de 2,20 mts., para as portas. Essa altura permitte a passagem do
indivíduo mais alto com o chapéo na cabeça, se fossemos encarar esse ponto de vista.
Para a largura normal de 0,80 mts. a altura de 2,20mts. offerece uma proporção
agradável como se pode ver nos cliches que illustram este artigo todos desenhados
com a essa proporção.
O argumento da altura só acarreta despeza não só do custo da porta como da pintura
nas duas faces. O aspecto de uma porta estreita e muito alta é desagradável,
principalmente em habitações em que as peças sejam de dimensões proximas dos
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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

mínimos. A menos de 2,20 não deve-se ir, pois recahiriamos no caso inverso, ficando a
porta acachapada, e de um aspecto pobre.
Temos empregado, em construcções de diversos typos, a altura de 2,20, e nenhuma
objecção se nos tem apresentado. Cremos poder aconselhar a generalisação dessa
altura.
Em commodos secundários, taes como dependências, privadas, etc., a porta de 2,00
metros de altura vae bem com a largura de 0,70 e 0,65mts.
A largura de uma porta depende do destino da peça para que essa porta se abre. Os
moveis usuaes, de dormitórios, mesmo os de maiores proporções, como guarda-
roupas, não têm maior dimensão, na profundidade, que 0,70. (...).
Concluimos que a orientação aconselhavel para uma fabricação em serie de portas
internas é ter em estock os typos de 2,20 x 0,90, 2,20 x 0,80, 2,20 x 0,70. (A CASA, n.
7, p. 27, nov., 1924).

Da média entre 2,20 e 2,00 dos anos 20 e do desuso dos chapeus temos os

2,10 das portas atuais. Nesse exemplo vislumbram-se contribuições modernas à

arquitetura válidas até hoje. Como também é o caso do posicionamento das

garagens e estacionamentos. Em 1936 a “ARQUITETURA E URBANISMO”

republica um texto que havia saido anteriormente na “Revista de Engenharia da

Diretoria de Engenharia” de Ângelo Bruhns intitulado “A casa e o jardim”. Nele o

arquiteto questiona a obrigatoriedade que a prefeitura da capital queria impor da

garagem localizar-se no fundo do terreno. Através de argumentos e estudos de

implantação o arquiteto mostra a inadequação dessa solução. A lógica de colocação

das garagens e estacionamentos à frente das edificações, assegurada sua

legalidade naquele momento, permanece e parece alternativa óbvia e natural aos

arquitetos da atualidade.

Na roça, onde tudo é elementar, será necessário colocar os serviços domésticos e as


carruagens com seus animais aos fundos, ou, até, à certa distancia da casa... Mas
n’uma cidade moderna as condições higiênicas são mui diversas. Os serviços e a
garagem não incomodam em absoluto. Não há, pois, motivo algum que justifique o
nosso tradicionalismo roceiro. (BRUHNS, Arquitetura e Urbanismo, n. 02, p. 31,
jul./ago., 1936).

Além das questões técnicas, outro fator de instrumentalização do campo

arquitetônico e urbanístico parece também ter sua importância eclipsada pela

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

perpetuação da trama dos heróis iluminados do movimento moderno brasileiro: as

instituições. A instituição mais mencionada pela nossa “história” foi o Serviço de

Patrimônio Histórico Artístico Nacional – SPHAN (atual IPHAN), instituição voltada

para a preservação do passado e não para a renovação da arquitetura e da cidade,

para o futuro – preocupação fundante do movimento moderno. O papel central de

Lúcio Costa nessa instituição certamente explica essa presença.

Mas e a ausência das demais instituições? Na história de uma renovação

arquitetônica pautada em gênios iluminados, não é difícil imaginar que as instâncias

de construção coletivas como as instituições de classe, escolas, universidades e o

ensino superior de modo geral não tenham lugar importante. Porém será mesmo

que não houve contribuições importantes por parte das instituições na renovação da

arquitetura brasileira para além dos episódios vinculados à direção da ENBA por

Lúcio Costa em 1930 e cerca de trinta anos depois aqueles em torno de João Batista

Vilanova Artigas na FAUUSP? Quais os danos dessas ausências? Quais os danos

da permanência da problemática ideia, já denunciada por Henrique Mindlin em 1956,

de que a o aprendizado da arquitetura se dá efetivamente nos escritórios de

arquitetura? Porque as instituições de ensino, as instituições de classe, e outras

instâncias coletivas do campo arquitetônico e urbanístico não fizeram parte do leque

tão alargado da atuação de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer? E porque a atuação de

alguns arquitetos do próprio movimento moderno em órgãos públicos como Eduardo

Affonso Reidy são mais alardeadas naquelas soluções em que é a expressão

plástica o elemento de destaque, como no caso do Pedregulho, o que acaba por

sombrear o trabalho institucional, a qualidade e comprometimento do profissional

arquiteto com a construção de ambientes com melhores condições para a vida

cotidiana de toda e não apenas a parcela privilegiada da população?

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Talvez o importante seja apenas tornar humanos os heróis, reconhecer neles

suas qualidades e seus limites. Compreender que os processos de transformação /

modernização não são totalmente lineares como também não são absolutamente

desconexos e que se dão em múltiplas contribuições, feitas sim por indivíduos

menos ou mais geniais, porém num esforço coletivo, em busca de melhores e mais

qualificadas soluções para os edifícios e para as cidades. Entender a arquitetura e o

urbanismo como um campo profissional que se funda entre técnica e arte, com

central responsabilidade sob o habitat humano em seu mais complexo e

multifacetado sentido – de necessidades, desejos, expressões e representações.

Compreender que a modernidade se funda nesse inexorável processo de renovação

e que ele se dá no movimento entre linguagem falada e linguagem falante em busca

de soluções e alternativas para os problemas da arquitetura e do urbanismo no

avanço do campo e não na inspiração isolada de genialidades iluminadas. Perceber

que a urgência da melhora de qualidade das cidades brasileiras no que pode o

arquiteto contribuir, se dará bem menos ou quase nada pelas excepcionalidades de

obras monumentais e bem mais na qualidade da infinidade de atuações e

intervenções ordinárias.

Por fim, lembrar que talvez bem mais importante que voltar a acariciar a

vaidade nacional com a figuração da arquitetura brasileira nas páginas dos

periódicos internacionais seja importante recuperar aquela alta média da produção

arquitetônica e urbanística, espantosamente detectada por Sigfried Giedion, através

do incentivo à diversidade dos caminhos, do fomento à reflexão crítica severa e do

comprometimento técnico e social da classe profissional e distante da idolatria de

genialidades heroicas e receituários formais paradigmáticos.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 176 – Montagem da autora com capas da revista A CASA.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

Figura 177 – Montagem da autora com capas da revista ARQUITETURA E URBANISMO. Ao centro obras de Lúcio Costa, a
primeira é uma casa neocolonial que é publicada em 1938 e a outra é o Ministério da Educação e Saúde publicado em 1939.

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Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

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Revista da Directoria de Engenharia. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1932-1935.
Trimestral. Índice acumulado. 1932-1935.
Revista Municipal de Engenharia P.D.F. Rio de Janeiro: Prefeitura do Distrito Federal, 1938-1960.
Bimestral / Trimestral. Índice acumulado. 1938-1943.

462
Falas e ecos na formação da Arquitetura Moderna no Brasil
Juliana Cardoso Nery

ANEXO

REVISTA A CASA
LOCALIZAÇÃO DAS EDIÇÕES NOS ACERVOS PESQUISADOS
Ano/Mês Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
1923 01 02
1924 03 04 05 06 07 08
1925 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
1926 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
1927 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44
1928 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56
1929 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68
1930 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79
1931 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
1932 92 93 94 95 96 97 98 99 100 e 101 102 103
1933 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115
1934 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127
1935 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 e 139
1936 140 141 142 143 144 145 e 146 147 148 149 150 151
1937 152 153 e 154 155 156 157 158 e 159 160 161 162 e 163
1938 164 165 166 167 168 e 169 170 171 e 172 173 174 e 175
1939 176 177 178 e 179 180 181 182 183 184 e 185 186 e 187
1940 188 189 e 190 191 192 e 193 194 195 e 196 197, 198 e 199
1941 200 201, 202 e 203 204, 205, 206, 207, 208, 209, 210 e 211
1942 212 213 214 215 216 217 e 218 219 e 220 221 e 222 223
1943 224 225 226 227 228 229 230 231 232 233 234 235
1944 236 237 238 239 240 241 242 243 244 245 246 247
1945 248 249 250 251 252 253 254 e 255 256 e 257
LEGENDA
Biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG (Belo Horizonte/MG)
Biblioteca Paulo Santos – IPHAN (Rio de Janeiro/RJ)
Biblioteca Pública Central dos Barris – Estado da Bahia (Salvador /BA)
Edições não encontradas
Meses sem edições

REVISTA ARQUITETURA E URBANISMO


LOCALIZAÇÃO DAS EDIÇÕES NOS ACERVOS PESQUISADOS
Ano/Mês Jan. / Fev. Mar. / Abr. Mai. / Jun. Jul. / Ago. Set. / Out. Nov. / Dez.
1936 1 2 3 4
1937 1 2 3 4 5 6
1938 1 2 3 4 5 6
1939 1 2 3 4 5 6
1940 1 2 3 4 5e6
1941 1a6
1942 1 2 3 4 5 6
LEGENDA
Biblioteca da Escola de Arquitetura da UFMG (Belo Horizonte/MG)
Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFBA (Salvador /BA)
Edições não encontradas
Meses sem edições

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