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Autorais estão previstas nos Artigos 101 a 110 da Lei 9.610/1998. Os comentários das questões são de
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2019
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*As atualizações em P DF e Vídeo serão disponibilizadas sempre que houver necessidade, em caso de nova lei ou
decisão jurisprudencial relevante, durante o ano da edição do livro.
*Acesso disponível durante a vigência desta edição.
COORDENADORES E AUTORES
SOBRE OS COORDENADORES
Renan Flumian
Professor e Coordenador Acadêmico do IEDI. Mestre em Filosofia do Direito pelaUniversidad de Alicante,
cursou a Session Annuelle D’enseignement do Institut International des Droits de L’Homme, a Escola de
Governo da USP e a Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público. Autor e coordenador de
diversas obras de preparação para Concursos Públicos e o Exame de Ordem. Advogado.
SOBRE OS AUTORES
Savio Chalita
Advogado. Mestre em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos. Professor do CP JUR (Centro Preparatório Jurídico),
Autor de obras para Exame de Ordem e Concursos Públicos. Professor Universitário. Editor do blog
www.comopassarnaoab.com.
A experiência diz que aquele que quer ser aprovado deve fazer três coisas: a)
entender a teoria, b) ler a letra da lei, e c) treinar. As obras da coleção “Como
Passar” cumprem muito bem os dois últimos papéis, pois trazem um número
expressivo de questões, comentadas alternativa por alternativa, inclusive com a
indicação de dispositivos legais a serem lidos. Porém, só o treinamento e a leitura de
lei não são suficientes. É necessário também “entender a teoria”.
A presente obra foi concebida exatamente para cumprir esse papel: trazer uma
Super-Revisão da Teoria, possibilitando uma preparação completa para você atingir
seu objetivo, que é a aprovação.
O livro traz a revisão das 39 disciplinas (impresso e on-line) que mais aparecem
nos principais concursos jurídicos do País.
Mesmo sendo uma obra de revisão, num volume apenas, buscou-se a todo tempo
apresentar o conteúdo mais completo possível, com jurisprudência atualizada e
altíssima sistematização, tornando o livro material de excelentes conteúdo e
qualidade.
Essa já importante e consolidada obra nasceu da experiência prática dos seus
Coordenadores, que após anos como Professores e Coordenadores dos maiores
Cursos Preparatórios do País, perceberam que os examinandos, com a aproximação
das provas de concursos (em qualquer das fases: objetiva, discursiva ou oral),
precisavam de um material que pudesse condensar as principais informações para o
exame, em texto sistematizado e passível de ser lido integralmente em tempo hábil
para uma sólida preparação.
E nesta nova edição trazemos duas grandes novidades aos nossos leitores: 1) os
SHORT VIDEOS que são diversos vídeos de curta duração com dicas de
DISCIPLINAS SELECIONADAS e ATUALIZAÇÃO 2) em PDF e VÍDEO para
complementar os estudos.
É por isso que podemos dizer que, agora, você tem em suas mãos a Revisão dos
Sonhos de quem vai fazer Concursos Jurídicos, revisão essa que certamente será
decisiva para a sua aprovação!
Wander Garcia, Ana Paula Garcia e Renan Flumian
Coordenadores
SUMÁRIO
COORDENADORES E AUTORES
APRESENTAÇÃO
1. DIREITO CIVIL
1.PRINCÍPIOS DO DIREITO CIVIL E LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO –
LINDB
2.PARTE GERAL
5.RESPONSABILIDADE CIVIL
7.DIREITO DE FAMÍLIA
2.PROCESSO DE CONHECIMENTO
6.REVOGAÇÕES E VIGÊNCIA
3. DIREITO PENAL
PARTE GERAL
1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O DIREITO PENAL
7.DAS PENAS
8.CONCURSO DE CRIMES
10.LIVRAMENTO CONDICIONAL
12.MEDIDAS DE SEGURANÇA
PARTE ESPECIAL
1.CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DOS CRIMES. INTRODUÇÃO À PARTE ESPECIAL DO CP
3.LESÃO CORPORAL
4. PROCESSO PENAL
1.LINHAS INTRODUTÓRIAS
8.AÇÃO PENAL
10.JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
12.PROVA
13.SUJEITOS PROCESSUAIS
15.CITAÇÕES E INTIMAÇÕES
16.SENTENÇA PENAL
17.PROCEDIMENTOS PENAIS
18.NULIDADES
19.RECURSOS
REFERÊNCIAS
5. DIREITO CONSTITUCIONAL
1.INTRODUÇÃO
3.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
4.ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
8.PODER CONSTITUINTE
10.CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
11.ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
14.ESTADOS DE EXCEÇÃO
15.ORDEM ECONÔMICA
16.ORDEM SOCIAL
6. DIREITO ADMINISTRATIVO
1.REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO
4.ATOS ADMINISTRATIVOS
6.AGENTES PÚBLICOS
7.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
8.BENS PÚBLICOS
11.LICITAÇÃO PÚBLICA
12.CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
13.SERVIÇO PÚBLICO
7. DIREITO TRIBUTÁRIO
1.INTRODUÇÃO
2.TRIBUTO – DEFINIÇÃO
3.ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
5.IMUNIDADES
6.PRINCÍPIOS
7.LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
10.LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
11.SUJEIÇÃO PASSIVA
13.IMPOSTOS EM ESPÉCIE
15.ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
16.PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO
17.AÇÕES TRIBUTÁRIAS
19.SIMPLES NACIONAL
8. DIREITO EMPRESARIAL
1.TEORIA GERAL DO DIREITO EMPRESARIAL
2.DIREITO SOCIETÁRIO
3.TÍTULOS DE CRÉDITO
4.PROPRIEDADE INDUSTRIAL
5.CONTRATOS EMPRESARIAIS
6.DIREITO FALIMENTAR
9. DIREITO ELEITORAL
CAPÍTULO 1
1.CONCEITO
2.OBJETO E FONTE
3.COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
CAPÍTULO 2
1.DIREITOS POLÍTICOS
2.ALISTAMENTO ELEITORAL
3.DOMICÍLIO ELEITORAL
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
1.CRIMES ELEITORAIS E O PROCESSO PENAL NOS CRIMES ELEITORAIS
CAPÍTULO 5
1.PROPAGANDA POLÍTICA
CAPÍTULO 6
1.FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS
4.PRESTAÇÃO DE CONTAS
CAPÍTULO 7
1.AÇÕES E RECURSOS ELEITORAIS
CAPÍTULO 8
1.JUSTIÇA ELEITORAL
CAPÍTULO 9
1.IMPEACHMENT
10. PROCESSO CIVIL COLETIVO E TUTELA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS SOCIAIS
1.NOÇÕES GERAIS
4.COMPETÊNCIA
10.SENTENÇA E CONGRUÊNCIA
11.SISTEMA RECURSAL
12.REMESSA NECESSÁRIA
13.COISA JULGADA
18.DA RECOMENDAÇÃO
2.LEGISLAÇÃO
8.PRÁTICAS COMERCIAIS
9.PROTEÇÃO CONTRATUAL
2.CONCEITOS BÁSICOS
7.LICENCIAMENTO AMBIENTAL
2.DIREITOS FUNDAMENTAIS I
8.MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS I
2.DIREITO FUNDAMENTAIS
3.MEDIDAS DE PROTEÇÃO
5.ACESO À JUSTIÇA
6.CRIMES
6.OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
4.PROTEÇÃO À CONCORÊNCIA
2.TERRAS PÚBLICAS
6.CONTRATOS AGRÁRIOS
3.PROPRIEDADE URBANÍSTICA
3.FUNDAMENTOS
5.TRATADO
6.ESTADO
7.ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
8.SER HUMANO
9.RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
10.DIREITO COMUNITÁRIO
11.TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL (TPI)
2.FONTES
5.COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
1. DIREITO CIVIL
4.CONTRATOS
9.DISPOSIÇÕES FINAIS
6. DIREITO ADMINISTRATIVO
15.PROCESSO ADMINISTRATIVO
16.CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
3.RECEITAS
4.DESPESAS
5.EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA
6.OPERAÇÕES DE CRÉDITO
7.DÍVIDA PÚBLICA
8.PRECATÓRIOS
10.TRANSPARÊNCIA
2.CONCEITO
4.TITULARIDADE
5.MUNICÍPIOS
6.CÓDIGO FLORESTAL
8.UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
9.SANEAMENTO BÁSICO
10.QUALIDADE DA ÁGUA
2.PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
3.DIREITO À EDUCAÇÃO
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
5.CLASSIFICAÇÃO
7.DIREITO HUMANITÁRIO
13.INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
3.MILITAR
4.CRIME MILITAR
5.TEORIA DO CRIME MILITAR – FATO TÍPICO
8.CONCURSO DE PESSOAS
9.PENAS PRINCIPAIS
10.PENAS ACESSÓRIAS
11.MEDIDA DE SEGURANÇA
12.APLICAÇÃO DA PENA
14.LIVRAMENTO CONDICIONAL
15.EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
16.AÇÃO PENAL
17.ASSUNTOS DIVERSOS
3.COMPETÊNCIA
5.PROCESSOS EM ESPÉCIE
6.PROVAS
7.PRISÃO PROVISÓRIA
8.PRISÃO EM FLAGRANTE
9.PRISÃO CAUTELAR
10.PRISÃO PREVENTIVA
11.MENAGEM
13.LIBERDADE PROVISÓRIA
14.JULGAMENTO
15.RECURSOS
21.COMPETÊNCIA – JULGAMENTOS
I. HERMENÊUTICA
1.INTRODUÇÃO
V. SUPERANDO O DILEMA
1.PRÁTICA DA INTERPRETAÇÃO
2.INTERPRETAÇÃO LÓGICA
X. INTERPRETAÇÃO E PODER
1.PODER DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
3.NORMA JURÍDICA
4.RELAÇÃO JURÍDICA
5.FONTES DO DIREITO
2.KARL MARX
3.ÉMILE DURKHEIM
4.MAX WEBER
8.CULTURA E DIREITO
13.JURISTAS E SOCIÓLOGOS
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
BIBLIOGRAFIA
2.ARGUMENTAÇÃO E VALIDADE
3.ARGUMENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO
35. CRIMINOLOGIA
1.CONCEITO
2.MÉTODO
3.FUNÇÕES
10.TEORIA DA ANOMIA
14.VITIMOLOGIA
3.DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS
4.ANTROPOLOGIA FORENSE
5.TRAUMATOLOGIA FORENSE
6.PSICOPATOLOGIA FORENSE
7.TOXICOLOGIA FORENSE
8.TANATOLOGIA
9.BALÍSTICA
10.SEXOLOGIA
3.CONTRATO DE TRABALHO
5.ASSÉDIO MORAL
7.REMUNERAÇÃO E SALÁRIO
8.DURAÇÃO DO TRABALHO
2.ORGANIZAÇÃO SINDICAL
4.GREVE
4.PARTES E PROCURADORES
5.DISSÍDIO INDIVIDUAL
6.RECURSOS
7.EXECUÇÃO
8.AÇÕES ESPECIAIS
2.POSTURA INTERPRETATIVA
3.TIPOS DE TEXTO
4.INSTRUMENTOS DE INTERPRETAÇÃO
5.FIGURAS DE LINGUAGEM
PARTE II – GRAMÁTICA
1.FONÉTICA
2.ORTOGRAFIA
3.PONTUAÇÃO
4.MORFOLOGIA
5.COLOCAÇÃO PRONOMINAL
6.CONCORDÂNCIA
7.REGÊNCIA
8.ANÁLISE SINTÁTICA
4.INTEGRIDADE DO TEXTO
1.2.2.Fontes do Direito
Quando se pergunta “quais são as fontes do Direito”, fica sempre a dúvida sobre
a qual fonte a indagação se refere. Existem fontes criadoras do Direito (legislador,
por exemplo). Há fontes formais do Direito (a lei, por exemplo). Há fontes históricas
do Direito (fatos históricos marcantes que deram origem à modificação de uma lei).
As fontes formais do Direito podem ser divididas em duas espécies: principais e
acessórias.
A s fontes formais principais são: a lei, a analogia, o costume e os princípios
gerais do direito. Como adotamos o sistema romano-germânico, de início, só a lei é
fonte formal principal. Apenas em caso de lacuna é que se admite que o aplicador se
valha da analogia, do costume e dos princípios gerais, nessa ordem, como fonte
formal jurídica (art. 4° da LINDB).
Para completo entendimento do assunto, é importante destacar que, por lei, deve-
se entender norma constitucional, lei ordinária, lei complementar, lei delegada,
resolução legislativa, decreto legislativo e medida provisória.
Já as fontes formais secundárias ou acessórias são: os decretos, as resoluções
administrativas, as instruções normativas, as portarias etc. São acessórias pois
guardam obediência a uma fonte principal.
Doutrina e jurisprudência são consideradas, tradicionalmente, como fontes não
formais ou fontes indiretas (mediatas). Isso porque trazem preceitos não vinculantes.
São também consideradas fontes meramente intelectuais ou informativas.
Há de se fazer alguns temperamentos com relação à jurisprudência. Isso porque,
apesar de um entendimento reiterado pelos tribunais não ter força de lei, a Emenda
Constitucional 45/2004 estabeleceu que o Supremo Tribunal Federal poderá, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula, que terá efeito
vinculante e incidirá sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas acerca das quais haja controvérsia (art. 103-A da CF).
Tais súmulas, ainda que declarativas em relação ao que é Direito, poderão ser
consideradas verdadeiras fontes formais, já que têm eficácia erga omnes.
1.2.3.Lei
1.2.3.1.Conceito e características
Em sentido estrito, pode-se conceituar a lei como o ato do Poder Legislativo
imperativo, geral, originário e autorizador de se exigir do Estado a garantia de seu
cumprimento mediante o uso de coação física, se necessário.
1.2.3.2.Classificação
As leis podem ser classificadas a partir de diversos critérios. Vejamos alguns:
a) Quanto à sua natureza: podem ser substantivas ou adjetivas.
Substantivas são as que estabelecem os direitos e deveres das pessoas em suas
atividades e relações pessoais e profissionais. São também chamadas de materiais.
Adjetivas são as que regulamentam os atos de um processo, o qual tem por
objetivo fazer valer as normas materiais. São também chamadas de normas
processuais ou formais;
b) Quanto à hierarquia: são escalonadas em constitucionais, complementares e
ordinárias. As normas complementares estão em posição superior às ordinárias, não
só porque exigem quórum especial (art. 69 da CF), como porque, segundo a
Constituição, têm o condão de dispor sobre a elaboração das leis (art. 59, parágrafo
único), o que se deu com a edição da Lei Complementar 95/1998;
c) Quanto à competência ou extensão territorial: são federais, estaduais/distritais e
municipais;
d) Quanto ao alcance: podem ser gerais ou especiais.
Gerais são as que regulam uma dada relação jurídica, a par de outra lei que
regula um determinado aspecto daquela relação. Assim, o Código Civil, ao tratar do
contrato de locação é uma lei geral (arts. 565 e ss.), ao passo que a Lei 8.245/1991 é
uma lei especial, pois trata apenas de um determinado aspecto da locação, no caso a
locação de imóvel urbano.
Especiais são as que regulam sozinhas uma relação jurídica por inteiro ou um
determinado aspecto de uma relação jurídica regulada de modo genérico por outra
lei. Além da Lei de Locações, podem ser citados o Código de Defesa do Consumidor
e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
A classificação é importante para efeito de se descobrir qual é a lei aplicável ao
caso concreto. Entre uma lei especial e uma lei geral, ainda que a lei geral seja
posterior, deve-se aplicar a lei especial. Isso porque se presume que esta tratou com
mais detalhe do assunto.
É importante ressaltar que uma lei pode ser especial em relação a uma e geral
em relação a outra. Por exemplo, em relação à compra e venda prevista no Código
Civil, as normas sobre o assunto previstas no CDC são especiais. Mas em relação à
Lei de Alienação Fiduciária (Decreto-Lei 911/1969), as normas do CDC são
consideradas gerais.
Outra observação importante é que uma lei pode ser especial e ao mesmo tempo
principiológica. É o caso do CDC. Em relação ao CC, trata-se de uma lei especial.
Em relação a outras leis especiais, como se viu acima, pode ser considerada lei geral.
Nada obstante, como o CDC traz uma série de princípios, e como os princípios são
normas que se sobrepõem a meras regras, é possível que o CDC prevaleça em relação
a uma lei que, em princípio, traz normas especiais em relação às suas. Só que isso só
acontecerá quando houver um conflito entre um princípio do CDC e uma mera regra
da lei especial. É o que aconteceu em matéria de indenização por extravio de
bagagens. Em que pese haver leis estipulando um tabelamento na indenização,
prevalece na jurisprudência do STJ o princípio da reparação integral dos danos (art.
6°, VI, CDC).
1.2.3.4.Vigência da lei
1.2.3.4.1.Princípio da obrigatoriedade
Ao conceituarmos a lei, vimos que é um ato imperativo, um ato que prescreve
conduta às pessoas. De nada valeria a lei se os destinatários de seus comandos
tivessem a faculdade de cumpri-los ou não. É fundamental para a efetividade da
ordem jurídica que as pessoas sejam de fato obrigadas a cumprir a lei.
Nesse sentido, o art. 3° da LINDB dispõe que “ninguém se escusa de cumprir a
lei, alegando que não a conhece”. Esse dispositivo consagra o princípio da
obrigatoriedade (ignorantia legis neminem excusat).
A justificativa do princípio apresenta três teorias: a) a da presunção legal de que
a lei, publicada, passa a ser de conhecimento de todos; b) a da ficção de que todos
passam a conhecer a lei com sua publicação; c) e a da necessidade social de que
assim seja, possibilitando uma convivência harmônica. Esta é a teoria mais aceita.
A Lei das Contravenções Penais, em seu art. 8°, mitiga o princípio ao dispor que
“no caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusáveis, a pena pode
deixar de ser aplicada”.
A ignorância da lei, nos demais casos, é inescusável. O que se admite é que haja
um erro (não ignorância) sobre a ilicitude do fato (art. 21 do CP) ou de direito (art.
139, III, do CC), a ensejar isenção ou diminuição de pena no primeiro caso e
anulabilidade no segundo.
1.2.3.5.Aplicação da lei
1.2.3.5.1.Interpretação da lei
Interpretar é extrair o sentido e o alcance da lei, com vistas a sua posterior
aplicação.
A interpretação que nos interessa não é um fim em si mesmo. Ela objetiva extrair
da lei normas jurídicas para aplicação aos casos concretos, possibilitando que o
Direito cumpra seu papel de garantir uma convivência justa entre as pessoas.
A grande questão é que a lei é estática em relação à realidade fenomênica. As
leis permanecem vigentes anos a fio, ao passo que os fatos e valores sociais mudam
com maior rapidez. É por isso que compete ao intérprete extrair da lei normas
jurídicas, atentando para a situação fático-valorativa em que se encontram os fatos a
serem subsumidos para efeito de aplicação da lei.
Cabe ao intérprete, portanto, dar vida ao texto da lei. Nesse sentido, várias
comparações são feitas pela doutrina. O intérprete está para a lei, assim como o ator
está para o texto que irá representar, ou assim como o cantor está para o texto da
música que irá cantar. Atores e cantores darão vida àqueles textos, a partir da técnica
e da emoção. Intérpretes darão vida aos textos de lei, a partir de técnicas que
considerem os fenômenos fáticos e valorativos que envolvem a questão.
A s técnicas interpretativas são tão importantes que, para seu estudo, foi se
formando uma verdadeira ciência, que é chamada de hermenêutica. Pode-se defini-
la, portanto, como a ciência da interpretação.
A técnica gramatical consiste em verificar o significado das palavras, isolada
e sintaticamente, atendendo à pontuação e à colocação dos vocábulos. Usa-se
também a expressão interpretação literal para fazer referência a essa técnica.
A técnica lógica consiste na análise dos períodos da lei, combinando-os entre
si mediante um raciocínio lógico, de modo a se atingir uma perfeita
compatibilidade.
A técnica sistemática consiste em relacionar os vários dispositivos legais que
guardam pertinência com o tema no sistema jurídico, de modo a buscar uma
resposta única e trabalhada.
A técnica histórica consiste em averiguar os antecedentes da norma, desde as
circunstâncias fáticas e valorativas que a precederam (occasio legis) até as
discussões e deliberações legislativas, de modo a verificar a razão de sua
existência (ratio legis).
A técnica teleológica consiste em averiguar o sentido e o alcance da lei
partindo dos fins sociais a que ela se dirige, bem como adaptando-a às exigências
do bem comum (art. 5° da LINDB).
A utilização das técnicas de interpretação pode levar a resultados declarativos
(ou especificadores), restritivos e extensivos. Em determinadas matérias existem
óbices, decorrentes de sua própria natureza, a alguns dos resultados possíveis. Por
exemplo, em Direito Penal, não se pode interpretar um tipo penal de modo a que se
chegue a um resultado extensivo em relação ao texto da lei. Quando se tem uma
exceção, também não se pode interpretar de modo a que se chegue a um resultado
extensivo. A própria ordem jurídica se encarrega de colocar óbices a determinados
resultados. O art. 114 do CC, por exemplo, dispõe que os negócios jurídicos
benéficos (como uma doação) e a renúncia “interpretam-se estritamente”.
2. PARTE GERAL
2.1.Pessoas naturais
2.1.1.Generalidades
O Direito regula a relação jurídica entre as pessoas. E quais são os elementos de
uma relação jurídica? São três: a) sujeitos de direito, que são os entes que podem
fazer parte de uma relação jurídica, normalmente pessoas (um animal, por exemplo,
não pode fazer parte de uma relação jurídica, mas apenas ser um objeto dela); b) um
objeto, que é, de modo imediato, uma obrigação (de dar, de fazer de não fazer), e, de
modo mediato, o bem da vida buscado (um móvel, um imóvel, um semovente, a honra,
a vida etc.); e c) um acontecimento que faz nascer a tal relação, uma vez que não é
qualquer fato do mundo fenomênico que gera uma “relação jurídica”, sendo
necessário que essa situação esteja prevista numa norma jurídica como apta a fazer
criar, a modificar ou a extinguir um direito.
A partir da noção do que regula o Direito (relação jurídica) e de que somente
pessoas (naturais ou jurídicas) podem fazer parte de uma relação jurídica, mostra-se,
assim, a importância de estudar as pessoas. Excepcionalmente, um ente não
personalizado, ou seja, alguém que não seja uma pessoa também poderá fazer parte de
uma relação jurídica, como o espólio e o nascituro. De qualquer forma, vamos ao
estudo das pessoas naturais, que, como se viu, são, por excelência, elementos
essenciais das relações jurídicas.
2.1.3.Personalidade
Personalidade é a qualificação conferida pela lei a certos entes, que entrega a
esses aptidão ou capacidade genérica para adquirir direitos e contrair obrigações.
Ou seja, é uma qualificação legal que confere capacidade jurídica a certos entes. O
direito confere tal qualificação jurídica a toda pessoa, inclusive à pessoa jurídica.
Assim, a personalidade pode ser vista como o atributo que a ordem jurídica
confere a entes de adquirir/contrair genericamente direitos e obrigações. Quem tem
personalidade é, então, sujeito de direito, qualificação que não se pode dar a um
animal, por exemplo, já que tais entes não podem adquirir direitos ou contrair
obrigações.
Para atuar na vida jurídica é necessário, como regra, ter personalidade jurídica.
A origem da palavra traz esse sentido. Em latim, persona significa a máscara que os
atores usavam para a amplificação de sua voz. Para atuar no teatro, portanto, tais
máscaras também eram necessárias (per sonare).
Deve-se tomar cuidado com a expressão “sujeito de direito”, visto que há entes
que não têm personalidade, mas que são sujeitos de direitos, tais como o nascituro, o
espólio, a massa falida, o condomínio edilício, a herança jacente e a herança vacante.
Neste caso, não existe aptidão genérica para contrair direitos e obrigações, mas
aptidão específica para contrair certos direitos e certas obrigações ligadas às
finalidades do ente.
Enquanto uma pessoa, sujeito de direito personificado, por ter personalidade,
pode fazer tudo o que a lei não proíbe (art. 5°, II, da CF), umsujeito de direito não
personificado só pode fazer o que a lei permite.
O nascituro, por exemplo, não tem personalidade jurídica, mas a lei põe a salvo,
desde a concepção, direitos que possa ter (art. 2° do CC). Isso significa que o
nascituro é um sujeito de direito, mas não quer dizer que tenha personalidade, ou seja,
que tenha aptidão genérica para realizar atos e negócios jurídicos.
O condomínio edilício também. Não tem personalidade, ou seja, não tem
qualificação que o habilita a praticar qualquer ato jurídico que não seja proibido em
lei, mas, por ser um sujeito de direito despersonificado, só está habilitado a praticar
atos permitidos expressa ou implicitamente em lei, como contratar funcionários e
serviços de manutenção. A massa falida também é um sujeito de direito
despersonificado, tendo autorização especial para praticar atos úteis à administração
dos bens arrecadados do empresário falido, podendo cobrar créditos desse, por
exemplo.
Resta saber quando um ente passa a ser qualificado como dotado de
personalidade. Ou seja, quando se tem o início da personalidade. No que concerne à
pessoa jurídica, veremos em capítulo próprio. Quanto à pessoa natural, dispõe o art.
2° do CC que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”.
O entendimento predominante sobre o que seja nascimento com vida é no sentido
de que este se dá no exato instante em que a pessoa dada à luz respira. São dois
requisitos, portanto: a) separação do ventre materno; e b) respiração. Das múltiplas
funções vitais, o primeiro movimento de inspiração do ar atmosférico para os
pulmões caracteriza o nascimento com vida. Caso respire, ainda que uma só vez,
pode-se dizer que nasceu com vida, e que, portanto, chegou a adquirir personalidade,
pouco importando se tem ou não forma humana e se tem ou não aptidão, perspectiva
para viver4.
Adotamos, portanto, a teoria natalista, segundo a qual o nascimento com vida faz
nascer a personalidade, em detrimento de outras teorias, como a concepcionista, para
qual a personalidade já se inicia com a fecundação do óvulo e as que consideram que
o início da personalidade depende de outros fatores, como a viabilidade de vida.
De qualquer forma, ainda que em perfeito estado quanto às demais faculdades de
saúde, caso o ente que venha a nascer (separe-se do ventre materno) não respire, não
terá adquirido personalidade. A entrada de ar nos pulmões da criança é que determina
a aquisição da personalidade, ainda que por pouco instantes. Há vários exames
periciais para que se faça tal constatação e o mais conhecido é a docimasia
hidrostrática de Galeno, pela qual se coloca fragmentos dos pulmões em meio
líquido, a fim de se verificar se houve ou não inspiração.
O nascituro, ou seja, aquele que já foi concebido, mas ainda não nasceu com
vida, não tem personalidade, como se viu. Todavia, dispõe o art. 2° do CC que “a lei
põe a salvo, desde a concepção”, seus direitos. Em outras palavras, o nascituro é um
sujeito de direito despersonificado. Grande parte dos direitos atribuídos a esse
sujeito de direito tem sua aquisição subordinada à implementação de uma condição
suspensiva, qual seja, a de que nasça com vida. Caso nasça com vida, o direito do
nascituro se consolida como existente desde a data da concepção, retroagindo,
portanto, seus efeitos.
De qualquer forma, permite a lei que determinados interesses possam ser
protegidos desde a concepção, por meio de provimentos cautelares. Dentre seus
direitos, vale lembrar os direitos à vida (art. 5° da CF e CP), à filiação (art. 1.596 do
CC), à integridade física, a alimentos, a uma adequada assistência pré-natal (art. 8°
do ECA), a um curador que represente e zele por seus interesses, a ser contemplado
por doação (art. 542 do CC), dentre outros.
2.1.4.Capacidade jurídica
Capacidade jurídica pode ser conceituada como a aptidão conferida pela
ordem jurídica para adquirir direitos e contrair obrigações5.
Só tem capacidade jurídica, ou seja, capacidade para praticar atos jurídicos, os
entes eleitos pelo Direito. É a ordem jurídica que dirá quem tem capacidade.
Ao distribuir capacidade a certos entes o Direito faz algumas distinções. É por
isso que há três espécies de capacidade: a) a capacidade de direito (de gozo ou de
fruição); b) a capacidade de fato (ou de exercício); e c) a capacidade excepcional (ou
especial).
Capacidade de direito consiste na aptidão genérica conferida pela ordem
jurídica para adquirir direitos e contrair deveres.
Capacidade de fato consiste na aptidão genérica conferida pela ordem jurídica
para, sozinho, adquirir direitos e contrair deveres.
Capacidade excepcional consiste na aptidão especial conferida pelo Direito
para adquirir direitos e contrair deveres.
No primeiro caso, repare que a aptidão é genérica, ou seja, é possível adquirir
todos os direitos e contrair todos os deveres que não forem vedados. Essa aptidão
genérica para a prática de atos da vida civil é consequência de se ter personalidade,
pois, segundo o CC, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (art.
1°). Assim, uma criança de três anos, um adulto, uma pessoa jurídica, todos, só por
serem pessoas, terão capacidade de direito. Isso possibilita que uma criança receba
uma herança (aquisição de direitos) e tenha um imóvel em seu nome locado (o que
importa em contrair deveres).
No segundo caso, repare que a pessoa pode praticar sozinha os atos da vida
jurídica. Trata-se de um plus. Confere-se aqui a possibilidade de se adquirir um
direito e de se contrair uma obrigação por si só, ou seja, sem que seja necessário que
o interessado seja representado ou assistido por outrem. Aqui é diferente. Nem toda
pessoa tem a capacidade de fato. Não seria conveniente, por exemplo, que uma
criança de três anos, que tem capacidade para adquirir direitos e contrair deveres,
exercesse-os sozinha. Como regra, só tem capacidade de fato ou de exercício os
maiores de dezoito anos.
Assim, uma criança pode receber uma doação (uma vez que, por ter
personalidade, tem capacidade de direito, pode adquirir direitos) e também pode
vender bens (já que, repita-se, tem aptidão genérica não só para adquirir direitos,
como para contrair obrigações), mas não poderá praticar tais atos pessoalmente
(diretamente), mas apenas por meio de seu representante legal (seus pais, por
exemplo). Vale dizer, os pais dessa criança é que assinarão o contrato de compra e
venda do bem que essa pessoa adquirir. Caso uma pessoa não tenha capacidade de
fato, terá de ser representada ou assistida por outra pessoa, na forma da lei. Ou seja,
quem não tiver capacidade de fato dependerá da mediação de outro para a prática de
atos jurídicos válidos.
No terceiro caso, repare que o ente não tem aptidão genérica, mas aptidão
especial. Não pode fazer tudo o que a lei não proíbe (aptidão genérica). Só pode fazer
o que a lei autoriza (aptidões excepcionais). Essa terceira capacidade é própria
daqueles entes que não são pessoas, mas em favor dos quais a lei faculta a prática de
certos atos da vida jurídica. É o caso do nascituro, do espólio, da massa falida etc. O
espólio não pode praticar qualquer ato, mas somente aqueles que a lei autoriza, e,
mesmo assim, mediante autorização judicial como regra.
Diante das duas primeiras situações, surgem mais dois conceitos: a) o de
capacidade de plena; e b) o de incapacidade.
Capacidade plena é a que decorre da titularização das capacidades de direito e
de fato.
Incapacidade é a inexistência de parte ou de toda capacidade de fato. A
incapacidade pode ser relativa ou absoluta. Será relativa quando não se tenha parte da
capacidade de fato, como ocorre com o pródigo, por exemplo, que pode praticar
alguns atos jurídicos sozinhos e outros, não. Será absoluta quando não haja qualquer
capacidade de fato, como ocorre com uma criança de três anos, por exemplo.
Em outras palavras: na incapacidade ou se estará diante de um absolutamente
incapaz (aquele que não pode praticar sozinho nenhum ato, devendo ser representado)
ou de um relativamente incapaz (aquele que não pode praticar sozinho alguns atos,
devendo ser assistido por alguém com capacidade plena para a sua prática).
É importante notar que a expressão “incapacidade” no Código Civil (arts. 3° e
4°) só se refere às pessoas, ficando de fora a análise da terceira situação (capacidade
especial ou excepcional).
2.1.5.Legitimação
Não se deve confundir o instituto da capacidade, que abrange a capacidade de
direito e de fato, como vimos, com o da legitimação.
A legitimação consiste na aptidão específica do sujeito de direito para a
prática de certos atos jurídicos. A capacidade consiste na aptidão genérica para a
prática de atos.
Assim, uma pessoa adulta, mesmo tendo capacidade (de direito e de fato) para
praticar atos da vida civil, não tem legitimação para vender um imóvel a um dos
filhos, sem autorização de seu cônjuge e dos demais descendentes (art. 496 do CC).
Tem capacidade plena para vender seus bens, podendo fazê-lo em relação à pessoa
que quiser num primeiro momento, mas não tem legitimação para fazê-lo em relação a
um de seus filhos, sem que haja autorização dos demais. Se o fizer, o ato será inválido
não por falta de capacidade, mas por falta de legitimação, ou seja, por falta de
aptidão específica para a prática do ato “compra e venda”.
A ilegitimação, portanto, pode ser conceituada como a restrição específica ao
sujeito de direito para a prática de determinados atos da vida civil com certas
pessoas ou em relação a certos negócios ou bens. São impedimentos circunstanciais.
Outros exemplos de ilegitimidade são os seguintes: o tutor não pode adquirir bem do
tutelado (art. 1.749, I, do CC); o casado, exceto no regime de separação absoluta de
bens, não pode alienar imóveis sem a autorização do outro cônjuge (art. 1.647, I, do
CC); o que comete ato de indignidade não pode herdar (art. 1.814, II, do CC); os
casos de impedimento matrimonial (art. 1.521 do CC).
2.1.6.Incapacidade
Incapacidade também pode ser conceituada como a restrição legal genérica ao
exercício dos atos jurídicos. Outro conceito é o seguinte: inexistência de parte ou de
toda capacidade de fato.
Toda pessoa tem capacidade de direito (ou de gozo). Portanto, a incapacidade a
que faz referência a lei (arts. 3° e 4°) é tão somente a incapacidade de fato (ou de
exercício).
Como já dito, não seria conveniente, por exemplo, que uma criança de três anos,
que tem capacidade para adquirir direitos e contrair deveres, exercesse-os sozinha.
Passemos, então, ao estudo dos absolutamente e dos relativamente incapazes.
2.1.7.Absolutamente incapazes
Absolutamente incapazes são os que não podem exercer sozinhos qualquer ato
jurídico (art. 3° do CC).
Ou seja, são os completamente privados de praticar, por si sós, atos da vida civil.
A prática de atos em seu nome só poderá ser feita por representantes, que assinam
sozinhos os atos, sob pena de nulidade absoluta daqueles por ventura realizados
pessoalmente pelo incapaz (art. 166, I, do CC).
O absolutamente incapaz, apesar de ter (de gozar) o direito, não pode exercer
direta e pessoalmente nenhum aspecto dos atos da vida jurídica a ele relativos, que
são praticados diretamente por seu representante legal, sob pena de serem declarados
atos nulos.
A representação supre a incapacidade absoluta e é feita pelos pais, na hipótese
de se tratar de menor sob o poder familiar (art. 1.690 do CC); pelo tutor, na hipótese
de menor sob tutela (art. 1.747, I, do CC); e, quando a lei trazia outras hipóteses além
da do menor de 16 anos, como absolutamente incapaz, pelo curador, nos demais casos
(arts. 1.781 e 1.747, I, do CC).
A representação legal, ora comentada, não se confunde com a representação
convencional (mandato). De qualquer forma, aplica-se às duas hipóteses o art. 119 do
CC, pelo qual é “anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de
interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser de conhecimento de quem
com aquele tratou” (g.n.).
A incapacidade absoluta, portanto, pode ser conceituada como a proibição total
do exercício do direito pelo incapaz . O direito é tão radical nesse ponto que, ainda
que os atos beneficiem os absolutamente incapazes, serão nulos se não praticados por
seus representantes.
Confiram-se as espécies de absolutamente incapazes antes da modificação no art.
3° do Código Civil, promovida pelo art. 114 da Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa
com Deficiência), que passou a considerar absolutamente incapazes apenas os
menores de 16 anos:
a) Os menores de 16 anos.
Os menores de 16 anos não teriam, segundo a lei, atingido o discernimento para
distinguir o que podem ou não fazer e mesmo para discernir o que lhes é ou não
conveniente.
Tais menores eram chamados de impúberes, reservando-se a expressão menores
púberes aos que tinham entre 16 e 18 anos. Essas denominações são impróprias em
relação ao que dispõe hoje a lei, visto que a puberdade não se inicia aos 16 anos, mas
bem antes.
b) Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática dos atos da vida civil.
Fábio Ulhoa Coelho distingue enfermidade de deficiência mental. Diz que
deficiência mental é um estado e, como tal, em poucos casos, poderá ser evitada ou
curada. Já a enfermidade mental é uma lesão à saúde, de efeitos mais ou menos
prolongados, com maior possibilidade de cura.
Assim, aquele que é são e passa a desenvolver uma doença mental deve ser
considerado um enfermo mental; aquele que já nascer com o problema mental, um
deficiente mental.
P o d e mo s conceituar enfermidade ou deficiência mental como o
comprometimento das faculdades mentais que possibilitam à pessoa discernir o que
melhor atende ao seu bem-estar.
Mas não basta que haja uma enfermidade ou uma deficiência mental para que se
configure essa espécie de absolutamente incapaz. É necessário que, de tal problema,
resulte a ausência do necessário discernimento para a prática de atos da vida civil.
Ou seja, é necessário que a pessoa não tenha um mínimo de discernimento para a
prática dos atos da vida civil. Quando a lei faz referência à ausência do necessário
discernimento, só pode ter em mente, dada a gravidade da restrição, aqueles que não
têm discernimento nenhum para a prática de atos. Assim, deve-se ler a expressão “não
tiverem o necessário discernimento” como “não tiverem o mínimo discernimento” ou
“não tiverem discernimento algum”. Aquele que tem algum discernimento, mas que
seja um discernimento reduzido, será um relativamente incapaz, como se verá.
A senilidade, por si só, não é causa bastante para que a pessoa seja interditada, o
que somente se dará se a velhice por ventura originar um estado patológico, como a
arteriosclerose, devendo-se verificar se de fato o discernimento sofreu abalo. Se a
doença apenas o reduziu, o idoso será considerado relativamente incapaz; se o
extirpou por completo, absolutamente incapaz.
Também não gera a incapacidade jurídica a deficiência física. Um cego ou surdo,
por exemplo, são pessoas capazes, podendo exercer diretamente seus direitos e
deveres. Tornam-se incapazes ou plenamente capazes nas mesmas situações que o não
deficiente físico.
O que existe são algumas regras protetivas em determinadas situações, como na
feitura do testamento, na qual o cego, por exemplo, só pode fazê-lo na modalidade
pública (art. 1.867 do CC).
Novidade trazida pelo atual Código Civil era a possibilidade de o enfermo (não
necessariamente mental) e o deficiente físico, voluntariamente, requererem que o juiz
nomeie curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens (art. 1.780),
tudo a facilitar a prática de atos de seu interesse. Tal situação se assemelha a um
mandato, com a diferença de que o curador tem o dever de prestar contas com muito
mais rigor. Difere da curatela normal pelo fato de o curatelado poder, a qualquer
tempo, pedir seu levantamento.
Essa disposição do art. 1.780 do Código Civil foi revogada pela Lei
13.146/2015, que, no seu lugar criou o instituto da “Tomada de Decisão Apoiada”,
previsto no art. 1.783-A, o qual tem o seguinte teor:
“Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo
menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-
lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações
necessários para que possa exercer sua capacidade.
§ 1° Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores devem
apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores,
inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que
devem apoiar.
§ 2° O pedido de tomada de decisão apoiada será requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação
expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio previsto no caput deste artigo.
§ 3° Antes de se pronunciar sobre o pedido de tomada de decisão apoiada, o juiz, assistido por equipe
multidisciplinar, após oitiva do Ministério Público, ouvirá pessoalmente o requerente e as pessoas que lhe
prestarão apoio.
§ 4° A decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que
esteja inserida nos limites do apoio acordado.
§ 5° Terceiro com quem a pessoa apoiada mantenha relação negocial pode solicitar que os apoiadores contra-
assinem o contrato ou acordo, especificando, por escrito, sua função em relação ao apoiado.
§ 6° Em caso de negócio jurídico que possa trazer risco ou prejuízo relevante, havendo divergência de opiniões
entre a pessoa apoiada e um dos apoiadores, deverá o juiz, ouvido o Ministério Público, decidir sobre a
questão.
§ 7° Se o apoiador agir com negligência, exercer pressão indevida ou não adimplir as obrigações assumidas,
poderá a pessoa apoiada ou qualquer pessoa apresentar denúncia ao Ministério Público ou ao juiz.
§ 8° Se procedente a denúncia, o juiz destituirá o apoiador e nomeará, ouvida a pessoa apoiada e se for de seu
interesse, outra pessoa para prestação de apoio.
§ 9° A pessoa apoiada pode, a qualquer tempo, solicitar o término de acordo firmado em processo de tomada
de decisão apoiada.
§ 10. O apoiador pode solicitar ao juiz a exclusão de sua participação do processo de tomada de decisão
apoiada, sendo seu desligamento condicionado à manifestação do juiz sobre a matéria.
§ 11. Aplicam-se à tomada de decisão apoiada, no que couber, as disposições referentes à prestação de
contas na curatela.”
c) Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Não poder exprimir a vontade é o mesmo que ter obstruída, por motivo físico ou
psíquico, a possibilidade de manifestação da vontade. Quem estiver nessa condição,
ainda que por uma causa transitória, será considerado absolutamente incapaz.
Pode até se tratar de alguém que tenha discernimento. Basta que não consiga
manifestar sua vontade para que possa ser interditada a fim de que outro se expresse
por ela.
É importante, ainda, notar que a impossibilidade de exprimir a vontade gerará a
incapacidade absoluta, ainda que temporária. Vale trazer como exemplo a situação
daquele que se encontra em coma profundo.
Os surdos-mudos que não consigam exprimir sua vontade, por não terem recebido
educação adequada, também podem se enquadrar na espécie.
Essa hipótese de incapacidade absoluta (Os que, mesmo por causa transitória,
não puderem exprimir sua vontade) agora é hipótese de incapacidade relativa (art. 4°,
III, do Código Civil).
A modificação no art. 3° do Código Civil promovida pelo Estatuto da Pessoa
com Deficiência teve vacatio legis de 180 dias, contados de 07 de julho de 2015.
Agora esses dois casos que não dizem respeito ao menor de 16 anos (os que, por
enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a
prática dos atos da vida civil; e os que, mesmo por causa transitória, não puderem
exprimir sua vontade), caso acometam uma pessoa maior farão com que esta pessoa
ou seja considerada plenamente capaz ou, caso se enquadre em qualquer dos casos do
art. 4° do Código Civil (os ébrios habituais e os viciados em tóxico, aqueles que, por
causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os pródigos),
seja considerada relativamente incapaz.
O objetivo dessa lei é proteger a dignidade da pessoa com deficiência,
eliminando os casos que davam ensejo à interdição absoluta de uma pessoa e
diminuindo também os casos que davam ensejo à incapacidade relativa, já que ficou
excluída essa incapacidade quanto àqueles que têm Síndrome de Down, por exemplo,
dada a abolição da hipótese dessa incapacidade para aquele que não tivesse
desenvolvimento mental completo.
2.1.8.Relativamente incapazes
Relativamente incapazes são os que não podem exercer sozinhos a grande
maioria dos atos civis, necessitando de assistência de alguém com capacidade
plena, que praticará junto com o incapaz os atos jurídicos de seu interesse (art. 4°
do CC).
Será anulável a prática de ato jurídico sem a presença de assistente (art. 171, I,
do CC). Essa supre a incapacidade. Uma diferença que se tem aqui é que, caso o
incapaz não queira praticar o ato, esse não se realizará, pois ele é quem o pratica,
ainda que assistido.
Além disso, a lei permite que o relativamente incapaz exerça sozinho alguns atos
civis. Aquele que tem entre 16 e 18 anos, por exemplo, pode sozinho (sem
assistência): aceitar mandato (art. 666 do CC), fazer testamento (art. 1.860, parágrafo
único, do CC), ser testemunha em atos jurídicos (art. 228, I, do CC), dentre outros.
Os pródigos, por sua vez, podem praticar sozinhos todos os atos de mera
administração de seu patrimônio (art. 1.782 do CC). Por fim, vale lembrar que o
Código Civil em vigor inovou ao dispor que o juiz, quantos aos relativamente
incapazes, assinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela,
podendo dispor quais atos o incapaz poderá praticar sozinho (o art. 1.772 do CC
trouxe a inovação em questão e, mesmo tendo sido revogado no ponto, foi substituído
por regra equivalente – art. 755, I e II, do NCPC).
Com as modificações legislativas, hoje os relativamente incapazes são as
seguintes pessoas:
a) entre 16 e 18 anos;
b) ébrios habituais e viciados em tóxico;
c) aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua
vontade;
d) pródigos.
Confiram-se as espécies de relativamente incapazes antes da modificação feita
pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência:
a) Os maiores de 16 e menores de 18 anos.
A experiência de vida dos que têm entre 16 e 18 anos não é, presume a lei,
suficiente para que sejam considerados plenamente capazes. De outra parte, essas
pessoas têm maior grau de amadurecimento que os menores de 16 anos, portanto,
merecem tratamento diferenciado.
Praticado um ato civil que não esteja autorizado a fazer sozinho, sem a assistência
de um responsável legal, o ato será anulável. Entretanto, o menor não poderá invocar
sua pouca idade para eximir-se da obrigação que tenha contraído, quando
dolosamente a tiver ocultado, ao ser inquirido pela outra parte, ou se espontaneamente
se disser maior (art. 180 do CC).
Ademais, “a incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela
outra em benefício próprio, nem aproveita aos cointeressados capazes, salvo se, neste
caso, for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum” (art. 105 do CC).
Apesar de não ser questão específica dos relativamente incapazes, deve-se
destacar que “ninguém poderá reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a
um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga” (art.
181 do CC).
O menor relativamente incapaz, além de poder aceitar mandato (art. 666 do CC),
fazer testamento (art. 1.860, parágrafo único, do CC) e ser testemunha em atos
jurídicos (art. 228, I, do CC), pode também celebrar contrato de trabalho e ser eleitor
(art. 14, § 1°, II, “c”, da CF).
Apesar de não se tratar de questão específica do relativamente incapaz, também
vale ressaltar que, em matéria de responsabilidade civil, o CC inovou ao dispor, no
art. 928, que “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele
responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser
equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele
dependam”.
É importante destacar, quanto ao menor relativamente incapaz, que o art. 116 do
ECA dispõe que o adolescente que praticar ato infracional com reflexos patrimoniais
poderá responder pelo ressarcimento do dano. Daí o enunciado 40 do CJF, que tem o
seguinte teor: “o incapaz responde pelos prejuízos que causar de maneira subsidiária
ou excepcionalmente, como devedor principal, na hipótese do ressarcimento devido
pelos adolescentes que praticarem atos infracionais, nos termos do art. 116 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, no âmbito das medidas socioeducativas ali
previstas”.
Essa hipótese de relativamente incapaz (os maiores de 16 e menores de 18 anos)
foi mantida pela alteração promovida pela Lei 13.146/2015.
b) Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental,
tenham discernimento reduzido.
Deve-se entender por ébrio habitual o dependente de álcool, ou seja, o
alcoólatra ou dispsômano. Hoje vem sendo muito usada a expressão “alcoólico”
para designar o dependente de álcool, uma vez que a expressão “alcoólatra” tem
caráter muito pejorativo na sociedade.
Quanto aos toxicômanos, não há dúvida quanto à necessidade de haver
dependência, já que a lei usa a expressão “viciados”, que a identifica.
Quer-se evitar nos dois casos, principalmente, a ruína econômica do indivíduo.
Vale salientar que, caso a dependência leve a situações como: a) impossibilidade de
a pessoa se expressar; ou b) enfermidade mental que propicie a ausência do
necessário discernimento, estaremos diante de hipótese de incapacidade absoluta.
O Decreto 4.294/1921 equiparava os toxicômanos a psicopatas, criando-se duas
hipóteses de interdição, a depender do caso (plena ou limitada). O novo Código
supera a matéria, valendo lembrar que, em se considerando o indivíduo relativamente
incapaz, esse tem o benefício de verem fixados limites à curatela (art. 1.772 do CC,
revogado pelo NCPC, que manteve a regra – art. 755, I e II, do NCPC), ou seja, o juiz
assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito, as restrições ao
incapaz.
A terceira hipótese do dispositivo é a do portador de deficiência mental que
tiver um discernimento reduzido, questão já tratada no tópico precedente. Vale
lembrar que, aqui, existe ainda alguma capacidade de entendimento, mas menor que a
daquele que está com a plena faculdade mental.
As hipóteses dos “ébrios habituais” e dos “viciados em tóxicos”, como
relativamente incapazes, foram mantidas pela alteração promovida pela Lei
13.146/2015, mas a hipótese daqueles que “por deficiência mental, tenham
discernimento reduzido” foi excluída por essa lei.
c) Os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo.
Maria Helena Diniz ensina que tal situação abrange os fracos de mente, os
surdos-mudos e os portadores de anomalia psíquica, que apresentem sinais de
desenvolvimento mental incompleto, comprovados e declarados em sentença de
interdição, tornando-os incapazes de praticar atos na vida civil, sem a assistência de
um curador.
Serve como exemplo, também, a situação de alguns portadores da síndrome de
Down.
Excepcionais com desenvolvimento mental completo são totalmente capazes.
Excepcionais sem o desenvolvimento mental completo são relativamente capazes. E
excepcionais sem o necessário discernimento eram considerados absolutamente
incapazes antes da edição da Lei 13.146/2015.
De qualquer forma, essa hipótese de relativamente incapaz (os excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo) foi excluída pela alteração promovida pela Lei
13.146/2015.
d) Os pródigos.
Podemos definir pródigo como aquele que dissipa seu patrimônio sem controle.
A prodigalidade pode se dar das seguintes formas: a) oniomania, perturbação
mental que provoca o portador a adquirir descontroladamente tudo o que tiver
vontade; b) cibomania, perturbação que leva à dilapidação patrimonial em jogos de
azar; c) imoralidade, que leva ao descontrole de gastos para satisfação de impulsos
sexuais.
O pródigo, em verdade, só fica privado da prática de atos que possam
comprometer o seu patrimônio, não podendo, sem assistência de seu curador, alienar,
emprestar, dar quitação, transigir, hipotecar, agir em juízo e praticar atos que não
sejam de mera administração (vide arts. 1.767, V, e 1.782 do CC). Pode casar (mas
não dispor sobre o regime de bens sozinho), mudar de domicílio, exercer o poder
familiar, contratar empregados domésticos etc.
Essa hipótese de relativamente incapaz (os pródigos) foi mantida pela alteração
promovida pela Lei 13.146/2015.
A Lei 13.146/2015 estabeleceu como hipótese de relativamente incapaz a
daqueles “que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir a sua
vontade”. Tirando a hipótese dos dependentes químicos e dos pródigos é nessa
hipótese que se tentará enquadrar casos mais graves de problemas mentais (por
exemplo, os psicopatas), para que estes sejam considerados relativamente incapazes
também e, assim, poderem ser interditados.
2.1.9.Interdição
No que se refere aos incapazes por motivo de idade, o simples fato de a terem
inferior a 16 anos (absolutamente incapazes) e entre 16 e 18 anos (relativamente
incapazes) já faz com que sejam reconhecidos como tais.
Já no que se refere aos demais casos de incapacidade, somente um
pronunciamento judicial e o preenchimento de certas formalidades fará com que não
se questione a condição de incapaz de uma dada pessoa.
O art. 1.767 do CC prevê os casos em que caberá a interdição ou a curatela, que,
agora com a modificação feita pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, limitam-se
aos casos de incapacidade relativa previstos nos incisos II, III e IV do art. 4° do
Código Civil, quais sejam, os ébrios habituais e os viciados em tóxico; aqueles que,
por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e os
pródigos. Vale lembrar que, apesar da eliminação da interdição para pessoas com
desenvolvimento mental incompleto ou sem o necessário discernimento, agora cabe
interdição daqueles que não podem exprimir a sua vontade por motivo transitório, os
quais, em que pese serem considerados incapazes naquela situação, não podiam ser
interditados antes dessa modificação.
O processo de interdição é o meio adequado ao pronunciamento judicial da
incapacidade. Seu objetivo é aferir a existência e, se for o caso, o grau de
incapacidade de uma pessoa.
Segundo o art. 747 do NCPC, são legitimados ativos para a demanda: o cônjuge
ou companheiro, os parentes ou tutores; pelo representante da entidade em que se
encontra abrigado o interditando e o Ministério Público, este só em caso de doença
mental grave se os demais legitimados não existirem ou não promoverem a interdição
ou por serem incapazes.
Estranhamente, o novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, revogou os arts. 1.768 a 1.773 do Código Civil, dispositivos esses
que, à exceção dos arts. 1.770 e 1.773, tiveram novas redações trazidas pelo Estatuto
da Pessoa com Deficiência, norma posterior que acabou por trazer conteúdos muito
próximos do que estava previsto antes da alteração feita pelo NCPC, sendo de rigor
que o leitor leia o texto do Estatuto da Pessoa coma Deficiência.
Antes de pronunciar a interdição o juiz, que pode ser acompanhado de
especialista, entrevistará minuciosamente o interditando (art. 751 do NCPC).
Pronunciada a interdição, o juiz determinará, segundo as potencialidades,
habilidades, vontades e preferências da pessoa, os limites da curatela (art. 755, I e II,
do CC). Segundo o § 1° do art. 755, “a curatela deve ser atribuída a quem melhor
possa atender aos interesses do curatelado”.
Segundo o art. 1.775, caput e parágrafos, do CC, a nomeação do curador segue a
seguinte ordem preferencial: cônjuge ou companheiro; na falta, os pais; na falta
desses, os descendentes mais próximos. São os casos de curatela legítima. Não
havendo pessoas nessa condição, compete ao juiz a escolha do curador (curatela
dativa).
Segundo o art. 1.775-A, acrescido pela Lei 13.146/2015, “Na nomeação de
curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela
compartilhada a mais de uma pessoa”.
Quanto às pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir a sua vontade, “receberão todo o apoio necessário para ter preservado o
direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em
estabelecimento que os afaste desse convívio”, nos termos da nova redação dada pela
Lei 13.146/2015.
A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado
(art. 1.778 do CC).
Em que pese prevalecer o entendimento de que a sentença é declaratória (declara
que a pessoa é incapaz), e não constitutiva, tende-se a proteger o terceiro de boa-fé
nos negócios praticados antes das publicações retroindicadas. O terceiro só será
preterido em seu direito no caso de não ter havido interdição quando da feitura do
negócio se houver prova de que a incapacidade era notória.
Por fim, vale ressaltar que nosso direito não admite os chamados intervalos
lúcidos, em que se tentaria provar que o incapaz estava bem quando da prática de um
dado negócio. Assim, são sempre nulos os atos praticados pelo curatelado enquanto
estiver nessa condição.
A lei prevê o levantamento da interdição cessada a causa que a determinou. A
incapacidade termina, normalmente, por desaparecerem as causas que a
determinaram, como na hipótese de cura de enfermidade mental. Deve ser feita a
averbação no Registro Público competente da sentença que põe fim à interdição.
O novo Código de Processo Civil traz as normas processuais sobre a interdição
em seus arts. 747 a 758, valendo salientar que, ao nosso ver, eventual dúvida entre
norma do novo CPC e norma trazida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência sobre a
mesma questão, prevalecerá este último diploma, por ser norma elaborada
posteriormente, ainda que os diplomas entraram em vigor em momentos diferentes.
2.1.10.Emancipação
Emancipação pode ser conceituada como o fim da menoridade antes da idade
prevista em lei ou como a antecipação da capacidade plena.
A consequência imediata da emancipação é habilitar a pessoa à prática de
todos os atos da vida civil (art. 5°, caput, do CC). Outras consequências são a
possibilidade de o emancipado ser responsabilizado civilmente sem benefício algum
e a cessação do direito automático de pedir pensão alimentícia.
As espécies de emancipação são as seguintes:
a) Voluntária (ou direta): é a concedida pelos pais, ou por um deles na falta do outro,
mediante instrumento público inscrito no Registro Civil competente (Lei 6.015/1973,
art. 29, IV, 89 e 90), independentemente de homologação judicial, ao menor que tenha
16 anos completos.
Há de se ponderar que doutrina e jurisprudência consideram que a emancipação
voluntária não exonera os pais da responsabilidade pelos atos ilícitos praticados pelo
filho que ainda não tiver completado 18 anos. Confira-se: “a única hipótese em que
poderá haver responsabilidade solidária do menor de 18 anos com seus pais é ter
sido emancipado nos termos do art. 5°, parágrafo único, inciso I, do no Código Civil”
(Enunciado 41 das JDC/CJF);
b) Judicial: é a concedida pelo juiz, ouvido o tutor, desde que o menor tenha 16 anos
completos;
c) Legal: é a que decorre da ocorrência de certos eventos previstos em lei. Tal
emancipação não depende de registro para produzir efeitos. Eventual demanda
promovida para ver reconhecida a emancipação nos casos abaixo tem mera função de
gerar maior segurança jurídica ao interessado.
O casamento é a primeira causa, seja qual for a idade do nubente. Pode
acontecer de ocorrer emancipação até de alguém que se casou antes da idade núbil,
por suprimento judicial. Não faz sentido que uma pessoa que constituiu família
continue sob a autoridade de outrem. A emancipação não é afetada pelo fim do
casamento, salvo em caso de invalidação deste quanto ao que estiver de má-fé,
segundo corrente majoritária.
Outra causa é o exercício de emprego público efetivo. Vale ressaltar que, aqui,
também não há idade mínima prevista na lei. Estão excluídas situações temporárias,
tais como estágios, contratações temporárias e investidura em cargo em comissão. De
qualquer forma, será hipótese pouco provável de acontecer, visto que, normalmente,
os estatutos do funcionalismo preveem a idade mínima de 18 anos para o ingresso em
função pública.
Outro motivo é a colação de grau em curso superior, que também independe da
idade. Trata-se de mais uma hipótese bastante rara, mormente agora em que a
maioridade é atingida aos 18 anos.
E, ainda, pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 anos completos
tenha economia própria. O fato de o menor ter economia própria, ou seja, conseguir
prover seu próprio sustento, é demonstração de que é dotado de experiência e
amadurecimento suficientes para a prática de atos da vida civil. Entendemos que
eventual demissão superveniente do emancipado não o torna novamente incapaz, já
que os requisitos para a emancipação são de difícil configuração e demonstram
efetivamente o amadurecimento necessário para o exercício pleno dos atos da vida
civil.
2.1.11.Fim da personalidade
Deve-se tratar, agora, do fim da personalidade. Dispõe o art. 6° do CC que “a
existência da pessoa natural termina com a morte”. Com a morte, extingue-se a
personalidade, passando-se os direitos e as obrigações do morto (essas no limite das
possibilidades da herança) aos seus sucessores. Tais direitos e obrigações,
denominados espólio, não têm personalidade, ou seja, não têm a qualificação que lhes
conferiria a autorização genérica para praticar atos jurídicos; mas são sujeitos de
direitos, visto que estão autorizados, por meio das pessoas indicadas na lei, a praticar
certos atos, como ingressar com ação para cobrar determinada quantia devida ao
monte.
São consequências da morte as seguintes: extinção do poder familiar, dissolução
do casamento, abertura da sucessão, extinção dos contratos personalíssimos; mas fica
mantida a vontade expressada pelo falecido em testamento e preservam-se alguns
direitos da personalidade (relativos ao cadáver, à imagem, ao nome e aos direitos de
autor).
A morte pode ser de três tipos: real, civil e presumida.
Morte real é aquela certa, que pode ser atestada por exame médico. Constatada
a morte de uma pessoa, um médico fará um atestado de óbito. Na falta desse
profissional, duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a
morte o farão. Com base no atestado de óbito será feita a lavratura do assento de
óbito no Registro Público competente. A partir desse assento é que será extraída a
certidão de óbito. O enterro depende dessa certidão. A cremação será feita em virtude
de vontade do falecido ou por motivo de saúde pública, dependendo de atestado de 2
(dois) médicos ou de médico legista e, caso se trate de morte violenta, de autorização
judicial.
Comoriência é a presunção de morte simultânea, que se aplica quando duas ou
mais pessoas falecerem na mesma ocasião, sem que se possa determinar quem
morreu primeiro.
A importância do tema está no direito das sucessões. Se um dos mortos na mesma
ocasião tiver falecido primeiro, isso poderá fazer com que o outro seja seu herdeiro.
Se considerarmos que a morte se deu simultaneamente, nenhum dos dois herdará do
outro.
Na França, a solução é diferente. Cria-se uma escala de possibilidades. Entre
homem e mulher, presume-se que a mulher morreu primeiro. Entre o mais novo e o
mais velho, presume-se que esse faleceu primeiro.
Morte civil é aquela em que a lei considera morta para a prática de atos da
vida jurídica pessoa ainda viva. Trata-se de instituto abolido nas legislações
modernas. No passado, era sanção que recaía sobre os escravos e sobre outras
pessoas, por motivos políticos ou religiosos. Há resquícios do instituto em nossa lei
na regulamentação da indignidade e da deserdação, nas quais o herdeiro excluído da
sucessão é considerado “como se morto fosse” (arts. 1.814, 1.816 e 1.961 a 1.963 do
CC).
Morte presumida é a que decorre de declaração judicial da morte, sem
decretação de ausência, em caso de perigo de vida ou guerra, ou de declaração de
ausência quando se autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Com efeito, o art. 6° do CC diz que se tem a morte presumida “quanto aos
ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva”.
O art. 7° do CC assevera que “pode ser declarada a morte presumida, sem a
decretação de ausência: I – se for extremamente provável a morte de quem estava em
perigo de vida; II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não
for encontrado até 2 (dois) anos após o término da guerra”, dispondo o dispositivo em
seu parágrafo único que “a declaração da morte presumida, nesses casos, somente
poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a
sentença fixar a data provável do falecimento”.
2.1.12.Ausência
Em caso de ausência, ou seja, de uma pessoa desaparecer de seu domicílio sem
deixar notícias ou procurador a quem caiba administrar seus bens e tenha interesse em
fazê-lo, e de não ter se configurada nenhuma das hipóteses acima, pode o interessado
ou o Ministério Público requerer ao juiz a declaração de ausência da pessoa,
nomeando em favor dela um curador (o cônjuge, o companheiro, os pais ou os
descendentes do desaparecido, nessa ordem, ou, na falta, alguém nomeado pelo juiz),
que procederá à arrecadação dos bens do ausente, tudo na forma dos arts. 22 a 26 do
CC (fase da curadoria do ausente).
Passado 1 (um) ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se há procurador,
passados 3 (três) anos, poderão os interessados requerer que se: a) declare a
ausência; e que se b) abra provisoriamente a sucessão, que produzirá efeitos após
180 dias da publicação da respectiva sentença pela imprensa, efetuando-se o
inventário e partilha dos bens (fase da sucessão provisória) . Vide arts. 26 a 36 do
CC.
Passados 10 (dez) anos do trânsito em julgado da sentença que abriu a
sucessão provisória ou 5 (cinco) anos das últimas notícias do ausente que já contar
com 80 (oitenta) anos, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva,
procedendo-se ao levantamento das cauções que tiverem sido exigidas daqueles
herdeiros que não eram ascendentes, descendentes ou cônjuges do ausente (fase da
sucessão definitiva).
Caso o ausente não apareça nos 10 (dez) anos seguintes à abertura da
sucessão definitiva, não terá mais direito algum às coisas deixadas. Se comparecer
nesse período, terá direito aos bens existentes no estado em que se acharem, os sub-
rogados em seu lugar, ou o preço que os herdeiros e demais interessados tiverem
recebido pelos bens alienados depois daquele tempo.
Se, nos 10 (dez) anos a que se refere o parágrafo anterior, o ausente não regressar
e não houver interessado algum, os bens arrecadados passarão ao Município ou ao
Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se à
União se situados em território federal.
As disposições sobre a sucessão definitiva, no caso, estão nos arts. 37 a 39 do
CC.
Por fim, vale anotar que, hoje, o ausente não é mais considerado um incapaz, mas
alguém presumido morto pela lei a partir do momento em que é aberta a sucessão
definitiva.
2.2.Direitos da Personalidade
2.2.1.Conceito de Direitos da Personalidade
Direitos da Personalidade são aqueles que protegem características inerentes
à pessoa. São direitos que recaem sobre nossos atributos naturais e suas projeções
sociais.
Os objetos de tais direitos são, portanto, os seguintes aspectos próprios da
pessoa: a) sua integridade física (vida, corpo, partes do corpo); b) sua integridade
intelectual (liberdades de pensamento e de expressão, autorias científica e artística); e
c) sua integridade moral (intimidade, vida privada, honra, imagem e nome).
O CC preferiu não conceituar direitos da personalidade, mas dispôs que são
intransmissíveis, irrenunciáveis e que seu exercício não é passível de sofrer
limitações (art. 11 do CC).
De início, são protegidas as características próprias da pessoa natural. Todavia,
o nascituro e a pessoa jurídica, no que couber, também estarão resguardados. O
primeiro, em virtude do disposto no art. 2°, segunda parte, do CC. E o segundo, em
razão do art. 52 do mesmo Código.
Já a pessoa jurídica terá protegidos interesses como o nome, a imagem e o
segredo. Reconhecendo a existência de uma honra objetiva em favor desse tipo de
pessoa, o STJ sumulou que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (Súmula 227).
2.2.4.1.Proteção do corpo
2.2.4.3.Vida privada
O art. 21 do CC traz a seguinte regra: a vida privada da pessoa natural é
inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
É importante destacar que a garantia que a lei traz ao lesado é a seguinte: pode-
se pedir ao juiz que impeça ou faça cessar a violação da vida privada. Apesar de não
prevista no dispositivo, eventual violação também dá ensejo a que se reclame
indenização (art. 5°, X, da CF). E, em que pese também a não referência à aplicação
das demais sanções previstas em lei, tal como está previsto no art. 12 (regime
jurídico geral), tal providência é possível, como no caso em que a conduta do ofensor
também configura crime (interceptação indevida de conversa telefônica, por
exemplo), em que se faculta a persecução criminal.
Apesar de o dispositivo se referir apenas à vida privada, são dois os interesses
protegidos pela regra: a) a própria vida privada; e b) a intimidade.
Os direitos de inviolabilidade da vida privada e da intimidade são espécies do
gênero direito à privacidade, que é aquele de a pessoa manter informações
privadas a seu respeito sob seu controle exclusivo. Tal direito se traduz no direito
de ser deixado tranquilo ou em paz.
A intimidade, por sua vez, é o espaço que a pessoa tem consigo. Diz respeito
aos seus pensamentos, segredos, dúvidas existenciais e sonhos. O diário particular de
uma pessoa contém informações sobre sua intimidade.
A vida privada consiste nos espaços exteriores privados, ligados às relações
familiares, de amizade e profissionais das pessoas . Aqui temos suas
correspondências e conversas telefônicas, os sigilos bancário e fiscal, as relações
amorosas etc.
2.2.4.4.Direitos autorais
Quanto aos direitos autorais, a matéria é exaustivamente tratada na Lei
9.610/1998, que regula os direitos de autor e os que lhe são conexos, reputados bens
móveis para fins legais (art. 3°).
Tal lei protege, por exemplo, os textos de obras literárias, artísticas ou
científicas, as obras musicais, coreográficas, fotográficas e cinematográficas, o
desenho, a pintura, a escultura, dentre outras (art. 7°).
Não são objeto da proteção dos direitos autorais ideias, sistemas, métodos,
projetos ou conceitos matemáticos como tais, formulários em branco, texto de atos
oficiais, informações de uso comum como calendários, nomes, títulos isolados etc.
(art. 8°).
A proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original. A lei considera
autor a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, sem prejuízo
da proteção às pessoas jurídicas nos casos previstos em lei (art. 11).
Não depende de registro a proteção aos direitos autorais (art. 18), podendo o
autor registrar sua obra no órgão público de que trata o art. 17 da Lei 5.988/1973 (art.
19).
Pertencem ao autor os direitos patrimoniais e morais sobre a obra que criou (art.
22). Os direitos morais do autor, inalienáveis e irrenunciáveis (art. 27), são, dentre
outros, os seguintes: a) o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; b) o de
ter seu nome ou sinal indicado como sendo o do autor na utilização de sua obra; c) o
de conservar a obra inédita; d) o de assegurar sua integridade, opondo-se a quaisquer
modificações; e e) o de modificá-la (art. 24).
Os primeiros quatro direitos são transmitidos aos sucessores por morte do autor.
No que concerne aos direitos patrimoniais, depende de autorização prévia e expressa
do autor a utilização da obra por outrem. Os herdeiros podem explorar
economicamente a obra por 70 anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao
do falecimento do autor (como regra), ou da publicação da obra (no caso de obras
anônimas ou pseudônimas), ou da sua divulgação (quanto às obras audiovisuais e
fotográficas), conforme os arts. 41 a 44. Findo o período, a obra passará ao domínio
público, o mesmo ocorrendo se não houver sucessores do autor falecido ou se for
obra de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e
tradicionais (art. 45).
Não constituem ofensa aos direitos autorais: a) a reprodução, em um só
exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este,
sem intuito de lucro; b) a citação de passagens de qualquer obra, para fins de estudo
ou crítica, indicando-se nome do autor e a origem da obra; c) o apanhado de lições em
escola, vedada a publicação sem autorização expressa; d) a utilização de obras para
demonstração à clientela; e) a representação teatral ou musical no recesso familiar ou
para fins didáticos, na escola e sem fim lucrativo; f) as paráfrases e paródias que não
forem reproduções da obra nem lhe impliquem descrédito; e g) a representação de
obras situadas permanentemente em logradouros públicos (arts. 46 a 48).
A transferência dos direitos patrimoniais poderá ser dos seguintes tipos: a)
transmissão total (salvo os direitos morais e os excluídos pela lei; se for definitiva,
dependerá de contrato escrito); b) cessão total ou parcial (faz-se por escrito e se
presume onerosa).
O titular do direito violado poderá requerer: i) a apreensão dos exemplares
reproduzidos ou a suspensão da divulgação, ii) sem prejuízo da indenização cabível,
iii) bem como a perda em seu favor dos exemplares apreendidos e iv) o pagamento do
preço dos que tiverem sido vendidos (art. 102). Responde solidariamente com o
contrafator aquele que vender, expuser, distribuir ou tiver a obra reproduzida com
fraude.
2.2.4.5.Nome
Os arts. 16 a 18 do CC trazem a seguinte regra: toda pessoa tem direito ao
nome, que não pode ser empregado de modo que exponha a pessoa ao desprezo
público, ainda que sem intenção difamatória, ou para fins de propaganda
comercial sem autorização do seu titular. Neste espeque, no que tange a propaganda
comercial, prevê o Enunciado 278 JDC/CJF:A publicidade que divulgar, sem
autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar
seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da
personalidade
O art. 19 dispõe que o pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da
proteção que se dá ao nome.
Por ser objeto de direito da personalidade, o nome é intransferível, irrenunciável
e indisponível. O princípio da imutabilidade, todavia, sofre exceções, quando
houver:
a) modificação no estado de filiação ou de paternidade: em virtude da procedência
de ação negatória de filiação; reconhecimento, judicial ou voluntário, de paternidade;
ou realização ou desfazimento de adoção. Muda-se o sobrenome apenas, salvo no
caso de adoção de menores, em que é possível que se altere inclusive o prenome, a
pedido do adotante ou do adotado (art. 47, § 5°, do ECA);
b) alteração do nome de um dos pais: modificando-se o nome familiar de um dos
pais, será necessário fazer o mesmo em relação aos filhos;
c) casamento: qualquer um dos nubentes pode adotar o nome do outro (art. 1.565, §
1°, do CC);
d) dissolução da sociedade conjugal e do casamento: não é obrigatória a perda do
nome do outro na separação e no divórcio (arts. 1.578 e 1.571, § 2°, do CC). Todavia,
a requerimento do inocente e desde que não se revele prejuízo à outra parte, pode-se
perder compulsoriamente o direito de continuar usando o nome de casado. Pode
também o cônjuge inocente renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o
sobrenome do outro, o STJ também decidiu que é admissível o restabelecimento do
nome de solteiro na hipótese de dissolução do vínculo conjugal pelo falecimento do
cônjuge (REsp 1.724.718-MG, DJe 29.05.2018);
e) pela união estável: o companheiro pode pedir ao juiz a averbação do patronímico
do companheiro no seu registro de nascimento;
f) vontade daquele que tem entre 18 e 19 anos: o art. 56 da LRP faculta ao
interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, requerer a alteração
de seu nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a
alteração que será publicada pela imprensa. Presume-se que, nessa fase da vida, a
alteração do nome não vá prejudicar interesses de terceiros e do próprio Estado, uma
vez que, no período que antecede essa idade, a pessoa não comete crime, nem tem
capacidade para, sozinho, praticar atos da vida civil. Preserva-se também a
individualidade da pessoa, que porventura não esteja satisfeita com o seu prenome. O
pedido pode ser feito administrativamente. Admite-se também para tornar composto o
prenome simples e para acrescentar o patronímico de um dos pais ou dos avós;
g) erro gráfico evidente: o art. 110 da LRP dispõe que a correção de erros de grafia
poderá ser processada a partir do próprio cartório onde se encontrar o assentamento,
mediante petição assinada pelo interessado, que será remetida ao Ministério Público
e ao juiz, que despachará no prazo de 48 horas. Exemplo dessa situação é o daquele
que recebeu o nome de “Osvardo”, quando deveria ser “Osvaldo”. Também ocorre
quando se troca o “i” pelo “e” ou o “s” pelo “x” quando da grafia do patronímico.
Prova-se o erro, neste caso, pela comparação com os documentos dos demais
membros da família;
h) exposição do portador do nome ao ridículo: o art. 55, parágrafo único, da LRP
impede que os oficiais do registro civil registrem prenome suscetíveis de expor ao
ridículo seus portadores. Para que essa regra seja eficaz, há de se reconhecer que,
caso o oficial atenda ao pedido dos pais numa situação dessas, nada impede que no
futuro busque-se a modificação do nome em razão dessa circunstância. Nomes como
Bin Laden e Adolph Hitler poderão dar ensejo ao pedido de modificação. Mas já
houve casos em que se admitiu a modificação de nomes bastante comuns, como
Raimunda;
i) apelido público notório: o art. 58 da LRP dispõe que o prenome é definitivo,
admitindo-se sua substituição por apelidos públicos notórios. São exemplos: Lula,
Xuxa e Pelé. A redação dada pela Lei 9.708/1998 ao dispositivo em questão permite
a “substituição” do prenome e não a mera “inserção” apelido público notório. Houve
casos de modificação de “Amarildo” para “Amauri” e de “Maria” para “Marina”.
Basta provar em juízo que a pessoa é conhecida publicamente (no trabalho, na
família, entre amigos etc.) por nome diverso do que consta em seus documentos. A
prova se faz por testemunhas, por correspondências, por cadastros etc.;
j) necessidade para a proteção de vítimas e testemunhas de crimes: o § 7° do art.
57 da LRP admite a alteração de nome completo para proteção de vítimas e
testemunhas de crimes, bem como de seu cônjuge, convivente, ascendentes,
descendentes, inclusive filhos menores e dependentes, mediante requerimento ao juiz
competente dos registros públicos, ouvido o MP;
k) homonímia: a redação do art. 57, caput, da LRP, traz uma norma um tanto quanto
aberta, que possibilita modificações em outras situações excepcionais, como a
homonímia;
l) transgêneros: os transgêneros, independentemente da cirurgia de transgenitalização
ou tratamentos hormonais, têm direito à alteração tanto de seu prenome como de seu
gênero, diretamente no Registro Civil (cartório), ou seja, sem pedido perante o
Judiciário. Inexiste outro requisito (ex: idade mínima ou parecer médico). Basta o
consentimento livre e informado do solicitante. O pedido é confidencial e os
documentos não podem fazer remissão a eventuais alterações (STF, ADI 4275/DF,
Plenário, 1°.03.2018).
2.3.Pessoas Jurídicas
2.3.1.Conceito
Pode-se conceituar pessoa jurídica como o grupo humano criado na forma da
lei e dotado de personalidade jurídica própria para a realização de fins comuns.
As pessoas jurídicas são, então, sujeitos de direito personalizados, de modo que
têm aptidão genérica para adquirir direitos e obrigações compatíveis com sua
natureza.
No que concerne aos direitos da personalidade, o Código Civil assegura que
“aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da
personalidade” (art. 52).
A título de exemplo, é compatível com a pessoa jurídica a proteção de sua
integridade moral, daí porque o Superior Tribunal de Justiça assegura indenização
por danos morais a tais entes.
2.3.5.1.Conceito
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituado
como a declaração de ineficácia da personalidade jurídica para determinados fins,
atingindo diretamente o patrimônio dos sócios ou administradores de pessoa
jurídica, a fim de evitar fraude ou abuso de direito.
O art. 50 do Código Civil permite que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens pessoais dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica cuja personalidade está sendo desconsiderada. Em outras
palavras, admite-se que obrigações da pessoa jurídica sejam suportadas por sócios e
administradores desta.
É por isso que o conceito faz referência à declaração de ineficácia da
personalidade jurídica. Isso ocorre pois a pessoa jurídica não é desconstituída, mas
declarada ineficaz em relação a certas e determinadas obrigações.
Assim, se uma pessoa natural utiliza uma pessoa jurídica para cometer fraudes, as
obrigações contraídas por essa poderão repercutir na esfera dos bens pessoais da
pessoa natural, com a desconsideração da sua personalidade.
A desconsideração prevista no Código Civil é chamada de desconsideração
direta.
Resta saber se o Código Civil brasileiro também admite a desconsideração
inversa. Nessa desconsideração, como o próprio nome diz, desconsidera-se a pessoa
natural do sócio ou administrador de uma pessoa jurídica para o fim de atingir o
patrimônio da própria pessoa jurídica da qual faz parte o primeiro. Um exemplo pode
aclarar o instituto. Imagine que alguém que deseja se separar de seu cônjuge sem ter
de repartir bens que está em seu nome, passe tais bens para uma pessoa jurídica da
qual é sócio, ficando esvaziado patrimonialmente como pessoa natural. Nesse caso, a
desconsideração inversa atua para o fim de, na separação judicial, o juiz
desconsiderar a autonomia da natural em relação à pessoa jurídica, determinando que
os bens que pertencem à última sejam partilhados com o cônjuge prejudicado, como
se fossem bens pertencentes à pessoa natural do cônjuge que perpetrou a fraude.
Apesar da desconsideração inversa não estar expressa no Código Civil, a
doutrina e a jurisprudência a admitem, tendo em vista que essa desconsideração visa a
evitar e reprimir justamente a mesma conduta, qual seja, o abuso da personalidade.
Vale dizer que o novo Código de Processo Civil faz menção expressa à
desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133, § 2°).
Confira também o Enunciado 283 das JDC/CJF, que comenta o art. 50 do CC: “é
cabível a desconsideração da personalidade denominada inversa para alcançar bens
de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com
prejuízo de terceiros”.
2.3.5.3.Legitimado ativo
De acordo com o art. 50 do CC, podem requerer a desconsideração qualquer
interessado ou o Ministério Público, esse quando couber sua intervenção.
O Ministério Público pode intervir em ações em que se estiver diante de
interesses indisponíveis, bem como em ações coletivas e de falência, entre outras.
Nesses casos, o Parquet é legitimado para requerer a desconsideração da
personalidade.
O interessado é, normalmente, o credor da obrigação que está sendo satisfeita
pela pessoa jurídica. Aqui se está diante de alguém que tem interesse jurídico na
desconsideração.
A doutrina vem reconhecendo que a teoria de desconsideração, prevista no art. 50
do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica, em seu favor. Exemplo
dessa situação se dá quando bens da pessoa jurídica são passados para o nome de um
dos sócios com o fito de prejudicar credores. A pessoa jurídica, interessada em
solver suas obrigações, pode, em tese, requerer a desconsideração para que se atinja
o patrimônio que está em nome do sócio que cometeu a fraude. Naturalmente, tal
situação só acontecerá na prática se esse sócio não mais estiver no comando
administrativo da empresa.
2.3.5.4.Legitimado passivo
De acordo com o art. 50 do CC, a desconsideração da personalidade pode atingir
o patrimônio tanto de sócios como de administradores da sociedade.
Assim, deve-se ressaltar, de início, que não só sócios, como também mero
administrador não sócio, estão sujeitos à incidência do instituto.
Outra observação importante é que, apesar da lei fazer referência à palavra
“sócio”, a desconsideração da pessoa jurídica pode atingir também associados e
outros membros de pessoas jurídicas. Ou seja, o instituto não se aplica apenas à
sociedade, mas também às associações, fundações e outras pessoas jurídicas que não
têm fins lucrativos ou econômicos.
Nesse sentido, confira o Enunciado 284 das JDC/CJF: “as pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos estão abrangidas no
conceito de abuso da personalidade jurídica”.
Vale, ainda, indagar se, uma vez ocorrido abuso da personalidade (por desvio de
finalidade ou confusão patrimonial), pode-se atingir o patrimônio de qualquer sócio e
administrador, independente de dolo específico de sua parte quanto ao abuso
perpetrado.
Na análise literal do art. 50 do CC, chega-se à conclusão de que se adotou a
teoria objetiva no caso. No entanto, em face do princípio da proporcionalidade, a
doutrina vem entendendo que o sócio ou administrador que desconhece o abuso não
responde com seu patrimônio pessoal.
Nesse sentido, confira o Enunciado 7 das JDC/CJF: “só se aplica a
desconsideração quando houver prática de ato irregular, e, limitadamente, aos
administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.
2.3.5.5.Questões processuais
O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que aquele que sofre a
desconsideração da personalidade num processo judicial, respondendo com seu
próprio patrimônio por obrigações alheias, passa a ser parte do processo (REsp
258.812, DJ 18.12.2006).
O STJ também entende que a desconsideração da personalidade é possível na
fase da execução de sentença, mesmo que quem sofra os efeitos da desconsideração
não tenha sido chamado a participar do processo de conhecimento que levou à
formação do título que se estiver executando (REsp 920.602, DJ 23.06.2008).
Naturalmente, o afetado pela desconsideração terá direito de se defender, exercendo
plenamente o contraditório e a ampla defesa, garantindo-se o devido processo legal.
O novo Código de Processo Civil regulamentou as questões processuais sobre a
desconsideração da personalidade jurídica, trazendo as seguintes regras:
“Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do
Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1° O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2° Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as
provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de
execução, será ineficaz em relação ao requerente.”
2.3.5.6.Outras leis
O instituto da desconsideração da personalidade, como se viu, não está previsto
unicamente no Código Civil.
O instituto está previsto também em outras leis.
O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, admite expressamente a
desconsideração da personalidade em seu art. 28. O dispositivo parece, num primeiro
momento, adotar a teoria maior da desconsideração. Essa conclusão decorre do fato
de que o dispositivo traz requisitos adicionais à insolvência para que a
desconsideração se dê.
Todavia, o § 5° do art. 28 traz regra de extensão que admite a desconsideração da
personalidade toda vez que esta for obstáculo ao ressarcimento do dano. Isso fez com
que o STJ tenha entendimento de que o CDC adotou a Teoria Menor da
Desconsideração, pela qual basta a demonstração de insolvência do devedor.
A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) também adotou a Teoria Menor da
Desconsideração, como se pode verificar do disposto no seu art. 4°.
A desconsideração também está presente na CLT (art. 2°, § 2°) e no CTN (art.
134, VII).
2.3.6.1.Quanto à nacionalidade
Quanto à nacionalidade, as pessoas jurídicas podem ser divididas em nacionais e
estrangeiras.
Pessoas jurídicas nacionais são aquelas organizadas e constituídas conforme a
lei brasileira, tendo no País sua sede e administração (art. 1.126 do CC). Pessoas
jurídicas estrangeiras são aquelas de fora do País, que não possuem as
características citadas.
A sociedade estrangeira não poderá funcionar no País sem autorização do Poder
Executivo. Se autorizada, sujeitar-se-á lei brasileira quanto aos atos aqui praticados,
devendo ter representante no Brasil. Nesse caso, poderá nacionalizar-se, transferindo
sua sede para o território nacional (arts. 1.134 a 1.141 do CC).
2.3.6.3.Quanto à atuação
Quanto à atuação, as pessoas jurídicas podem ser de direito público e de direito
privado.
As pessoas jurídicas de direito público são de duas espécies:
a) externo: países e organizações internacionais;
b) interno: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, agências
reguladoras, associações Públicas (consórcios públicos de direito público) e
fundações públicas.
A s pessoas jurídicas de direito privado podem ser subdivididas nas seguintes
espécies (art. 44):
a) sociedades: são pessoas jurídicas com objetivo de lucro; as cooperativas são
consideradas sociedades simples;
b) associações: são pessoas jurídicas constituídas de pessoas que se reúnem para
realização de fins não econômicos; têm objetivos científicos, artísticos, educativos,
culturais, políticos, corporativos, esportivos etc.;
c) fundações: são acervos de bens, que recebem personalidade jurídica para
realização de fins determinados de interesse público, de modo permanente e
estável; o elemento marcante é o patrimonial;
d) entidades religiosas: têm o regime jurídico das associações; são livres a criação,
a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas,
sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos
constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
e) partidos políticos: têm o regime jurídico das associações; os partidos políticos
serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica;
f) consórcios públicos de direito privado: são pessoas jurídicas formadas pela
reunião de entes federativos para a gestão conjunta de serviços que podem ser
exercidos por pessoas de direito privado;
g) empresas individuais de responsabilidade limitada: trata-se de nova espécie,
introduzida pela Lei 12.441/2011; verificar explicações no capítulo de Direito
Empresarial deste livro.
De acordo o Enunciado 142 das JDC/CJF, “os partidos políticos, os sindicatos e
as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código
Civil”.
Acerca das organizações religiosas o Enunciado 143 das JDC/CJF defende que
“a liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de
legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de
reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus
estatutos”.
2.3.7.1.Associações
Como se viu, associações são pessoas jurídicas constituídas de pessoas que se
reúnem para realização de fins não econômicos . Ou seja, as associações não podem
ter por objetivo gerar lucro. O instituto está regulamentado nos arts. 53 a 61 do
Código Civil.
Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. Nas associações
todos têm um interesse comum, que no caso é o de realizar fins não econômicos
relacionados à ciência, à arte, à educação, à cultura, ao esporte, à política, à defesa
de classe, à defesa de minorias e de valores importantes para a sociedade, para a
religião etc.
A CF assegura a liberdade de associação para fins lícitos. Qualquer pessoa pode
se associar. Mas o associado pode se retirar a qualquer tempo, não podendo ser
obrigado a permanecer associado. Vale anotar que, em relação às associações de
moradores, o STJ decidiu que as taxas de manutenção criadas por estas não obrigam
os não associados ou que a elas não anuíram (REsp 1356251/SP, DJE 01.07.2016).
Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá (art. 54):
I. a denominação, os fins e a sede da associação;
II. os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III. os direitos e deveres dos associados;
IV. as fontes de recursos para sua manutenção;
V. o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;
VI. as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução;
VII. a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.
2.3.7.2.Fundações
Como se viu, fundações são acervos de bens, que recebem personalidade
jurídica para realização de fins determinados de interesse público, de modo
permanente e estável.
O elemento marcante nas fundações é o patrimonial. Aqui não se tem
propriamente uma reunião de pessoas com vistas a dada finalidade. Aqui se tem
reunião de bens com vistas à consecução de objetivos não econômicos.
O Código Civil estabelece que a fundação somente poderá constituir-se para fins
religiosos, morais, culturais ou de assistência. O Enunciado 8 das JDC/CJF é no
sentido de que “a constituição da fundação para fins científicos, educacionais ou de
promoção do meio ambiente está compreendida no Código Civil, art. 62, parágrafo
único”. O Enunciado 9 vai além e defende que o art. 62, parágrafo único, do CC
“deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos”.
No entanto, a Lei 13.151/2015 alterou o Código Civil para dispor, no parágrafo
único de seu art. 62, que a fundação somente poderá constituir-se para fins de:
“assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
educação; saúde; segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa
científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de
gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos;
promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; atividades
religiosas.”
O instituto está regulamentado nos arts. 62 a 69 do CC.
A criação de uma fundação depende, grosso modo, de um ato de dotação de bens
(por testamento ou escritura pública), da elaboração do estatuto (com apreciação do
Ministério Público) e do registro no Cartório das Pessoas Jurídicas.
Para criar uma fundação, seu instituidor fará, por escritura pública ou
testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina e
declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Quando insuficientes para
constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o
instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou
semelhante.
Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é
obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados,
e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.
As pessoas responsabilizadas pelo instituidor pela aplicação do patrimônio,
tendo ciência do encargo, formularão logo o estatuto da fundação projetada,
submetendo-o, em seguida, à aprovação da autoridade competente (o Ministério
Público), com recurso ao juiz. Se o estatuto não for elaborado no prazo assinado pelo
instituidor ou, não havendo prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao
Ministério Público.
Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. O
Código Civil dispõe que, se a fundação funcionar no Distrito Federal ou em
Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal. No entanto, na ADI
2.794-8, o STF entendeu que o dispositivo é inconstitucional, por violar as
atribuições do Ministério Público do Distrito Federal. E a Lei 13.151/2015 veio a
corrigir o problema introduzindo a regra de que “Se funcionarem no Distrito Federal
ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios” (art. 66, § 1°).
Se a fundação estender sua atividade por mais de um Estado, caberá o encargo,
em cada um deles, ao respectivo Ministério Público.
Para que se possa alterar o estatuto da fundação, é mister que a reforma:
I. seja deliberada por dois terços dos indivíduos competentes para gerir e representar a fundação;
II. não contrarie ou desvirtue o fim desta;
III. seja aprovada pelo órgão do M inistério Público no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, findo
o qual ou no caso de o Ministério Público a denegar, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado.
2.4.Domicílio
2.4.1.Conceito
Domicílio é a sede jurídica da pessoa.
O instituto do domicílio é de grande importância para o Direito. As pessoas
fazem parte de diversas relações, de natureza civil, empresarial, processual,
administrativa, tributária, eleitoral etc.; e, em todas essas, precisam ser encontradas
para responder por suas obrigações. Esse ponto de referência é o domicílio, que vem
do latim domus, que quer dizer “casa” ou “morada”. O instituto está regulamentado
nos arts. 70 a 78 do CC.
2.5.Bens
2.5.1.Conceito
Na acepção do Código Civil bens são toda utilidade física ou ideal que sejam
objeto de um direito subjetivo.
Nesse sentido, não há como confundir bens com coisas. O primeiro abrange
utilidades materiais e imateriais, ao passo que as coisas dizem respeito às utilidades
materiais, corpóreas.
Dessa forma, há bens que não são coisas, tais como a honra e a imagem.
Os bens são vocacionados a ser objetos de uma relação jurídica, a qual também
tem a pessoa como um de seus elementos.
2.5.2.1.1.Imóveis/móveis
Considerados em si mesmos, ou seja, analisados em seu aspecto intrínseco, os
bens têm uma primeira classificação que leva em conta sua mobilidade ou não.
Saber se um bem é imóvel ou não é importante por diversos motivos. Por
exemplo, bens imóveis só se adquirem pelo registro, ao passo que móveis, pela
tradição. Ademais, os primeiros dependem de outorga uxória para alienação e os
segundos, não. Os prazos para usucapião são distintos, sendo maiores em se tratando
de bens imóveis. A hipoteca e o direito real de garantia incidem sobre imóvel, ao
passo que o penhor, sobre móvel.
Bens imóveis são aqueles que não podem ser transportados de um lugar para
outro sem alteração de sua substância. Por exemplo, um terreno. São bens imóveis
os seguintes:
a) imóveis por natureza: o solo;
b) imóveis por acessão: tudo quanto se incorporar ao solo, natural ou artificialmente;
aqui temos como exemplos de bem imóvel por acessão natural as árvores, frutos
pendentes, pedras, fontes e cursos de água; já de bens imóveis por acessão artificial
temos como exemplo as construções e as plantações, já que as últimas importam num
atuar humano e não em nascimento espontâneo. Construções provisórias (que se
destinam a remoção ou retirada), como os circos, parques de diversão, barracões de
obra, entre outras, não são consideradas acessões. No Código Civil de 1916 havia
ainda os bens imóveis por acessão intelectual, contudo tal modalidade foi extinta, nos
termos do Enunciado 11 das JDC/CJF.
c) imóveis por determinação legal:
i) os direitos reais sobre imóveis, tais como a propriedade e a hipoteca;
ii) as ações que asseguram direitos reais sobre imóveis, tal como a ação
reivindicatória;
iii) o direito à sucessão aberta, ou seja, o direito de herança, enquanto não tiver
sido feita a partilha de bens, pouco importando a natureza dos bens deixados na
herança; a renúncia de uma herança é, portanto, uma renúncia de bem imóvel, devendo
ser feita mediante escritura pública ou termo nos autos (art. 1.806, CC) e autorização
do cônjuge.
O Código Civil dispõe, ainda, que não perdem o caráter de bens imóveis:
a) as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem
removidas para outro local; aqui se pode usar como exemplo casas pré-fabricadas,
transportadas de um local para outro;
b) os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se
reempregarem; aqui se pode utilizar como exemplo parte de um telhado retirada
para manutenção que depois será recolocada em seu lugar.
O atual Código Civil não faz referência aos imóveis por acessão intelectual, ou
seja, àqueles bens que, mesmo não sendo imóveis, passavam a ser considerados como
tal por vontade do proprietário da coisa. O instituto, previsto no Código anterior, era
útil naquelas situações em que se queria unir um bem imóvel (uma fazenda, por
exemplo) com bens nele empregados (tratores, máquinas, ferramentas etc.) para que
tudo fosse considerado uma coisa só, o que repercutiria em caso de garantias,
alienações e outros negócios. O atual Código não mais permite essa imobilização por
vontade do dono e, em substituição, criou o instituto da pertença, que será visto logo
adiante.
Bens móveis são os passíveis de deslocamento sem alteração de sua
substância. Por exemplo, um livro. São bens móveis os seguintes:
a) móveis por natureza: os bens suscetíveis de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou destinação econômico-social, ex.: um livro, um
computador, alimentos, uma casa pré-fabricada, que, enquanto exposta à venda ou
transportada, é um móvel também, porém, uma vez incorporada ao solo, passa a ser
imóvel, permanecendo com essa natureza se for retirada do solo para ser incorporada
em outro lugar, como se viu quando tratamos dos imóveis;
b) semoventes: também são móveis por natureza; a diferença é que esses bens são
suscetíveis de movimento próprio, também sem que haja alteração da substância ou
destinação econômico-social. Ex.: um cachorro.
c) móveis por determinação legal:
i) as energias que tenham valor econômico, como a energia elétrica;
ii) os direitos reais sobre objetos móveis, como o penhor;
iii) as ações correspondentes a direitos reais sobre objetos móveis, como a
reintegração de posse em relação a bens móveis;
iv) os direitos pessoais de caráter patrimonial, como os créditos em geral, o
fundo de comércio, as quotas e ações de sociedades e os direitos de autor;
v) as ações sobre direitos pessoais de caráter patrimonial, como a ação
indenizatória;
d) móveis por antecipação: são os bens incorporados ao solo, mas com a intenção de
separá-los e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte e os frutos
ainda não colhidos.
Não perdem o caráter de bens móveis os materiais destinados a alguma
construção enquanto não forem empregados, como os materiais que acabam de ser
comprados em uma loja de materiais de construção.
Readquirem a qualidade de bens móveis os provenientes da demolição de algum
prédio. No caso da demolição, que é diferente daquela situação em que os bens serão
reempregados no imóvel, os objetos de demolição (portas, batentes, azulejos etc.)
voltam a ser móveis.
Os navios e as aeronaves são bens móveis. Porém, podem ser imobilizados para
fins de hipoteca, que é direito real de garantia sobre imóveis (v. art. 1.473, VI e VII,
do CC, bem como o art. 138 da Lei 7.656/1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica).
2.5.2.1.2.Fungíveis/infungíveis
Bens fungíveis são os móveis que podem ser substituídos por outros da mesma
espécie, qualidade e quantidade. Ex.: dinheiro.
Repare que, para ser fungível, o bem precisa, em primeiro lugar, ser móvel.
Ademais, deve ser daquele tipo de móvel que pode ser substituído por outro da
mesma espécie, qualidade e quantidade. Um quadro pintado por um renomado pintor,
por exemplo, não pode ser considerado fungível, dada a impossibilidade de sua
substituição por outro equivalente. O mesmo se pode dizer de uma casa, que, por se
tratar de bem imóvel, é, nos termos da lei, infungível, ressalvada disposição
convencional entre as partes em sentido contrário.
Bens infungíveis são os imóveis ou os móveis que não podem ser substituídos
por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Exs.: uma casa e uma obra de
arte.
Essa classificação é útil, pois há contratos que só recaem sobre bens fungíveis
(ex.: mútuo). E outros que só recaem sobre bens infungíveis (ex.: comodato).
Ademais, para a compensação de dívidas, é necessário que estas sejam líquidas,
vencidas e fungíveis. A expressão fungibilidade também aparece para classificar as
obrigações e em matéria de ações possessórias e recursos, quando se admite o
conhecimento de uma ação ou um recurso por outro.
2.5.2.1.3.Consumíveis/inconsumíveis
Bens consumíveis são os móveis cujo uso importa sua destruição ou os
destinados à alienação. Ex.: alimentos em geral.
Repare que, para ser consumível, o bem precisa, em primeiro lugar, ser móvel.
Ademais, deve ser daquele tipo de móvel que, uma vez usado, destrói-se
imediatamente, como é o caso dos alimentos. Também são considerados consumíveis,
para fins legais, os bens que forem destinados à alienação. Isso porque, uma vez
alienados, também não têm mais utilidade para o vendedor.
Bens inconsumíveis são os imóveis ou os móveis cujo uso não importa sua
destruição e que não esteja destinado à alienação. Ex.: uma obra de arte que
ornamenta a casa de alguém, um carro, uma casa.
Essa classificação é útil, pois os bens consumíveis não podem ser objeto de
usufruto. Se o forem, configurando-se o usufruto impróprio, o usufrutuário, ao final,
deve devolver o equivalente.
Ademais, o CDC adotou classificação semelhante, que divide os bens em
duráveis e não duráveis. Os primeiros ensejam reclamação por vícios em até 90
dias, ao passo que os segundos, em até 30 dias (art. 26 do CDC).
2.5.2.1.4.Divisíveis/indivisíveis
Bens divisíveis são os que se podem fracionar sem alteração da substância,
boa diminuição de valor ou prejuízo do uso a que se destinam. Ex.: quantia em
dinheiro.
Tais bens, mesmo sendo fisicamente divisíveis, podem tornar-se indivisíveis por
disposição de lei ou por vontade das partes.
Bens indivisíveis são os que, caso fracionados, sofrem alteração da substância,
boa diminuição de valor ou prejuízo ao uso a que se destinam, bem como os que, em
virtude da lei ou da vontade das partes, receberam essa qualificação.
Os bens podem ser indivisíveis pelas seguintes causas: a) por natureza, como o
animal, um carro, uma obra de arte; b) por determinação legal, como as servidões
prediais (art. 1.386 do CC), a hipoteca (art. 1.421 do CC), o direito dos coerdeiros
até a partilha (art. 1.791, CC) e a impossibilidade de desmembramento de lote cuja
área seja inferior a 125 m2 (art. 4°, II, da Lei 6.766/1979); c) por vontade das
partes, por convenção que torna coisa comum indivisa por prazo não superior a 5
anos, suscetível de prorrogação (art. 1.320, § 1°, do CC).
Essa classificação é útil em matéria de cumprimento das obrigações em que
houver mais de um devedor ou credor. Caso a prestação seja indivisível, mesmo que
não haja solidariedade entre os devedores, cada um deles responderá pela dívida por
inteiro (art. 259, CC). A classificação também tem relevância quando há um
condomínio sobre um dado bem e se deseja extinguir esse condomínio. Se a coisa for
divisível, a extinção será mais simples. Já, se for indivisível, diferente será o
procedimento para a divisão (arts. 1.320 e 1.322 do CC).
2.5.2.1.5.Singulares/Coletivos
Bens singulares são os bens que, embora reunidos, se consideram de per si,
independentemente dos demais. Ex.: são singulares, quando considerados em sua
individualidade, um boi, uma árvore, um livro etc. Já se cada um deles for
considerado agregado a outros, formando um todo, ter-se-á bens coletivos ou uma
universalidade de fato. Assim, temos bens coletivos num rebanho de gado, numa
floresta e numa biblioteca, respectivamente.
Os bens singulares podem ser de duas espécies:
a) singulares simples, quando suas partes, da mesma espécie, estão ligadas pela
própria natureza (um boi, p. ex.);
b) singulares compostos, quando suas partes se acham ligadas pela indústria humana
(uma casa, p. ex.).
O Código Civil anterior conceituava os bens coletivos ou universais como
aqueles que se encaram agregados em um todo. Tais bens consistem na reunião de
vários bens singulares, que acabam formando um todo com individualidade própria.
Os bens coletivos são chamados também de universais ou de universalidades. Há
duas espécies de universalidades:
a) universalidades de fato, que consistem na pluralidade de bens singulares que,
pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária (exs.: rebanho e biblioteca);
os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas
próprias; assim, pode-se destacar um boi do rebanho e vendê-lo isoladamente;
b) universalidade de direito, que consiste no complexo de relações jurídicas de uma
pessoa, dotadas de valor econômico (exs.: herança, patrimônio, fundo de comércio,
massa falida etc.); a diferença entre a universalidade de fato e a de direito é que a
primeira se forma a partir da vontade do titular, ao passo que a segunda decorre da
lei, que pode, em determinados casos, criar alguns obstáculos à alienação em
separado de partes desse todo.
2.5.2.2.1.Principais/acessórios
Considerados em si mesmos, ou seja, analisados um em comparação com outro,
os bens podem ser principais e acessórios.
Saber se um bem é principal ou acessório é importante, pois o acessório segue o
principal. O contrário, não. E isso pode ter várias repercussões, como em matéria de
formação, validade e extinção dos negócios jurídicos.
A doutrina aponta as seguintes relações entre o bem principal e o bem acessório:
a) a natureza do acessório tende a ser a mesma do principal, tendo em vista o
princípio da gravitação; assim, sendo o solo bem imóvel (por natureza), a árvore
também o é (por acessão); b) o acessório acompanha o principal em seu destino,
salvo disposição legal ou convencional em contrário; c) o proprietário do principal é
proprietário do acessório.
Bens principais são os bens que existem por si, ou seja, independentemente da
existência de outros bens. São exemplos o solo e um contrato de locação etc. Os bens
principais têm existência própria, autônoma.
Bens acessórios são aqueles cuja existência depende da existência de outro, do
principal. São exemplos uma árvore (que depende da existência do solo) e um
contrato de fiança locatícia (que depende de um contrato de locação).
São espécies de bens acessórios:
a) os produtos: utilidades da coisa que não se reproduzem, por exemplo, os
recursos minerais; são utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a
quantidade, porque não se reproduzem periodicamente, como pedras, metais etc.; o
Código Civil dispõe que, apesar de ainda não separados do bem principal, os
produtos podem ser objeto de negócio jurídico; assim, o dono de um sítio pode
vender um caminhão de areia (produto) desse imóvel, mesmo antes de separar a areia
do local;
b) os frutos: utilidades que se reproduzem, podendo ser civis, naturais ou
industriais. Exs.: juros e alugueres (frutos civis), frutos de uma árvore (frutos
naturais) e produção de uma fábrica (frutos industriais); quanto ao seu estado, os
frutos podem ser pendentes (enquanto unidos à coisa que os produziu), percebidos ou
colhidos (depois de separados da coisa que os produziu), estantes (os separados e
armazenados ou acondicionados para venda), percipiendos (os que deviam ser, mas
não foram colhidos e percebidos) e os consumidos (os que não existem mais porque
foram utilizados); o Código Civil também dispõe que, apesar de ainda não separados
do bem principal, os produtos podem ser objeto de negócio jurídico;
Obs.: saber o que é e o que não é produto e fruto, e a situação em que cada fruto
se encontra é relevante principalmente em matéria possessória; o possuidor de boa-fé
que venha a perder a coisa possuída tem direitos diferentes em relação a esses bens,
comparado com o possuidor de má-fé, matéria vista no tópico de Direito das Coisas;
c) as pertenças: são bens móveis que, não constituindo partes integrantes de outros
bens, estão destinados a estes de modo duradouro. São exemplos os móveis de uma
casa e os tratores e equipamentos de uma fazenda. Repare que os bens citados a) são
móveis, b) não estão integrados na coisa de modo que sua retirada comprometesse
sua substância, e c) são bens destinados de modo duradouro à casa e à fazenda. As
pertenças, como se percebe, são bens acessórios. E os bens acessórios, como regra,
seguem o bem principal. Assim, em tese, a venda de uma fazenda importaria também
na venda dos tratores e equipamentos da fazenda. No entanto, o atual Código Civil
resolveu regulamentar o instituto das pertenças justamente para excepcionar essa
regra. O art. 94 diz que os negócios jurídicos que digam respeito ao principal não
abrangem as pertenças. No entanto, o próprio Código Civil dispõe que as pertenças
seguirão o principal caso haja disposição de lei, de vontade ou circunstancial em
contrário. Assim, vendida uma fazenda, os tratores não fazem parte desse negócio.
Vendida uma casa, os móveis dela também não acompanham a venda. No entanto, se a
lei dispuser o contrário, se as partes convencionarem o contrário (ex.: vende-se uma
fazenda com “porteira fechada”) ou se as circunstâncias em que o negócio estiver
sendo feito der a entender que as pertenças acompanharão o bem principal, a regra de
que a pertença não segue o principal fica excepcionada; o STJ decidiu que o
equipamento de monitoramento acoplado a um caminhão por alguém que financiou o
caminhão em contrato de alienação fiduciária é considerado pertença e pode ser
retirado por aquele que financiou o veículo e tem que devolvê-lo porque não mais
consegue pagar o financiamento (REsp 1.667.227-RS, DJe 29.06.2018);
d) as benfeitorias: são melhoramentos feitos em coisa já existente. Por exemplo, um
novo quarto construído numa casa já pronta. Diferem das acessões, que consistem na
criação de coisa nova, como é o caso de uma casa construída num terreno vazio. As
benfeitorias têm as seguintes espécies: i) voluptuárias (são as de mero deleite – não
aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de
elevado valor), ii) úteis (são as que aumentam ou facilitam o uso do bem) e iii)
necessárias (são as indispensáveis à conservação do bem ou a evitar que este se
deteriore). Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos
sobrevindos ao bem sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor. O
instituto da benfeitoria se diferencia do instituto da pertença, pois a primeira passa a
ser parte integrante da coisa. Assim, vendido o bem principal, a benfeitoria nele
realizada, apesar de ser bem acessório, acompanhará o bem principal, ao contrário do
que acontece ordinariamente com a pertença. Saber a natureza da benfeitoria (se
voluptuária, útil ou necessária) também é relevante em matéria de Direito das Coisas,
pois também há tratamento diferenciado acerca dos direitos que têm os possuidores
de boa e de má-fé em relação à coisa que perderam. Em matéria de desapropriação o
tema também é pertinente, pois, uma vez feito o decreto expropriatório, o expropriado
não terá mais direito a indenizações decorrentes de benfeitorias que fizer
posteriormente na coisa, salvo se se tratar de benfeitoria necessária, em qualquer
caso, e se se tratar de benfeitoria útil autorizada pelo Poder Público.
2.5.2.3.Bens públicos
Essa temática é desenvolvida em Direito Administrativo, para onde remetemos o
leitor.
2.6.Fatos Jurídicos
2.6.1.Fato jurídico em sentido amplo
Em sentido amplo, fato jurídico é todo acontecimento natural ou humano que
produz efeito jurídico, ou seja, qualquer acontecimento que se dê no mundo
fenomênico que gere uma consequência jurídica é considerado fato jurídico. Assim,
se alguém jogar uma pedra em outra pessoa causando dano a esta, certamente se está
diante de um fato jurídico, pois o acontecimento (jogar uma pedra causando dano)
gera como consequência jurídica o dever de indenizar. Por outro lado, caso alguém
pegue nas mãos uma pedra e a devolva ao chão, jogando-a, não haverá consequência
jurídica alguma, caracterizando-se o que se convencionou chamar de fato simples.
O fato jurídico pode ser de variadas espécies. Confira:
1 . Fato jurídico em sentido estrito: é o acontecimento natural que produz
efeitos jurídicos. Exs.: nascimento, morte, decurso do tempo, raio, temporal etc. O
fato jurídico em sentido estrito pode ser tanto um fato ordinário (como a morte natural
e o decurso do tempo) como um fato extraordinário (como um tufão numa dada
localidade);
2. Ato jurídico: é o acontecimento humano que produz efeitos jurídicos. O ato
jurídico em sentido estrito pode ser dividido em duas espécies, quais sejam, os atos
ilícitos e os atos lícitos:
2.1. Atos ilícitos: são os atos humanos contrários ao Direito, que produzem
efeitos jurídicos não queridos pelo agente. Exemplo de ato ilícito é o atropelamento
de A por B, tendo A agido com imprudência. Esse acontecimento terá como efeito o
surgimento de um dever por parte de A de indenizar B, efeito certamente não querido
por A;
2.2. Atos lícitos: são os atos humanos conformes ao Direito, que geram efeitos
jurídicos normalmente queridos pelo agente. Os atos lícitos podem ser divididos em
três espécies, quais sejam, os atos jurídicos em sentido estrito, os negócios jurídicos
e os atos-fatos jurídicos:
a) Atos jurídicos em sentido estrito (não negocial): são simples comportamentos
humanos, voluntários, conscientes e conformes ao Direito, cujos efeitos jurídicos
são predeterminados pela lei. Aqui, não há liberdade de escolha por parte do agente
dos efeitos jurídicos que resultarão de seu comportamento. São exemplos de ato
jurídico em sentido estrito a tradição (entrega da coisa), o reconhecimento de um
filho, o perdão, a confissão, a mudança de domicílio, a ocupação, o achado de um
tesouro, a notificação etc. Para ilustrar as características do instituto, tomemos o
exemplo do reconhecimento de um filho. Esse ato humano é voluntário, consciente e
conforme ao Direito. Porém, os efeitos que dele decorrem (por exemplo, quanto ao
estado familiar e o dever de prestar alimentos) não podem ser negociados pelo
agente. Não é possível, por exemplo, reconhecer um filho desde que os alimentos
sejam fixados até determinado valor. Aqui há mera atuação da vontade, mera
intenção. Costumam, por fim, ser potestativos;
b) Negócio jurídico: são declarações de vontade qualificadas, cujos efeitos são
regulados pelo próprio interessado. Aqui, há liberdade de escolha por parte daquele
ou daqueles que praticam o ato. Os agentes declaram sua vontade e têm poder de
negociar os efeitos jurídicos que nasceram de sua declaração. São exemplos o
testamento (negócio jurídico unilateral) e o contrato de compra e venda (negócio
jurídico bilateral). Nos dois casos, os agentes têm como estipular as condições dos
atos praticados. Vigora nos negócios jurídicos o princípio da liberdade negocial. Os
efeitos jurídicos dos atos praticados não estão predeterminados na lei, como ocorre
no ato jurídico em sentido estrito. Os efeitos jurídicos são negociados e estipulados
pelos próprios interessados, respeitando a lei, é claro;
c) Atos-fatos jurídicos: são simples comportamentos humanos conformes ao
Direito, mas desprovidos de intencionalidade ou consciência (voluntariedade)
quanto aos efeitos jurídicos que dele resultarão. Ex.: quando uma criança ou algum
outro absolutamente incapaz acha um tesouro, independente do elemento volitivo, ou
seja, da intenção de procurar e de ficar dono do bem, o Direito atribuirá metade dos
bens achados a essas pessoas (art. 1.264 do CC). Aqui, o direito leva em conta
apenas o ato material de achar, pouco importando o elemento volitivo. É por isso que
se fala em ato-fato, uma vez que o comportamento fica entre o ato (por ser humano) e
o fato (da natureza, por não serem relevantes a consciência e a vontade).
Passaremos, agora, ao estudo dos negócios jurídicos, começando por sua
classificação.
2.6.2.2.Quanto às vantagens
Gratuitos são os negócios em que apenas uma das partes aufere benefícios.
Ex.: doação sem encargo.
Onerosos são negócios em que todos os contratantes auferem vantagens e
também encargos. Ex.: compra e venda.
Bifrontes: são tipos de negócios que podem ser gratuitos ou não, de acordo
com a vontade das partes. Ex.: mútuo, depósito e mandato. Os contratos citados
podem ou não ser objetos de remuneração em favor do mutuante, do depositante e do
mandante. Caso haja remuneração o contrato será um negócio jurídico oneroso. Caso
não haja, o contrato será um negócio jurídico gratuito. Deve-se tomar cuidado para
não confundir classificação dos negócios jurídicos com a classificação dos contratos.
Na Parte Geral, estudam-se as classificações dos negócios jurídicos apenas.
2.6.2.3.Quanto à autonomia
Principais são os negócios que existem independentemente da existência de
outros. Ex.: contrato de locação de imóvel.
Acessórios são os negócios cuja existência depende da de outro, o negócio
principal. Ex.: o contrato de fiança locatícia.
Os negócios acessórios seguem a sorte dos negócios principais. Assim, se um
contrato principal é considerado nulo e se extingue, o contrato de fiança também
ficará extinto. O contrário não acontece, ou seja, o negócio acessório não determina a
sorte do negócio principal.
2.6.2.4.Quanto à forma
Solenes (formais) são os negócios que devem obedecer à forma prescrita em
lei. Ex.: escritura, se envolver compra e venda de imóvel; aliás, se essa compra e
venda for de valor superior a 30 salários mínimos, será necessária escritura pública.
Ressalta-se, contudo que, conforme Enunciado 289 JDC/CJF,
o valor de 30 salários mínimos constante no art. 108 do Código Civil
brasileiro, em referência à forma pública ou particular dos negócios jurídicos que
envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes, e não qualquer
outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade tributária.
Se a forma for exigida como condição de validade do negócio jurídico (ex.:
escritura para a venda de imóveis) a sua falta torna o negócio jurídico nulo, por se
tratar de formalidade ad solemnitatem. Mas, se determinada forma tiver por objetivo
apenas a prova do ato (ex.: registro do compromisso de compra e venda no Registro
de Imóveis), estar-se-á diante de formalidade ad probationem tantum e sua falta não
gera a nulidade do ato, mas apenas sua ineficácia perante terceiros. Há casos
especiais em que, como base no princípio da primazia da vontade, o descumprimento
das formalidades legais do ato não gerará a sua nulidade. É o que se dá com
determinados vícios de forma no testamento, se mantida a higidez da manifestação de
vontade do testador (REsp 1.677.931-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por
unanimidade, julgado em 15.08.2017, DJe 22.08.2017).
Não solenes são os negócios de forma livre. Aliás, no Direito Privado, a regra é
a liberdade das formas. Ou seja, quando a lei não impuser determinada forma para a
prática de um negócio, os interessados poderão escolher a forma que mais lhe
aprouverem, tais como a forma verbal, escrita etc.
2.6.3.Reserva mental
O atual Código Civil inovou em relação ao Código anterior ao regulamentar o
instituto da reserva mental.
De acordo com este instituto, “a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu
autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o
destinatário tinha conhecimento” (art. 110).
A reserva mental é, na verdade, a emissão de uma declaração de vontade não
querida em seu íntimo, tendo por objetivo enganar o destinatário dessa declaração de
vontade.
Um exemplo pode aclarar a regra. Imagine que “A” manifeste perante “B” que
emprestará a este determinada quantia em dinheiro, sendo que “A”, no seu íntimo, faz
uma reserva no sentido de que não fará o tal empréstimo. Essa situação pode se dar,
por exemplo, numa situação de crise financeira de “B”, que diz que irá se suicidar,
caso não consiga um empréstimo.
Pois bem, o Código Civil dispõe que essa reserva mental feita por “A” não afeta
a declaração de vontade que fez. Ou seja, a reserva mental feita é irrelevante para o
direito.
Todavia, na hipótese de o destinatário da manifestação da vontade (no caso, “B”)
ter ciência dessa reserva mental (no caso, saiba que “A”, no seu íntimo, não tem
intenção declarada), o Código Civil dispõe que a manifestação de vontade de “A” é
como se não existisse e não precisa ser cumprida. Tal solução se dá, pois, nesse
caso, como “B” está ciente da reserva, não está sendo enganado e, portanto, não
precisa da proteção legal.
2.6.4.Representação
Quando alguém tiver de praticar um negócio jurídico, pode praticar sozinho ou
por meio de um representante. O representante é, então, aquele que atua em nome do
representado.
O s requisitos e os efeitos da representação legal (que decorre da lei) são os
estabelecidos nas normas respectivas; os da representação voluntária (que decorre
de acordo entre as partes) são os da Parte Especial deste Código.
Assim, o estudo específico dos vários tipos de representação, que vai da
representação legal que os pais fazem de seus filhos à representação que ocorre em
relação às pessoas jurídicas e à representação em virtude de mandato, deve ser feito
nas disposições pertinentes previstas no Código Civil e em outras leis.
Porém, a Parte Geral do Código, nos arts. 115 a 120, traz regras acerca da
representação, regras essas que ora serão estudadas.
Os poderes de representação, como se sabe, podem ser conferidos por lei
(representação legal) ou pelo interessado (representação voluntária).
No entanto, o representante, quando atua, é obrigado a demonstrar que é legítimo
representante sob pena de, não o fazendo, responder pelos atos cometidos com
excesso. Confira: “O representante é obrigado a provar às pessoas, com quem tratar
em nome do representado, a sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de,
não o fazendo, responder pelos atos que a estes excederem” (art. 118).
Essa regra faz com que o representante tenha todo interesse em ser bem
transparente com as pessoas com quem contratar, para que estas, posteriormente, não
possam alegar algo em seu desfavor. Além disso, compete ao representante apenas
atuar nos limites de seus poderes.
Nesse sentido, o Código Civil assegura que “a manifestação de vontade pelo
representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao
representado” (art. 116 do CC). Ou seja, desde que o representante aja segundo os
limites em que pode atuar, o representado, seja qual for o negócio praticado, fica
vinculado à manifestação de vontade proferida pelo representante junto a terceiros.
Todavia, há negócios que o representante, mesmo tendo praticado nos limites dos
poderes que tinha, não pode praticar, pelo fato de a lei trazer uma presunção de que
esse tipo de negócio pode ser prejudicial ao representado.
O primeiro caso é dos negócios feitos pelo representante em conflito de
interesses com o representado. Há casos em que o representante pratica atos em
nome do representado, no qual há um interesse do representante que, se atendido,
acabará prejudicando o representado. Tal se dá, por exemplo, quando um vizinho dá
procuração a outro vizinho para que este vote em nome do primeiro numa assembleia
condominial, e, numa das deliberações da assembleia, o procurador é chamado a
votar sobre se o responsável pelo ressarcimento com gastos decorrentes de infiltração
no prédio é ele, o representante, ou seu vizinho, o representado. Caso os outros
vizinhos que participaram da votação tenham ciência de que o que está sendo votado
está em conflito de interesses, o voto deste contra o vizinho representado deverá ser
anulado. Confira, a respeito, o teor do art. 119 do CC: “É anulável o negócio
concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato
era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. Parágrafo único. É de
cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da
incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste
artigo.”
Outro caso polêmico é o do chamado contrato consigo mesmo, em que o
representante, em nome do representado, faz um contrato deste consigo mesmo. Por
exemplo, “A” é representante de “B” e resolve comprar um imóvel de “B”, usando a
procuração que ele deu para si. O contrato terá como partes “A” e “B”, mas “A”
estará atuando, ao mesmo tempo, em nome próprio e como representante de “B”. O
Código Civil repudia esse tipo de situação e só permite o contrato consigo mesmo nos
casos em que a lei o admite expressamente (p. ex., para alienar determinado bem, por
determinado preço – art. 685 do CC) e também nos casos em que o representante
autorizar previamente esse tipo de contratação. Confira, a respeito, o art. 117 do
Código Civil: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio
jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo
representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido
subestabelecidos”.
O parágrafo único do art. 117 trata da hipótese em que “A” recebe procuração de
“B” e substabeleceu poderes de representação a “C”. Nesse caso, se “A” celebrar
contrato, em nome próprio, com “B”, representado por “C”, a lei considera que “A”
está celebrando contrato consigo mesmo, afinal de contas “C” foi escolhido por “A”
para esse intento, que se presume fraudulento.
Em suma, o contrato consigo mesmo (autocontrato) é vedado como regra, só se
admitindo quando a lei permitir ou quando o representado expressamente o autorizar.
A proibição, aliás, também existe no Código de Defesa do Consumidor (art. 51, VIII).
2.6.6.1.Manifestação de vontade
A vontade manifestada é pressuposto básico para que um negócio exista.
Naturalmente, para que haja manifestação de vontade, faz-se necessária a presença de
u m agente emissor dessa vontade, daí porque é desnecessária a indicação desse
elemento, assim como também entendemos desnecessária a indicação do elemento
forma, uma vez que o elemento manifestação de vontade pressupõe a existência de
uma dada forma.
A manifestação de vontade pode ser expressa, tácita e presumida.
A manifestação expressa é aquela que se realiza pela palavra falada ou escrita,
ou por gestos, explicitando a intenção do agente.
A manifestação tácita é aquela que se revela pelo comportamento do agente.
Exemplo de manifestação tácita é o fato de alguém, diante de uma doação com
encargo ofertada por outrem, nada dizer a respeito, mas logo em seguida recolher
imposto de transmissão por doação, comportamento esse que demonstra ter
concordado com a oferta, operando a manifestação tácita de vontade.
A manifestação presumida é aquela que decorre de presunções legais. A
diferença entre a manifestação tácita e a presumida é que esta decorre de situações
regulamentadas expressamente pela lei, como as previstas nos arts. 322, 323, 324,
539 e 1.807 do CC. Um exemplo é a situação em que o doador fixa prazo para o
donatário declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do
prazo, não faça dentro dele a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não
for sujeita a encargo (art. 539 do CC).
Resta a dúvida se o silêncio, por si só, pode importar anuência, que é um tipo de
manifestação de vontade. O Código Civil, em seu art. 111, dispõe que o silêncio
importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa. Dessa forma, não basta mero silêncio
para que se entenda ter havido manifestação de vontade tácita. É necessário que haja
outras circunstâncias ou comportamentos (ou mesmo alguma disposição legal, como o
art. 539 do CC) que levem à conclusão de anuência. Ademais, é necessário que o
negócio não seja daqueles que reclamam declaração de vontade expressa.
2.6.6.2.Finalidade negocial
A simples existência de uma manifestação de vontade não garante que estamos
diante de um negócio jurídico.
Como se viu, não há como confundir o ato jurídico em sentido estrito com o
negócio jurídico. Este se diferencia daquele exatamente pela existência de uma
finalidade negocial.
Isso porque negócios jurídicos são aquelas declarações de vontade
qualificadas, cujos efeitos são regulados pelo próprio interessado. Os agentes
declaram sua vontade e têm poder de negociar os efeitos jurídicos que nasceram de
sua declaração.
Assim, o reconhecimento de um filho, por exemplo, não é um negócio jurídico,
pois não tem fim negocial. Ao contrário, um testamento e um contrato são negócios
jurídicos, pois têm fim negocial. Nos dois casos, os agentes têm como estipular as
condições dos atos praticados. Vigora nos negócios jurídicos o princípio da liberdade
negocial, como se viu.
2.6.6.3.Objeto idôneo
De nada valerá haver uma declaração de vontade se esta não recair sobre algum
objeto. Ademais, também não é suficiente que a declaração recaia sobre um objeto
que não tenha pertinência ao negócio que se deseja fazer.
2.6.7.2.Agente capaz
Não basta que o agente tenha expressado vontade livre. Para que o negócio
jurídico seja válido, é necessário que o agente tenha capacidade de fato, ou seja,
capacidade de exercício.
Caso um absolutamente incapaz pratique um negócio jurídico por si só, ou seja,
sem que o faça por meio de seu representante, ter-se-á uma nulidade absoluta. Já caso
um relativamente incapaz pratique um negócio jurídico sozinho, ou seja, sem a
presença de seu assistente, ter-se-á uma nulidade relativa.
2.6.7.3.Legitimação
Não basta a capacidade geral para que o ato seja válido. O agente também deve
ter aptidão específica para a prática do ato que deseja. Nesse sentido, alguém casado
pelo regime de comunhão parcial e com filhos não poderá alienar um imóvel a um dos
filhos sem a autorização dos outros e do cônjuge, por carecer de legitimação.
2.6.9.1.Condição
Cláusula acertada pelas partes que subordina o efeito do negócio jurídico a
evento futuro e incerto. Espécies:
a) condição suspensiva: a que subordina a eficácia inicial do ato a sua
implementação. Ex.: “se você se casar, começarei a te pagar uma pensão”;
b) condição resolutiva: a que faz com que o ato deixe de produzir efeitos. Ex.: “se
você se casar, deixarei de te pagar a pensão”.
Condições proibidas: as contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes;
as que privam o ato de todos os efeitos (perplexas); as que sujeitam o negócio ao puro
arbítrio de uma das partes (as puramente potestativas é que são proibidas – ex.:
pagarei se quiser; as simplesmente potestativas podem ser válidas – ex.: doarei se
fores bem em sua apresentação); as físicas (nenhum ser humano seria capaz) ou
juridicamente (proibida na lei) impossíveis. Todas elas tornam o negócio nulo. As
condições impossíveis, quando resolutivas, têm-se por inexistentes.
Regras finais: reputa-se verificada a condição se maliciosamente retardada pela
parte a quem prejudica. Por outro lado, reputa-se não verificada a condição se
maliciosamente levada a efeito por quem dela aproveita.
2.6.9.2.Termo
É a data acertada à qual fica subordinado o efeito do negócio jurídico. Ou seja,
é o dia em que começa ou em que se extingue a eficácia do negócio jurídico. O termo
convencional consiste em evento futuro e certo. Mas a data exata pode ser certa (se
definida) ou incerta (ex.: dia da morte).
2.6.10.1.Erro ou ignorância
O erro ou ignorância pode ser conceituado como o engano cometido pelo
próprio agente. O instituto está previsto nos arts. 138 a 144 do CC.
Para tornar o ato anulável, o erro deve ser:
a) substancial (essencial): quanto à sua natureza, seu objeto, suas qualidades;
b) escusável.
c) real: o prejuízo deve ser a causa determinante do negócio.
Exemplo de erro é a situação em que alguém pensa estar fazendo um contrato de
doação, mas está fazendo uma compra e venda.
O erro acidental (relativo a questões secundárias) não gera a anulabilidade do
ato.
A respeito do erro, o Código Civil traz, ainda, as seguintes regras:
a) o falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão
determinante;
b) a transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos
casos em que o é a declaração direta;
c) O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de
vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se
puder identificar a coisa ou pessoa cogitada;
d) o erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade;
e) o erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a
manifestação de vontade se dirige, oferecer-se para executá-la na conformidade da
vontade real do manifestante.
2.6.10.2.Dolo
O dolo pode ser conceituado como o erro provocado pela parte contrária ou
por terceiro, por meio de expediente malicioso. O instituto está previsto nos arts.
145 a 150 do Código Civil.
Exemplo de dolo é a adulteração de quilometragem de veículo, feita pelo
vendedor, em prejuízo do comprador.
Para tornar o ato anulável o dolo deve ser:
a) essencial;
b) com malícia;
c) determinante;
d) não recíproco.
O dolo acidental também não enseja a anulação do ato, mas enseja a reparação
por perdas e danos, circunstância que não acontece no caso de erro acidental.
A respeito do dolo, o Código Civil traz, ainda, as seguintes regras:
a) nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a
respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado constitui omissão
dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado;
b) pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro se a parte a quem
aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que
subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da
parte a quem ludibriou;
c) o dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a
responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do
representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por
perdas e danos;
d) se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o
negócio ou reclamar indenização.
2.6.10.3.Coação
A coação pode ser conceituada como a ameaça que constrange alguém à
prática de um negócio. O instituto está previsto nos arts. 151 a 155 do Código Civil.
Exemplo de coação é o contrato assinado por alguém mediante ameaça de morte.
Para tornar o negócio anulável, a ameaça deve ser:
a) da parte que aproveita ou de terceiro, com conhecimento daquela;
b) determinante;
c) grave: veem-se aspectos subjetivos das partes;
d) injusta: mal prometido não é exercício regular de direito; se for, a ameaça não é
injusta;
e) iminente;
f) relativa ao paciente, sua família ou seus bens.
Se a coação disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz,
com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.
A respeito da coação, o Código Civil traz, ainda, as seguintes regras:
a) ao apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na
gravidade dela;
b) não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o
simples temor reverencial;
c) vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro se dela tivesse ou devesse
ter conhecimento a parte a que aproveite e esta responderá solidariamente com aquele
por perdas e danos;
d) subsistirá o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro sem que a parte a
que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação
responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.
2.6.10.4.Estado de perigo
O estado de perigo pode ser conceituado como a assunção de obrigação
excessivamente onerosa com o intuito de salvar a si ou a alguém de sua família de
grave dano conhecido da outra parte. O instituto está previsto no art. 156 do CC.
Exemplo de estado de perigo é a exigência de cheque-caução em hospital.
O ato cometido em situação de estado de perigo é anulável. Mas há corrente
doutrinária que entende que o ato deveria ser válido, determinando-se apenas o ajuste
das prestações.
2.6.10.5.Lesão
A lesão pode ser conceituada como a assunção de prestação manifestamente
desproporcional ao valor da prestação oposta por premente necessidade ou
inexperiência. O instituto está previsto no art. 157 do CC.
Exemplo de lesão é a compra de imóvel que vale R$ 500 mil por R$ 100 mil, por
inexperiência de quem vende. Outro exemplo é a venda de um apartamento por 40%
do seu preço de mercado para pagar resgate de sequestro não conhecido da outra
parte.
O STJ reconhece a configuração do instituto em contrato no qual o advogado,
aproveitando-se de desespero do cliente, firmou contrato pelo qual sua remuneração
seria de 50% do benefício econômico gerado pela causa (REsp 1.155.200, DJ
02.03.2011).
O instituto requer a configuração de dois elementos para se caracterizar:
a) elemento objetivo: prestação manifestamente desproporcional;
b) elemento subjetivo: premente necessidade ou inexperiência.
Quanto ao requisito subjetivo “inexperiência”, o Enunciado 410 das Jornadas de
Direito Civil traz o seguinte entendimento: “art. 157: A inexperiência a que se refere
o art. 157 não deve necessariamente significar imaturidade ou desconhecimento em
relação à prática de negócios jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o
lesado, ainda que estipule contratos costumeiramente, não tenha conhecimento
específico sobre o negócio em causa.”
O instituto não incide quanto a atos unilaterais, pois há de se comparar a
existência de duas prestações.
Na lesão, não há necessidade de existir: a) situação de perigo; b) conhecimento
da situação pela outra parte.
O ato praticado mediante lesão é anulável. Porém, o negócio pode ser mantido se
a parte prejudicada receber uma compensação.
2.6.11.Atos nulos
São atos nulos os seguintes (art. 166 do CC):
a) os celebrados por pessoa absolutamente incapaz;
b) os de objeto ilícito, impossível ou indeterminável;
c) os que tiverem motivo determinante, comum a ambas as partes, ilícito;
d) os que não revestirem a forma prescrita em lei;
e) os que preterirem alguma solenidade que a lei considere essencial para sua
validade;
f) os que tiverem por objeto fraudar lei imperativa;
g) os que a lei taxativamente declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar
sanção;
h) o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
Qualquer interessado ou o MP, quando cabível, pode alegar a nulidade e o juiz
pode pronunciá-la de ofício (art. 168 do CC).
O negócio nulo não pode ser convalidado pelo decurso do tempo e também não é
suscetível à confirmação pela vontade das partes (art. 169 do CC), salvo situações
excepcionais devidamente justificadas por outros valores de maior expressão
protegidos pela lei.
A sanção de nulidade opera de pleno direito. Assim, a ação judicial respectiva
resulta em sentença de natureza declaratória, com eficácia ex tunc.
Quanto à simulação, essa pode ser de duas espécies:
a) absoluta: quando não se quer negócio algum (ex.: divórcio simulado para fugir
de responsabilidade civil);
b) relativa: quando se encobre um negócio querido.
Na simulação relativa, temos as seguintes situações:
i) negócio simulado: o que se declara, mas não se quer. O negócio simulado é
nulo. Ex.: doação de um imóvel;
ii) negócio dissimulado: o que se pretende de verdade . O negócio dissimulado
pode ser mantido, desde que válido na forma e na substância.
2.6.12.Atos anuláveis
São atos anuláveis os seguintes (art. 171 do CC):
a) os praticados por relativamente incapaz;
b) os com defeito (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra
credores);
c) outros previstos em lei, como no caso de falta de legitimação.
O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, inclusive tacitamente (caso
já tenha sido cumprido com ciência do vício), salvo direito de terceiro.
Só os interessados podem alegar a anulabilidade.
O prazo decadencial para pleitear a anulação é de 2 anos, como regra. Todavia,
para anulação nos casos “a” e “b”, o prazo é de 4 anos.
A sanção de anulabilidade não opera de pleno direito, dependendo de
provocação da parte interessada. Assim, a sentença respectiva tem natureza
constitutiva e eficácia ex nunc.
2.6.13.Anulabilidade X Nulidade
Para fechar o tema das invalidades no Código Civil, faz-se necessário fazer uma
análise comparativa entre os institutos da anulabilidade e da nulidade. Confira a
comparação, que traz, primeiro, informação sobre a anulabilidade e, depois, sobre a
nulidade:
a) interesse envolvido: privado x público;
b) legitimidade para alegar: só interessados x interessados, MP e juiz de ofício;
c) possibilidade confirmação: admite x não admite;
d) consequência do decurso do tempo: convalesce (em regra: 2 anos) x não
convalesce;
e) ação cabível: anulatória x declaratória de nulidade;
f) efeitos da sentença: não retroage (ex nunc) x retroage (ex tunc);
g) possibilidade de aproveitamento: pela convalidação x pela conversão em outro
ato.
2.7.Prescrição e decadência
2.7.1.Prescrição
2.7.1.1.Conceito
É a causa extintiva da pretensão por seu não exercício no prazo estipulado
pela lei. Diz respeito às ações condenatórias.
2.7.1.2.Características
a) parte que se beneficia só pode renunciar ao direito após o decurso do prazo (art.
191 do CC);
b) prazos não podem ser alterados por convenção (art. 192 do CC);
c) pode-se reconhecê-la em qualquer grau de jurisdição (art. 193 do CC);
d) relativamente incapaz e PJ têm ação contra responsáveis por ela (art. 195 do CC);
e) prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor (art.
196 do CC).
f) A exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão.
2.7.1.5.Prazos
2.7.1.5.1.Geral
A prescrição ocorre em 10 anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor
(art. 205 do CC).
2.7.2.Decadência
2.7.2.1.Conceito
É a causa extintiva do direito potestativo pelo seu não exercício no prazo
estipulado pela lei.
Diz respeito às ações constitutivas.
2.7.2.2.Características
a) salvo disposição legal, não se aplicam os casos de impedimento, suspensão e
interrupção (art. 207 do CC);
b) não corre prazo decadencial contra absolutamente incapaz (art. 208 do CC);
c) é nula a renúncia à decadência legal (art. 209 do CC), mas a decadência
convencional pode ser alterada;
d) o juiz deve conhecer de ofício decadência legal (art. 210 do CC);
e) pode-se reconhecê-la a qualquer tempo (art. 211 do CC);
f) “o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória prorroga-se para o
primeiro dia útil seguinte, caso venha a findar no recesso forense, sendo irrelevante a
controvérsia acerca da natureza do prazo para ajuizamento da ação, se prescricional
ou decadencial, pois, em ambos os casos, o termo ad quem seria prorrogado (EREsp
667.672-SP, DJe 26.06.2008). Desse modo, na linha do precedente da Corte Especial
e outros precedentes do STJ, deve-se entender cabível a prorrogação do termo ad
quem do prazo prescricional no caso” (STJ, REsp 1.446.608-RS, j. 21.10.2014).
3.1.Introdução
3.1.1.Conceito
Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de
exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação
positiva ou negativa.
3.1.2.Elementos
3.1.2.1.Sujeitos
Trata-se do elemento subjetivo. De acordo com esse elemento, toda obrigação
tem duas classes de sujeitos, o ativo (credor) e o passivo (devedor) (devedor).
3.1.2.2.Objeto
Aqui temos o elemento objetivo. Toda obrigação requer um objeto, ou seja, uma
conduta humana a ser cumprida. O objeto pode ser dividido em dois. O objeto
imediato, que será dar, fazer ou não fazer. Já o objeto mediato será “o que” se vai dar,
fazer ou não fazer. Por exemplo, quem tem uma dívida de R$ 500 está diante de uma
obrigação cujo objeto imediato é “dar” e o objeto mediato é o “dinheiro”. Para que o
negócio seja válido, seu objeto (tanto o imediato como o mediato) deve ser lícito,
possível jurídica e fisicamente, e determinável (art. 166, II, do CC). Assim, se um
contrato estipular a obrigação de entregar a herança de pessoa viva, esse negócio será
nulo, pois seu objeto é impossível juridicamente.
3.1.2.3.Vínculo jurídico
Não basta a existência de sujeitos e de um objeto para que se constitua uma
obrigação. Se duas pessoas estiverem simplesmente conversando e uma delas estiver
com um livro nas mãos, não terá se formado obrigação alguma. Agora, se essas
pessoas combinarem a venda do livro, aí sim ter-se-á criado um vínculo jurídico, com
obrigações para as duas partes, inclusive. Um fica obrigado a entregar o livro; o
outro, a pagar um preço.
3.2.1.1.Obrigação civil
É aquela que pode ser exigida por meio de ação judicial. São exemplos a
obrigação de entregar uma coisa, na compra venda, e a obrigação de pagar alugueres,
na locação.
3.2.1.2.Obrigação natural
É aquela que não pode ser exigida por meio de ação judicial, mas, caso
cumprida voluntariamente, não pode ser repetida. Ou seja, o devedor não é
obrigado a cumpri-la, mas, se o fizer, o credor não é obrigado a devolver o que
recebeu. A retenção (soluti retentio) é único efeito da obrigação natural. São
exemplos as obrigações relativas a dívidas prescritas (art. 882 do CC) e dívidas de
jogo (art. 814 do CC). Vide também art. 564, III, do CC. A obrigação natural diz
respeito a uma dívida inexigível, portanto, não passível de compensação.
3.2.2.Quanto à extensão
3.2.2.1.Obrigação de resultado
É aquela em que o devedor se compromete a atingir determinado fim, sob pena
de responder pelo insucesso. São exemplos a obrigação do vendedor de entregar a
coisa vendida, a obrigação do transportador de levar o passageiro são e salvo ao
destino e a obrigação do cirurgião plástico em cirurgias de natureza estética.
3.2.2.2.Obrigação de meio
É aquela em que o devedor se compromete a empregar seus conhecimentos e
técnicas com vistas a alcançar determinando fim, pelo qual não se responsabiliza.
São exemplos as obrigações dos médicos e dos advogados. Tais profissionais se
obrigam a fazer o melhor, mas não se obrigam, por exemplo, a curar, no primeiro
caso, e a ganhar uma ação, no segundo.
Essa classificação é importante em matéria de responsabilidade civil contratual.
3.2.3.2.Obrigação condicional
É aquela cujos efeitos estão subordinados a evento futuro e incerto.
3.2.3.3.Obrigação a termo
É aquela cujos efeitos estão subordinados a evento futuro e certo.
3.2.5.Quanto à liquidez
3.2.5.1.Obrigação líquida
É aquela cujo objeto está determinado. Por exemplo, quando alguém se obriga a
pagar R$ 500. Está-se diante de uma obrigação líquida.
3.2.5.2.Obrigação ilíquida
É aquela cujo objeto não está determinado. Por exemplo, quando alguém
atropela uma pessoa, que sofre danos materiais diversos e morais. De início, a
obrigação de indenizar não é líquida.
Essa classificação é importante em matéria de configuração da mora (o art. 397
do CC considera em mora, de pleno direito, o devedor que descumpre obrigações
positivas e líquidas); de compensação (o art. 369 dispõe que esta só é possível entre
dívidas vencidas, de coisas fungíveis e líquidas); e de imputação do pagamento (o art.
352 exige, para que o devedor indique a dívida que está pagando, que esta seja
vencida e líquida).
3.2.6.1.Obrigação principal
É aquela que existe por si só. São exemplos as decorrentes do contrato de
compra e venda (de entregar uma coisa e de pagar um preço).
3.2.6.2.Obrigação acessória
É aquela cuja existência depende da existência da principal. São exemplos a
multa (cláusula penal) e juros de mora.
Essa classificação é importante para efeito de aplicação da seguinte regra: “o
acessório segue o principal”. Por exemplo, a nulidade do principal leva à nulidade do
acessório. O contrário não ocorre, claro. Nosso Código acolhe tal regra em vários
dispositivos, como nos arts. 92, 184, 233 e 364.
3.2.8.1.Obrigação simples
É aquela que só tem um sujeito ativo, um sujeito passivo e um objeto. Por
exemplo, a obrigação de “A” entregar um carro a “B”.
3.3.1.1.Conceito
É aquela de entregar ou restituir uma coisa. Na compra e venda, temos a
entrega da coisa. No comodato, a restituição. Essas duas formas de dar são espécies
do gênero tradição.
No nosso direito, só se adquire a propriedade de uma coisa móvel com a
tradição, de modo que, enquanto essa não se der, o devedor da coisa (vendedor)
permanece proprietário dela. Isso gera as seguintes consequências (art. 237 do CC):
a) a coisa perece para o dono (res perit domino); b) os melhoramentos e acrescidos
na coisa até a tradição beneficiam o dono, que poderá exigir aumento no preço.
3.3.2.Obrigação de fazer
3.3.2.1.Conceito
É aquela em que o devedor presta atos ou serviços.
3.3.2.2.Espécies
a) personalíssima (intuitu personae, infungível ou imaterial), em que só o devedor
pode cumprir a obrigação, seja porque assim se estabeleceu (o contrato diz que o
devedor cumprirá pessoalmente a obrigação), seja porque sua própria natureza
impede a substituição do devedor (por exemplo, na contratação de um cantor para um
show ou de um artista plástico para fazer uma escultura);
b) impessoal (fungível ou material), em que não é necessário que o devedor cumpra
pessoalmente a obrigação, ou seja, para o credor o importante é que o objeto seja
prestado, ainda que por terceiro.
Há também obrigação de fazer no contrato preliminar (pacto de contrahendo),
que é aquele em que se faz uma promessa de fazer contrato futuro. É o caso do
compromisso de compra e venda, por exemplo.
3.3.3.1.Conceito
É aquela em que o devedor deve se abster de praticar um ato ou uma atividade.
Também é chamada de obrigação negativa ou obrigação de abstenção. São
exemplos a obrigação de não construir acima de certa altura ou de não divulgar
determinado segredo.
3.3.4.Obrigação alternativa
3.3.4.1.Conceito
É a aquela que tem dois ou mais objetos e que se extingue com a prestação de
um deles. Há previsão de mais de um objeto, mas o devedor se exonera cumprindo
apenas um deles. Por exemplo, uma pessoa se obriga a entregar seu carro ou sua moto.
Entregando um ou outro, está exonerado da obrigação.
3.3.4.2.Escolha
Compete ao devedor como regra (favor debitoris). Mas as partes podem estipular
que a escolha compete ao credor ou a terceiro. A escolha só se considera feita após
comunicação à parte contrária. O não exercício do direito de escolha no prazo
acarreta decadência para o seu titular.
3.3.6.Obrigação solidária
3.3.6.1.Conceito
É aquela em que há mais de um credor ou mais de um devedor, cada um com
direito, ou obrigado, à dívida toda. Por exemplo, se “A” e “B” (devedores) devem
R$ 1.000,00 a “C” e “D”, os últimos podem exigir, juntos ou isoladamente, os R$
1.000,00 integrais só de “A” ou só de “B”. A solidariedade pode recair só sobre os
devedores (solidariedade passiva), só sobre os credores (solidariedade ativa) ou
sobre ambos os polos (solidariedade mista).
3.3.6.3.Solidariedade ativa
É aquela em que qualquer um dos credores pode exigir sozinho a totalidade da
obrigação junto ao devedor. Por exemplo, os titulares de uma conta-corrente. Eles
são credores solidários dos valores depositados, podendo exigir do banco a entrega
de todo o numerário. O devedor pode se exonerar da dívida pagando-a a qualquer dos
credores. No entanto, se já tiver sido demandado por algum deles (é necessário
citação), só poderá a esse pagar em razão do princípio da prevenção. O credor que
tiver recebido a prestação responderá perante os outros. Com a morte do credor
solidário, desaparece a solidariedade em relação aos herdeiros isoladamente
considerados. Se a prestação for convertida em perdas e danos, subsiste a
solidariedade.
3.3.6.4.Solidariedade passiva
É aquela em que cada um dos devedores pode ser demandado a cumprir a
totalidade da obrigação junto ao credor. Com a morte de um dos devedores
solidários, só se pode cobrar de um herdeiro, isoladamente, a quota correspondente
ao seu quinhão hereditário. Se houver impossibilidade da obrigação por culpa de um
dos devedores, todos continuam solidários pelo valor da coisa em dinheiro, mas pelas
perdas e danos só responde o culpado. Se houver inexecução da obrigação, todos
respondem pelos juros solidariamente, mas o culpado deverá ressarcir os demais. As
defesas comuns (ex.: prescrição) podem ser alegadas por qualquer devedor solidário.
Já as defesas pessoais (ex.: erro, coação) só podem ser alegadas pelo devedor a que
disserem respeito. O credor pode renunciar à solidariedade total (em relação a todos
os devedores) ou parcialmente (em relação a um deles, por exemplo). O devedor que
tiver pagado a obrigação terá direito de regresso contra os demais. A presunção é a
de que as cotas de cada devedor são iguais. Se um dos codevedores for insolvente,
sua quota será dividida igualmente por todos.
3.3.6.5.Aspectos processuais
No processo de conhecimento, cabe ao devedor solidário valer-se do
chamamento ao processo. Já no processo de execução, quando couber, é possível
alegar o benefício de ordem, que é a faculdade de o executado indicar à penhora bens
livres de outro devedor solidário.
3.4.2.Cessão de crédito
3.4.2.1.Conceito
É o negócio jurídico bilateral pelo qual o credor transfere a outrem, a título
oneroso ou gratuito, os seus direitos na relação obrigacional. Há três figuras: o
cedente (credor que transmite o crédito), o cessionário (terceiro que recebe o crédito)
e o cedido (o que continua devedor).
3.4.2.2.Limites materiais
Como regra, qualquer crédito pode ser objeto de cessão, salvo por
impossibilidade decorrente: a) da natureza da obrigação (ex.: alimentos de direito de
família); b) da lei (ex.: crédito penhorado); e c) da convenção com o devedor (pacto
de non cedendo).
3.4.2.3.Forma
Como regra, cabe qualquer forma admitida em lei. Todavia, se a cessão tiver por
objeto direito que só pode ser transmitido por escritura pública, há de se obedecer
esta forma (ex.: cessão de direitos hereditários).
3.4.2.6.Responsabilidade do cedente
Se a cessão for a título oneroso, o cedente fica responsável pelo seguinte: a) pela
existência do crédito quando da cessão; b) pela sua qualidade de credor; e c) pela
validade da obrigação. Já se for a título gratuito, o cedente só responde pela
existência do crédito se tiver procedido de má-fé. Em qualquer caso, só haverá
responsabilidade pelo débito se o cedente tiver assumido expressamente a
responsabilidade pela solvência do cedido. Nesse caso teremos a cessão pro
solvendo, e a responsabilidade é apenas pelo que o cedente tiver recebido do
cessionário, acrescido de juros e despesas com a cessão.
3.4.3.1.Conceito
É o negócio jurídico bilateral pelo qual um terceiro (assuntor) assume a
posição de devedor. O que ocorre é tão somente a substituição no plano passivo, sem
que haja extinção da dívida, de modo que não se confunde com a novação subjetiva
passiva, em que nasce uma obrigação nova.
3.4.3.2.Espécies
a) Expromissão: é o contrato entre o credor e o terceiro, pelo qual esse assume a
posição de novo devedor, sem a participação do devedor originário;
b) Delegação: é o contrato entre o devedor originário (delegante) e o terceiro
(delegatário), com a concordância do credor.
3.4.3.3.Efeitos
a) Liberatórios: o devedor originário fica desvinculado do pagamento da dívida.
Essa é a regra;
b) cumulativos: o devedor originário continua vinculado, servindo a assunção de
reforço da dívida, com solidariedade entre os devedores. A doutrina também chama a
hipótese de adesão, coassunção ou adjunção à dívida. Trata-se de caso que depende
de convenção expressa. Essa hipótese não se confunde com a fiança, pois o novo
devedor responde por dívida própria.
3.5.1.Introdução
As obrigações podem ser extintas de dois modos. O modo satisfatório ocorre
quando o credor recebe a prestação ou tira algum proveito. A satisfação pode ser
direta (ex.: pagamento) ou indireta (ex.: compensação). O modo não satisfatório
ocorre quando a obrigação fica extinta sem qualquer proveito para o credor (ex.:
remissão, prescrição, novação etc.).
3.5.2.Pagamento
3.5.2.1.Conceito
É o efetivo cumprimento da prestação. O termo “pagamento” vale para designar o
cumprimento de qualquer modalidade obrigação (de dar, fazer ou não fazer).
3.5.2.2.Elementos essenciais
a) Existência de obrigação que justifique o pagamento, sob pena de se tratar de
pagamento indevido, possibilitando repetição de indébito;
b) intenção de pagar (animus solvendi), sob pena de se tratar de pagamento por
engano, também possibilitando repetição;
c) cumprimento da prestação;
d) presença de sujeito que paga (solvens);
e) presença daquele a quem se paga (accipens).
3.5.2.5.Objeto do pagamento
O pagamento deve coincidir com a coisa devida. Assim, o credor não é obrigado
a receber prestação diversa da pactuada, ainda que mais valiosa. Da mesma forma, só
se pode constranger o credor a receber o todo, não em partes. As dívidas em dinheiro
deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente (real) e pelo valor nominal.
Quanto ao valor nominal, a própria lei admite a convenção de aumento progressivo de
prestações sucessivas, dando força à ideia de dívida de valor (e não de dívida de
dinheiro). O reajuste automático de prestação tem o nome de cláusula de escala
móvel. A Lei 10.192/2001 considera nula de pleno direito a estipulação de reajuste
em periodicidade inferior a um ano. Também se admite a revisão da obrigação
“quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor
da prestação devida e o do momento de sua execução” (art. 317 do CC). Adotou-se a
teoria da imprevisão. Outrossim, são nulas as convenções de pagamento em ouro ou
em moeda estrangeira. A ideia é preservar o curso forçado da moeda nacional. Há
exceções no Dec.-Lei 857/1969 e na Lei 6.423/1977 (ex.: importação e exportação).
Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação.
3.5.2.6.Lugar do pagamento
É aquele onde o devedor deve cumprir a obrigação e o credor exigir seu
cumprimento. A regra é o domicílio do devedor (dívida quesível ou quérable). Mas
por motivo legal, convencional ou circunstancial é possível que a obrigação tenha de
ser cumprida no domicílio do credor (dívida portável ou portable). Se o pagamento
consistir na tradição de um imóvel ou em prestações relativas a imóvel, far-se-á no
lugar onde estiver situado o bem. Será válido o pagamento feito em lugar diverso se
houver motivo grave que justifique isso e não haja prejuízo para o credor. Vale
ressaltar que o pagamento reiteradamente feito em outro lugar faz presumir que o
credor renunciou à previsão respectiva feita em contrato. Trata-se da aplicação do
princípio da boa-fé objetiva e da eticidade, por meio dos institutos da supressio,
consistente na possibilidade de supressão de uma obrigação contratual pelo não
exercício pelo credor, gerando uma legítima expectativa no devedor de que essa
abstenção se prorrogará no tempo, e da surrectio, consistente na obtenção de um
direito que não existia, face à reiterada prática de conduta diversa pelas partes.
3.5.2.7.Tempo do pagamento
Salvo disposição legal ou contratual em contrário, pode o credor exigir
imediatamente o pagamento. O credor poderá cobrar a dívida antes do vencimento se:
a) o devedor cair em falência ou concurso de credores; b) os bens do devedor,
hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; c)
cessarem, ou se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias ou reais,
e o devedor, intimado, negar-se a reforçá-las.
3.5.3.Pagamento em consignação
3.5.3.1.Conceito
Forma especial de pagamento, por meio de depósito judicial ou em
estabelecimento bancário, cabível quando houver mora do credor ou risco para o
devedor na realização do pagamento direto. Serve para a entrega de qualquer objeto,
só não se admite para a obrigação de fazer ou não fazer. Se for feito por processo de
conhecimento, a sentença tem natureza declaratória. Para que o devedor fique
exonerado da obrigação, a consignação deve cumprir os mesmos requisitos exigidos
para a validade do pagamento quanto às pessoas, ao objeto, modo, tempo e lugar. O
depósito em estabelecimento bancário só é admitido quando a prestação for em
dinheiro.
3.5.3.2.Cabimento
a) Se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar
quitação na devida forma;
b) se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição
devidos;
c) se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir
em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;
d) se ocorrer dúvidas sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;
e) se pender litígio sobre o objeto do pagamento.
3.5.4.1.Conceito
É a operação pela qual a dívida se transfere a terceiro que a pagou, com todos os
seus acessórios. Tem-se aqui uma sub-rogação subjetiva, uma vez que há troca de
devedor. Extingue-se a obrigação com relação ao credor original. Por outro lado,
transferem-se ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do
primitivo em relação à dívida.
3.5.4.2.Espécies
a) Legal ou automática: é a que opera de pleno direito, em favor:
a1) do credor que paga a dívida do devedor comum; aqui temos um devedor com
dois credores, sendo que um desses paga o outro para evitar o fim do patrimônio do
devedor, por exemplo;
a2) do adquirente do imóvel hipotecado, que paga o credor hipotecário, bem
como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre o
imóvel;
a3) do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser
obrigado, no todo ou em parte;
b) convencional: é a que decorre da vontade das partes e que se verifica nos
seguintes casos:
b1) quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe
transfere todos os seus direitos;
b2) quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a
dívida, sob a condição de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor
satisfeito. Ex.: contratos de mútuo pelo Sistema Financeiro da Habitação.
3.5.5.Imputação do pagamento
3.5.5.1.Conceito
É a indicação ou determinação da dívida a ser quitada quando uma pessoa
obrigada por dois ou mais débitos, líquidos e vencidos, da mesma natureza e com o
mesmo credor só pode pagar um deles.
3.5.5.2.Regra geral
Cabe ao devedor indicar, no ato do pagamento, qual dívida deseja saldar.
3.5.6.Dação em pagamento
3.5.6.1.Conceito
É o acordo de vontades por meio do qual o credor aceita receber prestação
diversa da que lhe é devida. Na dação o que é alterado na relação obrigacional é
apenas o objeto, sendo que credor e devedor permanecem os mesmos. Por exemplo,
uma pessoa devia R$ 1.000,00 e combina com o credor que pagará com a entrega de
uma bicicleta. Trata-se de contrato real, pois só se aperfeiçoa com a tradição. Se for
determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes regular-
se-ão pelas normas do contrato de compra e venda.
3.5.6.2.Efeitos
Extingue a obrigação original. Todavia, se houver evicção, ficará restabelecida a
prestação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada.
3.5.7.Novação
3.5.7.1.Conceito
É a criação de obrigação nova para extinguir a anterior. Trata-se, ao mesmo
tempo, de causa extintiva e geradora de obrigações. Decorre da vontade dos
interessados, não da lei.
3.5.7.2.Requisitos de validade
a) Existência de obrigação anterior: assim, não podem ser objeto de novação
obrigações nulas ou extintas. Todavia, sujeitam-se a novação as obrigações anuláveis,
haja vista que esta pode ser confirmada pela novação;
b) constituição de nova dívida: há de ser algo efetivamente novo e válido. Se a nova
dívida for nula será restabelecida a obrigação anterior;
c) intenção de novar ou animus novandi: o CC aduz que o ânimo de novar pode ser
expresso ou tácito, porém deve ser inequívoco. Se assim não o for a segunda
obrigação simplesmente confirma a primeira. Trata-se de requisito subjetivo, muitas
vezes de difícil demonstração, mormente no que tange à forma tácita. Assim, o ideal é
que a manifestação seja exarada de forma expressa para que não restem dúvidas.
3.5.7.3.Espécies
a) objetiva ou real: quando houver modificação no próprio objeto da obrigação. Por
exemplo, substitui-se obrigação em dinheiro para obrigação de não fazer;
b) subjetiva ou pessoal: quando houver substituição de um dos sujeitos da obrigação
anterior; não se confunde com a cessão de crédito e a assunção de dívida, pois na
novação o vínculo anterior é extinto e cria-se um novo. Pode ser:
b1) ativa: quando houver substituição do credor, formando-se nova dívida entre
devedor e terceiro;
b2) passiva: quando houver substituição do devedor. Será chamada novação por
expromissão quando o devedor é substituído sem o seu consentimento; se for por
ordem do devedor, chama-se delegação, sendo necessária a anuência do credor.
c) mista ou subjetiva-objetiva: quando, ao mesmo tempo, houver substituição do
objeto e de algum dos sujeitos da obrigação anterior.
3.5.8.Compensação
3.5.8.1.Conceito
É a extinção das obrigações entre duas pessoas que são, ao mesmo tempo,
credora e devedora uma da outra. As obrigações ficam extintas até onde se
compensarem. Por exemplo, se “A” deve R$ 1.000,00 a “B” e este, R$ 800 a “A”,
pela compensação, a segunda obrigação fica extinta, remanescendo uma dívida de R$
200 de “A” para “B”.
3.5.8.2.Espécies
a) Legal: é a que decorre da lei, automaticamente. Nesse caso, o devedor poderá
alegar a compensação na contestação (exceção de compensação) ou em embargos do
devedor. Por se tratar de questão dispositiva, o juiz não pode pronunciá-la de ofício,
salvo em relação a honorários advocatícios fixados na própria sentença;
b) Convencional: é a que decorre da vontade das partes.
3.5.9.Confusão
Confusão é a extinção da obrigação pela reunião, em uma única pessoa, das
qualidades de credora e devedora na relação jurídica. A confusão pode ser total ou
parcial. O processo será extinto, sem julgamento de mérito. Um exemplo é um
herdeiro que recebe de herança um crédito contra si mesmo.
3.6.2.Mora
3.6.2.1.Conceito
Quanto ao devedor, consiste no não pagamento, e quanto ao credor, na não
aceitação do pagamento no tempo, lugar e forma devidos. É importante ressaltar que
a diferença entre mora e inadimplemento absoluto é que, na primeira, a obrigação
ainda pode ser cumprida.
3.6.2.2.1.Espécies
a) Mora ex re (ou de pleno direito): é aquela em que o fato que a ocasiona está
previsto objetivamente na lei. Assim, a mora é automática. Basta que ocorra o fato
para que se configure a mora. Ex.: quando a obrigação tem data de vencimento. O CC
estabelece que “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo,
constitui de pleno direito em mora o devedor” (art. 397 do CC). Trata-se das
chamadas obrigações impuras, em que se aplica a regra do dies interpellat pro
homine. Outra regra de mora automática é a seguinte: “nas obrigações provenientes de
ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou” (art. 398 do CC);
b) mora ex persona (ou por ato da parte): é aquela que depende de providência
por parte do credor para que se caracterize. Por exemplo, a que depende de
interpelação judicial ou extrajudicial, protesto ou mesmo citação do devedor. Aliás,
caso ainda não esteja configurada a mora num dado caso, a citação válida terá sempre
esse efeito segundo o art. 240 do NCPC. O CC estabelece que “não havendo termo, a
mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial” (art. 397, parágrafo
único). Trata-se das chamadas obrigações perfeitas, em que, por não haver
vencimento, a mora depende de notificação. Mas há casos em que, mesmo havendo
termo (vencimento) estabelecido, a lei determina que a mora só se configurará após
notificação extrajudicial ou judicial. É o caso dos compromissos de compra de venda
e da alienação fiduciária em garantia.
Ressalta-se que a cobrança de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede
a caracterização da mora do devedor (Enunciado 354 JDC/CJF).
3.6.2.2.2.Pressupostos
a) Exigibilidade da prestação; ou seja, termo vencido ou condição suspensiva
implementada;
b) inexecução culposa; assim, se o devedor conseguir provar que a inexecução
ocorreu por caso fortuito ou força maior, fica excluída a mora;
c) viabilidade do cumprimento tardio; ou seja, não se estará diante de mora se a
inexecução da obrigação tornar inútil ao credor seu cumprimento posterior; nesse
caso tem-se inadimplemento absoluto.
Vale observar que a “simples propositura da ação de revisão de contrato não
inibe a caracterização da mora do autor” (Súmula 380 do STJ).
3.6.2.2.3.Efeitos
Caracterizada a mora, o credor tem duas opções:
a) exigir o cumprimento da obrigação, mais o pagamento de todos os prejuízos
que a mora causar, incluindo perdas e danos, juros, atualização monetária e
honorários de advogado;
b) enjeitar a prestação, exigindo a satisfação de todas as perdas e danos, caso a
prestação, devido à mora, tornar-se inútil aos seus interesses.
Obs.: estando o devedor em mora, esse responderá, inclusive, pela
impossibilidade da prestação. Trata-se do efeito que a doutrina chama de
perpetuação da obrigação (perpetuatio obligationis). O devedor responde mesmo
que a impossibilidade decorra de caso fortuito ou de força maior. Só não responderá
se provar que o dano teria ocorrido mesmo que tivesse cumprido a prestação a termo
(exceção de dano inevitável).
3.6.2.3.1.Pressupostos
a) Vencimento da obrigação; o credor não é obrigado a receber antes do tempo;
todavia, se o vencimento já tiver ocorrido e o credor não quiser receber, estará
configurada sua mora, independentemente de culpa do credor; se não houver
vencimento, o devedor deverá notificar para constituição em mora;
b) efetiva oferta da prestação pelo devedor ao credor;
c) recusa injustificada em receber; assim, não se configura a mora se o credor tem
justo motivo para não aceitar o pagamento, como no caso de haver diferença entre o
que deveria ser cumprido e o que é oferecido.
Obs.: o ônus da prova da mora do credor é do devedor. É por isso que o devedor
deve propor ação de consignação em pagamento, exonerando-se da obrigação e
evitando a incidência de penalidades e indenizações.
3.6.2.4.Purgação da mora
É a atitude voluntária da parte que tem por finalidade sanar o cumprimento
defeituoso da obrigação pelo seu efetivo adimplemento. O devedor em mora deve
oferecer a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta. O
credor em mora deve oferecer o recebimento, sujeitando-se aos efeitos da mora até a
mesma data.
3.6.4.Juros legais
A lei usa a expressão juros legais no capítulo que trata dos juros moratórios.
Como se sabe, juros moratórios são aqueles que têm caráter indenizatório pelo
retardamento no cumprimento da obrigação. Esses juros também têm caráter punitivo.
Não se deve confundir os juros moratórios com os juros remuneratórios (ou
compensatórios). Esses são devidos como forma de remunerar o capital emprestado
(ex.: taxa de juros do cheque especial). A lei estabelece as seguintes regras para os
juros moratórios:
a) as partes podem convencionar os juros moratórios no percentual de até 12% ao
ano;
b) se as partes não convencionarem os juros moratórios, estes serão fixados “segundo
a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional”, ou seja, segundo a taxa Selic; o STJ vem entendendo que se aplica a taxa
Selic, não incidindo, cumulativamente, correção monetária, uma vez que ela já embute
essa correção (EResp 727.842/SP, DJ 20.11.2008).
c) ainda que não se alegue prejuízo, o devedor é obrigado ao pagamento de juros
moratórios, inclusive quando não se deve dinheiro, fixando-se, nesse caso, valor
pecuniário para o cálculo dos juros devidos.
3.6.5.Cláusula penal
3.6.5.1.Conceito
É a obrigação acessória que incide caso uma das partes deixe de cumprir a
obrigação principal. Por exemplo, fixa-se o pagamento de uma multa de 10% caso o
aluguel não seja pago em dia. Decorre de convenção entre as partes. Essa cláusula
pode ser estipulada tanto para a mora como para o inadimplemento absoluto.
3.6.5.2.Finalidades
a) meio de coerção: trata-se incentivo ao fiel cumprimento da obrigação;
b ) prefixação de perdas e danos: ou seja, independentemente de provar a
existência de danos, o credor pode exigi-la do devedor em caso de não cumprimento
da obrigação.
3.6.5.3.Indenização suplementar
Como regra, a cláusula penal é substitutiva (ou disjuntiva), ou seja, o credor não
poderá pedir indenização suplementar. Todavia, caso haja previsão de que a cláusula
penal é apenas uma indenização mínima, o credor poderá pedir a complementação,
hipótese em que teremos a clausula penal cumulativa.
Amenizando um pouco a regra, o Enunciado 430 das Jornadas de Direito Civil
entende que, em se tratando de contrato de adesão, não há necessidade de convenção
prevendo a possibilidade de indenização suplementar caso o valor do dano supere o
valor da cláusula penal. Nesse sentido, confira: “art. 416, parágrafo único: no
contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na
cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de
convenção”.
3.6.5.4.Espécies
a) compensatória: é a estipulada para a hipótese de total inadimplemento da
obrigação; nesse caso, o credor só poderá exigir a multa, uma vez que a prestação já
não pode mais ser cumprida;
b) moratória ou compulsória: é a estipulada para evitar o retardamento culposo no
cumprimento da obrigação ou para dar segurança especial a uma cláusula
determinada; nesse caso, o credor poderá exigir a prestação e a multa.
3.6.6.Arras ou sinal
3.6.6.1.Conceito
É o bem entregue por um dos contratantes a outro como confirmação do
contrato e princípio de pagamento. Trata-se de pacto acessório e contrato real (só se
aperfeiçoa com a entrega do dinheiro ou da coisa).
3.6.6.2.Espécies
a) confirmatórias: são as utilizadas para confirmar o negócio. Se quem pagar as
arras desistir do contrato, ficará sem elas em favor da outra parte. Já se quem recebeu
as arras desistir do contrato, deverá devolvê-las em dobro, com atualização
monetária, juros e honorários de advogado. As arras confirmatórias servem de
prefixação das perdas e danos. Se os prejuízos superarem seu valor, pode-se pedir
indenização suplementar;
b) penitenciais: são as utilizadas para a prefixação das perdas e danos, no caso de
qualquer das partes desistir do contrato. A regra é igual à das arras confirmatórias.
A diferença é que aqui não cabe pedido de indenização suplementar.
4.1.3.1.1.Exteriorização de vontade
Consiste na manifestação de vontade expressa ou tácita. A manifestação
expressa é aquela exteriorizada de modo inequívoco. Pode ser verbal, escrita ou
gestual. A manifestação tácita é aquela que decorre de um comportamento. Por
exemplo, uma pessoa recebe uma proposta para ganhar um bem em doação e, sem
nada dizer, recolhe o imposto de transmissão de bens, aceitando tacitamente a doação.
4.1.3.1.2.Acordo de vontades (consentimento)
Consiste na coincidência de vontades no sentido da formação do contrato.
Assim, para existir um contrato, não basta a exteriorização de uma vontade. São
necessárias duas vontades coincidentes. Não se admite, portanto, a existência do
autocontrato ou contrato consigo mesmo. O que pode haver é que um mandatário
celebre contrato figurando, de um lado, em nome do mandante e, de outro, em nome
próprio. Por exemplo, “A” celebra um contrato com “B”, sendo que “A” recebeu uma
procuração de “B” para atuar em nome desse. Não é sempre que o Direito autoriza
uma situação dessas. O art. 117 do CC, inclusive, dispõe que, “salvo se o permitir a
lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu
interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”.
4.1.3.1.3.Finalidade negocial
Consiste na vontade de regulamentar uma dada relação jurídica, o que difere
da simples intenção manifestada por uma determinada vontade. Assim, quem celebra
um contrato de compra e venda busca regulamentar uma dada relação jurídica,
celebrando um negócio jurídico. Já aquele que muda de domicílio manifesta apenas
uma intenção, sem buscar a regulamentação de uma relação jurídica em especial.
4.1.3.1.4.Apreciação pecuniária
Consiste na existência de um elemento econômico no acordo de vontades. A
patrimonialidade é considerada, pela doutrina, como ínsita a todo e qualquer tipo de
contrato, ainda que existente apenas no caso de descumprimento do dever principal.
4.1.3.1.5.Elementos especiais
Há determinados contratos que exigem, para sua formação, a presença de outros
elementos. É o caso dos contratos reais, que exigem, para a sua existência, a entrega
da coisa. Por exemplo, o mútuo (empréstimo de coisa fungível) só passa a existir
quando há tradição.
4.1.3.2.1.Vontade livre
Consiste na vontade externada sem vícios. O pressuposto não é preenchido, por
exemplo, se a vontade resulta de erro, dolo ou coação, situações em que o contrato
será considerado anulável (art. 171, II, CC).
4.1.4.1.Introdução
Antes de se formar, o contrato passa por uma fase, a fase pré-contratual, que
também é chamada de fase de puntuação, de tratativas ou de negociações
preliminares. Em seguida, as partes podem fazer um contrato preliminar (que é aquele
que acerta a celebração de um contrato futuro), podem fazer um contrato definitivo ou
podem não fazer contrato algum.
Portanto, há de se separar bem três situações: a) fase de negociações preliminares
à formação do contrato; b) contrato preliminar; c) contrato definitivo.
A fase de negociações preliminares não gera, como regra, obrigações entre
aqueles que negociam. Todavia, a doutrina e a jurisprudência evoluíram no sentido de
dar mais responsabilidade aos envolvidos nessa fase. Com base no princípio da boa-
fé, vem se entendendo que, se na fase das negociações preliminares forem criadas
fortes expectativas em um dos negociantes, gerando inclusive despesas de sua parte, o
outro negociante deverá responder segundo a chamada responsabilidade pré-
contratual, instituto jurídico que se aplica apenas à fase de negociações preliminares,
daí o nome “pré-contratual”. Nesse sentido, vale transcrever trecho da obra de Maria
Helena Diniz sobre o assunto: “todavia, é preciso deixar bem claro que, apesar de
faltar obrigatoriedade aos entendimentos preliminares, pode surgir, excepcionalmente,
a responsabilidade civil para os que deles participam, não no campo da culpa
contratual, mas no da aquiliana. Portanto, apenas na hipótese de um dos participantes
criar no outro a expectativa de que o negócio será celebrado, levando-o a despesas, a
não contratar com terceiro ou a alterar planos de sua atividade imediata, e depois
desistir, injustificada e arbitrariamente, causando-lhe sérios prejuízos, terá, por isso,
a obrigação de ressarcir todos os danos. Na verdade, há uma responsabilidade pré-
contratual, que dá certa relevância jurídica aos acordos preparatórios, fundada não só
no princípio de que os interessados deverão comportar-se de boa-fé, prestando
informações claras e adequadas sobre as condições do negócio (…), mas também nos
arts. 186 e 927 do Código Civil, que dispõem que todo aquele que, por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano”
(Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3, 26a ed., São Paulo: Saraiva, p. 42, 2010).
Nada obstante, entre a fase de tratativas e a celebração do contrato em si, há atos
com consequência jurídica relevante. Tais atos são a “oferta” e a “aceitação”,
essenciais à formação do contrato.
4.1.4.3.Aceitação
A aceitação pode ser conceituada como a adesão integral do oblato à proposta
formulada.
Para que a aceitação leve à formação do contrato são necessários os seguintes
requisitos (arts. 431 e 432 do CC):
a) deve ser expedida no prazo;
b) não deve conter adições, restrições ou modificações;
c) deve ser expressa.
A aceitação tácita só se admite se há costume entre as partes (art. 111 do CC) ou
nos casos legais (ex.: silêncio do donatário em face de doação oferecida por alguém –
art. 539 do CC).
Uma vez que a aceitação foi feita cumprindo os requisitos legais, seu efeito
jurídico será a criação do vínculo contratual.
No entanto, o vínculo não será criado nos seguintes casos:
a) se houver retratação (art. 433 do CC); nesse caso, a retratação deve chegar ao
conhecimento do proponente junto ou antes da aceitação;
b) se, embora expedida a tempo, por motivo imprevisto, a aceitação chegar tarde ao
conhecimento do proponente (ex.: por problema nos correios), conforme art. 430 do
CC; nesse caso, o proponente ficará liberado, mas deverá comunicar imediatamente o
fato ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos.
4.2.3.Princípio da relatividade
É aquele pelo qual os efeitos dos contratos só são produzidos entre as partes.
Decorre do princípio da autonomia da vontade.
4.3.1.1.Contratos unilaterais
São aqueles em que há obrigações para apenas uma das partes. São exemplos a
doação pura e simples, o mandato, o depósito, o mútuo (empréstimo de bem fungível
– dinheiro, p. ex.) e o comodato (empréstimo de bem infungível). Os três últimos são
unilaterais, pois somente se formam no instante em que há entrega da coisa (são
contratos reais). Entregue o dinheiro, por exemplo, no caso do mútuo, esse contrato
estará formado e a única parte que terá obrigação será o mutuário, a de devolver a
quantia emprestada (e pagar os juros, se for mútuo feneratício).
4.3.1.2.Contratos bilaterais
São aqueles em que há obrigações para ambos os contratantes. Também são
chamados de sinalagmáticos. A expressão “sinalagma” confere a ideia de
reciprocidade às obrigações. São exemplos a prestação de serviços e a compra e
venda.
4.3.1.4.Contratos bifrontes
São aqueles que originariamente podem ser unilaterais ou bilaterais. São
exemplos o mandato e o depósito. Se for estipulada remuneração em favor do
mandatário ou do depositário, estar-se-á diante de contrato bilateral, pois haverá
obrigações para ambas as partes. Do contrário, será unilateral, pois haverá
obrigações apenas para o mandatário ou para o depositário.
Importância da classificação: a classificação é utilizada, por exemplo, para
distinguir contratos em que cabe a exceção de contrato não cumprido. Apenas nos
contratos bilaterais é que uma parte pode alegar a exceção, dizendo que só cumpre a
sua obrigação após a outra cumprir a sua. Nos contratos unilaterais, como só uma das
partes tem obrigações, o instituto não se aplica. Isso vale tanto para a inexecução total
(hipótese em que se alega a exceptio non adimplecti contractus) como para a
inexecução parcial (hipótese em que se alega a exceptio non rite adimplecti
contractus), previstas no art. 476 do CC, e ainda para a exceção de insegurança,
prevista no art. 477 do CC.
4.3.2.Quanto às vantagens
4.3.2.1.Contratos gratuitos
São aqueles em que há vantagens apenas para uma das partes. Também são
chamados de benéficos. São exemplos a doação pura e simples, o depósito não
remunerado, o mútuo não remunerado e o comodato.
4.3.2.2.Contratos onerosos
São aqueles em que há vantagens para ambas as partes. São exemplos a compra
e venda, a prestação de serviços, o mútuo remunerado (feneratício) e a doação com
encargo.
Não se deve confundir a presente classificação com a trazida anteriormente e
achar que todo contrato unilateral é gratuito e que todo contrato bilateral é oneroso.
Como exemplo de contrato unilateral e oneroso pode-se trazer o mútuo feneratício.
Importância da classificação: a) os institutos da evicção e dos vícios
redibitórios somente são aplicados aos contratos onerosos; b) na fraude contra
credores, em se tratando de contratos gratuitos celebrados por devedor insolvente ou
reduzido à insolvência, o consilium fraudis é presumido. Nos contratos onerosos, por
sua vez, tal consilium deve ser provado; c) na responsabilidade civil, essa se
configura por mera culpa de qualquer das partes em contratos onerosos, ao passo que,
nos contratos gratuitos, quem detém o benefício só responde se agir com dolo; d) na
interpretação dos contratos, essa será estrita (não ampliativa) nos contratos gratuitos
ou benéficos.
4.3.3.1.Contrato consensual
É aquele que se forma no momento do acordo de vontades. São exemplos a
compra e venda e o mandato. Nesse tipo de contrato, a entrega da coisa (tradição) é
mera execução.
4.3.3.2.Contrato real
É aquele que somente se forma com a entrega da coisa. São exemplos o
comodato, o depósito e o mútuo. Nesses contratos a entrega da coisa é requisito para
a formação, a existência do contrato.
4.3.4.Quanto à forma
4.3.4.2.Contratos solenes
São aqueles que devem obedecer a uma forma prescrita em lei. São exemplos a
compra e venda de imóveis (deve ser escrita, e, se de valor superior a 30 salários
mínimos, deve ser por escritura pública), o seguro e a fiança.
A forma, quando trazida na lei, costuma ser essencial para a validade do negócio
(forma ad solemnitatem). Porém, em algumas situações, a forma é mero meio de
prova de um dado negócio jurídico (forma ad probationem tantum).
4.3.5.1.Contratos impessoais
São aqueles em que a prestação pode ser cumprida, indiferentemente, pelo
devedor ou por terceiro. Em obrigações de dar, por exemplo, não importa se é o
próprio devedor ou terceiro quem cumpre a obrigação, mas sim que essa seja
cumprida.
4.3.5.2.Contratos personalíssimos
São aqueles celebrados em razão de qualidades pessoais de pelo menos um dos
contratantes, não podendo a respectiva prestação ser cumprida por terceiro .
Também são chamados de contratos intuitu personae. Geralmente, nesse tipo de
contrato, há obrigações de fazer. Os elementos confiança, qualidade técnica e
qualidade artística são primordiais. São exemplos a contratação de um pintor
renomado para realizar uma obra de arte e a contratação de um cantor para se
apresentar numa casa de espetáculos. Nesses dois exemplos, a pessoalidade é da
natureza do contrato. Entretanto, é possível que, por vontade dos contratantes, fique
estipulado o caráter personalíssimo desse.
Importância da classificação: a) em caso de não cumprimento da obrigação, em
se tratando de contrato impessoal, o credor tem, pelo menos, duas opções, quais
sejam, mandar executar a obrigação por terceiro à custa do devedor ou simplesmente
requerer indenização por perdas e danos; no caso de contrato personalíssimo, todavia,
a obrigação não cumprida se converte em obrigação de pagar perdas e danos, já que
só interessa seu cumprimento pelo devedor e não por terceiro;
b) em caso de falecimento do devedor, em se tratando de contrato impessoal, a
obrigação fica transmitida aos herdeiros, que deverão cumpri-la nos limites das
forças da herança; no caso de contrato personalíssimo, por sua vez, o falecimento do
devedor antes de incorrer em mora importa a extinção do contrato, não transferindo as
obrigações respectivas aos herdeiros daquele. De acordo com o STJ, em razão da
natureza personalíssima do contrato entre o cliente e o advogado, “não é possível a
estipulação de multa no contrato de honorários para as hipóteses de renúncia ou
revogação unilateral do mandato do advogado, independentemente de motivação,
respeitado o direito de recebimento dos honorários proporcionais ao serviço
prestado” (REsp 1.346.171-PR, DJe 07.11.2016).
4.3.6.3.Contratos mistos
São os que resultam da fusão de contratos nominados com elementos
particulares, não previstos pelo legislador, criando novos negócios contratuais .
Exemplo é o contrato de exploração de lavoura de café, em que se misturam
elementos atípicos com contratos típicos, como a locação de serviços, a empreitada, o
arrendamento rural e a parceria agrícola.
4.3.7.2.Contratos de adesão
São aqueles cujas cláusulas são aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente sem que o aderente possa modificar ou discutir
substancialmente seu conteúdo. Exemplos: contratos de financiamento bancário,
seguro e telefonia. A lei estabelece que a inserção de uma cláusula no formulário não
desnatura o contrato, que continua de adesão.
Importância da classificação: Os contratos de adesão têm o mesmo regime
jurídico dos contratos paritários, mas há algumas diferenças pontuais. Se o contrato
de adesão for regido pelo Direito Civil, há duas regras aplicáveis: a) as cláusulas
ambíguas devem ser interpretadas favoravelmente ao aderente (art. 423 do CC); b) a
cláusula que estipula a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da
natureza do contrato é nula (art. 424 do CC). Já se o contrato de adesão for regido
pelo CDC, há duas regras peculiares a esse contrato (art. 54 do CDC): a) os contratos
de adesão admitem cláusula resolutória, mas essas são alternativas, cabendo a
escolha ao consumidor, ou seja, é ele quem escolhe se deseja purgar a mora e
permanecer com o contrato ou se prefere a sua resolução; b) as cláusulas limitativas
de direito devem ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil
identificação, sendo que o desrespeito a essa regra gera a nulidade da cláusula (art.
54, § 4°, c/c o art. 51, XV, do CDC).
4.3.8.Quanto à definitividade
4.3.8.1.Contratos definitivos
São aqueles que criam obrigações finais aos contratantes. Os contratos são, em
sua maioria, definitivos.
4.3.8.2.Contratos preliminares
São aqueles que têm como objeto a realização futura de um contrato definitivo.
Um exemplo é o compromisso de compra e venda. Os contratos preliminares devem
conter os requisitos essenciais do contrato a ser celebrado, salvo quanto à forma.
Assim, enquanto a compra e venda definitiva de um imóvel deve ser por escritura
pública, o compromisso de compra e venda pode ser por escritura particular. Além
disso, o contrato preliminar deve ser levado a registro para ter eficácia perante
terceiros. Assim, um compromisso de compra e venda não precisa ser registrado para
ser válido, mas sem a formalidade não há como impedir que um terceiro o faça antes,
pois, não registrando, carregará esse ônus. De qualquer forma, o compromissário
comprador, uma vez pagas todas as parcelas do compromisso, tem direito à
adjudicação compulsória, independentemente da apresentação do instrumento no
Registro de Imóveis. O compromissário deve apenas torcer para que alguém não tenha
feito isso antes. As regras sobre o contrato preliminar estão nos artigos 462 e 463 do
CC:
a) consequência imediata do contrato preliminar: desde que não conste cláusula de
arrependimento, qualquer das partes pode exigir a celebração do contrato definitivo,
assinalando prazo à outra. É importante ressaltar que, em matéria de imóveis, há
diversas leis impedindo a cláusula de arrependimento;
b) consequência mediata do contrato preliminar: esgotado o prazo mencionado sem
a assinatura do contrato definitivo, a parte prejudicada pode requerer ao Judiciário
que supra a vontade do inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isso se opuser a natureza da obrigação.
4.3.9.1.Contrato comutativo
É aquele em que as partes, de antemão, conhecem as prestações que deverão
cumprir. Exs.: compra e venda, prestação de serviços, mútuo, locação, empreitada
etc. A maior parte dos contratos tem essa natureza.
4.3.9.2.Contrato aleatório
É aquele em que pelo menos a prestação de uma das partes não é conhecida de
antemão. Ex.: contrato de seguro.
4.3.10.1.Contratos instantâneos
São aqueles em que a execução se dá no momento da celebração. Um exemplo é
a compra e venda de pronta entrega e pagamento.
4.3.10.2.Contratos de execução diferida
São aqueles em que a execução se dá em ato único, em momento posterior à
celebração. Constitui exemplo a compra e venda para pagamento em 120 dias.
4.4.Onerosidade excessiva
4.4.1.Introdução
A Primeira Guerra Mundial trouxe sérias consequências à execução dos
contratos, principalmente os de longo prazo. Isso fez com que ganhasse força a ideia
de que está implícita em todo pacto uma cláusula pela qual a obrigatoriedade de seu
cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de fato que deu origem à sua
formação. Tratava-se da chamada cláusula rebus sic stantibus (“enquanto as coisas
estão assim”). Enquanto as condições fáticas existentes quando da celebração do
contrato estiverem inalteradas, as disposições desse serão obrigatórias. Modificadas
tais condições, causando desequilíbrio entre os contratantes, há de se alterar suas
disposições. No Brasil, houve certa resistência a essa ideia, uma vez que o país
acabara de ganhar um novo Código Civil (o de 1916), que não fazia referência ao
assunto. Isso fez com que a ideia do rebus sic stantibus acabasse sendo aceita desde
que os novos fatos fossem extraordinários e imprevisíveis, daí porque entre nós
ganhou o nome de Teoria da Imprevisão. Mesmo assim, era só uma teoria. Algumas
leis até trataram da questão, mas sempre de modo pontual. São exemplos a Lei de
Alimentos, a Lei de Locações e a Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Sobreveio o Código de Defesa do Consumidor, que inovou ao permitir a revisão
contratual por onerosidade excessiva, independentemente de fato imprevisível. E em
2003, com a entrada em vigor do atual CC, previu-se para qualquer contrato regido
pelo Direito Civil o instituto da “resolução por onerosidade excessiva”, contudo
novamente vinculada à ocorrência de fatos imprevisíveis. Como se verá, o CC adotou
um nome infeliz (“resolução”), pois, em caso de onerosidade excessiva por fato
imprevisível, deve-se, em primeiro lugar, buscar a revisão contratual e não a extinção
do contrato.
4.4.4.Revisão no CDC
O CDC não exige fato extraordinário e imprevisível para que haja o direito de
revisão contratual. Basta um fato superveniente que gere uma excessiva onerosidade
(art. 6°, V, do CDC). Nesse particular, é bom lembrar que não se deve confundir o
direito de revisão com o de modificação contratual. Essa existirá quando a cláusula
contratual for originariamente desproporcional, ou seja, quando já nascer abusiva; e
aquela existirá quando o contrato nascer equilibrado e se tornar excessivamente
oneroso.
4.5.Evicção
4.5.1.Conceito
É a perda da coisa adquirida onerosamente, em virtude de decisão judicial ou
administrativa que a atribui a outrem por motivo anterior à aquisição. A expressão
vem do latim evincere, que significa ser vencido. O exemplo comum é daquele que
adquire onerosamente um bem de quem não é dono, vindo a perdê-lo por uma ação
movida pelo verdadeiro proprietário da coisa. Quem aliena direito sobre o bem tem,
assim, o dever de garantir que era seu titular e que a transferência o atribuirá
realmente ao adquirente. Trata-se da garantia quanto a defeitos do direito, diferente da
garantia concernente aos vícios redibitórios, que diz respeito ao uso e gozo da coisa.
O instituto da evicção tem três personagens, quais sejam, o alienante (aquele que
transferiu o direito sobre a coisa, e que não era seu verdadeiro titular), o evicto
(aquele que adquiriu o direito sobre a coisa, mas foi vencido numa demanda
promovida por terceiro, verdadeiro titular de tal direito) e o evictor ou evencente
(terceiro reivindicante da coisa, que vence a demanda que promoveu contra o
adquirente).
4.5.2.Incidência
O instituto incide tanto na perda da posse como na perda do domínio sobre a
coisa; a perda pode ser parcial ou total; deve se tratar de contrato oneroso; a garantia
subsiste mesmo na compra feita em hasta pública; a privação da coisa, configuradora
da evicção, pode se dar tanto por decisão judicial, como por decisão administrativa.
4.5.3.Garantia
Ocorrendo a evicção, o evicto se voltará contra o alienante para fazer valer os
seguintes direitos:
a) de restituição integral do preço ou das quantias pagas ; o preço será o do valor
da coisa na época em que se evenceu;
b) de indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir;
c) de indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente
resultarem da evicção; assim, as despesas contratuais com escritura pública, registro
e imposto de transmissão, bem como qualquer outra que decorra diretamente da perda
da coisa, como a correção monetária e os juros, deverão ser indenizadas;
d) de ressarcimento das custas judiciais e dos honorários do advogado por ele
constituído;
e) de pagamento das benfeitorias necessárias ou úteis que fizer, não abonadas pelo
reivindicante.
Observação: no caso de a evicção ser parcial, mas considerável, como na
hipótese de o evicto perder setenta por cento do bem que comprou, ele terá duas
opções. Além de poder pedir a restituição da parte do preço correspondente ao
desfalque sofrido, pode optar pela rescisão do contrato, com a devolução total do
preço pago. Deve-se deixar claro, todavia, que, além de parcial, deve ser
considerável a evicção (art. 455).
Segundo o STJ, “a pretensão deduzida em demanda baseada na garantia da
evicção submete-se ao prazo prescricional de três anos” (REsp 1.577.229-MG, DJe
14.11.2016).
4.5.4.1.Possibilidades
Segundo o art. 448 do CC, é facultado às partes, desde que por cláusula expressa,
reforçar, diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção.
Assim, pode-se estipular expressamente que, em caso de evicção, o adquirente
terá direito à devolução do preço com um acréscimo de cinquenta por cento, por
exemplo, punição que reforça a garantia.
Pode-se também diminuir e até excluir a responsabilidade pela evicção,
estipulando-se expressamente que, em caso de perda da coisa, o adquirente não terá
direito à devolução do preço por inteiro (diminuição) ou do valor total pago
(exclusão).
Entretanto, o art. 449 do CC dispõe que, mesmo havendo cláusula excluindo a
garantia contra evicção (a chamada cláusula genérica de exclusão ou cláusula de
irresponsabilidade), se esta vier a ocorrer, o evicto ainda assim terá direito ao
pagamento do preço pago pela coisa, salvo se tiver ciência do risco da evicção e
assumido expressamente esse risco. Há, portanto, dois tipos de exclusão
estabelecidos em lei: a exclusão parcial e a exclusão total.
4.5.4.2.Exclusão parcial
Dá-se quando há mera cláusula que exclui a garantia (ex.: fica excluída a garantia
que decorre da evicção). Neste caso, o evicto continuará tendo direito à devolução do
preço pago pela coisa, ficando excluídos somente os demais direitos que decorrem da
evicção (indenização dos frutos, despesas, prejuízos, sucumbência e benfeitorias). Tal
limitação da autonomia da vontade decorre da necessidade de dar guarida ao
princípio do não enriquecimento sem causa. Aqui temos uma cláusula genérica de
exclusão da garantia.
4.5.4.3.Exclusão total
Dá-se quando presentes três requisitos. O primeiro deles consiste na a) existência
de uma cláusula de exclusão da garantia, como aquela dada anteriormente como
exemplo. Além disso, é necessário que b) o evicto tenha ciência do risco da evicção,
como na hipótese em que é informado que corre uma demanda reivindicatória
promovida por terceiro em face do alienante. Por fim, é imprescindível que, ciente do
risco de perda da coisa, c) o evicto o tenha assumido, vale dizer, é necessário
assunção do risco por parte do adquirente. Trata-se da chamada cláusula específica
de exclusão da garantia. O art. 449 do CC não impõe textualmente que os dois
últimos requisitos (ciência e assunção do risco da evicção) estejam expressos numa
cláusula contratual, de modo que se pode admitir sua comprovação de outra forma.
4.6.Vícios redibitórios
4.6.1.Conceito
São problemas ocultos presentes em coisas recebidas em virtude de contrato
comutativo, que as tornem impróprias ao uso a que são destinadas ou lhes
diminuam o valor. O instituto está previsto nos arts. 441 a 446 do CC. São exemplos
um carro com motor ruim e um apartamento com infiltração, vícios que o comprador
nem sempre pode perceber. O fundamento do instituto é o princípio da garantia quanto
à coisa. Não se deve confundir o instituto dos vícios redibitórios com o do erro e do
dolo. O vício é um problema na coisa, ao passo que o erro e o dolo são problemas na
vontade. Além disso, o vício possibilita a redibição do contrato ou o abatimento no
preço, ao passo que o erro e o dolo ensejam a anulação do contrato.
4.6.3.Efeitos
Configurado o vício, o adquirente poderá ingressar com uma das seguintes ações
(denominadas ações edilícias):
4.6.3.1.Ação redibitória
É aquela que objetiva a rescisão do contrato. Nesta ação pede-se a extinção do
contrato, com a devolução do valor recebido e o pagamento das despesas do contrato.
Se o alienante sabia do vício, o adquirente pode também pedir indenização por perdas
e danos.
4.6.5.Termo a quo
Conta-se o prazo da (do):
4.6.5.2.Data da alienação
Quando o adquirente estava na posse da coisa. Nesse caso, o prazo fica reduzido
à metade.
4.6.6.Garantia contratual
O CC estabelece que “não correrão os prazos da garantia legal na constância da
garantia contratual” (art. 446). Isso significa que, havendo garantia voluntária (ex.: até
a próxima Copa do Mundo), primeiro se conta o prazo dela, para só depois se contar
o prazo da garantia legal. Todavia, a lei dispõe que, havendo garantia voluntária (= a
garantia contratual), o adquirente deve denunciar eventual defeito que a coisa tiver ao
alienante no prazo de 30 dias após seu descobrimento, sob pena de decadência. Ou
seja, a lei dá com uma mão (diz que os prazos de garantia voluntária e legal devem
ser somados), mas tira com a outra (estabelece um procedimento diferente, que obriga
o adquirente a avisar a ocorrência do defeito ao alienante 30 dias após essa
descoberta), prazo independente do de garantia. Aqui temos o chamado “prazo de
aviso”. De qualquer forma, nunca haverá decadência em prazo menor que o próprio
prazo de garantia legal (30 dias para móvel e 1 ano para imóvel).
4.7.2.Invalidação
O contrato anulável produz seus efeitos enquanto não for anulado pelo Poder
Judiciário. Uma vez anulado (decisão constitutiva), o contrato fica extinto com efeitos
“ex nunc”. Já o contrato nulo recebe do Direito uma sanção muito forte, sanção que o
priva da produção de efeitos desde o seu início. A parte interessada ingressa com
ação pedindo uma decisão declaratória, decisão que deixa claro que o contrato nunca
pode produzir efeitos, daí porque essa decisão tem efeitos “ex tunc”. Se as partes
acabaram cumprindo “obrigações”, o juiz as retornará ao estado anterior.
4.7.3.Resolução
Confira as hipóteses de extinção do contrato pela resolução:
4.7.4.Resilição
4.7.4.1.Conceito
É a extinção dos contratos pela vontade de um ou de ambos contratantes. A
palavra-chave é vontade. Enquanto a resolução é a extinção por inexecução contratual
ou onerosidade excessiva, a resilição é a extinção pela vontade de uma ou de ambas
as partes.
4.7.4.2.Espécies
a) bilateral, que é o acordo de vontades para pôr fim ao contrato (distrato). A
forma para o distrato é a mesma que a lei exige para o contrato. Por exemplo, o
distrato de uma compra e venda de imóvel deve ser por escritura, pois esta é a forma
que a lei exige para o contrato. Já o distrato de um contrato de locação escrito pode
ser verbal, pois a lei não exige documento escrito para a celebração de um contrato
de locação. É claro que não é recomendável fazer um distrato verbal no caso, mas a
lei permite esse procedimento.
b) unilateral, que é a extinção pela vontade de uma das partes (denúncia). Essa
espécie de resilição só existe por exceção, pois o contrato faz lei entre as partes. Só é
possível a denúncia unilateral do contrato quando: i) houver previsão contratual ou ii)
a lei expressa ou implicitamente autorizar. Exemplos: em contratos de execução
continuada com prazo indeterminado, no mandato, no comodato e no depósito (os três
últimos são contratos feitos na base da confiança), no arrependimento de compra feita
fora do estabelecimento comercial (art. 49 do CDC) e nas denúncias previstas na Lei
de Locações (arts. 46 e 47 da Lei 8.245/1991). A lei exige uma formalidade ao
denunciante. Este deverá notificar a outra parte, o que poderá ser feito
extrajudicialmente. O efeito da denúncia é “ex tunc”. Há uma novidade no atual CC,
que é o “aviso prévio legal”. Esse instituto incide se alguém denuncia um contrato
prejudicando uma parte que fizera investimentos consideráveis. Nesse caso, a lei
dispõe que a denúncia unilateral só produzirá efeitos após um prazo compatível com a
amortização dos investimentos (art. 473, parágrafo único).
4.7.5.Morte
Nos contratos impessoais, a morte de uma das partes não extingue o contrato. Os
herdeiros deverão cumpri-lo segundo as forças da herança. Já num contrato
personalíssimo (contratação de um advogado, contratação de um cantor), a morte da
pessoa contratada extingue o contrato.
4.7.6.Rescisão
A maior parte da doutrina encara a rescisão como gênero, que tem como espécies
a resolução, a resilição, a redibição etc.
4.8.Compra e venda
4.8.1.Introdução
Na fase primitiva da civilização havia apenas troca ou permuta de objetos. Isso
porque não havia denominador comum de valores. Em seguida, algumas mercadorias
passaram a ser utilizadas como padrão monetário (ouro, prata, cabeça de gado).
Aliás, cabeça de gado chamava pecus, o que deu origem à palavra pecúnia. Até que
surgiu o papel-moeda, que é um elemento representativo de um padrão monetário. Isso
possibilitou grande circulação de riqueza, tornando o contrato de compra e venda o
mais comum dos contratos.
4.8.2.Conceito
É o contrato pelo qual um dos contratantes (vendedor) se obriga a transferir o
domínio de coisa corpórea ou incorpórea, e outro (comprador), a pagar-lhe certo
preço em dinheiro ou valor fiduciário equivalente . Ou seja, um dá uma coisa (um
alimento, um móvel, um eletrodoméstico) e o outro dá dinheiro ou outro valor
fiduciário (cheque, por exemplo). Perceba que compra e venda não transfere a
propriedade da coisa, mas apenas obriga uma das partes a transferir a coisa a outro.
4.8.3.Sistemas
Quanto aos efeitos dos contratos de compra e venda, existem três:
4.8.3.1.Francês
Nesse sistema o contrato tem o poder de transferir o domínio da coisa. Ou seja,
celebrado o contrato de compra e venda, independentemente da tradição (na coisa
móvel) ou do registro (na coisa imóvel), a propriedade dela já é do comprador.
4.8.3.2.Romano
Nesse sistema o contrato apenas cria obrigações. O descumprimento do contrato
gera perdas e danos.
4.8.3.3.Brasileiro
Adotamos o sistema romano, com poucas exceções. Assim, o contrato de compra
e venda gera obrigações e não transferência direta da propriedade.
4.8.4.Classificação
O contrato de compra e venda é bilateral, consensual, oneroso, comutativo e não
solene (salvo os direitos reais sobre imóveis).
4.8.5.Elementos
4.8.5.1.Consentimento
a) deve recair sobre uma coisa e um preço (elemento de existência);
b) deve recair sobre a natureza do contrato e sobre o objeto (elemento de validade);
não recaindo, pode-se estar diante de erro ou dolo;
c) deve ser livre e espontâneo (elemento de validade); não o será se houver coação;
d) deve surgir de agente capaz (elemento de validade).
4.8.5.2.Preço
a) deve ter peculiaridade (ser ou representar dinheiro), seriedade (ser verdadeiro,
real, sob pena de ser simulação) e certeza (certo ou determinável);
b) a lei admite o preço segundo: i) acordo entre os contratantes; ii) arbítrio de
terceiro escolhido pelas partes; iii) tabelamento oficial; iv) taxa de mercado ou bolsa
em certo dia e lugar; v) índices ou parâmetros (p. ex.: valor do petróleo);
c) a lei admite, excepcionalmente, convenção de venda sem fixação de preço, desde
que essa seja a intenção das partes, hipótese em que se considera o tabelamento
oficial ou o preço corrente das vendas habituais do vendedor;
d) o preço é livre, mas existem alguns temperamentos, que podem tornar o contrato
anulável, como, por exemplo, em “Negócios da China” (aplicação do instituto da
lesão – art. 157 do CC) e no estado de perigo (art. 156 do CC).
4.8.5.3.Coisa
a) pode ser corpórea (móveis e imóveis) ou incorpórea (ações, direito de autor,
créditos);
b) deve ser existente, ainda que de modo potencial; se for inexistente por ter perecido
(ex.: casa destruída), a venda é nula; se for sobre coisa futura sem assunção de risco,
a venda é sob condição; se for coisa futura com assunção de risco, a venda é
aleatória;
c) deve ser individuada, ou seja, determinada ou determinável; se for coisa incerta,
deve ser indicada ao menos quanto ao gênero e à quantidade; o devedor escolherá,
pelo menos, a de termo médio;
d) deve ser disponível, ou seja, alienável natural, legal e voluntariamente (não pode
conter cláusula de inalienabilidade) e pertencente ao vendedor. Neste caso, não sendo
o vendedor dono da coisa, a venda poderá ser convalidada se ele vier a adquiri-la
posteriormente e estiver de boa-fé (art. 1.268 do CC).
4.8.6.1.Principais
a) gera obrigações recíprocas de entregar a coisa e pagar o preço;
b) gera responsabilidades por vícios redibitórios e pela evicção.
4.8.6.2.Secundários
a) responsabilidade pelos riscos da coisa: até a tradição, é do vendedor; se houver
mora no recebimento, é do comprador; se for entregue ao transportador indicado ao
vendedor, é do comprador;
b) responsabilidade pelos riscos do preço: até o pagamento, é do comprador; após o
pagamento e em caso de mora em receber, é do vendedor;
c) responsabilidade pelas despesas de escritura e registro: é do comprador, salvo
convenção diversa;
d) responsabilidade pela tradição: é do vendedor, salvo convenção diversa;
e) responsabilidade pelas dívidas pretéritas que gravam a coisa até a tradição: é do
vendedor, salvo convenção diversa; se a obrigação for propter rem, o comprador terá
direito de regresso contra o vendedor;
f) direito de retenção da coisa: até o pagamento, o vendedor não é obrigado a entregar
a coisa, salvo nas vendas a crédito e convenção em contrário.
4.8.8.Venda ad mensuram
4.8.8.1.Conceito
Aquela em que o preço estipulado é feito com base nas dimensões do imóvel.
Ex.: alguém compra um terreno em que se deixou claro que os 360 m2 têm o valor de
R$ 50 mil.
4.8.8.2.Consequência
A área do imóvel deverá efetivamente corresponder às dimensões dadas.
4.8.8.3.Tolerância
A lei admite uma diferença de até 1/20 da área total enunciada.
4.8.8.4.Exclusão da tolerância
a) se houver exclusão expressa no contrato;
b) se o comprador provar que não teria realizado o negócio se soubesse da diferença.
4.8.8.5.Direitos do comprador
Poderá pedir o complemento da área (ação ex empto ou ex vendito). Não sendo
possível, terá a opção entre pedir a resolução do contrato ou o abatimento
proporcional do preço.
4.8.9.Venda ad corpus
4.8.9.1.Conceito
Aquela em que o imóvel é vendido como coisa certa e discriminada, sendo
meramente enunciativa eventual referência às suas dimensões. Ex.: consta do
contrato que a área tem mais ou menos 20.000 m2.
4.8.9.2.Consequência
Pouco importa a área efetiva do imóvel. Não haverá complemento ou devolução
do preço.
4.8.10.Retrovenda
4.8.10.1.Conceito
Cláusula pela qual o vendedor reserva-se o direito de reaver o imóvel que está
sendo alienado, em certo prazo, restituindo o preço mais despesas feitas pelo
comprador (art. 505 do CC). Ou seja, é aquela situação em que alguém vende um
imóvel, mas assegura o direito de recomprá-lo em certo prazo, pelo mesmo preço da
venda anterior. Infelizmente esse instituto é muito utilizado na agiotagem. O Judiciário
vem reconhecendo a simulação quando o intuito da retrovenda é servir de garantia
para uma dívida.
4.8.10.2.Direito de retrato
O prazo máximo para esse direito é de 3 anos. Trata-se de prazo decadencial.
4.8.11.Preferência
4.8.11.1.Conceito
Convenção em que o comprador se obriga a oferecer ao vendedor a coisa que
aquele vai vender, para que este use seu direito de prelação na compra, tanto por
tanto (art. 513). Por exemplo, é aquela situação em que alguém compra um andar de
um prédio comercial para instalar sua empresa e, já pensando no futuro crescimento,
estabelece com o vendedor, que é dono da sala vizinha, que quer preferência na
aquisição da segunda sala, caso o vendedor queira vendê-la no futuro.
4.8.11.2.Exercício do direito
Havendo interesse em vender a coisa, o vendedor deverá notificar o titular do
direito de preferência para que este diga se tem interesse em adquiri-la, no mínimo,
pelo mesmo valor da proposta recebida pelo vendedor. Não havendo prazo
estipulado, o titular do direito de preferência terá 3 dias, se a coisa for móvel, e 60
dias, se a coisa for imóvel, para manifestar-se, sob pena de decadência. O prazo
máximo que pode ser convencionado para esse tipo de manifestação é de 180 dias, se
a coisa for móvel, e de 2 anos, se imóvel.
4.8.11.3.Descumprimento do direito
A preferência contratual, se preterida, enseja apenas direito de o prejudicado
pedir perdas e danos ao ofensor. Não há direito de perseguir a coisa. Por isso, não se
deve confundir esse direito de preferência com outros direitos de preferência que
decorrem da lei, que admitem a persecução da coisa, como no caso da preferência
que existe entre coproprietários de um bem indivisível, quando um deles deseja
vender sua fração ideal.
4.9.Contrato estimatório (venda em consignação)
O contrato estimatório pode ser conceituado como aquele em que o consignante
entrega bens móveis ao consignatário, para que este os venda, pagando àquele o
preço ajustado, ou restitua a coisa ao consignante no prazo ajustado.
Trata-se da famosa venda em consignação, muito comum nas vendas de carros,
livros, joias, obra de arte, artesanato, bebidas. Atualmente, há muitas lojas de veículo
consignado. O dono do veículo leva o automóvel à loja, deixando-o lá, em
consignação, para que a loja tente vender o veículo. Uma vez vendido o veículo, o
valor mínimo combinado será entregue ao dono do veículo, ficando o valor pago a
mais com a loja de veículos.
A vantagem desse contrato é que o vendedor final (ex.: a loja de veículos) não
precisar ter um grande capital de giro, pois não tem que comprar bens para revender.
Quanto à coisa consignada, há de se observar as seguintes regras:
a) não pode ser objeto de constrição em favor dos credores do consignatário,
enquanto não pago integralmente o preço (art. 536 do CC); isso ocorre, pois o
consignatário (ex.: loja de veículos consignados) não é dono da coisa, mas apenas a
mantém para tentar vendê-la a terceiro;
b) não pode ser alienada pelo consignante antes de lhe ser restituída ou de ser
comunicada restituição (art. 537 do CC); ou seja, o consignante (dono da coisa) deve
respeitar a posição do consignatório; porém, o consignante pode pedir a coisa de
volta, sendo que, uma vez restituída a coisa, o consignante poderá vendê-la a quem
bem entender;
c) se não puder ser restituída, ainda que por fato não imputável ao consignatário, este
deverá pagar o preço (art. 535 do CC); por exemplo, se o carro, que estava na loja de
carros, vier a se perder, o consignatário (loja de veículos) deverá pagar o preço da
coisa ao consignante (dono do carro).
Quanto à classificação, o contrato é típico, bilateral, oneroso e real.
O contrato estimatório tem, ainda, as seguintes características:
a) transfere-se a posse e o poder de disposição (e não a propriedade);
b) a propriedade continua com o consignante, até que seja vendida a terceiro ou
adquirida pelo consignatário, mas o consignante não pode alienar a coisa antes de ser
devolvida ou comunicada a sua restituição (art. 537 do CC);
c) o consignante fixa preço de estima, ou seja, o preço mínimo que ele deseja receber
pela coisa consignada; esse preço deve ser abaixo do de mercado e o consignatário
deve pagar esse preço, ficando com a diferença do valor pago a maior;
d) o consignatário, findo o contrato, pode devolver o bem, ficar com ele (pagando o
preço estimado) ou vendê-lo a terceiro (pagando o preço estimado);
e) decorrido o prazo sem entrega da coisa pelo consignatário, cabe reintegração de
posse;
f) o consignante, caso não receba o valor pela coisa vendida pelo consignatário, não
deve acionar o terceiro, mas o consignatário.
Quanto ao consignatário, temos as seguintes regras:
a) tem poderes de posse e de disposição (ou seja, tem um mandato para vender a
coisa);
b) tem por obrigação principal uma obrigação alternativa, qual seja, de vender a
coisa, de ficar com a coisa ou de devolver a coisa no prazo combinado, sendo que,
nos dois últimos casos, deve pagar o preço estimado;
c) tem por obrigação acessória arcar com as despesas de custódia e venda da coisa,
salvo acordo entre as partes.
Quanto ao consignante, temos as seguintes regras:
a) tem poderes de fixar o preço de estima;
b) tem poder de propriedade compatível com o poder do consignatário; tem a posse
indireta apenas, podendo retomar após o decurso do prazo; notificado o consignatário
sem que este devolva a coisa, caberá reintegração de posse;
c) tem por obrigação não poder dispor da coisa no curso do contrato.
4.10.Doação
O contrato de doação pode ser conceituado como o contrato em que uma
pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de
outra, mediante aceitação desta (art. 538 do CC).
Quanto à classificação, a doação é contrato:
a) gratuito: há vantagem apenas para uma das partes;
b) unilateral: há obrigação apenas para uma das partes, salvo na doação com encargo
(contrato bilateral);
c) consensual: constitui-se com o mero acordo de vontades, não sendo necessária a
entrega da coisa, ou seja, não é contrato real;
d) solene/formal: ou seja, há forma prescrita em lei, que deve ser obedecida; no caso,
o art. 541, caput, e parágrafo único, do CC impõe forma escrita (pública ou privada),
salvo bens móveis e de pequeno valor, se lhes seguir incontinenti a tradição.
São características do contrato de doação as seguintes:
a) a contratualidade: trata-se de contrato “inter vivos”, não se confunde com o
testamento, que é ato “causa mortis”; ademais, a doação gera direitos pessoais,
direitos típicos de um contrato;
b) o “animus donandi”: a doação depende da existência de intenção de praticar uma
liberalidade;
c) a transferência de bens ou direitos do patrimônio do doador ao patrimônio do
donatário; ou seja, é necessário que haja enriquecimento de um lado e
empobrecimento de outro;
d) a necessidade de aceitação do donatário: ou seja, a doação não se aperfeiçoa
enquanto beneficiário não a aceitar (art. 539 do CC); a aceitação pode ser das
seguintes espécies:
d1) expressa: por exemplo, a feita no próprio instrumento de doação; na doação
com encargo só cabe aceitação expressa;
d2) tácita: é aquela que decorre de comportamento do donatário; por exemplo, se
o donatário recolhe imposto de transmissão, é sinal que aceitou tacitamente a doação;
d3) presumida: é aquela em que o doador fixa prazo para aceitação ou não da
doação, sendo que o donatário é notificado das condições e do prazo para aceitação,
deixando transcorrer o prazo “in albis”.
No contrato de doação, há casos particulares, em que se têm regras específicas:
a) absolutamente incapaz: dispensa-se aceitação, se a doação for pura e simples (art.
543 do CC), já que, nesse tipo de doação, presume-se o benefício para o incapaz;
porém, na doação com encargo, o representante legal deve aceitar ou não a doação;
b) nascituro: nesse caso a aceitação será feita pelo representante legal deste (art. 542
do CC);
c) doação em contemplação de casamento futuro: não pode ser impugnada por falta de
aceitação; ficará sem efeito se o casamento não se realizar (art. 546 do CC).
Vejamos, agora, aos requisitos especiais da doação:
a) subjetivos:
O s absoluta ou relativamente incapazes não podem, em regra, doar, nem por
seu representante.
O s cônjuges não podem doar sem autorização (salvo no regime de separação
absoluta), salvo doações remuneratórias de móveis (serviço prestado), doações
módicas, doações propter nuptias (art. 1.647, parágrafo único, do CC) e doação de
bens próprios (salvo imóveis – art. 1.642, II, do CC).
O cônjuge adúltero não pode fazer doação a seu cúmplice, sob pena de
anulabilidade.
Art. 550 do CC; aliás, “a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser
anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois
de dissolvida a sociedade conjugal”.
A doação entre consortes não é possível, se casados pelo regime de comunhão
universal, mas é possível nos demais casos, sendo que essa doação importará em
adiantamento do que cabe ao cônjuge donatário, na herança.
O falido não pode doar porque não está na administração da coisa, além do que a
doação seria lesiva; é cabível, em alguns casos, a ação pauliana (fraude contra
credores – art. 158 do CC).
O ascendente pode doar a descendente, mas tal doação importará em
adiantamento da legítima (art. 544 do CC), devendo o valor da doação ser
colacionado no inventário (arts. 2.002 do CC e 639 do NCPC), salvo se o doador, no
instrumento de doação ou por testamento, dispensar a colação, dispondo que a doação
está saindo da metade disponível (arts. 1.847, 2.005 e 2.006 do CC).
Cabe doação a sociedade não constituída (entidade futura), mas tal doação
caducará se a entidade não for criada em dois anos da liberalidade (art. 554 do CC).
b) objetivos:
Só podem ser doadas as coisas in commercio; partes do corpo não podem ser
doadas, portanto; salvo excepcionalmente, nos casos previstos em lei;
É nula a doação universal, ou seja, a doação de todos os bens, sem reserva de
parte do patrimônio ou renda suficiente para subsistência do doador (art. 548 do CC).
A finalidade da regra é evitar a penúria do doador, garantindo-lhe a dignidade (art.
1°, III, da CF). É possível evitar a sanção de nulidade, fazendo-se reserva de usufruto
em favor do doador.
É nula a doação inoficiosa, ou seja, de parte excedente à de que o doador poderia
dispor em testamento no momento em que doa (art. 549 do CC).
c) requisito formal:
A doação deve ser escrita, podendo ser verbal nos casos já mencionados.
Confira, agora, as espécies de doação:
a) pura e simples: é a doação feita por mera liberalidade, sem condição, termo,
encargo ou outra restrição. Não perdem esse caráter as doações meritórias (p. ex.,
para um grande cientista) e a doação remuneratória ou gravada, no que exceder o
valor dos serviços ou gravame.
b) modal ou com encargo (ou onerosa): é a doação em que o doador impõe ao
donatário uma incumbência específica em benefício próprio (ex.: cuidar do doador),
de terceiro (ex.: cuidar do tio doente do doador) ou do interesse geral (ex.: construir
uma escola). Se o encargo for ilícito ou impossível, deve ser ignorado. Havendo
encargo, é interessante que haja um prazo para o seu cumprimento. Não havendo,
deve-se notificar o donatário, assinando prazo razoável para cumprir (art. 562 do
CC). Podem exigir o cumprimento o doador, seus herdeiros, os beneficiários do
encargo e o Ministério Público, neste caso, se o encargo for do interesse geral, desde
que depois da morte do doador, sem que este tenha agido. Em caso de mora no
cumprimento da obrigação, o doador pode, ainda, revogar a doação.
c) doação remuneratória: é a doação em que, sob aparência de liberalidade, há
firme propósito do doador de pagar serviços prestados pelo donatário ou alguma
vantagem que haja recebido deste. Não perde caráter de liberalidade no valor
excedente ao valor dos serviços remunerados.
d) doação condicional: é a doação que produz ou deixa de produzir efeitos segundo
evento futuro e incerto.
e) doação em forma de subvenção periódica: essa doação parece com a prestação
de alimentos (art. 545 do CC), ficando extinta com a morte do doador, salvo se este
dispôs de modo diverso, ou seja, que a subvenção periódica continuará.
f) doação com cláusula de reversão: é aquela doação em que o doador estipula a
volta dos bens ao seu patrimônio se sobreviver ao donatário (art. 547 do CC). A
venda da coisa, estando ainda vivo o doador, é anulável.
g) doação a termo: é aquela doação que tem termo final ou inicial. Ex.: pelo prazo de
10 anos.
h) doação conjuntiva: é a doação feita em comum a mais de uma pessoa. A lei
presume que a doação é distribuída por igual. Haverá direito de acrescer, caso venha
a faltar um dos donatários, apenas no caso de doação para marido e mulher,
subsistindo na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo (art. 551 do CC).
Quanto à revogação da doação, pode ser por ingratidão ou por inexecução da
obrigação.
Vejamos primeiro a revogação por ingratidão.
O art. 556 do CC dispõe que não se pode renunciar antecipadamente ao direito de
revogar uma doação, por ingratidão.
Confira as hipóteses de revogação da doação por ingratidão (art. 557 do CC):
a) se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio
doloso contra ele;
b) se cometeu contra ele ofensa física;
c) se o injuriou gravemente ou o caluniou;
d) se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.
A revogação também é possível se as ofensas mencionadas se derem contra o
cônjuge, ascendente, descendente, ainda que adotivo, ou irmão do doador (art. 558 do
CC).
O prazo decadencial para ingressar com ação com vistas à revogação da doação
é de 1 ano, contado da chegada ao conhecimento do doador o fato que autorizar a sua
autoria (art. 559 do CC).
A legitimidade ativa para ingressar com essa ação é apenas do doador (trata-se
de ação personalíssima), não se transmitindo aos herdeiros, que podem, no máximo,
prosseguir na ação intentada pelo doador, caso este venha a falecer.
No caso de homicídio doloso a ação caberá aos herdeiros do doador, salvo
perdão por parte deste (art. 561 do CC).
Já a legitimidade passiva para a ação visando à revogação da doação é do
donatário.
A revogação por ingratidão não prejudica os direitos adquiridos por terceiros,
nem obriga o donatário a restituir os frutos percebidos antes da citação válida; mas o
sujeita a pagar os posteriores, e, quando não possa restituir em espécie as coisas
doadas, a indenizá-la pelo meio-termo do seu valor (art. 563 do CC).
Não se revogam por ingratidão (art. 564 do CC):
a) as doações puramente remuneratórias;
b) as oneradas com encargo já cumprido;
c) as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural;
d) as feitas para determinado casamento.
Passemos agora ao estudo da revogação da doação por inexecução do encargo
se o donatário incorrer em mora (art. 562 do CC). Não havendo prazo para o
cumprimento, o doador poderá notificar judicialmente o donatário, assinando-lhe
prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida. Podem exigir o cumprimento
do encargo o doador, os herdeiros, os beneficiários do encargo e o Ministério
Público (se o encargo for de interesse geral, depois da morte do doador, se este nada
tiver feito – art. 553 do CC).
4.11.Empréstimo
O empréstimo é o gênero, que tem como espécies o comodato e o mútuo.
O empréstimo permite que alguém utilize coisa alheia, com o dever de restituir a
coisa ao final.
4.11.1.Comodato
O comodato pode ser conceituado como o empréstimo gratuito de coisas não
fungíveis (art. 579 do CC).
Outro conceito de comodato é o seguinte: é o contrato pelo qual uma pessoa
entrega a outra, gratuitamente, coisa não fungível para que a utilize e depois
restitua.
O comodato é um empréstimo de uso, já que a coisa é devolvida depois, ao passo
que o mútuo é um empréstimo de consumo, já que a coisa (fungível) acaba sendo
consumida, devolvendo-se o equivalente.
O comodato tem as seguintes características:
a) é unilateral: ou seja, gera obrigações apenas para o comodatário, já que é um
contrato que se forma apenas com a entrega da coisa; acidentalmente, o comodato
pode gerar obrigações para o comodante, hipótese em que se terá um contrato
bilateral imperfeito;
b) é gratuito: ou seja, somente o comodatário aufere vantagens; se for estipulada
remuneração, desfigura-se para aluguel; não desfigura o contrato a existência de
pequeno encargo, como cuidar das plantas, dos pássaros, ou seja, não pode ser uma
contraprestação;
c) é real: ou seja, perfaz-se com a tradição do objeto (art. 579, 2a parte, do CC); na
falta de entrega não se tem comodato, mas no máximo contrato preliminar (promessa
de comodato);
d) é não solene: ou seja, não há forma especial para sua validade.
O comodato tem os seguintes requisitos:
a) subjetivos:
administradores de bens alheios, especialmente de incapazes (tutores, curadores),
não podem dá-los em comodato, pois não seria administração normal a cessão
gratuita do uso; nesses casos, o comodato só seria possível mediante autorização
judicial;
não há necessidade de que o comodante seja proprietário da coisa dada em
comodato; por exemplo, o usufrutuário pode dar a coisa em comodato; porém, o
locatário não pode assim agir, sob pena de despejo.
b) objetivos:
Deve se tratar de coisa não fungível, podendo ser móvel ou imóvel.
Quanto à duração, o contrato de comodato tem as seguintes características:
a) é temporário; se fosse perpétuo, seria uma doação;
b) possibilidades:
b1) se não tiver prazo convencional (duração indeterminada), tem-se o comodato
“ad usum” ou com “tempo presumido”; nesse caso presumir-se-lhe-á pelo tempo
necessário para o uso concedido (art. 581 do CC); exs.: empréstimo para fazer um
curso em São Paulo por 6 meses ou empréstimo de um trator para uma colheita; a
retomada antes do prazo, nesse caso, só será possível em caso de necessidade
imprevista e urgente reconhecida pelo juiz, como quando o comodante fique doente e
precise fazer um tratamento na cidade onde se encontra o imóvel dado em comodato;
b2) se tiver prazo convencional certo, deve-se respeitá-lo; a retomada antes do
termo final só será possível em caso de necessidade imprevista e urgente (art. 581 do
CC).
Quanto às obrigações do comodatário, temos as seguintes:
a) como obrigação principal, deve conservar a coisa como se sua fosse (art. 582 do
CC); não basta o cuidado elementar; correndo risco o objeto, o comodatário deve dar
preferência à coisa comodada no salvamento (art. 583 do CC), mas não é necessário
que arrisque a própria vida;
b) não usar a coisa, senão de acordo com o contrato ou a natureza dela (art. 582 do
CC; não é possível cedê-la a terceiro, mudar a sua destinação (ex.: de residencial
para comercial), sob pena de responsabilidade por perdas e danos;
c) arcar com as despesas normais com uso e gozo da coisa emprestada (ex.: limpeza,
condomínio, tributos), não podendo recobrá-las do comodante (art. 584 do CC);
porém, o comodatário não responde por despesas extraordinárias (ex.: infiltração,
problemas na fundação), mas, se urgentes, deve reparar e depois cobrar do
comodante;
d) restituir a coisa “in natura”, o que deverá ser feito no prazo ajustado ou, na falta,
quando lhe for reclamado, ressalvado o tempo necessário ao uso concedido
(finalidade), ou, ainda, em caso de necessidade imprevista e urgente (art. 581 do CC);
não restituída a coisa, deve-se constituir em mora o comodatário (por meio de
notificação), com posterior ingresso com ação de reintegração de posse; constituído o
comodatário em mora, este responderá, até restituir a coisa, pelo aluguel desta que for
arbitrado pelo comodante (art. 582 do CC);
e) responder pelo dano à coisa, por culpa ou dolo; responderá também por caso
fortuito ou de força maior se, correndo risco o objeto dado em comodato, salvar seus
bens primeiro (art. 583 do CC) ou se estiver em mora (arts. 582 e 399 do CC);
f) responder solidariamente se houver mais de um comodatário simultaneamente sobre
uma coisa (arts. 585 e 275 a 285, do CC).
São obrigações do comodante:
a) reembolsar o comodatário pelas despesas extraordinárias e urgentes que este fizer,
ressalvado o direito de retenção em favor deste; porém, o comodante não tem
obrigação de restituir as despesas normais e o valor das benfeitorias úteis e
voluptuárias não autorizadas por ele;
b) indenizar o comodatário pelos vícios ocultos que escondeu dolosamente e não
preveniu.
O comodato fica extinto nas seguintes hipóteses:
a) com o advento do termo convencionado;
b) pela resolução, por iniciativa do comodante, em caso de descumprimento de suas
obrigações;
c) por sentença, a pedido do comodante, provada a necessidade imprevista e urgente;
d) pela morte do comodatário, se o contrato for “intuito personae”; ex.: morte de
paralítico que recebeu cadeira de rodas;
e) pelo distrato;
f) pela alienação da coisa emprestada.
4.11.2.Mútuo
O mútuo pode ser conceituado como o empréstimo de coisas fungíveis (art. 586
do CC).
Trata-se de contrato pelo qual uma das partes transfere uma coisa fungível a
outra, obrigando-se esta a restituir-lhe coisa do mesmo gênero, da mesma qualidade e
na mesma quantidade.
Diferentemente do comodato, que é um empréstimo de uso, o mútuo é um
empréstimo de consumo.
Um exemplo é o empréstimo de dinheiro, já que este é coisa fungível. O dinheiro
emprestado será consumido pelo mutuário, que, mais tarde, devolverá a mesma
quantia, mas não necessariamente o mesmo dinheiro que recebeu.
Outro exemplo é empréstimo de café que um vizinho faz para o outro. Quem
recebe o café irá consumi-lo. Em seguida, deverá restituir o café, procurando comprar
outro da mesma marca e na mesma quantidade emprestada.
Por conta dessa característica do mútuo (empréstimo de consumo), a doutrina
aponta que esse contrato transfere a propriedade da coisa emprestada, o que pode ser
visualizado com tranquilidade no exemplo do empréstimo de café. O café a ser
devolvido em seguida será outro.
O mútuo tem as seguintes características:
a) é unilateral: ou seja, gera obrigações apenas para o mutuário; isso ocorre, pois o
mútuo só se forma com a entrega da coisa, e, uma vez formado, somente o mutuário
tem deveres;
b) é gratuito, se não houver remuneração para o mutuante; e é oneroso, se houver
remuneração para o mutuante; o mútuo oneroso é denominado mútuo feneratício; em
caso de mútuo destinado a fins econômicos (empréstimo de dinheiro feito em favor de
uma empresa) presumem-se devidos juros (art. 591 do CC), vale dizer, presume-se
que se trata de mútuo oneroso; mútuo destinado a fins econômicos é aquele não feito
por amizade, cortesia ou espírito de solidariedade;
c) é real, pois somente passa a existir com a tradição da coisa; assim, o empréstimo
de dinheiro somente se perfaz quando há a entrega do dinheiro; mesmo que já haja um
contrato de mútuo assinado, enquanto não houver a entrega de dinheiro, o contrato não
é considerado existente, tratando-se, nessa fase, de mera promessa de mutuar;
d) é não solene: ou seja, não se exige forma especial. O mútuo tem os seguintes
requisitos:
a) subjetivos:
o mutuante deve estar habilitado a obrigar-se;
o mutuário também deve estar habilitado; por exemplo, no caso de mútuo feito a
pessoa menor, sem prévia autorização do representante legal, o valor emprestado não
pode ser reavido nem do mutuário nem de seus fiadores (art. 588 do CC); trata-se de
proteção contra a exploração gananciosa da sua inexperiência; porém, deixa-se de
aplicar a pena nos seguintes casos (art. 589 do CC): i) se o representante ratificar
posteriormente; ii) se o menor, ausente o representante, contrair empréstimo para seus
alimentos habituais; iii) se o menor tiver bens ganhos com seu trabalho, de modo a
que eventual execução futura não ultrapasse as forças do patrimônio do menor; iv) se
o empréstimo reverter em benefício do menor;
v) se o menor entre 16 e 18 anos tiver obtido o empréstimo maliciosamente (art. 180
do CC).
b) objetivos:
É necessário que a coisa seja fungível e de propriedade do mutuante.
Quanto à duração, o contrato de mútuo tem as seguintes características (arts. 590
e 592 do CC):
a) a restituição da coisa emprestada deve ser feita no prazo convencionado, que,
inexistindo, dá ensejo às seguintes regras:
a1) se for produtos agrícolas: devolve-se até a próxima colheita;
a2) se for dinheiro: o prazo do mútuo será de 30 dias, pelo menos;
a3) se for outra coisa fungível: o mútuo se dará pelo período de tempo que
declarar mutuante; ou seja, este, a todo tempo, poderá intimar o devedor para restituir
no prazo razoável que estipular;
a4) se o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica: pode-se
exigir a restituição antes do vencimento (art. 590 do CC).
São obrigações do mutuário:
a) restituir o que recebeu, em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade, no
prazo estipulado (art. 586 do CC); é válida a cláusula de devolver a coisa equivalente
ou seu valor no momento da restituição; em relações de consumo, a restituição total ou
parcial do valor emprestado antes do prazo definido no contrato acarreta a redução
proporcional dos juros e demais acréscimos (art. 52, § 2°, do CDC); não sendo
possível a devolução do gênero, por causa não imputável ao devedor, substitui-se
pelo equivalente pecuniário; indenização por perdas e danos só se houver culpa do
mutuário;
b) pagar juros, se convencionados, ou se se trata de mútuo com fins econômicos; não
se deve confundir os juros compensatórios (remuneração do capital) com os juros
moratórios ou legais (pela mora); os juros legais são devidos desde a citação; quanto
aos limites legais aos juros compensatórios, o art. 591 do CC estabelece que estes
não podem exceder a taxa estipulada no art. 406 do CC (taxa dos juros legais), que é a
Taxa Selic, a qual já contém correção monetária e juros; a capitalização de juros é
vedada, salvo se feita anualmente e expressamente prevista em contrato (REsp
1.388.972-SC, DJe 13.03.2017); a cumulação de juros compensatórios com juros
moratórios é possível, pois cada um tem sua origem, mas não é possível cumulá-los
com comissão de permanência; todavia, a regra de limitação de juros e de proibição
de capitalização de juros não se aplica às instituições financeiras, inclusive às
administradoras de cartão de crédito (Medida Provisória 2.170-36/2001); o conceito
de instituição financeira pode ser encontrado no art. 17 da Lei 4.595/1964 e na LC
105/2001);
c) pagar correção monetária, também chamada de cláusula de escala móvel; essa
correção não se confunde com os juros; porém, quando aplicada a Taxa Selic, é
importante observar que essa taxa já embute juros e correção monetária; porém, se os
juros e a correção monetária forem estipulados especificamente, há de se tomar
cuidado para que os juros estejam dentro dos limites (salvo instituição financeira),
bem como se a correção monetária também está dentro dos limites, valendo salientar
que a Lei do Plano Real (Lei 10.192/2001) considera nula a estipulação de correção
monetária em periodicidade inferior a um ano;
d) responder pelos riscos da coisa desde a tradição (art. 587 do CC).
Em acréscimos às informações dadas sobre o mútuo praticado por instituições
financeiras (item “b” acima vale trazer alguns entendimentos do STJ a esse respeito:
a) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as
disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/2002. (AgRg no AREsp 602087/RS,
DJE 07.08.2015);
b) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios
estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/1933) (AgRg no REsp 1543201/SC, DJE
09.10.2015);
c) as cooperativas de crédito e as sociedades abertas de previdência privada são
equiparadas a instituições financeiras, inexistindo submissão dos juros remuneratórios
cobrados por elas às limitações da Lei de Usura. (AgRg no REsp 1264108/RS, DJE
19.03.2015);
d) as empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por
isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de
Usura. (Súmula 283/STJ) (AgRg no AREsp 387999/RS, DJE 12.02.2015);
e) É inviável a utilização da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e
Custódia – SELIC como parâmetro de limitação de juros remuneratórios dos contratos
bancários (AgRg no AREsp 287604/RS, DJE 0.12.2014);
f) O simples fato de os juros remuneratórios contratados serem superiores à taxa
média de mercado, por si só, não configura abusividade. (AgRg no AgRg no AREsp
602850/MS, DJE 11.09.2015);
g) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais,
desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar
o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1 °, do CDC) fique cabalmente
demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (AgRg no AREsp
720099/MS, DJE 11.09.2015);
h) Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros
efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do
instrumento aos autos –, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen,
praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais
vantajosa para o devedor. (Súmula 530/STJ) (REsp 1545140/MS, DJE 05/10/2015;
AgRg no REsp 1380528/RS, DJE 15.09.2015);
i) Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade
das cláusulas. (Súmula 381/STJ) (AgRg no REsp 1419539/RS, DJE 07.05.2015);
j) Os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação
facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do
trabalhador, ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade.
(AgRg no AREsp 435294/MG, DJE 08.10.2015);
k) Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações
Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo
principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. (AgRg no REsp
1532484/PR, DJE 11.09.2015);
l) É possível a cobrança de comissão de permanência durante o período da
inadimplência, à taxa média de juros do mercado, limitada ao percentual previsto no
contrato, e desde que não cumulada com outros encargos moratórios. (Súmula
472/STJ) (AgRg no AREsp 722857/PR, DJE 24.09.2015).
5. RESPONSABILIDADE CIVIL
5.1.Introdução
Esse tema é dividido em duas partes. A primeira referente às pessoas que têm a
obrigação de indenizar, bem como as hipóteses em que a indenização é devida. E a
segunda referente à própria indenização, em temas como a extensão do valor da
indenização e as características das indenizações por danos morais, materiais e
estéticos.
Não se deve confundir o regime de responsabilidade civil previsto no Código
Civil, com o regime previsto no Código de Defesa do Consumidor e em outras leis
especiais em relação ao primeiro código. Se uma dada situação fática se caracterizar
como relação de consumo, o que pressupõe a existência de um fornecedor, de um
lado, e um consumidor destinatário final, de outro, aplica-se o regime do CDC, que é
diferente do regime do Código Civil.
5.2.Responsabilidade subjetiva
5.2.1.Hipótese de incidência (art. 186)
De acordo com o art. 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Essa é hipótese de incidência da responsabilidade subjetiva. Ou seja, aquele cuja
conduta se subsumir na hipótese legal mencionada, que traz elementos subjetivos para
se configurar (dolo ou culpa ou sentido estrito), terá de indenizar a pessoa que sofrer
o dano respectivo.
Observe que o texto legal traz, assim, os seguintes pressupostos para
configuração dessa responsabilidade:
conduta + culpa lato sensu (culpa stricto sensu/dolo) + nexo de causalidade +
dano
a) Conduta humana comissiva ou omissiva; naturalmente que a omissão só será
juridicamente relevante se o agente tinha o dever jurídico de agir, pois ninguém é
obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei;
b) Culpa lato sensu; ou seja, a presença de dolo (ação ou omissão voluntária, ou
seja, intencional) ou culpa em sentido estrito, podendo esta se tratar de negligência
(deixar de agir com cuidado), imprudência (agir sem cuidado) ou imperícia (falta de
observância das regras técnicas);
c) Nexo de causalidade: é a relação entre a conduta do agente e ao dano
experimentado pela vítima.
d) Dano: é o prejuízo efetivamente sofrido, podendo ser de ordem material, estética
ou moral.
5.3.Responsabilidade objetiva
Diferentemente da responsabilidade subjetiva, que depende de dolo ou de culpa
em sentido estrito para se configurar, a responsabilidade objetiva se configura sem
esses elementos subjetivos, bastando, assim, a presença dos seguintes requisitos: a)
conduta humana; b) nexo de causalidade; c) dano.
Cada vez mais nosso ordenamento jurídico há hipóteses legais de
responsabilidade objetiva, muitas delas inclusive previstas como regras específicas
no próprio Código Civil. Também se verifica importantes hipóteses dessa
responsabilidade nos direitos administrativo, ambiental e do consumidor, entre
outros.
Confira, agora, casos em que se tem ou responsabilidade objetiva no Código
Civil.
5.4.1.Legítima defesa
Consiste naquela situação atual ou iminente de injusta agressão a si ou terceiro,
propiciando que o agente use dos meios necessários para repelir essa agressão. Um
exemplo é aquela situação em que uma pessoa atira em outro que está apontando
contra si uma arma de fogo e ameaçando atirar. Naturalmente que o agente que agir em
legítima defesa terá sua responsabilidade afastada, salvo se agir com excesso, pelo
qual responderá.
5.4.4.Estado de necessidade
Consiste em deteriorar ou distribuir coisa alheia, ou mesmo em causar uma lesão
a uma pessoa, a fim de remover perigo iminente. A lei considera que esse ato será
legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não
excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. Porém, se o
terceiro atingido não for o causador do perigo, o agente responde perante esse
terceiro, com direito de ação regressiva contra verdadeiro culpado pela situação que
o levou a agir premido do estado de necessidade. Um exemplo é o seguinte: “A”,
fechado por “B”, desvia carro, batendo em um terceiro (“C”) para não atropelar
alguém; “A”, apesar do estado de necessidade, responderá perante o terceiro (“C”),
podendo ingressar com ação de regresso contra “B”, culpado por tudo.
5.4.7.Fato de terceiro
Consiste em dano causado exclusivamente por conduta de terceiro, sem que haja
qualquer tipo de liame necessário entre a conduta de alguém que se deseja imputar e o
dano causado. Ex.: arremesso de pedra em ônibus, ferindo passageiro (STJ). Vale
salientar que a extinção da punibilidade criminal não acarreta exoneração da
responsabilidade, salvo negativa de autoria ou do fato.
5.5.2.Responsáveis indiretos
a) Responsáveis por atos de terceiros (arts. 932 e 933);
b) Súmula STJ 130: a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de
dano/furto em seu estacionamento;
c) Súmula STF 492: empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente
com o locatário pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado;
d) Súmula STJ 132: a ausência de registro da transferência não implica
responsabilidade do antigo dono resultante de acidente que envolva o veículo
alienado.
5.5.3.Solidariedade
Se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela
reparação (art. 942).
Um exemplo de solidariedade está na Súmula STJ 221: são civilmente
responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa,
tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.
Porém, essa súmula não se aplica em relação aos provedores de internet e redes
sociais. Nesse sentido, se um usuário de rede social posta conteúdo ofensivo a
terceiro, este não poderá pedir indenização por danos materiais e morais junto à
empresa provedora daquele portal. Tal empresa só poderá ser acionada se, mesmo
após ter sido comunicada a respeito da mensagem ofensiva, não a tiver excluído.
Outro exemplo de solidariedade é o trazido pelo STJ, no REsp 343.649, quando
se decidiu que, quem permite que terceiro conduza seu veículo, é responsável
solidário pelos danos culposamente causados por este.
5.6.2.Vítima indireta
Ex.: os familiares próximos da vítima do acidente.
Tem-se no caso danos morais reflexos ou por ricochete. Neste passo, ressalta-se
que no plano patrimonial, a manifestação do dano reflexo ou por ricochete não se
restringe às hipóteses previstas no art. 948 do Código Civil (Enunciado n. 560
JDC/CJF).
Trata-se do préjudice d’affection, pois o instituto é fundado no princípio da
afeição.
O STJ admite o dano indireto, sendo comum fixar-se indenização por danos
morais em favor de pessoas muito próximas da vítima de um homicídio, tais como
pais, filhos, irmãos, cônjuge e companheiro.
5.7.Reparação dos danos
5.7.1.Regra
De acordo com o art. 942 do Código Civil, “Os bens do responsável pela ofensa
ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a
ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.
Repare que essa regra vale para qualquer tipo de responsabilidade civil, seja ela
objetiva ou subjetiva.
Uma vez fixada essa vinculação entre os bens do responsável pela ofensa e o
direito do ofendido em ver o seu dano reparado, de rigor entender como se fixará a
indenização.
A primeira regra a ser considerada é a seguinte: a indenização mede-se pela
extensão do dano. Parece óbvio, mas é regra fundamental. Trata-se do princípio da
reparação integral dos danos. Exemplo de aplicação prática do princípio é a Súmula
281 do STJ, que impede a tarifação do dano moral.
Todavia, há exceções a essa regra, que serão vistas agora.
5.7.3.1.Dano material
O dano a material pode ser classificado nas seguintes espécies:
a) danos emergentes: o que efetivamente se perdeu; ex.: conserto do veículo,
medicamentos, tratamentos;
b) lucros cessantes: o que razoavelmente se deixou de lucrar; ex.: renda que
profissional liberal deixa de auferir por ficar 30 dias sem trabalhar;
c) decorrente da “Perda de uma Chance”: aquele decorrente da possibilidade de
buscar posição jurídica mais vantajosa que muito provavelmente ocorreria; ex.: voo
atrasado a impedir posse de aprovado em concurso. De acordo com o Enunciado 444
das Jornadas de Direito Civil, “a responsabilidade civil pela perda de chance não se
limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do
caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano
patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais
apriorísticos”. O STJ reconheceu a aplicabilidade dessa teoria no seguinte caso:
“Tem direito a ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance, a criança
que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais para
coletar o material no momento do parto, não teve recolhidas as células-tronco
embrionárias. No caso, a criança teve frustrada a chance de ter suas células
embrionárias colhidas e armazenadas para, se eventualmente fosse preciso, fazer uso
delas em tratamento de saúde. (…) Essa chance perdida é, portanto, o objeto da
indenização” (REsp 1.291.247-RJ, J. em 19.08.2014).
5.7.3.2.Dano estético
Consiste em modalidade de dano própria das situações de alteração corporal que
causa desagrado e repulsa, tais como cicatrizes, marcas e aleijões. Sobre esse dano o
STJ editou a Súmula 387, dispondo o dano estético é cumulável com o dano moral.
5.7.3.3.Dano moral
O dano moral, que será adiante visto com mais vagar, além de cumulável com o
dano estético, conforme visto, é cumulável com o dano material, conforme Súmula 37
do STJ.
5.8.Dano moral
5.8.1.Conceito
Consiste na ofensa ao patrimônio moral de pessoa, tais como o nome, a honra,
a fama, a imagem, a intimidade, a credibilidade, a respeitabilidade, a liberdade de
ação, a autoestima, o respeito próprio e a afetividade.
Outros casos são os seguintes: a) de abandono afetivo; vide, por exemplo, STJ,
REsp 1.159.242, j. 24.04.2012; b) de ocultação da verdade, por cônjuge, quanto à
paternidade biológica; vide, por exemplo, STJ, REsp 922.462, j. 04.04.2013. Na
mesma decisão em que se reconheceu a responsabilidade do cônjuge infiel, afastou-se
a responsabilidade do cúmplice (“amante”). c) abandono material (REsp 1.087.561-
RS, Rel. Min. Raul Araújo, por unanimidade, julgado em 13.06.2017, DJe
18.08.2017).
Outro caso em que não cabe dano moral é aquele em que um produto é comprado
e, por ter problema, precisa ir ao conserto, sendo certo que esse mero dissabor, salvo
situações excepcionais, não enseja indenização por dano moral.
5.8.8.Encargos de condenação
a) correção monetária: é devida desde a data da fixação da indenização por dano
moral (sentença ou acórdão); segundo a Súmula 362 do STJ, “A correção monetária
do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”;
b) juros moratórios: são devidos desde a data do evento danoso (Súmula STJ 54);
c) honorários: incidem também sobre o valor fixado a título de danos morais.
5.9.5.Encargos de condenação
a) correção monetária: é devida desde o evento danoso;
b) juros moratórios: são devidos desde a data do evento danoso (Súmula STJ 54);
c) honorários: incidem sobre as parcelas vencidas e 12 parcelas vincendas.
6.1.Introdução
Para formar uma relação jurídica são necessários três elementos: a) sujeitos de
direito, b) bens e um c) fato que faça nascer a relação. Para visualizarmos esses três
elementos, vamos imaginar um contrato de compra e venda, que é uma das principais
relações jurídicas de que trata o Direito. Esse contrato requer a existência de um
vendedor e de um comprador (sujeito de direito), de uma coisa de expressão
econômica (bem) e de um acordo de vontade sobre o preço da coisa (fato que faz
nascer a relação jurídica).
A Parte Geral do Direito Civil trata da capacidade dos sujeitos de direito. Cuida
ainda das classificações e do regime jurídico básico dos bens. E também cuida de
trazer regulamentação básica acerca dos fatos e negócios jurídicos.
O Direito das Obrigações e o Direito Contratual focam na relação jurídica
obrigacional formada. Tratam principalmente dos direitos e deveres das pessoas que
entabulam negócios jurídicos. Repare que o objetivo maior aqui é regulamentar
direitos pessoais, ou seja, direitos e deveres entre pessoas determinadas, em que
uma pode exigir uma prestação da outra.
Já o Direito das Coisas tem como objetivo maior regulamentar relações jurídicas
em que o elemento marcante é uma coisa corpórea (a posse, por exemplo), bem como
relações que estabeleçam direito reais, que são direitos que estabelecem um poder
jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra
todos.
Em suma, no Direito das Coisas estuda-se a posse (de bens móveis ou imóveis) e
o s direitos reais, ou seja, aqueles direitos que se têm sobre uma coisa, com
exclusividade e contra todos (propriedade, superfície, servidão, usufruto, uso,
habitação, penhor, hipoteca e anticrese).
Nossa primeira tarefa será tratar da posse para em seguida tratar dos direitos
reais sobre coisas móveis e imóveis.
6.2.Posse
6.2.1.Conceito de posse
É o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (art.
1.196 do CC). É a exteriorização da propriedade, ou seja, a visibilidade da
propriedade. Os poderes inerentes à propriedade são usar, gozar e dispor da coisa,
bem como reavê-la (art. 1.228). Assim, se alguém estiver, por exemplo, usando uma
coisa, como o locatário e o comodatário, pode-se dizer que está exercendo posse
sobre o bem.
6.2.2.Teoria adotada
Há duas teorias sobre a posse. A primeira é a Teoria Objetiva (de Ihering), para
a qual a posse se configura como a mera conduta de dono, pouco importando a
apreensão física da coisa e a vontade de ser dono dela. Já a segunda, a Teoria
Subjetiva (de Savigny), entende que a posse só se configura se houver a apreensão
física da coisa (corpus), mais a vontade de tê-la como própria (animus domini).
Nosso CC adotou a Teoria Objetiva de Ihering, pois não trouxe como requisito para a
configuração da posse a apreensão física da coisa ou a vontade de ser dono dela, mas
apenas que se tenha uma conduta de proprietário. Assim, uma pessoa que paga os
impostos de um sítio e coloca um caseiro para cuidar da área, mesmo não tendo
apreensão física sobre a coisa por inteiro e que não tenha em sua cabeça um ânimo de
dono, exerce posse, pois sua conduta revela uma conduta de proprietário, ou seja, uma
exteriorização da propriedade.
6.2.3.Detenção
É aquela situação em que alguém conserva a posse em nome de outro e em
cumprimento às suas ordens e instruções. É muito importante entender o instituto da
detenção, pois ele traz exceções ao conceito de posse. Um exemplo típico é o do
caseiro. Quem olhasse de longe poderia chegar à conclusão de que um caseiro exerce
posse sobre um imóvel de que cuida. Em geral, caseiros usam e cuidam da coisa,
exteriorizando um dos poderes da propriedade. Todavia, o próprio art. 1.198 do CC
exclui do conceito de posse a situação em que se encontra um detentor. Assim, o
caseiro em relação a imóvel de que cuida e o funcionário público em relação aos
móveis da repartição têm mera detenção sobre a coisa, não recebendo os direitos
típicos daquele que exerce posse.
6.2.4.Classificação da posse
6.2.5.Aquisição da posse
6.2.5.1.Conceito
Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em
nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.204).
6.2.5.2.Aquisição originária
É aquela que não guarda vínculo com a posse anterior. Ocorre nos casos de: a)
Apreensão, que consiste na apropriação unilateral da coisa sem dono (abandonada
– res derelicta, ou de ninguém – res nullius) ou na retirada da coisa de outrem sem
sua permissão (cessadas a violência ou a clandestinidade); b) Exercício do direito,
como no caso da servidão constituída pela passagem de um aqueduto em terreno
alheio; c) Disposição, que consiste em alguém dar uma coisa ou um direito, situação
que revela o exercício de um poder de fato (posse) sobre a coisa.
6.2.5.3.Aquisição derivada
É aquela que guarda vínculo com a posse anterior. Nesse caso, a posse vem
gravada dos eventuais vícios da posse anterior. Essa regra vale para a sucessão a
título universal (art. 1.206 do CC), mas é abrandada na sucessão a título singular (art.
1.207 do CC). Ocorre nos casos de tradição, que consiste na transferência da posse
de uma pessoa para outra, pressupondo acordo de vontades . A tradição pode ser de
três tipos:
a) Tradição real: é aquela em que há a entrega efetiva, material da coisa. Ex.:
entrega de um eletrodoméstico para o comprador. No caso de aquisição de grandes
imóveis não há necessidade de se colocar fisicamente a mão sobre toda a
propriedade, bastando a referência a ela no título. Trata-se da chamada traditio longa
manu.
b) Tradição simbólica: é aquela representada por ato que traduz a entrega da
coisa. Exemplo: entrega das chaves de uma casa.
c) Tradição consensual: é aquela decorrente de contrato, de acordo de vontades.
Aqui temos duas possibilidades. A primeira é a traditio brevi manu, que é aquela
situação em que um possuidor em nome alheio passa a possuir a coisa em nome
próprio. É o caso do locatário que adquire a coisa. Já a segunda é o constituto
possessório, que é aquela situação em que um possuidor em nome próprio passa a
possuí-la em nome de outro, adquirindo a posse indireta da coisa. É o caso do dono
que vende a coisa e passa a nela ficar como locatário ou comodatário.
6.2.6.Perda da posse
6.2.6.1.Conceito
Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder
sobre o bem. É importante ressaltar, quanto ao ausente (no sentido de não ter
presenciado o esbulho), que este só perde a posse quando, tendo notícia desta,
abstém-se de retomar a coisa ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido (art.
1.224).
6.2.7.Efeitos da posse
Aquele que exerce posse tem uma série de direitos. Esses direitos vão variar de
acordo com o tempo de posse (usucapião), o fato de ser de boa-fé ou não, dentre
outras variáveis. Confira-se os efeitos:
6.2.7.1.1.Conceito de frutos
São utilidades da coisa que se reproduzem (frutas, verduras, filhotes de animais,
juros etc.). Diferem dos produtos, que são as utilidades da coisa que não se
reproduzem (minerais, por exemplo).
6.2.7.3.1.Conceito de benfeitorias
São os melhoramentos feitos em coisa já existente. São bens acessórios.
Diferem da acessão, que é a criação de coisa nova. Uma casa construída no solo é
acessão, pois é coisa nova, já uma garagem construída numa casa pronta é benfeitoria,
pois é um melhoramento em coisa já existente.
6.2.7.3.2.Espécies de benfeitorias
a) benfeitorias necessárias são as que se destinam à conservação da coisa (ex.:
troca do forro da casa, em virtude do risco de cair); b) benfeitorias úteis são as que
aumentam ou facilitam o uso de uma coisa (ex.: construção de mais um quarto numa
casa pronta); c) benfeitorias voluptuárias são as de mero deleite ou recreio (ex.:
construção de uma fonte luminosa na entrada de uma casa).
6.2.7.4.Usucapião
A posse prolongada, e que preenche outros requisitos legais, dá ensejo a outro
efeito da posse, que é a aquisição da coisa pela usucapião.
6.2.7.5.Proteção possessória
A posse também tem por efeito o de gerar direito de o possuidor defendê-la
contra a perturbação e a privação de seu exercício, provocadas por terceiro.
6.3.Direitos reais
6.3.2.1.Princípio da aderência
Aquele pelo qual se estabelece um vínculo entre o sujeito e a coisa,
independentemente da colaboração do sujeito passivo. No direito pessoal, o vínculo
depende da colaboração de pelo menos duas pessoas, ou seja, o gozo do direito
depende da intermediação de outra pessoa.
6.3.2.2.Princípio do absolutismo
Aquele pelo qual os direitos reais são exercidos contra todos (“erga omnes”).
Por exemplo, quando alguém é proprietário de um imóvel, todos têm que respeitar
esse direito. Daí surge o direito de sequela ou o jus persequendi, pelo qual, violado
o direito real, a vítima pode perseguir a coisa, em vez de ter de se contentar com uma
indenização por perdas e danos.
6.3.2.4.Princípio da taxatividade
Aquele pelo qual o número de direitos reais é limitado pela lei . Assim, por
acordo de vontades não é possível criar uma nova modalidade de direito real, que são
numerus clausus. São direitos que afetam terceiros, daí a necessidade de previsão
legal. Os direitos pessoais, por sua vez, não são taxativos, podendo ser criados pelas
partes interessadas (art. 425 do CC), daí porque são chamados numerus apertus.
6.3.2.5.Princípio da tipificação
Aquele pelo qual os direitos reais devem respeitar os tipos existentes em lei .
Assim, o acordo de vontades não tem o condão de modificar o regime jurídico básico
dos direitos reais.
6.3.2.6.Princípio da perpetuidade
Aquele pelo qual os direitos reais não se perdem pelo decurso do tempo, salvo
as exceções legais. Esse princípio se aplica ao direito de propriedade. Os direitos
pessoais, por sua vez, têm a marca da transitoriedade.
6.3.2.7.Princípio da exclusividade
Aquele pelo qual não pode haver direitos reais, de igual conteúdo, sobre a
mesma coisa. Por exemplo, o nu-proprietário e o usufrutuário não têm direitos iguais
quanto ao bem objeto do usufruto. No caso de condomínio (duas ou mais pessoas
proprietárias de um bem), cada uma tem porção ideal na coisa, exclusivas e distintas.
6.3.2.8.Princípio do desmembramento
Aquele que permite o desmembramento do direito matriz (propriedade),
constituindo-se direitos reais sobre coisas alheias . Ou seja, pelo princípio é
possível desmembrar um direito real (propriedade, por exemplo) em outros direitos
reais (uso, por exemplo).
6.4.Propriedade
6.4.1.Características gerais
6.4.1.1.Conceito
É o direito real que faculta ao seu titular (o proprietário) os poderes de usar,
gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la de quem quer que injustamente a
possua ou detenha (art. 1.228 do CC).
6.4.2.1.1.Conceito
Consiste no ato de registrar o título translativo da alienação do imóvel
(escritura de compra e venda ou de doação) na matrícula existente no Registro de
Imóveis (art. 1.245 do CC).
6.4.2.2.Usucapião
6.4.2.2.1.Conceito
É a forma de aquisição originária da propriedade, pela posse prolongada no
tempo e o cumprimento de outros requisitos legais . A usucapião também é chamada
de prescrição aquisitiva. Essa forma de aquisição da propriedade independe de
registro no Registro de Imóveis. Ou seja, cumpridos os requisitos legais, o possuidor
adquire a propriedade da coisa. Assim, a sentença na ação de usucapião é meramente
declaratória da aquisição da propriedade, propiciando a expedição de mandado para
registro do imóvel em nome do adquirente, possibilitando conhecimento de todos da
nova situação. A aquisição é originária, ou seja, não está vinculada ao título anterior.
Isso faz com que eventuais restrições que existirem na propriedade anterior não
persistam quanto ao novo proprietário.
6.4.2.2.2.Requisitos
São vários os requisitos para a aquisição da propriedade pela usucapião. Vamos
enumerar, neste item, apenas os requisitos que devem ser preenchidos em todas as
modalidades de usucapião, deixando os requisitos específicos de cada modalidade
para estudo nos itens abaixo respectivos. Os requisitos gerais são os seguintes:
a) posse prolongada no tempo: não basta mera detenção da coisa, é necessária a
existência de posse, e mais, de posse que se prolongue no tempo, tempo esse que
variará de acordo com o tipo de bem (móvel ou imóvel) e outros elementos, como a
existência de boa-fé, a finalidade da coisa etc.;
b) posse com animus domini: não basta a mera posse; deve se tratar de posse com
ânimo de dono, com intenção de proprietário; essa circunstância impede que se
considere a posse de um locatário do bem, como hábil à aquisição da coisa;
c) posse mansa e pacífica: ou seja, posse sem oposição; assim, se o legítimo
possuidor da coisa se opôs à posse, ingressando com ação de reintegração de posse,
neste período não se pode considerar a posse como mansa e pacífica, como sem
oposição;
d) posse contínua: ou seja, sem interrupção; não é possível computar, por exemplo,
dois anos de posse, uma interrupção de um ano, depois mais dois anos e assim por
diante; deve-se cumprir o período aquisitivo previsto em lei sem interrupção.
6.4.2.3.1.Conceito
Consiste no direito de o possuidor de extensa área permanecer/adquirir
compulsoriamente a coisa, pagando justa indenização ao proprietário do imóvel,
desde que preenchidos os demais requisitos legais.
6.4.2.3.2Requisitos
a) posse ininterrupta por mais de 5 anos; b) boa-fé do possuidor; c) extensa área;
d) considerável número de possuidores; e) realização de obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Perceba que,
diferentemente da usucapião coletiva, a desapropriação privada não requer moradia,
mas requer boa-fé e pagamento de justa indenização.
6.4.2.3.3.Operacionalização
Por ocasião da reivindicação da coisa, os interessados deverão requerer ao juiz a
fixação de justa indenização devida ao proprietário, que, paga, ensejará registro da
sentença no Registro de Imóveis para o fim de atribuir a propriedade aos possuidores
(art. 1.228, §§ 4° e 5 °).
6.4.2.4.Acessão
6.4.2.4.1.Conceito
É modo originário de aquisição da propriedade, pelo qual fica pertencendo ao
proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem (art. 1.248 do CC).
6.4.2.4.2.Espécies
a) natural: consiste na união do acessório ao principal advinda de acontecimento
natural (formação de ilhas, aluvião, avulsão e abandono);
b) artificial (industrial): resulta de trabalho humano.
6.4.2.4.3.Requisitos
a) conjunção entre duas coisas, até então separadas;
b) caráter acessório de uma das duas, em confronto com a outra; uma é principal
(coisa acedida) e a outra, acessória (coisa acedente).
6.4.2.4.9.Acessões artificiais
a) conceito: são as que resultam de um comportamento humano. São exemplos as
construções e as plantações.
b) características: i) dá-se de móveis a imóveis; ii) a acessão existente em terreno
presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até prova em contrário; iii) fazendo
ou não a acessão, como regra, o proprietário do bem principal fica dono do acessório
(da acessão); iv) não pode haver enriquecimento sem causa.
c) acessão em terreno próprio com elementos alheios: por exemplo, planta em seu
terreno com semente alheia; nesse caso o proprietário do terreno adquire a
propriedade da semente, mas deve pagar ao dono do material o seu valor, bem como
pagar perdas e danos, se agiu de má-fé (art. 1.254 do CC).
d) acessão com elementos próprios em terreno alheio: por exemplo, uma pessoa
planta sementes suas no terreno de alguém ou edifica com materiais próprios no
terreno de outrem; nesse caso, o proprietário das sementes ou dos materiais os perde
para o proprietário do terreno, tendo direito de indenização pelo valor dos elementos,
caso esteja de boa-fé. Se o valor da acessão exceder consideravelmente o valor do
terreno e aquele que plantou ou edificou estiver de boa-fé, este poderá adquirir a
propriedade do solo se pagar indenização (art. 1.255 do CC).
e) construção em solo próprio, que invade solo alheio: é o caso de alguém que
constrói em terreno próprio, mas que acaba por invadir parte de terreno alheio. A lei
permite que o construtor de boa-fé que invadiu área de até um vigésimo do solo alheio
fique dono da parte invadida, desde que o valor da construção exceda o dessa parte e
que pague indenização que represente o valor da área perdida e a desvalorização da
área remanescente. O possuidor de má-fé só terá o mesmo direito na hipótese de não
ser possível demolir a porção invasora sem grave prejuízo à sua construção, desde
que paguem indenização correspondente a dez vezes o valor que pagaria se estivesse
de boa-fé. Para o caso de construções que excedam um vigésimo do terreno alheio, o
invasor de má-fé pagará indenização em dobro, ao passo que o possuidor de boa-fé
tem direito de adquirir a área invadida se também pagar o valor que a invasão
acrescer à sua construção (arts. 1.258 e 1.259).
6.4.3.1.Alienação
6.4.3.1.1.Conceito
Consiste na venda, na doação, na troca ou na dação em pagamento.
6.4.3.1.2.Efeitos
Os efeitos da perda da propriedade são subordinados ao registro do título
translatício no Registro de Imóvel (art. 1.275, parágrafo único, do CC).
6.4.3.2.Renúncia
6.4.3.2.1.Conceito
Ato unilateral pelo qual o proprietário declara expressamente o seu intuito de
abrir mão da coisa. Tem como condição não acarretar prejuízos a terceiro.
6.4.3.2.2.Efeitos
Os efeitos da perda da propriedade dependem do registro do ato renunciativo,
que deverá se consubstanciar numa escritura pública (art. 108 do CC) ou num termo
judicial (art. 1.806 do CC – herança).
6.4.3.3.Abandono
6.4.3.3.1.Conceito
Ato unilateral pelo qual o proprietário se desfaz da coisa, a partir de conduta
que revela não mais querer conservá-la em seu patrimônio.
6.4.3.4.Perecimento do imóvel
6.4.3.4.1Conceito
Consiste na sua destruição por ato voluntário ou involuntário. Exemplo do
primeiro caso é o incêndio proposital. E, do segundo, o raio, o furacão e o terremoto.
6.4.3.4.2.Efeitos
Em última análise, o dono da construção ou da plantação continua proprietário do
solo.
6.4.3.5.Desapropriação
6.4.3.5.1.Conceito
Consiste no despojamento compulsório do proprietário do imóvel por parte do
Poder Público, que fica obrigado a pagar justa indenização.
6.4.3.5.2.Efeitos
A desapropriação só se consuma com o pagamento integral da indenização
devida. Até este momento, o Poder Público poderá desistir da aquisição da área. Não
desistindo e havendo o pagamento da indenização, o juiz determina o registro da
sentença respectiva no Registro de Imóveis.
6.4.3.6.Outras hipóteses
Também se perde a propriedade pela usucapião, pela dissolução da sociedade
conjugal, pela sentença em ação reivindicatória, pelo implemento de condição
resolutiva, pelo confisco (art. 243 da CF) e pela desapropriação privada (art. 1.228,
§§ 4° e 5°, CC), dentre outros casos.
6.4.4.1.Ocupação
6.4.4.1.1.Conceito
Modo de aquisição originário da propriedade de coisa móvel e sem dono, por
não ter sido ainda apropriada (“res nullius”) ou por ter sido abandonada (“res
derelicta”) (art. 1.263 do CC).
6.4.4.1.2.Ocupação x Descoberta
A descoberta difere da ocupação, por se referir a coisa perdida pelo seu
proprietário. O regime jurídico da descoberta determina que aquele que ache coisa
alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Se não o encontrar,
entregará a coisa achada à autoridade competente. Aquele que restituir terá direito a
uma recompensa não inferior a 5% do seu valor, e à indenização pelas despesas que
houver feito, se o dono não preferir abandoná-la. Decorridos sessenta dias da
divulgação da notícia pela autoridade por imprensa ou edital, não se apresentando
quem comprove a propriedade da coisa, será esta vendida em hasta pública e,
deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o
remanescente ao Município onde se achou o objeto perdido. Sendo a coisa de
pequeno valor, o Município poderá dá-la a quem a achou (art. 1.233 a 1.237 do CC).
A doutrina chama a recompensa pela entrega da coisa de “achádego” e o descobridor
de “inventor”.
6.4.4.2.Achado do tesouro
6.4.4.2.1.Conceito de tesouro
Consiste no depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja
memória (art. 1.264 do CC).
6.4.4.2.3.Consequências possíveis
a) será dividido por igual entre o proprietário do prédio e aquele que achar a coisa;
b) pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio se foi quem achou, se foi quem
determinara a pesquisa para encontrá-lo ou se achado por terceiro não autorizado a
procurar; c) havendo enfiteuse, este terá o direito que corresponde ao proprietário da
coisa.
6.4.4.3.Usucapião
6.4.4.3.1.Conceito
Modo originário de aquisição da propriedade pela posse prolongada da coisa.
Também se aplicam à usucapião de bem móvel as regras dos arts. 1.243 e 1.244 do
CC.
6.4.4.3.2.Usucapião ordinário
Requer posse ininterrupta e sem oposição por três anos, além de boa-fé e justo
título (art. 1.260 do CC).
6.4.4.3.3.Usucapião extraordinário
Requer apenas posse ininterrupta e sem oposição por cinco anos (art. 1.261 do
CC).
6.4.4.4.Tradição
6.4.4.4.1.Conceito
Consiste na entrega da coisa móvel ao adquirente, com a intenção de lhe
transferir o domínio, em razão de título translativo da propriedade. Aqui, vale a
mesma observação feita para a aquisição de bens imóveis pelo registro na matrícula,
ou seja, vale lembrar que o simples acordo de vontades (contrato) não transfere a
propriedade da coisa móvel, sendo necessária a tradição, que é o que dá visibilidade,
publicidade ao negócio, daí o fato de o Direito estabelecer que só ela tem o condão
de transferir a propriedade (art. 1.267 do CC).
6.4.4.4.2.Espécies de tradição
Vide aquisição e perda da posse (itens 6.2.5 e 6.2.6).
6.4.4.5.Especificação
6.4.4.5.1.Conceito
É modo de aquisição da propriedade pela transformação de coisa móvel em
espécie nova, em virtude de trabalho ou indústria do especificador, desde que não
seja possível reduzi-la à forma primitiva (art. 1.269 do CC). Um exemplo é o
trabalho feito por artesão em matéria-prima da qual não é dono. O fundamento do
instituto é a valorização do trabalho e da função social da propriedade.
6.4.4.5.2.Requisitos
a) bem móvel; b) matéria-prima alheia; c) impossibilidade de retorno ao estado
anterior.
6.4.4.5.3.Consequências
a) especificador de boa-fé: vira proprietário da coisa se o valor da coisa
especificada exceder consideravelmente o da matéria-prima; deve indenizar o
prejudicado; se o valor da coisa especificada não exceder o da matéria-prima, o
possuidor de boa-fé tem direito de ser indenizado.
b) especificador de má-fé: a coisa especificada pertencerá ao dono da matéria-
prima, sem direito de indenização em favor do especificador.
6.4.4.6.Confusão/Comissão/Adjunção
6.4.4.6.2.Confusão
É a mistura entre coisas líquidas. Ex.: água e álcool.
6.4.4.6.3.Comissão
É a mistura entre coisas secas ou sólidas. Ex.: açúcar e farinha.
6.4.4.6.4.Adjunção
É a justaposição de coisas, sem possibilidade de destacar acessório do
principal. Ex.: duas coisas coladas.
6.4.4.6.5.Consequências
a) se for possível a separação: não haverá problema, bastando a entrega de cada
coisa ao seu proprietário;
b) se não for possível a separação ou esta exigir gasto excessivo: nasce um
condomínio forçado, cabendo, a cada um, quinhão proporcional ao valor da coisa que
entrou para a mistura.
c) se uma das coisas for principal: o dono dela ficará proprietário de tudo,
indenizando os outros.
d) se a mescla foi operada de má-fé: aquele que estiver de boa-fé decidirá se
pretende ou não ficar com a coisa, assegurado, em qualquer caso, o direito de receber
uma indenização.
6.5.Condomínio
6.5.1.Conceito
É o direito de propriedade de mais de uma pessoa sobre a mesma coisa,
cabendo a cada uma delas a totalidade dos poderes inerentes ao domínio, sendo
que o exercício desses poderes é limitado pelos direitos dos demais (art. 1.314 do
CC).
6.5.3.Classificação
6.5.3.1.Quanto à origem
a) convencional (voluntário): é o resultante do acordo de vontades , como a
aquisição conjunta de um bem; b) incidental (eventual): é o resultante de causas
alheias à vontade dos condôminos, como a herança deixada para vários herdeiros; c)
forçado (legal): é o resultante de imposição da ordem jurídica, como consequência
do estado de indivisão da coisa, como as paredes, cercas, muros e valas.
6.5.3.2.Quanto à forma
a) pro diviso: é aquele em que a comunhão existe juridicamente, mas não de fato,
dado que cada condômino exerce atos sobre parte certa e determinada do bem; b)
pro indiviso: é aquele em que a comunhão existe de fato e de direito.
6.5.4.Quota ideal
6.5.4.1.Conceito
É a fração que, no bem indiviso, cabe a cada consorte. Repare que o direito
recai sobre o bem todo, mas com algumas limitações quantitativas em relação a alguns
poderes de proprietário.
6.5.4.2.Consequências
a) possibilita o cálculo do montante das vantagens e ônus atribuíveis a cada um dos
comunheiros;
b) possibilita direitos plenos (de usar e reivindicar, por exemplo) e direitos limitados
(aos frutos, à repartição de despesas e a deliberações);
c) a fração deve estar no título; no silêncio, presumem-se iguais os quinhões.
3. Responder pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou.
6.5.7.Extinção do condomínio
6.5.7.1.Regra geral
A todo tempo será lícito ao condomínio exigir a divisão da coisa comum (art.
1.320 do CC).
6.5.7.2.Exceções
a) existindo pacto de não dividir, cujo prazo máximo é de cinco anos, suscetível de
prorrogação posterior; b) pela vontade do doador ou do testador; c) por determinação
judicial, se houver graves razões aconselhando.
6.5.7.3.Meios
a) Coisa divisível: divide-se fisicamente, de acordo com os quinhões.
b) Coisa indivisível: a) verifica-se se um dos consortes tem interesse em adjudicar
tudo para si, com a concordância de todos; não sendo possível, b) vende-se e reparte-
se o apurado, sendo que há direito de preferência do condômino em relação a
estranhos. É importante ressaltar que as regras do direito de preferência em caso de
venda voluntária de fração ideal (art. 504 do CC) são diferentes das regras do mesmo
direito em caso de divisão forçada (art. 1.322 do CC).
6.5.8.Administração do condomínio
6.5.8.1.Escolha do administrador
A maioria escolherá o administrador, que pode ser estranho ao condomínio (art.
1.323 do CC).
6.5.8.2.Poderes do administrador
Este não poderá praticar atos que exigem poderes especiais, como alienar, por
exemplo.
6.5.9.Condomínio edilício
6.5.9.1.Conceito
É o condomínio caracterizado pela existência de uma propriedade comum ao
lado de uma propriedade privativa (art. 1.331 do CC). Nesse caso temos a) unidades
autônomas, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e garagens; e b) partes
comuns, tais como o terreno, a estrutura do edifício, o telhado, os corredores, as
escadas, as áreas de lazer.
6.5.9.2.Natureza
É um sujeito de direito despersonificado, já que a lei autoriza sua atuação em
juízo, bem como a contratação de serviços e de funcionários.
6.5.9.3.Instituição
Ocorre com o a) Ato de Instituição, que discrimina e individualiza as unidades,
e nasce de ato inter vivos ou de testamento, registrado no Registro de Imóveis (art.
1.332, caput e I, do CC); b) Convenção, que, aprovada por 2/3 das frações ideais,
traz os direitos e deveres dos condôminos, devendo ser também registrada no
Registro Imobiliário para ser oponível contra terceiros. c) Regulamento (ou
Regimento Interno), que consiste no documento que completa a convenção, tecendo
minúcias sobre o funcionamento do condomínio edilício. O quórum para alteração do
regimento interno do condomínio edilício pode ser livremente fixado na convenção
(Enunciado 248 JDC/CJF). A alteração da convenção depende do voto de 2/3 dos
condôminos.
6.5.9.6.Administração do condomínio
a) Exercício: dá-se pelo síndico, cujo mandato é de até dois anos, permitida a
reeleição.
b) Competência do síndico: representa ativa e passivamente o condomínio, em juízo
ou fora dele; pode ser condômino ou pessoa natural ou jurídica estranha.
c) Assembleia: a Geral Ordinária tem por objeto aprovar, por maioria dos presentes,
o orçamento das despesas, a contribuição dos condôminos e a prestação de contas. Já
a Extraordinária é convocada pelo síndico ou por 1/4 do condôminos.
d) Quórum: salvo quando exigido quórum especial, as deliberações da assembleia
serão tomadas, em primeira convocação, por maioria dos votos dos condôminos
presentes que representem pelo menos metade das frações ideais. Em segunda
votação, a assembleia poderá deliberar por maioria dos votos presentes. Depende da
aprovação de 2/3 dos votos dos condôminos a alteração da convenção. A mudança de
destinação do edifício depende da unanimidade.
6.5.9.7.Condomínio de lotes
A Lei 13.465/2017 introduziu o art. 1.358-A no Código Civil, o qual estabeleceu
que pode haver, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade
exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos.
Essa disposição é importante para regularizar os chamados “condomínios
fechados de casas”, cuja ausência de uma melhor regulamentação em lei federal
propiciou que alguns municípios proibissem esse tipo de condomínio, gerando
enormes problemas a empreendedores e pessoas que querem morar num condomínio
fechado de casas.
Além de resolver de vez essa questão, permitindo esse tipo de condomínio, que
pode ser ou não fechado, essa lei também resolveu uma outra questão, que é acerca de
qual lei deve ser aplicar na relação entre os moradores desse condomínio. No caso, a
nova lei estabeleceu expressamente que se aplica, no que couber, ao condomínio de
lotes o disposto sobre condomínio edilício no Código Civil, respeitada a legislação
urbanística.
De acordo com a nova lei, a fração ideal de cada condômino poderá ser
proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial
construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição.
Por fim, a lei também estabeleceu que, para fins de incorporação imobiliária, a
implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.
6.5.10.Condomínio em Multipropriedade
A Lei 13.777, publicada em 21 de dezembro de 2018, regulamentou um instituto
muito comum nos Estados Unidos e que já se tentava praticar no Brasil há algum
tempo, mas com muitas dificuldades, em razão da ausência de regulamentação legal
da matéria, que, por envolver direitos reais, reclama previsão em lei, em função do
princípio da taxatividade de direitos dessa natureza.
Apesar de haver algumas decisões judiciais admitindo essa prática, a insegurança
jurídica decorrente fez com que a questão fosse levada ao processo legislativo e,
enfim, agora temos uma lei regulamentando com detalhe essa matéria.
A nova lei veio sem período de vacatio legis, de modo que entrou em vigor
imediatamente com a sua publicação.
Esse novo instituto com previsão em nosso Código Civil, tem o nome de
condomínio em multipropriedade e pode ser conceituado como “o regime de
condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma
fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade,
da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada” (art.
1.358-C do Código Civil; g.n.).
Em outras palavras, o instituto consiste na existência de vários proprietários de
um mesmo imóvel, mas, cada um deles, proprietário de uma fração de tempo de uso e
gozo exclusivo da totalidade desse imóvel.
Trata-se, assim, de um compartilhamento de propriedade no tempo, daí porque o
instituto também é conhecido pelo nome de time-sharing.
Um exemplo concreto aclarará mais a sua importância prática.
Imagine que você deseja ter uma casa na praia, mas saiba de antemão que só terá
interesse em usar essa casa uma vez por ano, pelo período de 1 mês. Nesse caso você
pode adquirir a propriedade dessa fração de tempo de 1 mês por ano do imóvel e, no
período destinado à sua fração de tempo, você terá direito ao uso e gozo exclusivo
daquele imóvel.
Quanto aos outros 11 meses de fração de tempo daquele imóvel é possível que
haja mais 11 proprietários ou até mais de 11 proprietários com períodos menores, ou
mesmo menos de 11 proprietários com períodos maiores. Tudo vai depender do
tamanho de cada fração de tempo estabelecida para aquele único imóvel.
Vale dizer que a lei estabelece apenas um requisito quanto à duração de cada
fração de tempo nesse condomínio, qual seja, cada uma delas será de, no mínimo, 7
dias, seguidos ou intercalados, e poderá ser:
“I – fixo e determinado, no mesmo período de cada ano;
II – flutuante, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante
procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo
ser previamente divulgado; ou III – misto, combinando os sistemas fixo e flutuante.” (art. 1.358-E)”.
6.6.2.Superfície
6.6.2.1.Conceito
Direito real pelo qual o proprietário concede a outrem, por tempo
determinado, gratuita ou onerosamente, a faculdade de construir ou de plantar em
seu terreno (art. 1.369 do CC, e arts. 21 a 24 da Lei 10.257/2001).
6.6.2.2.Instituição
Mediante escritura pública devidamente registrada no Registro de Imóvel; não é
possível por meio de testamento.
6.6.2.4.Direitos do superficiário
a) pode plantar ou construir no terreno; não se autoriza obra no subsolo, salvo se
inerente ao objeto da concessão;
b) pode transferir o direito a terceiros, e, por morte, a herdeiros; não há a figura do
laudêmio, comissão devida ao dono da coisa, na enfiteuse;
c) tem direito de preferência na alienação do imóvel.
6.6.2.5.Deveres do superficiário
a) deve pagar o “solarium”, se onerosa;
b) responde pelos encargos e tributos incidentes sobre o imóvel.
c) deve manter a destinação para o qual foi prevista.
6.6.2.6.Extinção
a) pela consolidação, que ocorre pela fusão, na mesma pessoa, do direito de
superfície e do direito de propriedade; b) por ter se dado destinação diversa da
estabelecida pelo bem; c) pelo advento do termo; d) pela renúncia do superficiário; e)
pelo distrato; f) pelo perecimento do bem gravado; g) pelo não uso do direito de
construir, no prazo convencionado; h) pela desapropriação do solo ou do direito.
6.6.3.Servidão
6.6.3.1.Conceito
É o direito real de gozo que proporciona utilidade para o prédio dominante e
grava o prédio serviente, que pertence a dono diverso (art. 1.378). Um exemplo é a
servidão pela qual um prédio fica proibido de construir acima de certa altura, a fim
de beneficiar outro. Outro exemplo é a servidão de passagem, em que um prédio que
não tem entrada para a rua (prédio dominante) se beneficia com a possibilidade de
utilização do prédio vizinho (prédio serviente) para passagem de pessoas e veículos.
É importante ressaltar que o direito só recai sobre imóveis, bem como que não se liga
a uma pessoa, mas a um prédio. O dono deste fica adstrito apenas pelo fato de ser
proprietário da coisa. O imóvel que se beneficia com a servidão leva o nome de
dominante, ao passo que o que recebe o gravame é chamado serviente.
6.6.3.2.Finalidade
Proporcionar valorização do prédio dominante, tornando-o mais útil, agradável
ou cômodo. O instituto é muito utilizado para corrigir desigualdades naturais entre
prédios ou para estabelecer padrões estéticos ou de comodidade entre imóveis.
6.6.3.9.Extinção da servidão
a) pela renúncia; b) pela cessação da utilidade; c) pelo resgate, pelo dono do
prédio serviente; d) pela confusão (dono dos dois prédios passa a ser uma pessoa
só); e) pela usucapião, nas servidões aparentes; f) pelo perecimento da coisa; g)
pelo decurso do prazo ou da condição; h) pela desapropriação.
6.6.3.10.Passagem forçada
a) conceito: direito assegurado ao proprietário do prédio encravado (sem acesso
para a via pública) de, mediante pagamento de indenização, constranger vizinho a
lhe dar passagem (art. 1.285 do CC).
b) finalidade: atender a função econômica e social da propriedade.
c) sujeito passivo: normalmente, é o proprietário contíguo; porém, se não for
suficiente a colaboração deste, pode-se atingir o vizinho não imediato; procura-se o
imóvel que mais natural e facilmente se preste à passagem.
d) requisitos: i) encravamento natural, que é aquele não provocado pelo dono do
prédio encravado (ex.: não tem esse direito quem vendeu a área que possibilitava sua
passagem, salvo contra quem tiver comprado a área – art. 1.285, § 2°, do CC); ii)
encravamento absoluto, que é aquele em que não há outra saída, ainda que uma saída
difícil e penosa; iii) menor ônus possível ao serviente, ou seja, procura-se a
passagem junto ao vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar ao intento,
bem como a passagem que menos atrapalhe o vizinho no uso de seu imóvel; iv)
pagamento de indenização, ou seja, o vizinho que tiver que dar a passagem deverá
ser indenizado pelos danos que suportar com essa medida forçada.
e) extinção: a passagem forçada fica extinta i) no caso de abertura de estrada que
passe ao lado da divisa do prédio encravado, bem como ii) no caso de a área
encravada ser anexada a outra não encravada.
f) diferenças entre “servidão de passagem ou de trânsito” e “passagem forçada”:
a primeira decorre de negócio jurídico, ao passo que a segunda decorre da lei; a
primeira nem sempre decorre de um imperativo (pode ser instituída apenas para mais
comodidade ou facilidade), ao passo que a segunda decorre de um imperativo, já que
se tem um prédio encravado; na primeira não se fala em indenização (pode até
envolver pagamento, pois muitas vezes decorre de um contrato), já na segunda a
indenização decorre da própria lei; a primeira está regulada no âmbito dos direitos
reais, ao passo que a segunda, mesmo encerrando as características de direito real,
está no âmbito do direito de vizinhança.
6.6.4.Usufruto
6.6.4.1.Conceito
É o direito real conferido a alguém de retirar temporariamente de coisa alheia
os frutos e as utilidades que ela produz, sem alterar-lhe a substância (art. 1.390 do
CC). Repare que o usufrutuário pode não só usar a coisa (por exemplo, habitar uma
casa dada em usufruto), como também pode fruir, tirar os frutos da coisa (no mesmo
exemplo, pode alugar a coisa para terceiro, tirando renda dela). O proprietário da
coisa é chamado nu-proprietário, ao passo que o beneficiário do usufruto e
denominado usufrutuário.
6.6.4.2.Características
a) temporário: o usufruto extingue-se no prazo ajustado ou com a morte do
usufrutuário; no caso da pessoa jurídica, a lei traz com prazo máximo o de 30 anos do
início do exercício do usufruto (art. 1.410, III, do CC).
b) direito real: diferente do comodato, que é um empréstimo de coisa infungível que
gera mero direito pessoal, no usufruto tem-se um direito real, ou seja, um direito que é
oponível erga omnes.
c) inalienável: não é possível ceder o direito ao usufruto; todavia, o mero exercício
do direito ao usufruto pode ser transmitido, de modo gratuito ou oneroso (art. 1.393
do CC); assim, se “A” for titular de um usufruto, não poderá passar esse direito para
“B”. “A” será sempre o usufrutuário da coisa. Mas poderá passar o exercício desse
direito, possibilitando, por exemplo, que “B” possa usar e fruir da coisa na qualidade
de locatário dela, por exemplo. Em virtude da inalienabilidade do direito ao usufruto,
não é possível penhorá-lo para vender o direito ao usufruto a terceiro. Todavia, pode
o juiz penhorar o exercício do direito ao usufruto, por exemplo, nomeando um
administrador para alugar a coisa a terceiro, de modo a gerar renda para pagamento
da dívida exequenda. Quando a dívida toda tiver sido paga, será levantada a penhora
sobre o exercício do direito ao usufruto, e o titular do direito ao usufruto volta a
gozar integralmente da coisa.
6.6.4.3.Constituição do usufruto
O usufruto se constitui por determinação legal (ex.: a lei estabelece o usufruto
dos pais sobre os bens do filho menor – art. 1.689, I, do CC); por negócio jurídico
(contrato ou testamento) registrado no Registro de Imóveis; e por usucapião.
6.6.4.4.Objeto
O usufruto pode recair sobre a) um ou mais bens móveis ou imóveis (assim, pode
recair até sobre títulos de crédito); ou sobre b) a totalidade ou parte de um
patrimônio.
6.6.4.9.Direitos do usufrutuário
a) de posse, uso, administração e percepção dos frutos da coisa;
b) de transferir o exercício do direito ao usufruto, gratuita ou onerosamente.
6.6.4.10.Deveres do usufrutuário
a) inventariar, antes de assumir o usufruto, os bens que receber, determinando o
estado em que se acham; b) dar caução (fidejussória ou real) se lhe exigir o dono da
coisa; se o usufrutuário não der caução, não poderá administrar a coisa; no caso de
doação em que o doador reserva a si o usufruto da coisa doada (ex.: pai doa ao filho,
mantendo o usufruto da coisa), não haverá obrigação de prestar caução; c) velar pela
conservação dos bens e entregá-los, findo o usufruto; d) pagar as despesas ordinárias
de conservação, bem como prestação e tributos devidos pela posse ou rendimento da
coisa usufruída; e) dar ciência ao dono de qualquer lesão contra a posse da coisa, ou
contra o direito do usufrutuário.
6.6.4.11.Extinção
O usufruto fica extinto com a) a renúncia ou desistência do direito; b) a morte do
usufrutuário; c) o advento do termo final; d) a extinção da pessoa jurídica ou, se ela
perdurar, após o decurso de 30 anos; e) a cessação do motivo que deu origem ao
direito; f) a destruição da coisa (salvo se for consumível); g) a consolidação da
propriedade e do usufruto na mesma pessoa; h) a culpa do usufrutuário prevista no art.
1.410, VII, do CC; i) pelo não uso, a não fruição da coisa.
6.6.5.Uso
6.6.5.1.Conceito
É o direito real que, a título gratuito ou oneroso, autoriza uma pessoa a retirar
temporariamente de coisas alheias todas as utilidades para atender às suas
próprias necessidades e às de sua família (art. 1.412 do CC). Repare que direito
real de uso autoriza não só o uso da coisa, como também a percepção de frutos dela.
Nesse sentido, é instituto que se aproxima do usufruto. A diferença é que o usuário
não pode retirar os frutos além das necessidades próprias e de sua família. Essas
necessidades serão avaliadas segundo a condição social e o lugar onde viver o
usuário. É também chamado de usufruto restrito.
6.6.5.2.Características
É temporário, indivisível, intransmissível e personalíssimo (ou seja, deve ser
exercido pessoalmente pelo usuário e sua família).
6.6.5.3.Objeto
O uso pode recair sobre bens móveis ou imóveis.
6.6.5.4.Constituição
Corre por negócio jurídico (contrato ou testamento), sentença judicial ou
usucapião.
6.6.5.5.Regime jurídico
É o previsto acima, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas ao
usufruto.
6.6.6.Habitação
6.6.6.1.Conceito
É o direito real temporário de ocupar gratuitamente coisa alheia, para morada
do titular e de sua família (art. 1.414 do CC). Perceba que é ainda mais restrito que o
uso, pois só permite a morada do titular do direito e de sua família. Outra diferença é
que é gratuito, ou seja, não há contrapartida em favor do dono da coisa.
6.6.6.2.Características
É temporário, indivisível, intransmissível, personalíssimo e gratuito.
6.6.6.3.Objeto
A habitação só pode recair sobre “casa”, cujo conceito abrange apartamentos.
6.6.6.4.Constituição
Corre por negócio jurídico (contrato ou testamento) ou lei (vide art. 1.831 do CC
– cônjuge sobrevivente).
6.6.6.5.Regime jurídico
É o previsto anteriormente, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas
ao usufruto. É importante ressaltar que o habitador não pode alugar ou emprestar a
coisa, mas tão somente morar nela.
6.6.7.Laje
A lei 13.465/2017 inseriu no rol de direitos reais do Código Civil a laje,
regulamentada nos arts. 1.510-A e seguintes.
Esse direito real consiste em o proprietário de uma construção-base ceder a
superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje
mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo,
contemplando o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados
em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, e não contemplando as
demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.
Confira outras características desse direito real:
a) o titular do direito real de laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem
sobre a sua unidade;
b) os titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria,
poderão dela usar, gozar e dispor;
c) é expressamente vedado ao titular da laje prejudicar com obras novas ou com falta
de reparação a segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício,
observadas as posturas previstas em legislação local.
6.7.2.Efeitos
Os direitos reais em garantia geram os seguintes efeitos:
a) direito de preferência: os credores hipotecários (de hipoteca) e pignoratícios (de
penhor) têm preferência no pagamento de seus créditos, em relação a outros credores
que não tiverem o mesmo direito (art. 1.422 do CC). Uma vez arrematada em juízo a
coisa, o credor com garantia real receberá primeiro, e, havendo sobras, serão pagos
os demais credores. Havendo mais de uma hipoteca, terá preferência aquele que tiver
prioridade na inscrição, ou seja, aquele que tiver a garantia mais antiga.
b) direito de sequela: consiste no poder de o credor com garantia real perseguir e
reclamar a coisa dada em garantia de qualquer pessoa.
c) direito de excussão: consiste no poder de promover a venda judicial da coisa
dada em garantia, após o vencimento da dívida. Esse direito é diferente na anticrese.
d) indivisibilidade: o pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa em
exoneração da garantia, salvo convenção entre as partes.
6.7.5.Cláusula comissória
Consiste na estipulação que autoriza o credor a ficar com a coisa dada em
garantia, caso a dívida não seja paga. Nosso direito proíbe essa cláusula,
considerando nula estipulação nesse sentido. Assim, deixando o devedor de pagar em
dia sua dívida, estará sujeito à execução judicial da coisa, e não à perda automática
dela (art. 1.428 do CC). O objetivo da lei é evitar a agiotagem.
6.7.6.Penhor
Esse direito real em garantia recai sobre coisa móvel e fica constituído de acordo
com a tradição, a transferência efetiva da posse da coisa ao credor (art. 1.431 do
CC), que passa a ser depositário da coisa. No penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos as coisas empenhadas ficam na posse do devedor, que as deve guardar e
conservar.
Por se tratar de contrato solene, deverá ser levado a registro, sendo que no
penhor comum este se dará no Cartório de Títulos de Documentos.
Extingue-se o penhor extinguindo-se a obrigação, perecendo a coisa, renunciando
o credor, com a confusão, com a adjudicação judicial, a remissão ou a venda da coisa
empenhada.
6.7.7.Hipoteca
Esse direito real em garantia recai sobre os imóveis e seus acessórios, o domínio
direto, o domínio útil, as estradas de ferro, os navios, as aeronaves, dentre outros. A
hipoteca abrange as ações e melhoramentos feitos posteriormente no imóvel (arts.
1.473 e 1.474 do CC).
A hipoteca deve ser registrada no cartório do lugar do imóvel.
A lei considera nula a cláusula que proíbe o proprietário alienar a coisa, mas o
adquirente terá de suportar a garantia que recai sobre o bem.
O dono do imóvel hipotecado pode constituir outra hipoteca sobre ele, mediante
novo título, em favor do mesmo ou de outro credor, respeitada a prioridade da
primeira hipoteca.
Extingue-se a hipoteca pela extinção da obrigação principal, pelo perecimento da
coisa, pela resolução da propriedade, pela renúncia do credor, pela remição, pela
arrematação ou adjudicação, e pela averbação do cancelamento do registro.
6.7.8.Anticrese
Pode-se conceituar a anticrese como o direito real em garantia em que o
devedor entrega imóvel ao credor, que recebe o direito de perceber os frutos e
rendimentos da coisa, para compensação da dívida (art. 1.506 do CC).
O credor anticrético pode administrar os bens dados em anticrese e fruir seus
frutos e utilidades, mas deverá apresentar anualmente balanço, exato e fiel, de sua
administração.
7. DIREITO DE FAMÍLIA
7.1.Introdução
7.1.1.Conceito de direito de família
O Direito de família pode ser conceituado como o conjunto de normas que
regulam o casamento, a união estável, a filiação, a adoção, o poder familiar
(direito parental), os alimentos, a tutela e a curatela (direito assistencial
protetivo).
Esse direito rege as seguintes relações familiares:
a) pessoais/afetivas, como os deveres entre os cônjuges (fidelidade), os conviventes
e os pais e filhos (educação);
b) patrimoniais, como as que envolvem a sociedade conjugal (regime de bens);
c) assistenciais, como a assistência material entre cônjuges e entre pais e filhos, e
tutor e tutelado.
Tais relações são protegidas em virtude de interesses superiores (família como
“base da sociedade” – art. 226, caput, da CF) e não individuais, o que faz com que os
princípios dos direitos meramente obrigacionais não possam ser aplicados
diretamente em matéria de direito de família.
Em outras palavras, tendo em vista os direitos envolvidos, que não se resumem à
questão patrimonial, envolvendo questões pessoais, afetivas e assistenciais, o direito
de família reclama regras próprias, diferentes das regras típicas do direito
obrigacional.
7.3.Casamento civil
7.3.1.Conceito
O casamento pode ser conceituado como o vínculo jurídico entre um homem e
uma mulher, estabelecido mediante intervenção estatal, e que cria deveres de
comunhão de vida (moral, espiritual e material) e constitui a família.
Atualmente, a família não é criada somente pelo casamento. A diferença é que,
com o casamento, passa a existir uma presunção absoluta de que o casal forma uma
família.
O preço dessa presunção absoluta é justamente a necessidade de participação do
Estado na criação desse vínculo, o que é feito por meio de autoridade investida em
função delegada pelo Estado para esse fim.
7.3.2.Natureza jurídica
Há várias teorias para explicar a natureza jurídica do casamento. Confira:
a) Teoria Contratualista: o casamento é um contrato civil especial; essa teoria tem
raízes no direito canônico; trata-se de uma teoria um pouco falha, pois não há como se
aplicar as disposições gerais dos contratos para regulamentar o casamento, que
reclama regras próprias;
b) Teoria Institucionalista: o casamento é uma instituição social e jurídica própria,
possuindo regras diferenciadas e de ordem pública ; de acordo com essa teoria o
acordo de vontades (típico de um contrato) é só no momento inicial de escolha pelo
casamento; em seguida, quem dita as regras é a lei, o que faz com que não se possa
confundir o casamento com um contrato, já que neste a autonomia da vontade tem mais
força; além disso, o contrato é sempre temporário, ao passo que o casamento é feito
para durar, e não para ser temporário;
c) Teoria Eclética (ou mista): o casamento é um ato complexo, podendo ser
considerado um contrato na sua formação, mas uma instituição no seu conteúdo.
A doutrina rejeita a Teoria Contratualista, de modo que as duas últimas teorias
são as mais acolhidas.
7.3.3.Princípios do casamento
O casamento segue uma série de princípios, dentre os quais se destacam os
seguintes:
a) liberdade na escolha do nubente;
b) solenidade do ato nupcial (garantem consentimento, publicidade e validade);
c) submissão a normas de ordem pública;
d) caráter permanente;
e) comunhão de vida exclusiva, a exigir fidelidade (art. 1.566, I).
7.3.4.Elementos de existência
Parte da doutrina entende que, quanto aos vícios, o casamento só pode ser válido,
nulo ou anulável, não havendo que se falar em casamento inexistente. Esse é o caso,
por exemplo, de Silvio Rodrigues.
Porém, há casos em que não há como se reconhecer um mínimo de juridicidade
para se dizer que o casamento existe.
Isso fez com que a doutrina majoritária apontasse os chamados requisitos de
existência do casamento, que são os seguintes:
a) diversidade de sexo (art. 1.514 do CC): “homem e mulher”; vale salientar que a
questão vem sofrendo modificação, de maneira que remetemos o leitor ao item 7.1.2.,
letra “g”;
b) consentimento (art. 1.514 do CC): “declaração de vontade de estabelecer vínculo
conjugal”;
c) declaração do juiz na celebração de que estão “casados” (art. 1.514 do CC).
Diferente do que ocorre quanto às nulidades e anulabilidades, não é necessário
que a inexistência seja declarada em juízo, nem muito menos que se ingresse com
ação ordinária para o reconhecimento da inexistência do casamento.
7.3.5.Impedimentos matrimoniais
7.3.5.1.Conceito
Os impedimentos matrimoniais podem ser conceituados como as situações
previstas e especificadas em lei, que, permanente ou temporariamente, proíbem o
casamento.
O rol de impedimentos matrimoniais é taxativo e inclui situações positivas ou
negativas, de fato ou de direito, e físicas ou jurídicas.
A lei trata de forma diferenciada as chamadas “causas suspensivas”, em relação
aos chamados “impedimentos dirimentes públicos ou absolutos”. Confira a seguir o
que significa cada um desses institutos.
7.3.5.2.Causas suspensivas
As causas suspensivas podem ser conceituadas como os fatos que suspendem o
processo de celebração do casamento a ser realizado, se arguidos antes das
núpcias, e que tornam o casamento irregular, se realizado, ensejando sanções aos
nubentes.
P or exemplo, caso o filho do curador de alguém deseje casar com a pessoa
curatelada, e alguém legitimado denuncia isso antes do casamento, o casamento ficará
suspenso até que cesse a relação de curatela e restem saldadas as respectivas contas.
No entanto, se o casamento acabar se realizando, pelo fato de ninguém legitimado ter
feito a denúncia, esse casamento receberá uma sanção, no caso, o regime de bens será
obrigatoriamente o de separação de bens (art. 1.641, I, do CC).
Assim, há dois tipos de consequências jurídicas quando está presente uma causa
suspensiva:
a) se o casamento ainda não tiver sido realizado, este ficará suspenso, até que a causa
suspensiva deixe de existir;
b) se o casamento já tiver sido realizado, será considerado um casamento irregular,
tem por sanção a obrigatoriedade do regime de separação de bens (art. 1.641, I, do
CC).
São legitimados para arguir as causas suspensivas da celebração do casamento
as seguintes pessoas: a) parentes em linha reta de um dos nubentes (consanguíneos e
afins); b) colaterais até segundo grau (consanguíneos e afins), nos termos do art. 1.524
do CC.
O prazo para a arguição é de 15 dias, contados da afixação do edital de
proclamas, publicado pelo oficial após a entrega da documentação em ordem pelos
interessados em se casar.
A arguição exige forma escrita, apresentando o arguinte declaração escrita e
assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde
possam ser obtidas (art. 1.529 do CC).
Havendo impugnação, o oficial do registro dará aos nubentes nota da oposição,
indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu (art. 1.530 do CC).
Podem os nubentes requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos
alegados e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé.
Cumpridas as formalidades legais e verificada a inexistência de fato obstativo, o
oficial do registro extrairá o certificado de habilitação (art. 1.531 do CC), que terá
eficácia de 90 dias, contados da data em que foi extraído o certificado.
São hipóteses de casos suspensivos os seguintes:
a) o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; o objetivo é evitar a
confusão patrimonial de filhos com a nova sociedade conjugal; são sanções para o
casamento realizado nessas circunstâncias a obrigatoriedade do regime de separação
de bens (art. 1641, I, do CC) e a hipoteca legal de seus imóveis em favor dos filhos
(art. 1.489, II, do CC); os nubentes podem pedir ao juiz que não seja aplicada a
sanção se provarem que não haverá prejuízo aos herdeiros (art. 1.523, parágrafo
único, do CC);
b) a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido
anulável, até 10 meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade
conjugal; o objetivo é evitar confusão de sangue (“turbatio sanguinis”), conflito de
paternidade; a sanção para o casamento realizado nessas circunstâncias é a
obrigatoriedade do regime de separação de bens (art. 1.641, I, do CC); os nubentes
podem pedir ao juiz que não seja aplicada a sanção se provarem que a viúva deu à luz
filho no período ou que não está grávida (art. 1.523, parágrafo único, do CC);
c) o divorciado enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos
bens do casal; o objetivo é evitar confusão patrimonial; a sanção para o casamento
realizado nessas circunstâncias é a obrigatoriedade do regime de separação de bens
(art. 1641, I, do CC); os nubentes podem pedir ao juiz que não seja aplicada a sanção
se provarem que não haverá prejuízo ao ex-cônjuge (art. 1.523, parágrafo único, do
CC);
d) o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou
sobrinhos, com a pessoa protegida, enquanto não cessar a tutela ou curatela e não
estiverem saldadas as respectivas contas; o objetivo é evitar consentimento não
espontâneo; a sanção para o casamento realizado nessas circunstâncias é a
obrigatoriedade do regime de separação de bens (art. 1641, I, do CC); os nubentes
podem pedir ao juiz que não seja aplicada a sanção se provarem que não haverá
prejuízo (art. 1.523, parágrafo único, do CC).
7.3.5.3.1.Questões gerais
Conforme já visto, os impedimentos matrimoniais podem ser conceituados como
as situações previstas e especificadas em lei, que, permanente ou temporariamente,
proíbem o casamento.
A consequência jurídica do casamento realizado em hipótese em que está
presente um impedimento matrimonial é a invalidade do casamento.
Qualquer pessoa capaz é legitimada para a oposição de impedimento, o que deve
ser feito levando ao conhecimento do oficial perante o qual se processa a habilitação
ou perante o juiz, os quais serão obrigados a declarar de ofício o impedimento, assim
que tiverem conhecimento deste (art. 1.522, parágrafo único, do CC).
A constatação da existência de impedimentos tem os seguintes efeitos: a)
impossibilita a obtenção do certificado de habilitação; b) adia o casamento, enquanto
o impedimento persistir; c) torna nulo o casamento por ventura realizado (art. 1.548,
II, do CC).
7.3.5.3.2.Impedimentos em espécie
7.3.5.3.2.1.Resultantes de parentesco
Não podem casar (art. 1.521, I a V, do CC):
a) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; por
exemplo, não é possível o casamento de pai com filho, ou de avô com neta;
b) os afins em linha reta; trata-se do parentesco que se estabelece entre um dos
cônjuges ou companheiros e os parentes na linha reta do outro; repare que o
impedimento por afinidade só existe quanto aos fins na linha reta; por exemplo, não
podem casar o sogro com a nora, ou o padrasto com a enteada; vale lembrar que “na
linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou união
estável” (art. 1.595, § 2°, do CC); a união estável também gera o vínculo de afinidade
(art. 1.595 do CC); já o cunhadio desaparece com o fim do casamento, sendo possível
que ex-cunhados se casem;
c) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do
adotante; por exemplo, imagine que “A” e “B”, casados, venham a se separar; em
seguida “A” adota “C”; pois bem, “B” e “C” não poderão se casar, embora não tenha
se formado vínculo de afinidade entre eles;
d) os irmãos, unilaterais ou bilaterais; os irmãos são unilaterais quando têm apenas
um dos pais em comum (serão irmãos consanguíneos se o pai é comum e uterinos se a
mãe é comum); os irmãos são bilaterais quando têm os dois pais em comum, hipótese
em que são chamados germanos; naturalmente, o impedimento também existe entre
irmãos quando um deles é adotado;
e) entre colaterais até o terceiro grau inclusive; colaterais são os parentes que
descendem de um tronco comum sem descenderem um do outro (vai até ancestral
comum); repare que o impedimento vai até o 3° grau, de modo que primos, que são
parentes em 4° grau, podem se casar; a regra do impedimento até o 3° grau traz uma
exceção, que é o casamento de tios e sobrinhos, cujo impedimento é vencível segundo
o Dec.-lei 3.200/1941; para tanto, é necessário que dois médicos atestem a sanidade,
afirmando não ser inconveniente para a saúde deles e da prole o casamento; uma vez
que não haja problema, nubentes recebem certificado pré-nupcial; o Enunciado CJF
98 entende que o decreto-lei em questão ainda está em vigor;
f) o adotado com o filho do adotante; essa regra é um pouco estranha, pois tais
pessoas (“adotado” e “filho do adotante”) já são considerados irmãos para todos os
fins (art. 41, caput, do ECA), o que faz com que a regra seja desnecessária;
aproveitando o ensejo, vale lembrar que o adotado desliga-se do vínculo com seus
pais e parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais (art. 41, caput, do
ECA).
7.3.5.3.2.2.Resultantes de vínculo
Não podem casar (art. 1.521, VI, do CC) as pessoas casadas.
Nossa lei proíbe a bigamia, que é considerado crime (art. 235 do CP). O conceito
de família, no Direito brasileiro, tem base monogâmica.
Aquele que tiver interesse em casar e quiser fazê-lo de novo, deverá apresentar
certidão de óbito, documento que revele a morte presumida (arts. 22 a 39 e 1.571, §
1°, do CC; quanto ao ausente, é necessário ter ocorrido a abertura da sucessão
definitiva) ou registro da sentença do divórcio.
Aquele que é casado e se casa de novo, além de cometer crime, sujeita-se, ainda,
à sanção de nulidade do segundo casamento (art. 1.548, II, do CC).
Por fim, vale salientar que não gera o impedimento a existência de casamento
religioso não inscrito no registro civil (art. 1.515 do CC).
7.3.5.3.2.3.Resultantes de crime
Não podem casar (art. 1.521, VII, do CC)o cônjuge sobrevivente com o
condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
O impedimento diz respeito a condutas dolosas, o que pode ser facilmente
verificado pelo fato de a lei fazer referência à “tentativa”, que reclama dolo.
A lei exige que haja condenação, o que exclui a situação daquele que ainda não
tenha sido condenado, bem como absolvições e reconhecimento da prescrição.
Vale lembrar que a lei também considera crime “contrair casamento, conhecendo
a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta” (art. 237 do CP).
7.3.7.Espécies de casamento
7.3.7.1.Casamento putativo
O casamento putativo pode ser conceituado como aquele que, embora nulo ou
anulável, foi contraído de boa-fé por um ou por ambos os cônjuges (art. 1.561 do
CC).
A boa-fé consiste na ignorância, ao tempo da celebração do casamento, da
existência de impedimentos à união conjugal, podendo se tratar de erro de fato (ex.:
não se sabe que duas pessoas que se casam são irmãos) ou erro de direito (ex.: não se
sabe que é proibido o casamento entre tios e sobrinhos).
A boa-fé é presumida, mas admite prova em contrário.
A proteção que se dá ao cônjuge de boa-fé no casamento putativo também vem
sendo estendida para aquele que sofre coação. Este, apesar de ter ciência do vício no
casamento, merece proteção equivalente àquele que está de boa-fé, por uma questão
de justiça.
A sentença que proclama a invalidade do casamento é o ato adequado para que
se declare que o casamento é putativo. O juiz pode fazer tal declaração de ofício ou a
requerimento das partes.
Uma vez reconhecido o casamento putativo, o casamento, mesmo nulo, produzirá
seus efeitos até o dia da sentença anulatória (art. 1.561 do CC), ou seja, a sentença
terá efeitos ex nunc.
Isso faz com que a anulação do casamento não afete direitos adquiridos até a data
da decisão anulatória.
Assim, o cônjuge inocente (de boa-fé) adquire a meação dos bens do casal e
permanece emancipado, caso tenha casado quando ainda não tinha 18 anos.
Os filhos ficam sempre com seus direitos preservados nos casamentos nulos ou
anuláveis, pouco importando se seus pais estão ou não, os dois, de boa-fé.
Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá na
perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente e na obrigação de cumprir as
promessas que lhe fez no contrato antenupcial (art. 1.564, I e II, do CC).
7.3.7.2.Casamento nuncupativo
O casamento nuncupativo é conceituado como aquele contraído em situação de
iminente risco de vida, sem possibilidade da presença da autoridade ou de seu
substituto (art. 1.540 do CC).
Nesse caso, o casamento será celebrado na presença de seis testemunhas, que
com os nubentes não tenham parentesco em linha reta, ou, na colateral, até segundo
grau.
A doutrina também denomina esse casamento como de “viva voz”, ou “in articulo
mortis” ou “in extremis vitae momentis”, que significa “nos últimos momentos de
vida”.
Realizado o casamento, devem as testemunhas comparecer perante a autoridade
judicial mais próxima, dentro de dez dias, pedindo que lhes tome por termo a
declaração de:
a) que foram convocadas por parte do enfermo;
b) que este parecia em perigo de vida, mas em seu juízo;
c) que, em sua presença, declararam os contraentes, livre e espontaneamente, receber-
se por marido e mulher.
Autuado o pedido e tomadas as declarações, o juiz procederá às diligências
necessárias para verificar se os contraentes tinham ou não impedimentos matrimoniais
ou causas suspensivas.
Verificada a idoneidade dos cônjuges para o casamento, assim o decidirá a
autoridade competente, com recurso voluntário às partes.
Em seguida, o juiz mandará registrar a decisão no livro do Registro dos
Casamentos, sendo que o assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento,
quanto ao estado dos cônjuges, à data da celebração.
Serão dispensadas as formalidades apontadas se o enfermo convalescer e puder
ratificar o casamento na presença da autoridade competente e do oficial do registro.
7.3.8.Efeitos do casamento
7.3.8.1.Efeitos sociais
São efeitos sociais do casamento os seguintes:
a) a criação da família matrimonial, atendendo à vontade do art. 226 da Constituição
Federal, que, apesar de proteger a família originada de outras fontes, tem interesse em
que se facilite o casamento;
b) o estabelecimento do vínculo de afinidade entre cada cônjuge e os parentes do
outro (art. 1.595 do CC);
c) a emancipação do consorte de menor idade (art. 5°, parágrafo único, II, do CC).
7.3.8.2.Efeitos pessoais
São efeitos pessoais do casamento os seguintes:
a) a fidelidade mútua (arts. 1.566, I, e 1.573, I, do CC), que implica no abstenção de
cada consorte de praticar relações sexuais com terceiro; o adultério é considerado
motivo suficiente para o reconhecimento da impossibilidade da vida em comum; de
qualquer forma, a lei vem atenuando algumas regras em torno da questão da fidelidade
para admitir o reconhecimento de filho adulterino no casamento (interpretação a
contrario sensu do disposto no art. 1.611 do CC); porém, o filho havido fora do
casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem
o consentimento do outro; outra flexibilização da lei diz respeito àqueles casos em
que duas pessoas permanecem casadas, mas estão separadas de fato; nesse caso, o art.
1.723, § 1°, do CC admite que um dos separados de fato constitua união estável com
terceiro, ainda que continue formalmente casado com o outro;
b) a coabitação (arts. 1.566, II, 1.511 e 1.797, I, do CC), que implica vida em
comum, no domicílio conjugal, com convivência sexual; a coabitação admite que um
dos cônjuges se ausente do domicílio para atender a encargos públicos, ao exercício
de profissão, ou a interesses particulares relevantes; não há como exigir a coabitação
em juízo, mas a sua falta deliberada enseja pedido de divórcio;
c) a mútua assistência (art. 1.566, III, do CC), implicando assistência material, moral
e espiritual;
d) o respeito e consideração mútuos (arts. 1.566, V, e 1.573, III, do CC), que
implica a sinceridade e o zelo pela honra e dignidade do outro;
e) a igualdade de direitos e deveres entre marido e mulher (art. 1.511 do CC e art.
226, § 5°, da CF), que implica a igualdade material e também a igualdade no
exercício da direção de sociedade conjugal (arts. 1.567 e 1.570 do CC); marido e
mulher devem atuar em colaboração, no interesse do casal e dos filhos; havendo
divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em
consideração àqueles interesses; se estiver impedido qualquer dos cônjuges, o outro
exercerá com exclusividade a direção da família, cabendo-lhe a administração dos
bens; os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos
rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer
que seja o regime patrimonial; qualquer dos nubentes poderá adotar o sobrenome do
outro (art. 1.565, § 1°, do CC);
f) o sustento, a guarda e a educação dos filhos (art. 1.566, IV, do CC); esse efeito
impõe o regular exercício do poder familiar, que é um poder-dever (art. 1.634 do
CC), o que inclui o dever de assistir e representar seus filhos (art. 1.690 do CC);
sustento significa prover a subsistência material (alimentos, vestuário e
medicamentos); guarda significa ter os filhos em sua companhia, vigiá-los e reclamá-
los de qualquer que injustamente os possua; educar significa prover a educação moral
(exigir que lhe prestem obediência, respeito e serviços próprios da idade), intelectual
e fisicamente (de acordo com condições econômicas e sociais), tudo com carinho,
dedicação e amor, sob pena de suspensão ou destituição do poder familiar (arts.
1.637 e 1.638 do CC), sem prejuízo do dever de arcar com alimentos (art. 1.696 do
CC).
7.3.8.3.Efeitos patrimoniais
São efeitos patrimoniais do casamento os seguintes:
a) cria a sociedade conjugal, que será delineada de acordo com o regime de bens
(direitos, deveres e restrições);
b) estabelece o direito sucessório em favor do cônjuge sobrevivente, que é herdeiro
necessário (art. 1.845 do CC); aliás, o cônjuge sobrevivente pode ingressar na
primeira classe em alguns casos (art. 1.829 do CC); o cônjuge só não será herdeiro
em caso de já ter havido, ao tempo da morte do outro, separação judicial ou de fato há
mais de 2 anos, salvo se não há culpa do sobrevivente (art. 1.830 do CC); outro
direito do cônjuge sobrevivente é o direito real de habitação relativamente ao imóvel
destinado à residência da família (art. 1.831 do CC);
c) pais devem administrar bens do filho menor, não podendo dispor destes;
d) impõe o dever de alimentar entre os cônjuges e em favor dos filhos;
e) institui o bem de família (Lei 8.009/1990 e art. 1.711 do CC).
7.4.Bem de família
7.4.1.Questões gerais
Existem duas regulamentações para o bem de família. A primeira delas está
prevista na Lei 8.009/1990 e trata do bem de família legal, que é aquele que decorre
da própria lei, sem necessidade de qualquer medida por parte dos beneficiários. A
segunda regulamentação se encontra nos arts. 1.711 e seguintes do Código Civil e diz
respeito ao bem de família voluntário, que é aquele destinado por ato de vontade dos
cônjuges, mediante escritura pública ou testamento.
7.5.2.Princípios
São princípios do direito patrimonial dos cônjuges os seguintes:
a) variedade de regime de bens; há quatro tipos de regime, quais sejam, comunhão
universal, comunhão parcial, separação de bens e participação final dos aquestos;
b) liberdade dos pactos antenupciais (arts. 1.639, 1.640, parágrafo único, 1.655 e
1.641, I a III, do CC), podendo os cônjuges, como regra, escolher o regime que lhes
convém, não estando adstritos aos regimes tipificados, podendo, assim, combiná-los
entre si (art. 1.639 do CC); porém, há limites para isso; os cônjuges devem respeitar
preceitos de ordem pública e também os fins e a natureza do matrimônio; dessa forma,
não poderão retirar do regime de bens os deveres inerentes ao casamento, nem muito
menos privar um ao outro do poder familiar, da igualdade, e também não poderão
alterar a vocação hereditária; o princípio da liberdade dos pactos antenupciais cede
para alguns casos em que a lei obriga o regime de separação de bens (art. 1.641 do
CC), tais como no casamento contraído com causa suspensiva, no casamento de
alguém que dependa de suprimento judicial e no casamento de pessoa maior de 70
anos (alterado pela Lei 12.344/2010); quanto à última exceção (casamento de maior
de 70 anos) parte da doutrina entende que essa norma fere os princípios da dignidade
da pessoa humana e da igualdade;
c) mutabilidade justificada do regime adotado (art. 1.639, § 2°, do CC), sendo
admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e
ressalvados os direitos de terceiros; o STJ entende que essa alteração é possível
inclusive para os casamentos ocorridos antes da entrada em vigor do atual Código
Civil, em função do princípio da igualdade; de qualquer maneira, a modificação de
regime de bens depende de autorização judicial (com intervenção do MP, para evitar
o abuso de ascendência), de pedido motivado de ambos os cônjuges e de apuração da
procedência das razões invocadas (para evitar fraude ou dano), ficando ressalvados,
sempre, os direitos de terceiros;
d) formalidade, valendo salientar que o pacto antenupcial (arts. 1.653 a 1.657 do CC)
é contrato solene, realizado antes do casamento, por meio do qual as partes
dispõem o regime de bens que vigorará no matrimônio (art. 1.639, § 1°, do CC); o
pacto deve ser celebrado por meio de escritura pública, sob pena de nulidade (art.
1.653 do CC), com posterior registro em livro especial no registro imobiliário do
domicílio do casal, como requisito de eficácia perante terceiros; o pacto antenupcial
será considerado ineficaz se o casamento não lhe seguir (art. 1.653 do CC); caso os
nubentes concordem com o regime que a lei recomenda – o regime de comunhão
parcial – bastará que estes reduzam a termo a opção pela comunhão parcial (art.
1.640, parágrafo único, do CC), não sendo necessária a elaboração de escritura
pública.
e) imediata vigência na data da celebração do casamento.
7.6.3.Divórcio consensual
Quando um casal tem interesse comum em se divorciar, está-se diante de hipótese
de divórcio consensual. Conforme já escrito, com a EC 66/2010, esse casal não tem
de esperar tempo algum, nem mesmo se submeter a prévia separação, para conseguir
o divórcio. Basta que ingresse em juízo com esse pedido, ou que faça tal requerimento
em cartório extrajudicial, se não houver filhos incapazes e desde que se façam
representar por advogado, para que o divórcio aconteça.
Resta saber se é possível pedir o divórcio consensual no curso do primeiro ano
de casamento. Para alguns doutrinadores isso não é possível, pois mesmo para a mera
separação consensual a lei exige que se trate de duas pessoas casadas há mais de um
ano (art. 1.574 do CC), quanto mais para o divórcio, que é providência mais forte. No
entanto, entendemos que, como não há limitação nesse sentido no novo texto
constitucional, não há que se cumprir esse requisito, apesar de pensarmos, no plano
pessoal, que é absolutamente temerário duas pessoas se casarem e já buscarem a
separação logo no primeiro ano de casamento, sem buscar, por mais tempo, meios de
se entender como casal.
7.7.União Estável
A união estável tem natureza jurídica de entidade familiar (art. 226, § 3°, da
CF).
O conceito tradicional de união estável é o seguinte: consiste na convivência
pública, contínua e duradoura entre um homem e uma mulher, com o objetivo de
constituição de família (art. 1.723 do CC).
Todavia, esse conceito, hoje, deve levar em conta o posicionamento do STF
acerca da união estável homoafetiva. Com efeito, o Excelso Pretório, na ADI 4.277
e na ADPF 132, julgadas em 05.05.2011, tomou a seguinte decisão: pela procedência
das ações e com efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a
Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código
Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar.
O decisum teve por fundamento o art. 3°, IV, da CF, que veda qualquer tipo de
discriminação.
Como consequência, a união estável homoafetiva passa a ter a mesma
regulamentação da união estável entre homem e mulher (deveres dos companheiros,
alimentos, sucessões). Aliás, há até quem entenda que o instituto da conversão da
união estável em casamento também possa se dar quanto às uniões estáveis
homoafetivas, questão que ainda vai gerar muito debate, pois tal entendimento
significaria dizer que é possível não só a união estável homoafetiva, como também o
casamento homoafetivo.
Na prática, algumas conversões de união estável homoafetiva em casamento já
foram autorizadas pelo Poder Judiciário, mas a questão ainda não chegou a ser
conhecida pelo STF, que, por enquanto, só assegurou a possibilidade de haver uma
união estável entre pessoas do mesmo sexo.
Em relação ao histórico da união estável, nosso direito passou por várias fases.
Num primeiro momento não havia direito algum para quem estivesse numa relação
dessas, mas apenas restrições. Em seguida, passou-se a denominar esse tipo de
relação como “concubinato”, passando a jurisprudência, aos poucos, a conferir certos
direitos, principalmente à concubina. Confira, nesse sentido, a Súmula 380 do STF:
“comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua
dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
Sobreveio a Constituição de 1988, que, em seu art. 226, § 3°, estabeleceu que,
“para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Com o advento da Constituição de 1988, a terminologia mudou. Passou-se a usar
a expressão “união estável”, reservando a expressão “concubinato” para as relações
estáveis entre duas pessoas impedidas de se casar. Por exemplo, “A” e “B” são
casados, mas “B” mantém “C” como amante, não estão cumpridos os requisitos de
uma união estável. Nesse caso, entre “B” e “C” tem-se um concubinato, que não gera
os direitos da união estável.
Em seguida veio a Lei 8.971/1994, que regulamentou o conceito de união estável
(exigindo cinco anos ou existência de filho comum), os direitos sucessórios (usufruto
de parte de bens deixados pelo companheiro e herança, na falta de ascendentes ou
descendentes do companheiro falecido) e direito à metade de certos bens em caso de
falecimento do companheiro (companheiro sobrevivente passa a ter direito à metade
dos bens resultantes de atividade decorrente do esforço comum).
Dois anos depois adveio a Lei 9.278/1996, mudando o conceito de união estável
(sem exigir requisito temporal, mas apenas a convivência duradoura, pública e
contínua, de homem e mulher, com o objetivo de constituir família). Quanto aos
direitos, estabelece o direito à meação, já na constância da união estável, de certos
bens; estabelece o direito de administração comum dos bens comuns; estabelece o
direito a alimentos em caso de dissolução da sociedade conjugal; estabelece o direito
real de habitação sobre o imóvel de residência da família, em caso de falecimento do
companheiro; estabelece regra sobre a conversão da união estável e casamento; e
institui o segredo de justiça para as ações e a vara de família como juízo delas.
Por fim, adveio o atual Código Civil, que, em seus arts. 1.723 a 1.727, estabelece
uma série de regras sobre a união estável. Confira:
a) quanto ao conceito desta, manteve o conceito trazido pela Lei 9.278/1996;
b) quanto aos impedimentos, estabelece que a união estável não se configura quando
ocorrerem os impedimentos para o casamento; no entanto, caso alguém seja casado,
mas separado de fato ou judicialmente, nada impede que esse alguém constitua uma
união estável; repare que a existência de causas suspensivas não impede a
configuração da união estável;
c) estabelece os deveres dos companheiros (lealdade, respeito e assistência, guarda,
sustento e educação dos filhos);
d) estabelece o regime de comunhão parcial de bens (igual ao casamento);
e) estabelece regra sobre a conversão da união estável em casamento;
f) estabelece o conceito de concubinato (“relações não eventuais entre o homem e a
mulher, impedidos de casar”).
O art. 1.790 do CC trata dos direitos sucessórios do companheiro, estabelecendo
que “a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos
bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
a) se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei
for atribuída ao filho; b) se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-
lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; c) se concorrer com outros
parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; d) não havendo parentes
sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Porém, o STF declarou inconstitucional esse art. 1.790 do CC, que estabelecia
uma diferenciação entre os regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo-se aplicar a ambos o regime estabelecido no art. 1.829 do CC (RE
646721/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, j.
10.05.2017).
O Código Civil também estabelece que é possível ingressar com ação de
dissolução de união estável, podendo o companheiro ingressante, comprovando a
necessidade, requerer previamente cautelar de separação de corpos (art. 1.562 do
CC).
Outra regra sobre a união estável encontra-se no art. 1.595, § 2° do CC, pelo qual
“na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união
estável”.
Quanto aos requisitos da configuração da união estável, são os seguintes:
a) inexistência de impedimento para o casamento, ressalvada a situação de alguém
casado, que esteja separado de fato ou judicialmente (STJ, AgRg nos EDcl no AgRg
no AREsp 710780/RS, DJE 25.11.2015); o STJ também entende que não é possível o
reconhecimento de união estáveis simultâneas (AgRg no AREsp 609856/SP, DJE
19/05/2015), além de estar sendo mais duro com o chamado concubinato, ao assentar
entendimento segundo o qual não há possibilidade de se pleitear indenização por
serviços domésticos prestados com o fim do casamento ou da união estável, tampouco
com o cessar do concubinato, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao
casamento, que tem primazia constitucional de tratamento (AgRg no AREsp
770596/SP, DJE 23.11.2015);
b) diversidade de sexos: esse requisito está superado após a decisão do STF
mencionada, que admite a união estável entre pessoas do mesmo sexo (união
homoafetiva);
c) continuidade das relações sexuais: requisito implícito;
d) convivência duradoura: estabilidade na relação;
e) convivência pública: notoriedade de afeições recíprocas; pode ser convivência
notória, porém discreta, limitada ao conhecimento de amigos, familiares e vizinhos;
não requer publicidade, mas não pode se tratar de uma relação absolutamente secreta;
f) objetivo de constituir família: não se configura simplesmente pelo fato de suas
pessoas dividirem despesas; também não é necessário que se queira ter filhos; mas há
necessidade de formar uma parceria de natureza afetivo-amorosa com caráter
duradouro. Segundo o STJ, “o fato de namorados projetarem constituir família no
futuro não caracteriza união estável, ainda que haja coabitação”, vez que “a
coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos
atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à
realidade social. Por oportuno, convém ressaltar que existe precedente do STJ no
qual, a despeito da coabitação entre os namorados, por contingências da vida,
inclusive com o consequente fortalecimento da relação, reconheceu-se inexistente a
união estável, justamente em virtude da não configuração do animus maritalis (REsp
1.257.819-SP, Terceira Turma, DJe 15.12.2011)” (REsp 1.454.643-RJ, DJe
10.03.2015).
A prova da união estável pode se dar de variadas maneiras, tais como pela
certidão de nascimento de filho comum, certidão de casamento religioso, contrato de
locação de imóvel residencial, declaração de dependência no INSS/IR, contrato de
plano de saúde, correspondência, fotos e recibos; testamento etc.
Caso os companheiros queiram um reconhecimento formal de sua relação, mas
não seja o caso de ingressar com ação de dissolução de união estável, podem
ingressar com uma ação declaratória de existência de união estável ou com ação de
justificação judicial (art. 381, § 5°, do NCPC).
As novas disposições do Código Civil sobre união estável valem para uniões em
curso quando de sua entrada em vigor, respeitadas, naturalmente, situações jurídicas
já consolidadas com base na lei anterior.
Quanto aos deveres pessoais, os companheiros devem obedecer aos seguintes
deveres:
a) lealdade e respeito: a fidelidade está implícita;
b) assistência: tanto a moral como a material (dever alimentar);
c) guarda, sustento e educação dos filhos.
A coabitação não é dever absoluto, não sendo sequer necessária à caracterização
da união estável, conforme entendimento do STF (Súmula 382).
Quanto ao regime patrimonial, temos as seguintes regras:
a) os companheiros poderão estabelecer o regime patrimonial de sua relação, o que
deve ser feito mediante contrato escrito; não é necessário que se trate de uma escritura
pública, podendo ser mero escrito particular; no entanto, é muito comum que esse
documento seja produzido em Cartório de Títulos e Documentos, como forma de se
garantir o arquivamento de uma cópia do documento em registro público; todavia,
“não é lícito aos conviventes atribuírem efeitos retroativos ao contrato de união
estável, a fim de eleger o regime de bens aplicável ao período de convivência
anterior à sua assinatura” (STJ, REsp 1.383.624-MG, DJ 12.06.2015), pois nem no
casamento isso é possível;
b) caso não haja contrato escrito especificando as regras do regime patrimonial entre
os companheiros, aplicar-se-á às relações patrimoniais, no que couber, o regime de
comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC); ou seja, não será necessário verificar
quais bens foram adquiridos com o esforço comum dos companheiros, como se fazia
no passado, adotando-se o regime jurídico da comunhão parcial de bens, pelo qual,
como regra, comunicam-se os bens adquiridos na constância da união estável; dessa
forma, são incomunicáveis os bens particulares adquiridos anteriormente à união
estável ou ao casamento sob o regime de comunhão parcial, ainda que a transcrição
no registro imobiliário ocorra na constância da relação (REsp 1324222/DF, DJE
14.10.2015); é também consequência direta desse regime o entendimento do STJ
segundo o qual a valorização patrimonial dos imóveis ou das cotas sociais de
sociedade limitada, adquiridos antes do início do período de convivência, não se
comunica, pois não decorre do esforço comum dos companheiros, mas de mero fator
econômico (REsp 1349788/RS, DJE 29.08.2014); porém, quanto aos frutos desses
bens (ex: dividendos, lucros e alugueres) a regra é outra, entendendo o STJ que a
incomunicabilidade do produto dos bens adquiridos anteriormente ao início da união
estável (art. 5°, § 1°, da Lei 9.278/1996) não afeta a comunicabilidade dos frutos,
conforme previsão do art. 1.660, V, do Código Civil de 2002. (REsp 1349788/RS,
DJE 29.08.2014);
c) na união estável de pessoa maior de setenta anos (art. 1.641, II, do CC/02), impõe-
se o regime da separação obrigatória, sendo possível a partilha de bens adquiridos na
constância da relação, desde que comprovado o esforço comum (EREsp 1171820/PR,
DJE 21.09.2015).
Por fim, vale trazer à tona os principais efeitos jurídicos da união estável:
a) gera o direito a alimentos (arts. 1.694 e 1.708 do CC);
b) gera direito à sucessão do outro, nos termos do art. 1.790 do CC, já mencionado;
c) estabelece o regime de comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito entre os
companheiros (art. 1.725 do CC);
d) confere direito real de habitação sobre o imóvel de residência da família, em caso
de falecimento do companheiro (art. 7°, parágrafo único, da Lei 9.278/1996); tal
direito favorece o companheiro sobrevivente enquanto sobreviver ou não constituir
nova união ou casamento; isso porque o STJ entende que o companheiro sobrevivente
tem esse direito sobre o imóvel no qual convivia com o falecido, ainda que silente o
art. 1.831 do atual Código Civil (REsp 1203144/RS, DJE 15.08.2014); por outro
lado, não subsiste o direito real de habitação se houver copropriedade sobre o imóvel
antes da abertura da sucessão ou se, àquele tempo, o falecido era mero usufrutuário do
bem (STJ, REsp 1184492/SE, DJE 07.04.2014);
e) permite que o convivente tenha direito de usar o nome do outro (art. 57 da Lei
6.015/1973);
f) assegura ao companheiro a condição de dependente para os fins legais (ex.:
imposto de renda; benefício previdenciário);
g) outorga ao companheiro o direito de continuar a locação, havendo morte do outro
(art. 11, I, da Lei 8.245/1991);
h) obriga os companheiros a declarar a existência de união estável nos instrumentos
com terceiros, sob pena de configurar má-fé; nessa linha é também a seguinte decisão
do STJ: “A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de
consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável,
mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da
existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os
bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente” (REsp 1.424.275-MT, DJ
16.12.2014);
i) permite o uso de tutela provisória para afastar o outro do lar (art. 297 do NCPC e
art. 1.562 do CC);
j) permite a adoção;
k) legitima o companheiro prejudicado a ingressar com embargos de terceiro para
excluir sua meação de eventual penhora indevida;
l) faculta aos companheiros o direito de pleitear a conversão da união estável em
casamento, mediante pedido destes ao juiz e assento no Registro Civil (art. 1.726 do
CC);
m) impõe aos companheiros os deveres especiais previstos no art. 1.724 do CC
(lealdade, respeito etc.).
7.8.Alimentos
Os alimentos podem ser conceituados como a prestação que podem alguns
parentes, os cônjuges ou os companheiros pedir uns aos outros, consistentes no
necessário para que uma pessoa possa viver, fixada segundo a necessidade do
reclamante e a possibilidade da pessoa obrigada.
Não se deve confundir alimentos como dever de sustento, já que o segundo se dá
quando se está na companhia daquele que precisa de auxílio. Assim, o pai que mora
com o filho menor tem dever de sustento em relação a este. Já o pai que não mora
com o filho menor tem o dever de prestar alimentos ao filho.
Os alimentos podem ser assim classificados:
a) quanto à natureza
naturais (necessários): destinados à satisfação das necessidades primárias da
vida (comer, vestir, habitar) indispensáveis à subsistência (art. 1.694, § 2°, do CC);
civis (côngruos): destinados a manter a condição social, inclusive educação, do
alimentando (art. 1.694 do CC). Como consequência direta disso o STJ entende que a
base de cálculo da pensão alimentícia fixada sobre o percentual do vencimento do
alimentante abrange o décimo terceiro salário e o terço constitucional de férias, salvo
disposição expressa em contrário. (AgRg no AREsp 642022/RS, DJE 20.10.2015).
Vale destacar que é possível a fixação da pensão alimentícia com base em
determinado números de salário mínimo (AgRg no AREsp 031519/DF, DJE
11.09.2015).
b) quanto à causa jurídica
legais (legítimos): decorrem da lei (ex.: devidos pelo parentesco, casamento ou
companheirismo);
voluntários: decorrem de declaração de vontade inter vivos ou causa mortis; um
exemplo é o legado de alimentos, estipulado em testamento;
indenizatórios (ressarcitórios): são os resultantes de responsabilidade civil.
Essa classificação é importante, pois a prisão civil do alimentante, admitida pelo
art. 5°, LXVII, da CF só cabe quanto aos alimentos legais, não sendo admitida nos
demais casos.
c) quanto à finalidade
definitivos (regulares): são os de caráter permanente, fixados pelas partes ou por
decisão judicial definitiva; tais alimentos podem, todavia, ser revistos se sobrevier
mudança nas possibilidades ou nas necessidades (art. 1.699 do CC);
provisórios: são os fixados liminarmente na ação de alimentos de rito especial
(Lei 5.478/1968); essa ação reclama prova pré-constituída (prova de parentesco ou
da obrigação de alimentos), devendo o juiz, ao despacho do pedido, fixar alimentos
provisórios (art. 4°);
provisionais (ad litem): são os fixados em medida cautelar, preparatória ou
incidental, de ação de separação judicial, de divórcio, de nulidade ou anulação do
casamento ou de alimentos, inclusive os gravídicos;
d) quanto ao momento a partir do qual são devidos
atuais: postulados a partir do ajuizamento da ação;
futuros: devidos a partir da sentença;
pretéritos: no Brasil não são devidos, pois pessoa, bem ou mal, conseguiu
sobreviver, não havendo como entrar com ação para a fixação de alimentos, pedindo
que sejam pagos alimentos para período anterior à sua fixação.
A obrigação alimentar tem as seguintes características:
a) é transmissível, já que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros
do devedor, na forma do art. 1.694 do CC (art. 1.700 do CC), respeitados os limites
das forças da herança; repare que é a própria obrigação que se transmite, e não
apenas as eventuais prestações atrasadas; por exemplo, se alguém deve alimentos a
uma ex-esposa, e esse alguém vem a falecer, a obrigação alimentar permanece e os
herdeiros do falecido deverão continuar arcando com a pensão alimentícia, no limites
das forças da herança.
b) é divisível e comum, ou seja, a obrigação alimentar não é solidária, como regra, de
modo que, havendo mais de um devedor, cada qual responde por sua cota-parte (STJ
Resp. 50.153-9/94); como se sabe, a solidariedade não se presume, decorrendo da lei
ou da vontade; e a lei não estabelece a solidariedade em matéria de obrigação
alimentar; assim, se dois avós (paterno e materno) devem alimentos em favor de um
neto, cada qual será obrigado a pagar a sua cota-parte, não sendo possível exigir a
obrigação por inteiro de apenas um dos devedores; aliás, caso apenas um devedor
seja acionado em juízo, este poderá chamar os demais devedores a integrar a lide (art.
1.698 do CC); de qualquer forma, há um caso em que a obrigação alimentar é
solidária; trata-se da obrigação alimentar de vida em favor do idoso (art. 12 da Lei
10.741/2003);
O direito aos alimentos tem as seguintes características:
a) é personalíssimo, pois é um direito que só existe pela necessidade do alimentando,
não podendo ser transferido a terceiro;
b) é incessível, pois o crédito de alimentos não pode ser objeto de cessão a terceiro;
porém, as prestações atrasadas (vencidas) são consideradas créditos comuns,
podendo ser cedidas (art. 1.707 do CC);
c) é impenhorável, pois é direito fundamental, relacionado à sobrevivência da
pessoa, não podendo ser afetado por constrição judicial (art. 1707 do CC);
d) é incompensável, ou seja, não é passível de compensação, que é meio de extinção
de obrigação; tal regra se encontra no art. 1.707 do CC; de qualquer forma, é possível
a compensação de prestações alimentares quando houver adiantamentos dessas
prestações (RT 616/147) e, em outros casos excepcionais, para que não haja
enriquecimento sem causa (REsp 982.857/RJ, DJe 03.10.2008); porém, segundo o
STJ, não é possível a compensação dos alimentos fixados em pecúnia com parcelas
pagas in natura (AgRg no AREsp 586516/SP, DJE 31.03.2016), salvo em casos
excepcionais como a dedução na pensão alimentícia fixada exclusivamente em
pecúnia das despesas pagas "in natura", com o consentimento do credor, referentes a
aluguel, condomínio e IPTU do imóvel onde residia o exequente (REsp 1.501.992-RJ,
DJe 20.04.2018);
e) é irrepetível, ou seja, uma vez pagos, não podem ser reclamados de volta, não
importando sua natureza; isso se dá porque, uma vez prestados os alimentos, presume-
se que estes serão consumidos; de qualquer forma, pode-se pedir devolução dos
alimentos se houver novo casamento do alimentando e o desconto em folha demorou a
cessar; ademais, caso alguém tenha pagado alimentos a filho que, posteriormente,
descobre não ser seu, não haverá possibilidade de pedir de volta os alimentos
prestados ao alimentando, mas nada impede que o alimentante ingresse com ação de
ressarcimento de danos em face do pai biológico da criança;
f) é intransacionável, pois, já que o direito a alimentos é indisponível e
personalíssimo, não há como considerá-lo passível de transação (art. 841 do CC); por
conta disso, esse direito não pode ser objeto de juízo arbitral; todavia, há de se tomar
cuidado com a questão terminológica, pois a lei não admite transação quanto ao
direito aos alimentos em si, e não em relação ao quantum (ao valor) da prestação
alimentar, já que o valor pode ser negociado;
g) é imprescritível, ou seja, o direito de pedir alimentos não tem prazo para se
exercer; todavia, uma vez que uma pensão alimentícia já está fixada, o direito de
cobrar prestações vencidas prescreve, e isso acontece no prazo de 2 anos, contados
da data em que cada prestação vencer (art. 206, § 2°, do CC – antes era 5 anos), isto
é, a prescrição ocorre mensalmente; então, não se deve confundir o direito de pedir
alimentos (que é imprescritível) com a pretensão de cobrar prestações alimentares
vencidas (que prescreve em 2 anos da data em que cada prestação vencer);
h) é irrenunciável, ou seja, o direito a alimentos não pode ser objeto de disposição,
já que guarda relação com o próprio direito à vida, que é direito fundamental e de
ordem pública; todavia, é possível deixar de exercer o direito a alimentos (art.
1.707 do CC), situação que não se confunde com a renúncia ao direito a alimentos,
pois, no primeiro caso, deixa-se de pedir alimentos por um tempo, ao passo que a
renúncia é definitiva, de modo que não pode se dar; outra exceção diz respeito à
renúncia a prestações atrasadas, que também é admitida, por se tratar de meros
créditos vencidos e não exercidos; sobre o tema, vale lembrar a Súmula 379 do STF,
pela qual “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão
ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”; se em algum
documento aquele que tem direito a alimentos escrever que “renuncia” aos alimentos,
deve-se entender que se trata de uma dispensa provisória destes, salvo se o cônjuge
tenha sido aquinhoado com bens e rendas suficientes para sua manutenção, não
sabendo conservá-los;
i) é atual, ou seja, é exigível imediatamente; por conta disso, é possível até pedir a
prisão civil do devedor, em certos casos, como meio coativo bastante eficaz para que
os alimentos sejam pagos. Confira decisões do STJ a esse respeito:
✓ O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que
compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se
vencerem no curso do processo, nos termos do art. 528, § 7°, do NCPC (HC
312551/SP, DJE 11.05.2016);
✓ O atraso de uma só prestação alimentícia, compreendida entre as três últimas
atuais devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do devedor, nos termos do
artigo 528, § 3°, do NCPC (AgRg no AREsp 561453/SC, DJE 27.10.2015);
✓ O pagamento parcial da obrigação alimentar não impede a prisão civil do
devedor (HC 350101/MS, DJE 17.06.2016);
✓ A real capacidade econômico-financeira do alimentante não pode ser aferida
por meio de habeas corpus (HC 312551/SP, DJE 11.05.2016).
Confira, agora, os pressupostos da obrigação alimentar:
a) necessidade do reclamante: a necessidade se dá quando não se tem bens
suficientes, nem se pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença (art. 1.695 do
CC); por exemplo, por se tratar de filho em idade de formação escolar, ou pelo fato
de alguém estar doente ou em idade avançada; é importante ressaltar que, quando a
necessidade dos alimentos se der por culpa de quem os pleiteia, os alimentos serão
apenas os indispensáveis à subsistência (art. 1.694, § 2°, do CC);
b) possibilidade da pessoa obrigada: a obrigação alimentar só atinge quem tem
possibilidade de prestar alimentos, não atingindo, portanto, quem possui somente o
necessário à sua subsistência, salvo os que decorrem do poder familiar, pois, nesse
caso, os pais devem dar um jeito para prestar alimentos. No entanto, a mera
constituição de nova família pelo alimentante não acarreta a revisão automática da
quantia estabelecida em favor dos filhos advindos de união anterior, devendo-se
observar a realidade no caso concreto (AgRg no AREsp 452248/SP, DJE
03.08.2015).
O fato de os alimentos terem como pressupostos a necessidade do alimentando e
a possibilidade do alimentante permite até mesmo diferenças nos valores de alimentos
entre dois filhos de um mesmo pai ou mãe. Basta que haja uma diferença na
necessidade desses dois filhos (por exemplo, um deles tem uma doença seríssima,
com altos custos) ou que haja diferença nas possibilidades (por exemplo, um filho tem
uma mãe ou pai que tem mais condições que a mãe ou pai do outro filho, gerando
cotizações diferentes entre mães e pais nas duas situações). Nesse sentido confira a
jurisprudência do STJ (REsp 1.624.050-MG, DJe 22.06.2018).
Quanto aos meios ou modalidades de prestação alimentar, confira as espécies
(art. 1.701 do CC):
a) própria: fornecimento, em casa, de hospedagem e sustento, mais educação, quando
menor;
b) imprópria: pagando pensão periódica – juiz pode intervir – art. 1.701, parágrafo
único, do CC.
Quanto às pessoas obrigadas a prestar alimentos, temos as seguintes:
a) ascendentes, em favor dos descendentes (ex.: pai deve para filho);
b) descendentes, em favor dos ascendentes (ex.: filho deve para o pai);
c) cônjuges;
d) companheiros;
e) irmãos.
O STJ entende que o rol de responsáveis é taxativo, de modo que outros parentes
não têm o dever alimentar. Nesse sentido, já se decidiu que as tias não devem
alimentos aos sobrinhos (STJ, REsp 1.032.846, j. 18.12.2008).
Confira, agora, as regras sobre a ordem preferencial da obrigação alimentar em
relação a ascendentes, descendentes e irmãos (arts. 1.696 a 1.698 do CC):
a) num primeiro momento, a obrigação recai sobre pais e filhos entre si
(reciprocamente);
b) na falta destes, a obrigação cabe aos demais ascendentes, na ordem de sua
proximidade; por exemplo, na falta do pai, o avô deve alimentos para o neto;
c) na falta de ascendentes, a obrigação cabe aos descendentes, na ordem da sucessão;
por exemplo, se um pai não tem mais um ascendente para arcar com alimentos em seu
favor, poderá pedir alimentos para seu filho, preenchidos os pressupostos da
obrigação alimentar;
d) na falta de descentes, a obrigação cabe aos irmãos, unilaterais ou bilaterais
(germanos), sem distinção ou preferência;
e) se o parente, que deve em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar
totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; por exemplo,
se o pai não tem condições de arcar com o valor mínimo necessário para a
subsistência de seu filho, pode-se chamar o seu pai (avô da criança) para arcar com o
complemento do encargo; cuidado, pois a responsabilidade dos avós não é direta, mas
subsidiária e complementar; assim, não se pode querer acionar os avôs diretamente,
só porque estes têm melhores condições; deve-se acionar primeiramente o pai ou a
mãe da criança e, caso estes se virem impossibilitados de prestá-la, total ou
parcialmente, somente aí pode ser intentada a ação contra os avós (progenitores), para
que estes arquem com toda a pensão ou com o complemento desta, respectivamente
(STJ, AgRg no REsp 1358420/SP, DJE 21.03.2016). Da mesma forma, o falecimento
do pai do alimentando não implica a automática transmissão do dever alimentar aos
avós. É orientação do STJ que a responsabilidade dos avós de prestar alimentos é
subsidiária, e não sucessiva. Essa obrigação tem natureza complementar e somente
exsurge se ficar demonstrada a impossibilidade de os genitores proverem os
alimentos de seus filhos (REsp 1.249.133-SC, DJe 02.08.2016). De acordo com a
Súmula 596 do STJ, “A obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e
subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de
seu cumprimento pelos pais”.
Interessante o conteúdo do Enunciado 341 JDC/CJF ao prever que a relação
socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.
Vale ressaltar que, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas
devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma
delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide (art. 1.698 do CC).
Quanto aos alimentos devidos aos filhos, em tese, os valores são devidos até que
o filho atinja a maioridade. No entanto, o STJ entende que o cancelamento da pensão
não é automático quando se atinge a maioridade (Súmula 358 do STJ: o cancelamento
de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial,
mediante contraditório, ainda que nos próprios autos. É necessário verificar se a
necessidade ainda existe, sendo que, caso o filho esteja ainda em período de estudos,
a pensão será mantida até o fim destes, salvo se o filho já mantém economia própria.
Segundo esse tribunal é devido alimentos ao filho maior quando comprovada a
frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de
promover adequada formação profissional. (AgRg nos EDcl no AREsp 791322/SP,
DJE 01.06.2016).
Quanto aos alimentos entre cônjuges, a orientação jurisprudencial atualmente é no
sentido de que devem ser fixados, quando efetivamente cabíveis, “por tempo
determinado, sendo cabível o pensionamento alimentar sem marco final tão somente
quando o alimentado (ex-cônjuge) se encontrar em circunstâncias excepcionais, como
de incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática de
inserção no mercado de trabalho. Precedentes citados: REsp 1.290.313-AL, Quarta
Turma, DJe 07.11.2014; REsp 1.396.957-PR, Terceira Turma, DJe 20.06.2014; e
REsp 1.205.408-RJ, Terceira Turma, DJe 29.06.2011”. (REsp 1.496.948-SP, DJe
12.03.2015). Ou seja, os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter
excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando
um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou
de readquirir sua autonomia financeira (REsp 1370778/MG, DJE 04.04.2016).
Verifique, agora, os meios para assegurar o pagamento da pensão alimentícia:
a) ação de alimentos, para reclamá-los (Lei 5.478/1968);
b) execução por quantia certa (art. 528, § 1°, do NCPC);
c) penhora em vencimentos (art. 833, IV, do NCPC);
d) desconto em folha de pagamento da pessoa obrigada (art. 529 do CPC);
e) prisão do devedor (art. 21 da Lei 5.478/1968, e art. 528, § 3°, do NCPC).
Vale lembrar que o Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar
ação/execução de alimentos em favor de criança ou adolescente, nos termos do art.
201, III, da Lei 8.069/1990 (STJ, REsp 1327471/MT, DJE 04.09.2014). De acordo
com a Súmula 594 do STJ, “O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar
ação de alimentos em proveito de criança ou adolescente independentemente do
exercício do poder familiar dos pais, ou do fato de o menor se encontrar nas situações
de risco descritas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou de quaisquer
outros questionamentos acerca da existência ou eficiência da Defensoria Pública na
comarca”.
Na execução de alimentos também é possível o protesto (art. 526, § 3°, do
NCPC) e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito (STJ,
REsp 1469102/SP, DJE 15.03.2016).
Quanto à possibilidade de revisão (redução ou majoração) da pensão
alimentícia, bem como de sua exoneração, o Código Civil traz a seguinte disposição:
“se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre,
ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as
circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo” (art. 1.699 do CC).
7.9.Relações de parentesco
7.9.1.Disposições gerais sobre as relações de parentesco
São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na
relação de ascendentes e descendentes. Assim, são parentes em linha reta o filho, o
pai, o avô etc. (art. 1.591 do CC).
São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas
provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra (art. 1.592 do CC).
Assim, são parentes em linha colateral os tios, sobrinhos, primos etc. O limite é o
quarto grau, de modo que os filhos dos primos de alguém não são parentes desse
alguém para fins da lei civil.
Quanto às espécies de parentesco, este pode ser natural ou civil, conforme
resulte de consanguinidade ou outra origem (art. 1.593 do CC). Essa disposição vem
sendo utilizada pela doutrina e pela jurisprudência para justificar parentesco com
base em critérios não biológicos, como o parentesco decorrente do vínculo
socioafetivo.
O parentesco socioafetivo, tão comentado hoje no Direito de Família, faz com
que os conceitos trazidos aumentem ainda mais, para incluir no conceito de família
relações socioafetivas que se enquadram no conceito de posse no estado de filho. Um
exemplo é a relação em que uma pessoa (“A”) se casa com outra (“B”) que já tem um
filho (“C”), sendo que, no dia a dia, “A” acaba assumindo e exercendo o papel
duradouro de pai de “C”. Tal relação revela a chamada posse no estado de filho,
fazendo com que passe a existir relação de parentesco entre “A” e “C”.
Essa discussão, hoje, não é mais de caráter puramente doutrinário. Trata-se de
questão que encontra fundamento legal no Código Civil e que, amplamente aceita pela
doutrina, já vem sendo aplicada pela jurisprudência.
No plano legal, o art. 1.593 do Código Civil, mencionado, é que justifica essa
conclusão.
O fato de a lei civil aceitar que o parentesco civil resulte de “outra origem” faz
com que a lei abra campo para que tal outra origem possa se fundar na afinidade com
os parentes do cônjuge, na adoção, na reprodução assistida heteróloga e também na
afetividade com a pessoa com a qual alguém firmar relação de pai e filho.
Nesse sentido, no plano doutrinário, confira os Enunciados 103 e 256, das
Jornadas de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal:
“103. Art. 1.593: O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele
decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental
proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não
contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de
filho.” (g.n.)
“256. Art. 1.593: A posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de
parentesco civil.” (g.n.)
Diferente é a situação de alguém que pensa ser pai de uma criança nascida na
constância de uma união estável, tornando-se pai registral da criança, mas em seguida
descobre por exame de DNA que não é pai e deixa de manter contato com a criança.
Nesse último caso, o STJ entende que é cabível a desconstituição da paternidade
registral (REsp 1.330.404-RS, DJ 19.02.2015).
Por outro lado, a paternidade biológica também tem sido bastante valorizada
mesmo quando o filho não tenha tido vínculo socioafetiva com os pais biológicos.
Nesse sentido confira a seguinte decisão do STJ:
“Direito civil. Direito ao reconhecimento de paternidade biológica. O filho tem
direito de desconstituir a denominada “adoção à brasileira” para fazer constar o nome
de seu pai biológico em seu registro de nascimento, ainda que preexista vínculo
socioafetivo de filiação com o pai registral” (REsp 1.417.598-CE, DJe 18.02.2016).
Segundo o STJ, “em princípio, basta que haja o reconhecimento voluntário e
desprovido de vícios acerca da relação construída pelo afeto, amor e companheirismo
entre as pessoas envolvidas para que exista, por consequência, o reconhecimento da
relação familiar fundada na socioafetividade”.
Porém, apesar de o ato de reconhecimento ser, em regra, unilateral, não é menos
verdade que a doutrina igualmente aponta que o art. 1.614 do CC/2002 excepciona
essa regra geral, exigindo o consentimento na hipótese em que se pretenda reconhecer
o filho maior.
“Assim, não se pode reconhecer a existência de maternidade socioafetiva post
mortem sem o consentimento do filho maior, o que é impossível, uma vez que este é
falecido, devendo ser respeitadas a memória e a imagem póstumas de modo a
preservar sua história. Sob qualquer fundamento ou pretexto, seria demasiadamente
invasivo determinar a retificação do registro civil de alguém, após a sua própria
morte, para substituir o nome de sua mãe biológica pela mãe socioafetiva ou, ainda,
para colocá-la em posição de igualdade com a sua genitora” (REsp 1.688.470-RJ,
Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 10.04.2018, DJe
13.04.2018).
Dando continuidade ao estudo do parentesco, o art. 1.594 do CC ensina como se
deve contar os graus de parentesco: “contam-se, na linha reta, os graus de
parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas,
subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o
outro parente”.
Outro tema importante é o do vínculo de afinidade. De acordo com o Código
Civil, cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da
afinidade (art. 1.595). Porém, o parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes,
aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. Assim, o primo da esposa
de alguém não é parente por afinidade desse alguém. Por fim, vale lembrar que, na
linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união
estável. Ou seja, sogra e genro nunca poderão se casar. Mas cunhado e cunhada
poderão se casar.
7.9.2.Da filiação
Tema relevante em matéria de relação de parentesco é o da filiação.
De acordo com o art. 1.596 do CC, “os filhos, havidos ou não da relação de
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Esse dispositivo está a
garantir o princípio da igualdade entre os filhos previsto no art. 227, § 6°, da CF.
Outra questão importante diz respeito à presunção de filiação. Essa presunção
existe quando há um casamento. Porém, o art. 1.597 do CC traz regras específicas
sobre o assunto, pelas quais presumem-se concebidos na constância do casamento os
filhos:
a) nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência
conjugal;
b) nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por
morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
c) havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
homóloga é a fecundação com material genético vindo do marido e da mulher;
d) havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga. Finda a sociedade conjugal, na forma
do art. 1.571, essa regra somente poderá ser aplicada se houver autorização prévia,
por escrito, dos ex-cônjuges para a utilização dos embriões excedentários, só
podendo ser revogada até o início do procedimento de implantação desses embriões
(Enunciado 107 JDC/CJF);
e) havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização
do marido; heteróloga é a fecundação com material genético vindo da mulher e de um
terceiro (doador do material genético); para que o filho nascido nessas condições seja
presumido do marido da mãe, é necessário autorização deste quanto ao procedimento
feito por sua mulher.
A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda
mesmo sem as condições do putativo (art. 1.617 do CC).
A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a
presunção da paternidade (art. 1.599 do CC).
Por outro lado, não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir
a presunção legal da paternidade (art. 1.600 do CC). Além disso, não basta a
confissão materna para excluir a paternidade (art. 1.602 do CC).
Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível (art. 1.601 do CC). Contestada a filiação, os
herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. Contudo, essa ação não é
cabível se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo
marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção
absoluta (Enunciado 258 JDC/CJF). Ademais, o conhecimento da ausência de vínculo
biológico e a posse de estado de filho obstam a contestação da paternidade presumida
(Enunciado 520 JDC/CJF).
A filiação prova-se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro
Civil (art. 1.603 do CC). No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603,
compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a
socioafetiva (Enunciado 108 JDC/CJF). Ninguém pode vindicar estado contrário ao
que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro
(art. 1.604 do CC).
Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por
qualquer modo admissível em direito (art. 1.605 do CC):
a) quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou
separadamente;
b) quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
A restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes por
insuficiência de prova não deve prevalecer para inibir a busca da identidade genética
pelo investigando (Enunciado 109 JDC/CJF).
A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos
herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz (art. 1.606 do CC). Se iniciada a ação pelo
filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.
Por outro lado, fica também a discussão sobre que outras sanções ou
consequências são cabíveis. No caso, a maior discussão é se cabe ou não reparação
civil no caso.
O Superior Tribunal de Justiça, que não aceitava a tese de que cabe condenação
ao pai ao pagamento de indenização por danos morais, mudou de posição. Confira:
“Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente
dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa
expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art.
227 da CF/1988.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência
de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado,
leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da
imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono
psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em
relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da
lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e
inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por
demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso
especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas
hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 24.04.2012, DJe 10.05.2012).”
8.1.Sucessões em Geral
8.1.1.Introdução
A sucessão causa mortis pode ser conceituada como a transmissão de um
patrimônio em razão da morte de seu titular.
São espécies de sucessão causa mortis as seguintes:
a) testamentária: é a que se verifica quando o destino dos bens se dá por disposição
de última vontade do próprio autor da herança, manifestada por meio de testamento;
b) legítima, legal ou “ab intestato”: é regulada pela lei de forma supletiva; ou seja,
quando não há testamento ou quando este for parcial, tiver sido declarado nulo ou
tiver caducado.
Quanto aos seus efeitos, há os seguintes tipos de sucessão:
a) a título universal: quando o sucessor (herdeiro) recebe todo o patrimônio do
defunto ou uma fração da universalidade que este patrimônio representa;
b) a título singular: quando o sucessor (legatário) é contemplado com bem certo e
individualizado, ou com vários bens determinados, só existe por testamento.
Já a herança pode ser conceituada como o patrimônio deixado pelo morto,
formado não só pelos bens materiais do falecido, mas também os seus direitos
(créditos ou ações) e suas obrigações.
A herança é considerada bem imóvel, além de bem indivisível, equivale a um
condomínio, antes da partilha.
Os fundamentos da sucessão hereditária são os seguintes:
a) propriedade: há necessidade de os bens permanecerem com titulares, de modo que
a propriedade possa continuar sendo (ou possa vir a ser) aproveitada, atendendo à sua
função social (continuidade);
b) família: é conveniente não se deixar desamparadas pessoas bem próximas ao
falecido, como filhos (presumida necessidade); ademais, é oportuno deferir às
pessoas presumida ou efetivamente ligadas com afeição ao de cujus o patrimônio
deste, de modo a propiciar-lhes melhor condição material de vida (presumida
afeição);
c) liberdade: esse princípio é a favor da possibilidade de escolha do destino do
patrimônio formado pelo autor da herança, dentro dos limites legais (liberdade); o
princípio é exercido pela elaboração de um testamento.
8.1.2.Abertura da sucessão
O momento da abertura da sucessão é o da morte do “de cujus”. A morte natural
é comprovada pela certidão passada pelo oficial. Nos demais casos, faz-se necessária
uma decisão judicial.
A abertura da sucessão tem as seguintes consequências:
a) os herdeiros sucessíveis sobrevivos recebem, sem solução de continuidade, a
propriedade e a posse dos bens do defunto (art. 1.784 do CC); a exceção se dá quanto
ao legatário (aquele que recebe um bem certo por meio de testamento); nesse caso,
desde a abertura da sucessão, a coisa passa a pertencer a este, salvo se pender
condição suspensiva; porém, não se defere de imediato a ele a posse da coisa (art.
1.923, caput, e § 1°, do CC);
b) faz iniciar o prazo de 2 meses para a instauração do inventário (art. 611 do NCPC).
O momento da sucessão também é relevante para a aferição da lei aplicável a
esta. No caso, o art. 1.787 do CC dispõe que regula a sucessão e a legitimação para
suceder a lei vigente ao tempo de sua abertura. Vale ressaltar que os princípios legais
que regem a sucessão e a partilha não se confundem: a sucessão é disciplinada pela
lei em vigor na data do óbito; a partilha deve observar o regime de bens e o
ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar (STJ,
REsp 1118937/DF, DJE 04.03.2015).
Quanto ao lugar, a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido
(art. 1.785 do CC).
8.1.3.Leis aplicáveis
Lei material: inicialmente importante ter em mente que bens localizados fora do
território nacional serão inventariados fora do Brasil. Logo, essa competência escapa
da jurisdição brasileira. A lei material é aquela que vai indicar quem é o herdeiro,
quanto ele vai herdar, em qual proporção, concorrendo com quem. Normalmente é o
Código Civil, mas nem sempre.
Regra de ouro: Para bens situados no Brasil, a lei material que será aplicada para
reger a sucessão do falecido é a lei do domicílio do de cujus, ainda que este
domicílio seja no exterior (art. 10 da LINDB). Ex: cidadão brasileiro, deixa uma casa
no Brasil e seu último domicílio foi a Venezuela. Tendo em vista que há bens no
Brasil, necessariamente esse bem terá de ser inventariado sob nossas regras
processuais em território brasileiro. Porém o Código Civil a ser aplicado será o
Venezuelano. Essa regra, todavia, comporta exceção: caso o cidadão tenha deixado
esposa e filhos de nacionalidade brasileira, aplicar-se-á a lei mais favorável a estes.
O juiz comparará a lei do domicílio do de cujus com a lei brasileira e escolherá a
mais benéfica ao cônjuge e aos filhos (art. 10, § 1°, da LINDB).
Como visto, a lei material em linhas gerais indica quem serão os herdeiros.
Obtida essa resposta, num segundo momento é necessário verificar se esse
herdeiro/legatário possui capacidade sucessória para herdar aquele patrimônio. Para
tanto, será necessário que se verifique a lei do domicílio do herdeiro/legatário (art.
10, § 2°, da LINDB). Ex: cidadão Paraguaio deixa um bem no Brasil. Seu último
domicílio era o Chile e deixou um filho na nacionalidade Chilena que mora na Suíça.
Vejamos: 1) o inventário tramitará no Brasil, pois o bem está no Brasil; 2) O Código
Civil aplicável será o Chileno, pois o Chile foi o último domicílio do de cujus. Por
meio dessa Lei encontraremos o herdeiro, no caso o filho; 3) Para saber se esse filho
pode receber essa herança, ou seja, se tem capacidade sucessória para tanto deve-se
consultar do Código Civil Suíço.
Lei processual: é a lei que vem efetivar as diretrizes do direito material. Define
o foro competente para o ajuizamento da ação de inventário. Abre-se a sucessão no
lugar do último domicílio do falecido. Havendo mais de um domicílio, ou não
havendo domicílio fixo aplica-se as regras do art. 70 e seguintes do CC e art. 48 do
NCPC. Por tratar-se de regra de competência territorial, temos um caso de
competência relativa. Assim, caso o de cujus tenha bens em outro local que não o do
seu último domicílio, havendo a concordância de todos os herdeiros, é possível que a
ação tramite em local diverso.
8.1.5.Vocação hereditária
Tem bastante relevância para o direito das sucessões a capacidade para
suceder, que pode ser conceituada como a aptidão da pessoa para receber bens
deixados pelo “de cujus”.
Não se trata da capacidade civil genérica, mas da legitimação da pessoa para
receber bens por sucessão causa mortis.
Deve-se verificar a capacidade para suceder no momento em que se verifica a
abertura da sucessão.
Na sucessão legítima, tem legitimidade para suceder as seguintes pessoas: a) já
nascidas; ou b) já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1.798 do CC).
Na sucessão testamentária, tem legitimidade para suceder as seguintes pessoas:
a) os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão;
b) as pessoas jurídicas já constituídas no momento da morte do testador;
c) as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de
fundação.
Não tem capacidade para suceder as seguintes pessoas (art. 1.801 do CC):
a) a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou
os seus ascendentes e irmãos.
b) as testemunhas do testamento;
c) o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de
fato do cônjuge há mais de cinco anos.
d) o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer,
assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a
suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante
interposta pessoa (art. 1.802 do CC). Para esse fim, presumem-se pessoas interpostas
os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não
legitimado a suceder. Por exemplo, se o testador deixa bens para o filho de sua
concubina, essa disposição será nula, pois o filho é descendente da concubina,
caracterizando a proibição de usar interposta pessoa para burlar a regra que a
ilegitima para a sucessão.
O testador só poderá testar em favor do filho do concubino quando se tratar de um
filho seu também (art. 1.803 do CC).
8.1.6.Aceitação da herança
A aceitação da herança pode ser conceituada como o ato jurídico unilateral
pelo qual o herdeiro, legítimo ou testamentário, manifesta livremente sua vontade
de receber a herança ou o legado que lhe é transmitido.
Uma vez aceita a herança, torna-se definitiva sua transmissão ao herdeiro, desde
a abertura da sucessão.
Por outro lado, quando o herdeiro renuncia à herança, a transmissão tem-se por
não verificada (art. 1.804 do CC).
Confira, agora, as espécies de aceitação:
a) expressa: se resulta de manifestação escrita do herdeiro (art. 1.805 do CC);
b) tácita: se resulta de comportamento próprio da qualidade de herdeiro (art. 1.805 do
CC); por exemplo, pela tomada de providências, por parte do herdeiro, para fazer a
cessão onerosa da herança; ou pela postura de cobrar devedores da herança; segundo
o STJ, “o pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a
regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação
tácita da herança” (REsp 1.622.331-SP, DJe 14.11.2016);
c) presumida: decorrente do silêncio do herdeiro após ser instado pelo juiz,
provocado por interessado, após 20 dias da abertura da sucessão (art. 1.807 do CC);
d) aceitação pelos credores: caso o herdeiro prejudique seus credores, renunciando a
uma herança, os próprios credores poderão aceitar a herança, em nome do renunciante
(art. 1.813 do CC); a habilitação dos credores se fará no prazo de 30 dias seguintes
ao conhecimento do fato; pagas as dívidas do renunciante, prevalece a renúncia
quanto ao remanescente, que será devolvido aos demais herdeiros.
O Código Civil estabelece as seguintes limitações à aceitação da herança:
a) não se pode aceitar a herança parcialmente, sob condição ou a termo (art. 1.808
do CC);
b) a aceitação é irrevogável (art. 1.812 do CC).
O herdeiro, chamado, na mesma sucessão, a mais de um quinhão hereditário, sob
títulos sucessórios diversos, pode livremente deliberar quanto aos quinhões que
aceita e aos que renuncia (art. 1.808, § 2°, do CC).
Falecendo o herdeiro, antes de aceitar, essa prerrogativa passa aos seus
herdeiros, salvo condição suspensiva pendente (art. 1.809 do CC). Se o herdeiro
morre antes do advento da condição suspensiva ele não adquire o direito à herança,
haja vista que a condição suspensiva não confere direito adquirido, mas apenas
direito eventual. Assim, descabida a possibilidade de aceitação pelos herdeiros.
8.1.7.Renúncia da herança
A renúncia da herança pode ser conceituada como o ato jurídico unilateral
pelo qual o herdeiro declara expressamente que não aceita a herança ou legado a
que tem direito (art. 1.806 do CC).
São requisitos da renúncia os seguintes:
a) capacidade jurídica do renunciante;
b) forma prescrita em lei: instrumento público ou termo judicial (art. 1.806 do CC);
c) inadmissibilidade de condição ou termo (art. 1.808 do CC);
d) não realização de ato equivalente à aceitação, já que a aceitação é irrevogável (art.
1.812 do CC);
e) impossibilidade de repúdio parcial (art. 1.808 do CC).
A renúncia da herança tem os seguintes efeitos:
a) considera-se que a transmissão da herança não foi verificada (art. 1.804, parágrafo
único, do CC);
b) os herdeiros do renunciante não o representarão (art. 1.811 do CC);
c) a parte do renunciante será acrescida à dos outros herdeiros da mesma classe e,
sendo ele o único desta, devolve-se aos da classe subsequente (art. 1.810 do CC);
d) a renúncia é irrevogável (art. 1.812 do CC);
e) se houve verdadeira renúncia, o renunciante não haverá de pagar imposto de
transmissão de bens causa mortis; porém, se deu-se o nome de renúncia algo que, na
verdade, é a cessão da herança para alguém, haverá de ser pago imposto de
transmissão.
8.2.Sucessão legítima
8.2.1.Direito de representação
O direito de representação pode ser conceituado como a convocação legal de
parentes do falecido a suceder em todos os direitos em que ele sucederia se vivo
fosse (art. 1.851 do CC).
A finalidade do direito de representação é preservar a equidade, reparando a
perda sofrida pelo representante, pela morte prematura do representado.
São requisitos para o exercício do direito de representação os seguintes:
a) haver o representado falecido antes do autor da herança;
b) dar-se a representação só na linha reta (art. 1.833 do CC – “ad infinitum”) e na
linha transversal em benefício dos sobrinhos (filhos do irmão falecido – art. 1.840 do
CC);
c) descender o representante do representado.
São efeitos do direito de representação os seguintes:
a) os representantes herdam exatamente o que caberia ao representado se vivo fosse e
sucedesse (art. 1.854 do CC); ou seja, herdam por estirpe, e não por cabeça;
b) o quinhão do representado partir-se-á por igual entre os representantes (art. 1.855
do CC);
c) a quota que os representantes receberem não responde por débitos do representado
(já que não entrou no seu patrimônio), mas só por débitos do “de cujus”;
d) mas representantes terão que trazer à colação bens recebidos em doação por
representado;
e) o direito de representação só se opera na sucessão legítima, nunca na testamentária.
8.2.4.Sucessão do companheiro
O companheiro sobrevivente, embora seja herdeiro legítimo, não é necessário
(ao contrário do cônjuge sobrevivente).
De acordo com o art. 1.790, participará da sucessão do outro, quanto aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nos seguintes termos:
I. se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por
lei for atribuída ao filho;
II. se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade
do que couber a cada um deles;
III. se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da
herança;
IV. não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Porém, o STF declarou inconstitucional esse art. 1.790 do CC, que estabelecia
uma diferenciação entre os regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo-se aplicar a ambos o regime estabelecido no art. 1.829 do CC (RE
646721/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, j.
10.05.2017).
Os fundamentos da decisão foram: a) não pode haver hierarquização entre
famílias; b) violação da igualdade; c) violação da dignidade da pessoa humana; d)
proibição à proteção deficiente; e) vedação ao retrocesso.
O STJ também decidiu que na falta de descendentes e ascendentes, será deferida
a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, não concorrendo com
parentes colaterais do de cujus (REsp 1.357.117-MG, DJe 26.03.2018). Esse
entendimento também faz cair por terra a regra do inciso III acima. A justificativa foi
a seguinte: “Incialmente, é importante ressaltar que no sistema constitucional vigente,
é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros,
devendo ser aplicado em ambos os casos o regime do artigo 1.829 do CC/2002,
conforme tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento sob o rito
da repercussão geral (RE 646.721 e 878.694). Além disso, a Quarta Turma, por meio
do REsp 1.337.420-RS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 21.09.2017 (Informativo
611), utilizou como um de seus fundamentos para declarar a ilegitimidade dos
parentes colaterais que pretendiam anular a adoção de uma das herdeiras que, na falta
de descendentes e de ascendentes, o companheiro receberá a herança sozinho,
exatamente como previsto para o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau
(irmãos, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos-netos). Nesse sentido, os
parentes até o quarto grau não mais herdam antes do companheiro sobrevivente, tendo
em vista a flagrante inconstitucionalidade da discriminação com a situação do
cônjuge, reconhecida pelo STF. Logo, é possível concluir, com base nos artigos 1.838
e 1.839, do CC/2002, que o companheiro, assim como o cônjuge, não partilhará
herança legítima, com os parentes colaterais do autor da herança, salvo se houver
disposição de última vontade, como, por exemplo, um testamento”.
8.2.5.Herdeiros necessários
S ão herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (art.
1.845 do CC). Repare que o companheiro não é considerado herdeiro necessário.
Os herdeiros necessários têm uma vantagem, qual seja: pertence a eles, de pleno
direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão,
abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos
bens sujeitos a colação (art. 1.847 do CC).
A legítima, a princípio, não pode ser gravada pelo autor da herança. Todavia, se
houver justa causa, declarada no testamento, pode o testador estabelecer cláusula de
inalienabilidade, impenhorabilidade e de incomunicabilidade sobre os bens da
legítima (art. 1.848 do CC). Mediante autorização judicial e havendo justa causa,
podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que
ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.
Com relação à outra metade da herança (metade disponível), o autor da herança
pode destiná-la a todos àqueles que têm capacidade para suceder. Aliás, se o testador
deixar a algum herdeiro necessário sua parte disponível, ou algum legado, esse
herdeiro não perderá o direito à legítima.
Para excluir da sucessão os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de
seu patrimônio sem os contemplar, pois tais herdeiros, por não serem herdeiros
necessários, não têm a eles reservado a legítima.
8.3.Sucessão testamentária
A sucessão testamentária pode ser conceituada como aquela que decorre de
expressa manifestação de última vontade, em testamento ou codicilo.
Por meio do testamento, o testador pode fazer disposições patrimoniais e não
patrimoniais. Neste passo, além de poder dispor sobre os seus bens, poderá
reconhecer filhos, nomear tutor, reabilitar o indigno, tecer orientações sobre o seu
funeral, criar fundação etc.
Extingue-se em 5 anos o prazo para impugnação de sua validade, a partir de seu
registro.
São características do testamento as seguintes:
a) é personalíssimo: ou seja, não pode ser feito por procurador;
b) é negócio jurídico unilateral, ou seja, aperfeiçoa-se com única declaração de
vontade;
c) é proibido o testamento conjuntivo ou de mão comum ou mancomunado, já que a lei
veda o pacto sucessório, tendo em vista a revogabilidade do testamento;
d) é negócio jurídico solene, gratuito, revogável, causa mortis (só tem efeito após a
morte do testador).
Quanto à capacidade para testar, é conferida aos plenamente capazes e aos
maiores de 16 anos, sem necessidade de assistência.
São formas ordinárias de testamento as seguintes:
a) testamento público: é o escrito por tabelião, de acordo com as declarações do
testador, que pode se servir de notas, devendo ser lavrado o instrumento e lido em
voz alta pelo primeiro ao segundo e a 2 testemunhas (ou pelo testador na presença
dos demais), com posterior assinatura de todos. É dever do tabelião atestar a
sanidade mental do testador. O documento deve ser lavrado em língua portuguesa.
Caso o tabelião não entenda o idioma do testador, deverá se valer de tradutor
público. Pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela
inserção de declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que
rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma; o surdo deverá ler ou
designar quem o leia, se não souber; ao cego só se permite testamento público, que
lhe será lido duas vezes (pelo tabelião e uma testemunha); o analfabeto só pode
utilizar essa forma;
b) testamento cerrado (secreto ou místico): é o escrito pelo testador ou outra
pessoa (a seu rogo) e por aquele assinado, desde que aprovado pelo tabelião, que o
recebe na presença de 2 testemunhas, com a declaração pelo testador de que se
trata de seu testamento e quer que seja aprovado, lavrando-se auto de aprovação,
que deve ser lido, em seguida, ao testador e às testemunhas, assinando todos; deve-
se cerrar e coser o instrumento aprovado; ao final, entrega-se ao testador e lança-se
no livro local a data em que o testamento foi aprovado e entregue. Note que no
testamento cerrado o tabelião não tem conhecimento do conteúdo do testamento. Sua
função é apenas a de aprová-lo, seguindo as formalidades legais. Esse testamento
pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira; quem não saiba (analfabeto) ou
não possa (cego) ler, não pode utilizá-lo; o surdo-mudo pode, desde que escreva todo
o seu teor a mão e o assine; o juiz só não o levará em consideração se achar vício
externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade;
c) testamento particular (hológrafo): Trata-se de testamento elaborado pelo próprio
testador, sem a presença do tabelião. Pode ser escrito de próprio punho ou mediante
processo mecânico, devendo ser lido e assinado por quem o escreveu, na presença
de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. Morto o testador, o
testamento deverá ser levado à juízo, com a citação dos herdeiros legítimos. As
testemunhas também serão intimadas. O testamento apenas será confirmado se as
testemunhas estiverem de acordo sobre o fato da disposição, ou ao menos sobre a sua
leitura perante elas e reconhecerem as próprias assinaturas, bem como a do testador.
Caso alguma testemunha falte, por morte ou ausência, se pelo menos uma delas o
reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se o juiz entender que há prova
suficiente de sua veracidade. Apenas em circunstâncias excepcionais o testamento
particular sem testemunhas pode ser confirmado pelo juiz, desde que tenha sido
escrito de próprio punho e assinado pelo testador.
Já o codicilo trata-se de ato de última vontade destinado a disposições de
pequeno valor. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu,
datado e assinado, fazer disposições especiais sobre seu enterro, sobre esmolas de
pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, independentemente, aos pobres de
certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pouco valor, de seu uso
pessoal, e ainda nomear ou instituir testamenteiros.
Revoga-se o codicilo por outro (expressamente) ou por testamento posterior, de
qualquer natureza, que não o confirme ou modifique.
S ã o testamentos especiais: os marítimos, aeronáuticos e militares, sendo
utilizados em situações emergenciais.
Quanto às disposições testamentárias, consistem em regras interpretativas do
testamento, que apenas serão aplicadas caso a vontade do falecido não tenha sido
manifestada de forma clara a inconteste. Quando a cláusula testamentária for
suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a
observância da vontade do testador. Confira algumas regras:
a) regras proibitivas:
✓ não cabe nomeação de herdeiro a termo (salvo nas disposições
fideicomissárias), considerando-se não escrita a fixação de data ou termo;
✓ não cabe disposição com condição captatória (é proibido o pacto sucessório);
✓ é nula a cláusula que se refira a pessoa incerta, cuja identidade não se possa
averiguar.
b) regras permissivas:
✓ a nomeação pode ser pura e simples, quando não haja qualquer condição ou
ônus;
✓ a nomeação pode ser feita sob condição suspensiva ou resolutiva, desde que
lícitas e possíveis, ou mediante encargo (para certo fim ou modo), que pode ser
exigido do beneficiário, não se falando em revogação pelo descumprimento, salvo se
expressamente prevista pelo testador, e, ainda, por certo motivo.
São anuláveis as disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação.
Extingue-se em quatro anos o direito de anular a disposição, contados de quando o
interessado tiver conhecimento do vício.
Instituto importante em matéria de sucessão testamentária é o do legado. Este
pode ser conceituado como a coisa certa e determinada deixada a alguém
(legatário), por testamento ou codicilo. O legado pode ser de coisas, crédito,
quitação de dívida, alimentos, usufruto, imóvel, dinheiro, renda ou pensão vitalícia.
A aquisição do legado é diferente da regra geral da aquisição da herança, que se
dá com a saisine. Isso porque, aberta a sucessão, o legatário adquire apenas a
propriedade de coisa, se esta for coisa certa, existente no acervo. No entanto, se tratar
de coisa incerta (escolhe-se a de qualidade média), só adquire essa coisa quando da
partilha. Quanto à posse, o legatário não tem como exigi-la imediatamente. Poderá
apenas pedi-la aos herdeiros, que verificarão quanto à possibilidade, não podendo
obtê-la por sua própria autoridade. Os frutos, todavia, pertencem ao legatário desde a
morte do testador, salvo o de dinheiro, que decorre da mora.
Outro tema relevante na sucessão testamentária é o da caducidade. Segundo o
Código Civil, um testamento deixa de produzir efeitos pela nulidade, pela revogação
ou pela caducidade, que se dá pela falta do objeto (modificação substancial feita pelo
testador, alienação da coisa, evicção ou perecimento) ou pela falta do beneficiário
(por exclusão, renúncia, falta de legitimação ou morte – não há direito de
representação).
Questão bastante interessante é relativa ao direito de acrescer, temática que se
coloca quando o testador contempla vários beneficiários, deixando-lhes a mesma
herança ou coisa, em porções não determinadas, e um dos concorrentes vem a faltar.
Nesse caso, não havendo substituto designado pelo testador, será acrescido ao
quinhão dos coerdeiros ou colegatários conjuntamente contemplados o quinhão
daquele que vem a faltar, salvo se estes têm cotas hereditárias determinadas.
Confira um exemplo em que caberá o direito de acrescer: “deixo o imóvel X a
Fulano e Beltrano”. Vindo a faltar Fulano, Beltrano ficará com a parte do primeiro,
pelo direito de acrescer.
No entanto, esse direito não se aplica no seguinte caso: “deixo metade do imóvel
X a Fulano e metade do imóvel X a Beltrano”. Nesse caso, vindo a faltar Fulano, e
não havendo substituto para ele, sua cota vai aos herdeiros legítimos.
Falando em substituto, o instituto da substituição pode ser conceituado como a
indicação de certa pessoa para recolher a herança ou legado, caso o nomeado
venha a faltar.
A substituição pode ser vulgar ou fideicomissária:
a) substituição vulgar e recíproca: é a que se verifica quando o testador nomeia um
herdeiro ou legatário para receber a quota que caberia àquele que não quis ou não
pôde receber; é recíproca quando os herdeiros ou legatários são nomeados substitutos
uns dos outros.
b) substituição fideicomissária: é aquela em que o testador (fideicomitente) institui
alguém como fiduciário para ser seu herdeiro ou legatário e receber a herança ou
legado quando for aberta a sucessão, mas estabelece que seu direito será resolvido,
em favor de outrem (fideicomissário), por razão de sua morte, após determinado
prazo, ou depois de verificada certa condição.
O art. 1.952 do Código Civil só permite a substituição fideicomissária em favor
dos não concebidos ao tempo da morte do testador. Caso o fideicomissário
contemplado no testamento já tenha nascido quando da abertura da sucessão, a lei
determina que o direito de propriedade dos bens abrangidos pelo testamento seja a
ele transmitida imediatamente, mas o fiduciário terá direito de usufruto sobre tais
bens, até que seja verificada a condição ou o termo estabelecido no testamento.
O art. 1.959 do Código Civil considera nulos os fideicomissos além de segundo
grau.
Outro tema relevante é o da revogação do testamento.
Segundo o art. 1.969 do Código Civil, “o testamento pode ser revogado pelo
mesmo modo e forma como pode ser feito.”
Dessa forma, o testamento deve ser revogado por outro testamento.
A revogação pode ser das seguintes espécies: a) expressa (ou direta); b) tácita
ou indireta (ex.: o novo testamento tem disposições incompatíveis com o anterior); c)
total; d) parcial; e) real (quando o testamento cerrado ou particular for destruído com
o consentimento do testador).
Já o rompimento do testamento consiste na ineficácia deste pelo fato de o
testador não ter conhecimento da existência de herdeiros necessários seus, quando da
elaboração do testamento.
O art. 1.973 do Código Civil dispõe que “sobrevindo descendente sucessível ao
testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em
todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador”.
Por fim, vale uma palavra acerca de instituto que vem sendo objeto de muitas
controvérsias atualmente, o chamado “testamento vital”, documento que estabelece
disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que a pessoa
deseja no caso de não ter condições de manifestar a sua vontade.
A doutrina, calcada no princípio da dignidade da pessoa humana, vem entendendo
que é válida essa declaração de vontade, desde que expressa em documento autêntico
(vide, por exemplo, o Enunciado 528 do CJF).
8.4.Inventário e partilha
O inventário e a partilha visam à divisão dos bens deixados pelo “de cujus”. Para
tanto, procede-se à apuração do quinhão de cada herdeiro, seguindo-se à partilha de
bens.
Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
Porém, se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha
por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.
As modalidades e procedimentos do inventário são regulados pela lei processual
civil.
Tema relevante em sede de inventário é o dos sonegados.
A sonegação pode ser conceituada como a ocultação dolosa dos bens da
herança, ou sujeitos à colação.
A consequência dessa conduta é a perda do direito que o sonegador teria sobre os
bens sonegados. Porém, o reconhecimento desse comportamento e a perda desse
direito dependem de ação própria.
Outro instituto relevante em matéria de inventário e partilha é o da colação. Esta
pode ser conceituada como a restituição ao monte do valor das liberalidades
recebidas do autor da herança por seus descendentes, a fim de nivelar as legítimas.
O autor da herança pode, por meio de testamento ou no próprio título da
liberalidade, dispensar o beneficiário do ato da colação, dispondo que a liberalidade
está saindo da parte disponível de sua herança.
Está dispensado de colacionar o descendente que, ao tempo da realização da
doação, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário (p. ex.:
neto que recebe quando o avô tem filhos vivos).
Os ascendentes não são obrigados a colacionar.
O objeto da colação é o valor das doações certo ou estimativo, que lhes atribuir o
ato de liberalidade. Em complemento, o Enunciado 119 JDC/CJF: ensina que:Para
evitar o enriquecimento sem causa, a colação será efetuada com base no valor da
época da doação, nos termos do caput do art. 2.004, exclusivamente na hipótese em
que o bem doado não mais pertença ao patrimônio do donatário. Se, ao contrário, o
bem ainda integrar seu patrimônio, a colação se fará com base no valor do bem na
época da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.014 do CPC [art. 639 do
NCPC], de modo a preservar a quantia que efetivamente integrará a legítima
quando esta se constituiu, ou seja, na data do óbito (resultado da interpretação
sistemática do art. 2.004 e seus parágrafos, juntamente com os arts. 1.832 e 884 do
Código Civil).
Apenas as doações é que deverão ser trazidas à colação, não estando sujeitos a
esta os gastos ordinários do ascendente com o descendente, tais como: despesas com
educação, estudo, sustento, vestuário, saúde, casamento, ou os feitos no interesse da
defesa do filho em processo-crime, pouco importando, neste último caso, o desfecho
do processo, ou seja, se houve absolvição ou condenação.
Segundo o STJ, “O filho do autor da herança tem o direito de exigir de seus
irmãos a colação dos bens que receberam via doação a título de adiantamento da
legítima, ainda que sequer tenha sido concebido ao tempo da liberalidade” (REsp
1.298.864, DJ 29.05.2015).
1.Segundo a anterior LINDB, a obrigatoriedade das leis, quando não se fixasse outro prazo, “começaria no Distrito
Federal, três dias depois de oficialmente publicada, quinze dias no Estado do Rio de Janeiro, trinta dias nos
Estados Marítimos e no de Minas Gerais, cem dias nos outros, compreendidas as circunscrições não
constituídas em Estado”.
2.A retroatividade máxima ocorre quando a lei nova ataca a coisa julgada ou fatos já consumados. Essa, não há
dúvida, só pode se dar por atuação do Poder Constituinte Originário.
3.Vide, a respeito, José Carlos de Matos Peixoto (C urso de Direito Romano, Editorial Peixoto, 1943, tomo I, p.
212-213) e também a ADI 493/DF, do STF, cuja relatoria foi do Min. Moreira Alves (DJ 04.09.1992).
4.Na França condiciona-se a tutela dos direitos do nascituro à viabilidade da vida fora do útero por parte do nascido.
Na Espanha, exige-se que o recém-nascido tenha forma humana e tenha vivido 24 horas, para que possa
adquirir personalidade. A ideia de que se deve ter forma humana é um resquício do tempo em que se
achava ser possível o nascimento de um ser da relação entre um ser humano e um animal. Na Argentina,
a simples concepção já dá início à personalidade.
5.O termo capacidade tem origem no latim capere, que significa apoderar-se, adquirir, apanhar.
2. DIREITO PROCESSUAL CIVIL
(NOVO CPC)
Luiz Dellore
1.1.1.Introdução
O homem vive em sociedade e necessita dos mais diversos bens, que não existem
em número suficiente para todos – ou seja, são escassos. Diante disso, há conflitos
entre as pessoas que compõem a sociedade para a obtenção de determinados bens.
Para tentar regular a vida em sociedade, surgem regras de comportamento (direito
positivo).
Porém, a existência de regras não é suficiente para evitar ou eliminar todos os
conflitos que podem surgir. Nessas situações, caracteriza-se a insatisfação – que é
um fator de instabilidade. Ou seja, para se manter a paz social, os conflitos, litígios
ou lides devem ser eliminados.
1.1.2.Lide
A lide é a pretensão qualificada pela resistência, conforme clássica definição
do autor italiano Carnelutti.
Já que a lide é um fator antissocial, deve ser pacificada. Se os litigantes não
observam espontaneamente as regras de comportamento (normas primárias), então
deverá haver a aplicação de sanções (normas secundárias).
1.2.Jurisdição e competência
1.2.1.Conceito de jurisdição: poder estatal de aplicar o direito (decidir)
em relação a um caso concreto (lide).
A jurisdição é exercida pelos juízes, que são escolhidos pelo próprio Estado.
Apesar de a jurisdição ser una e indivisível, como função estatal, existem algumas
classificações.
1.2.3.Conceito de competência
É a medida, parcela, parte da jurisdição. Ou seja, apesar de todo juiz ser
investido na jurisdição, cada magistrado tem uma parcela, um pedaço da jurisdição,
para julgar determinadas causas. Isto é a competência.
1.2.4.Divisão da competência
Existem diversos critérios para a classificação da competência. Aqui destacamos
os mais relevantes.
1.3.Princípios processuais
O s princípios são a base na qual se assenta qualquer ramo do Direito,
permeando toda sua aplicação. Dão ao sistema um aspecto de coerência e ordem.
Assim, os princípios processuais dão coerência e lógica ao sistema processual.
Existem princípios na Constituição e na legislação infraconstitucional. O NCPC,
além de trazer novos princípios processuais, optou por positivar, no âmbito
infraconstitucional, diversos princípios que antes eram somente constitucionais. A
repetição de princípios processuais constitucionais no âmbito do NCPC acaba por
impedir que se discuta, no âmbito do STF, via recurso extraordinário, os princípios
processuais civis. Isso porque a jurisprudência do STF é firme ao apontar que não
cabe RE para discutir “violação reflexa” à Constituição: se há algum dispositivo
violado do ponto de vista infraconstitucional, só existe eventual violação à CF de
forma reflexa, e isso não pode ser discutido pela via do RE.
Os artigos iniciais do NCPC tratam dos princípios processuais – sob a
nomenclatura de “normas fundamentais do processo civil”. A seguir, serão
analisados os princípios do processo civil brasileiro – tanto os previstos na CF,
quanto os previstos no NCPC (bem como os que estão previstos em ambos os
diplomas). Além disso, ao final deste tópico serão analisados dispositivos legais que
também estão inseridos no tópico inicial do NCPC, ainda que não sejam tecnicamente
princípios.
1.3.4.Princípio do contraditório
O princípio do contraditório pode ser assim definido: quando uma parte se
manifesta, a outra também deve ter a oportunidade de fazê-lo. É positivado no art.
5°, LV, da CF, reproduzido no tópico acima.
Trata-se de um binômio: “informação e possibilidade de manifestação”. O
primeiro é indispensável; o segundo é opcional, ou seja, não haverá violação ao
princípio se a parte, ciente (informada), não se manifestar.
Além da previsão constitucional, o contraditório é encontrado no NCPC, em dois
dispositivos.
O art. 9.° traz a visão clássica de o juiz não decidir sem ouvir a parte contrária,
salvo exceções previstas no parágrafo único, como no caso de tutela de urgência.
Assim, em casos de urgência, a concessão de alguma medida pelo juiz antes da
manifestação da parte contrária não importa em violação ao princípio – desde que,
posteriormente, a outra parte seja ouvida. Este seria o pedido de liminar inaudita
altera parte (sem que se ouça a outra parte). Não é que o contraditório não existe, ele
é apenas diferido (adiado) para um momento seguinte, considerando a urgência do
caso concreto.
O art. 7° do NCPC preceitua que a igualdade (videitem 1.3.6) é uma das formas
pelas quais se atinge o efetivo contraditório.
1.3.8.Princípio da publicidade
O princípio da publicidade prevê que os atos processuais e a tramitação do
processo devem ser, em regra, públicos . É previsto no art. 93, IX, da CF: “todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos (…)”. No NCPC, há
repetição desse comando no art. 11 e também menção à publicidade no art. 8°.
Porém, não se trata de um princípio absoluto, já que há situações em que o
processo pode ser sigiloso. E isso é previsto na própria CF, no art. 5°, LX: “a lei só
poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou
o interesse social o exigirem”.
Assim, em certos casos – como nas discussões envolvendo direito de família –,
tendo em vista a defesa da intimidade, o processo não será público para terceiros, em
virtude do segredo de justiça (NCPC, arts. 11 e 189).
1.3.15.Princípio da oralidade
O princípio da oralidade é aquele que estimula a realização dos atos
processuais por meio verbal; ou seja, mediante a realização de audiências . Para
que se compreenda este princípio, é de se entender que a finalidade da oralidade é
aproximar o juiz das partes e das provas , o que se verificar a partir de alguns
subprincípios.
No NCPC, houve uma sensível redução da oralidade em relação ao que era
previsto no CPC/1973 (exatamente porque, no sistema anterior, a jurisprudência
acabou por afastar do cotidiano forense alguns aspectos da oralidade).
Houve, por exemplo, a supressão do princípio da identidade física do juiz, que
determinava que o juiz que produziu a prova era o juiz que deveria julgar a causa.
Em relação à audiência, que no CPC/1973 sempre seria conduzida pelo juiz, será
conduzida por mediador ou conciliador, quando se tratar do ato inaugural (NCPC,
art. 334, § 1°). Porém, prevê o NCPC que o juiz poderá determinar o comparecimento
das partes em juízo, para “inquiri-las sobre os fatos da causa” (art. 139, VIII), o que
demonstra que o NCPC ainda prevê o contato entre juízes e partes e prova (princípio
da imediatidade).
Assim, não houve a total abolição da oralidade, mas sua mitigação. Além da
imediatidade, podemos apontar que permanece no NCPC:
a) princípio da concentração: a instrução deve ser reduzida a um número
mínimo de audiências (audiência una – NCPC, art. 365), e a um rápido julgamento
após o término da instrução (30 dias, segundo o NCPC, art. 366);
b) princípio da irrecorribilidade das interlocutórias: na linha do acima exposto,
deve-se evitar que, a cada interlocutória, o processo seja suspenso. Assim, apenas
algumas situações de interlocutórias, devidamente previstas em lei, é que poderão ser
impugnadas por agravo de instrumento (NCPC, art. 1.015).
1.3.17.Princípio da cooperação
O art. 6° do NCPC inova ao prever oprincípio da cooperação, destacando que
todos os sujeitos do processo devem “cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Qual seria efetivamente o
significado desse novo princípio?
Não há dúvida de que apresenta alguma correlação com o princípio da boa-fé,
acima exposto. Do ponto de vista das partes, a cooperação poderia ser vista como um
limite ao contraditório, no sentido de não se ter um contraditório nocivo, que viole a
boa-fé. É certo que cooperar não pode significar que um advogado tenha de abrir
mão da estratégia de atuar em prol de seu cliente.
Como exemplos, (i) saneamento compartilhado, em que as partes apontam quais
são os pontos controvertidos (NCPC, art. 357, § 3°), (ii) dever de exibição de
documentos (NCPC, art. 396 e ss.), (iii) dever de manter endereço (inclusive e-mail)
atualizado perante o Judiciário (NCPC, art. 246, § 1°) e (iv) de uma forma geral, a
possibilidade de se definir o procedimento da demanda, por meio do negócio jurídico
processual (o NJP, previsto no NCPC, art. 190 – vide item 1.7.2).
Do ponto de vista do juiz, o princípio seria o dever de cooperar com a parte,
informando e esclarecendo-a antes de proferir alguma decisão.
Como exemplos, (i) a vedação de decisão-surpresa, prevista no art. 10 do NCPC
(e já analisada no item 1.3.4.1 acima), (ii) a necessidade de decisão quanto à
distribuição do ônus da prova antes da instrução (NCPC, art. 357, III) e (iii) o dever
de o magistrado indicar qual ponto da inicial deve ser emendado, não cabendo apenas
se falar “emende a inicial” (NCPC, art. 321).
1.3.19.Princípio da eventualidade
O processo tem por finalidade a solução da lide e deve seguir sempre com essa
finalidade. Nesta linha, para evitar demora na tramitação do processo (princípio da
razoável duração do processo), fala-se em preclusão. Ou seja, em regra, o processo
não pode voltar para uma fase anterior.
Assim, o princípio da eventualidade aponta que a parte, no momento em que se
manifestar, deverá trazer todos os argumentos e pedidos possíveis, visto que, em
regra, não é possível fazê-lo em momento posterior.
Para ilustrar, vale trazer o exemplo da contestação, em que réu deverá apresentar
todos seus argumentos de defesa, ainda que contraditórios (NCPC, art. 336).
1.4.1.Partes e capacidades
Para que se saiba quem pode figurar como parte no âmbito do Poder Judiciário, é
necessário que se conheça as diversas capacidades existentes:
a) capacidade de ser parte: pode ser parte em um processo judicial quem tem a
possibilidade de ser titular de direitos – assim, trata-se de conceito ligado à
personalidade jurídica (CC, art. 1°).
Apesar disso, para resolver questões de ordem prática, a legislação processual
por vezes concede capacidade de ser parte a entes despersonalizados. É, por
exemplo, o caso do espólio, que é representado pelo inventariante (cf. NCPC, art. 75,
V, VI, VII e XI). Uma situação concreta que gerou muita polêmica foi pacificada com
a edição da Súmula 525 do STJ: “A Câmara de Vereadores não possui personalidade
jurídica, apenas personalidade judiciária, somente podendo demandar em juízo para
defender os seus direitos institucionais”.
Como se percebe, ou há ou não há capacidade de ser parte, não sendo possível
falar em correção dos polos da relação processual no caso de incapacidade de ser
parte – o processo será extinto.
b) capacidade processual (legitimatio ad processum): é a capacidade de
figurar no processo judicial por si mesmo, sem o auxílio de outrem.
Não se deve confundir esta figura com a condição da ação legitimidade de parte
(legitimatio ad causam), adiante enfrentada.
A regra do NCPC (art. 71) é que os absolutamente incapazes (CC, art. 3°) devem
ser representados, ao passo que os relativamente incapazes (CC, art. 4°) devem ser
assistidos.
Há de se atentar que o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015)
alterou o Código Civil, especificamente para passar a prever que pessoas com
deficiência não são incapazes.
Para exemplificar: uma criança tem capacidade de ser parte (pode pleitear
alimentos, por exemplo), mas não pode figurar, sozinha, no processo. Assim, não tem
capacidade processual, devendo estar acompanhada para que haja a supressão de sua
incapacidade processual. Diferentemente da incapacidade de ser parte, a
incapacidade processual pode ser suprida (NCPC, art. 76).
Por sua vez, há algumas pessoas que, apesar de não serem incapazes à luz da
legislação civil, têm restrições em sua capacidade processual. É a hipótese dos
litigantes casados.
Em regra, não há qualquer distinção entre solteiros e casados. A exceção envolve
a s ações reais imobiliárias, salvo no caso do regime de separação total de bens
(NCPC, art. 73). Neste caso, ou há litisconsórcio ou há autorização do cônjuge para
se ingressar em juízo – via outorga uxória (prestada pela esposa ao marido) ou
outorga marital (prestada pelo marido à esposa). A inovação do NCPC se refere à
expressa menção à união estável (art. 73, § 3°) – o que já era admitido pela
jurisprudência. A lei prevê a necessidade de participação do companheiro apenas
quando constar dos autos a informação de que existe união estável – isso de modo a
evitar atitudes de má-fé, no sentido de trazer essa informação para os autos após anos
de tramitação do processo, de modo a acarretar a nulidade do processo.
O legislador assim previu considerando que a discussão envolvendo direitos
reais imobiliários em tese pode influenciar toda a família. É uma visão que dá maior
valor ao bem imóvel que se justificava na década de 1970, mas não na segunda
década do século XXI (mas não houve alteração no NCPC).
c) capacidade postulatória: é a capacidade plena de representar as partes em
juízo; a capacidade de falar, de postular perante os órgãos do Poder Judiciário.
Em regra, o advogado é o titular da capacidade postulatória (NCPC, art. 103).
Porém, há casos em que a lei concede capacidade postulatória à própria parte –
mas isso não impede a postulação por meio de um advogado. As situações são as
seguintes:
✓ Juizados Especiais Cíveis, nas causas de até 20 salários mínimos (Lei
9.099/1995, art. 9°) – e, também, Juizado Especial Federal e Juizado da Fazenda
Pública Estadual (nesses casos, diante da omissão legislativa, o entendimento
majoritário é que não há a limitação de 20 salários, sendo cabível a atuação da parte
sem advogado até o teto desses juizados, regulados pela Lei 10.259/2001 e Lei
12.153/2009, respectivamente);
✓ ação de alimentos (Lei 5.478/1968, art. 2°);
✓ habeas corpus;
✓ reclamações trabalhistas (CLT, art. 791), cabendo lembrar que essa
capacidade, para o TST, não é irrestrita (Súmula 425 do TST: “Ojus postulandi das
partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos
Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o
mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do
Trabalho”).
A prova de que houve a outorga de poderes ao advogado se dá pelo contrato de
mandato, cujo instrumento é a procuração (vide item 1.4.4 abaixo).
Existindo vício de capacidade que possa ser sanado, inicialmente o juiz deverá
determinar a correção da falha (NCPC, art. 76, caput). Se não houver a correção da
falha, existem consequências distintas, conforme o grau de jurisdição e o polo da
parte.
Caso o vício não seja sanado e o processo estiver em 1° grau, existem 3
possibilidades (NCPC, art. 76, § 1°): (i) extinção do processo sem resolução de
mérito (art. 485, IV), se o vício tivesse de ser sanado pelo autor; (ii) revelia (art.
344), se o vício tivesse de ser sanado pelo réu; (iii) exclusão do processo ou
revelia, se o vício tivesse de ser sanado por terceiro (terceiro no polo ativo:
exclusão do processo; terceiro no polo passivo: revelia).
Caso o vício não seja sanado e o processo estiver no tribunal (intermediário ou
superior), existem 2 possibilidades (NCPC, art. 76, § 2°): (i) não conhecimento do
recurso, se o vício tivesse de ser sanado pelo recorrente ; (ii) desentranhamento das
contrarrazões, se o vício tivesse de ser sanado pelo recorrido. Assim, não mais
poderá ser aplicado o entendimento de tribunal superior de impossibilidade de
correção de procuração (vício de capacidade postulatória) no âmbito do STJ ou STF.
1.4.3.Curador especial
O CPC prevê, para determinados casos, a figura de umcurador especial. Trata-
se de um advogado nomeado pelo juiz para postular em nome de determinada parte
que apresenta uma situação de hipossuficiência.
Deverá existir a curatela especial nas seguintes situações (NCPC art. 72):
(i) incapaz sem representante legal (inova o NCPC ao esclarecer que a curatela
durará enquanto subsistir a incapacidade);
(ii) ao réu preso, que for revel (ou que venha a ser preso durante a fluência do
prazo de contestação – STJ, REsp 1.032.722/PR, 4.a T., j. 28.08.2012, DJe
15.10.2012, Informativo/STJ 503) e
(iii) ao réu revel citado por edital ou por hora certa (ou seja, citação ficta).
Em regra, compete à própria parte buscar o seu advogado. Mas, nesses casos,
diante de alguma dificuldade (situação de hipossuficiência), o magistrado é quem
providencia o patrono (que recebe o nome de curador especial), em observância aos
princípios da ampla defesa e do contraditório.
1.4.4.Mandato
Como visto acima, a parte usualmente será representada em juízo por um
advogado. O contrato que regula a relação cliente – advogado é o mandato. A
procuração é o instrumento do mandato e prova que a parte é representada pelo
advogado.
Em regra, ao apresentar qualquer manifestação, o advogado já junta ao processo a
procuração. Contudo, em situações de urgência, é possível que o advogado pleiteie
alguma providência jurisdicional sem a apresentação da procuração, requerendo
prazo para tanto – de 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias (CPC, art. 104).
✓ A procuração geral para o foro (procuração com a cláusula ad judicia)
permite que o advogado realize os principais atos do processo.
✓ Para situações específicas, há necessidade de constar da procuração os
poderes especiais, que são os seguintes – existindo novidades em relação ao
CPC/1973 (NCPC, art. 105):
(i) receber citação,
(ii) confessar,
(iii) reconhecer a procedência do pedido,
(iv) transigir,
(v) desistir,
(vi) renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação,
(vii) receber,
(viii) dar quitação,
(ix) firmar compromisso e
(x) assinar declaração de hipossuficiência econômica.
Inova o NCPC ao determinar que da procuração conste onome, número de
inscrição e endereço da sociedade de advogados – se o advogado fizer parte de
alguma, por certo (NCPC, art. 105, § 3°). Além disso, a procuração, salvo previsão
em sentido contrário constante do próprio instrumento, é eficaz por toda a tramitação
do processo, inclusive o cumprimento de sentença (NCPC, art. 105, § 4°).
1.4.6.Justiça Gratuita
No sistema anterior, a questão relativa à justiça gratuita era tratada fora do CPC,
na Lei 1.060/1950. No NCPC, o assunto passa a ser regulado no próprio Código.
O assunto é regulado dos arts. 98 ao 102 do NCPC. Apesar disso, não houve a
total revogação da Lei 1.060/1950 (vide art. 1.072, III, do NCPC).
O NCPC regula aconcessão e revogação da gratuidade de justiça, que é a
isenção de custas e despesas, para os que têm insuficiência de recursos.
Distingue-se a justiça gratuita da assistência judiciária gratuita (que é a
prestação de serviços jurídicos no Judiciário – ou seja, a indicação do advogado,
principalmente a cargo da Defensoria Pública – vide item 1.4.10 abaixo) da
assistência jurídica (que é a prestação completa de serviços jurídicos ao
necessitado – não só a prestação jurisdicional, mas também esclarecimento de
eventuais dúvidas; vide CF, art. 5°, LXXIV).
Nada impede que uma parte que contrata advogado particular pleiteie e receba a
gratuidade de justiça (NCPC, art. 99, § 3°).
O NCPC afirma que a gratuidade de justiçaengloba não só as taxas e custas,
mas também (i) honorários do perito, (ii) exame de DNA e outros exames
necessários no caso concreto, (iii) depósito para interposição de recurso ou
propositura de ação rescisória e (iv) valores devidos a cartórios extrajudiciais em
decorrência de registros ou averbações necessários à efetivação da decisão judicial
(art. 98, § 1°).
Contudo, não estão incluídas na gratuidade eventuais multas processuais
impostas ao beneficiário da justiça gratuita (art. 98, § 4°).
Se o beneficiário da justiça gratuita não tiver êxito na causa (seja figurando do
lado ativo ou passivo da demanda), deverá ser condenado a arcar com os
honorários advocatícios da parte contrária (art. 98, § 2°). Mas somente será
possível executar os honorários se, no prazo de 5 anos, o credor demonstrar que o
beneficiário está com condições financeiras aptas a responder pelo débito (art. 98, §
3°).
A gratuidade de justiça é direito da parte, seja pessoa física ou jurídica (art.
98). Porém, só a pessoa física tem presunção na afirmação da hipossuficiência
econômica (art. 99, § 3°), devendo a pessoa jurídica provar sua situação econômica
(exatamente como previsto na Súmula 481 do STJ, editada à luz do CPC/1973: “Faz
jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que
demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais)”.
A justiça gratuita pode ser requerida a qualquer momento (NCPC, art. 99): (i)
na petição inicial; (ii) na contestação; (iii) na petição de ingresso de terceiro e (iv) no
recurso. Ou seja, cabe pleitear a gratuidade em qualquer momento do processo –
mesmo durante a tramitação da causa em primeiro grau, após a inicial e antes do
recurso.
Se o requerimento de gratuidade for formulado quando da interposição do
recurso, o recorrente não terá de recolher o preparo – não sendo possível se falar
em deserção até eventual decisão do relator que indeferir e determinar o recolhimento
das custas (NCPC, art. 99, § 7°).
Quanto ao critério para a concessão da gratuidade, a lei não traz critérios
objetivos, tratando-se de decisão que ficará a cargo do magistrado, conforme o caso
concreto. O NCPC apenas traz odireito à gratuidade no caso de “insuficiência de
recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios”
(NCPC, art. 98).
Não é possível ao juiz indeferir de plano a gratuidade (NCPC, art. 99, § 2°). Se
o magistrado não estiver convencido da presença dos requisitos, deverá determinar
que a parte comprove sua situação de hipossuficiência econômica.
Inova o NCPC ao prever a concessão dejustiça gratuita parcial, que pode se
configurar de duas formas distintas: (i) reconhecimento da gratuidade para alguns
dos atos do processo ou apenas a redução de parte das despesas (NCPC, art. 98, §
5°) e (ii) parcelamento de despesas, “se for o caso” (NCPC art. 98, § 6°). O Código,
porém, não traz qualquer critério para a aplicação dessas duas novas figuras.
Concedida a gratuidade, pode a parte contrária impugnar a concessão da justiça
gratuita. Inicialmente, haverá a discussão do tema perante o próprio juiz que
concedeu o benefício (e não por recurso), nos próprios autos (e não mais em
apartado, como no CPC/1973). Assim, deferido o pedido, a parte contrária poderá
oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou,
nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição
simples, a ser apresentada no prazo de 15 dias (NCPC, art. 100).
Da decisão que aprecia a impugnação, cabe recurso (NCPC, art. 101). Assim:
(i) se o juiz indeferir a gratuidade pleiteada por qualquer das partes, o recurso
cabível será o agravo de instrumento; (ii) se a impugnação à justiça gratuita for
acolhida, o recurso cabível será o agravo de instrumento; (iii) se o magistrado
decidir quanto à gratuidade (para deferi-la ou não, seja relacionada à impugnação ou
não) na própria sentença, o recurso cabível será a apelação.
Transitada em julgado a decisão que revogou a gratuidade, a parte que teve o
benefício cassado deverá recolher todas as despesas do processo, em prazo fixado
pelo juiz (NCPC, art. 102). Caso não haja o recolhimento, se o ex-beneficiário for o
autor, o processo será extinto; se for o réu, não haverá o deferimento de qualquer ato
requerido por essa parte até que haja o pagamento (NCPC, art. 102, parágrafo único)
– dispositivo de duvidosa constitucionalidade.
1.4.8.Conciliador e Mediador
Considerando o grande estímulo que o NCPC dá às formas alternativas de
solução dos conflitos (ADR, especialmente conciliação e mediação – vide item 1.1.4.
acima), é certo que a figura do conciliador e mediador ganha força no Código. Assim,
inova o NCPC ao trazer uma seção específica para esses profissionais (arts. 165 a
175).
✓ Conciliadores e mediadores são profissionais alheios ao conflito, cuja
intervenção imparcial busca permitir que as partes cheguem ao consenso. Como já
exposto no item 1.1.4, o mediador é terceiro que busca o acordo entre as partes, mas
sem sugerir a solução, atuando preferencialmente nos casos em que houver vínculo
anterior entre as partes, como no direito de família (NCPC, art. 165, § 3°), ao passo
que o conciliador é terceiro que busca o acordo entre as partes, sugerindo a solução,
atuando preferencialmente nos caos em que não houver vínculo anterior entre as
partes, como em acidentes de veículos (NCPC, art. 165, § 2°).
Considerando as especificidades de cada situação, a mediação pode ser
desenvolvida em mais de uma sessão, ao passo que a conciliação, em regra, se
realiza com uma reunião. Contudo, não há vedação para que haja mais de uma
audiência para a conciliação.
A mediação não era regulada no CPC/1973 (que só tratava da conciliação), mas é
prevista no NCPC e, também, na Lei 13.140/2015 (que é posterior ao NCPC, mas
cuja vacatio é menor). Apesar de existirem pontos comuns, há distinções entre as
duas leis, o que já é objeto de polêmica.
Prevê a legislação a criação dos centros judiciários de solução consensual de
conflitos, ou “Cejuscs” (NCPC, art. 165, Lei 13.140/2015, art. 24 e Resolução CNJ
125/2010, art. 8°). Esses centros serão “responsáveis pela realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição” (NCPC, art. 165).
A composição e a organização dos centros serão definidas em cada tribunal,
observando-se as normas do CNJ (NCPC, art. 165, § 1°; Lei 11.340/2015, art. 24,
parágrafo único). Assim, há espaço para se reconhecer as especificidades de cada
local.
S ã o princípios da mediação e da conciliação a independência, a
imparcialidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade, a
informalidade e a decisão informada (NCPC, art. 166). Por sua vez, a Lei
13.140/2015, prevê que a mediação será orientada pelos seguintes princípios (art.
2°): I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV
– informalidade; V – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso; VII
– confidencialidade; VIII – boa-fé. A seguir, são analisados os princípios mais
relevantes.
Pelo princípio da independência, os conciliadores e mediadores devem atuar de
forma autônoma, sem subordinação, vinculação ou influência de pessoas ou órgãos.
Pode o mediador ou conciliador recusar, suspender ou interromper a sessão se
ausentes as condições necessárias para seu bom desenvolvimento (Resolução CNJ
125/2010, anexo III, art. 1°, V).
A imparcialidade, tal qual em relação ao juiz, representa a ausência de
comprometimento de qualquer ordem em relação aos envolvidos no conflito. Na
Resolução CNJ 125/2010, imparcialidade é o dever de agir com ausência de
favoritismo, preferência ou preconceito, assegurando que valores e conceitos
pessoais não interfiram no resultado do trabalho – jamais sendo possível aceitar
qualquer espécie de favor ou presente (Resolução CNJ 125/2010, anexo III, art. 1°,
IV).
A autonomia da vontade é a intenção manifestada por pessoa capaz, com
liberdade. A Resolução 125/2010 do CNJ reconhece ser a autonomia da vontade o
dever de respeitar os diferentes pontos de vista dos envolvidos, assegurando-lhes que
cheguem a uma decisão voluntária e não coercitiva com liberdade para tomar as
próprias decisões (Anexo III, art. 2°, II).
Pelo princípio da decisão informada, a parte deve ser plenamente informada
quanto aos seus direitos em relação à sessão consensual (Resolução 125/2010 do
CNJ, anexo III, art. 1°, II). Porém, mediadores e conciliadoresnão devem atuar como
advogados de qualquer das partes, por força da imparcialidade acima exposta.
A confidencialidade é fundamental para que as partes possam negociar com
tranquilidade e transparência, contando com a garantia de que o que disserem não
será usado contra eles posteriormente. Assim, se infrutífera a conciliação ou
mediação, a proposta formulada na audiência não deverá constar no termo – salvo
se houver acordo entre as partes (NCPC, art. 166, § 1°). Caso haja violação da
confidencialidade, essa prova deverá ser considerada ilícita.
Ainda que a doutrina aponte qual seria o caminho para as sessões consensuais, há
flexibilidade no procedimento, inclusive considerando a informalidade dos métodos
alternativos (NCPC, art. 166, § 4°). Como exemplo, a possibilidade de o mediador se
reunir com as partes, em conjunto ou separadamente (Lei 13.140/2015, art. 19).
O NCPC prevê a necessidade deduplo cadastramento, ou seja, o profissional
(pessoa física) ou câmaras privadas de conciliação e mediação (pessoa jurídica)
deverão se inscrever em cadastro nacional e, também em cadastro perante o TJ ou
TRF que atuarão (NCPC, art. 167).
Quanto à capacitação mínima, o conciliador ou mediador deverá realizar um
“curso realizado por entidade credenciada, conforme parâmetro curricular definido
pelo CNJ em conjunto com o Ministério da Justiça” (NCPC, art. 167, § 1°). Em
relação ao mediador, a lei própria exige que o profissional seja pessoa capaz
graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição
reconhecida pelo Ministério da Educação (Lei 11.340/2015, art. 11).
Além disso, a lei permite que haja concurso público para mediadores e
conciliadores judiciais. Escolhido o profissional, o tribunal remeterá ao diretor do
foro os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista a
ser observada na distribuição alternada e aleatória, respeitado o princípio da
igualdade dentro da mesma área de atuação profissional (NCPC, art. 167, § 2°). A Lei
de Mediação não se refere a concurso, mas ao cadastramento de mediadores pelos
tribunais e ao custeio das despesas pelas partes (Lei 13.140/2015, arts. 12 e 13)
No cadastro deverão ser informados todos os dados relevantes para a atuação
do profissional, como o número de processos de que participou, o sucesso ou
insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia e outros dados
que o tribunal julgar relevantes (NCPC, art. 167, § 3°). O objetivo é que, a partir
desses dados, que serão classificados sistematicamente e publicados ao menos
anualmente pelos tribunais, possa haver conhecimento da população, realização de
estatísticas e avaliação dos meios consensuais e dos profissionais (NCPC, art. 167,
§ 4°).
O conciliador e o mediador podem ser advogados. Porém, onde estiverem
cadastrados, estarão impedidos para a advocacia nos juízos em que desempenham
suas funções (NCPC, art. 167, § 5°). Vale destacar que essa restrição não consta na
Lei 13.140/2015.
Pode o tribunal optar por estruturar quadro próprio de conciliadores e
mediadores (ou seja, não de terceiros cadastrados), a ser preenchido por concurso
público de provas e títulos (NCPC, art. 167, § 6°).
Em linha com a liberdade das partes quanto ao procedimento (vide, adiante, o
negócio jurídico processual), o Código permite que as partes escolham o facilitador
(seja o conciliador, mediador ou câmara privada de meios consensuais – NCPC, art.
168), sendo que o escolhido poderá ou não estar cadastrado no tribunal (NCPC, art.
168, § 1°). Se não houver esse acordo, então haverá distribuição aleatória entre os
profissionais cadastrados no tribunal (NCPC, art. 168, § 2°). Vale esclarecer que a
legislação permite, se recomendável à luz das especificidades do caso concreto, a
designação de mais de um mediador ou conciliador (NCPC, art. 168, § 3°).
Quanto à remuneração, o facilitador será remunerado pelo trabalho realizado,
conforme tabela fixada pelo tribunal, a partir de parâmetros do CNJ (NCPC, art.
169). Apesar disso, o próprio Código prevê a possibilidade de trabalho voluntário
(NCPC, art. 169, § 1°). Além disso, será exigida atuação gratuita de pessoas
jurídicas; se uma câmara privada se cadastrar para atuar mediante remuneração,
deverá suportar percentual de atuações gratuitas como contrapartida de seu
credenciamento (NCPC, art. 169, § 2°).
Considerando a necessária imparcialidade, o mediador ou conciliador pode ser
impedido (NCPC, art. 148, II, sendo que as hipóteses de impedimento, tratadas no
tópico acima, estão no art. 144). Nesse caso, o próprio facilitador deverá informar
isso ao coordenador do Cejusc, que procederá a nova distribuição (NCPC, art. 170).
Se o impedimento se verificar depois de já iniciado o procedimento, este será
interrompido, para nova distribuição (NCPC, art. 170, parágrafo único). Não há
menção, neste art. 170, à suspeição do mediador ou conciliador. Contudo, há menção
no art. 173, II (ao tratar da atuação indevida do conciliador) e na Lei 13.140/2015,
que aponta serem aplicáveis ao mediador as hipóteses legais de impedimento e
suspeição do juiz (art. 5°). Portanto, dúvida não há quanto à aplicação do
impedimento e suspeição aos conciliares e mediadores.
Também para garantir a imparcialidade, a legislação cria impedimento para o
conciliador ou mediador exercer a advocacia, para as partes litigantes, no prazo de
1 ano contado do término da última audiência em que atuaram (NCPC, art. 172).
De se destacar que o tema não foi tratado no Estatuto da OAB dentre os
impedimentos, o que pode gerar debates quanto à sua legalidade (Lei 8.906/1994, art.
28).
A legislação ainda prevê uma impossibilidade temporária para o exercício da
função (por questões de saúde, férias ou quaisquer outras razões). Nesse caso, o
conciliador ou mediador informará o fato ao centro, para evitar novas distribuições e
morosidade (NCPC, art. 171).
A exclusão de conciliadores e mediadores é prevista para aquele facilitador
que atuar indevidamente. O Código tipifica as seguintes situações (NCPC, art. 173):
I – agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação ou violar
os deveres decorrentes do art. 166, §§ 1° e 2° (princípios acima analisados);
II – atuar em procedimento de mediação ou conciliação, apesar de impedido ou
suspeito.
A apuração dessas faltas será realizada por meio de procedimento administrativo,
sendo cabível o afastamento cautelar do facilitador pelo juiz, pelo prazo de 180 dias
(NCPC, art. 173, §§ 1° e 2°).
A União, Estados, DF e Municípios poderão criar câmaras de mediação e
conciliação com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no
âmbito administrativo, para (i) dirimir conflitos entre órgãos e entes da própria
administração, (ii) conciliação em conflitos envolvendo o ente estatal e (iii)
celebração de TAC – termo de ajustamento de conduta (NCPC, art. 174 e Lei
13.140/2015, art. 32).
1.4.9.Ministério Público
O Ministério Público, MP ou Parquet é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional e destinada à preservação dos valores fundamentais do Estado
(defesa da ordem jurídica, regime democrático e interesses sociais – CF, art. 127).
A Constituição Federal (art. 128) divide o MP em MPE (Ministério Público
Estadual – atua perante a Justiça Estadual) e MPU (Ministério Público da União). O
MPU compreende o MP Federal (atua perante o STF, o STJ e a Justiça Federal) e,
também, MP do Trabalho (Justiça do Trabalho), MP Militar (Justiça Militar da
União) e MPDFT (Distrito Federal e Territórios).
No que interessa para o processo civil, pertinente à atuação do MPE e do MPF,
as carreiras são assim divididas:
1.4.10.Defensoria Pública
A Defensoria Pública é instituição destinada à “orientação jurídica, a promoção
dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados,
em todos os graus, de forma integral e gratuita” (NCPC, art. 185 – vide, também,
CF, art. 134).
Trata-se, assim, da instituição encarregada de prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos cidadãos financeiramente hipossuficientes.
A Defensoria, para realizar sua função institucional de maneira adequada, goza de
vantagens (prerrogativas) processuais , as quais devem ser observadas em qualquer
processo e grau de jurisdição.
Dentre as principais prerrogativas processuais, destacam-se as seguintes:
(i) intimação pessoal do defensor (NCPC, art. 186, § 1°). Pela lei específica da
Defensoria, a intimação será necessariamente para o próprio defensor, por entrega
dos autos com vista (LC 80/1994, art. 44, I).
(ii) prazo em dobro para manifestação nos processos judiciais (NCPC, art. 186 e LC
80/1994: art. 44, I). Essa regra diz respeito a todos os prazos processuais (cuja
inobservância poderia ensejar na preclusão) – inclusive para escritórios de prática
de faculdades ou outras entidades que prestem assistência jurídica mediante
convênio com a Defensoria (NCPC, art. 186, § 2°).
Porém, não se aplica o prazo em dobro às situações de direito material
(prescrição e decadência). Também não se aplica a hipóteses em que houver previsão
legal expressa de prazo para a Defensoria (NCPC, art. 186, § 4°).
A pedido da Defensoria, pode o juiz determinar a intimação da parte assistida,
quando o ato processual depender de providência específica da parte (NCPC, art.
186, § 2°) – regra que se justifica pelo fato de, muitas vezes, o defensor ter
dificuldade de contato com o assistido.
Além disso, a Defensoria é responsável pelo exercício da curadoria especial
(NCPC, art. 72, parágrafo único e LC 80/1994, art. 4°, XVI).
No âmbito do processo civil, como já visto (item 1.4.3 acima), o juiz dará
curador especial (i) ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses
deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade; (ii) ao réu preso, bem
como ao revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído
advogado (NCPC, art. 72). Ressalte-se que, nesses casos,não é necessária a
comprovação da incapacidade econômica para que haja a atuação da Defensoria
Pública.
1.4.11.2.Citação
A citação, de uma forma geral, será analisada mais adiante nesta obra. Apenas se
diga, no momento, que quando a Fazenda Pública for ré, a citação ocorrerá por
oficial de justiça, não sendo possível sua realização por correio (NCPC, art. 247,
III).
A citação da União, dos Estados, do DF, dos Municípios e de suas respectivas
autarquias e fundações de direito público: o ato citatório deverá ser realizado perante
o órgão de Advocacia Pública responsável pela representação judicial de tais entes
(NCPC, art. 242, § 3°).
Ainda, a Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo
judicial, prevê a possibilidade de a citação da Fazenda ocorrer por meio eletrônico,
desde que o ente público tenha se cadastrado previamente no Poder Judiciário,
devendo os autos ser disponibilizados na íntegra para o citando (arts. 2°, 5° e 6° da
lei em questão). Avançando no assunto, o NCPC destaca que União, Estados, DF,
Municípios e entidades da administração indireta deverão manter cadastro nos
sistemas de processo eletrônico, para que recebam citação por correio eletrônico
(NCPC, art. 246, § 2°).
Portanto, em autos físicos, a citação da Fazenda será por oficial de justiça,
perante a Procuradoria; em autos eletrônicos, onde houver citação por correio
eletrônico, esse será o meio de citação da Fazenda.
1.4.11.3.Custas e honorários
A Fazenda Pública está dispensada do pagamento das custas e dos
emolumentos (que ostentam natureza tributária e cuja dispensa encontra fundamento
na confusão como causa excludente da obrigação), mas não do pagamento das
despesas em sentido estrito (que se destinam a remunerar terceiros cuja
responsabilidade é auxiliar a atividade do Estado-juiz, como por exemplo, os
honorários do perito judicial – Súmula 232 do STJ: “A Fazenda Pública, quando
parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do
perito”).
Quanto aos honorários advocatícios, o NCPC traz diversas inovações em
relação à Fazenda, especialmente trazendo uma situação de escalonamento dos
honorários (percentual menor quanto maior for o valor da causa ou conteúdo
econômico da demanda – NCPC, art. 85, § 3°). O assunto já foi enfrentado noitem
1.4.5 acima.
1.4.11.5.Remessa necessária
Em regra, para que haja a apreciação da causa por parte do Tribunal, necessária a
interposição de recurso (vide capítulo 5). Porém, para resguardar o interesse público,
mesmo que não haja recurso, a decisão desfavorável à Fazenda será examinada
pelo 2° grau. É esta a figura da remessa necessária (NCPC, art. 496), que não tem
natureza recursal.
Importante consignar que isso não impede que haja o recurso por parte da
Fazenda. Assim, (i) se houver recurso, o Tribunal o analisará – e, também, caso algo
não tenha sido impugnado, o reexame necessário; (ii) se não houver o recurso, haverá
exclusivamente a análise do reexame necessário.
Assim, em síntese, a eficácia da sentença de mérito está condicionada à
confirmação da decisão pelo Tribunal de segundo grau, nas seguintes hipóteses:
✓ sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios, e as respectivas autarquias e fundações de direito público (NCPC, art.
496, I);
✓ sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução
fiscal (NCPC, art. 496, II).
Porém, não haverá remessa necessária quando:
(i) a condenação, ou o proveito econômico obtido, for de valor certo e líquido
inferior a (NCPC, art. 496, § 3°): (a) 1000 salários mínimos, para a União e entes
federais, (b) 500 salários mínimos, para Estados, DF e respectivos entes, bem como
capitais dos Estados e (c) 100 salários mínimos, para os demais municípios e
respectivos entes;
(ii) a sentença estiver fundada em forte precedente jurisprudencial, a saber
(NCPC, art. 496, § 4°): (a) súmula de tribunal superior, (b) acórdão proferido em
recurso repetitivo, (c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou assunção de competência; (d) entendimento constante em orientação
vinculante firmada no âmbito do respectivo ente público (“súmula administrativa” da
AGU, por exemplo).
1.5.2.Intervenção de terceiros
A intervenção de terceiro, como se depreende do próprio nome, permite que
terceiro (ou seja, alguém que não é o autor ou o réu) passe a participar da relação
processual. A finalidade da intervenção é a economia processual: considerando que
já existe uma lide em debate, aproveita-se para discuti-la em todos os aspectos,
inclusive naquele envolvendo terceiro.
1.5.2.1.Mudanças no NCPC
O NCPC trouxe importantes inovações para as intervenções de terceiro.
No CPC/1973 existiam 5 intervenções de terceiro (assistência, oposição,
nomeação, denunciação e chamamento).
No NCPC:
(i) oposição deixou de ser intervenção de terceiro e passou a ser procedimento
especial (NCPC, art. 682 e ss. – vide item 3.10.),
(ii) houve inserção do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
(NCPC, arts. 133 a 137) e do amicus curiae (NCPC, art. 138), e
(iii) nomeação à autoria deixou de existir, cabendo agora ao réu, ao alegar
ilegitimidade, apontar quem é o efetivo réu (NCPC, art. 339).
Assim, o réu, na contestação, ao alegar ilegitimidade passiva, deverá indicar
quem deveria figurar como réu, desde que tenha conhecimento dessa informação.
Se assim não fizer, terá de arcar com as despesas processuais e indenizar o autor
pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação. Trata-se de algo totalmente novo no
sistema.
Voltando às intervenções de terceiro, existem duas modalidades de intervenção
no sistema processual:
✓ intervenção espontânea: aquela em que o terceiro, que está fora do
processo, espontaneamente busca seu ingresso em uma determinada demanda;
✓ intervenção provocada: aquela na qual uma das partes litigantes (autor ou
réu) busca trazer o terceiro para o processo.
No NCPC:
a) são intervenções espontâneas: (i) assistência; e (ii) amicus curiae.
b) são intervenções provocadas: (i) denunciação; (ii) chamamento; (iii) incidente de
desconsideração da personalidade jurídica e (iv) amicus curiae.
Como se percebe, a intervenção do amicus curiae pode ser espontânea ou
provocada.
1.5.2.2.Assistência
N a assistência, o terceiro busca seu ingresso no processo para auxiliar o
assistido (seja o autor, seja réu).
Contudo, para que a assistência seja possível, é necessário existir interesse
jurídico, e não meramente interesse econômico ou moral (NCPC, art. 119).
Para entender o que significa interesse jurídico, basta verificar se a decisão
judicial proferida na demanda proposta entre “A” e “B” irá influenciar a esfera
jurídica de “C”. Se a resposta for positiva, haverá interesse jurídico e, portanto, será
admitida a assistência. Se o interesse não for jurídico, talvez possa ser hipótese
(dependendo de quem for o terceiro e das especificidades da causa) de ingresso como
amicus curiae.
Para visualizar o exposto, basta imaginar um despejo entre locador e locatário –
sendo que existe sublocação. Se houver a decretação do despejo, a esfera jurídica do
sublocatário estará sendo violada – daí a existência do interesse jurídico para
justificar a figura da assistência.
Por outro lado, analisando a discussão judicial envolvendo o título de um
campeonato, dois clubes de futebol litigam para saber quem deve ficar com tal troféu.
Um torcedor, por mais fanático que seja, não terá a sua esfera jurídica alterada se a
taça permanecer ou não com seu time. Assim, nesse caso não existiria interesse
jurídico capaz de permitir o uso da assistência.
Logo, reitere-se, cabe a assistência quando houver interesse jurídico do terceiro.
Contudo, há uma exceção. Tratando-se de causa que interesse à União, há lei
permitindo a assistência mesmo que exista apenas interesse econômico (Lei
9.469/1997, art. 5°, parágrafo único). É a chamada assistência anômala ou anódina.
Quanto ao cabimento, a assistência cabe em qualquer procedimento e em todos
os graus de jurisdição, mas o assistente receberá o processo no estado em que ele se
encontra. Ou seja, não se voltará a uma fase anterior para que o assistente possa
realizar algum ato (NCPC, art. 119, parágrafo único). Como a assistência está
inserida na parte geral do Código, é de concluir que, a partir do NCPC, também será
admitida no processo de execução.
Quanto ao procedimento, o terceiro atravessará uma petição pleiteando seu
ingresso no feito. Se a parte contrária do assistido ou mesmo o assistido não
concordarem com o pedido de ingresso do assistente, caberá impugnação, sem
suspender o processo– a ser ofertada em 15 dias (prazo agora é maior – NCPC, art.
120). Além disso, pode o juiz, de plano, rejeitar o ingresso do assistente ,
especialmente se clara a ausência de interesse jurídico (NCPC, art. 120, parte final).
Da decisão quanto ao ingresso do assistente é cabível o recurso de agravo de
instrumento (NCPC, art. 1.015, IX).
Existem duas modalidades de assistência:
1) assistência simples ou adesiva (NCPC, arts. 121 a 123): o assistente não
dispõe da lide, ou seja, o assistente não pode ir além do que fizer o assistido.
Assim, se o assistido não recorrer, não pode o assistente fazê-lo; não pode o
assistente se opor à desistência ou reconhecimento do pedido assistido.
A decisão a ser proferida irá influenciar a relação jurídica existente entre
assistente e assistido. É o exemplo do sublocatário.
O assistente simples não é parte, por isso não é coberto pela coisa julgada, mas
por uma estabilização distinta denominada justiça da decisão, que eventualmente
poderá ser afastada (NCPC, art. 123).
2) assistência litisconsorcial (NCPC, art. 124): o assistente dispõe da lide, ou
seja, o assistente pode ir além do que fizer o assistido. Logo, se não houver recurso
do assistido, poderá o assistente recorrer; se o assistido desistir do processo, pode
prosseguir o assistente.
A decisão a ser proferida irá influenciar a relação jurídica entre o assistente e
a parte contrária do assistido. Como exemplo, uma ação possessória envolvendo um
imóvel que é um condomínio; se houver o ajuizamento por parte de apenas um dos
condôminos, o outro poderá ingressar no feito como assistente litisconsorcial.
O art. 124 afirma expressamente que o assistente litisconsorcial é “litisconsorte
da parte principal”. Assim, diferentemente do assistente simples, o assistente
litisconsorcial é parte (litisconsórcio superveniente). Poderia ter sido desde o início,
mas não o foi.
1.5.2.3.Denunciação da lide
A denunciação da lide tem por finalidade fazer com que terceiro venha a litigar
em conjunto com o denunciante e, se houver a condenação deste, o denunciado irá
ressarcir o prejuízo do denunciante.
Ou seja, como se pode perceber é, na realidade, uma ação de regresso – a qual
tramita em conjunto com a ação principal.
No NCPC, diferentemente do Código anterior, a denunciaçãoé admissível (art.
125, caput). Assim, se a denunciação for indeferida, não for proposta ou não for
permitida, não há qualquer problema: sempre será possível utilizar ação autônoma
(NCPC, art. 125, § 1°).
Pela legislação (NCPC, art. 125), duas são as hipóteses em que é cabível a
denunciação:
(i) o comprador pode denunciar o vendedor na hipótese de evicção (CC, art. 447 –
ou seja, se “A” vende para “B” um imóvel e, posteriormente, “C” ingressa em juízo
contra “B” afirmando que o imóvel é seu, “B” pode denunciar “A” – que terá de
indenizar “B” se o pedido de “C” for procedente e a denunciação for acolhida).
(ii) o réu pode denunciar aquele que tem obrigação de indenizar, por força de lei ou
contrato (o exemplo típico é o réu em uma ação indenizatória acionar sua
seguradora).
Em relação à denunciação na evicção, há novidade: o sistema passa a vedar
sucessivas denunciações da lide, dentro do mesmo processo. No NCPC, só é
possível a denunciação do alienante imediato (ou seja, quem vendeu) e de mais uma.
Logo, somente são possíveis duas denunciações nos mesmos autos.
No exemplo acima, “B” pode denunciar “A” (que foi quem lhe vendeu o imóvel)
e “A” poderá (em única denunciação sucessiva) denunciar “Z”, que foi quem lhe
vendeu. Mas, “Z” não poderá denunciar “X”, que foi de quem ele adquiriu o bem.
Mas poderá se valer, como visto, de ação autônoma.
Cabe a denunciação pelo autor, realizada na petição inicial, hipótese em que o
denunciado pode passar a ser litisconsorte ativo do denunciante e aditar a inicial
(NCPC, art. 127).
A denunciação pelo réu (a mais comum) é realizada na contestação. E o NCPC
prevê três possibilidades (art. 128):
(i) denunciado contesta o pedido do autor (nesse caso, a demanda principal terá
de um lado o autor e, do outro, em litisconsórcio, o denunciante [réu original] e o
denunciado);
(ii) denunciado revel em relação à denunciação, ou seja, o denunciado se
abstém de contestar a denunciação (nessa hipótese, para o denunciado, há revelia em
relação à denunciação e o denunciante, réu na ação principal, poderá (a) prosseguir
normalmente com a sua defesa apresentada na ação principal ou (b) abrir mão dessa
defesa na ação principal e prosseguir apenas com a busca da procedência da
denunciação, de modo a transferir para o denunciado a provável condenação da ação
principal);
(iii) denunciado confessa o alegado na ação principal, ou seja, o denunciado
admite como verdadeiros, os fatos narrados pelo autor na petição inicial da ação
principal (nesse caso, surge a possibilidade de o denunciante (a) prosseguir
normalmente com a sua defesa apresentada na ação principal ou (b) abrir mão dessa
defesa na ação principal, para prosseguir apenas com a busca da procedência na ação
de regresso).
O CPC/1973 previa a suspensão do processo quando determinada a citação do
denunciado. Não há essa previsão no NCPC. Portanto, o processamento da
denunciação não suspende o processo.
A sentença, ao final, julgará o pedido e a denunciação ao mesmo tempo. Se o
denunciante for vencido na ação principal, passa o juiz à análise da denunciação
(NCPC, art. 129). Se odenunciante for vencedor na ação principal, então a
denunciação não será analisada, por falta de interesse de agir – mas haverá custas e
honorários em favor do denunciado (NCPC, art. 129, parágrafo único – inovação do
NCPC).
Assim, no caso de procedência da ação e denunciação do réu, tem-se que a
sentença condena o réu a ressarcir o autor e também condena o denunciado a
ressarcir o denunciante . Nessa situação, pode o autor requerer o cumprimento da
sentença contra o denunciado, nos limites da condenação na ação de regresso.
Trata-se de inovação do NCPC (art. 128, parágrafo único), em linha com o que vinha
decidindo a jurisprudência à luz do CPC/1973 (nesse sentido, no tocante à
denunciação e contrato de seguro, a questão consta da Súmula 537 do STJ: “Em ação
de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou
contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o
segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na
apólice”).
1.5.2.4.Chamamento ao processo
O chamamento ao processo tem por finalidade fazer com que terceiros (outros
devedores solidários) venham a litigar em conjunto com o chamante. A principal
distinção entre o chamamento e a denunciação é que neste não há a necessidade de
se provar que o terceiro também é responsável pelo débito (diferentemente da
denunciação, em que há uma verdadeira ação de regresso). Ou seja, aceito o
chamamento, já é certo que haverá responsabilização do chamado.
As hipóteses de cabimento do chamamento são as seguintes (NCPC, art. 130):
(i) do devedor principal (afiançado), quando apenas o fiador tiver sido colocado no
polo passivo (situação frequente, na qual o fiador chama o locatário que não pagou o
aluguel);
(ii) dos demais fiadores, quando apenas um fiador tiver sido colocado no polo
passivo (basta pensar, também, dois fiadores no contrato de locação, mas apenas um é
acionado);
(iii) dos demais devedores solidários, quando apenas um tiver sido colocado no polo
passivo.
Como se pode perceber das três hipóteses, o chamante é responsável pelo
débito, mas também existem outros responsáveis (devedores solidários, fiadores,
devedor principal).
Só cabe o chamamento pelo réu, e a intervenção deverá ser apresentada pelo réu
na contestação (NCPC, art. 131).
Se o chamamento for deferido pelo juiz, o chamado terá de ser citado. E deve o
réu-chamante providenciar as diligências necessárias para esse ato processual
(como, por exemplo, pagamento de custas ou retirada de carta precatória para
distribuição). A inércia do réu-chamante acarretará a revogação da decisão que
determinou o chamamento. Concede o NCPC o prazo de30 dias para o réu
providenciar a citação (mesma comarca) e 2 meses para comarcas distintas (art.
131, parágrafo único). Eventual falha ou morosidade no serviço forense, por óbvio,
não poderá prejudicar a parte interessada.
A sentença que julgar procedente o pedido em face do réu-chamante também será
título executivo para que aquele que pagar o débito possa exigi-lo do devedor
principal ou dos demais codevedores, na proporção que couber a quem pagou
(NCPC, art. 132).
Exemplo: determinada obrigação tem dois devedores solidários. Apenas “A” é
colocado no polo passivo. “A” – mesmo sendo responsável pela dívida na sua
totalidade – chama “B” para que venha também a figurar no polo passivo. Se “A” for
condenado e pagar todo o débito, poderá executar “B” para receber metade do valor
pago (se for essa a proporção da garantia de cada um prevista no contrato).
1.5.2.6.Amicus curiae
O NCPC passa a regular a figura doamicus curiae ou “amigo da Corte”. A
proposta é que este terceiro, defendendo uma posição institucional (que não
necessariamente coincida com a das partes) intervenha para apresentar argumentos
e informações proveitosas à apreciação da demanda.
O magistrado, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema
objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia , poderá, por decisão
irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes – ou de quem pretenda ser o
amicus curiae – solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica,
órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15
dias de sua intimação (NCPC, art. 138).
Seria possível, então, se falar em amicus curiae em todos os graus de jurisdição
e processos? E mesmo em demandas individuais ou somente coletivas?
Considerando a redação do art. 138 (que não faz restrição) e a localização do
tema no NCPC (parte geral), é de se concluir pelo amplo cabimento do amicus –
desde que uma causa relevante, tema que tenha especificidade ou repercussão social
da controvérsia (ou seja, situações um tanto quanto subjetivas). E, pelo Código, essa
decisão quanto ao ingresso do amigo da corte seria irrecorrível.
Vale destacar que o interesse do amigo da Corte não é jurídico, mas institucional,
moral, político, acadêmico, intelectual ou outro. O interesse jurídico, como já visto,
refere-se ao ingresso do assistente no processo.
O amicus não era previsto no CPC/1973, mas já era previsto em leis específicas,
e utilizado no controle concentrado de constitucionalidade no STF e no julgamento de
recursos repetitivos (hipótese expressamente mencionada no NCPC – art. 138, § 3°).
O grande objetivo do amicus curiae é qualificar o contraditório.
Admitido o amigo da Corte, o juiz definirá quais são seus poderes (NCPC, art.
138, § 2°). A lei apenas prevê que o amicus curiae não poderá recorrer, salvo para
embargar de declaração e no caso de julgamento do incidente de resolução de
demandas repetitivas, quando, portanto, admissíveis outros recursos (NCPC, art.
138, §§ 1° e 3°).
1.6.1.Introdução
Como já visto, pelo princípio da inércia, o Poder Judiciário só atua se
provocado. E a forma de provocar o Estado é mediante o processo, que é o
instrumento que o Estado coloca à disposição dos litigantes para solucionar a lide
(administrar justiça).
Por sua vez, já que a autotutela em regra é vedada, é direito da parte poder
acionar o Judiciário. Assim, ação é o direito que as partes têm ao processo.
Esses conceitos usualmente não são pedidos em provas de concursos jurídicos,
mas sua compreensão é importante para que se tenha a base para entender os três
temas objeto deste tópico – os quais são usualmente perguntados em conjunto, apesar
de serem institutos distintos.
1.6.2.Pressupostos processuais
A análise dos processos e dos procedimentos existentes no NCPC será realizada
mais adiante, no próximo capítulo, por questões didáticas.
No momento, analisa-se a figura dos pressupostos processuais, que são
requisitos que devem estar presentes para que o processo tenha seu início
(pressupostos de existência) e desenvolvimento (pressupostos de validade) de forma
regular.
Conforme o autor consultado, há variação entre a classificação dos pressupostos
processuais. Optamos por seguir a nomenclatura existente no CPC/1973 e mantida no
NCPC, que fala empressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e
regular do processo (NCPC, art. 485, IV).
Assim:
✓ pressupostos de existência: são aqueles sem os quais não é possível sequer
se falar em processo (jurisdição, citação, capacidade postulatória e petição inicial);
✓ pressupostos de validade: são aqueles necessários para que o processo seja
válido e regular (petição inicial apta, citação válida, capacidade processual do autor,
competência do juízo e imparcialidade do juiz).
Nestas situações, ausentes os pressupostos de existência ou validade, o processo
será extinto, sem resolução do mérito (novamente, NCPC, art. 485, IV).
Contudo, há também os pressupostos negativos, que são aqueles requisitos que,
uma vez presentes, acarretam a extinção do processo sem resolução de mérito
(NCPC, art. 485, V). Seriam a litispendência (NCPC, art. 337, §§ 1° a 3°), coisa
julgada (NCPC, art. 337, § 4°) e perempção (CPC, art. 486, § 3°). E, para alguns
autores, também a convenção de arbitragem (NCPC, art. 337, X).
1.6.4.Condições da ação
Para que haja a apreciação do mérito (solução da lide), é necessário que estejam
presentes tanto os pressupostos processuais como as condições da ação.
A s condições da ação podem ser definidas como os requisitos para que uma
ação possa existir e ser processada perante o Judiciário. Ou seja, o direito de ação
não é irrestrito, mas sim condicionado pelas condições de ação – trata-se de uma
disciplina do direito de agir, para que o Judiciário não se manifeste a respeito de
demandas que seriam absolutamente inviáveis.
No CPC/1973, três eram as condições da ação. No NCPC, são duas – seguindo a
evolução do pensamento do autor italiano LIEBMAN, que inicialmente defendia três,
mas posteriormente passou a defender duas condições da ação (houve supressão da
possibilidade jurídica do pedido).
Assim, pelo NCPC, art. 485, VI, são condições da ação:
✓ legitimidade de partes: coincidência/identidade entre as partes na relação
jurídica processual e na relação jurídica material (para o processo judicial do
divórcio [relação material], são partes legítimas no processo o marido e a mulher);
✓ interesse de agir: necessidade e adequação do provimento jurisdicional
pleiteado (se ainda não houve o vencimento de uma dívida, não há falta de pagamento
e, então, não há necessidade de se buscar o Judiciário; se o autor utiliza um processo
ou procedimento indevido em relação ao pedido formulado, fala-se em inadequação);
A carência da ação (NCPC, art. 337, XI) é aausência de uma das condições da
ação. Nesta situação, o autor será carecedor da ação. Diante disso, o processo será
extinto sem resolução do mérito (NCPC, art. 485, VI).
Em relação às mudanças existentes no NCPC, vale destacar:
✓ a situação que antes era configurada como possibilidade jurídica do pedido
(como um pedido de usucapião de área pública, vedado pelo sistema), poderia ser
hoje qualificada como de falta de interesse de agir – ou seja, o fim dessa condição da
ação não significa que o sistema passe a permitir pedidos impossíveis;
✓ o novo Código deixa de trazer as expressões “condição da ação” ou “carência
da ação”, de modo que alguns autores sustentam que isso não mais existe no processo
brasileiro (e que seriam pressupostos processuais); porém, considerando a força da
tradição, o mais provável é que siga se utilizando (e pedindo em provas) as
expressões consagradas no direito processual brasileiro.
1.7.5.Dos prazos
Existem importantes novidades no NCPC quanto aos prazos.
Se o prazo não estiver previsto em lei, o juiz determinará em quanto tempo
deverá ser realizado determinado ato processual, levando em conta a “complexidade
do ato” (NCPC, art. 218, § 1°). Se o juiz não determinar prazo, este será de5 dias
(NCPC, art. 218, § 3°).
Em relevante inovação para afastar um dos aspectos mais nocivos da
“jurisprudência defensiva”, o NCPC prevê que o ato praticado antes do início do
prazo será tempestivo (art. 218, § 4°). Ou seja, o advogado pode recorrer antes da
publicação da decisão, sem risco de que se fale em intempestividade.
A contagem de prazos teve mudanças significativas:
(i) na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, apenas os
dias úteis serão computados (NCPC, art. 219) – sendo que essa previsão somente se
aplica aos prazos processuais e não aos prazos de direito material, como os
prescricionais (NCPC, art. 219, parágrafo único).
A dúvida é saber quais são os prazos processuais, pois existem algumas situações
polêmicas, como o prazo para pagar (no cumprimento de sentença e na execução). A
respeito desse tema, houve a edição do Enunciado 89 das Jornadas do Conselho da
Justiça Federal: “Conta-se em dias úteis o prazo do caput do art. 523 do CPC” (ou
seja, no cumprimento de sentença o prazo para pagamento deve ser contado em dias
úteis – nesse sentido, também já há um precedente do STJ: REsp 1.693.784).
Outro debate é se nos Juizados Especiais, no processo penal e processo do
trabalho também terão a contagem de prazos dessa forma.
No CPP, há previsão de contagem de prazo em dias corridos, assim se aplica
essa forma de prazo.
Na CLT, em alteração posterior ao NCPC (a reforma da CLT), há previsão
expressa de contagem de prazos processuais também em dias úteis (art. 775 da CLT,
com a alteração da Lei 13.467/2017).
No âmbito dos Juizados, após muita polêmica, foi aprovada lei apontando que o
prazo também é em dias úteis (Lei 13.728/2018, que inclui artigo na Lei 9.099/1995:
“Art. 12-A. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a
prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos,
computar-se-ão somente os dias úteis”).
Assim, a regra é termos prazos em dias úteis, salvo quando houver expressa
previsão em sentido inverso, como no CPP e nos procedimentos relativos ao ECA
(Lei 8.069/90, art. 152, § 2°, com a redação dada pela Lei n. 13.509/2017).
(ii) haverá suspensão de curso do prazo entre 20 de dezembro e 20 de janeiro ,
período no qual não poderão ocorrer audiências – exatamente para que o advogado
possa usufruir alguns dias de descanso e férias (NCPC, art. 220). Apesar de prazos
suspensos nesse período, pela lei o Poder Judiciário deverá seguir em funcionamento
(NCPC, art. 220, § 1°).
A forma de contagem de prazo (inicialmente disponibilização no diário oficial,
depois publicação no próximo dia útil, com a exclusão do dia do início e inclusão do
dia do término) segue a mesma prevista no CPC/1973 (NCPC, art. 224) – salvo pela
não contagem nos dias úteis (art. 219).
Também há previsão de prazos para magistrados e auxiliares. O juiz proferirá:
despachos em até 5 dias; decisões interlocutórias em 10 dias e sentenças em 30 dias
(NCPC, art. 226). Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, o juiz
pode exceder, por igual tempo, os prazos a que está submetido (NCPC, art. 227).
É mantida a previsão de prazo em dobro para litisconsortes com advogados
distintos (art. 229). A novidade é a menção do NCPC quanto ao prazo em dobro para
todas as manifestações e “em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de
requerimento”. Contudo, não se aplica a regra do prazo em dobro nos processos
eletrônicos (NCPC, art. 229, § 2°).
1.9.1.Formação
Como já visto, a jurisdição é inerte (princípio dispositivo), razão pela qual a
parte deve provocar o Judiciário para que tenha início o processo (NCPC, art. 2°).
A regra constante da parte inicial do art. 312 é a seguinte: “considera-se proposta
a ação quando a petição inicial for protocolada (…)”. Porém, para o réu, somente
surtem os efeitos da formação após a sua citação. Vide art. 240 quanto aos efeitos da
citação para o réu
De qualquer forma, há a formação do processo no momento em que a petição
inicial é protocolada em juízo.
Assim, são requisitos de constituição da relação processual:
✓ petição inicial escrita em português (NCPC, art. 192);
✓ subscrita por advogado ou defensor público; e endereçada a juiz.
1.9.2.Suspensão do processo
Apesar de os princípios da celeridade e da duração razoável do processo
permearem todo o sistema processual, por vezes se faz necessária a suspensão do
processo, ou seja, a paralisação do trâmite processual.
Não obstante, qualquer que seja a hipótese de suspensão, atos urgentes podem
ser praticados durante o período em que o processo está suspenso – salvo se houver
alegação de impedimento ou suspeição do juiz (NCPC, art. 314).
É importante consignar que suspensão do processo é algo distinto da suspensão
ou interrupção do prazo processual.
É necessária previsão legal para que haja a suspensão do processo, sendo que o
Código prevê diversas situações para tanto.
O principal dispositivo que trata do tema é o art. 313 do NCPC, que traz as
seguintes hipóteses de suspensão:
(i) Pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu
representante legal ou de seu procurador.
O autor, quando falece, deixa de deter capacidade de ser parte. Um idoso que é
interditado perde sua capacidade processual. Um advogado que é desligado dos
quadros da OAB não é mais dotado de capacidade postulatória. Nestes três exemplos,
o processo não pode prosseguir. Mas preferível à extinção de plano é a suspensão,
até que a incapacidade seja solucionada.
Contudo, se a falha não for suprida, sendo em relação ao autor, o processo será
extinto sem mérito; sendo em relação ao réu, será decretada a revelia (NCPC, art.
313, § 3°). Inova o NCPC ao apontar que, no caso de óbito da parte, se não houver
habilitação, o juiz determinará a suspensão de ofício e buscará que haja o ingresso
dos herdeiros (NCPC, art. 313, § 2°).
(ii) Por convenção das partes.
Se as partes estão em vias de celebrar um acordo para pôr fim ao processo, o
prosseguimento do feito pode dificultar as negociações. Daí a conveniência de
suspender o processo.
Contudo, o prazo máximo para que o processo fique suspenso é de seis meses
(NCPC, art. 313, § 4°). Após tal período, o processo deverá retomar seu curso;
(iii) Quando houver arguição de impedimento ou suspeição.
Lembrando que não há mais a figura da exceção, se a parte impugnar a
imparcialidade do juiz (ou de outro auxiliar do juízo), é conveniente que se aguarde a
decisão dessa questão com a suspensão do processo.
(iv) Quando for admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas.
O IRDR (art. 976) é uma das grandes novidades do NCPC. Quando ele for
admitido, para que se decida a questão repetitiva, impõe-se a suspensão de todos os
outros processos que discutam a mesma tese jurídica. A rigor, o prazo máximo de
suspensão é de 1 ano, mas eventualmente poderá esse prazo ser majorado (NCPC, art.
980, parágrafo único).
(v) Quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou de
prova requisitada a outro juízo, ou seja, quando houver prejudicialidade externa.
Ao se falar em prejudicialidade, significa dizer que antes da solução da questão
principal (o pedido, aquilo que deverá ser apreciado pelo juiz), deve ser
solucionada a questão prejudicial em debate em outro processo . O objetivo da
suspensão pela prejudicialidade externa é evitar que haja a prolação de decisões
conflitantes.
No que diz respeito à suspensão decorrente de prova a ser produzida em outro
juízo, o exemplo é a expedição de carta precatória para oitiva de testemunha. Ou
seja, o processo “principal” fica sobrestado até que a prova em questão seja
produzida.
Considerando a morosidade que isso acarreta, houve alteração legislativa: apenas
quando se tratar de prova “imprescindível” é que a carta terá o condão de suspender o
processo (NCPC, art. 377).
Por fim, o processo só poderá ficar suspenso pela alínea V pelo prazo máximo de
1 ano (NCPC, art. 313, § 4°);
(vi) Por motivo de força maior.
Para fins deste inciso, deve-se entender por força maior a situação imprevisível,
alheia à vontade das partes e do juiz que torne impossível a realização de
determinado ato processual. Se isso ocorrer, o processo estará suspenso e,
consequentemente, prorrogados os prazos para realização daquele ato processual.
Como exemplo da segunda década do século XXI, as fortes chuvas que destruíram
diversos fóruns em cidades do Sudeste do Brasil.
(vii) Quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da
navegação de competência do Tribunal Marítimo.
O Tribunal Marítimo é órgão administrativo que aprecia questões relativas ao
Direito Marítimo (tema que ganha prestígio no NCPC). Assim, se houver o debate de
acidente marítimo em apreciação perante o Tribunal Marítimo, eventual processo
judicial sobre esse tema deverá ser suspenso. Trata-se, portanto, de mais uma
situação de prejudicialidade externa (como no inc. V). Não há previsão legal de prazo
máximo de suspensão, mas por uma interpretação teleológica, também deve ser
aplicado o prazo máximo de 1 ano (NCPC, art. 313, § 4°).
(viii) Quando do nascimento ou adoção de filho, sendo a mãe ou o pai a única
advogada ou advogado da causa. Trata-se de inovação decorrente da Lei
13.363/2016, que não constava nem do CPC/1973, nem da redação original do NCPC.
Essa previsão consta dos incisos IX e X do art. 313 do NCPC. Assim, haverá a
suspensão do processo quando houver parto ou adoção. Porém, não se trata de algo
automático e que ocorre em todas as situações de paternidade ou maternidade.
Para que haja a suspensão do processo, (i) o pai ou mãe devem ser o único(a)
patrono(a) do processo, (ii) deve ser apresentada nos autos a certidão de nascimento
para comprovar o parto ou o termo judicial que tenha concedido a adoção e (iii) deve
o advogado(a) ter notificado o cliente a respeito do tema.
O prazo de suspensão é diferenciado entre pai e mãe: 30 dias para a mulher e 8
dias para o homem.
1.9.3.Extinção do processo
O processo em determinado momento terá de chegar a seu final. O término do
processo se dará pelas mais diversas razões. É o que se denomina de extinção do
processo.
Termina o NCPC sua parte geral falando de extinção do processo, e que ela se
dará por sentença (art. 316). Porém, as hipóteses de sentença com e sem resolução
de mérito (conhecimento) ou quando cabe a extinção na execução estão previstas
apenas na parte especial (arts. 485, 487 e 924).
Em linha com o princípio da cooperação e do contraditório, destaca o NCPC que,
antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder prazo à
parte para que, se possível, corrija o vício que acarretaria a extinção (NCPC, art.
317).
2. PROCESSO DE CONHECIMENTO
2.1.Processos e procedimentos
O processo mais regulamentado no Código é o processo de conhecimento, que
será analisado neste capítulo.
Mas, para que se entenda bem o tema, é necessário, inicialmente, realizar uma
breve análise dos conceitos de processo, procedimento e rito.
✓ Processo é o instrumento que o Estado coloca à disposição dos litigantes
para solucionar a lide (administrar justiça).
✓ Procedimento é a forma, modo, maneira pela qual o processo se exerce.
✓ Rito é a forma, modo, maneira pela qual o procedimento se desenvolve. No
NCPC, deixa de ter relevância esta subclassificação de rito – pois não mais existem
os ritos sumário e ordinário, como se verá abaixo.
Ou seja, são três conceitos correlacionados, porém distintos.
2.1.1.Processos no NCPC
O NCPC conhece 2 tipos de processos (cf. Livro I e II da Parte Especial do
Código):
a) Processo de conhecimento (tutela cognitiva): há crise de certeza, ou seja, não se
sabe quem tem razão até que o juiz decida. Visa a uma sentença de mérito, que
decidirá a lide.
Por sua vez, o processo de conhecimento pode ser classificado conforme o
pedido formulado, o provimento pretendido ou a sentença obtida, da seguinte forma:
(i) pedido condenatório: impõe ao réu uma obrigação de pagar, dar, fazer, não fazer
etc.;
(ii) pedido constitutivo (positivo ou negativo): constitui, modifica ou extingue uma
relação jurídica (na constitutiva positiva, há a constituição de uma relação jurídica; na
constitutiva negativa, há a extinção de uma relação jurídica);
(iii) pedido declaratório (positivo ou negativo): declara a (in) existência de uma
relação jurídica.
Ainda, para alguns, há ainda o pedido mandamental e executivo lato sensu, que
podem ser vistos como uma variação do pedido condenatório. Nesses pedidos, não há
necessidade de novo processo para executar a decisão judicial, mas haverá a
sequência do procedimento, seja por uma ordem do juízo para alguém cumprir a
obrigação (tutela mandamental), seja com atos realizados pelo próprio Judiciário, os
chamados atos de sub-rogação (tutela executiva lato sensu).
b) Processo de execução (tutela satisfativa): há crise de adimplemento, ou seja, já
se sabe quem tem razão, mas não há a satisfação do direito do credor por parte do
devedor. Para ser utilizado, é necessário título executivo e inadimplemento.
Como se vê, no NCPCo processo cautelar foi extinto (e existia no CPC/1973). No
novo Código, a cautelar (não mais processo autônomo) pode ser requerida de forma
antecedente ou junto com a petição inicial (vide capítulo 1.8, a respeito da tutela
provisória).
2.1.2.Procedimentos no CPC
Como já exposto, procedimento é a forma pela qual o processo se desenvolve.
Cada processo terá seus próprios procedimentos.
No NCPC, o panorama é o seguinte:
a) No processo de conhecimento, há os seguintes procedimentos:
(i) comum, que é o procedimento-padrão, a ser utilizado na maior parte das causas
(NCPC, art. 318);
(ii) especial, que apresenta distinções em relação ao procedimento comum, de modo
a decidir a lide de forma mais adequada (NCPC, Título III do Livro I da Parte
Especial, art. 539 e ss., além de leis extravagantes).
O procedimento comum (que é o procedimento padrão, o mais amplo e usual), é
aplicado de forma subsidiária aos procedimentos especiais e também ao processo de
execução (art. 318, parágrafo único).
b) No processo de execução, não há um procedimento comum e outros especiais. O
que existem são diversos tipos de procedimentos, cada um correspondente a cada
uma das diversas espécies de execução (alimentos, entrega de coisa, contra a
Fazenda etc.).
No tocante ao procedimento comum do processo de conhecimento, há
importante mudança em relação ao que existia no CPC/1973. No Código anterior, o
procedimento comum se dividia no rito ordinário e sumário. No NCPC, houve a
extinção do rito sumário; sendo assim, não mais se justifica a existência de um rito
ordinário. Logo, no NCPC somente existe,no processo de conhecimento,
procedimento comum (art. 318 e ss.) e especial (art. 539 e ss.).
Diante do exposto, é possível apresentar o seguinte quadro síntese em relação ao
NCPC:
Processo Procedimento
1.1) Comum;
1) Conhecimento
1.2) Especial.
2.1) pagar quantia;
2.2) fazer ou não fazer;
2) Execução
2.3) alimentos etc.
(Diversos, conforme a espécie de obrigação).
2.3.Procedimento comum
Como já acima exposto, este é o procedimento-padrão, a base dos demais
processos e procedimentos e que, portanto, encontra a maior regulação por parte do
CPC.
2.3.2.1.Causa de pedir
Causa de pedir: na terminologia do CPC, são os fatos e fundamentos jurídicos
do pedido (Por que o autor pede em juízo determinada providência?). Não basta a
indicação da relação jurídica (por exemplo, locação), mas sim os fatos que dão base
ao que se busca em juízo (como a falta de pagamento do contrato de locação, para se
buscar o despejo). Essa é a chamada teoria da substanciação, adotada no Brasil.
Observemos que não se deve confundir fundamentos jurídicos (consequência
jurídica pretendida pelo autor, decorrente dos fatos narrados) com fundamentos
legais (base legal, artigos de lei).
A causa de pedir é integrada apenas pelos fundamentos jurídicos. Assim, ainda
que a parte mencione determinados artigos na inicial, poderá o juiz julgar com base
em outros dispositivos – desde que não altere os fatos ou fundamentos jurídicos
levados aos autos pelo autor.
Para que haja a alteração da causa de pedir após o ajuizamento da inicial, deve
ser observado o seguinte (NCPC, art. 329):
(i) até a citação: permitido, sem qualquer restrição, bastando uma petição do autor;
(ii) após a citação: permitido, desde que o réu concorde (hipótese em que haverá
possibilidade de manifestação do réu, no prazo mínimo de 15 dias, sendo possível
requerimento de prova suplementar);
(iii) após o saneamento do processo: inadmissível.
Essa é exatamente a mesma regra em relação à alteração do pedido após o
ajuizamento.
2.3.2.2.Pedido
Pedido: é aquilo que o autor pede quando aciona o Judiciário.
O CPC/1973 apontava que o pedido deveria ser certo ou determinado – e a
doutrina apontava que esse era um erro, pois deveria ser “e” e não “ou”. O NCPC
deixa isso claro que o pedido deve ser certo (art. 322) e determinado (art. 324).
A certeza do pedido diz respeito ao verbo, à providência jurisdicional. Ou seja,
fazer menção, no pedido, a condenar, declarar ou constituir.
Ainda que a parte não peça, compreende-se no pedido (NCPC, art. 322, § 1° – o
que por alguns é chamado de pedido implícito):
(i) juros legais;
(ii) correção monetária (não constava do CPC/1973, mas era admitido pela
jurisprudência do STJ);
(iii) verbas de sucumbência, ou seja, custas e honorários;
(iv) prestações sucessivas que se vencerem durante o processo, enquanto durar a
obrigação (NCPC, art. 323);
(v) multa diária (astreintes), na tutela específica das obrigações de fazer, não
fazer ou entregar coisa (NCPC, art. 536, caput e § 1°).
Interpretação do pedido: inovando em relação ao Código anterior (que apontava
que o pedido deveria ser interpretado de forma restritiva), o NCPC prevê que o
pedido vai ser interpretado conforme “o conjunto da postulação e observará o
princípio da boa-fé” (art. 322, § 2°). Ou seja, o juiz terá mais margem para
interpretar o pedido: não só com base naquilo que estiver ao final da petição inicial,
no tópico “do pedido”, mas também na peça como um todo.
A determinação do pedido diz respeito ao complemento, ao bem da vida. Ou
seja, ao se pedir a condenação (certeza do pedido), indicar de quanto se quer a
condenação.
Apesar de a regra ser a determinação do pedido, o NCPC admite a formulação de
pedido genérico, em hipóteses específicas (art. 324, § 1°):
I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados
(ações que envolvem um conjunto de bens, uma universalidade, tais como o espólio,
uma biblioteca, a massa falida. Basta imaginar um filho buscando o patrimônio de um
pai falecido. O autor ingressará com uma petição de herança [réus condenados a
entregar ao autor seu quinhão – pedido certo], mas não conseguirá delimitar o valor
exato dos bens correspondentes ao seu quinhão, pois não se sabe o quantum
debeatur);
II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou
do fato (como exemplo, um acidente envolvendo a explosão de um botijão de gás em
um restaurante. O cliente poderá ter de ficar meses em tratamento médico. Mesmo
antes de ficar totalmente recuperado, o cliente já poderá ingressar em juízo contra o
restaurante. E os danos, porém, ainda não podem ser determinados de modo
definitivo);
III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de
ato que deva ser praticado pelo réu (o exemplo típico para esta situação é a
prestação de contas: conforme as contas prestadas, será possível verificar se há e
quanto é o valor a ser pago).
Tomando posição em relação a uma polêmica doutrinária, o NCPC deixa clara a
impossibilidade de indenização por dano moral como pedido genérico, o que era
admitido pela jurisprudência do STJ no Código anterior (considerando ser uma
situação em que “não era possível determinar, desde logo, as consequências” do ato
ou fato, inc. II). O NCPC aponta que, na demanda indenizatória,inclusive a fundada
em dano moral, o valor da causa será a quantia pretendida (art. 292, V); com isso,
não se mostra mais possível pleitear o dano moral sem indicar, na inicial, o valor
pretendido. Porém, apesar da clareza do texto legal, há na doutrina quem discorde
dessa posição (sustentando ser ainda possível o pedido genérico no dano moral), mas
o STJ ainda não se manifestou acerca do tema.
O sistema admite a cumulação de pedidos, ou seja, a elaboração de mais de um
pedido, mesmo que não conexos, em face do mesmo réu. Será possível a cumulação
quando (NCPC, art. 327, § 1°):
1) os pedidos forem compatíveis;
2) competente o mesmo juízo;
3) adequado o mesmo procedimento (ou utilização do procedimento comum, sem
prejuízo do uso de “técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos
especiais” para um dos pedidos cumulados, desde que não haja incompatibilidade
com o procedimento comum).
A legislação permite o pedido alternativo, que é aquele em que o autor formula
dois pedidos para ver acolhido um, indistintamente. Pede-se a entrega do bem
comprado ou o dinheiro de volta (NCPC, art. 325 – o devedor pode cumprir a
prestação de mais de um modo), sem preferência por parte do autor. Se qualquer dos
pedidos for acolhido, estará satisfeito o autor.
O pedido subsidiário se verifica quando o autor formula um pedido principal e,
somente se este não puder ser acolhido, formula um pedido subsidiário/eventual.
Pede-se o cumprimento do contrato como pedido principal e, somente se isso não for
possível, pleiteia-se indenização por perdas e danos (NCPC, art. 326). Aqui há,
portanto, preferência por parte do autor – que somente estará totalmente satisfeito se
for acolhido o pedido principal.
A doutrina também fala em pedido sucessivo (não previsto na legislação), quando
há cumulação de pedidos, mas o segundo pedido depende, do ponto de vista lógico,
do acolhimento do primeiro. Assim, numa investigação de paternidade cumulada com
alimentos, somente após o acolhimento do pedido de reconhecimento da paternidade é
que se pode cogitar de concessão do pedido de alimentos.
Em relação à modificação do pedido, repete-se o acima exposto quanto à causa
de pedir (NCPC, art. 329):
(i) até a citação: permitido, sem qualquer restrição, bastando uma petição do autor;
(ii) após a citação: permitido, desde que o réu concorde (hipótese em que haverá
possibilidade de manifestação do réu, no prazo mínimo de 15 dias, sendo possível
requerimento de prova suplementar);
(iii) após o saneamento do processo: inadmissível.
2.3.2.3.Provas
Prova: o objetivo da prova é influir no convencimento do juiz quanto aos fatos
trazidos pelas partes (NCPC, art. 369).
Cabe relembrar que, pela Constituição, provas ilícitas são inadmissíveis (CF,
art. 5°, LVI).
O momento principal de produção de prova oral é a audiência de instrução
(NCPC, art. 361). Tratando-se de documentos, já na inicial e contestação devem ser
juntados.
A regra é que somente os fatos devem ser provados, mas não o direito (há
exceção prevista no NCPC, art. 376: o juiz poderá determinar que a parte prove
“direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário”).
Fato incontroverso (aquele que não é objeto de impugnação pela parte
contrária) e fato notório (aquele que é de conhecimento comum dos litigantes)
independem de prova (NCPC, art. 374).
Da mesma forma, aquilo que ordinariamente ocorre – as chamadas máximas de
experiência – também não precisa ser provado (NCPC, art. 375). Como exemplo, a
culpa num acidente de veículo, com base no que ordinariamente ocorre, é do veículo
que está atrás.
O momento de requerer a produção das provas é na inicial e na contestação.
O juiz irá decidir a respeito de qual prova será produzida no saneamento (NCPC,
art. 357, II: fixação dos pontos controvertidos a respeito dos quais haverá prova).
Além disso, cabe ao juiz deferir provas de ofício (NCPC, art. 370).
O NCPC contempla previsão sobre aprova emprestada: o juiz poderá admitir o
uso de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar
adequado, observado o contraditório (art. 372).
No CPC/1973, havia o princípio do livre convencimento motivado do juiz. No
NCPC, há o princípio do convencimento motivado, pois fala-se em “razões da
formação” do convencimento, mas sem a menção a “livre” (art. 371): “O juiz
apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver
promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento” (a
respeito da supressão do “livre”, vide item 1.3.14. acima).
Quanto ao ônus da prova, em regra, é de quem alega.
Assim, compete:
✓ ao autor, provar o fato constitutivo do seu direito (NCPC, art. 373, I);
✓ ao réu, provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor (NCPC, art. 373, II).
Inovação do Código é a previsão da distribuição dinâmica do ônus da prova (ou
carga dinâmica do ônus da prova), mecanismo que já vinha sendo aplicado pela
jurisprudência e debatido pela doutrina mesmo antes do NCPC.
Em casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas: (i)
à impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo de provar ou (ii) à
maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o
ônus da prova de modo diverso por meio de decisão fundamentada, caso em que
deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído
(NCPC, art. 373, § 1°).
Em linha com a carga dinâmica, vale destacar, como exemplos, nas relações de
consumo, em que é possível a inversão do ônus da prova, desde que presente a
hipossuficiência do consumidor ou verossimilhança da alegação (CDC, art. 6°, VIII).
Se o autor não se desvencilhar de seu ônus: improcedência do pedido, sendo
vedada a repropositura, diante da coisa julgada que se forma (NCPC, art. 487, I).
2.3.2.3.1.Meios de provas
No tocante aos meios de prova, o Código traz os seguintes:
(i) ata notarial (NCPC, art. 384);
(ii) depoimento pessoal (NCPC, art. 385);
(iii) confissão (NCPC, art. 389);
(iv) exibição de documento ou coisa (NCPC, art. 396);
(v) documental (NCPC, art. 405);
(vi) testemunhal (NCPC, art. 442);
(vii) pericial (NCPC, art. 464); e
(viii) inspeção judicial (NCPC, art. 481).
A seguir, segue análise dos principais aspectos de cada um dos meios de prova.
(i) ata notarial
A ata notarial é meio de prova que não era previsto no CPC/1973, apesar de já
ser utilizado no cotidiano forense. Sua previsão é conveniente para não haver dúvidas
quanto à sua utilização.
Realizada em cartório extrajudicial (e, por isso, dotada de fé pública), a ata
notarial serve para a produção de prova em uma situação em que a prova possa
desaparecer (como para provar o conteúdo de páginas da internet, que podem ser
alteradas ou excluídas posteriormente; a ata certifica o que foi visualizado naquele
momento em que se acessou determinada página).
A ata notarial poderá atestar ou documentar a existência e o modo de existir de
algum fato. É possível que imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos
constem da ata notarial (NCPC, art. 384, parágrafo único).
Começa-se a se discutir a realização de ata notarial via novas tecnologias, como
no caso de blockchain – mas não há qualquer previsão legal acerca disso.
(ii) Depoimento pessoal
É o interrogatório das partes, seja o autor ou o réu (NCPC, art. 385).
Existem limitações ao dever de depor em juízo, como em situações de sigilo ou
autoincriminação (NCPC, art. 388) – que não se aplicam em causas de estado e de
direito de família (NCPC, art. 388, parágrafo único).
O depoimento pessoal é requerido pelo juiz ou pela parte contrária (NCPC, art.
385, caput). Assim, não é requerido pelo próprio depoente.
Pode ocorrer, no depoimento pessoal, a pena de confesso: se a parte não
comparecer ou, comparecendo, recusar-se a responder o que lhe for perguntado,
presumir-se-ão confessados os fatos contra ela alegados (NCPC, art. 385, § 1°).
No momento da colheita da prova, quem ainda não depôs não pode ficar na sala
de audiência ouvindo o outro depoimento pessoal (NCPC, art. 385, § 2°).
A parte depoente não pode ler suas respostas, mas é permitido levar breves
anotações (NCPC, art. 387). A parte não presta compromisso de dizer a verdade – e,
assim, não há crime se a parte mentir (não existe no Brasil o crime de perjúrio).
O depoimento pessoal da parte que residir em comarca, seção ou subseção
judiciária diversa daquela onde tramita o processo poderá ser colhido por meio de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em
tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a realização da audiência de
instrução e julgamento (NCPC, art. 385, § 3°).
Dúvida que surgirá é se o depoimento pessoal das partes será feito mediante
reperguntas (como no Código anterior) ou mediante perguntas dos próprios
advogados – como é a novidade em relação à prova testemunhal (NCPC, art. 459).
Como não há previsão do tema na seção própria do depoimento pessoal, é de se
concluir que a forma de inquirição será a mesma da prova testemunhal – ou seja,
perguntas formuladas pelos advogados e não pelo juiz.
(iii) Confissão
Entende-se por confissão a situação na qual a parte admite a verdade de um
fato contrário ao seu interesse (NCPC, art. 389).
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.
A confissão judicial pode ser:
✓ real, ou seja, efetivamente aconteceu; ou
✓ ficta, quando resulta de sanção por alguma recusa da parte.
A confissão judicial real pode ser:
✓ espontânea, quando realizada pelo próprio confitente, sem provocação; ou
✓ provocada, quando obtida mediante interrogatório.
Assim, percebe-se que a confissão pode ocorrer por meio documental ou no
depoimento pessoal.
(iv) Exibição de documento ou coisa
Pode o juiz determinar que seja exibido determinado documento ou coisa
(NCPC, arts. 396 e 401).
O destinatário da ordem pode ser:
✓ o réu (NCPC, art. 396). Se o réu estiver com o documento/coisa e não o
exibir, admitem-se como verdadeiros os fatos que o requerente queria provar com o
que seria exibido (NCPC, art. 400).
✓ terceiro (NCPC, art. 401). Se terceiro estiver com o documento/coisa e não o
exibir, o juiz poderá determinar apreensão, inclusive com força policial, sendo que
o terceiro incorrerá no crime de desobediência (NCPC, art. 403, parágrafo único).
Inova o Código ao permitir que o juiz adote medidas coercitivas (tais como multa
diária) para que se obtenha o documento ou coisa (NCPC, art. 400, parágrafo único) –
diferentemente da jurisprudência quanto ao tema à luz do CPC/1973 (Súmula 372 do
STJ).
(v) Prova documental
O momento de produção da prova documental é na inicial e na contestação
(NCPC, art. 434).
Fora estes momentos, só podem ser juntados (NCPC, art. 435):
a) documentos novos (prova de fatos posteriores aos narrados à inicial);
b) documentos para rebater documentos produzidos pela parte contrária.
Toda vez que um documento for juntado, a parte contrária deverá ter a
oportunidade de se manifestar, em 15 dias (NCPC, art. 437, § 1°).
Se uma das partes entender que o documento é falso, deverá arguir a falsidade
– na contestação, réplica ou em petição simples, 15 dias após a juntada do documento
(NCPC, art. 430).
Apresentado o documento por uma das partes, se a outra não o impugnar no
momento seguinte (arguição de falsidade na contestação, réplica ou simples petição,
como visto acima), há preclusão e considera-se autêntico o documento (NCPC, art.
411, III).
Em relação à reprodução realizada por foto, vídeo ou áudio, o NCPC afirma que
isso é válido (art. 422). Mas trata-se de presunção relativa, pois é certo que a parte
contrária pode impugnar esse documento.
Tratando-se de foto digital ou obtida na internet, deverá ser apresentada a
“autenticação mecânica”, que deve ser interpretado como (i) o arquivo digital que
traz a foto ou (ii) o arquivo e as informações da página na internet de onde essa
foto foi retirada. Tratando-se de foto obtida na internet, ainda é possível se
realizar a ata notarial (art. 384).
Se a foto estiver em jornal ou revista impressa, deverá ser juntado aos autos o
original onde apareceu essa foto. Contudo, muitas vezes isso pode ser insuficiente
para eventual perícia – e talvez seja necessária a apresentação do próprio arquivo
eletrônico (existente junto à imprensa), conforme o caso concreto. E o juiz, por
certo, terá poderes para isso.
O § 3° do art. 422 destaca que o e-mail, para fins de prova, equipara-se a
fotografia. Assim, deverá ser juntada a “autenticação eletrônica” (arquivo
eletrônico e não só a mensagem impressa, para fins de eventual perícia). Mas o
dispositivo não trata da força probante do e-mail (como o NCPC fez com o
telegrama), mas sim dos aspectos formais para aceitação da prova. E cabe sempre
lembrar que o juiz tem o convencimento motivado (art. 371).
(vi) Prova testemunhal
É o interrogatório de terceiros, que não são parte no processo (NCPC, art.
442).
A parte deve apresentar rol de testemunhas no saneamento (NCPC, art. 357, §§
4° e 5°).
Há a apresentação do rol de testemunhas para (i) permitir que haja a
intimação das testemunhas se as partes assim requererem e (ii) para que a parte
contrária saiba, antes da audiência, quem são as testemunhas.
Cada parte poderá apresentar até 10 testemunhas, mas o juiz pode dispensar
mais do que 3 sobre o mesmo fato (NCPC, art. 357, § 6°), sendo possível, conforme a
complexidade da causa, limitar o número de testemunhas (NCPC, art. 357, § 7°).
Após a apresentação do rol, só cabe a substituição da testemunha que (NCPC,
art. 451):
✓ falecer;
✓ por enfermidade não tiver condições de depor; ou
✓ que mudou de endereço e não foi encontrada pelo oficial de justiça.
Em regra, a testemunha será ouvida em juízo, perante o juiz da causa, na
audiência de instrução. Porém, pode haver (i) produção antecipada de prova (art.
381), (ii) oitiva por carta (precatória, rogatória ou de ordem – art. 453, II) ou ainda,
inovação do NCPC, (iii) oitiva por videoconferência – que pode até mesmo ocorrer
durante a própria audiência de instrução (art. 453, § 1°).
Inovação do NCPC está no art. 455: compete aopróprio advogado intimar a
testemunha para que compareça em juízo, e isso será feito via carta com aviso de
recebimento, pelos correios. Se não houver o envio do AR pelo advogado e a
testemunha não comparecer, presume-se sua desistência. Se o advogado preferir,
pode apenas comunicar a testemunha por outros meios – mas, se a testemunha se
ausentar, também se presume a desistência.
Contudo, ainda permanece a possibilidade de intimação da testemunha pelo
Judiciário (NCPC, § 4° do art. 455): (i) se frustrada a intimação via AR (ou se, desde
logo, o juiz assim determinar), (ii) quando a testemunha for servidor público, (iii)
quando a testemunha for arrolada pelo MP ou Defensoria ou (iv) quando a testemunha
for autoridade.
A testemunha, no início do depoimento, presta o compromisso de dizer a
verdade (NCPC, art. 458), sendo que existe o crime de falso testemunho caso a
testemunha falte com a verdade (CP, art. 342).
Quanto ao procedimento da oitiva, serão ouvidas primeiro as testemunhas que
foram arroladas pelo autor, depois pelo réu. E uma testemunha não ouve o
depoimento da outra. Porém, há inovação: é possível que o juiz, em comum acordo
com as partes, altere a ordem de oitiva das testemunhas , qualquer que seja a ordem
(NCPC, art. 456, parágrafo único).
Quanto à indagação das testemunhas, deixa de existir o modelo das reperguntas
(em que o advogado pergunta ao juiz, que então formula a repergunta para a
testemunha) e passa o advogado a formular as perguntas diretamente para o
depoente (NCPC, art. 459). Isso já consta do art. 212 do CPP, por força de reforma
de 2008.
As perguntas são inicialmente formuladas pelo advogado que arrolou a
testemunha e, posteriormente, pelo outro advogado. Pode o juiz (i) formular perguntas,
antes ou depois das partes e (ii) indeferir as perguntas que forem impertinentes,
repetição de outra ou quiserem induzir a resposta.
Pode o juiz determinar a oitiva da testemunha referida (mencionada por uma
das testemunhas ouvidas) ou realização de acareação entre testemunhas ou entre
testemunha e parte. Inova o NCPC ao esclarecer que aacareação poderá ser feita
por videoconferência– por reperguntas do juiz e não por perguntas diretas dos
advogados (art. 461).
Não podem ser testemunhas as pessoas (NCPC, art. 447):
a) incapazes, ou seja:
✓ o interdito por enfermidade mental;
✓ o que, acometido por retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os
fatos, não podia discerni-los; ou não está habilitado a transmitir as percepções;
✓ o menor de 16 anos;
✓ o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes
faltam;
b) impedidas, a saber:
✓ o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau,
ou colateral, até o terceiro grau;
✓ o que é parte na causa;
✓ o que intervém em nome de uma parte (tutor, representante legal da pessoa
jurídica ou o advogado que assista ou tenha assistido as partes);
c) suspeitas, que são:
✓ o inimigo da parte, ou o seu amigo íntimo;
✓ o que tiver interesse no litígio.
Se necessário, pode o juiz ouvir essas pessoas, mas não como testemunhas e sim
como informantes, que não prestam compromisso (NCPC, art. 447, §§ 4° e 5°).
Se o juiz aceitar ouvir uma testemunha que não deveria ser ouvida, o advogado da
parte contrária poderá apresentar a contradita, que é exatamente a alegação de que
a testemunha é incapaz, suspeita ou impedida (NCPC, art. 457, § 1°).
(vii) Prova pericial
A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação (NCPC, art. 464) e é
utilizada quando há a necessidade de conhecimentos técnicos a respeito de
qualquer disciplina – salvo direito (NCPC, art. 464, § 1°, I).
De início, já se esclareça que há três possibilidades de perícia no NCPC: (i)
prova técnica simplificada (art. 464, § 2°), (ii) perícia comum (arts. 465 e ss.) e (iii)
perícia consensual (art. 471).
Como já visto, houve importante alteração quanto à escolha do perito. Deverá o
juiz escolher os peritos a partir de um cadastro mantido pelo tribunal (NCPC, art.
156, § 1°). Somente se não houver profissional cadastrado para o local onde está a
vara é que haverá livre escolha pelo juiz (§ 5°) – sempre devendo ser escolhido
profissional que tenha conhecimento técnico para a perícia.
Permite o NCPC a possibilidade de substituição da perícia porprova técnica
simplificada, quando o “ponto controvertido for de menor complexidade” (art. 464, §
2°). Contudo, o Código não especifica o que seja esse ponto de menor complexidade,
de modo que isso terá de ser verificado no caso concreto. Como exemplo, podemos
cogitar o de um tablet com um problema e a verificação do que causou esse problema
(defeito ou mau uso); isso, em tese, seria algo mais simples que permitiria a
substituição.
A prova técnica simplificada é uma perícia mais informal que conta apenas com
o depoimento verbal do especialista (esse é o termo utilizado pelo NCPC, e não
perito) sem a necessidade de formalizar quesitos, assistente técnico ou apresentação
de laudo escrito (art. 464, § 3°). O especialista poderá realizar apresentação ao
prestar os esclarecimentos ao juiz (art. 464, § 4°), sendo que sua oitiva ocorrerá na
audiência de instrução ou em outra audiência designada pelo juiz especificamente
para ouvi-lo.
Em situação complexa que demande conhecimentos técnicos de mais de uma área
do conhecimento, pode o juiz nomear mais de um perito e podem as partes indicar
mais de um assistente técnico (art. 475 do NCPC).
Existem inovações no procedimento da perícia.
De início, diante da necessidade de prova pericial, deverá o juiz nomear um
perito especialista no objeto da perícia, fixando prazo para apresentação do laudo
(NCPC, art. 465).
Após a nomeação do perito, as partes terão o prazo de 15 para se manifestarem,
quanto (i) impedimento ou suspeição do perito, (ii) indicação de assistente técnico e
(iii) apresentação de quesitos.
Após essa manifestação, será a vez do perito falar nos autos, em 5 dias, momento
em que (i) formulará proposta de honorários, (ii) apresentará seu currículo,
principalmente demonstrando sua especialização na área objeto da perícia e (iii)
indicará seus contatos profissionais, inclusive correio eletrônico, para ser intimado.
A seguir, nova manifestação das partes, no prazo de 5 dias, para que digam a
respeito dos honorários sugeridos pelo perito.
Com essas informações, o juiz fixará os honorários periciais e determinará o
pagamento da quantia. A responsabilidade pelo pagamento é de quem requereu a
perícia ou de ambas as partes (metade para cada), se (a) a prova for determinada de
ofício ou (b) a perícia foi requerida pelo autor e pelo réu. Em regra, apenas após o
pagamento integral dos honorários é que terá início a confecção do laudo. Inova o
NCPC ao permitir o pagamento de metade antes da perícia e a outra metade
somente após a apresentação do laudo e prestados os esclarecimentos (art. 465, § 4°).
Isso será requerido pelas partes e decidido pelo juiz.
Inovação quanto aos honorários periciais é a previsão de sua redução, pelo juiz,
caso a perícia seja inconclusiva ou deficiente (art. 465, § 5°).
Se a perícia for realizada por carta precatória, é possível que o perito e
assistentes técnicos sejam definidos apenas no juízo de destino (art. 465, § 6°). Como
exemplo, a situação em que será realizada a perícia para avaliar um imóvel em
Comarca distante 500 km do juízo de origem. Muito melhor, por certo, a nomeação de
perito no juízo deprecado.
O perito deve ser imparcial, mas não os assistentes técnicos, que são de
confiança das partes (NCPC, art. 466). Assim, há impedimento e suspeição para o
perito, mas não para os assistentes. Porém, isso não significa que os assistentes
podem agir de má-fé, podendo ser penalizados se isso ocorrer.
Caso requerido pelas partes, admite-se que o perito ou assistente técnico preste
esclarecimentos em audiência. Para isso, as perguntas a serem respondidas pelo
perito devem ser formuladas na forma de quesitos (NCPC, art. 477, § 3°).
Considerando o princípio do convencimento motivado, o juiz não está vinculado
ao laudo pericial (NCPC, art. 479) e pode, quando entender que a questão não está
bem esclarecida, determinar a realização de nova perícia (NCPC, art. 480).
Fundada na maior liberdade que o Código dá às partes de definirem o
procedimento, existe a perícia consensual (NCPC, art. 471).
Somente é possível o uso da perícia consensual se: (i) as partes forem capazes e
(ii) o litígio puder ser revolvido por acordo entre as partes. Ao requererem essa
modalidade de perícia, as partes já deverão indicar: (a) o perito (escolhido de
comum acordo pelas partes, sem interferência do juiz), (b) os assistentes técnicos, (c)
data e local da realização da perícia e (d) quesitos que deverão ser respondidos pelo
perito. Uma vez apresentado o requerimento de perícia consensual, o juiz poderá
deferir ou indeferir o pleito.
O Código é expresso ao destacar que a perícia consensual é efetiva prova
pericial (art. 471, § 3°), não sendo caso de uma perícia consensual e perícia usual
ao mesmo tempo.
Inova o NCPC ao prever os requisitos do laudo pericial (art. 473):
a) relatório, que é a exposição do objeto da perícia,
b) fundamentação, que é composta da análise técnica do perito somada à
indicação do método utilizado e justificativa de sua escolha (inclusive em relação a
ser um método usualmente utilizado nessa área do conhecimento),
c) conclusão, com a resposta a todos os quesitos deferidos pelo juiz.
Concluído o laudo, o perito deverá protocolá-lo em juízo. A seguir, as partes e
assistentes técnicos poderão se manifestar no prazo comum de 15 dias. Existindo
alguma dúvida, terá o perito mais 15 dias para esclarecer os pontos levantados nas
manifestações. Após os esclarecimentos periciais, se ainda existir alguma dúvida, as
partes poderão requerer novos esclarecimentos (formulando novos quesitos), que
serão prestados na audiência de instrução (art. 477).
(viii) Inspeção judicial
A inspeção é meio de prova no qual o juiz vai ao local dos fatos inspecionar
pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre determinada questão que interesse à
decisão da causa (NCPC, art. 481).
A lei parte da premissa que, em determinadas hipóteses, somente a observação
pessoal é que poderá subsidiar a tomada de decisão (NCPC, art. 483). Assim, o juiz
irá até onde se encontra a pessoa ou coisa.
É possível que o juiz seja acompanhado por peritos (NCPC, art. 482) e pelas
partes (CPC, art. 483, parágrafo único).
2.3.2.4.Citação
Citação é o ato pelo qual o réu (ou quem está no polo passivo) é convocado
para integrar a relação processual (NCPC, art. 238). Assim, uma vez realizada a
citação válida do réu no processo, não haverá nova citação dessa parte, no mesmo
processo. Pelo NCPC, não mais é requisito da petição inicial (era requisito no
CPC/1973).
Não se deve confundir a citação com outras figuras.
A intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do
processo (NCPC, art. 269). Assim, tanto o réu como o autor (como terceiros) podem
ser intimados diversas vezes em um processo.
Inova o NCPC ao permitir que oadvogado promova a intimação do advogado
da parte contrária, enviando pelo correio, com aviso de recebimento, carta (ofício
de intimação) com cópia da decisão judicial a que se quer dar ciência à parte
contrária (NCPC, art. 269, §§ 1° e 2°).
No mais, a notificação é procedimento especial de jurisdição voluntária
utilizado para manifestar qualquer intenção de modo formal (NCPC, art. 726).
Portanto, no processo civil, apenas a citação e a intimação são formas de
comunicação de ato processual.
O NCPC conhece 5 modalidades de citação:
(i) citação por correio, que é a regra e poderá ocorrer para qualquer comarca do país
(CPC, art. 247).
O carteiro entregará ao citando carta registrada e colherá a assinatura do réu no
recibo (aviso de recebimento – AR). A respeito do tema, a Súmula 429 do STJ,
editada com base no sistema anterior: “A citação postal, quando autorizada por lei,
exige o aviso de recebimento”;
Tratando-se de pessoa jurídica, será válida a entrega da carta (i) a pessoa com
poderes de gerência geral ou (ii) a funcionário responsável pelo recebimento de
correspondências – que é o mais comum (NCPC, art. 248, § 2°).
Em relação a pessoas físicas, inova o Código, que não acolhe entendimento do
STJ quanto ao tema: emcondomínios edilícios ou loteamentos com controle de
acesso, será válida a entrega da carta a funcionário da portaria responsável pelo
recebimento de correspondência, que poderá recusar o recebimento, se declarar, por
escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente
(NCPC, art. 248, § 4°).
(ii) citação por oficial de justiça ou por mandado, que é a forma de citação mais
segura, pois realizada por servidor público que tem fé pública. Será realizada quando
a lei assim determinar (maior segurança), por opção do autor ou quando infrutífera
a citação por correio (NCPC, art. 249).
São hipóteses em que a lei determina a citação obrigatoriamente por oficial de
justiça (NCPC, art. 247):
✓ - ações de estado (principalmente estado familiar – direito de família, por ser
hipótese de direito indisponível);
✓ - citando pessoa incapaz;
✓ - citando pessoa de direito público (Fazenda Pública);
✓ - local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;
✓ - quando o autor, justificadamente, requerer de outra forma.
Há alteração em relação ao Código anterior, com a supressão da menção ao
processo de execução; ou seja, o NCPC permite a citação no processo de execução
por correio.
A citação por hora certa é citação realizada por oficial de justiça, mas com
algumas características específicas. Quando o oficial tiver “suspeita de ocultação”
do réu e, por 2 (duas) vezes, não encontrá-lo em seu endereço, informará que voltará
no dia útil imediato, em hora designada, e fará a citação a qualquer pessoa da
família ou, se não houver, qualquer vizinho (NCPC, art. 252) e, se o réu residir em
condomínio edilício ou loteamento com controle de acesso, na pessoa do porteiro
(NCPC, art. 252, parágrafo único).
No dia marcado, o oficial de justiça retornará e, caso não encontre o réu, fará
a citação por hora certa, ainda que o réu esteja se ocultando em outra cidade. A
citação será considerada realizada mesmo que o terceiro se ausente ou recuse a
receber a citação (NCPC, art. 253, §§ 1° e 2°).
Realizada a citação por hora certa, será enviada ao réu carta, telegrama ou e-mail
informando a realização do ato citatório (NCPC, art. 254).
(iii) citação por edital ocorre quando (i) desconhecido ou incerto o citando, (ii)
ignorado, incerto ou inacessível o lugar onde está o citando (NCPC, art. 256).
No caso de réu no exterior, se o país de destino recusar o cumprimento da
rogatória, considera-se lugar inacessível e, assim, permitida a citação por edital
(NCPC, art. 256, § 1°).
No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua
citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora (NCPC,
art. 256, § 2°).
O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas
de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu
endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços
públicos, como empresas de telefonia, bancos, receita federal, justiça eleitoral
(NCPC, art. 256, § 3°).
A citação por edital tem os seguintes requisitos (NCPC, art. 257):
I – a afirmação do autor ou a certidão do oficial informando a presença de uma
das hipóteses que autorize essa modalidade de citação;
II – a publicação do edital na internet, na página do tribunal local e do CNJ,
devendo isso ser certificado nos autos (poderá o juiz determinar a publicação do
edital em jornal local ou outros meios, considerando as peculiaridades da comarca);
III – a determinação do prazo (entre 20 e 60 dias), fluindo da data da publicação
única ou, havendo mais de uma, da primeira;
IV – a advertência de que será nomeado curador especial em caso de revelia.
Tanto a citação por hora certa como a citação por edital são, na verdade,
situações de ficção jurídica de que a citação se realizou, com a ciência do réu. Por
isso são hipóteses de citação ficta. Nesses casos, se o réu for revel, para garantir o
contraditório, deverá ser nomeado curador especial (NCPC, art. 72, II), isto é, ainda
que sem contato como réu, um advogado apresentará contestação, buscando defender
a pessoa que foi citada de forma ficta. Nesta hipótese, cabe a contestação por
negativa geral (NCPC, art. 341, parágrafo único).
Se o autor requerer dolosamente a citação do réu por edital (ou seja, sem que
presentes suas hipóteses autorizadoras), lhe será aplicada multa de 5 vezes o salário
mínimo, que reverterá para o citando (NCPC, art. 258).
No mais, prevê o NCPC a publicação de editais de citação nas seguintes
hipóteses (art. 259):
I – na ação de usucapião de imóvel;
II – na ação de recuperação ou substituição de título ao portador;
III – em qualquer ação em que seja necessária, por determinação legal, a
provocação, para participação no processo, de interessados incertos ou
desconhecidos.
(iv) citação por meio eletrônico, realizada por correio eletrônico ou outra forma de
comunicação eletrônica. É regulada pela Lei 11.419/2006.
Não muito utilizado no sistema anterior, o NCPC busca dar grande estímulo a este
meio citatório. Tanto é que determina que todas as empresas (salvo ME e EPP),
privadas e públicas, bem como a Fazenda Pública (União, Estados e Municípios,
além de entes da administração direta) deverão manter “cadastro nos sistemas de
processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações,
as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio”.
(iv) citação pelo escrivão ou chefe de secretaria. Pouco comum, utilizada para a
hipótese em que o citando comparecer em cartório.
Os efeitos da citação encontram-se no NCPC, art. 240:
a) induz litispendência;
b) torna a coisa litigiosa;
c) constitui em mora o devedor; e
d) interrompe a prescrição.
2.3.2.5.Valor da causa
Valor da causa: toda demanda cível, seja de jurisdição contenciosa ou
voluntária, ação ou reconvenção, terá valor certo da causa (NCPC, art. 291).
A fixação do valor da causa é realizada por dois critérios:
✓ fixação legal ou obrigatória: a atribuição do valor já foi previamente
definida pelo legislador.
✓ fixação voluntária: como não há previsão legal para fixar o valor da causa,
este será livremente fixado a partir de uma estimativa do autor.
As hipóteses de fixação legal estão no NCPC, art. 292:
(i) na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos
juros e de eventuais outras penalidades, até a propositura da ação;
(ii) na ação que tiver por objeto a existência, validade, cumprimento, modificação,
resolução, resilição ou rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou de sua parte
controvertida (hipótese de discussão relativa a contrato);
(iii) na ação de alimentos, a soma de 12 prestações mensais pedidas pelo autor;
(iv) na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da
área ou do bem objeto do pedido;
(v) na ação indenizatória, inclusive a de dano moral, o valor pretendido (portanto,
pela letra da lei não mais cabe dano moral como pedido genérico, sem se
especificar, na inicial, o valor que se quer receber – vide item 2.3.2.2.);
(vi) havendo cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de
todos eles;
(vii) sendo alternativos os pedidos, o de maior valor;
(viii) se houver também pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
Quando se tratar de relação continuativa com prestações vencidas e vincendas,
o valor da causa deverá levar em conta ambas, da seguinte forma (NCPC, art. 292, §§
1° e 2°):
✓ soma das prestações vencidas e vincendas se a obrigação tem tempo inferior
a um ano (ex.: o contrato é de 10 meses. Há débito de 2 parcelas e ainda faltam 5. O
valor da causa será a soma das 2 já vencidas mais as 5 restantes = 7 parcelas);
✓ soma das parcelas vencidas mais 1 ano das prestações vincendas se a
obrigação for por tempo indeterminado ou durar mais de um ano (ex.: não foram
pagas 2 prestações e ainda faltam 20; nesse caso, o valor da causa considerará as 2
vencidas mais 12 vincendas = 14 parcelas).
Também há hipótese de fixação legal em legislação extravagante. O principal
exemplo é a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), que prevê, na ação de despejo, o
valor da causa em 12 vezes o valor mensal do aluguel (art. 58, III).
Se o valor da causa estiver errado, o juiz poderá corrigi-lo de ofício (não mais
determinando que o autor emende a inicial), inclusive intimando o autor para que
recolha as custas faltantes (NCPC, art. 292, § 3°).
P ar a impugnar o valor da causa, há simplificação: deixa de existir a peça
específica para isso e passa a ser cabível a discussão do tema em preliminar de
contestação (NCPC, art. 293).
A importância do valor da causa é processual e fiscal:
(i) no Juizado Especial Cível é determinante para a fixação da competência (até 40
salários mínimos) e também para a obrigatoriedade ou não de advogado (até 20
salários a própria parte é dotada de capacidade postulatória);
(ii) é base de cálculo para multas e outras penas impostas pelo juiz (como litigância
de má-fé);
(iii) pode ser o parâmetro para a fixação dos honorários do advogado (NCPC, art.
85, §§ 2° e 6°);
(iv) do ponto de vista fiscal, o valor da causa é a base de cálculo para o pagamento
das custas.
2.3.4.Defesa do réu
O tema foi objeto de profundas modificações no NCPC.
Antes, o réu, citado, poderia apresentar uma série de peças para se defender
(exceções e impugnações). Há importante simplificação, sendo basicamente cabível a
contestação.
2.3.4.1.Contestação
A contestação é a resistência do réu ao pedido do autor.
O réu poderá oferecer contestação, no prazo de 15 dias, contado a partir
(NCPC, art. 335):
I – da audiência de conciliação/ mediação, ou da última sessão de conciliação,
quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver
autocomposição;
II – do protocolo do pedido de cancelamento da audiência de
conciliação/mediação apresentado pelo réu, quando ambas as partes tiverem
manifestado desinteresse na via consensual;
III – da juntada aos autos do mandado ou carta de citação, nos demais casos.
P e l o princípio da eventualidade, toda matéria de defesa, ainda que
contraditória, deve ser alegada na contestação, sob pena de preclusão (NCPC, art.
336).
Contudo, há exceções. Tratando-se de matéria de ordem pública (como
condições da ação e pressupostos processuais), cabe a alegação em momento
posterior (portanto, não há preclusão – NCPC, art. 485, § 3°).
Decorrente do princípio da eventualidade, há o ônus da impugnação específica
(NCPC, art. 341). Ou seja,se determinado fato não for especificamente impugnado,
presume-se que seja verdadeiro.
Portanto, em regra, não cabe a contestação por negativa geral (situação em que
o réu simplesmente afirma que “tudo que está na inicial não é verdadeiro”, sem trazer
sua versão aos fatos). A exceção é a contestação apresentada pelo defensor público,
advogado dativo e curador especial (NCPC, art. 341, parágrafo único).
A defesa do réu, na contestação, pode ser de mérito ou processual.
A defesa de mérito (NCPC, art. 336 e 341) impugna os fatos e é baseada na
relação jurídica de direito material.
Pode tanto ser a resistência às alegações da inicial (negam-se os fatos) ou a
apresentação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor
(apresenta-se um fato que afasta a pretensão do autor – NCPC, art. 350).
Como exemplo de fato impeditivo, a incapacidade do contratante; como
exemplo de fato modificativo, a compensação, e como exemplo de fato extintivo, o
pagamento.
A apresentação de defesa de mérito busca a improcedência do pedido (prolação
de sentença em que há resolução do mérito – NCPC, art. 487, I).
Já a defesa processual (NCPC, arts. 337, 485 e 330) impugna a relação de
direito processual, ou seja, aspectos formais-burocráticos da causa (pressupostos
processuais e condições de ação). Como é anterior ao mérito, costuma também ser
denominada preliminar.
A alegação de uma defesa processual pode acarretar:
✓ a extinção do processo sem resolução de mérito, desde que haja a respectiva
previsão no NCPC, art. 485 (ex.: litispendência: art. 337, V, c/c art. 485, V);
✓ a possibilidade de correção da falha (emenda) sob pena de extinção
(ausência de recolhimento de custas: art. 337, XII, c/c art. 330, I);
✓ a alteração do juízo que julgará a causa (incompetência absoluta: art. 337,
II).
Defesas processuais trazidas pelo Código, que o réu irá alegar antes de discutir
o mérito (preliminarmente – NCPC, art. 337):
I – vício de citação;
II – incompetência absoluta e relativa (novidade no NCPC, quanto à relativa);
III – incorreção do valor da causa (novidade no NCPC);
IV – inépcia da inicial (NCPC, art. 330, § 1°);
V – perempção;
VI – litispendência;
VII – coisa julgada;
VIII – conexão (apesar da ausência de menção na lei, também a continência –
curioso que o NCPC não corrigiu essa omissão);
IX – incapacidade de parte, defeito de representação, falta de autorização
(incapacidade: criança sem representação; defeito de representação: falta de
procuração do advogado nos autos; falta de autorização: há casos em que o
cônjuge precisa de autorização para litigar – NCPC, art. 73);
IX – convenção de arbitragem;
XI – ausência de legitimidade de parte ou interesse processual (no sistema
anterior, falava-se em carência de ação, possivelmente o termo carência seguirá
sendo utilizado e pedido em provas de concursos jurídicos);
XII – falta de caução ou prestação prevista em lei (como principal exemplo de
prestação prevista em lei, a ausência de recolhimento de custas);
XIII – indevida concessão de gratuidade de justiça (novidade no NCPC).
Como se percebe, diversos argumentos de defesa já foram analisados em
momentos anteriores. Seja ao se discutir condições da ação e pressupostos
processuais, seja ao se tratar das hipóteses de extinção do processo sem mérito. Isso
demonstra que o processo civil é um sistema, em que inicial, contestação e decisão
estão conectadas.
O NCPC inova ao apontar preliminares que antes existiam.
Mas, o Código também muda o sistema anterior em relação à reconvenção.
Antes, em peça apartada; agora, na própria contestação. A reconvenção é o pedido
formulado pelo réu, contra o autor, nos próprios autos do processo.
Assim, no NCPC, o réu deverá formular, na própria contestação, pedido contra
o autor (NCPC, art. 343) – bastando abrir um tópico específico para isso na peça de
defesa (preliminar, mérito e reconvenção).
Oferecida a reconvenção pelo réu, o autor será intimado, na pessoa do seu
advogado, para apresentar resposta (contestar) em 15 dias (NCPC, art. 343, § 1°).
Uma vez apresentada, a reconvenção passa a ser autônoma em relação à ação;
assim, a desistência ou extinção da ação não obsta o prosseguimento da reconvenção
(NCPC, art. 343, § 2°).
A reconvenção pode ser proposta com litisconsórcio passivo – contra o autor e
terceiro; ou em litisconsórcio ativo – pelo réu e terceiro (NCPC, art. 343, §§ 3° e 4°).
Apresentada a reconvenção, haverá a anotação no distribuidor, de modo que se
saiba que o autor é réu na reconvenção, para fins de expedição de certidão negativa
de feitos judiciais (NCPC, art. 286, parágrafo único).
2.3.4.3.Revelia
Como já visto, o princípio do contraditório pode ser traduzido em um binômio:
informação e possibilidade de manifestação. Assim, é obrigatório que o réu seja
citado para, querendo, contestar.
Mas, o que é obrigatório é a oportunidade de contestar. Portanto, para a
validade do processo, não é obrigatória a existência de contestação.
Nesse contexto, há a revelia, que é a ausência de contestação (NCPC, art. 344).
As consequências ou efeitos da revelia são:
(i) a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor (NCPC, art. 344) e
(ii) os prazos contra o revel sem advogado nos autos fluirão da data de
publicação da decisão no diário oficial (NCPC, art. 346 – trata-se de inovação do
NCPC o comando para se publicar).
Assim, numa investigação de paternidade, se o réu for revel, por se tratar de
direito indisponível, ainda assim haverá necessidade de dilação probatória (DNA).
E, diante de dois réus, se um contestar, em relação à matéria que for comum à defesa
dos dois, o fato será controvertido e, portanto, haverá necessidade de prova.
Contudo, há exceções em relação aos dois efeitos da revelia:
Assim, não haverá presunção de veracidade, mesmo que haja ausência de
contestação, se (NCPC, art. 345):
I – houver litisconsórcio passivo e algum dos réus contestar;
II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III – a petição inicial não trouxer instrumento que a lei considere indispensável
à prova do ato;
IV – as alegações de fato do autor forem inverossímeis ou forem contraditórias
com a prova dos autos (novidade do NCPC).
A partir do momento em que o revel constituir advogado, então seu patrono será
normalmente intimado das decisões pelo diário oficial. Pode, a qualquer tempo, o
revel nomear advogado – mas isso não importará em qualquer repetição de ato, pois o
processo é recebido “no estado em que se encontrar” (NCPC, art. 346, parágrafo
único).
Além disso, inova o Código ao apontar que será lícita a produção de provas
pelo revel, desde que o réu nomeie advogado a tempo de praticar os “atos
processuais indispensáveis” à produção da prova (NCPC, art. 349).
Assim, o réu revel tem, no NCPC, muito mais direitos processuais que no Código
anterior.
2.3.5.1.Visão geral
No procedimento comum, após a inicial e contestação, os autos voltam para o juiz
verificar qual deve ser o desenrolar do processo. Conforme as alegações realizadas
no processo, é possível que algumas providências preliminares sejam tomadas.
É o que se verifica no caso de necessidade de produção de prova (NCPC, arts.
348 e 349) ou contestação que traga matéria de mérito (NCPC, art. 350) ou
processual (NCPC, art. 351).
Assim, após a manifestação do réu em defesa, é possível que as partes sejam
instadas a se manifestar a respeito da produção de provas e/ou a apresentar réplica.
Depois de cumpridas as providências preliminares, ou caso estas não sejam
necessárias, então procederá o juiz ao julgamento conforme o estado do processo
(NCPC, art. 353).
Assim, antes do início da fase instrutória, o juiz deve verificar se estão presentes
os requisitos para que se verifique uma dessas quatro situações: (i) extinção do
processo, (ii) julgamento antecipado do mérito, (iii) julgamento antecipado parcial
do mérito e (iv) saneamento e organização do processo.
2.3.5.2.Providências preliminares
Como acima exposto, são duas (no CPC/1973, havia também a previsão de ação
declaratória incidental, extinta no NCPC – vide item 2.3.4.2 supra):
a) especificação de provas (NCPC, arts. 348 e 349). É cabível em 2 hipóteses:
(i) o juiz deve determinar a produção de provas pelo autor quando, apenas da
ausência de contestação, não houver a presunção de veracidade e o autor ainda não
tiver requerido as provas;
(ii) o juiz aceitará a produção de provas pelo réu que, mesmo revel, ingresse nos
autos com advogado a tempo de realizar os atos relativos à produção de provas
(como, por exemplo, apresentar rol de testemunhas tempestivamente).
Como já visto, há casos em que a ausência de contestação não acarreta a
presunção de veracidade – como nos casos de direito indisponível (NCPC, art. 345).
b) réplica (NCPC, arts. 350 e 351): de modo a garantir o contraditório, o autor
apresentará sua manifestação em relação aos argumentos e documentos apresentados
pelo réu na contestação.
O prazo para réplica foi ampliado. Se o réu alegar fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 dias, permitindo-lhe
o juiz a produção de prova.
Do mesmo modo, caso o réu alegue qualquer das matérias preliminares
(previstas no art. 337), o juiz determinará a oitiva do autor no prazo de 15 dias,
permitindo-lhe a produção de prova.
Vale destacar que o termo “réplica” não consta nos artigos ora analisados, apesar
de aparecer em 3 dispositivos do NCPC (arts. 100, 430 e 437).
Verificando a existência de irregularidades ou de vícios sanáveis, o juiz
determinará sua correção em prazo não superior a 30 dias (NCPC, art. 352).
2.3.6.Audiência de instrução
Não sendo hipótese de julgamento antecipado da lide e se houver prova a ser
produzida em audiência, será designada audiência de instrução e julgamento
(NCPC, art. 358 e ss.).
No início da audiência (antes da instrução), o juiz tentará a conciliação, mesmo
que antes tenha se utilizado algum método de solução consensual (NCPC, art. 359).
Quanto ao poder de polícia do juiz para organizar a audiência, cabe ao
magistrado (NCPC, art. 360):
I – manter a ordem e o decoro na audiência;
II – ordenar que se retirem da sala de audiência os que se comportarem
inconvenientemente;
III – requisitar, quando necessário, força policial;
IV – tratar com urbanidade as partes, os advogados, os membros do Ministério
Público e da Defensoria Pública e qualquer pessoa que participe do processo;
V – registrar em ata, com exatidão, todos os requerimentos apresentados em
audiência.
A ordem das provas, na audiência de instrução, é, preferencialmente, a seguinte
(NCPC, art. 361):
(i) oitiva do perito e dos assistentes técnicos para esclarecimentos, a partir de
quesitos antes formulados (destaque-se que o laudo já terá sido elaborado
previamente);
(ii) depoimento pessoal das partes; primeiro do autor, depois do réu (é proibido, a
quem ainda não depôs, assistir ao interrogatório da outra parte – NCPC, art. 385, §
2°);
(iii) oitiva de testemunhas; primeiro do autor, depois do réu.
Enquanto estiver ocorrendo depoimentos (do perito, assistentes técnicos, partes
ou testemunhas), não poderão os advogados e o Ministério Público intervir ou
apartear, sem licença do juiz (NCPC, art. 361, parágrafo único).
Pode ocorrer o adiamento da audiência nas seguintes situações (NCPC, art.
362):
(i) convenção das partes;
(ii) impossibilidade de comparecer, por motivo justificado, relativa a qualquer
pessoa que dela deva necessariamente participar;
(iii) atraso injustificado do início da audiência, em tempo superior a 30 minutos
do horário marcado.
Havendo antecipação ou adiamento da audiência, o juiz, de ofício ou a
requerimento da parte, determinará a intimação dos advogados ou da sociedade de
advogados para ciência da nova designação (NCPC, art. 363).
A o final da audiência, as partes apresentam alegações finais orais, ou por
escrito (memoriais), em prazo sucessivo de 15 dias, sendo garantido o acesso aos
autos (NCPC, art. 364, caput e § 2°).
O prazo para a prolação de decisão é ao final da audiência ou 30 dias (NCPC,
art. 366).
A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio
digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos
julgadores, observada a legislação específica. A gravação também poderá ser
realizada diretamente por qualquer das partes , independentemente de autorização
judicial (NCPC, art. 367, §§ 5° e 6°).
Por fim, prevê o Código que a audiência será pública, ressalvadas as exceções
legais de segredo de justiça (NCPC, art. 368).
2.3.7.1.Sentença
Sentença, de maneira didática, pode ser entendida como o ato em que juiz
aprecia o pedido em 1° grau de jurisdição. A sentença pode ser com ou sem
resolução de mérito (NCPC, arts. 485 e 487).
Pela redação do Código (art. 203, § 1°), sentença é “o pronunciamento por meio
do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do
procedimento comum, bem como extingue a execução”.
Porém, nos arts. 485 e 487 o NCPCnão faz menção à sentença, pois o novo
sistema permite que uma decisão interlocutória também aprecie o mérito.
Quanto às situações de decisão com e sem mérito, o tema já foi enfrentado nos
itens 2.2.3.1 e 2.2.3.2 supra.
S ã o elementos para a sentença: relatório, fundamentação e dispositivo
(NCPC, art. 489).
Uma das grandes inovações – e polêmicas – do NCPC é aexigência de melhor
motivação das decisões. Diverge a doutrina quanto à conveniência do dispositivo. E,
de modo geral, a magistratura critica a inovação. Trata-se de tema ligado ao princípio
da fundamentação das decisões (vide item 1.3.9 acima).
Não será considerada fundamentada a decisão (seja interlocutória, sentença ou
acórdão – e, ainda que não haja menção expressa na lei, deve-se incluir nessa relação
também a decisão monocrática) que (NCPC, art. 489, § 1°):
I – se limitar a indicar, reproduzir ou parafrasear ato normativo, sem explicar
sua relação com a causa ou a questão decidida;
II – empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar a causa concreta
de sua incidência;
III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada;
V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus
fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso se ajusta àqueles fundamentos;
VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso ou a superação
do entendimento.
Além disso, no caso de colisão entre normas, “o juiz deve justificar o objeto e
os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a
interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”
(NCPC, art. 489, § 2°).
Se essa nova fundamentação da decisão não for observada, cabíveis embargos
de declaração (NCPC, art. 1.022, parágrafo único, II). Contudo, ainda que a sentença
esteja com vício de fundamentação, se o processo estiver em condições de imediato
julgamento, deverá o tribunal desde logo decidir o mérito – ao invés de anular a
decisão e determinar a prolação de nova por parte do juiz de origem (NCPC, art.
1.013, § 3°, IV). Do ponto de vista prático, a alteração legislativa pouco alterou a
realidade brasileira em relação à fundamentação; mas, como se sabe, em provas de
concursos, a resposta deve ser dada de acordo com a previsão legislativa.
A sentença deve refletir o pedido formulado pela parte na inicial sob pena de ser
viciada (NCPC, art. 141 e 492):
✓ se o juiz conceder além do que foi pedido (foi pleiteado R$ 10 mil de danos e
o juiz concedeu R$ 15mil), haverá julgamento ultra petita;
✓ se o juiz conceder algo diferente do que foi pedido (a parte pediu dano moral,
o juiz concedeu dano material), haverá julgamento extra petita;
✓ se o juiz conceder aquém do que foi pedido (a parte formulou pedidos
cumulados: danos materiais e danos morais, mas o juiz somente aprecia o dano
material pleiteado), haverá julgamento infra petita (ou citra petita).
A decisão condenatória produz hipoteca judiciária (NCPC, art. 495, § 1°), ou
seja, a possibilidade de averbar a sentença na matrícula do imóvel – para que
terceiros tenham ciência dessa situação ao eventualmente cogitar de adquirir o bem.
Porém, se houver reforma ou invalidação dessa decisão, o autor responderá,
independentemente de culpa, pelos danos decorrentes da constituição da garantia
(NCPC, art. 495, § 5°).
Em relação à tutela específica, o NCPC (art. 497 e ss.) em grande parte repete o
Código anterior (art. 461 e ss.).
Assim, na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o
juiz concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a
obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente (NCPC, art. 497).
Na concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a
continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da
ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo (NCPC, art. 497, parágrafo
único). Ou seja, o réu não pode apontar a inexistência de culpa para não ser
compelido a cumprir uma determinada prática.
Somente haverá conversão da obrigação em perdas e danos (NCPC, art. 499)
se:
(i) o autor assim requerer;
(ii) for impossível a tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente.
Caberá indenização por perdas e danos independentemente da multa fixada para
compelir o réu ao cumprimento específico da obrigação (NCPC, art. 500). Logo,
não há bis in idem na astreinte e na indenização, pois as naturezas são distintas.
A multa periódica (astreinte) independe de requerimento da parte e poderá ser
aplicada em qualquer momento (na tutela provisória ou na sentença no processo de
conhecimento, ou na fase de execução). A multa deve ser suficiente e compatível com
a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito (NCPC,
art. 537).
A multa poderá, de ofício ou a requerimento da parte, ser alterada pelo juiz, seja
quanto ao valor ou periodicidade – e inclusive ser excluída (NCPC, art. 537, § 1°).
Ou seja, não há preclusão quanto à multa, conforme já definido pela jurisprudência
do STJ.
E essa modificação da multa poderá ocorrer quando (NCPC, art. 537, § 1°):
I – se tornar insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou
justa causa para o descumprimento.
De modo a evitar debates jurisprudenciais, o NCPC expressamente define que o
beneficiário da multa é o credor / exequente (NCPC, art. 537, § 2°), e não o Estado.
2.3.7.2.Coisa julgada
Coisa julgada é definida, no NCPC, como a imutabilidade e indiscutibilidade
da decisão de mérito não mais sujeita a recurso (NCPC, art. 502).
Imutabilidade e indiscutibilidade não são sinônimos, mas tampouco são definidos
pela lei, de modo que seus conceitos são objeto de divergência doutrinária.
Imutabilidade é a impossibilidade de nova análise de uma lide já antes julgada
e com trânsito em julgado, o que se atinge com a extinção do segundo processo, sem
mérito.
Já a indiscutibilidade é a impossibilidade de se rediscutir, em 2 a demanda
semelhante à primeira (não idêntica, pois aí seria imutabilidade) aquilo que foi
decidido com força de coisa julgada na 1a demanda (algo que se verifica com mais
frequência em relações jurídicas continuativas ou sucessivas).
Divide-se a coisa julgada em duas espécies:
■coisa julgada formal: é a imutabilidade da sentença, no próprio processo em
que foi prolatada, não admitindo mais reforma (atinge qualquer sentença – inclusive
as sentenças terminativas, processuais). Uma vez transitada em julgado a decisão,
cabe a repropositura (NCPC, art. 486). Contudo, se a extinção for por litispendência,
inépcia da inicial, arbitragem, falta de pressupostos processuais ou condições da
ação, somente será admitida a repropositura se houver a correção do vício (NCPC,
art. 486, § 1°);
■coisa julgada material: é a verdadeira coisa julgada, a imutabilidade e
indiscutibilidade da sentença não só no processo em que foi proferida – mas também
para qualquer outro processo (atinge somente as decisões com julgamento de mérito).
Muda o NCPC oslimites objetivos da coisa julgada (qual parte da decisão é
coberta pela coisa julgada), antes, abrangendo apenas a questão principal. Agora, há
coisa julgada também quanto à resolução de questão prejudicial , decidida expressa
e incidentemente no processo, se:
I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando
no caso de revelia;
III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la
como questão principal (art. 503, § 1°).
Por isso, não há, no NCPC, a previsão daação declaratória incidental
(CPC/1973, art. 325), que existia no sistema anterior. Mas nada impede que se
formule uma ação declaratória para pleitear que a questão prejudicial seja apreciada,
de modo que não existirá dúvidas quanto à formação da coisa julgada. Nesse sentido,
o Enunciado 35/CJF: Considerando os princípios do acesso à justiça e da
segurança jurídica, persiste o interesse de agir na propositura de ação
declaratória a respeito da questão prejudicial incidental, a ser distribuída por
dependência da ação preexistente, inexistindo litispendência entre ambas as
demandas (arts. 329 e 503, § 1°, do CPC).
Não haverá a extensão da coisa julgada se no processo houver restrições
probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da
questão prejudicial (art. 503, § 2°).
Essa inovação já traz polêmicas.
Muda o NCPC também oslimites subjetivos da coisa julgada (quem é atingido
pela coisa julgada). Quanto ao tema, o CPC/1973 destacou que a coisa julgada não
beneficiaria nem prejudicaria terceiros. No NCPC, afirma o art. 506 que a sentença
não prejudica terceiros. Contudo, a parte inicial deste dispositivo destaca que a
sentença “faz coisa julgada às partes entre as quais é dada”. Também já debate a
doutrina o real alcance dessa modificação – mesmo se algum. Resta aguardar a
jurisprudência. Acerca do tema, o Enunciado 36/CJF: O disposto no art. 506 do CPC
não permite que se incluam, dentre os beneficiados pela coisa julgada, litigantes de
outras demandas em que se discuta a mesma tese jurídica.
O art. 508 do NCPC traz a previsão daeficácia preclusiva da coisa julgada
(princípio do deduzido e dedutível): com o trânsito em julgado “considerar-se-ão
deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim
ao acolhimento como à rejeição do pedido”.
Uma vez transitada em julgado a decisão e tendo esta sido coberta pela coisa
julgada, há ainda possibilidade de impugnação. Trata-se da ação rescisória (NCPC,
art. 966).
2.3.7.3.1.Finalidade e cabimento
A finalidade da AR é rescindir decisão de mérito transitada em julgado.
Assim, trata-se de uma revisão da coisa julgada em hipóteses expressamente
previstas na legislação.
É possível, conforme o caso, não só a rescisão do julgado (juízo rescindente),
mas também que seja proferida uma nova decisão (juízo rescisório).
Decisões que podem ser impugnadas por AR:
✓ sentença;
✓ decisão interlocutória, que tenha apreciado o mérito da causa;
✓ acórdão, proferido por Tribunal de 2° grau ou Tribunal Superior;
✓ decisão monocrática, proferida por relator no Tribunal e que tenha julgado o
mérito.
Percebe-se, então, que qualquer decisão que apreciar o mérito de maneira final
poderá ser impugnada por AR. Trata-se de inovação em relação ao sistema anterior,
o que pode ser percebido a partir do caput do art. 966, o qual destaca que a decisão
de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida (no sistema anterior, falava-se
em sentença e acórdão).
Cabimento da AR. As decisões que admitem o uso da rescisória estão
especificamente previstas em lei (NCPC, art. 966):
I – proferidas por juiz corrupto (prevaricação, concussão ou corrupção);
II – proferidas por juiz impedido ou juízo absolutamente incompetente;
III – resultarem de dolo ou coação da parte vencedora ou de colusão entre as partes;
IV – que ofenderem coisa julgada anteriormente formada;
V – que violem manifestação norma jurídica (literal disposição de lei, no
CPC/1973);
VI – fundadas em prova falsa – seja apurada em processo crime, seja demonstrada
na própria rescisória;
VII – quando o autor, após o trânsito em julgado, obtiver prova nova;
VIII – fundadas em erro de fato verificável do exame dos autos;
Quanto às hipóteses de cabimento, merece destaque o seguinte:
(i) deixa de ser cabível AR fundada na invalidação de confissão, desistência ou
transação (art. 485, VIII, do CPC/1973). Para tentar diminuir osdebates quanto ao
cabimento da AR ou da ação anulatória, o NCPC estipula que os “atos de disposição
de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e
homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da
execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei” (art. 966, § 4°). Ou seja,
utiliza-se, nesse caso, a anulatória (ajuizada em 1° grau) e não a rescisória.
(ii) admite-se AR para impugnar decisão processual (não de mérito) que impeça
nova propositura da demanda ou a admissibilidade de recurso (NCPC, art. 966, §
2°);
(iii) é possível a AR fundada em um capítulo da decisão (NCPC, art. 966, § 3°).
2.3.7.3.2.Prazo
Prazo decadencial para ajuizamento da AR: 2 anos, contados do trânsito em
julgado da última decisão proferida no processo (NCPC, art. 975).
A menção a “última decisão” parece adotar a jurisprudência do STJ quanto ao
tema, definida antes do NCPC.
Imaginemos o trânsito em julgado de um capítulo da sentença em 1° grau e de
outro capítulo da decisão no Tribunal. Nesses casos, haveria mais de um prazo para
ajuizamento da AR? O STJ pacificou a questão, afirmando que era somente um prazo
e contado do trânsito da última decisão. A questão foi definida na Súmula 401: “O
prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer
recurso do último pronunciamento judicial”.
Se o dia final do prazo expirar em dia não útil (férias, recesso, feriados ou dia
sem expediente forense), o prazo será prorrogado até o 1° dia útil subsequente
(NCPC, art. 975, § 1°), como já pacificado pelo STJ no sistema anterior.
O termo inicial de AR fundada em prova nova (NCPC, art. 966, VII),não será
o trânsito em julgado, mas sim a data de “descoberta da prova nova”. Porém, nesse
caso, será observado o prazo máximo de 5 anos, contado do trânsito em julgado da
última decisão proferida no processo (NCPC, art. 975, § 2°). Portanto, o próprio
Código traz uma situação de prova nova com prazo superior a 2 anos do trânsito.
Os defensores da tese da relativização da coisa julgada (ou coisa julgada
inconstitucional) buscam desconstituir a coisa julgada mesmo após o prazo de 2 anos.
Para esses, em casos graves, situações repugnantes, quando em jogo a dignidade da
pessoa humana, deveria ser aceita a AR mesmo após o prazo previsto em lei.
Como exemplos:
(i) a situação em que se decidiu a investigação de paternidade quando ainda não
existia o DNA. E, hoje, com esse exame, percebe-se que a decisão judicial não
refletiu a realidade (a tese já foi acolhida pelo STJ e STF – neste último, com julgado
com repercussão geral, RE 363.889);
(ii) os casos em que há decisão condenando a Fazenda Pública a indenizar alguém em
valores elevados e, posteriormente, descobre-se que a condenação era indevida
(como numa desapropriação milionária em que, depois do prazo da AR, descobre-se
que a área já era do ente expropriante). Neste aspecto, segue a divergência
jurisprudencial, mas há precedentes favoráveis à relativização.
Com a inovação do art. art. 975, § 2° acima analisada, resta verificar se o prazo
máximo da relativização passará a ser de 5 anos – o que será definido pela
jurisprudência.
2.3.7.3.3.Competência
Trata-se de ação competência originária dos Tribunais.
Se ajuizada para atacar sentença ou decisão interlocutória, sempre será
competente o Tribunal de 2° grau.
Se for atacar acórdão de Tribunal, o próprio Tribunal (de 2° grau ou Superior)
julgará a AR.
Porém, se o Tribunal Superior se limitou a não conhecer do recurso, daí a
competência é do Tribunal de 2° grau.
Ou seja, tratando-se de acórdão a ser rescindido, a competência é do último
Tribunal que apreciou o mérito da causa.
Inova o NCPC ao prever que, se forreconhecida a incompetência de
determinado tribunal para o julgamento da AR, o autor será intimado para emendar
a inicial, adequando ao outro tribunal que se entender competente (art. 968, § 5°). A
inovação é relevante para evitar que haja extinção e, assim, decadência na
repropositura (o que muito ocorria no sistema anterior).
2.3.7.4.Liquidação de sentença
A liquidação se insere no processo de conhecimento e é a última atividade antes
que tenha início a fase de cumprimento de sentença. É principalmente utilizada para
título executivo judicial, mas também é possível sua utilização para o título executivo
extrajudicial.
Pelo NCPC, somente há2 modalidades de liquidação: por arbitramento e pelo
procedimento comum (denominada, no sistema anterior, de liquidação por artigos).
A liquidação por cálculo deixou de ser tratada como modalidade de liquidação
no NCPC. Contudo, é necessária aindicação do valor exato a ser executado
(apresentação da memória de cálculo atualizada) para o início do cumprimento de
sentença (NCPC, art. 509, § 2°). Portanto, no NCPC a liquidação por cálculo não
demanda um incidente prévio de liquidação, o que é necessário nas demais formas de
liquidação.
A liquidação por arbitramento será utilizada quando “determinado pela
sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da
liquidação” (NCPC, art. 509, I). Será realizada pordocumentos juntados pelas
partes (produzidos fora dos autos e submetidos posteriormente ao contraditório) ou,
se o juiz entender insuficiente para chegar ao valor do dano, por perícia (NCPC, art.
510). No sistema anterior, somente era admitida a perícia.
A liquidação pelo procedimento comum ocorrerá quando “houver necessidade
de alegar e provar fato novo” (NCPC, art. 509, II), ou seja, será possível ampla
produção probatória (por documentos, testemunhas ou perícia). Nessa hipótese,
discute-se um fato novo nunca debatido no processo.
Para diferenciar as duas liquidações: na liquidação pelo procedimento comum,
como visto, o fato novo não foi debatido no processo, ao passo que na liquidação por
arbitramento discute-se fato já antes debatido no processo de conhecimento – porém,
à época, não houve necessidade ou conveniência de se apurar o prejuízo decorrente
de tal fato.
Para exemplificar:
(i) queda de material de uma construção, atingindo pessoa que passava na rua.
Pedido genérico de condenação (para pagamento de todos os danos decorrentes dessa
situação) e sentença ilíquida. Na liquidação, pede-se o pagamento da fisioterapia.
Isso não foi debatido no processo, de modo que se trata de fato novo, cabível a
liquidação pelo procedimento comum.
(ii) queda de um poste em fazenda, matando um animal. Pedido genérico de
condenação para lucros cessantes (tudo que aquele animal poderia ter produzido em
vida) e sentença ilíquida. Na liquidação, aponta-se qual seria, em média, o tempo útil
de vida do animal e quais seriam os valores daí decorrentes. Algo que já foi
mencionado desde o início do processo, mas que antes da verificação da
responsabilidade do réu, talvez não fosse conveniente fazer. No caso, liquidação por
arbitramento – seja por documentos (laudos realizados fora dos autos) ou por perito
designado pelo juiz.
3.1.Visão geral
Como já exposto, o NCPC conhece 2 processos (conhecimento e execução).
No processo de conhecimento, existem dois procedimentos: comum e especial
(não mais existe a subdivisão, no procedimento comum, em rito ordinário e sumário).
O procedimento é especial quando apresentar algo de distinto do procedimento
comum.
Em síntese, a divisão procedimental no processo de conhecimento é a seguinte:
(i) procedimento comum: é a base, a tramitação que se aplica de forma subsidiária
a todos os processos e procedimentos;
(ii) procedimentos especiais: surgem diante da impossibilidade de solução de
determinados problemas pelo procedimento comum. A finalidade é adequar o
procedimento ao direito material debatido.
As diferenças dos procedimentos especiais, em relação ao procedimento
paradigma (comum), são previstas em lei e podem estar nos prazos, na previsão de
liminar, na modificação/concentração das fases processuais etc.
Mas é importante destacar que não há apenas um procedimento especial. São
diversos procedimentos especiais, cada qual com alguma distinção em relação ao
procedimento padrão.
Assim, diante de uma lide que deve ser solucionada via processo de
conhecimento, deve-se inicialmente verificar se existe algum procedimento
especial.
Se existir, deverá ser utilizado referido procedimento. Se não existir, parte-se
para o procedimento comum.
Assim, a escolha do procedimento é feita por exclusão:
1°) verificar se há procedimento especial; se não houver, parte-se para;
2°) procedimento comum.
Portanto, é importante que bem se conheça quais são os procedimentos
especiais – e são diversos. Há procedimentos especiais no NCPC e também em leis
extravagantes.
No NCPC, há procedimentos especiais dejurisdição contenciosa e
procedimentos especiais de jurisdição voluntária. Fora do NCPC, diversas leis
extravagantes preveem procedimentos especiais.
3.2.Ações possessórias
Na legislação civil, o possuidor é definido como quem “tem de fato o exercício
(…) de algum dos poderes inerentes à propriedade” (CC, art. 1.196).
Quando a causa de pedir de uma demanda tiver por base a posse, estaremos
diante de uma ação possessória.
Quando a causa de pedir de uma demanda tiver por base a propriedade,
estaremos diante de uma ação petitória. Dentre as petitórias, há a ação de imissão na
posse e a reivindicatória (que buscam a obtenção da posse a partir de sua
propriedade), que seguem o procedimento comum, pois não há previsão específica
dessas demandas no NCPC.
Assim, somente as possessórias é que têm um procedimento especial. Vale
destacar que, em grande parte, há repetição do Código anterior no NCPC, em relação
às possessórias.
O NCPC prevê 3 ações possessórias:
(i) reintegração de posse, no caso de esbulho (perda da posse);
(ii) manutenção de posse, no caso de turbação (perturbação da posse, sem perdê-
la);
(iii) interdito proibitório (ameaça de ser molestado na posse).
O procedimento das possessórias é distinto por que:
a) possibilidade de liminar:
Cabe liminar na possessória (NCPC, arts. 558 e 562) na hipótese de posse nova
(ou seja, de menos de ano e um dia). Não se trata de uma tutela provisória (NCPC,
art. 294), mas sim de uma liminar com requisitos distintos: prova da posse e tempo
da moléstia;
b) fungibilidade das ações possessórias:
Em virtude do dinamismo dos fatos em relação à posse, mesmo se o autor ajuizar
uma determinada ação e a situação for (ou se transformar) em outra, desde que
provados os fatos, deverá o juiz conceder a proteção possessória (NCPC, art. 554).
c) audiência de justificação:
Se o juiz não se convencer, pelos documentos, a respeito da concessão ou não da
liminar, deverá ser designada audiência de justificação para formar a convicção
(NCPC, art. 562).
A petição inicial da possessória deve trazer a (i) posse do autor, (ii) moléstia
ocorrida em relação à posse e (iii) data da turbação ou esbulho (NCPC, art. 561). A
inicial pode cumular pedidos, além da proteção da posse, (i) condenação em perdas e
danos, (ii) indenização dos frutos, (iii), imposição de medida de apoio (tal como
multa) para (a) evitar nova violação à posse e (b) para que haja cumprimento da tutela
provisória ou final (NCPC, art. 555).
Na contestação, pode o réu formular pedido em face do autor, em relação a: (i)
perdas e danos e (ii) própria proteção possessória (NCPC, art. 556 – o que será feito
pela reconvenção, na própria contestação).
Traz o NCPC novidades quanto às possessórias envolvendo litígio coletivo pela
posse ou propriedade de imóvel.
Na possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão
feitas a citação pessoal dos ocupantes encontrados no local e a citação por edital
dos demais, determinando-se a intimação do MP e, se envolver pessoas em situação
de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. Para tal citação pessoal, o
oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital
os que não forem encontrados (NCPC, art. 554, § 2°). O juiz deverá determinar que se
dê ampla publicidade da existência dessa ação e dos prazos processuais, podendo,
para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes
na região do conflito e de outros meios (NCPC, art. 554, § 3°).
Além disso, quando o esbulho ou a turbação afirmado tiver ocorrido há mais de
ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de liminar, deverá designar audiência de
mediação a realizar-se em até 30 dias (NCPC, art. 565).
S e concedida, mas não executada a liminar possessória no prazo de 1 ano a
contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação com a
presença do Ministério Público (NCPC, art. 565, §§ 1° e 2°).
O juiz poderá comparecer à área objeto do litígio (inspeção judicial) quando sua
presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional (NCPC, art. 565, §
3°). Essa prova pode ser realizada de ofício, mas também, por certo, requerida pelas
(NCPC, art. 481).
Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União,
Estado e Município onde se situe a área objeto do litígio, poderão ser intimados para
a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a
existência de possibilidade de solução para o conflito possessório (NCPC, art. 565, §
4°).
3.3.Ação monitória
A ação monitória é procedimento mais célere para os casos em que autor
dispõe de prova escrita sem eficácia de título executivo, que traduza obrigação de
(i) pagar quantia, (ii) entregar coisa móvel ou imóvel ou (iii) adimplir obrigação de
fazer ou não fazer (NCPC, art. 700).
Assim, no NCPC há ampliação do cabimento da monitória, para incluir a entrega
de coisa imóvel e obrigação de fazer e não fazer.
Não é possível a utilização do processo de execução, por falta de título
executivo, mas já há prova escrita de onde decorre o dever de pagar, de entregar
coisa ou de obrigação de fazer.
Por prova escrita sem eficácia de título deve-se entender:
(i) aquele produzido pelo réu ou que tenha sua participação; mas “o que
interessa, na monitória, é a possibilidade de formação da convicção do julgador a
respeito de um crédito, e não a adequação formal da prova apresentada a um modelo
predefinido” (STJ, REsp 925.584/SE, 4.a T., j. 09.10.2012, DJe 07.11.2002,
Informativo 506);
(ii) também a prova oral documentada, produzida de forma antecipada (NCPC,
art. 700, § 1°).
Havendo dúvida quanto à idoneidade de prova documental apresentada na
inicial, o juiz intimará o autor para, querendo, emendar a petição inicial,
adaptando-a ao procedimento comum (NCPC, art. 700, § 5°). A inovação do NCPC
busca evitar que se discuta o cabimento da monitória, para se focar na análise do
mérito.
N a petição inicial da monitória, incumbe ao autor indicar, conforme o caso
(NCPC, art. 700, § 2°), sob pena de indeferimento (NCPC, art. 700, § 4°):
I – a importância devida (com memória de cálculo);
II – o valor atual da coisa reclamada;
III – o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido.
Cabe monitória contra a Fazenda Pública (NCPC, art. 700, § 6° e Súmula 339
do STJ). Sendo ré a Fazenda Pública, não apresentada defesa, serão aplicadas as
regras do reexame necessário, observando-se a seguir, no que couber, o
cumprimento de sentença (NCPC, art. 701, § 4°).
Na monitória, admite-se a citação por qualquer meio permitido para o
procedimento comum (NCPC, art. 700, § 7° e Súmula 282 do STJ, especificamente
quanto à permissão de citação por edital).
Na monitória cabe a reconvenção, mas é vedado o oferecimento de reconvenção
à reconvenção (NCPC, art. 702, § 6° e Súmula 292 do STJ).
Além disso, com base na jurisprudência do STJ (formada no sistema anterior),
não é necessário, na monitória fundada em cheque prescrito, tratar do negócio que
deu origem ao débito. Nesse sentido, Súmula 531 do STJ: “Em ação monitória
fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao
negócio jurídico subjacente à emissão da cártula”.
Sendo evidente o direito do autor, o juiz deferirá a expedição de mandado de
pagamento, de entrega de coisa ou para execução de obrigação de fazer ou de não
fazer, concedendo ao réu prazo de 15 dias para o cumprimento e o pagamento de
honorários advocatícios de 5% do valor atribuído à causa (NCPC, art. 701).
Haverá a constituição do título executivo judicial, independentemente de
qualquer formalidade, se não realizado o pagamento e não apresentados embargos ,
observando-se, no que couber, o procedimento do cumprimento de sentença (NCPC,
art. 701, § 2°); verificada tal hipótese, cabe ação rescisória da decisão de
deferimento da expedição do mandado de pagamento (NCPC, art. 701, § 3°).
Admite-se, na ação monitória, o pedido de parcelamento da dívida previsto no
art. 916 do NCPC (art. 701, § 5°).
Os embargos à ação monitória (contestação da monitória) podem se fundar em
matéria passível de alegação como defesa no procedimento comum (NCPC, art.
702, § 1°).
Quando o réu alegar que o autor pleiteia quantia superior à devida, deverá
declarar de imediato o valor que entende correto, apresentando demonstrativo
discriminado e atualizado da dívida. Se não o fizer, os embargos serão liminarmente
rejeitados, se esse for o seu único fundamento, e, se houver outro fundamento, os
embargos serão processados, mas o juiz deixará de examinar a alegação de excesso
(NCPC, art. 702, §§ 2° e 3°).
O autor será intimado para responder aos embargos no prazo de 15 dias (NCPC
art. 702, § 5°);
A critério do juiz, os embargos serão autuados em apartado, se parciais,
constituindo-se de pleno direito o título executivo judicial em relação à parcela
incontroversa (NCPC, art. 702, § 7°).
Cabe apelação contra a sentença que acolhe ou rejeita os embargos (NCPC, art.
702, § 9°).
Os embargos monitórios somente suspendem a ação monitória até o
julgamento de primeiro grau. Daí porque pode se concluir que, de forma distinta da
regra geral de duplo efeito no NCPC, o recurso de apelação da sentença da
monitória será recebido sem efeito suspensivo (NCPC, art. 702, § 4°). Resta
verificar se esse será mesmo o entendimento jurisprudencial.
O juiz condenará ao pagamento de multa de até 10% sobre o valor da causa nos
seguintes casos (NCPC, art. 702, § 10):
a) se o autor propuser, indevidamente e de má-fé , a monitória; multa em favor do
réu;
b) se o réu opuser embargos de má-fé; multa em favor do autor.
3.4.Ações de família
O NCPC cria um capítulo próprio para regular o procedimento dasações
familiares, para as demandas contenciosas de divórcio, separação, reconhecimento e
extinção de união estável, guarda visitação e filiação.
Em linha com o novo sistema processual, o NCPC afirma que nessas ações “todos
os esforços serão empregados para a solução consensual da controvérsia, devendo o
juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a
mediação e a conciliação” (NCPC, art. 694).
Cabe a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação
extrajudicial ou atendimento multidisciplinar (NCPC, art. 694, parágrafo único). A
Lei de Mediação vai além, afirmando que a suspensão se impõe (Lei 13.140/2015,
art. 16) e que é irrecorrível a decisão que suspende o processo, apesar de ser
possível o deferimento de medidas urgentes mesmo durante a suspensão (Lei
13.140/2015, art. 16 §§ 1° e 2°).
Mas a grande novidade procedimental quanto às ações de família é a previsão
de que a citação do réu, para a audiência de conciliação ou mediação, será realizada
sem cópia da petição inicial (contrafé). O mandado conterá apenas os dados
necessários à audiência, sendo assegurado ao réu o direito de examinar o conteúdo
da inicial a qualquer tempo, em cartório (NCPC, art. 695, § 1°). A Lei de Mediação
não traz previsão nesse sentido. Há dúvidas quanto à constitucionalidade desse
dispositivo. Resta verificar como será a jurisprudência.
A citação para a ação familiar será feita na pessoa do réu e deve ocorrer com
antecedência mínima de 15 dias da data da audiência de mediação ou conciliação
(NCPC, art. 695, §§ 2° e 3°).
N a audiência, as partes devem estar acompanhadas de advogado (NCPC, art.
695, § 4°). Na mediação extrajudicial, não há essa obrigatoriedade, mas é mera
opção (Lei 13.140/2015, art. 10).
O MP somente intervirá quando houver interesse de incapaz, e deverá ser ouvido
previamente à homologação de eventual acordo (NCPC, art. 698).
Quando houver, no processo, discussão sobre fato relacionado a abuso ou a
alienação parental, o juiz, ao tomar o depoimento do incapaz, deverá estar
acompanhado por especialista (NCPC, art. 699).
3.6.Ação de usucapião
A usucapião é uma das formas de aquisição originária da propriedade, quando
há o exercício da posse por determinado tempo (CC, arts. 1.238 a 1.244).
Para que seja reconhecida a usucapião, é necessária a conjugação de 4 elementos:
(i) posse ininterrupta, isto é, a posse vem sendo exercida ao longo dos anos sem que
tenha ocorrido sua perda em algum momento (admite-se a soma das posses dos
antecessores com a finalidade de obter o tempo exigido pela lei);
(ii) posse incontestada, que implica o exercício pacífico da posse, sem oposição;
(iii) o possuidor esteja com ânimo de dono, exteriorizando atos condizentes à figura
do proprietário;
(iv) o decurso do tempo exigido em lei.
a) Espécies de usucapião:
(i) extraordinária (CC, art. 1.238): independe de título ou de boa-fé, basta o
exercício manso, pacífico e ininterrupto da posse por 15 (quinze) anos (CC, art.
1.238, parágrafo único. O prazo será de dez anos se o possuidor houver estabelecido
no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter
produtivo);
(ii) ordinária (CC, art. 1.242): depende de justo título e boa-fé, quando o
possuidor estabeleceu sua moradia habitual ou realize serviços de caráter produtivo,
pelo prazo de 10 (dez) anos (CC, art. 1.242, parágrafo único. O prazo para a
aquisição será de cinco anos quando o imóvel for adquirido onerosamente, com base
no registro em cartório, cancelado posteriormente, desde que o possuidor tenha
estabelecido moradia);
(iii) especial rural (CC, art. 1.239): o prazo é de 5 (cinco) anos quando o
possuidor morar no imóvel rural ou o utilizar para a produção de seu trabalho, não
possuir outro imóvel em seu nome e a área não exceda a 50 hectares;
(iv) especial urbana (CC, art. 1.240): o prazo é 5 (cinco) anos, para área de até
250 metros quadrados, desde que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel e
utilize para moradia;
(v) coletivo (Lei 10.257/2001, art. 10 – Estatuto da Cidade): o prazo para
aquisição da propriedade coletiva é de 5 (cinco) nos casos em que a área, com mais
de 250 metros quadrados, esteja ocupada por população de baixa renda com
destinação para moradia, não sendo possível identificar os terrenos ocupados por
cada família e não havendo proprietários de outros imóveis;
(vi) familiar (CC, art. 1.240-A): o prazo para o ex-cônjuge ou companheiro
adquirir a propriedade do imóvel urbano, de até 250 metros quadrados, que dividia
com o parceiro até o abandono, é de 2 (dois) anos, desde que permaneça utilizando o
imóvel para moradia, ininterruptamente e sem oposição.
Havia previsão de procedimento especial no CPC/1973 para a ação de
usucapião. Porém, isso não foi repetido no NCPC. Logo, o procedimento passa a
ser o comum.
Porém, ainda que o procedimento seja o comum, há algumas especificidades no
procedimento da ação de usucapião, como por exemplo a publicação de edital, para
que terceiros eventualmente tenham ciência da existência desse processo (art. 259, I)
– exatamente como o procedimento especial antes existente previa.
Contudo, há importante inovação, não no âmbito judicial, mas no extrajudicial.
O art. 1.071 do NCPCaltera a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973),
para inserir o art. 216-A, que trata da usucapião extrajudicial (a Lei 11.977/2009 já
trazia a possibilidade de usucapião reconhecida em cartório, no caso do art. 183 da
CF).
Assim, agora há opção entre o pedido extrajudicial de usucapião e via
jurisdicional. Pode a parte optar por formular o pedido diretamente no cartório do
registro de imóveis da comarca em que se situa o imóvel usucapiendo. Não há
menção a tamanho ou utilização do imóvel.
O interessado deverá apresentar requerimento ao cartório competente,
instruindo-o com diversos documentos: (i) ata notarial atestando o tempo de posse,
(ii) planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado,
(iii) certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do
domicílio do requerente, (iii) justo título ou outros documentos que demonstrem
origem da posse, continuidade, natureza e tempo, tais como o pagamento dos
impostos e taxas incidentes sobre o imóvel.
Se a planta (item ii acima) não tiver a assinatura de qualquer um dos titulares de
direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula
dos imóveis confinantes, o titular será notificado pelo registrador competente,
pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento. Feita a notificação, o titular
terá o prazo de 15 dias para manifestar consentimento expresso, interpretado o
silêncio como concordância (art. 216-A, § 2° importante novidade inserida pela Lei
13.465/2017).
O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Município,
para que se manifestem, em quinze dias, sobre o pedido; tal comunicação será feita
pessoalmente, pelo oficial de registro de títulos e documentos, ou por correio, com
aviso de recebimento (art. 216-A, § 3°).
Para que terceiros interessados tenham ciência e possam se manifestar em até
15 dias, o oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal
de grande circulação, onde houver (art. 216-A, § 4°).
Se não houver impugnações, estando a documentação em ordem, não havendo
pendência de diligências e constando a concordância expressa dos titulares de
direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel e
na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a
aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de
matrícula, se for o caso (art. 216-A, § 6°).
Se o pedido extrajudicial for rejeitado, isso não impedirá o ajuizamento de
ação de usucapião (art. 216-A, § 9°).
3.10.Da Oposição
Como já exposto, no CPC/1973 a oposição era intervenção de terceiros (vide
1.5.2.1.). Inova o NCPC ao classificá-la como procedimento especial.
Apesar dessa modificação topológica, seu cabimento segue o mesmo previsto no
sistema anterior: quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que
controvertem autor e réu poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição
contra ambos (NCPC, art. 682).
Como grande exemplo, uma situação em que A e B litigam afirmando que são
titulares de determino bem imóvel; se C entende que ele é o efetivo titular, ingressa
com a oposição contra A e B, em litisconsórcio passivo necessário. Assim, o
opoente litiga contra todos.
O procedimento também não sofreu alterações em relação ao sistema anterior:
✓ a oposição deve seguir os requisitos de uma petição inicial – que é, pois se
trata de ação (NCPC, art. 683);
✓ a oposição será distribuída por dependência;
✓ os opostos serão citados pessoa de seus advogados, para contestar em 15 dias
(NCPC, art. 683, parágrafo único).
✓ a oposição será apensada aos autos e tramitará simultaneamente à ação
originária, sendo ambas julgadas pela mesma sentença (NCPC, art. 685);
✓ se a oposição for proposta após o início da audiência de instrução, o juiz
suspenderá o curso do processo ao fim da produção das provas, salvo se concluir que
a unidade da instrução atende melhor ao princípio da duração razoável do processo
(NCPC, art. 685, parágrafo único).
O juiz, ao sentenciar, se for o caso de julgar ambas ações ao mesmo tempo,
apreciará inicialmente a oposição – que é prejudicial em relação ao pedido original,
constante da ação (NCPC, art. 686). Afinal, retomando o exemplo anterior, se o juiz
reconhecer que o opoente C é o titular do bem imóvel, por óbvio que prejudicado o
pedido de A contra B quanto à titularidade do mesmo bem.
No âmbito do CPC/1973, a oposição era objeto de diversas questões de bancas
de concursos, no contexto das intervenções de terceiros. A tendência é que isso se
repita em relação ao NCPC.
Vale destacar que a Lei 13.676/2018 alterou a Lei 12.016/2009 para permitir a
realização de sustentação oral, quando da apreciação do pedido liminar em MS.
Trata-se do art. 16, que na nova redação prevê o seguinte: “Art. 16. Nos casos de
competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo
assegurada a defesa oral na sessão do julgamento do mérito ou do pedido liminar”.
3.14.Juizados Especiais
Atualmente existem três Juizados, que compõem um sistema.
No âmbito da Justiça Estadual existe o Juizado Especial Cível (Lei 9.099/1995),
uma opção (em relação à Justiça Comum Estadual) para os litigantes com causas de
até 40 salários mínimos.
De seu turno, na área federal, há o Juizado Especial Federal (Lei 10.259/2001),
que tem caráter obrigatório para o julgamento das demandas com valor até 60
salários mínimos, bem como a aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995.
E, também na esfera estadual, há o Juizado da Fazenda Pública Estadual (Lei
12.153/2009), para o julgamento de causas com valor de até 60 salários mínimos –
sendo que, onde estiver instalado, terá caráter obrigatório. A lei teve sua vigência a
partir de junho de 2010 e prevê que os juizados devem ser instalados em até 2 anos.
Mas, afinal, o que são os Juizados?
Trata-se tanto de (i) um procedimento distinto do comum previsto no NCPC,
como também (ii) a criação de uma estrutura paralela em relação à usual formatação
da Justiça (em 2° grau, Colégio Recursal e não Tribunal).
Assim, é certo que haverá distinção em relação ao procedimento de causas
perante os Juizados e causas perante a Justiça tradicional. Tanto é assim que no
capítulo de recursos foi aberto um tópico específico para recursos nos Juizados.
Como já exposto, houve polêmica quanto à contagem do prazo nos Juizados, mas
agora superada, pois há lei que expressamente prevê a contagem em dias úteis. Trata-
se do art. 12-A da L. 9.099/1995, inserido pela Lei 13.728/2018: “Art. 12-A. Na
contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de
qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão
somente os dias úteis”. Esse dispositivo aplica-se a todos os Juizados.
JEFP
1) inicial;
2) audiência de conciliação (com supervisão do juiz – art. 16);
3) audiência de instrução;
4) sentença;
5) após trânsito em julgado, formação do título – execução perante o próprio juizado.
– quanto à execução, poderá ser por “obrigação de pequeno valor”, em até 60 dias, ou precatório (art. 13): lei
específica de cada ente estipulará até qual quantia será via OPV e a partir de qual valor será por precatório.
– o art. 13, § 3°, estipula que, na ausência de lei, serão os seguintes valores para pagamento via OP V: (i) 40
salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal; (ii) 30 salários mínimos, quanto aos Municípios.
– se não houver o pagamento da OP V no prazo, será possível o sequestro de renda pública, dispensada a oitiva
da Fazenda (art. 13, § 1°).
O art. 4° da Lei 5.478/1968 prevê a figura dos alimentos provisórios, que serão
concedidos pelo juiz até mesmo de ofício no momento em que determina a citação do
réu.
Cabe esclarecer que a lei em questão somente pode ser utilizada quando se
estiver diante de dever alimentar pré-constituído (ou seja, paternidade, cônjuge,
companheiro).
Se não se tratar dessa hipótese, não cabe o uso do célere procedimento previsto
na Lei 5.478/1968. Então terá de ser utilizado o procedimento comum. É, por
exemplo, o que ocorre com a investigação de paternidade.
Portanto, não cabe, na investigação de paternidade, a figura dos alimentos
provisórios. Mas, para resguardar a parte, cabe tutela de urgência para os
alimentos, desde que presentes os requisitos (NCPC, art. 300 – elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou ao resultado útil do
processo).
É certo que é mais fácil obter os alimentos provisórios (pois decorrem de prova
pré-constituída) do que alimentos via tutela de urgência (pois dependem de prova).
Em relação à execução e cumprimento de sentença, o assunto é regulado no
próprio NCPC (vide item 4.5 abaixo).
3.16.3.Estatuto do Idoso
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) também tem normas processuais, a seguir
expostos os principais pontos:
✓ varas especializadas (art. 70 do EI): a lei prevê a criação de varas
especializadas e exclusivas do idoso;
✓ prioridade na tramitação do processo (art. 71 do EI): a partir dos 60
(sessenta) anos de idade, a parte terá prioridade na tramitação processual. O
benefício deve ser requerido pela parte, mediante documento probatório da idade.
Contudo, há entendimento no sentido de que o benefício pode ser concedido de ofício
por se tratar de norma de ordem pública. Essa previsão é repetida no NCPC (art.
1.048, I);
✓ competência (art. 80 do EI): as causas envolvendo direitos de idosos deverão
ser propostas no próprio domicílio do idoso – e o artigo afirma que isso se trata de
competência absoluta, ressalvada a competência da Justiça Federal e a competência
originária dos tribunais superiores. O NCPC traz regra de competência no mesmo
sentido (art. 53, III, “e”).
Essas são as premissas para que se entenda o quadro executivo do processo civil
brasileiro. Apesar de serem sistemas distintos, por vezes o procedimento a ser
observado no processo de execução e na fase de cumprimento de sentença é o mesmo.
Daí a necessidade de muita atenção para não confundir um sistema com o outro.
No mais, aplica-se o procedimento de um ao outro, de forma subsidiária. Nesse
sentido:
(i) Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título,
observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no
Livro II da Parte Especial deste Código (ou seja, aplica-se ao cumprimento de
sentença as regras da execução);
(ii) Art. 771. Este Livro regula o procedimento da execução fundada em título
extrajudicial, e suas disposições aplicam-se, também, no que couber, aos
procedimentos especiais de execução, aos atos executivos realizados no
procedimento de cumprimento de sentença, bem como aos efeitos de atos ou fatos
processuais a que a lei atribuir força executiva. Parágrafo único. Aplicam-se
subsidiariamente à execução as disposições do Livro I da Parte Especial (ou seja,
este artigo afirma que se aplica ao cumprimento de sentença as regras da execução e
vice-versa).
Portanto, são requisitos necessários para a execução e para o cumprimento de
sentença o inadimplemento e o título executivo. Vale destacar que, na nomenclatura
do NCPC, o termo utilizado é exigibilidade da obrigação e não inadimplemento
(NCPC, art. 786).
De seu turno, se houver inadimplemento, mas não houver título executivo, não
cabe a execução. No caso, terá de ser utilizado o processo de conhecimento (com
diversas opções de procedimento, conforme o caso).
Por sua vez, se não houver inadimplemento, mas houver título executivo,
tampouco cabe a execução. No caso, a rigor, terá de se esperar até que haja o
vencimento do título e eventual inadimplemento (basta imaginar uma nota
promissória com data futura). Contudo, caso o devedor, antes do vencimento do título,
passe a alienar seu patrimônio, então se estará diante de uma situação de urgência,
sendo cabível a tutela de urgência cautelar (no caso, o arresto – NCPC, art. 301).
Vale destacar uma importante inovação do NCPC: se existir título executivo
extrajudicial, mas a parte tiver alguma dúvida quanto à sua liquidez, certeza ou
exigibilidade, é possível optar pelo processo de conhecimento. É a previsão do art.
785: A existência de título executivo extrajudicial não impede a parte de optar pelo
processo de conhecimento, a fim de obter título executivo judicial.
Conforme o tipo de obrigação, haverá um procedimento distinto para tramitar a
execução ou cumprimento de sentença. E aqui mais um ponto em comum entre as duas
modalidades.
São procedimentos do processo de execução:
(i) para a entrega de coisa
(ii) das obrigações de fazer ou de não fazer
(iii) por quantia certa
(iv) contra a Fazenda Pública
(v) de alimentos
São procedimentos da fase de cumprimento de sentença:
(i) de obrigação de pagar quantia,
(ii) de obrigação de prestar alimentos,
(iii) de obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública,
(iv) que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de
entregar coisa.
Assim, ainda que, em número, haja distinção, a divisão é exatamente a mesma.
4.2.Processo de execução
4.2.1.Princípios da execução
É certo que, em regra, os princípios processuais do processo (vistos na parte
geral) também se aplicam à execução.
Como exemplo: devido processo legal, contraditório, ampla defesa, lealdade e
boa-fé, publicidade, motivação etc.
Contudo, existem princípios específicos do processo executivo.
4.2.1.6.Princípio da disponibilidade
Na execução busca-se a satisfação do direito do exequente, o que se atinge por
uma série de atos (penhora, avaliação, expropriação etc.). Portanto, não se discute se
o executado deve ou não. Logo, o resultado do processo somente beneficia ao
exequente, mas não ao executado.
Nessa perspectiva, a disponibilidade de quem está no polo ativo (princípio
dispositivo – parte dispõe da lide) no processo executivo é ainda maior do que no
processo de conhecimento.
No processo de conhecimento, como visto, para o autor desistir do processo após
a apresentação da contestação, o réu deve concordar (NCPC, art. 485, § 4°).
Na execução, o exequente pode desistir do processo independentemente da
apresentação de defesa do executado.
Assim, pelo princípio da disponibilidade, pode o exequente, sem qualquer
interferência do executado (NCPC, art. 775):
(i) prosseguir com a execução por completo;
(ii) desistir dela por completo;
(iii) desistir de alguns atos executivos.
Porém, em relação à defesa do executado (seja via embargos à execução ou
impugnação ao cumprimento de sentença), a regra é um pouco distinta, assemelhando-
se ao que se verifica no processo de conhecimento. (NCPC, art. 775, parágrafo
único). Assim, na desistência da execução, observar-se-á o seguinte:
a) serão extintos os embargos e impugnação que versarem apenas sobre questões
processuais, pagando o exequente as custas e os honorários advocatícios;
b) nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do impugnante ou
embargante.
4.2.1.7.Princípio da patrimonialidade
Pelo princípio da patrimonialidade tem-se que a execução atinge o patrimônio
da pessoa, e não a própria pessoa.
Os bens do executado é que são os responsáveis pela satisfação do direito do
exequente – e não seu corpo. Afinal, a execução é voltada para a satisfação do direito
do exequente (princípio do resultado / efetividade), mas é preciso que se respeite os
direitos fundamentais do executado (princípio da menor onerosidade).
Nesse sentido, a vedação da prisão civil por dívida, salvo em relação ao
devedor de alimentos (Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil de depositário
infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito).
O debate que se tem hoje, pós-NCPC, é o de como conjugar a menor onerosidade
e patrimonialidade com a atipicidade das medidas executivas, especialmente em
relação a medidas como restrição ao direito de dirigir ou retenção de passaporte. A
jurisprudência já começa a delinear a questão (vide item 1.4.7.).
4.2.2.Legitimidade de parte
Tal qual se fala em legitimidade no processo de conhecimento, isso se verifica
também no processo de execução.
A regra é no sentido de a parte legítima ativa ser o credor da obrigação, ao
passo que a parte legítima passiva ser o devedor.
4.2.2.1.Legitimidade ativa
A legitimidade ativa para a execução é tratada no art. 778 do NCPC.
A classificação é a seguinte:
a) Legitimidade ativa ordinária, que pode ser:
a.1) primária ou originária;
a.2) derivada ou superveniente.
b) Legitimidade ativa extraordinária
Na legitimidade ordinária, o exequente vai a juízo em nome próprio, postular
direito próprio.
Na legitimidade extraordinária (admissível apenas nos casos previstos em lei),
o exequente vai a juízo em nome próprio postular direito de outro.
Na legitimidade ativa ordinária primária, a obrigação foi constituída em favor
do credor que consta no título, ou a quem a lei atribui o título.
De seu turno, na legitimidade ativa ordinária derivada, a obrigação foi
constituída em favor de um credor, mas houve ato de transmissão para um novo
credor (seja de título extrajudicial ou judicial).
O art. 778, caput, do NCPC trata da legitimidade ativa ordinária primária:
Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título executivo.
A situação típica deste inciso é a do fiador que paga a dívida, para então assumir
a mesma posição jurídica do credor originário, em relação ao devedor principal.
Em relação à legitimidade ativa extraordinária, uma das principais situações diz
respeito à atuação do MP. Tanto que é a previsão legislativa constante do NCPC.
§ 1° Podem promover a execução forçada ou nela prosseguir, em sucessão ao exequente originário:
I – o Ministério Público, nos casos previstos em lei.
4.2.2.2.Legitimidade passiva
A legitimidade passiva para a execução, de forma análoga ao exposto quanto à
ativa, pode ser dividida em ordinária primária e ordinária derivada ou
superveniente. Considerando o princípio do título, não se fala em legitimidade
extraordinária passiva.
A legitimidade passiva primária trata da situação mais usual. Nesse sentido:
Art. 779. A execução pode ser promovida contra:
I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo.”
Existindo bem que tenha garantia real, ainda que haja a transferência, o ônus
segue a coisa (característica do direito real)
“Art. 779 (…) VI – o responsável tributário, assim definido em lei”.
Hipótese em que a legislação tributária cria a obrigação para terceiro que não
necessariamente o devedor original.
4.2.3.Responsabilidade patrimonial
Não se deve confundir legitimidade com responsabilidade.
A responsabilidade patrimonial ou executiva se refere ao patrimônio que será
invadido em virtude do processo de execução.
É possível que haja coincidência entre as figuras, mas não necessariamente o
devedor é o responsável patrimonial.
O executado:
✓ é legitimado passivo para a execução,
✓ pode ter seu patrimônio invadido,
✓ tem responsabilidade executiva.
É a situação de responsabilidade patrimonial primária.
É o mais usual, em que o próprio executado tenha responsabilidade
patrimonial. E isso se refere aos seus bens “presentes e futuros” (NCPC, art. 789) –
enquanto não verificada a prescrição.
Mas também existe a responsabilidade patrimonial secundária. Nesse caso,
desde que previsto em lei, admite-se a sujeição de bens de terceiro à execução
judicial (principal artigo: NCPC, 790).
Cabe destacar que a responsabilidade executiva é uma situação de sujeição que
independe da vontade da parte, mas sim da lei.
O texto legal tem a seguinte redação:
4.2.7.1.Petição inicial
Diante do inadimplemento e de um título executivo extrajudicial que traga
obrigação de pagar, será utilizada a execução por quantia certa (NCPC, art. 829).
A petição inicial do processo de execução segue a lógica da inicial do processo
de conhecimento, com os seguintes requisitos:
(i) endereçamento (NCPC, art. 319, I)
A competência para ajuizar a execução (NCPC, art. 781) é ampla, sendo
possível a propositura no foro do domicílio do executado, foro de eleição constante
do título ou foro da situação dos bens que serão penhorados.
(ii) qualificação das partes (NCPC, art. 319, II)
A legitimidade para a execução é apurada a partir da análise do título executivo
extrajudicial;
(iii) demonstração do inadimplemento / exigibilidade da obrigação e da existência
de título (NCPC, art. 319, III)
S ão documentos essenciais à propositura da execução o título executivo e o
demonstrativo de débito;
(iv) valor da causa (NCPC, art. 319, V)
Nos termos do NCPC, art. 292, I, o valor da causa será aquantia pleiteada na
execução.
Quando admitida a execução, é permitido ao credor dar publicidade a respeito
da existência da execução. Para tanto, o exequente poderá obter certidão, com
identificação das partes e valor da causa, “para fins de averbação no registro de
imóveis, de veículos ou de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou disponibilidade”
(NCPC, art. 828). Essa averbação não impede a alienação do bem, mas dá ciência a
terceiros, os quais não poderão alegar desconhecimento a respeito da execução.
Estando em termos a petição inicial, o juiz determinará a citação do executado,
que poderá ser feita por correio.
Se o executado não for encontrado, será realizada nova diligência pelo oficial de
justiça e, se o caso, haverá citação por hora certa ou por edital.
Há uma situação específica: se o oficial de justiça não encontrar o executado,
ma s encontrar bens passíveis de penhora, será possível a constrição de bens.
Contudo, não se trata de penhora, que somente pode ser realizada após a citação
(vide tópico abaixo).
Essa constrição é o arresto executivo ou pré-penhora (não confundir com a
cautelar de arresto), previsto no art. 830 do NCPC: A jurisprudência admite que esse
arresto seja feito por meio eletrônico (on-line – STJ, REsp 1.370.687-MG,
Informativo 519 do STJ).
4.2.7.2.Penhora
No caso de execução de quantia, se não houver o pagamento do débito, haverá a
penhora, que é a constrição judicial de bem do executado, capaz de garantir o
pagamento do débito exequendo. Uma vez efetivada a penhora, a avaliação do bem
será realizada pelo oficial de justiça (NCPC, art. 870).
O devedor responde pela execução com seus bens presentes e futuros (NCPC,
art. 789). Ou seja, se durante a tramitação do processo o devedor adquirir algum bem,
será possível a penhora.
Pode o exequente, já na inicial do processo de execução, indicar os bens do
executado que devem ser penhorados (NCPC, art. 829, § 1°), que serão penhorados –
salvo se outros forem indicados pelo executado e aceitos pelo juiz, diante da
demonstração de que a constrição será menos onerosa e não trará prejuízo ao
exequente.
Poderá o juiz determinar que o executado indique quais são, onde estão e
quanto valem os bens passíveis de penhora, sob pena de ato atentatório à dignidade
da justiça, que acarreta a imposição de multa (NCPC, art. 774, V).
Efetivada a penhora, será nomeado um depositário (e, como já exposto, não há
mais a prisão do depositário infiel). E o depositário só será o executado se o
exequente concordar ou nos casos de difícil remoção do bem (NCPC, art. 840, § 2°).
Se o oficial, ao tentar citar o devedor, não encontrá-lo, mas encontrar bens
penhoráveis poderá arrestar tais bens (NCPC, art. 830). Não se trata de penhora,
visto que esta somente pode ocorrer após a citação e se não houver o pagamento do
débito. Uma vez efetivado o arresto e não encontrado o devedor, o credor deverá
providenciar sua citação por edital. Após tal ato, o arresto será convertido em
penhora (NCPC, art. 830, § 3°). Não se deve confundir esse arresto do processo
executivo com o arresto cautelar, pois são figuras distintas.
Pode o exequente requerer a penhora on-line de bens do executado (NCPC, art.
854 e ss.). Porém, há inovações no procedimento.
Inicialmente, após requerimento do exequente, o juiz, sem dar ciência ao
executado, determinará às instituições financeiras que tornem indisponíveis ativos
financeiros do executado (NCPC, art. 854). O juiz deverá cancelar, em 24 horas,
eventual indisponibilidade excessiva (NCPC, art. 854, § 1°).
Efetivada a indisponibilidade, o executado será intimado e terá prazo de 5 dias
para comprovar que (§ 2° e 3°):
I – as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;
II – ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.
Somente após essa manifestação é que haverá efetivamente a penhora, e então
a instituição financeira deverá transferir o montante penhorado para conta à
disposição do juízo (§ 5°).
Assim, a penhora on-line somente ocorrerá após a citação; já o arresto executivo
do art. 830 (inclusive on-line), ocorrerá antes da citação (REsp 1.370.687-MG,
informativo 519 do STJ).
No mais, o NCPC ainda prevê expressamente a penhora de:
✓ créditos (art. 855);
✓ quotas ou ações de sociedades (art. 861 – inovação);
✓ empresa, outros estabelecimentos e semoventes (art. 862; inovação quanto
aos semoventes);
✓ percentual de faturamento de empresa (art. 866);
✓ frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel (art. 867 – o que era usufruto
de bem móvel ou imóvel no sistema anterior).
4.2.7.2.1.Impenhorabilidades
O sistema brasileiro tem diversas impenhorabilidades, situações nas quais, por
força de lei, a penhora não é permitida, com o fim de proteger o executado e a
sociedade.
A Lei 8.009/1990 trata da impenhorabilidade do bem de família, apontando ser
impenhorável o imóvel destinado à residência, bem como os móveis que o guarnecem
(art. 1° e parágrafo único).
Mas há exceções à impenhorabilidade, previstas na própria lei. Dentre outras,
merecem destaque as seguintes situações nas quais se admite a penhora (Lei
8.009/1990, art. 3°):
“III – pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do coproprietário que, com o
devedor, integre união estável ou conjugal (inclusão da ressalva quanto ao cônjuge pela Lei 13.144/2015);
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel
familiar;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
4.2.9.1.Cabimento
Os embargos de terceiro são utilizados quando há turbação ou esbulho por ato
judicial (penhora, depósito, arresto etc.) de bem daquele que não é parte no
processo, seja processo de execução, de conhecimento ou cautelar.
Os embargos podem ser utilizados por quem tem propriedade e posse (senhor e
possuidor) ou apenas por quem tem posse (possuidor).
Cabe também a utilização pelo cônjuge para defesa de sua meação (NCPC, art.
674, § 2°, I).
4.2.9.2.Procedimento
Trata-se de processo de conhecimento que tramita por procedimento especial
(NCPC, art. 674 e ss.). Distribuídos por dependência, são autuados em apartado
(NCPC, art. 676).
Quanto ao prazo, não há um termo específico (NCPC, art. 675):
✓ sendo constrição ocorrida em processo de conhecimento, não há prazo
específico, sendo possível a oposição dos embargos até o trânsito em julgado da
sentença;
✓ sendo constrição ocorrida em processo de execução ou cumprimento de
sentença, até 5 dias após a adjudicação, alienação ou arrematação, mas antes da
assinatura da respectiva carta.
Será réu nos embargos de terceiro a parte que pleiteou e/ou que teve proveito
com a constrição judicial (NCPC, art. 677, § 4°). No tocante à sucumbência, assim
preceitua a Súmula 303 do STJ: “Em embargos de terceiro,quem deu causa à
constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios”.
Deverá o embargante provar a posse ou propriedade e a qualidade de terceiro ,
juntando documentos e indicando testemunhas (NCPC, art. 677).
Se o juiz entender que está provada a posse ou propriedade , poderá suspender
as medidas constritivas sobre o bem litigioso (NCPC, art. 678), podendo determinar
a prestação de caução, salvo se a parte for economicamente hipossuficiente (NCPC,
art. 678, parágrafo único).
O embargado poderá apresentar contestação no prazo de 15 dias, a partir daí se
seguirá o procedimento comum (NCPC, art. 679).
Ao final, o juiz proferirá sua sentença.
4.3.Cumprimento de sentença
4.3.1.Dos requisitos necessários para o cumprimento de sentença
Retomando o já explanado acima, são requisitos necessários para o cumprimento
de sentença:
(i) inadimplemento / exigibilidade: o não cumprimento espontâneo da obrigação
fixada na sentença (NCPC, art. 786);
(ii) título executivo judicial: documento que traduz uma obrigação e permite o
início da fase de cumprimento de sentença (NCPC, art. 515).
Somente cabe o cumprimento de sentença quando existirem ambos os requisitos.
Uma questão que foi objeto de grande polêmica é termo inicial do prazo de 15
dias para pagamento, sob pena de multa de 10%: a partir da intimação do
executado ou do trânsito em julgado da decisão? A lei anterior era omissa.
O caput do art. 523 do NCPC é claro: o início do prazo depende da intimação do
executado (essa foi a posição a que chegou o STJ, no REsp 940.274/MS,DJe
31.05.2010). Porém, não especificou o legislador se esse prazo seria em dias úteis ou
corridos; ou seja, se o prazo de pagamento é processual ou de direito material
(NCPC, art. 219, parágrafo único). A doutrina está dividida – em meu entender, é
prazo processual, por trazer consequência para o processo (logo, o prazo é em dias
úteis). Resta verificar qual será a posição do STJ a respeito do tema.
Outra questão polêmica: cabe a regra do parcelamento da dívida na execução
(NCPC, art. 916 ao cumprimento de sentença? No sistema anterior, a jurisprudência
do STJ admitia (REsp 1.264.272-RJ, Informativo 497 do STJ). Contudo, o art. 916, §
7° foi expresso ao vedar o parcelamento para o cumprimento de sentença. Resta
verificar se a legislação realmente será cumprida pela jurisprudência.
4.3.5.1.Da impugnação
A impugnação é a defesa do executado prevista no NCPC para a fase de
cumprimento de sentença.
O prazo para impugnar é de 15 dias, contados a partir do término do prazo de 15
dias para pagamento voluntário (item acima).
A regra está prevista no art. 525 do NCPC:
Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se
o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado (…) apresente, nos próprios autos,
sua impugnação.
H á prazo em dobro no caso de litisconsortes com advogados distintos (NCPC,
art. 525, § 3°).
Inova o NCPC em relação ao prazo e, também, em relação à peça ser sempre nos
mesmos autos, bem como quanto à desnecessidade de penhora para impugnar
(NCPC, art. 525, caput).
Considerando que o cumprimento de sentença tem por base um título executivo
judicial e, assim, já houve prévia manifestação do Poder Judiciário, há restrição
quanto à matéria a ser alegada na impugnação. Não se pode discutir novamente o
mérito (se a quantia a ser paga é ou não devida), pois aí haveria violação à coisa
julgada.
Assim, somente as seguintes matérias podem ser alegadas na impugnação
(NCPC, art. 525, § 1°):
(i) falta ou nulidade da citação, se na fase de conhecimento o processo correu à
revelia;
(ii) ilegitimidade de parte;
(iii) inexigibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação
(iv) penhora incorreta ou avaliação errônea;
(v) excesso de execução ou cumulação indevida de execuções (aqui se aplica tudo
quanto foi antes exposto a respeito do tema nos embargos à execução; inclusive
deverá o impugnante declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de
rejeição liminar da impugnação – NCPC, art. 525, §§ 4 e 5°).
(vi) incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
(vii) qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação (pagamento,
compensação, transação etc.), desde que superveniente à sentença (porque se
anterior à sentença, isso já está protegido pela coisa julgada).
Considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei declarada
inconstitucional pelo STF, seja em controle difuso ou concentrado (NCPC, art. 525, §
12), sendo que a decisão do STF deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão
exequenda (§ 14) – se a decisão for posterior, deverá ser utilizada a rescisória, cujo
prazo será contado a partir do trânsito em julgado da decisão do STF (§ 15).
4.5.3Execução de alimentos
Tratando-se de título executivo extrajudicial (escritura pública ou outro título
extrajudicial de alimentos), também é possível que existam dois procedimentos:
(iii) execução de alimentos, fundada em título executivo extrajudicial, sob pena
de prisão, para débitos recentes (arts. 911 e 912): executado será citado para pagar,
em 3 dias (art. 528);
(iv) execução de alimentos, fundada em título executivo extrajudicial, sob pena
de penhora, para débitos pretéritos (art. 913): executado será citado para pagar, em
3 dias (art. 829).
Em relação à defesa na execução de alimentos:
✓ quanto ao exposto em (iii) acima (sendo o procedimento sob pena de prisão),
cabível também a justificativa de alimentos, tal qual no cumprimento de sentença
(art. 911, parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2° a 7° do art. 528).
✓ quanto ao exposto em (iv) acima (sendo o procedimento sob pena de
penhora): cabíveis os embargos, sem qualquer especificidade.
4.6.1.Fraudes
Diante da alienação de bens que poderiam ser objeto de penhora, fala-se em
fraudes:
a) fraude à execução: é a ineficácia de alienação feita pelo devedor após a citação
em processo – de conhecimento ou execução –, que possa levá-lo à insolvência
(NCPC, art. 792).
A Súmula 375 do STJ pacificou que: “O reconhecimento da fraude à execução
depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro
adquirente”.
Para ser reconhecida a fraude à execução, não há necessidade de uma nova ação
judicial; o reconhecimento será requerido no bojo do processo que já tramita e no
qual já houve a citação. Assim, se o réu, citado no processo judicial, alienar seus
bens a ponto de ficar sem patrimônio, poderá ser reconhecida a fraude;
A hipótese mais frequente é a seguinte:
“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
(…)
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor
ação capaz de reduzi-lo à insolvência;”
Mas não é a única hipótese
“Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão
reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no
respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro
ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;”
Como exemplo, uma demanda reivindicatória em que se pleiteia determinado
imóvel. O réu aliena o imóvel durante a tramitação desse processo.
Se o resultado da demanda for:
1) extinção sem resolução de mérito – não há problema;
2) improcedência – não há problema
3) procedência – problema: autor tem direito à propriedade, mas o bem foi
alienado. Nesse caso, pode-se falar em fraude, nos termos do inc. I do art. 792.
Além disso, o inc. V do art. 792 fala “nos demais casos expressos em lei”. Um
dos exemplos é a alienação após o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica (arts. 133 e 792, § 3°).
Traz o NCPC algumas inovações quanto à fraude à execução:
✓ - afirma o Código, tal qual já reconhecia a doutrina, que a alienação em fraude
é ineficaz quanto ao exequente (art. 792, § 1°);
✓ - no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente
tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição do bem,
mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e
no local onde se encontra o bem (§ 2°).
✓ - antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro
adquirente, que poderá se defender via embargos de terceiro, no prazo de 15 dias (§
4°).
b) fraude contra credores: é a alienação realizada pelo devedor, que o levará à
insolvência, com finalidade de prejudicar o credor em eventual processo judicial
(CC, arts. 158 e ss.).
Ocorre antes da citação em qualquer processo judicial. Tem como requisitos o
eventum damni (dano – reduzir o devedor à insolvência) e o consilium fraudis
(fraude – prejudicar o credor).
Há necessidade de um processo judicial (ação pauliana), em que serão
litisconsortes passivos quem alienou e quem adquiriu o bem.
Trata-se de demanda que tramita pelo procedimento comum ordinário, que
necessita de prova dos dois requisitos para que seja reconhecida a fraude e o juiz
determine que a situação volte ao status quo ante (ou seja, que o bem deixe a esfera
do terceiro e volte à do alienante – para que seja possível, no processo oportuno, ser
objeto de penhora).
Vale destacar que somente há legitimidade do credor quirografário (CC, art. 158)
e somente é possível o ajuizamento por quem já era credor quando da alienação (CC,
art. 158, § 2°).
4.6.2.Remição e remissão
Estas figuras podem acarretar a extinção da execução. Mas são distintas, o que,
usualmente, acarreta dúvidas:
(i) remissão da dívida: perdão da dívida pelo credor (CC, art. 385), hipótese que
acarreta a extinção da execução (NCPC, art. 924, IV);
(ii) remição da execução: liberação total da execução em virtude do pagamento,
antes da adjudicação, alienação ou arrematação (NCPC, art. 826), hipótese que
também acarreta a extinção da execução (NCPC, art. 924, II).
Perceba-se que a remição depende do pagamento total da execução. Assim, não
há remição envolvendo um bem específico.
Se estiver para ser adjudicado ao credor um determinado bem, poderão pessoas
ligadas ao devedor obter a liberação daquele bem específico.
Ou seja, poderão adjudicar, nas mesmas condições do credor, o cônjuge,
ascendente e descendente do executado, bem como o credor com garantia real ou
outros credores que tenham penhorado o bem (NCPC, art. 876, § 5°).
Havendo mais de um interessado, haverá licitação; para a mesma oferta, a
preferência será do cônjuge / companheiro, ascendente e descendente, nessa ordem
(NCPC, art. 876, § 6°).
5.1.1.Conceito
Recurso, na linha da definição do saudoso Professor Barbosa Moreira, é o
“remédio voluntário e idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a
invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial impugnada”.
A existência dos recursos decorre dos princípios processuais da ampla defesa, do
contraditório e do duplo grau de jurisdição.
Pelo princípio da taxatividade, somente a lei pode prever quais são os recursos
– que são os previstos no NCPC, art. 994.
Da soma do conceito de recurso e do princípio da taxatividade, é possível
concluir que:
a) a remessa necessária não é recurso.
A remessa necessária (reexame necessário no CPC/1973) é a situação na
qual a sentença é contrária à Fazenda Pública (União, Estados, Municípios e suas
autarquias e fundações) e, mesmo sem recurso, a decisão de 1° grau tem de ser
confirmada pelo Tribunal (NCPC, art. 496).
Só não haverá a remessa necessária se (NCPC, art. 496, §§ 3° e 4°):
✓ (i) quando a condenação ou proveito econômico for de valor certo e líquido
inferior a (a) 1.000 salários mínimos para a União, autarquias e fundações federais;
(b) 500 salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, autarquias e fundações
de direito público estaduais e os Municípios que forem capitais dos Estados; (c) 100
salários mínimos para todos os demais Municípios e autarquias e fundações de direito
público municipais;
(ii) quando a sentença estiver fundada em (a) súmula de tribunal superior; (b)
acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos; (c)
entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência; (d) entendimento coincidente com orientação vinculante
firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em
manifestação, parecer ou súmula administrativa.
b) ações de impugnação autônomas não são recursos.
As ações de impugnação autônomas, apesar de impugnarem decisões judiciais,
assim o fazem mediante a instauração de uma nova relação processual, ou seja, não
se trata da mesma relação processual na qual a decisão foi proferida.
Como exemplos, a ação rescisória (que busca desconstituir a coisa julgada –
NCPC, art. 966), o mandado de segurança e o habeas corpus contra decisão judicial.
Nessas três situações, há a instauração de uma nova relação processual;
c) pedido de reconsideração não é recurso.
O pedido de reconsideração é a petição na qual a parte, uma vez que um pleito
seu não foi atendido, busca a reconsideração por parte do juiz. No cotidiano
forense é utilizado com frequência pelos advogados, mas, como não está previsto no
art. 994, não é recurso.
Assim, não modifica em nada o prazo para interposição do recurso cabível. Ou
seja: se o juiz indeferir a tutela de urgência e a parte apresentar pedido de
reconsideração, esta peça não alterará o prazo para interposição do agravo de
instrumento.
5.2.1.1.Cabimento
Cabe apelação de sentença, qualquer que seja o procedimento, seja sentença
definitiva (mérito – NCPC, art. 487) ousentença terminativa (sem resolução de
mérito – NCPC, art. 485).
Portanto, só cabe de decisão proferida por juiz de 1° grau.
Da sentença proferida no JEC cabe recurso inominado (Lei 9.099/1995, art. 41).
5.2.1.2.Prazo/custas
O prazo para apelar é de 15 dias (NCPC, art. 1.003, § 5°). Da mesma forma, é de
15 dias o prazo para responder ao recurso (contrarrazões de apelação – NCPC, art.
1.010, § 1°).
Há custas.
5.2.1.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Em regra, há o efeito suspensivo (NCPC, art. 1.012).
As exceções, nas quais não há o efeito suspensivo, estão previstas em lei – tanto
no NCPC (art. 1.012, § 1°, incisos) como em legislação extravagante:
(i) sentença que homologa divisão ou demarcação;
(ii) sentença que condena a pagar alimentos;
(iii) sentença que extingue sem resolução de mérito ou julga improcedente os
embargos à execução;
(iv) sentença que julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
(v) sentença que confirma, concede ou revoga a tutela provisória;
(vi) sentença que decreta a interdição;
(vii) sentenças previstas na Lei de Locação, como a que decreta o despejo (Lei
8.245/1991, art. 58, V).
Nesses casos, publicada a sentença, poderá a parte interesse pleitear o
cumprimento provisório depois da publicação da sentença (NCPC, art. 1.012, § 2°),
sendo que o apelante poderá formular eventual pedido de concessão de efeito
suspensivo, diretamente no tribunal (§ 3°).
5.2.1.4.Processamento (interposição/julgamento)
A seguir será apresentada a tramitação de uma apelação, desde sua interposição
em 1° grau até a conclusão do julgamento, no Tribunal. Vale esclarecer que o
processamento da apelação é a base do processamento dos demais recursos.
5.2.1.4.1.Em 1° grau
A apelação é interposta em 1° grau (juízo a quo), em petição que deverá trazer
(NCPC, art. 1.010) o nome e a qualificação das partes, exposição do fato e do direito,
razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade (error in judicando e
error in procedendo) e pedido de nova decisão.
O juiz intimará o apelado para apresentar contrarrazões e, se houver apelação
adesiva, também intimará o apelante para as contrarrazões (NCPC, art. 1.010, §§ 1° e
2°).
Não haverá juízo de admissibilidade e o juiz remeterá o processo ao tribunal.
Portanto, não cabe o não conhecimento pelo juiz de origem nem a indicação de quais
são os efeitos do recurso de apelação.
Em regra, ao receber a apelação, o juiz não pode reconsiderar a sentença.
Contudo, há exceções:
(i) tratando-se de indeferimento da inicial (NCPC, art. 331), ou seja, quando houver
grave vício processual na inicial, que sequer permita a emenda; e
(ii) tratando-se de qualquer extinção sem resolução de mérito (NCPC, art. 485, § 7°),
portanto, a hipótese mencionada no item anterior (art. 485, I), também está inserida
nesta previsão; e
(iii) tratando-se de improcedência liminar (NCPC, art. 332, § 3°), ou seja,
quando já houver jurisprudência pacífica contrária ao pedido do autor.
Somente nestes casos, poderá o juiz reconsiderar a sentença, determinando a
citação do réu e o normal prosseguimento da causa. Caso não haja a reconsideração
por parte do juiz, os autos serão encaminhados ao Tribunal. Se ainda não tiver havido
a citação do réu (sempre nos casos i e iii e às vezes no caso ii), apenas após a
citação do réu, para apresentar contrarrazões do recurso, é que os autos irão ao
Tribunal (NCPC, arts. 331, § 1° e 332, § 4°).
5.2.1.4.2.No Tribunal
Uma vez remetida a apelação ao Tribunal, será distribuída a um relator
(desembargador que ficará responsável pela principal análise do recurso). Essa
distribuição será realizada imediatamente (NCPC, art. 1.011) – ou seja, ainda que não
venha a ser julgada desde logo, já se saberá quem é o relator responsável pela causa
(CF, art. 93, XV).
Como já exposto, sendo a hipótese de vício processual ou de jurisprudência
dominante (NCPC, art. 932), poderá o relator decidir a apelação monocraticamente,
seja para não conhecer, seja para conhecer e dar ou negar provimento. Não sendo a
hipótese de julgamento monocrático, o relator elaborará relatório e voto, para
julgamento pelo órgão colegiado (NCPC, art. 1.011). Reitere-se que não mais há a
necessidade de envio prévio para outro desembargador (o revisor, no sistema
anterior).
Quando o recurso estiver em condições de julgamento (afirma o NCPC que será
em 30 dias – art. 931), o relator enviará os autos, já com relatório, para a secretaria
do tribunal. O presidente do órgão julgador designará dia para julgamento, devendo
ser a pauta publicada no diário oficial, para ciência das partes e interessados (NCPC,
art. 934). Deve haver prazo mínimo de 5 dias entre a publicação da pauta e a sessão
de julgamento (NCPC, art. 935).
No dia da sessão de julgamento, a ordem será a seguinte (NCPC, art. 937):
✓ - leitura do relatório pelo relator;
✓ - se assim quiserem, sustentação oral dos advogados das partes, cabível não
só na apelação, mas também nos seguintes recursos: ROC, REsp, RE, embargos de
divergência, ação rescisória, MS (inclusive na apreciação colegiada da liminar –
inovação da Lei 13.676/2018), reclamação e agravo de instrumento interposto contra
interlocutórias que versem sobre tutela provisória – sustentação essa que poderá ser
feita via videoconferência (§ 4°); portanto, não cabe sustentação oral no agravo
interno, embargos de declaração e parte dos agravos de instrumento (vale destacar
que, na versão aprovada no congresso, era admissível a sustentação em agravo
interno interposto de decisão monocrática que julgou apelação, recurso ordinário,
REsp ou RE – porém, o dispositivo foi vetado);
✓ - leitura do voto do relator;
✓ - voto do segundo e terceiro magistrados.
Se algum dos magistrados não estiver em condições de proferir o voto (dúvida
quanto ao julgamento), poderá pedir vista – ou seja, retirar de julgamento o recurso
para estudo, retomando-o futuramente.
Pelo Código, o prazo de vista é de 10 dias, após o qual o recurso será reincluído
em pauta na sessão seguinte à data da inclusão (NCPC, art. 940). Poderá o relator
pedir prorrogação de prazo por mais 10 dias (§ 1°). Passado esse prazo, o presidente
do órgão julgador requisitará o processo para julgamento na próxima sessão. Se o
magistrado que pediu vista ainda não se sentir habilitado a votar, o presidente
convocará substituto para proferir voto (§ 2°). Resta verificar se, na prática forense,
esse procedimento será observado ou se será ignorado nos tribunais (como ocorreu
com qualquer outra tentativa de limitar prazo de vista).
Se houver voto vencido, deverá necessariamente ser declarado e considerado
parte do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento (NCPC, art. 941, § 3°). E,
nesse caso, ainda que não mais existam embargos infringentes, deverá haver o
prosseguimento do julgamento (NCPC, art. 942, vide item 5.2.10.2 infra).
Se o acórdão não for publicado no prazo de 30 dias contados da data da sessão
do julgamento (e isso pode ocorrer com a demora na revisão e liberação do voto pelo
relator), as notas taquigráficas do julgamento serão publicadas, independentemente de
revisão, e substituirão o acórdão (NCPC, art. 944). Competira ao presidente do órgão
julgador (turma, câmara, seção ou pleno / órgão especial) lavrar as “conclusões e a
ementa” e mandar publicar o acórdão (NCPC, art. 944, parágrafo único).
O tribunal apreciará a matéria impugnada pela parte, na apelação (efeito
devolutivo – NCPC, art. 1.013). Porém, poderá o tribunal julgar todas as questões
suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde
que relativas ao capítulo impugnado (NCPC, art. 1.013, § 1°).
A teoria da causa madura é ampliada no Código. Ou seja, se o processo estiver
em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito
quando (NCPC, art. 1.013, §§ 3° e 4°):
I – reformar sentença sem resolução de mérito;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites
do pedido ou da causa de pedir (ou seja, decisão extra ou ultra petita);
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá
julgá-lo (ou seja, decisão infra petita);
IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação (portanto, se a
sentença não observar a exaustiva fundamentação, a rigor, não haverá a volta ao 1°
grau para nova fundamentação, mas sim o julgamento de mérito perito pelo tribunal).
V – se reformada sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o
tribunal, se possível, julgará desde logo o mérito, sem determinar o retorno do
processo ao juízo de primeiro grau.
Em relação à teoria da causa madura, a dúvida que se coloca é se essa previsão
viola o princípio do duplo grau. A jurisprudência responde de forma negativa, sempre
lembrando que (i) cabe recurso dessa decisão e (ii) que o princípio do duplo grau, em
algumas situações, pode ser afastado.
O exposto neste tópico, acerca do julgamento da apelação no Tribunal, traz a base
de como um recurso é julgado em 2° grau – assim, o procedimento ora exposto não se
aplica apenas à apelação.
5.2.1.5.Apelação adesiva
Conforme já exposto, cabe o recurso adesivo quando houver sucumbência
recíproca. Assim, se a sentença for de parcial procedência, autor e réu poderão
apelar de forma autônoma.
Mas, se apenas uma das partes apelar de forma autônoma, a outra pode, no
prazo das contrarrazões, apresentar apelação adesiva. O objetivo da apelação
adesiva é tentar melhorar a situação do apelante adesivo quando do julgamento pelo
Tribunal (a qual somente poderia piorar no julgamento da apelação da outra parte, em
virtude da vedação da reformatio in pejus).
A apelação adesiva apresenta todos os requisitos de admissibilidade, tal qual a
apelação principal. A única distinção envolve o prazo de interposição: em vez de 15
dias contados da intimação da sentença, são 15 dias contados a partir da intimação
para apresentação de contrarrazões à apelação da parte contrária – ou seja, no prazo
para responder à apelação, poderá a parte interpor sua apelação adesiva.
Outra distinção entre a apelação adesiva e a autônoma diz respeito à
admissibilidade. No caso de duas apelações autônomas, cada qual terá sua
admissibilidade apreciada separadamente. Em outras palavras, se a apelação do autor
for deserta, não será conhecida, se a apelação do réu tiver as custas recolhidas, será
conhecida.
Já no caso da apelação adesiva, sua admissibilidade dependerá da
admissibilidade da apelação principal. Ou seja, inicialmente há o juízo de
admissibilidade da apelação principal e, somente se esta for conhecida, haverá o
juízo de admissibilidade da apelação adesiva. É certo que, conforme a observância
ou não dos requisitos de admissibilidade, pode ser conhecida a principal e não
conhecida a adesiva.
Contudo, o inverso não pode ocorrer. Se por qualquer razão a apelação
principal não for conhecida, não será conhecida a apelação adesiva (NCPC, art.
997, § 2°, III). Assim, se a apelação principal for deserta, a apelação adesiva não será
conhecida – ainda que traga corretamente as custas. Outro exemplo: interpostas as
apelações principal e adesiva, se o apelante principal desistir da sua apelação,
nenhuma das duas apelações será processada.
5.2.2.Agravo de instrumento
No sistema anterior, além do instrumento, havia o retido, que ora deixa de existir
(vide item 5.2.10.1 infra).
A respeito do cabimento de agravo no JEC (Lei 9.099/1995), consultar o último
tópico deste capítulo.
5.2.2.1.Cabimento
Cabe agravo de instrumento de decisão interlocutória (NCPC, art. 203, § 2°),
proferida por magistrado de 1° grau.
Contudo, inova o NCPC ao apresentar umrol taxativo de hipóteses de
cabimento do agravo. Assim, somente caberá agravo de instrumento das decisões
interlocutórias que versem sobre (NCPC, art. 1.015):
I – tutelas provisórias;
II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua
revogação;
VI – exibição ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à
execução;
XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1°;
XII – inciso vetado;
XIII – outros casos expressamente referidos em lei (como exemplos, a decisão
que extingue apenas parte do processo e a decisão de julgamento antecipado parcial o
mérito – respectivamente, NCPC, arts. 354, parágrafo único e 356, § 5°).
Também cabe AI contra decisões interlocutórias proferidas na liquidação de
sentença, no cumprimento de sentença, na execução e no procedimento especial do
inventário (NCPC, art. 1.015, parágrafo único).
Pelo NCPC, somente nessas hipóteses caberia o agravo de instrumento. Porém,
existem outras situações relevantes (como a incompetência, especialmente a
absoluta) que ficaram de fora do rol de cabimento do AI. Para esses casos, debate a
doutrina se cabível agravo de instrumento de forma ampliativa (portanto, o rol não
seria taxativo) ou se seria o uso de mandado de segurança. A jurisprudência definirá
a questão. Até o momento, a questão segue polêmica: alguns tribunais aceitam o AI
(entendo que o rol do art. 1.015 é exemplificativo), outros aceitam o mandado de
segurança (como sucedâneo de recurso) e alguns, bem restritivos, não aceitam
nenhuma das opções. O primeiro precedente do STJ foi no sentido de ampliar o
cabimento do agravo, para permitir seu uso em outras hipóteses (REsp 1.679.909).
Porém, considerando a grande polêmica, o STJ afetou um recurso especial para ser
julgado como repetitivo, ainda pendente de julgamento.
5.2.2.2.Prazo/custas
O prazo para interposição do agravo de instrumento é de 15 dias (NCPC, art.
1.003, § 5°). Da mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao recurso
(contraminuta ou contrarrazões de agravo de instrumento – NCPC, art. 1.019, II).
Há possibilidade de cobrança de custas e porte de retorno (NCPC, art. 1.017, §
1°), sendo que isso é regulamentado no âmbito de cada Tribunal (no âmbito da Justiça
Federal, é cobrado em todas as regiões; na Justiça Estadual, a maioria dos Estados
cobra). Para fins de concursos jurídicos, a posição mais segura é entender pela
existência de custas de preparo.
5.2.2.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Em regra, não há o efeito suspensivo. Mas, poderá o relator, se presentes os
requisitos, atribuir efeito suspensivo ou antecipação de tutela recursal. Apesar da
omissão da lei (NCPC, art. 1.019, I) é de se entender que são os requisitos usuais da
tutela provisória (boa fundamentação e perigo da demora).
Cabe o efeito suspensivo se a decisão de 1° grau for positiva, ou seja, se o juiz
conceder a liminar pleiteada pelo autor, o réu agrava de instrumento pleiteando a
suspensão dos efeitos daquela decisão.
Por sua vez, cabe a antecipação de tutela recursal se a decisão de 1° grau for
negativa. Ou seja, se o juiz negar a liminar pleiteada pelo autor, o autor agrava de
instrumento pleiteando a concessão da antecipação de tutela recursal. Seria o
denominado “efeito suspensivo ativo”, terminologia não técnica, que por vezes é
utilizada no cotidiano forense e em provas de concursos jurídicos.
5.2.2.4.Processamento (interposição/julgamento)
O agravo de instrumento é interposto diretamente no Tribunal. Trata-se do único
recurso interposto diretamente no juízo ad quem (NCPC, art. 1.016).
A petição do agravo deve trazer (NCPC, art. 1.016):
I – os nomes das partes;
II – a exposição do fato e do direito;
III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio
pedido;
IV – o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo.
O agravante desde logo se dirige ao Tribunal. Assim, para que se saiba qual a
discussão, o recurso deverá trazer cópias do processo. Exatamente essas cópias é que
formam o instrumento, que dá nome ao recurso (ainda que os autos sejam
eletrônicos).
Existem cópias necessárias ou obrigatórias e cópias facultativas. São as
seguintes (CPC, art. 1.017):
I – obrigatoriamente, com cópias da petição inicial, da contestação, da petição
que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada (para que se saiba
qual a decisão recorrida), da certidão da respectiva intimação ou outro documento
oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados
do agravante e do agravado (para que se saiba se o advogado do agravante tem
poderes e quem é o advogado do agravado que deverá ser intimado para responder ao
agravo);
II – com declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos no
inciso I, feita pelo advogado do agravante, sob pena de sua responsabilidade pessoal;
III – facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis.
No sistema anterior, caso não fossem juntadas cópias necessárias, não era
possível a correção do instrumento e o recurso não seria conhecido. No NCPC,se
faltar alguma cópia obrigatória – ou existir outro vício sanável – o relator deverá
intimar o agravante para que corrija o recurso (NCPC, arts. 932, parágrafo único e
1.017, § 3°).
O agravo é interposto diretamente no Tribunal, de modo que o juiz de origem não
tem ciência da interposição do recurso. Por isso, poderá o agravante requerer a
juntada, no juízo de origem, da petição do agravo interposto e da relação de
documentos que o instruíram (NCPC, art. 1.018). Quando o juiz de 1° grau receber
essa petição, poderá reconsiderar a decisão agravada (juízo de retratação), caso em
que o agravo de instrumento será considerado prejudicado (NCPC, art. 1,018, § 1°).
Frise-se que a juntada do agravo na origem é uma opção do agravante, tratando-
se de processo eletrônico.
Se os autos forem físicos, a juntada do agravo na origem é um dever, cabendo ao
agravante providenciar a juntada do recurso na origem, no prazo de 3 dias (NCPC,
art. 1.018, § 2°). Caso o agravante não cumpra essa providência, desde que alegado e
provado pelo agravado, o recurso não será conhecido (NCPC, art. 1.018, § 3°).
Assim, não poderá o agravo não ser conhecido pela falta da observância pelo relator,
de ofício – isso depende da provocação do agravado. A lógica dessa previsão é que
o agravado tem de ter ciência do agravo de instrumento perante o juízo de origem, não
sendo obrigado a se locomover ao tribunal para ter ciência de qual o teor do recurso
(ou seja, se o processo for eletrônico, não há essa necessidade – daí a distinção
proposta pelo legislador entre autos físicos e eletrônicos).
O agravo de instrumento será distribuído a um relator, que poderá proceder da
seguinte forma (NCPC, art. 1.019):
✓ julgar de forma monocrática, não conhecendo ou conhecendo e negando
provimento ao recurso (NCPC, art. 932, III e IV) – se houver grave vício processual
ou jurisprudência pacífica contra o agravante;
✓ conceder, liminarmente, efeito suspensivo ou antecipação de tutela
recursal;
✓ intimar o agravado para apresentar resposta, em 15 dias;
✓ determinar a intimação do MP, para se manifestar em 15 dias.
Não há mais a previsão de pedir informações ao juiz de origem ou conversão do
agravo de instrumento em retido (exatamente porque não mais existe o agravo
retido).
Após a manifestação do agravado, poderá o relator: (i) julgar monocraticamente,
para dar provimento ao recurso (NCPC, art. 932, V) ou (ii) elaborar voto para
julgamento colegiado, pautando o recurso. Pelo Código, o agravo deve julgado em até
1 mês contado da intimação do agravado (NCPC, art. 1.020).
5.2.3.Embargos de declaração
5.2.3.1.Cabimento
C a b e m embargos de declaração (NCPC, art. 1.022) de qualquer
pronunciamento judicial com caráter decisório (sentença, decisão interlocutória,
decisão monocrática e acórdão).
O recurso se presta a complementar uma decisão judicial que contenha
obscuridade, omissão, contradição ou erro material.
Decisão obscura é aquela que não é clara, que não permite a correta
compreensão de seus termos.
Decisão omissa é aquela na qual o juiz não se manifesta a respeito de questão
ou pedido que ele deveria se manifestar.
Decisão contraditória é aquela que apresenta em seu bojo duas afirmações
inconciliáveis.
Erro material é a situação na qual haja alguma informação impertinente à lide
em análise (como o nome errado na parte)
Nestes casos, há vício na decisão, a qual precisa ser aclarada, complementada e
esclarecida. E isso deve ser realizado pelo próprio órgão que prolatou a decisão.
O NCPC traz algumas situações que, por força de lei, já são consideradas como
de omissão (NCPC, art. 1.022, parágrafo único):
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos
ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1°
(fundamentação exaustiva da sentença).
5.2.3.2.Prazo/custas
Os embargos de declaração serão opostos em 5 dias (NCPC, art. 1.023). Trata-se
do único recurso cujo prazo não é de 15 dias. Caso existam litisconsortes com
advogados distintos, há prazo em dobro (NCPC, art. 229 e 1.023, § 1°).
Se houver necessidade de contraditório nos embargos (vide item 5.2.3.4 abaixo),
o prazo também será de 5 dias (NCPC, art. 1.023, § 2°).
Não há preparo (CPC, art. 1.023, parte final).
5.2.3.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo. E, neste caso, haverá a
devolução não só ao Judiciário como ao próprio órgão prolator da decisão
embargada.
Quanto ao efeito suspensivo, o NCPC afastou polêmica antes existente: não há
efeito suspensivo (NCPC, art. 1.026).
Além disso, opostos os declaratórios, haverá a interrupção do prazo para
interposição do outro recurso cabível para impugnar a decisão, para ambas as
partes (NCPC, art. 1.026). A interrupção do prazo significa que há novo prazo para
recorrer, na íntegra.
Logo, diante da prolação de uma sentença de parcial procedência, se o autor
embarga de declaração no 5° dia do prazo, há a interrupção do prazo para apelar tanto
do autor quanto do réu. Ou seja, quando da decisão dos embargos, haverá novo prazo
de 15 dias para ambas as partes apelarem.
5.2.3.4.Processamento (interposição/julgamento)
Os embargos de declaração são opostos perante o órgão prolator da decisão
embargada (juiz ou relator no âmbito dos Tribunais). O recurso será julgado
exatamente por tal órgão (NCPC, art. 1.024, caput e § 1°), ou seja, tratando-se de
embargos de declaração, os juízos a quo e ad quem são o mesmo.
Pelo NCPC, os embargos devem ser julgados pelo juiz em 5 dias (art. 1024) e
devem ser apresentados em mesa pelo relator, na sessão subsequente (art. 1.024, §
1°).
Tratando-se de declaratórios opostos de decisão monocrática, os embargos
deverão ser julgados apenas pelo relator, novamente de forma unipessoal. Contudo,
caso se entenda que os embargos buscam reformar a decisão embargada, será
possível ao relator converter os declaratórios em agravo interno, mas intimando
previamente o recorrente para complementar as razões recursais (NCPC, art. 1.024,
§§ 2° e 3°), para julgamento colegiado.
Não cabe a utilização, ao mesmo tempo, de embargos de declaração e de outro
recurso. Portanto, diante de uma sentença, inicialmente a parte deve opor
declaratórios para, somente após a decisão dos embargos, interpor a apelação. Assim
é, pois (i) não se sabe se haverá ou não a modificação da sentença (o que pode alterar
o interesse recursal); e (ii) por força do princípio da unirrecorribilidade recursal.
Portanto, em síntese, o processamento dos embargos de declaração será o
seguinte:
✓ oposição pela parte recorrente;
✓ apreciação dos embargos pelo próprio órgão prolator da decisão embargada;
✓ com a publicação da decisão dos embargos, recomeça a correr o prazo
recursal para ambas as partes.
A rigor, o objetivo dos embargos é esclarecer a decisão. Contudo,
excepcionalmente, haverá efetivamente uma mudança da decisão. Nestes casos, fala-
se em efeitos infringentes ou modificativos dos embargos de declaração. Nessa
situação, deverá o embargado ser intimado para exercer o contraditório, no prazo de 5
dias (NCPC, art. 1.023, § 2°). Trata-se de inovação legislativa que acolhe a
jurisprudência pacífica do STJ. Ou seja, havendo a possibilidade de efeitos
infringentes, deverá ser exercido o contraditório, com a apresentação de
contrarrazões de embargos de declaração, para garantir a igualdade entre as partes e
evitar a prolação de decisão surpresa.
É possível que, diante de uma sentença, uma das partes apele e a outra embargue
de declaração. Nesse caso, se houver modificação da sentença pelos embargos, a
parte que apelou poderá complementar ou alterar suas razões recursais, nos limites
da modificação da decisão, no prazo de 15 dias (NCPC, art. 1.024, § 4°). Contudo, se
os embargos não forem providos e a sentença permanecer a mesma, não haverá
necessidade de ratificação da apelação, que será conhecida independentemente de
qualquer motivo (NCPC, art. 1.024, § 5° – dispositivo que afasta a Súmula 418 do
STJ).
Outra possibilidade de utilização dos embargos é para fins de prequestionamento
em relação aos recursos especial e extraordinário. Logo, se o acórdão é omisso no
tocante aos dispositivos de lei apontados como violados, cabem declaratórios para
que haja a manifestação do Tribunal nesse sentido. Inova o NCPC ao afirmar que a
simples oposição dos declaratórios já supre o requisito do prequestionamento,
ainda que os declaratórios sejam inadmitidos ou rejeitados (NCPC, art. 1.025).
Por fim, se o recurso for utilizado de forma protelatória, há previsão de multa de
2% sobre o valor da causa. No caso de reiteração de declaratórios protelatórios, a
multa é majorada para 10% – e para a interposição de qualquer outro recurso há a
necessidade de recolhimento da multa, salvo se o recorrente for a Fazenda ou
beneficiário da justiça gratuita, que recolherão o valor ao final do processo (NCPC,
art. 1.026, §§ 2° e 3°). Se já tiverem sido rejeitados e considerados protelatórios 2
declaratórios, não se admitirá novo recursos de embargos (NCPC, art. 1.026, § 4°).
5.2.4.1.Cabimento
O recurso ordinário tem um cabimento bem específico (NCPC, art. 1.027): é
apenas cabível de acórdão denegatório de ação constitucional (mandado de
segurança, habeas corpus, habeas data, mandado de injunção) originária de Tribunal.
Cabe, portanto, de decisão não concessiva da ordem de ações propostas
diretamente nos Tribunais, e será julgado pelo STJ ou STF. Como tem previsão
constitucional (CF, art. 102, II e 105, II), é também denominado de recurso ordinário
constitucional. Caso a decisão seja concessiva, não caberá ROC, mas sim outro
recurso para Tribunal Superior (REsp ou RE).
A hipótese mais comum de cabimento de ROC para o STJ é a de decisão
denegatória de HC ou MS de competência originária do TJ ou TRF (CF, art. 105, II,a
e b). Já a hipótese mais frequente de ROC para o STF ocorre no momento em que é
denegado HC ou MS de competência originária dos Tribunais Superiores (CF, art.
102, II, a).
Há, ainda, outra hipótese, pouco frequente, de cabimento de ROC (NCPC, art.
1.027, II, b): causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou
organismo internacional e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no
País. Tais causas tramitam, em 1° grau, perante a Justiça Federal (CF, art. 109, II)
e o ROC será julgado pelo STJ. Assim, da sentença proferida nesse processo, caberá
ROC, a ser julgado pelo STJ. E da interlocutória, caberá agravo de instrumento,
igualmente julgado pelo STJ (NCPC, art. 1.027, § 1°). Ou seja, excepcionalmente, não
haverá julgamento por Tribunal de 2° grau, mas somente pelo 1° grau da Justiça
Federal e o recurso ordinário ou agravo, pelo STJ.
5.2.4.2.Prazo/custas
No âmbito cível, o prazo para interposição do recurso ordinário é de 15 dias
(NCPC, art. 1.003, § 5°). Da mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao
recurso (contrarrazões de recurso ordinário – NCPC, art. 1.028, § 2°).
Há necessidade de custas (STJ, RMS 29.228/SE, 2.a T., j. 26.05.2009, DJe
04.06.2009).
Tratando de recurso ordinário de decisão denegatória de HC (ainda que
interposto de hipótese de prisão civil, como no caso de alimentos não pagos), o prazo
de interposição é de 5 dias (Lei 8.038/1990, art. 30), não havendo custas de preparo.
5.2.4.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Não há efeito suspensivo.
5.2.4.4.Processamento (interposição/julgamento)
A tramitação do ROC tem por modelo a tramitação da apelação, inclusive em
relação à teoria da causa madura (NCPC, art. 1.027, § 2°).
O recurso ordinário será interposto na origem (NCPC, art. 1.028, § 2°) e, após as
contrarrazões, será remetido para o Tribunal de destino (juízo ad quem – STJ ou
STF), independentemente de juízo de admissibilidade (NCPC, art. 1.028, § 3°).
A competência para julgamento será:
✓ do STJ, no caso de acórdão denegatório proferido nos TJs ou TRFs;
✓ do STF, no caso de acórdão denegatório proferido por Tribunais Superiores.
O ROC garante o duplo grau de jurisdição de decisão denegatória de ações
constitucionais.
Por fim, para afastar eventuais dúvidas, cabe esclarecer que, se um mandado de
segurança for impetrado em 1° grau e for negado por sentença, cabe apelação a ser
julgada pelo Tribunal de 2° grau. Mas, se a competência originária desse mandado
de segurança for de Tribunal de 2° grau, caberá recurso ordinário para o STJ.
5.2.5.Agravos de 2° grau
De decisões monocráticas proferidas no âmbito dos Tribunais (por
desembargadores ou Ministros), é cabível agravo, em duas modalidades: agravo
interno e agravo em recurso especial e em recurso extraordinário. Cada um dos
recursos será analisado de forma separada.
5.2.5.1.1.Cabimento
Cabe agravo interno de decisão monocrática proferida por relator de recurso
(NCPC, art. 1.021). No sistema anterior, por ausência de nomenclatura específica, era
também chamado de agravo regimental ou agravo legal. Com a opção legislativa de
nominá-lo, a tendência é a prevalência do nome agravo interno.
Já se apontou que é possível ao relator, diante de erro processual ou
jurisprudência pacífica, decidir monocraticamente o recurso (NCPC, art. 932, III a V
– vide item 5.1.4 acima). Também é possível ao relator apreciar, de forma
unipessoal, uma tutela de urgência. Contra essas decisões monocráticas é que cabe o
agravo interno.
Com a interposição do agravo, provido ou não o recurso, a decisão monocrática
irá se transformar em decisão colegiada (acórdão).
5.2.5.1.2.Prazo/custas
O prazo para interposição do agravo interno de 15 dias (NCPC, art. 1.003, § 5°).
Há contrarrazões (inovação do NCPC), a ser apresentada também em 15 dias (NCPC,
art. 1.021, § 2°).
Não há custas na maioria dos Estados e no âmbito da Justiça Federal (mas, em
alguns tribunais estaduais, há previsão de custas).
5.2.5.1.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Não há o efeito suspensivo.
5.2.5.1.4.Processamento (interposição/julgamento)
A interposição do recurso é bem simples e segue o procedimento previsto no
regimento interno dos Tribunais (NCPC, art. 1.021). Não há necessidade de cópias
(instrumento) ou qualquer outra formalidade.
O recurso é interposto nos próprios autos (por isso agravo interno), dirigido ao
relator que proferiu a decisão monocraticamente. Deverá o argumento impugnar
especificadamente os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não
conhecimento do recurso (NCPC, art. 1.021, § 1°).
Deverá ser aberta vista ao agravo, para apresentar contrarrazões, no prazo de 15
dias (NCPC, art. 1.021, § 2°), sendo que no sistema anterior, não havia previsão (no
Código ou nos regimentos internos dos tribunais) nesse sentido.
Se o relator reconsiderar (revogando a decisão monocrática), o recurso antes
interposto volta a ter sua tramitação normal (NCPC, art. 1.021, § 2°). Assim, se uma
apelação foi julgada monocraticamente e o relator reconsiderar, haverá o
processamento normal da apelação para um julgamento colegiado.
Caso o relator não reconsidere , o recurso será pautado, para julgamento
colegiado e prolação de acórdão.
Inova o NCPC, quanto ao agravo interno, para:
✓ vedar que o relator, ao julgar o agravo interno, apenas se limite a
reproduzir os fundamentos da decisão agravada (NCPC, art. 1.021, § 3°);
✓ se o agravo interno for declarado inadmissível ou improcedente em votação
unânime, deverá ser imposta multa, em decisão fundamentada, entre 1% e 5% do
valor atualizado da causa; a interposição de qualquer outro recurso fica condicionado
ao depósito prévio da multa – salvo para a Fazenda e beneficiário da justiça gratuita,
que recolherão a multa ao final do processo (NCPC, art. 1.021, §§ 4° e 5°).
Logo, pelo NCPC, se for proferida decisão monocrática e a parte interpuser o
agravo interno, para esgotar as vias ordinárias e poder, depois, valer-se do especial,
já haverá multa e necessidade de seu recolhimento para ser possível o especial.
5.2.5.2.1.Cabimento
O estudo do cabimento deste recurso demanda maior atenção. O sistema era um
no âmbito do CPC/1973, houve profunda alteração no NCPC, mas, ainda durante a
vacatio legis, houve nova alteração legislativa (Lei 13.256/2016) para que se
voltasse ao que existia no CPC/1973.
A modificação quanto a este recurso está ligada à admissibilidade do recurso
especial e extraordinário. No âmbito do CPC/1973, a admissibilidade do REsp e RE
era feita na origem (vide idem 5.2.6 a seguir). E, da decisão que não admitia esse
recurso, cabia agravo nos próprios autos, na tentativa de “destrancar” (ou “fazer
subir”) o recurso para tribunal superior. Na versão original do NCPC, a
admissibilidade não mais era feita na origem (mas diretamente no Tribunal Superior),
de modo que o agravo em recuso especial e em recurso extraordinário tinha um
cabimento bem mais restrito que antes, basicamente restrito às situações envolvendo
recursos repetitivos (acerca do tema, vide item 5.2.8 abaixo). Mas, com a Lei
13.256/2016, a admissibilidade voltou para o Tribunal de origem, de modo que o
agravo em recurso especial e em recurso extraordinário se prestam a “destrancar” ou
“fazer subir” para o tribunal superior o recuso não admitido.
Ou seja, o cabimento do agravo em recurso especial e extraordinário (NCPC) é o
mesmo do antigo agravo nos próprios autos (CPC/1973), com algumas modificações
quanto ao seu trâmite.
Assim, caberá o agravo quando o tribunal de origem, por seu presidente ou vice-
presidente, inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando
fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em
julgamento de recursos repetitivos (NCPC, art. 1.042): Em relação à situação
decidida com base em repetitivo, vide item 5.2.8 infra.
Também é utilizado no âmbito processual penal e no processo do trabalho (em
relação ao recurso de revista).
No sistema processual anterior, no cotidiano forense, o nome mais comum para
esse recurso era “agravo de decisão denegatória” – que não constava da lei. Assim, é
possível que esse nome siga sendo usado no dia a dia.
5.2.5.2.2.Prazo/custas
O prazo para interposição do agravo em REsp ou RE é de15 dias (NCPC, art.
1.003, § 5°). Da mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao recurso
(contraminuta ou contrarrazões de agravo – NCPC, art. 1.042, § 3°).
Não há custas (NCPC, art. 1.042, § 2°).
5.2.5.2.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Não há o efeito suspensivo. Eventualmente, em casos de urgência, é possível a
concessão de efeito suspensivo ao REsp e RE, mas não ao agravo.
5.2.5.2.4.Processamento (interposição/julgamento)
O agravo será interposto no Tribunal de origem, endereçado ao órgão
responsável pelo processamento do recurso especial e extraordinário (presidência ou
vice-presidência, conforme o regimento interno de cada tribunal) e que prolatou a
decisão agravada (NCPC, art. 1.042, § 2°).
Não há necessidade de qualquer documento, porque se está recorrendo nos
próprios autos, que já traz todas as peças do processo.
O agravado será intimado para apresentar resposta e – caso não haja retratação
(ou seja, a admissibilidade que antes foi negativa passe a ser positiva) – os autos
serão remetidos ao Tribunal Superior, para apreciação do agravo (NCPC, art. 1.042,
§ 4°). Se houver retratação, os autos serão remetidos para o Tribunal Superior, para
apreciação do REsp ou RE (e não do agravo).
Se forem dois recursos concomitantes (REsp e RE) e ambos não forem admitidos,
deverá o recorrente interpor dois agravos (NCPC, art. 1.042, § 6°). Nesse caso, os
autos primeiro irão para o STJ (§ 7°) e, depois, se ainda for o caso de julgamento do
agravo em RE, para o STF (§ 8°).
No Tribunal Superior, será possível o julgamento do agravo em conjunto com o
próprio REsp e RE – hipótese em que será possível sustentação oral (NCPC, art.
1.042, § 5°).
Quanto ao julgamento do agravo, será observado tanto o CPC (que permite até
mesmo o julgamento monocrático – art. 932, III, IV e V), bem como o regimento
interno do STJ e do STF.
5.2.6.1.Cabimento
Cabe recurso especial de acórdão que violar legislação infraconstitucional ou
quando Tribunais diversos derem interpretação distinta a um mesmo dispositivo
legal infraconstitucional (CF, art. 105, III e NCPC, art. 1.029).
Destaca-se que é cabível o REsp pela divergência externa e não pela
divergência interna, ou seja, deve-se apontar o dissenso jurisprudencial em relação
a outro Tribunal e não no próprio Tribunal. Nesse sentido, caso se ingresse com o
REsp de um julgado do TJSP, não cabe apontar que o próprio TJSP tem posição
divergente ao do acórdão recorrido (Súmula 13 do STJ: A divergência entre julgados
do mesmo tribunal não enseja recurso especial) – mas sim que a decisão do TJSP
diverge da de qualquer outro Tribunal do país, inclusive o próprio STJ ou mesmo o
TRF da 3a Região (Tribunal Regional Federal situado em São Paulo).
Para o cabimento do REsp, o acórdão não deve admitir outros recursos, ou seja,
não cabe REsp de decisão monocrática (será cabível o REsp após o agravo
regimental). Portanto, só cabe REsp quando esgotados os demais recursos.
Na hipótese de o acórdão violar, ao mesmo tempo, dispositivo do NCPC e da CF,
s e r ã o cabíveis, simultaneamente, recurso especial e recurso extraordinário.
Porém, cada recurso irá atacar matérias distintas: REsp, a violação à legislação
infraconstitucional; RE, a violação à Constituição.
Nesse caso de interposição conjunta, os autos serão remetidos ao STJ; se o
relator do recurso especial considerar prejudicial o recurso extraordinário, em
decisão irrecorrível sobrestará o julgamento e remeterá os autos ao STF. Se o relator
do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, rejeitar a prejudicialidade,
devolverá os autos ao STJ para o julgamento do recurso especial (NCPC, art. 1.031,
§§ 2° e 3°).
5.2.6.2.Prazo/custas
O prazo para interposição do REsp é de 15 dias (NCPC, art. 1.003, § 5°). Da
mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao recurso (contrarrazões de REsp
– NCPC, art. 1.030).
Há custas (Lei 11.636/2007).
5.2.6.5.Processamento (interposição/julgamento)
O REsp é interposto no Tribunal de origem, endereçado à presidência ou vice-
presidência, conforme o regimento interno próprio de cada tribunal (NCPC, art.
1.029). Deve a petição recursal indicar (i) exposição do fato e do direito, (ii)
demonstração do cabimento e (iii) razões do pedido de reforma ou invalidação da
decisão recorrida.
Tratando-se de REsp fundado em dissídio jurisprudencial (divergência em
relação a julgado de outro Tribunal – CF, art. 105, III, c), obrigatoriamente terá de ser
instruído com o acórdão paradigma (a decisão do outro Tribunal). A divergência é
comprovada mediante certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência
oficial (inclusive em mídia eletrônica), ou ainda via reprodução do julgado
disponível na internet, com indicação da fonte (art. 1.029, § 1°). Deverá o recorrente
mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados
(o chamado “cotejo analítico” entre o acórdão recorrido e paradigma).
Nesse REsp fundado em dissídio jurisprudencial, é muito comum o recurso não
ser admitido ao argumento de “situações fáticas distintas” entre os acórdãos. Por
causa disso, inicialmente foi incluído o § 2° ao art. 1.029 do NCPC (“Quando o
recurso estiver fundado em dissídio jurisprudencial, é vedado ao tribunal inadmiti-lo
com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem
demonstrar a existência da distinção”). Contudo, com a Lei 13.256/2016, esse
parágrafo foi revogado.
Interposto o REsp, a parte contrária é intimada para apresentar as contrarrazões,
em 15 dias (NCPC, art. 1.030). Em tal peça é possível impugnar não só o mérito, mas
também a admissibilidade do recurso. Com as razões e contrarrazões do REsp, o
recurso estará pronto para sua admissibilidade.
Em relação à admissibilidade do REsp, há de se ter bastante atenção, pois a
questão passou por diversas alterações:
(i) no âmbito do CPC/1973, a admissibilidade do REsp e RE era feita na origem,
ou seja, pela presidência do Tribunal intermediário;
(ii) na versão original do NCPC (Lei 13.105/2015), a admissibilidade não mais
seria feita na origem, mas apenas e diretamente no STJ;
(iii) com a Lei 13.256/2016, a admissibilidade voltou para o Tribunal de
origem, sendo que, no caso de inadmissão do REsp, cabível o agravo em recurso
especial para tentar que o REsp seja admitido (como exposto no item 5.2.5.2 acima).
Ao proceder à admissibilidade, existem diversas possibilidades ao
desembargador que a realiza (inovações da Lei 13.256/2016), a saber (art. 1.030).
I – negar seguimento a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em
conformidade com entendimento do STJ, proferido com base em julgamento de
recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador (a turma ou câmara que proferiu o
acórdão), para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do
entendimento do STJ proferido com base em julgamento de recursos repetitivos (ou
seja, depois da prolação do acórdão, houve a decisão do repetitivo no STJ);
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo
ainda não decidida pelo STJ;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia, para que venha
a ser julgado como repetitivo pelo STJ;
V – proceder à admissibilidade do REsp, e, no caso de admissão, remeter o
recurso ao STJ, desde que: a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime
de julgamento de recursos repetitivos ; b) o recurso tenha sido selecionado como
representativo da controvérsia ; ou c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de
retratação.
Dessas decisões monocráticas acima arroladas, é possível recorrer (art. 1.030,
§§ 1° e 2°):
(i) tratando-se de inadmissão por ausência de requisito de admissibilidade
(inciso V), cabe agravo em recurso especial (art. 1.042, já exposto no item 5.2.5.2);
(ii) tratando-se de decisão relativa a recurso repetitivo (negar seguimento,
inciso I ou sobrestar, inciso III), cabe agravo interno (art. 1.021), a ser julgado
perante o próprio tribunal de origem, sem que haja possibilidade – pela legislação –
de se chegar ao tribunal superior.
Como se percebe, é um sistema complexo, com diversas possibilidades de
julgamento e variação quanto aos recursos (e, pelo Código, somente recorríveis as
decisões acima indicadas).
No mais, uma vez o REsp no STJ, se o ministro relator entender que orecurso
especial versa sobre questão constitucional, concederá prazo de 15 dias para que o
recorrente demonstre a repercussão geral e se manifeste sobre a questão
constitucional; cumprida a diligência, o relator remeterá o recurso ao STF que, em
juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao STJ (NCPC, art. 1.032). Ou seja, tem-
se uma situação de conversão do recurso especial em recurso extraordinário (e existe
também a previsão no sentido inverso – vide item 5.2.7.5 abaixo).
Não mais existe a figura do REsp retido, que existia no sistema anterior.
5.2.7.1.Cabimento
Cabe recurso extraordinário de acórdão que violar a Constituição (CF, art.
102, III e NCPC, art. 1.029).
Há uma situação posterior à EC 45/2004 à qual se deve atentar: nos termos do
art. 102, III, d, da CF, cabe RE de acórdão que julgar válida lei local contestada em
face de lei federal. A tendência, diante dessa situação, seria afirmar que caberia o
REsp (e era assim antes da EC 45/2004). Mas houve a alteração porque a
competência legislativa (que disciplina a solução do problema) é prevista na
Constituição.
Para o cabimento do RE, o acórdão não deve admitir outros recursos, ou seja, não
cabe RE de acórdão que admita infringentes ou de decisão monocrática. Portanto, tal
qual ocorre quanto ao REsp, só cabe RE quando esgotados os demais recursos.
Na hipótese de o acórdão violar, ao mesmo tempo, dispositivo do NCPC e da CF,
s e r ã o cabíveis, simultaneamente, recurso especial e recurso extraordinário.
Porém, cada recurso irá atacar matérias distintas: REsp, a violação à legislação
infraconstitucional; RE, a violação à Constituição.
Nesse caso de interposição conjunta, os autos serão remetidos ao STJ; se o
relator do recurso especial considerar prejudicial o recurso extraordinário, em
decisão irrecorrível sobrestará o julgamento e remeterá os autos ao STF. Se o relator
do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, rejeitar a prejudicialidade,
devolverá os autos ao STJ para o julgamento do recurso especial (NCPC, art. 1.031,
§§ 2° e 3°).
5.2.7.2.Prazo/custas
O prazo para interposição do RE é de 15 dias (NCPC, art. 1.003, § 5°). Da
mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao recurso (contrarrazões de RE –
NCPC, art. 1.030).
Há custas (tabela divulgada pelo STF).
5.2.7.4.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Não há, em regra, o efeito suspensivo.
Quanto à concessão de efeito suspensivo, a regra é a mesma do REsp: é possível
que haja a atribuição de efeito suspensivo ao RE, sendo a competência variável (vide
item 5.2.6.4 acima).
5.2.7.5.Processamento (interposição/julgamento)
O processamento do RE é igual ao do REsp (vide item 5.2.6.5 acima):
✓ interposto no Tribunal de origem, endereçado à Presidência (NCPC, art.
1.029);
✓ a parte contrária terá prazo de 15 dias para apresentar contrarrazões, podendo
impugnar o mérito e a admissibilidade do RE (NCPC, art. 1.030);
✓ o NCPC inicialmente previa a admissibilidade apenas no destino, mas a Lei
13.256/2016 devolveu a admissibilidade à origem (vide, novamente, item 5.2.6.5).
Ao proceder à admissibilidade, existem diversas possibilidades ao
desembargador que a realiza (inovações da Lei 13.256/2016), a saber (art. 1.030).
I – negar seguimento a RE que discuta questão à qual o STF não tenha
reconhecido a existência de repercussão geral ou a RE interposto contra acórdão
que esteja em conformidade com entendimento do STF proferido no regime de
repercussão geral ou a RE interposto contra acórdão que esteja em conformidade
com entendimento do STF proferido no julgamento de recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador (a turma ou câmara que proferiu o
acórdão), para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do
entendimento do STF proferido nos regimes de repercussão geral ou de recursos
repetitivos (ou seja, depois da prolação do acórdão, houve a decisão do repetitivo no
STJ);
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo
ainda não decidida pelo STF;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional,
para julgamento como repetitivo;
V – proceder à admissibilidade do RE, e, no caso de admissão, remeter o
recurso ao STF, desde que: a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime
d e repercussão geral ou de recursos repetitivos ; b) o recurso tenha sido
selecionado como representativo da controvérsia ; ou c) o tribunal recorrido tenha
refutado o juízo de retratação.
Dessas decisões monocráticas acima arroladas, é possível recorrer (art. 1.030,
§§ 1° e 2°):
(i) tratando-se de inadmissão por ausência de requisito de admissibilidade
(inciso V), cabe agravo em recurso especial (art. 1.042, já exposto no item 5.2.5.2);
(ii) tratando-se de decisão relativa a recurso repetitivo (negar seguimento,
inciso I ou sobrestar, inciso III), cabe agravo interno (art. 1.021), a ser julgado
perante o próprio tribunal de origem, sem que haja possibilidade – pela legislação –
de se chegar ao tribunal superior.
Como se percebe, é um sistema complexo, com diversas possibilidades de
julgamento e variação quanto aos recursos (e, pelo Código, somente recorríveis as
decisões acima indicadas).
No mais, uma vez o RE no STF, se o relator considerar como reflexa a ofensa à
Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da
interpretação de lei federal ou de tratado, o tribunal remeterá o recurso ao STJ para
julgamento como recurso especial (NCPC, art. 1.033). Trata-se da conversão do RE
em REsp. Nesse caso, não há necessidade de se intimar o recorrente para emendar seu
recurso (o que existe no caso de conversão do REsp para o RE – vide item 5.2.6.5
acima).
Deixou de existir o RE retido.
5.2.8.REsp e RE repetitivos
Considerando a massificação das causas e a necessidade de segurança jurídica
e isonomia, foram buscadas alternativas para a racionalidade do sistema processual.
Assim, em reforma do CPC/1973, surgiu o REsp repetitivo.
No NCPC, REsp e RE repetitivos são regulados da mesma forma.
Assim, REsp repetitivo e RE repetitivo (NCPC, arts. 1.036 a 1.041) se prestam
a tutelar situações em que houver multiplicidade de recursos com fundamento em
idêntica questão de direito. Sendo este o caso, os recursos mais representativos
serão afetados para julgamento como repetitivo, ficando os demais suspensos. A
decisão a ser proferida pelo tribunal superior nesse recurso repetitivo servirá
como base para os demais recursos que estavam suspensos.
E, como já visto, essa decisão deverá ser observada pelos demais magistrados
(NCPC art. 927, III); caso não seja, será possível a utilização da reclamação (NCPC,
art. 988, II e § 5°, II).
De forma simplificada, a tramitação de um repetitivo observa a seguinte ordem:
(i) escolha dos recursos representativos (somente recursos com a presença de todos
os requisitos de admissibilidade)
(ii) decisão de afetação, com suspensão de outros processos análogos (que discutam a
mesma tese jurídica)
(iii) julgamento do repetitivo
(iv) aplicação e observância do procedente em relação aos demais processos que
envolvam a mesma tese jurídica.
Se, dentre os recursos sobrestados, houver algum que seja intempestivo, o
interessado pode requerer que esse recurso seja inadmitido. Diante disso, o
recorrente será ouvido, em 5 dias e, a seguir, haverá decisão do presidente. Se a
decisão não afastar a afetação, cabe o agravo interno, para o próprio tribunal (NCPC,
art. 1.036, § 3°, com a redação da Lei 13.256/2016).
Feita a escolha dos recursos, o relator, no tribunal superior , (i) identificará qual
a questão a ser submetida, (ii) sobrestará todos os processos que versem sobre a
questão, em todo país (não só recursos, mas qualquer demanda, individual ou
coletiva), (iii) poderá requisitar o envio, pelos tribunais, de um recurso
representativo da controvérsia (ou, ele mesmo, escolher outros recursos, já existentes
no Tribunal Superior, independentemente da escolha pelo tribunal de origem).
Prevê o Código que o recurso repetitivo deverá ser “julgado no prazo de 1 ano”
(NCPC, art. 1.037, § 4°). Contudo, se não ocorrer o julgamento do repetitivo em 1
ano, não há qualquer consequência prevista na lei (na versão original do NCPC, o §
5° previa que cessaria a suspensão dos processos passado esse prazo de 1 ano –
porém, o dispositivo foi revogado pela Lei 13.256/2016).
Após a decisão de afetação, o relator poderá (NCPC, art. 1.038):
I – solicitar ou admitir amicus curiae
II – designar audiência pública
III – requisitar informações aos tribunais
Em relação aos processos sobrestados (NCPC, art. 1.037, §§ 8° a 13):
a) haverá a intimação das partes;
b) as partes podem pedir prosseguimento de seu recurso com fundamento em
distinção
c) se indeferido esse pedido de afastar o sobrestamento, caberá agravo de
instrumento (se processo estiver em 1° grau) ou agravo interno (se o processo estiver
no Tribunal).
Julgado o recurso repetitivo, ocorrerá o seguinte em relação aos recursos
sobrestados (NCPC, arts. 1.039 a 1.041):
I – se o recurso sobrestado for REsp ou RE e estiver na origem: (a) inadmissão
dos recursos (se a tese for contrária à fixada no repetitivo) ou reexame pela Câmara
ou Turma (se a tese fixada for no sentido do pleiteado pelo recorrente);
II – se a causa for sobrestada antes desse momento processual, o juiz ou relator
deverão aplicar a tese definida, sob pena de reclamação;
III – haverá, ainda, a comunicação a órgãos, entes ou agências com atribuição
pa r a fiscalizar o cumprimento da decisão proferida no repetitivo. Assim, por
exemplo, se houver um repetitivo contra banco, o BACEN será oficiado para
fiscalizar a obrigação imposta pela decisão judicial.
Por fim, o julgamento do repetitivo ainda permite:
(i) a desistência nos sobrestados em 1° grau, sem concordância do réu (só
haverá isenção de custas e honorários se a desistência ocorrer antes da citação); e
(ii) autoriza julgamento liminar de improcedência, dispensa remessa necessária
e permite o julgamento monocrático pelo relator.
5.2.9.Embargos de divergência
5.2.9.1.Cabimento
O s embargos de divergência são utilizados somente no âmbito do STJ e STF,
após o julgamento do REsp ou do RE. Assim, são cabíveis quando o acórdão
proferido no julgamento do REsp/RE divergir do julgamento proferido por outro
órgão colegiado do próprio Tribunal (NCPC, art. 1.043).
Portanto, a finalidade é pacificar internamente as divergências de
entendimento.
Assim, quando do julgamento de algum REsp, se o STJ já tiver julgado de alguma
outra maneira a questão, por algum outro órgão interno do Tribunal, serão cabíveis os
embargos de divergência. O mesmo se diga quando do julgamento de um RE pelo
STF.
Na redação original do NCPC havia um aumento nas hipóteses de cabimento dos
embargos de divergência, admitindo o recurso também no tocante à admissibilidade
do recurso (e não só mérito) e também, nos processos de competência originária, de
quaisquer julgados que divergissem do tribunal (ou seja, poderia haver divergência
entre reclamação e REsp). Contudo, a Lei 13.256/2016 revogou essas duas
inovações, que constavam dos incisos II e IV do art. 1.043.
Em síntese, o cabimento ficou da seguinte forma (NCPC, art. 1.043, I e III):
a) em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de
qualquer outro órgão do mesmo tribunal , sendo os acórdãos, embargado e
paradigma, de mérito;
b) em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de
qualquer outro órgão do mesmo tribunal , sendo um acórdão de mérito e outro que
não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;
Cabe o recurso para discutir teses firmadas entre dois recursos, de órgão internos
distintos – seja de matéria processual ou material (NCPC, art. 1.043, § 2°). Cabe
ainda o recurso de julgado da mesma turma, se tiver havido mudança na composição
(NCPC, art. 1.043, § 3°).
O recurso é previsto em um único artigo no NCPC, comparado com os demais
recursos, não é muito frequente, seja no cotidiano forense ou em provas de concursos
jurídicos – na maior parte das vezes, as bancas colocam este recurso como uma
resposta errada, para confundir o candidato em relação a outros recursos.
5.2.9.2.Prazo/custas
O prazo para interposição dos embargos de divergência é de 15 dias (NCPC, art.
1.003, § 5°). Da mesma forma, é de 15 dias o prazo para responder ao recurso
(contrarrazões de embargos de divergência) – o NCPC não prevê tal prazo, mas essa
é a praxe nos regimentos internos e, ainda, é o prazo por força do princípio da
isonomia entre os litigantes.
Há necessidade de custas (STJ, Lei 11.636/2007 e STF, RISTF, art. 57 e Tabela
B de custas).
5.2.9.3.Efeitos
Há, como em todos os recursos, efeito devolutivo.
Não há efeito suspensivo, tal qual ocorre com o REsp e o RE.
Além disso, a interposição do recurso no STJ interrompe o prazo para
interposição do RE, por qualquer das partes (NCPC, art. 1.044, § 1°).
5.2.9.4.Processamento (interposição/julgamento)
Os embargos de divergência são endereçados ao próprio relator do recurso. Após
a vista à parte contrária para contrarrazões, haverá o julgamento.
O art. 1.044 do NCPC dispõe que o procedimento dos embargos de divergência
seguirá o previsto nos regimentos internos dos Tribunais (RISTJ, arts. 266 e 267;
RISTF, arts. 330 a 336).
5.2.10.1.Agravo retido
No sistema do CPC/1973, ao lado do agravo de instrumento, havia também o
agravo retido para impugnar decisões interlocutórias. No Código anterior, tratando-se
de decisão interlocutória, a regra era o cabimento do agravo retido, pois somente
cabia o agravo de instrumento em hipóteses de urgência.
E, se a parte não interpusesse o agravo retido, haveria preclusão quanto àquela
decisão interlocutória. Por isso, o agravo retido era utilizado para evitar a preclusão.
No NCPC,deixa de existir o agravo retido. Assim, proferida uma decisão
interlocutória não agravável de instrumento, se a parte não fizer nada, não haverá
preclusão. Mas, após a prolação da sentença, em preliminar de apelação ou de
contrarrazões de apelação, a questão deverá ser impugnada – sob pena de
preclusão (ou seja, a preclusão dessa interlocutória não ocorrerá em 15 dias após sua
publicação, mas somente após o prazo de apelação da sentença – por isso parte da
doutrina fala em preclusão elástica).
A questão vem assim regulada no NCPC.
Art. 1.009, § 1° As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a
seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão
e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a
decisão final, ou nas contrarrazões.
5.2.10.2.Embargos infringentes
No sistema do CPC/1973, cabiamembargos infringentes de acórdão não
unânime que reformasse decisão de mérito, no bojo de apelação ou rescisória. Ou
seja, quando houvesse uma decisão “m.v.” (maioria de votos, “2x1”) seria possível a
utilização dos infringentes.
Existiam muitas divergências quanto ao cabimento dos embargos infringentes ,
de modo que, em um primeiro momento de tramitação do Código, o recurso
simplesmente deixou de existir. Mas, ao final da tramitação, a ideia de voto vencido
justificar novo julgamento voltou. Não como recurso, mas como técnica de
julgamento.
Assim, deixa de existir o recurso de embargos infringentes. Porém, se houver
voto vencido no momento do julgamento de apelação (não de agravo), o
julgamento não termina. Diante de um 2x1, serão convocados novos
desembargadores, para que haja nova sessão de julgamento, com 5 desembargadores
(os 3 que inicialmente votaram, mais 2 magistrados). Inclusive, se no órgão julgador
houver número suficiente de magistrados, poderá o julgamento prosseguir a mesma
sessão.
Portanto, mesmo sem vontade da parte, de ofício, haverá novo julgamento do
recurso, inclusive com possibilidade de novas sustentações orais.
A inovação dessa técnica de julgamento vem assim prevista no NCPC:
“Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em
sessão a ser designada com a presença de outros julgadores , que serão convocados nos termos
previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de
inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente
suas razões perante os novos julgadores.
§ 1° Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de
outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.”
6. REVOGAÇÕES E VIGÊNCIA
Vale ainda tecer alguns comentários a respeito de algumas previsões constantes
das disposições finais e transitórias.
Ao entrar em vigor, as disposições do NCPC se aplicam desde logo aos
processos pendentes, observado o ato jurídico processual perfeito – ou seja, o que já
foi realizado não terá de ser refeito (direito intertemporal).
Fica, portanto, revogado o CPC/1973 (NCPC, art. 1.046).
Apesar da aplicação imediata do NCPC, as disposições relativas aorito sumário
e procedimentos especiais revogados serão aplicadas às ações propostas até o
início da vigência do Novo Código, desde que ainda não tenham sido sentenciadas
(NCPC, art. 1.046, § 1°).
Enquanto não editada lei específica, as execuções contra devedor insolvente
(procedimento não previsto no NCPC) seguirão o previsto no CPC/1973, arts. 748 e
ss. (portanto, apesar do Código revogado, seguirá sendo aplicado nesse ponto).
O art. 1.072 traz a revogação de inúmeros artigos de diversos diplomas
legislativos, com destaque para revogações no Código Civil (8 artigos, dentre os
quais o art. 456), Lei 1.060/1950 – Lei da Justiça Gratuita (8 artigos), Lei
8.038/1990 – Lei dos Recursos (11 artigos) e Lei 5.478/1968 – Lei de Alimentos (3
artigos).
Em relação ao término da vacatio legis e efetivo início da vigência do NCPC, o
art. 1.045 destaca que o Código entra em vigor “após decorrido 1 (um) ano da data
de sua publicação oficial”. A sanção ocorreu em 16.03.2015, ao passo que a
publicação no D. O.U. se deu em 17.03.2015. A partir daí, houve divergência quanto
à efetiva vigência do Código.
Prevaleceu o entendimento de que o Código entrou em vigor no dia 18.03.2016,
após manifestação administrativa do STJ e do CNJ.
7.1.Introdução
O CPC e o NCPC tratam a lide do ponto de vista doindivíduo versus indivíduo
(ou, eventualmente, vários autores contra vários réus, em litisconsórcio). É a
atomização das demandas.
N a sociedade de massas em que vivemos, muitos conflitos passaram a ocorrer
em grande quantidade, de forma análoga (consumidor, meio ambiente, idoso, criança
etc.).
Assim, a solução clássica do CPC não mais se mostra a adequada: surge a
necessidade de solução desses litígios de uma única vez, em uma demanda coletiva
(tanto pela economia processual, como de modo a evitar decisões contraditórias).
Daí se falar em molecularização das demandas, em detrimento da atomização.
Nesse contexto é que surge a tutela coletiva. Isso porque os institutos clássicos do
CPC não se aplicam, da mesma forma, ao processo coletivo – especialmente do ponto
de vista da legitimidade, objeto (pedido) e coisa julgada.
7.2.Conceito
Segundo Antonio Gidi: “Ação coletiva é a ação proposta por umlegitimado
autônomo (legitimidade), em defesa de um direito coletivamente considerado
(objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma comunidade ou
coletividade (coisa julgada)”.
7.5.Coisa julgada
A coisa julgada no processo coletivo é secundum eventum litis, ou seja, depende
do resultado da demanda (CDC, art. 103).
(i) Tratando-se de direitos difusos, a coisa julgada será erga omnes no caso de
procedência, ou seja, a coisa julgada só terá eficácia em relação a todos (entes
coletivos e indivíduos) se o pedido for julgado procedente.
Se for improcedente por insuficiência de provas , qualquer legitimado poderá
intentar outra ação, mediante nova prova.
Se for improcedente, mas não por falta de provas, outro legitimado não poderá
ingressar em juízo, mas será possível o ajuizamento da ação individual (CDC, art.
103, § 1°).
(ii) Tratando-se de direitos coletivos, a situação é semelhante aos direitos
difusos.
A coisa julgada será ultra partes, mas limitada ao grupo, categoria ou classe.
Assim:
✓ se procedente, atinge os entes legitimados para a ação coletiva e os
indivíduos pertencentes ao grupo;
✓ se improcedente por falta de provas , é possível a propositura de nova ação
coletiva por qualquer legitimado;
✓ se improcedente (desde que não por falta de provas) atinge os legitimados
coletivos, mas não impede a propositura de demandas individuais.
(iii) Por fim, tratando-se de direitos individuais homogêneos, haverá coisa
julgada erga omnes na hipótese de procedência.
No caso de improcedência (qualquer que seja a causa), o indivíduo, salvo se não
tiver se habilitado como litisconsorte, poderá propor ação individual.
Outro ponto de relevo é a abrangência territorial da decisão coletiva. Apesar
de o art. 16 da LACP afirmar que o limite é a competência do órgão jurisdicional
prolator da decisão, a jurisprudência do STJ, apesar de ainda não sedimentada, vem
afastando essa regra, dizendo que a abrangência é conforme o dano (ou seja, pode
ser nacional).
PARTE GERAL
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O DIREITO PENAL
1.1.2.Denominação
Inúmeras denominações surgiram para designar o ramo do direito responsável
pelo estudo criminal, a saber: Direito Criminal, Direito Repressivo, Direito Punitivo,
Direito Sancionador, Direito Protetor dos Criminosos, dentre outros.
Todavia, é de reconhecimento comum que o designativo mais aceito pelos
doutrinadores é o Direito Penal. Tanto é assim que temos um Código Penal, um
Código de Processo Penal, as Leis Penais Especiais…
Porém, na prática forense, deparamo-nos com as Varas Criminais, com as Varas
de Execuções Criminais (VECs), destoando, portanto, da designação amplamente
acolhida pelos juristas.
1.1.3.Definição/conceito
O conceito de Direito Penal é trazido, de maneira peculiar, por cada doutrinador
que almeja traduzir da melhor forma esse ramo do direito.
Assim, Basileu Garcia já o definiu como o “conjunto de normas jurídicas que o
Estado estabelece para combater o crime, através das penas e das medidas de
segurança” (Instituições de Direito Penal).
Segundo Edgard Magalhães Noronha, “direito penal é o conjunto de normas
jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza
criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica” (Direito Penal, vol. 1).
Por fim, a magistral lição de José Frederico Marques, para quem o Direito Penal
é o “conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência, e
disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a
aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito e liberdade em face do
poder de punir do Estado” (Curso de Direito Penal, vol. 1).
Em suma, o Direito Penal é o ramo do direito público cujo objeto corresponde às
infrações penais e às respectivas sanções, aplicáveis aos infratores da lei penal.
1.1.9.1.Escola Clássica
Nasceu no final do século XVIII, em reação ao totalitarismo do Estado
Absolutista, durante o período do Iluminismo.
A Escola Clássica pautou-se nos estudos de Beccaria, sendo um de seus
principais expoentes Francesco Carrara.
Utilizava-se o método racionalista e dedutivo (lógico).
Em regra, os pensadores desta escola eram jusnaturalistas.
Os pontos marcantes são: a) crime era visto como sendo um conceito meramente
jurídico; b) predominava o livre-arbítrio; c) a função da pena era retributiva.
“Foi sob a influência dos pensamentos de Kant e Hegel que a concepção
retribucionista do Direito Penal se desenvolveu. Ou seja, a única finalidade da pena
consistia na aplicação de um mal ao infrator da lei penal. A sanção penal era, na
verdade, um castigo necessário para o restabelecimento do Direito e da Justiça. (…)
Em decorrência do ideal iluminista, prevaleceu a tendência de eliminar as penas
corporais e os suplícios (…)” (MASSON, Cleber.Direito Penal Esquematizado –
Parte Geral. Ed. Método, 2a edição).
1.1.9.2.Escola Positiva
Surge o denominado Positivismo Criminológico.
Um dos principais expoentes da Escola Positiva, juntamente com Enrico Ferri e
Rafael Garafalo, foi Cesare Lombroso, “por sua construção do ‘criminoso nato’,
indivíduo essencialmente voltado à delinquência e passível de identificação
anatômica” (CUNHA, Rogério Sanches.Manual de Direito Penal. Parte Geral.
Editora JusPodivm).
Inicia-se a fase antropológica, com a aplicação do método experimental no estudo
da criminalidade.
Para Lombroso, o homem não era livre em sua vontade, já que sua conduta era
predeterminada por forças inatas e por características antropológicas. Inicia-se,
assim, a fase antropológica, com a aplicação do método experimental no estudo da
criminalidade.
Não há livre-arbítrio, já que o criminoso é um ser anormal, sob as óticas
biológica e psicológica.
Por sua vez, na fase sociológica, Ferri passou a levar em conta fatores físicos,
naturais e sociais, juntamente com características antropológicas do criminoso.
Por fim, na fase jurídica da Escola Positiva, Garofalo utilizou a expressão
“Criminologia”, conferindo aspectos estritamente jurídicos.
1.1.9.3.Correcionalismo penal
Para a Escola Correcionalista, preconizada por Karl David August Röeder, o
crime não é um fato natural, mas uma criação da sociedade, onde o criminoso possui
uma vontade reprovável.
A pena busca a ressocialização do criminoso, pois é instrumento de correção de
sua vontade.
Desse modo, a sanção penal deve ser indeterminada, até que cesse a sua
necessidade.
A finalidade da pena é a prevenção especial, já que se busca corrigir o
criminoso.
“A Escola Correcionalista sustenta que o direito de reprimir os delitos deve ser
utilizado pela sociedade com fim terapêutico, isto é, reprimir curando. Não se deve
pretender castigar, punir, infligir o mal, mas apenas regenerar o criminoso”. (…)
“Modernamente, pode-se dizer que o correcionalismo idealizado por Röeder,
transfundido e divulgado nas obras de Dorado Montero e Concépcion Arenal, teve em
Luis Jiménez de Asúa seu maior entusiasta e o mais eficiente dos expositores, ao
defender a ressocialização como finalidade precípua da sanção penal” (MASSON,
Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Ed. Método, 2a edição).
1.1.9.4.Tecnicismo jurídico-penal
Aproxima-se da Escola Clássica.
Utilizou-se o método positivo, pois o Direito Penal estava restrito às leis
vigentes, com conteúdo dogmático, sem qualquer caráter antropológico ou filosófico.
O Tecnicismo jurídico-penal caracterizava-se por se utilizar da exegese (para
buscar o alcance e a vontade da lei), da dogmática (para a integração do Direito
Penal, por meio da sistematização dos princípios) e da crítica (para propostas de
reforma, como ocorre na política criminal).
1.2.2.Vingança privada
A infração era vista como uma ofensa ao próprio grupo ao qual o ofensor
pertencia. Assim, o ofendido ou qualquer pessoa do grupo – e não mais a divindade –
voltava-se contra o ofensor, fazendo “justiça pelas próprias mãos”, disseminando o
ódio e provocando guerras, inexistindo qualquer proporção entre o delito praticado e
a pena imposta.
Neste contexto, surge a Lei do Talião, adotado pelo Código de Hamurabi
(Babilônia), pelo Êxodo (hebreus) e pela Lei das XII Tábuas (romanos).
1.2.3.Vingança pública
Nessa fase há um fortalecimento do Estado, tendo em vista que as autoridades
competentes passam a ter legitimidade para intervir nos conflitos sociais. A pena
assume um caráter público, tendo por finalidade a proteção do Estado Soberano. Um
dos principais crimes era o da lesa-majestade, bem como aqueles que atingissem a
ordem pública e os bens religiosos.
“Cabia a uma terceira pessoa, no caso o Estado – representante da coletividade e
em tese sem interesse no conflito existente –, decidir impessoalmente a questão posta
à sua análise, ainda que de maneira arbitrária. Nessa época, as penas ainda eram
largamente intimidatórias e cruéis, destacando-se o esquartejamento, a roda, a
fogueira, a decapitação, a forca, os castigos corporais e amputações, entre outras”
(MASSON, Cleber.Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Ed. Método, 2a
edição).
1.2.4.Idade Antiga
1.2.5.Idade Média
1.2.6.Idade Moderna
Desenvolveu-se o período humanitário, durante o Iluminismo, no século XVIII,
tendo como principal expoente o marquês de Beccaria, o qual escreveu a clássica
obra “Dos delitos e das penas”. Pugnava pela abolição da pena de morte, antecipando
as ideias consagradas na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
Baseia seu pensamento no “contrato social” de Rousseau, sendo o criminoso
reputado como violador do pacto social.
Preconiza que a pena deve ser legalmente prevista, já que o indivíduo tem o
livre-arbítrio de praticar ou não um crime, estando consciente de seus atos e suas
consequências.
Ainda, a pena deve ser proporcional, sendo as leis certas, claras e precisas.
“Finalmente, para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos
contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, a
mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pelas
leis” (MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Ed. Método,
2a edição).
Após o período Iluminista, surgiram as Escolas Penais.
“Ante o empate na votação, a 2a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado à pena de
10 meses de reclusão, em regime semiaberto, pela prática do crime de furto tentado de bem avaliado em R$
70,00. Reputou-se, ante a ausência de tipicidade material, que a conduta realizada pelo paciente não
configuraria crime. Aduziu-se que, muito embora ele já tivesse sido condenado pela prática de delitos
congêneres, tal fato não poderia afastar a aplicabilidade do referido postulado, inclusive porque estaria
pendente de análise, pelo Plenário, a própria constitucionalidade do princípio da reincidência, tendo em vista a
possibilidade de configurar dupla punição ao agente. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, e Ayres
Britto, que indeferiam o writ, mas concediam a ordem, de ofício, a fim de alterar, para o aberto, o regime de
cumprimento de pena.” HC 106510/MG, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/o acórdão Min. Celso de
Mello, 22.03.2011. (HC-106510) (Inform. STF 620).
“A 2a Turma indeferiu habeas corpus no qual pretendida a aplicação do princípio da insignificância em favor
de condenado por introduzir duas notas falsas de R$ 10,00 em circulação (CP, art. 289, § 1°). Na espécie, a
defesa sustentava atipicidade da conduta em virtude do reduzido grau de reprovabilidade da ação, bem como
da inexpressiva lesão jurídica provocada. Afastou-se, inicialmente, a hipótese de falsificação grosseira e
considerou-se que as referidas cédulas seriam capazes de induzir a erro o homem médio. Aduziu-se, em
seguida, que o valor nominal derivado da falsificação de moeda não seria critério de análise de relevância da
conduta, porque o objeto de proteção da norma seria supraindividual, a englobar a credibilidade do sistema
monetário e a expressão da própria soberania nacional.” HC 97220/MG, rel. Min. Ayres Britto, 05.04.2011.
(HC-97220) (Inform. STF 622).
3.2.Espécies de fontes
3.2.1.Fontes materiais, de produção ou substanciais
Para essa espécie de fonte, leva-se em conta a entidade criadora das normas
jurídicas penais. Assim, compete à União legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, da
Constituição Federal). Todavia, o parágrafo único do referido dispositivo
constitucional permite que a União, mediante lei complementar, autorize os Estados a
legislar em qualquer matéria nele prevista, inclusive direito penal. Porém, não se tem
notícia de situação como esta.
Assim, as normas penais decorrem da atividade legislativa federal (União), em
regra pela edição de leis ordinárias, que devem ser aprovadas pela Câmara dos
Deputados e Senado Federal.
4.1.Interpretação. Conceito
Segundo Mirabete, a interpretação “é o processo lógico que procura estabelecer a
vontade da lei, que não é, necessariamente, a vontade do legislador”.
Prossegue dizendo que “na interpretação da lei, deve-se atender aos fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum”, nos termos do art. 5° da LINDB.
Compreende-se nos imperativos do bem comum a tutela da liberdade individual.
Deve-se lembrar que o art. 1° da LEP preconiza que o fim da pena é promover a
integração social do condenado.
A ciência que se ocupa da interpretação da lei chama-se hermenêutica.
Em suma, interpretar é buscar a finalidade e o alcance das leis. Antecede,
portanto, à aplicação da norma jurídica. Afinal, sem interpretá-la, impossível aplicá-
la.
O brocardo latino in claris cessat interpretatio não tem razão, uma vez que, por
mais simples que possa parecer uma norma jurídica, ela será objeto de interpretação.
4.2.Finalidades da interpretação
Segundo Edílson Mougenot Bonfim (Curso de Processo Penal – editora Saraiva),
dois são os aspectos que conduzem o estudo da finalidade da interpretação. São eles:
a) Teoria subjetivista ou da vontade: para os que adotam essa teoria, o intérprete
deverá buscar o conteúdo da vontade do legislador. Em outras palavras, ao
interpretar a norma jurídica, deve-se tentar buscar a vontade do legislador,
reconstruindo suas intenções (é a chamada mens legislatoris);
b) Teoria objetivista: deve o intérprete buscar não a vontade do legislador, mas a
vontade da própria norma. Em razão do dinamismo social, por vezes a vontade do
legislador, ao criar a lei, afasta-se de seu conteúdo com o passar do tempo. Em suma,
a lei ganha “vida própria” com o decurso do tempo. Deve-se buscar, portanto, a mens
legis (vontade da lei).
4.3.Espécies de interpretação
4.3.1.Sujeito
Quanto ao sujeito que realiza a interpretação, ela pode ser:
a) autêntica;
b) jurisprudencial;
c) doutrinária.
Considera-se interpretação autêntica aquela cuja origem é a mesma da norma
interpretada (lei), portanto tem força vinculante. Afinal, se a interpretação (busca do
alcance da lei) decorre da mesma fonte, obviamente deverá ser observada. Temos
como exemplo o conceito de “casa”, previsto no art. 150, § 4°, do Código Penal.
Considera-se interpretação jurisprudencial (ou judicial) aquela que decorre do
entendimento dos tribunais acerca do alcance e finalidade de determinadas normas
jurídicas. Lembre-se que jurisprudência corresponde a decisões reiteradas dos
tribunais acerca de determinado tema, pacificando o entendimento. Deve-se ressaltar
que tal forma interpretativa não tem força vinculante, ou seja, os juízes e tribunais
não são obrigados a julgar de acordo com a jurisprudência. Porém, em se tratando de
súmula vinculante, já dissemos que, como fonte do direito, será obrigatoriamente
observada (vide art. 103-A da Constituição Federal e a EC 45/2004).
Considera-se interpretação doutrinária aquela proveniente do entendimento
conferido por juristas às normas jurídicas. É a denominada communis opinio
doctorum. Obviamente não tem força vinculante.
4.3.2.Meio empregado
Quanto ao meio empregado, a interpretação pode ser:
a) gramatical (literal);
b) teleológica.
Considera-se interpretação gramatical aquela decorrente da análise da “letra da
lei”, ou seja, de seu sentido no léxico. Em outras palavras, a lei é interpretada tal
como decorre do vernáculo (conjunto de palavras componentes de uma língua). É o
caso do termo “autoridade”, previsto no art. 10, §§ 1°, 2° e 3°, do Código de Processo
Penal, que indica para “autoridade policial”. Igualmente, o termo “queixa”, previsto
no art. 41 do Código de Processo Penal, deve ser interpretado não em seu sentido
literal, mas como petição inicial nos crimes de ação penal privada.
Considera-se interpretação teleológica aquela que se vale da lógica para que se
busque o alcance e finalidade das leis. Assim, deve-se buscar não apenas a
literalidade da norma, mas sua finalidade.
4.3.3.Resultados
Quanto aos resultados decorrentes da interpretação, temos:
a) declarativa;
b) restritiva;
c) extensiva.
Considera-se interpretação declarativa aquela que não exige do intérprete ir
além ou aquém do texto legal fornecido. É o caso de interpretar a expressão “casa
habitada”, no art. 248 do Código de Processo Penal, entendendo-se como tal todo
compartimento em que viva uma ou mais pessoas.
Considera-se interpretação restritiva aquela que exigirá do intérprete uma
restrição ou redução ao alcance da lei, buscando sua real vontade.
Considera-se interpretação extensiva aquela em que o intérprete deve ampliar o
alcance da norma jurídica, que disse menos do que deveria ter dito. É o caso, por
exemplo, da interpretação a ser conferida ao delito de bigamia – art. 235 do CP (que,
por óbvio, também pune o agente por poligamia) ou mesmo ao delito de outras fraudes
– art. 176 do CP (que pune, também, a conduta daquela pessoa que toma refeição sem
dispor de recursos para efetuar o pagamento não apenas em restaurantes, conforme
enuncia a lei, mas em pensões, bares, boates…).
4.3.4.Outras classificações
Temos, ainda, a interpretação progressiva, que se verifica em razão da evolução
da sociedade e do próprio Direito. Assim, algumas expressões constantes na lei
devem ser interpretadas de acordo com a atualidade, como é o caso do chamado
“Tribunal de Apelação”, que hoje é o Tribunal de Justiça, ou o “Chefe de Polícia”,
atualmente interpretado como Secretário de Segurança Pública.
Fala-se, também, em interpretação analógica, que se verifica quando a lei, após
uma enumeração casuística, fornece uma cláusula genérica, que, por similitude às
anteriores, será extraída por analogia. É o caso do art. 6°, inciso IX, do Código de
Processo Penal.
Por fim, Edílson Mougenot Bonfim (obra citada) trata da interpretação conforme
(à Constituição). Trata-se da regra básica de que o texto constitucional é
hierarquicamente superior às demais espécies normativas, razão pela qual estas
devem ser interpretadas em harmonia (conforme, portanto) com a Carta Magna.
Segundo Canotilho, jurista português, trata-se do princípio da conformidade, que
determina ao intérprete que, ao ler um dispositivo legal, se forem possíveis duas ou
mais interpretações, deverá adotar aquela que guardar compatibilidade com a
Constituição Federal.
4.4.Analogia
Não se pode dizer que a analogia é uma forma de interpretação da lei penal, mas
sim de autointegração do sistema. Em outras palavras, não havendo norma específica
para regular um caso concreto, aplica-se uma norma incidente a outro caso, porém
semelhante (análogo).
Consiste a analogia, portanto, em “criar uma norma penal onde, originalmente,
não existe” (Guilherme de Souza Nucci – Manual de Direito Penal – Ed. RT, p. 82).
A doutrina majoritária defende a impossibilidade de se adotar a analogia em
prejuízo do réu (denominada de analogia in malam partem), mas apenas para
beneficiá-lo. Ademais, não se pode olvidar que o direito penal é fortemente regido
pelo princípio da legalidade (não há crime sem lei que o defina), motivo pelo qual
não se pode utilizar da analogia para criar situações não previstas em lei, de modo a
prejudicar o agente delitivo.
Já o emprego da analogia em benefício do réu é largamente aceito pela doutrina e
jurisprudência, mas apenas em casos excepcionais, também por força do princípio da
legalidade. Nesse caso, denomina-se de analogia in bonam partem a situação em que
é possível a criação de norma não prevista expressamente, com o escopo de
beneficiar e até mesmo absolver o réu.
5.3.1.Relevância do art. 4° do CP
Analisar o tempo do crime terá relevância em diversos pontos. Confira-se:
A) Lei penal aplicável: a teoria da atividade vai influenciar, em caso de sucessão de
leis penais, qual delas deverá ser aplicada.
B) Delimitação da responsabilidade penal: adotada a teoria da atividade, é possível
definir exatamente a partir de qual momento o agente poderá ser responsabilizado
criminalmente por seu comportamento. À luz do art. 27 do CP, que considera
inimputável o menor de 18 anos, se determinada conduta criminosa for praticada
(ação ou omissão) a partir do primeiro instante do dia em que completa 18 anos, o
tempo do crime indicará a responsabilidade penal do agente.
B.1) Responsabilidade penal e crime permanente: em se tratando de crimes
permanentes, ainda que a ação tenha se iniciado antes de o agente ter completado 18
anos, caso a consumação se protraia no tempo após o atingimento da maioridade
penal, haverá responsabilização criminal.
B.2) Responsabilidade penal e crime continuado: em se tratando de crime
continuado, entende-se que os fatos cometidos antes da maioridade penal seguirão o
regramento do ECA. Somente as condutas posteriores à maioridade serão regradas
pelo CP.
B.3) Circunstâncias do crime: determinados aspectos que influenciam na pena
do agente serão influenciados pelo art. 4° do CP. É o caso, por exemplo, do art. 121,
§ 4°, parte final, do CP, que prevê a majoração da pena do homicídio caso a vítima
seja menor de 14 anos ou maior de 60 anos. A idade da vítima deverá ser verificada
ao TEMPO DO CRIME, e não ao tempo da CONSUMAÇÃO.
B.4) Influência do tempo do crime no prazo prescricional: o art. 115 do CP
prevê redução do prazo prescricional pela metade se o agente, ao tempo do crime, for
menor de 21 anos.
5.4.4.Conceito de território
O art. 5° do CP faz menção ao “território” nacional. E o que vem a ser território?
Tal deve ser entendido em seu sentido jurídico como todo o espaço terrestre,
marítimo, aéreo e fluvial, no qual a soberania nacional será amplamente exercida
(salvo nos casos de tratados, convenções e regras de direito internacional!). Para fins
didáticos, podemos distinguir o território nacional da seguinte forma:
a) limites compreendidos pelas fronteiras nacionais
b) mar territorial brasileiro: corresponde à faixa de 12 milhas contadas da faixa
litorânea média (art. 1°, Lei 8.617/1993);
c) espaço aéreo subjacente ao território físico e mar territorial: vigora, aqui, o
princípio da absoluta soberania do país subjacente (Código Brasileiro de
Aeronáutica, art. 11; Lei 8.617/1993, art. 2°);
d) aeronaves e embarcações (território ficto, por equiparação, por extensão ou
flutuante): analisaremos no item a seguir.
No tocante às embaixadas, estas não são consideradas extensão do território que
representam. De acordo com a Convenção de Viena, as embaixadas gozam de
inviolabilidade. Porém, crimes nelas praticados estarão sujeitos à lei brasileira, eis
que situadas em território nacional (salvo em caso de intraterritorialidade).
Importante estudarmos, ainda, o chamado direito de passagem inocente.
Questiona-se: aplica-se a lei brasileira a um crime praticado a bordo de uma
embarcação estrangeira privada que esteja somente de passagem por mar territorial
brasileiro? De acordo com a Lei 8.617/93, em seu art. 3°, reconhece-se o direito de
passagem inocente aos navios de todas as nacionalidades, desde que utilizem nosso
mar territorial somente como caminho (passagem) para seu destino. Assim, se um
crime for praticado a bordo dessa embarcação, embora tenha ocorrido em território
nacional, não será aplicada a lei brasileira, desde que não seja prejudicial à paz,
boa ordem ou à segurança do Brasil.
5.5.2.Imunidade parlamentar
Essa espécie de imunidade garante ao parlamentar (deputado federal e senador) a
ampla liberdade de palavra no exercício de suas funções (denominada imunidade
material – art. 53, caput, da CF), bem como a garantia de que não possam ser presos,
exceto em flagrante por delito inafiançável (art. 53, § 2°, 1a parte, da Constituição
Federal – é a denominada imunidade formal). Por decorrerem da função exercida e
não da figura (pessoa) do parlamentar, não se admite a sua renúncia (é, portanto,
irrenunciável).
Estende-se também (a imunidade material) aos vereadores se o crime foi
praticado no exercício do mandato e na circunscrição do Município. Porém, referidos
membros do Poder Legislativo não gozam de imunidade formal (também denominada
processual ou relativa).
Resumindo:
✓ Imunidade parlamentar (gênero):
a) imunidade material (absoluta) = deputados (federais e estaduais), senadores e
vereadores (só nos limites do município);
b) imunidade formal (relativa ou processual) = deputados (federais e estaduais) e
senadores (vereadores não a têm).
6.1.Teoria do Crime
6.1.1.Considerações iniciais
O estudo da denominada Teoria do Crime tem por objetivo destacar os aspectos
jurídicos acerca deste fenômeno social que, infelizmente, assola a sociedade.
Para tanto, iniciaremos com as seguintes noções, a partir de agora enfrentadas.
6.1.2.Critério dicotômico
O Brasil, em matéria de infração penal, adotou o critério denominado pela
doutrina de dicotômico, eis que aquela é gênero que comporta duas espécies, a saber:
a) crimes (ou delitos – são sinônimos); e
b) contravenções penais.
Em um primeiro momento, basta saber que, intrinsecamente, crimes e
contravenções penais não guardam diferenças entre si. Não é demais lembrar que
ambas as espécies de infrações penais dependem de lei para sua criação (princípio da
legalidade – art. 5°, XXXIX, da Constituição Federal).
Aqui, o legislador, ao criar uma infração penal, deverá sopesar os bens jurídicos
protegidos por ela e escolher se prefere criar um crime ou uma contravenção penal.
De qualquer forma, importa destacar que esta é mais branda do que aquele, vale dizer,
a resposta estatal pela prática do primeiro é mais rígida do que pela segunda.
Imperioso anotarmos alguns pontos de diferenciação entre crimes e
contravenções:
a) as contravenções são apenadas com uma única espécie de pena privativa de
liberdade, qual seja, a prisão simples, podendo, também, ser apenada,
exclusivamente, com multa, enquanto que os crimes são punidos com outras espécies
de penas privativas de liberdade (reclusão ou detenção);
b) a ação penal, nas contravenções, sempre é pública incondicionada, enquanto que os
crimes podem ser de ação pública condicionada e ação privada;
c) a tentativa de contravenção não é punível;
d) as contravenções penais admitem erro de direito;
e) não se fala em extraterritorialidade da lei penal brasileira com relação às
contravenções.
6.1.3.Conceitos de crime
Melhor ingressando no estudo da teoria do crime, faz-se necessária a colação de
três conceitos ou concepções de crime definidas pela doutrina. São elas:
a) conceito material: crime é todo comportamento humano que lesa ou expõe a
perigo de lesão bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Trata-se de conceito que
busca traduzir a essência de crime, ou seja, busca responder à seguinte indagação: o
que é um crime?
b) conceito formal: crime corresponde à violação da lei penal. Em outras palavras,
corresponde à relação de subsunção ou de concreção entre o fato e a norma penal
incriminadora (ex.: Se “A” matar “B”, terá violado a norma penal inserida no art. 121
do Código Penal);
c) conceito analítico: se se adotar a concepção bipartida (defendida por Damásio de
Jesus, Julio Mirabete e Fernando Capez, por exemplo), crime éfato típico e
antijurídico. Já se for adotada a concepção tripartida (defendida pela doutrina
majoritária), crime é fato típico, antijurídico e culpável.
Partindo-se do pressuposto que crime é fato típico e antijurídico, a culpabilidade
será elemento estranho à sua caracterização, sendo imprescindível sua análise apenas
para que seja possível, verificada a reprovação da conduta praticada pelo agente, a
aplicação de sanção penal ao infrator.
6.2.Fato típico
O fato típico é o primeiro requisito do crime. Portanto, podemos afirmar que não
existe crime se não houver um fato típico. E o que vem a ser isso?
Pode-se afirmar que fato típico é o fato material descrito em lei como crime.
A estrutura do fato típico é a seguinte:
a) conduta;
b) resultado;
c) nexo causal (ou de causalidade, ou, ainda, relação de causalidade);
d) tipicidade.
Conduta, resultado, nexo causal e tipicidade são os elementos do fato típico. Os
três primeiros correspondem ao que denominamos de fato material. Já o último será
o responsável pela descrição deste fato material em lei.
Em verdade, estudar o fato típico nada mais é do que estudar seus elementos
constitutivos. Vamos a eles.
6.2.1.Teorias da Conduta
Antes de ingressarmos no estudo da conduta, como elemento do fato típico,
relevante traçarmos um panorama acerca das diversas teorias que a explicam. Vamos
a elas!
A) Teoria Clássica, Naturalista ou Causal: tem origem no tratado de Von Liszt.
Defendida, no Brasil, por Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Frederico Marques,
Aníbal Bruno.
Essa teoria perdurou até meados do século XX, sob a influência das ciências
físicas e naturais, bem como do positivismo jurídico.
Para essa teoria, a conduta nada mais é do que a exteriorização do movimento
corporal ou a abstenção de um movimento, independentemente de qualquer finalidade.
Assim, para que se impute um resultado, basta que o agente, com seu comportamento
(ação ou omissão) dê CAUSA a ele. Daí falar-se em TEORIA CAUSALISTA.
Não se analisa, no momento em que praticada a conduta, o elemento volitivo
(dolo ou culpa). Basta que a conduta perpetrada pelo agente provoque um resultado
descrito em um tipo penal, que é puramente objetivo.
Para a Teoria Clássica, dolo ou culpa são analisados apenas na
CULPABILIDADE, sendo seus elementos. Daí, para essa teoria, o crime ter como um
de seus requisitos a culpabilidade (concepção tripartida).
Para os causalistas, pratica homicídio aquele que, embora dirigindo
diligentemente, atropela pessoa que se joga na frente do automóvel, querendo esta se
matar. Para essa teoria, o resultado é imputável ao agente pois por ele foi causado.
Porém, somente não receberá sanção penal em razão de não ter agido com dolo ou
culpa.
Em resumo, para a Teoria Clássica, é possível CONDUTA SEM DOLO OU
CULPA.
B) Teoria neoclássica ou neokantista: são seus expoentes MAYER, FRANK e
MEZGER. Para os neokantistas, diferentemente dos causalistas, que enxergavam que a
conduta descrita no tipo penal era NEUTRA (objetiva), o tipo penal descreve uma
conduta valorada negativamente. Assim, embora o tipo penal continuasse a trazer
elementos objetivos, trazia uma carga valorativa (matar alguém não é neutro, mas algo
valorativo negativo (LUIZ FLAVIO GOMES).
C) Teoria Finalista: seu maior expoente foi HANS WELZEL, conhecido como o “pai
do finalismo”. Para ele, toda conduta humana necessariamente é dirigida a uma
finalidade. Assim, dolo e culpa saíram da culpabilidade e migraram para o fato típico
(conduta). WELZEL não trouxe novos elementos para o crime, mas apenas os
reorganizou. Para a Teoria Finalista, buscar conhecer se a conduta do agente é dolosa
ou culposa é decisivo até para a própria tipificação penal. Falava-se que a Teoria
Causalista era cega, enquanto que a Finalista era vidente. A grande contribuição da
Teoria Finalista foi eliminar os elementos subjetivos da culpabilidade, tornando-a
puramente valorativa. Para WELZEL, mesmo que o dolo e a culpa tenham migrado
para o fato típico, o crime continuava a depender da conjugação de três elementos.
Manteve, pois, a culpabilidade como elemento do crime (concepção tripartida). A
crítica da teoria finalista diz respeito aos crimes culposos, em que o resultado não é
desejado pelo agente. Mesmo assim, a finalidade continua a existir, mas ela não
coincide com o resultado.
D) Teoria Social da Ação: baseada, também, na Teoria Finalista da Ação, a Teoria
Social da Ação agrega um elemento novo, anotando que conduta somente assim será
considerada se for “socialmente relevante”, dominada ou dominável pela vontade.
Assim, para os adeptos dessa teoria, ainda que um fato seja objetiva e subjetivamente
típico, se o comportamento perpetrado pelo agente não atingir o senso de justiça, de
normalidade ou de adequação social, não será considerado relevante para o Direito
penal.
E) Teoria Funcionalista: leva em conta as FUNÇÕES do Direito Penal. Há duas
vertentes:
* FUNCIONALISMO RACIONAL-TELEOLÓGICO(ou funcionalismo
moderado)= preconizado por CLAUS ROXIN, para quem o Direito Penal teria por
função precípua a proteção dos bens jurídicos. Assim, não basta a prática de um
comportamento formalmente típico para a imputação de um resultado ao agente, sendo
indispensável que atinja ao bem jurídico.
* FUNCIONALISMO SISTÊMICO (ou radical) = defendido por Gunther Jakobs, a
função do Direito Penal não é a proteção dos bens jurídicos, mas assegurar a vigência
da norma, mantendo a confiança dos cidadãos no “sistema”. O Direito penal objetiva
proteger a “firmeza das expectativas normativas diante de sua frustração”. Para
Jakobs, haverá crime com a infringência da norma. Se esta foi violada, o crime foi
praticado.
6.2.3.Resultado
A consequência ou decorrência natural da conduta humana é o resultado. A
doutrina costuma classificá-lo de duas formas: a) resultado naturalístico e; b)
resultado normativo (ou jurídico).
Segundo Damásio E. de Jesus, resultado naturalístico é a modificação do mundo
exterior provocada pela conduta. Em outras palavras, é a percepção dos efeitos do
crime pelos sentidos humanos (ex.: morte, redução patrimonial, destruição de coisa
alheia etc.). Todavia, nem todo crime acarreta um resultado naturalístico, como é o
caso da violação de domicílio ou do ato obsceno, que não geram qualquer resultado
perceptível pelos sentidos humanos. Daí a doutrina, considerando-se o resultado
naturalístico, distinguir os crimes em três espécies:
a) crimes materiais (ou de resultado) – são os que exigem resultado (ex.: homicídio,
furto, roubo);
b) crimes formais (ou de consumação antecipada) – são os que, embora possam ter
um resultado, restarão caracterizados mesmo sem sua verificação (ex.: extorsão
mediante sequestro – basta o arrebatamento da vítima para a consumação do crime,
ainda que o resgate não seja pago pelos familiares);
c) crimes de mera conduta (ou de simples atividade) – como o próprio nome diz,
são aqueles que não têm resultado naturalístico, que é impossível de acontecer (ex.:
violação de domicílio e ato obsceno).
6.2.4.Nexo de causalidade
O nexo causal (ou de causalidade) corresponde ao terceiro elemento do fato
típico.
Nada mais é do que o elo entre a conduta praticada pelo indivíduo e o
resultado dela decorrente.
O art. 13, primeira parte, do Código Penal determina que “o resultado de que
depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa”. Em outras
palavras, somente é possível imputar (atribuir) a uma pessoa um resultado se este for
causado por ela.
Considerando o conceito de resultado naturalístico (e o art. 13 do Código Penal
somente pode ser aplicável aos crimes materiais!), este somente pode ser atribuído a
alguém se for o seu causador.
6.2.4.1.Causas
Para o Direito Penal, não existe diferença entre causa ou condição. Enfim, tudo o
que concorrer para a existência de um resultado será considerado causa. Daí a
segunda parte do referido dispositivo legal salientar: “considera-se causa toda ação
ou omissão sem a qual o resultado não se produziria”.
Em matéria de nexo causal, o Código Penal adotou a chamada teoria da conditio
sine qua non, ou teoria da equivalência dos antecedentes.
Todavia, embora tudo o que concorrer para o crime possa, em princípio, ser
considerado causa, se esta for superveniente (à conduta do agente) e, por si só,
produzir o resultado, este não poderá ser atribuído ao indivíduo, posto que a
situação estará fora da linha de desdobramento normal da conduta. É caso de “A” que,
querendo matar “B”, atira em sua direção produzindo-lhe lesões corporais graves.
Este é socorrido por uma ambulância que, em alta velocidade, colide com um
caminhão, o que foi o efetivo motivo da morte de “B”. Portanto, embora “B” tenha
morrido somente pelo fato de estar em uma ambulância que o socorreu por força de
disparo de arma de fogo desferido por “A”, o que configuraria a causa de sua morte, o
fato é que este evento acidental não pode ser atribuído ao atirador. Portanto, a solução
dada pelo Código Penal é a de que o sujeito responderá apenas pelos atos até então
praticados (tentativa de homicídio, no caso).
No caso de verificação de causa superveniente (art. 13, § 1°, do Código Penal), a
doutrina aponta que o Código Penal adotou a teoria da causalidade adequada, e não
da equivalência dos antecedentes.
Apenas para reforçar, nos crimes formais e de mera conduta, nos quais não se
exige a ocorrência de resultado (naturalístico), não haverá que se falar em nexo
causal, já que este é o elo entre a conduta e o resultado. Se referidos tipos de crimes
não exigem resultado, evidentemente não existirá nexo causal.
Em resumo:
I. Causas dependentes: São aquelas que decorrem (dependem) diretamente da
conduta do agente. Ex.: “A” atira em “B”, que morre em razão da perfuração. A causa
do resultado dependeu da conduta do agente;
II. Causas independentes: São aquelas que produzem o resultado, guardando alguma
ou nenhuma relação com a conduta do agente. Subdividem-se em:
a) Absolutas (ou absolutamente independentes) = são aquelas que por si sós
produzem o resultado, independentemente da conduta do agente. A consequência é que
o agente não responderá pelo resultado. Ex.: “A” quer matar “B” envenenado. Para
tanto, coloca veneno em sua comida. No entanto, antes de “B” comer, morre por
ataque cardíaco. O agente, no máximo, responderá por tentativa de homicídio, desde
que tenha iniciado a execução do crime;
b) Relativas (ou relativamente independentes) = são aquelas que por si só não
produzem o resultado, sendo a conduta do agente decisiva para a sua produção. A
consequência é que o agente responderá, em regra, pelo resultado. Ex.: “A”, sabendo
que “B” é portador de hemofilia (concausa), neste provoca uma lesão corporal, da
qual advém a morte em razão de uma hemorragia. “A” responderá por homicídio,
visto que sua conduta (lesão corporal), aliada à concausa (hemofilia), foi decisiva
para o resultado naturalístico.
Exceção: causas supervenientes relativamente independentes que por si só
produzem o resultado. O agente não responderá pelo resultado, mas, apenas, pelo
que efetivamente causou (art. 13, § 1°, CP). Ex.: “A” atira em “B”, querendo matá-lo.
No entanto, “B”, socorrido por uma ambulância, morre em virtude da explosão desta,
envolvida em um acidente automobilístico. Se o acidente tiver sido a causa efetiva da
morte de “B”, este resultado não será imputado a “A”, que somente responderá por
tentativa de homicídio. Não se aplica, aqui, a teoria da conditio sine qua non, mas,
sim, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual causa é tudo aquilo apto e
suficiente à produção de um resultado.
6.2.5.Tipicidade
Finalmente, o último elemento do fato típico é a tipicidade. Antes de trazermos
seu conceito, relevante traçarmos, ainda que em breves palavras, as chamadas Fases
da Tipicidade:
a) Fase da independência: inspirada em Beling (1906), a tipicidade funcionava como
um instrumento puramente descritivo, absolutamente independente da ilicitude e
culpabilidade. Para essa fase, o tipo penal contemplava apenas elementos objetivos,
razão por que era neutro;
b) Fase do caráter indiciário da ilicitude (ratio cognoscendi): protagonizada por
Mayer (1915), referida fase deixa de representar apenas a neutralidade do tipo penal,
que era puramente descritivo, passando este a ser um indício de ilicitude. Ou seja,
praticado um fato típico, presume-se também ser ilícito, salvo se presente alguma
causa excludente da antijuridicidade. A partir desta fase, o tipo penal passa a admitir
elementos outros que não apenas objetivos, mas, também, normativos e subjetivos.
c) Fase da ratio essendi: para Mezger (1931), o tipo penal tinha função
constitutiva da ilicitude. Em outras palavras, para se afirmar que determinado fato é
típico, necessário analisar, previamente, sua ilicitude.
Prevalece o entendimento de que a tipicidade é um indício de antijuridicidade
(fase da ratio cognoscendi).
Entende-se por tipicidade a relação de subsunção (adequação ou concreção)
entre o fato concreto e a norma penal incriminadora. Em outras palavras, haverá
tipicidade penal quando a ação ou omissão praticada pelo indivíduo tiver previsão
legal (ex.: Se “A” mata “B”, realizou o fato descrito no art. 121 do Código Penal; se
“A” subtrair (furtar) o carro de “B”, terá realizado o fato descrito no art. 155 do
Código Penal).
Fala-se, também, em tipicidade conglobante. Criada por Eugenio Raul Zaffaroni,
consiste na análise, para o juízo de tipicidade penal, do ordenamento jurídico de
forma global (conglobada). Ou seja, um fato que seja formalmente típico, mas que não
seja considerado ilícito, ou cujo comportamento seja permitido ou incentivado por
outra norma jurídica, não entrará na esfera da tipicidade penal. É o caso, por
exemplo, do médico que pratica uma intervenção cirúrgica, cortando pele e tecidos do
paciente, comete um fato formalmente típico (lesão corporal), mas que obviamente
não é antijurídico em razão do exercício regular de um direito (medicina). Importa
registrar que a tipicidade na forma preconizada por Zaffaroni não encontra muitos
adeptos no Brasil.
Em retomada, quando houver a descrição de uma conduta proibida em lei,
estaremos diante do chamado tipo penal, que é um modelo legal e abstrato daquela
conduta que deve ou não ser realizada pelo agente.
É importante salientar que toda conduta realizada pelo homem deverá ser
preenchida por um elemento subjetivo, qual seja o dolo ou a culpa.
Portanto, se um crime for doloso, significa que a conduta praticada pelo agente
terá sido dolosa. Já se o crime for culposo, a conduta terá sido culposa.
Passaremos, mais adiante, ao estudo do dolo e da culpa. Porém, antes disso, é
mister trazermos algumas explicações sobre as espécies de tipos penais e seus
elementos.
6.2.5.3.Crime doloso
O conceito de dolo é bastante simples: corresponde à vontade livre e consciente
do sujeito ativo (agente) em realizar os elementos do tipo.
O CP, art. 18, I, adotou, quanto ao dolo, a teoria da vontade e a teoria do
assentimento. Diz-se o crime doloso quando o agente quis produzir o resultado (dolo
direto) ou assumiu o risco de produzi-lo (dolo eventual).
Apenas para frisar, o dolo pode ser direto, quando o agente tem a vontade livre e
consciente de produzir o resultado, ou indireto, que se subdivide em eventual (o
agente assume o risco de produzir o resultado, não se importando que ele ocorra) e
alternativo (o agente não se importa em produzir um ou outro resultado). O CP não
tratou do dolo alternativo, mas, apenas, do eventual.
Quanto ao dolo direto, a doutrina nos traz a seguinte subdivisão:
a) dolo direto de 1° grau= verifica-se quando o agente quer diretamente produzir
determinado resultado;
b) dolo direto de 2° grau= também chamado de dolo de consequências necessárias,
verifica-se quando o agente, almejando alcançar determinado resultado (dolo direto
de 1° grau), sabe, de antemão, que efeitos colaterais advirão de seu comportamento,
produzindo outros resultados não queridos diretamente. Ex.: agente que, para matar
seu desafeto com uma bomba, instalada no interior de seu veículo, sabe que o
motorista irá, igualmente, morrer.
6.2.5.4.Crime culposo
O CP, art. 18, II, considera culposo o crime quando o agente dá causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Essas são as modalidades de
culpa.
Assim, um crime será considerado culposo quando o agente, mediante uma
conduta inicial voluntária, produzir um resultado ilícito involuntário, previsto ou
não, decorrente da violação de um dever objetivo de cuidado.
A imprudência, primeira modalidade de culpa, corresponde a um agir
perigosamente (portanto, uma ação). A negligência, que corresponde à segunda
modalidade de culpa, estará verificada quando o sujeito deixar de fazer algo que
deveria ter feito (portanto, uma omissão). Por fim, a imperícia somente se verifica
quando o sujeito realiza algo sem aptidão técnica para tanto. É a denominada culpa
profissional.
O crime culposo apresenta os seguintes elementos:
a) conduta inicial voluntária (o agente age sem ser forçado);
b) quebra do dever objetivo de cuidado (o agente rompe o dever de cuidado ao agir
com imprudência, negligência ou imperícia);
c) resultado involuntário (sobrevém da quebra do dever objetivo de cuidado em
relação a um resultado não querido pelo agente);
d) nexo de causalidade (entre a conduta voluntária e o resultado involuntário deve
existir relação de causalidade);
e) tipicidade (a forma culposa do delito deve estar expressamente prevista em lei –
art. 18, parágrafo único, CP);
f) previsibilidade objetiva (terceira pessoa, que não o agente, dotada de prudência e
discernimento medianos, conseguiria prever o resultado);
g) ausência de previsão (apenas na culpa inconsciente).
Ainda quanto à culpa, destacamos duas espécies ou tipos:
a) culpa consciente: é aquela em que o agente acredita sinceramente que o resultado
não se produzirá, embora o preveja. É a exceção. Difere do dolo eventual, visto que
neste o agente não só prevê o resultado, mas pouco se importa com sua produção, ou
seja, consente com o resultado. Já na culpa consciente, ainda que o agente preveja o
resultado, acredita sinceramente que este não ocorrerá;
b) culpa inconsciente: é aquela em que o agente não prevê o resultado, embora seja
previsível. É a regra.
Por fim, no Direito Penal não existe compensação de culpas, critério que se
verifica no Direito Civil. É possível, todavia, a concorrência de culpas, ou seja, duas
ou mais pessoas concorrerem culposamente para a produção de um resultado
naturalístico. Neste caso, todos responderão na medida de suas culpabilidades.
Impõe referir que os crimes culposos não admitem tentativa, visto que esta
somente é compatível com os crimes dolosos. Afinal, nestes, o resultado decorre da
vontade livre e consciente do agente, que o quer ou assume o risco de produzi-lo, o
que não se verifica nos crimes culposos.
6.3.Iter criminis
Todo crime passa (ou pode passar) por pelo menos quatro fases. Em latim, diz-
se que o caminho percorrido pelo crime é o iter criminis, composto das seguintes
etapas:
a) cogitação (fase interna);
b) preparação (fase externa);
c) execução (fase externa);
d) consumação (fase externa).
A cogitação, por ter relação direta com o aspecto volitivo (vontade) do agente, é
impunível, correspondendo à fase interna do iter criminis. Em outras palavras, não
se pode punir o simples pensamento, ainda que corresponda a um crime (ex.: “A”
cogita matar “B”, seu desafeto).
A preparação, primeira etapa da fase externa do iter criminis, corresponde,
como o nome diz, à tomada de providências pelo agente para ser possível a
realização do crime. Portanto, prepara todas as circunstâncias que antecedam à
prática criminosa. Em regra, a mera preparação de um crime é impunível, na medida
em que a infração penal toma corpo a partir do momento em que se inicia sua
execução, saindo os atos da esfera do agente e ingressando na esfera da vítima. Por
vezes o Código Penal, aparentemente, incrimina típicos atos preparatórios, como o
crime de quadrilha ou bando (art. 288), cuja denominação, a partir do advento da
“Nova Lei do Crime Organizado” (Lei 12.850/2013), passou a ser o deassociação
criminosa. É o que a doutrina denomina de crimes obstáculos, pois constituem
verdadeiros obstáculos ao cometimento de outras infrações penais. Há uma
antecipação da tutela penal para que se evite o cometimento de outros delitos.
A execução se verifica quando da prática do primeiro ato idôneo e inequívoco,
hábil a consumar o crime. Trata-se, evidentemente, de fase externa do delito.
Por fim, a consumação é a última etapa do iter criminis, verificando-se de
acordo com cada crime (material, formal, mera conduta…). Também pertence à fase
externa do ilícito penal.
E como saber a diferenciação entre atos preparatórios e executórios?
Pois bem. O iter criminis somente passa a ter relevância penal quando o agente
sai da etapa preparatória e inicia a executória. Mas quando é que se inicia a execução
do crime? Três são os critérios trazidos pela doutrina:
a) critério material: quando iniciada a lesão ou perigo ao bem jurídico;
b) critério formal: quando iniciada a execução do verbo (ação nuclear) do tipo. É o
que prevalece;
c) critério objetivo-individual: atos imediatamente anterioresà execução da conduta
típica, mas voltados à realização doplano criminoso do agente.
6.3.1.Crime consumado
Nos termos do art. 14, I, CP, diz-se que o crime foi consumado quando nele se
reunirem todos os elementos de sua definição legal (tipo penal).
Porém, nem todos os crimes apresentam o mesmo momento consumativo. Confira-
se:
a) crimes materiais, culposos e omissivos impróprios = consumam-se apenas com a
produção do resultado naturalístico;
b ) crimes formais = nestes, como o resultado é dispensável, a consumação irá
ocorrer com a realização da conduta nuclear, sendo o resultado descrito no tipo mero
exaurimento.
c ) crimes de mera conduta = como não se fala em resultado naturalístico, a
consumação será alcançada com a simples atividade descrita no tipo penal.
d ) crimes permanentes = são aquelas cuja consumação se protrai no tempo. A
consumação se verifica a cada instante, enquanto não cessada a conduta típica.
e ) crimes qualificados pelo resultado = somente atingem a consumação com a
produção do resultado agravador.
f) crimes omissivos próprios= por serem crimes de mera conduta, consumam-se com
a simples inação prevista no tipo penal.
6.3.4.Arrependimento posterior
Vem previsto no art. 16 do CP. Trata-se de uma “ponte de prata”, eis que,
embora não afastando a tipificação do comportamento do agente, ensejará a redução
da pena. Pressupõe os seguintes requisitos:
a) crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa;
b) reparação integral do dano ou restituição da coisa;
c) conduta voluntária – não se exige espontaneidade;
d) reparação do dano ou restituição da coisa até o recebimento da denúncia ou queixa
– se for feito posteriormente, incidirá uma atenuante genérica, prevista no art. 65, III,
do CP.
Trata-se de causa genérica de diminuição de pena. A intenção do legislador foi
“premiar” o agente que, embora tenha cometido um crime, arrepende-se e procure
minorar os efeitos do ilícito praticado.
Todavia, não se admite a incidência do instituto em comento em qualquer crime,
mas apenas naqueles cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa (ex.:
roubo, extorsão, extorsão mediante sequestro).
Aponta a doutrina, ainda, que a reparação do dano não pode ser parcial, mas sim
integral. Se “A” causou um prejuízo de mil reais a “B”, deve restituí-lo integralmente
das perdas. Pode-se, em determinadas hipóteses, restituir-se a própria coisa (ex.: no
furto de um DVD, por exemplo, pode-se devolvê-lo in specie ao seu dono). Neste
caso, não poderá estar danificado, sob pena de o agente não ver sua pena reduzida.
Por fim, tencionou o legislador “premiar” o sujeito que repara o dano até
determinado lapso temporal expressamente definido no art. 16 do Código Penal: até o
recebimento da denúncia ou queixa. Se a reparação for posterior ao referido ato
processual, o agente, quando da fixação de sua pena, terá direito apenas à incidência
de uma circunstância atenuante, certamente inferior à diminuição prevista para o
arrependimento posterior (se é que poderá incidir, já que, se a pena-base for fixada
no piso legal, aponta a jurisprudência majoritária, bem como a doutrina, pela sua não
aplicação, o que conduziria a pena aquém do mínimo legal).
Em determinados crimes, a reparação do dano poderá gerar efeitos outros que
não a mera redução de pena. É o caso do peculato culposo (art. 312, § 3°, 1a parte do
CP), no qual a reparação do dano antes da sentença irrecorrível é causa extintiva
da punibilidade e, após referido ato decisório, é causa de diminuição da pena, à
base de 1/2 (art. 312, § 3°, 2a parte, do CP).
6.3.5.Crime impossível
Vem previsto no art. 17 do CP. É também chamado de tentativa impossível,
tentativa inidônea, tentativa inadequada ou quase crime.
É verificado quando a consumação do crime tornar-se impossível em virtude da
absoluta ineficácia do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto
material do crime.
Trata-se, segundo aponta a doutrina, de hipótese de atipicidade da tentativa do
crime inicialmente visado pelo agente.
Como definiu o legislador, somente haverá crime impossível por força de duas
circunstâncias:
a) ineficácia absoluta do meio: quando o agente valer-se de meio para a prática do
crime que jamais poderia levar à sua consumação, estar-se-á diante de meio
absolutamente ineficaz. É o caso de ser ministrada água, em um copo de suco, para
matar a vítima, ou dose absolutamente inócua de substância apontada como veneno,
que jamais causaria sua morte;
b) impropriedade absoluta do objeto: quando a ação criminosa recair sobre objeto
que absolutamente não poderá sofrer lesão em face da conduta praticada pelo agente,
estar-se-á diante de objeto absolutamente impróprio. É o caso de “A” que atira em
“B”, morto há duas horas, ou de uma mulher que pratica manobras abortivas (ex.:
toma medicamento abortivo) não estando grávida.
Ressalva a doutrina, contudo, que, se a impropriedade for relativa, o agente
responderá pela tentativa do crime que tiver iniciado, não havendo que se falar em
crime impossível. É o caso de “A” que, querendo matar “B”, coloca em sua comida
quantidade de veneno insuficiente para a morte, mas cuja substância seria apta a
provocá-la. Embora o meio para o homicídio tenha sido ineficaz, certo é que não o foi
absoluta, mas sim relativamente impróprio, não se podendo afastar a tentativa
(inocorrência da consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente).
Como dito, somente a ineficácia absoluta do meio, ou a impropriedade absoluta
do objeto, conduzirão ao reconhecimento do crime impossível. Nesse particular, o CP
adotou a teoria objetiva temperada. Porém, para fins de concurso, importante que o
candidato conheça todas as teorias acerca do instituto em comento. Analisemos cada
uma delas:
a ) sintomática = pelo fato de a conduta do agente demonstrar sua periculosidade,
deverá lhe ser imposta uma medida de segurança (era a teoria adotada pelo CP antes
da Reforma da Parte Geral em 1984);
b) subjetiva = há uma equiparação do crime impossível ao crime tentado, pelo fato
de o agente haver demonstrado a intenção de praticar o crime e produzir determinado
resultado, ainda que este não fosse passível de ser consumado;
c ) objetiva= pelo fato de inexistir ofensa ao bem jurídico, o agente não merece
punição. Subdivide-se em objetiva pura, quando não se punirá a tentativa quando o
meio ou o objeto forem ineficazes (absoluta ou relativamente), e objetiva temperada,
que considera como crime impossível apenas a ineficácia absoluta do meio e a
impropriedade absoluta do objeto (é a adotada pelo CP).
6.5.Antijuridicidade
6.5.1.Conceito
Corresponde a ilicitude a relação de contradição entre a conduta praticada
pelo agente e o ordenamento jurídico. Assim, ilicitude (ou antijuridicidade) é a
contrariedade entre o comportamento praticado pelo agente e aquilo que o
ordenamento jurídico prescreve (proíbe ou fomenta).
É importante recordar que, pela concepção bipartida, crime é fato típico e
antijurídico. Portanto, ausente a antijuridicidade, não há que se falar em crime.
6.5.3.1.2.Excesso no EN
Havendo excesso na excludente analisada, o agente responderá pelo resultado a
título de dolo ou culpa.
6.5.4.Descriminantes putativas
É possível que alguém, pela análise das circunstâncias concretas, acredite que se
encontre amparado por alguma das causas excludentes da ilicitude já vistas. Se,
supondo sua existência por uma falsa percepção da realidade (erro), o agente viole
bem jurídico alheio, ainda assim não responderá criminalmente pelo fato, desde que o
erro seja plenamente justificado.
É o que vem previsto no art. 20, § 1°, do Código Penal.
Temos como clássico exemplo a legítima defesa putativa verificada por “A”,
inimigo de “B”, quando este, prometendo-lhe a morte, enfiou, de repente, a mão em
sua blusa, fazendo crer que iria sacar um revólver. Ato seguinte, “A”, acreditando
estar diante de uma agressão injusta iminente, saca uma arma e atira em “B”, que, em
verdade, iria tirar do bolso uma carta com pedido de desculpas.
Se o erro em que incorreu “A” for plenamente justificável pelas circunstâncias,
terá incidido em erro de tipo permissivo (no caso, legítima defesa putativa),
respondendo apenas por homicídio culposo.
Embora discutível a natureza jurídica das descriminantes putativas, prevalece
o seguinte entendimento:
a) se o erro recair sobre os pressupostos fáticos de uma causa excludente da ilicitude,
estaremos diante de um erro de tipo (permissivo). É o caso do agente que,
acreditando piamente ser vítima de uma agressão injusta atual ou iminente, mata seu
suposto agressor. Nesse caso, terá incidido em um erro de tipo permissivo, que irá
recair sobre o pressuposto fático da excludente (no caso, a agressão injusta,
indispensável ao reconhecimento da legítima defesa);
b) se o erro recair sobre a existência de uma causa excludente da ilicitude, configurar-
se-á o erro de proibição. É o que se verifica quando o agente, crendo que sua conduta
é permitida pelo direito (portanto, uma conduta que não seja antijurídica), pratica um
fato típico. Nesse caso, faltará ao agente a potencial consciência da ilicitude, pelo que
será afastada a culpabilidade; e
c) se o erro recair sobre os limites de uma causa excludente da ilicitude, igualmente
restará configurado o erro de proibição. Ocorrerá nos casos em que o agente incidir
em excesso (por exemplo, na legítima defesa, quando, após cessada a agressão
injusta, o agente prosseguir no contra-ataque ao agressor original acreditando que
ainda está agindo em LD).
As conclusões acima decorrem da adoção, pelo Código Penal, da teoria limitada
da culpabilidade.
6.6.Culpabilidade
Trata-se de pressuposto de aplicação da pena. Se adotada a concepção
bipartida (crime enquanto fato típico e antijurídico), não integra o conceito de crime,
estando fora de sua estrutura básica.
Contudo, não sendo o agente culpável, é absolutamente inviável a inflição de
pena. No entanto, mesmo ao inculpável, admissível será a aplicação de medida de
segurança (ex.: ao inimputável por doença mental não se aplica pena, mas medida de
segurança).
6.6.2.4.Emoção e paixão
De acordo com o art. 28, I, CP, a emoção e a paixão não excluem a culpabilidade.
Entende-se por emoção uma forte e passageira perturbação da afetividade, enquanto
que a paixão corresponde a um sentimento forte e duradouro.
Ambas não excluem a culpabilidade, mas podem atuar como circunstâncias do
crime, influenciadoras da pena (ex.: homicídio privilegiado – art. 121, § 1°, CP).
6.7.Concurso de pessoas
6.7.1.Conceito
Concurso de pessoas, ou concurso de agentes, codelinquência ou concurso de
delinquentes, consiste na reunião consciente e voluntária, de duas ou mais pessoas,
para a prática de infrações penais.
Tem como requisitos (PRIL):
a) Pluralidade de agentes (cada pessoa tem comportamento próprio);
b) Relevância causal de cada uma das ações;
c) Identidade de fato (ou identidade de crime); e
d) Liame subjetivo ou vínculo psicológico entre os agentes (todos devem visar a um
mesmo objetivo, um aderindo à conduta dos outros – não se exige, contudo, o ajuste
prévio, ou seja, o acordo de vontades anterior à prática do crime).
A falta do liame subjetivo acarreta o que a doutrina chama de autoria colateral.
Nesta, duas ou mais pessoas, desconhecendo a existência da(s) outra(s), praticam atos
executórios com o mesmo objetivo. Nesse caso, não haverá concurso de agentes,
sendo que cada um responderá pelos atos que cometeu. Havendo dúvida acerca de
qual dos agentes deu causa ao resultado, mas sendo constatada a prática de atos
executórios, cada qual responderá pela tentativa (ex.: homicídio). É a denominada
autoria incerta.
6.7.3.Autoria
Existem três teorias acerca da autoria, a saber:
a) teoria material-objetiva (ou extensiva): autor é aquele que concorre com qualquer
causa para o implemento de um resultado, e não só o que realiza o verbo-núcleo do
tipo penal incriminador. Assim, não há distinção entre autor, coautor e partícipe;
b) teoria formal-objetiva (ou restritiva): autor é somente aquela pessoa que pratica a
conduta típica descrita em lei (matar, subtrair, constranger…), executando o verbo-
núcleo do tipo. Toda ação que não for propriamente a correspondente ao verbo do
tipo será acessória. Contudo, se, de qualquer modo, concorrer para a prática do
crime, a pessoa será considerada partícipe. Esta é a teoria adotada pelo CP, mas
com algumas críticas, por não abranger a autoria mediata;
c) teoria normativa-objetiva (ou do domínio do fato): autor é aquele que tem o
controle final do fato, ou seja, domina finalisticamente a empreitada criminosa. Enfim,
é o “chefe”, que determina cada passo do crime. Será partícipe aquele que colaborar
com o autor, mas sem ter o domínio final do fato.
A teoria do domínio do fato consegue explicar a autoria mediata, motivo pelo
qual deve ser agregada à teoria restritiva.
6.7.3.1.Autoria mediata
De acordo com a teoria do domínio do fato, autor mediato (ou indireto) é aquele
que “usa” alguém, por exemplo, desprovido de imputabilidade ou que atue sem
dolo, para a execução de determinado comportamento criminoso. Em outras
palavras, o autor mediato se vale de um executor material (autor imediato) como
instrumento para o cometimento do ilícito penal. Nesse caso, o executor material
do crime não responderá por nada.
Exemplo: uma pessoa, querendo matar outra, pede a um louco que a esfaqueie, o
que é por este cumprido. O louco (executor material) não responderá pelo homicídio,
mas apenas seu mandante.
A autoria mediata pode resultar das seguintes hipóteses:
a) ausência de capacidade mental da pessoa utilizada como instrumento
(inimputável);
b) coação moral irresistível;
c) provocação de erro de tipo escusável (ex.: médico que quer matar paciente e
determina que a enfermeira aplique uma injeção de “medicamento”, mas que, na
realidade, é veneno);
d) obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal.
Em qualquer caso, responderá pelo crime não o executor deste (autor imediato ou
direto), mas, sim, o autor mediato (ou indireto).
Concurso de Pessoas: Teoria Monista e Fixação de Reprimenda mais Grave a um dos Corréus
“Por reputar não observada a teoria monista adotada pelo ordenamento pátrio (CP, art. 29) – segundo a qual,
havendo pluralidade de agentes e convergência de vontades para a prática da mesma infração penal, todos
aqueles que contribuem para o crime incidem nas penas a ele cominadas, ressalvadas as exceções legais –, a
Turma deferiu habeas corpus cassar decisão do STJ que condenara o paciente pela prática de roubo
consumado. No caso, tanto a sentença condenatória quanto o acórdão proferido pelo tribunal local condenaram
o paciente e o corréu por roubo em sua forma tentada (CP, art. 157, § 2°, I e II, c/c o art. 14, II). Contra esta
decisão, o Ministério Público interpusera recurso especial, apenas contra o paciente, tendo transitado em
julgado o acórdão da Corte estadual relativamente ao corréu. Assentou-se que o acórdão impugnado, ao
prover o recurso especial, para reconhecer que o paciente cometera o crime de roubo consumado, provocara a
inadmissível situação consistente no fato de se condenar, em modalidades delitivas distintas quanto à
consumação, os corréus que perpetraram a mesma infração penal. Destarte, considerando que os corréus
atuaram em acordo de vontades, com unidade de desígnios e suas condutas possuíram relevância causal para
a produção do resultado decorrente da prática do delito perpetrado, observou-se ser imperioso o
reconhecimento uniforme da forma do delito cometido. Assim, restabeleceu-se a reprimenda anteriormente
fixada para o paciente pelo tribunal local.” HC 97652/RS, rel. M in. Joaquim B arbosa, 4.8.2009. (HC-
97652) (Inform. STF 554).
b) teoria pluralística: para esta teoria, cada agente responde por um crime,
independentemente do outro. Excepcionalmente, o Código Penal adota exceções
pluralísticas ao princípio monístico. É o caso do binômio corrupção ativa/corrupção
passiva e aborto com o consentimento da gestante e o terceiro que o provocou;
c) teoria dualística: para esta teoria, há um crime para os autores e outro crime para
os partícipes. Não foi adotada pelo CP.
Apenas para não haver dúvidas, o CP adotou a teoria unitária ou monista.
7. DAS PENAS
7.1.Penas
7.1.1.Conceito
Pena é a consequência jurídica do crime. A prática de qualquer ato ilícito, em
nosso ordenamento jurídico, deve gerar uma sanção, sob pena de nenhuma pessoa ser
desestimulada a delinquir. Na seara penal, não poderia ser diferente.
Importa lembrar que pena é espécie de sanção penal, ao lado das medidas de
segurança.
Por fim, cabe trazermos algumas regras sobre cada um dos regimes
penitenciários:
a) Regras específicas do regime fechado
Conforme reza o artigo 34 do Código Penal, o condenado a cumprir pena em
regime fechado será submetido inicialmente a exame criminológico a fim de que seja
possível a classificação e individualização da pena.
Um dos deveres do preso no regime fechado é o trabalho durante o dia,
recolhendo-se à noite a cela individual. Portanto, a ideia do legislador foi a de
submeter o preso a um isolamento mais rigoroso.
Contudo, durante o dia trabalhará com os demais detentos em lugar comum. É
admissível o trabalho externo do preso durante o cumprimento da pena em regime
fechado em serviços ou obras públicas;
b) Regras do regime semiaberto
São semelhantes às regras do regime fechado, submetendo-se o condenado a
trabalho em comum durante o dia em colônias penais agrícolas, industriais ou
similares. É admissível o trabalho externo e também que os condenados frequentem
cursos profissionalizantes. Durante a noite os condenados serão recolhidos às celas
coletivas;
c) Regras do regime aberto
A ideia central deste regime é a de testar a autodisciplina do condenado e seu
senso de responsabilidade. Será dever do condenado exercer trabalho, frequentar
curso ou outras atividades autorizadas durante o dia, recolhendo-se à noite e nos dias
de folga às casas do albergado.
7.3.3.Espécies de PRDs
As PRDs estão previstas, em rol taxativo, no art. 43 do CP, a saber:
I – Prestação pecuniária (art. 45, § 1°, CP);
II – Perda de bens e valores (art. 45, § 3°, CP);
III – Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46, CP);
IV – Interdição temporária de direitos (art. 47, CP); e
V – Limitação de fim de semana (art. 48).
7.3.3.1.Prestação pecuniária
Consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade
pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não
inferior a 1 (um) salário mínimo, nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários
mínimos. O valor será deduzido do montante de eventual ação de reparação civil,
desde que coincidentes os beneficiários. A prestação pecuniária poderá ser
substituída por prestação de outra natureza desde que haja aceitação, nesse sentido,
do beneficiário (art. 45, § 2°, CP).
Diversamente do que ocorre com a pena de multa, que é considerada dívida de
valor (art. 51 do CP), se o condenado não cumprir a prestação pecuniária imposta,
esta será convertida em PPL, conforme se depreende da regra geral imposta no art.
44, § 4°, do CP.
8. CONCURSO DE CRIMES
8.1.Conceito
Concurso de crimes ocorre quando o(s) agente(s), mediante a prática de uma ou
várias condutas, pratica(m) dois ou mais crimes. Pressupõe, portanto, pluralidade de
fatos.
9.1.Conceito de sursis
Sursis, do francês surseoir, consiste na suspensão da execução da pena privativa
de liberdade imposta ao condenado mediante o cumprimento de certas condições. Daí
ser chamado de suspensão condicional da pena.
9.2.Sistemas
São dois os sistemas de sursis mais conhecidos no mundo:
a) probation system (sistema anglo-americano): o juiz reconhece a culpabilidade do
réu, mas não profere sentença condenatória, suspendendo o processo;
b) franco-belga (ou belga-francês, ou europeu continental): o juiz não só reconhece
a culpabilidade como condena o réu. Todavia, preenchidas as condições impostas por
lei, suspende a execução da pena. É o sistema adotado pelo nosso CP.
9.5.Espécies de sursis
São 4 (quatro):
a ) sursis simples ou comum (art. 77, CP): aplicável aos condenados, não
reincidentes, a PPL não superior a 2 (dois) anos. Será cabível quando o condenado
não houver reparado o dano, salvo se tiver comprovado a impossibilidade de fazê-lo
e/ou as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP não lhe forem
completamente favoráveis. É a regra. O período de prova, que será explicado mais à
frente, será de 2 (dois) a 4 (quatro) anos;
b) sursis especial (art. 78, § 2°, CP): aplicável aos condenados, não reincidentes, a
PPL não superior a 2 (dois) anos, desde que as circunstâncias judiciais do art. 59 do
CP lhe sejam completamente favoráveis, bem como se houver reparado o dano, salvo
impossibilidade justificada. Seus requisitos são mais rígidos do que para o sursis
simples, mas as condições são mais brandas. O período de prova será de 2 (dois) a 4
(quatro) anos;
c) sursis etário (art. 77, § 2°, CP): aplicável aos condenados que contarem com mais
d e 70 (setenta) anos de idade na data da sentença, cuja PPL imposta não seja
superior a 4 (quatro) anos. Contudo, o período de prova será de 4 (quatro) a 6 (seis)
anos;
d ) sursis humanitário (art. 77, § 2°, CP): aplicável aos condenados a PPL não
superior a 4 (quatro) anos, desde que o estado de saúde justifique a suspensão da
pena (pacientes terminais). O período de prova será de 4 (quatro) a 6 (seis) anos.
9.5.2.Período de prova
É o lapso temporal dentro do qual o condenado beneficiado pelo sursis deverá
cumprir as condições impostas, bem como demonstrar bom comportamento. É
também denominado de período depurador.
Como já foi dito, o período de prova será de 2 (dois) a 4 (quatro) anos nos
sursis simples e especial, e de 4 (quatro) a 6 (seis) anos nos sursis etário e
humanitário.
9.5.3.Revogação do sursis
Poderá ser obrigatória (art. 81, I a III, CP) ou facultativa (art. 81, § 1°, CP).
Será obrigatória a revogação do sursis se:
(i) o beneficiário vier a ser condenado irrecorrivelmente por crime doloso;
(ii) não reparar o dano, salvo motivo justificado;
(iii) descumprir as condições do sursis simples.
Será facultativa a revogação do sursis se:
(i) o beneficiário vier a ser condenado irrecorrivelmente por contravenção ou
crime culposo, salvo se imposta pena de multa;
(ii) descumprir as condições do sursis especial;
(iii) descumprir as condições judiciais.
9.5.5.Extinção da punibilidade
Com a expiração do prazo (período de prova) sem que tenha havido revogação,
considerar-se-á extinta a pena privativa de liberdade suspensa (art. 82, CP).
10.1.Conceito
É a libertação antecipada do condenado, mediante o cumprimento de certas
condições, pelo prazo restante da pena que deveria cumprir. Trata-se, segundo a
doutrina, de direito público subjetivo do condenado, ou seja, não pode ser negado
por mera discricionariedade do magistrado. Preenchidos os requisitos, deverá ser
concedido.
A competência para a concessão do livramento condicional (LC), ao contrário do
sursis (em regra), é do juiz da execução penal.
10.2.1.Condições para o LC
Podem ser:
a) Obrigatórias
✓ (i) obter o condenado ocupação lícita;
✓ (ii) comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação;
✓ (iii) não mudar da comarca da execução sem prévia autorização;
b) Facultativas (ou Judiciais)
✓ (i) não mudar de residência sem comunicar o juízo;
✓ (ii) recolher-se à habitação em hora fixada;
✓ (iii) não frequentar determinados lugares;
c) Legais indiretas – ausências das causas geradoras de revogação do benefício.
10.2.2.Revogação do LC
Pode ser:
a) Obrigatória: condenação irrecorrível a PPL pela prática de crime havido antes ou
durante o benefício (art. 86, I e II, CP);
b) Facultativa: condenação irrecorrível, por crime ou contravenção, à pena não
privativa de liberdade ou se houver descumprimento das condições impostas (art. 87,
CP).
10.2.3.Período de prova no LC
É o período em que o condenado observará as condições impostas, pelo prazo
restante da PPL que havia para cumprir. Findo este período sem revogação do LC, o
juiz julgará extinta a punibilidade do agente (art. 90, CP).
11.1.Conceito
Diz-se que são efeitos da condenação todas as consequências advindas de uma
sentença penal condenatória transitada em julgado.
11.1.1.Efeitos da condenação
De forma bastante didática, a doutrina divide os efeitos da condenação em dois
grandes grupos, a saber: efeitos principais e efeitos secundários.
11.1.2.Efeitos principais
Decorrem, como dito, de sentença penal condenatória transitada em julgado,
resumindo-se à imposição das penas, sejam elas privativas de liberdade, restritivas
de direitos ou multa.
Mister mencionar que os efeitos ora tratados são impostos aos imputáveis e
semi-imputáveis que revelarem periculosidade, os quais serão condenados a uma
pena reduzida (art. 26, parágrafo único, do CP), substituída por medida de segurança.
Aos inimputáveis (art. 26, caput, do CP), aplicam-se as medidas de segurança, fruto
de sentença absolutória imprópria.
Em suma, apenas a sentença condenatória gera, evidentemente, os efeitos da
condenação, os quais não ocorrem na sentença absolutória.
11.1.3.Efeitos secundários
Os efeitos secundários podem ser de natureza penal ou extrapenal.
a) Efeitos secundários de natureza penal:
✓ (i) reincidência;
✓ (ii) impede a concessão do sursis;
✓ revoga o sursis se o crime for doloso;
✓ revoga o LC se o crime redundar em PPL;
✓ (v) aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória etc.;
b) Efeitos secundários de natureza extrapenal:
b1. Genéricos – são automáticos, sem necessidade de constar da sentença (art.
91, CP):
i. torna certa a obrigação de reparar o dano, sendo que a sentença penal
condenatória trânsita é título executivo no cível;
ii. confisco, pela União, dos instrumentos ilícitos e produtos do crime;
iii. suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, CF);
b2. Específicos – não automáticos, devendo constar da sentença (art. 92, CP):
i. perda do cargo, função pública ou mandato eletivo em virtude da prática de
crimes funcionais (pena igual ou superior a 1 ano) ou em crimes de qualquer natureza
se a pena for superior a 4 anos;
ii. incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos
crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular
do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado
ou curatelado, conforme nova redação dada ao inc. II do art. 92 do CP pela Lei
13.715/2018;
iii. inabilitação para dirigir veículo desde que o crime seja doloso e que o
veículo tenha sido usado como instrumento do crime (difere da suspensão de CNH,
nos delitos culposos de trânsito).
Importante destacar que o STF, no julgamento do HC 126.292/SP, modificando
sua anterior orientação acerca da impossibilidade de execução provisória da pena,
passou a admitir, por maioria de votos, o início do cumprimento da pena com o
julgamento de segunda instância, razão por que se pode concluir que os efeitos da
condenação, sejam o principal, sejam os secundários (de natureza penal e extrapenal),
poderão se materializar mesmo que pendentes recursos de estrito direito (especial e
extraordinário).
11.2.Reabilitação
É o instituto pelo qual o condenado terá restabelecida parte dos direitos
atingidos pela condenação, assegurando sigilo dos registros sobre seu processo
(arts. 93 a 95, CP).
Especificamente quanto ao sigilo, é verdade que o art. 202 da LEP (Lei
7.210/1984) assegura, de forma automática, o sigilo quanto à “folha de antecedentes”
do condenado. Contudo, trata-se de efeito mais amplo, visto que qualquer autoridade
judiciária, membro do Ministério Público ou autoridade policial terá acesso àquele
antecedente. Já com a reabilitação, o sigilo será mais restrito, somente podendo ser
“quebrado” por juiz criminal, mediante requisição.
11.2.3.Revogação da reabilitação
A reabilitação poderá ser revogada se o reabilitado vier a ser condenado
irrecorrivelmente, como reincidente, a pena que não seja de multa (art. 95, CP).
12.1.Conceito
É espécie de sanção penal imposta pelo Estado a um inimputável ou semi-
imputável com reconhecida periculosidade, desde que se tenha praticado um fato
típico e antijurídico.
12.3.Sistema vicariante
Após a reforma da Parte geral do CP, que ocorreu com o advento da Lei
7.209/1984, adotou-se o sistema vicariante, pelo qual se aplica aos semi-imputáveis
pena reduzida ou medida de segurança, desde que, neste último caso, verifique-se a
periculosidade real mediante perícia. Antes de referida legislação, admitia-se a
imposição de pena e medida de segurança àquelas pessoas que revelassem
periculosidade. Era o sistema do duplo binário, substituído pelo vicariante.
Nada obstante seja inadmissível, sob pena de ofensa ao ne bis in idem, que o
agente, por um mesmo fato, cumpra, conjuntamente, pena e medida de segurança,
poderá ser submetido a ambas as espécies de sanções penais, desde que se trate de
fatos distintos. Confira-se:
“Durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, o fato de ter sido
imposta ao réu, em outra ação penal, medida de segurança referente a fato diverso
não impõe a conversão da pena privativa de liberdade que estava sendo executada
em medida de segurança. Inicialmente, convém apontar que o sistema vicariante
afastou a imposição cumulativa ou sucessiva de pena e medida de segurança, uma
vez que a aplicação conjunta ofenderia o princípio do ne bis in idem, já que o
mesmo indivíduo suportaria duas consequências em razão do mesmo fato. No caso
em análise, evidencia-se que cada reprimenda imposta corresponde a um fato
distinto. Portanto, não há que se falar em ofensa ao sistema vicariante, porquanto
a medida de segurança refere-se a um fato específico e a aplicação da pena
privativa de liberdade correlaciona-se a outro fato e delito. Decisão monocrática
citada: HC 137.547-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,DJe 01.02.2013” (HC 275.635/SP,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 15.03.2016.
“A 1a Turma deferiu parcialmente habeas corpus em favor de denunciado por homicídio qualificado,
perpetrado contra o seu próprio pai em 1985. No caso, após a realização de incidente de insanidade mental,
constatara-se que o paciente sofria de esquizofrenia paranoide, o que o impedira de entender o caráter ilícito
de sua conduta, motivo pelo qual fora internado em manicômio judicial. Inicialmente, afastou-se a alegada
prescrição e a consequente extinção da punibilidade. Reafirmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de
que o prazo máximo de duração de medida de segurança é de 30 anos, nos termos do art. 75 do CP.
Ressaltou-se que o referido prazo não fora alcançado por haver interrupção do lapso prescricional em face de
sua internação, que perdura há 26 anos. No entanto, com base em posterior laudo que atestara a
periculosidade do paciente, agora em grau atenuado, concedeu-se a ordem a fim de determinar sua internação
em hospital psiquiátrico próprio para tratamento ambulatorial”. HC 107432/RS, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, 24.05.2011. (HC-107432) (Inform. STF 628)
12.5.2.Cessação de periculosidade
Ao término do prazo mínimo de duração da medida de segurança, deverá ser
aferida a cessação da periculosidade do agente. Em outras palavras, deverá ser
submetido a um exame a fim de que se constate se houve sua cessação. Em caso
positivo, o juiz deverá determinar a suspensão da execução da medida de
segurança e a desinternação (medida de segurança detentiva) ou liberação (medida
de segurança restritiva) do indivíduo. Em caso negativo, a medida de segurança
persistirá. Após essa primeira, anualmente novas perícias (exames de cessação de
periculosidade) deverão ser realizadas.
Importa ressaltar que as referidas desinternação e liberação são condicionais, tal
como ocorre com o livramento condicional, devendo o agente atentar às mesmas
condições daquele benefício, nos termos do art. 178 da LEP.
12.5.4.Desinternação progressiva
Embora não exista expressa previsão legal, a desinternação progressiva vem
sendo admitida pela doutrina mais moderna e pela jurisprudência. Em síntese,
consiste na transferência do agente do regime de internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico para o tratamento ambulatorial, especialmente quando
aquela espécie de medida de segurança se revelar desnecessária.
Assemelha-se a desinternação progressiva à progressão de regime penitenciário.
12.5.5.Possibilidade de conversão de PPL em medida de segurança
Se durante a execução da PPL sobrevier ao condenado doença ou perturbação
mental permanente, o art. 183 da LEP determina que o juiz da execução penal, de
ofício ou a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou autoridade
administrativa, substitua a pena por medida de segurança, persistindo pelo restante
da pena que deveria ser cumprida.
Se estivermos diante de doença ou perturbação mental transitória ou
temporária, aplicar-se-á o art. 41 do CP, que determina que seja o condenado
recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou estabelecimento
adequado pelo prazo máximo de 30 (trinta) anos (posição do STF) ou pelo máximo da
PPL cominada (posição do STJ), ou, ainda, por prazo indeterminado (art. 97, § 1°,
parte final, CP).
13.1.Conceito de punibilidade
É a possibilidade jurídica de se impor a um agente culpável uma pena. Não
integra a punibilidade o conceito de crime, que, analiticamente, é fato típico e
antijurídico (concepção bipartida). Importa ressaltar que, para a maioria dos
doutrinadores, a punibilidade é mera consequência jurídica da prática de uma
infração penal (crimes e contravenções penais).
13.2.Surgimento da punibilidade
A punibilidade existe em estado latente, ou seja, abstratamente, até que um agente
pratique um crime ou uma contravenção penal. A partir deste momento, a punibilidade
se transmuda para um direito de punir concreto (jus puniendi estatal), tendo por
objetivo a imposição da pena.
Há, também, as situações previstas no art. 111, CP, que dizem respeito ao termo
inicial de contagem da prescrição da pretensão punitiva, a saber: I – do dia em que o
crime se consumou; II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade
criminosa; III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV –
nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil,
da data em que o fato se tornou conhecido; V – nos crimes contra a dignidade sexual
de crianças e adolescentes, previstos no Código Penal ou em legislação especial, da
data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver
sido proposta a ação penal.
O inciso V do art. 111 foi inserido pela Lei 12.650/2012, que inovou nosso
ordenamento jurídico ao prever que não começará a correr a prescrição nos crimes
contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes antes de a vítima completar a
maioridade penal, salvo se a ação penal há houver sido proposta. Assim, como
exemplo, se uma criança de seis anos for estuprada, a prescrição somente começará a
fluir a partir do dia em que completar dezoito anos (salvo, repita-se, se a ação penal
já houver sido proposta antes disso, caso em que a prescrição começará a fluir,
segundo entendemos, a partir do recebimento da denúncia).
Finalmente, importa destacar que o art. 115 do CP trata de situações em que o
prazo prescricional será reduzido pela metade:
a) se o agente, à época do fato, contar com mais de dezoito anos, porém, menos de
vinte e um anos;
b) se o agente, à época da sentença, for maior de setenta anos. Pela relevância do
tema, confira-se:
Prescrição e art. 115 do CP
“A causa de redução do prazo prescricional constante do art. 115 do CP (“São reduzidos de metade os
prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de vinte e um anos, ou, na
data da sentença, maior de setenta anos”) deve ser aferida no momento da sentença penal condenatória.
Com base nesse entendimento, a 2a Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava o reconhecimento
da prescrição da pretensão punitiva em favor de condenado que completara 70 anos entre a data da prolação
da sentença penal condenatória e a do acórdão que a confirmara em sede de apelação”. HC 107398/RJ, rel.
Min. Gilmar Mendes, 10.05.2011. (HC-107398) (Inform. STF 626)
PARTE ESPECIAL
1. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA DOS CRIMES.
INTRODUÇÃO À PARTE ESPECIAL DO CP
1.2.7.Outras classificações
a) crime vago: é aquele cujo sujeito passivo é um ente desprovido de personalidade
jurídica. Ex.: tráfico de drogas (art. 33, Lei 11.343/2006);
b) crime habitual: é aquele que exige uma reiteração de atos que, reunidos, traduzem
um modo de vida do sujeito ativo. Ex.: manter casa de prostituição (art. 229, CP);
c) crime material: também chamado de crime causal, é aquele que se caracteriza
pela exigência de um resultado naturalístico (modificação do mundo exterior
provocada pela conduta do agente) para a sua consumação. Assim, por exemplo, o
homicídio (art. 121 do CP) somente se consuma com a morte da vítima; a sonegação
fiscal prevista no art. 1° da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei
8.137/1990) somente se consumam quando o agente, empregando fraude, suprimir ou
reduzir tributo ou contribuição social;
d) crime formal: também chamado de crime de consumação antecipada, é aquele que,
para a sua caracterização (e consumação), não exige a ocorrência de um resultado
naturalístico, ainda que este seja possível. É o que se verifica, por exemplo, com o
crime de concussão (art. 316 do CP), que se consumará no momento em que o
funcionário público exigir da vítima, em razão de sua função, uma vantagem indevida;
e) crime de mera conduta: também chamado de crime de simples atividade, se
consumará, como o próprio nome sugere, com a prática do comportamento ilícito
descrito no tipo penal, sendo impossível a ocorrência de um resultado naturalístico. É
o que se verifica, por exemplo, com o crime de violação de domicílio (art. 150 do
CP), bastando, para sua caracterização, que o agente delitivo ingresse ou permaneça
em casa alheia sem o consentimento do morador.
2.1.2.Espécies de homicídio
O CP prevê seis hipóteses/espécies de homicídio, a saber:
a) homicídio doloso simples (previsto no caput do art. 121 do CP);
b) homicídio doloso privilegiado (previsto no § 1°);
c) homicídio doloso qualificado (previsto no § 2°);
d) homicídio culposo (previsto no § 3°);
e) homicídio culposo majorado (previsto no § 4°, 1a parte);
f) homicídio doloso majorado (previsto no § 4°, 2a parte e §§ 6° e 7°).
2.1.3.Perdão judicial
Trata-se de causa extintiva da punibilidade, conforme art. 107, IX, do CP.
Irá incidir quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de
forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
Assim verificando, o juiz poderá (deverá) deixar de aplicar a pena.
É o caso de um pai atingir o próprio filho por um disparo acidental de arma de
fogo. As consequências para ele são tão gravosas que a maior pena é a perda do ente
querido. O mesmo se diga se um pai, por imprudência, atropela o próprio filho, ao
sair de sua garagem.
A Súmula 18 do STJ, tratando do perdão judicial, prescreve que “a sentença
concessiva do perdão judicial tem natureza declaratória da extinção da punibilidade,
não subsistindo qualquer efeito condenatório”. Assim, a sentença do juiz, em caso de
perdão judicial, não tem natureza condenatória, mas declaratória, pelo que não
pode remanescer qualquer dos efeitos da condenação (ex.: obrigação de reparar o
dano, reincidência, lançamento do nome do réu no rol dos culpados etc.).
2.2.2.Tipo objetivo
O CP prevê, em seu art. 122, o delito de “induzimento, instigação ou auxílio a
suicídio”, com a seguinte redação: “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou
prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal
de natureza grave”.
Verifica-se, portanto, que o crime em tela pode ser cometido por três maneiras,
que correspondem às condutas típicas (verbos do tipo):
a) induzir – nesse caso, o agente faz nascer na mente da vítima a ideia de praticar
suicídio;
b) instigar – aqui, o agente apenas reforça a ideia, que já existia no espírito da vítima,
de realizar o suicídio;
c) auxiliar – trata-se da ajuda material para a concretização do suicídio pela vítima. É
o caso de fornecimento dos instrumentos para que a vítima ceife sua própria vida (ex.:
faca, revólver). Esse “auxílio” deve ter uma relação acessória com o suicídio e não
positiva nos atos de execução, sob pena de o agente responder por homicídio (ex.:
“A” empresta a “B” um revólver, e a seu pedido o “auxilia”, apertando o gatilho.
Terá, então, matado “B”, situação configuradora do crime de homicídio).
O crime poderá ser praticado por ação ou mesmo por omissão (neste último caso,
desde que o sujeito ativo tenha o dever jurídico de agir, o que configura a omissão
imprópria).
2.2.3.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em induzir, instigar ou
auxiliar alguém a suicidar-se.
Admite-se, inclusive, a forma eventual (dolo eventual), ou seja, o agente pode
praticar o crime em tela, embora não querendo que a vítima se suicide, assumindo o
risco de que o faça. É o caso do pai que, sabendo das tendências suicidas da filha, a
expulsa de casa, fazendo com que ela, desamparada, dê cabo de sua própria vida.
2.2.4.Sujeito passivo
É considerada vítima do crime a pessoa com um mínimo de discernimento e
poder de resistência. Assim não sendo, estaremos diante de homicídio (ex.: o pai
induz o filho de 4 anos de idade a pular da janela, eis que, com a capa do Super-
Homem, conseguirá voar).
2.2.5.Consumação e tentativa
Parte da doutrina diz que não se admite a tentativa do crime previsto no art. 122
do CP, o que se extrai do preceito secundário do tipo: se o suicídio efetivamente
ocorre, a pena do sujeito ativo será de 2 a 6 anos de reclusão; já se resultar lesão
corporal grave, será de 1 a 3 anos de reclusão.
Em outras palavras, o crime estaria consumado com a efetiva morte da vítima ou
no caso de sofrer lesão corporal de natureza grave.
Já outros doutrinadores, como Cezar Bittencourt, admitem a punição do crime a
título de tentativa, mas que já foi prevista no próprio tipo penal (pena de 1 a 3 anos de
reclusão). Trata-se, segundo ele, de uma “tentativa qualificada”, já que o agente do
crime deve ser punido com menor rigor quando a vítima não conseguir tirar sua
própria vida, mas sofrer, em decorrência da tentativa, lesões corporais de natureza
grave.
De qualquer forma, se a vítima tentar se matar, mas sofrer apenas lesões leves, o
fato será atípico (ou a vítima consegue suicidar-se, configurando a modalidade
consumada, ou sofre lesões corporais graves, com o que o delito será tentado).
2.3.2.Tipo objetivo
A conduta nuclear (verbo do tipo) é a mesma do homicídio, qual seja, matar.
Ocorre, portanto, a eliminação da vida humana extrauterina. Indispensável é, portanto,
que o nascente esteja vivo no momento da ação ou omissão da genitora.
Difere o infanticídio do homicídio por uma situação anímica em que se encontra o
agente, vale dizer, a mãe: o estado puerperal.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, “estado puerperal é aquele que envolve a
parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Há profundas alterações
psíquicas e físicas, que chegam a transformar a mãe, deixando-a sem plenas
condições de entender o que está fazendo. (…) O puerpério é o período que se
estende do início do parto até a volta da mulher às condições de pré-gravidez”
(Manual de Direito Penal – 3a edição – editora RT – p. 621).
O tipo penal exige que a mãe esteja sob “influência” do estado puerperal. Que
toda mãe passa pelo puerpério, isto é fato incontroverso. Porém, deve-se demonstrar
que tal estado anímico tirou-lhe a plena capacidade de entendimento, levando-a a
cometer o homicídio do próprio filho.
Ademais, o elemento cronológico do tipo (“durante o parto ou logo após”) é algo
a ser analisado, revelando que o legislador impõe reprimenda mais branda à mãe que
matar o próprio filho quase que numa “imediatidade” ao parto (simultaneamente a
este, ou logo após). Todavia, é possível que a acusação comprove que, mesmo
transcorrido um lapso considerável de tempo, a mãe estivesse, ainda, sob influência
do estado puerperal, o que não descaracterizaria o delito.
Porém, quanto mais tempo passar do parto, menor é a chance de que a mãe sofra
com as alterações que o puerpério lhe acomete. Daí haver uma “inversão” do ônus da
prova, no sentido de que caberá à defesa demonstrar, transcorrido tempo razoável do
parto, que a mãe ainda se encontrava influenciada pela alteração anímica.
2.3.3.Tipo subjetivo
É o dolo, não sendo punida a modalidade culposa do infanticídio. Se tal situação
ocorrer, poderá ser verificado o homicídio culposo, ainda que a mãe esteja sob
influência do estado puerperal (é o posicionamento de Cezar Roberto Bittencourt).
Já Damásio de Jesus entende que a mulher, influenciada pelo estado puerperal,
não tem a diligência normal que a todos se impõe, razão pela qual sequer por
homicídio culposo poderia responder, caso viesse a matar o próprio filho por
imprudência ou negligência. É que, explica o doutrinador, nesse caso, seria inviável a
demonstração da ausência de prudência normal na mulher que, pelo momento peculiar
de sua vida, padece de certo desequilíbrio psíquico.
2.3.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime é a mãe (parturiente), que, influenciada pelo estado
puerperal, mata o próprio filho. Trata-se, pois, de crime próprio.
Já o sujeito passivo é o recém-nascido (neonato) ou aquele que ainda está
nascendo (nascente). Isso é extraído do próprio tipo penal: “durante o parto
(nascente) ou logo após (neonato)”.
Embora o estado puerperal seja algo típico da mulher que está em trabalho de
parto ou que há pouco tempo a ele se submeteu, tal situação configura uma
circunstância pessoal, que, por ser elementar, comunica-se aos coautores ou
partícipes, nos termos do art. 30 do CP.
Se a mãe, por engano, influenciada pelo estado puerperal, dirige-se até o berçário
do hospital e mata um bebê que não o seu filho, ainda assim responderá por
infanticídio, já que presente um erro de tipo acidental (erro quanto à pessoa – art. 20,
§ 3°, do CP).
2.3.5.Consumação e tentativa
O crime de infanticídio exige, para sua consumação, a morte do neonato ou do
nascente (crime material). Caso isso não ocorra, estaremos diante da tentativa.
2.4.2.Autoaborto
Vem definido no art. 124, 1a parte, do CP: “provocar aborto em si mesma…”.
Trata-se de crime de mão própria (segundo Cezar Roberto Bittencourt, por
exemplo), já que é a própria mãe quem irá realizar o abortamento, efetivando ela
própria as manobras abortivas (ex.: ingestão de medicamentos abortivos; inserção, no
útero, de agulhas ou curetas etc.). Admite-se, portanto, apenas a participação
(conduta acessória), jamais a coautoria.
Se terceiro realiza manobras abortivas junto com a gestante, ela responderá por
autoaborto e ele pelo crime do art. 126 do CP (aborto provocado por terceiro com o
consentimento da gestante).
O sujeito passivo do crime é o feto (produto da concepção), ainda que, para a lei
civil, não tenha personalidade jurídica (que se adquire com o nascimento com vida).
Por esse motivo, alguns doutrinadores chegam a declarar que a vítima é a sociedade,
já que o feto não é considerado “pessoa”.
Consuma-se o crime com a morte do feto ou a destruição do produto da
concepção, ainda que não seja expelido pelo corpo da mulher. Mesmo que o feto
nasça com vida após as manobras abortivas, mas venha a morrer em decorrência de
uma “aceleração do parto”, a mãe responderá por autoaborto.
Admite-se a tentativa, já que se trata de crime material e plurissubsistente
(vários atos).
2.4.3.Aborto consentido
Corresponde à 2a parte do art. 124, do CP: “… ou consentir que outrem lho
provoque”.
Trata-se de conduta omissiva (a gestante permite que terceira pessoa pratique
manobras abortivas, provocando a morte do feto ou do produto da concepção).
Também, aqui, o crime é de mão própria, cujo sujeito ativo é apenas a gestante. O
terceiro responderá pelo crime do art. 126 do CP.
3. LESÃO CORPORAL
3.1.3.Tipo objetivo
O CP prevê, em seu art. 129, o delito de “lesão corporal”, com a seguinte
redação: “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.
Verifica-se, portanto, que o verbo do tipo (conduta típica) é ofender, que
pressupõe causação de dano ao corpo (integridade corporal) ou à saúde (segundo
Bento de Faria, “dano à saúde é a desordem causada às atividades psíquicas ou ao
funcionamento regular do organismo” – Código Penal Brasileiro Comentado – Parte
Especial – vol. 4, p. 67-68).
Embora um dano à integridade física ou à saúde alheia venha, de regra,
acompanhado de dor, tal circunstância não consta como elementar do tipo penal em
estudo, pelo que se torna dispensável no caso concreto.
Como já dissemos, a depender da intenção do agente, é possível que o corte de
cabelo da vítima configure lesão corporal, o que, por certo, não causa dor.
A pluralidade de ofensas à integridade física ou à saúde de terceiro caracteriza
crime único e não vários crimes (ex.: 1 ou 10 facadas na vítima, com a intenção de
lesionar, caracteriza o mesmo delito – lesões corporais – e não dez crimes idênticos).
Todavia, o magistrado, ao fixar a pena do agente, irá levar em conta a pluralidade de
lesões provocadas na vítima (o art. 59 do CP, que trata da fixação da pena-base,
determina ao magistrado, dentre outras circunstâncias, que analise a personalidade do
agente, bem como as consequências do crime).
A ofensa à integridade corporal é de fácil entendimento: provocação de
hematomas, equimoses, perfurações, quebradura de ossos etc.
Um pouco mais difícil de se avaliar é a ofensa à saúde, que, conforme já
mencionamos, consiste no conjunto de atividades psíquicas ou o funcionamento
regular dos órgãos. Assim, configurada estará uma lesão corporal se o agente
provocar falta de ar na vítima (ex.: deitar-se em seu tórax; atirar um gás que cause
irritação nasal) ou mesmo se redundar em vômitos (regular funcionamento do sistema
digestivo – ex.: dar comida estragada ao ofendido).
Questão que se coloca na doutrina é a respeito do grau de disponibilidade do bem
jurídico protegido pelo crime de lesão corporal: a integridade física ou a saúde. Seria
ele disponível ou indisponível?
Para um entendimento mais ultrapassado, a integridade física e a saúde são
indisponíveis, não cabendo qualquer consentimento da vítima como forma de exclusão
do crime. Já para o entendimento mais moderno, encampado, inclusive, por Cezar
Roberto Bittencourt (Tratado de Direito Penal – vol. 2, Ed. Saraiva), trata-se de bem
relativamente disponível, vale dizer, o consentimento da vítima na produção de lesões
é válida, desde que não contrarie os bons costumes e não se caracterize como algo
extremamente grave.
Em outras palavras, a provocação de pequenas lesões, desde que contem com o
consentimento do ofendido, não caracteriza crime de lesão corporal. É o caso de
colocação de brincos e piercings. Quem o faz não comete crime!
E o médico que pratica cirurgia plástica, quebrando cartilagens (nariz, por
exemplo), ou retirando ossos e tecidos, comete lesão corporal? Entende-se que não,
visto que não tem o dolo de causar um dano à vítima, mas, ao contrário, de melhorar
seu corpo ou saúde.
3.1.4.Tipo subjetivo
A lesão corporal pode ser punida por três formas: dolo, culpa e preterdolo.
A lesão corporal culposa vem prevista no art. 129, § 6°, do CP, ao passo que a
preterdolosa típica é a lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3°, do CP), mas
também admitida tal modalidade nas formas grave e gravíssima, conforme veremos a
seguir.
De qualquer forma, na lesão dolosa, o agente tem a intenção (dolo direito) ou
assume o risco de produzir um dano à integridade física ou à saúde de outrem. Age,
portanto, com o chamado animus laedendi.
Se “A” atinge “B” com uma pedra, com a intenção de matá-lo (animus necandi),
mas a morte não se verifica, responderá por tentativa de homicídio e não por lesão
corporal dolosa consumada. Afinal, deve-se verificar a intenção do agente.
3.1.5.Sujeitos do crime
O sujeito ativo da lesão corporal pode ser qualquer pessoa (salvo no caso de
violência doméstica, o que veremos mais à frente). Trata-se, em regra, de crime
comum.
Adverte Rogério Sanches Cunha (Direito Penal – Parte Especial – Ed. RT) que,
se o agressor for policial militar, caberá à Justiça Militar processá-lo pelas lesões
corporais, sem prejuízo do delito de abuso de autoridade, que será de competência da
Justiça Comum.
O Direito Penal não pune a autolesão, ou seja, se o agente ofender sua própria
integridade física ou saúde, não poderá referido ramo do Direito intervir para puni-lo.
Porém, se alguém se vale de um inimputável (menor de idade), ou de alguém que
tenha a capacidade de discernimento reduzida ou suprimida (doente mental, ébrio),
determinando-lhe a causar em si próprio uma lesão, haverá situação de autoria
mediata. Assim, quem induzir ou instigar a pessoa a praticar autolesão responderá
pelas ofensas que se verificarem na vítima (ex.: “A” induz “B”, embriagado, a cravar
uma faca na própria mão, o que é feito. “A” é autor mediato da lesão corporal
provocada por “B” em si mesmo).
Por fim, em algumas situações, o sujeito passivo do crime em estudo será
especial, como é o caso da lesão corporal que causa aceleração do parto (lesão
grave) ou aborto (lesão gravíssima), tendo por vítima a mulher grávida. O mesmo se
pode dizer com relação ao § 7° do art. 129 do CP, que prevê causa de aumento de
pena quando a vítima for menor de 14 ou maior de 60 anos.
3.1.6.Consumação e tentativa
A lesão corporal é crime material, vale dizer, somente se consuma com a efetiva
ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. Logo, é perfeitamente possível a
tentativa quando se tratar de lesões dolosas, embora seja de difícil comprovação na
prática (como condenar alguém por tentativa de lesões corporais graves ou
gravíssimas?).
3.1.12.Substituição da pena
Nos casos de lesão corporal privilegiada, poderá o juiz, não sendo grave,
substituir a pena de detenção pela de multa. Também poderá fazê-lo quando houver
lesões recíprocas.
4.2.2.Tipo objetivo
A conduta típica corresponde ao verbo “expor”, vale dizer, deve o agente, para
praticar o crime em comento, colocar em risco/perigo efetivo, direto, a vida ou a
saúde de outrem. Entende a doutrina que se deve colocar em perigo a vida ou saúde
de pessoa ou pessoas certas e determinadas, não de uma coletividade.
Admite-se, inclusive, a prática do crime por conduta omissiva (ex.: o patrão que,
explorando uma atividade de risco, não fornece aos empregados equipamentos para o
trabalho, ficando os obreiros expostos a perigo de vida ou saúde direto e iminente).
Pelo fato de o tipo penal constar expressamente em seu preceito secundário que a
pena é de 3 meses a 1 ano de detenção, se o fato não constitui crime mais grave, a
doutrina denomina o crime em análise de subsidiário. Ou seja, somente restará
configurado o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem se não constituir meio
de execução de infração mais gravosa (ex.: tentativa de homicídio; tentativa de lesão
corporal).
Por esse motivo, ensina a doutrina que é inadmissível o concurso de crimes (ao
menos entre o crime principal e o subsidiário – ex.: art. 132 e art. 121 c.c. art. 14, II,
todos do CP), salvo se várias forem as vítimas do crime de perigo em tela (mediante
mais de uma ação, o agente expõe a vida de várias pessoas determinadas a risco
direto e iminente – vide art. 70 do CP).
4.2.3.Tipo subjetivo
O crime do art. 132 do CP é doloso. Lembre-se que, in casu, o dolo é de perigo,
já que o agente não quer causar uma lesão efetiva à vida ou saúde de outrem, mas
apenas colocá-las em risco direto e iminente (dolo de perigo e não dolo de dano!).
Não se admite a modalidade culposa do crime em estudo.
4.2.4.Sujeitos do crime
Qualquer pessoa pode ser autora do crime de perigo para a vida ou saúde de
outrem, o mesmo valendo para a vítima.
Porém, ensina a doutrina que o sujeito passivo do delito deve ser pessoa certa e
determinada e não uma coletividade (sob pena de restar configurado crime de perigo
comum, previsto entre os arts. 250 a 259 do CP).
4.2.5.Consumação e tentativa
O crime atinge a consumação quando, com a conduta do agente, a vida ou a saúde
da vítima é efetivamente posta em perigo direto e iminente.
Somente se admite a tentativa na forma comissiva do crime (ex.: “A”, quando
esticava o braço para atirar uma pedra na direção de “B”, querendo apenas provocar
um perigo à integridade corporal deste, é impedido por um transeunte).
Na modalidade omissiva, é inadmissível a tentativa.
4.2.6.Crime majorado
Nos termos do parágrafo único do art. 132 do CP, a pena é aumentada de 1/6 a
1/3 se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de
pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em
desacordo com as normas legais.
Segundo Julio F. Mirabete, o espírito da lei foi o de proteger os boias-frias, que
transitam em transportes sem o mínimo de segurança, em direta violação ao Código de
Trânsito Brasileiro (arts. 26 a 67 e 96 a 113 – Lei 9.503/1997).
Todavia, não basta a mera violação de regras de segurança no transporte, sendo
imprescindível que, em razão disso, os passageiros corram um risco efetivo de vida
ou à saúde.
4.3.Abandono de incapaz (art. 133 do CP)
4.3.1.Considerações iniciais
Pretendeu o legislador, na edição do art. 133 do CP, proteger a integridade física
e psíquica de determinadas pessoas, que, conforme o próprio nomen juris demonstra,
são incapazes de, sozinhas, manterem íntegras a própria vida ou saúde.
4.3.2.Tipo objetivo
O verbo do tipo é “abandonar”, ou seja, deixar ao desamparo, sem assistência.
Assim, pratica o crime em tela o agente que abandona determinadas pessoas,
incapazes de defender-se dos riscos resultantes de tal ato.
O crime pode ser praticado de maneira comissiva (mediante ação, portanto) ou
omissiva (obviamente por omissão).
A questão que se coloca é o “tempo” do abandono. Por qual espaço de tempo o
agente deve abandonar a vítima para que o crime esteja caracterizado? Responde a
doutrina que deve ser por período “juridicamente relevante”, ou seja, pelo tempo
suficiente para que o sujeito passivo da conduta corra um risco efetivo de sua
integridade física ou psíquica.
Por se tratar de crime de perigo concreto, deve-se comprovar o risco efetivo à
vítima abandonada. Daí porque não configura o crime de abandono de incapaz a
conduta daquela pessoa que abandona, por exemplo, a vítima, sendo que o local é
rodeado de pessoas que podem prestar-lhe assistência (ex.: o filho abandona o pai,
idoso e doente, ao lado de um hospital movimentado). Também não configura o crime
se o agente abandona a vítima e aguarda que seja socorrida por terceiros.
4.3.3.Tipo subjetivo
O crime em tela é doloso, agindo o agente com a intenção de colocar a vítima em
perigo, abandonando-a (dolo de perigo).
Se tiver o autor do delito a intenção de, mediante o abandono, provocar efetivo
dano à integridade física ou à saúde da vítima, poderá responder por tentativa de
homicídio, de lesão corporal, de infanticídio etc.
4.3.4.Sujeitos do crime
O caput do art. 133 do CP revela que o sujeito ativo do crime não pode ser
qualquer pessoa, mas sim aquela que guardar alguma relação com a vítima: a)
cuidado; b) guarda;c) vigilância; e d) autoridade.
Verifica-se que essas “qualidades” do sujeito ativo denotam uma obrigação que
ele tem para com a vítima (deve dela cuidar, ser guardião, vigiar ou estar em posição
de autoridade). Trata-se de verdadeiro “garantidor” do sujeito passivo, sendo o crime
denominado próprio.
Já a vítima deve ser a pessoa que está sob os cuidados, a guarda, a vigilância ou
a autoridade do sujeito ativo, de tal modo que dependa dela. Se do abandono sofrer
riscos para a saúde ou integridade física, caracterizado estará o crime em comento.
4.3.5.Consumação e tentativa
O delito se consuma com o abandono da pessoa que deve estar sob o resguardo
do sujeito ativo, independentemente de resultado naturalístico. Adverte-se que, se do
abandono não advier um perigo concreto à vida ou saúde do sujeito passivo, não se
configura o crime.
Admissível a tentativa se o crime for praticado por ação.
4.3.6.Formas qualificadas
O § 1° do art. 133 do CP traduz a forma qualificada do crime, punido com
reclusão de 1 a 5 anos se, em razão do abandono, a vítima sofrer lesão corporal de
natureza grave. O resultado agravador, nesse caso, é atribuído ao agente a título de
culpa (trata-se de crime preterdoloso). Impossível que iniciasse o agente um crime
com dolo de perigo e o encerrasse com dolo de dano (querendo as lesões corporais).
Se, em razão do abandono, a vítima morrer, a pena do agente será de 4 a 12 anos.
Aqui, igualmente, o resultado agravador não pode ser imputado ao autor do crime a
título de dolo, mas sim de culpa (crime preterdoloso).
4.3.7.Formas majoradas
As penas serão aumentadas em 1/3 se:
a) o abandono ocorre em lugar ermo: se o lugar em que o agente abandonar a vítima
for pouco frequentado ou desabitado no momento do abandono, aumenta-se a pena, eis
que a chance de o perigo se concretizar é mais elevado. Todavia, se o lugar for
absolutamente inóspito (ex.: lugar com forte nevasca ou deserto), muito
provavelmente a intenção do agente será de causar risco efetivo (e não meramente
potencial) à vida ou saúde de pessoa sob seu resguardo;
b) se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da
vítima: trata-se de pessoas que têm um maior dever de vigilância para com as vítimas
(pai em relação ao filho, filho em relação ao pai, marido e mulher, irmãos, tutor para
com o tutelado e o curador para com o curatelado). Não se admite analogia (ex.:
agente que abandona mulher doente, vivendo com ela em união estável);
c) se a vítima é maior de 60 anos (majorante acrescentada pelo Estatuto do Idoso –
Lei 10.741/2003): tal majorante tem plena razão para existir, eis que as pessoas com
idade mais avançada têm maior dificuldade na sua própria defesa se abandonadas.
4.4.2.Sujeitos do crime
No tocante ao sujeito ativo, o crime é considerado comum, eis que qualquer
pessoa pode praticar a conduta descrita no caput do art. 135 do CP.
Já as pessoas que deveriam ser assistidas pelo sujeito ativo, mas que não o
foram, são:
a) criança abandonada ou extraviada;
b) pessoa inválida ou o ferido desamparado;
c) pessoa que se encontre em grave e iminente perigo.
Considera-se criança abandonada, segundo Rogério Sanches Cunha (Direito
Penal – Crimes contra a pessoa – Ed. RT, p. 115), a que foi deixada sem os cuidados
de que necessitava para a sua subsistência. Já criança extraviada é a que se perdeu,
sem saber retornar à sua residência.
Pessoa inválida, ao desamparo, é aquela, segundo o mesmo autor, sem vigor
físico, ou adoentada. Por fim, pessoa que se encontre em grave e iminente perigo é
aquela que se vê diante de algum mal sério, de grandes proporções, prestes a se
verificar.
4.4.3.Tipo objetivo
O crime em tela se verifica quando o agente “deixar de prestar assistência”.
Trata-se de crime omissivo puro, ou seja, o sujeito ativo responde por “nada fazer”,
sendo que a lei, como já dissemos anteriormente, impõe a todos um dever de
solidariedade diante daquelas pessoas descritas no tipo penal (criança abandonada ou
extraviada; pessoa inválida ou ferida ao desamparo; pessoa que se encontre em grave
e iminente perigo).
A omissão caracterizadora do crime em comento pode ser praticada de duas
formas:
1a – o agente, podendo auxiliar as pessoas descritas no caput do art. 135 do CP,
não o faz;
2a – o agente, não podendo ajudá-las sem que sofra um risco pessoal, não solicita
socorro à autoridade pública.
4.4.4.Tipo subjetivo
Trata-se de crime doloso, ou seja, o agente, agindo de forma livre e consciente,
deixa de prestar socorro a determinadas pessoas em situações periclitantes, ou, não
podendo fazê-lo, deixa de solicitar socorro à autoridade pública competente.
Segundo a doutrina, o dolo pode ser direto ou eventual.
Inexiste a modalidade culposa da omissão de socorro, situação que, se
verificada no caso concreto, tornaria a conduta atípica (princípio da excepcionalidade
do crime culposo).
4.4.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o delito, esgotando-se o iter criminis, quando o agente efetivamente
deixa de prestar assistência a quem a precisa ou não comunicar a autoridade pública
competente. Enfim, consuma-se o crime com a omissão do sujeito ativo.
Por se tratar de crime omissivo próprio (ou puro), inadmissível a tentativa, por
se tratar de crime unissubsistente (o iter criminis não é fracionável).
4.5.2.Sujeitos do crime
O crime em tela, embora não haja expressa previsão na redação típica, será
cometido por administradores ou funcionários do hospital, visto que a conduta será a
de “exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o
preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o
atendimento médico hospitalar emergencial”.
Ora, emerge nítido que a exigência de “burocracias” e/ou de garantia antecipada
de pagamento dos serviços hospitalares somente poderá ser feita por funcionários ou
administradores do hospital, motivo pelo qual entendemos que se trata de um crime
próprio, visto ser necessária uma qualidade especial do agente (ser funcionário ou
administrador da entidade hospitalar).
4.5.3.Tipo objetivo
O crime em comento restará caracterizado quando o agente delitivo condicionar
o atendimento médico hospitalar emergencial ao próprio paciente ou seus familiares,
em caso de impossibilidade daquele, exigindo:
✓ (i) cheque-caução – trata-se de um título de crédito (ordem de pagamento à
vista) emitido como garantia do pagamento dos serviços médicos e hospitalares
prestados;
✓ (ii) nota promissória – trata-se, também, de um título de crédito (promessa
futura de pagamento), dado como garantia do pagamento dos serviços médicos e
hospitalares prestados;
✓ (iii) qualquer garantia – aqui, o legislador, em exercício de interpretação
analógica, após enumeração casuística (cheque-caução e nota promissória), inseriu
uma “cláusula genérica”, a fim de garantir que haverá tipicidade penal se, por
exemplo, o agente delitivo exigir, como condição do atendimento ao paciente,
qualquer outra garantia, tais como endosso de uma duplicata ou letra de câmbio
(Rogério Sanches Cunha – Curso de Direito Penal, vol. 2 – p. 156 – Ed. JusPodivm).
Repare que a “omissão de socorro” por parte do agente delitivo fica nítida: caso
a exigência não seja atendida (cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra
garantia), não haverá a prestação do serviço médico hospitalar de emergência!
Frise-se que a simples exigência de garantia do pagamento dos serviços
hospitalares e médicos de emergência será fato atípico quando não houver o
condicionamento prévio ao atendimento do paciente.
4.5.4.Tipo subjetivo
O crime em comento é doloso, vale dizer, impõe que o agente delitivo, de forma
livre e consciente, condicione ao paciente ou aos familiares deste o atendimento
médico hospitalar emergencial à emissão de um cheque-caução, ou a assinatura de
uma nota promissória ou qualquer outra garantia.
4.5.5.Consumação e tentativa
Haverá consumação do crime ora estudado no exato momento em que o agente
fizer ao paciente, ou aos seus familiares, a exigência, condicionando o atendimento
emergencial à entrega de um cheque-caução, ou à assinatura de uma nota promissória
ou qualquer outra forma de garantia do pagamento dos serviços médicos hospitalares
de emergência.
4.5.6.Formas majoradas
A pena, que é de 3 meses a 1 ano, e multa, será aumentada até o dobro se, em
razão da omissão (negativa de atendimento médico hospitalar de emergência), resultar
lesão corporal grave à vítima-paciente. Porém, se da negativa advier a morte do
ofendido, a pena será aumentada até o triplo. Estamos, aqui, diante de figuras
preterdolosas (dolo na negativa de atendimento e culpa na lesão corporal grave ou
morte).
4.6.2.Sujeitos do crime
Conforme enuncia o tipo penal, o crime de maus-tratos não pode ser praticado
por qualquer pessoa, mas apenas por aquelas que tenham alguma relação (de
subordinação, diga-se de passagem) com a vítima.
Logo, pode-se afirmar que se trata de crime próprio, já que será praticado:
a) por quem exercer autoridade sobre alguém;
b) pelo guardião de alguém;
c) por quem exercer vigilância sobre alguém.
Ressalte-se que a relação existente entre sujeito ativo e passivo pode ser de
direito público ou privado (ex.: o diretor do presídio e o detento; a mãe em relação
ao filho).
Salienta-se que o crime é bipróprio, já que tanto do autor quanto da vítima são
exigidas qualidades especiais (a vítima deve estar sob a autoridade, guarda ou
vigilância de alguém).
4.6.3.Tipo objetivo
A conduta típica é a de “expor a perigo a vida ou a saúde” de determinadas
pessoas (pessoa que esteja sob a guarda, autoridade ou vigilância do sujeito ativo do
crime).
Portanto, exige-se que o agente inflija maus-tratos à vítima, mediante os seguintes
meios executórios (o que transforma a figura ora estudada em crime de ação
vinculada):
a) privação de alimentação (conduta omissiva);
b) privação de cuidados indispensáveis (conduta omissiva);
c) sujeição a trabalho excessivo (conduta comissiva);
d) sujeição a trabalho inadequado (conduta comissiva);
e) abuso dos meios de correção (conduta comissiva);
f) abuso dos meios de disciplina (conduta comissiva).
Enfim, o agente exporá a risco a vida ou a saúde da vítima, realizando umas das
ações acima mencionadas, seja por omissão (letras “a” e “b”), seja por ação (letras
“c” a “f ”).
Especialmente quanto ao abuso dos meios de correção e disciplina, adverte-se
que o “guardião” (pai, mãe e família substituta) tem o direito de corrigir e impor
disciplina ao que está sob sua guarda. O que pune a lei é o excesso nos meios de
correção e disciplina, expondo, em razão disso, a vida ou a saúde da vítima a perigo
de dano.
Importante registrar que o ECA (Lei 8.069/1990), alterado pela denominada “Lei
da Palmada”, recebeu, dentre outros, novo dispositivo (art. 18-A), assim redigido:
“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico
ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro
pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos
executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-
los ou protegê-los. (Incluído pela Lei 13.010/2014)
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou
o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao
adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.”
O dispositivo acima transcrito, cremos, ainda causará muita discussão acerca dos
limites do poder familiar e da condução da educação das crianças e adolescentes.
Nada obstante, trata-se de uma boa “fonte” para que os operadores do Direito
busquem aquilo que poderá ser considerado excessivo na disciplina e correção de
menores de dezoito anos.
Atua o agente, no crime em comento (art. 136 do CP), não com dolo de dano, mas
com dolo de perigo ao abusar desses meios.
Frise-se que, quando os maus-tratos se devem à correção, por exemplo, do
próprio filho, excedendo-se os pais em tal situação, não responderão por lesões
corporais se tiverem agido com animus corrigendi. Todavia, se a intenção for a de
lesionar, responderão pelo referido delito.
Por fim, o abuso nos meios de correção deve ser apto a causar um perigo de dano
à vida ou saúde da vítima, não restando configurado se causar apenas simples
“vergonha” (ex.: a mãe, querendo “emendar” a filha, raspa-lhe os cabelos, em razão
de ser “menina fácil”).
4.6.4.Tipo subjetivo
O crime é doloso, exigindo-se do agente que atue com a consciência de que sua
conduta expõe a risco a vida ou saúde da vítima, excedendo-se da normalidade.
Não se pune a forma culposa do crime.
4.6.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime quando a vítima efetivamente sofrer um risco à sua
integridade física (vida ou saúde).
As modalidades comissivas admitem tentativa, ao passo que as omissivas, não.
4.7.1.Considerações iniciais
Considera-se rixa a briga ou a contenda travada entre mais de duas pessoas (no
mínimo, portanto, três!), sem que se possa identificar, de maneira individualizada,
agressor e agredido.
Embora possa parecer contraditório, na rixa o sujeito ativo e o sujeito passivo
se confundem (agressor pode ser agredido e vice-versa).
Trata-se de crime que protege, a um só tempo, a incolumidade física dos próprios
contendores, bem assim a incolumidade pública, que pode ser posta em xeque em uma
briga generalizada.
4.7.2.Sujeitos do crime
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito em questão.
Pela particularidade de exigir, no mínimo, três pessoas para que a conduta seja
típica, temos um crime de concurso necessário (ou plurissubjetivo).
O sujeito passivo do crime pode ser o próprio participante da rixa, bem como
terceiras pessoas que venham a se ferir com o tumulto.
4.7.3.Tipo objetivo
O crime de rixa, previsto no art. 137 do CP, prevê como conduta típica
“participar da rixa”, ou seja, tomar parte na contenda travada entre, pelo menos, três
pessoas.
Pune-se o delito, em sua forma simples, com detenção de 2 meses a 1 ano, ou
multa (trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo – Lei 9.099/1995).
O delito que ora se comenta somente restará caracterizado se houver um tumulto
generalizado, sem que se possa identificar/individualizar agressores e agredidos. Se
houver tal possibilidade (constatação individual de cada contendor e agredido),
tratar-se-á de lesões corporais recíprocas, não rixa.
Pode-se tomar parte na rixa diretamente (ou seja, sendo um dos rixosos), ou
mediante participação moral (partícipe da rixa – art. 29 do CP), induzindo ou
instigando os contendores a tomarem parte na briga generalizada.
A doutrina faz menção a dois tipos de rixa:
a) ex proposito – é a rixa preordenada, na qual dois ou mais grupos de contendores,
de maneira prévia, ajustam a “briga” generalizada. Nesse caso, sendo possível a
identificação de cada um, não se poderia falar em crime de rixa, mas de lesões
corporais qualificadas;
b) ex improviso – é a rixa que ocorre sem um prévio ajuste, de inopino, subitamente.
Para alguns doutrinadores, essa é a típica rixa.
4.7.4.Tipo subjetivo
O delito de rixa é doloso, mas não agem os rixosos com dolo de lesionar (dolo de
dano), mas sim de causar perigo à integridade física de terceiros (dolo de perigo).
Trata-se, portanto, de mais um crime de perigo, segundo a doutrina, abstrato
(presume-se o perigo, não se exigindo sua comprovação em concreto).
O terceiro que apenas ingressa na contenda para “separar” os rixosos, por falta
de dolo, não responderá pelo crime, exceto se, durante sua intervenção, passar a
agredir os partícipes do tumulto.
4.7.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime com a efetiva participação do agente na contenda
generalizada, trocando agressões com os demais partícipes do evento.
Segundo a doutrina majoritária, inadmissível a tentativa, já que o delito se
consuma com o ingresso do contendor no tumulto, exaurindo-se a infração
simultaneamente com o início da execução (delito unissubsistente e instantâneo).
Para outros, admite-se a tentativa apenas na rixa ex proposito (preordenada).
Ademais, se o tumulto sequer tivesse início, não ocorreria a forma tentada do
delito, mas sim meros atos preparatórios.
4.7.6.Rixa qualificada
Conforme o parágrafo único do art. 137 do CP, se ocorrer morte ou lesão
corporal de natureza grave, a pena será de 6 meses a 2 anos de detenção.
Trata-se de dispositivo que pune objetivamente (independentemente de
comprovação de dolo ou culpa) o participante da rixa se do tumulto decorrer
resultado mais grave do que simples vias de fato ou lesões corporais leves.
Em suma, ainda que o rixoso não tenha diretamente provocado a lesão corporal
grave ou a morte de outro contendor, o só fato de participar do tumulto já será
suficiente para receber reprimenda mais gravosa. Aqui, identifica-se um resquício da
responsabilização penal objetiva.
Se um dos contendores for o que sofrer a lesão corporal grave, ele próprio
responderá por rixa qualificada.
5.2.1.Considerações iniciais
O art. 138 do CP prevê o crime de calúnia, que, como já dito anteriormente,
ofende a honra objetiva da vítima, vale dizer, sua reputação e fama perante terceiros.
5.2.2.Tipo objetivo
A conduta típica é caluniar, ou seja, fazer uma falsa acusação, tendo o agente,
com tal conduta, a intenção de afetar a reputação da vítima perante a sociedade.
O tipo penal em comento enuncia: “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente
fato definido como crime”.
Guilherme de Souza Nucci (Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte
Especial – 3a ed., Ed. RT, p. 657), criticando a redação do art. 138 do CP, faz a
seguinte ressalva: “portanto, a redação feita no art. 138 foi propositadamente
repetitiva (fala duas vezes em ‘atribuir’: caluniar significa atribuir e imputar também
significa atribuir). Melhor seria ter nomeado o crime como sendo ‘calúnia’,
descrevendo o modelo legal de conduta da seguinte forma: ‘Atribuir a alguém,
falsamente, fato definido como crime’. Isto é caluniar”.
Em suma, o crime de calúnia fica caracterizado quando o agente atribui, imputa a
alguém, falsamente, fato definido como crime.
Deve o agente delitivo, portanto, imputar um fato determinado, e não genérico,
sob pena de restar descaracterizada a calúnia, tipificando, eventualmente, a conduta
prevista no art. 140 do CP (injúria). Exemplo de fato determinado: “João foi quem
ingressou no Banco Real, na semana passada, e comandou o roubo à agência”. Nesse
caso, verifica-se a atribuição de um fato determinado (no espaço e no tempo), que
somente configura o crime em comento se for falso.
Considera-se falso o fato atribuído à vítima se ele sequer ocorreu ou, tendo
ocorrido, não teve como autor, coautor ou partícipe, o ofendido.
Se o agente atribuir à vítima fato definido como contravenção penal (ex.: “João é
o dono da banca do jogo do bicho do bairro “X”, tendo recebido, somente na semana
passada, mais de 300 apostas em sua banca”), não se configura o crime de calúnia,
que pressupõe a falsa imputação de fato criminoso. No exemplo dado, poderíamos
estar diante de uma difamação (art. 139 do CP).
5.2.3.Tipo subjetivo
O elemento subjetivo da conduta é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente
do agente de atribuir a alguém, sabendo ser falso, um fato definido como crime.
Exige-se, ainda, o elemento subjetivo do tipo específico (dolo específico), qual
seja, o animus diffamandi, a intenção de ofender a honra da vítima.
5.2.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, razão pela qual a calúnia é
doutrinariamente qualificada como crime comum.
O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa.
Diverge a doutrina acerca da possibilidade de pessoa jurídica ser vítima de
calúnia. Entende-se que sim, apenas em se tratando de crimes ambientais, nos quais a
pessoa jurídica pode ser autora da conduta típica (vide Lei 9.605/1998).
Se a vítima for o Presidente da República e o crime tiver conotação política o
fato será regulado pela Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
Antes do julgamento, pelo STF, da ADPF 130, no mês de abril de 2009, se o
meio de dispersão da calúnia à sociedade fosse a imprensa (escrita ou falada), o
delito seria aquele previsto na Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967). Frise-se que
referido diploma legal foi declarado não recepcionado pela nova ordem
constitucional. Nesse sentido, confira-se parte da ementa do julgado:
Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADP F). Lei de imprensa. Adequação da ação.
Regime constitucional da “liberdade de informação jornalística”, expressão sinônima de liberdade de imprensa.
A “plena” liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia.
(…)
10. Não recepção em bloco da Lei 5.250 pela nova ordemconstitucional.
(…)
12. Procedência da ação. Total procedência da ADP F, para o efeito de declarar como não recepcionado pela
Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei Federal 5.250, de 09.02.1967.
5.2.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de calúnia no momento em que a falsa atribuição de fato
criminoso chegar ao conhecimento de terceiros (ainda que a só uma pessoa),
independentemente de a circunstância macular a honra da vítima.
Assim, ainda que, de fato, a reputação do ofendido não seja abalada, entende-se
consumado o delito (trata-se, pois, de crime formal).
É possível a tentativa se, por exemplo, os atos executórios ocorrerem por
escrito e os papéis caluniadores não chegarem ao conhecimento de terceiros.
5.2.9.Exceção da verdade
O § 3° do art. 138 do CP prevê o instituto da “exceção da verdade”. Trata-se de
um incidente processual, que deve ser obrigatoriamente enfrentado pelo magistrado
antes da sentença final, visto que pode conduzir à absolvição do suposto agente
delitivo.
A lei penal admite que a pessoa que atribui a terceiro fato definido como crime
comprove a veracidade da imputação. Logo, se o crime de calúnia pressupõe a
atribuição falsa de um fato definido como crime, a exceção (defesa) da verdade pode
tornar a conduta atípica.
Assim, pode o autor da suposta calúnia provar que a pretensa vítima realmente
praticou o fato definido como crime, razão pela qual a imputação seria verdadeira e
não falsa.
Todavia, a lei previu algumas situações em que a exceção da verdade é vedada:
a) inciso I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não
foi condenado por sentença irrecorrível: aqui, se o crime for de ação privada e a
vítima sequer intentou a competente queixa-crime, torna-se impossível que um
terceiro, que não a própria vítima, queira provar a ocorrência de um crime que o
diretamente interessado não teve interesse de demonstrar. Outra situação ocorre se o
autor da calúnia atribui a alguém um fato definido como crime de ação privada e
ainda não houve a condenação definitiva (irrecorrível);
b) inciso II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no n. I do art.
141: referido dispositivo faz alusão ao Presidente da República e a chefe de governo
estrangeiro. Nesse caso, ainda que referidas pessoas houvessem praticado crime, o
CP não admite sua comprovação. Há quem sustente que essa vedação à exceção da
verdade viola o princípio constitucional da ampla defesa, entendimento que também
comungamos;
c) inciso III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi
absolvido por sentença irrecorrível: no caso em tela, se a Justiça já absolveu, de
maneira irrecorrível, a vítima do crime de calúnia, não poderá o agente querer provar
algo sobre o qual não mais cabe discussão (coisa julgada).
5.3.2.Tipo objetivo
A conduta típica corresponde ao verbo do tipo difamar, que significa
desacreditar uma pessoa, maculando sua reputação no meio social. Parecida com a
calúnia, a difamação pressupõe que haja imputação de um fato (não definido como
crime, mas que tenha a possibilidade de ofender a reputação da vítima).
O tipo penal, segundo Guilherme de Souza Nucci (op. cit., p. 659), também foi
repetitivo, já que difamar significa exatamente imputar um fato “desairoso”,
silenciando a respeito da veracidade ou falsidade dele.
Em suma, difamar a vítima significa imputar-lhe fatos maculadores de sua fama
(honra objetiva), ainda que verídicos (ex.: “João, todas as sextas-feiras, é visto
defronte a um bordel, consumindo drogas e bebida alcoólica, na esquina da Rua
‘X’”).
5.3.3.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em atribuir a alguém
(ainda que verdadeiramente) fato ofensivo à reputação. Além disso, exige-se o
elemento subjetivo do tipo (dolo específico), qual seja, o animus diffamandi.
5.3.4.Sujeitos do crime
A difamação pode ser praticada por qualquer pessoa, tratando-se, pois, de crime
comum. A vítima também pode ser qualquer pessoa.
Antes do julgamento, pelo STF, da ADPF 130, no mês de abril de 2009, se o
meio de dispersão da difamação à sociedade fosse a imprensa (escrita ou falada), o
delito seria aquele previsto na Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967). Frise-se que
referido diploma legal foi declarado não recepcionado pela nova ordem
constitucional. Nesse sentido, confira-se parte da ementa do julgado:
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADP F). Lei de Imprensa. Adequação da ação.
Regime constitucional da “liberdade de informação jornalística”, expressão sinônima de liberdade de imprensa.
A “plena” liberdade de imprensa como categoria jurídica proibitiva de qualquer tipo de censura prévia.
(…)
10. Não recepção em bloco da Lei 5.250 pela nova ordemconstitucional.
(…)
12. Procedência da ação. Total procedência da ADP F, para o efeito de declarar como não recepcionado pela
Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal 5.250, de 09.02.1967.
“A 1a Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se pleiteava o trancamento da ação penal. Na
espécie, a paciente – condenada pelo crime de difamação – teria ofendido a reputação de magistrada,
desmerecendo a sua capacitação funcional, diante dos serventuários e demais pessoas presentes no cartório
da vara judicial. De início, aduziu-se que as alegações de atipicidade da conduta e de inexistência de dolo não
poderiam ser apreciadas nesta via, uma vez que, para chegar a conclusão contrária à adotada pelas instâncias
ordinárias, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, não admissível nesta sede. Em seguida,
ponderou-se estar diante de fato, em tese, típico, ilícito e culpável, revestido de considerável grau de
reprovabilidade. Ressaltou-se que o comportamento da paciente amoldar-se-ia, em princípio, perfeitamente à
descrição legal da conduta que a norma visaria coibir (CP, art. 139). Desse modo, afirmou-se que não haveria
falar em atipicidade da conduta. Ante as circunstâncias dos autos, reputou-se, também, que não se poderia
reconhecer, de plano, a ausência do animus difamandi, identificado na sentença condenatória e no acórdão
que a confirmara. No tocante à alegação de que teria agido acobertada pela imunidade conferida aos
advogados, asseverou-se que seria inaplicável à espécie a excludente de crime (CP, art. 142), haja vista que a
ofensa não teria sido irrogada em juízo, na discussão da causa. Acrescentou-se que a mencionada excludente
não abrangeria o magistrado, que não poderia ser considerado parte na relação processual, para os fins da
norma. Frisou-se, também, que a jurisprudência e a doutrina seriam pacíficas nesse sentido, na hipótese de
ofensa a magistrado. O Min. Luiz Fux enfatizou que a frase proferida pela advogada encerraria uma lesão
penal bifronte. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Dias Toffoli, que concediam a ordem. Aquele,
para assentar a atipicidade da conduta da paciente sob o ângulo penal; este, porquanto afirmava que a
difamação estaria expressamente imunizada pelo § 2° do art. 7° do Estatuto da Advocacia”. HC 104385/SP,
rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 28.06.2011. (HC-104385)
(Inform. STF 633).
5.3.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de difamação quando a ofensa à reputação da vítima chega
ao conhecimento de terceiros (ainda que a uma só pessoa), independentemente de
haver um resultado lesivo à sua fama. Trata-se, portanto, de crime formal, que
independe de resultado naturalístico.
Admissível a tentativa, por exemplo, se a difamação for feita por escrito e não
chegar ao conhecimento de terceiros por extravio dos papéis.
5.4.2.Tipo objetivo
Enquanto nos delitos de calúnia e difamação o agente imputa um fato (definido
como crime, na primeira, ou ofensivo à reputação, na segunda), na injúria este não se
verifica.
No crime previsto no art. 140 do CP, o agente ofende a vítima atribuindo-lhe uma
qualidade negativa, infamante àquilo que ela pensa de si mesma, ofendendo sua
autoestima.
5.4.3.Tipo subjetivo
Além do dolo (vontade livre e consciente de ofender a honra subjetiva da vítima),
exige-se o elemento subjetivo do tipo, ou seja, o animus injuriandi, a intenção de,
com sua fala, gesto ou escrito, lesar a autoestima do ofendido.
5.4.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo da injúria pode ser qualquer pessoa, tratando-se, pois, de crime
comum.
Em tese, o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa. Dizemos “em tese”
pelo fato de o crime em análise depender da ofensa à dignidade ou decoro da vítima.
Em algumas circunstâncias, torna-se impossível que o ofendido entenda que sua
autoestima foi ferida (ex.: crianças de tenra idade; doentes mentais sem capacidade de
discernimento).
Lembremos que o crime pressupõe que a vítima se veja (e entenda) lesada em sua
autoimagem, o que nem sempre é possível.
Não se admite crime de injúria contra pessoa jurídica, já que a honra subjetiva é
própria de pessoas naturais e não de uma ficção legal.
Até mesmo aos “desonrados” é possível a configuração de injúria. Diz-se que
sempre há uma gota de dignidade ou decoro a se resguardar, por mais “desonrada”
que seja a pessoa (ex.: pode-se injuriar uma prostituta, ainda que se tente ofender sua
autoimagem no que tange à atividade sexual).
5.4.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime no momento em que a imputação de qualidades negativas
chega ao conhecimento da própria vítima, e não de terceiros, como na calúnia e
difamação.
Não se exige que a pessoa se sinta, de fato, ofendida, bastando a potencialidade
lesiva da conduta, chamando-se o delito em estudo de formal (ex.: chamar alguém de
verme fétido e imundo tem potencialidade de causar um dano à autoestima, ainda que,
no caso concreto, não se verifique).
Admite-se a forma tentada, por exemplo, se a injúria for por escrito e o papel
não chegar às mãos da vítima por extravio.
5.4.6.Exceção da verdade
Obviamente não é admitida. Seria absurdo, por exemplo, imaginar-se a prova de
que a vítima é, de fato, um verme fétido e imundo.
Como no crime de injúria não se atribuem fatos, mas qualidades, torna-se
impossível querer prová-las verdadeiras, diferentemente da calúnia e difamação
(nelas se atribuem fatos, os quais podem não ter ocorrido).
5.4.7.Perdão judicial
Poderá o juiz deixar de aplicar a pena (perdão judicial – causa extintiva da
punibilidade – v. art. 107, IX, do CP) nas seguintes hipóteses, previstas no § 1° do art.
140:
a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria (inc. I);
b) quando houver retorsão imediata, que consista em outra injúria (inc. II).
No primeiro caso, a vítima, dadas as provocações, cria no espírito do agente a
raiva, combustível para que o injurie.
Na segunda hipótese, embora o agente injurie a vítima, esta revida imediatamente
(logo após a injúria), de tal forma que também atribua ao seu “agressor inicial” um
fato ofensivo à dignidade ou decoro. Com a devida vênia, aqui se aplica
perfeitamente a famosa frase: “chumbo trocado não dói”. Nesse caso, ninguém
responderá por injúria, dada a incidência do perdão judicial, causa extintiva da
punibilidade.
5.4.8.Injúria qualificada
5.4.8.1.Injúria real
Vem prevista no § 2° do art. 140 do CP. Ocorre quando o agente, valendo-se de
lesões corporais ou vias de fato, tenciona não diretamente atingir a integridade
corporal ou a saúde da vítima, mas atingir-lhe a dignidade ou o decoro.
Opta o agente, em vez de injuriar a vítima com palavras ou escritos, produzir-lhe
um insulto de maneira mais agressiva (ex.: tapa no rosto; cusparada na face; empurrão
diante de várias pessoas). Contudo, de tal situação, deve-se vislumbrar que a intenção
do agente foi a de ofender a autoestima da vítima. Daí a palavra “aviltante” prevista
na qualificadora ora analisada.
De qualquer modo, o legislador irá punir o agente pela violência de maneira
autônoma (ex.: se do tapa, a boca da vítima fica machucada e sangra, além da injúria
qualificada, irá responder o agente por lesão corporal leve). No tocante às vias de
fato, a doutrina defende que serão absorvidas pelo crime contra a honra.
5.5.2.Exclusão do crime
O art. 142 do CP traz algumas causas específicas de exclusão do crime
(excludentes de ilicitude), apenas no tocante à difamação e à injúria, a saber:
a) a ofensa irrogada (atribuída, praticada) em juízo, na discussão da causa (limite
material da excludente), pela parte ou por seu procurador (advogado);
b) a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou cientifica, salvo quando
inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
c) o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou
informação que preste no cumprimento do dever de ofício (ex.: certidão assinada por
um escrivão, dando conta da existência dos maus antecedentes do réu).
Nos casos das letras “a” e “c”, pune-se o terceiro que dá publicidade aos fatos
ocorridos (parágrafo único do art. 142 do CP).
5.5.5.Ação penal
Em regra, os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) exigem atuação
da vítima, que deverá, no prazo legal, oferecer a competente queixa-crime. Trata-se,
portanto, de crimes de ação penal privada.
Todavia, poderá a ação ser pública no caso de injúria real (praticada com
violência ou vias de fato).
Já se o crime for praticado contra o Presidente da República ou chefe de governo
estrangeiro, a ação será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça.
Em se tratando de crime contra a honra de funcionário público em razão de suas
funções, a ação será pública condicionada à representação. Todavia, o STF, ao
editar a Súmula 714, permite a legitimidade concorrente do ofendido, mediante
queixa, e do Ministério Público, mediante denúncia, desde que haja representação,
quando o crime for contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas
funções. Trata-se de entendimento jurisprudencial consolidado na mais alta corte de
nosso país, embora seja nitidamente contra legem.
Por fim, a injúria racial (art. 140, § 3°, CP), igualmente, é crime de ação penal
pública condicionada à representação.
6.1.2.Objeto jurídico
O art. 146 do Código Penal protege a liberdade individual da pessoa, que, como
já dissemos, não pode ser obrigada a fazer ou deixar de fazer algo senão de acordo
com sua própria vontade ou quando a lei dispuser em tal ou qual sentido.
6.1.3.Sujeitos do crime
O constrangimento ilegal é crime que pode ser praticado por qualquer pessoa.
Logo, trata-se de crime comum.
Com relação ao sujeito passivo, diz-se que deve ser pessoa que possua
capacidade de autodeterminação, ou seja, com capacidade de “decidir sobre os seus
atos” (Rogério Sanches Cunha, op. cit., pág. 169).
Assim, não podem ser vítimas as pessoas de pouca idade, os loucos, os
embriagados, já que não têm capacidade de “vontade natural”.
6.1.4.Tipo objetivo
Estará configurado o crime de constrangimento ilegal quando o sujeito ativo
“constranger” a vítima a fazer algo ou a não fazer algo, mediante violência, grave
ameaça ou qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência.
Portanto, a conduta típica é “constranger”, vale dizer, obrigar, forçar, coagir.
O legislador trouxe três hipóteses (meios executórios) de o crime em estudo ser
praticado:
a) mediante violência: lesões corporais, vias de fato (é a denominada vis corporalis
ou vis absoluta);
b) mediante grave ameaça: corresponde à violência moral (vis compulsiva), ou
seja, à promessa de um mal injusto e grave;
c) mediante qualquer outro meio que reduza a capacidade de resistência da
vítima: é o que se denomina de violência imprópria. Trata-se de meio executório
subsidiário, que importe em uma redução da capacidade de autodeterminação ou
resistência do ofendido. Exemplo disso é o uso da hipnose, de álcool ou substância de
efeitos análogos, situações estas que excluiriam a maior chance de a vítima resistir à
vontade do agente.
Salienta a doutrina que, se o constrangimento tiver por objetivo uma pretensão
legítima do sujeito ativo, não se poderá falar em constrangimento ilegal, mas sim em
exercício arbitrário das próprias razões, nos termos do art. 345 do Código Penal
(ex.: “A”, empregado de “B”, demitido sem justa causa, ao ver que seu patrão não iria
pagar seus direitos trabalhistas, mediante emprego de socos e pontapés, obriga-o a
assinar um cheque com o exato valor das verbas rescisórias).
O sujeito ativo irá constranger, portanto, a vítima, mediante violência, grave
ameaça ou qualquer outro meio que reduza sua resistência a:
a) fazer algo: pressupõe uma atuação não querida pelo ofendido, que é levado a
realizar alguma coisa contra sua vontade. Ex.: viagem, dirigir veículo, escrever uma
carta;
b) não fazer algo: pressupõe que o agente constranja a vítimaa não fazer alguma
coisa, ou a tolerar que o próprio sujeitoativo faça algo.
6.1.5.Tipo subjetivo
O elemento subjetivo da conduta é o dolo. Em outras palavras, o crime de
constrangimento ilegal é doloso, não admitindo a modalidade culposa.
Age o agente sabendo que aquilo que constrange a vítima a fazer ou deixar de
fazer é ilegítimo.
6.1.6.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime em análise no instante em que a vítima faz ou deixa de fazer
algo, atuando, portanto, contra a sua vontade, em observância ao imposto pelo agente.
Admissível a tentativa se a vítima, coagida a fazer ou deixar de fazer algo,
desatende à determinação do sujeito ativo.
6.1.8.Aumento de pena
O § 1° do art. 146 do Código Penal prevê duas situações em que a pena será
aplicada cumulativamente e em dobro:
a) se para a execução do crime se reúnem mais de três pessoas: nesse caso, se
pelo menos quatro pessoas se reúnem para o cometimento do crime de
constrangimento ilegal, dificultando ainda mais a possibilidade de resistência da
vítima, o legislador entendeu por bem exacerbar a resposta penal, o que fez com
acerto;
b) se para a execução do crime há emprego de armas: parte da doutrina exige que
haja o efetivo emprego (uso) da arma para o cometimento do crime, não bastando o
mero porte da arma. Deve-se entender por “arma” todo artefato, bélico ou não, com
potencialidade lesiva (ex.: armas de fogo, facas, foices, machado, canivete etc.). Não
se pode considerar como “arma” o simulacro de arma de fogo, ou seja, a réplica de
brinquedo do artefato bélico, mormente com o cancelamento da Súmula 174 do STJ.
No caso do § 2° do art. 146 do Código Penal, diz-se que, além da pena do
constrangimento ilegal, serão aplicadas as correspondentes à violência (leia-se:
lesões corporais). Assim, será o caso de concurso material entre o art. 146 e o art.
129, ambos do Código Penal, somando-se, pois, as penas.
6.2.1.Considerações iniciais
O crime de ameaça ofende, assim como o constrangimento ilegal, a liberdade
pessoal da vítima, que, in casu, vê-se abalada com o prenúncio de um mal injusto e
grave que lhe foi atribuído pelo sujeito ativo.
Pretendeu o legislador, portanto, punir a conduta que perturba a tranquilidade e a
sensação de segurança da vítima, que deixa de ter sua autodeterminação (ir e vir,
fazer ou não fazer) intocada.
6.2.2.Sujeitos do crime
Pode ser autor do delito em tela qualquer pessoa, tratando-se, pois, de crime
comum.
Já a vítima deve ser pessoa certa e determinada com a capacidade de atinar para
o mal injusto e grave que lhe tenha sido prometido. Quer-se dizer que somente pode
ser sujeito passivo de ameaça a pessoa que possa reconhecer o caráter intimidatório
do mal injusto e grave prenunciado pelo agente.
Não se admite, portanto, que se considere vítima de ameaça uma criança de tenra
idade, sem a menor possibilidade de compreender a violência moral, bem como os
doentes mentais, os ébrios ou pessoas indeterminadas. Ressalte-se que a lei prescreve
“ameaçar alguém”, do que se infere que somente pode ser pessoa certa e determinada.
6.2.3.Tipo objetivo
O verbo do tipo é “ameaçar”, que significa intimidar, prometer um malefício.
O art. 147 do Código Penal descreve, como meios executórios do mal prometido,
os seguintes:
a) palavra: pode-se ameaçar alguém por meio de palavras, faladas ou escritas;
b) escrito: são palavras graficamente materializadas;
c) gesto: são sinais feitos com movimentos corporais ou com o emprego de objetos;
d) qualquer outro meio simbólico: trata-se de hipótese residual, não abarcada pelas
três situações anteriores.
Vê-se, portanto, que o crime em análise pode ser praticado por diversas formas,
desde que aptas a amedrontar a vítima. Trata-se, pois, de crime de ação livre.
O mal prometido à vítima, segundo exige a lei, deve ser injusto e grave.
Não basta, portanto, a injustiça do malefício prometido, devendo ser grave.
Também, não basta a gravidade do mal prometido, devendo ser injusto (ex.: prometer
ao furtador de sua carteira que irá requerer instauração de inquérito policial).
A doutrina ensina, ainda, que o mal prometido deve ser iminente (prestes a
ocorrer) e verossímil (crível). Não configuraria o crime de ameaça, por exemplo,
prometer que irá pedir ao diabo que mate a vítima, ou que irá despejar toda a água
dos oceanos em sua casa, para que morra afogada.
Deve a promessa de mal injusto e grave ser, repita-se, crível e apta a intimidar,
ainda que a vítima, de fato, não se sinta intimidada. Nesse particular, estamos diante
de crime formal.
6.2.4.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em ameaçar a vítima,
prometendo-lhe, mediante palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio, mal injusto
e grave.
Ainda que o sujeito profira a ameaça, sabendo que não irá cumpri-la,
caracterizado estará o crime em análise.
Inadmissível a modalidade culposa de ameaça.
Alerta a doutrina que o crime de ameaça exige seriedade de quem a profere, não
se coadunando em momentos de cólera, raiva, ódio, enfim, desequilíbrio emocional.
Há quem sustente que a embriaguez do sujeito ativo retira a plena seriedade do
mal injusto e grave prometido. Todavia, o art. 28, II, do Código Penal, prescreve que
não exclui a imputabilidade a embriaguez. Portanto, o crime remanesceria, mesmo que
o agente esteja embriagado.
6.2.5.Consumação e tentativa
A ameaça é crime que se consuma quando a vítima toma conhecimento do mal
injusto e grave prometido pelo agente, ainda que com ele não se intimide. Trata-se,
pois, de crime formal.
É possível a forma tentada do crime se praticado por meio escrito. Por palavras
ou gestos, o delito é unissubsistente, não admitindo fracionamento no iter criminis.
6.2.6.Ação penal
O parágrafo único do art. 147 do Código Penal exige a representação da vítima
para a instauração da persecutio criminis in judicio. Assim, sem a manifestação de
vontade da vítima, no sentido de ver o agente processado, não poderá o Ministério
Público dar início à ação penal.
Trata-se, portanto, de crime de ação penal pública condicionada.
6.3.3.Tipo objetivo
A conduta típica corresponde ao verbo “privar”, ou seja, reduzir à total ou
parcial impossibilidade a liberdade de locomoção da vítima, que se vê, em maior ou
menor grau, impedida de seu direito de ir e vir, não conseguindo se “desvencilhar do
sequestrador sem que corra perigo pessoal” (Fernando Capez. Curso de Direito
Penal, vol. 3, p. 305, ed. Saraiva).
A privação da liberdade da vítima, segundo o art. 148 do Código Penal, far-se-á
mediante sequestro ou cárcere privado.
Na prática, sequestro e cárcere privado não ostentam diferenças relevantes, já
que o agente responderá pelo crime em análise. Todavia, a doutrina cuidou de
diferenciar ambas as formas de privação da liberdade da vítima.
Entende-se por sequestro a privação de liberdade que não implica confinamento
da vítima (ex.: manter a pessoa em um apartamento, em uma casa, em uma chácara,
sem que consiga se desvencilhar normalmente do sequestrador).
J á cárcere privado traduz a ideia de privação da liberdade da vítima em local
fechado, havendo, portanto, confinamento (ex.: manter a vítima em um quarto, em
uma solitária, em uma cela, em um buraco).
Podemos dizer, seja no tocante ao sequestro ou ao cárcere privado, que ambas as
formas de privação da liberdade de locomoção da vítima implicam a existência de
violência. A só privação da liberdade já configura forma de violência.
O tempo de privação da liberdade da vítima não vem previsto em lei como
elementar do tipo. Porém, doutrina e jurisprudência divergem a respeito, entendendo-
se que a curta privação já é suficiente à caracterização do crime, ou que, nesse caso,
não se pode falar no tipo penal em comento.
6.3.4.Tipo subjetivo
Trata-se de crime doloso. Se a finalidade do agente na privação da vítima for o
recebimento de alguma vantagem (dinheiro, por exemplo), estaremos diante do crime
de extorsão mediante sequestro (art. 159 do Código Penal).
6.3.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime no momento em que a vítima é privada de sua liberdade de
locomoção, total ou parcialmente.
Trata-se de crime permanente, ou seja, somente tem fim quando cessar a
privação da liberdade. Logo, admite-se a prisão em flagrante do sequestrador
enquanto mantiver a vítima sequestrada ou em cárcere privado.
Admite-se a tentativa, já que o iter criminis é fracionável.
No caso de sobrevir legislação mais rígida a respeito do sequestro ou cárcere
privado, impondo, por exemplo, pena mais gravosa ao agente que o cometer, será
aplicada mesmo em prejuízo do réu. Isso porque estamos diante, como já dissemos,
de crime permanente, que se protrai no tempo pela vontade do próprio agente.
Tal é o entendimento da Súmula 711 do STF: “a lei penal mais grave aplica-se ao
crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da
continuidade ou da permanência”.
Pelo fato de o sequestro ou cárcere privado ser considerado crime permanente
(repita-se: aquele cuja consumação se protrai no tempo por vontade do agente), nada
mais justo do que o agente ser mais gravosamente punido por legislação superveniente
ao momento em que a vítima foi arrebatada, se, ainda assim, a mantiver com sua
liberdade restringida.
6.3.6.Formas qualificadas
O § 1° do art. 148 do Código Penal traz formas qualificadas do crime de
sequestro ou cárcere privado, nas seguintes hipóteses:
a) se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge do agente ou maior de 60 anos;
b) se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
c) se a privação da liberdade dura mais de 15 dias;
d) se o crime é praticado contra menor de 18 anos;
e) se o crime é praticado com fins libidinosos (inovação da Lei 11.106/2005).
Nos cinco casos acima, a pena será de 2 a 5 anos de reclusão.
Já na situação prevista no § 2° do mesmo artigo, a pena variará de 2 a 8 anos de
reclusão se, em razão dos maus-tratos ou da natureza da detenção, a vítima
experimentar grave sofrimento físico ou moral. A depender da intenção do agente,
poderá ficar configurado o crime de tortura (Lei 9.455/1997).
6.4.2.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa. Alerta a doutrina que o
proprietário do bem imóvel também pode ser autor do crime de violação de domicílio
se ingressar na casa habitada pelo inquilino sem o seu consentimento (protege-se,
portanto, a tranquilidade doméstica e não a propriedade).
Sujeito passivo é o morador, a pessoa que ocupa o bem imóvel, não
necessariamente o proprietário.
No caso de habitações coletivas, prevalece a vontade de quem proibiu o ingresso
ou permanência de determinada pessoa no local (ex.: república de estudantes).
No caso de residências familiares, prevalece a vontade do dono (dominus) do
imóvel. Em relação aos demais moradores, suas vontades valem nos limites de seus
aposentos.
6.4.3.Tipo objetivo
Duas são as condutas típicas (verbos) caracterizadoras do crime de violação de
domicílio:
a) entrar; ou
b) permanecer.
No primeiro caso (letra “a”), o agente invade, ingressa em casa alheia, seja em
sua totalidade, seja em determinadas dependências. Já no segundo caso (letra “b”), o
agente já se encontrava em casa alheia, mas, cessada a autorização para lá estar,
permanece contra a vontade da vítima, deixando de se deslocar para fora do
imóvel.
A entrada ou permanência do agente em casa alheia deve dar-se:
a) clandestinamente: o agente ingressa na casa da vítima sem que ela saiba ou
perceba sua presença;
b) astuciosamente: o agente emprega alguma fraude (ex.: o agente ingressa ou
permanece em casa alheia disfarçado de funcionário dos correios ou de companhia
telefônica);
c) contra a vontade expressa de quem de direito: manifestação induvidosa, clara,
do morador, que dissente com a entrada ou permanência do agente em sua casa;
d) contra a vontade tácita de quem de direito: manifestação implícita do morador
de dissentir o ingresso ou permanência do agente em sua casa, o que se pode deduzir
das circunstâncias.
Proíbe a lei, portanto, a perturbação doméstica, que pode se dar pelo ingresso ou
permanência de alguém em casa alheia ou em suas dependências.
6.4.4.Tipo subjetivo
O crime que ora se estuda é doloso, não admitindo, portanto, a modalidade
culposa.
6.4.5.Consumação e tentativa
A violação de domicílio é considerada pela doutrina como crime de mera
conduta, do qual não se pode extrair um resultado naturalístico (modificação do
mundo exterior provocada pelo ato). Consuma-se, portanto, no momento em que o
agente entra completamente (e não apenas com parte do corpo) em casa alheia ou nela
permanece contra a vontade de quem de direito. Nesse último caso, estaremos diante
de um crime permanente.
Por se tratar de crime de mera conduta, inadmissível a tentativa, até mesmo pelo
fato de o delito não permitir a ocorrência de resultado: ou se entra ou permanece em
casa alheia ou, assim não sendo, não se pode falar em crime, sequer tentado.
6.4.7.Formas qualificadas
A violação de domicílio será punida de 6 meses a 2 anos de detenção, sem
prejuízo da pena correspondente à violência, quando:
I. for praticada durante a noite: a palavra “noite” designa a inexistência de luz
solar. Assim, pune-se com maior rigor o agente nessa hipótese, eis que a
probabilidade de se consumar seu intento criminoso será maior, dada a menor
vigilância sobre a casa nesse período;
II. for praticada em lugar ermo: se a violação de domicílio ocorre em local
despovoado, a pena será maior, eis que a probabilidade de lesão ao bem jurídico é
incrementada pelo fato de o local contar com poucos habitantes;
I I I. se houver emprego de violência: aqui, tanto física (empregada contra
pessoa) quanto contra a própria coisa;
I V. se houver o emprego de arma: entende-se por “arma” tanto aquela
previamente construída para o ataque (revólver, por exemplo) quanto o artefato que
ostente potencialidade lesiva (faca, machado, facão, por exemplo);
V. se o crime for praticado por duas ou mais pessoas.
6.4.10.Conceito de casa
Os §§ 4° e 5° do art. 150 do Código Penal, em típico exemplo de normas penais
não incriminadoras explicativas, definem o conceito (positivo e negativo) de “casa”
para fins de caracterização do crime de violação de domicílio.
7.1.1.Tipo objetivo
O verbo do tipo (conduta típica) é “subtrair”, que corresponde à ação do agente
de tirar alguma coisa da vítima, desapossá-la, apoderando-se dos bens a ela
pertencentes.
A subtração exige, portanto, a inexistência de consentimento da vítima, já que o
patrimônio é bem jurídico disponível, podendo ser suprimido por sua própria
vontade.
Ainda, ressalta a doutrina que a subtração tem implícita em si a intenção do
agente em se apoderar dos bens, seja para si, seja para outrem, de modo definitivo.
Atentam os doutrinadores, também, que a subtração abarca não só a retirada do
bem da vítima sem o seu consentimento, mas a situação em que é entregue ao agente
pelo ofendido, espontaneamente, e ele, sem permissão, retira-o da esfera de
vigilância da vítima (ex.: “A”, em uma loja, solicita um produto para manuseio, o que
é feito por “B”, vendedora. No entanto, sem o consentimento dela, “A” foge do local
em poder do produto).
Ademais, não se exige, para a caracterização do furto, que a vítima esteja
presente no momento da subtração. Em outras palavras, presenciando ou não a
subtração, haverá o crime de furto.
Também configura elementar do tipo que a coisa subtraída seja alheia e móvel.
Entende-se por “coisa” todos os bens suscetíveis de apreciação econômica (afinal, o
furto protege o patrimônio alheio).
Outrossim, não basta que o agente subtraia um bem, devendo este pertencer,
obviamente, a terceira pessoa (não se poderia cogitar de furto de coisa própria!).
Por fim, somente bens móveis podem ser objeto do crime em estudo, conforme
determina a lei penal. Ainda que assim não estivesse previsto, se o furto pressupõe a
retirada do bem da esfera de vigilância da vítima, somente os passíveis de
mobilização é que podem ser literalmente “removidos”, “retirados” de um local para
outro. Impossível, portanto, furto de bem imóvel.
Se eventualmente a lei civil considera, por ficção, um bem móvel como imóvel,
ainda assim poderão ser objeto material do crime em comento. Basta que possam ser
transportados de um lugar a outro.
Até mesmo os animais (semoventes) podem ser objeto de furto, desde que tenham
um proprietário (ex.: gados, cachorros etc.). Especificamente quanto ao furto de gado
e outros semoventes, a doutrina o denomina de abigeato, previsto, atualmente, como
modalidade qualificada do crime em comento (art. 155, §6°, do CP).
Coisas de uso comum não podem ser objeto de furto (ex.: água de rios, mares,
ar), salvo se destacados de seu meio natural e exploradas por alguém (ex.: água
encanada; gás).
Também não podem ser furtadas as coisas que não têm ou nunca tiveram dono
(é a chamada res nullius). Igualmente ocorre com as coisas abandonadas (res
derelicta), que nos termos da lei civil serão de propriedade de quem as encontrar
(ex.: embora com alto valor econômico, se um cachorro pit bull for abandonado, não
poderá ser objeto de furto se alguém o encontrar e o levar para sua casa).
O § 3° do art. 155 do CP equipara a “coisa alheia” a energia elétrica, bem assim
outras formas de energia, o que veremos mais a frente.
E o cadáver, pode ser objeto de furto? Segundo aponta a doutrina, se ele
pertencer a uma universidade, ou a um laboratório, por exemplo, terá apreciação
econômica, podendo ser considerado objeto material do crime em análise. Em
qualquer outra hipótese, a subtração de cadáver configurará o crime previsto no art.
211 do CP.
A subtração de órgão humanos, para fins de transplante, configura crime
específico definido na Lei 9.434/1997 (Lei de remoção de órgãos e tecidos).
7.1.2.Tipo subjetivo
Além do dolo (vontade livre e consciente do agente em subtrair coisa alheia
móvel), exige-se o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), vale dizer, o sujeito
ativo deve ter a intenção de apoderar-se definitivamente do bem subtraído, ou de
fazê-lo para que terceira pessoa dele se apodere em caráter definitivo.
O elemento subjetivo do tipo, no crime de furto, é denominado de animus rem
sibi habendi. Em outras palavras, o agente deve subtrair o bem com o fim de
assenhoreamento definitivo.
A exigência do “dolo específico” pode vir a desnaturar o crime de furto se o
agente subtrai o bem temporariamente, sem a intenção de ficar com ele
indefinidamente.
Assim, se o furtador subtrai um carro, por exemplo, com a simples intenção de
utilizá-lo e posteriormente restituí-lo ao seu legítimo proprietário, estaremos diante
de fato atípico, dada a inexistência do animus rem sibi habendi. Tal figura é
denominada pela doutrina de furto de uso.
Para a configuração do furto de uso, há a necessidade de existirem dois
requisitos:
a) subjetivo: intenção, ab initio, de utilizar temporariamente o bem subtraído, sem a
intenção, portanto, de permanecer indefinidamente com ele;
b) objetivo: deve-se restituir a coisa subtraída com um interstício de tempo não muito
longo (cláusula aberta), bem como em sua integralidade e sem danos.
Se a subtração de uma coisa alheia ocorrer para a superação de uma situação de
perigo, nem mesmo podemos aventar furto de uso, mas sim de estado de necessidade,
que afasta a criminalidade da conduta (causa excludente da antijuridicidade). É o
caso, por exemplo, do furto famélico, que se caracteriza pela subtração de alimentos
por uma pessoa para saciar a fome de seus filhos, em atual ou iminente estado de
desnutrição.
7.1.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime de furto pode ser qualquer pessoa, desde que não seja o
proprietário ou possuidor da coisa subtraída (o tipo penal exige que a coisa subtraída
seja alheia).
Se se tratar o furtador de funcionário público, no exercício das funções ou em
razão delas, poderá praticar o crime de peculato (art. 312 do CP).
Já o sujeito passivo do crime de furto é o proprietário, possuidor ou detentor do
bem subtraído. Poderá ser pessoa natural ou pessoa jurídica.
7.1.4.Consumação e tentativa
Predomina na jurisprudência, quanto ao momento consumativo do furto, a
denominada teoria da amotio (apprehensio). Assim, para referida teoria, a
consumação exige, além do contato, a apreensão da coisa alheia, independentemente
do seu deslocamento, desde que a vítima não possa mais exercer o poder de livre
disposição da coisa.
Segundo parte da doutrina, consuma-se o furto com a inversão da posse do bem
subtraído. Não basta, portanto, a mera subtração da coisa alheia móvel, exigindo-se
que o objeto seja, de fato, retirado da esfera de vigilância (ou de disponibilidade) da
vítima, ainda que por breve espaço de tempo. Não se exige a posse mansa e pacífica
da coisa furtada. É a posição, inclusive, do STJ e STF.
Logo, ocorrerá tentativa se o bem for subtraído da vítima e esta iniciar
perseguição ao furtador, conseguindo reaver seu bem. A inexistência de retirada do
bem da esfera de disponibilidade da vítima enseja o reconhecimento, pois, da
tentativa de furto.
Doutrinariamente, o furto é denominado crime material já que para sua
consumação é exigido o resultado naturalístico (retirada do bem da vítima e
consequente redução patrimonial).
7.1.5.Crime impossível
Se a vítima não carregar nenhum objeto de valor consigo e o agente der início à
execução do crime, abrindo, por exemplo, sua bolsa, sem nada encontrar, estaremos
diante de crime impossível (art. 17 do CP). Essa é a concepção de Celso Delmanto e
Damásio de Jesus.
Já para Nelson Hungria e Heleno Fragoso, a inexistência de objeto material no
momento do furto é questão acidental (circunstâncias alheias à vontade do agente),
configurando-se a tentativa.
Importante anotarmos o teor da Súmula 567 do STJ: “Sistema de vigilância
realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior
de estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do
crime de furto”. Portanto, não se pode falar, a priori, em crime impossível quando,
por exemplo, o agente for monitorado por circuito interno de televisão durante a
execução do furto.
7.1.8.Formas qualificadas
O § 4° do art. 155 do CP pune o crime de furto de 2 a 8 anos de reclusão nas
seguintes hipóteses:
a) inciso I – se o furto for cometido com destruição ou rompimento de obstáculo à
subtração da coisa (também chamado de furto por efração): deve haver, nessa
hipótese, efetiva destruição daquilo que pode ser considerado como obstáculo à
subtração do bem efetivamente visado (ex.: a janela de um carro; as portas de uma
residência). Não configura a qualificadora em comento se a destruição ou o
rompimento ocorre na própria coisa para a sua subtração (ex.: quebrar o vidro do
carro para, posteriormente, subtraí-lo). Acerca da imprescindibilidade de perícia
para a configuração da qualificadora em comento, confira o entendimento do STJ:
FURTO. ROMPIMENTO. OBSTÁCULO. PERÍCIA.
“A Turma reiterou que, tratando-se de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, de delito que deixa
vestígio, torna-se indispensável a realização de perícia para a sua comprovação, a qual somente pode ser
suprida por prova testemunhal quando desaparecerem os vestígios de seu cometimento ou esses não puderem
ser constatados pelos peritos (arts. 158 e 167 do CP P). No caso, cuidou-se de furto qualificado pelo
arrombamento de porta e janela da residência, porém, como o rompimento de obstáculo não foi comprovado
por perícia técnica, consignou-se pela exclusão do acréscimo da referida majorante”. Precedentes citados: HC
136.455-MS, DJe 22.02.2010; HC 104.672-MG,DJe 06.04.2009; HC 85.901-MS,DJ 29.10.2007, e HC
126.107-MG, DJe 03.11.2009. HC 207.588-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23.08.2011. (Inform. STJ
481);
Importa anotar o teor da Súmula 511 do STJ, aprovada pela Corte em junho de
2014: “É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2° do art. 155 do CP
nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do
agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva”.
O § 5° do art. 155 do CP comina pena de 3 a 8 anos se a subtração for de veículo
automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Trata-se de qualificadora que leva em conta não o meio de execução do crime (como
as definidas no § 4°), mas sim o resultado obtido com o furto.
Com o advento da Lei 13.330/2016, incluiu-se ao precitado art. 155 do CP mais
uma qualificadora, qual seja, a do § 6°, que cuida do abigeato. Com efeito, será
punido com reclusão de 2 a 5 anos o agente que subtrair semovente domesticável de
produção (ex.: gado, porcos, galinhas, carneiros, ovelhas), ainda que abatido ou
dividido em partes no local da subtração. Tencionou o legislador reprimir com mais
severidade essa espécie de crime patrimonial, bastante comum em municípios onde
predominam as práticas rurais.
Para a melhor compreensão dessa nova qualificadora, reputam-se bens
semoventes aqueles que possuem movimento próprio, tais como os animais. Estes, por
sua vez, serão domesticáveis de produção quando forem utilizados como rebanho e/ou
produção, gerando algum retorno de índole econômica ao criador. Logo, não serão
considerados objetos materiais do abigeato que ora tratamos os animais selvagens
(ex.: ursos, leopardos, macacos etc.) e os animais domésticos não voltados à
produção (ex.: o cachorro ou o gato de determinada pessoa).
Nesse caso, a pena será a mesma cominada ao roubo simples (art. 157, caput, do
CP) se o agente, para furtar coisa alheia móvel, empregar explosivo ou qualquer
outro artefato semelhante que cause perigo comum (ou seja, a uma coletividade). É
o que se vê, usualmente, com furto de dinheiro em caixas eletrônicos, nos quais os
criminosos se utilizam de explosivos (dinamites, por exemplo) para que consigam
romper seus cofres e, então, subtrair as quantias lá existentes. Tal tipo de
comportamento, além de causar alarma, coloca em risco não somente o patrimônio de
instituições financeiras, mas, também, de proprietários ou possuidores de prédios
vizinhos, bem como a incolumidade física das pessoas que se encontrem nas
imediações no momento da explosão.
Interessante registrar que antes do advento dessa nova qualificadora, era possível
a imputação de dois crimes aos agentes que praticassem comportamentos como os
descritos acima, quais sejam, furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (art.
155, § 4°, I, do CP) e explosão (art. 251, § 2°, do CP), ambos em concurso formal
impróprio. Porém, com a alteração legislativa e a inclusão da qualificadora em
comento, inviável se torna a imputação de dois crimes, aplicando-se uma única figura
qualificada (no caso, art. 155, § 4°-A, do CP).
Houve, também, a inclusão de mais uma qualificadora ao furto, que se deu com o
novel § 7° do art. 155 do CP. Confira-se:
§ 7° A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias
explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem
ou emprego.
“A 2a Turma concedeu habeas corpus para declarar a atipicidade da conduta de condenado pela prática do
crime descrito no art. 155, § 3°, do CP (“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
… § 3° – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor
econômico.”), por efetuar ligação clandestina de sinal de TV a cabo. Reputou-se que o objeto do aludido
crime não seria “energia” e ressaltou-se a inadmissibilidade da analogia in malam partem em Direito Penal,
razão pela qual a conduta não poderia ser considerada penalmente típica”. HC 97261/RS, rel. Min. Joaquim
Barbosa, 12.04.2011. (HC-97261) (Inform. STF 623)
7.2.Roubo (art. 157, do CP). Considerações iniciais
O crime de roubo, previsto no art. 157 do CP, é um dos mais violentos ilícitos
contra o patrimônio, já que, conforme veremos mais à frente, tem como elementares a
violência ou a grave ameaça contra a vítima, que se vê acuada diante do roubador.
Trata-se de infração penal cuja objetividade jurídica imediata é a proteção do
patrimônio alheio, mais especificamente dos bens móveis alheios. Todavia, também
tutela, a um só tempo, a liberdade individual e a integridade corporal.
Por proteger, portanto, dois bens jurídicos (patrimônio e liberdade
individual/integridade pessoal), a doutrina denomina o roubo de crime pluriofensivo
(ofende mais de um bem).
A doutrina também aponta o roubo como um crime complexo, já que sua
conformação típica pressupõe a existência de duas figuras que, isoladas, configuram
crimes autônomos: furto + violência (vias de fato – contravenção penal; lesões
corporais – crime) ou furto + ameaça.
7.2.1.Tipo objetivo
O verbo do tipo (conduta típica) é o mesmo do furto, qual seja, “subtrair”, que
corresponde à ação do agente de tirar alguma coisa da vítima, desapossá-la,
apoderando-se dos bens a ela pertencentes.
A subtração exige, portanto, a inexistência de consentimento da vítima, já que o
patrimônio é bem jurídico disponível, podendo ser suprimido pela sua própria
vontade.
Ainda ressalta a doutrina que a subtração tem implícita em si a intenção do agente
em se apoderar dos bens, seja para si, seja para outrem, de modo definitivo.
Três podem ser os meios de execução do roubo, tendentes à subtração de coisa
alheia móvel:
a) grave ameaça – corresponde à violência moral, ou seja, a promessa, à vítima, de
um mal injusto e grave;
b) violência – corresponde ao emprego de força física contra a vítima, seja por meio
de vias de fato, seja mediante lesões corporais (leves, graves ou gravíssimas). A
jurisprudência admite que mesmo fortes empurrões, efetuados com a finalidade de
subtrair bens da vítima, são aptos a caracterizar o roubo. Porém, as “trombadas”
leves, que somente objetivam um desvio de atenção da vítima, caracterizariam, se
tanto, o delito de furto;
c) qualquer meio que reduza ou impossibilite a resistência da vítima – trata-se do
emprego da interpretação analógica no tipo incriminador, cuja intenção é a de
conferir maior proteção à vítima, ampliando o espectro de incidência da norma
penal. São exemplos típicos o emprego de narcóticos ou anestésicos contra a vítima,
tornando-a “presa fácil”, já que, sob o efeito de referidas substâncias, sua capacidade
de resistência à ação alheia fica bastante diminuída (ou até mesmo eliminada). Aqui,
tem-se a denominada violência imprópria.
Também configura elementar do tipo que a coisa subtraída seja alheia e móvel.
Entende-se por “coisa” todos os bens suscetíveis de apreciação econômica (afinal, o
roubo, assim como o furto, protege o patrimônio alheio).
Outrossim, não basta que o agente subtraia um bem, devendo este pertencer,
obviamente, a terceira pessoa (não se poderia cogitar de roubo de coisa própria!).
Por fim, somente bens móveis podem ser objeto do crime em estudo, conforme
determina a lei penal. Ainda que assim não estivesse previsto, se o roubo pressupõe a
retirada do bem da esfera de disponibilidade da vítima, somente os passíveis de
mobilização é que podem ser literalmente “removidos”, “retirados” de um local para
outro. Impossível, portanto, roubo de bem imóvel.
Se eventualmente a lei civil considera, por ficção, um bem móvel como imóvel
(ex.: navios e aeronaves), ainda assim poderão ser objeto material do crime em
comento. Basta que possam ser transportados de um lugar a outro.
Até mesmo os animais (semoventes) podem ser objeto de roubo, desde que
tenham um proprietário (ex.: gados, cachorros etc.).
7.2.2.Tipo subjetivo
Além do dolo (vontade livre e consciente do agente em subtrair coisa alheia
móvel), exige-se o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), vale dizer, o sujeito
ativo deve ter a intenção de apoderar-se definitivamente do bem subtraído, ou de
fazê-lo para que terceira pessoa dele se apodere em caráter definitivo.
O elemento subjetivo do tipo, no crime de roubo, é denominado de animus rem
sibi habendi. Em outras palavras, o agente deve subtrair o bem com o fim de
assenhoreamento definitivo.
A exigência do “dolo específico” pode vir a desnaturar o crime de roubo se o
agente subtrai o bem temporariamente, sem a intenção de ficar com ele
indefinidamente.
Assim, se o roubador subtrai um carro, por exemplo, com a simples intenção de
utilizá-lo e posteriormente restituí-lo ao seu legítimo proprietário, estaremos diante
de fato atípico, dada a inexistência do animus rem sibi habendi. Tal figura é
denominada pela doutrina de roubo de uso, à semelhança do furto de uso. Contudo,
trata-se de entendimento minoritário, seja na doutrina, seja na jurisprudência, pelo
fato de se tratar de crime complexo, que ofende a integridade física ou a liberdade
individual da vítima.
Se a subtração de uma coisa alheia ocorrer para a superação de uma situação de
perigo, podemos invocar o estado de necessidade, que afasta a criminalidade da
conduta (causa excludente da antijuridicidade), ainda que contra a vítima seja
empregada violência ou grave ameaça. Nessa situação, embora típica, a conduta não
será antijurídica. É o caso, por exemplo, de um agente que subtrai, mediante grave
ameaça, o veículo da vítima, com o fim de levar o filho, à beira da morte, atingido por
disparo de arma, ao hospital, já que, acionada a ambulância, esta não compareceu
para a prestação de socorro.
7.2.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime de roubo pode ser qualquer pessoa, desde que não seja
o proprietário ou possuidor da coisa subtraída (o tipo penal exige que a coisa
subtraída seja alheia).
Já o sujeito passivo do crime em tela é o proprietário, possuidor ou detentor do
bem subtraído. Poderá ser pessoa natural ou pessoa jurídica. Admite-se, ainda, que
existam duas ou mais vítimas e a ocorrência de um só roubo, na hipótese em que
terceiros sejam atingidos pela violência ou grave ameaça, ainda que não sejam os
donos do bem subtraído. Ex.: João aluga seu veículo a José, que, em determinado
semáforo da cidade, é abordado e, mediante grave ameaça e violência física, vê o
veículo ser subtraído pelos roubadores. No caso, João foi vítima do crime em razão
do desfalque patrimonial sofrido e José por ter suportado a ação delituosa (meios
executórios).
7.2.4.Consumação e tentativa
Apontam a doutrina e jurisprudência, basicamente, duas situações
caracterizadoras da consumação do roubo (próprio):
a) retirada do bem da esfera de vigilância da vítima, existindo a inversão da posse da
res, à semelhança do que ocorre com o furto, obtendo o agente a posse mansa e
pacífica da coisa subtraída;
b) com o apoderamento do bem subtraído, logo após empregar a violência ou a grave
ameaça para consegui-lo. Nesse caso, não se exige a posse tranquila, havendo a
consumação ainda que a polícia chegue ao local em seguida ao apoderamento da res.
Trata-se da posição adotada pelo STF.
O STJ editou a Súmula 582, pacificando a adoção da segunda corrente, que, em
suma, retrata a teoria da amotio ou da apprehensio. Confira-se: “Consuma-se o
crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou
grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao
agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica
ou desvigiada.”
Admissível, evidentemente, a tentativa do crime de roubo, seja pelo fato de o
agente não ter obtido a posse tranquila do bem (primeira corrente – minoritária), seja
porque não conseguiu apoderar-se do bem da vítima, ainda que haja empregado
violência ou grave ameaça (segunda corrente, adotada pelo STJ e STF).
Para concursos de Defensorias Públicas, muito interessante a posição do STF que
segue abaixo (diz respeito ao acompanhamento da ação delituosa por policiais,
caracterizando-se a tentativa):
Roubo e momento consumativo
“A 1a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para desclassificar o crime de roubo na modalidade
consumada para a tentada. Na espécie, os pacientes, mediante violência física, subtraíram da vítima quantia de
R$ 20,00. Ato contínuo, foram perseguidos e presos em flagrante por policiais que estavam no local do ato
delituoso. Inicialmente, aludiu-se à pacífica jurisprudência da Corte no sentido da desnecessidade de inversão
de posse mansa e pacífica do bem para haver a consumação do crime em comento. Entretanto, consignou-se
que essa tese seria inaplicável às hipóteses em que a conduta fosse, o tempo todo, monitorada por policiais que
se encontrassem no cenário do crime. Isso porque, no caso, ao obstar a possibilidade de fuga dos imputados, a
ação da polícia teria frustrado a consumação do delito por circunstâncias alheias à vontade dos agentes (“Art.
14. Diz-se o crime: … II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente”). Vencida a Min. Cármen Lúcia, por reputar que, de toda sorte, os réus teriam
obtido a posse do bem, o que seria suficiente para consumação do crime”. Precedente citado: HC 88259/SP
(DJU de 26.05.2006). HC 104593/MG, rel. Min. Luiz Fux, 08.11.2011. (HC-104593) (Inform. STF 647).
7.2.5.Espécies de roubo
A doutrina aponta duas espécies ou tipos de roubo:
a) roubo próprio – é o previsto no art. 157, caput, do Código Penal;
b) roubo impróprio (o u roubo por aproximação) – é o estabelecido no § 1° do
mesmo dispositivo legal. Trata-se de crime que, inicialmente, assemelha-se ao furto
(subtração de coisa alheia móvel). Todavia, para a consumação, visando o agente a
assegurar a impunidade ou a garantia da subtração da coisa, emprega violência ou
grave ameaça contra a vítima.
No caso de roubo impróprio, há o entendimento de que se consuma com o efetivo
emprego da violência ou grave ameaça, não se admitindo a tentativa (Damásio de
Jesus, por exemplo). Porém, há quem sustente ser admissível, sim, a tentativa de
roubo impróprio, desde que o agente, após o apoderamento da coisa, não consiga, por
circunstâncias alheias à sua vontade, empregar a grave ameaça ou a violência física.
No mais, todas as características do roubo próprio são aplicáveis ao impróprio
(sujeitos do crime, objeto jurídico, tipo objetivo, tipo subjetivo). Frise-se, porém,
que, para o cometimento do roubo impróprio, é inadmissível o emprego de violência
imprópria, admitida apenas no caput do art. 157 do CP, mas não em seu § 1°.
Importante registrar que a Lei 13.654/2018, que também alterou o crime de furto,
a ele incluindo novas qualificadoras, promoveu a revogação da causa de aumento
de pena em análise, ou seja, de agora em diante, se o agente, para roubar, empregar
uma arma imprópria (ex.: faca, martelo, machado, enxada etc.), não mais responderá
por roubo majorado (art. 157, § 2°, I, CP), mas, sim, por roubo simples (art. 157,
caput, CP). Tal modificação, evidentemente, é benéfica ao réu, razão pela qual terá
efeitos retroativos, atingindo roubos praticados antes do início da vigência de referida
lei.
Somente o roubo com emprego de arma de fogo (arma própria) terá a pena
aumentada em 2/3 (dois terços), conforme art. 157, § 2°-A, do CP, incluído pela já
citada Lei 13.654/2018.
b) inciso II – se há o concurso de duas ou mais pessoas: andou bem o legislador ao
punir com maior rigor o roubo praticado por duas ou mais pessoas em concurso. Isto
porque a vítima, diante de uma pluralidade de pessoas, terá menores chances de
resistir à ação criminosa, ficando mais desprotegida. Pouco importa se, no “grupo”,
existirem pessoas maiores (imputáveis) ou menores de idade (inimputáveis). Tratou a
lei de prever o concurso de duas ou mais pessoas e não dois ou mais imputáveis.
Todavia, o STJ já proferiu entendimento no sentido de que o concurso de um maior de
idade e um adolescente desnatura a causa de aumento de pena em estudo, eis que o
Código Penal é um diploma normativo aplicado apenas aos imputáveis. Trata-se de
posição isolada. Ainda, viável o reconhecimento da majorante em comento em
concurso com o delito autônomo de associação criminosa (art. 288 do CP), haja vista
que tutelam bens jurídicos distintos, não se aventando de bis in idem no caso;
c) inciso III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente
conhece tal circunstância: trata-se de causa de aumento de pena que nitidamente visa
a proteger as pessoas que se dedicam ao transporte de valores (bancos e joalherias, p.
ex.). Exige-se, in casu, que o agente saiba que a vítima labora na área de transporte
de valores (dolo direto), não se admitindo o dolo eventual (assunção do risco);
d) inciso IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser
transportado para outro Estado ou para o exterior: neste caso, é imprescindível
que o veículo, de fato, saia dos limites de um Estado e ingresse em outro, ou saia do
país e ingresse no exterior, transpondo as fronteiras;
e) inciso V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua
liberdade: inserido pela Lei 9.426/1996, colocou-se um fim à celeuma que envolvia o
roubo e a restrição de liberdade da vítima. Prevalece, hoje, o entendimento de que
incide a causa de aumento de pena ora analisada se o agente, para a subtração dos
bens, mantém a vítima privada de sua liberdade pelo espaço de tempo suficiente à
consumação do roubo ou para evitar a ação policial. Todavia, se desnecessária a
privação de liberdade do sujeito passivo, já tendo se consumado o roubo, é possível
o concurso entre o roubo e o sequestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal).
7.3.2.Tipo objetivo
O verbo do tipo (conduta típica) é o mesmo do constrangimento ilegal, qual seja,
“constranger”, coagir, obrigar a vítima a fazer, deixar de fazer ou tolerar que se faça
algo mediante violência ou grave ameaça. Todavia, enquanto no constrangimento
ilegal busca-se a restrição da liberdade, na extorsão a finalidade é o locupletamento
ilícito.
O constrangimento exige, portanto, a inexistência de consentimento da vítima, a
qual é obrigada a fazer alguma coisa (ex.: entregar dinheiro, efetuar depósito bancário
etc.), deixar de fazer algo (ex.: devedor que ameaça o credor para que ele não
promova a execução) ou tolerar que se faça algo (ex.: tolerar o uso de um imóvel que
lhe pertence sem cobrar aluguel).
Assim, a vítima pode ter uma conduta comissiva (fazer) ou omissiva (deixar de
fazer ou tolerar), enquanto que o autor do crime de extorsão sempre realiza uma ação
(constranger, mediante violência ou grave ameaça).
Dois podem ser os meios de execução da extorsão, para obtenção da indevida
vantagem econômica, após o constrangimento da vítima:
a) grave ameaça – corresponde à violência moral, ou seja, a promessa, à vítima, de
um mal injusto e grave;
b) violência – corresponde ao emprego de força física contra a vítima, seja por meio
de vias de fato, seja mediante lesões corporais (leves, graves ou gravíssimas).
É oportuno frisar que, se a indevida vantagem econômica for obtida mediante
fraude, artifício ou ardil, poderá restar configurado o crime de estelionato.
Também configura elementar do tipo que a obtenção da indevida vantagem
econômica seja para si ou para outrem. Entende-se por “indevida vantagem
econômica” toda vantagem suscetível de apreciação econômica (afinal, a extorsão,
assim como o furto e o roubo, protege o patrimônio alheio).
7.3.3.Tipo subjetivo
Além do dolo (vontade livre e consciente do agente em constranger a vítima),
exige-se o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), vale dizer, o sujeito ativo
deve ter a intenção de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.
A exigência do “dolo específico” (especial fim de agir) pode vir a desnaturar o
crime de extorsão. Se a intenção for a de obter vantagem econômica devida, o crime
será o exercício arbitrário das próprias razões. Por outro lado, se a vantagem não for
econômica, mas moral, o crime será o constrangimento ilegal; se sexual, poderá
caracterizar crime contra a liberdade sexual (estupro, por exemplo).
7.3.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo do crime de extorsão pode ser qualquer pessoa, não se exigindo
nenhuma qualidade especial (crime comum). Já o sujeito passivo do crime em tela é
aquele que suporta diretamente a violência ou a grave ameaça, bem como o titular do
patrimônio visado.
7.3.5.Consumação e tentativa
O crime de extorsão consuma-se no momento em que a vítima faz, deixa de
fazer ou tolera que se faça algo. Ou seja, não basta o mero constrangimento da
vítima, sendo imprescindível que haja uma ação ou omissão.
Entretanto, para a consumação do delito se dispensa a obtenção da indevida
vantagem econômica (Súmula 96, STJ). A obtenção do enriquecimento ilícito
constitui exaurimento do crime. Portanto, doutrinariamente, a extorsão é denominada
crime formal (ou de consumação antecipada), já que para sua consumação não é
exigido o resultado naturalístico (obtenção da indevida vantagem econômica).
H á tentativa do crime de extorsão quando, apesar da exigência realizada pelo
autor do delito, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, a vítima não
realiza a conduta que lhe fora exigida, por circunstâncias alheias à sua vontade.
Em suma, quando houver mera exigência, o crime será tentado. Mas se a vítima
realizar o que lhe fora exigido, haverá crime consumado. E, por fim, se o agente
obtiver a indevida vantagem econômica, haverá exaurimento do crime.
7.3.6.Espécies de extorsão
A extorsão pode ser:
a) simples: art. 158, caput, CP;
b) majorada: quando presente uma das causas de aumento de pena – art. 158, § 1°, do
CP;
c) qualificada: art. 158, §§ 2° e 3°, do CP.
7.4.2.Tipo objetivo
O núcleo do tipo é sequestrar, o que significa privar a liberdade de alguém por
tempo juridicamente relevante.
Muito embora o tipo penal faça alusão a “qualquer vantagem”, prevalece o
entendimento doutrinário no sentido de que a vantagem deve ser econômica, haja
vista se tratar de crime contra o patrimônio. Caso a natureza da vantagem seja outra,
poderá restar caracterizado o crime de sequestro (art. 148, CP).
Ainda, a jurisprudência exige que a vantagem, além de econômica, deve ser
indevida, apesar da omissão do legislador. Isso porque, se a vantagem visada pelo
sequestrador for devida, poderá configurar o exercício arbitrário das próprias razões
(art. 345, CP), em concurso formal com o crime de sequestro (art. 148, CP).
7.4.3.Tipo subjetivo
Além do dolo (vontade livre e consciente de sequestrar a vítima), exige-se o
elemento subjetivo do tipo (dolo específico), vale dizer, o sujeito ativo deve ter a
intenção de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, como
condição ou preço do resgate.
7.4.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). De igual modo, o
sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, mas necessariamente deve ser pessoa. Ou
seja, se houver o sequestro de um animal para o fim de se exigir resgate, não se
caracterizará o crime de extorsão mediante sequestro, mas simplesmente o crime de
extorsão (art. 158, CP). Será sujeito passivo tanto a pessoa que teve a sua liberdade
de locomoção tolhida como aquela que sofreu a lesão patrimonial.
7.4.5.Consumação e tentativa
O crime se consuma com a privação da liberdade, ou seja, no momento em que
há a captura da vítima, sendo que o pagamento do resgate (obtenção da indevida
vantagem econômica) é mero exaurimento do crime. Daí dizer-se que se trata de
crime formal (ou de consumação antecipada).
Ainda, trata-se de crime permanente, visto que, enquanto a vítima é privada de
sua liberdade, a infração se consuma a cada instante, motivo pelo qual é admitida a
prisão em flagrante a qualquer tempo.
A tentativa é admissível, desde que o agente já tenha iniciado os atos
executórios do crime (privação da liberdade da vítima), o qual somente não se
consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.
7.5.2.Tipo subjetivo
Trata-se do dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do sujeito de apoderar-se
de bem (coisa) alheio, passando a comportar-se como se fosse dono.
Diz-se que o dolo somente deve ser posterior ao recebimento da coisa. Assim
não sendo, estaremos diante de possível estelionato (ex.: “A” recebe dinheiro de “B”
querendo, desde logo, obter o montante para si). A doutrina, neste caso, denomina
dolo subsequens, ou seja, a intenção de apropriar-se da coisa deve ser
subsequente/posterior ao seu recebimento.
Exige-se, ainda, o animus rem sibi habendi, configurador do elemento subjetivo
do tipo (especial fim de agir do agente).
7.5.3.Sujeitos do crime
Quanto ao sujeito ativo, poderá sê-lo qualquer pessoa que tenha a posse ou a
detenção do bem, recebido de maneira lícita (entregue voluntariamente pela vítima).
Já o sujeito passivo é quem sofre a perda patrimonial (proprietário, possuidor
etc.).
7.5.4.Consumação e tentativa
Consuma-se a apropriação indébita com a efetiva inversão do ânimo do agente
sobre a coisa entregue pela vítima. Trata-se de aspecto de difícil aferição por se
tratar de intenção. Porém, estará consumada a infração, no caso de apropriação
propriamente dita, quando o agente começar a portar-se como se dono da coisa fosse
(ex.: venda do bem, locação, utilização etc.). Já na negativa de restituição, estará
caracterizado o momento consumativo exatamente quando o agente negar-se a
devolver o bem da vítima.
Admissível a tentativa na apropriação indébita propriamente dita, não sendo
possível na negativa de restituição.
7.5.5.Causas majoradas
A pena será aumentada em 1/3 (um terço) quando:
a) o agente receber a coisa em depósito;
b) o agente receber a coisa na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário,
inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
c) o agente receber a coisa em razão de ofício, emprego ou profissão.
7.6.1.Tipo objetivo
No estelionato, o agente obtém uma vantagem. Assim, com o emprego de
fraude, o sujeito ativo consegue alcançar uma vantagem ilícita.
O caput do art. 171 do Código Penal descreve em que pode consistir referida
fraude. Poderá, portanto, o agente, para obter vantagem ilícita para si ou para outrem
empregar:
a) artifício: é o uso, pelo agente, de objetos aptos a enganar a vítima (ex.: documentos
falsos, roupas ou disfarces);
b) ardil: corresponde ao “bom de papo”. É a conversa enganosa;
c) qualquer outro meio fraudulento: tudo o quanto puder ludibriar a vítima. Utilizou-
se o legislador da interpretação analógica a fim de que outras condutas não escapem
da tipicidade penal.
O agente, valendo-se do artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento,
induzirá a vítima ou irá mantê-la em erro, obtendo, com isso, vantagem ilícita.
Não haverá, aqui, subtração da coisa. Ao contrário, será ela entregue pela vítima
ao agente mediante algum expediente fraudulento (artifício, ardil ou outra fraude),
tendo ele, desde logo, a intenção de locupletar-se à custa alheia. Esta é a diferença
maior entre o estelionato e a apropriação indébita.
Diz a doutrina que o estelionato é crime material, exigindo, portanto, que o
agente obtenha vantagem ilícita, provocando um prejuízo material à vítima.
Apontam os juristas, ainda, que não se exige que o engodo seja crível pelo
homem médio. Assim não fosse, as pessoas mais simples estariam desassistidas pela
lei penal. Basta, portanto, que o artifício ou o ardil tenham sido suficientes a enganar
a vítima.
7.6.2.Tipo subjetivo
É o dolo. Atua o agente, portanto, com a intenção, desde logo, de locupletar-se à
custa da vítima, induzindo-a ou mantendo-a em erro.
7.6.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é tanto o que emprega a fraude quanto o que aufere a vantagem
ilícita.
Sujeito passivo será a pessoa que sofrer o prejuízo, ou ainda aquela que for
enganada.
A vítima deve ser pessoa determinada. No caso de a conduta visar a vítimas
indeterminadas, poderemos estar diante de crime contra a economia popular, definido
na Lei 1.521/1951 (ex.: correntes, pirâmides, adulteração de combustíveis, de
balanças etc.).
Se o sujeito passivo do estelionato for pessoa idosa, a pena será aumentada,
consoante dispõe o art. 171, §4°, do CP, incluído pela Lei 13.228/2015.
7.6.4.Consumação e tentativa
Como já afirmado, o crime de estelionato é material, exigindo-se a verificação
do resultado (obtenção da vantagem ilícita e prejuízo patrimonial à vítima).
Admissível a tentativa se a vítima não é enganada, de fato, pelo agente, ou, ainda
que enganada, não sofre prejuízo patrimonial.
Diz-se que se o meio utilizado pelo agente for absolutamente inidôneo, não se
pode cogitar de tentativa, mas sim crime impossível pela ineficácia absoluta do
meio.
7.6.5.Concurso de crimes
Se o sujeito ativo, para empregar a fraude, falsifica títulos de crédito ou
documentos, visando à obtenção de vantagem ilícita, poderá ser responsabilizado da
seguinte maneira:
a) estelionato e falsificação, por violarem bens jurídicos distintos (patrimônio e fé
pública), terão suas penas somadas (concurso material);
b) estelionato e falsificação serão atribuídos ao agente a título de concurso formal
(mediante uma só ação, o sujeito praticou dois crimes);
c) a falsificação de documento, por ser crime mais grave, absorve o estelionato, de
menor pena;
d) o estelionato, por ser crime-fim, absorve a falsificação (crime-meio), por conta do
princípio da consunção. Este é o posicionamento do STJ, ao editar a Súmula 17:
“quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este
absorvido”.
7.6.6.Estelionato privilegiado
Previsto no § 1° do art. 171, terá o mesmo tratamento do furto privilegiado
(pequeno valor e primariedade).
7.6.7.Formas assemelhadas
O § 2° do mesmo dispositivo legal traz outras seis hipóteses de estelionato,
porém, com algumas especificidades:
a) quem vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia
como própria;
b) quem vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável,
gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante
pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
c) quem defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo,
a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
d) quem defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a
alguém;
e) quem destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio
corpo ou saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de
haver indenização ou valor de seguro;
f) quem emite cheque sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou lhe
frustra o pagamento (ver Súm. 554 do STF).
7.6.8.Formas majoradas
Prevista no § 3° do art. 171 do Código Penal, a pena será aumentada de 1/3 (um
terço) se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público (ex.: INSS)
ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
A pena será duplicada se o crime for perpetrado contra pessoa idosa, consoante
dispõe o novel § 4° do art. 171 do CP, incluído pela Lei 13.228/2015.
7.7.Receptação (art. 180, do CP)
7.7.1.Tipo objetivo
O tipo previsto no art. 180 do CP é dividido em receptação própria (1a parte) e
imprópria (2a parte).
Na receptação própria, o verbo do tipo (conduta típica) é “adquirir, receber,
transportar, conduzir ou ocultar” em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser
produto de crime.
Já na receptação imprópria, o verbo do tipo (conduta típica) é “influir” para que
terceiro, de boa-fé adquira, receba ou oculte coisa que sabe ser produto de crime.
Assim, é possível dizer que o agente não é o receptador, mas o intermediário da
atividade criminosa.
Caso o agente influa para que terceiro de boa-fé transporte ou conduza coisa que
seja produto de crime, o fato será atípico, diante da omissão legislativa.
Tanto na receptação própria como na imprópria deve existir um crime
antecedente, cujo objeto material coincidirá com o produto receptado.
Oportuno ressaltar que a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento
de pena o autor do crime de que proveio a coisa, nos termos do art. 180, § 4°, do CP.
Interessante trazer à baila a posição do STJ acerca da receptação de folhas de
cheque. Confira-se:
FOLHAS DE CHEQUE E OBJETO MATERIAL DO CRIME.
“A Turma, ao reconhecer a atipicidade da conduta praticada pelo paciente, concedeu a ordem para absolvê-lo
do crime de receptação qualificada de folhas de cheque. Reafirmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça no sentido de que o talonário de cheque não possui valor econômico intrínseco, logo, não pode ser
objeto material do crime de receptação”. HC 154.336-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20.10.2011.
(Inform. STJ 485)
7.7.2.Tipo subjetivo
Trata-se do dolo direto, ou seja, a vontade livre e consciente do sujeito de
“adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar”, em proveito próprio ou alheio
(elemento subjetivo do tipo), coisa que sabe ser produto de crime, ou “influir” para
que terceiro, de boa-fé, adquira, receba ou oculte.
Caso o agente não soubesse ser a coisa produto de crime, muito embora pudesse
saber ou tivesse dúvida a respeito, poderá configurar o crime previsto no art. 180, §
3°, do CP (receptação culposa).
7.7.3.Sujeitos do crime
Quanto ao sujeito ativo, poderá sê-lo qualquer pessoa, exceto o coautor ou
partícipe do crime antecedente. Trata-se, portanto, de crime comum.
Já o sujeito passivo é o mesmo do delito antecedente.
7.7.4.Consumação e tentativa
O delito se consuma no momento em que a coisa sai da esfera de disponibilidade
da vítima (crime material) ou quando o agente influi para que terceiro de boa-fé
adquira, receba ou oculte coisa produto de crime (crime formal).
É admissível a tentativa.
7.7.5.Receptação qualificada
§ 1° – Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito,
desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em
proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa
que deve saber ser produto de crime: (Redação dada pela Lei 9.426/1996)
Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei 9.426/1996)
§ 2° – Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior,
qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em
residência. (Redação dada pela Lei 9.426/1996)
Tal modalidade de receptação configura espécie de crime próprio, já que
somente poderá ser praticado por aquele que exerce atividade comercial, inclusive
clandestina.
Importante ressaltar que a forma qualificada traz outras condutas típicas distintas
do caput, tais como ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à
venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio.
Ainda, o § 1° do art. 180 do CP utiliza a expressão “deve saber”, ao invés de
“sabe”, o que gerou grande discussão doutrinária e jurisprudencial.
Para alguns, somente abarcaria o dolo eventual, razão pela qual o agente que atua
com dolo direto deve responder por crime menos grave (art. 180, caput, CP).
Em contrapartida, para outros, tal solução seria incongruente, motivo pelo qual o
§ 1° englobaria tanto o dolo direito como o eventual.
7.7.6.Receptação culposa
§ 3° – Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre
o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por
meio criminoso: (Redação dada pela Lei 9.426/1996).
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas. (Redação
dada pela Lei 9.426/1996).
São requisitos configuradores da receptação culposa: a) adquirir ou receber
coisa; b) que por sua natureza ou pela manifesta desproporção entre o valor e o preço
ou pela condição de quem a oferece; c) deva presumir ser obtida por meio criminoso.
7.7.9.Ação penal
A ação penal é pública incondicionada, em regra.
8.2.2.Tipo objetivo
O verbo do tipo (conduta típica) é “constranger”, que transmite a ideia de forçar
ou compelir (fazer algo contra a sua vontade). É, em verdade, um constrangimento
ilegal com uma finalidade específica, qual seja, a prática de um ato sexual.
Após a Lei 12.015/2009, o agente constrange alguém, mediante violência ou
grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se
pratique outro ato libidinoso.
Assim, o agente constrange a vítima (homem ou mulher) à prática de conjunção
carnal. Entende-se esta como a relação sexual “natural” entre homem e mulher. Diz-
se, portanto, que o estupro exige, para sua configuração, que o homem introduza seu
pênis na cavidade vaginal da mulher, total ou parcialmente.
Também será crime de estupro o constrangimento de alguém à prática de ato
libidinoso diverso da conjunção carnal, ou ainda, que haja o constrangimento da
vítima a consentir que com ela seja praticada referida espécie de ato (antigo
crime de atentado violento ao pudor).
Diz-se que o ato libidinoso é todo aquele que decorre da concupiscência
humana. O ato diverso da conjunção carnal é, por exemplo, o coito anal, sexo oral,
masturbação etc.
Todo estupro pressupõe o dissenso da vítima, ou seja, sua não concordância com
o ato sexual.
A discordância decorre da prática de violência (emprego de força física contra
vítima) ou grave ameaça (promessa de um mal injusto e grave, passível de
realização) pelo agente. São estes os dois meios executórios do estupro.
Após a alteração, não há mais a violência presumida, antes prevista no art. 224,
CP, o qual foi revogado expressamente pela Lei 12.015/2009. De igual modo foi
revogado tacitamente o art. 9° da Lei dos Crimes Hediondos, o qual fazia alusão ao
art. 224, CP.
Segundo parte da doutrina, o uso de instrumentos mecânicos ou artificiais,
desde que acoplados ao pênis do estuprador, não desnaturam o delito em comento.
8.2.3.Tipo subjetivo
Trata-se do dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do sujeito de constranger
alguém a manter relacionamento sexual contra sua vontade.
A lei não exige o elemento subjetivo específico de satisfação da própria lascívia.
Assim, também restaria configurado o crime de estupro por qualquer outro motivo
(ex.: por vingança, para humilhar etc.).
8.2.4.Sujeitos do crime
Quanto ao sujeito ativo, antes da alteração somente era o homem, visto que
exigia a conjunção carnal, que pressupõe a introdução total ou parcial do pênis (órgão
sexual masculino) na vagina (órgão sexual feminino).
Já o sujeito passivo, por consequência, somente poderia ser a mulher. Era
absolutamente errada a afirmação de que homem poderia ser estuprado.
Agora, o sujeito ativo e passivo pode ser qualquer pessoa, tanto o homem quanto
a mulher (crime bicomum e não mais bipróprio).
8.2.5.Consumação e tentativa
Consuma-se o estupro com a introdução ou penetração (ainda que parcial) do
pênis na cavidade vaginal da vítima. Ainda, em relação a outros atos diversos da
conjunção carnal, consumam-se quando da sua realização.
Desse modo, classifica-se o estupro como sendo um crime material, cujo tipo
penal prevê uma conduta (constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça) e
um resultado naturalístico (prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso
diverso).
Admissível a tentativa se o agente não conseguir introduzir o membro viril na
genitália feminina ou não consegue realizar qualquer outro ato sexual, por
circunstâncias alheias à sua vontade.
8.2.6.Espécies de estupro
Há três espécies de estupro:
a) simples: art. 213, caput, CP;
b) qualificado:
b.1) art. 213, § 1°, CP:
b.1.1) se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave (culposa);
b.1.2) se a vítima é menor de 18 anos ou maior de 14 anos; b.2) art. 213, § 2°, CP: se
da conduta resulta morte (culposa).
No caso das qualificadoras relativas à lesão corporal grave e morte, ambas são
figuras preterdolosas, de acordo com entendimento majoritário na doutrina e
jurisprudência. O estupro é doloso, mas o resultado agravador é culposo. Corrente
minoritária entende que pode haver dolo ou culpa no resultado agravador;
c) majorado: arts. 226 e art. 234-A, do CP, tratam das causas de aumento de pena
para o estupro, já com as alterações promovidas pela Lei 13.718/2018:
c.1) aumenta-se de 1/3 a 2/3, quando o crime é cometido mediante concurso de duas
ou mais pessoas. Fala-se, aqui em estupro coletivo, cuja majorante foi acrescentada
pela precitada Lei 13.718/2018 (art. 226, IV, “a”, do CP);
c.2) aumenta-se de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado para controlar o comportamento
social ou sexual da vítima. Trata-se de nova majorante, prevista no art. 226, IV, “b”,
do CP, denominada de estupro corretivo. Tenciona o agente, ao estuprar a vítima,
“corrigir” seu comportamento sexual ou social supostamente “incorreto” (ex.: “A”
estupra “B”, lésbica, para demonstrar-lhe que o correto é a relação heterossexual);
c.2) aumenta-se de 1/2, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II, do CP, com redação que
lhe foi dada pela Lei 13.718/2018);
c.3) aumenta-se de 1/2 a 2/3, se do crime resulta gravidez (majorante ampliada pela
Lei 13.718/2018). Trata-se de majorante prevista no art. 234-A, III, CP;
c.4) aumenta-se de 1/3 a 2/3, se o agente transmite à vítima doença sexualmente
transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou
pessoa com deficiência (majorante ampliada pela Lei 13.718/2018). A causa de
aumento em tela vem prevista no art. 234-A, IV, do CP. Exige-se, aqui, a efetiva
transmissão da doença sexualmente transmissível.
8.3.2.Tipo subjetivo
De igual modo, aplica-se o que já fora explicitado ao delito de estupro.
8.3.3.Sujeitos do crime
Há importante ressalva a ser feita quanto ao sujeito passivo, qual seja, a de que
somente as pessoas vulneráveis podem ser vítimas do crime de estupro de vulnerável.
Entende-se por pessoa vulnerável: a pessoa menor de 14 anos (art. 217-A, caput,
CP), enferma ou doente mental que não tenha o necessário discernimento para o ato
sexual ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência (art. 217-A, §
1°, CP).
Quanto à vítima menor de 14 (quatorze) anos, o STJ, por meio da Súmula 593,
pacificou o entendimento segundo o qual o consentimento do ofendido para a prática
do ato sexual é absolutamente indiferente para a caracterização do crime em comento,
bem como a prévia experiência sexual. Confira-se: “O crime de estupro de
vulnerável configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com
menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a
prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento
amoroso com o agente.”
Registre-se, por oportuno, que a Lei 13.718/2018 acrescentou ao art. 217-A o §
5°, assim redigido: “As penas previstas no caput e nos §§ 1°, 3° e 4° deste artigo
aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter
mantido relações sexuais anteriormente ao crime.”
No tocante à vulnerabilidade decorrente da idade, o STJ, conforme já
mencionado anteriormente, sumulou o entendimento de que o eventual consentimento
do ofendido não afasta o crime, bem como a existência de relacionamento amoro ou
prévia experiência sexual.
Já com relação às demais hipóteses de vulnerabilidade, quais sejam, aquelas
referentes aos portadores de enfermidade ou deficiência mental e àqueles que, por
qualquer outra causa, não possam oferecer resistência, parece-nos que o legislador se
equivocou.
No tocante às pessoas com deficiência mental, tal aspecto, de índole biológica,
não poderá, por si só, atribuir-lhes a pecha de vulneráveis sexuais. É que o art. 6°, II,
do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), expressamente prevê que a
deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer
direitos sexuais e reprodutivos.
Assim, fazendo-se uma interpretação sistemática, e não meramente estanque do
art. 217-A, § 5°, do CP, chegamos à conclusão de que os deficientes mentais somente
serão considerados vulneráveis, do ponto de vista sexual, e, portanto, vítimas de
estupro de vulnerável, quando, em razão da deficiência, não tiverem o necessário
discernimento para a prática do ato sexual. Caso contrário, estar-se-á retirando dos
deficientes mentais a liberdade sexual, ínsita à dignidade da pessoa humana,
transformando seus eventuais parceiros em “estupradores de vulneráveis”.
8.3.4.Consumação e tentativa
Aplica-se o que já foi dito ao estupro.
8.3.5.Espécies de estupro de vulnerável
Há três espécies de estupro de vulnerável:
a) simples: art. 217-A, caput, CP;
b) qualificado:
b.1) art. 217-A, § 3°, CP: se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave
(culposa);
b.2) art. 217-A, § 4°, CP: se da conduta resulta morte (culposa).
No caso das qualificadoras relativas à lesão corporal grave e morte, ambas são
figuras preterdolosas, de acordo com entendimento majoritário na doutrina e
jurisprudência. O estupro é doloso, mas o resultado agravador é culposo. Corrente
minoritária entende que pode haver dolo ou culpa no resultado agravador;
c) majorado: arts. 226 e art. 234-A, do CP, tratam das causas de aumento de pena
para o estupro, já com as alterações promovidas pela Lei 13.718/2018:
c.1) aumenta-se de 1/3 a 2/3, quando o crime é cometido mediante concurso de duas
ou mais pessoas. Fala-se, aqui em estupro coletivo, cuja majorante foi acrescentada
pela precitada Lei 13.718/2018 (art. 226, IV, “a”, do CP);
c.2) aumenta-se de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado para controlar o comportamento
social ou sexual da vítima. Trata-se de nova majorante, prevista no art. 226, IV, “b”,
do CP, denominada de estupro corretivo. Tenciona o agente, ao estuprar a vítima,
“corrigir” seu comportamento sexual ou social supostamente “incorreto” (ex.: “A”
estupra “B”, lésbica, para demonstrar-lhe que o correto é a relação heterossexual);
c.2) aumenta-se de 1/2, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II, do CP, com redação que
lhe foi dada pela Lei 13.718/2018);
c.3) aumenta-se de 1/2 a 2/3, se do crime resulta gravidez (majorante ampliada pela
Lei 13.718/2018). Trata-se de majorante prevista no art. 234-A, III, CP;
c.4) aumenta-se de 1/3 a 2/3, se o agente transmite à vítima doença sexualmente
transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou
pessoa com deficiência (majorante ampliada pela Lei 13.718/2018). A causa de
aumento em tela vem prevista no art. 234-A, IV, do CP. Exige-se, aqui, a efetiva
transmissão da doença sexualmente transmissível.
Outrossim, cumpre ressaltar que o estupro, em todas as suas modalidades, é
hediondo (simples, qualificado e de vulnerável).
8.3.6.Questões polêmicas
8.3.6.1.Concurso de crimes
Um dos grandes reflexos da alteração pela Lei 12.015/2009 nos crimes sexuais
foi a caracterização do concurso de crimes.
Era pacífico na doutrina que, em havendo um ato de conjunção carnal e outro ato
libidinoso diverso de conjunção carnal, no mesmo contexto fático, haveria concurso
material entre as infrações.
Segundo o STF, pelo fato de o estupro e de o atentado violento ao pudor não
pertencerem ao mesmo tipo penal, não eram considerados crimes da mesma espécie e,
por conseguinte, não restaria caracterizada a continuidade delitiva entre eles, mas o
concurso material de crimes. No mesmo sentido era o entendimento da 5a Turma do
STJ.
Outro era o entendimento da 6a Turma do STJ, no sentido de que estupro e
atentado violento ao pudor eram crimes da mesma espécie, pois ofendiam ao mesmo
bem jurídico (liberdade sexual), o que ensejava a caracterização do crime continuado.
Todavia, com a junção das condutas em um tipo penal não seria mais cabível, em
tese, sustentar a aplicação do concurso material, quando houvesse vários atos
libidinosos em um mesmo contexto fático. Afastou também a discussão de ser
impossível a continuidade delitiva.
Daí ter surgido outra discussão: se o art. 213, CP, é um tipo misto alternativo ou
cumulativo.
Vem-se defendendo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que se trata de um
tipo misto alternativo. Consequentemente, aquele que constranger alguém a conjunção
carnal e também a outro ato diverso da conjunção carnal, no mesmo contexto fático,
responderá por um crime apenas. Somente haverá concurso material no caso de haver
vítimas diversas ou contextos fáticos diversos, desde que não preenchidos os
requisitos da continuidade delitiva.
Por outro lado, há quem sustente que se trata se um tipo misto cumulativo, ou seja,
se houve atos libidinosos diversos, será aplicável o concurso material. Esse
entendimento é corroborado pela 5a Turma do STJ.
Tal discussão ainda não está pacificada na jurisprudência.
8.3.6.2.Aniversário de 14 anos
Outra questão polêmica que surgiu com o advento da Lei 12.015/2009 foi o
enquadramento típico quando a vítima for estuprada no dia do seu aniversário de 14
anos.
Isso porque, segundo o art. 213, § 1°, CP, o crime de estupro será qualificado se a
vítima for menor de 18 anos ou maior de 14 anos.
Já o art. 217-A, CP, preleciona que será estupro de vulnerável o fato de ter
conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos.
Pela mera interpretação literal, se a vítima for estuprada no dia do seu 14°
aniversário, seria estupro simples.
Assim, a melhor interpretação, para se evitar injustiças por falha do legislador, é
afastar a hipótese de estupro simples, pois no dia seguinte ao 14° aniversário já seria
estupro qualificado, crime mais grave, gerando um contrassenso.
Portanto, deve-se considerar como sendo estupro qualificado ou estupro de
vulnerável. Como se trata de analogia, a melhor opção é a primeira, cuja pena é
menor e mais benéfica ao réu.
8.3.6.3.Ação penal
Até o advento da Lei 12.015/2009, consoante se depreendia da redação original
do art. 225, caput, do CP, a ação penal era, em regra, privada. Dependia, porém, de
representação, quando a vítima ou seus pais não pudessem prover às despesas do
processo sem que isso causasse prejuízo à manutenção própria ou familiar, caso em
que se exigia a representação como condição de procedibilidade (antigo art. 225, §
1°, I e § 2°, CP). Finalmente, a ação era pública incondicionada nos casos de abuso
do poder familiar (antigo pátrio poder), ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador.
Porém, quando das alterações promovidas pela precitada Lei 12.015/2009, a
regra passou a ser a de que a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual seria
pública condicionada à representação. Excepcionalmente, a ação penal seria
pública incondicionada, quando a vítima fosse menor de 18 anos ou quando a
pessoa fosse vulnerável, conforme o então art. 225, parágrafo único, do CP. Porém, a
Lei 13.718/2018 alterou completamente o panorama. Doravante, a ação penal nos
crimes contra a dignidade sexual tratados nos Capítulos I e II, do Título VI, da Parte
Especial do CP, será pública incondicionada. Com esta alteração, não há mais a
exigência de manifestação de vontade da vítima, cabendo à autoridade policial, ciente
da prática de crime sexual, instaurar o inquérito policial de ofício, bem como ao
Ministério Público oferecer a denúncia.
Com a modificação da natureza da ação penal, perde completamente o sentido
anterior discussão doutrinária e jurisprudencial acerca do estupro qualificado pela
lesão corporal grave e pela morte, que, pelo regime anterior, também, a rigor,
dependeriam de representação da vítima. Em razão disso, o então Procurador-Geral
da República ajuizou uma ADI (de n.° 4301) contra o art. 225, CP, para reconhecer a
ofensa ao princípio da proporcionalidade, pela proteção insuficiente ao bem jurídico.
Ou seja, a ação penal pública condicionada no crime sexual de estupro qualificado
protegeria o bem jurídico de forma insuficiente e, em muitos casos, gerando até a
impunidade (risco de extinção da punibilidade pela decadência do direito de
representação). Com as alterações promovidas pela Lei 13.718/2018, a referida ADI
perdeu seu sentido.
Também não há mais sentido em sustentar-se a aplicabilidade da Súmula 608 do
STF, segundo a qual no estupro praticado com violência real, a ação penal é pública
incondicionada. Referida Súmula, diga-se de passagem, é anterior até mesmo à
CF/88, tendo sido editada quando a regra geral para os crimes sexuais (antigos crimes
contra os costumes) era a ação penal ser privada. Agora, sendo os crimes contra a
liberdade sexual e os crimes sexuais contra vulnerável de ação penal pública
incondicionada, está superada a discussão acerca da incidência da aludida Súmula
608.
8.3.8.Sigilo processual
O art. 234-B, CP prevê expressamente que deverá haver segredo de justiça em
todos os processos relativos aos crimes sexuais.
9.3.1.1.Considerações iniciais
Trata-se de crime que objetiva proteger a liberdade do trabalhador na escolha do
trabalho que pretender executar, bem como a de manter a normalidade nas relações
laborais. Temos, em verdade, duas situações (fatos típicos) distintas:
a) atentado contra a liberdade de contrato de trabalho; e
b) boicotagem violenta.
9.3.1.2.Conduta típica
Consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
celebrar contrato de trabalho. Aqui estamos diante do atentado contra a liberdade
de contrato de trabalho.
Ainda, estaremos diante da boicotagem violenta quando o agente constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a não fornecer a outrem ou não adquirir
de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola.
9.3.1.4.Consumação e tentativa
No caso da primeira figura (atentado contra a liberdade de contrato), estará
consumada a infração quando ocorrer a celebração do contrato (seja de forma
escrita ou oral).
Em se tratando de boicotagem violenta, haverá consumação no momento em que
a vítima deixar de fornecer ou adquirir o produto ou matéria-prima da pessoa
boicotada.
Cabível a tentativa nas duas figuras típicas.
9.3.2.1.Considerações iniciais
Trata-se de crime que objetiva proteger a liberdade do trabalhador em associar-
se ou sindicalizar-se (arts. 5°, XVII, e 8°, V, ambos da CF/1988).
9.3.2.2.Conduta típica
Consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação
profissional.
Assim, a vítima será compelida, mediante desforço físico ou grave ameaça, a
associar-se ou deixar de associar-se a determinada associação profissional, ou, ainda,
a participar, ou não, de determinado sindicato.
9.3.2.4.Consumação e tentativa
O crime em tela estará consumado no momento em que a vítima for impedida de
participar de associação profissional ou de sindicato, ou, ainda, quando ela aderir a
uma das duas entidades, filiando-se.
Cabível a tentativa.
9.3.3.1.Considerações iniciais
O crime que ora se analisa protege a liberdade de trabalho, que se vê violada em
caso de suspensão do trabalho (lockout) ou abandono coletivo (greve ou parede).
Importante frisar que o art. 9° da CF dispõe ser “assegurado o direito de greve,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os
interesses que devam por meio dele defender”.
Assim, a greve configura um exercício regular de direito. Contudo, a lei penal
não permite que o exercício desse direito se faça de forma violenta contra
pessoas ou coisas. Aqui haverá crime.
9.3.3.2.Conduta típica
Consiste em participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho,
praticando violência contra a pessoa ou contra coisa.
Aqui, temos duas situações distintas:
✓ participar de suspensão, praticando violência contra a pessoa ou contra
coisa: o sujeito ativo é o empregador, que é quem determina o lockout;
✓ participar de abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra a
pessoa ou contra coisa: o sujeito ativo é o trabalhador, que participa de movimento
grevista e, para tanto, pratica violência. Nesse caso, exige-se que pelo menos 3
empregados estejam reunidos. Estamos diante de um crime plurissubjetivo (parágrafo
único, art. 200).
Seja a greve legítima ou não, haverá crime (o legislador não diferenciou).
O legislador previu como único meio executório para o crime a prática de
violência contra pessoa ou coisa. Se o agente delitivo valer-se da grave ameaça, não
estaremos diante do crime em tela, mas sim do art. 147 do CP.
9.3.3.4.Consumação e tentativa
O crime em tela estará consumado no momento em que houver o emprego de
violência durante o lockout ou a greve. Cabível a tentativa.
9.3.4.1.Considerações iniciais
Trata-se de crime que não protege propriamente a organização do trabalho, mas
sim o interesse coletivo voltado às obras públicas ou serviços públicos.
Há quem considere ter sido o crime do art. 201 do CP revogado pela Lei
7.783/1989, conhecida como “Lei de Greve”, já que esta permite a greve mesmo de
trabalhadores que atuem na prestação de serviços essenciais. Além disso, a CF, em
seu art. 9°, não excepcionou o exercício do direito de greve nessas situações.
Todavia, para outra parte da doutrina, o crime permanece íntegro. Contudo,
somente restará configurado quando a obra ou serviço de interesse público sejam
essenciais para a preservação do interesse público.
9.3.4.2.Conduta típica
Consiste em participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho,
provocando a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.
Aqui, temos duas situações distintas:
✓ participar de suspensão (lockout), provocando, com isso, a interrupção de
obra pública ou serviço de interesse coletivo;
✓ participar de abandono coletivo de trabalho (greve), provocando,
igualmente, a interrupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.
9.3.4.4.Consumação e tentativa
O crime em tela estará consumado quando houver a efetiva interrupção da obra ou
serviço de interesse público. Cabível a tentativa.
9.3.5.1.Breves considerações
A doutrina mais abalizada entende que o art. 204 do CP não foi recepcionado
pela CF/1988, na medida em que esta não faz diferenciação/discriminação entre
brasileiros e estrangeiros para fim de preenchimento de postos de trabalho.
Todavia, à época em que o CP foi editado (1940), vigorava a CF/1937, que
previa regra que vedava a contratação de mais estrangeiros do que brasileiros nas
empresas nacionais, o que foi repetido pela EC 1/1969.
Porém, com a CF/1988, consagrou-se a liberdade do exercício profissional (art.
5°, XIII, CF). Assim, é inviável qualquer forma de discriminação, salvo quando a Lei
Maior admitir.
Muito embora a CLT, em seus arts. 352 a 370, traga regras no sentido de ser
garantido percentual de vagas para brasileiros, entende-se que não foram
recepcionados pela Ordem Constitucional vigente.
9.3.6.1.Considerações iniciais
Trata-se de crime cujo bem jurídico tutelado é o interesse do Estado em que
permaneça no Brasil mão de obra, que, se levada para fora, poderá trazer danos à
economia nacional.
9.3.6.2.Conduta típica
Consiste em recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los
para território estrangeiro. Trata-se, pois, de conduta do agente que visa a atrair
trabalhadores, com emprego de fraude (engodo/meios ardilosos), objetivando levá-
los para fora do país.
Questões interessantes que se colocam são as seguintes:
1a) quantos trabalhadores devem ser aliciados para que o crime reste
configurado? R.: para Mirabete são exigidos pelo menos 3 trabalhadores. Já para
Celso Delmanto, bastam 2 trabalhadores, tendo em vista que o tipo penal fala em
“trabalhadores”, no plural.
2a) qual o sentido da expressão “trabalhadores”? R.: entende José Henrique
Pierangelli que a expressão abrange não só os empregados, mas todos aqueles que
desenvolvem trabalhos lícitos. Assim, se houver aliciamento de trabalhadores
avulsos ou autônomos, estará configurado o crime.
9.3.6.4.Consumação e tentativa
O crime em tela estará consumado quando houver o recrutamento fraudulento dos
trabalhadores, ainda que, de fato, não saiam do território nacional. Estamos diante de
um crime formal (não se exige o resultado).
Cabível a tentativa.
10.1.Considerações gerais
O Capítulo III do Título X da Parte Especial do CP prevê os delitos de falsidade
documental como espécies dos crimes contra a fé pública.
São chamados de crimes de falso, divididos em 2 categorias:
a) Falso material;
b) Falso moral (ou falsidade ideológica).
Em qualquer caso, o que se tutela é a fé pública, ou seja, a crença das pessoas na
legitimidade dos documentos (públicos ou particulares).
10.2.1.1.Conduta típica
Consiste em falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar
documento público verdadeiro.
Aqui, o legislador tutela a crença das pessoas quanto à legitimidade dos
documentos públicos.
Duas são as condutas típicas possíveis:
a) falsificar, no todo ou em parte, documento público (contrafação);
b) alterar documento público verdadeiro (no todo ou em parte).
A primeira conduta típica pressupõe a formação total ou parcial de um documento
público (contrafação). Assim, ou o agente cria um documento por inteiro, ou acresce
dizeres, letras, símbolos ou números ao documento verdadeiro.
A segunda conduta típica pressupõe a existência prévia de um documento público
verdadeiro, emanado de funcionário público competente. Contudo, o agente altera,
modifica o conteúdo desse documento verdadeiro.
A título de exemplo:
i) (falsificar = contrafação): Gaio adquire uma máquina de xerox colorido de alta
definição e passa a falsificar (criar, reproduzir enganosamente) carteiras de
identidade (RG). Nesse caso, o RG é um documento público e a confecção deste
configura o crime de falsificação de documento público, na modalidade “falsificar”;
ii) (alterar = modificar): Gaio retira a fotografia de Tício de uma cédula de
identidade (RG) e insere a sua. Nesse caso, ele modificou um documento público
verdadeiro preexistente à sua conduta.
10.2.1.3.Consumação e tentativa
Para que se atinja a consumação do crime em estudo, basta a mera falsificação ou
alteração do documento público. Pouco importa se o documento falsificado ou
alterado vem a ser utilizado.
Trata-se, pois, de crime de perigo abstrato e formal.
É possível a tentativa, tal como se vê, por exemplo, no caso de o agente ser
surpreendido no momento em que começava a impressão de cédulas de identidade.
10.2.1.4.Materialidade delitiva
A comprovação do crime de falsificação de documento público, por deixar
vestígios, exige a realização de exame de corpo de delito (art. 158 do CPP). Chama-
se exame documentoscópico.
10.2.1.5.Tipo subjetivo
É o dolo.
10.2.2.1.Conduta típica
Consiste em falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar
documento particular verdadeiro.
Em que difere documento público do particular? R.: o documento particular é
aquele que não é público ou equiparado a público. Em síntese, diferem um do outro
pelo fato de o público emanar de funcionário público, enquanto que o particular, não.
São exemplos de documentos particulares: contrato de compra e venda por
instrumento particular, nota fiscal, recibo de prestação de serviços etc.
Por desnecessidade de repetição, ficam reiteradas as demais considerações feitas
no tocante ao crime anterior, com a diferença de o objeto material do presente delito
ser, como dito, documento particular.
Lembre-se de que a falsificação, se grosseira, desnatura o crime, que pressupõe
aptidão ilusória. Afinal, trata-se de crime contra a fé pública, que somente será posta
em xeque se o documento falsificado for apto a enganar terceiros.
10.2.2.2.Consumação e tentativa
Idem quanto à falsificação de documento público.
10.2.2.3.Materialidade delitiva
Idem quanto à falsificação de documento público.
10.2.2.4.Tipo subjetivo
É o dolo.
10.2.3.1.Conduta típica
Consiste em omitir, em documento público ou particular, declaração que dele
devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a
verdade sobre fato juridicamente relevante.
Na falsidade ideológica, como se vê acima, o documento (público ou particular)
é materialmente verdadeiro, mas seu conteúdo é falso. Daí ser chamado de falsidade
intelectual, falsidade moral ou ideal.
Quais são as condutas típicas?
a) Omitir declaração que devia constar: aqui, a conduta é omissiva. O agente deixa
de inserir informação que devia constar no documento;
b) Inserir declaração falsa ou diversa da que devia constar: aqui, a conduta é
comissiva;
c) Fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia constar: aqui, o agente
vale-se de 3a pessoa para incluir no documento informação falsa ou diversa da que
devia constar.
Em qualquer caso, a falsidade deve ser idônea, capaz de enganar.
10.2.3.2.Tipo subjetivo
O crime é doloso. Contudo, o legislador disse: “… com o fim de prejudicar
direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
Trata-se de elemento subjetivo do tipo (dolo específico). Assim, não bastará o dolo,
sendo indispensável a verificação do especial fim de agir do agente.
10.2.3.3.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime com a simples omissão ou inserção direta (inserir) ou
indireta (fazer inserir) da declaração falsa ou diversa da que devia constar, seja em
documento público, seja em particular.
É possível tentativa nas modalidades inserir ou fazer inserir, visto que, na
modalidade omitir, estaremos diante de crime omissivo próprio.
10.2.4.1.Conduta típica
Consiste em fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que
se referem os arts. 297 a 302. Aqui, o verbo-núcleo do tipo é “fazer uso”, que
significa usar, empregar, utilizar, aplicar.
Será objeto material do crime em análise qualquer dos papéis falsificados ou
alterados previstos nos arts. 297 a 302 do CP.
São exemplos de prática do crime em comento:
a) uso de CNH falsa (documento público – art. 297);
b) uso de um instrumento particular de compra e venda falso (documento particular –
art. 298);
c) uso de uma escritura pública que contenha uma declaração falsa (documento
público com falsidade ideológica – art. 299);
d) uso de um atestado médico falso (falsidade de atestado médico – art. 302).
O tipo penal previsto no art. 304 do CP é chamado de tipo remetido. Isso porque
o preceito primário da norma penal incriminadora será compreendido pela análise de
outros tipos penais (… fazer uso de qualquer dos papéis dos arts. 297 a 302 …).
O crime de uso de documento falso é comum, ou seja, qualquer pessoa pode
praticá-lo.
10.2.4.2.Tipo subjetivo
É o dolo.
10.2.4.3.Consumação e tentativa
Estará consumado no momento do efetivo uso. Há quem admita que o iter
criminis possa ser fracionado, pelo que seria possível a tentativa.
Ressalte-se que o crime é formal, ou seja, basta a realização da conduta típica,
independentemente da produção de um resultado naturalístico (prejuízo para o Estado
ou para terceiros).
11.1.Considerações iniciais
O Capítulo I do Título XI da Parte Especial do CP regula os crimes praticados
por funcionário público contra a administração em geral. Assim, será sujeito ativo de
qualquer dos crimes previstos nos arts. 312 a 326 do CP o funcionário público.
Importante anotar que a doutrina cuidou de classificá-los em dois grupos:
a) crimes funcionais próprios (ou puros, ou propriamente ditos) – são aqueles em
que, eliminada a condição de funcionário público do agente delitivo, inexistirá crime
(atipicidade penal absoluta). É o que se verifica, por exemplo, com o crime de
prevaricação (art. 319 do CP);
b) crimes funcionais impróprios (ou impuros, ou impropriamente ditos) – são aqueles
que, eliminada a condição de funcionário público do agente delitivo, este responderá
por outro crime (atipicidade penal relativa). É o que ocorre, por exemplo, com o
crime de peculato (art. 312 do CP). Se o agente não for funcionário público e se
apropriar de coisa alheia móvel particular que estiver em sua posse, responderá por
apropriação indébita (art. 168 do CP) e, não, peculato (art. 312 do CP).
11.3.1.1.Conduta típica
Consiste em apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer
outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou
desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.
11.4.2.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente de apropriar-se de
dinheiro ou qualquer outra utilidade recebida da vítima, por erro desta.
11.4.3.Objeto jurídico
O bem jurídico tutelado pelo crime em comento é a moralidade da Administração
Pública e, indiretamente, o patrimônio público ou particular.
11.4.4.Sujeitos do crime
Por evidente, o sujeito ativo do crime é o funcionário público, tratando-se, pois,
de crime próprio.
Já o sujeito passivo pode ser o próprio Estado ou a pessoa diretamente lesada
pela conduta praticada pelo agente.
11.4.5.Consumação e tentativa
Considerando a conduta nuclear (apropriar-se), o momento consumativo
corresponde àquele em que o agente passar a comportar-se como se dono fosse do
dinheiro ou utilidade recebida da vítima (animus rem sibi habendi), à semelhança da
apropriação indébita.
É admissível a tentativa, visto tratar-se de crime plurissubsistente.
11.5.2.Sujeitos do crime
O sujeito ativo deve ser o funcionário público autorizado a manejar os sistemas
informatizados ou bancos de dados da Administração Pública. Estamos, aqui, diante
de crime próprio.
Por evidente, o sujeito passivo do crime é o Estado, bem assim as pessoas
diretamente lesadas com a inserção de dados falsos ou a indevida alteração ou
exclusão de dados verdadeiros.
11.5.3.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em realizar uma das
ações nucleares (verbos do tipo). Porém, além do dolo, exige-se uma finalidade
específica por parte do sujeito ativo, qual seja, a de obter, para si ou para outrem,
vantagem indevida, ou causar dano.
Considerando-se a necessidade de um especial fim de agir do agente, deverá
restar demonstrado o elemento subjetivo do tipo (ou elemento subjetivo do injusto),
sob pena de atipicidade da conduta.
11.5.4.Consumação e tentativa
Tratando-se de crime formal, bastará que o agente pratique a conduta típica, a
despeito de não se verificar a obtenção de vantagem indevida ou causação de dano a
terceiro.
Entende-se ser admissível a tentativa.
11.6.2.Objeto jurídico
O crime em análise tem por objetividade jurídica a proteção e a segurança dos
sistemas de informações e programas de informática da Administração Pública.
11.6.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público, assim considerada a definição prevista no
art. 327, caput e § 1°, do CP. Diferentemente do crime anterior (art. 313-A), não se
exige que o agente seja o funcionário autorizado a operar o sistema informatizado e o
banco de dados. Logo, poderá cometer o crime em testilha qualquer funcionário
público, autorizado ou não a ter acesso aos softwares da Administração. Trata-se, é
bom que se diga, de crime próprio.
O sujeito passivo direto ou imediato é a Administração Pública, podendo,
mediatamente, o particular ser vítima, desde que a modificação ou alteração do
sistema ou programa de informática lhe acarrete algum prejuízo.
11.6.4.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em modificar ou alterar
o sistema de informações ou o programa de informática, desde que não tenha
autorização para tanto.
Diferentemente do crime anterior (art. 313-A), que exige um especial fim de agir
(finalidade de obtenção de vantagem indevida ou causação de dano), aqui bastará o
dolo, inexistindo, pois, elemento subjetivo do tipo.
11.6.5.Consumação e tentativa
Atinge-se a consumação do crime em comento quando o agente logra êxito em
modificar ou alterar o sistema de informações ou programa de informática. Cabível a
tentativa se, iniciada a alteração ou modificação, o agente não atingir seu intento por
circunstâncias alheias à sua vontade.
11.7.2.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em extraviar, sonegar ou
inutilizar livro ou documento que esteja sob sua guarda em razão do cargo.
A falta de zelo do agente com livros oficiais ou documentos sob a guarda da
Administração Pública poderá caracterizar infração funcional, mas, não, crime.
Afinal, inadmissível a forma culposa.
11.7.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público responsável pela guarda do livro oficial
ou documento.
O sujeito passivo direto ou imediato é o Estado e, indiretamente, o particular cujo
documento estivesse sob a guarda da Administração Pública.
11.7.4.Consumação e tentativa
Nas modalidades “extraviar” e “inutilizar”, o crime, considerado permanente,
consuma-se com o efetivo extravio ou inutilização do livro oficial ou documento.
Tratam-se de formas comissivas.
Já na modalidade “sonegar”, considerada omissiva, visto que o agente deixa de
apresentar o livro oficial ou documento quando lhe for requisitado ou solicitado, o
crime se consuma quando o agente, intencionalmente, deixa de fazer a entrega ou
exibição do objeto material.
Admissível a tentativa apenas nas formas comissivas (lembre-se que os crimes
omissivos próprios ou puros não admitem tentativa!).
11.8.2.Tipo subjetivo
Aqui, é suficiente o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente
(funcionário público) de dar destino diverso do prescrito em lei às verbas ou rendas
públicas.
11.8.3.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime no momento em que as verbas ou rendas públicas receberem
destinação diversa daquela estabelecida em lei. Admissível, em tese, a tentativa, caso
o agente não consiga empregá-las de forma diversa da determinada em lei.
11.9.2.Tipo subjetivo
É o dolo.
11.9.3.Consumação e tentativa
O crime de concussão estará consumado no momento em que a exigência é feita.
É certo que a vítima deverá tomar conhecimento da exigência, seja por escrito,
oralmente ou qualquer meio de comunicação. Se por escrito, caberá tentativa, caso ela
não chegue ao destinatário por circunstâncias alheias à vontade do agente (se
unissubsistente, será impossível o conatus).
Com isso, não é necessário que a vantagem exigida seja efetivamente recebida
pelo funcionário público. Porém, se ocorrer, ter-se-á exaurido a concussão.
Trata-se, portanto, de crime formal ou de consumação antecipada
11.10.2.Tipo subjetivo
Em qualquer caso, exige-se o dolo (direto ou eventual), decorrente da expressão
“que sabe ou deveria saber indevido …”.
11.10.3.Consumação e tentativa
Idem à concussão.
11.11.2.Tipo subjetivo
É o dolo.
11.11.3.Consumação e tentativa
O crime em estudo é formal, consumando-se quando a solicitação chega ao
conhecimento de terceira pessoa ou quando há o recebimento ou a aceitação de
promessa de uma vantagem indevida.
Destarte, não se exige que o agente, de fato, pratique, deixe de praticar ou retarde
a prática de ato de ofício, sendo bastante, por exemplo, a mera solicitação da
vantagem, já restando consumado o ilícito.
11.12.2.Objeto jurídico
Tutela-se a Administração Pública, seja para reprimir o contrabando ou o
descaminho.
11.12.3.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em facilitar, de forma
positiva ou negativa, o contrabando ou descaminho.
11.12.5.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público incumbido de reprimir a prática do
contrabando ou descaminho. É o caso, por exemplo, de funcionários da alfândega e da
Polícia Federal em zonas de fronteira e aeroportos.
O sujeito passivo é o Estado.
11.12.6.Consumação e tentativa
O crime restará consumado quando o agente, efetivamente, facilitar, com infração
a seu dever funcional, o contrabando ou descaminho.
Trata-se de crime formal, vale dizer, pouco importa para a consumação se o
contrabando ou descaminho se efetivaram de fato.
Admissível a tentativa apenas se a facilitação se der por forma comissiva.
11.13.2.Tipo subjetivo
O tipo exige, além do dolo, o elemento subjetivo do tipo (ou do injusto), qual
seja, “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Em qualquer das ações
nucleares, o agente atua não para auferir uma vantagem indevida, mas por razões
íntimas. É a chamada autocorrupção.
11.13.3.Consumação e tentativa
O crime se consuma no momento em que o funcionário público retardar, deixar de
praticar ou praticar o ato de ofício contra disposição expressa da lei. Pouco importa
se o agente alcança o que pretende, vale dizer, a satisfação de seu interesse ou
sentimento pessoal.
Admissível a tentativa na forma comissiva (ação) do crime, correspondente à
conduta de praticar ato de ofício contra disposição expressa da lei. Nas demais
modalidades (retardar e deixar de praticar), que se traduzem em omissão, impossível
o conatus.
11.14.2.Tipo subjetivo
É o dolo, inexistindo qualquer especial fim de agir por parte do agente. Porém,
caso o agente deixe de vedar ao preso o acesso a aparelho de comunicação,
recebendo, para tanto, vantagem indevida, responderá, por especialidade, pelo crime
de corrupção passiva.
11.14.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o Diretor do estabelecimento penal ou qualquer outro agente que
tenha o dever de impedir o acesso dos detentos a aparelhos de comunicação.
O sujeito passivo é o Estado.
11.14.4.Consumação e tentativa
Trata-se de crime omissivo próprio ou puro, consumando-se quando o agente,
tendo o dever de impedir o acesso, pelo preso, a aparelhos de comunicação, rádio ou
similar, não o faz.
Por se tratar de crime omisso próprio, inadmissível a tentativa.
Caso o agente (sujeito ativo) introduza o aparelho no sistema carcerário,
responderá pelo crime do art. 349-A do CP.
11.15.Condescendência criminosa (art. 320 do CP)
11.15.1.Conduta típica
O crime em questão restará caracterizado de duas formas:
a) se o funcionário, por indulgência, deixar de responsabilizar subordinado que
tenha cometido infração no exercício do cargo; ou
b) se o superior hierárquico, não tendo competência para punir o subordinado faltoso,
deixar de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.
Perceba que o sujeito ativo deverá deixar de responsabilizar o subordinado, ou
de levar o fato ao conhecimento da autoridade competente, por indulgência, vale
dizer, por clemência ou tolerância indevida. Em suma, o superior hierárquico será
condescendente com a infração cometida pelo subordinado. Daí o nomem juris do
crime em estudo.
11.15.2.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em deixar de
responsabilizar o subordinado pela infração cometida no exercício do cargo, ou,
faltando-lhe competência para tanto, deixar de comunicar o fato à autoridade
competente.
Inadmissível a forma culposa.
Se a indulgência do superior hierárquico tiver algum motivo específico, como,
por exemplo, a intensa amizade com o subordinado, poderá caracterizar-se o crime de
prevaricação (art. 319 do CP), ou se o fizer em razão do recebimento de vantagem
indevida, caracterizar-se-á corrupção passiva.
11.15.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público hierarquicamente superior àquele que
haja praticado a infração no exercício do cargo.
O sujeito passivo, por evidente, é o Estado.
11.15.5.Consumação e tentativa
Tratando-se de crime omissivo próprio ou puro, o crime atingirá seu momento
consumativo quando o superior hierárquico, depois de tomar conhecimento da
infração cometida pelo subordinado, deixar de responsabilizá-lo ou de comunicar a
autoridade competente para fazê-lo. Sustenta-se que a comunicação deve ser feita
imediatamente.
Por estarmos diante de crime omissivo, inadmissível a tentativa.
11.16.2.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente de patrocinar, direta ou
indiretamente, interesse privado perante a Administração Pública, desde que se valha
da condição de funcionário.
Não se exige qualquer finalidade específica (elemento subjetivo do tipo). Em
outras palavras, a defesa de interesses privados pelo sujeito ativo não objetiva
qualquer vantagem pessoal ou econômica.
11.16.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público, tratando-se de crime próprio.
Admissível, diga-se de passagem, o concurso de particular, nos termos do art. 30 do
CP, desde que tenha ciência da qualidade de funcionário do agente.
Poder-se-ia imaginar que o sujeito ativo deva ser um “advogado”, tendo em vista
o nomem juris do crime (advocacia administrativa). Porém, como já se viu, o verbo
“patrocinar” traduz o sentido de auxiliar, advogar ou defender algo.
O sujeito passivo é o Estado.
11.16.4.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime em questão quando o agente praticar, efetivamente, qualquer
ato que configure o patrocínio de interesse privado perante a Administração,
independentemente da obtenção daquilo que for postulado. Trata-se, portanto, de
crime formal.
Admite-se a tentativa.
11.17.2.Conduta típica
O delito em comento restará caracterizado se um funcionário público, no
exercício da função ou a pretexto de exercê-la, praticar violência.
Destarte, como o próprio nomen juris sugere, o crime pressupõe uma violência
arbitrária, vale dizer, desarrazoada, demonstradora de truculência do agente público.
11.17.3.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em praticar violência
arbitrariamente, seja no exercício da função, seja a pretexto de exercê-la.
11.17.4.Sujeitos do crime
O sujeito ativo, por evidente, é o funcionário público, seja o típico (art. 327,
caput, do CP), seja o atípico ou por equiparação (art. 327, § 1°, do CP).
O sujeito passivo é o Estado e, mediatamente, o particular prejudicado com a
conduta do agente.
11.17.5.Consumação e tentativa
A consumação ocorrerá quando o agente, efetivamente, empregar a violência. No
preceito secundário do tipo penal há expressa menção de que a pena, de 6 (seis)
meses a 3 (três) anos de detenção, será aplicada sem prejuízo daquela correspondente
à violência.
Destarte, se da conduta do agente a vítima suportar lesões corporais ou mesmo
morrer, haverá a soma das penas, até pelo fato de os bens jurídicos tutelados serem
absolutamente distintos.
A tentativa é admissível.
11.18.Abandono de função (art. 323 do CP)
11.18.1.Conduta típica
O crime restará configurado se o agente abandonar cargo público, fora dos casos
permitidos em lei.
O abandono pressupõe que se deixe o cargo por prazo juridicamente relevante,
vale dizer, capaz de causar algum prejuízo à Administração Pública. Afinal, tutela-se
o regular andamento da máquina administrativa.
Ainda, cabe ressaltar que o abandono deve ser de cargo público, muito embora o
nomem juris do delito revele o abandono de função. Não se pode fazer interpretação
ampliativa do tipo penal para alcançar o abandono de empregos públicos ou funções
públicas. Afinal, o tipo penal é expresso ao prescrever o abandono de cargo!
11.18.2.Tipo subjetivo
É o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente do agente em abandonar o cargo
que ocupa na Administração, gerando, com isso, possibilidade de prejuízo à própria
Administração e aos administrados.
Inadmissível a forma culposa por ausência de previsão legal.
11.18.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público detentor de cargo público, não se
podendo aplicar o art. 327 do CP, em sua inteireza.
O sujeito passivo é a Administração Pública.
11.18.4.Consumação e tentativa
O crime atingirá seu momento consumativo após o agente deixar seu cargo “ao
léu”, vale dizer, quando for verificada a ausência injustificada de seu posto na
Administração Pública, desde que por tempo juridicamente relevante (assim
considerado aquele suficiente a causar uma probabilidade concreta de dano).
Importante mencionar que não se exige a causação de dano à Administração,
bastando que o abandono seja apto a provocá-lo. No entanto, caso ocorra efetivo
prejuízo, estaremos diante do tipo penal qualificado (art. 323, § 1°, do CP). Ainda,
se o abandono ocorrer em faixa de fronteira (até 150 quilômetros de largura ao
longo das fronteiras terrestres), igualmente restará caracterizada a forma qualificada
(art. 323, § 2°, do CP).
Inadmissível a tentativa, uma vez que o abandono é conduta omissiva. Ou seja, o
agente deixa de fazer algo (in casu, de se manter no cargo e prestar o serviço que lhe
é incumbido).
11.19.2.Tipo subjetivo
É o dolo, vale dizer, a vontade livre e consciente do agente de ingressar no
exercício funcional antes de satisfeitas as exigências legais, ou, após ter sido
comunicado de sua exoneração, remoção, substituição ou suspensão, continuar a
exercer suas anteriores funções, sem autorização para tanto.
Inadmissível a forma culposa por ausência de previsão legal.
11.19.3.Sujeitos do crime
É o funcionário público o sujeito ativo do crime em testilha, desde que se
antecipe no exercício das funções ou a prolongue indevidamente. Se se tratar de
particular que pratique atos típicos de funcionários públicos, o crime será o de
usurpação de função pública (art. 328 do CP).
O sujeito passivo é o Estado.
11.19.4.Consumação e tentativa
Consuma-se o crime quando o agente pratica qualquer ato inerente à função que
não poderia desempenhar, seja por falta dos requisitos legais para iniciá-la (exercício
funcional ilegalmente antecipado), seja por prosseguir no exercício dela sem
autorização (exercício funcional ilegalmente prolongado).
A tentativa é, em tese, admissível.
11.20.2.Tipo subjetivo
O crime é doloso, ou seja, deverá o agente agir de forma livre e consciente no
sentido de revelar ou facilitar a revelação de fato que tenha ciência em razão do
cargo, mas que esteja abarcado pelo segredo.
11.20.3.Sujeitos do crime
O sujeito ativo é o funcionário público que tenha conhecimento do fato que deve
ser mantido em segredo, desde que a ciência se dê em razão do cargo.
O sujeito passivo é o Estado e, mediatamente, o particular prejudicado com a
eventual revelação do fato.
11.20.4.Consumação e tentativa
O crime atingirá a consumação quando o fato chegar ao conhecimento de terceiro
não autorizado a dele ter ciência. Não se faz necessária a ocorrência de prejuízo à
Administração Pública ou a particular diretamente relacionado com o fato, tratando-
se, aqui, de crime formal.
Entende-se ser admissível a tentativa apenas se a revelação do fato ou a
facilitação de sua revelação ocorrer pela via escrita.
1.1.Questões constitucionais
Conforme enuncia o art. 5°, XLIII, da CF, “a lei considerará crimes inafiançáveis
e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins (Lei 11.343/2006), o terrorismo (Lei 13.260/2016) e os
definidos como crimes hediondos (Lei 8.072/1990), por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
Trata-se de verdadeiro mandado de criminalização, visto que o legislador
constituinte determinou a edição de uma lei penal, qual seja, a Lei dos Crimes
Hediondos, até então inexistente.
Conforme se extrai do texto constitucional, aos crimes hediondos incidem as
seguintes vedações:
a) Fiança;
b) Anistia; e
c) Graça.
2.1.Aspectos constitucionais
O art. 5°, XLIII, da CF, ao fazer menção à tortura, crime que sequer era tipificado
em lei, materializou-se em verdadeiro mandado da criminalização, visto que, repita-
se, não havia regulamentação no Brasil, em 1988, de aludido crime.
Em suma, a CF diz que a lei considerará inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
de anistia a prática de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e os crimes hediondos.
O crime de tortura é considerado equiparado ou assemelhado a hediondo.
2.2.Previsão legal
A tipificação penal da tortura foi criada no Brasil com a edição da Lei
9.455/1997. No entanto, já tínhamos a previsão da tortura como crime no art. 233,
ECA, que cuidava apenas da prática de referida conduta contra crianças e
adolescentes. Contudo, referido dispositivo foi revogado expressamente pela
precitada Lei 9.455/1997, que passou a regulamentar por completo o tema.
2.3.Espécies de tortura
Vêm previstas no art. 1° da Lei 9.455/1997, a saber:
a) Tortura-prova: também chamada de persecutória;
b) Tortura-crime;
c) Tortura-racismo: também chamada de discriminatória;
d) Tortura-maus-tratos: também chamada de tortura corrigendi;
e) Tortura do preso ou de pessoa sujeita a medida de segurança;
f) Tortura imprópria;
g) Tortura qualificada;
h) Tortura majorada.
2.3.1.Regra
De forma geral, todas as espécies de tortura irão gravitar em torno de duas ideias:
sofrimento físico ou mental.
A tortura pressupõe o núcleo do tipo constranger, o que será feito com o
emprego de violência ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental.
2.3.1.1.Tortura – prova
Também chamada de persecutória, vem prevista no art. 1°, I, “a”, da Lei
9.455/1997. Neste caso, o torturador constrangerá a vítima, com emprego de
violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, para o fim de
que ela lhe preste informação, declaração ou confissão.
O sujeito ativo será qualquer pessoa, tratando-se de crime comum.
Dá-se a consumação com o sofrimento físico ou mental suportado pela vítima.
A tentativa é possível teoricamente, por ser a tortura um crime plurissubsistente,
vale dizer, praticado mediante vários atos.
2.3.1.2.Tortura – crime
Vem prevista no art. 1°, I, “b”, da Lei 9.455/1997. Neste caso, o torturador
constrangerá a vítima, com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
sofrimento físico ou mental, para que ela pratique ação ou omissão de natureza
criminosa.
Vê-se, à evidência, que o crime praticado pela vítima somente o foi por coação
moral irresistível. Neste caso, a vítima torturada ficará isenta de pena pelo crime
praticado, respondendo o torturador (autor mediato) pelo crime por ela cometido (art.
22, CP). Assim, o agente (torturador) responderá pela tortura-crime, além do crime
cometido pela vítima, em concurso material (art. 69, CP).
O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, tratando-se, pois, de crime comum.
Alcança-se a consumação com o sofrimento físico ou mental suportado pela
vítima.
2.3.1.3.Tortura – racismo
Também chamada de tortura discriminatória, vem prevista no art. 1°, I, “c”, da
Lei 9.455/1997. Aqui, o torturador constrangerá a vítima, com emprego de violência
ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, em razão de
discriminação racial ou religiosa.
Assim, duas são as hipóteses de discriminação tratadas no tipo penal: racial ou
religiosa. Não se confunde essa espécie de tortura com os crimes de racismo
previstos na Lei 7.716/1989. Confira-se:
Racismo – Lei 7.716/1989 Tortura racismo – Lei 9.455/1997
Praticado em razão de raça, cor, etnia, religião ou Praticada somente em razão de raça ou religião.
procedência nacional.
A vítima é privada de alguns direitos básicos em A vítima é constrangida pelo torturador, sofrendo
razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência física ou mentalmente, em razão de discriminação
nacional. racial ou religiosa.
2.3.1.6.Tortura imprópria
Vem prevista no art. 1°, § 2°, da Lei 9.455/1997. Consiste no ato daquele que se
omite em face destas condutas (todas as espécies de tortura descritas), desde que
tenha o dever de evitá-las ou de apurá-las.
O agente, tecnicamente, não praticou uma conduta típica de tortura, apenas se
omitiu diante de seu dever de apurar ou de evitar referido crime, tendo este sido
praticada por outrem.
Diversamente das demais espécies de tortura, a ora estudada é punida com
detenção de um a quatro anos, motivo pelo qual sequer o regime inicial fechado será
imposto ao agente. Por essa razão, entende-se, também, que o crime em questão não é
equiparado a hediondo.
O sujeito ativo é aquele que tiver o dever de evitar ou o dever de apurar a
tortura. Assim, será, em regra, o funcionário público.
Como estamos diante de um crime omissivo, não se admite tentativa.
2.3.1.7.Tortura qualificada
Vem prevista no art. 1°, § 3°, da Lei 9.455/1997.
A tortura será qualificada:
a) pela lesão corporal grave/gravíssima (art. 129, § 1° e § 2°, CP); ou
b) pela morte.
Em ambas as situações, estaremos diante de um crime preterdoloso (dolo na
prática da tortura e culpa quanto ao resultado agravador – lesão corporal grave,
gravíssima ou morte).
Não se confunde a tortura qualificada pela morte com o homicídio qualificado
pela tortura, sendo esta um meio de execução utilizado para matar a vítima. Vejamos:
Homicídio qualificado pela tortura Tortura qualificada pela morte
Pena de 12 a 30 anos Pena de 8 a 16 anos.
Dolo de matar, ou seja, ânimo homicida. Dolo de torturar, ou seja, causar sofrimento físico ou
mental.
Resultado morte decorre de dolo. Resultado morte decorre de culpa.
Tortura é um meio de execução. A tortura é um fim em si mesma.
Se o agente tortura e mata com dolo, ele responderá
____________
pelos dois crimes.
Julgado pelo Tribunal do Júri. Julgado pela Justiça Comum.
2.3.1.8.Tortura majorada
Vem prevista no art. 1°, § 4°, da Lei 9.455/1997. Trata-se de causa obrigatória de
aumento de pena (1/6 a 1/3), incidente nas seguintes situações:
a) Se o torturador for agente público;
b) Se a vítima for criança, adolescente, idoso, gestante ou deficiente físico/mental;
c) Se a tortura for praticada mediante sequestro. O sequestro não será crime
autônomo, ele será enquadrado como majorante da pena.
2.3.2.Efeitos da condenação
Conforme reza o art. 1°, § 5°, da Lei 9.455/1997, a condenação pelo crime de
tortura imporá ao agente a perda do cargo, função ou emprego público, bem como a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Trata-se, é bom que se diga, de efeito obrigatório da condenação, que se
subdivide em:
a) Direto: perda do cargo, emprego ou função;
b) Indireto: interdição de direitos, ou seja, a impossibilidade de ocupação de cargo,
emprego, função, pelo dobro do prazo da pena aplicada.
Este efeito é automático, também chamado pela doutrina de não específico, não
exigindo, pois, fundamentação específica em sentença.
3.1.Previsão legal
Os crimes envolvendo drogas vêm previstos na Lei 11.343/2006, que revogou
expressamente a antiga “Lei de Tóxicos” (Lei 6.368/1976).
3.2.Questão terminológica
Embora a expressão possa parecer “chula”, o adequado é que se fale em droga, e
não mais substâncias entorpecentes, tal como previsto na legislação revogada.
3.2.1.Conceito de drogas
Droga é toda substância capaz de causar dependência, assim reconhecida em
lei ou listas atualizadas pelo Executivo Federal (art. 1°, parágrafo único, Lei
11.343/2006).
Hoje, para buscarmos quais são as substâncias consideradas “drogas”, devemos
analisar o quanto se contém na Portaria 344/1998 da SVS/MS (Superintendência de
Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde). Esta portaria traz uma lista de
substâncias entorpecentes, o que equivale às drogas. Trata-se de um ato infralegal,
motivo pelo qual, toda vez que a lei mencionar a expressão “drogas”, estaremos
diante de uma norma penal em branco em sentido estrito ou heterogêneo, visto que
o ato complementar (portaria) é de hierarquia diversa da norma complementada (lei
ordinária federal).
3.3.1.1.Condutas típicas
São as seguintes:
a) adquirir;
b) guardar;
c) ter em depósito;
d) transportar; ou
e) trazer consigo.
Estamos diante de um tipo misto alternativo ou, ainda, um crime de ação
múltipla.
3.3.1.4.Tipo subjetivo
É o dolo, sem prejuízo do especial fim de agir do agente (“dolo específico”),
qual seja, praticar uma das condutas típicas “para consumo pessoal”.
3.3.1.7.Reincidência no art. 28
Em caso de o réu ser reincidente específico (condenações pelo crime de porte de
drogas para consumo pessoal), as penas restritivas de direitos poderão ser impostas
pelo prazo de até 10 meses (art. 28, § 4°).
3.3.1.8.Prisão em flagrante
Não se imporá a prisão em flagrante do usuário para o crime do art. 28, consoante
determina o art. 48, § 2°, da Lei 11.343/2006. A Lei de Drogas veda a chamada
prisão-lavratura, que é a materialização de uma prisão em flagrante no respectivo
auto. No entanto, a denominada prisão-captura é perfeitamente cabível, a fim de que o
agente delitivo seja conduzido coercitivamente à Delegacia de Polícia, fazendo, com
isso, cessar a atividade criminosa.
Aplicar-se-á ao art. 28 da Lei de Drogas o disposto na Lei 9.099/1995 (Lei dos
Juizados Especiais Criminais), motivo pelo qual o crime em questão é considerado de
menor potencial ofensivo.
3.3.2.1.Condutas típicas
O art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, consubstancia-se em tipo misto alternativo
ou crime de ação múltipla, visto que formado por 18 (dezoito) verbos, a saber:
importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à
venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer.
Para concursos da área federal, importante anotar o teor da Súmula 528 do STJ,
editada em 2015: “Compete ao juiz federal do local da apreensão da droga remetida
do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico internacional”.
“A 2a Turma, em julgamento conjunto de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, reafirmou
orientação no sentido de que a quantidade de substância ilegal entorpecente apreendida deve ser sopesada na
primeira fase de individualização da pena, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006, sendo impróprio invocá-la
por ocasião da escolha do fator de redução previsto no § 4° do art. 33 da mesma lei, sob pena de bis in idem.
Com base nesse entendimento, determinou-se a devolução dos autos para que as instâncias de origem
procedam a nova individualização da pena, atentando-se para a adequada motivação do fator reducional
oriundo da causa especial de diminuição”. HC 108513/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.08.2011. (HC-108513)
RHC 107857/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 23.8.2011. (RHC-107857) (Inform. STF 637)
3.3.2.3.Tipo subjetivo
É o dolo. Contudo, é necessário que a intenção do traficante seja a de “entregar”
a droga a consumo de terceiros, diversamente do que ocorre com o art. 28 da Lei
11.343/2006, em que a intenção do agente é a de consumir a droga.
3.3.2.4.Consumação e tentativa
Pelo fato de o art. 33 trazer dezoito verbos no tipo, alguns deles são considerados
crimes instantâneos, consumando-se com a só prática da conduta (ex.: importar,
exportar, adquirir…). Já outras modalidades de tráfico são consideradas
permanentes, motivo pelo qual a consumação se protrairá no tempo (ex.: expor à
venda, ter em depósito, trazer consigo, guardar…).
Em tese, é admissível a tentativa, embora esta seja difícil, visto que, pelo fato de
o crime ser de ação múltipla, provavelmente a infração já estará consumada.
O projeto de súmula foi encaminhado pela Min. Laurita Vaz e a redação oficial
do dispositivo ficou com o seguinte teor: “É cabível a aplicação retroativa da Lei
11.343, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja
mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368, sendo vedada a
combinação de leis”. (http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?
tmp.area=398&tmp.texto=111943 – acesso em 06.11.2013).
Destarte, com a edição da Súmula 501 do STJ, consolidou-se o entendimento
segundo o qual é inadmissível a combinação de leis penais no tempo: “É cabível a
aplicação retroativa da Lei 11.343, desde que o resultado da incidência das suas
disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação
da Lei 6.368, sendo vedada a combinação de leis”.
Nada obstante, pela relevância do tema, vale a pena a transcrição dos excertos
abaixo, extraídos de Informativo do STF. Para quem se prepara para concursos
públicos, nada melhor do que conhecer a posição da mais alta Corte (STF), muito
embora, repita-se uma vez mais, o STJ tenha editado a precitada Súmula 501.
Tráfico de drogas e combinação de leis – 1
“O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a aplicabilidade, ou não, da causa
de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4°, da Lei 11.343/2006 sobre condenações fixadas com base no
art. 12, caput, da Lei 6.368/1976, diploma normativo este vigente à época da prática do delito. Na espécie, o
Ministério Público Federal alega afronta ao art. 5°, XL, da CF (“ a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu;”) ao argumento de que a combinação de regras mais benignas de dois sistemas legislativos
diversos formaria uma terceira lei. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, proveu o recurso para determinar
que o juízo da Vara de Execuções Penais aplique, em sua integralidade, a legislação mais benéfica ao
recorrido, no que foi acompanhado pelos Mins. Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa. Inicialmente, ressaltou que
a doutrina sempre esteve dividida quanto ao tema. Em sequência, entendeu não ser possível a conjugação de
partes mais benéficas de diferentes normas para se criar uma terceira lei, sob penal de ofensa aos princípios
da legalidade e da separação de poderes”. RE 596152/SP, rel. M in. Ricardo Lewandowski, 02.12.2010.
(RE-596152)
“O Min. Cezar Peluso, Presidente, frisou o teor do voto proferido pela 2a Turma no julgamento do HC
95435/RS (DJe de 07.11.2008), no sentido de entender que aplicar a causa de diminuição não significaria
baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não criaria lei nova, apenas se
movimentaria dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Além disso,
consignou que se deveria cumprir a finalidade e a ratio do princípio, para que fosse dada correta resposta ao
tema, não havendo como se repudiar a aplicação da causa de diminuição também a situações anteriores.
Realçou, ainda, que a vedação de convergência de dispositivos de leis diversas seria apenas produto de
interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional. O Min. Celso de Mello,
a seu turno, enfatizou que o citado pronunciamento fora ratificado em momento subsequente, no julgamento de
outro habeas corpus. Acresceu que não se cuidaria, na espécie, da denominada “criação indireta da lei”. Ato
contínuo, assinalou que, mesmo se fosse criação indireta, seria preciso observar que esse tema haveria de ser
necessariamente examinado à luz do princípio constitucional da aplicabilidade da lei penal mais benéfica”. RE
596152/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Ayres Britto, 13.10.2011. (RE-
596152)
“A 1a Turma julgou prejudicado habeas corpus em que condenado à reprimenda de 1 ano e 8 meses de
reclusão em regime fechado e 166 dias-multa, pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei
11.343/2006, art. 33), pleiteava a suspensão condicional da pena nos termos em que concedida pelo Tribunal
de Justiça estadual. Em seguida, deferiu, de ofício, a ordem para reconhecer a possibilidade de o juiz
competente substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que preenchidos os
requisitos objetivos e subjetivos previstos na lei. A impetração questionava acórdão que, em 09.03.2010, ao dar
provimento a recurso especial do parquet, não admitira o sursis, em virtude de expressa vedação legal.
Consignou-se que, ao julgar o HC 97256/RS (DJe de 16.12.2010), o Supremo concluíra, em 01.09.2010, pela
inconstitucionalidade dos arts. 33, § 4°; e 44, caput, da Lei 11.343/2006, ambos na parte em que vedavam a
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo delito em apreço.
Asseverou-se, portanto, estar superado este impedimento. Salientou-se que a convolação da reprimenda por
restritiva de direitos seria mais favorável ao paciente. Ademais, observou-se que o art. 77, III, do CP
estabelece a aplicabilidade de suspensão condicional da pena quando não indicada ou cabível a sua substituição
por restritiva de direitos (CP, art. 44)”. HC 104361/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 03.05.2011. (HC-104361)
(Inform. STF 625).
“A 1a Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pleiteia a suspensão condicional da pena a
condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33). O Min. Marco
Aurélio, relator, denegou a ordem. Reputou não se poder cogitar do benefício devido à vedação expressa
contida no art. 44 do referido diploma (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37 desta Lei
são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a
conversão de suas penas em restritivas de direitos”), que estaria em harmonia com a Lei 8.072/1990 e com
a Constituição, em seu art. 5°, XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,
podendo evitá-los, se omitirem”). Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli”. HC 101919/MG, rel. Min. Marco
Aurélio, 26.04.2011. (HC-101919) (Inform. STF 624)
“Em conclusão de julgamento, a 1a Turma denegou, por maioria, habeas corpus em que se pleiteava a
suspensão condicional da pena a condenado pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes (Lei
11.343/2006, art. 33) – v. Informativo 624. Reputou-se não se poder cogitar do benefício devido à vedação
expressa contida no art. 44 do referido diploma (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37
desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,
vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos ”), que estaria em harmonia com a Lei
8.072/1990 e com a Constituição, em seu art. 5°, XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem”). Vencido o Min. Dias Toffoli, que deferia a ordem ao aplicar o
mesmo entendimento fixado pelo Plenário, que declarara incidentalmente a inconstitucionalidade do óbice da
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito em crime de tráfico ilícito de droga”. HC
101919/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 06.09.2011. (HC-101919) (Inform. STF 639)
4.3.5.2.Crime hediondo
A posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, com o advento da Lei
13.497/2017, foi incluída ao rol dos crimes hediondos, mais especificamente no art.
1°, parágrafo único, da Lei 8.072/1990.
5.5.1.5.Sujeitos do crime
O crime em comento poderá ser praticado por qualquer pessoa, tratando-se, pois,
de crime comum ou geral.
O sujeito passivo direto será a vítima da conduta culposa perpetrada pelo agente.
Já o sujeito passivo indireto será a coletividade, posta em risco em razão do
comportamento perigoso do agente.
5.5.1.6.Objeto jurídico
Ora, tratando-se de homicídio culposo, o bem jurídico tutelado pelo legislador é
a vida humana.
5.5.1.7.Consumação e tentativa
O crime em comento atingirá a consumação com a morte da vítima. Trata-se, pois,
de crime material ou de resultado.
Considerando que o elemento subjetivo da conduta é a culpa, inviável o
reconhecimento da tentativa.
5.6.5.Consumação e tentativa
Tal como o homicídio culposo de trânsito, a lesão corporal culposa (art. 303 do
CTB), por ser crime material ou de resultado, somente atingirá o momento
consumativo quando a vítima, efetivamente, suportar os efeitos do comportamento do
agente, vale dizer, quando da produção das lesões (resultado naturalístico).
Por se tratar de crime culposo, inadmissível o conatus (tentativa).
5.7.4.Sujeitos do crime
A omissão de socorro é crime que tem como sujeito passivo a vítima do acidente
de trânsito.
Já o sujeito ativo será o condutor que, envolvido em acidente automobilístico,
não tiver sido o responsável pela sua ocorrência. Em outras palavras, autor do delito
em tela é aquele que se envolveu diretamente com o acidente de trânsito, mas sem que
o tenha provocado. Caso contrário, ou seja, se tiver sido o agente causador do
acidente, responderá, em caso de morte, pelo crime do art. 302 do CTB, com a pena
majorada pela omissão de socorro (art. 302, § 1°, III), ou, em caso de lesões
corporais, pelo crime do art. 303, parágrafo único (aumento da reprimenda pela
omissão na prestação do socorro).
Por fim, se uma pessoa que não tiver se envolvido no acidente deixar de prestar
socorro às vítimas, responderá pelo crime do art. 135 do CP.
5.7.6.Consumação e tentativa
A omissão de socorro restará consumada no instante em que o agente, podendo
agir (prestar socorro mediato ou imediato), deixar de fazê-lo deliberadamente.
Por se tratar de crime omissivo próprio ou puro, inadmissível o reconhecimento
da tentativa.
I – concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3
miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou (Incluído pela Lei 12.760/2012)
II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. (Incluído
pela Lei 12.760/2012)
§ 2° A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico,
exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o
direito à contraprova (Redação dada pela Lei 12.971/2014)
§ 3° O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito
de caracterização do crime tipificado neste artigo (Redação dada pela Lei 12.971/2014).
5.8.5.Consumação e tentativa
O crime em comento se consuma no momento em que o agente, em via pública,
conduz veículo automotor na forma descrita no art. 306, caput, e § 1°, do CTB.
Tratando-se de crime plurissubsistente, a tentativa é admissível (ex.: o agente,
após entrar totalmente embriagado em seu veículo, é impedido de sair do local por
terceiros, que lhe tomam as chaves em razão da nítida alteração da capacidade
psicomotora).
5.8.6.Concurso de crimes
Se o agente, dirigindo embriagado o veículo, praticar homicídio culposo,
responderá apenas por este último crime, que, por ser de dano, e mais grave,
absorverá o de perigo (embriaguez ao volante), menos grave.
Já se estivermos diante das lesões corporais culposas (art. 303 do CTB), por se
tratar de crime menos grave, com pena menor do que a cominada para a embriaguez
ao volante (art. 306), não haverá absorção, respondendo o agente pelo crime mais
grave.
5.9.1.Tipo objetivo
Estamos, aqui, diante de crime amplamente conhecido como “racha”. O agente
participará de competições automobilísticas, corridas ou disputas, sem autorização da
autoridade competente, em via pública, gerando, com isso, situação de risco à
incolumidade pública ou privada. Na redação anterior às mudanças implementadas ao
CTB pela Lei 12.971/2014, o tipo penal mencionava “dano potencial à incolumidade
pública ou privada”. Com as alterações promovidas por aludido diploma legal, a
intenção do legislador foi a de tornar evidente que o crime em tela é de perigo
abstrato.
Percebe-se que o crime em comento somente restará caracterizado se ocorrer em
“via pública”. Assim, caso o “pega” ou o “racha” ocorra em lugares fechados, ou em
propriedades privadas ou estradas particulares (ex.: estrada de terra que ligue a
porteira da fazenda até a casa-sede), ausente estará a elementar típica. Ainda, com o
advento da Lei 13.546, de 19 de dezembro de 2017, mais uma situação, até então
configuradora de infração administrativa (art. 174 do CTB), foi inserida ao tipo penal
em comento, qual seja, a de o agente exibir ou demonstrar perícia em manobra de
veículo automotor, quando não autorizado pela autoridade competente, gerando
situação de risco à incolumidade pública ou privada. Assim, cometerá o crime o
motorista que der os denominados “cavalos-de-pau”, ou, no caso de motocicletas,
“empinando-as” e trafegando com uma só roda, desde que, repita-se, o façam em via
pública e, desse comportamento, gerem situação de risco à incolumidade pública ou
privada.
5.9.4.Formas qualificadas
Com o advento da Lei 12.971/2014, dois parágrafos foram acrescentados ao art.
308 do CTB, in verbis:
§ 1° Se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias
demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de
liberdade é de reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.
§ 2° Se da prática do crime previsto no caput resultar morte, e as circunstâncias demonstrarem que o agente
não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, a pena privativa de liberdade é de reclusão de 5 (cinco)
a 10 (dez) anos, sem prejuízo das outras penas previstas neste artigo.
Em virtude da redação de referidos dispositivos, percebe-se claramente que o
legislador previu formas preterdolosas do crime, ou seja, os resultados agravadores
(lesão corporal grave – §1° e morte – §2°) decorrem de culpa do agente.
I – trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis
especializadas no atendimento a vítimas de trânsito;
II – trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de
trânsito e politraumatizados;
6.1.Considerações gerais
A Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898, de 09.12.1965) foi criada em um
momento histórico conturbado no Brasil (ditadura militar). Trata-se de verdadeiro
diploma populista, na medida em que criado apenas para mostrar que o Legislativo se
importava com eventuais arbitrariedades praticadas pelos militares. Todavia, criou-
se uma lei extremamente branda no que tange às penas criminais, que atingem o
máximo de 6 (seis) meses de detenção.
Logo, à luz do art. 109, VI, do CP, em 3 (três) anos, a partir da consumação do
fato, qualquer ato caracterizador de abuso de autoridade estará prescrito,
impossibilitando-se o desfecho de eventual ação penal.
Por fim, importante ressaltar que referido diploma legal regula o direito de
representação e o processo por responsabilidade administrativa, civil e penal de
agentes que praticarem atos considerados abusivos. Para os fins do presente
trabalho, iremos nos ater à parte criminal da Lei de Abuso de Autoridade.
6.3.Objetividade jurídica
Os crimes previstos na Lei de Abuso de Autoridade tutelam os direitos e
garantias fundamentais do homem, bem como o normal exercício dos poderes pelos
seus detentores.
6.4.Sujeito ativo
O art. 1° da Lei 4.898/1965 diz expressamente que o direito de representação
será exercido contra “autoridades” que, no exercício de suas funções, cometerem
abusos.
Logo, os crimes nela previstos são próprios, já que exigem uma qualidade
especial do sujeito ativo, qual seja, ser autoridade.
E o que é “autoridade” para a Lei em comento?
Para os efeitos da Lei 4.898/1965, considera-se autoridade quem exerce cargo,
emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e
sem remuneração (art. 5°).
Trata-se de tipo penal descritivo, na medida em que a própria lei fornece um
conceito de autoridade.
Referido conceito é muito semelhante à norma prevista no art. 327 do CP, que
descreve funcionário público para fins penais.
Pergunta-se: uma pessoa que não seja “autoridade” para os fins da lei pode ser
sujeito ativo de um crime de abuso de autoridade?
a) A título de autoria: NÃO
b) A título de coautoria ou participação? SIM
Vejamos as razões do quanto afirmado acima.
Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este
cominadas, na medida de sua culpabilidade, nos termos do art. 29 do CP, considerado
norma de extensão típica pessoal.
Ainda, as condições ou circunstância de caráter pessoal não se comunicam, salvo
se elementares do crime (art. 30 do CP), em caso de concurso de pessoas.
Assim, aquele que, sozinho, não sendo autoridade (art. 5°), realizar qualquer das
condutas descritas nos arts. 3° e 4° da Lei 4.898/1965, não cometerá os crimes nela
previstos, salvo se houver aderido ao comportamento de uma “autoridade”.
Em outras palavras, só é admissível a responsabilização penal de uma “não
autoridade” se realizar qualquer conduta em companhia de uma autoridade (regra do
art. 30 do CP), a título de coautoria ou participação.
Algumas questões relevantes acerca do sujeito ativo dos crimes definidos na lei
em comento:
a) Agente público durante o gozo de férias ou licença pode praticar abuso de
autoridade? R: Sim, desde que se utilize de sua condição de “autoridade” para o
cometimento da conduta típica prevista nos arts. 3° ou 4° da Lei 4.898/1965;
b) Agente público demitido ou inativo (aposentado) pode praticar abuso de
autoridade? R: Não, visto não mais existir vínculo com o Estado. Assim, por
exemplo, Delegado de Polícia aposentado não mais exerce cargo, emprego ou função
pública, não podendo, portanto, abusar de sua condição;
c) Pessoas que exerçam múnus público podem praticar abuso de autoridade? R:
Não, pois, a despeito de realizarem atividades que envolvam interesse público (ex.:
tutor, curador, inventariante, administrador judicial etc.), estas são de natureza
privada, não se enquadrando, pois, no conceito de autoridade previsto no art. 5° da
Lei de Abuso de Autoridade.
6.5.Sujeito passivo
Nos crimes previstos na lei em tela, há dupla subjetividade passiva:
a) Sujeito passivo direto ou imediato: é a pessoa que sofre a ação da autoridade
(vítima do abuso);
b) Sujeito passivo indireto ou mediato: é o Estado, responsável pela garantia das
liberdades públicas (tutela os interesses e direitos fundamentais do cidadão).
6.7.Consumação e tentativa
Nos crimes previstos no art. 3° da Lei de Abuso de Autoridade, tanto consumação
quanto tentativa são punidos com o mesmo rigor. Daí serem denominados “crimes de
atentado”.
Já nas condutas previstas no art. 4°, será admissível a tentativa.
6.10.Crimes em espécie
Doravante, iremos analisar os crimes dos arts. 3° e 4° da Lei de Abuso de
Autoridade.
6.10.1.1.Crimes de atentado
Os crimes do art. 3° têm característica especial, qual seja, a de serem
classificados como “crimes de atentado”, assim denominados aqueles em que
“tentativa” já é “consumação”. Em outras palavras, a tentativa já é abstratamente
prevista no tipo penal, que cominará as mesmas penas para as formas tentada ou
consumada. Logo, inadmissível o reconhecimento da tentativa.
A própria redação do caput do referido dispositivo legal não deixa dúvidas para
a classificação em comento: “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado”.
O art. 5°, XII, da CF, assegura que é inviolável o sigilo da correspondência, bem
como das comunicações telegráficas, de dados, e das comunicações telefônicas,
ressalvado, nesse último caso, a possibilidade de interceptação para fins de instrução
criminal ou processual penal, desde que exista ordem judicial para tanto.
Como regra, as cartas são invioláveis, na medida em que se tutela a intimidade, a
vida privada. Porém, como toda garantia fundamental não é absoluta, é admitida pela
doutrina e jurisprudência a violação de correspondência quando a intimidade puder
ser utilizada como desculpa para a prática de condutas ilícitas. Daí admitir-se, em
caráter excepcional, e desde que exista motivação idônea para tanto, a abertura de
cartas do preso (art. 41, parágrafo único, da LEP – Lei 7.210/1984), bem como do
falido (art. 22, III, “d”, da Lei de Falências – Lei 11.101/2005), desde que se faça em
favor do interesse público.
Na vigência de estado de sítio, poderá, sim, haver a relativização do sigilo das
correspondências, nos termos dos arts. 136, § 1°, I, “b” e 139, III, ambos da CF.
Inexistirá, aqui, crime de abuso de autoridade.
6.10.1.5.Crime do art. 3°, alíneas “d” e “e”
Art. 3°. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
6.10.2.Crimes do art. 4°
Diferentemente dos crimes do art. 3°, considerados de “atentado”, os crimes do
art. 4° da Lei de Abuso de Autoridade admitem tentativa. Vamos a eles!
Nos termos do art. 5°, XV, da CF, “é livre a locomoção no território nacional em
tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou
dele sair com seus bens”. Ainda, o mesmo dispositivo legal, mas, agora, em seu
inciso LXI, determina que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar”. Também é direito de qualquer
pessoa não ser privada de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal (art. 5°, LIV, CF).
Assim, o tipo penal em comento objetiva assegurar ao cidadão algumas garantias
que lhe são fundamentais, especialmente as de livre circulação no território nacional,
de não ser preso fora dos casos expressamente admitidos pela nossa legislação, bem
como de ser respeitado o devido processo legal.
Haverá abuso de autoridade se o agente determinar ou cumprir ordem que
imponha à vítima medida privativa de liberdade (qualquer forma de prisão) que não
atente às formalidades legais. É o caso, por exemplo, de prender em “flagrante” quem
assim não se encontre (art. 302 do CPP), ou realizar a prisão civil do depositário
infiel (de acordo com a Súmula vinculante 25, é ilícita a prisão do depositário infiel,
qualquer que seja a modalidade de depósito).
Na vigência de estado de sítio, o direito pleno à liberdade poderá sofrer
restrições, nos termos do art. 139, I, da CF.
Ressalte-se que o uso indevido de algemas poderá vir a caracterizar o crime em
comento. Confira-se a Súmula vinculante 11: “Só é lícito o uso de algemas em caso
de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou
alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito,
sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e
de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do estado”.
Por fim, registre-se que, em respeito ao princípio da especialidade, se a
autoridade privar criança ou adolescente de sua liberdade, procedendo à sua
apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita
da autoridade judiciária competente, caracterizado estará o crime do art. 230 do
ECA, e não, o de abuso de autoridade ora analisado.
O crime atingirá a consumação no momento em que for ordenada ou executada a
medida privativa de liberdade contra a vítima.
Nos termos do art. 1°, III, da CF, é fundamento da República Federativa do Brasil
o respeito à dignidade da pessoa humana. Ainda, o art. 5°, III, do Texto Maior,
assegura que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”, bem como o inciso XLIX determina que a integridade física e moral dos
presos seja respeitada.
Assim, o tipo penal em comento tutela direitos fundamentais do cidadão. Logo, se
alguma autoridade sujeitar pessoa que esteja sob sua vigilância permanente (guarda)
ou sob sua custódia a constrangimento que não tenha base legal, terá cometido abuso
de autoridade. Exemplificamos com a conduta do diretor de estabelecimento prisional
que não permite ao preso que se alimente por três dias, ao arrepio do art. 41, I, da
LEP (Lei 7.210/1984), que prevê como direito aquele ter alimentação suficiente.
Outro bom exemplo é o da indevida inclusão do preso em Regime Disciplinar
Diferenciado (RDD), fora das hipóteses previstas no art. 52 da LEP.
Em se tratando de criança ou adolescente expostas a vexame ou constrangimento,
caracterizado estará o crime do art. 232 do ECA.
Estará consumado o crime no momento em que o ofendido for submetido ao
vexame ou constrangimento não autorizado pela lei.
Nos termos do art. 5°, LXII, “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou
à pessoa por ele indicada”.
Tratando-se de norma constitucional que objetiva cientificar o juízo das razões
fáticas e jurídicas que levaram a pessoa ao cárcere, permitindo, com isso, o controle
sobre a licitude da detenção, haverá crime se a autoridade deixar de comunicar,
imediatamente, a prisão ou detenção de alguém.
Estamos, aqui, diante de um crime omissivo (deixar de comunicar), consumando-
se, pois, com a omissão do agente. Por estarmos diante de omissão própria,
inadmissível a tentativa.
No caso da prisão em flagrante, deve-se entender por “imediatamente” o prazo de
24 (vinte e quatro) horas após a prisão em flagrante, tendo em vista o disposto no art.
306, § 1°, do CPP. Saliente-se ser imposição legal que a Defensoria Pública receba
cópia integral do auto de prisão caso o autuado não informe o nome de seu advogado,
sob pena, entendemos, de relaxamento da prisão, por ilegalidade (descumprimento de
determinação legal).
Saliente-se que mesmo em momentos de crise institucional (estado de defesa), a
prisão deverá ser comunicada ao juiz competente (art. 136, § 3°, I, CF).
Finalmente, se a vítima for criança ou adolescente, a autoridade policial que
deixar de fazer a imediata comunicação de sua apreensão à autoridade judiciária
competente e à família do apreendido ou pessoa por ele indicada, incorrerá nas penas
do art. 231 do ECA.
6.10.2.4.Crime do art. 4°, alínea “d”
Art. 4°. Constitui também abuso de autoridade:
d) deixar o juiz de ordenar o relaxamento da prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
Nos moldes preconizados pelo art. 5°, LXV, da CF, “a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. Logo, cometerá crime o
magistrado que, ciente da ilegalidade da prisão ou detenção que lhe seja comunicada,
deixar de relaxá-la.
Tratando-se de crime omissivo próprio (“deixar de ordenar”), inadmissível a
tentativa, consumando-se com a simples omissão da autoridade.
Caso se trate de apreensão ilegal de criança ou adolescente, a autoridade
competente que deixar, sem justa causa, de ordenar a imediata liberação, incidirá no
disposto no art. 234 do ECA.
O art. 5°, LXVI, da CF, assegura que “ninguém será levado à prisão ou nela
mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
Assim, cometerá abuso de autoridade, por exemplo, a autoridade policial que
levar à prisão o agente preso em flagrante delito, nada obstante cabível a prestação de
fiança e seu arbitramento diretamente por ela (art. 322, caput, do CPP), ou, então, o
magistrado que mantiver a prisão quando cabível o arbitramento de fiança (art. 322,
parágrafo único, do CPP).
Na modalidade “levar à prisão”, por se tratar de conduta comissiva (praticada
por ação), será cabível a tentativa. Já na modalidade “nela deter”, por estarmos diante
de crime omissivo próprio, impossível o conatus.
Lembre-se que, por força constitucional, alguns crimes são inafiançáveis, tais
como os hediondos e equiparados (art. 5°, XLIII) e os de racismo (art. 5°, XLII),
razão pela qual o não arbitramento de fiança, por evidente, não constituirá abuso de
autoridade. Nada obstante, a despeito da inafiançabilidade, desde que preenchidos os
requisitos legais, será cabível, em tese, a liberdade provisória sem fiança.
6.10.2.6.Crime do art. 4°, alíneas “f” e “g”
Art. 4°. Constitui também abuso de autoridade:
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra
despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie, quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem,
custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
Nos termos do art. 5°, caput, da CF, todos são iguais perante a lei, garantindo-se
o respeito, dentre outros, à propriedade. Também, o mesmo dispositivo, em seu
inciso X, afirma serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.
Assim, cometerá o crime em comento a autoridade que, no momento da prática de
ato englobado em seu dever funcional, aja com abuso, expondo a pessoa a ridículo
(ato lesivo a honra), ou, então, que, no exercício de seu poder de polícia, agindo com
abuso, apreenda de um comerciante, por exemplo, todos os produtos de sua loja,
ainda que lícitos.
O crime restará consumado no momento da prática do ato abusivo ou com desvio
de poder. Admissível a tentativa.
Nos termos do art. 5°, LIV, da CF, “ninguém será privado de sua liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal”. Também, o mesmo art. 5°, mas em seu inciso
LXXV, assegura que o Estado indenizará o preso por erro judiciário, bem como a
manutenção da prisão para além do tempo fixado na sentença.
Logo, cometerá abuso de autoridade aquele que prolongar o prazo de prisão
temporária (espécie de prisão cautelar prevista na Lei 7.960/1989, cuja duração, em
regra, será de 5 dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e
comprovada necessidade, ou, em caso de crimes hediondos ou equiparados, por 30
dias, prorrogáveis por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade),
pena (definitivamente imposta por sentença transitada em julgado, que fixará o prazo
de duração) ou medida de segurança (sanção penal aplicável aos inimputáveis ou
semi-imputáveis dotados de periculosidade).
Se se tratar de adolescente privado da liberdade, o indevido prolongamento
acarretará o reconhecimento do crime do art. 235 do ECA.
Tratando-se de crime omissivo próprio (“deixando de expedir ou de cumprir
ordem de liberdade”), inviável a tentativa. A consumação se verifica no momento em
que o agente se omitir.
7.2.Crimes no CDC
Ao todo, o Código de Defesa do Consumidor nos traz 12 (doze) tipos penais
incriminadores, sem esgotar, é verdade, a proteção jurídico-penal, presente em outros
diplomas legais (CP, Lei dos crimes contra a economia popular, Lei de Sonegação
Fiscal etc.).
Prova disso é o que dispõe o art. 61 do CDC: “Constituem crimes contra as
relações de consumo previstas neste Código, sem prejuízo do disposto no Código
Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos seguintes”.
7.3.Crimes em espécie
7.3.1.Substância avariada (art. 62)
Embora esta figura típica originalmente viesse no art. 62 do CDC, foi este vetado
pelo Presidente da República. Todavia, o que nele estava disposto foi basicamente
repetido no art. 7°, IX, da Lei 8.137/1990, verbis: “Vender, ter em depósito para
vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou
mercadoria, em condições impróprias ao consumo”.
O CDC, em seu art. 18, § 6°, define o que se entende por produtos impróprios
para o consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os
produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,
fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com
as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os
produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Passemos, pois, à análise do tipo penal em comento:
a) Sujeito ativo: fornecedor.
b) Sujeito passivo: coletividade (sujeito passivo imediato ou principal) e o próprio
consumidor (sujeito passivo mediato ou secundário), caso o crime afete pessoa certa
e determinada.
c) Condutas típicas: vender, ter em depósito para vender, expor à venda ou, de
qualquer forma, entregar.
d) Objeto material: matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao
consumo. Aqui, trata-se de norma penal em branco, já que o conceito de “produtos
impróprios para o consumo” vem previsto no art. 18, § 6°, do CDC, anteriormente
reproduzido.
e) Elemento subjetivo da conduta: dolo e culpa (admite-se a modalidade culposa, de
acordo com o art. 7°, parágrafo único, da Lei 8.137/1990, que pune o agente com pena
reduzida de 1/3 ou de multa, igualmente reduzida, à quinta parte).
f) Classificação doutrinária: crime de mera conduta.
g) Consumação e tentativa: consuma-se o crime com a mera atividade, pouco
importando a ocorrência de resultado lesivo. Logo, inadmissível a tentativa, por ser
esta modalidade incompatível com os crimes de mera conduta.
Peculiaridade do crime: a doutrina dispensa a realização de perícia nos produtos
apreendidos e ditos como impróprios para o consumo, pois se trata de crime de
perigo abstrato, presumindo-se, pois, a ofensa ao bem jurídico tutelado (relações de
consumo). Há precedentes do STJ (RESP 221.561/PR; RESP 472.038/PR) e STF (RT
781/516).
8.10.Crimes em espécie
Os crimes falimentares estão definidos nos arts. 168 a 178 da Lei 11.101/2005.
Para os fins da presente obra, traremos, de forma objetiva, os principais aspectos de
cada um deles.
Trata-se de figura penal muito semelhante à receptação (art. 180 do CP). Alguns
denominam o crime em tela de “receptação falimentar”.
a) Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum), inclusive o devedor ou mesmo um
credor.
b) Sujeito passivo: os credores.
c) Conduta típica: Decorre da prática de um dos verbos – adquirir, receber, usar ou
influir. Assim, o agente que praticar uma das condutas típicas cometerá o crime, já
que o fez em desconformidade com as regras legais. A aquisição, recebimento e uso
de bens pertencentes a uma massa falida exigem autorização judicial. Ainda, se o
autor do crime influir terceiro de boa-fé a adquirir, receber ou usar bem da massa
falida, também cometerá a infração em testilha.
d) Elemento subjetivo da conduta: o crime é doloso. Ou seja, exige-se que o agente
tenha conhecimento da origem do bem (pertencente a uma massa falida).
9.3.1.1.Crime do art. 29
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécime de fauna silvestre, nativos ou em rota migratória,
sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
Pena – detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa.
9.3.1.2.Crime do art. 30
Art. 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da
autoridade ambiental competente.
Pena – reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
a) Conduta típica: tem base no verbo-núcleo do tipo, qual seja, exportar, que
significa remeter para fora do país.
b) Objeto material: o objeto material do crime pode ser: pele (é o tecido menos
espesso, que constitui o revestimento externo do corpo de animais) e couro (é a pele
mais espessa, que reveste exteriormente o corpo de animais – ex.: couro de jacaré).
A pele ou o couro devem ser de anfíbios (vivem na terra e na água – ex.: rã,
salamandras etc.) ou répteis (que se arrastam ao andar – ex.: cobras e crocodilos).
c) Consumação e tentativa: Para o crime em comento restar consumado, basta a
remessa para o exterior das peles ou couros. Todavia, em razão de o iter criminis ser
fracionável, admite-se a tentativa.
d) Competência: Tratando-se de delito transnacional (exportação para o exterior), a
competência será da Justiça Federal.
9.3.1.3.Crime do art. 31
Art. 31. Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por
autoridade competente.
Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
9.3.1.4.Crime do art. 32
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos.
Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
a) Condutas típicas: praticar (realizar, efetuar); abuso (uso errado, excessivo); maus-
tratos (tratar com violência); ferir (provocar ferimentos); mutilar (cortar, decepar
membros ou partes do corpo).
b) Objeto material: este crime pode ser praticado contra: animais silvestres
(pertencentes à fauna silvestre); animais domésticos (vivem ou são criados em casa –
ambiente humano); animais domesticados (animal silvestre que foi amansado – ex.:
cavalos, gado etc.).
O crime em análise também pode ser praticado pelo agente que realizar
experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou
científicos, quando existirem recursos alternativos (art. 32, § 1°). Neste caso, não
basta o dolo, mas o tipo exige um fim especial de agir, qual seja, para “fins didáticos
ou científicos”. O tipo, neste caso, somente se perfaz quando não existirem outros
“recursos alternativos” (elemento normativo do tipo).
E com relação aos animais criados para abate: há crime? Entendemos que não,
desde que o processo de morte seja indolor (ex.: gado de corte, galinhas, frangos,
perus etc.). Nesse caso, a morte dos animais é socialmente aceita, sendo atípica.
O crime em tela será de dano nas modalidades ferir e mutilar, sendo de perigo
nas modalidades abuso e maus-tratos.
9.3.1.5.Crime do art. 33
Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento de espécimes da
fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras.
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.
9.3.1.6.Crime do art. 34
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente.
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.
a) Conduta típica: pescar, que significa retirar peixes da água. Porém, para efeitos da
Lei dos Crimes Ambientais, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair,
coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes,
crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento
econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas
oficiais da fauna e da flora (art. 36).
A pesca comercial, desportiva ou científica é, como regra, permitida (Dec.-lei
221/1967). O que é vedado é a pesca em período ou local proibidos por autoridade
competente, ou, ainda, em certas quantidades ou por métodos considerados muito
lesivos ao meio ambiente (IBAMA).
9.3.1.7.Crime do art. 35
Art. 35. Pescar mediante a utilização de:
I – explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;
II – substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente:
Pena – reclusão, de 1 a 5 anos.
9.3.2.1.Crime do art. 38
Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou
utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
a) Conduta típica: se evidencia por três verbos nucleares do tipo, a saber: destruir
(significa eliminar, por completo, devastar, desintegrar, arruinar totalmente);
danificar (causar dano ou estrago parcial); utilizar (empregar, fazer uso) com
infringência das normas de proteção. Aqui, o agente faz uso de floresta de
preservação permanente com infração a normas de preservação. Trata-se de norma
penal em branco, pois exige complemento, qual seja, exatamente as normas de
preservação.
b) Objeto material: “floresta de preservação permanente”, ainda que em formação.
Entende-se por floresta uma formação vegetal geralmente densa, em que predominam
as árvores ou espécies lenhosas de grande porte. À época em que editada a Lei
9.605/1998, eram consideradas “florestas” (atualmente denominadas de áreas) de
preservação permanente todas as florestas e demais formas de vegetação natural
relacionadas nos arts. 2° e 3° do “antigo” Código Florestal (Lei 4.771/1965),
revogado pela Lei 12.651/2012, que tratou das áreas de preservação permanente
(APP´s) nos arts. 4° e 6°.
c) Elemento subjetivo: o crime em tela é doloso. Todavia, nos termos do art. 38,
parágrafo único, da lei em testilha, previu-se a possibilidade de o crime ser praticado
culposamente, hipótese em que a pena será reduzida pela metade.
9.3.2.2.Crime do art. 39
Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade
competente:
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
a) Conduta típica: cortar, ou seja, derrubar pelo corte. Embora o tipo penal fale em
cortar árvores (no plural), basta o corte de uma só, em floresta (leia-se: área)
considerada de preservação permanente, para o crime em tela estar consumado.
b) Objeto material: corresponde às árvores em florestas consideradas de preservação
permanente (em verdade, áreas de preservação permanente, assim definidas,
atualmente, nos arts. 4° e 6° do “novo” Código Florestal – Lei 12.651/2012).
Árvore é toda planta lenhosa, cujo caule ou tronco, fixado no solo com raízes, é
despido na base e carregado de galhos e folhas na parte superior. Para a botânica,
somente se considera árvore se a planta tiver altura superior a sete metros. Abaixo
disto, estaremos diante de arbustos.
c) Elemento normativo do tipo: consubstanciado na expressão “sem permissão da
autoridade competente”. Portanto, somente haverá crime se o corte de árvores em
APP ocorrer sem permissão da autoridade competente.
9.3.2.3.Crime do art. 41
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena – reclusão, de 2 a 4 anos, e multa.
9.3.2.4.Crime do art. 42
Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais
formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:
Pena – detenção, de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
9.3.2.5.Crime do art. 44
Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia
autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Pena – detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa.
9.3.2.6.Crime do art. 49
Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de
logradouros públicos ou em propriedade privada alheia:
Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
9.3.2.7.Crime do art. 51
Art. 51. Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença
ou registro da autoridade competente.
Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.
9.3.2.8.Crime do art. 52
Art. 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para a caça
ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença da autoridade competente.
Pena – detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa.
9.3.3.1.Crime do art. 62
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial;
Pena – reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
a) Sujeito ativo: pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive o proprietário do
bem especialmente protegido.
b) Conduta típica: destruir (eliminar, arruinar por inteiro, totalmente); inutilizar
(tornar algo inútil, inadequado aos fins a que se destina); deteriorar (é o mesmo que
causar danos parciais).
c) Objeto material: são os seguintes:
1 . Bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
trata-se de qualquer objeto palpável, corpóreo, que conte com especial proteção
legal, infralegal ou mesmo judicial (aqui, não se exige o trânsito em julgado, já que a
lei nada disse) – inc. I;
2. Arquivo: é o conjunto de documentos;
3. Registro: é o livro ou repartição em que se faz o assentamento oficial de certos
atos ou dados;
4 . Museu: é o lugar que tem por escopo “eternizar” obras de arte, bens culturais,
históricos, científicos ou técnicos;
5. Biblioteca: coleção de livros;
6. Pinacoteca: coleção de pinturas;
7. Instalação cientifica: local destinado ao estudo e desenvolvimento de determinada
área da ciência;
8 . ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial: aqui, o
legislador valeu-se da interpretação analógica. Portanto, também configurará crime
qualquer conduta lesiva ao patrimônio cultural brasileiro.
d) Objeto jurídico: é a preservação do meio ambiente cultural (patrimônio cultural
brasileiro). Dispõe o art. 216 da CF que “constituem o patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
seu conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem (…)”.
No § 4°, do referido dispositivo, lê-se que “os danos e ameaças ao patrimônio
cultural serão punidos, na forma da lei”.
e) Elemento normativo: o tipo penal em testilha traz alguns elementos normativos,
quais sejam, “especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial”
e “ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial”. Assim, haverá
crime apenas se o agente destruir, deteriorar ou inutilizar, por exemplo, bens ou
arquivos protegidos por lei, ato administrativo ou decisão judicial.
f) Elemento subjetivo: de regra, o crime em análise é doloso. Porém, admite-se a
modalidade culposa, nos termos do art. 62, parágrafo único, da Lei 9.605/1998.
9.3.3.2.Crime do art. 63
Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico,
cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em
desacordo com a concedida:
Pena – reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
a) Conduta típica: consiste no fato de o agente alterar, ou seja, mudar, modificar, dar
outra forma ao aspecto ou estrutura de edificação ou local protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial, sem autorização da autoridade competente, ou em
desacordo com a obtida (elementos normativos do tipo).
Entende-se por edificação qualquer construção ou edifício e por local um
determinado ponto ou lugar, desde que especialmente protegido por lei, ato
administrativo ou decisão judicial. Todavia, não bastará isso para que se caracterize
o crime em comento. Para a completa tipificação do crime, impõe-se que o edifício ou
local alterado pelo agente tenha valor paisagístico (refere-se a uma vista, uma beleza
natural), ecológico (refere-se ao meio ambiente), turístico (refere-se ao turismo e a
atividade dos turistas de visitarem locais que despertem o interesse), artístico
(refere-se às belas artes), histórico (refere-se a todo objeto de interesse da História),
cultural (refere-se à cultura, a tudo aquilo que a criatividade humana produz),
arqueológico (refere-se às antigas civilizações), etnográfico (refere-se às atividades
de grupos humanos – etnografia) e monumental (refere-se a monumentos – obras
grandiosas).
Os valores acima referidos são taxativos, não se admitindo interpretação
analógica.
9.3.3.3.Crime do art. 64
Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu
valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou
monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena – detenção, de 6 meses a 1 ano, e multa.
9.3.3.4.Crime do art. 65
Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
a) Condutas típicas: são expressas pelos seguintes verbos: pichar (é o mesmo que
escrever palavras ou desenhos com tinta ou spray em paredes, muros ou monumentos
urbanos); ou conspurcar (é o mesmo que sujar, manchar, por qualquer outro meio –
ex.: atirar óleo enegrecido em paredes ou monumentos).
b) Objeto material: edificação (toda obra ou atividade de uma construção, ainda que
inacabada); monumento urbano (uma obra grandiosa, que tenha por finalidade
imortalizar a memória de uma pessoa ou fato relevante, em uma cidade).
Incorrerá na forma qualificada do crime em tela o agente que praticar qualquer
das condutas típicas em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor
artístico, arqueológico ou histórico, cominando-se a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um)
ano de detenção e multa (art. 65, § 1°).
Nos termos do § 2° do tipo penal em comento, não constitui crime a prática de
grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado
mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando
couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público,
com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das
normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e
conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.
Portanto, as “grafitagens”, que são tão comuns nos centros urbanos, constituirão
crime ambiental se inexistir consentimento do proprietário, locatário ou arrendatário,
quando se tratar de bem privado, ou da autoridade competente, em se tratando de
patrimônio público.
Lembre-se que no CP, o sursis, como regra, será cabível quando a pena privativa
de liberdade for não superior a 2 (dois) anos, nos termos de seu art. 77, caput.
A verificação da reparação a que se refere o § 2° do art. 78 do Código Penal
(condição para o sursis especial) será feita mediante laudo de reparação do dano
ambiental, e as condições a serem impostas pelo juiz deverão relacionar-se com a
proteção ao meio ambiente (art. 17 da Lei 9.605/1998).
1. LINHAS INTRODUTÓRIAS1
Em termos jurídicos, a expressão Processo Penal apresenta, basicamente, dois
significados: Processo Penal como instrumento legitimador do direito de punir do
Estado; e Processo Penal (ou Direito Processual Penal)como ramo da ciência
jurídica. Investiguemos melhor esses dois sentidos.
3.1.2.Doutrinária ou científica
Trata-se de interpretação dos dispositivos legais efetuada pelos estudiosos do
Direito.
3.1.3.Jurisprudencial ou judicial
É a interpretação que juízes ou tribunais dão à norma. Esse tipo de interpretação
ganhou significativa importância com o advento das súmulas vinculantes (art. 103-A,
CF).
3.2.2.Teleológica
Busca-se a finalidade, o “telos” da norma.
3.2.3.Lógica
Quando o intérprete se utiliza das regras gerais de raciocínio buscando
compreender o “espírito” da lei e a intenção do legislador.
3.2.4.Sistemática
A norma não deve ser interpretada de forma isolada. Ao revés, deve ser
interpretada como parte de um sistema jurídico (BOBBIO, 1997, p. 19). A
interpretação sistemática leva em conta, portanto, as relações entre a norma
interpretada com o todo (i. e. com restante do ordenamento jurídico).
3.2.5.Histórica
Leva em conta o contexto em que a norma foi elaborada: os debates travados na
época, as eventuais propostas de emenda, o projeto de lei etc.
3.3.2.Restritiva
Ocorre quando a lei disse mais do que desejava, devendo o intérprete restringir
o seu alcance, a fim de conseguir atingir o seu real sentido.
3.3.3.Extensiva ou ampliativa
Aqui a lei disse menos do que desejava, devendo o intérprete ampliar o seu
alcance (vide art. 3°, CPP).
4.3.2.Imunidades parlamentares
Dividem-se em:
a) Imunidade material (penal, absoluta ou, simplesmente, inviolabilidade): abrange
questões de direito material (penal e civil). Vem representada pelo art. 53, caput, da
CF, que diz: “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”;
b) Imunidade formal (processual ou relativa): abrange questões de ordem
processual penal. São as seguintes as imunidades formais dos parlamentares
federais:
b1) Prisão provisória: “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso
Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse
caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para
que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão” (art. 53, § 2°, CF
– destacou-se). Logo, o congressista não pode ser preso preventiva ou
temporariamente. Só poderá ser preso em caso de flagrante por crime inafiançável ou
por conta de sentença penal transitada em julgado;
b2) Possibilidade de sustação de processo criminal: “recebida a denúncia contra o
Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal
Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela
representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final,
sustar o andamento da ação” (art. 53, § 3°, CF – destacou-se). Conferir também os §§
4° e 5° deste mesmo artigo;
b3) Desobrigação de testemunhar: os parlamentares federais não estão obrigados a
testemunhar sobre “informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do
mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles receberam informações”
(art. 53, § 6°, CF);
b4) Prerrogativa de foro: também chamada de foro privilegiado, significa que os
parlamentares federais estão submetidos a foro especial (no caso, o STF – art. 53, §
1°, CF), em razão do cargo que exercem. Cabe ressaltar que o STF, em sede de
medida cautelar na Rcl. 13286/2012, DJ 29.02.2012, aduziu não serem dotadas de
natureza criminal as sanções tipificadas na LC 135/2010 e na LC 64/1990, deste
modo, sendo descabida a prerrogativa de foro para parlamentares em tais casos.
Seguindo a mesma lógica, em julgado recente, o Supremo consolidou o entendimento
de que o foro por prerrogativa de função também não seria aplicável nos casos de
ação de improbidade administrativa (Lei n° 8.429/92), devido à natureza civil da
demanda (STF, Pet 3240/DF, Dje 22.08.2018). Ademais, entendeu a 1a Turma do STF
na AP 606 MG, DJ 18.09.2014, que a renúncia parlamentar, quando realizada após o
final da instrução, não acarreta a perda de competência da referida Corte. No entanto,
ocorrendo a renúncia anteriormente ao final da instrução, declina-se da competência
para o juízo de primeiro grau. A despeito de tal entendimento jurisprudencial da 1 a
Turma do STF, na hipótese de não reeleição do parlamentar, não se afigura ser o caso
de aplicação do mesmo posicionamento, devendo ocorrer o declínio da competência
para o juízo de primeiro grau, vide Inq. 3734/SP, 1a Turma, DJ 10.02.2015.
Ainda acerca do “foro privilegiado”, relevante apontar a recente decisão do STF
que consolidou a aplicação de interpretação restritiva quanto às normas
constitucionais que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função. No
julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal 937, julgada em 03 de maio de 2018,
o STF entendeu que o foro privilegiado somente poderia ser aplicado aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo, desde que relacionados às funções
desempenhadas. Isto é, passou-se a exigir dois requisitos cumulativos para a
aplicação da norma, quais sejam: ser a infração penal praticada após a diplomação; a
infração penal ter relação com o exercício das funções. Desse modo, não havendo a
presença concomitante de ambas as condições, a competência do julgamento será da
1° instância.
Ademais, ainda no bojo da referida decisão, o Supremo fixou o momento em que
a sua competência se tornaria definitiva, sendo este o fim da instrução processual.9
Nesse sentido, após o despacho de intimação para apresentação das alegações finais
(marco final da instrução), a competência do STF não mais será afetada em razão de o
agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que
seja o motivo (Informativo 900/STF, de 30 de abril a 4 de maio de 2018).10
Observações finais: as imunidades materiais e formais vistas aplicam-se
inteiramente aos deputados estaduais (art. 27, § 1°, CF). Por outro lado, aos
vereadores são aplicáveis apenas as imunidades materiais (penal e civil – vide art.
29, VIII), mas não as formais (processuais). É importante destacar, contudo, que a
imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa (Súmula 245,
STF).
5.1.Sistema acusatório
Tem como uma de suas principais características o fato de as funções de acusar,
julgar e defender estarem acometidas a órgãos distintos. Além disso, essa espécie
de sistema processual contempla a ampla defesa, o contraditório, a presunção de
inocência, a oralidade e a publicidade dos atos processuais, o tratamento
isonômico das partes, a imparcialidade do julgador e a incumbência do ônus da
prova às partes (e não ao juiz). Ademais, no tipo de processo penal acusatório, o
sistema de apreciação das provas é o do livre convencimento motivado (ou
persuasão racional do juiz) , i. e., o magistrado é livre para julgar a causa, mas
deverá fazê-lo de forma fundamentada (art. 93, IX, da CF). Há, por fim, liberdade de
prova, ou seja, em regra, admitem-se todos os meios de prova, inexistindo um valor
previamente fixado para cada uma delas. Inexiste, assim, hierarquia, a priori, entre as
provas – todas têm, a princípio, o mesmo valor; sendo todas potencialmente capazes
de influenciar, de igual modo, o convencimento do magistrado.
6.7.Juiz natural
Decorre do art. 5°, LIII, CF, que diz: “ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente”. Em suma, significa que o indivíduo
só pode ser privado de seus bens ou liberdade se processado por autoridade
judicial imparcial e previamente conhecida por meio de regras objetivas de
competência fixadas por lei anteriormente à prática da infração. Exemplo de
violação ao juiz natural: o sujeito pratica um crime da competência da justiça estadual
e termina sendo julgado pela justiça federal. O juiz federal, neste caso, não é o natural
para a causa em questão.
Decorre desse princípio o fato de não ser possível a criação de juízo ou tribunal
de exceção, i. e., não pode haver designação casuística de magistrado para julgar
este ou aquele caso (art. 5°, XXXVII, CF).
Ademais, no âmbito processual penal, não é possível às partes acordarem para
subtrair ao juízo natural o conhecimento de determinada causa.
Note bem: não configura violação ao princípio do juiz natural: a) a convocação
de juiz de 1a instância para compor órgão julgador de 2a instância (STJ HC
332.511/ES, 5a, Turma, DJ 24.02.2016); b) a redistribuição da causa decorrente da
criação de nova Vara – com a finalidade de igualar os acervos dos Juízos (STJ HC
322.632/BA, 6a Turma, DJ 22.09.2015 e HC 283173/CE, DJe 09.04.2015); c) a
atração por continência do processo do corréu ao foro especial do outro denunciado –
ex.: prefeito e cidadão comum praticam furto em concurso (Súmula 704, STF). Nesta
situação, ambos serão julgados pelo TJ sem que se possa falar em violação ao juiz
natural – art. 78, III, CPP; e d) a fundamentaçãoper relationem, que ocorre quando o
magistrado utiliza como motivação da sentença ou acórdão as alegações de uma das
partes ou texto de algum precedente ou decisão anterior do mesmo processo (STJ HC
353.742/RS, 6a Turma, DJ 16.05.2016).
É a motivação por meio da qual se faz remissão ou referência às alegações de
uma das partes, a precedente ou a decisão anterior nos autos do mesmo processo.
6.10.Publicidade
Vem expresso na CF nas seguintes passagens: arts. 5°, LX; e 93, IX. Trata-se do
dever que tem o Judiciário de dar transparência aos seus atos. A publicidade dos
atos processuais é a regra. Porém, a própria CF autoriza a restrição da publicidade
quando se mostrar necessária a preservação da intimidade ou do interesse social .
Exemplos de restrição à publicidade: a) CF: arts. 93, IX, parte final, e art. 5°, LX; b)
CPP: arts. 201, § 6°; 485, § 2°; 792, § 1°; c) CP: 234-B; e d) Lei 9.296/1996: art. 1°.
Um ponto relevante a ser tratado diz respeito ao posicionamento do STF quanto à
aplicação da norma protetiva prevista no art. 234-B, CP, acima indicado, ao entender
que o agente do fato delituoso não se constitui como destinatário da norma, mas
somente a vítima. (STF, ARE1074786/RJ, Dje 26.10.2017).
6.13.Imparcialidade do juiz
O juiz deve ser pessoa neutra, estranha à causa e às partes. O magistrado
eventualmente interessado no feito – suspeito (art. 254, CPP) ou impedido (art. 252,
CPP) – deve ser afastado.
7.1.Notas introdutórias
Para que a ação penal possa ser oferecida é indispensável que esteja previamente
embasada em um mínimo de provas (aquilo que a doutrina costuma chamar de justa
causa para a ação penal ou suporte probatório mínimo). Sem esses elementos
mínimos, a inicial penal não deve ser oferecida e, se for, deverá ser rejeitada por
parte do magistrado (art. 395, III, CPP).21 Isto é assim porque se concebe o processo
penal como algo notoriamente estigmatizante à pessoa. Dessa forma, os responsáveis
pela acusação (MP e querelante)22 devem necessariamente pautar suas ações penais
em um mínimo de provas, procedendo com cautela nesse campo, evitando, assim, a
formulação de acusações temerárias, infundadas.
Nesse contexto, o inquérito policial (IP) é uma das investigações preliminares
(das mais “famosas”, diga-se de passagem) que podem fornecer subsídios à acusação
para o oferecimento de ação penal. Entretanto, embora o IP seja uma das peças
investigativas mais conhecidas, não é a única, uma vez que a ação penal também pode
se fundamentar em: CPI (art. 58, § 3°, CF); investigação direta pelo MP;23
investigação efetuada pelo próprio particular; investigação levada a cabo por
tribunais (em caso de foro por prerrogativa de função do indiciado24); inquérito
policial militar (IPM – art. 8°, CPPM); dentre outras. Estes exemplos são chamados
de inquéritos extrapoliciais ou não policiais. Há, ainda, a possibilidade de outros
procedimentos de investigação criminal serem conduzidos pela autoridade policial,
nos termos da Lei 12.830/2013, § 1° do art. 2°.
Com efeito, nas próximas linhas nos debruçaremos detalhadamente sobre uma das
investigações preliminares mais “populares”: o inquérito policial. Porém, antes, cabe
um esclarecimento: a expressão persecução penal (ou persecutio criminis) significa
a soma das atividades de perseguição ao crime (investigação preliminar + ação
penal).
7.4.Natureza jurídica
O IP tem natureza de procedimento administrativo e não de processo. Assim,
não se trata de ato de jurisdição, mas de procedimento administrativo que visa a tão
somente informar (caráter informativo) o titular da ação penal (MP e querelante),
fornecendo-lhe elementos para formar a sua opinião a respeito da infração penal e
respectiva autoria.
7.6.Características do IP
7.6.1.Inquisitivo
Tradicional setor da comunidade jurídica costuma justificar que o caráter
inquisitivo do IP é fundamental para o “sucesso” desse tipo de procedimento.
Segundo dizem, o caráter inquisitivo confere ao IP o “dinamismo” que este tipo de
procedimento requer. Pensamos, pelo contrário, que a manutenção desse tipo de
discurso (e, pior, de práticas inquisitivas) em sede de procedimento investigativo tem
sido um dos grandes responsáveis pela substancial erosão de legitimidade e
confiabilidade no IP. Vale dizer, a insistência em um modelo predominantemente
inquisitivo de investigação contribui para uma injustificável fratura entre o IP e o
sistema de direitos e garantias da CF.
Diz-se que o inquérito policial é inquisitivo em razão, principalmente, dos
seguintes motivos: (1) não há clara separação de funções (acusação, defesa e
julgamento) no IP. Pelo contrário, o delegado acumula, em grande medida, as funções
de “acusação” e “julgamento” (exacerbada discricionariedade), não sendo sequer
possível arguir suspeição contra ele (vide art. 107, CPP). (2) Não há contraditório e
ampla defesa em sede inquérito policial. Sobre esta segunda afirmação é preciso fazer
alguns comentários importantes.
Primeiro, há procedimentos investigativos que, em razão de lei, possuem
previsão expressa de contraditório e ampla defesa. Exemplos: inquérito para a
decretação da expulsão de estrangeiro e inquérito que apura falta disciplinar de
servidor público.27
Segundo, a nova redação do art. 7° da Lei 8.906/1994 (EOAB), alterada pela Lei
13.245/2016, trouxe uma inovação importante nesse campo. De acordo com o inc.
XXI desse artigo, é direito do advogado: “assistir a seus clientes investigados durante
a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório
ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e
probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo,
inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos”. O
dispositivo em questão passou prever que, sob pena de nulidade absoluta, o advogado
tem direito de participar dos atos que investiguem seu cliente (interrogatório,
depoimento, p. ex.), devendo também ser garantidos nessa situação o contraditório e a
ampla defesa (formulação de quesitos pelo advogado, p. ex.).
O novo inc. XXI do art. 7 do EOAB (examinado acima) minimiza (mas não
elimina) o forte caráter inquisitivo do IP (e das demais modalidades de investigação
criminal). Dentre outras, uma questão que pode ser levantada aqui é se essa inovação
do EOAB teria tornado obrigatórios, em todos os procedimentos investigativos
(inquérito policial, inclusive): a presença de defensor (advogado ou defensor
público); e a incidência dos princípios do contraditório e ampla defesa. Numa leitura
literal (e pobre) do dispositivo, responderíamos que não, ou seja, o artigo não teria
tornado obrigatórios, no âmbito de todos procedimentos investigativos, a presença de
defensor e nem a incidência dos princípios do contraditório e ampla defesa. Esta,
porém, como dissemos, seria uma interpretação pobre. Pensamos, pelo contrário, que
o novo dispositivo torna obrigatórios, em todos os procedimentos investigativos: a
presença de defensor (advogado ou defensor público); e a incidência de contraditório
e ampla defesa. A análise do tema está pendente no Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Pet. 7.612 AgRg/DF. Até o momento, somente o ministro relator Edson
Fachin se manifestou nos autos, considerando desnecessário o acompanhamento do
investigado no momento do interrogatório. Diante do pedido de vista do ministro
Gilmar Mendes, o julgamento se encontra suspenso (Informativo 916/STF, de 17 a 21
de setembro de 2018). Ademais, os autores oscilam no que tange à interpretação do
artigo em questão.
Vale acrescentar ainda o seguinte. Embora o IP continue sendo um procedimento
inquisitivo, isto não significa que o investigado, sob nenhum pretexto, possa ser
tratado como uma espécie de objeto da investigação policial. O investigado, como
qualquer outra pessoa, mantém sua condição de sujeito de direitos. Há
direitos/garantias irrecusáveis ao investigado, como, p. ex., direito ao silêncio,
possibilidade de impetrar de habeas corpus e mandado de segurança, etc.
7.6.4.Indisponível
Ao delegado não é dado arquivar o IP (art. 17, CPP). Mesmo que a autoridade
policial esteja convencida de que, por exemplo, o fato é atípico, deve,
necessariamente, remeter os autos do IP ao titular da ação penal para que este possa
decidir o que fazer com a investigação preliminar.
7.6.5.Discricionário
No âmbito do IP, não há um procedimento rígido a ser seguido pela autoridade
policial (consoante se observa no processo). Ao contrário, o delegado, visando ao
sucesso da investigação, tem discricionariedade para adotar as medidas e diligências
que entender adequadas (vide arts. 6° e 7°, CPP; e o art. 2°, § 2°, Lei 12.830/2013).
Prova dessa discricionariedade é o art. 14, CPP, que diz que o delegado pode ou não
atender aos requerimentos de diligência solicitados pela vítima29 e pelo indiciado.
Discricionariedade não significa, entretanto, arbitrariedade. O delegado,
obviamente, não é livre para agir como quiser. Trata-se, portanto, de uma
discricionariedade dentro da legalidade (há que se respeitar as garantias e direitos
fundamentais do indiciado e o ordenamento jurídico como um todo).
Ademais, embora não haja hierarquia entre magistrados, membros do MP e
delegados, é oportuno recordar que as “solicitações” de diligências dos dois
primeiros (juiz e MP) ao delegado, chamadas tecnicamente de requisição, têm,
segundo a doutrina, conotação de ordem. Assim, não há aqui discricionariedade para
o delegado, devendo, portanto, acatá-las (art. 13, II, CPP).
7.6.6.Escrito
O art. 9°, CPP, estabelece que todas as peças do IP serão reduzidas a escrito e
rubricadas pela autoridade policial. Os atos realizados oralmente (oitiva do
indiciado, por exemplo) deverão, igualmente, ser reduzidos a termo. Tudo isso visa a
fornecer subsídios ao titular da ação penal. Embora consagrada a forma escrita do IP,
lembre-se que a reforma de 2008 estabeleceu que, sempre que possível, deve-se
lançar mão de outros mecanismos de apreensão das informações (audiovisual, por
exemplo), como forma de conferir maior fidedignidade a esses atos (art. 405, § 1°,
CPP).
7.6.7.Oficialidade30
O IP é presidido e conduzido por órgão oficial do Estado (polícia judiciária) –
vide art. 144, § 4°, CF.
7.6.8.Oficiosidade
Em caso de crime de ação penal pública incondicionada, deve o delegado agir
de ofício, instaurando o IP (art. 5°, I, CPP). Ou seja, deve a autoridade policial atuar
independentemente de provocação de quem quer que seja. Por outro lado, nos crimes
de ação penal privada e condicionada à representação, não pode o delegado agir
(instaurar o IP) sem ser provocado pela vítima (ou seu representante legal) – art. 5°,
§§ 4° e 5°, CPP.
7.7.3.Se o crime for de ação penal privada (ex. injúria simples – art.
140, caput, CP)
O IP só poderá ser instaurado por meio de requerimento da vítima (ou seu
representante legal).
Observação final: no Brasil, a denúncia anônima (delação apócrifa ou notitia
criminis inqualificada) é imprestável para, isoladamente, provocar a instauração de
inquérito policial. A delação apócrifa (ex.: disque-denúncia) somente é admitida se
for usada para movimentar os órgãos responsáveis pela persecução penal (apenas
isto). Neste caso, tais órgãos deverão proceder com a máxima cautela (averiguações
preliminares) e só instaurar inquérito policial caso descubram outros elementos de
prova idôneos. Consultar os seguintes julgados do STF: HC 106152, Primeira Turma,
DJ 24.05.2016 e HC 109598 AgR, Segunda Turma, DJ 27.04.2016.
7.8.Vícios no IP
Tendo em vista que o IP possui natureza de procedimento administrativo
informativo (e não de processo), costuma a doutrina dizer que eventuais vícios que
ocorram durante a investigação não têm o condão de contaminar a futura ação
penal36. Possíveis vícios do IP têm, normalmente, força apenas para produzir a
ineficácia do próprio ato inquinado (viciado). Exemplo: se, no curso do IP, o
delegado prende ilegalmente o indiciado, a ação penal, ainda assim, poderá ser
oferecida por seu titular. A prisão, entretanto, deverá ser declarada ilegal pelo
Judiciário (ineficácia do ato prisional, no caso).
Entretanto, embora seja verdade que os eventuais vícios do IP não contaminam a
ação penal, é também correto que a inicial acusatória não pode estar amparada tão
somente em elementos viciados. Ocorrendo isto (ação penal só fundamentada em
elementos viciados), é de se reconhecer a falta de justa causa (suporte probatório
mínimo) para o oferecimento da inicial (art. 395, III, CPP).
7.10.Valor probatório do IP
Consoante vimos anteriormente, as provas produzidas no âmbito do IP objetivam,
em regra, dar suporte à ação penal (caráter informativo do IP). Porém, cabe a
pergunta: pode o IP dar suporte também à sentença condenatória? Em outros
termos: pode o juiz fundamentar um decreto condenatório em provas obtidas no IP?
Vejamos.
Conforme posicionamento firme da comunidade jurídica, as provas obtidas em
sede de IP não podem, de modo exclusivo, fundamentar uma sentença penal
condenatória.37 Isso porque, como no IP não há contraditório, ampla defesa, bem
como diversas outras garantias, uma condenação proferida nesses moldes (pautada
exclusivamente em provas38 obtidas na fase policial), configuraria violação frontal às
garantias mais elementares do acusado. Aliás, não é o outro o comando da primeira
parte do art. 155, CPP.
Com efeito, embora o IP não possa funcionar como suporte único de um decreto
condenatório, majoritário setor da doutrina e jurisprudência admite que a peça
investigativa possa ser valorada em caráter supletivo (subsidiariamente). Segundo
dizem, quando as provas produzidas na fase policial forem renovadas ou confirmadas
em juízo (em contraditório judicial, portanto) será sim possível valorar o IP para dar
mais robustez à condenação.39 Exemplo: o depoimento de uma testemunha prestado
durante o IP e, posteriormente, renovado em juízo, atestando a autoria do acusado.
Neste caso, poderá o magistrado, na sentença condenatória, valorar, além do
testemunho prestado em juízo, o efetuado na polícia. Por conta disso, costuma-se dizer
que o valor probatório do IP é relativo (depende de renovação/confirmação em
juízo).
Mas não é só. Há certas provas que, mesmo sendo produzidas no curso do IP,
dadas as suas peculiaridades, podem ser amplamente valoradas pelo juiz num decreto
condenatório. Mirabete (2001, p. 79) afirma que tais provas possuem valor idêntico
àquelas produzidas em juízo. São as chamadas provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas40 (vide parte final do caput art. 155, CPP).
Prova cautelar é aquela que necessita ser produzida em caráter de urgência
para evitar o seu desaparecimento. Exemplos: busca e apreensão e interceptação
telefônica. Admite-se a valoração dessa prova em sentença condenatória, pois se
entende que ela se submete ao chamado contraditório diferido, retardado ou
postergado. Significa isto que, apesar de produzida no curso do inquérito, a prova,
ao integrar o processo, poderá ser combatida pelas partes.
Prova não repetível é aquela em que a renovação em juízo revela-se,
praticamente, impossível. Ex.: perícia sobre um crime de estupro. Caso esse exame
não seja realizado de plano na fase policial, é quase certo que o vestígio da infração
penal desaparecerá. Também vige aqui o chamado contraditório diferido.
Prova antecipada é aquela que, por conta da ação do tempo, apresenta alta
probabilidade de não poder ser mais realizada em juízo. Ex.: o testemunho de uma
pessoa bastante idosa. Nesse caso, conforme sustentam, deve-se fazer uso do instituto
da produção antecipada de prova (art. 225 do CPP) a fim de assegurar às futuras
partes a garantia do contraditório. Procedida à produção antecipada de prova, torna-
se possível valorá-la em uma eventual sentença penal condenatória.
7.11.7.Indiciamento
Outra medida que pode ser tomada pelo delegado no curso do IP é o indiciamento
do investigado. Indiciar significa que há nos autos do IP elementos sérios, razoáveis
de que determinada pessoa (ou pessoas) cometeu, aparentemente, uma infração penal
(ou várias infrações).
Perceba-se que o delegado deve agir com cautela aqui, vez que o indiciamento já
produz um estigma naquele sobre quem esse ato recai. Logo, não pode ser um ato
temerário, é preciso que existam, de fato, elementos no IP (atos de investigação) que
apontem para a autoria e materialidade delitiva.
Foi promulgada uma lei (Lei 12.830/2013) que, dentre outras coisas, trata do
indiciamento. Vejamos uma passagem sobre o assunto: “art. 2°, (…) § 6° O
indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado,
mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade
e suas circunstâncias43”.
Note-se que há autoridades com prerrogativa de função que não podem ser
indiciadas pelo delegado, p. ex: magistrados (art. 33, parágrafo único, LC 35/1979);
membros do MP (arts. 18, parágrafo único, LC 75/1993, e 41, parágrafo único, Lei
8.625/1993); parlamentares federais. No que tange aos parlamentares federais,
oportuno destacar que o STF entende ser possível o seu indiciamento, desde que haja
prévia autorização do Ministro Relator do IP, responsável pela supervisão do
inquérito (a respeito, confira-se os seguintes julgados do STF AP 933 QO, 2a Turma,
DJ 03.02.2016 e Pet 3825 QO, DJ 04.04.2008). Além do Informativo 825 STF, de 9 a
13 de maio de 2016.
7.12.Prazo de conclusão do IP
7.12.1.Regra
Conforme o art. 10, CPP: se o indiciado estiver preso, 10 dias; se solto, 30 dias.
Apenas o prazo do indiciado solto pode ser prorrogado (§ 3° do art. 10, CPP). Nesta
última hipótese, necessário se faz que o caso seja de difícil elucidação e que haja
pedido do delegado ao juiz nesse sentido, fixando este último o prazo de prorrogação.
7.14.Encerramento do IP
Ao encerrar o IP, a autoridade policial deverá elaborar minucioso relatório do
que tiver sido apurado (arts. 10, §§ 1° e 2°, e 11, CPP).46 Nesse contexto, vejamos
algumas distinções entre o encerramento de um IP que teve por objeto um crime de
ação pública e o que teve por objeto um crime de ação privada.
7.16.1.Autorização
Dependerá de autorização judicial (circunstanciada, motivada e sigilosa),
mediante: a) prévia representação realizada pelo delegado de polícia, ouvido o MP,
obrigatoriamente; ou b) requerimento formulado pelo MP, após manifestação técnica
do delegado de polícia, quando solicitada no curso de inquérito policial – art. 10,
caput e § 1°.
Tanto o requerimento do MP, quanto a representação do delegado para a
infiltração de agentes conterá a demonstração da necessidade da medida, o alcance
das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas
investigadas e o local da infiltração.
7.16.2.Cabimento
Admite-se a infiltração se houver indícios de atividades próprias de organização
criminosa e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.
Verifica-se, portanto, a presença de 2 requisitos cumulativos: indício de atividade
própria de organização criminosa e que NÃO haja outro meio para comprovar tal
atuação – § 2°, art. 10.
7.16.3.Prazo
Nos termos do § 3°, art. 10, “a infiltração será autorizada pelo prazo de até seis
meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua
necessidade”. Verificamos, pela redação do dispositivo, que não há um limite de
prazo para a infiltração, mas esta renovação ficará submetida à efetiva demonstração
da sua necessidade.
7.16.4.Procedimento
O pedido de infiltração será distribuído ao juiz competente, mas de forma
sigilosa, com o escopo de evitar qualquer informação acerca da operação ou da
identificação do agente a infiltrar – art. 12, caput.
Recebido o pedido, o juiz “decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após
manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de
polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a
segurança do agente infiltrado” – § 1°, art. 12.
Findada a diligência, o resultado da infiltração será um relatório circunstanciado
elaborado pelo agente e que acompanhará a denúncia do MP, se for o caso. A partir
desse momento será permitido o acesso pleno à defesa, preservada, contudo, a
identidade do agente – § 2°, art. 12.
Se houver indícios concretos de que a integridade do agente infiltrado corre
risco, a ação será imediatamente sustada pelo MP ou pelo delegado, que deverá dar
ciência ao MP e ao juiz que autorizou o ato – § 3°, art. 12.
7.16.5.Atuação do agente
A atuação do agente durante o período de infiltração é uma questão que desperta
polêmica. Há um limite tênue com relação aos seus direitos e à prática de atos
ilícitos, criminosos, para assegurar a sua inserção na organização criminosa.
Assim, dispõe o art. 13 que: “o agente que não guardar, em sua atuação, a devida
proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos
praticados”. Ademais, em se tratando da prática de crime no âmbito da infiltração,
será apurada a inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, não será punido o agente
se não havia alternativa a não ser praticar determinado delito em razão da infiltração
– parágrafo único.
Já o art. 14 estatui os direitos específicos do agente, todos no sentido de
preservar a sua integridade física e moral. São eles:
I – recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;
II – ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9°
da Lei 9.807, de 13.07.1999, bem como usufruir das medidas de proteção a
testemunhas;
III – ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações
pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver
decisão judicial em contrário;
IV – não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios
de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.
8. AÇÃO PENAL
8.1.Conceito
Direito público subjetivo de pedir ao Estado-juiz a aplicação do Direito Penal
objetivo a um caso concreto.
Com efeito, para que o indivíduo possa exercer regularmente o seu direito de
ação, é preciso que observe (preencha) certas condições. E são exatamente essas
condições que estudaremos na sequência.
8.2.2.Interesse de agir
Esse requisito implica verificação de que a pretensão formulada seja suficiente
para satisfazer o interesse contido no direito subjetivo do titular (MIRABETE, 2006,
p. 88). Esse interesse deve ser analisado sob 3 aspectos: necessidade; adequação; e
utilidade.
a) Interesse-necessidade: tem por objetivo identificar se a lide pode ser solucionada
extrajudicialmente, ou seja, se de fato é necessário o uso da via judicial para resolver
o conflito. Na esfera penal, o interesse-necessidade é presumido, pois há vedação da
solução extrajudicial dos conflitos penais (diferentemente do que ocorre no processo
civil, por exemplo);
b) Interesse-adequação: aqui, deve-se fazer uma checagem se há adequação entre o
pedido formulado e a proteção jurisdicional que se pretende alcançar. Será adequado
o pedido quando, narrada uma conduta típica, o acusador requerer a condenação do
réu, de acordo com os parâmetros do tipo incriminador, que estabelece a punição
objetivamente adequada para cada delito (BONFIM, 2010, p. 181).
Porém, advirta-se que o interesse-adequação não possui capital importância no
âmbito do processo penal, uma vez que o juiz pode se valer da emendatio libelli (art.
383, CPP) para corrigir eventual falha da acusação no tocante à classificação do
crime e da pena a ser aplicada ao réu (PACELLI, 2015, p. 107-8);
c) Interesse-utilidade: só haverá utilidade quando for possível a realização do jus
puniendi estatal (i. e., quando for viável a aplicação da sanção penal). Se não é
possível a punição, a ação será inútil. Ex.: ação penal por fato prescrito. De nada
adiantará o exercício da ação penal se já estiver extinta a punibilidade do agente.
8.2.4.Justa causa
Para o exercício da ação penal, não basta que o pedido seja juridicamente
possível, que a ação seja necessária, adequada e útil, e proposta pelo legítimo titular
em face do legítimo ofensor. A presença de todos esses requisitos será insuficiente se
não existir lastro probatório mínimo quanto à autoria e prova da materialidade do
fato. É o que estatui o art. 395, III, CPP.
A justa causa nada mais é do que o fumus comissi delicti, ou seja, a
identificação de que há elementos probatórios concretos acerca da materialidade
do fato delituoso63 e indícios razoáveis de autoria. É essencial a presença desses
elementos para justificar a instauração da ação penal e a movimentação do aparato
estatal.
8.5.2.Indisponibilidade
Decorre do princípio da obrigatoriedade, mas não se confunde com esta, já que
pressupõe a ação em andamento. Desse modo, uma vez proposta a ação penal, não
pode o Ministério Público dela dispor (art. 42, CPP), ou seja, é vedada a desistência,
não podendo, inclusive, dispor de eventual recurso interposto (art. 576, CPP).
Entretanto, o fato de o MP não poder desistir da ação penal não implica
necessário pedido de condenação em qualquer hipótese. Na realidade, é possível que
o órgão de acusação peça a absolvição na fase de memoriais/alegações finais orais,
impetre habeas corpus em favor do réu e, até mesmo, recorra em favor deste.
Segundo a doutrina, o princípio da indisponibilidade também sofre mitigação
(exceção). Nas infrações que possuem pena mínima de até 1 ano, preenchidos os
demais requisitos legais (art. 89, Lei 9.099/1995), deve o MP, juntamente com a
denúncia, propor a suspensão condicional do processo. Aceita esta proposta pelo
autor do fato e havendo homologação pelo magistrado, o processo ficará suspenso por
um período de 2 a 4 anos. Aponta, portanto, a doutrina que essa situação configura
caso de mitigação do princípio da indisponibilidade.
8.5.3.Oficialidade
A persecução penal em juízo está a cargo de um órgão oficial, que é o MP.
8.5.4.Intranscendência ou pessoalidade
A ação só pode ser proposta em face de quem se imputa a prática do delito, ou
seja, só pode figurar no polo passivo da ação penal quem supostamente cometeu a
infração penal (e não os pais, parentes etc. do suposto autor do fato).
8.5.5Indivisibilidade
Atenção: os Tribunais Superiores não reconhecem a indivisibilidade como
princípio reitor da ação penal pública, mas apenas da privada (STJ, RHC
67.253/PE, 6a Turma, DJ 18.04.2016, APn 613/SP, Corte Especial, DJ 28.10.2015 e
Info. 0562, período de 18 a 28.05.2015, 5a Turma e STF, Inq 2915 ED, Tribunal
Pleno, DJ 11.12.2013, HC 117589, DJe 25.11.2013 e RHC 111211, 1a Turma, DJ
20.11.2012).
Antes de aprofundarmos o assunto, cabe alertar que indivisibilidade significa que,
em caso de concurso de pessoas, a acusação não pode fracionar (dividir) o polo
passivo da ação penal, escolhendo quem irá processar.
Porém, como dito, por mais estranho que possa soar, o STF entende que tal
princípio não é aplicável à ação pública. Motivos que levam a Corte Suprema a
assumir essa posição:
I – O art. 48, CPP, ao tratar da indivisibilidade, só se referiu à ação privada e
não à pública;
II – O MP pode deixar de denunciar alguns indivíduos a fim de recolher mais
elementos contra estes ao longo do processo e, assim, aditar a denúncia.
O argumento do STF parece partir de uma errônea compreensão do princípio em
tela. Crê o STF que, como pode ocorrer aditamento posterior à denúncia, é possível
sim dividir a ação penal pública, logo, não haveria que se falar em indivisibilidade.
Porém, esse conceito de indivisibilidade não é preciso. Indivisibilidade não
significa impossibilidade de aditamento posterior (como sugere o STF). Não é este o
ponto. Indivisibilidade significa que a acusação não pode excluir arbitrariamente
agentes do polo passivo da ação (apenas isto). É lógico que, em caso de inexistência
de elementos suficientes para o oferecimento da denúncia em relação a algum agente,
o MP deverá promover o arquivamento (explícito) em relação a este, sendo certo que,
surgindo elementos ao longo do processo da participação de mais algum agente na
infração penal, deverá promover o aditamento à denúncia.
Na realidade, a indivisibilidade da ação penal decorre do próprio princípio da
obrigatoriedade. Preenchidos os requisitos legais todos os agentes deverão ser
denunciados.
Apesar de nossos argumentos, não se esqueça da posição do STF assinalada
anteriormente: incabível a indivisibilidade na ação penal pública.
8.6.2.Titularidade
A CF/1988 estabeleceu o MP como o legitimado privativo para a acusação nas
ações penais públicas (art. 129, I, CF). Diante disso, é importante lembrar a
incompatibilidade do art. 26, CPP, com o referido dispositivo constitucional, que
implica a não recepção do processo judicialiforme, também denominado ação penal
ex officio, pelo nosso ordenamento constitucional.
Atenção: A recente Lei 13.718/2018 tornou todos os crimes contra a dignidade
sexual processáveis mediante ação penal pública incondicionada.
8.7.2.Representação da vítima
Trata-se de autorização (anuência) dada pelo ofendido para que o MP possa
deflagrar a ação penal. Conforme diz a doutrina, a representação configura uma
condição de procedibilidade para instauração da persecução penal.
a) Características da representação
I – Quem pode representar (legitimidade)? Vítima (pessoalmente ou por
procurador com poderes especiais) ou representante legal (caso a vítima seja menor
de 18 ou doente mental – arts. 24 e 39, CPP). Acrescente-se ainda que o civilmente
emancipado também necessita de representante legal no campo processual penal;
II – Havendo discordância entre a vítima menor de 18 (ou doente mental) e seu
representante legal, haverá nomeação de curador especial –art. 33, CPP. Curador
especial é qualquer pessoa maior de 18 anos e mentalmente sã que, analisando o caso
concreto, decidirá livremente pela representação ou pela não representação. É, pois,
quem dará o “voto de Minerva” em caso de celeuma entre a vítima e seu representante
legal;
III – Vítima menor ou doente mental que não possui representante legal: também
nessa situação entrará em cena a figura do curador especial que decidirá livremente
pela representação ou pela não representação;
IV – No caso de morte ou declaração de ausência da vítima, poderão oferecer
representação em lugar do ofendido, nesta ordem, o cônjuge (ou companheiro), o
ascendente, o descendente e o irmão (CCADI) – art. 24, § 1°. Conforme a doutrina,
trata-se de substituição processual, em que a pessoa (CCADI) atua em nome próprio,
mas em defesa de interesse alheio (o do falecido ou ausente);
V – Em se tratando de pessoa jurídica, a representação deve ser feita por aquele
que estiver designado no contrato ou estatuto social da empresa. Diante da inércia
destes, os diretores ou sócios-gerentes também poderão representar (art. 37, CPP).
VI – Prazo para a representação: prazo decadencial de 6 meses contados a
partir do conhecimento da autoria da infração (art. 38, CPP). Dizer que um prazo é
decadencial significa que não se suspende, interrompe ou prorroga. A contagem desse
prazo segue os parâmetros do art. 10, CP: inclui-se o dia do conhecimento da autoria
e exclui-se o último dia.
Atenção que a contagem desse prazo se inicia a partir do conhecimento da
autoria do crime (a partir do momento em que a vítima descobre quem é o autor do
delito) e não da consumação da infração. Normalmente, o conhecimento da autoria se
dá no mesmo instante da consumação do delito. Mas isto pode não ocorrer, já que,
embora consumado hoje o crime, posso vir a descobrir apenas meses mais tarde quem
foi o seu autor. Será, pois, a partir desta última data que se contará o prazo de 6
meses. Ex.: em 10.02.2010, Fulano foi vítima de ameaça (data da consumação do
crime). Porém, Fulano teve conhecimento da autoria do crime que sofrera apenas em
02.02.2011. Assim, Fulano terá até o dia 01.08.2011 para ingressar com a
representação;
VII – Ausência de rigor formal (art. 39, CPP): não há formalismos no ato de
representação. Esta pode ser realizada por escrito ou oralmente perante o delegado, o
MP ou o juiz. Exemplo da informalidade que estamos tratando aqui: considera a
jurisprudência que há representação no simples ato da vítima de comparecimento a
uma delegacia para relatar a prática de um crime contra si.
Ademais, basta a vítima oferecer a representação uma única vez. Explica-se com
um exemplo: após ter representado perante o delegado, não precisa a vítima,
novamente, representar perante o MP para que esse possa agir;
VIII – Destinatários: delegado, MP ou juiz – art. 39, CPP.
IX – Retratação: é possível ao ofendido retratar-se (“voltar atrás”) da
representação ofertada anteriormente até o oferecimento da denúncia (i. e., até o
protocolo da denúncia em juízo) – art. 25, CPP, c/c o art. 102, CP. Após este prazo,
não haverá mais como a vítima impedir a atuação do MP. No caso da Lei Maria da
Penha (art. 16), é possível a retratação até o recebimento da denúncia67;
X – Eficácia objetiva da representação: efetuada a representação contra um só
agente, caso o MP vislumbre que outros indivíduos também contribuíram para a
empreitada criminosa, poderá incluí-los na denúncia. É que a vítima, ao representar,
está autorizando o MP a agir não só contra o agente objeto da representação, mas
contra todos os outros possíveis participantes da prática delituosa. A representação
incide sobre os fatos narrados pelo ofendido e não sobre os seus autores;
XI – Inexistência de vinculação do MP: a representação não vincula a opinio
delicti do MP. Mesmo que a vítima represente (i. e., autorize o MP a agir), o órgão
acusador pode discordar do ofendido (oferecendo denúncia por crime diverso do
contido na representação, por exemplo), ou, ainda, requerer o arquivamento da
representação por não vislumbrar elementos acerca da materialidade e/ou da autoria
delitiva no caso concreto;
XII – Alguns exemplos de crime que se procede por meio de ação penal
pública condicionada à representação: ameaça (art. 147, CP); violação de
correspondência comercial (art.152, CP); furto de coisa comum (art. 156, CP).
“Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal:
I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias
seguidos;71
II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para
prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo,
ressalvado o disposto no art. 36;
III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que
deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;
IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.”
8.10.Inicial acusatória
8.10.1.Conceito
Peça inaugural da ação penal, contendo a imputação formulada pelo órgão
legitimado para a acusação. Nas ações penais públicas (incondicionada e
condicionada), cuja legitimidade ativa pertence ao MP, a peça é denominada
denúncia. Nas ações privadas, cuja legitimidade pertence, em regra, à vítima, chama-
se queixa-crime ou, simplesmente, queixa.
9.1.Noções gerais
A prática de um crime, além de gerar para o Estado o direito de punir o infrator,
pode acarretar prejuízo de ordem patrimonial à vítima, fazendo surgir para esta o
direito de ser indenizada. Nesse sentido, estabelece o art. 91, I, CP: são efeitos da
condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime.
A vítima pode optar por ingressar, desde logo, com a ação civil, assim como
pode aguardar a sentença condenatória penal definitiva para então executá-la no cível.
No primeiro caso, teremos a ação civil ex delicto (em sentido estrito), com natureza
de ação de conhecimento, e, no segundo, teremos a execução ex delicto (em sentido
amplo). Porém, advirta-se, desde já, que vasto setor da comunidade jurídica não
efetua essa divisão, lançando mão da denominação ação civil ex delicto em ambos os
casos.
Optando pela ação civil ex delicto antes do trânsito em julgado, a competência
para processar e julgar tal ação será definida de acordo com os arts. 46 a 53 do
NCPC.
Reflexos do Novo Código de Processo Civil
No art. 53, V, está mantida a possibilidade de escolha entre o domicílio da vítima e o local do fato para as
ações de reparação de dano sofrido em razão de delito.
Já em relação à execução da sentença penal transitada em julgado, o art. 516, parágrafo único, estatui
que a escolha se dará entre o juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os
bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.
9.4.Legitimidade ativa
Cabe à vítima (se maior e capaz) ou ao seu representante legal (se o ofendido for
incapaz) a legitimidade para propor a ação civil ex delicto.
Nos casos de morte ou ausência da vítima, os seus herdeiros poderão figurar no
polo ativo (art. 63, parte final, CPP).
Sendo vítima pobre, nos termos do art. 68, CPP, esta deve requerer ao MP a
execução da sentença penal condenatória ou a propositura de ação civil indenizatória.
O MP atuará como substituto processual do ofendido. Entretanto, importante dizer que
o STF reconheceu a inconstitucionalidade progressiva do referido dispositivo.
Explica-se. A Suprema Corte entendeu que a função de advocacia pública dos
interesses individuais das pessoas economicamente hipossuficientes cabe à
Defensoria Pública. Sucede que a implementação da Defensoria nos Estados ainda
não foi plenamente concluída no Brasil, muito menos interiorizada, motivo pelo qual o
MP poderá, temporariamente, figurar como substituto processual nas comarcas onde a
Defensoria Pública ainda não tiver sido instalada (STF, RE 341717 SP, 2a Turma,
DJ 05.03.2010 e AI 549750 ED/SP, DJe 02.03.2007). Nesse sentido, o STJ
consolidou o entendimento de que o reconhecimento da ilegitimidade do Ministério
Público depende da intimação prévia da Defensoria Pública, tendo em vista evitar
prejuízos à parte hipossuficiente que vinha sendo assistida pelo órgão ministerial. Isto
é, nos locais em que a Defensoria Pública estiver em funcionamento e o Ministério
Público ingressar com a ação civil, o magistrado, antes de reconhecer a ilegitimidade
do MP, deverá intimar a Defensoria, para que esta se manifeste sobre o interesse de
atuar na demanda (Informativo 592/STJ, de 19 de outubro a 8 de novembro de 2016).
9.5.Legitimidade passiva
A ação civil ex delicto deve ser proposta contra o autor do crime. Porém, em
certos casos, é possível acionar solidariamente o responsável civil.
Exemplo de situação em que o responsável civil poderá ser instado a reparar o
dano: imagine-se que Tício, na direção de um automóvel pertencente a Caio, causou o
atropelamento de um transeunte. Pois bem, nesse caso, o motorista (Tício) responderá
civil e penalmente, enquanto o proprietário do veículo (Caio) poderá ser incluído
solidariamente no polo passivo da ação cível.
Entretanto, note-se que a inclusão no polo passivo do responsável civil somente
acontecerá na ação indenizatória (ação civil ex delicto de conhecimento). Isto porque
a execução da sentença penal condenatória só poderá ser efetuada contra a pessoa que
sofreu a condenação (i. e., contra o autor do crime).
9.7.Prazo
O prazo prescricional para ingressar com a ação de execução civil ex delicto é
de 3 anos (art. 206, § 3°, V, CC), contados a partir do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, por força do disposto no art. 200, CC (STJ, AgRg no AREsp
496307/RS, DJe 16.06.2014).
Percebe-se, portanto, que a vítima que deseja a reparação civil do dano pode
ingressar em juízo simultaneamente ou, em último caso, até 3 anos após o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória.
10.2.2.Indelegabilidade
Não pode um órgão jurisdicional delegar a sua função a outro, ainda que este
também seja um órgão jurisdicional. Tal princípio, contudo, comporta exceções, como
no caso de expedição de carta precatória e de carta rogatória e também na hipótese de
substituição de um juiz por outro em situação de férias, aposentadoria etc.
Examinaremos o tema mais adiante.
10.2.3.Juiz natural
Manifesta-se através de dois incisos do art. 5°, CF: LIII n( inguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente); e XXXVII (não
haverá juízo ou tribunal de exceção). Significa que o indivíduo só pode ser privado
de seus bens ou liberdade se processado por autoridade judicial imparcial e
previamente conhecida por meio de regras objetivas de competência fixadas
anteriormente à prática da infração.
10.2.4.Inafastabilidade ou indeclinabilidade
Está contido no art. 5°, XXXV, CF: a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. À luz do monopólio da função jurisdicional
pelo Poder Judiciário, nem mesmo a lei pode excluir de sua apreciação a lesão ou a
ameaça a um direito.
10.2.5.Inevitabilidade ou irrecusabilidade
A jurisdição não está sujeita à vontade das partes, aplica-se necessariamente para
a solução do processo penal. É, pois, decorrência da natureza obrigatória da solução
jurisdicional para os conflitos na esfera penal.
Lembre-se de que na esfera cível há “equivalentes jurisdicionais” como a
mediação e a arbitragem, que serão utilizados a depender da vontade das partes, mas
o mesmo não ocorre no âmbito da justiça criminal em que a atividade jurisdicional,
como vimos, é irrecusável.
10.2.6.Improrrogabilidade ou aderência
O exercício da função jurisdicional pelo magistrado somente pode ocorrer dentro
dos limites que lhe são traçados pela lei, seja na abrangência territorial, seja pela
matéria a ser apreciada.
10.2.7.Correlação ou relatividade
Aplicável à sentença, consiste na vedação ao julgamento extra, citra ou ultra
petita. Dessa forma, impõe-se a correspondência entre a sentença e o pedido
formulado na inicial acusatória.
10.3.1.Inércia
A atuação inicial dos órgãos jurisdicionais depende de provocação da parte. É
totalmente vedado ao juiz dar início à ação penal. A inércia dos órgãos jurisdicionais
decorre do princípio ne procedat judex ex officio como também do sistema
acusatório pretendido pelo Constituinte de 1988 (art. 129, I, CF).
10.3.2.Substitutividade
Com o fim da autotutela, coube ao Estado monopolizar a função de solucionar
eventuais conflitos de interesses entre as pessoas. O Estado, por meio da jurisdição,
passou, portanto, a substituir a vontade das partes.
10.3.3.Atuação do Direito
A atividade jurisdicional tem por objetivo aplicar o direito ao caso concreto,
buscando, assim, restabelecer a paz social.
10.3.4.Imutabilidade
Na verdade, a imutabilidade se relaciona ao efeito do provimento final da
atividade jurisdicional (i. e., ao efeito da sentença). Significa que, após o trânsito em
julgado da sentença, tornar-se-á imutável aquilo que ficou decidido pelo órgão
julgador. Entretanto, é preciso estar atento que, no processo penal, somente a sentença
absolutória definitiva é imutável (não podendo, portanto, haver a reabertura do caso).
A imutabilidade não se aplica às sentenças condenatórias definitivas, uma vez que é
possível impugná-las por meio de ação de revisão criminal (vide art. 621 e ss., CPP).
Estudaremos melhor esse tema quando tratarmos de revisão criminal.
10.4.Competência
10.4.1.Compreendendo o tema
Todos os juízes possuem jurisdição (poder-dever de dizer o direito aplicável ao
caso concreto).
Porém, a atividade jurisdicional se tornaria inviável caso todas as ações penais
fossem concentradas na pessoa de um só juiz.
É nesse contexto que se insere o instituto da competência – como forma de
racionalizar, de tornar viável a prestação jurisdicional. Dessa forma, é certo que
todos os juízes possuem jurisdição (conforme dissemos anteriormente), porém, é
igualmente verdadeiro que esses mesmos juízes só podem dizer o direito objetivo
aplicável ao caso concreto dentro dos limites de sua competência. Competência é,
pois, a medida da jurisdição. Com Karam (2002, p. 16), podemos arrematar dizendo
que enquanto abstratamente todos os órgãos do Poder Judiciário são investidos de
jurisdição, as regras de competência é que concretamente atribuem a cada um desses
órgãos o efetivo exercício da função jurisdicional.
10.6.Modificação da competência
É possível que em algumas situações seja necessária a modificação da
competência visando à uniformidade dos julgados, à segurança jurídica e à economia
processual.
Tais alterações não implicam ofensa ao princípio do juiz natural porque o órgão
jurisdicional para o qual é modificada a competência preexiste à infração penal e não
foi criado unicamente para julgá-la.
São exemplos de modificação da competência: a conexão, a continência e o
instituto do desaforamento no Tribunal do Júri.
10.6.2.Continência
Ocorre quando uma causa está contida na outra, sendo impossível separá-las.
Explicando melhor, a continência pode ser compreendida como o vínculo que liga
uma pluralidade de infratores a apenas uma infração ou a reunião em decorrência do
concurso formal de crimes, em que várias infrações decorrem de uma conduta. A
continência classifica-se em:
a) Continência por cumulação subjetiva (art. 77, I, CPP): ocorre quando duas ou
mais pessoas estão sendo acusadas da mesma infração. Ex.: dois agentes sendo
acusados de um roubo a banco;
b) Continência por cumulação objetiva (art. 77, II, CPP): ocorre em todas as
modalidades de concurso formal (art. 70, CP), incluindo a aberratio ictus (art. 73,
2a parte, CP) e aberratio criminis (art. 74, CP). Ex: motorista dirigindo
imprudentemente termina atropelando vários transeuntes.
10.6.3.Foro prevalente
Caracterizada a conexão ou a continência, impõe-se a definição de qual o foro
competente, ou seja, aquele perante o qual haverá a reunião de processos.
As regras de prevalência estão estabelecidas no art. 78, CPP. São elas:
a) Concurso entre crime doloso contra a vida e crime de competência da
jurisdição comum ou especializada (art. 78, I)
Quando houver ligação entre crime doloso contra a vida e crime de competência
da justiça comum a atração ocorrerá em favor do Tribunal do Júri. Em caso de
IMPO,90 prevalecerá a competência do Júri, mas deverá ser aberta a oportunidade da
transação penal e a composição civil ao indivíduo (art. 60, in fine, Lei 9.099/1995).
Concorrendo crime doloso contra a vida e crime com processamento na justiça
especializada (Eleitoral, Militar) impõe-se a separação dos processos. Ex.:
homicídio e crime eleitoral. Haverá separação de processos. O Júri julgará o
homicídio e a JE o crime eleitoral;
b) No concurso de jurisdições da mesma categoria (art. 78, II)
I – Preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave.
Ex.: roubo consumado em São Paulo conexo com receptação cometida em
Ribeirão Preto. Atração do foro de São Paulo, pois o roubo tem a pena em abstrato
mais grave;
II – Prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações
se as respectivas penas forem de igual gravidade.
Ex.: furto em Belo Horizonte conexo com duas receptações em Governador
Valadares. Competência do juízo de Governador Valadares, pois as infrações,
isoladamente, possuem a mesma pena em abstrato (1 a 4 anos), mas o número de
infrações foi maior em Governador Valadares;
III – Firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos. Ex.: infrações de
igual gravidade e quantidade;
c) No concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior
graduação (art. 78, III)
Quando acontecer de haver conexão ou continência entre delitos a serem
processados em graus distintos, prevalecerá, em regra, a competência daquele de
maior graduação. Ex.: Prefeito que comete crime em concurso com pessoa comum.
Em regra, ambos serão julgados pelo Tribunal de Justiça em razão da continência por
cumulação subjetiva (Súmula 704, STF).
Atenção: O plenário do STF firmou entendimento no sentido de que “o
desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência do STF deve ser
regra geral, admitida exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal
forma relacionados que o julgamento em separado possa causar prejuízo relevante à
prestação jurisdicional”. (STF, Rcl 24138 AgR, 2a Turma, DJ 14.09.2016 e Inq 3515
AgR/SP, Info. 735)
d) No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta (art. 78,
IV)
Ex.: quando um crime eleitoral é conexo a crime comum haverá reunião dos
processos e a competência para decidir a causa será da Justiça Eleitoral.
Atenção: a competência da Justiça Federal (justiça comum no âmbito da
jurisdição penal) exerce o papel de justiça especial quando confrontada com a justiça
comum estadual (competência residual). Sendo assim, havendo conexão entre um
crime com ação penal perante a justiça estadual e outro na federal, esta última atrairá
a competência para o julgamento dos processos (Súmula 122, STJ). Ex.: crime
praticado a bordo de aeronave (JF) conexo com crime de competência da justiça
estadual. Neste caso, a JF será competente para processar e julgar ambas as infrações.
Exerce a JF, conforme dito, o papel de justiça especial diante da justiça estadual.
10.6.4.Separação de processos
Ainda que haja conexão ou continência, é possível que os processos tramitem
separadamente.
a) Separação obrigatória (art. 79, CPP)
Impõe-se a separação dos processos nos seguintes casos:
a1) Concurso entre jurisdição comum e militar: por exemplo, crime de roubo
conexo com crime militar. Haverá separação – vide Súmula 90, STJ;
a2) Concurso entre jurisdição comum e juízo de menores (art. 228, CF, c/c art.
104, Lei 8.069/1990 – ECA): não é possível reunir processos em que respondam um
adulto, por infração penal, e um adolescente, por ato infracional. Haverá cisão;
a3) Doença mental superveniente: podemos citar como exemplo a situação em que
três réus estão sendo processados e um deles passa a sofrer de insanidade mental.
Haverá o desmembramento dos processos e o processo ficará suspenso quanto ao réu
insano;
b) Separação facultativa (art. 80, CPP)
Poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:
b1) quando as infrações forem praticadas em circunstância de tempo e lugar
diferentes: a depender do caso, pode ser conveniente a separação dos processos para
uma melhor colheita probatória;
b2) quando houver número excessivo de acusados: o grande número de acusados
pode acarretar sério prejuízo à duração do processo, pois deve ser dada a
oportunidade às oitivas de todas as testemunhas, à apresentação de provas por todos
eles, bem como às suas defesas técnicas e interrogatórios. Assim, o juiz, à luz do caso
concreto, poderá proceder à separação dos processos;
b3) quando surgir qualquer outro motivo relevante: a lei aqui não é específica,
deixando, portanto, ao prudente arbítrio do juiz a decisão a respeito da separação de
processos. De todo o modo, essa decisão deverá ser fundamentada.
10.7.Conflito de competência
Acontece quando dois ou mais juízes ou tribunais consideram-se competentes ou
incompetentes para processar e julgar a causa.
Nesse sentido, duas são as possibilidades que veremos a seguir.
10.8.2.Críticas
Há severas críticas ao instituto do colegiado em primeiro grau, notadamente em
relação a dois aspectos: violação ao princípio do juiz natural; vedação à menção do
voto divergente.
Em relação à violação do juiz natural, é possível sustentar a inconstitucionalidade
do dispositivo porque a formação do colegiado se dá em momento posterior à prática
do fato. Nessa linha de entendimento, estaríamos diante de órgão assemelhado a um
tribunal/juiz de exceção.
Por outro lado, podemos defender a interpretação conforme a Constituição a
partir da estrita obediência a regramentos claros e prévios ao fato delituoso, quais
sejam: permanência do juiz natural como membro do colegiado; decisão motivada em
risco concreto à integridade física do juiz natural; e o sorteio eletrônico de dois juízes
de primeiro grau com competência criminal. O STF já se manifestou em sentido
parecido na ADI 4414, Info 667 (organização criminosa e vara especializada).
No que tange à vedação de menção a voto divergente, vislumbra-se 3 (três)
possibilidades.
A primeira linha de argumentação parte da inconstitucionalidade plena do
dispositivo em razão da ausência de publicidade dos fundamentos do voto divergente
(art. 93, IX, CF). Importante dizer também que, com base nos fundamentos do voto
divergente, o recurso da parte poderia ser melhor estruturado nos casos de
condenação. Restaria, em última análise, certa restrição ao direito de recorrer.
O segundo aspecto diz respeito a um temperamento da crítica acima. Seria
preservada a identidade do juiz que divergiu, mas o conteúdo do seu voto deveria ser
publicizado pelas razões já expostas.
Por fim, uma terceira via segue o entendimento de que não se impõe a divulgação
de voto divergente na sentença porque “a divulgação do voto divergente retiraria a
eficácia do objetivo da lei que é a de diluir a responsabilidade, atribuindo-a
conjuntamente a três membros. (…) o conhecimento do voto divergente não ampliaria
para o acusado o seu direito de recorrer, pois não cabem contra as decisões do juízo
de primeiro grau embargos de divergência ou de nulidade.” (TÁVORA; ALENCAR.
2013. p. 275).
11. QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES
11.1.Compreendendo o tema
Por vezes, surgem incidentes no curso do processo penal que, embora acessórios,
afiguram-se relevantes para o deslinde da causa, devendo ser resolvidos antes da
sentença final. Tais incidentes são classificados pelo CPP como: questões
prejudiciais e processos incidentes
11.2.1.Conceito
São as questões relacionadas ao direito material, penal ou extrapenal, mas que
possuem ligação com o mérito da causa penal, motivo pelo qual se impõe a sua
solução antes do julgamento do processo criminal. Ex.: Fulano está sendo
processado pelo crime de bigamia e alega em sua defesa, entre outros aspectos, a
invalidade do 1° casamento.
Da situação anteriormente indicada, identificamos como questão prejudicial a
nulidade do 1° casamento, que tem natureza cível (extrapenal), e como questão
prejudicada, ou seja, a que está condicionada à solução da prejudicial, o crime de
bigamia. Se o casamento for nulo, não há que se falar em bigamia.
11.3.Processos incidentes
Assim como as questões prejudiciais, os processos incidentes também precisam
ser resolvidos pelo juiz antes de decidir a causa principal. Enquanto as prejudiciais
ligam-se ao mérito da questão principal, os processos incidentes dizem respeito ao
processo (à sua regularidade formal), podendo ser solucionados pelo próprio juiz
criminal.
12.1.1.Conceito
A palavra “prova” possui diversos significados, mas trabalharemos com apenas
uma dessas acepções, segundo a qual prova é todo elemento pelo qual se procura
demonstrar a veracidade de uma alegação ou de um fato, buscando, com isso,
influenciar o convencimento do julgador.
12.1.4.Princípios da prova
a) Princípio da autorresponsabilidade das partes: diz respeito à conduta probatória
das partes, que será determinante para o seu êxito ou fracasso ao final do processo.
As partes devem suportar os efeitos da sua atividade ou da inatividade probatória;
b) Princípio da audiência contraditória: remete à dialeticidade do processo, à
obrigatoriedade da produção da prova sob a égide do contraditório;
c) Princípio da aquisição ou da comunhão da prova: a prova, uma vez produzida,
pertence ao processo e não à parte que a produziu. Desse modo, o depoimento da
testemunha arrolada pela acusação poderá ser aproveitado pela defesa e vice-versa.
Igualmente, se uma das partes resolver desistir de uma prova (ex: depoimento de
testemunha arrolada em comum), a outra deverá ser ouvida para saber se tem interesse
na dispensa ou na sua oitiva;
d) Princípio da oralidade: consiste na predominância da colheita probatória através
da palavra falada. Ex: interrogatório; depoimentos das testemunhas; inquirição de
peritos etc.;
e) Princípio da publicidade: os atos, em regra, devem ser públicos. Contudo, há
diversas exceções, que serão analisadas pelo juiz, caso a caso, nos termos do art.
792, § 2°, CPP.
12.2.Provas em espécie
Passaremos, agora, a examinar as provas em espécie previstas no CPP, a começar
pelo exame de corpo de delito.
12.2.3.Confissão
A confissão não é a “rainha das provas” no Processo Penal brasileiro. Tem valor
relativo. Para que possa levar à condenação do réu, é preciso que esteja em harmonia
com as demais provas do processo (art. 197, CPP).
Ademais, a confissão não tem força para substituir a obrigatoriedade do exame de
corpo de delito nos crimes que deixam vestígios (vide art. 158, CPP).
O silêncio do réu no processo penal não importa em confissão presumida ou ficta.
Não esquecer que o silêncio do réu é um direito, e, sendo um direito, não pode trazer
consequência jurídica negativa para o acusado. Não valem as fórmulas: “quem cala
consente”; “quem não deve não teme” etc. Por tudo isso, a parte final do art. 198,
CPP, deve ser considerada inconstitucional.
a) Características da confissão (vide art. 200, CPP):
a1) divisibilidade: a confissão é divisível, i. e., pode o juiz aceitá-la apenas em parte
(pode aceitar apenas aquilo que lhe pareça mais verossímil);
a2) retratabilidade: o réu pode se retratar (“arrepender-se”) da confissão prestada.
Porém, a eventual retratação do réu não impede que o juiz, na sentença, valore
livremente (desde que de forma fundamentada) a confissão anteriormente efetuada. O
que queremos dizer é que, mesmo que ocorra a retratação da confissão, o juiz, ainda
assim, poderá se apoiar na anterior confissão do acusado como modo de formar o seu
convencimento sobre o caso;
a3) pessoalidade: apenas o réu pode realizar a confissão, sendo vedada a outorga
de poderes ao seu defensor com essa finalidade.
a4) liberdade e espontaneidade: o acusado não pode ser compelido de forma
alguma (física, moral ou psíquica) a confessar a prática do fato delituoso. Nesse
sentido, vale a leitura do art. 1°, I, Lei 9.455/1997 (Lei de Tortura).
b) Classificação. A confissão pode ser:
b1) explícita: quando o acusado explicitamente confessa a prática do delito;
b2) implícita: quando determinada conduta do acusado puder, de forma inequívoca,
ser compreendida como confissão. Ex.: réu que espontaneamente ressarcir a vítima;
b3) simples: quando o réu apenas confessa a prática do crime imputado, sem proceder
a qualquer acréscimo ou modificação dos fatos;
b4) complexa: quando confessa a prática de mais de um fato delituoso;
b5) qualificada: quando confessa, porém invoca justificante ou dirimente. Ex.:
confessa o crime, porém afirma que praticou o fato em legítima defesa;
b6) judicial: quando realizada em juízo (perante o magistrado);
b7) extrajudicial: quando realizada na delegacia ou perante outra pessoa que não o
magistrado.
12.2.4.Perguntas ao ofendido (art. 201, CPP)
Sempre que possível, a vítima deverá ser chamada para ser ouvida no processo
como forma de auxiliar a formação do convencimento do magistrado a respeito do
caso concreto. O depoimento do ofendido tem valor de prova relativo (é uma prova
como outra qualquer).
a) obrigatoriedade de comparecimento: “se, intimado para esse fim, deixar de
comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da
autoridade” (§ 1°). Vê-se, portanto, que o ofendido pode ser conduzido
coercitivamente à presença da autoridade, caso, intimado para depor, não compareça;
b) comunicações necessárias ao ofendido: “o ofendido será comunicado dos atos
processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de
data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou
modifiquem” (§ 2°).
Com efeito, essas “comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por
ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico” (§ 3°).
É necessário providenciar ao ofendido, antes do início da audiência e durante a
sua realização, espaço separado e reservado para aquele, como forma de evitar
contato com o seu agressor (§ 4°).
“Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento
multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de
saúde, a expensas do ofensor ou do Estado” (§ 5°).
Ademais, é dever do juiz adotar “as providências necessárias à preservação da
intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive,
determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras
informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios
de comunicação” (§ 6°).
Outra medida que pode ser adotada para viabilizar a oitiva do ofendido,
preservando-lhe os direitos fundamentais, é a coleta do seu depoimento por
videoconferência (art. 185, § 8°, CPP).
12.2.5.Prova testemunhal
a) Conceito: testemunha é pessoa desinteressada que depõe no processo acerca
daquilo que sabe sobre o fato;
b) Características do depoimento da testemunha:
b1) oralidade (art. 204, CPP): o depoimento será prestado oralmente, não sendo
permitido à testemunha trazê-lo por escrito. Porém, é possível consultar breves
apontamentos.
Exceção à regra da oralidade: o Presidente e o Vice-Presidente da República, os
presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal
Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as
perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, ser-lhes-ão transmitidas por
ofício – art. 221, § 1°, CPP;
b2) objetividade (art. 213, CPP): deve a testemunha responder objetivamente ao que
lhe for perguntado;
b3) individualidade: cada testemunha indicada deve ser ouvida individualmente;
b4) incomunicabilidade: as testemunhas não podem se comunicar (art. 210, CPP);
b5) prestação de compromisso: normalmente, a pessoa arrolada para depor no
processo deve, antes de iniciar o seu depoimento, prestar o compromisso de dizer a
verdade perante o magistrado. O compromisso é, consoante definição legal do art.
203, CPP, a promessa, feita pela testemunha, sob palavra de honra, “de dizer a
verdade do que souber e lhe for perguntado”.
Certas pessoas, porém, estão dispensadas de prestar o referido compromisso
(ex.: o pai do acusado), não sendo tecnicamente consideradas como “testemunha” por
certo setor da doutrina. Tais pessoas (que não prestam o compromisso de dizer a
verdade) são apelidadas pela doutrina de informantes ou declarantes.
Para esses autores, que fazem a distinção entre “testemunhas” (aquelas pessoas
que têm o dever de prestar o compromisso de dizer a verdade) e “informantes” (as
pessoas que depõem no processo, mas que, por lei, são dispensadas do referido
compromisso), apenas as primeiras (as testemunhas, portanto) é que, em caso de falta
com a verdade, responderiam pelo delito de falso testemunho (art. 342, CP):
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou
intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”
Em resumo, temos:
Contradita: ocorre em relação às pessoas proibidas de depor e no caso de
depoimento que deve ser tomado sem compromisso;
Arguição de defeito: invoca-se quando a testemunha for indigna de fé ou suspeita
de parcialidade. Visa a diminuir o “valor” do depoimento: amigo, inimigo etc.109
12.2.7.Acareação
Acarear é pôr face a face pessoas que apresentaram depoimentos divergentes nos
autos. Pode se dar entre testemunhas, acusados, ofendidos, entre acusado e
testemunha, entre acusado e ofendido ou entre testemunha e ofendido (vide art. 229,
CPP).
Consoante o parágrafo único desse dispositivo, os acareados serão indagados
pela autoridade para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo
o ato de acareação.
É possível também a acareação por meio de carta precatória quando as pessoas a
serem acareadas estiverem em comarcas distintas (consultar o art. 230, CPP).
12.2.8.Prova documental
a) Conceito: de acordo com o art. 232, CPP, documentos são quaisquer escritos,
instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.
Atualmente, porém, em termos jurídicos, considera-se documento tudo aquilo
capaz de demonstrar determinado fato. Ex.: áudio, vídeo etc. (documento em sentido
amplo);
b) Requisitos:
São requisitos da prova documental: a verdade (a constatação do que está contido
no documento) e a autenticidade (identificação de quem produziu o documento);
c) Algumas notas importantes sobre a prova documental:
c1) Ressalvadas algumas exceções legais, as partes poderão apresentar documentos
em qualquer fase do processo – art. 231, CPP. Segue caso de restrição de
apresentação da prova documental: apresentação de documentos em plenário do júri.
Confira-se o seguinte dispositivo:
“Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não
tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte”;
12.2.9.Indícios
a) Conceito: segundo o art. 239, CPP, considera-se indício a circunstância
conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
Segundo a doutrina, indício não se confunde com presunção. Esta “é um
conhecimento fundado sobre a ordem normal das coisas e que dura até prova em
contrário” (PIERANGELLI apud MIRABETE, 2002, p. 317).
Tanto o indício como a presunção são provas indiretas, ou seja, a representação
do fato a provar se faz por meio de uma construção lógica (MIRABETE, 2002, p.
316).
Embora os indícios e presunções possuam, em tese, o mesmo valor que as demais
provas é preciso que o julgador os avalie com cautela.
12.2.10.Busca e apreensão
a) Conceito: trata-se não propriamente de um meio de prova (consoante sugere o
CPP), mas de um meio de obtenção da prova (BADARÓ, 2008, t. I, p. 271), de
natureza acautelatória e coercitiva, consistente no apossamento de objetos ou pessoas;
b) O que pode ser objeto de busca e apreensão? Os objetos sobre os quais podem
recair a busca e apreensão encontram-se nos §§ 1° e 2° do art. 240, CPP. Enquanto o §
1° trata da busca domiciliar (realizada em domicílio), o § 2° trata da busca pessoal
(realizada na própria pessoa). Analisemos esses parágrafos:
“Art. 240, § 1°: Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:”
a) prender criminosos.
Nota: salvo nos casos de prisão em flagrante, será necessária prévia ordem judicial
para efetuar a busca e apreensão de criminosos. Não pode o delegado, portanto,
determiná-la sem prévia ordem de um juiz, salvo se se tratar de flagrante delito;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou
contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou
destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;110
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando
haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do
fato.
Nota: vale notar que, conforme determina o art. 5°, XII, CF, a comunicação por
meio de carta é inviolável. A CF, inclusive, não previu exceções aqui (consoante fez
no caso de comunicação telefônica). Apesar disso, o STF (MS: 25686 DF j.
14.03.2016 e HC 70814/SP, DJ 24.06.1994) e o STJ (HC 203371,DJe 17.09.2012,
Inf. 496) já decidiram que o sigilo das correspondências não é absoluto, podendo sim,
em certos casos, ser violado. Ver também: decisão do STJ sobre a quebra de sigilo de
correio eletrônico – HC 315.220/RS, 6a Turma, DJ 09.10.2015. Partindo desses
julgados dos tribunais superiores, pensamos que, na falta de disciplina legal sobre o
tema, para que se possa violar a correspondência de alguém, são necessários os
mesmos requisitos da interceptação telefônica (art. 2°, Lei 9.296/1996), i. e.:
necessidade de prévia ordem judicial, crime punido com reclusão etc.;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
Nota: é oportuno salientar que a busca domiciliar, conforme impõe o art. 5°, XI,
CF, deverá ser realizada, como regra, de dia e se houver prévio mandado judicial.
Ver exceções relacionadas a crimes permanentes no STF (RE 603616/RO, DJe
10.05.2016). Assim, é inconstitucional o art. 241, CPP, quando afirma que, no caso de
o próprio delegado realizar a busca domiciliar, será desnecessário o mandado
judicial. Confira-se o dispositivo:
“Art. 241. Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar
deverá ser precedida da expedição de mandado.”
Desse modo, mesmo que a busca domiciliar seja realizada pela própria
autoridade policial, o mandado judicial revela-se indispensável. Isto é assim porque
o art. 5°, XI, da CF estabelece, de maneira expressa, a necessidade de mandado
judicial para ingressar em casa alheia, sem fazer exceção em relação à autoridade
policial. Acrescente-se que a busca realizada no interior de veículo automotor não
necessita de prévio mandado judicial, salvo se o veículo for utilizado como
moradia (trailer, p. ex.) – STJ, HC 216437, DJe 08.03.2013, Inf. 505.
Atenção: Segundo reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por
se tratar o tráfico de drogas de delito de natureza permanente, assim compreendido
aquele em que a consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de
mandado de busca e apreensão para o ingresso dos policiais na residência do
acusado, a fim de fazer cessar a atividade criminosa, conforme ressalva prevista no
art. 5°, XI, da Constituição Federal (prisão em flagrante), HC 349.248/SP, 5a Turma,
DJ 19.05.2016 e HC 406536/SP, DJe 17.10.2017. Contudo, a 6a Turma do STJ, em
recente julgado, assinalou que “a mera intuição acerca de eventual traficância
praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial em via pública
para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu
domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial” (STJ, REsp
1574681, Dje 30.05.2017). O mesmo posicionamento é adotado pela Corte no caso
do crime de posse ilegal de arma de fogo (HC 349109/RS, DJe 06.11.2017).
Passemos, agora, ao exame da busca pessoal:
“Art. 240, § 2°: Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte
consigo arma proibida ou algum dos objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.”
13.1.Conceito
S ã o as pessoas entre as quais se constitui, se desenvolve e se completa a
relação jurídico-processual (MIRABETE, 2001, p. 324). Ou, ainda:são as diversas
pessoas que, direta ou indiretamente, atuam no curso do processo, visando à
prática de atos processuais.
13.4.Juiz
Conforme dispõe o art. 251, CPP, ao magistrado cabe assegurar a regularidade do
processo e a ordem no curso dos atos processuais.
a) Prerrogativas (ou garantias): para que seja efetivo o exercício da atividade
jurisdicional, a CF (art. 95) confere ao juiz algumas garantias, quais sejam:
a1) Vitaliciedade: consistente na impossibilidade de perda do cargo, salvo por
sentença transitada em julgado. A vitaliciedade, no primeiro grau, só será adquirida
após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de
deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado e, nos demais casos (após os 2
anos de exercício), de sentença judicial transitada em julgado;
a2) Inamovibilidade: consiste na vedação de remoção do juiz, salvo por interesse
público, nos termos do art. 93, VIII, CF;
a3) Irredutibilidade de subsídio: consiste na impossibilidade de redução da
remuneração do juiz, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4°, 150, II, 153,
III, e 153, § 2°, I, todos da CF.
Ademais, é fundamental que o juiz seja imparcial, ou seja, neutro em relação às
partes e ao objeto do processo. A imparcialidade do juiz é, na verdade, dogma do
próprio sistema acusatório pretendido pelo Constituinte de 1988.
Vejamos, agora, os casos de impedimento e suspeição do magistrado;
b) Impedimento: ocorre quando há interesse do juiz no objeto da demanda, afetando a
própria jurisdição e provocando a inexistência do processo. Com efeito, são motivos
de incapacidade objetiva do juiz. O impedimento deve ser reconhecido de ofício pelo
juiz; não o fazendo pode qualquer das partes argui-lo, adotando-se o mesmo rito da
suspeição – vide art. 112, parte final, CPP. Eis os casos de impedimento
(considerados taxativos):
“Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça
ou perito;
II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;
III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;
IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.”
c) Suspeição: ocorre quando o juiz não tem a necessária imparcialidade para julgar
(por interesses ou sentimentos pessoais – incapacidade subjetiva do juiz). A
imparcialidade é pressuposto de validade do processo. O juiz pode se dar por
suspeito de ofício, não o fazendo as partes poderão recusá-lo.
Eis os casos de suspeição do juiz (a jurisprudência entende que o rol abaixo não
é taxativo):
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:”
I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;”
13.5.Ministério Público
De acordo com o art. 127, CF: “o Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
O MP é, assim, responsável pela manutenção do equilíbrio jurídico da sociedade.
a) Natureza da instituição: conforme aponta certa doutrina, o MP integra o Estado,
mas não está atrelado a nenhum dos Poderes. É, portanto, instituição independente e
fiscalizadora dos Poderes, desempenhando função essencial à justiça;
b) Prerrogativas (ou garantias): as mesmas do magistrado, ou seja, vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio;
c) Papel do MP no processo penal: possui função dúplice. Atua como órgão
legitimado para a acusação, sendo o titular exclusivo das ações penais públicas (art.
129, I, CF), mas, acima de tudo, funciona, necessariamente, como fiscal da lei em
todos os processos (art. 127, CF).
Em decorrência disso, não está o MP obrigado a oferecer a denúncia ou a pedir a
condenação do acusado quando inexistirem elementos legais ou fáticos nos autos.
Desse modo, se no momento da opinio delicti (elaboração da denúncia) entender o
MP que não há fundamento para a ação penal, deverá manifestar-se pelo arquivamento
do inquérito ou das peças de informação. Da mesma forma, se, ao final da instrução,
verificar que não há motivo para a condenação do acusado, deve pugnar pela sua
absolvição. O seu principal compromisso é com a observância da lei, dos valores
constitucionais, motivo pelo qual a função de fiscal da lei está, inequivocamente,
acima da função acusatória.
d) A atuação do MP na ação penal pública:
Atua como parte formal. Como dito, não é uma parte como outra qualquer, pois
atua como fiscal da lei e tem compromisso, em última análise, com a promoção da
justiça no processo penal. Não está, assim, adstrito ao pleito condenatório. Pode
impetrar HC, MS, pedir a absolvição do acusado, recorrer em prol deste. Note-se que
o MP sempre exerce a função de custos legis, mesmo quando é autor da ação;
e) A atuação do MP na ação penal privada
e1) Exclusivamente privada/personalíssima
Na ação privada, o MP atua como fiscal da lei. Pode aditar a queixa para, por
exemplo, promover correções formais (indicação do procedimento adequado, dia,
hora e local do crime etc.).
Dentre as funções que desempenha na ação privada, está a de velar por sua
indivisibilidade. Assim, em caso de exclusão indevida de agente(s) pelo querelante,
conforme sustenta certo setor da doutrina, não deve o MP aditar a queixa. Deve, no
prazo previsto pelo § 2° do art. 46 do CPP, provocar a vítima para que esta promova
o aditamento.
Em caso de sentença condenatória proferida contra o querelado, pode o MP, na
função de custos legis, apelar pedindo a sua absolvição ou, noutro giro, apelar
pedindo a exasperação da pena.
Sendo a sentença absolutória, entende-se que o MP não poderá apelar (buscando
a condenação, p. ex.). É que vige aqui o princípio da oportunidade;
e2) Subsidiária da pública
A atuação do MP aqui é bem mais intensa, uma vez que embora essa ação penal
seja encabeçada pela vítima, ela (a ação) continua a possuir notória natureza pública.
Assim, é possível ao MP (art. 29, CPP):
I – Aditar a queixa para incluir novos fatos e/ou novos agentes (prazo de 3 dias –
art. 46, § 2°, CPP);
II – Repudiar a queixa quando esta for, por exemplo, inepta, apresentando
denúncia substitutiva;
III – Fornecer elementos de prova;
IV – Interpor recurso;
V – A todo tempo, retomar como parte principal em caso de negligência por parte
do querelante.
f) Hipóteses de suspeição e impedimento do MP: tais hipóteses são, mutatis
mutandis, as mesmas do juiz (consultar a exposição efetuada anteriormente).
Por outro lado, vale recordar a Súmula 234, STJ, que diz:“a participação de
membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu
impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Não faria mesmo
sentido restringir a participação do membro ministerial que atuou na fase de
investigação, haja vista o papel do MP de titular da ação penal pública. Ademais,
lembre-se de que as investigações criminais têm o MP como destinatário imediato;
g) Princípios que informam o MP (princípios institucionais)
g1) Unidade: consiste na integralidade do MP como instituição pública. Isto não
provoca qualquer óbice em relação à distribuição das atribuições, já que é preciso
fracioná-las para que se obtenha uma atuação mais eficiente de seus membros;
g2) Indivisibilidade: qualquer integrante do mesmo MP pode atuar no feito em curso
sem a necessidade de designação específica. Essa atuação ocorre muito em comarcas
situadas no interior dos Estados, quando, por exemplo, um promotor está em período
de férias e outro, de comarca vizinha, assume temporariamente as suas atribuições.
Não lhe será exigido qualquer ato específico de designação para aquele processo.
Portanto, seus reflexos se dão predominantemente no âmbito endoprocessual, ou seja,
no interior da relação processual;
g3) Independência funcional: O MP, no exercício das suas atribuições respectivas,
não está subordinado a qualquer dos Poderes do Estado.
13.6.Querelante (vítima)
É o sujeito ativo da ação penal privada. O querelante atua como legitimado
extraordinário, i. e., age em nome próprio, defendendo interesse do Estado (que é o
titular do direito de punir).
13.7.Assistente de acusação
É a vítima ou seu representante legal, ou, na falta destes, o CCADI, que se
habilita para intervir como auxiliar acusatório do MP na ação penal pública (vide art.
268, CPP).
13.8.Acusado
O réu ocupa o polo passivo da relação processual penal. Por conta de um critério
biopsicológico adotado pelo CP e pela CF, só pode ser acusado o maior de 18 anos.
Ainda no que concerne à idade do acusado, é importante destacar que as
disposições dos arts. 15, 262 e 564, III, “c”, CPP, foram tacitamente revogadas pelo
Código Civil de 2002. Com o advento deste Código, estabelecendo a maioridade
civil aos 18 anos, as disposições inerentes à nomeação de curador para o réu maior
de 18 anos e menor de 21 anos perderam o sentido.
Por outro lado, recorde-se que, nas ações penais privadas, o réu recebe a
denominação de querelado.
Ainda, a pessoa jurídica é admitida atualmente como ré nos crimes ambientais,
sendo bastante controversa a aplicação da teoria da dupla imputação, segundo a qual
a pessoa física que causou o dano deve integrar o polo passivo como corréu.
13.8.1.Direitos do acusado
Por ser a parte mais frágil da relação processual penal, ao acusado são garantidos
diversos direitos, buscando-se, assim, dentre outras coisas, assegurar a ampla defesa
e evitar abusos por parte do órgão de acusação e do Estado-juiz. Já examinamos
grande parte desses direitos ao longo desse livro. Apenas para lembrar, listamos aqui
alguns: direito ao silêncio; direito de entrevistar-se previamente com seu defensor
antes do interrogatório; direito à defesa técnica; direito de ser considerado
presumidamente inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória etc.
13.9.Defensor
É aquele que, possuindo capacidade postulatória, patrocina a defesa técnica
do acusado.
Vale recordar que a defesa técnica no processo penal é obrigatória, sob pena de
nulidade absoluta do processo (art. 261, CPP). Nesse sentido, STF, Súmula 523: “no
processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só
o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Isso é assim porque o réu é
reconhecidamente sujeito hipossuficiente na relação processual penal, necessitando
de amparo técnico para o exercício de sua defesa (direito inalienável e
irrevogável).115
Rememore-se também que, caso o acusado possua capacidade postulatória,
poderá, querendo, exercer o autopatrocínio (autodefender-se), hipótese em que a
presença de um defensor técnico poderá ser dispensada.
É oportuno transcrever o teor do art. 265, CPP, que diz: “o defensor não poderá
abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz,
sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais
sanções cabíveis. § 1° A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o
defensor não puder comparecer. § 2° Incumbe ao defensor provar o impedimento até a
abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato
algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente
ou só para o efeito do ato”.
Por questões didáticas, apresentaremos abaixo as denominações comumente
utilizadas para o defensor:
I – Constituído (ou procurador): é o defensor constituído pelo acusado por meio
de procuração ou, diretamente, por meio de indicação verbal no momento em que for
ouvido pela primeira vez;
II – Defensor público: membro da Defensoria Pública, no contexto aqui
trabalhado, atua na defesa dos interesses daqueles que não dispõem de recursos
financeiros para arcar com as despesas de um advogado particular. A sua atuação, em
regra, independe da constituição por meio de procuração, salvo nas hipóteses dos
arts. 39 e 44, CPP.
A Defensoria goza de prerrogativas processuais (arts. 44, 89 e 128, todos da LC
80/1994). Algumas das prerrogativas são: a intimação pessoal de quaisquer atos, em
qualquer processo ou grau, jurisdicional ou administrativo; a contagem em dobro dos
seus prazos; o livre acesso nos estabelecimentos em que atuam; realização de vista
pessoal dos autos; e a comunicação pessoal e reservada com os seus assistidos.
III – Defensor dativo: é o advogado nomeado pelo juiz ante a ausência de
defensor constituído pelo réu e/ou de defensor público na comarca;
IV – Defensor ad hoc: é o advogado designado pelo juiz para atuar na prática de
determinado ato do processo. Esta designação decorre da ausência de defensor
constituído e/ou de defensor público no momento em que se necessita de um patrono
para atuar/acompanhar certo ato.
13.11.Auxiliares do juízo
São aqueles que colaboram com o julgador quando este necessita de
conhecimentos especializados em determinada área do saber humano. Ex.: perito e
intérprete.
É oportuno destacar que os assistentes técnicos não são considerados auxiliares
do juiz, pois possuem vínculo com as partes (art. 159, §§ 3° e 4°, CPP). São, pois,
contratados pelas partes para oferecer parecer técnico sobre algum assunto.
13.11.1.Suspeição e impedimento:
Aplicam-se as regras de suspeição e impedimento (por analogia) relativas aos
juízes ao perito e ao intérprete (arts. 280 e 281, CPP).
14.1.1.Prisão civil
Atualmente, esta modalidade de prisão só existe para o devedor (voluntário e
inescusável) de alimentos (art. 5°, LXVII, CF)116, pois, com o advento da Súmula
vinculante 25 do STF, passou-se a considerar “ilícita a prisão civil do depositário
infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Ademais, vale recordar que o
Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 7°, § 7°, já previa: “ninguém deve ser
detido por dívida”.
14.3.1.Prisão em flagrante
Situação em que qualquer pessoa poderá efetuar a prisão do indivíduo sem a
necessidade de prévia ordem judicial (vide art. 301, CPP). Sobre esta modalidade,
aprofundaremos a abordagem mais adiante.
14.5.1.Durante o dia
Por meio de flagrante delito; para prestar socorro; em caso de desastre; e através
de mandado judicial. A expressão “dia”, segundo majoritária doutrina, compreende o
período das 06h00 às 18h00.
14.5.2.Durante a noite
Por meio de flagrante delito; para prestar socorro; e em caso de desastre.
Impossível, portanto, durante o período noturno, adentrar em casa alheia (seja a do
próprio infrator, seja a de terceiros) para dar cumprimento a mandado judicial. Nesse
ponto, oportuno transcrever o art. 293, CPP, que dispõe: “se o executor do mandado
verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador
será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido
imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na
casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação
ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa
incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.
Parágrafo único. O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será
levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de
direito”.120
Observação: a expressão “casa”, constante da passagem constitucional citada,
possui ampla abrangência. Para o CP (art. 150, § 4°), o termo “casa” compreende: “I
– qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva; III –
compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”.
Para tornar mais claro, seguem alguns exemplos de “casa”: estabelecimento comercial
(STF, HC 106566, DJe 19.03.2015); escritório de contabilidade (STF HC 103325,
DJe 30.10.2014 e HC 93050/RJ, DJe 01.08.2008); quarto de hotel ocupado (STF
RHC 90376/RJ,DJe 18.05.2007); escritório de advocacia; consultório médico;
quarto de pensão (NUCCI, 2006, p. 510).
Por outro lado, para o CP, não se compreendem na expressão “casa” (art. 150, §
5°): “I – hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta,
salvo a restrição do n. II do § 4° (i. e.: aposento ocupado de habitação coletiva); II –
taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero”.
14.7.Prisão em perseguição
O § 1° do art. 290, CPP, afirma que a perseguição ocorre quando o executor: a)
avista o infrator e o persegue sem interrupção, embora depois o perca de vista; e b)
sabe, por indícios ou informações fidedignas, que o infrator passou, há pouco tempo,
em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, vai a seu encalço (chama a
doutrina esta situação de “encalço fictício”).
Pois bem, quando em perseguição (seja por conta de flagrante delito seja por
conta de ordem judicial), é perfeitamente possível realizar a prisão do sujeito em
território de outra Comarca (sendo desnecessária, nesse caso, a expedição de carta
precatória). Efetuada a captura nessa situação (Comarca diversa), o executor deverá
apresentar imediatamente o capturado à autoridade local (leia-se: delegado,
conforme Nucci, 2006, p. 576). Tratando-se de prisão em flagrante, incumbirá à
autoridade do local da captura (delegado) lavrar o auto de prisão em flagrante,
providenciando-se, posteriormente, a remoção do preso. Em caso de prisão por
mandado judicial, capturado o infrator e apresentado à autoridade local (delegado),
também deverá ocorrer a posterior remoção do preso para que fique à disposição do
juiz que decretou a ordem.
Finalmente, o § 2° do art. 290 afirma que, quando as autoridades locais tiverem
fundadas razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade
do mandado judicial apresentado, poderão pôr em custódia o réu, até que fique
esclarecida a dúvida.
14.8.Prisão especial
Entendendo o tema: quis o legislador ordinário que determinadas pessoas, por
conta do cargo/função que exercem, em caso de prisão provisória (flagrante,
preventiva e temporária), ficassem segregadas em estabelecimentos distintos da
prisão comum. A isso, convencionou-se chamar de “prisão especial”.
A pessoa que faz jus a esse tipo de prisão deverá permanecer encarcerada em
local distinto da prisão comum (§ 1° do art. 295, CPP). Inexistindo estabelecimento
específico, o preso especial deverá ficar em cela separada dentro de estabelecimento
penal comum (§ 2°). De um jeito ou de outro, “a cela especial poderá consistir em
alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela
concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados
à existência humana” (§ 3°).
Sendo realmente impossível acomodar o preso especial em local apropriado,
permite a Lei 5.256/1967 que, ouvido o MP, o juiz submeta o indivíduo à prisão
domiciliar, oportunidade em que ficará detido em sua própria residência.
Além de ter direito a ficar segregado em local distinto da prisão comum, o preso
especial também faz jus a não ser transportado juntamente com os presos comuns (§
4°).
Mas quem seriam essas pessoas com direito à prisão especial? Há uma extensa
lista de pessoas no arts. 295 e 296, CPP (cuja leitura recomendamos). Porém, esse rol
não é exaustivo, visto que diversos outros indivíduos também gozam do direito à
prisão especial. A título de exemplo, temos o defensor público (art. 44, III – DPU; art.
89, III – DPDFT; art. 128, III – DPE, todos da LC 80/1994, bem como os membros do
MP e do MPU, respectivamente (art. 40, V, Lei 8.625/1993; art. 18, II, “e”, LC 75/93)
que, se presos provisoriamente, têm direito a serem recolhidos em sala de Estado
Maior,122 com instalações e comodidades condignas, garantida a sua privacidade, e,
na sua falta, prisão domiciliar. Contudo, não terá direito ao recolhimento provisório
em sala de Estado Maior o advogado que estiver suspenso dos quadros da OAB (STJ,
Info. 591). Ver também o art. 84, § 2°, LEP.
No caso de execução provisória da pena, o STF e STJ entendem que o advogado
condenado não possui mais o direito de permanecer preso em sala de Estado Maior,
uma vez que a prerrogativa seria aplicável somente à prisão cautelar e não à prisão-
pena. (STJ, HC 356158/SP, DJe 06.06.2016 e STF, RHC 155360, Dje 21.06.2018).
Observações finais: a) note o leitor que a prisão especial só tem cabimento
enquanto não ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Ocorrendo este, deve o preso ser encaminhado ao estabelecimento penal comum,
salvo se, à época do fato, era funcionário da administração da justiça criminal, caso
em que, mesmo após a sentença definitiva, deverá permanecer separado dos demais
presos (art. 84, § 2°, LEP); e b) apesar de apoiada por significativo setor da
comunidade jurídica, a prisão especial, segundo pensamos, salvo no caso do art. 84, §
2°, LEP, configura vergonhosa ofensa ao princípio da isonomia (art. 5°, caput, CF).
Ilustrativamente, recorde-se a prisão especial para “os diplomados em curso
superior”. O tratamento “especial” (elitista) aqui dispensado pauta-se, na verdade, no
padrão social/cultural ao qual pertence o indivíduo (algo absurdo). Assim, somente os
que conseguem acesso a um curso superior fazem jus a esse tratamento distinto (leia-
se: desigual). Nesse sentido, consultar as afiadas críticas que Nucci (2006, p. 580) faz
sobre o tema.
14.9.2.Natureza
É controversa a natureza jurídica da prisão em flagrante. Prevalece, no entanto, o
entendimento de que se trata de ato complexo (ato administrativo + ato processual).
Explica-se. No ato da captura, a prisão em flagrante teria natureza administrativa.
Por outro lado, no momento da comunicação do flagrante ao juiz competente
(conforme impõe o art. 5°, LXII, CF), em caso demanutenção do ato prisional por
parte deste, a prisão em flagrante passaria a ter natureza processual (cautelar)
(TOURINHO FILHO, 2005, v. 1, p. 711).
14.10.4.Condições de admissibilidade
Quais crimes/situações admitem a preventiva? Vejamos.
a) Crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4
anos (art. 313, I, CPP). Como a lei fala em “crime doloso”, não cabe preventiva em
relação a crime culposo, nem em face de contravenção penal (que não é crime no
sentido estrito da palavra). Porém, não basta o crime ser doloso, é preciso que seja
punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos (ex.: roubo – art.
157, CP. A pena privativa de liberdade máxima do roubo é superior a 4 anos);
b) Condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado,
ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64, CP (art. 313, II, CPP). Trata-
se aqui de hipótese de reincidência em crime doloso. Nesse caso, existe uma
condenação definitiva anterior por crime doloso contra o agente e este, dentro do
prazo de 5 anos, após o cumprimento (ou extinção) da pena, comete novo crime
doloso. Explica-se com um exemplo: Fulano, em 05.01.2002, é condenado em
definitivo por roubo (crime doloso). Em 05.01.2008, a pena termina de ser cumprida.
Pois bem, nos próximos 5 anos, contados a partir desta última data (05.01.2008), caso
Fulano pratique novo crime doloso, poderá vir a ser preso preventivamente se os
demais requisitos da preventiva também estiverem presentes;
c) O crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução
das medidas protetivas de urgência (art. 313, III, CPP)134. Essa condição de
admissibilidade da preventiva visa a dar maior efetividade às medidas protetivas
previstas sobretudo nos arts. 22 a 24, Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)135.
Porém, conforme significativo setor da comunidade jurídica, para se decretar a
preventiva nessa situação, além de se constatar o descumprimento da medida
protetiva, faz-se necessário que a violência doméstica cometida se trate de crime
doloso e que ao menos uma das hipóteses autorizadoras da preventiva esteja presente
(garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal etc. – STJ HC
173454/DF, DJe 22.11.2010 e HC 355.466/SC, 5a Turma, DJ 22.06.2016. Ex.:
praticada lesão corporal dolosa em situação de violência doméstica contra a mulher e
aplicada a medida de afastamento do lar ao agente (art. 22, II, Lei 11.340/2006), caso
este venha descumprir a medida e, também, a instrução criminal se encontre
ameaçada, pode o juiz vir a decretar-lhe a preventiva;
Comentários: é preciso cautela aqui, pois o dispositivo dá a entender que o
simples descumprimento de uma medida protetiva ensejaria (automaticamente) a
preventiva. Não é essa a melhor interpretação. Pode o magistrado valer-se de força
policial, aplicação de multa etc., para dar efetividade às medidas protetivas, sem
precisar decretar a preventiva. É preciso que um dos fundamentos estejam presentes.
d) Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a
identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para
esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a
identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (art.
313, parágrafo único, CPP);
Comentários:
✓ Má redação do dispositivo;
✓ Lembrar que a dúvida em relação à identidade civil poderá acarretar na
identificação criminal (conforme dispõe o art. 3° da Lei 12.037/2009). Logo, não há
que se falar em prisão automática;
✓ A prisão aqui só caberia em situações excepcionais, como, p. ex.: negativa em
identificar-se criminalmente.
✓ Seja como for, uma vez identificado deverá ser colocado em liberdade
imediatamente.
✓ O dispositivo não faz menção ao delito praticado. Por um critério de
proporcionalidade, caberia apenas para crimes DOLOSOS. É preciso cautela aqui.
e) A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento
de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (arts.
319 e art. 282, § 4°, CPP). Ex.: imagine-se que, no curso do processo, o juiz fixa ao
acusado a obrigação de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de
folga (art. 319, V). Descumprida injustificadamente esta medida, será possível a
decretação da preventiva.
14.10.5.Resumo
Em suma, para se decretar a preventiva é preciso:
a) Presença concomitante dos pressupostos autorizadores (indício suficiente de
autoria + prova da materialidade);
b) Presença de pelo menos um dos fundamentos (garantia da ordem pública, da
ordem econômica, aplicação da lei penal ou conveniência da instrução criminal);
c) Que o crime/situação comporte a preventiva. Seguem os casos (alternativos):
c1) crime doloso com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos;
c2) reincidência em crime doloso;
c3) o crime envolver violência doméstica e familiar, para garantir a execução das
medidas protetivas de urgência;
c4) houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer
elementos suficientes para esclarecê-la;
c5) descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras
medidas cautelares.
OBSERVAÇÕES FINAIS:
I – O juiz não deve decretar a preventiva se perceber que o fato foi praticado sob
o amparo de excludente de ilicitude (legítima defesa, por exemplo) – art. 314, CPP.
Ao contrário, nessa situação, impõe-se a liberdade provisória (art. 310, CPP);
II – O decreto de preventiva, como toda decisão judicial, necessita sempre ser
motivado (arts. 315, CPP, e 93, IX, CF);
III – Até o trânsito em julgado, a prisão preventiva poderá ser revogada ou
novamente decretada quantas vezes se mostrar necessária (art. 282, § 5°, CPP);
IV – O CPP não estabelece um prazo pelo qual o réu possa permanecer preso
preventivamente. Apesar disso, o acusado não pode ficar “anos a fio” preso à
disposição do Estado. Quando este (o Estado – leia-se: juiz, MP etc.) der causa à
lentidão do processo, será possível impetrar HC alegando a ilegalidade da prisão por
excesso de prazo na instrução criminal (STJ, HC 173050/PB,DJe 21.02.2011 e HC
339934/MT, DJe 20.09.2016 e STF, HC 141583/RN, DJe 02/10/2017 e Info. 878, de
18 a 22 de setembro de 2017);
V – Atualmente, após o advento da Lei 12.403/2011, determina o § 3° do art. 282,
CPP, que o juiz, antes de decidir a respeito da prisão preventiva do indivíduo,
possibilite, em homenagem ao princípio do contraditório, que a defesa se manifeste
sobre o pedido de prisão. Porém, esse mesmo § 3°, adverte que a manifestação
defensiva poderá ser dispensada quando se tratar de caso urgente ou de perigo de
ineficácia da medida.
VI – Sentença condenatória recorrível e preventiva: segundo o atual § 1° do art.
387, CPP, “o juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso,
a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do
conhecimento de apelação que vier a ser interposta”. Ou seja, podemos extrair a
seguinte conclusão: caso o réu tenha permanecido preso ao longo do processo, não
existe “manutenção automática de preventiva ou de outra medida cautelar” por
ocasião de sentença condenatória recorrível. Será preciso, sempre, fundamentar a
eventual manutenção da preventiva ou de outra medida cautelar. Não existindo mais
motivo para a prisão (ou para a manutenção de outra medida cautelar), deverá o réu
ser conservado em liberdade.
14.11.2.Características básicas
a) Diferentemente da preventiva, a temporária não pode ser decretada de ofício pelo
juiz. Sua decretação depende de representação (pedido) da autoridade policial ou de
requerimento do MP (art. 2°, Lei 7.960/1989). Quando for caso de representação do
delegado, o juiz, antes de decidir, deverá ouvir o MP (§ 1°);
b) A leitura isolada do art. 1° da Lei 7.960/1989 indica que a temporária só seria
cabível no curso do IP. Em geral, essa tem sido, há tempos, a prática do judiciário:
reconhecer o cabimento da temporária apenas durante o IP. Porém, em razão da
alteração do art. 283, CPP, pela Lei 12.403/2011, há quem defenda que, desde
então, passou a ser possível a decretação da temporária no curso do processo
também. Vide: Távora (2015, p. 862-3) e Brasileiro (2016, p. 862-3).
c) Distintamente da preventiva, a temporária possui prazo determinado (art. 2°, Lei
7.960/1989). Em regra, o prazo da prisão temporária é de 5 dias prorrogável por
mais 5 (note, portanto, que tal prazo se afina com o previsto no art. 10, CPP). Porém,
sendo o crime hediondo ou equiparado (“t”ráfico de drogas, “t”ortura e “t”errorismo
– vulgo “TTT”), o prazo da temporária será de até 30 dias, prorrogável por mais 30
em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2°, § 4°, Lei 8.072/1990).
14.11.3.Hipóteses de cabimento (incisos do art. 1° da Lei)
Inc. I: “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”. A
prisão amparada nesta hipótese não pode ser encarada como uma mera conveniência
do Judiciário em manter o indiciado encarcerado. A temporária não pode, portanto,
ser decretada de forma automática pelo juiz. É preciso demonstrar que a liberdade do
investigado oferece risco concreto ao êxito da investigação. Ex.: indiciado que está
destruindo as provas do crime, intimidando testemunhas. Ver STF, HC 105833/SP,
DJe 22.03.2012 e STJ, HC 333.150/SP, 5a Turma, DJ 26.10.2015, HC 414341/SP,
DJe 27.10.2017;
Inc. II: “quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos
necessários ao esclarecimento de sua identidade”. Mutatis mutandis, idem ao que foi
dito no inciso anterior. É preciso que a falta de residência fixa ou a ausência de
elementos esclarecedores da identidade configurem um risco concreto de fuga do
indiciado;
Inc. III: “quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova
admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes
crimes”: homicídio doloso; sequestro ou cárcere privado etc. (recomenda-se a
leitura de todas as alíneas contidas na lei).
Pergunta: os incisos citados devem ser aplicados alternativa ou
concomitantemente? R.: conforme majoritária doutrina, para ser possível a decretação
da temporária deve-se combinar os incisos da seguinte forma: I + III ou II + III. Note
então que o inciso III deve sempre estar presente, necessitando ser combinado, pelo
menos, com o inciso I ou o II. Vamos a um exemplo: agente suspeito da prática de
homicídio (inciso III). Chegam notícias de que ele está destruindo as provas do crime
(inciso I). Cabe a temporária nesse caso.
Observações finais: I) a decisão pela temporária deverá ser fundamentada e
prolatada dentro do prazo de 24h, contadas a partir do recebimento da representação
do delegado ou do requerimento do MP (art. 2°, § 2°, Lei 7.960/1989); II) o juiz
poderá, de ofício, ou a requerimento do MP e do advogado, determinar que o preso
lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e
submeter o detido a exame de corpo de delito (§ 3°); III) decretada a temporária, será
expedido o respectivo mandado de prisão, em duas vias, uma das quais será entregue
ao indiciado e servirá como nota de culpa (§ 4°); IV) decorrido o prazo fixado de
detenção, o indiciado deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver
sido decretada sua prisão preventiva (§ 7°); V) a manutenção da prisão temporária
para além do prazo legal acarreta na responsabilização da autoridade por crime de
abuso de autoridade (art. 4°, “i”, Lei 4.898/1965); VI) o preso provisório deve,
obrigatoriamente, permanecer separado dos demais detentos (art. 3°, Lei 7.960/1989).
Em recente julgado, o STJ ressaltou a excepcionalidade da decretação da prisão
temporária, afirmando que não se trata de “conveniência ou comodidade da cautela
para o bom andamento do inquérito policial, mas de verdadeira necessidade da
medida, aferida caso a caso”, reputando como ilegal a prisão temporária mantida pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (STJ, RHC 77265/CE, DJe 02.10.2017).
Por fim, cumpre salientar que, por força do § 1° do art. 283, CPP, as medidas
cautelares citadas não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou
alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
Comentário: o CPP aqui nada mais fez do que reproduzir o que diz a CF a esse
respeito (vide art. 5°, XLII, XLIII e XLIV).
Atenção: Acatando o posicionamento já adotado pelo STJ (STJ, AgRg no AREsp
734236/DF, Dje 02.03.2018), a 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, em recente
decisão, entendeu pela equiparação dos crimes de racismo e injúria racial, e
consequentemente, reconheceu a imprescritibilidade e inafiançabilidade deste último
(STF, Embargos de Declaração em AgRg em Rex 983.531, Dje 13.06.2018).
“Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo
justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;”
Comentário: no que tange à prisão por mandado do juiz cível (prisão civil), já
vimos que, atualmente, esta modalidade de prisão só existe para o devedor
(voluntário e inescusável) de alimentos (art. 5°, LXVII, CF), pois, com o advento da
Súmula vinculante 25 do STF, passou-se a considerar: “ilícita a prisão civil do
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Pois bem, dessa
forma, a prisão do alimentante inadimplente é inafiançável.
Do mesmo modo, a prisão militar também é inafiançável.
“III – (revogado);
IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).”
14.14.4.LP vedada
Há casos em que a lei veda o instituto da LP. Repare que, nessas situações, a
proibição recai não sobre a possibilidade de prestação de fiança
(inafiançabilidade), mas sobre o próprio instituto da LP. Assim, não se deve
confundir inafiançabilidade com vedação à LP. Na inafiançabilidade, o que se
obstaculiza é o pagamento de fiança para a obtenção de LP (ex.: crimes hediondos –
art. 5°, XLIII, CF). Neste caso (inafiançabilidade),ainda assim será, em tese,
possível a LP. Já na segunda situação (vedação à LP), veda-se mais do que a fiança,
proíbe-se a própria LP. E é disto que trataremos agora.
Diversos autores formulam contundentes críticas à vedação de LP feita
aprioristicamente pela lei. Motivos: a vedação à LP realizada a priori pela lei, além
de retirar a oportunidade de o julgador examinar caso a caso o cabimento ou não do
instituto, burla o princípio do estado de inocência – que, não nos esqueçamos,
estabelece a regra da liberdade. Segundo dizem esses autores, há burla porque toda
vez que a determinação de impossibilidade de LP é efetuada pela lei, cria-se, na
realidade, uma modalidade de manutenção automática da prisão em flagrante.
Explica-se. Basta o indivíduo “dar o azar” de ser preso em flagrante pela prática de
crime cuja lei estabeleça vedação à LP – e que os prazos da fase policial e judicial
sejam respeitados – para que permaneça encarcerado, sem fundamentação judicial,
até o deslinde do processo.
É exatamente por conta dessas críticas que diversas das hipóteses de vedação à
LP criadas nas últimas duas décadas pelo legislador ordinário têm sido declaradas
inválidas pelos tribunais superiores e combatidas pela doutrina. Vejamos os casos:
a) Estatuto do desarmamento (Lei 10.826/2003): o STF (ADIN 3112-1,DJe
26.10.2007) declarou a inconstitucionalidade do art. 21 desta lei que vedava a LP
para os crimes de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16),
comércio ilegal de arma de fogo (art. 17) e tráfico internacional de arma de fogo (art.
18). Conclusão: atualmente, cabe LP para esses delitos. Ver também STJ: RHC
38.323/CE, DJ 09.10.2014;
b) Crime organizado: a Lei 12.850/2013, que revogou a Lei 9.034/1995, não mais
contém óbice à concessão de LP aos agentes que tenham envolvimento com
organização criminosa.
c) Crimes hediondos, tortura e terrorismo: a Lei dos Crimes Hediondos (Lei
8.072/1990) previa em seu art. 2°, II, vedação expressa à LP para os crimes
hediondos, a tortura e o terrorismo. Porém, atendendo aos reclames da doutrina, em
2007, a Lei 11.464 retirou a referida proibição . Apesar disso, o STF, estranhamente,
ainda possui decisões que, de modo automático, vedam a LP aos crimes hediondos
(confira-se a íntegra da decisão prolatada em 2013 pelo Pleno: HC 92932/SP, DJe
25.09.2013). O principal argumento que apresentam é que a própria Constituição, ao
estabelecer a inafiançabilidade para os crimes hediondos, impede, consequente e
automaticamente, a possibilidade de LP para esse tipo de delito. Esse posicionamento
do Supremo, conforme facilmente se percebe, é incoerente com as demais orientações
do Tribunal sobre o assunto (vide o caso do tráfico de drogas,144 p. ex.), e, mais que
isso, afronta o estado de inocência. Acrescente-se ainda que, pouco tempo depois do
julgamento realizado pelo pleno do STF (acima citado), a Primeira Turma da
Suprema Corte concedeu LP a um crime hediondo (vide STF RHC 118200,DJe
12.11.2013 e HC 109236, 14.02.2012). O tema, portanto, como se vê permanece
controverso dentro do próprio STF, restando talvez aguardar uma próxima decisão da
composição plena daquela Corte sobre o assunto.
d) Drogas (Lei 11.343/2006): o art. 44 da lei veda a LP para os crimes tipificados
nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37 desse mesmo diploma (tráfico, fabrico de
instrumentos e associação para o tráfico). Entretanto, em 2012, o Pleno do STF (HC
104.339/ S P, DJe 06.12.2012 e HC 133361, 27.05.2016), declarou a
inconstitucionalidade do referido art. 44 da Lei de Drogas. Logo, segundo a atual
orientação do Supremo sobre o tema, é sim possível a concessão de liberdade
provisória para os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37, da Lei de
Drogas.
15.1.Citação
Ato de comunicação processual pelo qual se informa ao réu/querelado a
existência de uma imputação (ação penal) contra si. Conforme dispõe o art. 363, CPP,
a citação completa a formação do processo, i. e., a relação triangular entre as partes e
o juiz resta plenamente formada, possibilitando o contraditório e a dialética no
processo.
Nesse sentido, ressalte-se ainda que a citação válida é um elemento de validade
do processo, pois a ausência de citação acarreta sua nulidade absoluta, enquanto a
deficiência do ato implica nulidade relativa.
Porém, a falta ou nulidade da citação será sanada se o réu comparecer
espontaneamente antes da consumação do ato (ainda que para apontar a nulidade ou a
falta) – art. 570, CPP. Apesar da redação deste dispositivo, há limites aqui, já que
não pode ocorrer prejuízo à defesa réu. O STF, p. ex., já anulou uma sentença em que
o acusado havia sido citado um dia antes de seu interrogatório. Reconheceu o
Supremo, nessa oportunidade, manifesto prejuízo à ampla defesa (STF HC 109611
DJe 28.08.2013 e RHC 133945, DJ 01.08.2016).
15.1.1.Espécies de citação
a) Citação real: realizada na pessoa do réu, havendo certeza de que este tomou
conhecimento da acusação. Modalidades:
a1) Citação real por mandado: cumprida por oficial de justiça dentro do território
da Comarca onde o juiz exerce as suas funções. Conforme dispõe o art. 351: “a
citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território sujeito à
jurisdição do juiz que a houver ordenado”. Se o acusado se encontrar em seu
domicílio, pode ser realizada a qualquer dia e hora (salvo, à noite). Se o acusado
estiver preso, a citação também será real por mandado (pessoal), sendo que o diretor
do estabelecimento prisional será comunicado da futura audiência para a qual o réu
for convocado.
O mandado de citação deverá conter todas as informações elencadas no art. 352,
CPP (chamados de requisitos intrínsecos do mandado de citação), como: nome do
juiz, nome do acusado ou as suas características físicas etc.
Além dos requisitos intrínsecos, há que se observar os requisitos extrínsecos da
citação por mandado contidos no art. 357, CPP: leitura do mandado feita pelo oficial
de justiça ao acusado; entrega da contrafé (cópia da peça inicial acusatória) etc.
Note-se que, no processo penal, a citação eletrônica só é admitida para as
seguintes modalidades: carta precatória, rogatória ou de ordem (arts. 6° e 7° da Lei
11.419/2006).
a2) Citação real por carta precatória: quando o réu residir em outra Comarca – art.
353, CPP. Nesse caso, o juízo deprecante (do lugar onde tramita o processo) solicita
ao juízo deprecado (lugar da residência do réu) que efetue a citação do acusado.
Peculiaridades da citação por precatória:
I – Se no juízo deprecado (aquele que irá cumprir a precatória), verificar-se que
o réu se encontra em outra comarca, poderá ser encaminhada a precatória para a nova
comarca (precatória itinerante);
II – Havendo urgência, a precatória poderá ser feita por via telegráfica (inclua-se
aí o fax também);
a3) Citação real por carta rogatória: quando o réu residir fora do país ou em
embaixadas ou consulados (sedes de legações estrangeiras). Mutatis mutandis,
aplica-se a mesma razão da citação por precatória. No caso de citação por rogatória,
haverá suspensão do prazo prescricional – art. 368, CPP. Caso se saiba que o réu se
encontra no estrangeiro, mas em local incerto, a citação será por edital (ver abaixo).
a4) Citação real por carta de ordem: segundo Pacelli (2015, p. 617), “por carta de
ordem deve-se entender a determinação, por parte de tribunal, superior ou não, de
cumprimento de ato ou de diligência processual a serem realizados por órgãos da
jurisdição da instância inferior, no curso de procedimento da competência originária
daqueles”.
Peculiaridades da citação real em relação a algumas pessoas:
I – Se o réu for militar, será citado por intermédio do chefe do respectivo serviço
– art. 358, CPP;
II – Se for funcionário público, haverá necessidade de notificar o chefe de sua
repartição – art. 359, CPP;
III – Se o réu estiver preso, deverá ser citado pessoalmente, por mandado – art.
360, CPP;
b) Citação ficta ou presumida: não sendo possível a citação real, proceder-se-á a
citação ficta. Esta pode ser por edital ou por hora certa.
Razão de ser desse tipo de citação: para que o Estado não fique impossibilitado
de exercer o seu jus puniendi.
b1) Por edital (art. 361, CPP): pressupõe que o réu tenha conhecimento da ação penal
a partir da publicação do edital em veículo de comunicação periódico com circulação
local e de sua notícia afixada na sede do juízo (Fórum). Vale frisar, no entanto, o
seguinte julgado: STJ, HC 213600,DJe 09.10.2012, info 506 – “é nulo o processo a
partir da citação na hipótese de citação por edital determinada antes de serem
esgotados todos os meios disponíveis para a citação pessoal do réu”.
Prazo do edital: 15 dias.
O art. 365, CPP, estatui os requisitos do edital de citação, sendo eles: nome do
juiz que determinar a citação, nome do acusado ou seus sinais característicos, a
indicação do dispositivo da lei penal infringido (Súmula 366, STF)145 etc.
Neste contexto, cabe enunciar o entendimento do STJ segundo o qual “Por haver o
réu tomado rumo ignorado logo após a prática do crime, não é nula a citação por
edital por suposta ausência de esgotamento dos meios para localização do
citando, cuja atitude não pode implicar o atraso da prestação jurisdicional e
condicionar a jurisdição à prévia procura de dados em empresas e órgãos públicos,
sem perspectiva de êxito da diligência”, vide RHC 52.924/BA, 6a Turma, DJ
29.08.2016.
Ademais, nunca é demais ressaltar a jurisprudência pacífica do STJ asseverando
que “A não localização do paciente, que deu ensejo à sua citação por edital, não se
confunde com presunção de fuga”, HC 253.621/MG, 6a Turma, DJ 24.08.2016.
Atenção: a citação por edital não é admitida nos Juizados Especiais (art. 66,
parágrafo único, Lei 9.099/1995). Caso o réu não seja encontrado para ser citado
pessoalmente, haverá a remessa do processo ao juízo comum (adotando-se o rito
sumário).
Citado por edital, se o réu não comparecer e nem constituir advogado, será
determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional, podendo o juiz
determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso,
decretar preventiva – art. 366, CPP. Conforme alguns autores, (PACELLI, 2015, p.
623-4; TÁVORA, 2015, p. 987), este dispositivo não se aplica aos crimes de lavagem
de dinheiro por força do disposto no art. 2°, § 2°, da Lei 9.613/1998.
Apesar de a lei não mencionar durante quanto tempo pode ficar suspenso o prazo
prescricional, o STJ (Súmula 415) e a majoritária doutrina entendem que a suspensão
da prescrição nesse caso deverá se dar pela pena máxima em abstrato fixada ao crime
(art. 109, CP).
Ademais, ainda com base no art. 366, diz a Súmula 455, STJ: “a decisão que
determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser
concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do
tempo”.
Reflexos do Novo Código de Processo Civil
Finalmente, note-se que o art. 256 do NCPC, que trata da citação por edital,
será usado de modo subsidiário aos dispositivos do CPP. Recomendamos,
portanto, a leitura do referido art. 256.
b2) Por hora certa (art. 362, CPP): inovação introduzida na seara processual penal
por meio da Lei 11.719/2008, essa modalidade de citação ficta146 ocorre quando se
verificar que o réu, deliberadamente, oculta-se para não ser citado. (STF, RE
635145/RS, DJe 13/09/2017 e Info. 833, de 1° a 5 de agosto de 2016).
Com a entrada do NCPC em vigor, a citação por hora certa passa a seguir o
disposto nos arts. 252 e 253 daquele novo diploma, aos quais remetemos o leitor.
Dentre outras coisas, notar que, de acordo com o art. 252, NCPC, o número de
tentativas para a citação por hora certa passa de três para duas oportunidades.
Além disso, é importante destacar que o § 4° do art. 253 do NCPC, não tem
aplicação ao processo penal. Diz esse dispositivo: “O oficial de justiça fará constar
do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia”.
Na realidade, no âmbito do processo penal, realizada a citação por hora certa, se o
réu não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo ou público, conforme o caso
– e não curador especial, conforme diz o NCPC.
15.2.Intimações e notificações
São atos de comunicação processual dirigidos “às partes ou a qualquer outra
pessoa que deva, de alguma forma, intervir na relação processual” (MOREIRA, 2010,
p. 246).
Certo setor da doutrina costuma fazer a seguinte distinção:
15.2.1.Intimação
Ciência dada à parte ou outra pessoa de um ato já realizado – ato realizado no
passado – ex.: intimação de uma sentença prolatada (passado). Intima-se de algo.
15.2.2.Notificação
Ciência dada para que a parte ou outra pessoa pratique um ato no futuro – ex.:
notificação de testemunha para depor. Notifica-se para algo. O CPP, porém, não
atenta para essa diferenciação, utilizando os termos indistintamente. Neste trabalho,
portanto, falaremos tão somente em intimação. No caso do Ministério Público e da
Defensoria Pública, a intimação deve ser pessoal, ou seja, a comunicação deve ser
feita diretamente aos membros dessas instituições (art. 370, § 4°, CPP). Também o
advogado dativo (nomeado pelo juiz) será intimado pessoalmente. No entanto,
destacamos o seguinte julgado: “A intimação do defensor dativo apenas pela impressa
oficial não implica reconhecimento de nulidade caso este tenha optado expressamente
por esta modalidade de comunicação dos atos processuais, declinando da
prerrogativa de ser intimado pessoalmente” (STJ, HC 311.676-SP, DJe 29.04.2015,
Informativo 560). Sobre o tema, ver o importante julgado do STJ: HC 358.943/SP,
DJe 06.09.2016.
Em julgado recente, a 5a Turma do STJ firmou entendimento no sentido de que a
nomeação de defensor dativo não pode prescindir da intimação do réu para substituir
o patrono inerte. No caso em espécie, o juízo a quo, diante da inércia do primeiro
patrono constituído pelo réu, determinou a remessa dos autos à Defensoria Pública,
não sendo oportunizado ao acusado o direito de nomear novo advogado de sua
confiança, o que culminou na anulação da ação penal e desconstituição do trânsito em
julgado da condenação (STJ, HC 389899/RO, DJe 31.05.2017).
Já o advogado constituído (pelo réu, pelo querelante, pelo querelado ou pelo
assistente) será, em regra, intimado por meio de publicação oficial (Diário Oficial),
incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado. Caso não exista órgão de
publicação oficial, a intimação deverá ser efetuada diretamente pelo escrivão, por
mandado, ou via postal, com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro
meio considerado idôneo – 370, §§ 1° e 2°, do CPP.
Em hipótese de intimação por meio de carta precatória exige o art. 222, caput,
CPP, sob pena de nulidade relativa (conforme Súmula 155, STF), que as partes sejam
intimadas da expedição do documento, não sendo exigível que se lhes dê ciência da
data marcada pelo Juízo deprecado para a realização do ato (vide Súmula 273, STJ).
A Lei 9.099/1995 (art. 67) dispõe que no JECRIM “a intimação poderá ser
efetivada através de via postal (com AR ou mediante entrega na recepção, se se tratar
de pessoa jurídica ou firma individual), por oficial de justiça (independentemente de
mandado ou carta precatória), na própria audiência, ou, ainda, por qualquer outro
meio idôneo de comunicação, como, por exemplo, o telefone” (MOREIRA, 2010, p.
265).
O cumprimento dos atos de comunicação processual deve ocorrer em dias úteis,
com expediente forense, como se pode depreender, inclusive, do teor da Súmula 310,
STF: “quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de
intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira
imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia
útil que se seguir”.
A ausência de intimação das partes poderá, a depender do caso, configurar até
em nulidade absoluta por cerceamento defesa, por exemplo. Ainda, segundo o STF,
HC 114.107, DJe 12.12.2012: “necessidade de intimação pessoal do réu é apenas da
sentença condenatória e não do acórdão proferido em sede de apelação”. Ver também
a seguinte decisão do STF: “a nulidade do julgamento por ausência de intimação
prévia da defesa para ciência da data de confecção do voto-vista dependeria de
inequívoca demonstração de concreto prejuízo”, HC 92932 ED, Tribunal Pleno,DJ
14.04.2016. Cabe ainda ressaltar que nos casos em que o réu vier a ser preso no curso
do prazo da intimação por edital da sentença condenatória, esta intimação restará
prejudicada, devendo ocorrer pessoalmente. (STJ, RHC 45584/PR, DJe 12/05/2016 e
Info. 583).
16.2.Decisões
Em sentido amplo, a palavra decisão significa todo o ato jurisdicional que possui
carga decisória, produzindo, portanto, algum tipo de sucumbência. Tais atos destinam-
se a solucionar incidentes processuais ou mesmo pôr termo ao processo. Exs.:
sentença, decisão que decreta a preventiva etc. Várias decisões, por apresentarem
certo grau de carga decisória (maior ou menor, a depender do caso), podem ser
desafiadas por recurso. Exs.: a sentença é apelável; a decisão que rejeita a inicial
penal é recorrível em sentido estrito etc.
A s decisões, por sua vez, conforme tradicional classificação da doutrina,
dividem-se em:
16.3.1.Relatório
Aqui o juiz deverá efetuar uma espécie de resumo dos acontecimentos mais
importantes que se deram ao longo do processo. Deverá conter: os nomes das partes,
a exposição sucinta da acusação e da defesa e demais ocorrências processuais
relevantes.
Nota: no JECRIM148 (art. 81, § 3°), dispensa-se o relatório.
16.3.2.Fundamentação ou motivação
É requisito geral de todas as decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), sob pena de
nulidade absoluta. Como já vimos, o juiz é livre para julgar, porém deve fazê-lo de
forma fundamentada (princípio do livre convencimento motivado ou persuasão
racional do juiz). A fundamentação é de suma importância, pois permite um controle
da racionalidade da decisão do juiz pelas partes e pela própria sociedade (LOPES
JR., 2010). A fundamentação permite, p. ex., que as partes verifiquem se o juiz
considerou as suas teses e as provas que produziram. O direito à prova não se
constitui apenas como direito de produzir prova, mas também como direito à
valoração da prova pelo magistrado (GRINOVERet. al. 2001, p. 212 e ss.).
Conforme o art. 371, CPP: “O juiz apreciará a prova constante dos autos,
independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões
da formação de seu convencimento”. Cabe salientar que não se exige fundamentação
extensa, prolixa, podendo ser ela sucinta. O que não se admite é a ausência da
fundamentação ou fundamentação deficiente. A sentença despida de qualquer
fundamentação é chamada de sentença vazia. Por fim, vale consultar também o art.
489, § 1°, NCPC.
16.3.3.Dispositivo ou conclusão
É parte da sentença que contém o comando da decisão, o provimento final, de
condenação ou de absolvição. Por óbvio, o dispositivo da sentença deve guardar
relação com as razões de decidir (com a motivação).
Se condenatória a sentença, deverá a conclusão trazer o tipo penal no qual está
incurso o acusado, a dosimetria da pena e o seu regime inicial de cumprimento.
Se absolutória, deverá a conclusão trazer o fundamento legal da absolvição
(incisos do art. 386, CPP).
Observação Final: O juiz ao proferir a sentença condenatória nos casos de
violência contra a mulher, praticados no âmbito doméstico ou familiar, pode fixar o
valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da
acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia e
independentemente de instrução probatória (Informativo 621/STJ, de 6 de abril de
2018).
16.3.4.Autenticação
Consiste na aposição de assinatura do juiz, bem como da indicação do local e
data em que a sentença foi proferida. A falta de assinatura torna a sentença inexistente.
Dadas as suas peculiaridades, analisemos a seguir a sentença absolutória (tema,
de certa forma, já enfrentado também quando tratamos da ação civil ex delicto).
16.4.Sentença absolutória
Conforme dito, é a sentença que não acolhe a pretensão punitiva deduzida na
inicial acusatória.
A sentença absolutória pode ser:
Própria: aquela que absolve o réu, importando em reconhecimento de sua plena
inocência. É a absolvição por excelência. Ex.: juiz que, na sentença, reconhece que o
acusado não participou do crime objeto do processo;
Imprópria: aquela que, apesar de absolver o réu, aplica-lhe medida de
segurança, pois reconhece a inimputabilidade do acusado (doença mental) ao tempo
do fato – art. 26, CP c/c o art. 386, VI, 2a parte, e parágrafo único, III, CPP.
Analisemos a seguir os fundamentos da sentença absolutória contidos no art. 386,
CPP. O juiz absolverá o réu quando:
I – estiver provada a inexistência do fato: aqui o juiz está seguro de que o fato
relatado na inicial acusatória não aconteceu. Se o fato não existiu no campo penal
(que exige uma carga probatória muito maior que a do campo civil), com muito mais
razão também não existiu na seara cível. Este fundamento da sentença absolutória
obsta, portanto, a propositura de ação civil ex delicto;
II – não houver prova da existência do fato: a acusação não logrou êxito em
convencer o juiz a respeito da existência do fato-crime. Houve debilidade probatória.
Sendo assim, aplica-se a regra pragmática de julgamento do in dubio pro reo,
absolvendo-se, por conseguinte, o acusado. Este fundamento da sentença absolutória
não fecha as portas do cível. Note-se que a prova não foi suficiente para o campo
penal, mas poderá sê-lo para o campo civil;
III – não constituir o fato infração penal: é o reconhecimento da atipicidade do
fato. Também não fecha as portas do cível. O ilícito não foi penal, mas poderá ser
civil (art. 67, III, CPP);
IV – estiver provado que o réu não concorreu para a infração penal: aqui o
juiz está seguro de que o réu não concorreu para a prática da infração penal (negativa
da autoria). Fecha as portas do cível. Se restou provado no campo penal que o réu não
praticou qualquer conduta lesiva, automaticamente estará excluído do polo passivo de
qualquer ação indenizatória;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal: o juiz não
está seguro da participação ou não do acusado na empreitada criminosa. A acusação
não logrou êxito em convencer o juiz a respeito disso, havendo, portanto, debilidade
probatória. Sendo assim, aplica-se a regra pragmática de julgamento do in dubio pro
reo, absolvendo-se, por conseguinte, o acusado. Este fundamento da sentença
absolutória não fecha as portas do cível. Note-se que a prova não foi suficiente para o
campo penal, mas poderá sê-lo para o campo civil;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena
(arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1° do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se
houver fundada dúvida sobre sua existência: já tratamos desta hipótese com
detalhes quando estudamos a ação civil ex delicto. Vale apenas lembrar que o
reconhecimento de excludente de ilicitude (legítima defesa, por exemplo) fecha, em
regra, as portas do cível (arts. 188, I, CC, e 65, CPP);
VII – não existir prova suficiente para a condenação: para que seja imposta
uma condenação ao acusado, é preciso que o juiz esteja convencido de que o fato
existiu, foi típico, que o réu concorreu para essa infração penal e que não existiram, in
casu, justificantes ou dirimentes. Desse modo, se o conjunto probatório não foi
suficiente para gerar um juízo de certeza acerca da condenação, impõe-se a
absolvição do acusado. Trata-se, mais uma vez, da aplicação da regra pragmática de
julgamento do in dubio pro reo.
16.5.1.Emendatio libelli
Essa possibilidade está consubstanciada no art. 383, CPP, que diz: “o juiz, sem
modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais
grave”.
Após a fase instrutória, ao apreciar o mérito da pretensão punitiva, é possível que
o juiz perceba que a definição legal apresentada pela acusação não é adequada aos
fatos descritos na inicial acusatória. Diante dessa situação, poderá o juiz, de ofício,
proceder à correta capitulação legal dos fatos, retificando a inicial. Trata-se de
medida que não interfere na defesa, pois, como diz a tradicional doutrina, o acusado
se defende dos fatos descritos e não da definição legal contida na inicial acusatória.
Vamos a um exemplo: denúncia narra um furto, mas o promotor, ao classificar a
conduta, aponta o art. 157, CP (roubo). Na sentença, poderá o juiz corrigir a
classificação legal para o art. 155, CP (furto) (BADARÓ, 2008, v. I, p. 310).
Perceba o leitor que o elemento-chave da emendatio é que o fato descrito na
inicial penal é o mesmo que chega ao juiz no momento da sentença (o fato permanece
inalterado). O que muda, portanto, é o enquadramento legal dado pelo juiz àquele (ao
fato).
Assim, o STF, no julgamento do HC 129284/PE, j. 17.10.2017, entendeu ser
irrelevante a menção expressa na denúncia de eventuais causas de aumento ou
diminuição, desde que haja correlação entre o fato descrito na denúncia e o fato pelo
qual foi condenado (Informativo 882, STF, do período de 16 a 20 de outubro de
2017). Dessa forma, o fato de o MP ajuizar ação penal contra o réu pela prática do
crime de homicídio fundamentando apenas no art. 121, mas no bojo da descrição dos
fatos narrar que o crime foi cometido por grupo de extermínio, não impede que o juiz
no momento da sentença reconheça a incidência da causa de aumento prevista no § 6°
do art. 121.
Por fim, vale ressaltar que o instituto da emendatio libelli pode ocorrer em
segundo grau (Informativo 895/STF, de 19 a 30 de março de 2018). Porém, a
retificação não pode resultar em pena mais grave se o recurso tiver sido exclusivo da
defesa, uma vez que é vedada a reformatio in pejus.
16.5.2.Mutatio libelli (art. 384, CPP)
Aqui, ao contrário da hipótese anterior, “os fatos objeto do processo são
alterados, com o que, normalmente, altera-se também a sua classificação jurídica”
(BADARÓ, 2008, v. I, p. 311). Perceba o leitor, portanto, que namutatio temos uma
alteração dos fatos objeto do processo (este é o elemento-chave). Ex.: o promotor, na
denúncia, narra um furto e, corretamente, rotula o fato no art. 155, CPP. Ocorre que,
durante a instrução, surgem provas no sentido de que o arrebatamento dos bens da
vítima se deu por meio de violência. Logo, estaríamos diante de um roubo e não de
um furto. Perceba que não se trata de um novo fato típico, mas de elemento ou
circunstância que não estavam presentes originalmente. Eles podem ser entendidos
como as circunstâncias elementares do delito, a prova de qualificadoras, causas de
aumento e de diminuição da pena (circunstâncias legais).
Em decorrência desse novo cenário, o juiz deverá notificar o MP para que este
proceda ao aditamento da denúncia no prazo de 5 dias (art. 384, parte final, CPP). Se
o órgão ministerial não promover o aditamento, pode o juiz seguir o procedimento do
art. 28, CPP, remetendo ao órgão revisor do MP para manifestação final. É importante
dizer ainda que o juiz não poderá, de ofício, realizar a alteração da imputação, já que,
agindo assim, estaria atuando como órgão acusador, violando, pois, o sistema
acusatório.
Uma vez oferecido o aditamento pelo MP, deve o juiz, em observância ao
contraditório e à ampla defesa, permitir que, em 5 dias, o acusado se manifeste.
Admitido o aditamento pelo juiz (com a manifestação defensiva do réu), deverá o
juiz abrir novo prazo de 5 dias, para que as partes arrolem até 3 testemunhas. Ato
contínuo, o juiz marcará dia e hora para a continuação da audiência de instrução e
julgamento, com a inquirição das testemunhas eventualmente indicadas, novo
interrogatório do réu, novos debates orais e, ao final, julgamento.
Por fim, frise-se que, nos termos da Súmula 453, STF, não cabe mutatio libelli
em segundo grau.
16.6.Coisa julgada
16.6.1.Conceito e espécies
É o efeito de imutabilidade oriundo de uma decisão judicial sobre a qual não seja
mais possível qualquer discussão. Na visão de Tourinho Filho, o seu fundamento
político é a necessidade de pacificação social por meio da segurança jurídica
relacionada à manutenção das decisões definitivas (2010, p. 843).
Na esfera penal, essa imutabilidade incide sobre as sentenças absolutórias, uma
vez que a condenação pode ser revista a qualquer tempo, por meio da ação de revisão
criminal (art. 621, CPP).
Quanto à extensão da imutabilidade, a coisa julgada deve ser entendida sob dois
aspectos: formal e material. Aqui o magistério de Luiz Flávio Gomes é bastante
elucidativo no que tange à sua compreensão prática.
Diz o referido jurista que “há duas espécies de coisa julgada: 1. Coisa julgada
formal: impede que o juízo da causa reexamine a sentença [ou decisão]; 2. Coisa
julgada material: impede que qualquer outro juízo ou tribunal examine a causa já
decidida.” (2005, p. 330).
17.1.Conceito
Rito ou procedimento é a sucessão ordenada de atos processuais, dirigidos a um
fim último: a sentença.
17.2.Classificação
No processo penal, o procedimento se divide em comum e especial (art. 394,
CPP).
a) O procedimento comum compreende:
a1) o procedimento ordinário: aplicável aos crimes cuja pena máxima prevista seja
igual ou superior a 4 anos de privação de liberdade;
a2) o procedimento sumário: aplicável aos crimes cuja pena máxima prevista seja
inferior a 4 anos de privação de liberdade;
a3) o procedimento sumaríssimo, aplicável às IMPOs149 (Lei 9.099/1995), ou seja,
pena máxima até 2 anos;
No cálculo da pena máxima, devem ser considerados os seguintes pontos: as
qualificadoras; os privilégios; as hipóteses de concurso de crimes; as causas de
aumento (considerar a de maior aumento da pena) e de diminuição (considerar a
de menor redução da pena). Estão excluídas do cálculo as circunstâncias
agravantes e atenuantes, considerando a ausência de parâmetros legais a respeito
do acréscimo ou de redução da pena (LIMA, 2015, p. 1417-18).
b) Procedimento especial (pode estar previsto dentro ou fora do CPP). Exemplos:
b1) Júri – art. 406 e ss., CPP;
b2) Drogas – Lei 11.343/2006;
b3) Crimes de funcionais (art. 513 e ss.); dentre outros.
É importante notar que, conforme determina o § 4° do art. 394, CPP, os institutos
previstos nos arts. 395 a 397, que tratam respectivamente das causas de rejeição da
denúncia, da resposta à acusação e da absolvição sumária, aplicam-se, em regra, a
todo e qualquer procedimento de 1° grau.
No entanto, é necessário destacar que a absolvição sumária do art. 397, CPP
(absolvição sumária antecipada), não se aplica ao procedimento do júri. Motivo: o
rito do júri já possui possibilidade de absolvição sumária em momento específico
(art. 415 do CPP), sendo, portanto, descabida a aplicação do art. 397 do CPP ao
procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Nesse sentido: Tourinho Filho (2010,
p. 734) e Pacelli de Oliveira (2015, p. 641).
Ressalte-se também que as disposições do procedimento ordinário são aplicadas
subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo – § 5° do art.
394, CPP.
17.3.Etapas do procedimento ordinário (arts. 394 a 405)150
a) Oferecimento da inicial penal (indicação de até 8 testemunhas);
b) Recebimento ou rejeição da inicial.
Havendo rejeição cabe RESE (art. 581, I);
c) Citação (em caso de recebimento);
d) Resposta escrita à acusação;
e) Absolvição sumária ou, não sendo o caso desta, designação de audiência;
f) Audiência de instrução e julgamento (audiência una). Atos que compõem esta
audiência:
f1) tomada das declarações do ofendido;
f2) oitiva das testemunhas arroladas pela acusação;
f3) oitiva das testemunhas arroladas pela defesa;
f4) esclarecimentos dos peritos (desde requerido pelas partes);
f5) acareações (se for o caso);
f6) reconhecimento de pessoas e coisas (se necessário);
f7) interrogatório do réu;
f8) requerimento de diligências últimas;
f9) alegações finais orais ou apresentação de memoriais;
g) Sentença (a ser proferida na própria audiência una ou posteriormente quando
impossível a sua prolação em audiência).
17.5.1Fases
a) Fase preliminar
I – lavratura do termo circunstanciado (TCO ou TC) e encaminhamento deste
termo ao juizado (JECRIM);
II – audiência preliminar: presentes o autor do fato, vítima, respectivos
advogados, responsável civil (se for o caso) e o MP, o juiz esclarecerá sobre a
possibilidade da composição civil dos danos e da transação penal (aplicação
imediata de pena não privativa de liberdade);
III – Não havendo conciliação na audiência preliminar, será facultado ao titular
da ação oferecer inicial penal oral (rol de 3 testemunhas), passando-se à fase
propriamente processual da Lei 9.099/1995;
a1) Algumas etapas importantes da fase preliminar:
I – Composição civil (art. 74, Lei 9.099/1995): visa a reparar os danos causados ao
ofendido. Sendo homologada por sentença (decisão irrecorrível) pelo juiz, terá
eficácia de título a ser executado no juízo cível.
i. Crime de ação penal privada: homologado o acordo pelo juiz, haverá renúncia
ao direito de ação (queixa), ou seja, extinção da punibilidade. Não homologada a
composição, poderá o ofendido ingressar com a queixa oral;
ii. Ação pública condicionada à representação: homologado o acordo, haverá
renúncia ao direito de representação (extinção da punibilidade). Não homologada a
composição, poderá o ofendido oferecer representação oral. O não oferecimento da
representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá
ser exercido no prazo previsto em lei (art. 75, parágrafo único, Lei 9.099/1995);
iii. Ação pública incondicionada: a homologação do acordo não impede a
propositura de transação e nem de denúncia pelo MP;
II – Transação penal (art. 76, Lei 9.099/1995): não sendo caso de arquivamento, o
MP examinará a viabilidade de propor imediatamente a aplicação de pena restritiva
de direitos ou multa (a ser especificada na proposta). Trata-se de mitigação do
princípio da obrigatoriedade. É cabível a transação em relação a crime de ação penal
privada. “Nesse caso, a legitimidade para formular a proposta é do ofendido, e o
silêncio do querelante não constitui óbice ao prosseguimento da ação penal”. STJ,
Súmula 536: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se
aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.
III – Não cabe a proposta pelo MP se ficar comprovado:
i. ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa
de liberdade, por sentença definitiva.
Não impede se decorridos mais de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena
(art. 64, I, CP – prazo da reincidência);
ii. ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela
aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
iii. não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da
medida.
IV – A homologação da transação penal:
i. não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir
novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos;
ii. não constará de certidão de antecedentes criminais;
iii. não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo
cível;
V – Conforme atual posicionamento do STF, em caso de descumprimento do acordo
de transação penal, admite-se o oferecimento de denúncia por parte do MP ou a
requisição de instauração do IP. Ver Súmula Vinculante 35: “A homologação da
transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada
material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior,
possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante
oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial.”
VI – Cumprida a transação, estará extinta a punibilidade do autor do fato.
Observação: o acusado não está obrigado a aceitar a proposta de transação
penal. Pode rejeitá-la ou formular uma contraproposta. (TÁVORA, 2016, p. 1190);
b) Fase processual (procedimento sumaríssimo) – art. 77 e ss.:
b1) Audiência de instrução e julgamento:
I – Nova tentativa de composição civil e de transação penal (se não tiverem sido
tentadas na audiência preliminar);
II – Defesa preliminar oral;
III – Recebimento ou rejeição da inicial;
IV – Oitiva da vítima e das testemunhas de acusação e de defesa;
V – Interrogatório;
VI – Debates orais;
VII – Sentença.
b2) Algumas particularidades da fase processual do sumaríssimo
I – A inicial penal é oral – art. 77, Lei 9.099/1995;
II – Pode-se dispensar o exame de corpo de delito se a materialidade do crime
estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente – art. 77, § 1°;
III – Não sendo encontrado o autor do fato para ser citado pessoalmente ou sendo
complexa a causa, haverá o encaminhamento do processo ao juízo comum (seguindo-
se doravante o procedimento sumário) – arts. 66 e 77, § 2° e 3°;
IV – A defesa no sumaríssimo é preliminar (antes do recebimento da ação e não
posterior a esta, conforme ocorre no procedimento ordinário em que há a defesa
escrita) – art. 81, Lei 9.099/1995;
V – Da rejeição da inicial cabe apelação (prazo 10 dias – art. 82) e não RESE
(segundo ocorre nos demais procedimentos penais);
VI – No JECRIM, a sentença dispensa o relatório – art. 81, § 3°.
17.6.3.Requisitos
a) Pena mínima do crime até 1 ano. Note que a suspensão condicional do processo se
aplica não apenas às IMPOs, mas a todo e qualquer crime que possua pena mínima
de até 1 ano;
b) O autor do fato não pode estar sendo processado, nem pode ter sido condenado por
outro crime;152
c) A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias devem se mostrar adequados à elaboração da
proposta.
17.6.4.Duração
Período durante o qual o processo poderá ficar suspenso: de 2 a 4 anos.
17.6.5.Condições
Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este,
recebendo a denúncia, suspenderá o processo, submetendo o réu a período de prova,
sob as seguintes condições:
I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de frequentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades;
V – o juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a
suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado;
VI – a suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser
processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do
dano;
VII – a suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no
curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.153
VIII – expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade.
IX – não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo;
X – se o acusado não aceitar a proposta, o processo prosseguirá em seus
ulteriores termos;
XI – caso o MP não efetue a proposta, pode o juiz, por analogia, aplicar o art. 28,
CPP, ao caso – Súmula 696, STF;
XII – o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às
infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade
delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência
da majorante, ultrapassar o limite de 1 ano (Súmula 243, STJ).
17.6.6.Questão final
Veda-se a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995 nos
seguintes casos:
I – Lei Maria da Penha (violência doméstica – art. 41, Lei 11.340/2006);
II – crimes militares.
17.7.2.Características
a) Órgão colegiado heterogêneo: composto por um juiz togado (juiz-presidente) e
25 leigos, dos quais 7 serão sorteados para integrar o chamado Conselho de Sentença.
Porém, avise-se, desde já, que para que a sessão seja instalada bastam 15 jurados;
b) Horizontal: inexiste hierarquia entre o juiz-presidente e os jurados;
c) Decisão por maioria de votos: não se exige a unanimidade.
Observação: as decisões do Júri são classificadas como decisões
subjetivamente complexas porque emanam de órgão colegiado heterogêneo;
d) Rito escalonado (bifásico): possui duas fases:
d1) a 1a chama-se juízo de admissibilidade, sumário da culpa ou judicium
accusationis. Nesta fase, muito parecida com o rito ordinário, faz-se um juízo de
admissibilidade da acusação. Vai da denúncia à pronúncia;
d2) a 2a chama-se de juízo de mérito ou judicium causae. Esta é a fase mais
“famosa” (plenário). Inicia-se com o oferecimento do rol de testemunhas pelas partes
e encerra-se com o julgamento pelos jurados.
b) Impronúncia (art. 414, CPP): significa que um dos requisitos (ou ambos) da
pronúncia está ausente. Não se trata de absolvição, mas do reconhecimento por parte
do juiz da inadmissibilidade da acusação formulada contra réu. Ex.: inexistência de
prova suficiente da autoria pelo acusado; apenas meras conjecturas temerárias não
são suficientes para pronunciar o réu.
Natureza dessa decisão? Decisão interlocutória mista terminativa (encerra o
processo);
b1) Características:
I – Não faz coisa julgada material (art. 414, parágrafo único, CPP): enquanto não
ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia se houver
prova substancialmente nova;
II – Recurso cabível: apelação (art. 416, CPP).
Atenção: despronúncia é a impronúncia que se alcança por meio de recurso.
Ex.: o réu havia sido pronunciado e por conta de RESE da defesa a decisão foi
reformada pelo tribunal (impronunciando, assim, o acusado em 2a instância).
Impronúncia e crime conexo: decidindo o juiz pela impronúncia do réu, não
poderá aquele julgar o eventual crime conexo. Deve aguardar o trânsito em julgado da
impronúncia para só então remeter o processo referente ao crime conexo ao juiz
competente ou julgá-lo se for ele quem detiver a competência;
c) Absolvição sumária (art. 415, CPP): o juiz deve estar seguro ao proferir esta
decisão, pois está chamando para si o julgamento de uma causa que, em regra,
competiria aos jurados. Trata-se, portanto, de decisão excepcional, pois o juiz retira
dos jurados o poder de decidir o caso concreto. Deverá o juiz absolver sumariamente
quando (incisos do art. 415):
“I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser o acusado o autor do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou exclusão do crime.”
Ex: quando ficar categoricamente provado que o réu praticou o fato amparado por
uma excludente de ilicitude.
Atenção: não pode o juiz absolver sumariamente o réu com base na
inimputabilidade (doença mental ao tempo do fato – art. 26, CP), salvo se esta (a
inimputabilidade) for a única tese defensiva. Recorde-se que o reconhecimento de
inimputabilidade implica aplicação de medida de segurança ao réu. Por isso, caso
haja tese defensiva subsidiária, é mais benéfico ao réu submetê-lo a Júri popular, pois
pode, por exemplo, terminar sendo absolvido (o que é mais vantajoso).
Recurso cabível: apelação (art. 416, CPP);
d) Desclassificação (art. 419, CPP): ocorre quando o juiz entende que não ocorreu
crime doloso contra a vida, não sendo, portanto, o Júri o órgão competente para
conhecer o caso. Ao proferir essa decisão, não deve o juiz fazer incursão aprofundada
no mérito do processo, sob pena de invadir a competência alheia. Deve limitar-se a
analisar o fato do crime não ser doloso contra a vida. Desclassificada a infração,
deve o juiz remeter o processo ao juiz competente – caso não seja ele próprio o
magistrado indicado para o julgamento.
Recurso cabível: RESE (art. 581, II, CPP).
Ex.: decidir sobre eventual exceção de coisa julgada arguida pela parte.
“V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e
designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor.”
18. NULIDADES
Entendendo o tema: nulidade é uma sanção imposta pelo Estado-juiz ao ato que
não cumpriu as formalidades estabelecidas pela lei. Em sentido amplo, pode-se dizer
que há um vício no ato praticado. A nulidade pode recair, a depender do caso, sobre
um só ato ou sobre todo o processo.
19. RECURSOS
19.1.Conceito de recurso
Meio jurídico pelo qual, dentro de uma mesma relação processual, impugna-se
uma decisão que ainda não transitou em julgado, objetivando, com isso, o reexame do
decisum.
Decorrem os recursos do princípio do duplo grau de jurisdição, adotado
implicitamente pelo texto da nossa CF e explicitamente pela CADH.163Há, contudo,
quem entenda que a afirmação do princípio seja fruto de política legislativa que tem
inspiração nos ideais (liberdade, igualdade e fraternidade) da Revolução Francesa
(TÁVORA, 2016, p. 1087-88).
19.2.Natureza jurídica
Embora exista polêmica sobre o tema no seio da comunidade jurídica,
significativo setor da doutrina considera a natureza do recurso como um
desdobramento do direito de ação ou de defesa, i. e., o recurso dá continuidade à
relação jurídica iniciada em primeira instância.
19.4.1.Pressupostos objetivos
a) Cabimento (previsão legal): é preciso que o recurso possua previsão expressa em
lei;
b) Tempestividade: é preciso interpor o recurso dentro do prazo previsto pela lei,
prazo esse contado a partir da data de intimação da parte (dies a quo). Ademais, os
prazos recursais são contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias,
domingo ou feriado, salvo no caso previsto do § 4° do art. 798, CPP, que diz: “não
correrão os prazos, se houver impedimento do juiz, força maior, ou obstáculo judicial
oposto pela parte contrária”. Não se computa no prazo o dia do começo, incluindo-se,
porém, o do vencimento. O prazo que terminar em dia não útil será prorrogado para o
dia útil imediato. Vale ainda destacar que, “havendo dúvidas acerca da
tempestividade do recurso, a solução mais adequada é em benefício do recorrente,
admitindo-se o inconformismo interposto, preservando-se, assim, a garantia do duplo
grau de jurisdição e a ampla defesa do acusado” (STJ, HC 152687/RS,DJ
01.09.2011). Importante o conhecimento do seguinte julgado do STJ, segundo o qual:
“1. Esta Corte Superior pacificou entendimento no sentido de que a tempestividade
recursal é aferida pelo protocolo da petição na Secretaria do Tribunal de origem, e
não pela data da postagem na agência dos Correios, conforme se extrai da Súmula
216/STJ. 2. A partir do julgamento do AgRg no Ag 1.417.361/RS (DJe 14.05.2015),
Relatora p/ acórdão Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Corte Especial passou
a admitir, para fins de verificação da tempestividade recursal, a data do protocolo
postal, desde que haja previsão em norma local” (AgRg no AREsp 719.193/MG, 5a
Turma, DJ 21.09.2016). No mesmo sentido, ver: STF, HC 143212/SP, DJe
26.06.2017.
Seguem alguns entendimentos sumulares sobre a matéria em exame:
STF, 310: “quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita
nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que
começará no primeiro dia útil que se seguir”.
STF, 710: “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do
mandado ou da carta precatória ou de ordem”.
STF, 428: “não fica prejudicada a apelação entregue em cartório no prazo legal, embora despachada
tardiamente”.
STJ, 216: “a tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no
protocolo da Secretaria e não pela data da entrega na agência do correio”.
STJ, 579: “não é necessário ratificar o recurso especial interposto na pendência do julgamento dos embargos
de declaração quando inalterado o julgamento anterior”.
Uma interpretação possível que pode ser extraída dessas duas súmulas é: deve
prevalecer a vontade de recorrer (provenha esta vontade do defensor técnico ou do
réu). Nesse sentido: “havendo discordância sobre a conveniência da interposição de
recurso, deve prevalecer a manifestação de vontade quem optar por sua apresentação,
quer provenha da defesa técnica ou da autodefesa” (STJ, HC 162071/SP,DJe
20.03.2012); e, também, Grinover et. al. (2011, p. 108). Porém, há que se ressaltar
que esse entendimento não é pacífico, existindo orientação no sentido de que deve
prevalecer, em qualquer situação, a vontade do defensor técnico, uma vez que este é
quem pode melhor avaliar a vantagem prática no manejo do recurso. Neste contexto,
ver a recente tese constante da 66a Jurisprudência em Tese do STJ, segundo a qual,
“Verificada a inércia do advogado constituído para apresentação das razões do apelo
criminal, o réu deve ser intimado para nomear novo patrono, antes que se proceda à
indicação de defensor para o exercício do contraditório”, oriunda dos precedentes:
HC 302586/RN, DJe 19.05.2016; HC 345873/SP, DJe 29.04.2016; HC 301099/AM,
DJe 07.03.2016; HC 269912/SP, DJe 12.11.2015; RHC 25736/MS, DJe 03.08.2015;
AgRg no HC 179776/ES, DJe 02.06.2014. (Vide Informativo de Jurisprudência 506);
d2) Fatos extintivos (obstam a apreciação de recurso já interposto): trata-se da
desistência do recurso interposto.
Nota: Com a reforma promovida pela Lei 12.403/2011, que, dentre outras coisas,
revogou o art. 595, CPP, a fuga do réu não obsta mais a apreciação do recurso
interposto. Não há mais que se falar em deserção provocada pela fuga do réu. Mesmo
que o réu fuja, o recurso será conhecido e apreciado pelo órgão julgador competente.
Saliente-se ainda que o instituto da desistência não se aplica ao MP, i. e., não
pode este órgão desistir do recurso por ele interposto (art. 576, CPP). Tal imposição
decorre do princípio da indisponibilidade (já estudado) vigente na ação penal
pública. Temos assim que: o MP não está obrigado a recorrer (princípio da
voluntariedade recursal), porém, se o fizer, não poderá desistir do recurso interposto
(princípio da indisponibilidade).
19.4.2.Pressupostos subjetivos
a) Interesse: somente a parte que possuir interesse na reforma/anulação da decisão
poderá recorrer – art. 577, parágrafo único, CPP. O interesse decorre da sucumbência
(total ou parcial). Assim, por exemplo, caso a parte tenha sido vencedora em todos os
pontos sustentados, carecerá, em tese, de interesse recursal na reforma ou cassação da
decisão prolatada;
Dissemos “em tese” porque há situações em que, mesmo sem a parte ter
sucumbido, há interesse de manejar recurso. Vamos a um exemplo.
Em caso de sentença absolutória, há interesse de a defesa recorrer da decisão
para alterar a sua fundamentação quando a motivação da sentença for daquelas que,
embora absolvendo o réu, permita a ação cível contra esse. É o que ocorre quando o
juiz absolve o réu por entender que não existem provas suficientes contra ele (art.
386, V, CPP). Note-se que as provas podem não ter sido suficientes para uma
condenação penal (que exige, por sua própria natureza, um robusto material
probatório), entretanto, nada impede que o interessado ingresse com ação cível contra
o réu, haja vista que aquelas mesmas provas poderão ser ali suficientes para uma
eventual condenação no campo cível. Assim, tendo em vista que esse tipo de
absolvição (como é o caso da prevista no art. 386, V, CPP) não “fecha as portas do
cível”, é possível que o réu, mesmo que não tenha sucumbido, ingresse com recurso
para alterar a fundamentação da decisão que o absolveu. Nessa linha: “o réu tem
direito subjetivo para recorrer da sentença absolutória, com finalidade de modificar o
fundamento legal da absolvição, firmada na insuficiência de provas para ver
reconhecida a atipicidade do fato ou, então, não constituir sua conduta infração penal.
O que justifica esse interesse recursal é o prejuízo que decorre dos efeitos
indenizatórios diversos, dos fundamentos citados, na esfera civil, mormente na
satisfação do dano ex delicto” (TAPR AP 150143 DJ 24.05.2001).
Vale ressaltar que a sentença que decreta a extinção da punibilidade pela
prescrição da pretensão punitiva tem o condão da apagar todos os efeitos
condenatórios. No entendimento dos Tribunais Superiores, tal fato enseja a ausência
de interesse recursal, mesmo em relação ao manejo da apelação com vistas ao
reconhecimento da atipicidade da conduta (STJ, APn 688/RO,DJe 04.04.2013 e
AgRg no AREsp 638.361/SP, 5a Turma, DJ 25.08.2015).
Noutro giro, algumas observações quanto ao interesse recursal do MP precisam
ser feitas:
I – Sendo o MP o autor da ação penal, é possível que, em sede recursal, esse
órgão recorra em benefício do acusado – seja requerendo a diminuição de pena, seja
a absolvição do réu, seja qualquer outro benefício cabível. É que, por conta do
conteúdo do art. 127, CF e do especial papel que o MP desempenha no processo
penal, tem esse órgão ampla possibilidade de recorrer em benefício do réu. Tudo o
que foi dito aqui se aplica, in totum, aos casos de ação penal privada subsidiária da
pública (art. 29, CPP). Vale dizer, também nesse tipo de ação o MP detém ampla
faculdade de recorrer em favor do réu;
II – No caso de ação penal privada (exclusivamente privada ou personalíssima),
é possível ao MP recorrer em benefício do réu (requerendo a sua absolvição, p. ex.).
Porém, sendo absolutória a sentença, não poderá o MP requerer a condenação do
querelado. É que, em razão da natureza da ação penal, entende-se que prevalece o
princípio da oportunidade, ficando, portanto, à conveniência do querelante decidir
pelo recurso para tentar provocar o agravamento da situação do réu.
Por fim, vale acrescentar que, no que tange ao assistente de acusação, segundo
orientação consolidada nos tribunais superiores, é-lhe possível, autonomamente,
interpor recurso de apelação contra a sentença penal condenatória com o objetivo de
exasperar a pena imposta ao réu (STJ, AgRg no REsp 1312044/SP,DJe 05/05/2014).
Isso porque entende a jurisprudência que o assistente não tem apenas o interesse de
obter o título executivo judicial (sentença condenatória) para, posteriormente,
executá-lo, mas, também, tem o assistente interesse de ver aplicada ao réu uma pena
justa, correta. Sobre o tema, ver também STJ, AgRg no REsp 1533478/RJ, 5a Turma,
DJ 26.08.2016: “Na linha do recente posicionamento desta Corte, “não obstante a
existência de posicionamentos, no âmbito doutrinário e jurisprudencial, que
questionam a própria constitucionalidade da assistência à acusação, o Supremo
Tribunal Federal reconhece a higidez do instituto processual, inclusive com amplo
alcance, admitindo sua projeção não somente para as hipóteses de mera
suplementação da atividade acusatória do órgão ministerial, como pacificamente
aceito pelos Tribunais em casos de inércia do Parquet, mas também para seguir o
assistente da acusação atuando no processo em fase recursal, mesmo em
contrariedade à manifestação expressa do Ministério Público quanto à sua
conformação com a sentença absolutória (RMS n. 43.227/PE, Quinta Turma, Rel.
Min. Gurgel de Faria, DJe 07.12.2015)”;
b) Legitimidade: o recurso deve ser interposto por quem é parte na relação
processual ou, excepcionalmente, por terceiros quando houver autorização legal
expressa nesse sentido (ex.: art. 598, CPP). O CPP dispõe que, em regra, são
legitimados para interpor recurso: o MP, o querelante, o réu (autonomamente) e o
defensor do réu.
É importante perceber que, no processo penal, o réu, de forma autônoma, pode
interpor recurso. Essa permissão visa a concretizar o princípio da ampla defesa,
possibilitando ao próprio acusado (mesmo que não possua capacidade postulatória,
mesmo que não seja advogado) interpor recurso. Porém, conforme entende a
jurisprudência, caso o réu não possua capacidade postulatória (i. e., não seja
advogado, p. ex.), não poderá, autonomamente, apresentar as razões recursais. Apenas
quem possui capacidade postulatória poderá apresentar as razões (STJ, AgRg no HC
179776/ES, DJe 02.06.2014).
Ademais, conforme dito antes, não são apenas as pessoas indicadas no art. 577
que poderão interpor recurso. Isso porque a lei, em situações específicas, faculta
também a terceiros essa possibilidade. Nesse sentido, consultar o art. 598, CPP, que
diz que a vítima (ou o CCADI167), diante de eventual inércia do MP, pode interpor
recurso (mesmo que não tenha se habilitado anteriormente como assistente no
processo) nos seguintes casos: decisão de impronúncia (art. 584, § 1°); quando
julgada extinta a punibilidade (art. 584, § 1°); e no caso de sentença absolutória (art.
598).
Dê-se destaque ainda à Súmula 210, STF, que diz: “o assistente do Ministério
Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos
arts. 584, § 1° e 598 do CPP”. Significa essa súmula que o assistente pode, de forma
autônoma, interpor e arrazoar recurso extraordinário naqueles casos em que poderia
recorrer autonomamente (indicados acima). Notemos que o teor dessa súmula,
conforme aponta a doutrina (AVENA, 2011, p. 1102), aplica-se in totum ao recurso
especial também.
19.6.1.Previsão legal
O RESE tem previsão legal, sobretudo, no CPP (art. 581), porém há também
hipóteses esparsas em legislação extravagante (ex.: art. 294, parágrafo único, Lei
9.503/1997 – CTB).
19.6.2.Efeitos
a) Devolutivo: o RESE devolve à apreciação do órgão julgador a matéria recorrida.
A devolução fica restrita à matéria impugnada (o efeito devolutivo não é amplo,
portanto);
b) Suspensivo: em regra, o RESE não possui efeito suspensivo. Exceções: RESE
contra a decisão que denega a apelação ou que a julga deserta; contra a pronúncia; e
contra a decisão que determina a perda ou a quebra da fiança. Nestes casos, há efeito
suspensivo. Consulte-se o art. 584, CPP;
c) Regressivo: cabe juízo de retratação no RESE (art. 589, CPP): com a resposta do
recorrido ou sem ela, o juiz poderá manter ou reformar a decisão. Mantendo, remeterá
os autos ao órgão ad quem. Reformando a decisão, a parte contrária, que agora ficou
prejudicada, poderá pedir a pronta remessa dos autos ao tribunal, desde que dessa
nova decisão também caiba RESE.
19.6.3.Legitimidade
Em regra, podem interpor RESE o MP, o querelante, o réu e o defensor.
Quanto à vítima, só pode interpor RESE da decisão que declarar extinta a
punibilidade do acusado (art. 584, § 1°, CPP).
No caso de decisão que inclui ou exclui o nome de jurado da lista geral, qualquer
um do povo poderá interpor RESE (art. 581, XIV, CPP).
Atenção: Parte considerável da doutrina vem entendendo que tal dispositivo foi
revogado tacitamente por força da nova redação do art. 426, § 1°, CPP, introduzida
pela Lei 11.689/2008, que prevê a impugnação por meio de reclamação feita por
qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro de cada ano
(TÁVORA, 2016, p. 1364; PACELLI, 2015, p. 983). No entanto, na dicção de LIMA
(2015, p. 1674-1675), diante das constantes mudanças sofridas pela legislação
processual penal nos últimos anos (v.g., Leis 11.689/2008, 11.690/2008, 11.719/2008
e 12.403/2011), não se revela razoável a estagnação das hipóteses de cabimento do
RESE, sobretudo levando em consideração que o projeto de lei que versa sobre a
mudança do título do CPP que cuida dos recursos ainda não foi aprovado pelo
Congresso Nacional. Justifica o autor que isso ocorreria até mesmo para evitar a
criação de desequilíbrio entre as partes, violando a paridade de armas, não se
podendo admitir que a acusação fique privada de um instrumento para a impugnação
de decisões proferidas por juiz de 1a instância, se a defesa tem sempre a
possibilidade de impetrar ordem de habeas corpus.
19.6.5.Prazos
a) Petição de interposição: 5 dias (art. 586, CPP). Exceções:
I – 20 dias (parágrafo único do art. 586) no caso de RESE contra a decisão que
inclui ou exclui jurado da lista geral do Tribunal do Júri (Ver ressalva no item
19.6.3);
II – 15 dias para a vítima não habilitada como assistente de acusação para
interpor RESE contra declaração da extinção da punibilidade em caso de inércia do
MP – art. 584, § 1°, c/c o art. 598, CPP.
Acrescente-se que, de acordo com a Lei 9.800/1999, pode-se interpor o recurso
via fac-símile ou similar com apresentação dos originais no prazo de 5 dias.
Ademais, vale lembrar o conteúdo da Súmula 216, STJ, que diz: “a tempestividade do
recurso interposto no STJ é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria e não
pela data de entrega na agência do correio”.
b) Razões recursais: 2 dias (art. 588, CPP).
Nota: após as razões do recorrente será dada vista ao recorrido para apresentar
as suas contrarrazões recursais, cujo prazo será também de 2 dias.
19.7.1.Efeitos
a) Devolutivo: a apelação possui o mais amplo efeito devolutivo dos recursos, com
possibilidade de discussão de toda a matéria de fato e de direito. Porém, nada impede
que o apelante delimite o tema que pretende discutir em segunda instância (é o que se
chama de apelação parcial). De um jeito ou de outro, nada impede que o tribunal vá
além da matéria impugnada, conhecendo de ofício outros pontos, desde que não
prejudiciais à defesa. Reforça esta ideia a Súmula 160, STF, quando diz: “É nula a
decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da
acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”;
b) Suspensivo: aqui é preciso distinguir a apelação da sentença condenatória da
apelação da sentença absolutória.
A apelação interposta contra a sentença absolutória não tem efeito suspensivo.
Explica-se: caso um réu que se encontre preso durante o curso do processo seja
absolvido, deverá ser posto em liberdade automaticamente. Assim, mesmo que o MP
interponha apelação contra a absolvição, este recurso não suspenderá o efeito da
sentença absolutória de pôr o réu imediatamente em liberdade.
No caso de sentença condenatória, o art. 597, CPP, sublinha que há efeito
suspensivo. Explica-se: condenado o acusado, caso seja interposta apelação pela
defesa contra esta decisão, possuirá tal recurso efeito suspensivo no sentido de obstar
os efeitos da condenação: prisão do réu; lançamento de seu nome no rol dos culpados
etc. Não estamos querendo dizer com isso que não é possível a prisão do acusado no
momento da sentença penal condenatória. Não é isto. É possível a prisão desde que
presentes os requisitos da preventiva (prisão cautelar). O que não é possível é a
prisão-pena (prisão-punição) enquanto não transitada em julgado a condenação. É por
isso que se diz que a apelação suspende os efeitos da condenação;
c) Efeito iterativo, extensivo ou extensão subjetiva do efeito devolutivo (art. 580,
CPP): pode ocorrer em caso de concurso de pessoas. Explica-se: se um réu interpõe
recurso fundado em motivo de caráter não exclusivamente pessoal (ex.: questionando
a tipicidade da conduta), sendo provido o recurso, este aproveitará ao corréu que não
tenha recorrido. Contudo, é necessário pontuar as duas hipóteses que não legitimam a
aplicação do dispositivo legal: a) quando o requerente da extensão não participa da
mesma relação jurídico-processual daquele que foi beneficiado por decisão judicial
da Corte, o que evidencia a sua ilegitimidade; b) quando se invoca extensão de
decisão para outros processos que não foram examinados pela Corte, o que denuncia
fórmula de transcendência dos motivos determinantes, não admitido pela
jurisprudência do STF. (STF, HC 137728 EXTN/PR, DJ. 30.05.2017 e Info. 867, de
29 de maio a 02 de junho de 2017).
19.7.2.Legitimidade
Em regra, podem interpor o recurso de apelação: MP, querelante, réu ou
defensor.
Quanto à vítima, habilitada ou não como assistente de acusação, poderá interpor
apelação quando o MP permanecer inerte nos seguintes casos: decisão de
impronúncia (art. 416 c/c o art. 584, § 1°, CPP); sentença absolutória (art. 598, CPP);
e absolvição sumária (seja a do art. 415, CPP – júri; seja a do art. 397, CPP – ritos
ordinário e sumário).
19.7.3.Formalidades da apelação
Pode ser interposta por petição ou termo nos autos – art. 578, CPP.
Se interposta por petição (modo mais comum), a apelação deverá vir composta
por duas peças:
I – Petição de interposição: endereçada ao próprio órgão prolator da decisão
impugnada; com prazo, em regra, de 5 dias; tendo como conteúdo, em suma, a
demonstração de insatisfação do recorrente;
II – Razões recursais: dirigidas à instância ad quem; com prazo de 8 dias; são os
fundamentos de fato e de direito do recurso.
19.7.4.Prazos
a) Petição de interposição: regra: 5 dias (art. 593, CPP). Perceba-se que a
tempestividade é aferida da data da interposição da apelação e não de sua juntada
pelo cartório – Súmulas, 320 e 428, STF;
a1) Exceções:
I – em caso de inércia do MP, 15 dias para a vítima não habilitada como
assistente de acusação para interpor apelação contra: a decisão de impronúncia (art.
416 c/c o art. 584, § 1°, CPP); a sentença absolutória (art. 598, CPP); e a absolvição
sumária – seja a do art. 415, CPP, seja a do art. 397, CPP. Confira-se ainda a Súmula
448, STF: “o prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr
imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público”;
II – 10 dias para apelar no JECRIM (art. 82, Lei 9.099/1995). Note-se que no
JECRIM a petição de interposição e a de razões recursais não possuem prazos
distintos, devendo ser apresentadas conjuntamente;
b) Razões recursais: 8 dias (art. 600, CPP).
Nota: após as razões do recorrente será dada vista ao recorrido para apresentar
as suas contrarrazões recursais, cujo prazo será também de 8 dias.
19.7.6.Observações finais
Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito,
ainda que somente de parte da decisão se pretenda recorrer – art. 593, § 4°, CPP. Ex.:
imagine-se que, no corpo da sentença, o juiz decida revogar a prisão preventiva do
réu. Caberá aqui apelação e não RESE (art. 581, V, CPP), conforme se poderia
pensar.
No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo
interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.
Também em sede de Apelação o STJ publicou uma série de teses a partir da sua
jurisprudência, de modo que recomendamos fortemente ao caro Leitor a leitura atenta,
inclusive dos precedentes invocados. Eis as teses:
“O efeito devolutivo amplo da apelação criminal autoriza o Tribunal de origem a
conhecer de matéria não ventilada nas razões recursais, desde que não agrave a
situação do condenado”. Precedentes: AgRg no HC 320398/MT, DJe 01.08.2016;
AgRg no HC 347301/MG,DJe 13.06.2016; RHC 68264/PA, DJe 14.06.2016; AgRg
no AREsp 804735/SP, DJe 30.03.2016; HC 279080/MG, DJe 03.02.2016; AgRg no
HC 337212/SP, DJe 11.12.2015. (INFO. 553) e AgInt no AREsp 1.044.869/MS, DJe
25.05.2017;
a) “A apresentação extemporânea das razões não impede o conhecimento do recurso
de apelação tempestivamente interposto”. Precedentes: HC 281873/RJ,DJe
15.04.2016; RMS 25964/PA, DJe 15.12.2015; HC 269584/DF, DJe 09.12.2015;
AgRg no Ag 1084133/PR, DJe 27.10.2015; AgRg no AREsp 743421/DF, DJe
07.10.2015; HC 220486/SP, DJe 31.03.2014. (INFO. 261);
b) “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão. (Súmula
347/STJ)” Precedentes: HC 95186/MG,DJe 31.08.2015; HC 320034/MG, DJe
21.05.2015; HC 258954/RJ, DJe 10.11.2014; HC 199248/SP, DJe 26.08.2014; HC
205341/CE, DJe 15.03.2013; HC 131902/SP, DJe 01.02.2012;
c) “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos
fundamentos da sua interposição. (Súmula 713/STF)”. Precedentes: HC 266092/MG,
DJe 31.05.2016; HC 272094/SC, DJe 15.02.2016; HC 179209/RJ, DJe 23.11.2015;
HC 322960/GO, DJe 15.09.2015; HC 193580/RS, DJe 03.03.2015; HC 244785/MA,
DJe 26.03.2014. (INFO. 475);
d) “Aplica-se o princípio da fungibilidade à apelação interposta quando cabível o
recurso em sentido estrito, desde que demonstrada a ausência de má-fé, de erro
grosseiro, bem como a tempestividade do recurso”. Precedentes: AgInt no REsp
1532852/MG, DJe 22.06.2016; HC 265378/SP, DJe 25.05.2016; AgRg no AREsp
644988/PB, DJe 29.04.2016; HC 295637/MS, DJe 14.08.2014; AgRg no AREsp
71915/SC, DJe 23.05.2014; AgRg no AREsp 354968/MT, DJe 14.05.2014. (INFO.
543);
e) “O adiamento do julgamento da apelação para a sessão subsequente não exige nova
intimação da defesa” Precedentes: HC 353526/SP, DJe 21.06.2016; HC 333382/SP,
DJe 04.04.2016; HC 319168/SP, DJe 08.10.2015; HC 300034/SP, DJe 23.02.2015;
REsp 1251016/RJ, DJe 27.11.2014; HC 203002/SP, DJe 24.11.2014;
f) “Inexiste nulidade no julgamento da apelação ou do recurso em sentido estrito
quando o voto de Desembargador impedido não interferir no resultado final”
Precedentes: HC 352825/RS,DJe 20.05.2016; HC 309770/SP, DJe 16.03.2016; HC
284867/GO, DJe 02.05.2014; HC 130990/RJ, DJe 22.02.2010; REsp 1351484/SC
DJe 05.08.2015;
g) “O julgamento de apelação por órgão fracionário de tribunal composto
majoritariamente por juízes convocados não viola o princípio constitucional do juiz
natural”. Precedentes: HC 324371/RN,DJe 27.05.2016; HC 179502/SP, DJe
25.02.2016; HC 165280/SP, DJe 03.12.2014; HC 271742/SP, DJe 05.09.2014; AgRg
no HC 280115/PA, DJe 02.09.2014; HC 236784/MA, DJe 17.03.2014. (INFO. 476).
Ver também Repercussão Geral no STF, Tema 170;
h) “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do
único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro. (Súmula
708/STF)”. Precedentes: HC 329263/BA,DJe 01.07.2016; HC 100524/PE, DJe
06.11.2015; HC 300490/MG, DJe 14.09.2015; HC 258339/MG, DJe 18.05.2015; HC
207119/SP, DJe 22.05.2014; RHC 37159/PA, DJe 08.05.2014 e HC 382357/SP, DJe
14.06.2017;
i) “A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do
defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta. (Súmula
705/STF)” Precedentes: RHC 61365/SP,DJe 14.03.2016; HC 264249/SP, DJe
10.05.2013; HC 183332/SP, DJe 28.06.2012; HC 235498/SP, DJe 20.06.2012; HC
27582/SP, DJe 02.02.2009. (INFO. 99) e RHC 50739/SC, DJe 28.03.2017.
19.8.Embargos de declaração
19.8.1.Conceito
Recurso oponível contra a decisão (leia-se: sentenças, acórdãos ou decisões
interlocutórias) que apresente ambiguidade, obscuridade, omissão ou contradição
(arts. 382, 619 e 620, CPP). Visa, portanto, a tornar a decisão mais clara, mais
precisa170.
Alguns doutrinadores e operadores do Direito adotam denominações distintas
para os embargos de declaração. Assim, aquele previsto no art. 382 é denominado de
“embarguinhos”, opostos perante o juiz de 1° grau, enquanto aquele estatuído pelo art.
619 é denominado de “embargos de declaração”, oposto em face de acórdãos
oriundos dos tribunais, câmaras ou turmas.
Reiteramos que se trata de mera divergência de denominação, pois tecnicamente
são o mesmo instituto: embargos de declaração.
19.8.2.Interposição
Deve ser efetuada junto ao órgão que prolatou a decisão considerada defeituosa.
19.8.3.Prazo
I – Regra: 2 dias – art. 382, CPP.
II – Exceções: 5 dias – JECRIM (art. 83, Lei 9.099/1995); e ação penal originária no
STF (art. 337, § 1°, Regimento Interno). Ver HC 91002 ED/RJ, DJe 22.05.2009.
Observações finais:
I – No caso de a decisão apresentar erros materiais (data equivocada, incorreção
de grafia do nome da parte etc.), não é necessário à parte interpor de embargos de
declaração. Pode o próprio julgador promover, de ofício, a correção; ou mesmo a
parte poderá protocolizar uma simples petição nesse sentido;
II – Após o julgamento dos embargos, prevalece o entendimento de que o prazo
para os demais recursos será integralmente devolvido às partes. Logo, os embargos
interrompem o prazo recursal (STJ, AgRg no Ag 876449, DJ 22.06.2009 e EDcl nos
EDcl no AgRg no AREsp 876.625/MG,DJ 12.09.2016). Importante destacar que a
interrupção ocorre ainda que os embargos sejam considerados protelatórios (STJ,
AgRg no REsp 1099875/MG, DJe 01.08.2011).
Por outro lado, no JECRIM, ocorre a interrupção do prazo recursal (vide: art. 83,
§ 2°, Lei 9.099/1995, com redação alterada pelo art. 1.066 do novo CPC).
Ainda no tocante à interrupção, importante destacar os seguintes julgados do STJ:
a) Cumpre enunciar, ainda que: “Se a rejeição dos embargos de declaração não foi
unânime, de ordinário não podem ser acoimados de protelatórios” (EDcl nos EDcl
nos EDcl no REsp 1316694/PR, DJ 06.03.2015)”;
b) “Posição de embargos declaratórios incabíveis. Não interrupção do prazo para a
interposição de agravo. Agravo em recurso especial intempestivo” (AgRg no AREsp
898.781/MS, DJe 16.09.2016).
19.9.2.Espécies
I – os embargos infringentes atacam questão de mérito. Ex.: cabem infringentes
contra o acórdão que por 2x1 condenou o réu. O voto vencido foi pela absolvição;
II – os embargos de nulidade buscam o reconhecimento de uma nulidade. Ex.:
cabem embargos de nulidade contra o acórdão que não acolheu por 2x1 nulidade
relativa à citação do réu. O voto vencido, favorável ao acusado, reconheceu a
nulidade da citação.
Observação: nada impede a interposição de embargos infringentes e de nulidade
simultaneamente (um só recurso) quando houver questões não unânimes (e favoráveis
ao réu) de mérito e de nulidade.
19.9.3.Prazo
Dez dias da publicação do acórdão (art. 609, parágrafo único, CPP). A
interposição deve ser feita perante o relator. As razões serão apresentadas ao tribunal
simultaneamente à interposição (duas peças, portanto).
19.10.1.Cabimento
I – da decisão que denegar o recurso;
II – da decisão que, embora tenha admitido o recurso, obste o seu seguimento para o
órgão ad quem.
Interpretando-se sistematicamente o CPP, conclui-se que cabe carta
testemunhável da decisão que denega ou obsta seguimento ao agravo em execução e
ao RESE.
Atenção que a denegação da apelação desafia a interposição de RESE – art. 581,
XV, CPP (e não de carta testemunhável). Agora se, nesta mesma situação, o RESE
também for denegado, aí sim será cabível a carta testemunhável.
Note-se também que a interposição desse recurso é feita ao escrivão e não ao juiz
(art. 640, CPP).
A carta testemunhável não possui efeito suspensivo (art. 646, CPP), significando
isto, segundo dizem alguns autores (AVENA, 2011, p. 1182, p. ex.), que a
interposição deste recurso não impede o prosseguimento do processo ou a eventual
execução da sentença condenatória. Essa orientação, porém, é de duvidosa
constitucionalidade, haja vista esbarrar no estado de inocência.
Como a carta testemunhável deve seguir o rito do recurso obstaculizado, caso ela
(a carta) seja interposta contra a decisão que denegou ou negou seguimento ao agravo
em execução ou RESE, haverá a incidência de efeito regressivo, uma vez que estes
últimos recursos (agravo em execução e RESE) o possuem.
19.11.1.Cabimento
O agravo em execução não possui cabimento taxativo como o RESE. A lei não
enumera, portanto, as hipóteses de cabimento de agravo em execução. Exemplos mais
comuns: decisão que nega a unificação das penas, a progressão de regime171, a saída
temporária, o livramento condicional etc.
19.11.2.Procedimento
Diante da falta de previsão legal, segue o mesmo rito e formalidades do RESE
(vale a pena reler o que escrevemos anteriormente sobre esse recurso). Desse modo,
o prazo é de 5 dias para a interposição (vide inclusive a Súmula 700, STF) e de 2
dias para apresentação de razões, admitindo-se, também, o juízo de retratação (efeito
regressivo), tal qual sucede no RESE.
19.12.3.O processamento
O ROC é regido, conforme o caso, pelo regimento interno do STF e do STJ e pela
Lei 8.038/1990.
A petição de razões deverá acompanhar a de interposição.
19.12.4.Prazos
I – 5 dias quando interposto contra a decisão que denegar o HC (ROC ao STF ou
ao STJ). Consulte-se a Súmula 319, STF;
II – 5 dias quando interposto contra a decisão que denegar o MS (ROC ao STF);
III – 15 dias para a denegação de MS (ROC ao STJ).
IV – 3 dias para a decisão que envolva crime político (ROC ao STF) – art. 307,
RISTF c/c 563, “a”, e 565, CPPM.
19.13.1.Noções necessárias
a) o RESP é endereçado ao STJ e, em resumo, visa a levar ao conhecimento desta
Corte decisão, em única ou última instância, do TJ/TRF que afronte lei federal
(infraconstitucional) ou que tenha dado interpretação diversa da que foi dada por
outro tribunal. Note-se que não cabe RESP de decisão de Turma Recursal do
JECRIM, pois este órgão julgador não é considerado tribunal – Súmula 203, STJ.
Objetiva, portanto, esse recurso, homogeneizar a interpretação da lei federal pátria;
b) o RE visa a levar ao STF o conhecimento de qualquer decisão tomada em única ou
última instância que implique em afronta à CF. Visa a garantir a ordem constitucional
vigente. Perceba-se que como o texto da CF (art. 102, III) não menciona a expressão
“Tribunal”, mas apenas “causas decididas em única ou última instância”, entende-se
que por meio do RE, desde que atendidos aos demais requisitos, pode-se impugnar
qualquer acórdão dos Tribunais, bem como decisão tomada por Turma Recursal do
JECRIM;
c) ambos possuem fundamentação vinculada, discutem apenas questão de direito (e
não matéria de fato ou reexame de prova), possuem o prazo de 15 dias e, para que
sejam admitidos, exigem o esgotamento das vias ordinárias (vide Súmula 281, STF);
d) há previsão legal de efeito apenas devolutivo para esses recursos (art. 637, CPP).
Apesar disso, a sentença condenatória não poderá ser executada sem o trânsito em
julgado, devendo a prisão do réu, também nesta fase, ser orientada pelos requisitos da
preventiva (conforme informativo 534 do STF);
e) como requisito de admissibilidade ambos exigem o prequestionamento. A questão
a ser levada ao STF ou STJ deve ter sido previamente apreciada na decisão
impugnada. Cabem, inclusive, embargos de declaração com o objetivo de forçar o
prequestionamento da questão nas instâncias inferiores;
f) da decisão que denega (não conhece) o REsp ou o RE, cabe agravo de instrumento
(art. 1.003, § 5°, CPC/2015), no prazo de 15 dias corridos para o STF ou STJ,
conforme o caso. Necessário destacar que com a publicação do novo regramento
processual civil, houve a revogação do art. 28 da Lei 8.038/1990 que previa o prazo
de 5 dias para interposição do recurso, impondo, assim, a utilização da regra geral
prevista no CPC. Contudo, no que se refere à contagem do prazo, há norma processual
penal estabelecendo a contagem dos prazos de forma contínua, o que a afasta a
contagem em dia útil prevista no CPC. (STF, ARE 993407/DF, DJe 05.09.2017 e
Info. 845, STF, de 24 a 28 de outubro de 2016).
Reflexos do Novo Código de Processo Civil
Reflexos do Novo Código de Processo Civil
O novel art. 1.070 estabelece que “É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo,
previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal
proferida em tribunal”.
Tal redação, combinada com a revogação expressa do art. 28 da Lei 8.038/1990, pelo art. 1.072, IV,
NCP C, implicou na modificação do prazo também no Processo Penal, uma vez que a Súmula 699 do STF tem
fundamento no dispositivo que foi revogado desde março de 2016.
20.1.1.Natureza jurídica
Embora o HC esteja incluído no Título do CPP que trata dos recursos e de, por
vezes, parecer-se com um, na realidade, de recurso não se trata. Possui natureza de
ação autônoma de impugnação (GRINOVERet. al., 2001, p. 345). Dentre tantos
motivos que refutam a natureza de recurso do HC, segue um que consideramos o mais
contundente: o recurso pressupõe a existência de um processo. Pois bem, cabe HC
inclusive fora do âmbito do processo. Ex.: cabe HC contra ato de particular. Explica-
se. Imagine-se que um diretor de hospital não deixe o paciente sair enquanto este não
pagar a conta. Cabe HC contra ato do diretor nessa situação, prescindindo-se,
portanto, de um processo previamente instaurado – algo impensável no caso de
recurso.
Ademais, saliente-se que o HC pode funcionar como substitutivo de um recurso
específico cabível ao caso. Assim, se cabível um recurso específico e, também, o HC,
o interessado poderá valer-se deste último.
20.1.4.Espécies de HC
a) preventivo: nesta situação, o indivíduo encontra-se na iminência de ser preso
ilegalmente. Impetra-se o HC e pede-se aqui um documento chamado de “salvo-
conduto” (livre trânsito), que blinda o sujeito contra a ameaça de prisão ilegal – art.
660, § 4°, CPP. Não basta o temor remoto de prisão ilegal. Para que seja cabível o
HC preventivo, é preciso uma ameaça concreta (STJ, RHC 47424/PA,DJe
01.08.2014 e AgRg no HC 276.586/SP, DJ 03.08.2016). Ex: pessoa suspeita da
prática de furto é intimada pelo delegado a, em 5 dias, apresentar-se ao Instituto
Criminalística a fim de submeter-se a perícia de confecção de imagens, sob pena de
prisão (STJ, HC 179486/GO, DJ 27.06.2011). Cabe HC preventivo ao juiz;
b) liberatório ou repressivo: aqui a pessoa encontra-se presa ilegalmente. Impetra-se
o HC e requer-se o alvará de soltura – art. 660, § 1°, CPP. Ex: delegado que, fora das
situações de flagrante delito, prende o indivíduo para averiguar-lhe a vida pregressa.
Cabe HC liberatório ao juiz;
c) suspensivo: nesta hipótese, foi expedido um mandado de prisão (ilegal) contra o
sujeito. Impetra-se o HC e pede-se o contramandado de prisão, visando a neutralizar a
ordem de prisão anteriormente expedida. Ex: juiz que, sem fundamentar, determina a
prisão preventiva do réu. Cabe HC suspensivo ao TJ.
Nota: há diversas situações de cabimento de HC que escapam à tradicional
classificação exposta acima. Isto é assim porque, como vimos, o texto amplo da CF
(art. 5°, LXVIII) permite o cabimento do HC não só para atacar as coações ilegais
efetivas ou as ameaças ilegais iminentes, mas, também, para combater casos de
ameaças não iminentes em relação às quais se consegue, de plano, antever a
possibilidade de uma prisão ilegal. Ex.: sujeito que responde, em liberdade, a
processo por crime de furto (que, como se sabe, possui previsão de pena de prisão)
perante órgão judicial absolutamente incompetente. Uma situação dessas não se
enquadra propriamente em nenhuma das espécies de HC acima indicadas. Apesar
disso, o writ é cabível, pois a situação se amolda ao texto constitucional. Portanto, em
matéria de cabimento de HC, deve o leitor sempre ter em mente o marco fundamental
estipulado pela CF – que é mais abrangente que o CPP e que as espécies doutrinárias
antes apontadas.
20.1.5.Legitimidade ativa
Qualquer pessoa pode impetrar HC em nome próprio ou em nome de outrem
(inclusive sem procuração). Assim, podem impetrar HC: pessoa jurídica; menor;
doente mental; estrangeiro; enfim, não há restrições aqui. Note-se que não se exige
capacidade postulatória para impetrar HC, não sendo necessário, portanto, fazê-lo por
meio de advogado, por exemplo.
20.1.6.Legitimidade passiva
É possível impetrar HC contra ato de autoridade ou mesmo contra ato de
particular. Exemplo deste último caso: diretor de hospital que não deixa o paciente
sair do ambulatório enquanto este não quitar a conta com o hospital.
20.2.2.Finalidades da revisão
Busca restabelecer o estado de dignidade e/ou de liberdade do condenado.
20.2.3.Natureza jurídica
Não se trata de recurso (apesar de assim considerado pelo CPP), mas de ação
autônoma de impugnação.
20.2.6.Prazo
Não há prazo determinado para ingressar com a revisão (ver art. 622, caput,
CPP). Cabe antes, durante ou depois da pena, em favor do vivo ou do morto. É
preciso, no entanto, que tenha ocorrido o trânsito em julgado (requisito indispensável:
certidão de trânsito em julgado da sentença).
20.2.9.Competência
STF e STJ: julgam suas próprias condenações (em sede de competência
originária) e aquelas por eles mantidas. Exemplo desta última situação: imagine-se
que um processo, por meio de RE, chegou até a Corte Suprema. Caso, posteriormente,
surja nova prova da inocência do réu, a eventual RC deverá ser ingressada no próprio
STF, uma vez que este órgão manteve a condenação do acusado;
TRF: julgam suas próprias condenações (competência originária) e a dos juízes
federais. Exemplo: desta última situação: juiz federal condenou o réu e não houve
recurso desta decisão (trânsito em julgado). Posteriormente, surge prova da inocência
do réu. Cabe RC endereçada ao TRF;
TJ: idem.
Atenção: podemos concluir da leitura deste item que o juiz de primeira instância
nunca julga RC. Esta é sempre julgada por instância ad quem (TJ, TRF, STJ etc.,
conforme o caso).
Desnecessidade de recolhimento à prisão para ingressar com a RC: Súmula
393, STF: “para requerer revisão criminal, o condenado não é obrigado a
recolher-se à prisão”;
Possibilidade de reiteração de pedido: art. 622, parágrafo único, CPP: “não
será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas”.
20.3.2.Natureza
Ação autônoma de impugnação (não é recurso).
20.3.3.Base legal
Art. 5°, LXIX, CF e Lei 12.016/2009 (doravante: LMS).
20.3.5.Autoridade coatora no MS
Apenas autoridade pública (descabe contra ato de particular); ou de pessoa
investida em função pública.
Em caso de impetração pelo MP, no polo passivo da ação de MS deverá constar
não apenas a autoridade coatora, mas também o réu, para que possa contestar. Ex: MS
pelo MP quando da soltura “ilegal” do réu. Vide Súmula 701, STF.
20.3.7.Restrições ao uso do MS
Conforme a CF e o art. 5°, LMS, não cabe MS nas seguintes situações:
a) Ilegalidades relacionadas à liberdade de locomoção – não cabe MS, mas HC;
b) Para obtenção de informações de caráter pessoal ou retificação dessas informações
em banco de dados – não cabe MS, mas habeas data;
c) Atos atacáveis por recurso administrativo com efeito suspensivo,
independentemente de caução. Note-se que está prejudicada a Súmula 429, STF;
d) Decisão judicial atacável por recurso com efeito suspensivo. Vide Súmula 267,
STF (que deve ser interpretada nesse sentido);
e) Decisão judicial transitada em julgado. Vide Súmula 268, STF.
20.3.9.Renovação do pedido
É possível, desde que a decisão não tenha examinado o mérito e ainda não
transcorrido o prazo decadencial – art. 6°, § 6°, LMS. Por outro lado, a decisão
denegatória da segurança não impede a propositura de ação de cognição mais ampla –
art. 19, LMS.
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________. Manual de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
1.O novo Código traz diversas inovações ao sistema processual brasileiro, que também produzirão impactos (seja por
previsão expressa, seja por aplicação subsidiária) no âmbito do Processo Penal. Realizamos alguns
comentários a respeito dos principais reflexos do NCPC no Processo Penal.
2.Considera-se praticada em território nacional a infração cuja ação ou omissão, ou resultado, no todo ou em parte,
ocorreu em território pátrio (art. 6°, CP). Adota-se aqui a chamada teoria da ubiquidade ou mista.
3.Não se deve confundir a expressão “crimes de responsabilidade” com a noção comum que temos de crime. Isto
porque os crimes de responsabilidade são, na verdade, infrações político-administrativas cujas
penalidades costumam ser a perda do cargo ou a inabilitação temporária para o exercício de cargo ou
função. Desse modo, não há penalidade de prisão ou multa nesses casos.
4.Estes dispositivos referem-se à Constituição brasileira de 1937.
5.Vide STJ, Ag Int no REsp 1378862/SC, a5 Turma, DJ 01/08/2016 e AgRg nos EDcl no AREsp 775.827/RJ, a6
Turma, DJ 21.06.2016.
6.Em sentido estrito, diplomatas são “funcionários encarregados de tratar das relações entre o seu Estado e os
países estrangeiros ou organismos internacionais” (AVENA, 2010, p. 74).
7.Op. cit. (2010, p. 76).
8.Op. cit. (2010, p. 76).
9.O referido entendimento aplica-se, inclusive, nos casos de julgamento de crimes não relacionados ao cargo ou
função desempenhada (Informativo 920/STF, de 15 a 19 de outubro de 2018).
10.Embora o posicionamento do STF tenha sido firmado na análise de crime praticado por parlamentar federal, o
entendimento deve ser aplicado às demais hipóteses de competência de foro por prerrogativa de função.
Nesse sentido: STF, Inq 4703 QO/DF, Dje 01.10.2018; STJ, Apn 857/DF e 866/DF, julgados em
20.06.2018. No entanto, no julgamento da Questão de Ordem na Apn 703/GO, em 01.08.2018, o STJ
prorrogou a sua competência para julgar infração penal estranha ao exercício da função praticada por
Desembargador diante da iminente prescrição do crime (Informativo 3630/STJ, de 31 de agosto de 2018).
11.Sobre esta questão, o STF mudou a orientação jurisprudencial, contrariando a própria literalidade da CF/1988 (art.
5°, LVII, e da Lei (art. 283, CP P). Por maioria, os Ministros entenderam o cabimento da execução
provisória da pena quando há decisão condenatória de 2° grau. Assim, trata-se de mais uma hipótese de
mitigação do estado de inocência. Nesse sentido, ver ADC 43 e 44, DJ 10.10.2016, e HC 126292/SP, DJe
16.05.2016. Entretanto, o comportamento dos ministros do Supremo indica possível mudança de
entendimento da Corte, uma vez que, em julgados recentes, o ministro Gilmar Mendes demonstrou sua
mudança de posicionamento no que se refere à execução provisória da pena. No bojo do julgamento do
HC 126292/SP, acima citado, se juntando à maioria, votou pela restrição do princípio da presunção de
inocência ao entender pela possibilidade de execução antecipada da pena. No entanto, em decisões atuais,
o ministro revelou sua tendência em seguir o entendimento do ministro Dias Tóffoli, no sentido de que
somente a pendência de recurso especial perante o STJ seria capaz de obstar a execução provisória da
pena, não ocorrendo o mesmo no caso de recurso extraordinário no STF. Assim, no julgamento do
HC142173 MC/SP, Dje 06.06.2017 e HC 146818 MC/ES, DJe 20.09.2017, concedeu medida cautelar
suspendendo a execução provisória da pena até o julgamento do recurso especial pendente no STJ.
Contudo, em julgado ainda mais recente, o ministro Gilmar Mendes asseverou que este entendimento não
deve ser aplicado de forma indistinta, sobretudo quando se estiver diante de crimes graves. Nesse sentido,
ao considerar a gravidade do crime praticado, o ministro confirmou a execução provisória da pena do réu
acusado por homicídio, mesmo diante da pendência de recurso especial perante o STJ (STF, HC
147957/RS, DJe 27/11/2017). Contudo, em que pese a mudança de entendimento do ministro Gilmar
Mendes, no cenário jurídico atual, a execução provisória da pena vem sendo aplicada nos termos da tese
fixada em 2016, sendo, portanto, possível o cumprimento antecipado da pena mesmo na pendência de
recurso especial ou extraordinário. Nesse sentido: STF, HC 152.752/PR, Dje 26.06.2018.
12.O pensamento, com a devida licença, é deveras equivocado. Sendo o crime um todo indivisível (fato típico, ilícito
e culpável) é imperioso que a acusação prove cabalmente esse todo indivisível para que possa, assim, ver
atendida a sua pretensão punitiva. Pensando dessa maneira estão, por exemplo: Afrânio Silva Jardim, Luiz
Flávio Gomes, dentre outros.
13.STF, Pleno, Julgamento do mérito da repercussão geral no RE 591054, DJ 26.02.2015 e HC 104266/RJ, DJ
26.05.2015 e STJ, HC 234.438/P R, a5 Turma, DJ, 24.08.2016, HC 335.937/AC, 6a Turma, DJ 29.06.2016
e HC 289895/SP, DJe 01.06.2015.
14.Necessário se faz ressaltar que o princípio da presunção de inocência não possui caráter absoluto, havendo
hipóteses, aceitas pela jurisprudência, de abrandamento do referido princípio, a exemplo do posicionamento
do STJ no sentido de que inquéritos e ações penais em curso poderiam demonstrar o risco de reiteração da
conduta, de modo a fundamentar a decretação de prisão preventiva para garantia da ordem pública (STJ,
RHC70698/MG, DJe 01.08.2016).
15.Disponível em: [http://jota.info/stf-muda-e-decide-que-inqueritos-em-curso-podem-ser-considerados-maus-
antecedentes].
23.Conforme STJ, REsp 1525437/P R, a6 Turma, DJ 10.03.2016 e Informativo 463, STJ (14 a 18 de fevereiro de
2011).
24.Vide STF: Inq 3983, Tribunal Pleno,DJ 12.05.2016 e Rcl 24138 AgR, Segunda Turma,DJ 14.09.2016, e
Informativo 483, STF (8 a 11.10.2007).
25.Note o leitor que a polícia federal tanto pode desempenhar o papel de polícia administrativa (evitando a prática de
crimes) como de judiciária (auxiliando a justiça federal).
26.Circunscrição é o espaço territorial em que o delegado exerce suas atividades. Uma comarca pode estar dividida
em várias circunscrições policiais.
27.A antiga Lei de Falências (DL 7.661/1945), que previa inquérito em contraditório e presidido por autoridade
judicial (chamado de inquérito judicial), foi revogada pela Lei 11.101/2005. Hoje, não há mais
contraditório em IP que investiga crime falimentar.
28.As peças de informação podem ser definidas como qualquer outra peça que não o IP que seja capaz de
subsidiar elementos para o titular da ação penal.
29.Conforme doutrina, a única diligência que o delegado está obrigado a acatar é o exame de corpo de delito (art.
158, CP P). Deixando vestígio a infração e solicitando a vítima o respectivo exame, deve a autoridade
policial acatar esse requerimento.
30.A Lei 13.432/2017 tratou da atividade do detetive particular e trouxe, de forma expressa, a possibilidade desse
profissional colaborar com a investigação policial, desde que expressamente autorizado pelo Delegado.
31.“Peça singela, na qual a autoridade policial consigna haver tido ciência da prática do crime de ação
penal pública incondicionada, declinando, se possível, o dia, lugar e hora em que foi cometido, o
prenome e o nome do pretenso autor e o prenome e nome da vítima (…)” (MIRABETE, 2001, p. 84).
32.Notitia criminis é o conhecimento por parte do delegado, espontâneo ou provocado, de um fato aparentemente
delituoso.
33.Há quem critique a requisição de magistrado para instaurar o IP por vislumbrar burla ao sistema acusatório. O
juiz não deve se envolver em atividade de persecução penal.
34.Tecnicamente, não se deve usar a expressão “dar uma queixa na delegacia”. Isto porque “queixa”, para o
Processo Penal, é sinônimo de queixa-crime (ação penal privada). Assim, em sentido técnico, deve-se
falar em “noticiar a prática de um crime” (notícia do crime).
35.Atenção: a requisição aqui não tem conotação de ordem, mas de mera autorização para o MP agir.
36.Nesse sentido, vide também STF, ARE 868516 AgR/DF, DJe 23.06.2015 e Informativo/824, de 2 a 6 de maio de
2016.
37.Ver STF: RHC 122493 AgR, Segunda Turma, DJ 09.09.2015 e HC 119315/PE, DJe 13.11.2014.
38.Na realidade, alguns autores mencionam que, tecnicamente, sequer poderíamos dizer que, em sede de inquérito
policial, há “provas”. É que, faltando o contraditório, a ampla defesa, bem como um controle judicial sobre
os elementos produzidos, não poderíamos falar em “provas”, mas apenas em “atos de investigação”, “atos
de inquérito” ou “informações”. Nesse sentido: Lopes Jr. (2003, p. 190).
39.Entretanto, há duras críticas a essa postura. Sobre o tema, consultar o nosso livro Questões Polêmicas de
Processo Penal, Bauru: Edipro, 2011, tópico 2.4, oportunidade em que fizemos uma pesquisa minuciosa do
assunto.
40.Os conceitos de prova cautelar, antecipada e não repetível, não são claros na doutrina, nem na lei (art. 155,
CP P). Por isso, não se assuste o leitor se perceber certa inexatidão neles. O importante aqui é apreender
os exemplos de cada um dos conceitos e entender quando o contraditório se antecipa e quando se
posterga.
41.Para as provas de concurso, recomendamos a leitura integral desses dispositivos e não apenas os tratados aqui.
Selecionamos neste tópico apenas as diligências mais relevantes.
42.A Lei 13.721/2018 elencou alguns crimes em que a realização do exame de corpo de delito deverá ser prioridade,
sendo eles aqueles que envolvam: violência doméstica e familiar contra a mulher; violência contra criança,
adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. Quanto ao assunto, ver tópico 12.2.1.
43.Ver: STJ, Informativo 0552, período de 17.12.2014, 5a Turma. O magistrado não pode requisitar o indiciamento
em investigação criminal. Isso porque o indiciamento constitui atribuição exclusiva da autoridade policial.
44.Contudo, como dissemos, o assunto é polêmico. Há respeitáveis autores que defendem a natureza penal desse
prazo (contando-o, portanto, na forma do art. 10, CP).
45.Em sentido contrário: Távora e Alencar (2016, p. 152); e Lima (2015, p. 150). Para os autores mencionados, em
se tratando de investigado preso, conta-se o prazo nos termos do art. 10, CP, e não há que se falar em
prorrogação do prazo para o primeiro dia útil, pois as delegacias funcionam de forma ininterrupta, em
regime de plantão.
46.Em regra, não é necessário ao delegado tipificar a conduta do indiciado no relatório. Porém, na Lei de Drogas, o
art. 52, I, exige que o delegado tipifique a conduta do agente no relatório.
47.Sobre a distinção entre coisa julgada material e formal, aduz Gomes (2005, p. 330): “há duas espécies de coisa
julgada: 1. Coisa julgada formal: impede que o juízo da causa reexamine a sentença [ou decisão]; 2. Coisa
julgada material: impede que qualquer outro juízo ou tribunal examine a causa já decidida”. (Incluiu-se).
48.Significa nesse contexto: arquive-se o IP desde que perdurem as mesmas circunstâncias e condições.
49.Por novas provas o STJ entende “aquelas já existentes, mas não trazidas à investigação ao tempo em que
realizada, ou aquelas franqueadas ao investigador ou ao Ministério Público após o desfecho do inquérito
policial”. RHC 27449/SP, DJe 16.03.2012. Ver também o HC 239899/MG, DJe 13.05.2014.
50.Para uma leitura mais aprofundada, indicamos a obra Questões Polêmicas de Processo Penal, Bauru: Edipro,
2011 (tópico 2.2).
51.Ver Informativo 858, STF, de 20 a 24 de março de 2017.
52.Há antiga polêmica na doutrina se o membro do MP designado pelo P GJ estaria ou não obrigado a oferecer
denúncia. Prevalece o entendimento de que sim, i. e., que o membro designado do MP atuaria como
longa manus do P GJ, logo estaria obrigado a denunciar. Neste contexto, cabe enunciar o recente julgado
do STF no qual restou consignado que “Cabe ao Procurador-Geral da República a apreciação de conflitos
de atribuição entre órgãos do ministério público” (STF. Plenário. ACO 1567 QO/SP, rel. Min. Dias Toffoli,
17.8.2016).
53.Ver nossas anotações sobre obrigatoriedade e indivisibilidade da ação penal pública no próximo Capítulo.
54.STF, HC 127011 AgR/RJ, DJe 21.05.2015 e STJ, Info. 0569, período 17/09 a 30/09/2015, 5a Turma e Info. 0540,
período 28.05.2014, 6a Turma e HC 197886/RS, DJ 25.04.2012.
55.STF, HC 88877, 1a Turma, DJ 27/06/2008 e Pet 3528/BA,DJ 03.03.2006. Ver também, no STJ, o AgRg nos
EDcl no REsp 1550432/SP, 6a TURMA, DJ 29/02/2016 e o CAt 222/MG, DJ 16.05.2011.
56.Veremos de forma detalhada quando tratarmos da prova testemunhal, mais à frente.
57.Procurador-Geral da República.
58.Lei Orgânica Nacional da Magistratura.
59.Art. 41, parágrafo único, Lei 8.625/1993 (MP estadual); e 18, parágrafo único, LC 75/1993 (MPF).
60.“A outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse
mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos”. Voto do Min.
Celso de Mello na ADI 2797/DF, DJ 19.02.2006, STF.
61.Refutando tal concepção, a Súmula 234, STJ: “a participação de membro do Ministério Público na fase
investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.”.
62.Ver também o Informativo n° 714, STF, de 5 a 9 de agosto de 2013.
63.A título de exemplo, ver decisão do STJ determinando o trancamento de ação penal, ante a manifesta atipicidade
do fato, no HC RHC 70.596/MS, 5a Turma, DJ 09.09.2016 e HC 326.959/SP, 5a Turma, DJ 06.09.2016.
64.Sigla para os seguintes legitimados, estatuídos pelo art. 31, CP P: Cônjuge/companheiro(a); ascendentes;
descendentes; e irmãos. Vale ressaltar que a ordem de indicação deve ser observada no momento da
atuação. É, pois, preferencial.
65.Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/1995.
66.Infração de menor potencial ofensivo – art. 61, Lei 9.099/1995.
67.AgRg no AREsp 828.197/SC, 6a Turma, DJ 30.06.2016 e PET no RHC 44.798/RJ, 6a Turma, DJ 16.11.2015.
68.Ver Informativo 813, STF, de 1° a 5 de fevereiro de 2016 e STF, Inq 3526/DF, j. 02.02.2016.
69.Na ação privada, o MP só pode aditar se for para correções formais (indicação do procedimento adequado, dia,
hora e local do crime etc.).
70.A Primeira Turma do STF, reconheceu a legitimidade ativa ad causam da mulher de deputado federal para
formalizar queixa-crime com imputação do crime de injúria, prevista no art. 140 do Código Penal, em tese
perpetrada por senador contra a honra de seu marido. A querelante se diz ofendida com a declaração do
querelado, no Twitter, na qual insinua que seu marido mantém relação homossexual extraconjugal com
outro parlamentar. O Supremo reconheceu a legitimidade ativa em face da apontada traição. (Informativo
919, de 8 a 12 de outubro de 2018).
71.Em recente julgado, o STF reconheceu a ocorrência de perempção em razão da inércia do querelante no
fornecimento do endereço de um dos querelados, o que culminou na extinção da punibilidade de todos os
acusados. Nesse sentido, ver STF, Pet5230/AP, Dje 12.09.2017.
72.Assim compreendidos nos termos do art. 26, CP: “o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
73.Art. 14. “É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime
de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.”
74.STF, Inq 2134, Tribunal Pleno, DJ 02.02.2007 e AgRInq 726/RJ, DJ 29.04.1994.
75.O art. 44, CP P, menciona nome do querelante. Porém, a doutrina considera que houve erro de grafia quando da
promulgação do CPP. Trata-se do nome do querelado.
76.Os tribunais superiores admitem, inclusive, que a menção ao fato criminoso pode ser resumida à indicação do
dispositivo legal (STJ RHC 69.301/MG, 6a Turma, DJ 09.08.2016).
77.Conforme o posicionamento atual do STF, vale lembrar que o foro por prerrogativa de função somente se
aplicará aos crimes praticados após a diplomação e que tenham relação como exercício do cargo.
78.Para o estudo aqui empreendido, considera-se justiça especial aquela que tem competência criminal, mas cuja
regulação ocorra por sistema legal próprio, autônomo, nos âmbitos material e processual.
79.Relevante apontar que com a novel Lei n° 13.491/2017, a Justiça Militar da União passou a ter competência para
o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por militar das Forças Armadas contra civil, se
executados no contexto de suas funções, conforme especifica o art. 9° §2° do Código Penal Militar.
80.“Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência
da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art.
303 da Lei 7.565, de 19.12.1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica.”
81.“Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos
seguintes casos: I – se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos
internacionais, ou das autorizações para tal fim; II – se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a
obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III – para exame dos certificados e outros
documentos indispensáveis; IV – para verificação de sua carga no caso de restrição legal (art. 21) ou de
porte proibido de equipamento (parágrafo único do art. 21); V – para averiguação de ilícito. (…) § 2°
Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando
sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do
Presidente da República ou autoridade por ele delegada.”
82.“Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar civil acusado de prática de crime contra as instituições
militares estaduais”.
83.No que se refere à competência para julgar contravenções, a exceção existe apenas nos casos em que o autor do
fato possui prerrogativa de foro, que prevalecerá (STJ, Rp 179/DF, DJ 10.06.2002).
84.Note-se que o dispositivo é claro ao mencionar “iniciada a execução do país”, excluindo, assim, da competência
da Justiça Federal, os crimes em que apenas os atos meramente preparatórios foram executados no
Brasil. Nesse sentido, ver o recente julgado do STF no HC 105461/SP, Dje de 02.08.2016.
85.Quanto à matéria, relevante a leitura do tópico 4.3.2 Imunidades Parlamentares, b.4 Prerrogativa de Foro.
86.Súmula Vinculante 45 – A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa
de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
87.Atenção: no caso de IMP O, adota-se a teoria da atividade (e não do resultado),i. e., a competência será fixada
pelo local da ação ou omissão – vide art. 63, Lei 9.099/1995.
88.Atenção: competência territorial da Justiça Federal. A regra é a aplicação da teoria do resultado, mas a
Justiça Federal não possui capilaridade suficiente, ou seja, ainda não está plenamente interiorizada no país.
Sendo assim, se a comarca onde ocorreu o resultado não for sede de JF, seguir-se-á o disposto no art. 109,
§ 3°, parte final, CF, delegando-se a competência à Justiça Comum Estadual, para o processamento da
causa em 1° grau, sendo o eventual recurso endereçado ao TRF (art. 109, § 4°, CF). Há, porém, exceção
no art. 70, parágrafo único, Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que determina que os crimes praticados nos
Municípios que não sejam sede de vara federal serão processados e julgados na vara federal da
circunscrição respectiva (e não na justiça comum estadual).
89.Pacheco (2009, p. 329) define a prorrogação da competência como: a modificação na esfera de competência
de um órgão jurisdicional, que seria abstratamente incompetente, mas se tornou concretamente
competente com referência a determinado processo, em razão de um fato processual modificador.
90.Infração de menor potencial ofensivo – art. 61, Lei 9.099/1995.
91.Há autores que entendem ser possível o reconhecimento ex officio da incompetência relativa, desde que o
magistrado o faça até a fase de instrução ou do julgamento antecipado do mérito (respectivamente,
OLIVEIRA, 2014, p. 302; e TÁVORA, 2014, p. 433).
92.Curador é qualquer pessoa maior de 18 anos que esteja na plenitude de suas faculdades mentais.
95.A 5a Turma do STJ decidiu que “Sem consentimento do réu ou prévia autorização judicial, é ilícita a prova,
colhida de forma coercitiva pela polícia, de conversa travada pelo investigado com terceira pessoa em
telefone celular, por meio do recurso "viva-voz", que conduziu ao flagrante do crime de tráfico ilícito de
entorpecentes”. (STJ, HC 1630097/RJ, DJe 28.04.2017 e Informativo 603). Já o STF, no julgamento do
HC 129678/SP, DJe 18.08.2017, entendeu que “A prova obtida mediante interceptação telefônica, quando
referente a infração penal diversa da investigada, deve ser considerada lícita se presentes os requisitos
constitucionais e legais”. Isto é, caso haja autorização judicial para interceptação telefônica do réu para
apurar a suposta prática de tráfico de drogas, e no bojo das gravações se descubra que o acusado foi autor
de crime diverso, a prova obtida a respeito do novo crime descoberto será lícita (Informativo 869. STF, do
período de 12 a 16 de junho de 2017).
96.GOMES, Luiz Flávio.Lei 11.690/2008 e provas ilícitas: conceito e inadmissibilidade. Disponível em:
[http://www.lfg.com.br]. Acesso em: 12.11.2014.
97.As peças processuais que fazem referência à prova declarada ilícita, contudo, não devem ser desentranhadas
(Informativo 849/STF, de 28 de novembro a 2 de dezembro de 2016).
98.Ver: STF, ARE 939172/RJ. DJe 10.04.2017.
99.Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/1995.
100.Auto de prisão em flagrante.
101.Conforme STF, RHC 110429,DJ 06.03.2012, Inf. 657: “a juntada do laudo definitivo após sentença – não
ocasiona a nulidade da sentença se demonstrada a materialidade delitiva por outros meios probatórios”.
102.Ver STF, Súmula 361: “No Processo Penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se
impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão”. Note o leitor que o teor da
Súmula enseja nulidade relativa e é aplicável aos peritos não oficiais.
103.O STJ, HC 244.977, DJ 25.09.2012, Inf. 505, considerou ilícita a gravação de conversa informal entre policiais e
o conduzido quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, por não ter havido a prévia comunicação
do direito de permanecer em silêncio. Posteriormente, considerou o STJ no Info. 543, 6a Turma, período
de 13.08.2014 que “Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente
absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a
pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive
particular para a captação das conversas”. Outrossim, restou consignado no RHC 48.397/RJ, DJ
16.09.2016, que a gravação de diálogo pelo cliente com seu advogado, para defesa de direito próprio, não
configura prova ilícita ou violação ao sigilo profissional.
104.STF HC 121953/MG, Info. 750: O rito previsto no art. 400 do CP P – com a redação conferida pela Lei
11.719/2008 – não se aplica à Lei de Drogas, de modo que o interrogatório do réu processado com base
na Lei 11.343/2006 deve observar o procedimento nela descrito (arts. 54 a 59).
105.A doutrina costuma chamar as perguntas das partes ao réu e às testemunhas de “reperguntas”.
106.Apesar de que, conforme vimos anteriormente, os tribunais superiores consideram o compromisso uma mera
formalidade, cuja dispensa não permite que a pessoa falte com a verdade.
107.O desrespeito ao que dispõe o art. 212 do CP P gera nulidade de caráter relativo, necessitando, portanto, da
comprovação dos prejuízos para que seja reconhecida a invalidade do ato judicial (STJ, AgRg no REsp
1712039/RO, Dje 09.05.2018).
108.O STF, em recente julgado, entendeu como constrangimento ilegal o indeferimento de todas as testemunhas de
defesa pelo juiz, considerando haver afronta ao devido processo legal (Informativo 901/STF, de 9 a 11 de
maio de 2018).
109.STF, RHC 122279/RJ, Info. 754: “Ofende o princípio da não autoincriminação denúncia baseada unicamente em
confissão feita por pessoa ouvida na condição de testemunha, quando não lhe tenha sido feita a
advertência quanto ao direito de permanecer calada”. Neste contexto, no Inq. 3983, entendeu o Pleno do
STF, em 12.05.2016, que “à luz dos precedentes do Supremo Tribunal, a garantia contra a
autoincriminação se estende às testemunhas, no tocante às indagações cujas respostas possam, de alguma
forma, causar-lhes prejuízo (cf. HC 79812, Tribunal Pleno,DJ 16.02.2001)”. Cabe notar que nos autos da
AP 611, o STF através da 1a Turma em 10.12.2014 entendeu, no que tange à vedação à autoincriminação
do réu, que “o direito do réu ao silêncio é regra jurídica que goza de presunção de conhecimento por todos,
por isso que a ausência de advertência quanto a esta faculdade do réu não gera, por si só, uma nulidade
processual a justificar a anulação de um processo penal”.
110.Em caso de busca e apreensão de telefone celular, por determinação judicial, não há óbice para se adentrar ao
conteúdo já armazenado no aparelho, porquanto necessário ao deslinde do feito, sendo dispensável nova
autorização judicial para análise e utilização dos dados neles armazenados.(STJ, RHC 77232/SC, Dje
16.10.2017). Contudo, no caso de prisão em flagrante, mesmo sendo dispensável determinação judicial
para apreensão do telefone celular, o conteúdo armazenado no aparelho está acobertado pelo sigilo
telefônico, de modo que a autoridade policial não poderá ter acesso sem autorização judicial (STJ, RHC
67379/RN, Dje 09.11.2016).
111.O juízo da Quinta Vara Federal Criminal na Seção Judiciária do Rio de Janeiro afastou o perdão judicial por
entender que a colaboração do agente não teria sido espontânea. A exigência da espontaneidade da
colaboração gerou discussão jurisprudencial, decidindo o STF, no julgamento do HC 129877/RJ, DJe
01.08.2017, que os vocábulos “voluntariedade” e “espontaneidade” são sinônimos.
112.O recebimento da denúncia é o termo final para o sigilo do acordo de colaboração. Contudo, o sigilo poderá ser
afastado em momento anterior, tendo em vista a otimização dos princípios da ampla defesa e de
contraditório (STF, Inq. 445 AgR/DF, DJe 10.11.2017 e Info. 877, do período de 11 a 15 de setembro de
2017).
113.Em que pese haja entendimento consolidado do STF no sentido de que o acordo de colaboração premiada não
pode ser impugnado por terceiro (nem mesmo por aquele citado na delação) por ser um acordo
personalíssimo (Informativo 796/STF, de 24 a 28 de agosto de 2015), o próprio Supremo entendeu que no
caso de inobservância da regra de homologação, o delatado terá legitimidade para questionar o acordo,
alegando a usurpação de competência.
114.Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/1995.
115.O STF, em julgado recente, entendeu pela inexistência de nulidade processual no bojo de processo em que não
houve alegações finais por abandono de causa, uma vez que a defesa técnica postulou a impronúncia e o
órgão acusador postulou a condenação do réu justamente pelos fatos que constavam na pronúncia
(Informativo 902/STF, de 14 a 18 de maio de 2018).
116.Registre-se que recentemente, a 3a Turma do STJ, em julgamento que não teve seu número divulgado em
virtude do segredo de justiça decretado, entendeu que a prisão civil do alimentante só poderá ser aplicada
em relação às três últimas parcelas da pensão, devendo o restante da dívida ser cobrado pelos meios
ordinários. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/noticias/Notícias/Terceira-Turma-reconhece-
excesso-em-prisão-de-homem-que-deve-quase-R$-200-mil-de-pensão-à-ex-mulher.
117.Reforça essa ideia o novel art. 283, caput, do CPP, que, alterado pela Lei 12.403/2011, diz: “ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,
em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
118.Há, porém, quem afirme que este dispositivo estaria revogado por conta da revogação tácita de todo o Livro IV
do CPP pela Lei de Execução Penal (7.210/1984).
119.Eventuais excessos praticados pelo indivíduo a ser preso poderão caracterizar: resistência (art. 329, CP);
desobediência (art. 330, CP); ou mesmo evasão mediante violência contra a pessoa (art. 353, CP).
120.Algumas observações sobre este parágrafo único. O morador que não apresentar o infrator às autoridades, só
será responsabilizado criminalmente (art. 348, CP, por exemplo) se: a) se tratar de prisão em flagrante
desse último (infrator). É que, nesse caso, conforme a CF, a prisão pode ser realizada em casa alheia, de
dia ou de noite, pelas autoridades, sem necessidade de concordância do morador; e b) se tratar de prisão
por mandado judicial cumprida durante o dia. Nessa hipótese (durante o dia), como vimos, também é
possível penetrar em casa alheia sem o consentimento do morador. Por outro lado, o morador não será
responsabilizado se negar a entrada das autoridades para dar cumprimento a mandado judicial durante a
noite. O morador, neste último caso, está amparado pela CF e, por isso, enquanto durar a noite, não
sofrerá qualquer consequência jurídica negativa se negar-se a entregar o infrator.
121.Confirma essa ideia, o novo art. 299, CP P, alterado pela Lei 12.403/2011, que diz: “a captura poderá ser
requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a
quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta”.
122.“‘Sala de Estado Maior’ deve ser interpretada como sendo uma dependência em estabelecimento castrense,
sem grades, com instalações condignas” (STF, Rcl 4713/SC,DJ 17.12.2007). Cabe ressaltar que “O
recolhimento da paciente em local não condizente com as características de sala de Estado
M aior, previstas no art. 7°, V, da Lei 8.906/1994, está em descompasso com a jurisprudência
desta Suprema Corte, que autoriza, à sua falta, a adoção de medida cautelar diversa”, vide STF,
HC 131555, 2 a Turma, DJ 28.03.2016”.
123.Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/1995.
124.Chamado por alguns, também, de delito putativo por obra do agente provocador, delito de ensaio ou de
experiência.
125.Caso o indivíduo já trouxesse consigo a droga, poderia sim ser preso em flagrante, pois estaria praticando um
crime permanente (trataremos desse tema mais adiante).
126.Conferir as afiadas críticas que Pacelli (2015, p. 540) efetua a essa modalidade de flagrante.
127.Exemplo comum (e infeliz) que já foi algumas vezes divulgado por emissoras de televisão.
128.Após a Lei 12.403/2011 não há mais a figura do indivíduo que se “livra solto” contida neste dispositivo.
129.Se o crime tiver sido cometido contra o juiz ou na presença deste, não haverá necessidade de remessa.
130.Defensor constituído é aquele contratado pelo acusado/indiciado. Defensor dativo é aquele que é nomeado ao
réu pelo juiz quando o acusado não possui defensor contratado; ou quando o réu é pobre e não há
defensoria pública organizada no local para prestar assistência jurídica ao acusado.
131.“A alegação de nulidade da prisão em flagrante em razão da não realização de audiência de custódia no prazo
legal fica superada com a conversão do flagrante em prisão preventiva, tendo em vista que constitui novo
título a justificar a privação da liberdade.” (STJ, HC 444.252/MG, Dje 04.09.2018). Ainda sobre o assunto,
decidiu o STF que o juiz da audiência de custódia possui competência apenas para analisar a regularidade
da prisão, não havendo que se falar em decisão de mérito para efeito de coisa julgada (Informativo
917/STF, de 24 a 28 de setembro de 2018).
132.Representação nesse contexto é sinônimo de pedido, solicitação.
133.Já publicamos dois trabalhos criticando o conceito “aberto” de “garantia da ordem pública”. São eles: Questões
Polêmicas de Processo Penal, Bauru: Edipro, 2011 (tópico 5.2); e “A prisão preventiva brasileira
examinada à luz da filosofia política lockeana: um caso de ilegitimidade do poder estatal”. Disponível em:
[http://www.bocc.ubi.pt].
134.“A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão
preventiva do réu.” (Informativo 632/STJ, de 28 de setembro de 2018).
135.No que se refere às medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, houve recente inovação legislativa
com a publicação da Lei 13.641/2018 que tipificou como crime a conduta do agressor que descumpre tais
medidas impostas pelo juiz.
136.Não confundir a expressão prisão temporária com prisão provisória. Esta última é gênero e é sinônimo de prisão
cautelar e processual. A primeira (temporária), ao lado da preventiva e do flagrante, é espécie de prisão
provisória.
137.Nesse sentido, com base no art. 318, II do CP P, o STF concedeu a prisão domiciliar humanitária ao réu, “tendo
em vista o alto risco de saúde, a grande possibilidade de desenvolver infecções no cárcere e a
impossibilidade de tratamento médico adequado na unidade prisional ou em estabelecimento hospitalar”
(Informativo 895/STF, de 19 a 30 de março de 2018).
138.Esta foi a primeira vez em que o Supremo Tribunal Federal conheceu habeas corpus coletivo. Nesse sentido,
ver tópico 20.1.2.
139.O termo representação aqui é sinônimo de pedido, solicitação, requerimento.
140.Utilizamos a expressão “dentre outras coisas”, pois é sabido que o HC não visa apenas a combater uma prisão
em flagrante ilegal. Lembre-se, por exemplo, que há o HC preventivo em que o indivíduo não se encontra
preso, mas na iminência de sê-lo. O que queremos dizer com isso é que o HC abarca outras situações que
não apenas a da prisão em flagrante ilegal.
141.Não há mais entre nós a fiança provisória, em que o sujeito, para apressar o procedimento de soltura, oferecia
determinado montante (pedra preciosa, por exemplo), que só seria avaliado posteriormente. Hoje, tudo é
avaliado antecipadamente, por isso diz o CPP ser definitiva a fiança (art. 330, primeira parte).
142.O verbo “poder” aí, empregado pelo CP P, não significa mera faculdade do juiz. Presentes os requisitos legais,
deve o juiz conceder LP.
143.“Deverá”, na verdade. Veja a nota logo acima.
144.Ver STF, HC 118533/MS, DJe 19.09.2016. A conduta do § 4°, art. 33, da Lei 11.343/2016 (tráfico de drogas
privilegiado) não é crime hediondo.
145.Mister destacar que há divergência doutrinária no sentido de estabelecer como requisito do edital a descrição
resumida do fato imputado, considerando a necessidade de possibilitar o exercício da ampla defesa.
146.Há quem entenda que a citação por hora certa se trata de modalidade de citação real – e não ficta. O tema não
é pacífico, portanto.
147.Esta última parte, contudo, não se aplica à intimação da sentença, que é obrigatória.
148.Juizado Especial Criminal – Lei 9.099/1995.
149.Infração de menor potencial ofensivo – art. 61, Lei 9.099/1995.
150.Note, caro Leitor, que o art. 394-A, introduzido pela Lei 13.285/2016, estabelece que os processos que apurem a
prática de crimes hediondos terão prioridade de tramitação em todas as instâncias, ou seja, inclusive no
âmbito dos Tribunais Superiores.
151.Os tribunais superiores entendem que o art. 400 do CP P, que prevê o interrogatório do réu como último ato da
instrução, é aplicável no âmbito do processo penal militar e nos casos de incidência da Lei de Drogas
(Informativo 816/STF, de 29 de fevereiro a 4 de março de 2016 e Informativo 609/STJ, de 13 de setembro
de 2017.).
152.Nesse sentido, o STF consolidou o entendimento de que a existência de ações penais em curso contra o
denunciado impede a concessão do sursis processual (Informativo 903/STF, de 21 a 25 de maio de 2018).
153.A revogação da suspensão poderá ocorrer mesmo após o período de prova, desde que o fato (descumprimento
das condições ou processado por outro crime ou contravenção) tenha ocorrido durante a sua vigência.
Nesse sentido, ver: Info. 574, STJ.
154.STF, Súmula 603: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do
Tribunal do Júri”.
155.O STF consolidou o entendimento de que a competência nesse caso é da Justiça Federal, tendo em vista a
natureza do bem jurídico violado. Ver RE 351487/R, DJ 10.11.2006.
156.Ver STJ, REsp 1520955/MT, Dje 13/06/2017.
157.Ver STJ, AgRg no AREsp 1193119/BA, Dje 15.06.2018; STF, ARE 986566 AgR, Dje 30.08.2017.
158.Infração de menor potencial ofensivo – art. 61, Lei 9.099/1995.
159.A referida tese foi firmada no bojo do HC 126.292/STF em que se passou a permitir a execução provisória da
pena após a condenação em 2a instância. Nesse sentido: Ver nota de roda-pé n° 12.
160.Do francês, significa que não há nulidade sem prejuízo.
161.Ver STF, HC 83.006/SP, DJ 29.08.2003 e HC 98373/SP, DJe 23.04.2010. As decisões reconhecem a
possibilidade de ratificação dos atos decisórios mesmo nos casos de incompetência absoluta. Ver também:
AI 858175 AgR, DJ 13.06.2013.
162.STJ, APn 295/RR, DJe 12.02.2015. Ver também a seguinte observação do STJ no AgRg no REsp 1518218/ES,
5a Turma, DJ 26.08.2016) “o fato de o Desembargador-relator ter participado, em primeiro grau, de
processo conexo, de cuja relação jurídica não consta o réu, não impede a sua atuação na presente
Exceção de Incompetência, pois, conforme o art. 252, III, do CP P, entre as causas taxativamente
previstas, só configura impedimento a anterior atuação dos magistrados no mesmo processo.
Precedentes”.
163.Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
164.Nesse sentido, ver também: STJ, Resp 1744898/RJ, Dje 31.08.2018.
165.Aditar significa acrescer algo. Ex.: no curso do processo o MP descobre que colaborou para o crime outra
pessoa além do sujeito denunciado. Deverá, neste caso, o MP promover o aditamento à denúncia (que
nada mais é do que uma nova denúncia para, in casu, incluir o outro agente).
166.Decurso do prazo sem que o interessado se manifeste a respeito.
167.CCADI = cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
168.Há quem diferencie não recebimento de rejeição da inicial. Neste livro, seguiremos a majoritária corrente que
usa as expressões não recebimento e rejeição como sinônimas.
169.Cabe enunciar recente entendimento do STJ, segundo o qual “É possível a interposição de apelação, com
fundamento no art. 593, II, do CP P, contra decisão que tenha determinado medida assecuratória prevista
no art. 4°, caput, da Lei 9.613/1998 (Lei de lavagem de Dinheiro), a despeito da possibilidade de
postulação direta ao juiz constritor objetivando a liberação total ou parcial dos bens, direitos ou valores
constritos (art. 4°, §§ 2° e 3°, da mesma Lei) (REsp 1.585.781-RS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
28.06.2016, DJe 01.08.2016).
170.Súmula 356, STF: “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não
pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. Significa dizer que
o manejo dos embargos pode ocorrer para fins de prequestionamento. Vide LIMA (2015, p. 1722).
171.Aqui é importante trazer o recente entendimento do STF, segundo o qual “A Primeira Turma, em conclusão de
julgamento e por maioria, reputou prejudicado pedido de “habeas corpus”. Mas, concedeu a ordem, de
ofício, para que o juízo da execução verificasse a possibilidade do reconhecimento da continuidade delitiva
(CP, art. 71), com a consequente aplicação da Lei 12.015/2009, que unificou os delitos de estupro e
atentado violento ao pudor — v. Informativo 803” (HC 100612/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
acórdão Min. Roberto Barroso, 16.08.2016).
172.Cabível também outro HC ao STF.
173.Nesse sentido, ver tópico 14.12.
174.Apesar de ser este o entendimento majoritário do STF e STJ, em 27.02.2018, a a2 Turma do Supremo Tribunal
Federal entendeu como cabível o manejo de habeas corpus em face de decisão judicial transitada em
julgado, por ser mais célere e benéfica ao acusado (STF, RHC 146327/RS, Dje 16.03.2018).
175.Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).
5. DIREITO CONSTITUCIONAL
Bruna Vieira
1. INTRODUÇÃO
O estudo do Direito Constitucional é de fundamental importância para a vida do
profissional do Direito, pois, além de ser o alicerce, a estrutura de todo o
ordenamento jurídico, cada vez mais o sistema atua em prol da constitucionalização
dos demais ramos do Direito. Isso significa que se não estudarmos a Constituição de
forma minuciosa fatalmente encontraremos dificuldades de compreensão do Direito
como um todo.
Sabemos que o Direito é uno e indivisível, mas que há, ainda que didaticamente,
subdivisões em ramos para facilitar o estudo e a compreensão dos institutos jurídicos.
Todos os ramos do Direito, como Direito Civil, Direito Penal, Direito Processual,
Direito Tributário, dentre outros, submetem-se à Constituição Federal, fortalecendo a
importância desse estudo.
Dentro dessas subdivisões acadêmicas, o Direito Constitucional pertence ao ramo
do Direito Público (é o núcleo do Direito Público interno). Cientes de que a
Constituição é o fundamento de validade de todas as normas jurídicas, inclusive das
suas próprias normas, porque tem o dever de preservar a soberania do Estado que a
promulgou, não seria adequado pensar de forma diversa. Incidiríamos em erro ao
imaginar que o Direito Constitucional pudesse estar alocado no ramo do Direito
Privado, geralmente destinado a cuidar dos interesses particulares, subjetivos.
Vale lembrar que “o Direito Constitucional não é apenas um sistema em si, mas
uma forma – na verdade, a forma adequada – de ler e interpretar as normas dos
demais ramos do Direito, isto é, todas as normas infraconstitucionais. Além disso, no
caso brasileiro, em que vige uma Constituição especialmente analítica, nela se
encontram os grandes princípios dos diferentes domínios jurídicos” (Barroso, Luís
Roberto, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 3a edição, p. 74).
É importante ter em mente que o Direito Constitucional está totalmente
relacionado com a ideia de poder. Dispõe o art. 1°, parágrafo único, da Constituição
Federal que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente”. Desse modo, embora haja momentos em que o povo transfira
o exercício desse poder a alguém, e isso só é possível porque a própria Constituição
assim determina, o detentor do poder continua sendo ele, povo. A essa delegação dá-
se o nome de democracia indireta.
O Brasil adotou um sistema misto, ou híbrido, de democracia, no qual existe a
democracia direta, ou seja, o povo exercendo o poder que lhe é atribuído de forma
direta, por exemplo, quando se inicia um projeto de lei a partir de manifestação
popular; e a democracia indireta, aquela em que o exercício do poder do povo se dá
por meio de representantes eleitos.
Em suma, podemos dizer que o exercício da democracia se externa de duas
maneiras: por meio da democracia direta, ou participativa, e pela democracia
indireta:
a) democracia direta ou participativa: aquela em que o povo exerce diretamente o
poder que detém sem a necessidade de intermediários. Para tanto, vale-se de
instrumentos previstos constitucionalmente, também chamados de mecanismos de
democracia direta ou participativa, quais sejam: o plebiscito, o referendo, a iniciativa
popular das leis e a ação popular;
b) democracia indireta: aquela em que o povo exerce seu poder por meio de
representantes eleitos. Os governantes são eleitos para que exerçam o poder em nome
daquele. É importante ressaltar um detalhe: o voto necessariamente deve ser direto,
pois essa forma de votar está contida no inciso II, § 4°, do art. 60 da Constituição
Federal, ou seja, é uma das cláusulas pétreas. Embora o voto seja direto, seu
exercício é um exemplo de instrumento de democracia indireta. Indireta porque o
povo, após eleger determinado governante de forma direta, indo efetivamente até à
urna para votar, delega seu poder a quem elegeu. Nesse momento, quem
concretamente passa a exercer o poder, em nome do povo, é o governante eleito.
3. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
3.1.Elementos fundamentais
O Estado possui três elementos fundamentais, a saber: povo, território e
soberania. Povo significa o conjunto de indivíduos ligados jurídica e politicamente ao
Estado. Daí falar-se que povo é o elemento humano do Estado. Território traz um
conceito jurídico contemplando a área na qual o Estado exerce efetivamente a
supremacia e o poder que detém sobre bens e pessoas. Já a soberania pode ser vista
sob dois aspectos: interno e externo. Pelo primeiro, o Estado é quem elabora as
suas próprias normas, é quem comanda o país, portanto, dotado de autoridade
máxima em seu território. O segundo significado diz respeito à igualdade que deve
existir entre os países, independentemente de condições, espaço territorial, poder
econômico etc. Aos Estados soberanos são dadas garantias como a não intervenção
em assuntos internos e a independência nacional.
3.2.Conceito de Constituição
Uma Constituição pode ser conceituada de diferentes modos tendo por base seus
diversos significados. De acordo com José Afonso da Silva, “A Constituição é algo
que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras), como
conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas,
religiosas etc.), como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da
comunidade, e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do
povo” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 35a Ed., p. 39).
Desse modo, vejamos os conceitos dados por grandes doutrinadores:
3.2.4.Concepção culturalista
Segundo a essa corrente, a Constituição engloba todas as regras fundamentais
advindas da cultura histórica e também “as emanadas pela vontade existencial da
unidade política e regulamentadora da existência, estrutura e fins do Estado e do
modo de exercício e limites do poder político” (J. H. Meirelles Teixeira, Curso de
Direito Constitucional, p. 77 e 78)
3.3.Constitucionalismo e neoconstitucionalismo
Tradicionalmente, a doutrina faz uso da expressão constitucionalismo ou
movimentos constitucionais em mais de um sentido. Vejamos os dois mais comuns.
A primeira concepção de constitucionalismo é utilizada para definir a ideologia
que afirma que o poder político deve necessariamente ser limitado para que
efetivamente sejam garantidos e prestigiados os direitos fundamentais. Nesse primeiro
sentido, o movimento é considerado uma teoria normativa da política. A doutrina
divide-o em constitucionalismo social e liberal, com base na maior ou menor
intervenção do Estado nos interesses privados. Quando há grande intervenção do
Estado no mundo privado, é conhecido como social e quando a intervenção é
pequena, fala-se em constitucionalismo liberal.
A segunda concepção da expressão constitucionalismo teve origem numa reação
contra o Estado Absolutista da Idade Moderna, por volta do século XVIII. A
Revolução Francesa também é considerada um marco aqui. A ideia era frisar que a
Constituição, além de estabelecer regras sobre organização do Estado, do poder,
deveria fazer uma necessária modificação política e social, orientando as ações
políticas e tendo atuação direta. Foi a partir deste momento que veio à tona o termo
supremacia constitucional. A partir dessa concepção, passou a ser necessária a
criação de constituições escritas, de origem popular, para efetivamente limitar o
poder, organizar o Estado e garantir a proteção dos direitos individuais.
O neoconstitucionalismo ou novo/atual constitucionalismo toma por base a
necessidade de se incorporar o denominado Estado Constitucional de Direito. A
Constituição, portanto, deve efetivamente influenciar todo o ordenamento jurídico.
Tudo deve ser analisado à luz da CF. Ela é o filtro que valida, ou não, as demais
normas. Os valores constitucionais são priorizados, além das regras relacionadas à
organização do Estado e do Poder. Princípios, como a dignidade da pessoa humana,
passam a ter maior relevância. Há uma aproximação das ideias de direito e justiça. O
Poder Judiciário, ao validar princípios e aos valores constitucionais, atribui a eles
força normativa.
Sobre o Neoconstitucionalismo, é importante mencionar o conteúdo axiológico
referente à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais de Ana
Paula de Barcellos:
“Do ponto de vista material, ao menos dois elementos caracterizam o
neoconstitucionalismo e merecem nota: (i) a incorporação explícita de valores e
opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção
da dignidade humana e dos direitos fundamentais; e (ii) a expansão de conflitos
específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do
próprio sistema constitucional.”
3.4.1.Preâmbulo
A Constituição não começa pelo seu art. 1°, mas por um preâmbulo que dispõe:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL”.
Há diversos princípios no preâmbulo constitucional, como a da igualdade, da
liberdade, da solução pacífica das controvérsias etc. Tais comandos servem como
diretrizes ideológicas, políticas e filosóficas que devem ser observadas pelo
intérprete das normas constitucionais.
Todavia, embora o preâmbulo tenha de ser utilizado como alicerce, segundo o
Supremo, ele não tem força normativa, não cria direitos e obrigações e não pode ser
utilizado como parâmetro para eventual declaração de inconstitucionalidade. Por
exemplo: uma lei que fira tão somente o preâmbulo constitucional não pode ser objeto
de ação direta de inconstitucionalidade no STF e nem de outro mecanismo de controle
de constitucionalidade.
Além disso, já definiu a Corte Maior (ADI 2076/AC, Rel. Min. Carlos Velloso)
que o preâmbulo não é tido como norma de reprodução obrigatória pelas
Constituições dos estados-membros.
3.4.2.Disposições permanentes
O corpo das disposições permanentes é composto pelas normas constitucionais
que, em regra, possuem maior durabilidade. Essa parte inicia-se no art. 1° e termina
no art. 250 e é formada pelos seguintes títulos: Princípios Fundamentais, Direitos e
Garantias Fundamentais, Organização do Estado, Organização dos Poderes, Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas, Tributação e Orçamento, Ordem Econômica e
Financeira, Ordem Social e Disposições Constitucionais Gerais.
Para serem alteradas, é necessária a observância do processo legislativo das
emendas constitucionais, previsto no art. 60 da Constituição.
3.4.3.Disposições transitórias
Denominado Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), tem por
finalidade tratar de assuntos de direito intertemporal. O ADCT é composto de normas
criadas para executarem um determinado papel que, sendo cumprido, passam a não ter
mais utilidade. É por esse motivo que tais normas são conhecidas como de eficácia
esgotada ou exaurida. Cumprido o encargo para o qual foram criadas, não possuem
mais utilidade alguma.
As disposições transitórias, embora integrem o texto constitucional e para serem
modificadas também seja necessário o processo das emendas constitucionais, elas
ficam ao final da Constituição e possuem numeração própria (artigos 1° ao 100). Isso
é assim, pois, não seria técnico deixar no corpo das disposições permanentes algo
que, mais dia menos dia, não terá mais utilidade alguma.
Um exemplo de regra prevista no ADCT e que já foi modificada por emenda é a
prevista no art. 76, alterada pela EC 93, de 8 de setembro de 2016. Tal emenda
prorrogou a desvinculação de receitas da União e estabeleceu a desvinculação de
receitas dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Outra situação vem prevista no art. 42 do ADCT, alterado pela EC 89, de 15 de
setembro de 2015. Essa emenda ampliou o prazo em que a União deverá destinar às
Regiões Centro-Oeste e Nordeste percentuais mínimos dos recursos destinados à
irrigação. Por fim, a regra contida no art. 40 do ADCT também é tida como exemplo.
Segundo a norma, a Zona Franca de Manaus é mantida, com suas características de
área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo
prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição. O parágrafo
único do mesmo dispositivo determina que, somente por lei federal, podem ser
modificados os critérios que disciplinaram ou venham a disciplinar a aprovação dos
projetos na Zona Franca de Manaus. A EC 42/2003 criou o art. 92 do ADCT
acrescentando ao prazo citado mais dez anos e, recentemente, a EC 83, de 05.08.2014
criou o art. 92-A para acrescer mais 50 anos ao prazo citado.
Vale lembrar que as normas constantes do ADCT possuem o mesmo grau de
eficácia que as demais normas constitucionais.
3.4.4.Emendas constitucionais
As emendas integram a constituição e possuem duas naturezas distintas: emendas
de revisão e emendas constitucionais propriamente ditas. As primeiras foram feitas
quando da revisão constitucional, em 1994. Em tal ano, seis emendas foram
elaboradas (ECR 1 a 6). O art. 3° do ADCT determinava que a revisão, que se daria
uma única vez, ocorresse após cinco anos da promulgação da Constituição, pelo voto
da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Atualmente, para se modificar a Constituição, só por meio das emendas
constitucionais propriamente ditas, que podem ser feitas desde que sejam obedecidas
às regras previstas no art. 60 da CF.
3.5.Supremacia constitucional
A noção de supremacia da Constituição talvez seja a mais importante de todo o
estudo do Direito Constitucional. Pautado nesse entendimento, é possível verificar os
motivos pelos quais os demais ramos, os atos normativos em geral e a atuação dos
poderes estão limitados ao texto constitucional.
A Constituição Federal é a lei máxima do ordenamento jurídico brasileiro. É
fundamento de validade de todos os demais atos normativos. Está no ápice da
pirâmide normativa e determina as regras que devem ser observadas. Todas as
normas infraconstitucionais devem guardar relação de compatibilidade com a
Constituição.
Ressalta-se que o princípio da supremacia constitucional somente existe nos
países que adotam Constituição do tipo rígida, ou seja, aquelas que possuem um
processo de alteração mais complexo, mais solene, mais dificultoso que o processo
de mudança dos demais atos normativos.
4. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
Nossa Constituição Federal trata de diversos assuntos. Com a finalidade de
sistematizar e de organizar esses assuntos, a Norma Suprema uniu matérias afins e, a
partir dessa união, foram contemplados doutrinariamente os elementos constituintes. O
Prof. José Afonso da Silva é quem melhor faz a divisão clássica (Curso de Direito
Constitucional Positivo, 35a edição, p.44 e 45). Tendo por base a divisão feita por
esse autor, podemos falar que os grupos de elementos são:
4.1.Elementos orgânicos
Contemplam as normas estruturais da Constituição. Englobam as normas de
organização do Estado, organização do poder, o orçamento público e a tributação, as
forças armadas e a segurança pública. Os temas mencionados se encontram nos
capítulos II e III do título V e nos títulos III, IV e V da nossa Constituição Federal.
4.2.Elementos limitativos
Como o próprio nome menciona, são normas que existem para limitar o poder de
atuação do Estado. As normas que definem os direitos e garantias fundamentais são as
que melhor limitam o poder, pois, ao enunciar determinado direito a alguém, implícita
e automaticamente, há o comando impondo ao Estado o dever de não invadir aquele
direito constitucionalmente previsto. A exceção se dá em relação aos direitos sociais
porque eles exigem condutas positivas do Estado, não possuem somente o mero
caráter limitador do eventual exercício arbitrário do poder. Os elementos limitativos
contemplam as normas que tratam dos direitos individuais e coletivos, direitos
políticos e direito à nacionalidade, todas encontradas no título II da Constituição
Federal.
4.3.Elementos socioideológicos
O nome desses elementos já nos encaminha para sua conceituação: podemos dizer
que eles definem ou demonstram a ideologia adotada pelo texto constitucional. As
normas que compõem os elementos socioideológicos são as que tratam dos direitos
sociais, as que compõem a ordem econômica e financeira e a ordem social.
Encontramos essas normas no capítulo II do título II e nos títulos VII e VIII da
Constituição Federal.
6.1.Recepção
É o fenômeno jurídico pelo qual se resguarda a continuidade do ordenamento
jurídico anterior e inferior à nova constituição, desde que se mostre compatível
materialmente com seu novo fundamento de validade (justamente a nova constituição).
Para melhor compreensão, acompanhem o exemplo: é sabido que o fundamento de
validade de uma lei é a constituição vigente. Dessa forma, imaginemos que tenha sido
editada uma lei na época em que vigia a Constituição de 1969. A essa lei fora
atribuído o n. 5.869/1973. Para que a lei mencionada fosse considerada válida, ela,
necessariamente, teria que estar em conformidade com a Constituição de 1969, pois
este era seu fundamento de validade. Em 1988, foi promulgada uma nova constituição,
a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Pergunta-
se: a Lei n. 5.869/1973 continuou vigente, mesmo após a promulgação de uma nova
Constituição? A resposta é depende. Se essa lei for materialmente compatível com a
nova constituição sim, ela será preservada e passará a ter um novo fundamento de
validade (que é a nova constituição). Agora, se a lei editada à época da vigência da
antiga constituição se mostrar materialmente incompatível com a nova, ela não será
recepcionada.
A lei referida no exemplo acima é o antigo Código de Processo Civil que,
embora seja de 1973 e a nossa Constituição de 1988, vigorou até a edição do novo,
ou seja, até 17 de março de 2016. Quando foi promulgada a Constituição de 1988,
ocorreu o fenômeno da recepção em relação a todos os dispositivos do antigo CPC
que, na época, se mostraram materialmente compatíveis com ela.
Outro fator importante a respeito do fenômeno da recepção é que não importa a
roupagem originalmente assumida pela lei, o que se verifica é o conteúdo da norma e
não a forma pela qual ela foi exteriorizada. O Código Tributário Nacional (CTN) é
um exemplo disso. Na época de sua elaboração, foi editado como lei ordinária, mas,
como a CF/1988, em seu art. 146, determinou que as normas gerais em matéria de
legislação tributária fossem disciplinadas por lei complementar, ele foi por ela
recepcionado como se lei complementar fosse. Hoje, para se alterar o CTN, é
necessária uma lei complementar.
O Código Penal, quando de sua elaboração, foi criado como um Decreto-Lei (n.
2.848/1940). Entretanto, a Constituição de 1988 determinou que a matéria Direito
Penal fosse regulamentada por lei ordinária. Desse modo, os dispositivos do Código
que guardavam relação de compatibilidade material com a Constituição foram por ela
recepcionados como lei ordinária. Atualmente, para alterar o CP, basta uma lei
ordinária.
Outra lembrança relevante no tocante ao fenômeno da recepção é o fato de, após a
promulgação da Constituição, serem editadas emendas constitucionais. As leis
também devem guardar relação de compatibilidade material com o disposto nas
emendas constitucionais? Sim, necessariamente as leis promulgadas antes ou mesmo
depois da edição da Constituição devem ser materialmente compatíveis tanto com as
normas advindas do poder constituinte ordinário quanto das decorrentes de emendas
constitucionais. O fundamento para isto é que as emendas constitucionais, como o
próprio nome indica, têm natureza de normas constitucionais. Estão, juntamente com
as demais normas da Constituição, no ápice da pirâmide de Kelsen.
O princípio que fundamenta a utilização do fenômeno da recepção é o da
continuidade das normas.
6.2.Desconstitucionalização
O fenômeno da desconstitucionalização tem origem francesa. É um instituto pouco
usado na prática. No Brasil não utilizamos esse instituto porque a edição de uma nova
Constituição produz o efeito de revogar por inteiro a antiga. A revogação total é
denominada ab-rogação, já a parcial é conhecida como derrogação.
A antiga Constituição seria, valendo-nos do fenômeno da desconstitucionalização,
recebida pelo novo ordenamento, ou seja, pela nova Constituição, com status de
legislação infraconstitucional (seria recebida como se fosse lei). Esse fenômeno não é
permitido no Brasil.
6.3.Repristinação
É o fenômeno jurídico pelo qual se restabelece a vigência de uma lei que foi
revogada pelo fato de a lei revogadora ter sido posteriormente revogada. Tal instituto
interessa não apenas ao Direito Constitucional, mas ao Direito como um todo. Terá
ligação com o direito constitucional se estiver associado ao instituto da recepção.
Vamos ao exemplo: imaginemos três constituições. Constituição “A”,
Constituição “B” e Constituição “C”. A primeira é a mais antiga. A Constituição “A”
determinou que o assunto X, garantido por ela, fosse disciplinado por lei
infraconstitucional. Na época, sobreveio a lei disciplinando o assunto X. Passado um
tempo, foi editada nova constituição, a Constituição “B”. Ela não mais tratou do
assunto X. Portanto, a lei editada na vigência da Constituição “A”, que serviria para
regulamentar o assunto X, não foi recepcionada (foi revogada) pela Constituição “B”.
Passado mais um tempo, outra nova Constituição foi editada, a Constituição “C”. Essa
Constituição voltou a prever o assunto X. Nesse caso, a lei que regulamentava o
assunto X, editada na vigência da Constituição “A”, seria restabelecida pela nova
Constituição simplesmente pelo fato dela prever novamente o assunto X? A resposta é
não. No ordenamento jurídico brasileiro não há repristinação automática. Se o
legislador, por ventura, quiser restabelecer a vigência de uma lei anteriormente
revogada por outra, terá que fazê-lo expressamente, conforme dispõe o § 3° do art. 2°
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (denominação dada pela Lei n.
12.376/2010 à antiga “LICC” – Lei de Introdução ao Código Civil).
6.4.Mutação constitucional
A palavra mutação significa mudança. Também conhecida como interpretação
constitucional evolutiva, a mutação constitucional tem relação não com o aspecto
formal do texto constitucional, mas sim com a interpretação dada à Constituição. Não
são necessárias técnicas de revisão ou reforma constitucional para que o fenômeno se
opere. A mudança social, que se dá com o passar do tempo, já faz com que a
interpretação seja modificada.
6.5.Vacatio Constitucionis
Pode ser conceituada como o período de transição entre uma Constituição e outra.
Em regra, ao ser elaborada, promulgada e publicada, a nova Constituição entra em
vigor imediatamente. Pelo fenômeno da vacatio constitucionis, que se assemelha ao
instituto da vacatio legis, haveria um prazo, fixado pelo próprio poder constituinte, ou
seja, por aqueles que estão elaborando a nova constituição, para que o texto
constitucional entrasse em vigor. No Brasil as constituições, ao serem promulgadas e
publicadas, já entram em vigor; não visualizamos aqui o fenômeno da vacatio
constitucionis.
7.1.Eficácia plena
As normas de eficácia plena são aquelas que, por si só, produzem todos os seus
efeitos no mundo jurídico e de forma imediata. Não dependem da interposição do
legislador para que possam efetivamente produzir efeitos. Além disso, a norma de
eficácia plena não admite que uma norma infraconstitucional limite, reduza seu
conteúdo.
São exemplos dessa espécie de norma os artigos: 1° – que trata dos fundamentos
da República Federativa do Brasil; 2° – que trata da independência e harmonia que
deve existir entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; 13 – que diz que a
língua portuguesa é o idioma oficial do Brasil; 18, § 1°, que menciona que Brasília é a
capital do Brasil, dentre outros.
7.2.Eficácia contida
Já as normas de eficácia contida são aquelas que produzem a integralidade de
seus efeitos, mas que dão a possibilidade de outra norma restringi-los. Desse modo,
até que outra norma sobrevenha e limite a produção de efeitos, a norma de eficácia
contida é semelhante à norma de eficácia plena. O principal exemplo de norma de
eficácia contida previsto na Constituição é o art. 5°, XIII, que diz que é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer. Vejam que a Constituição, num primeiro momento,
diz que há liberdade para o exercício da profissão, mas, num segundo, deixa aberta a
possibilidade de o legislador infraconstitucional estabelecer qualificações. O Estatuto
da OAB, Lei n. 8.906/1994, em seu art. 8°, IV e VII, estabelece a obrigatoriedade do
bacharel em Direito de prestar e ser aprovado no exame de ordem e de prestar
compromisso perante a OAB para exercer a profissão de advogado. A lei
infraconstitucional (Estatuto da OAB) conteve a abrangência da norma constitucional
prevista no art. 5°, XIII, da CF, no que tange ao exercício da advocacia.
7.3.Eficácia limitada
As últimas, segundo a classificação de José Afonso da Silva, são as normas de
eficácia limitada, ou seja, aquelas que, para produzirem seus efeitos, dependem da
atuação do legislador infraconstitucional, necessitam de regulamentação. Tais normas
possuem aplicabilidade postergada, diferida ou mediata. Somente após a edição da
norma regulamentadora é que efetivamente produzirão efeitos no mundo jurídico. São
exemplos de normas constitucionais de eficácia limitada os artigos: 88 – que trata da
criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração pública, devendo ser
feitas por lei; 7°, XXVII – que trata da proteção do trabalhador em face da automação,
para a qual também é necessária lei regulamentando o assunto; 102, § 1° – que cuida
da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, hoje regulamentada pela
Lei n. 9.882/1999.
Maria Helena Diniz também faz a classificação das normas constitucionais, só
que com algumas peculiaridades. Vejamos essa classificação, pois é também bastante
conhecida pela doutrina.
Tomando por base a produção de efeitos concretos, a mencionada autora diz que
as normas constitucionais podem ser classificadas em:
a) normas super-eficazes ou com eficácia absoluta;
b) normas com eficácia plena;
c) normas com eficácia relativa restringível; e
d) normas com eficácia complementável ou dependente de complementação
legislativa.
As primeiras são aquelas em que não se pode tocar, nem mesmo por meio de
emenda à Constituição. As normas com eficácia absoluta são encontradas no § 4° do
art. 60 da CF, as denominadas cláusulas pétreas. Englobam a forma federativa de
Estado, o voto secreto, direto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os
direitos e garantias individuais (que são espécies do gênero direitos fundamentais,
como veremos adiante).
Já as normas com eficácia plena são as que contêm, em seu corpo, todos os
recursos que as possibilitem produzir a integralidade de seus efeitos no mundo
jurídico. Ainda que possam ser modificadas ou suprimidas por emendas
constitucionais, estão aptas a produzirem todos os seus efeitos, sem a necessidade da
interposição do legislador. Essa classificação é muito semelhante à que adota José
Afonso da Silva, conforme analisado anteriormente. Alguns exemplos nós podemos
visualizar nos artigos 14, § 2°, 17, § 4°, 22, 37, III, 155, todos da Constituição
Federal.
Ainda analisando os critérios da Maria Helena Diniz, há as normas com eficácia
relativa restringível. Elas equivalem às normas de eficácia contida na classificação
de José Afonso da Silva. Desse modo, remeto à releitura do início do capítulo se a
memória não lhes trouxer a lembrança desse conceito.
As últimas, segundo Maria Helena Diniz, são as normas com eficácia relativa
complementável ou dependente de complementação legislativa. São as que, como o
próprio nome indica, dependem necessariamente de lei para que possam efetivamente
produzir efeitos positivos no ordenamento jurídico.
Para completar, trazemos a informação de que estas últimas normas que
analisamos se subdividem em programáticas e de princípio institutivo. Estas são as
que fazem a previsão da existência de um órgão ou instituição, mas que só passariam
a existir no plano da realidade após a atuação do legislador infraconstitucional,
quando da feitura da lei pertinente. Aquelas, programáticas, são as que trazem em seu
corpo programas a serem, necessariamente, concretizados pelos governantes e órgãos
estatais. Ainda que tais programas não tenham sido implementados, essas regras são
dotadas de eficácia mínima, pois impedem, por exemplo, que sejam editadas leis
contrárias aos comandos da Lei Maior. As Constituições marcadas pelas normas
programáticas são conhecidas pela doutrina como Constituições dirigentes. Os
exemplos que se seguem são: artigos 25, § 3°, 43, § 1°, 224, entre outros da CF –
normas de princípio institutivo; artigos 211, 215, 226, § 2° da CF – normas
programáticas.
Segundo Uadi Lammêgo Bulos, podemos falar também em normas de eficácia
exaurida ou esgotada, que seriam as que, após produzir os efeitos que delas se
esperam, não servirão mais para nada. Muitas das normas que constam do ADCT –
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – possuem eficácia exaurida.
Exemplo: o art. 2°, que determinava a realização, em 1993, de um plebiscito para
definir a forma de Estado – república ou monarquia constitucional – e o sistema de
governo, que poderia ser parlamentarismo ou presidencialismo. O eleitorado
manteve, nesse plebiscito, a forma republicana e o sistema presidencialista.
7.4.1.Unidade da Constituição
A Constituição deve ser analisada de forma integrada. Normas constitucionais
formam um conjunto de regras que não devem ser vistas isoladamente. Sempre que
possível, os comandos constitucionais não devem ser separados do todo.
É necessário que todos aqueles que interpretam a Constituição o façam de modo a
impedir, ou pelo menos evitar, a existência de contradições com outras normas
dispostas na própria Constituição.
Decorre também da ideia de unidade da Constituição o fato de não haver
hierarquia formal entre as normas constitucionais.
7.4.3.Máxima efetividade
Técnica de interpretação constitucional também conhecida como eficiência ou
interpretação efetiva, ela dispõe que as normas constitucionais devem ser
interpretadas privilegiando sua maior eficiência. Por exemplo, quando se estiver
diante de duas ou mais interpretações possíveis em relação a algum direito
fundamental, deve-se optar por aquela que reflete a maior eficácia do dispositivo.
7.4.6.Correção funcional
Esse princípio interpretativo está relacionado com o sistema organizacional da
Constituição. Por meio da correção funcional, conformidade funcional ou ainda
princípio da justeza, aqueles que interpretam a Constituição devem se atentar
fielmente às regras sobre separação dos poderes e repartição constitucional de
competências.
7.5.2.Método tópico-problemático
Segundo esse método, a interpretação, ao contrário do comumente aplicado, deve
partir do caso concreto para a norma. Tem por fundamento os aspectos práticos e não
o texto em si. É criticado pela doutrina, pois daria margem a diversas interpretações
subjetivas. Tais condutas causariam insegurança jurídica e falta de limites.
7.5.3.Método hermenêutico-concretizador
Conforme ensinamentos de Canotilho, o método hermenêutico-concretizador
enfatiza alguns aspectos da interpretação como os pressupostos subjetivos, pois cabe
àquele que vai interpretar fazer uma análise primária de todo o texto constitucional, os
pressupostos objetivos, por conta da atuação de mediador que o intérprete deve ter
entre o texto constitucional e o caso prático. O objetivo desse método é, após a
verificação do texto em seu conjunto e, portanto, de uma análise prévia, concretizar a
aplicação da norma constitucional ao caso prático.
7.5.4.Método científico-espiritual
A análise interpretativa do texto constitucional não pode se ater às letras, deve
levar em conta os verdadeiros valores que estão por trás das normas constitucionais.
7.5.5.Método normativo-estruturante
O texto literal deve ser analisado de acordo com a realidade social.
8. PODER CONSTITUINTE
Pode ser conceituado como o poder de estabelecer um novo ordenamento
jurídico, por meio da criação de uma nova constituição ou pela modificação das
regras existentes.
Toda e qualquer constituição é fruto de um poder maior que os poderes que ela
própria instituiu. Por exemplo, citamos os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, todos constituídos pela Constituição. Esses, embora denominados desta
forma, têm menos força que o poder que os instituiu, que é o constituinte. Este último,
necessariamente, terá um titular e será composto por aqueles que exercitarão o poder,
sempre em nome de seu titular.
Atualmente prevalece o entendimento de que o povo é o verdadeiro titular do
poder. Esse posicionamento é respaldado pelo parágrafo único do art. 1° da CF, ao
dispor que “todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes
eleitos ou direta ou indiretamente, nos termos desta Constituição”.
Não podemos confundir titularidade com exercício do poder. O titular, como já
mencionado, é sempre o povo. O exercente poderá ser uma Assembleia Constituinte
(que é um órgão colegiado) ou um grupo de pessoas que se invistam desse poder.
Essa distinção está diretamente relacionada com o processo de positivação da
Constituição. No primeiro caso, ela advirá de uma convenção (votação); no segundo,
de uma outorga (imposição).
9.3.2.Historicidade
Significa que a formação dos direitos fundamentais se dá no decorrer da história.
A origem desses direitos tem por base movimentos como o constitucionalismo. Sua
evolução concreta é demonstrada ao longo do tempo. As conhecidas gerações ou
dimensões dos direitos fundamentais se fundamentam especificamente nessa
característica;
9.3.5.Irrenunciabilidade
Significa que ninguém pode recusar, abrir mão de um direito fundamental. O
exercício desses direitos pode não ser efetivado por aquele que não o deseja, mas,
ainda que não colocados em prática, pertencem ao seu titular. O Estado é o
garantidor;
9.3.6.Irrevogabilidade
Significa que nem mesmo pelo processo de alteração da Constituição (emendas
constitucionais) é possível revogar um direito fundamental. Essa afirmação é pacífica,
no tocante aos direitos inseridos no texto constitucional pelo poder constituinte
originário. Em relação aos trazidos pelo poder constituinte derivado reformador, ou
seja, advindos de emendas à Constituição, a doutrina diverge, há quem sustente que
podem sim ser revogados, desde que por meio de uma nova emenda. É o caso do
princípio da celeridade processual, art. 5°, LXXVIII, que foi introduzido no
ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional n. 45;
9.3.7.Imprescritibilidade
Os direitos fundamentais, por serem inerentes à pessoa humana, não prescrevem.
Os titulares desses direitos, mesmo que não os exerçam, não os perdem;
9.3.8.Indivisibilidade
Significa que os direitos fundamentais não podem ser vistos de forma isolada, são
interdependentes.
9.5.Remédios constitucionais
Com a finalidade de promover a garantia dos direitos fundamentais previstos na
Constituição, previu-se a existência dos chamados “remédios constitucionais”,
institutos que têm a função de impedir a violação desses direitos constitucionais.
Assim, para cada direito desrespeitado, cabe a utilização de um “remédio”.
Os “remédios constitucionais” podem ser classificados em administrativos e
judiciais de acordo com a esfera em que forem impetrados.
9.5.2.3.Mandado de injunção
9.5.2.3.1.Lei n° 13.300, de 23 de junho de 2016
9.5.2.3.1.1.Introdução
Entrou em vigor, recentemente, a lei que disciplina o processo e o julgamento dos
mandados de injunção individual e coletivo. Após quase 28 anos de sua previsão
constitucional, o remédio finalmente foi regulamentado por norma infraconstitucional
específica.
Antes disso, a impetração do mandado de injunção era realizada, de forma
analógica, tomando por base as regras de procedimento previstas na lei que disciplina
o mandado de segurança, Lei 12.16/2009. O Supremo Tribunal Federal já garantia a
possibilidade da impetração da injunção desde 1989 (STF. Plenário. MI 107 QO,
Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 23.11.1989).
9.5.2.3.1.2.Finalidade
O mandado de injunção tem como objetivo atuar na inércia do legislador, ou seja,
visa combater a omissão normativa que inviabiliza o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania. Alguns dos direitos previstos na CF/1988 podem ser exercidos somente
após regulamentação em lei. Tratam-se das normas de eficácia limitada. O legislador
tem obrigação imposta pela CF/1988 de regulamentar; entretanto, por inércia, não o
faz. Com isso, o interessado fica impedido de exercer um direito garantido
constitucionalmente.
Um exemplo é o que ocorre no inciso VII do art. 37 que determina que o direito
de greve do servidor público deva ser exercido nos termos e nos limites definidos em
lei específica.
Embora o direito tenha sido garantido pela CF/1988, até o presente momento
nenhuma lei foi editada com o objetivo de regulamentá-lo, o que faz com que,
tecnicamente, não seja possível exercê-lo. Em casos como esse, é cabível a
impetração de mandado de injunção.
Vale lembrar que o STF, após decisão dada em sede de mandado de injunção, já
reconheceu que o direito de greve aos servidores públicos pode ser exercido sem que
haja a edição de lei específica. Para tanto, deve ser utilizada a lei de greve da
iniciativa privada (Lei 7.783/1989), por analogia.
O remédio, portanto, visa combater a denominada “síndrome da inefetividade”
das normas constitucionais que possuem eficácia limitada. O objetivo é a concretizar
direitos fundamentais, com base no comando trazido pelo § 1° do art. 5° da CF que
determina a aplicação imediata dos direitos e garantias fundamentais.
9.5.2.3.1.4.Legitimidade
9.5.2.3.1.4.1.Ativa
O art. 3° da nova lei determina que as pessoas naturais ou jurídicas que se
afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas referidos no art. 2°
podem impetrar o mandado de injunção. Vale lembrar que existe a possibilidade de
substituição processual quando o remédio tiver sendo impetrado na forma coletiva,
algo admitido expressamente no art. 12 da nova lei. A legitimidade ativa no mandado
de injunção coletivo será analisada em tópico específico.
Passiva
No polo passivo do remédio, deve ser colocado o Poder, o órgão ou a autoridade
com atribuição para editar a norma regulamentadora, conforme determina o mesmo
art. 3° da lei.
9.5.2.3.1.5.Procedimento
O procedimento vem previsto nos arts. 4° a 8° da Lei 13.300/2016, mas, se tais
regras não forem suficientes, o art. 14 da lei autoriza a aplicação subsidiária das
normas do mandado de segurança, (2009) e do novo Código de Processo Civil.
De acordo com o art. 4° da lei, a petição inicial deverá preencher os requisitos
estabelecidos pela lei processual, ou seja, aqueles previstos no art. 319 do novo CPC,
e indicará, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que
está vinculado.
O § 2° do art. 4° da lei estudada determina que quando o documento necessário à
prova do alegado encontrar-se em repartição ou estabelecimento público, em poder
de autoridade ou de terceiro, havendo recusa em fornecê-lo por certidão, no original,
ou em cópia autêntica, será ordenada, a pedido do impetrante, a exibição do
documento no prazo de 10 (dez) dias, devendo, nesse caso, ser juntada cópia à
segunda via da petição.
Por outro lado, se a recusa em fornecer o documento for do impetrado, a ordem
será feita no próprio instrumento da notificação, de acordo com o § 3° do mesmo
dispositivo legal.
Após o recebimento da inicial, algumas providências serão ordenadas, conforme
determina o art. 5° da lei objeto de estudo: I – a notificação do impetrado sobre o
conteúdo da petição inicial, devendo-lhe ser enviada a segunda via apresentada com
as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste
informações; II – a ciência do ajuizamento da ação ao órgão de representação judicial
da pessoa jurídica interessada, devendo-lhe ser enviada cópia da petição inicial, para
que, querendo, ingresse no feito.
Após o término do prazo para apresentação das informações, o Ministério
Público será ouvido, devendo opinar em 10 (dez) dias, após o que, com ou sem
parecer, os autos serão conclusos para decisão, conforme determina o art. 7° da lei.
Fora isso, se a petição inicial for manifestamente incabível ou manifestamente
improcedente, determina o art. 6° da lei que ela será desde logo indeferida. O recurso
para tanto vem previsto no parágrafo único desse mesmo art. 6°, de modo que contra a
tal decisão caberá agravo, em 5 (cinco) dias, para o órgão colegiado competente para
o julgamento da impetração.
9.5.2.3.1.7.Eficácia subjetiva
Determina o art. 9° da nova lei que a decisão terá eficácia subjetiva limitada às
partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora. Sendo assim, em
regra, somente as partes que participaram do processo serão beneficiadas pela
decisão e apenas até que sobrevenha a regulamentação legal.
Excepcionalmente poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à
decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da
liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração. É o que determina o § 1° do art. 9°
da nova lei.
O § 2° do mesmo artigo determina que transitada em julgado a decisão, seus
efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do
relator.
Por fim, o indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a
renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios, conforme dispõe
o § 3° do art. 9° da lei estudada.
9.5.2.3.1.9.Revisão
De acordo com o art. 10 da lei, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão
poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes
modificações das circunstâncias de fato ou de direito. O parágrafo único do mesmo
dispositivo determina que a ação de revisão observará, no que couber, o
procedimento estabelecido nesta Lei.
9.5.2.3.1.11.Vigência
De acordo com o último dispositivo da lei, art. 15, a norma já entrou em vigor na
data de sua publicação.
9.5.2.4.Ação popular
O inciso LXXIII do art. 5° da CF assegura que qualquer cidadão é parte legítima
para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e
ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento
de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
De forma esquemática, conclui-se que a ação popular tem como objetivo proteger
3 elementos fundamentais:
1) o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe;
2) a moralidade administrativa;
3) o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural.
Com isso, o legislador constituinte pretende promover a cidadania, fazendo cada
cidadão responsável pela fiscalização dos elementos protegidos pela ação popular.
Vale lembrar que a lei que regulamenta tal ação – c – traz algumas regras, como
por exemplo, a de que a lesão à moralidade não pressupõe lesividade material, ou
seja, não é necessário dano patrimonial para que a ação com fundamento na proteção
à moralidade administrativa seja proposta.
Outra observação é a de que a ação popular não tem por objetivo a defesa do
interesse individual e, além disso, não tem o condão de substituir a ação direta de
inconstitucionalidade. Esta visa a anular ato normativo, que é abstrato, genérico e que
encontra fundamento de validade direto na CF/1988.
De acordo com a Súmula 101 do STF, o mandado de segurança não substitui a
ação popular.
Além disso, a Suprema Corte já decidiu: “Ação popular. Demarcação da terra
indígena Raposa Serra do Sol. (…) A decisão proferida em ação popular é
desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos
adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que
se discuta matéria similar. Sem prejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força
moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um
elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões” (Pet
3.388-ED, rel. min. Roberto Barroso, julgamento em 23-10-2013, Plenário, DJE de 4-
2-2014.) É parte legítima para propor ação popular o cidadão, restringindo a
proposição apenas àqueles que têm capacidade eleitoral ativa, ou seja, àqueles que já
se alistaram e podem votar.
Ademais, vale ressaltar que, conforme a Súmula 365 do Supremo Tribunal
Federal, pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.
É bom lembrar que em caso de desistência ou absolvição de instância (ocorre
quando o autor é desidioso, não dá andamento à ação), qualquer cidadão ou o
Ministério Público podem prosseguir no polo ativo.
A ação popular é gratuita, salvo comprovação de má-fé, mas a assistência de
advogado é necessária; depende, portanto, de capacidade postulatória.
9.5.2.5.Mandado de segurança
A Constituição de 1934 foi a primeira a prever expressamente a possibilidade da
impetração de mandado de segurança. Depois disso, as Constituições que se seguiram
trataram do tema, com exceção da de 1937 (da época de Getúlio Vargas).
O mandado de segurança pode ser conceituado como uma ação de natureza
constitucional que tem por finalidade resguardar direito líquido e certo contra abuso
de poder ou ilegalidade, praticado por autoridade pública ou por quem lhe faça as
vezes, desde que tal direito não esteja protegido por habeas corpus ou habeas data.
Importante definição que deve ser trazida nesse momento é a de direito líquido e
certo. Conforme ensinamento de Hely Lopes Meireles (Mandado de Segurança, 27a
Edição, p. 36 e 37), “direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua
existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da
impetração”.
Em suma, líquido e certo é aquele direito em que há prova documental pré-
constituída, que, de plano, é possível comprovar, não havendo necessidade de dilação
probatória.
Para a proteção de tal direito cabe a impetração do mandado de segurança. Ele
possui caráter residual e vem previsto no inciso LXIX e LXX do art. 5° da
Constituição.
Desse modo, o mandado de segurança atua complementando a proteção dos
direitos e garantias constitucionais quando nenhum outro remédio é cabível. Diz o
inciso LXIX: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por ‘habeas corpus’ ou ‘habeas data’, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público”.
Assim, não será cabível mandado de segurança para proteger o direito à
liberdade de locomoção, pois esta proteção é feita pelo habeas corpus. Do mesmo
modo, não cabe mandado de segurança para anular ato lesivo ao patrimônio público,
pois esta requisição deve ser feita em via de ação popular.
Um exemplo de possibilidade de impetração desse remédio ocorre quando
alguém, que não pretende efetuar o pagamento determinado imposto, por considerar
que a lei que criou o mencionado tributo é inconstitucional ajuíza mandado de
segurança.
Além da previsão constitucional, o mandado de segurança foi regulamentado pela
Lei 12.016/2009 e por algumas súmulas.
Por exemplo, o art. 25 da mencionada lei determina que o não cabimento, no
processo de mandado de segurança, de embargos infringentes e de condenação ao
pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no
caso de litigância de má-fé. A súmula 512 do STF reafirma que não cabe condenação
em honorários de advogado na ação de mandado de segurança.
Ainda, não é possível a impetração de mandado de segurança contra ato judicial
passível de recurso ou correição (Súmula 267 do STF).
Outra Súmula do STF é a de número 266: “Não cabe mandado de segurança
contra lei em tese.”
Além das mencionadas, outras súmulas, editadas pela Suprema Corte, têm
relevância quando se trata de mandado de segurança, quais sejam:
Súmula 510: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o
mandado de segurança ou a medida judicial.”
Súmula 271: “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período
pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.”
Súmula 270: “Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei 3.780, de 12-7-1960,
que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa.”
Súmula 269: “O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.”
Súmula 268: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.”
9.6.Nacionalidade
Nacionalidade pode ser conceituada como o vínculo de natureza jurídica e
política que integra o indivíduo a um determinado Estado. Após isso, o sujeito passa a
fazer parte do elemento pessoal do Estado e é denominado de nacional.
Os países são responsáveis pela elaboração das normas jurídicas que cuidam das
formas de aquisição, perda e das espécies de nacionalidade. É atribuição de cada
Estado definir quem são os seus nacionais.
É importante verificar-se os conceitos de povo, população, nação e cidadania:
a) Povo – é o conjunto de pessoas que tem o vínculo da nacionalidade com o Estado.
É o conjunto de nacionais;
b) População – o conceito é demográfico. Pode ser conceituada como o conjunto de
habitantes de cada território. Aqui se enquadram os nacionais e os estrangeiros. A
diferença de população e povo é que no último só se inclui no conceito os nacionais,
ou seja, natos ou naturalizados;
c) Nação – é o conjunto de pessoas ligadas por semelhanças, afinidades de etnia,
costumes, idioma. Os nacionais se enquadram na definição de nação. Os estrangeiros
não, pois cada país tem seus hábitos, costumes, cultura, tradição etc.;
d) Cidadania – a definição é taxativa, dá-se por meio de alistamento eleitoral; só o
nacional pode ser detentor de direitos políticos. Portanto, diz-se que a nacionalidade
é um requisito importante, mas não suficiente para a cidadania, haja vista a
necessidade da obtenção do título de eleitor.
O Pacto São José da Costa Rica, tratado internacional sobre direitos humanos,
reconhece o direito à nacionalidade como direito fundamental do indivíduo em seu
art. 20.
Os nacionais são divididos em natos ou naturalizados. O § 2° do art. 12 da
Constituição proíbe que existam diferenças entre brasileiros natos e naturalizados,
com exceção dos casos em que ela própria faz distinção. Desse modo, as diferenças
só serão admitidas se decorrentes do texto constitucional.
9.6.3.Competência
A disciplina do tema nacionalidade é dada apenas pela Constituição quando se
tratar de nacionalidade originária (natos) e da Constituição Federal e da lei
infraconstitucional federal quando a nacionalidade for do tipo derivada
(naturalizados). Tem de ser lei federal, pois a atribuição legislativa é da União (art.
22, XIII, da CF).
Vale lembrar que medida provisória não pode dispor sobre nacionalidade, por
conta do comando constitucional, previsto no art. 62, § 1°, I, a.
9.6.4.Perda da nacionalidade brasileira
As situações taxativas de perda da nacionalidade estão previstas no § 4° do art.
12 da Constituição. Existem situações aplicáveis ao nato e ao naturalizado e outras
relacionadas apenas ao segundo. São as abaixo tratadas:
9.7.Direitos políticos
Os direitos políticos podem ser conceituados como o grupo ou conjunto de
normas que disciplinam a atuação da soberania popular. Estão previstos nos arts. 14,
15 e 16 da Constituição Federal. O fundamento dessas normas advém do art. 1° da
citada Constituição. Seu caput define o pacto federativo, seus incisos trazem os
fundamentos da República Federativa do Brasil e seu parágrafo único indica quem é o
titular do poder, o povo. Consagra, portanto, a soberania popular.
A doutrina divide os direitos políticos em positivos e negativos. Os primeiros
dizem respeito à possibilidade das pessoas de votarem e serem votadas, ou seja, de
participar das eleições tanto como eleitoras quanto como candidatas. São também
conhecidos como direito de sufrágio ou capacidade eleitoral ativa e passiva. Tal
direito é exercido nas eleições e por meio das consultas populares (plebiscito e
referendo). É considerado o núcleo dos direitos políticos. Os segundos, direitos
políticos negativos, estão relacionados aos impedimentos, aos fatos que
impossibilitam a participação no processo eleitoral. Englobam tanto as
inelegibilidades como a privação dos direitos políticos que se dá com a perda ou
suspensão desses direitos.
Analisaremos, em primeiro lugar, os direitos políticos positivos.
O exercício da soberania popular se dá de forma direta ou indireta. A forma
indireta é aquela exercida por meio da democracia representativa, ou seja, por meio
de representantes eleitos periodicamente; ao passo que a forma direta é a exercida
mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular das leis.
O plebiscito e o referendo são formas de consulta ao povo. As consultas visam à
deliberação de matérias de grande relevância. A diferença entre os dois institutos diz
respeito ao momento em que essa consulta é realizada.
No plebiscito, há a convocação do povo para se manifestar; a consulta à
população sobre matéria de grande relevância se dá de forma prévia, ou seja,
anteriormente à edição do ato normativo que tratará do assunto, podendo, ou não,
autorizar o início do processo legislativo sobre o tema. O exemplo que temos é o que
ocorreu em 1993, nos termos do art. 2° do ADCT, quando o povo foi convocado para
decidir sobre a forma (república ou monarquia) e o sistema de governo
(parlamentarismo ou presidencialismo). Naquele momento, o povo – titular do poder
– decidiu que a forma de governo seria a república e o sistema continuaria sendo o
presidencialismo. Vejam que a forma e o sistema de governo adotados no Brasil não
são considerados cláusulas pétreas. Outro exemplo, aliás, um caso em que é
imprescindível a realização da consulta popular prévia diz respeito à formação de
novos Estados ou de novos Municípios. Sempre que se falar em incorporação, fusão
ou desmembramento de Estados e Municípios, tais atos somente terão validade se esta
for a vontade do povo, e isso será verificado após a realização prévia de um
plebiscito (art. 18, §§ 3° e 4°, da CF).
Diferentemente ocorre no referendo. Aqui a consulta ao povo é posterior ao ato
legislativo. O referendo é uma forma de o povo ratificar (confirmar), ou não, o ato
legislativo produzido. No ano de 2000, tivemos um exemplo dessa forma de consulta
popular quando houve a convocação do povo para decidir sobre a possibilidade, ou
não, da comercialização de armas de fogo. Nesse momento, o povo optou por
autorizar a comercialização, confirmando a validade do dispositivo legal previsto no
Estatuto do Desarmamento.
Ressalta-se que é da competência exclusiva do Congresso Nacional, conforme
art. 49, XV, da CF, autorizar referendo e convocar plebiscito.
Em síntese, o plebiscito é uma consulta popular que se dá de forma prévia, ao
passo que o referendo se dá posteriormente à edição do ato normativo.
Os direitos políticos mantêm estrita relação com a cidadania. Aliás, ela é atributo
para o exercício de tais direitos. Tecnicamente, cidadão é aquele que possui título de
eleitor, que já efetuou seu alistamento eleitoral por meio de inscrição perante a
Justiça Eleitoral e que está no gozo de seus direitos políticos, ou seja, não houve
perda ou não está com esses direitos suspensos. Fala-se, portanto, que esse sujeito é
dotado de capacidade eleitoral ativa.
O alistamento eleitoral, inscrição na Justiça Eleitoral, é obrigatório para os
brasileiros maiores de 18 anos de idade. Para que não fique sujeito ao pagamento de
multa, o brasileiro nato deve se alistar até um ano, contado da data em que completar
18 anos, ou seja, deve se inscrever perante a Justiça Eleitoral até os 19 anos de idade.
Os naturalizados, para se livrarem da multa, também têm um ano, a contar da
aquisição da nacionalidade brasileira, para efetivar o alistamento eleitoral.
Para os maiores de 16 e menores de 18, os maiores de 70 anos e os analfabetos, o
alistamento eleitoral e o voto são facultativos, conforme dispõe o inciso II do § 1° do
art. 14 da Constituição Federal.
O mesmo art. traz, em seu § 2°, algumas pessoas que são inalistáveis e que,
portanto, não podem ser eleitores: os estrangeiros e os conscritos. Os últimos são
aqueles convocados para prestar o serviço militar obrigatório; durante esse período,
não podem se alistar. São incluídos aqui, de acordo com a Lei 5.292/1967, os
dentistas, médicos, farmacêuticos e veterinários que prestarão o serviço após a
conclusão da graduação. Tais pessoas, se já tiverem se alistado antes da prestação do
serviço obrigatório, continuarão com a inscrição eleitoral, mas não poderão votar até
que concluam o serviço militar obrigatório. Vale lembrar que dispositivo que trata
dos inalistáveis, art. 14, § 2°, da CF, é considerado uma norma de eficácia plena,
aplicabilidade direta, imediata e integral, tema já abordado no exame de ordem.
Por fim, se após o cumprimento do período obrigatório o indivíduo ocupar o
serviço militar de natureza permanente, a Constituição determina que seja feito o
alistamento eleitoral.
Além do alistamento, ou capacidade eleitoral ativa, existe a capacidade eleitoral
passiva, ou elegibilidade, que compreende o direito de ser votado. Para que se
adquira tal capacidade, é necessário o cumprimento de alguns requisitos. Conforme
dispõe o § 3° do art. 14 da Constituição Federal, são condições de elegibilidade:
a) a nacionalidade brasileira;
b) o alistamento eleitoral;
c) o pleno exercício dos direitos políticos;
d) o domicílio eleitoral na circunscrição;
e) a filiação partidária (sobre esse tema, é importante ressaltar o STF, no julgamento
das ADI 3.999 e 4.086, confirmou a constitucionalidade da Resolução 22.610/2007
do TSE, que trata do processo de perda de mandato eletivo por infidelidade
partidária);
f) a idade mínima de: 18 anos para Vereador; 21 anos para Deputado Federal,
Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; 30 anos para
Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; e 35 anos para
Presidente e Vice-Presidente da República e Senador. Tais idades serão verificadas
no momento da posse.
Quanto à nacionalidade, conclui-se que tanto o nato quanto o naturalizado são
elegíveis, exceto em relação aos cargos de Presidente e Vice-Presidente, pois o § 3°
do art. 12 da CF determina que tais cargos devem ser ocupados exclusivamente por
brasileiros natos. Outra observação diz respeito àqueles que detêm a condição de
portugueses equiparados: como a eles são atribuídos os direitos relativos aos
brasileiros naturalizados, também não podem se candidatar aos cargos de Presidente e
Vice-Presidente da República.
Fala-se que o sujeito está em pleno exercício dos seus direitos políticos quando
ele pode não só votar, mas também ser votado. Tal plenitude é conhecida também
como direito de sufrágio. Assim, fala-se que aquele que detém capacidade eleitoral
ativa e passiva, ou seja, está em pleno exercício dos direitos políticos, possui o
denominado direito de sufrágio.
Sabemos que, segundo a CF/1988, o sufrágio é universal, a capacidade eleitoral é
dada a todos os nacionais, indiscriminadamente. Aliás, a universalidade é uma
característica do voto que consta das cláusulas pétreas (art. 60, § 4°, II, da CF).
Opõe-se ao sufrágio universal a forma restrita que seria aquela em que apenas
sujeitos que possuíssem condição econômica favorável (voto censitário) ou que
detivessem alguma capacidade especial é que poderiam votar. Tal forma é proibida
pela Constituição. Nem por emenda constitucional poderá haver discriminações
quanto ao exercício do direito de voto.
Partindo da premissa de que para ser elegível o indivíduo precisa deter
capacidade eleitoral ativa e passiva, conclui-se que os inalistáveis (estrangeiros e
conscritos, durante o serviço militar obrigatório) são também inelegíveis, pois lhes
falta o primeiro requisito para a plenitude de seus direitos políticos, que é o direito
de votar, isto é, a capacidade eleitoral ativa.
Outra condição de elegibilidade (capacidade eleitoral passiva), conforme já
mencionado, é o domicílio eleitoral na circunscrição equivalente ao cargo que
pretende. Ressalta-se que o Tribunal Superior Eleitoral considera domicílio eleitoral
de forma ampla, mencionando que pode ser o local onde o candidato possui vínculos
políticos, sociais, profissionais, econômicos e até comunitários. Desse modo,
domicílio eleitoral difere do domicílio civil, previsto no art. 70 do Código Civil. Este
último é considerado o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com o ânimo
definitivo.
Em relação à fidelidade partidária, algumas observações devem ser feitas, tendo
em vista a promulgação da EC 91, de 18 de fevereiro de 2016. Essa norma alterou a
Constituição para estabelecer a possibilidade, excepcional e em período
determinado, de desfiliação partidária, sem prejuízo do mandato. Determina o art.
1° da mencionada emenda que é facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se
do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda
Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para
fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo
de rádio e televisão.
Para melhor compreensão do assunto, se faz necessária uma análise mais
aprofundada do tema. A filiação partidária é considerada pelo ordenamento jurídico
maior como uma das condições de elegibilidade, de modo que para se candidatar o
sujeito precisa demonstrar a sua filiação a um partido político (art. 14, § 3°, V, da
CF).
A Lei 13.165, de 29 de setembro de 2015, ao alterar a Lei 9.096/1995 (Partidos
Políticos), disciplinou especificamente o assunto infidelidade partidária, que,
embora anteriormente não tratado expressamente na CF/1988 (antes da EC 91/2016),
já tinha direcionamento em resolução do TSE e em decisões do STF e do TSE.
De acordo com o parágrafo único do art. 22-A da Lei 9.096/1995 (incluído pela
Lei 13.165/2015), perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar,
sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. Consideram-se justa causa para a
desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: I – mudança substancial ou
desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; e
III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o
prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou
proporcional, ao término do mandato vigente.
É possível perceber que a terceira situação trazida pela lei (mudança de partido
efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em
lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato
vigente) acabou admitindo que o candidato que já detém mandato eletivo e que
pretende ser reeleito possa “trocar” de partido sem que isso gere perda do mandato.
Para tanto, é necessário que ele apenas faça isso um mês antes do final do prazo
estabelecido para a filiação partidária.
Voltando para a EC 91/2016, observa-se que nova possibilidade de “troca” de
partido político fora criada, sem que isso gere perda do cargo. O detentor de mandato
eletivo agora tem a faculdade de desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta
dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato,
não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do
Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão. Sendo assim,
aqueles que possuem mandato eletivo poderão desligar-se partido político que fazem
parte até o dia 19 de março de 2016. É claro que se esses políticos quiserem
participar das eleições de 2016, eles terão de se filiar a outro partido político dentro
do prazo constitucionalmente estabelecido, qual seja, de até seis meses antes do pleito
eleitoral.
É importante ressaltar que embora a EC 91/2016 tenha autorizado a troca de
partido político, ela vedou a utilização, pelo novo partido, dos recursos do fundo
partidário e do tempo de acesso gratuito ao rádio e a TV. O antigo partido do político
mantém o tempo para rádio e TV que lhe fora concedido, por conta do número de
deputados que possuía e o tempo de acesso gratuito ao rádio e a TV. Em suma, há
algumas diferenças entre as duas possibilidades de troca de partido político. A
legalmente admitida, prevista no inciso III do parágrafo único do art. 22-A da Lei
9.096/1995 (incluído pela Lei 13.165/2015), admite a mudança de partido efetuada
durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para
concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. A
mudança assegurada pela EC 91/2016pode ser realizada apenas entre 19 de fevereiro
de 2016 e 19 de março de 2016. Nesse período, o detentor de mandato eletivo poderá
sair do partido pelo qual foi eleito sem perder o mandato por infidelidade partidária.
Outra diferença é a de que a troca de partido prevista na lei é considerada como uma
justa causa e, por ser assim, não geraria perda do mandato. A hipótese trazida pela
EC 91/2016 é tratada, não como justa causa, mas como uma autorização temporária
para sujeito se desligar do partido pelo qual ele foi eleito. Por ser temporária, só tem
validade durante o período de 19 de fevereiro de 2016 e 19 de março de 2016. A
situação trazida pela lei, ao contrário, tem caráter durável, de modo que também pode
ser aplicada nas futuras eleições.
Dispõe o art. 60, § 4°, inciso II, da CF que o voto tem de ser direto, secreto,
universal e periódico. Tomando por base as disposições trazidas, podemos dizer que
o voto possui as seguintes características:
1) é ato direto: o eleitor não vota em alguém para que esse alguém escolha quem o
representará, não há intermediários, vota-se diretamente naquele que o representará.
O voto direto é cláusula pétrea, ou seja, nem mesmo pelo poder constituinte derivado
reformador (por emenda constitucional) isso poderá ser modificado. Vale lembrar
que, conforme já mencionado, embora o voto seja direito, seu exercício é um exemplo
de democracia indireta, pois o povo delega seu poder para o governante eleito para
que ele o represente;
2) é ato secreto: o exercício do direito de voto é algo sigiloso, a opção do sujeito
sobre qual candidato escolheu ou escolherá não precisa ser externada. O voto secreto
é cláusula pétrea, não pode ser suprimido do texto constitucional. De acordo com o
Supremo o sigilo do voto é direito fundamental do cidadão. Assim, decidiu a Suprema
Corte que a exigência legal do voto impresso no processo de votação, contendo
número de identificação associado à assinatura digital do eleitor, vulnera o segredo
do voto, garantia constitucional expressa. A garantia da inviolabilidade do voto põe a
necessidade de se garantir ser impessoal o voto para garantia da liberdade de
manifestação, evitando-se qualquer forma de coação sobre o eleitor. A manutenção da
urna em aberto põe em risco a segurança do sistema, possibilitando fraudes,
impossíveis no atual sistema, o qual se harmoniza com as normas constitucionais de
garantia do eleitor. Cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 5° da Lei
12.034/2002.” (ADI 4.543-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 03.11.2011,
Plenário, DJE de 02,03.2012).
3) é ato universal: conforme já estudado, a capacidade eleitoral é dada a todos os
nacionais, indiscriminadamente. A universalidade também consta das cláusulas
pétreas;
4) é ato periódico: os governantes detêm mandatos por um período determinado.
Assim, sempre que houver troca de governante, o povo deve ser chamado às urnas
para exercer, de modo periódico, o direito de voto. A periodicidade do voto é uma
das cláusulas pétreas;
5) é ato personalíssimo: significa que só pode ser exercido pela própria pessoa, não
há possibilidade de se passar uma procuração para que outra pessoa vote em seu
nome, o voto não pode ser efetivado por mandato;
6) é ato obrigatório: embora a obrigatoriedade do voto não seja considerada uma
cláusula pétrea, ou seja, por emenda constitucional, tal determinação pode ser
modificada, enquanto não houver mudança nessa regra, o eleitor tem obrigação de ir
até o local determinado e efetivamente votar. É claro que há a possibilidade de votar
em branco ou anular seu voto, mas isso não significa que o sujeito possa deixar de
comparecer fisicamente ao local, dia e horário determinados;
7) é ato livre: o conteúdo do voto é livre, por conta disso que as pessoas, além de
poderem escolher em qual candidato votar, podem anular seu voto.
Passemos à análise dos direitos políticos negativos.
Os direitos políticos negativos dizem respeito às circunstâncias que impedem a
participação no processo eletivo, são as inelegibilidades e a perda e suspensão dos
direitos políticos.
Inelegibilidades: significam impedimentos relativos ou absolutos que atingem o
direito de sufrágio, especificamente em relação à elegibilidade, à capacidade
eleitoral passiva, ou seja, ao direito de ser votado.
Segundo o art. 14, § 4°, da CF são absolutamente inelegíveis os inalistáveis e os
analfabetos. Os inalistáveis não podem se alistar, portanto, não votam. Se não podem
o menos, que é votar, não poderão o mais, que é serem votados. Desse modo, é
possível concluir que a inalistabilidade impede a elegibilidade, já que a primeira é
pressuposto para aquisição da segunda.
Ocorre que o dispositivo menciona que também são inelegíveis os analfabetos.
Vejam, eles detêm capacidade eleitoral ativa, os analfabetos podem votar, o que a
Constituição proíbe é a elegibilidade. Assim, poderão votar, mas não poderão ser
eleitos, pois não possuem capacidade eleitoral passiva, não são elegíveis.
Em suma, a inelegibilidade absoluta atinge os inalistáveis (estrangeiros e os
conscritos, durante o serviço militar obrigatório) e os analfabetos.
Vale observar a seguinte decisão do Supremo: “as condições de elegibilidade
(CF, art. 14, § 3°) e as hipóteses de inelegibilidade (CF, art. 14, § 4° a § 8°),
inclusive aquelas decorrentes de legislação complementar (CF, art. 14, § 9°),
aplicam-se de pleno direito, independentemente de sua expressa previsão na lei local,
à eleição indireta para Governador e Vice-Governador do Estado, realizada pela
Assembleia Legislativa em caso de dupla vacância desses cargos executivos no
último biênio do período de governo.” (ADI 1.057-MC, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 20.04.1994, Plenário, DJ de 06.04.2001.) No mesmo sentido: ADI
4.298-MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 07.10.2009, Plenário,DJE de
27.11.2009.
Passemos ao estudo da inelegibilidade relativa.
As inelegibilidades relativas não têm relação específica com a pessoa que quer
se candidatar, mas sim com fatores externos, ou ainda, com pessoas ligadas àquela
que pretende disputar o pleito eleitoral. Como o próprio nome esclarece, são
obstáculos relativos ao direito de ser votado. Em princípio, o sujeito é elegível, mas
para determinados cargos ou funções, haverá impedimento.
Os motivos que levam à inelegibilidade relativa podem ser:
✓ funcionais (art. 14, §§ 5° e 6°, da CF);
✓ casamento, parentesco ou afinidade (art. 14, § 7°, da CF);
✓ legais (art. 14, § 9°, da CF);
✓ militares (art. 14, § 8°, da CF); e
✓ domicílio eleitoral.
Motivo funcional: o § 5° do art. 14 da CF traz a regra da reeleição dispondo que
o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os
Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, poderão
ser reeleitos para um único período subsequente. Se o sujeito for reeleito após o
término do primeiro mandato, será considerado inelegível para a próxima eleição.
Verifica-se que há a impossibilidade de um terceiro mandato subsequente ao segundo.
Tal proibição não impede que o sujeito ocupe o cargo de Chefe do Executivo por
mais de duas vezes, apenas veda que essa ocupação se dê de forma sucessiva. Trata-
se de hipótese de inexigibilidade por motivo funcional.
Sobre o art. 14, § 5°, da CF, é interessante notar o seguinte julgado do STF: “O
instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade
administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de
uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio republicado condiciona a
interpretação e a aplicação do próprio comando da norma constitucional, de modo
que a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Esse princípio impede a
terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em relação a qualquer outro
município da federação. Entendimento contrário tornaria possível a figura do
denominado “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”, o que claramente é
incompatível com esse princípio, que também traduz um postulado de
temporiedade/alternância do exercício do poder. Portanto, ambos os princípios –
continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e
aplicação teleológicas do art. 14, § 5°, da CF. O cidadão que exerce dois mandatos
consecutivos como o prefeito de determinado município fica inelegível para o cargo
da mesma natureza em qualquer outro município da federação” (RE n. 637.485-RJ, de
1° de agosto de 2012, rel. Min. Gilmar Mendes).
Outra decisão sobre o tema reeleição, agora quanto a sua possibilidade, tem a ver
com o vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No
segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de
vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de
governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou
por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro
mandato como titular do cargo. Inteligência do disposto no § 5° do art. 14 da CF.”
(RE 366.488, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 04.10.2005, Segunda Turma,
DJ de 28.10.2005.) No mesmo sentido: AI 782.434-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 08.02.2011, Primeira Turma, DJE de 24.03.2011.
Outra situação em que se verifica a inelegibilidade por motivo funcional é a
constante no § 6° do art. 14 da CF que dispõe que, para concorrerem a outros cargos,
o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os
Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. É
a denominada regra da desincompatibilização.
Vale lembrar que apenas para outros cargos eletivos, e não para uma futura
reeleição, é que é exigida, do Chefe do Executivo, a desincompatibilização, ou seja, o
afastamento temporário ou a renúncia nos seis meses que antecedem o pleito eleitoral.
Casamento, parentesco ou afinidade: o § 7° do art. 14 da CF dispõe que são
inelegíveis no território de jurisdição do titular o cônjuge e os parentes consanguíneos
ou afins até o segundo grau, ou por adoção, do Presidente da República, de
Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os
haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de
mandato eletivo e candidato à reeleição. Trata-se da denominada inelegibilidade
reflexa.
Em suma, pela inelegibilidade reflexa as pessoas relacionadas ao prefeito não
poderão ser candidatas a vereador ou prefeito no mesmo município. Aquelas que têm
relação com o governador não poderão concorrer aos cargos de vereador, deputado
estadual, deputado federal, senador ou governador do respectivo estado. E, por
último, os ligados ao Presidente não poderão ser candidatos a qualquer cargo eletivo
no país.
Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 18,
que determina que a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do
mandato, não afasta a inexigibilidade prevista no § 7° do art. 14 da CF. Desse modo,
não adianta os governantes, durante seus mandatos, romperem suas relações
matrimoniais para que seus futuros “ex-cônjuges” escapem da inexigibilidade reflexa.
Motivos legais: o § 9° do art. 14 da CF deixa claro que outros casos de
inelegibilidade relativa poderão ser criados por meio de lei complementar. Assim, o
rol de motivos previstos na CF é meramente exemplificativo.
Motivos militares: embora o § 8° do art. 14 da CF mencione que o militar
alistável é também elegível, o art. 142, § 3°, V, do Texto Maior proíbe sua filiação a
partido político enquanto estiver na ativa. Por conta disso, o Tribunal Superior
Eleitoral decidiu que nesse caso é dispensável a filiação partidária, que será sanada
pelo registro da candidatura feita pelo partido político.
Além disso, o militar, para ser elegível, deverá obedecer às seguintes regras:
1) se contar com menos de 10 anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;
2) se contar com mais de 10 anos de serviço, será agregado pela autoridade superior
e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.
Vale lembrar que o Supremo já decidiu que “diversamente do que sucede ao
militar com mais de dez anos de serviço, deve afastar-se definitivamente da atividade
o servidor militar que, contando menos de dez anos de serviço, pretenda candidatar-
se a cargo eletivo.” (RE 279.469, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em
16.03.2011, Plenário, DJE de 20.06.2011).
“Ficha limpa” – Lei Complementar n. 135/2010
A Lei da “Ficha Limpa” teve origem por iniciativa popular, com mais de um
milhão e meio de assinaturas; foi sancionada como Lei Complementar n. 135, no dia 4
de junho de 2010. Sua aprovação é fruto da mobilização de milhões de cidadãos e se
tornou um marco fundamental para a democracia e a luta contra a corrupção e a
impunidade no Brasil.
Em suma, a lei em comento altera a Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de
1990, que estabelece, de acordo com o § 9° do art. 14 da Constituição Federal, casos
de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências para incluir
hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a
moralidade no exercício do mandato.
Entre outras restrições, a lei proíbe a candidatura de pessoas com condenação
criminal por decisão colegiada da Justiça. Porém, a polêmica questão que girava
acerca do tema, acalorando o debate, é se tal lei seria ou não constitucional. O
Supremo entendeu que a referida lei é constitucional uma vez que o princípio da
presunção de inocência só se aplica ao âmbito penal, enquanto que no direito eleitoral
se aplica o princípio da prevenção, conforme entendimento de juristas como Fábio
Konder Comparato e Celso Antônio Bandeira de Mello.
Ao analisar recurso de Jader Barbalho (PMDB-PA), segundo colocado na
eleição para senador no Estado do Pará, o STF, mantendo a decisão do TSE, definiu
que a lei já seria aplicada na eleição do ano de 2010, inclusive em todos os casos de
políticos que renunciaram ao mandato para fugir de processo de perda da função.
Posteriormente, ao apreciar o recurso apresentado pelo ex-deputado estadual
Leonídio Bouças (PMDB-MG), que havia sido impedido por conta de uma
condenação advinda de uma ação de improbidade administrativa, o STF mudou o seu
entendimento.
Com fundamento no art. 16 da Constituição Federal, que determina que a lei que
alterar o processo eleitoral entra em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (princípio da
anualidade) e em princípios basilares que resguardam o estado democrático de
direito, como o da segurança jurídica, o STF decidiu que a lei da ficha limpa vale a
partir de 2012.
Segundo a Corte Maior, “a elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime
jurídico – constitucional e legal complementar – do processo eleitoral, razão pela
qual a aplicação da Lei Complementar 135/2010 com a consideração de fatos
anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5°, XXXV, da
Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade
da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus)
anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado (…) A
razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público
eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do
mandato (art. 14, § 9°), resta afastada em face da condenação prolatada em
segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por
prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público
ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-
profissional. A presunção de inocência consagrada no art. 5°, LVII, da
Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o
recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o
enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos
efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a
suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o
propósito moralizante do art. 14, § 9°, da Constituição Federal. Não é violado pela
Lei Complementar 135/2010 o princípio constitucional da vedação de retrocesso,
posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência
de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da
presunção de inocência para o âmbito eleitoral. O direito político passivo (ius
honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não
podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional
da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os
enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder
econômico ou de poder político. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado
pela Lei Complementar 135/2010, na medida em que: (i) atende aos fins
moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de
inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a
cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em
termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus público. O
exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de
ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar
135/2010, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da
atuação dos representantes populares. A Lei Complementar 135/2010 também não
fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições
temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas
ativas. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação
legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico
indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9°, da Constituição Federal.
O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato
eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade
com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 53, § 6°, da
Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em
manifesta transposição dos limites da boa-fé. A inelegibilidade tem as suas causas
previstas nos §§ 4° a 9° do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em
condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos
eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda
dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da
República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos
eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão,
não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de
direitos políticos. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da
pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa
sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado,
cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo
posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a
condenação e o trânsito em julgado.” (ADC 29; ADC 30 e ADI 4.578, Rel. Min. Luiz
Fux, julgamento em 16.02.2012, Plenário, DJE de 29.06.2012).
O STF também já definiu que “(…) a perda da elegibilidade constitui situação
impregnada de caráter excepcional, pois inibe o exercício da cidadania passiva,
comprometendo a prática da liberdade em sua dimensão política, eis que impede o
cidadão de ter efetiva participação na regência e na condução do aparelho
governamental.” (AC 2.763-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática,
julgamento em 16.12.2010, DJE de 1°.02.2011).
Privação ou restrição dos direitos políticos
Há duas formas de restringir os direitos políticos: temporária ou definitivamente.
A primeira é denominada suspensão dos direitos políticos e a segunda é conhecida
como perda de tais direitos.
Ressalta-se que a Constituição proíbe a cassação dos direitos políticos em seu
art. 15 e admite, em algumas hipóteses, a perda e a suspensão, conforme analisaremos
adiante.
É da competência do Poder Judiciário, conforme dispõe o inciso XXXV do art.
5° da CF, analisar e decidir as questões relacionadas à perda e suspensão dos direitos
políticos.
As hipóteses de suspensão são as seguintes: a) incapacidade civil absoluta; b)
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; e c)
prática de atos de improbidade administrativa, conforme art. 37, § 4°, da CF.
De outra parte, haverá perda dos direitos políticos: a) quando houver
cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; e b) quando houver
recusa em cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, segundo art.
5°, VIII, da CF. Nesta última hipótese, há quem entenda que é suspensão e não de
perda dos direitos políticos, por conta do art. 4°, § 2°, da Lei 8.239/1991.
Nesse tópico, há decisão do Supremo no sentido de que a inelegibilidade tem as
suas causas previstas nos §§ 4° a 9° do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se
traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a
cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão
ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da
Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de
concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius
sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a
inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos.” (ADC 29; ADC 30 e ADI 4.578,
Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 16.02.2012, Plenário, DJE de 29.06.2012).
Outro tema relevante diz respeito ao mandato imperativo e ao recall. Pelo
primeiro, os parlamentares só poderiam ser eleitos de acordo com a forma
estabelecida pelo povo que, além de decidir a forma, deveria ser consultado sobre a
manutenção ou a revogação de um mandato conferido a alguém. Já o recall seria um
método de revogação popular do mandato, como por exemplo, se os governantes não
honrassem seus projetos divulgados em campanha eleitoral. Ambos não existem no
ordenamento jurídico brasileiro.
Princípio da anterioridade ou anualidade eleitoral: dispõe o art. 16 da CF que a
lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
De acordo com o STF, informativo 707, “A importância fundamental do princípio
da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está
plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da CF. O STF
fixou a interpretação desse art. 16, entendo-o como uma garantia constitucional (1) do
devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE
633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os quais regem normativamente todo o processo
eleitoral, é razoável concluir que a CF também alberga uma norma, ainda que
implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da
anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim,
as decisões do TSE que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu
encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam
sobre a segurança jurídica) não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e
somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior” (informativo
707 do STF).
Desincompatibilização: os Chefes do Executivo (Presidente da República,
Governadores de Estado e do Distrito Federal ou Prefeitos) que pretendam concorrer
à próxima eleição, segundo o § 6° do art. 14 da CF, deverão renunciar aos respectivos
mandatos até seis meses antes do pleito. Nesses casos, os governantes terão de se
afastar dos seus cargos de forma definitiva. Vale lembrar que há casos em que será
necessário apenas o licenciamento; por exemplo, nas hipóteses de agentes
administrativos e autoridades policiais que pretendam disputar o pleito eleitoral.
Reaquisição dos direitos políticos: no caso de suspensão dos direitos políticos,
se os motivos que levaram à suspensão não mais persistirem, haverá reaquisição. Já
nas hipóteses de perda, é necessário fazer uma divisão: se a perda se deu em razão de
cancelamento da naturalização, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional
reconhecida em sentença transitada em julgado, a reaquisição somente ocorrerá
mediante ação rescisória; se a perda decorreu da recusa em cumprir obrigação a
todos imposta, o sujeito poderá readquirir os direitos políticos se cumprir tal
obrigação ou, na hipótese de serviço militar obrigatório, o cumprimento da prestação
de serviço alternativo.
Partidos políticos
Os partidos políticos têm por função assegurar a autenticidade do sistema
representativo, além de defender o estado democrático, os direitos e garantias
fundamentais. Podemos considerá-los como o agrupamento de pessoas que possuem
os mesmos ideais e objetivos e que pretendem assumir o poder para fazer valer tais
preceitos.
Segundo o art. 17 da CF, é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de
partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. O mesmo dispositivo
constitucional menciona que devem ser observados os seguintes preceitos: I – caráter
nacional; II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou
governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III – prestação de contas à Justiça
Eleitoral; IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.
Desse modo, verifica-se que o princípio da liberdade partidária não é ilimitado e
irrestrito: há condições para criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos
políticos.
O pluripartidarismo ou pluralismo partidário prestigia a democracia moderna,
fazendo com que o eleitor tenha acesso à diversidade de candidatos e a vários
partidos políticos. Os preceitos eleitorais devem ser definidos de forma clara e
objetiva para que todos os partidos, independentemente de serem pequenos ou
grandes, tenham os mesmos direitos.
A Constituição assegura, ainda, no § 1° do art. 17 da CF, a autonomia dos
partidos políticos, mencionando que eles definirão sua estrutura interna, organização e
funcionamento e estabelecerão regras sobre escolha, formação e duração de seus
órgãos permanentes e provisórios. Atenção especial deve ser dada a o mencionado
parágrafo, pois sua redação foi alterada pela EC 97, de 4 de outubro de 2017 a qual
proibiu as coligações partidárias nas eleições proporcionais, estabeleceu normas
sobre acesso dos partidos políticos aos recursos do fundo partidário e ao tempo de
propaganda gratuito no rádio e na televisão, além de dispor sobre regras de transição.
Assim, o novo § 1° do art. 17 da CF, além de assegurar certa autonomia aos
partidos, mantém a possibilidade de coligações partidárias nas eleições que
observam o sistema majoritário e proíbe nas eleições proporcionais. Por fim,
afirma a não obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional,
estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de
disciplina e fidelidade partidária (quebra da verticalização constitucionalizada pela
EC 52/2006).
É importante frisar que os partidos políticos possuem natureza jurídica de direito
privado, pois adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil. Após tal
aquisição, devem registrar seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, conforme
determina o § 2° do art. 17 da CF. Cumpridas essas formalidades, os partidos serão
sujeitos de direito, podendo atuar em juízo.
O § 3° do art. 17 da CF, também com redação dada pela EC 97/2017, estabelece
regras para que os partidos políticos tenham o acesso aos recursos do fundo
partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na televisão (direito de
antena). Com a nova norma, apenas os partidos que se enquadrarem nas regras
constitucionais abaixo descritas é que se beneficiarão de tais recursos. Quais sejam: I
– que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da
Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma
delas; ou II – que tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos
em pelo menos um terço das unidades da Federação.
Vale lembrar que o disposto acima só valerá a partir das eleições de 2030 (art.
3° da EC 97/2017). Até lá, para que os partidos tenham acesso aos recursos do fundo
partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão, eles deverão respeitar as
seguintes regras de transição:
I – na legislatura seguinte às eleições de 2018 usufruirão de tais benefícios os
partidos políticos que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 1,5% (um e
meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades
da Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma
delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos nove Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação;
II – na legislatura seguinte às eleições de 2022, os que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% (dois por
cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da
Federação, com um mínimo de 1% (um por cento) dos votos válidos em cada uma
delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos onze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação;
III – na legislatura seguinte às eleições de 2026, os que:
a) obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2,5% (dois e
meio por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades
da Federação, com um mínimo de 1,5% (um e meio por cento) dos votos válidos em
cada uma delas; ou
b) tiverem elegido pelo menos treze Deputados Federais distribuídos em pelo menos
um terço das unidades da Federação.
Ainda em relação às novas regras, o § 5° do art. 17 da CF, incluído pela EC
97/2017, determina que ao eleito por partido que não preencher os requisitos
previstos no § 3° deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem
perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação
considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso
gratuito ao tempo de rádio e de televisão.
Além disso, a Constituição menciona no § 4° do art. 17 da CF que é proibida a
utilização, pelos partidos políticos, de organização paramilitar.
Por fim, vale a leitura de um recente julgamento dado pelo STF: “O Plenário, por
maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da expressão "sem individualização dos doadores", constante
da parte final do § 12 do art. 28 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), acrescentada
pela Lei 13.165/2015, para considerar que a indicação dos doadores deve ser feita
tanto na prestação de contas dos partidos quanto dos candidatos. No julgamento da
medida cautelar, o Plenário havia suspendido, até o julgamento final da ação, a
eficácia da referida expressão, com efeitos “ex tunc” (…). A norma impugnada dispõe
sobre regras para a prestação de contas de partidos e candidatos com relação a
valores oriundos de doações. De um lado, os valores transferidos pelos partidos aos
candidatos serão registrados na prestação de contas dos candidatos como
“transferência dos partidos”. De outro, essas mesmas operações serão registradas na
prestação de contas dos partidos como “transferência aos candidatos”. Em ambas, a
legislação prevê que os registros serão realizados “sem individualização dos
doadores”. Para o Tribunal, no entanto, o estabelecimento da chamada “doação
eleitoral oculta” implica violação aos princípios republicano e democrático (CF, art.
1°, caput), além de representar afronta aos postulados da moralidade e da
transparência. O princípio republicano repele peremptoriamente a manutenção de
expedientes ocultos no que concerne ao funcionamento da máquina estatal em suas
mais diversas facetas. Especificamente sob o prisma do processo eleitoral, a
divulgação dos nomes dos doadores de campanha e dos respectivos destinatários
viabiliza uma fiscalização mais eficaz da necessária lisura dos processos de escolha
dos detentores de mandato político”. [ADI 5.394, rel. min. Alexandre de Moraes, j.
22.03.2018, P, Informativo 895]
10.1.Conceito
É o mecanismo de verificação da compatibilidade de um ato normativo em face
da Constituição Federal. Todo o ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, todas as
regras existentes no Brasil devem guardar relação de compatibilidade vertical com o
Texto Maior. Não sendo consonantes com o que preconiza a Constituição, devem ser
banidas do ordenamento, por meio do instituto denominado controle de
constitucionalidade.
10.2.Fundamento
O controle de constitucionalidade tem por fundamento o princípio da Supremacia
Constitucional, o qual dispõe que as normas constitucionais estão no ápice da
pirâmide hierárquica de Kelsen. Todas as normas infraconstitucionais encontram seu
fundamento de validade na Constituição Federal. Desse modo, os atos normativos em
geral, por estarem abaixo da Constituição, devem ser compatíveis com o ordenamento
jurídico maior.
10.3.Objeto
Podem ser objeto de controle tanto os atos legislativos quanto os atos normativos.
Os primeiros estão previstos no art. 59 da Constituição Federal. São eles: emendas
constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções. Os segundos, atos normativos ou administrativos, são os
decretos, portarias etc.
É importante mencionar que o ato passível de controle, além de ser dotado de
abstração e generalidade, tem de encontrar fundamento de validade diretamente na
Constituição e não em norma infraconstitucional.
Além disso, segundo o STF, as normas advindas do poder de revisão (emendas
constitucionais de revisão) também são passíveis de controle de constitucionalidade.
As súmulas vinculantes, ao contrário, não podem ser objeto de controle de
constitucionalidade, pois não possuem caráter normativo (ADI 594/DF).
10.4.Formas de inconstitucionalidade
10.4.1.Por omissão
Verifica-se a inconstitucionalidade por omissão quando estamos diante de uma
norma constitucional de eficácia limitada – aquela que depende de regulamentação
por parte do legislador – e não há a edição dessa norma regulamentadora. Aquele que
detém competência para elaborá-la não o faz, omite-se. Tal conduta é tida como
inconstitucional, pois inviabiliza o exercício de um direito garantido
constitucionalmente. Daí falar-se que estamos diante de uma omissão inconstitucional
ou uma inconstitucionalidade por omissão.
Ressalta-se que, quando há um direito previsto na Constituição, em uma norma de
eficácia limitada, implicitamente há um comando constitucional para que o legislador
produza a devida regulamentação. Não é uma faculdade, mas uma ordem que, sendo
descumprida, gera inconstitucionalidade. Exemplo: o art. 7°, XXVII, da Constituição
prevê que a proteção dos trabalhadores em face da automação deve ser garantida, na
forma da lei. É necessária a edição da referida lei para que o direito possa ser
exercitado; enquanto não sobrevém a norma, fala-se que há inconstitucionalidade por
omissão.
Outro exemplo é o direito de greve do servidor público, garantido
constitucionalmente pelo inciso VII do art. 37. Dispõe tal comando que o direito de
greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Há uma lei
que regulamenta a greve para os empregados, ou seja, para as pessoas sujeitas ao
regime celetista. Ocorre que para o servidor público ainda não há lei específica
regulamentando a greve. Assim, pergunta-se: pode o servidor público fazer greve? Se
sim, por quanto tempo? Quais os limites aplicáveis à greve no serviço público? O
Supremo Tribunal Federal, ao analisar dois mandados de injunção impetrados por
associações de servidores públicos, deu uma decisão inédita, determinando que
enquanto não sobrevier a lei específica que tem por finalidade regulamentar a greve
no serviço público, o servidor poderá fazer greve tomando por base as diretrizes
estabelecidas pela lei geral de greve, ou seja, a lei que regulamenta a greve para os
regidos pela CLT.
Analisaremos, mais adiante, as medidas judiciais cabíveis para sanar o problema
gerado pela inconstitucionalidade por omissão que são: o mandado de injunção –
meio em que se faz controle difuso de constitucionalidade (art. 5°, LXXI, da CF) – e a
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – mecanismo de controle abstrato
de constitucionalidade (art. 103, § 2°, da CF).
A inconstitucionalidade por omissão pode se dar de duas formas: parcial ou total.
Na primeira hipótese, a norma constitucional de eficácia limitada é regulamentada,
mas apenas parcialmente, ou seja, o direito garantido constitucionalmente não foi
regulamentado em sua plenitude. Na segunda, nenhuma norma foi produzida a fim de
regulamentar o direito. Não existe sequer norma incompleta tratando do assunto,
impossibilitando qualquer forma de efetivo exercício do direito.
10.4.2.Por ação
Verifica-se a inconstitucionalidade por ação quando a lei o ou ato normativo está
em desacordo com a Constituição. A lei nasceu, mas emanada com vício de
inconstitucionalidade. O ato do legislador de produzir uma norma em desacordo com
a Carta Magna gera inconstitucionalidade por ação.
Aos três poderes pode ser atribuída tanto a inconstitucionalidade por ação quanto
a por omissão.
A por ação pode ser: material ou formal.
10.4.2.1.Inconstitucionalidade material
Ocorre quando o conteúdo da norma fere as disposições e princípios trazidos
pela Constituição. A matéria disciplinada pelo ato normativo está em desacordo com
o ordenamento jurídico maior. Tal inconstitucionalidade pode se dar por violação às
cláusulas pétreas – aquelas previstas no § 4° do art. 60 da Constituição: I – forma
federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a
separação dos Poderes; e IV – os direitos e garantias individuais; ou quando viola um
direito materialmente garantido pela Constituição. Exemplo: uma lei que estabeleça a
pena de morte, pois a Constituição, em seu art. 5°, inciso XLVII, a, veda a imposição
de tal penalidade.
10.4.2.2.Inconstitucionalidade formal
Ocorre quando é descumprido algum dos requisitos exigidos quando da
elaboração de um ato normativo. As leis, ao serem produzidas, devem seguir um
procedimento específico, denominado processo legislativo; se tal procedimento é
violado, estamos diante de uma inconstitucionalidade formal. Aliás, o nome do
instituto jurídico já nos ajuda a defini-lo, ou seja, a forma, o modo de elaboração é
que é violado nessa modalidade de inconstitucionalidade.
Exemplo: um projeto de lei complementar aprovado pelo voto da maioria
relativa é considerado formalmente inconstitucional, pois para que a lei complementar
seja aprovada o quórum exigido, ao contrário do mencionado, é de maioria absoluta.
Outra hipótese de violação de regra de procedimento ocorre quando determinado
projeto de lei, de iniciativa privativa, é instaurado, iniciado, por quem não detém
competência para tanto; por exemplo, projeto de lei que disponha sobre a criação de
cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou
aumento de sua remuneração iniciado por um Deputado. A competência para iniciar
projeto de lei sobre esse tema é privativa do Presidente da República, conforme
preconiza o art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal.
Observação: parte da doutrina também fala em inconstitucionalidade formal
“orgânica”, que é a que ocorre quando há vício de iniciativa. O problema é de
competência, o sujeito ou o órgão que iniciou um projeto de lei não era competente
para tanto.
10.4.4.“Inconstitucionalidade superveniente”
O Supremo não adota a teoria da inconstitucionalidade superveniente. As normas
editadas antes da vigência da CF/1988 que não se mostrem de acordo com o texto não
são recepcionadas ou meramente “revogadas”. Nesse caso, utilizam-se as regras
relativas ao direito intertemporal, em especial as atinentes ao fenômeno da recepção.
10.4.5.Bloco de constitucionalidade
É um instituto que tem por finalidade ampliar o padrão de controle de
constitucionalidade. Tudo que é tido como conteúdo constitucional, até mesmo
princípios e regras implícitas, integram o denominado bloco de constitucionalidade.
Tal assunto possibilita a expansão dos preceitos constitucionais como liberdades
públicas, direitos e garantias. Em sentido amplo, o bloco abrange princípios, normas,
além de direitos humanos reconhecidos em tratados e convenções internacionais
incorporados no ordenamento jurídico. De acordo com o Supremo, “a definição do
significado de bloco de constitucionalidade – independentemente da abrangência
material que se lhe reconheça – reveste-se de fundamental importância no processo de
fiscalização normativa abstrata, pois a exata qualificação conceitual dessa categoria
jurídica projeta-se como fator determinante do caráter constitucional, ou não, dos atos
estatais contestados em face da Carta Política. – A superveniente alteração/supressão
das normas, valores e princípios que se subsumem à noção conceitual de bloco de
constitucionalidade, por importar em descaracterização do parâmetro constitucional
de confronto, faz instaurar, em sede de controle abstrato, situação configuradora de
prejudicialidade da ação direta, legitimando, desse modo – ainda que mediante
decisão monocrática do Relator da causa (RTJ 139/67) – a extinção anômala do
processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade” (Informativo 295).
10.7.1.1.Conceito e objeto
A ADI está prevista no art. 102, I, “a”, da CF e também na Lei n. 9.868/1999. É
uma ação constitucional que tem por objetivo verificar se uma lei ou ato normativo
federal ou estadual está em conformidade com o que dispõe a Constituição Federal.
Assim, o objeto da ADI pode ser uma lei estadual ou federal, entendida em sentido
amplo, abarcando todas as espécies legislativas previstas no art. 59 da CF, quais
sejam, emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas,
medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
Vale lembrar que a causa de pedir na ADI é aberta, ou seja, o STF não está
vinculado à fundamentação jurídica trazida pelo autor. A norma impugnada é
analisada em face de toda a Constituição.
Além disso, uma norma revogada, de eficácia exaurida, ou que seja revogada
quando a ADI estiver em andamento, por não produzir mais efeitos, faz com que a
ação perca o objeto. O prosseguimento da ADI nessa hipótese ou a sua propositura,
no caso de norma já revogada, não seria útil.
10.7.1.2.Legitimados
O art. 103 da Constituição Federal dispõe que são legitimados para propor a ação
direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade as
seguintes pessoas ou órgãos:
I. o Presidente da República;
II. a Mesa do Senado Federal;
III. a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV. a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V. o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI. o Procurador-Geral da República;
VII. o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII. partido político com representação no Congresso Nacional;
IX. confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Dentre as pessoas e órgãos mencionados há os que possuem legitimidade
universal ou neutra e os legitimados especiais, temáticos ou interessados, que são
aqueles que precisam demonstrar pertinência temática ao ingressar com essas ações,
ou seja, o conteúdo do ato deve ser pertinente aos interesses do legitimado, sob pena
de carência da ação (falta de interesse de agir).
Devem vir acompanhadas de tal requisito as ações propostas pelos seguintes
legitimados: a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal (inciso IV); o Governador de Estado ou do Distrito Federal (inciso V); e
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (inciso IX). O
Supremo já definiu que pertinência temática significa que a ação proposta pelo ente
tem de estar de acordo com sua finalidade institucional.
Ainda quanto aos legitimados, é necessário observar a decisão do Plenário do
Supremo, no julgamento da ADI 3.153-AgR, que retomou o entendimento de que as
“associações de associações” de âmbito nacional possuem legitimidade para propor
ação direta de inconstitucionalidade.
Por fim, de acordo com o STF, “descabe confundir a legitimidade para a
propositura da ação direta de inconstitucionalidade com a capacidade postulatória.
Quanto ao governador do Estado, cuja assinatura é dispensável na inicial, tem-na o
procurador-geral do Estado.” (ADI 2.906, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
1°.06.2011, Plenário, DJE de 29.06.2011).
10.7.1.3.5.Votação
Os arts. 22 e 23 da Lei 9.868/1999 exigem que a decisão da ação direta de
inconstitucionalidade seja efetivada por pelo menos seis ministros (maioria absoluta)
e desde que presentes na sessão o mínimo de oito ministros.
10.7.1.3.6.Efeitos
Quando declarada a constitucionalidade, o efeito sempre será ex tunc, ou seja,
retroage à data da edição do ato normativo. Já se houver declaração da
inconstitucionalidade, em regra, também produzirá efeitos ex tunc. Todavia, por
motivos de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF poderá
conceder eficácia ex nunc (a partir do trânsito em julgado da decisão ou de outro
momento que venha a ser fixado), ou, ainda, restringir os efeitos da decisão, mediante
votação por maioria de 2/3 de seus membros. É denominada pela doutrina de
modulação dos efeitos da decisão.
Ademais, a decisão sempre terá eficácia erga omnes e será vinculante aos órgãos
do Poder Judiciário e à Administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal.
Vale lembrar que pela teoria da transcendência dos motivos determinantes os
fundamentos das decisões proferidas pelo Supremo em sede de controle de
constitucionalidade também possuem efeito vinculante.
Frisa-se que a decisão é irrecorrível, não podendo nem ser objeto de ação
rescisória; só é possível a utilização dos embargos de declaração.
Por fim, de acordo com o STF (Rcl 1880, Rel. Min. Maurício Correa), todos
aqueles que demonstrarem ter sofrido prejuízo por conta de decisão judicial ou ato
administrativo que colida com decisão definitiva dada em sede de controle
concentrado poderão ingressar com reclamação no STF.
10.7.2.1.Conceito e objeto
A ADC também está prevista nos artigos 102, I, “a”, e 103, I a IX, da CF e na Lei
n. 9.868/1999. É uma ação constitucional que tem por objetivo verificar a
constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal.
A dúvida que pode surgir é a seguinte: se as leis são presumidamente
constitucionais, por que existe uma ação para declarar a constitucionalidade de uma
norma? Exatamente por conta de tal presunção, a Lei 9.868/1999 traz em seu art. art.
14, III, a necessidade da observância de um requisito para a propositura dessa ação,
qual seja, é imprescindível que haja controvérsia judicial relevante em relação à
constitucionalidade da norma objeto de questionamento no Supremo. Sem a prova da
existência de importante divergência jurisprudencial sobre a aplicação ou não de
determinada norma a ADC não poderá ser conhecida.
Desse modo, ao ser editada uma norma, não há como, nos dias posteriores à
edição, ingressar com tal ação, pois sequer houve tempo hábil para a existência de
uma controvérsia judicial relevante – requisito indispensável para que a ação seja
proposta.
Também se fala que a presunção de constitucionalidade de que todas as normas
gozam é uma presunção relativa – juris tantum, ou seja, aquela que admite prova em
contrário.
10.7.2.2.Legitimados
São os mesmos da ADI – art. 103 da CF. Todas as observações que foram feitas
em relação aos legitimados universais e aos temáticos ou especiais servem aqui.
10.7.2.5.Efeitos
Valem aqui todos os comentários feitos sobre os efeitos da ADI, diante da
natureza dúplice das ações.
10.7.3.1.Conceito e objeto
A ADPF está prevista no art. 102, § 1°, da CF e na Lei n. 9.882/1999. É uma ação
constitucional que tem por objetivo verificar se uma lei ou ato normativo viola um
preceito fundamental previsto na Constituição. Tal ação surgiu com a finalidade de
complementar o sistema de controle já existente.
O objeto da ADPF é o mais abrangente de todas as ações de controle
concentrado. Desse modo, cabe tal ação quando uma lei ou ato normativo federal,
estadual, municipal e ainda norma pré-constitucional, ou seja, normas editadas antes
da vigência da constituição, violem preceitos fundamentais.
Vale lembrar que a impugnação de lei municipal em face da CF, em sede de
controle concentrado, só pode ocorrer por meio de ADPF. Mas, em sede de controle
difuso, a lei municipal eivada do vício de inconstitucionalidade pode ser levada ao
Supremo por meio do recurso extraordinário.
Outra observação relevante é que esta ação admite o controle de normas de
efeitos concretos (ADI 4048/MC).
10.7.3.2.Legitimados
São os mesmos da ADI e ADC, que estão no art. 103 da CF.
10.7.3.3.4.Defesa do AGU
A Lei n. 9.882/1999 não exige a defesa do ato impugnado pelo Advogado-Geral
da União.
O Procurador-Geral da República, quando não for o autor da ação, será ouvido.
10.7.3.3.5.Efeitos
Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela
prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e
aplicação do preceito fundamental.
A decisão terá eficácia erga omnes e efeito vinculante relativamente aos demais
órgãos do Poder Público.
10.7.4.1.Conceito e objeto
A ADI por omissão está prevista no art. 103, § 2°, da CF e no Capítulo II-A da
Lei n. 9.868/1999. Tal capítulo foi acrescentado pela Lei Federal 12.063 de 27 de
outubro de 2009.
É uma ação constitucional que tem por objetivo sanar uma inconstitucionalidade
por omissão ou, como também denominada, uma omissão inconstitucional.
Conforme já analisamos, as normas constitucionais podem ter eficácia plena,
contida e limitada. A última, ou seja, aquela que depende de regulamentação para que
o exercício do direito por ela garantido traz, implicitamente, um comando normativo
para que o legislador infraconstitucional produza a norma regulamentadora. Quando
ele não o faz, estamos diante de uma inconstitucionalidade por omissão. Fala-se que o
legislador, nesta hipótese, encontra-se em mora, em atraso, pois não cumpre o
comando constitucional de elaborar a norma para possibilitar o exercício de um
direito constitucionalmente assegurado.
A omissão pode ser total ou parcial, conforme já estudado.
10.7.4.2.Legitimados
Segundo o art. 12-A da Lei 9.868/1999, podem propor ADI por omissão os
mesmos legitimados à propositura da ação direita de inconstitucionalidade (genérica)
e da ação declaratória de constitucionalidade. Desse modo, todas as observações
feitas em relação aos legitimados no item da ADI genérica valem aqui.
10.7.4.4.Defesa do AGU
Não há defesa pelo Advogado-Geral da União, devido à ausência de norma.
O Procurador-Geral da República será ouvido apenas se o relator do processo
considerar indispensável. Se isso ocorrer, deverá ser feito dentro do prazo de 3 dias,
conforme § 2° do art. 12-F da Lei 9.868/1999.
10.7.4.5.Efeitos
Declarada a inconstitucionalidade por omissão, será dada ciência ao Poder
competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em 30 dias ou em prazo razoável a ser estipulado
excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso
e o interesse público envolvido (art. 12-H da Lei 9.868/1999).
10.8.3.Parcelaridade
Significa que o Supremo, ao analisar uma norma que esteja sendo impugnada por
razões de inconstitucionalidade, pode declarar inconstitucional todo o seu conteúdo
ou apenas parte dele. Exemplo: o Supremo, ao analisar a constitucionalidade do art.
7°, § 2°, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, declarou inconstitucional
apenas a expressão “desacato”. Desse modo, pelo princípio da parcelaridade, o
Supremo não fica adstrito ao texto de uma lei inteira ou um artigo, um inciso, um
parágrafo ou uma alínea – pode entender que é inconstitucional apenas uma palavra,
por exemplo. Diferentemente ocorre quando o Presidente da República veta uma lei.
Nesse caso, somente poderá vetar juridicamente uma lei inteira ou um ou mais artigos,
incisos, parágrafos ou alíneas. Não pode vetar apenas uma palavra, pois isso poderia
fazer com que todo o sentido da lei fosse modificado.
11.1.Introdução
O Estado é formado por três elementos, quais sejam, o povo (indivíduos que
habitam o mesmo local), o território (local que abriga os indivíduos) e a soberania.
Quanto à forma, fala-se que o Estado pode ser classificado em Unitário ou
Federal. Unitário é aquele em que as capacidades legislativa, política e
administrativa se concentram nas mãos de um único centro, de um único governo. A
doutrina denomina os Estados Unitários, como Cuba e França, de Estados Simples. Já
o Federal é aquele em que há repartição de competências e as capacidades
mencionadas estão divididas em vários centros. É denominado pela doutrina de
Estado Composto. O Brasil, a Alemanha e os Estados Unidos são alguns exemplos de
Estado Federal ou Estado Composto.
A forma de governo é justamente a relação existente entre aqueles que governam
e os que são governados. Por meio dela é que se verifica como é feita a instituição do
poder. Fala-se em República ou Monarquia. Na primeira os governantes são eleitos,
direta ou indiretamente, para que exerçam o poder por um período determinado. Já na
segunda, monarquia, o poder advém da família, é vitalício e os governantes não
precisam prestar contas para os governados.
Os sistemas de governo dizem respeito à maneira pela qual as funções legislativa,
executiva e judiciária são relacionadas. No presidencialismo, além da independência
entre os poderes, que são harmônicos entre si, o detentor do poder cumula as funções
de chefe de Estado e chefe de governo. Normalmente nas repúblicas adota-se o
presidencialismo. No parlamentarismo existe apoio e colaboração entre as funções e
o poder é dividido. O presidente não cumula as funções de chefe de Estado e de
governo, apenas chefia o Estado e delega a atribuição de cuidar do governo ao
primeiro-ministro. Este, por sua vez, para comandar o país tem de ter o apoio do
parlamento.
O art. 1° da Constituição dispõe que o Brasil é uma República Federativa, ou
seja, tal dispositivo constitucional afirma que a forma federativa de Estado é a que foi
adotada por nós. Além disso, o mesmo dispositivo nos ensina que somos um Estado
republicano e democrático.
As pessoas políticas que integram a federação, segundo o art. 18, caput, da
Constituição Federal, são: a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os
Municípios.
Fortificando o pacto federativo e a autonomia dos entes que o compõem, o
Supremo editou a Súmula 681, que dispõe que é inconstitucional a vinculação do
reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de
correção monetária.
11.2.União
No âmbito interno, é considerada pessoa jurídica de direito público, dotada de
autonomia, pois detém tripla capacidade: a) auto-organização, b) autogoverno; e c)
autoadministração. No âmbito internacional, a União tem por finalidade representar a
República Federativa do Brasil, ou seja, tem por missão assegurar a soberania do
país.
O art. 20 da Constituição Federal traz uma enumeração dos bens pertencentes à
União, dentre eles estão, por exemplo, o mar territorial, os terrenos de marinha e seus
acrescidos, os potenciais de energia elétrica, os recursos minerais, inclusive os do
subsolo e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Vale lembrar que,
conforme a Súmula 650 do STF, os incisos I e XI do art. 20 da CF, não alcançam
terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.
O art. 153 do mesmo diploma legal enumera os impostos de competência da
União, ou seja, os impostos federais. São os seguintes: imposto de importação (II),
imposto de exportação (IE), imposto de renda e proventos de qualquer natureza (IR),
imposto sobre produtos industrializados (IPI), imposto sobre operações de crédito,
câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF), imposto sobre a
propriedade territorial rural (ITR) e o imposto sobre grandes fortunas (IGF).
O Poder Executivo da União é composto pelo Presidente da República, Vice-
Presidente, Ministros, Conselho da República e Conselho de Defesa Nacional,
conforme dispõem os arts. 76 a 91 da Constituição Federal.
Já o Poder Judiciário da União é tratado a partir do art. 101 até o 124 da
Constituição. Dentre as matérias de competência dos juízes federais podemos
destacar, conforme art. 109 da Constituição, as seguintes: as causas em que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de
trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; os crimes políticos e
as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da
União; as causas fundadas em tratados internacionais; os crimes cometidos a bordo de
aeronaves, ressalvada a competência da justiça militar; e a disputa sobre direitos
indígenas.
O Poder Legislativo da União é representado pelo Congresso Nacional (Câmara
de Deputados e Senado Federal).
11.2.1.Competências da União
As competências da União podem ser de duas naturezas distintas:
11.2.1.2.Competências legislativas
A constituição atribui, a cada ente político, competência para elaborar leis. A
União pode editar normas sobre diversos assuntos. Fala-se que tal competência pode
ter três naturezas distintas: privativa, concorrente e residual.
O parágrafo único do art. 22 da Constituição Federal, ao tratar da competência
legislativa privativa, diz que a União, por meio de lei complementar, poderá autorizar
os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste
artigo. Desse modo, a competência privativa é delegável.
Segundo a Súmula 722 do STF, são da competência legislativa da União a
definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas
de processo e julgamento.
Já foi decidido, também pela Suprema Corte, que a Lei 10.826/2003 (Estatuto do
Desarmamento) não é formalmente inconstitucional, pois não ocorreu invasão da
competência residual dos Estados. Cabe à União legislar sobre matérias de
predominante interesse geral (ADI 3.112, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 02.05.2007, Plenário, DJ de 26.10.2007).
Ainda tratando de competência legislativa da União, de acordo com o STF, a
competência para legislar sobre a gratuidade dos estacionamentos em
estabelecimentos privados, como em instituições de ensino, shopping, mercados etc.
é da União. O assunto se enquadra no art. 22, I, da CF, pois diz respeito ao direito
civil, especificamente sobre o direito de propriedade e suas limitações (ADI
3.710/GO).
Outro tema que também é extraído do art. 22 da CF, assuntos da competência
privativa da União, é a legislação sobre trânsito (art. 22, XI, CF). Desse modo, se
uma lei estadual regulamentar serviço de mototáxi, essa lei será tida como
inconstitucional por ter o Estado usurpado da competência legislativa federal.
A competência concorrente, como o próprio nome menciona, é aquela em que
mais de um ente político pode legislar. Está prevista no art. 24 da CF e são exemplos
dessa competência a legislação sobre os seguintes temas: direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico, urbanístico, educação, cultura, procedimentos
em matéria processual, defesa dos recursos naturais etc. Nessas hipóteses a União
edita normas gerais e os Estados e o Distrito Federal, normas específicas. Diz o § 3°
do art. 24 da Constituição Federal que, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os
Estados terão competência legislativa plena, ou seja, editarão tanto normas gerais
quanto normas específicas. É a denominada competência suplementar dos Estados. Já
o § 4° do mesmo dispositivo nos ensina que a superveniência de lei federal sobre
normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que com ela colidir. É
importante ressaltar que a suspensão não se confunde com a revogação.
Desse modo, enquanto a lei geral não for editada, a lei estadual continua valendo,
mas, após a edição, pela União, da lei que trata de normas gerais, a lei estadual fica
com sua eficácia suspensa naquilo que lhe for contrário. Isso significa que, se a norma
geral da União for revogada, a lei estadual volta a valer em sua plenitude, pois não
terá mais sua eficácia suspensa. A norma da União, por ter sido revogada, não tem
mais força de suspender a eficácia de outra lei.
De acordo com a ADI 2.875, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, lei distrital que
obriga os médicos públicos e particulares do Distrito Federal a notificarem a
Secretaria de Saúde sobre os casos de câncer de pele não é inconstitucional, pois a
matéria, defesa da saúde, é de competência concorrente entre a União, Estados-
membros e Distrito Federal.
A competência residual tem natureza tributária e é dada pela Constituição à
União, conforme dispõe seu art. 154, I. Esse dispositivo menciona que a União poderá
instituir, por meio de lei complementar, impostos não previstos no art. 153 – que
define quais são os impostos federais – desde que sejam não cumulativos e não
tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos determinados na Constituição
Federal.
No campo do direito tributário também encontramos as competências tributárias
expressas, que são as que cada ente da federação possui para criar seus impostos, e a
competência tributária extraordinária, que é dada à União para instituir, na hipótese
de iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários (art. 154, II, da
Constituição Federal).
Ainda em relação ao tema competência legislativa da União, o STF, ao analisar a
ADI 4.369 (Informativo 592), mencionou que o Estado de São Paulo, ao editar a Lei
n. 13.854/2009, que proibia a cobrança de assinatura mensal de telefonia fixa, teria
usurpado a competência privativa da União para dispor sobre telecomunicações (art.
22, IV, CF).
Desse modo, se somente a União é competente para disciplinar tal assunto, a lei
paulista é tida como inconstitucional.
A Suprema Corte, conforme já mencionado, também já definiu pela manutenção
do monopólio da União em relação às atividades postais prestadas pela Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (Informativo 554). Assim, os cartões postais, as
cartas comerciais, pessoais e os denominados malotes devem ser transportados
somente pelos Correios.
Além disso, no julgamento da ADI 3.897/DF (Informativo 537), o STF, por
verificar violação ao art. 22, XI, da CF (legislação sobre trânsito e transporte),
declarou inconstitucional a Lei Distrital n. 3.918/2006, que tratava de instalação de
radares nas vias do Distrito Federal.
Por fim, o STF já decidi que “o estado-membro não tem competência para
legislar sobre o uso de armas de fogo apreendidas.” Afirmou ainda que a norma
estadual impugnada “incorporaria ao ordenamento jurídico estadual regras de
competência privativa da União, a quem caberia legislar sobre comércio de material
bélico e direito processual penal” (ADI 3193/SP, rel. Min. Marco Aurélio,
09.05.2013).
11.3.Estados
Os Estados são pessoas políticas dotadas de autonomia. Tal autonomia é marcada
pelo fato de a Constituição Federal determinar que os Estados devam elaborar suas
próprias Constituições Estaduais. É claro que os princípios e as normas trazidas pela
Constituição Federal devem servir de diretrizes para os Estados quando da
elaboração de suas Constituições, ou seja, só podem elaborar Constituições que
estejam de acordo com a Federal e com base nas suas diretrizes. Deve haver,
necessariamente, um paralelismo entre a Constituição Federal e as Constituições
Estaduais. Daí falar-se em princípio da simetria.
O art. 26 da Constituição traz quais são os bens pertencentes aos Estados. Dentre
eles podemos destacar as terras devolutas não compreendidas entre as da União e as
ilhas fluviais e lacustres também não pertencentes à União.
O Poder Executivo dos Estados é composto pelo Governador e Vice-Governador.
Cada Estado elegerá seu governador e vice. O art. 28 da Constituição Federal nos
ensina que o mandato dessas pessoas é de 4 anos, que as eleições ocorrem no
primeiro domingo de outubro (1° turno) e no último domingo de outubro (2° turno, se
houver), e que a posse se dá em primeiro de janeiro do ano subsequente.
Os §§ 3° e 4° do art. 18 da Constituição trazem regras sobre a criação e a
extinção dos Estados. Fala-se em incorporação (ou fusão), subdivisão (ou cisão) e
desmembramento. Para todas as hipóteses há alguns requisitos comuns e cumulativos.
São os seguintes:
a) realização de um plebiscito: significa que a população interessada deve,
necessariamente, aprovar, por meio de um plebiscito, a formação de um novo Estado.
Somente após essa aprovação é que será possível que o segundo requisito seja
verificado. Desse modo, fala-se que a realização do plebiscito é condição essencial à
fase posterior.
b) existência de um projeto de lei complementar: a Lei n. 9.709/1998, que
regulamentou as formas de execução da democracia direta (plebiscito, referendo e
iniciativa popular das leis), determina que, após a aprovação pelo plebiscito, deve
ser proposto um projeto de lei complementar que terá início ou na Câmara de
Deputados ou no Senado Federal, ou seja, em qualquer das Casas do Congresso
Nacional;
c) audiência nas Assembleias Legislativas: dispõe o § 2° do art. 4° da Lei n.
9.709/1998 que a Casa em que o projeto tenha iniciado deverá realizar a audiência
para futura expedição de um parecer. É interessante lembrar que tal parecer é
meramente opinativo, portanto não tem caráter vinculativo (art. 48, VI, da
Constituição Federal). Assim, o processo pode continuar ainda que o parecer dado
pelas Assembleias Legislativas tenha sido desfavorável à formação de um novo
Estado. Vejam que isso não ocorre em relação ao resultado do plebiscito. Tal
consulta tem sim caráter vinculativo, portanto é condição prévia para as demais fases;
d) aprovação por parte do Congresso Nacional: passadas as fases anteriores, o
Congresso Nacional tem de aprovar o projeto de lei complementar. Para tanto,
necessita do quórum de maioria absoluta, conforme determina o art. 69 da
Constituição Federal. Essa aprovação e a eventual sanção do projeto, pelo Presidente
da República, são atos discricionários. Nessa fase, nem a manifestação favorável
dada durante a realização do plebiscito obriga o Legislativo a aprovar o projeto e o
Executivo a sancioná-lo. O Presidente, ao decidir se sanciona ou veta o projeto, é
quem avalia a conveniência e a oportunidade do ato, sempre pautado pelo interesse
público.
Passemos à análise de cada uma das modalidades de criação e extinção de
Estados:
11.3.1.Fusão
Ocorre quando dois ou mais Estados se incorporam geograficamente, formando
um novo, diferente dos demais. Aqueles que se uniram, consequentemente, perderão
suas personalidades originárias, desaparecerão. Exemplo: suponham que existam os
Estados “x”, “y” e “z” e que os três sejam incorporados. Após a união, nasce o Estado
“w”, fruto da junção dos três.
11.3.2.Cisão
Ocorre quando um Estado existente subdivide-se para formar dois ou mais
Estados novos, que terão personalidades distintas. Desse modo, o Estado que foi
subdividido não mais deterá personalidade, desaparecerá. Exemplo: suponha que
exista o Estado “x” e que ele seja subdividido formando os Estados “w”, “y” e “z”.
Vejam que o estado originário “x” desaparece para que outros três sejam criados.
11.3.3.Desmembramento
Ocorre quando um ou mais Estados destinam parte de seu território com a
finalidade de formar um novo Estado ou Território ou ainda para se anexarem a outro.
Na hipótese de desmembramento, em regra, o Estado que destina parte de seu
território não deixa de existir. Aliás, como o próprio conceito nos ensina, destina
“parte”, apenas parte de seu território. Foi exatamente o que ocorreu com o Mato
Grosso em relação ao Estado do Mato Grosso do Sul e o Estado de Goiás em relação
a Tocantins, conforme o art. 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
De acordo com o STF (ADI 2650 – Informativo 637), quando tiver de ser
realizado o desmembramento de um Estado, é necessário que os dois territórios sejam
ouvidos, tanto o da área desmembrada, como o da área remanescente.
11.3.4.2.Competências legislativas
Tema já abordado quando analisamos as competências da União, momento em
que também fizemos menção às dos Estados.
11.4.Distrito Federal
Constitui ente político autônomo, dotado de capacidade de auto-organização,
autogoverno, autoadministração e autolegislação. Diferente do que ocorre com os
Estados, que são regidos por Constituições Estaduais, o Distrito Federal é regido por
Lei Orgânica. Tal lei deve ser aprovada em dois turnos, com um intervalo mínimo de
10 (dez) dias, pelo voto de 2/3 da Câmara Legislativa do DF, conforme dispõe o art.
32 da Constituição Federal.
A característica do autogoverno é marcada pela eleição de Governador, Vice-
Governador e Deputados Distritais, conforme dispõem os §§ 2° e 3° do art. 32 da
Constituição.
11.5.Municípios
Os Municípios são entes políticos dotados de capacidade administrativa, política
e de auto-organização. A primeira tem a ver com as competências legislativas e
administrativas dadas aos Municípios. A capacidade política é determinada pela
eleição direta do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores. E a capacidade de auto-
organização é marcada pelo fato de os Municípios serem regidos por suas próprias
Leis Orgânicas Municipais, conforme dispõe o caput do art. 29 da Constituição
Federal. Tais leis devem ser votadas em dois turnos, com um interstício (intervalo)
mínimo de dez dias, e aprovadas pelo voto de 2/3 dos membros da Câmara
Municipal.
A autonomia municipal deve ser respeitada sob pena de intervenção federal.
Desse modo, se um Estado desrespeitar a autonomia municipal, conforme o art. 34,
inciso VII, alínea “c”, da Constituição Federal, caberá intervenção naquele Estado.
As regras sobre criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios
são trazidas pelo § 4° do art. 18 da Constituição Federal. É necessário:
a) uma lei complementar federal determinando o período e o procedimento para a
criação, incorporação, fusão ou desmembramento do município;
b) divulgação de estudos de viabilidade municipal;
c) realização de consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio de
plebiscito (art. 7° da Lei n. 9.709/1998) – tal consulta somente ocorrerá se os estudos
de viabilidade demonstrarem a possibilidade de criação, incorporação, fusão ou
desmembramento do município; e
d) existência de lei estadual, dentro do período determinado pela lei complementar
federal, desde que os requisitos anteriores tenham sido devidamente cumpridos.
Um ponto importante a ser lembrado é o trazido pela Emenda Constitucional n. 57
de 2008. Com essa emenda foi acrescentado o art. 96 ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, que assim dispõe: “ficam convalidados os atos de
criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido
publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na
legislação do respectivo Estado à época de sua criação”. Esse dispositivo é na
verdade um pedido ao Poder Legislativo para que elabore a tal lei complementar,
exigida constitucionalmente, pois sem ela não há possibilidade de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de municípios. Desse modo, como muitos já haviam
sido criados, sem a existência da lei complementar, eles foram convalidados para que
a própria ordem constitucional não fosse posta em risco.
Vale lembrar que a EC 15/1996 deu nova redação ao § 4° do art. 18 da CF,
modificando os requisitos constitucionais para criação, fusão, incorporação e
desmembramento de municípios. Houve controle da constitucionalidade da atuação do
poder constituinte de reforma, entretanto decidiu-se pela inexistência de afronta à
cláusula pétrea da forma federativa do Estado, decorrente da atribuição, à lei
complementar federal, para fixação do período dentro do qual poderão ser efetivadas
a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios. (ADI 2.395,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 09.05.2007, Plenário,DJE de 23.05.2008).
No mesmo sentido: ADI 2.381-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em
20.06.2001, Plenário, DJ de 14.12.2001.
Além disso, é importante que a Súmula 646 do STF determina que “ofende o
princípio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de
estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área”.
Por fim, a EC 84, de 2 de dezembro de 2014 alterou o art. 159 da Constituição
Federal para aumentar a entrega de recursos pela União para o Fundo de Participação
dos Municípios, de modo que 1% (um por cento) do produto da arrecadação dos
impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos
industrializados, será destinado ao Fundo de Participação dos Municípios, devendo
ser entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano.
11.6.Territórios federais
Os territórios federais, conforme dispõe o § 2° do art. 18 da CF, pertencem à
União. Somente por meio de lei complementar é que poderão ser criados,
transformados em Estado ou reintegrados ao Estado de origem. É dessa maneira,
porque os territórios não possuem autonomia política, apenas administrativa.
Frisa-se que atualmente não existem territórios federais no Brasil; os últimos que
existiram foram extintos pelos artigos 14 e 15 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Os territórios de Roraima e Amapá foram transformados em Estados
(art. 14 do ADCT) e o de Fernando de Noronha teve sua área incorporada ao Estado
de Pernambuco (art. 15 do ADCT).
Os territórios, embora pertencentes à União, podem ser divididos em municípios.
Se forem criados (os territórios), possuirão governador, nomeado pelo Presidente da
República, após aprovação do Senado Federal, conforme dispõe o art. 84, XIV, da
CF, e também poderão eleger quatro deputados federais, conforme determinação do §
2° do art. 45 da CF.
12.1.Poder Legislativo
Suas funções típicas são a legislativa, ou seja, legislar, fazer as leis, e fiscalizar
a Administração Pública. Esta última é efetivada pelo Poder Legislativo, com o
auxílio dos Tribunais de Contas que, vale lembrar, embora levem o nome de
“Tribunal”, são órgãos do Poder Legislativo. Há quem entenda que a função
fiscalizatória seria atípica.
Na União, o Poder Legislativo é um órgão bicameral, pois é formado por duas
casas legislativas – a Câmara de Deputados, que representa o povo, e o Senado
Federal, que representa os Estados. A junção dessas duas casas forma o denominado
Congresso Nacional, conforme dispõe o art. 44 da Constituição Federal.
Nos Estados, diferente do que ocorre na União, o Poder Legislativo é unicameral,
pois é formado por apenas uma casa, que é a Assembleia Legislativa, conforme
previsão do art. 27 da Constituição Federal.
No Distrito Federal, como nos Estados, o Poder Legislativo também é
unicameral. O órgão legislativo do DF é denominado Câmara Legislativa. Nos
Municípios o Poder Legislativo também é unicameral e é chamado de Câmara
Municipal ou Câmara de Vereadores.
O funcionamento do Poder Legislativo é regido pelos artigos 57 e 44 da
Constituição Federal. O art. 57 trata da sessão legislativa, que deve ser
compreendida como o período de um ano de funcionamento do órgão. Diz o referido
art. 57 que a sessão legislativa se inicia no dia 02 de fevereiro e vai até 17 de julho e
depois reinicia-se no dia 1° de agosto e vai até o dia 22 de dezembro do mesmo ano.
O conceito de sessão legislativa difere do de legislatura, esta corresponde ao
período de 4 (quatro) anos de funcionamento do Poder Legislativo, conforme disposto
no parágrafo único do art. 44 da Constituição Federal.
Os períodos em que o Legislativo não funciona são denominados recesso
parlamentar. Ocorrem do dia 18 de julho ao dia 31 do mesmo mês e do dia 23 de
dezembro a 1° de fevereiro de cada ano (art. 57 da Constituição Federal, conforme
redação dada pela EC n. 50, de 2006).
Sessão ordinária: dentro da sessão legislativa ocorrem diversas sessões
ordinárias. Cada uma corresponde a um dia de funcionamento do Poder Legislativo.
Para que os parlamentares participem da sessão ordinária, existe a convocação
ordinária, que é o ato formal pelo qual eles são chamados a participar das sessões.
Sessão extraordinária: como o próprio nome menciona, extraordinariamente os
parlamentares podem ser convocados; tais sessões ocorrem fora do período comum,
ordinário, ocorrem fora do período destinado à sessão legislativa. Têm por finalidade
a deliberação de uma matéria específica, conforme determina o § 7° do art. 57 da
Constituição Federal.
O § 6° do mesmo art. traz as hipóteses de cabimento de convocação da sessão
extraordinária, quais sejam:
a) pelo Presidente do Senado Federal, em caso de decretação de estado de defesa ou
de intervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estado de sítio
e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidente da República;
b) pelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas, em
caso de urgência ou interesse público relevante, em todas as hipóteses com a
aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
12.1.2.Comissões
São subconjuntos de parlamentares organizados com o fim de tratar de um assunto
específico. Podem ser:
12.1.2.1.Permanentes
Quando seu início se dá ao começo de cada legislatura. Analisa projeto de lei
quanto a determinadas especificidades. Exemplo: Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), que tem por função verificar a constitucionalidade do projeto de lei.
12.1.2.2.Provisórias ou temporárias
Quando um grupo de parlamentares se reúne provisoriamente para tratar de um
assunto específico. Exemplo: comissão reunida para tratar do novo Código de
Processo Civil e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
12.1.2.3.Representativas
São aquelas reunidas durante o período de recesso parlamentar para que não
sejam interrompidas as atividades do Congresso Nacional. Estão previstas no § 4° do
art. 58 da Constituição.
12.1.3.Imunidades
Os parlamentares possuem garantias em razão da função que exercem. Tais
prerrogativas têm por finalidade resguardar a liberdade e a independência durante o
exercício do mandato eletivo. Bem, se o objetivo é garantir a independência e a
liberdade dos parlamentares no período em que exercem seus mandatos, é correto
afirmar que elas só se iniciam com a diplomação do sujeito. Esse ato, realizado pelo
Tribunal Eleitoral, tem por fim validar o processo eletivo e, após, autorizar a posse
do parlamentar. Da mesma maneira, o término do mandato, que pode se dar de
diversas maneiras, por exemplo, pelo transcurso do prazo, pela renúncia etc., faz com
que as imunidades não sejam mais cabíveis.
De acordo com a Súmula 245 do STF a imunidade parlamentar não se estende ao
corréu sem essa prerrogativa.
Também é importante ressaltar que o Supremo determina que a cláusula de
inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do
membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos, também
abrange, sob seu manto protetor, as entrevistas jornalísticas, a transmissão, para a
imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas
Legislativas e as declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais
manifestações – desde que vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se
como natural projeção do exercício das atividades parlamentares.” (Inq 2.332-AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10.02.2011, Plenário, DJE de 1°.03.2011).
As imunidades podem ser de duas naturezas: material ou processual.
12.1.3.1.Imunidade material
Segundo o art. 53 da Constituição Federal, a imunidade material é aquela pela
qual o parlamentar se torna inviolável civil e penalmente, por quaisquer palavras,
opiniões e votos que proferir no curso de seu mandato. Todos os parlamentarem
gozam de imunidade material.
No entanto, em relação aos Vereadores há uma particularidade, qual seja, a
imunidade material é limitada, restringe-se à circunscrição do Município, conforme
dispõe o inciso VIII do art. 29 da Constituição Federal. Esse entendimento é, também,
o adotado pela Suprema Corte: “a proteção constitucional inscrita no art. 29, VIII, da
Carta Política estende-se – observados os limites da circunscrição territorial do
Município – aos atos dos Vereadores praticados ratione officii, qualquer que tenha
sido o local de sua manifestação (dentro ou fora do recinto da Câmara Municipal)”
(HC 74.201/MG, Rel. Celso de Melo, RTJ, 169/969).
12.1.3.2.Imunidade processual
Está relacionada a garantias relativas à prisão do parlamentar e ao processo
criminal que corra contra ele. Ressalta-se que esta imunidade contempla apenas os
crimes praticados após a diplomação do parlamentar, conforme § 3° do art. 53.
Outra peculiaridade de extrema importância é a de que os Vereadores não são
beneficiados por essa garantia, ou seja, não gozam da imunidade processual, mas
somente da material.
Para melhor compreensão é necessário separar a garantia relativa à
impossibilidade de prisão da relacionada ao processo criminal.
Em relação à prisão, a Constituição diz que os membros do parlamento não
poderão ser presos, desde a diplomação, exceto nos casos de prisão em flagrante por
crime inafiançável. Aliás, nesta hipótese, conforme dispõe o § 2° do art. 53 da CF, os
autos deverão ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva para que, pelo voto
da maioria de seus membros, ela resolva sobre a prisão. Assim, o órgão legislativo
que o parlamentar integra é quem vai decidir se o manterá preso ou solto.
No tocante ao processo criminal, o § 3° do art. 53 da CF determina que, recebida
a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o
Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de
partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá,
até a decisão final, suspender o andamento da ação. Assim, se o crime for praticado
por um Deputado, a Câmara de Deputados é que poderá suspender o curso da ação; se
o crime for praticado por um Senador, será o Senado Federal o órgão competente
para tanto. Vale ressaltar que a Casa terá de apreciar o pedido dentro do prazo
improrrogável de 45 dias, contados do seu recebimento pela Mesa Diretora, conforme
§ 4° do mesmo dispositivo.
Desse modo, se os parlamentares decidirem pela suspensão dos processos, a
prescrição das infrações penais que estavam sendo apuradas também ficará suspensa.
É o que determina o § 5° do art. 53 da CF. Tal suspensão valerá enquanto durar o
mandato eletivo.
12.1.5.Prerrogativa de foro
Além das imunidades, os Deputados e Senadores gozam de prerrogativa de foro
para julgamento dos processos criminais em que estejam litigando. Isso quer dizer
que, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional serão
submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (artigos 53, § 1°, e 102,
I, “b”, ambos da Constituição).
Ao contrário do que ocorre com as imunidades parlamentares, a prerrogativa de
foro vigora durante o mandato, ainda que o processo criminal tenha sido iniciado
antes da expedição do diploma. Então, os processos instaurados em desfavor de
Deputados ou Senadores iniciados antes ou depois da diplomação, serão remetidos ao
STF e encaminhados, após o término do mandato, à instância comum, caso ainda não
tenham sido encerrados.
No âmbito estadual, em razão da isonomia, as Constituições Estaduais e a Lei
Orgânica do Distrito Federal poderão atribuir aos Tribunais de Justiça respectivos a
competência por prerrogativa de função para julgamento dos processos criminais
contra Deputados estaduais e distritais, consoante os arts. 27, § 1°, e 32, § 3°, ambos
da CF.
Em contrapartida, em nível municipal, os Vereadores não têm a prerrogativa de
foro em razão da função, sendo processados e julgados perante a justiça comum, de
primeiro grau, mesmo durante o curso dos seus mandatos.
12.1.6.Vedações
O art. 54 da CF enumera vedações impostas aos Deputados e Senadores,
vejamos:
a) desde a diplomação não poderão os parlamentares:
✓ firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia,
empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço
público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
✓ aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que
sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior;
b) desde a posse também não poderão os parlamentares:
✓ ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor
decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função
remunerada;
✓ ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades
referidas no primeiro item da letra “a”;
✓ patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se
refere o primeiro item da letra “a”;
✓ ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.
12.1.7.Perda do mandato
O art. 55 da CF enumera seis hipóteses de perda do mandato do parlamentar.
Dentre essas situações, a doutrina distingue os casos de cassação e extinção do
mandato. A cassação diz respeito à perda do mandato em virtude de o parlamentar ter
cometido falta funcional; já a extinção relaciona-se com a ocorrência de ato ou fato
que torne automaticamente inexistente o mandato, como, por exemplo, renúncia,
morte, ausência injustificada etc.
Nos casos de cassação (violação das proibições estabelecidas no art. 54 da CF,
falta de decoro parlamentar e condenação criminal transitada em julgado – art. 55,
I, II e VI), a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa
ou de partido político representado no Congresso Nacional (art. 55, § 2°, da CF).
Vale lembrar que a EC 76, de 28.11.2013, alterou o § 2° do art. 55 e o § 4° do
art. 66 da Constituição Federal, para abolir a votação secreta nos casos de perda
de mandato de Deputado ou Senador e de apreciação de veto.
Nas outras três situações de extinção (deixar de comparecer injustificadamente
a 1/3 das sessões ordinárias em cada sessão legislativa, perder ou tiver suspensos
os direitos políticos e por decisão da Justiça Eleitoral – art. 55, III, IV e V), a
perda do mandato independe de votação da Casa, sendo declarada pela Mesa
respectiva de ofício ou por provocação de qualquer de seus membros, ou de
partido político representado no Congresso Nacional (art. 55, § 3°, CF).
Frisa-se que em ambas as hipóteses é assegurada a ampla defesa.
12.1.7.1.Decoro parlamentar
Como visto acima, a quebra do decoro parlamentar, prevista no inciso II do art.
55 da CF, é uma das hipóteses de perda do mandato do parlamentar que depende de
votação da Casa Legislativa e é caracterizada pelo abuso das prerrogativas
parlamentares ou pela percepção de vantagens indevidas, além dos casos definidos
nos respectivos Regimentos Internos de cada Casa Legislativa (art. 55, § 1°, CF).
12.1.8.Processo legislativo
Para a criação de atos normativos, o art. 59 da CF determina um processo formal
que deverá ser seguido pelos órgãos e pessoas que têm a função de elaborar as
normas jurídicas, sob pena de, sendo violado, tornar a lei formalmente
inconstitucional. As regras que integram o denominado processo legislativo vêm
previstas nos artigos 59 a 69 da CF.
Vale lembrar que o Supremo já definiu que são de reprodução obrigatória pelas
Constituições Estaduais e leis orgânicas as normas básicas relativas ao processo
legislativo (ADI 805/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence).
O procedimento de elaboração das normas normalmente obedecerá a três fases
distintas: instrutória, constitutiva e complementar.
12.1.8.1.Fase instrutória
É composta da denominada iniciativa do projeto – o início do processo de
construção de uma lei está condicionado a sua apresentação por alguém competente,
possuidor de iniciativa legislativa. O rol dos órgãos e pessoas que podem deflagrar
projetos de lei está estabelecido no art. 61 da CF e contempla: quaisquer membros ou
Comissões do Congresso Nacional, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados;
o Presidente da República; o Supremo Tribunal Federal; os Tribunais Superiores; o
Procurador-Geral da República e até os cidadãos comuns.
Há alguns projetos, no entanto, que só podem ser iniciados pelo Presidente da
República e, por simetria, nos âmbitos estaduais e municipais pelos governadores e
prefeitos. Assim, de acordo com o § 1° do art. 61 da CF, são de iniciativa privativa
do Presidente da República as leis que: I – fixem ou modifiquem os efetivos das
Forças Armadas; II – disponham sobre:a) criação de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;b)
organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços
públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União
e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e
aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da
União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da
Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e
extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no
art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de
cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.
Se um projeto de iniciativa privativa do Presidente da República é iniciado por
outro legitimado, ainda que o Presidente sancione tal projeto, ele continuará sendo
inconstitucional, pois, segundo o STF, o vício de iniciativa não é convalidado por
posterior sanção presidencial.
Vale lembrar que, de acordo com o § 1° do art. 64 da CF, o Presidente da
República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.
Seguindo, quando os cidadãos deflagram o processo legislativo, estamos diante
da iniciativa popular das leis, prevista no art. 61, § 2°, da CF, que exige, no âmbito
federal, que o projeto seja subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado
nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos
por cento dos eleitores de cada um deles.
Conforme os arts. 61, § 2°, e 64, da CF, os projetos de lei apresentados pelo
Presidente da República, pelo Supremo Tribunal Federal, pelos Tribunais Superiores
e pelos cidadãos terão obrigatoriamente início na Câmara dos Deputados (casa
iniciadora) e concluído no Senado Federal (casa revisora). Seguirá tramitação
idêntica, iniciando-se na Câmara, se o projeto for apresentado pelo Procurador-Geral
da República, de acordo com o art. 109, § 1°, VII, do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados. Essas são os projetos de iniciativa extraparlamentar ou iniciativa
“fora das casas”.
Em relação aos projetos de lei de iniciativa parlamentar, a regra é clara:
iniciam-se nas casas que abrigam seus propositores. Se proposto por membro ou
Comissão da Câmara, iniciam-se na Câmara; se por membro ou Comissão do Senado,
no Senado Federal.
12.1.8.2.Fase constitutiva
É composta por deliberações que ocorrerão tanto no âmbito do Poder Legislativo
(deliberação parlamentar) quanto no do Poder Executivo (deliberação executiva).
12.1.8.2.2.Deliberação executiva
O veto poderá ter por fundamento dois motivos: inconstitucionalidade (é o
denominado veto jurídico) ou contrariedade ao interesse público (o chamado veto
político), conforme art. 66, § 1°, da CF.
Após o veto, o Presidente da República tem 48 horas para comunicar seus
motivos ao Presidente do Senado Federal (art. 66, § 1°, in fine), que colocará a
matéria para ser apreciada e votada em sessão conjunta, podendo ser mantido ou
rejeitado pelo Congresso Nacional, dentro de 30 dias contados de seu recebimento,
conforme redação do § 4° do art. 66 da CF.
Ressalta-se que a EC 76/2013, retirou a expressão “escrutínio secreto” (voto
secreto) do art. 66, § 4°, da CF. Desse modo, para que o veto do Presidente seja
derrubado é obrigatória a apreciação em sessão conjunta e o voto da maioria absoluta
dos Deputados e Senadores.
Derrubado o veto, o projeto volta ao Presidente da República para sua
promulgação, segundo o § 5° do art. 66 da CF. A situação é peculiar, pois, embora a
opinião do Presidente tenha sido no sentido de vetar o projeto, ele terá de promulgá-
lo. O § 7° do art. 66 da CF determina que se a lei não for promulgada dentro de
quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3° e § 5°, o
Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao
Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
Se o veto for mantido, arquiva-se o projeto ou, se houver decisão da maioria
absoluta dos membros de quaisquer das Casas (Câmara ou Senado), ele poderá ser
submetido à nova votação, na mesma sessão (art. 67).
Sancionado o projeto de lei adentra-se à fase complementar. Tal dispositivo
também prevê a sanção tácita do projeto caso o Presidente não se manifeste dentro do
prazo de 15 dias (art. 66, § 3°, da CF).
12.1.8.3.Fase complementar
Essa fase compreende a promulgação e a publicação oficial do projeto de lei,
ambas de competência do Presidente da República (art. 84, IV, CF). Promulgar
significa ratificar o processo legislativo, validando a lei no ordenamento jurídico. É
com a promulgação que a lei “cria vida jurídica”.
Então a lei é publicada no Diário Oficial, ato que torna obrigatório seu
cumprimento e vigora a presunção de conhecimento geral pelas pessoas. Contudo, sua
eficácia está condicionada a vacatio legis, que é o período entre a publicação e a
entrada em vigor da norma. Conforme o art. 1° da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB, via de regra, em 45 dias a lei passa a vigorar em todo o
território nacional e em três meses estabelece-se sua vigência no estrangeiro (art. 1°,
§ 1°, da LINDB). Esses prazos podem ser alterados (com supressão, redução ou
ampliação) se dispostos na norma, conforme determina o art. 8° da Lei Complementar
n. 95/1998.
Por fim, vale lembrar que o art. 67 da CF determina que o projeto de lei rejeitado
só possa ser reapresentado, na mesma sessão legislativa, por iniciativa da maioria
absoluta dos membros de quaisquer das casas do Congresso Nacional, ou seja,
maioria absoluta Câmara dos Deputados (257 deputados federais) ou Senado Federal
(41 senadores).
12.1.8.4.Espécies normativas
As espécies legislativas ou normativas estão enumeradas no art. 59 da
Constituição Federal. São elas: emendas constitucionais, leis complementares, leis
ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
12.1.8.4.1.Emendas constitucionais
Conforme já exposto, nossa Constituição é classificada, quanto ao seu processo
de alteração, como rígida, ou seja, para ser modificada depende de um procedimento
mais solene, mais dificultoso que o processo de alteração das demais normas, ditas
infraconstitucionais. Sendo assim, o mecanismo hábil para que se altere uma norma
constitucional não é uma lei, mas sim a emenda constitucional.
Existem limitações para o exercício do poder de reforma que são determinadas
pelo poder constituinte originário. São elas:
a) Limitações procedimentais ou formais
Como o próprio nome indica, essas limitações têm a ver com a forma, com as
regras previstas na Constituição para sua alteração. Esse processo é complexo e
compreende quatro partes: iniciativa, quórum, promulgação e rejeição (art. 60 da CF).
Passemos à análise de cada uma delas. Para que se altere a Constituição é
necessária que seja proposta uma PEC – proposta de emenda constitucional. Somente
algumas pessoas detêm competência para iniciar esse projeto. São elas: um terço da
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, Presidente da República e mais da
metade das Assembleias Legislativas – manifestando-se, cada qual, pelo voto da
maioria relativa de seus membros.
Iniciado o projeto, há outra limitação que é relativa ao quórum de votação. É
imprescindível que o projeto seja aprovado nas duas Casas do Congresso Nacional
(Câmara de Deputados e Senado Federal), em dois turnos, e pelo voto de 3/5 dos
membros.
Sendo aprovada a PEC, para que efetivamente se transforme em emenda
constitucional, ela precisa ser promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e
do Senado Federal.
Há ainda outra limitação formal ou procedimental que se refere à rejeição da
PEC. A proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não poderá ser
objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Assim, somente na próxima
sessão legislativa é que os membros do Legislativo poderão colocar em pauta
novamente uma PEC que tenha sido rejeitada.
Por fim, frise-se que essa limitação tem a ver apenas com a proposta de emenda e
não com projeto de lei. Desse modo, não há impedimento para a deliberação, por
emenda, de tema discutido em projeto de lei anteriormente rejeitado.
b) Limitações circunstanciais
Em determinadas circunstâncias, em situações de anormalidade, é proibida a
edição de emendas constitucionais. Diz a Constituição que ela não poderá ser
emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
sítio (são os denominados “estados de exceção”). Nesses momentos, diz-se que a
Constituição fica imutável.
c) Limitações materiais
Há algumas matérias que não poderão ser abolidas do texto constitucional, aliás,
sequer poderão ser objeto de deliberação. O § 4° do art. 60 da Constituição traz as
denominadas cláusulas pétreas ou núcleos essenciais intangíveis. O nome sempre nos
ajuda a compreender o instituto jurídico. “Pétreas” vêm de pedra, algo tão consistente
e rígido que é comparado a uma pedra. A outra nomenclatura utilizada pela doutrina
também tem fundamento: núcleos, ou seja, apenas uma parte da constituição, um
núcleo, é que é dotado dessa impossibilidade de supressão. Além disso, um núcleo
essencial, ou seja, aquele relacionado com matérias tipicamente, essencialmente
constitucionais, ou seja, as que giram em torno do poder. E mais, algo intangível é
algo não modificável.
As denominadas cláusulas pétreas são as seguintes: forma federativa de Estado; o
voto secreto, direto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e
garantias individuais.
12.1.8.4.2.Leis complementares
As leis complementares se diferenciam das ordinárias por possuírem duas
características. A primeira está relacionada ao quórum de aprovação. Para ser
aprovada é necessário o voto da maioria absoluta (art. 69 da CF). A segunda
diferença se dá quanto ao conteúdo disciplinado. Somente será exigida a aprovação
por meio de lei complementar em relação às matérias que a Constituição
expressamente exige.
Assim, quando a constituição trata de um assunto e menciona que tal assunto deve
ser regulamentado por lei, sem qualificar essa lei como “complementar”, diz-se que
não é necessário o voto da maioria absoluta, ou seja, presume-se que é lei ordinária.
Por ser a lei complementar dotada das características mencionadas, alguns
doutrinadores mencionam que há hierarquia entre ela e a lei ordinária, prevalecendo a
complementar em relação à ordinária. Prevalece a segunda corrente que sustenta
apenas a existência de âmbito de atuação diferente e quórum diferenciado, não
havendo hierarquia entre ambas.
12.1.8.4.3.Leis ordinárias
Espécie normativa responsável pela edição de normas gerais e abstratas. A
denominação ordinária vem de algo que é comum. Em âmbito federal será elaborada
pelo Congresso Nacional, na esfera estadual pelas Assembleias Legislativas dos
Estados e na municipal pelas Câmaras de Vereadores. Tudo que não for disciplinado
por lei complementar deve ser tratado por lei ordinária. O quórum para sua
aprovação é de maioria simples, ou seja, basta aprovação por maioria dos votos,
desde que presente a maioria absoluta dos membros da Casa. O que se leva em conta
para apurar a maioria simples é o número de parlamentares presentes na sessão.
12.1.8.4.4.Leis delegadas
São leis elaboradas pelo Presidente da República, quando ele exerce,
atipicamente, a função legislativa. Segundo o art. 68 da CF, para que o Presidente
elabore essa lei deve solicitar a delegação ao Congresso Nacional. O ato que
formaliza a autorização dada pelo Legislativo é uma resolução que deve especificar o
conteúdo e os termos de seu exercício.
A lei delegada é tida como uma delegação externa corporis, pois o Legislativo
transmite a sua função a outro Poder. Configura exceção ao princípio da
indelegabilidade.
Ressalta-se que, segundo o § 1° do art. 68 da CF, não podem ser objetos de
delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de
competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria
reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I – organização do Poder
Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; II –
nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III – planos
plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
A resolução do Congresso também pode mencionar que o projeto de lei,
elaborado pelo Presidente, passe por sua apreciação; nessa hipótese, conforme o § 3°
do art. 68 da CF, a verificação se dará em votação única e o Congresso não poderá
fazer emendas ao texto.
12.1.8.4.5.Medida provisória
A possibilidade de edição de medidas provisórias pelo Chefe do Executivo vem
prevista no art. 62 da CF. Desse modo, havendo relevância e urgência, o Presidente
da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las imediatamente ao Congresso Nacional.
De acordo com o Supremo, os pressupostos da relevância e da urgência, embora
conceitos jurídicos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se
inicialmente à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos,
ainda que excepcionalmente, ao controle do Poder Judiciário, porque compõem a
própria estrutura constitucional que disciplina as medidas provisórias, qualificando-
se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo
Chefe do Executivo, da competência normativa primária. A Suprema Corte prossegue
afirmando que a possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional,
apoia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas
provisórias, incida em excesso de poder ou em situação de manifesto abuso
institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que práticas
governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais
que informam a concepção democrática de poder e de Estado, especialmente naquelas
hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais
(ADI 2213 MC, Min. Celso de Mello).
A votação da medida provisória, segundo § 8° do art. 62 da CF, terá início na
Câmara dos Deputados que deverá, antes de deliberar sobre seu mérito, verificar se
os pressupostos constitucionais da medida (relevância e urgência) foram atendidos. O
mesmo vale para a votação no Senado Federal. É o que dispõe o § 5° do art. 62.
Além disso, a comissão mista de Deputados e Senadores deverá examinar e
emitir parecer acerca das medidas provisórias, antes de serem apreciadas, em sessão
separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional, conforme §
9° do art. 62.
Ressalta-se que há matérias, segundo o § 1°, inciso I, do art. 62 da CF, que não
podem ser objeto de medida provisória. São as seguintes: a) nacionalidade,
cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal,
processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do
Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;d) planos plurianuais,
diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado
o previsto no art. 167, § 3°, da CF.
O inciso II do mesmo dispositivo constitucional menciona que também é vedada a
edição de medida provisória que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança
popular ou qualquer outro ativo financeiro, além das matérias reservadas à lei
complementar e as já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo Congresso
Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
De acordo com o § 3° do art. 167 da CF, a abertura de crédito extraordinário
somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as
decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto
no art. 62. Ou seja, há possibilidade, ainda que excepcional, de abertura de créditos
extraordinários por meio de medida provisória.
O prazo das medidas provisórias, contado a partir da publicação, é de 60
(sessenta) dias, prorrogável, uma única vez, por igual período (60 + 60). Esse prazo
ficará suspenso durante o período de recesso do Congresso. Ressalta-se que a
prorrogação ocorrerá se a medida não tiver sua votação encerrada nas duas Casas do
Congresso dentro do prazo inicial de 60 dias, conforme § 7° do art. 62.
Não sendo convertidas em lei dentro desse período, conforme dispõe o § 3° do
art. 62 da CF, as medidas perderão sua eficácia, desde a edição. Nessa hipótese,
deve o Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, regulamentar as relações
jurídicas formadas durante o período em que a medida vigorou.
Exceções à regra de perda de eficácia da medida provisória: 1a Se o decreto
legislativo, que disciplinaria as relações formadas durante a vigência da medida, não
tiver sido editado até(60) sessenta dias após sua rejeição ou perda de eficácia, as
relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados naquele período
continuarão sendo regidas pela medida provisória, conforme dispõe o § 11 do art. 62;
2a Se o projeto de lei de conversão da medida provisória for aprovado, mas alterando
o texto original, ela também permanecerá em vigor até que ele seja sancionado ou
vetado, conforme § 12 do art. 62.
Vale lembrar que, segundo o STF, se houver previsão na Constituição do Estado
e as limitações e princípios trazidos pela CF forem observados, poderá o Governador
do respectivo Estado editar medidas provisórias.
12.1.8.4.6.Decreto legislativo
As matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas no art.
49 da CF, devem ser normatizadas por meio de decreto legislativo. Exemplo: quando
o Congresso Nacional quiser sustar os atos normativos do Poder Executivo que
exorbitem o poder regulamentar, poderá fazê-lo por meio de decreto legislativo.
Outro exemplo seria o Congresso autorizando a realização de um referendo ou
convocando um plebiscito. Tais atos serão formalizados por decreto legislativo.
Exceção: o Congresso Nacional, ao delegar a competência legislativa ao
Presidente da República para que ele elabore uma lei delegada, o faz por meio de
resolução e não por decreto legislativo, pois a Constituição assim determina.
Vale lembrar que o Presidente do Senado Federal é quem promulga um decreto
legislativo, não passando por deliberação executiva (sanção ou veto presidencial).
12.1.8.4.7.Resolução
Tem por finalidade normatizar as matérias de competência privativa da Câmara
de Deputados (art. 51 da CF), do Senado Federal (art. 52 da CF) e, ainda, algumas
atribuições do Congresso Nacional, por exemplo, a delegação ao Presidente da
República para que ele edite lei delegada (art. 68, § 2°, da CF).
Quem promulga uma resolução é a Mesa da Casa Legislativa responsável por sua
edição. Do mesmo modo que ocorre com o decreto legislativo, as resoluções não
estão sujeitas a deliberação executiva (sanção ou veto presidencial).
Fiscalização contábil, financeira e orçamentária
Conforme dispõe o art. 70 da CF, a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração
direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Todos os órgãos, pessoas, públicos ou privados, que utilizem, arrecadem,
guardem, cuidem ou administrem o patrimônio público, têm o dever de prestar contas.
Para tanto, é necessária a realização de controle, que pode ser interno ou externo.
O primeiro, como já mencionado, é aquele realizado pelo próprio poder. Já o
controle externo é feito pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas
da União, ao qual compete, dentre outras atribuições:
✓ apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República.
✓ Nesse tópico, o Supremo já decidiu, por não estar em conformidade com os
parâmetros trazidos pela CF, que é inconstitucional norma de natureza estadual
determinando que o Governador preste contas trimestralmente à Assembleia
Legislativa (ADI 2.472/MC, Rel. Min. Maurício Corrêa);
✓ julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros,
bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e
sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles
que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao
erário;
✓ realizar inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário;
✓ fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante
convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município;
✓ prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de
suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e
inspeções realizadas;
✓ aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade
de contas, as sanções previstas em lei;
✓ assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias
ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
✓ sustar, se não atendida, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão
à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
✓ representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
É necessário ressaltar, conforme dispõe a Súmula Vinculante n. 3 do STF, que
nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a
ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato
administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do
ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
Além disso, de acordo com a jurisprudência do Supremo, os Tribunais de Contas
gozam de autogoverno, autonomia e iniciativa reservada quanto à instauração de
processo legislativo que pretenda alterar a sua organização e funcionamento. Sendo
assim, é tida como inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamentar que vise a
alterar ou revogar dispositivos que cuidem de preceitos como competências, formas
de atuação e organização do órgão, constantes de leis orgânicas das Cortes de Contas
Estaduais (ADI 4.418-MC, Rel. Min. Dias Toffoli).
Outra decisão relevante diz respeito à execução de multa aplicada por Tribunal
de Contas Estadual segundo a qual “o estado-membro não tem legitimidade para
promover execução judicial para cobrança de multa imposta por Tribunal de Contas
Estadual à autoridade municipal, uma vez que a titularidade do crédito é do próprio
ente público prejudicado, a quem compete a cobrança, por meio de seus
representantes judiciais” (RE 580.943, rel. Min Ricardo Lewandowski, de
18.06.2013).
Conforme dispõe o § 3° do art. 71 da CF, que as decisões do Tribunal de Contas
que decorram de imputação de débito ou multa valem como título executivo.
Além do exposto, deve o Tribunal de Contas enviar relatórios de suas atividades,
trimestral e anualmente, ao Congresso Nacional.
Ressalta-se que, de acordo com o art. 130 da CF, o Tribunal de Contas possui
Ministério Público próprio, que detém carreira diversa das que integram o MP da
União e dos Estados.
É da competência originária do STF o processo e julgamento dos membros dos
Tribunais de Contas da União e, do STJ, os processos relativos aos membros dos
Tribunais de Contas Estaduais e do Distrito Federal (artigos 102, I, “c”, e 105, I, “a”,
ambos da CF).
Vale lembrar que a Súmula 653 do STF determina que o Tribunal de Contas
Estadual é composto por sete conselheiros dentre os quais quatro são escolhidos pela
Assembleia Legislativa e três pelo Chefe do Executivo Estadual, cabendo a este
indicar um dentre auditores, outro dentre membros do Ministério Público e um
terceiro a sua livre escolha. Assim, verifica-se que a composição dos Tribunais de
Contas Estaduais deve tomar por base a do Tribunal de Contas da União.
Em relação às contas municipais, duas regras devem ser lembradas: a de que elas
ficarão, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para
exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade (art. 31, § 3°, da
CF) e a de que é proibida a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas
Municipais (art. 31, § 4°, da CF).
12.2.Poder Executivo
A função típica do Poder Executivo é a de administrar. No Brasil, como
adotamos o sistema presidencialista de governo, o Chefe do Executivo cumula as
atribuições de chefe de estado (representa a República Federativa do Brasil perante a
comunidade internacional) e chefe de governo (comanda e administra o país no
âmbito interno).
De forma atípica, o Chefe do Executivo realiza funções legislativas ao vetar ou
sancionar uma lei, ao iniciar um projeto de lei, nas hipóteses de sua competência, e,
ainda, ao editar medidas provisórias e leis delegadas.
Em todas as unidades federativas há o exercício do Poder Executivo. No âmbito
federal, conforme art. 76 da CF, o Executivo é chefiado pelo Presidente da
República, que se vale do auxílio dos Ministros de Estado. Para concorrer ao cargo
de Presidente o sujeito precisa ser brasileiro nato e contar com mais de 35 anos (art.
14, § 3°, VI, “a”, da CF). Já os Ministros que auxiliam o Chefe do Executivo são
escolhidos e nomeados por ele, desde que contenham os seguintes requisitos: sejam
brasileiros, maiores de vinte e um anos e estejam no exercício dos direitos políticos
(art. 87 da CF).
Dentre os diversos ministros que auxiliam o Presidente da República, apenas um
deles a Constituição exige que seja brasileiro nato, que é o Ministro de Estado da
Defesa (art. 12, § 3°, VII). Os demais cargos de Ministros podem ser ocupados tanto
por brasileiros natos quanto por naturalizados, conforme nos ensina os artigos 87 e
12, § 2°, ambos da CF.
No âmbito estadual, o Executivo é chefiado pelo Governador do Estado (art. 28
da CF). Tal cargo deve ser ocupado por um brasileiro que possua mais de 30 anos,
segundo o art. 14, § 3°, VI, “b”, da CF. Auxiliam o Chefe do Executivo estadual o
Vice-Governador e os Secretários Estaduais. No Distrito Federal também é o
Governador quem chefia o Executivo, valendo-se, para tanto, do auxílio dos seus
Secretários Distritais (art. 32, § 2°, da CF).
No âmbito municipal, o Executivo é comandado pelo Prefeito, conforme art. 29, I,
da CF. Para que alguém concorra ao cargo de Prefeito é necessário que seja
brasileiro e que possua, pelo menos, 21 anos (art. 14, § 3°, VI, “c”, da CF). O Vice-
Prefeito e os Secretários municipais auxiliam diretamente os Prefeitos.
12.2.1.Mandato e sistemas eleitorais
Os Chefes do Executivo possuem ummandato de quatro anos, admitida uma
reeleição para um único período subsequente (art. 14, § 5°, CF). Segundo o art. 77 da
CF, a eleição do Presidente e do Vice-Presidente ocorre no primeiro domingo de
outubro, em primeiro turno, e, havendo a necessidade de um segundo turno, ou seja,
quando nenhum dos candidatos que participou do primeiro turno obtiver a maioria
absoluta dos votos válidos, tal votação se dará no último domingo de outubro do ano
anterior ao término do mandato presidencial vigente.
Conforme o § 3° do art. 77 da Constituição, os dois candidatos mais votados no
primeiro turno concorrem à vaga.
Além disso, no âmbito dos municípios só haverá segundo turno se o número de
eleitores for superior a duzentos mil (art. 29, II, da CF).
Quanto aos sistemas eleitorais, utiliza-se o majoritário absoluto no caso do
Presidente da República (Chefe do Executivo Federal), dos Governadores de Estado
(Chefes dos Executivos Estaduais), do Governador do DF (Chefe do Executivo
Distrital) e dos Prefeitos de municípios com mais de 200 mil eleitores. Nessas
hipóteses, após a votação, considerar-se-á eleito o candidato que obtiver a maioria
absoluta dos votos válidos, em primeiro ou segundo turno, não sendo computados os
votos em branco e os nulos (art. 77, § 2°, da CF).
Nos municípios que possuem até 200 mil eleitores, o sistema eleitoral é o
majoritário simples. Há apenas um turno de votação, portanto, será eleito aquele que
obtiver mais votos.
A posse do novo governante ocorrerá no dia primeiro de janeiro do ano seguinte
à sua eleição. O parágrafo único do art. 78 dispõe que passados dez dias da data
fixada para a posse e o governante, salvo motivo de força maior, não tiver assumido o
cargo, este será declarado vago.
As regras sobre sucessão e substituição do Presidente da República estão
previstas nos artigos 79, 80 e 81 da CF e serão analisadas abaixo.
12.2.2.Sucessão
Nas hipóteses de sucessão presidencial, a ausência do Presidente se dá de forma
definitiva, ou seja, ele sai do cargo e não volta mais. Os exemplos mais comuns são:
morte do Presidente, afastamento em virtude de um processo de impeachment,
invalidez permanente etc.
12.2.3.Substituição
Nas hipóteses de substituição presidencial, a ausência do Presidente se dá não de
forma definitiva, mas de forma transitória, passageira, ou seja, ele sai e
posteriormente retorna ao cargo. Isso ocorre, por exemplo, em virtude de um
afastamento médico para eventual tratamento de doença ou se houverem sido
suspensas suas funções em decorrência de um processo judicial etc. São as hipóteses
em que o Presidente fica impedido de atuar.
Segundo o art. 80 da CF, o Presidente será substituído, em primeiro lugar, pelo
Vice-Presidente, se ele também ficar impedido de assumir o cargo, será chamado ao
exercício da Presidência da República o Presidente da Câmara, depois o Presidente
do Senado e por último o Presidente do Supremo, sucessivamente. Vejam que na
ordem de sucessão o Presidente da Câmara antecede o do Senado, pois este
representa os Estados e aquele é quem representa o povo.
Apenas o Vice-Presidente poderá ocupar o cargo da Presidência de forma
definitiva. Os demais somente substituirão o Presidente de forma temporária,
provisória. Determina o art. 81 da CF que, vagando os cargos de Presidente e de
Vice, deverá ser realizada nova eleição, depois de aberta a última vaga. Tal pleito se
dará de duas formas:
1° ocorrendo a vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República
nos dois primeiros anos do mandato presidencial, novas eleições diretas deverão ser
feitas dentro do prazo de 90 dias, depois de aberta a última vaga (art. 81, caput, CF);
2° ocorrendo a vacância dos dois cargos (Presidente e Vice) nos últimos dois anos do
mandato presidencial, o Congresso Nacional é que escolherá o novo Presidente e
Vice-Presidente da República, por meio de uma eleição que se dará dentro do prazo
de 30 dias depois de aberta a última vaga (art. 81, § 1°, CF). É importante destacar
que é o único caso de eleição indireta previsto na Constituição Federal. É indireta e
não direta, pois não será o povo quem escolherá o novo governante, mas sim seus
representantes (Deputados Federais e Senadores). Haverá intermediários na escolha
do novo Presidente e Vice.
Nas duas hipóteses os eleitos, segundo o § 2° do art. 81, cumprirão tão somente o
período que falta para terminar o mandato de seus antecessores. É a hipótese do
chamado mandato-tampão.
Lembramos que os casos de novas eleições, diretas ou indiretas, ocorrerão
somente nos casos de vacância, ou seja, nos casos em que o Presidente e o Vice se
afastam do cargo de forma definitiva.
De acordo com a ADI 2.709, Rel. Min. Gilmar Mendes, norma estadual que
suprima a eleição indireta no caso de dupla vacância dos cargos de Governador e
Vice-Governador do Estado, nos dois últimos anos do mandato é inconstitucional,
pois viola os parâmetros estabelecidos no âmbito federal.
Além disso, dispõe o art. 83 da CF que o Presidente e o Vice-Presidente não
poderão ausentar-se do país por período superior a 15 dias, salvo se tiverem
autorização do Congresso Nacional, sob pena de perderem o cargo.
12.2.4.1.Regulamentar normas
É de competência do Presidente, mediante decreto, sempre focado na fiel
execução da lei, a regulamentação de normas.
Vale lembrar que o STF já definiu que “a exigência constitucional de lei formal
para fixação do valor do salário mínimo está atendida pela Lei 12.382/2011. A
utilização de decreto presidencial, definida pela Lei 12.382/2011 como instrumento
de anunciação e divulgação do valor nominal do salário mínimo de 2012 a 2015, não
desobedece ao comando constitucional posto no inciso IV do art. 7°. A Lei
12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de afirmação de novos
valores nominais para o período indicado (arts. 1° e 2°). Cabe ao presidente da
República, exclusivamente, aplicar os índices definidos legalmente para reajuste e
aumento e divulgá-los por meio de decreto, pelo que não há inovação da ordem
jurídica nem nova fixação de valor.” (ADI 4.568, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento
em 03.11.2011, Plenário, DJE de 30.03.2012).
12.2.4.11.Celebrar a paz
O Congresso Nacional pode autorizar o Presidente a celebrar a paz ou referendar
uma determinação já formulada por ele.
12.2.4.12.Demais atribuições
Cabe ainda ao Chefe do Executivo enviar ao Congresso Nacional o plano
plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento
previstas na Constituição; prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de 60
(sessenta) dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício
anterior; prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; além de
outras atribuições dispostas na Constituição.
Vale lembrar que o parágrafo único do art. 84 da CF dispõe que o Presidente
poderá delegar aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao
Advogado-Geral da União, desde que observados os limites traçados nas respectivas
delegações, as seguintes atribuições:
a) disposição, por meio de decreto, sobre a organização e funcionamento da
administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou
extinção de órgãos públicos (art. 84, VI, “a”, CF) e sobre a extinção de funções ou
cargos públicos, quando vagos (art. 84, VI, “b”, CF).
b) concessão de indulto e comutação de penas (art. 84, XII, CF); e
c) provimento dos cargos públicos federais, na forma da lei (art. 84, XXV, primeira
parte, CF).
Em suma, o Presidente pode delegar a atribuição de prover e a de desprover
funções ou cargos públicos. Quanto à possibilidade de extinguir tais cargos, só
poderá haver delegação quando as funções ou cargos públicos estiverem vagos.
De acordo com a Súmula 510 do STF, se o ato for praticado por autoridade no
exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a
medida judicial.
Por fim, o STF firmou orientação no sentido da “legitimidade de delegação a
ministro de Estado da competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do
art. 84, XXV, e parágrafo único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores
públicos federais. (…) Legitimidade da delegação a secretários estaduais da
competência do governador do Estado de Goiás para (…) aplicar penalidade de
demissão aos servidores do Executivo, tendo em vista o princípio da simetria.” (RE
633.009-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13.09.2011, Segunda
Turma, DJE de 27.09.2011).
12.3.Poder Judiciário
Um dos importantes princípios que regem esse poder é o da imparcialidade.
Significa que o juiz, ao analisar os processos que foram a ele submetidos, deve agir
com neutralidade.
Além disso, a jurisdição, em regra, pressupõe a existência de uma lide. Ela é
inerte, depende de provocação da parte interessada, e é dotada da característica da
definitividade, ou seja, transitada em julgado e passado o prazo para a propositura de
ação rescisória, a decisão não poderá mais ser modificada.
De acordo com o art. 93, I, da CF, o ingresso na carreira da magistratura, cujo
cargo inicial será o de juiz substituto, se dá mediante aprovação em concurso público
de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as fases. Além disso, o
bacharel em Direito tem de comprovar três anos de atividade jurídica para ingressar
na magistratura. É a chamada “quarentena de entrada”, instituto inserido na CF pela
EC 45/2004 (reforma do Poder Judiciário).
Segundo o STF (ADI 3.460/DF), os três anos de atividade jurídica são contados
da data de conclusão do curso, pois as atividades que terão de ser demonstradas são
aquelas privativas do bacharel em Direito. Desse modo, os tempos de estágio,
realizados durante o curso de direito, não são computados para esse fim.
O assunto mencionado foi objeto de regulamentação pela Resolução n. 75/2009
do Conselho Nacional de Justiça. O seu art. 59 menciona que pode ser computada
como tempo de “atividade jurídica”, dentre outras atividades, o efetivo exercício da
advocacia, magistério superior, desde que predominantemente requeira a utilização de
conhecimento jurídico, função de conciliador, mediador ou árbitro na composição de
litígios etc.
12.3.1.2.Súmula Vinculante
Dispõe a CF, em seu art. 103-A, que o Supremo Tribunal Federal, e só ele,
poderá, de ofício ou por provocação, por exemplo, dos legitimados à propositura de
ação direta de inconstitucionalidade (art. 103 da CF), aprovar súmula vinculante,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional.
De acordo com o art. 3° da Lei 11.417/2006 (norma que regulamentou a súmula
vinculante), são legitimados a propor a edição, a revisão ou o cancelamento de
enunciado de súmula vinculante:
I. o Presidente da República;
II. a Mesa do Senado Federal;
III. a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV. o Procurador-Geral da República;
V. Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI. o Defensor Público-Geral da União;
VII. partido político com representação no Congresso Nacional;
VIII. confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional;
IX. a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
X. Governador de Estado ou do Distrito Federal;
XI. os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito
Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do
Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
O § 1° do mesmo dispositivo indica que o Município poderá propor a edição, a
revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante, mas incidentalmente
ao curso de processo em que seja parte, o que não autorizará a suspensão do
processo.
Tal súmula, a partir da publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A súmula não vincula a função
legislativa, ainda que exercida de forma atípica.
Desse modo, havendo descumprimento do mandamento trazido pela súmula
vinculante, ou aplicação indevida, caberá reclamação ao STF que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e
determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o
caso (art. 103-A, § 3°, da CF).
De acordo com os ensinamentos do Supremo: “Não se admite reclamação contra
omissão da administração pública, sob fundamento de ofensa a súmula vinculante,
quando não demonstrado o esgotamento das vias administrativas, conforme
disposto no art. 7°, § 1°, da Lei 11.417/2006” (Rcl 14.343-AgR, rel. min. Teori
Zavascki, julgamento em 27-2-2014, Plenário, DJE de 28-3-2014).
Além disso, cabe ao STF não só editar, como proceder a revisão ou
cancelamento da súmula, na forma estabelecida em lei. Como mencionado
anteriormente, a lei que regulamentou a súmula vinculante foi a de n. 11.417/2006.
É importante ressaltar ainda que o objetivo da súmula vinculante será a validade,
a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública
que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica (art. 103-A, § 1°, da CF).
Por fim, no procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da
súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação
de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal (art. 3°, § 2°, da Lei n. 11.417/2006).
12.3.2.Estatuto da Magistratura
O art. 93 da Constituição Federal dispõe que cabe à lei complementar, de
iniciativa do Supremo Tribunal Federal, dispor sobre o Estatuto da Magistratura
(regulamentado pela Lei Complementar 35/1979), devendo observar os princípios
constitucionais elencados nos respectivos incisos.
a) Ingresso na carreira (inc. I): o cargo de juiz substituto se dá mediante
concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as fases,
sendo exigido do bacharel em direito no mínimo três anos de atividade jurídica;
b) Residência do juiz titular (inc. VII): o juiz titular deve residir na respectiva
comarca, salvo se houver autorização do tribunal;
c) Remoção, disponibilidade e aposentadoria por interesse público (inc. VIII):
o quórum para determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria do
magistrado por interesse público é de maioria absoluta do respectivo tribunal ou do
Conselho Nacional de Justiça, assegurando-se ao juiz a ampla defesa;
d) Publicidade (inc. IX): todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a
lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados,
ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;
e) Decisões administrativas dos Tribunais (inc. X): devem ser motivadas e
tomadas em sessão pública, devendo as de natureza disciplinar ser tomadas pelo voto
da maioria dos seus membros. Nesse item, vale anotar que o STF, no julgamento da
ADI 4638, ressaltou que o respeito ao Poder Judiciário não poderia ser obtido por
meio de blindagem destinada a proteger do voto público os juízes e o órgão
sancionador, o que seria incompatível com a liberdade de informação e com a ideia
de democracia. Determinou, portanto, que a Resolução 135/2011 do CNJ, ao prever a
publicidade das sanções disciplinares e da sessão de julgamento, não extrapolara os
limites normativos nem ofendera garantia da magistratura, visto que, a rigor, essas
normas decorreriam diretamente da Constituição, sobretudo, posteriormente à edição
da EC 45/2004.” (ADI 4.638-REF-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em
02.02.2012, Plenário, Informativo 653);
f) Composição do órgão especial (inc. XI): os Tribunais com número superior a
25 julgadores poderão constituir órgão especial com no mínimo 11 e no máximo 25
membros para exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais, sendo a
metade deles provida por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal
pleno;
g) Férias forenses (inc. XII): a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo
vedadas férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, nos quais deverão
funcionar juízes em plantão permanente nos dias em que não houver expediente
forense normal;
h) Número de juízes (inc. XIII): deve ser proporcional à demanda e à população
da unidade jurisdicional;
i) Delegação de atos (inc. XIV): os servidores devem receber delegação para a
prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;
j ) Distribuição de processos (inc. XV): deve ser imediata, em todos os graus de
jurisdição
De acordo com o art. 93, III, da CF, o acesso aos tribunais de segundo grau far-
se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única
entrância. O STF, analisando tal dispositivo, em decisão plenária, concedeu mandado
de segurança a fim de anular decreto de Presidente da República que, ao nomear
magistrado para o cargo de juiz federal do TRF 2a Região, preterira indicado pela
terceira vez consecutiva em lista tríplice para promoção por merecimento. Na
espécie, discutia-se se, na promoção de magistrado federal, por merecimento, que
figurasse na lista por três vezes consecutivas ou cinco alternadamente, a Presidência
da República disporia de discricionariedade ou estaria vinculada ao nome que
constasse, de forma reiterada, na mencionada listagem – v. Informativo 672.
Asseverou-se, em suma, que o Chefe do Poder Executivo teria que, obrigatoriamente,
sufragar o nome do magistrado que figurasse no mencionado rol. Reputou-se que a
inserção, nos moldes referidos, na lista de merecimento, aferível pelo próprio
Tribunal, segundo os critérios constitucionais, seria direito subjetivo público
encartado por garantia impostergável da magistratura, que diria respeito à própria
independência do Poder Judiciário. Destarte, determinou-se fosse respeitada a regra
contida no art. 93, II, a, da CF.” (MS 30.585, rel. min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 12.09.2012, Plenário, Informativo 679).
12.3.3.Quinto Constitucional
O quinto constitucional (art. 94 da CF) consiste na composição de um quinto
(20%) dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados por
promotores de justiça e advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada,
com mais de dez anos de efetiva atividade profissional.
Os órgãos de representação das respectivas classes indicarão uma lista sêxtupla.
O Tribunal reduzirá esta para uma lista tríplice, encaminhando-a para o Chefe do
Poder Executivo respectivo (Presidente da República, no caso dos Tribunais
Regionais Federais, e Governador, na hipótese dos Tribunais de Justiça dos Estados),
que terá 20 dias para a escolha e nomeação de um.
Ressalta-se que o magistrado nomeado pelo quinto constitucional faz jus, desde
logo, à sua vitaliciedade.
13.1.1.Princípios
Os princípios que regem a instituição do Ministério Público são: a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional. Vejamos:
a) Unidade: os membros do Ministério Público integram um só órgão, sob uma
mesma chefia do Procurador-Geral da República (área federal) e do Procurador-
Geral de Justiça (área estadual);
b) Indivisibilidade: os membros do Ministério Público atuam somente e sempre em
nome da toda a instituição;
c) Independência funcional: os membros do Ministério Público devem atuar em
consonância com a lei e sua convicção, não estando sujeitos às imposições dos órgãos
da administração superior da instituição.
Além de ser regido pelos princípios institucionais mencionados, o Ministério
Público detém autonomia funcional e administrativa. Havendo dotação orçamentária e
autorização legislativa, cabe a ele propor ao Poder Legislativo a criação e extinção
de seus cargos e serviços auxiliares, os quais serão providos por concurso público.
É de atribuição da instituição a elaboração de proposta orçamentária, sempre
respeitados os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
De acordo com o STF, “o Poder Judiciário tem por característica central a
estática ou o não agir por impulso próprio (ne procedat iudex ex officio). Age por
provocação das partes, do que decorre ser próprio do Direito Positivo este ponto de
fragilidade: quem diz o que seja ‘de Direito’ não o diz senão a partir de impulso
externo. Não é isso o que se dá com o Ministério Público. Este age de ofício e assim
confere ao Direito um elemento de dinamismo compensador daquele primeiro ponto
jurisdicional de fragilidade. Daí os antiquíssimos nomes de ‘promotor de justiça’
para designar o agente que pugna pela realização da justiça, ao lado da ‘procuradoria
de justiça’, órgão congregador de promotores e procuradores de justiça. Promotoria
de justiça, promotor de justiça, ambos a pôr em evidência o caráter comissivo ou a
atuação de ofício dos órgãos ministeriais públicos. Duas das competências
constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivas dessa índole
ativa que se está a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (…). É dizer: o
Ministério Público está autorizado pela Constituição a promover todas as medidas
necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição. A
segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no ‘controle
externo da atividade policial’. Noutros termos: ambas as funções ditas ‘institucionais’
são as que melhor tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode
tomar a dianteira das coisas, se assim preferir.” (HC 97.969, Rel. Min. Ayres Britto,
julgamento em 1°.02.2011, Segunda Turma, DJE de 23.05.2011).
Outra decisão importante se deu no julgamento do ACO-AgR 1.233, em que o
STF determinou que é da competência do Ministério Público Estadual agir nas
hipóteses em que são averiguados atos de improbidade administrativa praticados por
agentes públicos no âmbito de sociedade de economia mista federal.
13.1.2.Composição
O art. 128 da CF traz os órgãos que compõem o Ministério Público. Fala-se em
Ministério Público da União, o qual engloba o MP Federal, o MP do Trabalho, o MP
Militar e o MP do Distrito Federal e Territórios; e em MP Estaduais.
O Chefe do Ministério Público da União é o Procurador-Geral da República. O
Presidente da República é quem o nomeia, após aprovação pela maioria absoluta dos
membros do Senado Federal. Para tanto, deve o Procurador-Geral da República
possuir mais de 35 anos e ser integrante da carreira do Ministério Público.
Após ser nomeado, cumprirá um mandato de dois anos, admitida a recondução.
Durante o mandato, poderá ser destituído por iniciativa do Presidente da República,
desde que haja autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
O Chefe dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios
é o Procurador-Geral de Justiça. É atribuição dos membros dos citados Ministérios
Públicos elaborarem lista tríplice, indicando os nomes, dentre integrantes da carreira,
que possivelmente ocuparão o cargo de Procurador-Geral de Justiça. Feita tal lista,
deve ser encaminhada ao Chefe do Executivo do respectivo Estado ou do Distrito
Federal, pois a ele caberá a escolha e nomeação do novo Procurador. Do mesmo
modo que ocorre no âmbito da União, o mandato do Procurador é de dois anos,
admitida uma recondução.
De acordo com o art. 9°, § 4°, da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público – LONMP), caso o Chefe do Poder Executivo não efetive a
nomeação do Procurador-Geral de Justiça nos quinze dias que se seguirem ao
recebimento da lista tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do
Ministério Público mais votado para exercício do mandato.
A destituição do Procurador-Geral de Justiça dos Estados e do DF e Territórios
será realizada na forma da lei complementar regulamentadora após a deliberação da
maioria absoluta dos membros do Poder Legislativo respectivo.
13.1.3.Funções institucionais
O art. 129 da CF traz as atribuições do Ministério Público, das quais se destacam
as seguintes:
✓ promover, privativamente, a ação penal pública (art. 129, I);
✓ promover o inquérito civil e a ação civil pública para a tutela dos interesses
difusos e coletivos (art. 129, III);
✓ promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição (art. 129,
IV);
✓ defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art.
129, V).
13.1.5.Garantias
Os membros do Ministério Público gozam das mesmas garantias atribuídas aos
membros do Poder Judiciário. São as seguintes:
a) Vitaliciedade: garante aos membros do Ministério Público a sujeição à perda do
cargo somente por sentença judicial transitada em julgado. Esta garantia só é
adquirida após dois anos do estágio probatório (art. 128, § 5°, I, “a”);
b) Inamovibilidade: atribui a garantia aos membros do Ministério Público de não
serem removidos, a não ser por motivo de interesse público, por voto da maioria
absoluta do órgão colegiado competente, assegurando-se a ampla defesa (art. 128, §
5°, I, “b”);
c) Irredutibilidade de subsídios: esta garantia impede a redução dos subsídios, que é
a forma de remuneração dos membros do MP (ressalvado o disposto nos arts. 37, X e
XI, 39, § 4°, 150, II, 153, III, e 153, § 2°, I), conforme o disposto na alínea “c” do § 5°
do art. 128 da CF.
Sobre a garantia da vitaliciedade é importante mencionar o disposto no art. 12, X,
da Lei 8.625/1993, que determina a competência do Colégio de Procuradores para
deliberar, por iniciativa de um quarto de seus integrantes ou do Procurador-Geral de
Justiça, que este ajuíze ação cível de decretação de perda do cargo de membro
vitalício do Ministério Público, nos casos previstos nesta lei. Já o pedido de não
vitaliciamento de membro do Ministério Público que não cumprir as exigências do
estágio probatório, conforme o art. 17, III, da mesma lei, é feito pelo Corregedor-
Geral ao Conselho Superior do Ministério Público.
13.1.6.Vedações
O inciso II do art. 128 da Constituição Federal traz as vedações aplicáveis aos
membros do Ministério Público, quais sejam:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou
custas processuais;
b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma
de magistério;
e) exercer atividade político-partidária;
f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.
13.2.Advocacia pública
As instituições representadas por advogados públicos integram o que chamamos
de advocacia pública. Tais órgãos visam a defender os interesses do Estado em juízo
e extrajudicialmente, bem como prestar consultoria e assessoramento jurídico.
13.2.1.Advocacia-Geral da União
Segundo o art. 131 da Constituição Federal, a União é representada judicial e
extrajudicialmente pela Advocacia-Geral da União, cabendo-lhe também as
atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. A atuação da
AGU se dá de forma direta.
O ingresso na carreira depende da aprovação em concurso público de provas e
títulos, conforme o § 2° do art. 131 do Texto Maior, salvo o cargo de chefia. Diferente
do que ocorre com os concursos da Magistratura e do Ministério Público, em que é
necessária a participação de membros da OAB, a Constituição não exige a
participação da OAB nos concursos para as carreiras da AGU.
A instituição tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo
Presidente da República, dentre cidadãos maiores de 35 anos de notável saber
jurídico e reputação ilibada. Salienta-se que o cargo em comento não precisa ser
ocupado por integrantes da carreira, já que a nomeação se dá livremente pelo Chefe
do Executivo.
13.2.2.Procuradoria-Geral do Estado
Os Procuradores do Estado e do Distrito Federal, além de representarem
judicialmente as respectivas unidades federadas, prestam consultoria jurídica e
assessoramento.
Igualmente como ocorre no modelo federal, o cargo de chefia é ocupado por
pessoa de livre nomeação pelo Governador do Estado. No julgamento da ADI
2682/AP, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, o Supremo definiu que “a forma de
provimento do cargo de Procurador-Geral do Estado, não prevista pela Constituição
Federal (art. 132), pode ser definida pela Constituição Estadual, competência esta que
se insere no âmbito de autonomia de cada Estado-membro”.
O ingresso na carreira, exceto o do cargo de chefia, conforme mencionado,
depende de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a participação
da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases.
É assegurada a estabilidade aos procuradores, depois de três anos de efetivo
exercício, mediante aprovação em avaliação de desempenho perante os órgãos
próprios. Isso após relatório circunstanciado das corregedorias (art. 132, parágrafo
único, da CF).
Conforme a jurisprudência da Suprema Corte, no julgamento definitivo da ADI
175/PR, Rel. Min. Octavio Gallotti, “foi declarada a constitucionalidade do art. 56 e
parágrafos do ADCT do Estado do Paraná, de 05.10.1989, que autorizou a
permanência, em carreiras especiais criadas por lei, dos que já ocupavam com
estabilidade, naquele momento, cargos e empregos públicos de advogados, assessores
e assistentes jurídicos, para o exercício do assessoramento jurídico nos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário e da representação judicial das autarquias e
fundações públicas. Os diplomas legais ora impugnados, ao reunirem numa única
carreira os então ocupantes de empregos e cargos públicos preexistentes que já
exerciam as mesmas funções de assessoramento jurídico ao Poder Executivo e de
representação judicial das autarquias, nada mais fizeram do que atender ao comando
expresso no mencionado art. 56 do ADCT paranaense, tratando-se, por certo, de
hipótese de subsistência excepcional e transitória autorizada pelo art. 69 do ADCT da
CF. A previsão de concurso público de provas e títulos para ingresso na nova
carreira, contida no art. 5° da Lei estadual 9.422/1990, destinou-se, exclusivamente,
àqueles que já eram, no momento de edição da norma constitucional transitória,
ocupantes estáveis de cargos e empregos públicos de advogados, assessores e
assistentes jurídicos e que viriam a preencher, mediante aproveitamento, os 295
cargos criados pelo art. 2° do mesmo diploma. Impossibilidade, na vacância, de
provimento dos cargos da carreira especial de advogado do Estado do Paraná por
outros servidores e, por conseguinte, de realização de novos concursos públicos para
esse fim. Necessidade de obediência ao art. 132 da CF.” (ADI 484, Rel. p/ o ac. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 10.11.2011, Plenário, DJE de 1°.02.2012).
13.2.3.Defensoria Pública
Os defensores públicos têm por função institucional a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV, da
Constituição.
De acordo com o art. 134 da CF, já com a redação dada pela EC 80, de 4 de
junho de 2014, a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos
humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos
individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do
inciso LXXIV do art. 5° desta Constituição Federal.
A EC 80, de 4 de junho de 2014, além de dar nova redação ao art. 134 da CF e
alterar outros dispositivos, acrescentou o § 4° ao art. 134, o qual indicou os
princípios institucionais da Defensoria Pública, quais sejam: a unidade, a
indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o
disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.
Vale lembrar que a organização da Defensoria Pública da União e do Distrito
Federal e dos Territórios se dá por lei complementar a qual prescreverá normas
gerais para sua organização nos Estados, conforme dispõe o § 1° do art. 134 da CF.
Além disso, às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos
limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no
art. 99, § 2°, CF (art. 134, § 2°).
O ingresso na carreira depende de aprovação em concurso público de provas e
títulos. É assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o
exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
De acordo com o Supremo, “a representação processual pela Defensoria Pública,
in casu, Defensoria Pública da União, faz-se por defensor público integrante de seu
quadro funcional, independentemente de mandato, ressalvados os casos nos quais a lei
exija poderes especiais, consoante dispõe o art. 128, inciso XI, da LC 80/1994.” (AI
616.896-AgR, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 14.06.2011, Segunda
Turma, DJE de 29.06.2011).
Voltando às alterações das normas constitucionais que tratam do tema defensoria
pública, é necessário acrescentar que a EC 69, de 29 de março de 2012 alterou a
redação dos artigos 21, 22 e 48 da Constituição Federal, para transferir da União para
o Distrito Federal as atribuições de organizar e manter a Defensoria Pública do
Distrito Federal.
Tal emenda, oriunda da proposta n. 445/2009, concede competência ao Distrito
Federal para organizar e manter a sua Defensoria Pública. Com base na regra antiga,
competia à União a organização e manutenção a Defensoria Pública do Distrito
Federal. Além disso, também era atribuição da União a competência para legislar
sobre essa instituição. Desse modo, o Distrito Federal não possuía autonomia quanto
à Defensoria Pública, embora pudesse, com fulcro no art. 24, XIII, primeira parte, da
CF, legislar sobre assistência jurídica, o que o fez, por exemplo, instituindo o
CEAJUR – Centro de Assistência Jurídica gratuita. Com a aprovação da EC n.
69/2012, a organização, manutenção da Defensoria Pública do Distrito Federal
passou a ser de competência deste ente federativo e não mais da União. Foi excluída
da competência da União a atribuição para organizar, manter e legislar sobre a
Defensoria do Distrito Federal.
Além disso, a EC 74, de 6 de agosto de 2013, acrescentou o § 3° ao art. 134, o
qual estendeu as mesmas prerrogativas das Defensorias Públicas Estaduais à
Defensoria Pública da União (DPU) e à do Distrito Federal. O § 2° do art. 134 da CF,
assegura às Defensorias Públicas Estaduais (DPEs) autonomia funcional e
administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O mesmo dispositivo não concedia
tal autonomia e nem tal iniciativa à Defensoria Pública da União e do Distrito
Federal. Com a alteração, portanto, ficam asseguradas às Defensorias Públicas da
União, dos Estados e do Distrito Federal a autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias.
Por fim, a EC 80, de 4 de junho de 2014 acrescentou o art. 98 ao ADCT
determinando que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional seja
proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva
população.
O § 1° do mencionado dispositivo determina que no prazo de 8 (oito) anos, a
União, os Estados e o Distrito Federal contem com defensores públicos em todas as
unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo.
E acrescenta, em seu § 2°, que durante o decurso do prazo previsto no § 1° deste
artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as
regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional.
13.3.Advocacia privada
Prescreve a Constituição da República em seu art. 133 que “o advogado é
indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
O advogado é o bacharel em Direito e inscrito na Ordem dos Advogados do
Brasil (art. 8° da Lei 8.906/1994 – EOAB).
De acordo com o art. 6° do diploma legal citado, não há hierarquia entre os
advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo haver
consideração e respeito entre eles.
Ao advogado é assegurada a inviolabilidade material, tendo em vista que no
exercício da atividade profissional não pode ser punido por seus atos ou
manifestações, ainda que constituam injúria ou difamação, sem prejuízo das sanções
disciplinares perante a OAB pelos eventuais excessos que cometer (art. 7°, § 2°,
EOAB).
Em consagração à essencialidade da função do advogado, foi editada a Súmula
Vinculante 14, a qual prolata que é direito do defensor, no interesse do representado,
ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa.
Muito importante ainda esclarecer que a OAB, mesmo prestando serviço público
federal, não consubstancia uma entidade da administração indireta. Não está, assim,
sujeita ao controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada.
Essa não vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de
atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente
privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça,
conforme inteligência do art. 133 da Constituição Federal. É entidade cuja finalidade
é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou
dependência entre a OAB e qualquer órgão público (ADI 3.026, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 08.06.2006, Plenário, DJ de 29.09.2006).
14.1.Estado de defesa
O estado de defesa é decretado para preservar ou prontamente restabelecer, em
locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave
e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes
proporções na natureza.
O Presidente da República, após ouvir o Conselho da República e o Conselho de
Defesa, é quem decreta o estado de defesa. Vale lembrar que esse decreto,
obrigatoriamente, deve conter o tempo de duração da medida, que não será superior a
30 dias, prorrogável uma vez por igual período, também deve constar as áreas
abrangidas e ainda as medidas coercitivas que vigorarão neste período, dentre as
seguintes:
a) restrições aos direitos de reunião (ainda que em associações);
b) sigilo de correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica;
c) ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos (caso de calamidade).
O decreto deve ser encaminhado em 24 horas para o Congresso Nacional, com as
respectivas justificativas, que, no prazo de 10 (dez) dias, deverá aprová-lo ou rejeitá-
lo por maioria absoluta. Rejeitado o decreto, cessa de imediato o estado de defesa.
Caso o congresso esteja em recesso, será convocado, extraordinariamente, no
prazo de 5 (cinco) dias.
Durante a vigência do estado de defesa, qualquer crime cometido contra o Estado
deverá ser comunicado imediatamente ao juiz competente pelo executor da medida; o
juiz poderá relaxar a prisão caso esta seja ilegal, sendo facultado ao preso requerer
exame de corpo de delito.
A comunicação da prisão será acompanhada de declaração, pela autoridade
competente, do estado físico e mental do detido no momento de sua prisão, que não
poderá ser superior a 10 (dez) dias, salvo quando autorizada pelo juízo competente.
É importante ressaltar que é vedada a incomunicabilidade do preso.
14.2.Estado de sítio
O estado de sítio é decretado nas hipóteses de comoção grave de repercussão
nacional, ineficácia do estado de defesa, declaração de estado de guerra ou resposta a
agressão estrangeira armada.
Do mesmo modo que o estado de defesa, o de sítio é decretado pelo Presidente
da República, desde que sejam ouvidos os Conselhos da República e de Defesa
Nacional. Além disso, nesse caso, é necessária a prévia autorização do Congresso
Nacional pelo voto da maioria absoluta.
Assim, diferentemente do que ocorre no estado de defesa, no estado de sítio o
Presidente deve primeiro solicitar a autorização do Congresso Nacional e, sendo esta
deferida, então decretar a medida.
Se o Congresso estiver em recesso e for solicitada essa autorização para decretar
o estado de sítio, o Presidente do Senado Federal, de imediato, deve fazer a
convocação extraordinária para que se reúnam dentro de 5 (cinco) dias e apreciem o
ato, permanecendo em funcionamento até o término das medidas coercitivas.
O prazo de duração é de no máximo 30 (trinta) dias, prorrogáveis, por igual
período, indefinidamente, mas sempre com a prévia autorização do Congresso
Nacional.
Além do prazo, o decreto presidencial deve conter as normas necessárias a sua
execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas tais como:
a) obrigação de permanência em localidade determinada;
b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
c) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das
comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e
televisão, na forma da lei (obs.: dispõe a Constituição que a difusão de
pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que
liberada pela respectiva Mesa, não se inclui dentre essas restrições);
d) suspensão da liberdade de reunião;
e) busca e apreensão em domicílio;
f) intervenção nas empresas de serviços públicos;
g) requisição de bens.
14.3.Disposições gerais
Ao término dos estados de defesa e sítio, os efeitos por eles produzidos cessarão,
mas os ilícitos praticados pelos agentes e executores da medida poderão ser apurados
para que sejam determinadas eventuais responsabilizações.
O Presidente da República, assim que cessarem os estados de exceção, deve
relatar ao Congresso Nacional as medidas que foram tomadas durante o período de
anormalidade especificando e justificando as providências tomadas, indicando as
restrições aplicadas.
15.1.Princípios
O art. 170 do texto constitucional enumera os princípios que regem a ordem
econômica. São os seguintes:
I. soberania nacional;
II. propriedade privada;
III. função social da propriedade;
IV. livre concorrência;
V. defesa do consumidor;
VI. defesa do meio ambiente;
VII. redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII. busca do pleno emprego;
IX. tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Analisemos cada um deles.
15.1.1.Soberania nacional
Quando estudamos tal tema, temos de ter como pressuposto a ideia de não
imposição, não subordinação entre os países. Cada um dos Estados detém capacidade
para tomar decisões sobre seu próprio governo, não se submetendo a qualquer tipo de
imposição determinada por outrem.
15.1.2.Propriedade privada
Tem como fundamento o fato de o Brasil ser um país capitalista. Antigamente,
essa propriedade tinha caráter absoluto; atualmente não se pode mais pensar assim,
pois há muitas limitações. A função social da propriedade é a principal delas. Não
basta ser dono, tem de dar utilidade sob pena de uma série de sanções como, por
exemplo, IPTU progressivo no tempo, desapropriação etc.
15.1.4.Livre concorrência
O Estado tem o dever constitucional de participar preventiva e repressivamente
no mercado econômico, atuando de forma a banir qualquer tipo de abuso, dominação
de empresas etc. A concentração de poder numa mesma empresa ou grupo de
empresas não está de acordo com o texto constitucional, pois diminui a livre
concorrência, gera menos renda e fere a existência digna e o princípio da igualdade.
Dispõe o art. 173, § 4°, da Constituição que o abuso do poder econômico que
vise à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário
dos lucros será reprimido, na forma da lei.
O § 5° do mesmo dispositivo determina que a lei estabeleça a responsabilidade
das empresas nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a
economia popular, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza e tudo isso
sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica.
É importante trazer aqui o enunciado da Súmula 646 do STF que trata do tema
livre concorrência e dispõe que ofende tal princípio lei municipal que impede a
instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.
15.1.5.Defesa do consumidor
Não só o lucro deve ser protegido, mas também a parte vulnerável que é, segundo
o CDC, presumidamente, o consumidor. É princípio da ordem econômica também a
promoção da sua defesa.
16.1.Seguridade Social
A primeira observação a ser feita aqui é a de que a denominada seguridade social
é composta por três assuntos importantes, quais sejam, a previdência social, a saúde e
a assistência social. Hoje o sistema de previdência social é contributivo e não mais
retributivo.
São princípios e objetivos que norteiam a seguridade social:
I. universalidade da cobertura e do atendimento;
II. uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais;
III. seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV. irredutibilidade do valor dos benefícios;
V. equidade na forma de participação no custeio;
VI. diversidade da base de financiamento;
VII. caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão
quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos
aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
É possível observar que os recursos destinados à seguridade advirão de diversas
fontes, como por exemplo, da folha de salário dos empregados, da receita ou do
faturamento das empresas etc.
16.1.2.Saúde
A Constituição garante a todos o direito à saúde, atribuindo ao Estado o dever de
prestá-la, valendo-se, para tanto, de políticas públicas sociais e econômicas. É
missão do Estado buscar reduzir o risco de doenças, promovendo campanhas públicas
de prevenção, vacinação, dentre outras.
Além disso, o acesso ao sistema único de saúde deve ser universal e igualitário,
ou seja, não podem ser feitas imposições e distinções para que se promova o
atendimento à saúde.
A regulamentação, a fiscalização, o controle e a execução das ações e serviços de
saúde cabem ao Poder Público. A última pode ser prestada de forma direta pelo
próprio Estado ou indiretamente pelo particular.
A LC 141, de 13.1.2012, ao regulamentar o § 3° do art. 198 da CF, determinou
valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal
e Municípios em ações e serviços públicos de saúde. Além disso, estabeleceu os
critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de
fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de
governo.
Por fim, o sistema único de saúde, financiado com recursos advindos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e de outras fontes, é balizado pelas seguintes regras:
I. descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais; e
III. participação da comunidade.
16.1.3.Previdência social
Conforme mencionado, a previdência é estruturada pelo regime contributivo e a
filiação a ela é obrigatória. É essa instituição que possui o denominado regime geral
de previdência. Dispõe o art. 201 da Constituição que, respeitados os critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, a previdência dará cobertura aos eventos
de doença, invalidez, morte, idade avançada, desemprego involuntário, maternidade e
prisão.
A concessão de aposentadorias por parte da previdência não pode adotar
requisitos e critérios diferenciados, exceto em relação às atividades exercidas sob
condições especiais; é o que se pode extrair do § 1° do art. 201 da CF.
Vale lembrar a regra de que os valores dos benefícios concedidos pelo Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS), desde que substituam o rendimento do
trabalho do segurado, não poderão ser inferiores ao salário mínimo vigente.
16.1.4.Assistência social
Completando o que chamamos de “seguridade social” (saúde, previdência e
assistência), cabe a análise da assistência social.
A primeira observação importante é que ela deve ser prestada a todos aqueles
que dela necessitarem, de forma gratuita, independentemente de contribuição. As
próprias verbas destinadas ao gênero seguridade social é que mantêm a assistência
social.
Conforme o art. 203 da Constituição, são objetivos da assistência social:
I. a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II. o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III. a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV. a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração à vida comunitária;
V. a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família. A Lei n. 8.742/1993, conhecida como
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, é quem disciplina esse benefício.
Conforme mencionado, os recursos advindos da seguridade social são destinados
também à assistência. Mas, além disso, ela será mantida por outras fontes,
organizadas com base na descentralização político-administrativa e na participação
popular. A formulação de políticas públicas e fiscalização de tais ações cabem ao
Estado e à população.
O parágrafo único do art. 204 da Constituição faculta aos Estados e ao Distrito
Federal a vinculação de programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco
décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses
recursos no pagamento de despesas com pessoal e encargos sociais, serviço da dívida
ou qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou
ações apoiados.
16.2.Educação
Direito de todos e dever do Estado, conforme o art. 206 da Constituição, devem
ser promovidos com base nos seguintes princípios:
I. igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II. liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III. pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV. gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V. valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, aos das redes
públicas, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por
concurso público de provas e títulos;
VI. gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII. garantia de padrão de qualidade;
VIII. piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar
pública, nos termos de lei federal. Tal regra é fruto da EC 59/2009.
O inciso IV determina a gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais. Por conta dessa disposição, foi editada pelo STF a Súmula Vinculante n. 12,
que determina que a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o
disposto no art. 206, IV, da CF.
O art. 209 da CF informa que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que
sejam atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da
educação nacional e II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Além disso, o § 2° do art. 210 da CF determina que o ensino fundamental regular
deve ser ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Vale lembrar que, de acordo com o caput e § 4° do art. 211 da CF, os entes
federados organizarão seus sistemas de ensino em regime de colaboração e definirão
formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino
obrigatório.
Além disso, o Texto Maior divide as atribuições do seguinte modo: a) a União
organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições
de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica
e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 211, § 1°, da CF);
b) os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil (art. 211, § 2°, da CF); c) os Estados e o Distrito Federal atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e médio (art. 211, § 3°, da CF).
O § 5° do mencionado art. 211 determina que a educação básica pública atenderá
prioritariamente ao ensino regular.
Vale lembrar que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo, conforme determina o § 1° do art. 208 da CF.
Por fim, o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua
oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente (art. 208, § 2°, da
CF).
16.3.Cultura
É dever do Estado garantir o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às
fontes da cultura nacional. Cabe a ele dar suporte e incentivar a valorização e difusão
das manifestações culturais (art. 215 da CF).
São considerados patrimônio cultural brasileiro, além dos bens de natureza
material e imaterial, tomados, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e
viver, as criações científicas, artísticas e tecnológicas, as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais e os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico (art. 216 da CF).
A promoção e a proteção do patrimônio cultural brasileiro é dever não apenas do
Poder Público, mas também de toda a comunidade, conforme os ditames do § 1° do
art. 216 da Constituição. São formas de proteção, dentre outras, o tombamento, a
vigilância e os registros.
Vale lembrar que a EC n. 71 de 29 de novembro de 2012, ao acrescentar o art.
216-A ao texto Constitucional, criou o Sistema Nacional de Cultura que tem por
finalidade instituir um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas
de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a
sociedade. Essas políticas objetivam promover o desenvolvimento humano, social e
econômico com pleno exercício dos direitos culturais, além de prestigiar a
transparência na aplicação de recursos para a cultura. Os entes terão maior
autonomia, em regime de colaboração, e poderão integrar, articular e organizar a
gestão neste setor.
Os princípios que regem o Sistema Nacional de Cultura, de acordo com o art.
216-A, § 1°, são: I – diversidade das expressões culturais; II – universalização do
acesso aos bens e serviços culturais; III – fomento à produção, difusão e circulação de
conhecimento e bens culturais; IV – cooperação entre os entes federados, os agentes
públicos e privados atuantes na área cultural; V – integração e interação na execução
das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas; VI – complementaridade
nos papéis dos agentes culturais; VII – transversalidade das políticas culturais; VIII –
autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil; IX –
transparência e compartilhamento das informações; X – democratização dos
processos decisórios com participação e controle social; XI – descentralização
articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações; XII – ampliação
progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura.
16.4.Desporto
De acordo com o art. 217 da CF, é dever do Estado apoiar práticas desportivas
formais e não formais, como direito de cada um, observadas as seguintes regras: I – a
autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua
organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção
prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de
alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não
profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação
nacional.
O § 1° do dispositivo citado determina que o Poder Judiciário apenas admita
ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as
instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.
Desse modo, o Constituinte reconheceu a existência da justiça desportiva. Por
outro lado, os processos por ela analisados possuem natureza administrativa, não
transitam em julgado e podem, desde que tenham sido esgotadas as suas instâncias,
ser apreciados pelo Poder Judiciário.
Por fim, a decisão final a ser dada pela justiça desportiva deve ocorrer em até o
prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, conforme
determina o § 2° do art. 217 da CF.
16.6.Meio ambiente
Todas as pessoas têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
sendo obrigação de todos defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
A Constituição trata do tema no art. 225. Há diversas normas infraconstitucionais
cuidando do assunto, em especial a Lei n. 9.605/1998, que dispõe sobre os crimes
ambientais, possibilitando a responsabilização penal da pessoa jurídica, tema
polêmico doutrinária e jurisprudencialmente.
16.7.Família
Dentre as principais regras constitucionais sobre o tema, é necessário observar as
trazidas pelas Emendas Constitucionais n. 65 e 66, que são as seguintes: extensão ao
jovem das proteções existentes às crianças e aos adolescentes e a possibilidade de
divórcio direito, sem a necessidade da observância do prazo de dois anos contados
da separação.
Sendo assim, a EC n. 65/2010 alterou a denominação do Capítulo VII do Título
VIII da Constituição Federal e modificou o art. 227 da CF, para cuidar dos interesses
da juventude e a EC n. 66/2010, emenda unicelular por conter apenas um artigo,
promoveu a alteração do § 6° do art. 226 da CRFB/1988, suprimindo o requisito de
separação judicial prévia, por mais de um ano ou a exigência de separação de fato
por mais de dois anos, para a concessão do divórcio. Nos termos da legislação atual,
portanto, nada impede que um casal contraia matrimônio em um dia e se divorcie logo
após.
17.1.Definição de tributo
Conforme o art. 3° do Código Tributário Nacional: “Tributo é toda prestação
pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada.”
Sendo assim, tributo é prestação pecuniária, é compulsório, é instituído por lei, é
cobrado por lançamento e não é multa.
17.2.Espécies de tributos
Vigora em nosso ordenamento a teoria pentapartida (pentapartite ou
quinquipartida), a qual diferencia 5 (cinco) espécies de exações: impostos, taxas,
contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições.
O respectivo entendimento nos foi trazido por meio do voto do Ministro do STF
Carlos Velloso, em 1°.07.1992, no RE n. 138. 284/CE (Pleno).
Passemos então ao breve estudo das espécies tributárias.
17.2.1.Impostos
São conhecidos como tributos não vinculados a uma prestação estatal. Possuem
como fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal
específica, relativa somente à vida, patrimônio e atividades do contribuinte.
Todos os entes políticos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios podem
ser sujeitos ativos dessa espécie tributária.
17.2.2.Taxas
São tributos vinculados à ação estatal, relacionado à atividade pública e não a
qualquer ação do particular. Podem ser cobradas em função do exercício do poder de
polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e
divisíveis prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.
Vale lembrar que a Súmula Vinculante n. 19 determina que a taxa cobrada
exclusivamente em razão de serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou
destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o art. 145, II, da
CF.
17.2.3.Contribuição de melhoria
Essa contribuição pressupõe uma obra pública (e não um serviço público) e
depende da valorização do bem imóvel. Subordina-se ao princípio do custo-
benefício, da capacidade contributiva do contribuinte e da equidade.
A cobrança de tal tributo se deve ao fato de que o Estado tem de ser indenizado
por ter realizado uma vantagem econômica especial aos imóveis de certas pessoas,
ainda que não a tenha querido.
Desse modo, se da obra pública decorre valorização mobiliária, é devida a
cobrança da contribuição de melhoria que será cobrada, justamente, daqueles que se
beneficiaram dessa valorização.
O fato gerador desse tributo é a valorização imobiliária decorrente de uma obra
pública.
17.2.4.Empréstimos compulsórios
O empréstimo compulsório é um tributo federal em que a Constituição apresenta
critérios materiais e formais para sua instituição. São pressupostos para sua cobrança:
despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua
iminência ou investimento público de caráter urgente e relevante interesse social (art.
148, I e II, CF).
17.2.5.Contribuições
O que caracteriza tal espécie tributária é que as contribuições financiam
atividades de interesse público, beneficiando determinado grupo e, direta ou
indiretamente, o contribuinte.
É possível visualizar aqui a ideia de parafiscalidade – o que quer dizer “aquele
que fica ao lado do Estado”, um “quase Estado”, já que a contribuição parafiscal é
devida a entidades que desempenham atividades especiais, paralelas às da
Administração.
Conforme dispõe o art. 149 da CF, as contribuições federais são as seguintes:
contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas; contribuições
de intervenção no domínio econômico e contribuições sociais.
17.3.Competência tributária
Nas palavras de Luciano Amaro, “competência tributária é a aptidão para criar
tributos. (…) O poder de criar tributo é repartido entre os vários entes políticos, de
modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da
esfera que lhe é assinalada pela Constituição” (Amaro, Luciano. Direito Tributário
Brasileiro, 14a Edição, p. 93).
A competência tributária é política, irrenunciável, indelegável, intransferível e
facultativa, uma vez que o ente político pode ou não exercê-la. Tal competência é
classificada em: privativa, comum, cumulativa, especial e residual.
Vale lembrar que de acordo com o art. 151, III, da CF é vedada a denominada
isenção heterônoma que é aquela em que um ente, que não detém a titularidade da
competência tributária, concede isenção a outro.
17.3.1.Privativa
É o poder que todos os entes políticos têm para instituir os tributos enumerados
pela própria Constituição Federal.
17.3.2.Comum
Refere-se aos tributos vinculados, quais sejam as taxas e contribuições de
melhoria. A competência é comum uma vez que União, Estados, Municípios e Distrito
Federal podem ser sujeitos ativos dos referidos tributos.
17.3.3.Cumulativa
Indica que a União tem competência para instituir impostos estaduais e
municipais nos Territórios (art. 147 da CF), assim como compete ao Distrito Federal
os impostos municipais e estaduais (art. 155 da CF).
17.3.4.Especial
Refere-se ao poder de instituir empréstimos compulsórios (art. 148 da CF) e
contribuições especiais (art. 149 da CF).
17.3.5.Residual
É o poder de criar tributos diversos dos existentes, aqueles que podem ser
instituídos sobre situações não previstas (artigos 154, I e 195, § 4° da CF).
Dessa forma, para ser instituído ou majorado (ou até reduzido) o tributo depende
de lei. Este e tão somente este é o veículo normativo possível.
II. Princípio da Anterioridade Tributária
Este princípio tem duas facetas: a anterioridade anual ou comum (art. 150, III,
“b”, CF) e a anterioridade nonagesimal ou privilegiada (art. 150, III, “c”, CF).
Tem como fundamento o sobreprincípio da segurança das relações jurídicas entre
a Administração Pública e seus administrados, evitando que inesperadamente
apareçam cobranças tributárias. É garantia individual do contribuinte.
III. Princípio da Isonomia Tributária
Expresso no art. 150, II, da Constituição Federal, este postulado veda o
tratamento tributário desigual a contribuintes que se encontrem em situação de
equivalência.
Assim como o caput do art. 5° da Constituição trata da igualdade de forma
genérica, o supracitado artigo explora-o de forma específica ao ramo tributário.
IV. Princípio da Irretroatividade Tributária
O art. 150, III, “a”, da Constituição Federal prevê expressamente tal princípio.
Para Luciano Amaro, o que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação
da lei nova, que criou ou aumentou o tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua
sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a
lei da época de sua ocorrência (Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 14
Edição, p.118).
É isso que dá confiança e certeza na relação Fisco-contribuinte, uma vez que, se
retroagissem leis cobrando tributos, insegura seria tal relação.
V. Princípio da Vedação ao Confisco
Tem se entendido que terá efeito confiscatório o tributo que exceder a capacidade
contributiva do contribuinte. Entretanto, o art. 150, IV, da Constituição não traz
critérios objetivos.
Sendo assim, cabe ao intérprete a tarefa de delimitar o “efeito de confisco”, com
base no conteúdo e alcance dos elementos descritos em cada caso concreto. Nesse
passo, deve-se lembrar que proporcionalidade e razoabilidade são caracteres que
devem ser levados em conta.
VI. Princípio da Não Limitação ao Tráfego de Pessoas e Bens
Segundo esse princípio (art. 150, V, da CF), as divisas municipais e estaduais
não podem ser fatos geradores de quaisquer tributos (federais, estaduais ou
municipais).
O tráfego de pessoas e bens tem proteção constitucional decorrente da unidade
política do território brasileiro.
Ademais, já no art. 5°, XV, da Constituição Federal é prescrito que “é livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”.
1. REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO
1.4.Atividade administrativa
A Administração Pública tem deveres extremamente importantes para com a
sociedade. Tais deveres englobam tarefas de segurança, de fiscalização e controle
de condutas antissociais, de regulação e de oferecimento de serviços essenciais,
como educação, saúde, energia elétrica, água, transporte, de fomento, dentre outros.
Para que tais deveres sejam devidamente cumpridos é necessário que haja um regime
jurídico diferenciado, um regime jurídico de direito público, que tem, conforme já
visto, duas grandes marcas: a) supremacia do interesse público sobre o interesse
privado; b) indisponibilidade do interesse público.
Porém, não se pode esquecer que o Poder Público age emtrês grandes
atividades, quais sejam: a) atividade legislativa, de elaborar leis; b) atividade
administrativa, de executar direta e concretamente a lei; c) atividade jurisdicional,
de aplicar a lei, mediante provocação, com o fito de compor conflitos de interesse
caracterizados por pretensões resistidas.
A atividade legislativa é objeto do Direito Constitucional, destacando-se o tema
do “processo legislativo”.
A atividade jurisdicional é objeto do Direito Processual (penal, civil, do
trabalho etc.).
Já a atividade administrativa é objeto do Direito Administrativo. Esse ramo do
Direito regula o chamado regime jurídico administrativo, que também pode ser
definido como o conjunto harmônico de princípios e normas que regem a
Administração Pública, em sua função de realizar concreta, direta e imediatamente
os fins desejados pelo Estado.
É importante destacar que o Direito Administrativo rege toda e qualquer
atividade da Administração, seja ela do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, já
que os dois últimos poderes também exercem (atipicamente) atividades
administrativas. Por exemplo, quando exercer o poder disciplinar sobre servidores ou
fazer licitação para adquirir bens.
Assim, um membro do Poder Judiciário (magistrado) pratica tanto atos
jurisdicionais (ex.: quando exara uma sentença) como atos administrativos (ex.:
quando aplica uma advertência ao servidor do fórum).
Enfim, todos os poderes têm sua Administração Pública e, assim, praticam atos
administrativos, inclusive o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, que apesar de o
fazê-lo atipicamente, atua, assim, em atividade administrativa.
2.1.Introdução
Princípios são normas jurídicas de especial relevância e alta carga valorativa
que, além de vincular, servem de vetor interpretativo a todos os destinatários do
Direito.
Os princípios gerais do Direito Administrativo decorrem de dois outros
basilares, quais sejam, o da supremacia do interesse público sobre o privado e o da
indisponibilidade do interesse público.
2.3.2.Princípio da impessoalidade
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe tratamento
igualitário às pessoas, respeito à finalidade e também a ideia de que os atos dos
agentes públicos devem ser imputados diretamente à Administração Pública e
nunca à pessoa do agente.
O princípio da impessoalidade está previsto expressamente no art. 37, caput, da
CF.
Repare que o princípio tem três comandos: a) impõe igualdade de tratamento; b)
impõe respeito ao princípio da finalidade; c) impõe neutralidade do agente, que não
pode fazer autopromoção.
Um exemplo de violação ao primeiro comando (“a”) é o agente público,
responsável para julgar a concessão de alvarás para construção, dar prioridade aos
pedidos de alvará formulados por amigos seus em detrimento das demais pessoas que
tiverem pedido o alvará em data anterior.
Um exemplo de violação ao segundo comando (“b”) é o agente público usar um
ato que tem uma finalidade legal “X” com o objetivo de atender a uma finalidade “Y”,
como ocorre quando se utiliza o ato “remoção” – cuja finalidade é organizar melhor
as funções de agentes públicos ou transferir um agente público para outro local, a
pedido deste – com a finalidade de punição.
Um exemplo de violação ao terceiro comando (“c”) é um Prefeito determinar a
utilização de um símbolo usado na sua campanha eleitoral em todas as obras da
prefeitura. Tal situação é expressamente vedada pelo art. 37, § 1°, da CF, que dispõe
que a publicidade oficial deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação
social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem
promoção pessoal.
O terceiro comando do princípio da impessoalidade também tem outros tipos de
reflexo. Um deles é a possibilidade de reconhecer a validade de atos praticados por
funcionário público irregularmente investido no cargo ou função sob o fundamento de
que tais atos configuram atuação do órgão e não do agente público. Isso ocorre, pois,
se todos os atos praticados pela Administração são imputados diretamente a esta (o
agente público é neutro, ou seja, é um mero órgão da Administração), mesmo os atos
praticados por alguém irregularmente investido em função pública poderão ser
considerados válidos já que, em última análise, são atos da Administração e podem
ser preservados se estiverem de acordo com as demais normas jurídicas.
2.3.4.Princípio da publicidade
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe ampla divulgação
dos atos oficiais, para conhecimento público e início dos efeitos externos.
O princípio da publicidade está previsto expressamente no art. 37, caput, da CF.
O conceito apresentado revela que o princípio tem dois grandes sentidos: a)
garantir que todos tenham conhecimento das coisas que acontecem na Administração
Pública;b) garantir que os atos oficiais só tenham efeitos externos após sua
publicação.
Com isso, os cidadãos em geral poderão exercer sua cidadania, questionando atos
governamentais, solicitando o controle destes e até ingressando com ações contra atos
que estejam em desacordo com a ordem jurídica. Da mesma forma, o Ministério
Público e as demais pessoas legitimadas também terão elementos para fazer esse tipo
de controle.
As pessoas individualmente prejudicadas também recebem a proteção do
princípio da publicidade. Um exemplo é aquele que recebe uma multa de trânsito. Tal
pessoa só terá de pagar a multa se receber uma notificação oficial no prazo previsto
em lei. A notificação é, portanto, requisito de eficácia da multa aplicada. O art. 281,
parágrafo único, II, da Lei 9.503/1993, dispõe que o auto de infração será arquivado e
seu registro julgado insubsistente se não houver, no prazo máximo de 30 dias,
notificação da autuação.
Nesse sentido, é importante reforçar a ideia de que a publicidade dos atos
oficiais é requisito de eficácia dos atos administrativos, e não requisito de existência
ou de validade destes.
Por outro lado, o princípio da publicidade tem exceções. Ou seja, há casos em
que o interesse público justificará que determinados atos oficiais sejam deixados em
sigilo, ainda que temporariamente.
Confira os casos em que se admite o sigilo dos atos oficiais:a) para a defesa da
segurança da sociedade e do Estado; b) em investigações policiais; c) para o
resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas.
A Lei 12.527/2011 regula o acesso à informação previsto no inciso XXXIII do
art. 5°, da CF (“todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu
interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”).
Essa lei se aplica a todos os entes federativos. Por conta dela, houve um
movimento muito amplo no sentido de os entes da Administração Pública passarem a
divulgar pela internet a remuneração e o subsídio dos agentes públicos, por se tratar
de obrigação que decorre dos termos da lei.
Essa lei trata também dos requisitos do pedido de acesso a informações aos
órgãos e entidades estatais (arts. 10 a 14) e também das restrições de acesso à
informação (arts. 21 a 31).
Uma regra fundamental da lei dispõe que “não poderá ser negado acesso à
informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais”
(art. 21).
A lei detalha melhor os casos em que cabe sigilo por motivo de segurança da
sociedade e do Estado (art. 23), sigilo esse que varia entre 5, 15 e 25 anos
(informações reservada, secreta e ultrassecreta, respectivamente), bem como os casos
em que cabe sigilo por motivo de respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem
das pessoas, que poderão ter seu acesso restrito pelo prazo máximo de 100 anos (art.
31).
Por fim, vale lembrar que a propaganda oficial não pode caracterizar promoção
pessoal (vide novamente o art. 37, § 1°, CF), devendo ser objetiva e com caráter
informativo, educativo ou de orientação social.
2.3.5.Princípio da eficiência
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe o dever de a
Administração Pública atender satisfatoriamente às necessidades dos
administrados, bem como de o administrador público fazer o melhor, como
profissional, diante dos meios de que dispõe.
Para José Afonso da Silva, eficiência significa fazer acontecer com
racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades
públicas importa em relação ao grau de utilidade alcançado (Curso de Direito
Constitucional Positivo, Ed. Malheiros). O ilustre autor completa a afirmação
dizendo que o princípio da eficiência “orienta a atividade administrativa no sentido
de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a
menor custo”.
O princípio da eficiência está previsto no art. 37, caput, da CF, por força da EC
19/1998, que o introduziu expressamente na Constituição.
Porém, mesmo antes da EC 19/1998, já se falava na Constituição em controle
interno dos Poderes para atender a eficiência (art. 74, II, CF), de modo que o
princípio estava no mínimo implícito na redação original da Constituição.
Ocorre que, com a Reforma do Estado, ocorrida em 1998, percebeu-se a
necessidade de trazer um princípio geral de eficiência. Tal reforma estava
preocupada em diminuir o controle de meios (administração burocrática) e focar no
controle de fins (administração gerencial), controle este que se volta para os
resultados, ou seja, para a eficácia.
Para concretizar o princípio da eficiência, a EC 19/1998 também trouxe para o
servidor público mais um requisito para adquirir a estabilidade, qual seja, o de que
passe por uma avaliação especial de desempenho, sendo que, mesmo depois de
adquiri-la, deverá se submeter a avaliações periódicas de desempenho, podendo ser
exonerado, caso não seja aprovado em qualquer delas (art. 41, § 1°, III, da CF). Para
a Administração, a EC em questão trouxe a possibilidade de realização de contrato
de gestão, aumentando a autonomia dos órgãos e entidades públicos em troca da
fixação de metas de desempenho a cumprir (art. 37, § 8°, CF).
2.3.6.1.Considerações gerais
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe a exigência de
maior estabilidade nas relações jurídicas de forma a se atender ao interesse
público.
O princípio da segurança jurídica não está previsto expressamente na CF. Porém,
está implícito no art. 5°, XXXVI, pelo qual a lei não pode prejudicar o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
No plano infraconstitucional, o princípio está previsto expressamente no art. 2°,
caput, da Lei 9.784/1999.
O princípio da segurança jurídica tem as seguintes consequências:
a) decorre dele o dever de respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
coisa julgada (art. 5°, XXXVI, CF); exemplo de aplicação dessa regra foi a decisão
do STF que impediu que nova norma do Ministério da Educação aumentasse os
requisitos para a concessão de financiamento estudante pelo FIES em relação a
estudantes que já vinham se beneficiando do financiamento (ADPF 341, J.
27.05.2015);
b) permite a convalidação de atos anuláveis, ou seja, de atos que podem ser repetidos
sem o vício que os inquinava;
c) permite a conversão de atos nulos em atos de outra categoria, na qual serão
válidos;
d) permite a manutenção de atos nulos expedidos há muito tempo, desde que haja
excepcionalíssimo interesse público (ex.: loteamento popular antigo feito sem
autorização administrativa);
e) proíbe a aplicação retroativa de nova interpretação por parte da Administração
(inciso XIII do parágrafo único do art. 2° da lei acima referida); tal proibição visa a
preservar a boa-fé, a confiança do administrado na Administração;
f) protege expectativas legítimas de promessas firmes. Ex.: permissão de uso de bem
público dada pelo Estado com prazo determinado, que acaba sendo revogada antes do
final do prazo; com base no princípio da proteção da confiança, é possível que o
permissionário requeira em juízo que continue com a permissão ou que receba
indenização pela quebra da confiança;
g) não gera direito adquirido a regime funcional ou contratual;
h) “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5°, XXXVI, da Constituição
da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado” (Súmula 654
do STF);
i) “os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos
indevidamente pela Administração Pública em função de interpretação equivocada de
lei, não devem ser devolvidos” (STJ, AgRg no Ag 1.423.790, DJ 30.11.2012).
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trouxe em 2018 inovações
no Direito Administrativo e várias delas são regras que decorrem do princípio da
segurança jurídica, impactando na aplicação prática desse princípio (arts. 23, 24, 26,
27 e 30 da LINDB):
– A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer
interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo
novo dever ou novo condicionamento, preverá regime de transição quando
indispensável ao seu cumprimento adequado.
– A revisão quanto à validade de tais atos cuja produção já se houver completado
levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em
mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente
constituídas.
– Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas
em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa
majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo
conhecimento público.
– Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na
aplicação da lei, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e,
se o caso, após consulta pública, havendo relevante interesse geral, celebrar
compromisso com os interessados, o qual só produzirá efeitos a partir de sua
publicação oficial.
– A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,
poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou
injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. Para prevenir ou
regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os
envolvidos.
– As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na
aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e
respostas a consultas, que terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a
que se destinam, até ulterior revisão.
2.3.7.Princípio da razoabilidade
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe o dever de agir
dentro de um padrão normal, evitando-se negligência e excesso e atuando de forma
compatível entre os meios e fins previstos na lei.
O princípio da razoabilidade não está expresso na Constituição Federal.
Porém, o art. 5°, LXXVIII, da CF, introduzido pela EC 45/2004, introduziu o
direito à razoável duração do processo judicial e administrativo. A expressão
“razoável”, apesar de ligada à questão do processo célere, acaba trazendo à tona o
valor da razoabilidade.
Assim, o princípio da razoabilidade continua implícito de modo geral na CF, mas
pelo menos está expresso para fins de duração do processo no nosso Texto Maior.
Apesar disso, ele pode ser encontrado exposto em alguns textos infralegais, como
o da Constituição do Estado de São Paulo (art. 111) e no art. 2°, caput, da Lei de
Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/1999).
Além do mais, o art. 2°, parágrafo único, VI, da Lei 9.784/1999 também acaba
por tratar do princípio da razoabilidade ao trazer a seguinte obrigação à
Administração em seus atos: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias
ao atendimento do interesse público”.
S ã o exemplos de violação ao princípio da razoabilidade os seguintes: a)
demissão de um agente público, quando era suficiente uma suspensão; b) cumulação
indistinta de todas as sanções por ato de improbidade administrativa, mesmo em
casos mais leves, como de violação a princípios da administração; c) requisição
administrativa de bens ou serviços em quantidade maior do que a necessária; d)
dissolução de passeata pacífica por meio de arma de fogo.
O princípio somente tem incidência em relação a atos discricionários, não
incidindo em relação a atos vinculados. Isso porque, quando um ato é vinculado, a
Administração só tem uma opção de ato a ser praticado, não havendo que se falar em
mais de uma possibilidade e, portanto, que o ato fere a razoabilidade. Porém, quando
se tem um ato discricionário, existe mais de uma opção para o administrador, ocasião
em que se poderá discutir se a atitude tomada está ou não de acordo com a
razoabilidade.
Uma dúvida muito frequente é se o princípio da razoabilidade é sinônimo do
princípio da proporcionalidade. Essa dúvida ganha ainda mais relevância pelo fato
de o art. 2°, caput, da Lei 9.784/1999 dispor que a Administração deve respeitar a
razoabilidade e também a proporcionalidade.
Há quem defenda que os dois princípios são sinônimos. Outros defendem que um
está contido no outro. No caso, a proporcionalidade é medida da razoabilidade.
Na prática, costuma-se usar a expressão “proporcionalidade” para situações que
envolvem quantidade. São situações em que se tem um “meio” (por exemplo, a
possibilidade de aplicação de mais de um valor de multa) e “fim” (punir e prevenir
que alguém cometa a infração). Por exemplo, se uma multa poderia variar de R$ 100 a
R$ 1.000,00 e acaba sendo fixada em R$ 1.000,00, pode-se dizer, a depender da
gravidade desta, que houve violação ao princípio da proporcionalidade.
A expressão “razoabilidade” acaba sendo utilizada para outras situações que não
envolvem questão matemática, mas sim a busca de uma conduta igualitária da
Administração. Por exemplo, se um Prefeito, mesmo diante do caos na área da saúde,
resolver fazer uma obra para reformar a praça em frente ao hospital, em detrimento de
maiores investimentos no próprio serviço de saúde, diz-se que houve violação ao
princípio da razoabilidade. Nesse caso, o investimento na praça (que beneficia
pessoas que nela brincam e passeiam) é discriminatório e desigual em relação à falta
de investimento na saúde (considerando o caos em que se está e que a questão da
saúde envolve o valor mais importante de todos, que é a vida)? Na análise dessa
relação de congruência o princípio da razoabilidade orientará para a busca da medida
mais igualitária e menos discriminatória.
Outras diferenças apontadas são as seguintes: a) quanto à origem, a razoabilidade
se desenvolveu no direito anglo-saxônico (na Inglaterra, sob o prisma do devido
processo legal em geral, trazido na Magna Carta; nos EUA, sob o prisma do devido
processo legal substantivo), ao passo que a proporcionalidade, no direito germânico;
b) quanto ao âmbito de incidência, o princípio da proporcionalidade é aplicado
quando se está diante de uma relação em que há “meio” e “fim”, ao passo que o da
razoabilidade, quando se está diante de uma relação de “critério distintivo” e
“medida tomada”, em que se deve buscar a igualdade, ou seja, uma relação de
congruência entre o “critério distintivo” e a “medida tomada”; b) quanto ao conteúdo
valorativo, a razoabilidade de fundamento nas noções de racionalidade e equilíbrio
(mais subjetivas) e a proporcionalidade, nas noções de adequação, necessidade e
ponderação (mais objetivas).
Quanto ao princípio da proporcionalidade, o STF, no julgamento do RE 466.343-
1, especificou que esse princípio, quando aplicado na restrição a direitos
fundamentais, deve levar em conta os seguintes critérios:
a) adequação: eficácia do meio escolhido;
b) necessidade: uso do meio menos restritivo ou gravoso para atingir a finalidade,
face ao indivíduo paciente;
c) proporcionalidade em sentido estrito: ponderação entre os benefícios alcançados
com o ato e os danos por ele causados.
Quanto à ordem correta de aplicação do princípio, é a seguinte: primeiro analisa-
se, de fato, se há colisão de direitos fundamentais; depois descreve-se o conflito
identificando os pontos relevantes do caso e, por fim, faz-se o exame, sucessivo, da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.
Outro ponto importante, agora quanto ao princípio da razoabilidade, é que este
costuma ser usado contra a Administração, mas, muitas vezes, o contrário também
acontece.
Isso porque, de um lado, o princípio pode ser visto como um dever-poder, ou
seja, antes de tudo os poderes públicos só se justificam como instrumento dos deveres
públicos, daí porque não se deve agir nunca com excesso (sem razoabilidade) para
atingir os deveres existentes. De outro lado, o princípio pode ser visto como um
poder-dever, de modo que se deve respeitar a decisão discricionária de um agente
público desde que ela seja aceitável (razoável), ainda que algumas pessoas não
concordem com seu conteúdo.
De qualquer forma, e agora tratando dos dois princípios em tela, o fato é que são
instrumentos essenciais na limitação dos excessos e abusos do Estado e devem ser
invocados, sob qualquer dos nomes citados, para evitar que isso aconteça ou para
fazer cessar ou reparar condutas estatais que desrespeitem esses valores.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro sofreu alteração em 2018 e
uma das inovações é uma regra que decorre do princípio da razoabilidade: “nas
esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão
(art. 20, caput, LINDB)”. A ideia é que o controle dos atos administrativos não seja
feito considerando apenas as normas em tese, ou seja, o “mundo das ideias”, mas sim
levando em conta o “mundo fenomênico”, no que se refere às consequências práticas
da decisão. A norma foi editada após administradores públicos de todo o país se
queixarem de algumas decisões tomadas por Tribunais de Contas e por órgão
judiciários, que, em alguns casos, foram tomadas sem conhecimento e mesmo a
avaliação das consequências que a decisão no mundo real, o que gerou muitas vezes a
aplicação da lei em dissonância com os fins sociais a que ela se dirige. De qualquer
forma, essa norma tem que ser compatibilizada com os demais princípios,
especialmente o da legalidade, para que não a use como pretexto para evitar que um
ato administrativo que fere a lei seja corrigido.
2.3.8.Princípio da motivação
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe ao administrador
público o dever de indicar, prévia ou contemporaneamente, os pressupostos de fato
e de direito que determinam a decisão ou o ato, de forma explícita, clara e
congruente.
O princípio da motivação não está previsto expressamente no art. 37, caput, da
CF.
Porém, o princípio pode ser encontrado para as decisões do Poder Judiciário e
do Ministério Público (art. 93, IX, da CF c/c art. 129, § 4°, da CF), que devem ser
devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade.
Apesar de não haver previsão genérica do princípio da motivação na
Constituição Federal, há na legislação infraconstitucional. O art. 2°, caput, da Lei
9.784/1999 faz referência expressa à motivação como princípio a ser obedecido por
toda a Administração Direta e Indireta, de todos os poderes.
O princípio da motivação decorre do aparecimento do Estado de Direito, em que
a única vontade que impera é a da lei e não a pessoal, de modo que a Administração
tem de justificar seus atos. Ele é reforçado pelo princípio da moralidade e pela
ampliação do acesso ao Judiciário, que também exigirão a motivação como forma de
preservar a probidade administrativa e permitir que as pessoas possam impugnar atos
da Administração em juízo.
Uma dúvida muito comum é se a obrigatoriedade de motivação é regra ou
exceção. A pergunta tem pertinência, pois o art. 50 da Lei 9.784/1999 traz um rol de
casos em que a motivação é necessária. Com isso, para alguns, ela só seria
obrigatória quando a lei determinar.
Porém, não se deve esquecer que a motivação é um princípio e, como tal, é uma
norma que tem hierarquia material em relação a algumas regras, como a prevista no
art. 50 da Lei 9.784/1999. Não bastasse isso, o rol de casos em que a motivação é
obrigatória é tão amplo que se pode afirmar: a regra é que os atos administrativos que
afetem direitos devem ser motivados.
Assim, só não haverá o dever de motivar quando a lei expressamente o dispensar,
como é o caso da nomeação e da exoneração para cargo em comissão, que são livres,
ou seja, não dependem de motivação por aquele que comete tais atos.
Nos demais casos, a motivação é requisito de validade do ato administrativo
atinente à forma.
Vale ressaltar, todavia, que, caso se esteja diante de ato vinculado e em situação
cuja motivação seja óbvia, e ainda haja respeito aos demais requisitos de validade,
este poderá ser mantido se demonstrada a ausência de prejuízo. Nessa hipótese, a
motivação não deixa de ser obrigatória, podendo o servidor vir a ser
responsabilizado por sua ausência, mas o ato pode ser mantido no mundo jurídico,
desde que possa ser demonstrado que antecede à lei quanto aos demais aspectos.
Nos atos discricionários, por sua vez, a falta de motivação gera sua invalidação,
sob pena de se permitir a invenção de motivos em momento posterior. Todavia, há
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de que, excepcionalmente, é
possível que um ato discricionário sem motivação possa ser convalidado, desde que a
administração promova motivação posterior que demonstre de modo inquestionável o
seguinte: a) que o motivo extemporaneamente alegado preexistia; b) que esse motivo
era idôneo para justificar o ato; c) que o motivo foi a razão determinante da prática do
ato (STJ, AgRg no RMS 40.427-DF).
A motivação aliunde, consistente na declaração de concordância com os
fundamentos apresentados em outra manifestação anteriormente expedida, é admitida
e largamente utilizada na Administração Pública. Ter-se-á por motivação do ato
aquela à qual faz referência. Ex.: a autoridade expede um ato adotando como
fundamento parecer que o precede.
Vale lembrar que, quando se tratar de decisões de órgãos colegiados ou de
decisões orais, a motivação deve constar da respectiva ata ou termo escrito.
Por fim, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trouxe requisitos
adicionais à motivação, estabelecendo que esta terá que demonstrar a necessidade e a
adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou
norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas (art. 20, parágrafo
único, LINDB).
2.3.9.Princípio da autotutela
Esse princípio pode ser conceituado como aquele que impõe o dever de a
Administração Pública anular seus próprios atos, quando eivados de vício de
ilegalidade, e o poder de revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos.
O princípio da autotutela não está previsto expressamente no art. 37, caput, da
CF.
Porém o princípio é muito conhecido e está previsto na Súmula 473 do STF e no
art. 53 da Lei 9.784/1999.
Perceba-se que, diante de ilegalidade, fala-se em dever (ato vinculado) de
anular. E que diante de motivo de conveniência e oportunidade, fala-se em poder
(ato discricionário) de revogar. O nome do princípio remete à ideia de que a
Administração agirá sozinha, ou seja, sem ter de levar a questão ao Poder Judiciário.
Um exemplo de aplicação da autotutela consiste em a Administração, tomando
ciência da ilegalidade na concessão de uma licença para construir, promover sua
anulação de ofício.
Outro exemplo consiste em a Administração, após ter concedido uma autorização
para uso de um bem público para que uma comunidade feche uma rua por um dia para
realizar uma festa local, revogar a autorização dada por conta da ciência de um fato
novo que torna inconveniente a manutenção da autorização outorgada ao particular.
Outra aplicação prática do princípio está prevista na Súmula 611 do STJ, pela
qual “desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância,
é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em
denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração”.
Tanto a anulação como a revogação poderão se dar independentemente de
apreciação judicial.
2.3.11.Outros princípios
A doutrina também aponta como princípios do Direito Administrativo os
seguintes: finalidade (impõe à Administração que só pratique atos voltados ao
interesse público), especialidade (ligado à descentralização administrativa, impõe
que as pessoas jurídicas criadas pelo Estado – autarquias, por exemplo – atuem de
acordo com a finalidade definida em lei), controle ou tutela (ligado ao anterior,
impõe que a Administração Direta fiscalize os entes que tiver criado, com o objetivo
de garantir a observância de suas finalidades legais), continuidade (impõe que os
serviços públicos não sejam interrompidos), responsabilidade do Estado (impõe
responsabilidade objetiva a este) tratando também dos princípios da hierarquia, do
interesse público, da ampla defesa e do contraditório, entre outros.
3.1.Considerações gerais
Os poderes têm caráter instrumental, uma vez que são os meios pelos quais a
Administração busca atingir seu fim, qual seja, a proteção e promoção do interesse
público.
Por conta disso, a doutrina costuma associar a ideia de poder à de dever, daí
porque muitos autores dizem que a Administração tem, na verdade, um poder-dever
ou um dever-poder, como prefere Celso Antônio Bandeira de Mello.
Enfim, os poderes conferidos à Administração só existem com o objetivo de
atender seus deveres – dever de agir, dever de eficiência, dever de probidade e
dever de prestar contas.
Considerando a importância dos poderes para atender os objetivos da
Administração, esses são irrenunciáveis. Ademais, não se pode manejá-los sem que o
agente tenha competência (ou teremos excesso de poder) ou, ainda que competente,
quando se desvia da finalidade para a qual existe aquele ato (caso de desvio de
poder).
3.5.Poder regulamentar
Conforme já visto, o poder regulamentar pode ser conceituado como a faculdade
de que dispõem os Chefes de Executivo de explicar a lei para sua correta execução
ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não
disciplinada por lei.
Na prática, o poder regulamentar se dá pela edição de decretos regulamentares,
ou seja, de decretos que explicam a lei, propiciando sua fiel execução.
Vamos a um exemplo. Imagine uma lei municipal que estabelece a proibição de
emissão de ruído acima de determinado limite após as 22 horas. Esse tipo de lei
costuma trazer a proibição em si, o limite de decibéis para os diferentes locais de um
município (zonas residenciais, zonas comerciais, em frente a hospitais etc.) e a sanção
aplicável em caso de descumprimento. Porém, tais leis não entram em detalhes sobre
como serão aplicadas no plano concreto. É nessa hora que entra o regulamento. O
Prefeito, por meio de um decreto, detalhará como a fiscalização deverá ser feita, que
tipo de aparelho poderá aferir o limite de decibéis, além de outras regras necessárias
à fiel execução da lei.
O poder regulamentar consiste justamente em o Chefe do Executivo emitir
regulamentos com vistas à operacionalização do cumprimento da lei.
É por isso que o exercício desse poder não pode inovar na ordem jurídica, ou
seja, criar direitos ou obrigações novos. Esse poder tem por objetivo apenas
regulamentar o que a lei estabeleceu, não podendo passar por cima dela.
Conforme já visto quando estudamos o princípio da legalidade, só
excepcionalmente são cabíveis decretos autônomos de lei, valendo citar os dois
casos previstos no art. 84, VI, da Constituição, em que um decreto poderá inovar na
ordem jurídica, atentando, claro, aos limites estabelecidos no dispositivo.
No mais, a regra é que os decretos sejam voltados à execução de lei.
Passemos agora às características do poder regulamentar:
a) é exercido pelo Chefe do Poder Executivo;
b) é indelegável;
c) o meio utilizado para trazer ao mundo jurídico o regulamento é o decreto (ato-
forma);
d) objetiva tão somente propiciar a fiel execução da lei, não podendo, como regra, ir
além do que ela dispõe, ou seja, não podendo inovar na ordem jurídica;
e) o Congresso Nacional tem competência para sustar atos normativos do Executivo
que exorbitem o poder regulamentar (art. 49, V, CF);
f) há leis que são de eficácia contida, por dizerem ser necessário regulamento para
produzirem efeitos (condição suspensiva, portanto).
Não se deve confundir o poder normativo com o poder regulamentar. Aquele
tem conceito mais amplo, que abrange tanto o poder regulamentar, como poder de
editar outros atos normativos infralegais. O poder normativo pode ser exercido por
outros agentes além do Chefe do Executivo (único que pode praticar o poder
regulamentar). Por exemplo, exercem poder normativo um Ministro de Estado (art. 84,
parágrafo único, da CF) e uma agência reguladora, tudo nos termos da lei e dos
regulamentos.
3.6.Poder de polícia
3.6.1.Conceito de poder de polícia em sentido amplo
Conforme já vimos, o poder de polícia pode ser conceituado como a faculdade
de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo
de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do
próprio Estado.
O conceito em tela abrange duas situações: a) as leis, que trazem as limitações
administrativas aos direitos, à liberdade e à propriedade das pessoas; b) a polícia
administrativa, consistente na atividade de fiscalizar a conformidade do
comportamento das pessoas aos limites estabelecidos pela lei.
Portanto, o poder de polícia em sentido amplo abrange tanto a lei como a
fiscalização com vistas a verificar se a aquela está sendo cumprida.
Vejamos um exemplo. Em matéria de trânsito, o Código de Trânsito Brasileiro é
o instrumento que traz a limitação administrativa, ao passo que os agentes de trânsito
exercem a fiscalização, a polícia administrativa.
4. ATOS ADMINISTRATIVOS
4.1.CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO
O ato administrativo pode ser conceituado como a declaração do Estado, ou de
quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, destinada a cumprir
direta e concretamente a lei.
Repare que um ato jurídico só será ato administrativo se contiver os seguintes
elementos:
a) presença do Estado ou de alguém que lhe faça as vezes, como é o tabelião e o
registrador;
b) ato praticado com prerrogativas públicas , ou seja, com supremacia estatal em
relação à outra parte ou ao destinatário do ato;
c) ato destinado a executar a lei no caso concreto, fazendo-o de ofício.
Assim, nem todo ato da Administração é ato administrativo. Caso não haja
prerrogativas ou não se busque a execução da lei no caso concreto, não se terá um ato
administrativo.
Confira alguns atos que são “atos da Administração”, mas não “atos
administrativos”:
a) atos regidos pelo Direito Privado. Exs.: locação de prédio para uso do Poder
Público; escritura de compra e venda; emissão de cheque; tais atos não têm os
atributos (as qualidades e forças) do ato administrativo; vale ressaltar que os atos
antecedentes dos citados devem obedecer ao Direito Público;
b) atos materiais: fatos administrativos. Exs.: cirurgia, ministração de aula, serviço
de café, pavimentação; não há declaração, prescrição do Estado;
c) atos políticos: são os atos de governo, praticados com grande margem de discrição
e diretamente em obediência à Constituição, no exercício de função pública. Exs.:
indulto, iniciativa de lei, veto, sanção; são amplamente discricionários.
Por outro lado, há atos administrativos que não são praticados pelo Poder
Executivo, como os da vida funcional do Poder Judiciário e do Poder Legislativo
(contratação de servidores, licitação para obras e aquisições).
Os dirigentes de entidades da Administração Indireta e os executores de serviços
delegados podem praticar atos que se equiparam a atos administrativos típicos,
tornando-os passíveis de controle por meio de mandado de segurança e ação popular.
4.3.Silêncio administrativo
De acordo com o princípio da legalidade nem mesmo uma declaração expressa
da Administração pode se dar sem que a lei permita ou determine tal declaração.
Consequentemente, com o silêncio da Administração não poderia ser diferente.
Assim, apenas quando a lei expressamente atribuir algum efeito jurídico ao
silêncio administrativo é que este produzirá algum efeito.
Nesse sentido, caso um particular faça um pedido para a Administração e a lei
dispuser expressamente que a inexistência de resposta num certo prazo (silêncio)
importa em aprovação do pedido, aí sim o silêncio terá efeito jurídico, no caso o de
se considerar aprovada a solicitação feita.
Já se um particular faz um pedido e a lei nada dispuser a respeito do que acontece
em caso de silêncio administrativo, o particular não poderá considerar atendido o
pedido, por conta do aludido princípio da legalidade.
Nesse caso o particular tem o direito de buscar o Judiciário, para que este se
pronuncie a respeito. Se havia prazo para manifestação da Administração sem que
esta o tenha cumprido, configura-se hipótese de abuso de poder e o particular pode
buscar o Judiciário sem maiores justificativas. Já se não havia prazo para a
Administração se manifestar, o particular deve buscar o Judiciário alegando
inobservância do princípio da razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, da
CF).
Em qualquer dos casos relatados no parágrafo acima, o particular pode, em se
tratando de ato vinculado o que ele busca da Administração, pedir para que o juiz
substitua a voz da Administração e ele mesmo já acate o pedido do administrado,
tratando-se provimento constitutivo (de uma decisão administrativa) e que pode vir
acompanhado de um provimento condenatório ou mandamental para cumprimento de
obrigações de fazer por parte da Administração. Por outro lado, em se tratando de ato
discricionário o que o particular busca junto à Administração, não poderá o juiz
substituir a vontade da Administração, adentrando no mérito administrativo, devendo
o juiz impor apenas que a Administração decida, o que se pode fazer mediante um
provimento que estipule multa diária ou um provimento mandamental direcionado ao
administrador público, que, caso descumpra a decisão, estará sujeito a responder por
crime de desobediência à ordem legal de funcionário público (art. 330 do Código
Penal)
4.4.2.1.1.Conteúdo
Consiste no que o ato estabelece, dispõe, decide, enuncia, opina ou modifica na
ordem jurídica. Trata-se do objeto a que se refere Hely Lopes Meirelles.3 Ex.:
quando alguém recebe um alvará para construir uma casa, o conteúdo desse ato é uma
licença. Para que estejamos diante de um ato administrativo, o conteúdo deve ter
pertinência em relação à função administrativa. Do contrário, teremos apenas um
ato jurídico que não é o do tipo ato administrativo.
4.4.2.1.2.Forma
Trata-se do revestimento exterior do ato, do modo pelo qual esse revela sua
existência. Basta ter um objeto e uma forma qualquer para que o ato exista. Se o ato
vai ser válido ou não quanto a esse último aspecto, isso será visto no pressuposto
formalização. São exemplos de forma as seguintes: escrita, verbal e gestual.
4.4.2.2.1.Sujeito
É quem produz o ato. O sujeito deve ser capaz, não impedido e competente
para que o ato seja válido.
Quanto à capacidade, o ato expedido por agente público que se torna incapaz,
desde que preencha os demais requisitos legais e seja do tipo vinculado, será
considerado válido, já que no Direito Administrativo o que importa é o atendimento
do fim previsto em lei. No entanto, se um incapaz pratica um ato discricionário, esse
ato será necessariamente inválido, pois não há como dar margem de liberdade a quem
não tem capacidade civil.
Quanto aos casos de impedimento para atuar em processo administrativo, estes
estão previstos no art. 18 da Lei 9.784/1999, valendo citar como exemplo o
impedimento de um servidor que tenha interesse direto ou indireto em dada matéria
que a ele seria submetida.
Com relação à competência, esta é a medida do poder atribuído a cargo
público, órgão público ou entidade da Administração.
A competência só pode ser instituída pela lei, daí a frase de Caio Tácito de que
“não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de Direito”.
A competência é intransferível e improrrogável pela simples vontade do agente.
Porém, o exercício da competência pode ser delegado e avocado nos limites das
normas que regulam a Administração Pública.
Confira os requisitos para a delegação de competência (arts. 12 a 14, Lei
9.784/1999):
a) órgão ou titular de cargo podem delegar;
b) desde que não haja impedimento legal;
c) desde que seja apenas parte da competência;
d) deve ser a outro órgão ou titular de cargo, mesmo que não subordinado
hierarquicamente;
e) deve ser conveniente em razão de índole técnica, social, econômica, jurídica ou
territorial;
f) pode ser de órgão colegiado ao respectivo presidente;
g) não podem ser delegados:
g1) edição de ato normativo;
g2) decisão de recurso administrativo;
g3) matérias de competência exclusiva de órgão ou autoridade;
h) depende de publicação do ato de delegação no D.O.;
i) ato deve especificar matérias e poderes transferidos, a duração e objetivos da
delegação e o recurso cabível;
j) é revogável a qualquer tempo;
k) decisões adotadas por delegação devem mencionar expressamente essa qualidade.
Quanto à avocação de competência, confira as regras previstas no art. 15 da Lei
9.784/1999:
a) é a passagem da competência de órgão hierarquicamente inferior para superior;
b) é temporária;
c) é excepcional, dependendo de motivos relevantes devidamente justificados.
Os atos expedidos por agente incompetente serão quase sempre nulos. São vícios
de competência os seguintes:
a) usurpação de função: consiste na situação em que alguém se faz passar por
agente público sem o ser; o ato será no mínimo nulo, mas, para a maioria dos
doutrinadores, trata-se de ato inexistente;
b) excesso de poder: ocorre na hipótese em que alguém que é agente público acaba
por exceder os limites de sua competência. Ex.: fiscal do sossego público que multa
um bar que visita por falta de higiene; o ato será nulo, pois a incompetência é
material, já que o fiscal deveria atuar na matéria “sossego público” e não na matéria
“vigilância sanitária”; entende-se que, em se tratando de vício de incompetência
relativa (territorial, por exemplo), o ato será anulável e não nulo;
c) função de fato: é aquela exercida por agente que está irregularmente investido
no cargo público, apesar da situação ter aparência legal. O ato não será anulado se
estiver conforme a lei quanto aos demais pressupostos, prevalecendo o princípio da
segurança jurídica, dada a boa-fé e a aparência de legalidade. O agente, todavia, terá
anulada sua nomeação, desligando-se da função que exercia4.
4.4.2.2.2.Motivo
É o fato que autoriza ou exige a prática do ato. Se o motivo está previsto em lei,
o ato é vinculado. Se não estiver previsto, o ato é discricionário. Voltando àqueles
requisitos trazidos por Hely Lopes Meirelles, o motivo, para ele, consiste não só no
fundamento de fato, mas também no de direito, que autoriza a expedição do ato. Na
classificação que ora estudamos, motivo é tão somente o fato autorizador, enquanto
que o fundamento de direito é o pressuposto de validade que veremos a seguir, que
está dentro da formalização.
A chamada teoria dos motivos determinantes dispõe que o motivo invocado
para a prática do ato condiciona sua validade. Se se provar que o motivo é
inexistente, falso ou mal qualificado, o ato será nulo. Exs.: caso uma licitação seja
revogada sob o único fundamento de que não há disponibilidade orçamentária, a
prova da inexistência de tal situação torna o ato de revogação nulo; caso a exoneração
de ocupante de um cargo em comissão tenha sido motivada em fato inexistente, ainda
que a motivação não seja obrigatória no caso, o ato é considerado nulo.
Aliás, segundo o STJ, configura-se vício de legalidade a falta de coerência entre
as razões expostas no ato e o resultado nele contido (MS 13.948, DJe 07.11.2012).
Não se deve confundir o motivo do ato (algo concreto, do mundo dos fatos – o
motivo da apreensão de uma lotação, por exemplo, é a inexistência de autorização
para circulação) com o motivo legal (fundamento legal, algo abstrato). Em suma, tal
teoria dispõe que os atos administrativos, quando forem motivados, ficam vinculados
aos motivos expostos, para todos os fins de direito. Os motivos devem, portanto,
coincidir com a realidade, sob pena de o ato ser nulo, mesmo se a motivação não era
necessária.
Distinção importante é a que se faz entre motivo e móvel. Motivo é o fato que
autoriza o ato, enquanto móvel é a intenção, a vontade do agente. Se o ato é vinculado,
não interessa o móvel do agente. Já se o ato é discricionário, o móvel viciado (ex.:
por buscar uma perseguição política, como a desapropriação de imóvel de um inimigo
político), ainda que atenda ao “fim legal”, torna o ato nulo.
Também se faz relevante diferenciarmos motivo e motivação. O primeiro é o
fato, enquanto o segundo integra a formalização5 (pressuposto de validade do ato que
se verá em seguida), consistindo a motivação na exposição do motivo de fato e da sua
relação de pertinência com a fundamentação jurídica e com o ato praticado. Como
regra, a motivação é obrigatória, só deixando de existir tal dever se a lei
expressamente autorizar.
4.4.2.2.3.Requisitos procedimentais
São os outros atos jurídicos indispensáveis à prática do atual. Ex.: é necessário
o concurso para que haja a nomeação; para que se conceda a licença, deve haver
solicitação.
4.4.2.2.4.Finalidade
É o bem jurídico objetivado pelo ato. Ex.: proteger a paz pública, a salubridade,
a ordem pública. Cada espécie de ato administrativo tem uma finalidade. Para cada
fim a ser alcançado há um ato que será o instrumento para sua realização. Se alguém
utiliza um ato administrativo para alcançar finalidade diversa daquela para o qual
fora criado, este alguém estará cometendo um desvio de poder ou de finalidade.
Assim, o desvio de poder ou desvio de finalidade consiste em o agente se servir
de um ato administrativo para satisfazer finalidade alheia à sua natureza. Esse tipo
de conduta gera a nulidade do ato, conforme a Lei de Ação Popular.
Esse desvio pode se manifestar das seguintes formas:
a) quando o agente busca finalidade alheia ao interesse público, ex.: prejudicar
inimigo, favorecer amigo;
b) quando o agente busca finalidade pública, mas alheia à categoria do ato que utiliza,
ex.: remove-se alguém com a finalidade de punição, quando o correto seria aplicar
uma pena disciplinar, como demissão, suspensão, advertência etc.
Vale destacar que não se deve confundir o excesso de poder (vício de sujeito, de
competência) com o desvio de finalidade ou desvio de poder (vício de finalidade), os
quais são espécies do gênero abuso de autoridade, que, aliás, é fundamento para que
se ingresse com mandado de segurança (art. 5°, LXIX, CF).
4.4.2.2.5.Causa
É o vínculo de pertinência entre o motivo e o conteúdo do ato. Para que um ato
administrativo atenda o pressuposto de validade causa, é necessário que haja
correlação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato em função de sua finalidade.
No âmbito da causa se examinam a razoabilidade e a proporcionalidade, que são
vistas olhando o conteúdo do ato, o seu motivo e a intensidade necessária para atingir
a finalidade.
Um exemplo de situação que não atende ao pressuposto de validade causa é a
utilização de arma de fogo para dissolver uma passeata pacífica.
Não se deve confundir o motivo com a causa. O motivo é fundamento de fato e de
direito que autoriza a prática do ato, não se confundindo com a causa, que é relação
de adequação, de proporcionalidade entre o motivo invocado e o ato praticado.
Ambos (motivo e causa) são requisitos ou pressupostos de validade do ato
administrativo. Há problema no motivo quando o fato ou o direito invocados são
falsos ou inadequados, respectivamente. Há problema na causa quando o ato
praticado é desproporcional aos motivos invocados, em função da finalidade do ato.
4.4.2.2.6.Formalização
É a específica maneira pela qual o ato deve ser externado, incluindo o dever de
motivação.
Assim, além de todo ato administrativo dever ser exteriorizado (o que requer uma
forma qualquer), cumpre que seja de dado modo (específica forma). Ex.: o contrato
oriundo de uma concorrência pública deve ser escrito. Mas não é só, para que o ato
atenda ao pressuposto de validade formalização, é necessário que ele seja motivado,
ou seja, que contenha a exposição do motivo de fato, do motivo de direito e do
vínculo entre eles e o ato praticado.
Excepcionalmente, alguns aspectos de formalização podem ser irrelevantes à
validade do ato. Nesses casos, tornam o ato apenas irregular. Por exemplo, quando há
omissão de elemento relativo a simples padronização, como é o caso de uma certidão
de objeto e pé expedida em papel não timbrado.
No entanto, como regra, a falta de motivação gera a nulidade do ato.
Por fim, vale lembrar que, enquanto no Direito Privado vige o princípio da
liberdade das formas, no Direito Público a solenidade é a regra, de modo que a forma
é substancial.
4.5.2.Atributos em espécie
4.5.2.1.Presunção de legitimidade
É a qualidade que reveste tais atos de se presumirem verdadeiros e conforme
ao direito, até prova em contrário.
Perceba que o princípio traz duas presunções: a) de veracidade dos fatos; b) de
legalidade do ato praticado.
Trata-se de presunção juris tantum (presunção relativa) de legitimidade e não de
presunção juris et de jure (presunção absoluta). Um exemplo desse atributo é o ato
que constata a omissão do particular de promover a limpeza de um terreno de sua
propriedade e que determina sua feitura. Tal ato presume-se verdadeiro quanto à
constatação da falta de limpeza e legal quanto à determinação dada. O particular fica
com o ônus de provar o contrário.
A presunção de legitimidade decorre do princípio da legalidade, pois, como esse
princípio informa toda a atuação administrativa, presume-se que a Administração
tenha cumprido a lei, valendo lembrar que tal presunção admite prova em contrário.
A existência de tal presunção é interessante administrativamente falando, pois
torna mais célere e eficiente a atividade administrativa. Isso porque a presunção de
legitimidade dos atos administrativos autoriza a sua imediata execução, mesmo que
tenham sido impugnados, salvo se se conseguir sua suspensão ou anulação
administrativa ou judicial.
4.5.2.2.Imperatividade
É a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros,
independentemente de sua concordância.
Esse atributo é também chamado de poder extroverso.
Essa qualidade do ato administrativo permite que a Administração mande no
particular, independentemente de sua concordância.
Partindo do exemplo dado no item anterior, imperatividade significa que a
Administração pode determinar que o particular faça a limpeza de seu terreno, sem
que tenha de ter a concordância deste ou que tenha de buscar autorização do Poder
Judiciário.
É importante deixar claro que nem todos os atos administrativos são dotados de
imperatividade. Os atos enunciativos e negociais não têm esse atributo, já que esta
qualidade é desnecessária à sua operatividade.
A lei é que vai dispor quais atos são dotados de imperatividade.
4.5.2.3.Exigibilidade
É a qualidade em virtude da qual a Administração pode compelir terceiros a
cumprir o determinado, mediante coação indireta.
Aqui já se presume a constituição da obrigação (a imperatividade), com o plus de
se poder impelir o terceiro à observância do dever, sem necessidade de se recorrer
ao Poder Judiciário, por meio da aplicação de certas sanções, como multas e
advertências. No Direito Francês é denominada privilège du préalable.
Continuando o exemplo dado nos itens anteriores, o atributo significa que, após o
particular ter sido notificado para limpar seu terreno (imperatividade), pode a
Administração, na inércia deste, aplicar uma multa (exigibilidade = coação indireta),
a fim de compelir indiretamente o particular a cumprir o que fora determinado.
Repare que aqui há punição, mas não há desconstituição do ato ilegal.
4.5.2.4.Autoexecutoriedade
É a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o
administrado, sem busca da via judicial, ao cumprimento da obrigação que impôs e
exigiu.
Veja-se que a autoexecutoriedade é ainda mais forte que a exigibilidade, uma vez
que a primeira admite que a Administração use da coação direta (coação material),
que significa fazer uso da força.
No Direito Francês é denominada privilège d`action d`office.
Partindo do exemplo que vínhamos dando, a autoexecutoriedade significa que,
depois de notificar o particular para limpar o terreno (imperatividade) e aplicar a
multa (exigibilidade), a Administração pode, por si própria, invadir o terreno do
particular, fazer a limpeza e mandar a conta dos custos de seu ato
(autoexecutoriedade).
Outros exemplos desse atributo são a requisição de bens e serviços particulares,
no caso de iminente perigo público, e dissolução de passeata com o uso da força, a
fim de possibilitar a passagem de uma ambulância por uma via pública, a interdição
de uma obra, a apreensão de mercadorias falsificadas, a apreensão do veículo por
violação de certas normas de trânsito, entre outros.
Repare que aqui há sanção e também desconstituição do ato ilegal.
É bom deixar claro que a autoexecutoriedade não é atributo de todo ato
administrativo. Trata-se de atributo excepcional, que existe nos seguintes casos:
a) quando a lei expressamente autorizar;
b) quando a medida for condição indispensável à eficaz garantia do interesse público;
c) quando a medida for urgente e não houver via judiciária de igual eficácia à
disposição da Administração, ocasião em que se entende que a medida é permitida
implicitamente pela lei.
Vale observar que Hely Lopes Meirelles chama de autoexecutoriedade a
possibilidade de a Administração impor seus atos independentemente de
pronunciamento do Poder Judiciário, chamando de coercibilidade a possibilidade de
a Administração usar a força.
Parte da doutrina também denomina de executoriedade o que chamamos neste
item de autoexecutoriedade.
Ademais, Hely Lopes Meirelles entende que a coercibilidade é a regra em
matéria de atos da administração (e não exceção, como pensa a maior parte da
doutrina), só não sendo possível ser utilizada quando a lei expressamente o proibir,
como é o caso da cobrança de tributos e multas já impostos e não pagos, em que será
necessário promover-se uma execução fiscal junto ao Poder Judiciário.
4.5.2.5.Tipicidade
Alguns doutrinadores, com destaque para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
entendem que há, ainda, um quinto atributo do ato administrativo.
Trata-se do atributo da tipicidade, pela qual o ato administrativo deve
corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir
determinados resultados.
Isso significa que os atos administrativos devem respeitar os tipos definidos na
lei.
Para nós, todavia, o que se define por tipicidade nada mais é do que pressuposto
de validade do ato administrativo e não atributo deste.
Com efeito, atributos são prerrogativas dos atos administrativos, e a tipicidade
não nos parece uma prerrogativa do ato administrativo, mas o requisito de validade
deste.
No entanto, em exames e concursos públicos, a tipicidade é tratada como atributo
dos atos administrativos, de modo que fica a notícia de que, aparecendo o instituto,
deve-se lembrar que a doutrina o trata como atributo do ato administrativo.
4.6.3.Contraposição
A contraposição pode ser conceituada como a extinção de um ato
administrativo pela prática de outro antagônico ao primeiro.
Um exemplo é o ato de exoneração de um servidor público. Tal ato, uma vez
praticado, faz com que a nomeação do mesmo servidor, feita no passado, fique
automaticamente extinta, já que a primeira (exoneração) é totalmente antagônica à
segunda (nomeação).
4.6.4.Cassação
A cassação pode ser conceituada como a extinção de um ato que beneficia um
particular por este não ter cumprido os deveres para dele continuar gozando.
Portanto, o motivo da cassação de um ato administrativo é o fato de seu
beneficiário ter descumprido obrigações que foram estipuladas como contrapartida
para que o interessado conseguisse se beneficiar desse ato.
Por exemplo, a pessoa que tem a permissão de uso de um bem público e que não
vem pagando o preço público correspondente poderá vir a ter cassado o ato de
permissão.
Outro exemplo diz respeito à autorização de porte de arma de fogo. Um dos
deveres de quem tem o porte é não ser pego em estado de embriaguez ou sob efeito de
entorpecentes. Assim sendo, caso o detentor de porte de arma seja pego numa dessas
duas situações, terá a autorização correspondente cassada, nos termos do art. 10, § 2°,
do Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826/2003.
A cassação não se confunde com a revogação. Enquanto a primeira tem por
motivo o descumprimento de obrigações pelo beneficiário do ato, a segunda tem por
motivo a ocorrência de um fato novo não relacionado ao beneficiário que torna
inconveniente ao interesse público a manutenção do ato.
A cassação também não se confunde com a anulação, pois nessa a extinção do ato
se dá pela ocorrência de uma ilegalidade por ocasião de sua formação, ao passo que a
cassação consiste numa ilegalidade praticada pelo beneficiário ocorrida depois da
prática do ato administrativo. Enfim, na cassação, o ato, embora legítimo na sua
origem e formação, torna-se ilegal na sua execução.
4.6.5.Caducidade
A caducidade pode ser conceituada como a extinção de um ato porque a lei não
mais o permite. Trata-se de extinção por invalidade superveniente.
Um exemplo é a permissão de serviço público dada a alguém para exercer o
transporte coletivo urbano por meio de vans ou peruas. Imaginemos que, depois de
conferida a permissão, advenha uma lei municipal criando nova modelagem no
serviço de transporte coletivo para o fim de abolir o transporte por meio de vans,
admitindo apenas o transporte por meio de ônibus e micro-ônibus. Nesse caso, todas
as permissões conferidas aos chamados perueiros ficarão extintas, pela ocorrência do
instituto da caducidade.
Enfim, a caducidade nada mais é do que a extinção de um ato administrativo pela
ilegalidade superveniente, ou seja, pelo fato de uma lei editada posteriormente à
prática do ato não mais permitir que esse tipo de ato exista.
4.6.6.Revogação
A revogação pode ser conceituada como a extinção de um ato administrativo
legal ou de seus efeitos por outro ato administrativo pela ocorrência de fato novo
que torna o ato inconveniente ou inoportuno, respeitando-se os efeitos precedentes
(ex nunc).
Em suma, a revogação é extinção do ato administrativo por motivo de
conveniência ou oportunidade.
Um exemplo disso é a revogação de um certame licitatório para a construção de
uma praça temática pela ocorrência de fato novo consistente na abrupta diminuição da
arrecadação de um município, fazendo com que não seja mais conveniente ao
interesse público fazer gastos com a construção de praças, considerando as
dificuldades econômicas que o município passou a ter.
Outro exemplo é a revogação da permissão de uso de bem público concedida a
uma pessoa jurídica, pelo fato de um Município passar a ter interesse em utilizar o
imóvel, para fins de atender, por exemplo, à demanda crescente por creches na
cidade.
Repare, nos dois casos, que as situações narradas não contemplam ilegalidade
alguma a propiciar a anulação, nem descumprimento de deveres pelo beneficiário do
ato, a propiciar cassação, nem lei posterior incompatível com o ato, a propiciar a
caducidade.
As situações narradas revelam que, após a expedição de um ato administrativo
totalmente de acordo com a lei, aconteceram fatos novos que fizeram com que o
interesse público se direcionasse para o fim de extinguir o ato, dando-se a esta
extinção o nome de revogação.
O sujeito ativo da revogação é a Administração Pública, por meio de
autoridade administrativa competente para o ato, podendo ser seu superior
hierárquico. O Poder Judiciário nunca poderá revogar um ato administrativo, já que
se limita a apreciar aspectos de legalidade deste e nunca aspectos de conveniência ou
oportunidade. O Judiciário só poderá anular atos administrativos por ele mesmo
praticados, como na hipótese em que um provimento do próprio Tribunal é revogado
por este.
Quanto ao objeto da revogação, tem-se que essa recai sobre o ato
administrativo ou relação jurídica dele decorrente , salientando-se que o ato
administrativo deve ser válido, pois, caso seja inválido, estaremos diante de hipótese
que enseja anulação. É importante ressaltar que não é possível revogar um ato
administrativo já extinto, dada a falta de utilidade em tal proceder, diferente do que se
dá com a anulação de um ato extinto, que, por envolver a retroação de seus efeitos (a
invalidação tem efeitos ex tunc), é útil e, portanto, possível.
O fundamento da revogação é a mesma regra de competência que habilitou o
administrador à prática do ato que está sendo revogado, devendo-se lembrar que só
cabe falar-se em revogação nas hipóteses de ato discricionário.
Já o motivo da revogação é a inconveniência ou inoportunidade da manutenção
do ato ou da relação jurídica gerada por ele. Isto é, o administrador público faz
apreciação ulterior e conclui pela necessidade da revogação do ato para atender ao
interesse público.
Quanto aos efeitos da revogação, essa suprime o ato ou seus efeitos, mas
respeita aqueles que já transcorreram. Ou seja, opera-se da data da revogação em
diante, não negando os efeitos operados ao tempo de sua vigência. Trata-se de
eficácia ex nunc, portanto.
Quanto aos limites ao poder de revogar, a doutrina aponta que são atos
irrevogáveis os seguintes: a) os que a lei assim declarar; b) os atos já exauridos, ou
seja, que cumpriram seus efeitos; c) os atos vinculados, já que não se fala em
conveniência ou oportunidade, dado que o agente só tem uma opção; d) os meros ou
puros atos administrativos (exs.: certidão, voto dentro de uma comissão de
servidores); e) os atos de controle; f) os atos complexos (praticados por mais de um
órgão em conjunto); g) os atos que geram direitos adquiridos6.
A doutrina administrativa observa que a jurisprudência reconhece como
irrevogáveis os atos que geram direitos subjetivos para o destinatário, noção que, a
nosso ver, deve estar compreendida na ideia de direito adquirido.
Quanto aos atos gerais ou regulamentares, estes são, por sua natureza,
revogáveis em qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias, respeitando-se os
efeitos produzidos.
Tema relevante é o atinente à relação entre revogação e indenização. Por
respeitar os efeitos precedentes (a revogação não retroage – ex nunc) e por não poder
atingir direitos adquiridos, a revogação legítima não gera direito à indenização,
salvo se envolver uma relação contratual.
Nada obstante, caso o Poder Público tenha a intenção de atingir efeitos passados
(ex tunc), só lhe resta desapropriar o direito, indenizando por completo o particular,
como no caso em que, após expedida uma licença para construir, decida a
Administração alterar o traçado de via pública, o que impede a obra na forma
aprovada.
No que concerne à revogação da revogação (ou revogação de um ato
revocatório), no Direito Administrativo, diferente do que ocorre com as leis,
entendemos, assim como Celso Antônio Bandeira de Mello, que é admitido o efeito
repristinatório. Ou seja, revogado o ATO X pelo ATO Y e, em seguida, o ATO Y
pelo ATO Z, fica restaurado o ATO X. Assim, a revogação de um ato revocatório de
outro tem natureza constitutiva do primeiro. Porém, essa tese não é admitida por
inúmeros doutrinadores, como José dos Santos Carvalho Filho e o saudoso Diógenes
Gasparini, de acordo com os quais, também no Direito Administrativo, só é possível
a repristinação por expressa disposição normativa.
4.6.7.Anulação (invalidação)
A anulação pode ser conceituada como a extinção do ato administrativo ou de
seus efeitos por outro ato administrativo ou por decisão judicial, por motivo de
ilegalidade, com efeito retroativo (ex tunc).
Em suma, a anulação é extinção do ato administrativo por motivo de ilegalidade.
Um exemplo é a anulação de uma permissão de uso de bem público para a
instalação de uma banca de jornais por ter sido conferida sem licitação.
O sujeito ativo da invalidação pode ser tanto o administrador público como o
juiz. A Administração Pública poderá invalidar de ofício ou a requerimento. Já o
Poder Judiciário só poderá invalidar um ato por provocação ou no bojo da uma lide.
A possibilidade de o Poder Judiciário anular atos administrativos decorre do fato
de estarmos num Estado de Direito (art. 1°, CF), em que a lei deve ser obedecida por
todos. Decorre também do princípio da inafastabilidade da jurisdição (“a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” – art. 5°,
XXXV, da CF) e da previsão constitucional do mandado de segurança, do habeas
data e da ação popular, que só fazem sentido se se permitir que o Judiciário possa
anular atos administrativos.
O objeto da invalidação é o ato administrativo inválido ou os efeitos de tal ato
(relação jurídica). Por exemplo, quando se anula uma licitação, há de se anular a
licitação em si e a relação jurídica dela decorrente, no caso o contrato administrativo.
O fundamento da anulação é o dever de obediência ao princípio da legalidade.
Não se pode conviver com a ilegalidade. Portanto, o ato nulo deve ser invalidado.
O motivo da invalidação é a ilegalidade do ato e da eventual relação jurídica
por ele gerada. Hely Lopes Meirelles diz que o motivo da anulação é a ilegalidade ou
a ilegitimidade do ato, diferente da revogação, que tem por motivo a inconveniência
ou inoportunidade. Fala-se em ilegalidade ou ilegitimidade do ato para ressaltar que
a anulação deve ser feita não só quando haja violação frontal ao que dispõe o texto
legal (ilegalidade), mas também quando haja abuso, por excesso ou desvio de poder,
ou mesmo quando se viole princípios do Direito (ilegitimidade).
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trouxe em 2018
modificações importantes em matéria de Direito Administrativo e, no que diz respeito
à invalidação de atos administrativos, criou duas regras:
a) a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a
invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar
de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas (art. 21, caput, da
LINDB);
b) essa decisão deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a
regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses
gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função
das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos (art. 21, parágrafo único,
da LINDB).
O objetivo da primeira alteração é evitar que, havendo a anulações de atos, paire
dúvidas e vazio sobre como ficarão as coisas dali para frente, evitando, assim,
prejuízo ao interesse público (item “a”). Muitas vezes um contrato administrativo é
anulado e não se define como ficará o serviço público em questão dali para frente,
sendo que há casos em que não pode haver descontinuidade do serviço público,
hipótese em que eventual anulação de um ajuste deve vir acompanhada de
determinações sobre se tem efeito imediato ou se haverá um período de transição, por
exemplo.
Já quanto à segunda inovação, a lei estabelece que, sempre que possível, deve-se
buscar a regularização da situação de modo adequado aos envolvidos, sem excessos
desnecessários e preservada a proporcionalidades das medidas cabíveis, preservando
sempre o interesse público (item “b”).
Quanto ao prazo para que se efetive a invalidação, Hely Lopes Meirelles diz
que, em que pese a inclinação da doutrina para a ideia de que não há prazo para
anulação do ato administrativo, a jurisprudência vem atenuando tal afirmativa para
dizer que se deve manter atos ilegítimos praticados e operantes há longo tempo e que
já produziram efeitos perante terceiros de boa-fé, de modo a fazer valer o princípio
da segurança jurídica.
Na esfera federal, a Lei 9.784/1999 dispõe em seu art. 54: “o direito da
Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis
para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados,
salvo comprovada má-fé”.
Nesse sentido, temos duas situações:
a) prazo para anular ato que beneficia alguém de boa-fé: 5 anos;
b) prazo para anular ato que beneficia alguém de má-fé: não há prazo, porém, em
virtude do princípio da segurança jurídica há quem entenda que se deva aplicar ao
caso o maior prazo previsto no Código Civil, que é de 15 anos (art. 1.238 – usucapião
extraordinária). Vale lembrar, ainda, que a boa-fé é presumida, de modo que compete
à Administração Pública que pretender anular o ato ou outro autor de ação para o
mesmo fim (por exemplo, o autor popular e o Ministério Público) o ônus da prova.
Quanto ao termo a quo do prazo de 5 anos previsto para o primeiro caso, temos
as seguintes situações:
a) regra: o prazo de 5 anos começa a correr da data em que o ato foi praticado;
b) no caso de atos com efeitos patrimoniais contínuos: o prazo de 5 anos começa a
correr da percepção do primeiro pagamento.
O art. 54, § 2°, da Lei 9.784/1999 traz regra interessante, que tem o seguinte teor:
“considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade
administrativa que importe impugnação à validade do ato”.
Essa regra faz com que a decadência não se opere se, no curso dos cinco anos de
prazo, a autoridade administrativa tome medida que importe impugnação à validade
do ato.
É importante ressaltar que o prazo em questão é um prazo decadencial e não
prescricional. Dessa forma, não incidem as regras de suspensão e interrupção da
prescrição previstas no Código Civil.
Outro ponto importante é que a regra ora estudada está prevista na Lei de
Processo Administrativo Federal, o que não impede que Municípios e Estados-
membros estabeleçam regras sobre o prazo decadencial para anular atos
administrativos, como é o caso do Estado de São Paulo, que, em sua Lei de Processo
Administrativo, estabelece que o prazo decadencial para anular atos ilegais é de 10
(dez) anos, contados de sua produção (art. 10, I, da Lei Estadual 10.177/1998). Dessa
forma, deve-se verificar, no âmbito de cada ente federativo, se existe lei
estabelecendo prazo diferenciado para a anulação de atos administrativos ilegais.
Caso não haja ato normativo local nesse sentido, aplicar-se-ão, por analogia, as
regras previstas na Lei 9.784/1999.
Considerando o posicionamento do STF no MS 31.736/DF (j. em 10.09.2013), há
de se tomar cuidado quanto ao início do prazo decadencial no caso de aposentadoria.
Considerando que esta é considerada um ato complexo, que só se torna perfeito e
acabado quando, após a aposentadoria ser deferida pela Administração, é confirmada
pelo Tribunal de Contas respectivo, o prazo decadencial para anular uma ilegalidade
numa aposentadoria concedida não se inicia do deferimento desta pela Administração,
mas sim da data em que o Tribunal de Contas tiver aprovado ou não o ato. No caso
julgado pelo STF a aposentadoria foi deferida pela Administração em 1992 e, apenas
em 2012 o Tribunal de Contas analisou e decidiu por ilegalidades em seu cálculo.
Porém, a aposentada, que já estava nessa qualidade desde 1992, não conseguiu anular
a decisão do Tribunal de Contas, sob o argumento do transcurso do prazo de 5 anos
para a anulação de atos que beneficiam terceiros de boa-fé. Isso porque, segundo o
STF, esse prazo não chegou correr, já que o ato de aposentadoria só se aperfeiçoou
em 2012 (e não em 1992), sendo que os 5 anos para anular alguma ilegalidade no ato
como um todo só tem início em 2012. Por outro lado, o plenário do STF também
assentou que, nesse tipo de caso, havendo boa-fé do servidor público que recebe
valores indevidos a título de aposentadoria, só a partir da data em que for ela julgada
ilegítima pelo órgão competente (no exemplo dado acima, em 2012) deverá ser
devolvida a quantia recebida a maior após essa data (MS 26085, DJ 09.06.2011).
Não se deve, todavia, confundir o reconhecimento de nulidades pelos Tribunais de
Contas quanto a aposentadorias (que é um ato completo, ou seja, que só se forma
quando o Tribunal de Contas a aprova), como o mesmo reconhecimento quando se
tratar de outros tipos de atos não complexos, como uma promoção. Nesse último caso,
após deferida a promoção, o Tribunal de Contas tem 5 anos para exercer o controle
de legalidade dos atos administrativos (no caso, declarar a sua ilegalidade e
determinar a sua anulação a tempo), contados da data em que a Administração deferiu
a promoção (vide, a respeito: STF, MS 26404/DF, j. em 29.10.2009).
De rigor lembrar que a anulação de atos que geram uma relação jurídica
constituída a pessoas não pode se dar simplesmente porque se verificou uma
ilegalidade e se está dentro do prazo de 5 anos para que se dê. É necessário que se
verifique se não é o caso de convalidação, bem como que se instaure o adequado
procedimento e que se respeite às garantias constitucionais do devido processo legal,
da ampla defesa e do contraditório (STF, AI 587487 AgR/RJ).
Por fim, ainda em relação decadência quinquenal para anular atos prevista na Lei
9.784/1999, o STJ entende que os atos administrativos praticados anteriormente ao
advento da Lei 9.784/1999 estão sujeitos ao prazo decadencial de 5 anos, porém,
contado da entrada em vigor da lei que estabeleceu esse prazo (9.784/1999), qual
seja, 01.02.1999, e não da prática do ato (REsp 1.270.474-RN, j. em 18.10.2012).
No que concerne aos efeitos da invalidação, como o ato nulo já nasce com a
sanção de nulidade, a declaração se dá retroativamente, ou seja, com efeito ex tunc.
Invalidam-se as consequências passadas, presentes e futuras do ato, já que, do ato
ilegal não nascem direitos. A anulação importa no desfazimento do vínculo e no
retorno das partes ao estado anterior. Tal regra é atenuada em face dos terceiros de
boa-fé. Assim, a anulação da nomeação de um agente público, por exemplo, surte
efeitos em relação a este (que é parte da relação jurídica anulada), mas não em
relação aos terceiros destinatários dos atos por este praticado, desde que tal ato
respeite a lei quanto aos demais aspectos.
Tema relevante é o atinente aos tipos de invalidade ou tipos de vícios dos atos
administrativos e os respectivos meios de correção.
A doutrina majoritária (corrente quaternária) entende que podem ocorrer os
seguintes vícios nos atos administrativos:
a) atos administrativos inexistentes, que, de tão absurdos que são, sequer precisam
ter declarada sua inexistência;
b) atos administrativos nulos, que devem ser anulados no prazo decadencial;
c) atos administrativos anuláveis, que podem ser convalidados, permanecendo na
ordem jurídica;
d) atos administrativos irregulares, que são aqueles que contêm vício formal de
pouca relevância, devendo permanecer na ordem jurídica.
Hely Lopes Meirelles defendia a ideia de que não havia, no Direito
Administrativo, atos anuláveis, pois a anulabilidade é instituto do direito privado, em
que se pode dispor de certos interesses. Para esse respeitado doutrinador, o ato
administrativo ou era nulo ou era válido e só.
Confira, agora com mais detalhes, a definição dos tipos de vícios dos atos
administrativos:
a) atos inexistentes: são os que assistem ao campo do absurdo jurídico, do
totalmente intolerável; tais atos não produzem efeito algum. Exs.: instrução de um
agente policial a outro para torturar um bandido; prática de usurpação de função, ou
seja, conduta de alguém que se faz passar por agente público, praticando ato da
alçada deste;
b) atos irregulares: são aqueles que padecem de vícios formais irrelevantes,
reconhecíveis de plano, em que há descumprimento de norma que tem por único
objetivo impor padronização interna dos atos; tais atos não devem ser invalidados.
Ex.: certidão feita pela autoridade competente, mas em papel não timbrado;
c) atos nulos (nulidade absoluta): são os que a lei assim declare ou aqueles sobre
os quais a convalidação seja racionalmente impossível, pois, se o conteúdo fosse
repetido, seria repetida a ilegalidade 7; a nulidade absoluta é grave, devendo o ato
ser anulado, salvo se já tiver operado o prazo decadencial para tanto. Exs.: nomeação
para cargo efetivo feita sem concurso público; contrato feito sem licitação, quando
não incidia nenhuma hipótese de dispensa ou inexigibilidade desta;
d) atos anuláveis (nulidade relativa): são os que podem ser repetidos sem o vício
originário; a nulidade relativa é vício de menor gravidade, sendo possível a
convalidação do ato. Ex.: ato expedido por autoridade com incompetência territorial;
ato praticado com particular relativamente incapaz; ato praticado mediante erro ou
dolo.
Vistos os vícios concernentes à questão da validade, passemos ao estudo dos
meios integradores da invalidade ou sanatória.
A convalidação (ou saneamento) é a supressão da invalidade de um ato pela
expedição de outro, com efeitos retroativos . Incide sobre os atos anuláveis,
tornando-os válidos com efeito retroativo.
A convalidação só poderá ser feita se o ato puder ser repetido sem o vício que
o inquinava ou se, apesar de se estar diante de ato com vício insanável, haja
excepcional e patente interesse público na sua preservação. No primeiro caso,
geralmente incide sobre vícios de sujeito (competência) e de forma (descumprimento
de forma que não seja substancial), os quais, sanados, importam em convalidação do
ato anterior, cuja maior vantagem é ter efeito retroativo, efeito que não existiria com a
simples expedição de um novo ato, sem aproveitamento do anterior viciado.
Vejamos, agora, os requisitos que a doutrina aponta como essenciais para que
seja possível a convalidação: a) possibilidade de o ato ser expedido novamente, sem
o vício originário; b) prejuízo maior se não se mantiver o ato viciado;c) inexistência
de prejuízo ao erário e a terceiro; d) boa-fé; e) inexistência de impugnação prévia do
ato.
O art. 55 da Lei 9.784/1999 admite expressamente a convalidação, devendo a
Administração, sempre que possível, optar por ela. Todavia, há uma hipótese em que
a Administração poderá optar entre convalidar e não convalidar um ato anulável.
Trata-se do caso em que se têm atos discricionários praticados por autoridade
incompetente. Nesse caso, a autoridade que for a competente não fica obrigada a
convalidar o ato viciado, dada a margem de liberdade que detém para praticá-lo.
A convalidação será chamada de ratificação nas hipóteses em que há vício de
incompetência, não podendo incidir nos casos em que essa for outorgada com
exclusividade ou em razão de matéria.8
Quanto ao vício de forma, a convalidação só será possível se essa não for
essencial à validade do ato. Há de se lembrar que a forma abrange a forma
propriamente dita (escritura pública, escritura particular, ato verbal etc.) e a
motivação. Quanto à motivação, a sua ausência, caso se esteja diante de ato
vinculado e em situação cuja motivação seja óbvia e passível de demonstração futura,
verificando-se que houve respeito aos demais requisitos de validade do ato, este
poderá ser mantido se demonstrada a ausência de prejuízo. Já quanto aos atos
discricionários, a falta de motivação gera sua invalidação, sob pena de se permitir a
invenção de motivos em momento posterior. Todavia, há entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais no sentido de que, excepcionalmente, é possível que um ato
discricionário sem motivação possa ser convalidado, desde que a administração
promova motivação posterior que demonstre de modo inquestionável o seguinte: a)
que o motivo extemporaneamente alegado preexistia; b) que esse motivo era idôneo
para justificar o ato; c) que o motivo foi a razão determinante da prática do ato (STJ,
AgRg no RMS 40.427-DF).
Quanto ao motivo e à finalidade, fica difícil falar-se em convalidação. O mesmo
se pode dizer quanto ao objeto. Neste caso, poderá caber a conversão, que é instituto
jurídico que não se confunde com a convalidação.
Vejamos, agora, um exemplo de convalidação. Imagine a nomeação de um
servidor feita por um Ministro de Estado, quando a competência era da alçada do
Presidente da República, seguindo-se a delegação por parte deste para a referida
nomeação. O ato originário contém vício (falta de competência), que pode ser sanado,
pela convalidação, mediante ratificação do Presidente da República ou, após a
delegação da competência, confirmação pelo Ministro de Estado.
A conversão (ou sanatória) consiste no aproveitamento de um ato inválido,
tornando-o ato de outra categoria, com efeito retroativo à data do ato original.
A conversão incide sobre atos nulos, aproveitando-os em outra categoria de atos.
A palavra-chave aqui é “aproveitar”.
Diferentemente da convalidação, que mantém o ato na categoria de atos em que
ele é praticado, na conversão aproveita-se o ato nulo para uma outra situação, para
uma outra categoria de atos.
Um exemplo é a permissão de uso de bem público concedida sem licitação
(permissão nula!), que acaba sendo convertida numa autorização de uso de bem
público (outra categoria de ato!), que não requer licitação.
Outro exemplo é a nomeação de um agente público para um cargo de provimento
efetivo, sem realização de concurso público, que acaba sendo convertida em
nomeação para cargo em comissão, que não requer prévia aprovação em concurso
público.
O instituto da conversão está previsto no Código Civil. Confira: “art. 170. Se,
porém, o negócio nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a
que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvesse previsto a
nulidade”.
Por fim, vale ressaltar que a conversão, assim como a convalidação, tem efeito
retroativo, ou seja, ficam mantidos todos os atos praticados no período antecedente ao
saneamento, salvo, naturalmente, se houver má-fé.
Não sendo possível a conversão ou a convalidação do ato, mas remanescendo
clara a necessidade de mitigar consequências graves para o interesse público
decorrentes da anulação do ato, a doutrina também discute a possibilidade de efetivar
a modulação dos efeitos anulatórios, providência que, em matéria de controle de
constitucionalidade, é bastante comum quando se declara a inconstitucionalidade de
um ato normativo. Um exemplo é o caso de se anular o alvará de construção de um
conjunto de quatro prédios construídos como habitação popular, quando as duas
primeiras torres já tiverem sido erguidas. Pode ser que a melhor medida seja manter a
integridade das duas primeiras torres já construídas, fazendo-se uma compensação em
relação às demais torres a serem construídas, desde que o vício que gerou à anulação
tenha relação com a medida mitigadora das novas torres, não sendo possível que tal
modulação se dê, por exemplo, caso todas as torres (as já construídas e as por
construir) estejam situada em área de manancial, hipótese em que somente a
demolição de tudo deve ser admitida.
4.7.5.Quanto à estrutura
Atos concretos são aqueles que dispõem sobre uma única situação, sobre um
caso concreto. Ex.: exoneração de um agente público.
Atos abstratos são aqueles que dispõem sobre reiteradas e infinitas situações .
Ex.: regulamento.
4.7.6.Outra classificação
Atos normativos são aqueles que contêm comando geral da Administração
Pública, com o objetivo de executar a lei. Exs.: regulamentos (da alçada do Chefe do
Executivo), instruções normativas (da alçada dos Ministros de Estado), regimentos,
resoluções etc.
Atos ordinatórios são aqueles que disciplinam o funcionamento da
Administração e a conduta funcional de seus agentes. Exs.: instruções (são escritas
e gerais, destinadas a determinado serviço público), circulares (escritas e de caráter
uniforme, direcionadas a determinados servidores), avisos, portarias (expedidas por
chefes de órgãos – trazem determinações gerais ou especiais aos subordinados,
designam alguns servidores, instauram sindicâncias e processos administrativos etc.),
ordens de serviço (determinações especiais ao responsável pelo ato), ofícios
(destinados às comunicações escritas entre autoridades) e despacho (contém decisões
administrativas).
Atos negociais são declarações de vontade coincidentes com pretensão do
particular. Exs.: licença, autorização e protocolo administrativo.
Atos enunciativos são aqueles que apenas atestam, enunciam situações
existentes. Não há prescrição de conduta (determinações) por parte da
Administração. Exs.: certidões, atestados, apostilas e pareceres.
Atos punitivos são as sanções aplicadas pela Administração aos servidores
públicos e aos particulares. Exs.: advertência, suspensão e demissão; multa de
trânsito.
4.8.2.Quanto à forma
Decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados
do Chefe do Poder Executivo. Exs.: nomeação e exoneração de agentes públicos
(atos individuais); regulamentos (atos gerais que têm por objeto proporcionar a fiel
execução da lei – artigo 84, IV, CF). Não existe, como regra, regulamento autônomo
em nosso direito, uma vez que ele sempre deve estar adstrito ao que dispõe uma lei,
nunca podendo existir por si só; ou seja, no Brasil a regra é termos regulamentos de
execução de lei. Como vimos, a EC 32/2001 modificou o artigo 84, VI, da CF,
permitindo que o Presidente, por meio de decreto, disponha de matérias que somente
a lei poderia dispor. Trata-se de situação que excepciona a regra no sentido de que
não há regulamentos autônomos em nosso direito.
Resolução e portaria são as formas de que se revestem os atos, gerais ou
individuais, emanados de autoridades que não sejam o Chefe do Executivo. Ex.: no
Estado de São Paulo, a resolução é própria dos Secretários de Estado, enquanto as
portarias são a forma de que se revestem os atos das autoridades até o Diretor de
Serviço. Assim, em cada ente político se instituirá a forma que deve revestir os atos
de cada autoridade. Importa lembrar, ainda, que as resoluções e portarias trarão, além
de atos individuais próprios de tais autoridades, atos gerais consistentes em
instruções para cumprimento das leis e regulamentos.
Circular é o instrumento de que se valem as autoridades para transmitir ordens
internas a seus subordinados.
Despacho é o ato administrativo que contém decisões das autoridades sobre
assunto de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Despacho
normativo é aquele que aprova uma decisão sobre assunto de interesse geral, ficando
esta obrigatória para toda a administração, além de valer para todos que estiverem na
mesma situação.
Alvará é a forma pela qual a Administração confere licença ou autorização
para a prática de ato ou exercício de atividade sujeita ao poder de polícia do
Estado. Exs.: alvará de construção (instrumento que confere e prova a licença); alvará
para porte de arma (instrumento da autorização conferida).
4.9.Procedimento administrativo
Não se deve confundir o ato administrativo com o procedimento administrativo.
O segundo consiste na sucessão encadeada de atos que propiciam a formação do
ato final objetivado pela Administração.
Assim, um procedimento é uma sucessão de atos, não se confundindo com cada
ato em si.
Na verdade, ficaria melhor falar-se em processo administrativo para designar a
definição dada, reservando-se a expressão procedimento administrativo para designar
o rito a ser seguido.
Porém, em Direito Administrativo a expressão procedimento administrativo
acaba sendo usada para designar processo administrativo.
De qualquer forma, é bom lembrar que há processos administrativos típicos,
como o processo disciplinar e o processo de licitação, cuja característica marcante é
ter uma regulamentação específica em lei própria. Os processos administrativos que
não tiverem regulamentação própria devem seguir o disposto na Lei de Geral de
Processo Administrativo (Lei 9.784/1999).
5.1.Considerações gerais
O Estado tem três Poderes independentes e harmônicos entre si (Legislativo,
Executivo e Judiciário). Porém, é por meio da Administração Pública que o Estado
atua, tratando-se esta do aparelhamento necessário à realização de sua finalidade.
Em sentido formal, Administração Pública é o conjunto de órgãos instituídos para
consecução dos fins do Governo (que é o comando, a iniciativa).
Em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos
em geral.
E em sentido operacional, é o desempenho sistemático dos serviços estatais.
Vale trazer também classificação formulada por Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, que classifica a Administração Pública, sob o critério da natureza dos
interesses, em administração extroversa e introversa, e, sob o critério subjetivo, em
direta e indireta (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense.
p. 115 e ss.). Quanto à primeira classificação, enquanto a administração pública
extroversa é finalística, pois ela é atribuída especificamente a cada ente político,
cumprindo a divisão constitucional de competências, a administração pública
introversa é instrumental, visto que é atribuída genericamente a todos os entes, para
que possam atingir aqueles objetivos.
O fato é que, de qualquer forma a Administração, em qualquer caso, é o meio de
que se vale o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo.
Tal atuação se dará por intermédio de entidades (pessoas jurídicas), órgãos
(centros de decisão) e de agentes (pessoas investidas em cargos, empregos e
funções).
5.3.Administração indireta
5.3.1.Autarquias
As autarquias podem ser conceituadas como as pessoas jurídicas de direito
público, criadas por lei específica, para titularizar atividade administrativa.
Realizam atividades próprias (típicas) da Administração Direta, as quais são
passadas para as autarquias para agilizar, facilitar e principalmente especializar a
prestação dos serviços públicos. O Dec.-lei 200/1967 define autarquia como “o
serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita
próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram,
para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”
(art. 5°, I).
São um prolongamento, um longa manus do Estado. Qualquer ente político
(União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) pode criar uma autarquia,
desde que por lei específica e para realizar atividades típicas da Administração.
A autarquia deve ser criada por lei específica, lei essa que tem o poder de
conferir personalidade jurídica a ela, não sendo necessário levar atos constitutivos ao
Registro Público. Porém, a organização da autarquia se estabelece por decreto, que
aprovará o regulamento ou o estatuto da entidade. A lei criadora da entidade tratará
também do patrimônio inicial, já transferindo ou autorizando sua transferência, da
entidade criadora para a entidade criada.
A expressão autarquia vem dos termos autós (= próprio) e arquia (=governo), o
que nos ajuda a lembrar que a autarquia tem autonomia administrativa e financeira.
São exemplos de autarquia os seguintes entes: INSS, CADE, Banco Central,
INCRA e USP.
Quando a autarquia tiver algumas diferenças em relação às autarquias
tradicionais, diz-se que se está diante de autarquia de regime especial.
Vejamos as características das autarquias.
São dotadas de capacidade administrativa, ou seja, podem ser titulares de
serviço público, mas o mesmo não acontece com as sociedades de economia mista e
empresas públicas, por exemplo, que, no máximo, podem executar um serviço
público. Ou seja, as autarquias podem receber outorga do serviço mais do que a mera
delegação deste.
Isso significa que as autarquias poderão regulamentar, fiscalizar e executar o
serviço público de que são titulares, podendo repassar o último (execução do
serviço) ao particular, mediante concessão de serviço público.
Em outras palavras, as autarquias desempenham atribuições típicas de Estado. O
Decreto-Lei 200/1967, em seu art. 5°, I, deixa claro que a autarquia só pode ser
criada para exercer atividade típica da Administração, o que exclui sua criação para
exercer atividade meramente econômica, por exemplo.
As autarquias possuem autonomia (capacidade de autoadministração). Por
serem pessoas jurídicas (e não órgãos da Administração Direta), são sujeitos de
direitos e obrigações, e têm gestão administrativa e financeira própria. Não se trata,
portanto, de autonomia em sentido político, já que estão sujeitas a controle das
entidades maiores a que se vinculam, mas autonomia administrativa.
Por serem pessoas de direito público, as autarquias têm responsabilidade
objetiva (art. 37, § 6°, da CF). Justifica-se esse tipo de responsabilização pelo fato
de agirem em atividades típicas da Administração Direta. Aliás, as autarquias
respondem diretamente por seus atos, não podendo a entidade criadora ser chamada a
responder solidariamente. A entidade matriz só responderá subsidiariamente, ou seja,
na falta de patrimônio suficiente da autarquia.
As autarquias têm um regime jurídico muito próximo ao dos entes políticos, dada
a natureza de suas atividades. Trata-se do chamado regime jurídico de direito
público, cujas regras são apresentadas a seguir.
Na relação com a Administração Direta, as autarquias estão sujeitas ao controle
(supervisão ministerial ou tutela). A entidade criadora da autarquia tem o poder de
influir sobre esta apenas para exigir o cumprimento dos objetivos públicos para os
quais foi criada, e para que harmonize sua conduta à atuação administrativa global do
Estado.
Perceba-se, portanto, que o controle não permite que a Administração Direta
demita um servidor público de uma autarquia, por exemplo, ou invalide um contrato
administrativo que esta tenha celebrado. O controle só poderá ser feito de forma
global sobre os rumos que a autarquia tem tomado. A lei que cria a autarquia é que
dará os contornos e a forma de exercício do controle.
Entre a entidade criadora e a autarquia há mera vinculação, ou seja, mero poder
de correção finalística do serviço autárquico.
Esse controle pode se dar nas seguintes frentes: a) controle político (ex.:
nomeação de seus dirigentes pelo Executivo); b) controle administrativo (ex.:
supervisão ministerial quanto à correção finalística da autarquia); c) controle
financeiro (pelo Tribunal de Contas e outros meios trazidos na lei).
No que concerne à relação com terceiros, as prerrogativas administrativas (não
as políticas) do Estado são transmitidas às autarquias. Assim, as autarquias têm as
seguintes prerrogativas ou sujeições:
a) expedem verdadeiros atos administrativos, com todos os atributos do ato
administrativo, quais sejam, presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade
e autoexecutoriedade;
b) celebram contratos administrativos, regidos pela Lei 8.666/1993;
c) devem licitar para celebrar contratos, concessões e permissões;
d)devem promover concurso público para admissão de pessoal;
e) devem contratar pessoal pelo regime estatuário, como regra; dada a natureza das
atividades de uma autarquia (atividade administrativa, e não meramente econômica),
o vínculo com seus agentes deve ser o de cargo público, criado por lei e regido pelo
estatuto dos funcionários públicos, e não pela CLT, salvo para atribuições
subalternas;
f) possuem bens públicos, portanto, bens inalienáveis, imprescritíveis e
impenhoráveis; dessa forma, a execução de valores em face de uma autarquia deverá
ultimar-se mediante a expedição de precatório;
g) possuem imunidade de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços (art. 150,
VI, “a”, CF), quanto a atividades vinculadas às finalidades essenciais da pessoa e
desde que não haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas para o
exercício;
h) possuem prerrogativas processuais próprias da Fazenda Pública, como recurso
de ofício quando cabível (art. 10 da Lei 9.469/1997), prazo em dobro para
manifestações processuais (art. 183, caput, do NCPC), juízo privativo da entidade
estatal a que pertencem, ampliação do prazo para desocupação em caso de despejo;
prescrição quinquenal de suas dívidas passivas, execução fiscal de seus créditos
inscritos, dentre outras.
Nas relações internas, por serem pessoas jurídicas de direito público (sujeitas ao
regime jurídico de direito público), devem respeitar as normas de direito financeiro
(normas orçamentárias) e o regime de pessoal é o mesmo da Administração Direta,
em que a regra é o regime estatutário.
5.3.3.Agências reguladoras
As agências reguladoras podem ser conceituadas como autarquias sob regime
especial, encarregadas do exercício do poder normativo e fiscalizador das
concessões e permissões de serviço público, bem como do poder de polícia sobre
certas atividades.
A atual política de passar ao setor privado a execução dos serviços públicos,
reservando ao Estado a regulamentação e fiscalização dos vários setores relativos a
tais serviços, trouxe a necessidade de criar entes, com natureza de pessoa jurídica de
direito público, para desempenhar tal papel de regulação e fiscalização, a fim de
preservar o interesse dos usuários e da coletividade em geral.
Assim, foram criadas autarquias especiais, com o nome de agências reguladoras,
servindo de exemplo as seguintes: ANEEL (regula e fiscaliza o setor de geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica), ANATEL (regula e fiscaliza o setor de
telecomunicações), ANP (regula e fiscaliza as atividades econômicas exercidas pela
Petrobras e outros concessionários do setor), ANVISA (regula e fiscaliza a produção
e a comercialização, sob o aspecto da vigilância sanitária, de medicamentos,
alimentos, cosméticos etc.), ANS (regula e fiscaliza o setor de saúde complementar),
ANA (regula e fiscaliza as atividades decorrentes do aproveitamento dos recursos
hídricos, bem como o direito de uso de água em rios da União – águas), ADENE
(desenvolvimento do Nordeste), ANTT (transportes), ANCINE (cinema), dentre
outras.
O regime jurídico das agências reguladoras é igual ao das autarquias, com
algumas peculiaridades, daí porque se diz que tais agências são autarquias sob
regime especial, uma vez que, diferente das autarquias tradicionais, as leis que
criaram as agências reguladoras trouxeram algumas diferenças em seu regime
jurídico. Vejamos:
a) os dirigentes das agências reguladoras são nomeados pelo Presidente da
República, com prévia aprovação pelo Senado;
b) os dirigentes das agências reguladoras têm mandato fixo, só podendo ser
destituídos pelo cometimento de crime, improbidade administrativa ou
descumprimento injustificado das políticas estabelecidas para o setor ou pelo contrato
de gestão, situação que, em tese, confere maior isenção a tais agentes;
c) os ex-dirigentes das agências estão sujeitos à chamada “quarentena”, ou seja, no
período de tempo em que continuam vinculados à autarquia após o exercício do cargo,
ficam impedidos de prestar serviços às empresas que estavam sob sua regulamentação
ou fiscalização;
d) têm poder normativo reconhecido pela Constituição Federal (art. 21, XI), já que
são órgãos reguladores; tal poder deve, todavia, ficar adstrito ao que dispuser as leis
de criação dessas agências.
Vale lembrar que a autonomia financeira de tais agências se dá não só com o
aporte de verbas orçamentárias, como também em relação à cobrança de taxas pelo
exercício do poder de polícia, além de multa por descumprimento de preceitos legais
ou contratuais.
5.3.4.Agências executivas
A expressão “agências executivas” designa um qualificativo atribuível a
autarquias e fundações integrantes da Administração Federal, por iniciativa do
Ministério Supervisor e com anuência do Ministério da Administração, à entidade
que haja celebrado contrato de gestão com aquele e possua um plano estratégico
de reestruturação e desenvolvimento institucional.
Tal possibilidade de qualificação veio a partir da introdução do princípio da
eficiência pela EC 19/1998.
De um lado, são dadas maiores autonomia e prerrogativas às autarquias e
fundações que tiverem interesse em receber tal qualificativo e, de outro, são
atribuídas metas de desempenho e eficiência a serem atingidas.
A existência do contrato de gestão e o cumprimento dos demais requisitos
permitirão a qualificação em questão, habilitando a entidade a receber as vantagens
previstas na lei.
Tal figura jurídica é trazida na Lei 9.649/1998 (vide o art. 51 e também o Decreto
2.487/1998).
A lei dispõe que a qualificação de agência executiva é feita pelo Presidente da
República, após a iniciativa e a anuência previstas acima. Para que seja
implementada é necessário ainda a celebração do chamado contrato de gestão, que
fixará o plano estratégico de reestruturação e melhoria do desempenho da pessoa,
contrato esse que tem prazo mínimo de um ano.
Uma das maiores vantagens conferidas às autarquias e fundações que receberem
essa qualificação consiste na ampliação dos limites de isenção ao dever de licitar
para as agências executivas (art. 24, XXIV, da Lei de Licitações): aumenta-se o valor
para dispensa de licitação em seu âmbito para o montante de 20% do limite previsto
para a utilização da modalidade convite.
5.3.5.Consórcios públicos
Com a edição da Lei 11.107/2005, duas novas pessoas jurídicas estatais foram
criadas. Ambas têm o nome de consórcio público, mas uma é de direito público
(associação pública) e outra é de direito privado (consórcio público de direito
privado).
Tais consórcios consistem na reunião de entes políticos (União, Estados, DF e
Municípios) para formação de pessoas jurídicas com vistas à gestão associada de
serviços públicos.
Como antecedentes do assunto, podemos citar a Lei 8.080/1990, que assim
dispunha: “art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em
conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam. § 1° Aplica-se aos
consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única, e os
respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância” (…).
Na prática, os municípios acabavam montando associações civis, regidas pelo
Código Civil.
Até que veio o disposto na nova redação do art. 241 da Constituição e, depois, a
Lei 11.107/2005, possibilitando o aparecimento de consórcios públicos com regimes
mais claros e definidos.
Os consórcios públicos têm por finalidade mediata a realização de objetivos de
interesse comum dos entes políticos. Nesse sentido, os consórcios públicos diferem
dos contratos, já que estes têm em mira a satisfação de interesses contrapostos das
partes e não de interesses comuns. Ademais, os consórcios públicos são pessoas
jurídicas, ao passo que os contratos não são pessoas jurídicas.
As finalidades imediatas dos consórcios podem ser das seguintes naturezas:
a) regulação e fiscalização de serviços públicos (art. 2°, § 3°, da Lei 11.107/2005),
como a criação de uma agência reguladora de saneamento básico por parte de Estado
e alguns Municípios;
b) mera prestação de serviço público (art. 1°, § 3°, da lei citada), como a criação de
um hospital público por parte de vários Municípios (consórcio intermunicipal de
saúde).
É importante ressaltar que o consórcio público não pode ter fins econômicos (art.
4°, IV), ou seja, não pode visar ao lucro. Dessa forma, os consórcios públicos de
direito privado não poderão ser criados se for necessário investimento privado.
Vejamos com mais detalhe, agora, as duas espécies de consórcios públicos.
A s associações públicas são criadas para exercer atividade típica de Estado.
Assim, são pessoas de direito público, de natureza autárquica (art. 41, IV, do CC).
Tais entidades integram a Administração Indireta de todos os entes consorciados (art.
6°, § 1°, da Lei 11.107/2005). Um exemplo de consórcio público dessa natureza
(consórcio público de direito público) é a criação de uma pessoa jurídica por entes
políticos em associação para a fiscalização do meio ambiente numa dada região.
Já os consórcios públicos de direito privado são criados para o exercício de
atividades que não são exclusivas do Estado. Nesse sentido, são pessoas de direito
privado estatais. Um exemplo de consórcio público dessa natureza é um hospital
público criado por entes políticos em associação.
O regime jurídico das associações públicas segue o regime geral das pessoas de
direito público, aplicando-se o regime especial da lei 11.107/2005 e,
subsidiariamente, a legislação das associações civis (art. 15). A aplicação do regime
geral das pessoas de direito público fará com que tais consórcios pratiquem atos
administrativos, tenham bens públicos, contratem agentes públicos, como regra, pelo
regime estatutário, dentre outras características do regime autárquico, já vistas no
presente texto.
Já o regime dos consórcios públicos de direito privado segue o regime geral das
pessoas privadas estatais, aplicando o regime especial da Lei 11.107/2005 e,
subsidiariamente, a legislação das associações civis (art. 15). A aplicação do regime
geral das pessoas de direito privado estatais fará com que tais consórcios pratiquem
atos regidos pelo direito privado, tenham bens privados (portanto penhoráveis),
contratem agentes públicos, como regra, pelo regime celetista, dentre outras
características do regime de direito privado, a serem vistas no próximo item.
A criação dos consórcios públicos segue o seguinte trâmite:
1) Subscrição de Protocolo de Intenções entre os entes políticos, com os
seguintes pontos:
a) denominação, finalidade, espécie, prazo e sede;
b) identificação dos consorciados e da área;
c) critérios de representação do consórcio;
d) regulamentação da assembleia geral; número de votos de cada consorciado (ao
menos 1);
e) eleição e mandato do representante (Chefe do Executivo);
f) autorização e limites para a gestão associada de serviços públicos;
2) Publicação do Protocolo na imprensa oficial;
3) Ratificação do Protocolo por lei de cada ente;
4) Celebração do Contrato de Consórcio Público (art. 5°), que pode se dar por
apenas parcela dos celebrantes do protocolo.
O início da personalidade dos consórcios públicos se dá da seguinte forma:
a) nas associações públicas, com a vigência das leis de ratificação do protocolo de
intenções;
b) nos consórcios de direito privado, segundo a lei civil, ou seja, após o
arquivamento do estatuto social no registro público competente.
Os entes consorciados devem fazer, ano a ano, um Contrato de Rateio, que terá
por objetivo tratar dos recursos econômicos necessários para a manutenção do
consórcio.
Por fim, vale ressaltar que a Lei 11.107/2005 introduziu a possibilidade de
qualquer dos entes consorciados contratar entidade ou órgão pertencente a outro ente
consorciado para a prestação de serviços públicos, tudo isso sem licitação,
configurando uma nova espécie de dispensa (art. 24 da Lei 8.666/1993). Esse
contrato, que se assemelha a um Contrato de Concessão de Serviço Público, tem o
nome de Contrato de Programa.
6. AGENTES PÚBLICOS
6.4.2.Funções públicas
Em sentido amplo, as funções públicas abrangem as funções em confiança, os
estágios, as contratações temporárias (art. 37, IX, da CF) e a contratação de agentes
de saúde e de combate a endemias (art. 198, § 4°, da CF).
De um lado, temos essas funções públicas em sentido amplo e, de outro, temos os
cargos públicos e os empregos públicos.
Em sentido estrito, as funções públicas dizem respeito às funções em confiança,
que podem ser conceituadas como o conjunto de atribuições, criadas por lei,
correspondente a encargos de direção, chefia e assessoramento, a serem exercidas
exclusivamente por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as
preenche.
A função em confiança está prevista no art. 37, V, CF (não confundir com cargo
em comissão, também previsto neste inciso, que pode ser preenchido por pessoas que
não fizeram concurso público, que não são da carreira).
Assim, só quem já tem um cargo efetivo na Administração pode ser chamado para
uma função de confiança (para ser chefe de uma seção, por exemplo).
A qualquer momento o servidor pode perder uma função em confiança, ocasião
em que voltará a ocupar o cargo efetivo que antes detinha.
Enfim, quando uma determinada lei criar uma função de direção, chefia ou
assessoramento e dispuser que só quem tem cargo efetivo poderá assumir essa função,
estaremos diante de uma função em confiança e não diante de um cargo em comissão.
6.4.3.Empregos públicos
Os empregos públicos podem ser conceituados como núcleos de encargos de
trabalho, a serem preenchidos por contratados pelo regime jurídico celetista,
contratual.
O regime celetista tem por característica maior rigidez do que o regime
estatutário. Isso porque um contrato faz lei entre as partes (pacta sunt servanda), ao
passo que o Estatuto de Funcionário Público, que rege os detentores de cargo, é uma
lei que pode ser modificada a qualquer momento sem que o agente público tenha
direito adquirido ao regime funcional que tinha antes.
Outra diferença entre o regime celetista e o regime estatutário é a de que o
primeiro não admite a aquisição de estabilidade como regra, ao passo que esse
instituto é próprio aos regidos pelo regime estatutário que detenham cargo efetivo, o
mesmo não acontecendo em relação aos estatutários que detêm cargo em comissão.
Apesar de o empregado público ter regime funcional celetista e submeter-se
obrigatoriamente ao Regime Geral da Previdência Social, a admissão de pessoas para
um emprego público depende de concurso público.
Outro ponto importante diz respeito aos casos em que é possível utilizar o
regime celetista, ou seja, em que se permite a contratação de agentes públicos para
um emprego público. Os casos são os seguintes:
a) pessoas jurídicas de direito privado estatais: todos os agentes serão
contratados para emprego público, ou seja, pelo regime celetista;
b) pessoas jurídicas de direito público: serão contratados para emprego público,
pelo regime celetista, aqueles que tiverem atribuições subalternas (ex.: telefonista,
jardineiro etc.).
No último caso, os empregados públicos, apesar de serem celetistas, têm direito
à estabilidade própria dos que têm cargos públicos, conforme vem decidindo a
jurisprudência (Súmula 390 do TST).
Assim, um empregado público da União tem direito à estabilidade, ao passo que
um empregado público do Banco do Brasil não tem esse direito.
Ainda nesse tema, existe grande discussão se a dispensa de empregado público
em pessoa jurídica de direito privado estatal (por exemplo, no Banco do Brasil)
precisa ser motivada.
Respondendo a essa pergunta o Tribunal Superior do Trabalho entende que a
motivação é dispensável (TST, OJ-I 247). Todavia, a motivação faz-se necessária nos
Correios, que, apesar de ser uma pessoa jurídica de direito privado estatal, por ter o
monopólio de sua atividade, está submetido a várias sujeições das pessoas jurídicas
de direito público, dentre elas àquela de motivar seus atos.
Não bastasse, o STF, além do que já se decidia em relação aos Correios, passou
a decidir que, em se tratando de empresa pública ou sociedade de economia mista
prestadoras de serviço público, a dispensa depende de motivação em qualquer caso,
pois tais empresas estatais não são como as estatais meramente exploradoras de
atividade econômica, tendo, assim, um regime jurídico privado, mas com mais
condicionantes públicos, como é o caso do dever de motivação em caso de dispensa
de agentes públicos; confira: “em atenção, no entanto, aos princípios da
impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa
do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam
serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios,
observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da
dispensa; a motivação do ato de dispensa, assim, visa a resguardar o empregado de
uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal
investido do poder de demitir” (STF, RE 589.998, DJ 12.09.2013). Repare que essa
regra não se aplica às empresas estatais meramente exploradoras de atividade
econômica.
6.5.Cargo público
6.5.1.Classificação quanto à posição
Isolados são os cargos que não estão subdivididos em classes. Então, não há
promoção.
De carreira são os cargos subdivididos em classes. Cada classe indica uma
promoção.
Quadro é o conjunto de todos os cargos, isolados e de carreira. A carreira é
composta de classes (crescentes), que é o conjunto de cargos da mesma natureza de
trabalho. Por fim temos os cargos, que são as menores unidades de competência.
Lotação é o número de servidores que devem ter exercício em cada repartição.
No âmbito federal, por exemplo, há um quadro para cada unidade básica de
organização, ou seja, tem-se um quadro para cada Ministério.
6.5.4.Investidura
A investidura consiste na posse do cargo.
Com a investidura, a relação jurídica fica efetivamente formada.
A partir de tal evento já há titularidade de cargo, ficando o agente sujeito a ser
exonerado. Além disso, inicia-se uma série de deveres, tais como de: honestidade,
imparcialidade, legalidade, lealdade, obediência (não estando o servidor obrigado a
cumprir as ordens manifestamente ilegais), conduta ética, dentre outros.
Impedimentos e incompatibilidades também passam a existir, como o
impedimento de contratar com a Administração ou a incompatibilidade com o
exercício de certas atividades particulares, dentre outros.
Direitos também se iniciam, como o de exercício do cargo, dentre outros que
serão vistos quando se tratar do sistema remuneratório.
6.5.5.Entrada em exercício
Consiste no efetivo exercício da atividade ligada ao cargo. Trata-se do início
do desempenho das atribuições, com os consequentes efeitos remuneratórios e
previdenciários.
6.5.6.Desinvestidura (vacância)
Consiste no desligamento do agente público correspondente à sua destituição
do cargo, do emprego ou da função. Passemos à análise das hipóteses que geram a
vacância.
Falecimento: a morte do agente torna vago o cargo, o emprego ou a função.
Aposentadoria: a transferência para a inatividade remunerada, seja ela
voluntária, compulsória ou por invalidez, gera o desligamento do agente, a vacância,
não podendo o servidor permanecer trabalhando no cargo que detinha. O agente
público somente poderá cumular a aposentadoria com outra remuneração se for
nomeado para um cargo em comissão ou se detiver mandato eletivo, respeitando, na
somatória do que receber, o teto remuneratório respectivo.
Perda do cargo, emprego ou função: é o desligamento em virtude de sentença
judicial em ação penal ou de improbidade administrativa. O art. 92, I, do Código
Penal diz ser efeito da condenação a perda do cargo, emprego ou função se aquela
consistir em prisão de 1 (um) ano ou mais em crime contra administração, ou se
consistir em prisão por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais crimes. Tal
efeito da condenação penal deve estar motivadamente declarado na sentença para
incidir. Quanto à ação civil por ato de improbidade administrativa, a perda do cargo é
sanção típica do reconhecimento da prática de ato ímprobo. Quantos aos militares
oficiais, há as seguintes particularidades previstas no art. 142, § 3°, da CF: “VI – o
oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele
incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz,
ou de tribunal especial, em tempo de guerra”.
Dispensa: é o desligamento daquele admitido pelo regime da CLT sem que haja
justa causa. Conforme já mencionado, tal ato só deve ser motivado se se tratar de
empregado público de pessoa jurídica de direito público e de empregados de
empresa pública e sociedade de economia mista prestadoras de serviço público.
Todavia, tais dispensas devem respeitar critérios gerais e igualitários, a fim de que se
respeite a legalidade, a moralidade, a razoabilidade e a eficiência.
Demissão: é o desligamento por justa causa quando há infração disciplinar.
Tem natureza punitiva, sancionatória, o que a difere da exoneração, própria para os
desligamentos que não têm tal natureza. A demissão por infração disciplinar depende
de processo administrativo em que se assegure ampla defesa, seja para servidores
estáveis, seja para servidores que ainda estão em estágio probatório.
Exoneração: é o desligamento a pedido ou de ofício, sempre com caráter não
punitivo. De ofício, pode ser imotivada (no caso dos titulares de cargo em comissão)
ou motivada, nas hipóteses de não satisfação do estágio probatório (Súmula 21 do
STF: “funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem
inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade”11) ou quando
o agente não entrar em exercício.
A EC 19/1998 prevê mais duas hipóteses de exoneração motivada.
A primeira se dá em caso de avaliação insatisfatória de desempenho. Isso
porque, a partir de tal emenda, é requisito para adquirir a estabilidade a aprovação
e m avaliação especial de desempenho (feita por comissão instituída para essa
finalidade após os 3 anos de estágio probatório – art. 41, § 4°, CF) e, mesmo após
adquirir-se a estabilidade, o servidor estará sujeito a avaliações periódicas de
desempenho (procedimento que será regulamentado na forma de lei complementar,
assegurada ampla defesa – art. 41, § 1°, III, CF), sendo que, não aprovado em
qualquer dos dois tipos de avaliação, será exonerado.
Trata-se de exoneração e não de demissão porque não se trata de punição por
infração, mas de desligamento por simples falta de aptidão. Quanto à avaliação
periódica de desempenho, há outro dispositivo constitucional incidente que dispõe
que a lei complementar estabelecerá critérios e garantias especiais para a perda do
cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu
cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Na hipótese de
insuficiência de desempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante
processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla
defesa (art. 247, CF). Perceba-se que, para tal situação, a previsão é de processo
administrativo e não apenas ampla defesa.
A segunda nova espécie de exoneração se dá para atender limite de despesas
com pessoal ativo e inativo (art. 169, § 4°). A Lei de Responsabilidade Fiscal traz
limites máximos de despesas com pessoal ativo e inativo, consistentes nos seguintes
percentuais da receita corrente líquida: 50% (União) e 60% (Estados e Municípios).
Em caso de superação desse limite, deve-se exonerar pessoal, consoante os critérios
trazidos na Lei 9.801/1999, que estabelece a necessidade de se começar a tentativa de
readequação dos gastos reduzindo em pelo menos 20% os cargos em comissão e as
funções de confiança, passando à exoneração dos não estáveis, para só após exonerar
servidores estáveis e, mesmo assim, desde que ato normativo motivado de cada um
dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade objeto da redução
e traga os seguintes critérios combinados: menor tempo de serviço, maior
remuneração e menor idade.
O servidor que perde cargo por esse motivo fará jus a indenização
correspondente a um mês de remuneração por um ano de serviço. O cargo será
extinto, vedada a criação de outro semelhante por pelo menos 4 anos.
Sobre o tema vacância de cargo, havia grande discussão quanto à existência de
direito ao FGTS quando esta se desse por contratação de servidor público sem
concurso público. O STF acabou por dirimir a questão, sob o fundamento de que se
trata, na espécie, de efeitos residuais de fato jurídico que existira, não obstante
reconhecida sua nulidade, considerando-se, assim, constitucional a disposição nesse
sentido contida no art. 19-A da Lei 8.036/1990. Porém, o STF entende que, afora o
direito aos salários e ao FGTS depositado, a inconstitucionalidade do ato não permite
o pagamento, no caso, das verbas rescisórias relativas ao aviso-prévio, à gratificação
natalina, às férias e respectivo terço, à indenização referente ao seguro-desemprego e
à multa prevista na CLT (RE 705.140/RS, j. 28.08.2014).
6.7.4.Obrigatoriedade do concurso
O artigo 37, II, da CF tem o seguinte teor:“a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas
e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na
forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Esse dispositivo cria uma regra que determina a realização de concurso para a
admissão de pessoal na Administração.
Todavia, como toda regra, essa também tem exceção. Não será necessário
concurso público nas nomeações para cargo em comissão.
Da mesma forma, não há necessidade de promover concurso público nas
contratações temporárias de excepcional interesse público, sendo suficiente que se
faça mero processo seletivo.
6.7.10.Cláusula de barreira
Outro tema recorrente é o da constitucionalidade ou não da chamada cláusula de
barreira (ou afunilamento). Essa cláusula é aquela utilizada quando um concurso tem
mais de uma fase e se estipula no edital que só serão corrigidas as provas da outra
fase referente a um número determinado de candidatos aprovados. Por exemplo, o
edital do concurso pode prever uma nota de corte e dizer que, dentre os que atingiram
a nota de corte, apenas 200 candidatos passarão para a próxima fase do concurso.
O STF entende que esse tipo de condição de passagem para outra fase é norma de
avaliação e de classificação a critério do organizador do exame, tratando-se, ainda,
de cláusula que atinge a todos indistintamente, daí porque não se pode considerá-la
discriminatória (MS 30195 AgR-DF, j. 26.06.2012). Vide, também, o RE
635.739/AL, j. 19.02.2014, pelo STF. Vide, também, o RE 635.739/AL, j.
19.02.2014, pelo STF.
6.7.14.Contratação temporária
O art. 37, IX, da CF, traz a seguinte disposição: “a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público”.
Cada ente político poderá legislar para o fim de regulamentar o dispositivo acima
transcrito.
A Lei 8.745/1993 traz, para a esfera federal, os casos em que cabe esse tipo de
contratação, servindo de exemplo aquela em situação de calamidade pública, combate
a surtos endêmicos ou para recenseamento. A lei em questão traz um regime jurídico
administrativo próprio, que não se confunde com o regime trabalhista (celetista), a
afastar a competência da Justiça Trabalhista.
Geralmente o prazo máximo de contratação é de 12 meses, findo o qual o contrato
se extingue.
Permite-se, em algumas situações, prorrogação do contrato.
É importante relatar que não é possível prever a contratação temporária para a
admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. Assim, o
STF entendeu inconstitucional lei do Estado do Rio Grande do Norte que criou
contratação temporária para Defensor Público (ADI 3.700). Confira outra decisão do
STF a respeito do tema: “Servidor público: contratação temporária excepcional (CF,
art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores
para funções burocráticas ordinárias e permanentes” (ADI 2.987).
O STF consolidou entendimento no sentido de que é necessária a conjugação de
quatro requisitos para que se possa efetivar uma contratação temporária (ADI
3430/ES): a) os casos excepcionais devem estar previstos em lei de modo específico
(com o texto legal especificando a contingência fática que, presente, justificaria a
contratação) e não de modo genérico (dando ao Chefe do Executivo poderes amplos
para definir os casos desse tipo de contratação); b) o prazo de contratação seja
predeterminado; c) a necessidade seja temporária; e d) o interesse público seja
excepcional.
A contratação temporária não exige concurso público, mas é necessário fazer um
processo seletivo simplificado para garantir um mínimo de moralidade, devendo esse
ser dispensado em situações justificadas, procedendo-se à análise de curriculum.
Nesse sentido, confira a seguinte decisão do STF:
“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art.
37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II
do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa
hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos;
b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público;d) interesse
público excepcional” (ADI 2.229).
Conforme mencionado, os contratados são regidos pelo regime sui generis
estabelecido na lei citada, não sendo correto dizer que são contratados pelo regime
celetista, já que eles têm um estatuto próprio.
Assim sendo, compete à Justiça Comum e não à Justiça do Trabalho julgar as
controvérsias decorrentes dessa relação, conforme vem decidindo pacificamente o
STF (ADI 3.395-MC-DF).
6.11.Disponibilidade
É a colocação do servidor estável em inatividade remunerada, até seu
adequado aproveitamento em outro cargo, com proventos proporcionais ao seu
tempo de serviço.
Trata-se de direito do servidor, desde que estável, que ocorre nas seguintes
situações: a) quando o cargo é extinto;b) quando o cargo é declarado desnecessário;
c) quando um servidor é reintegrado e volta para o cargo para onde foi chamado um
novo servidor, ficando este desalojado por não ter um cargo de origem, podendo, se
já estável, ser colocado em disponibilidade.
É importante ressaltar que só tem esse direito quem já é estável (vide § 3° do art.
41 da CF). Nesse sentido, dispõe a Súmula 22 do STF que: “o estágio probatório não
protege o funcionário contra a extinção do cargo”.
Nunca se deve esquecer de que a CF é taxativa no sentido de que na
disponibilidade a remuneração será proporcional ao tempo de serviço do agente.
Antes da EC 19/1998, o STF entendia que era integral, portanto é bom saber que
agora é proporcional.
A disponibilidade a que estão sujeitos os juízes e promotores não implica
remuneração proporcional, sob pena de ofensa à vitaliciedade a que têm direito, de
maneira que será integral a remuneração para essas situações.
6.12.Sistema remuneratório
Para que se possa entender o sistema remuneratório dos servidores públicos, de
rigor verificar os seguintes conceitos:
a) remuneração (estipêndio/vencimentos): devida à grande massa de servidores,
corresponde ao padrão fixado em lei (vencimento), mais vantagens pessoais;
b) salário: devido aos empregados públicos da Administração Direta e Indireta, vale
dizer, àqueles regidos pela CLT;
c) subsídio: modalidade de remuneração fixada em parcela única e devida aos
agentes políticos (art. 39, § 4°, CF: fala-se em membro de Poder, detentor de mandato
eletivo, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais), membros do
Ministério Público, aos Policiais (art. 144, § 9°, CF), Procuradores de Estado,
Defensores Públicos, Procuradores da Fazenda Nacional e integrantes da Advocacia
Geral da União (art. 135), bem como Ministros dos Tribunais de Contas. O § 8° do
art. 39 da CF abre possibilidade de a remuneração dos servidores organizados em
carreira ser também por subsídio, nos termos de lei. Vale ressaltar que no subsídio
não se fala em vantagens pessoais, já que se trata de parcela única, vedado o
acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação
ou outra espécie remuneratória, obedecido ao teto remuneratório constitucional.
Entretanto, os direitos gerais dos servidores previstos no § 3° do art. 39 da CF
permanecem.
d) adicionais: devidos por tempo de serviço ou função especial, que exige
conhecimentos especializados ou um regime próprio de trabalho. O adicional se
relaciona com o tempo (adicional de tempo) ou com a função (adicional de função –
ex.: por dedicação integral, por nível universitário);
e) gratificações: devidas por condições personalíssimas ou por anormalidades no
desempenho da função, com característica de precariedade. As gratificações se
relacionam com o servidor (pessoal: por ter filho – salário família etc.) ou com o
serviço (segurança, insalubridade ou onerosidade);
f) indenizações: mero ressarcimento de despesas efetuadas pelo agente no
desempenho de atividade pública, não se incorporando na remuneração. Ex.: ajuda de
custo (mudança), diárias (despesas para viagem a trabalho) e auxílio-transporte
(condução para o trabalho).
A par dos conceitos acima, tem-se como fundamental também verificar os
seguintes princípios e regras desse sistema:
a) proibição de efeito cascata: vantagens e gratificações não podem incidir umas
sobre as outras. Nesse sentido, vide o inciso XIV do artigo 37 da CF: “os acréscimos
pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem
acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores”.
b) fixação por lei e revisão geral anual: a remuneração e o subsídio somente
poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa
privativa em cada caso. Fica assegurada revisão geral anual, sempre na mesma
data e sem distinção de índices. O STF é pacífico no sentido de que não é possível
que iniciativa ou emenda parlamentar disponha sobre o aumento de remuneração dos
servidores, de iniciativa privativa do Executivo (arts. 61, § 1°, II, “a”, e 63, I, ambos
da CF), sendo que a fixação ou alteração de remuneração depende de lei específica
(art. 37, X, da CF), ficando vedada a ainda que a lei estabeleça vinculação ou
equiparação remuneratórias para efeito de remuneração de pessoal (art. 37, XIII, da
CF), conforme se pode conferir na ADI 64/RO. No que diz respeito aos membros da
polícia no Distrito Federal, o STF editou a Súmula Vinculante 39: “Compete
privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e
militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal”.
c) teto remuneratório: a EC 41/2003 modificou o inciso XI do art. 37 da CF, que
antes trazia como teto único o subsídio dos Ministros do STF, estabelecendo um teto
nacional existente também no subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF,
bem como subtetos. Na esfera da união vale o teto nacional para todos os Poderes.
Nos Estados e DF tem-se como subtetos no âmbito do Executivo o subsídio do
Governador, no âmbito do Legislativo o subsídio dos Deputados estaduais/distritais e
no âmbito do Judiciário o subsídio dos Desembargadores do TJ, limitado este a
90,25% do subsídio dos Ministros do STF. A EC 47/2005 permite aos Estados e ao
DF, por meio de emenda às respectivas constituições e Lei Orgânica, adotar como
limite único o subsídio dos Desembargadores do TJ, não se aplicando a regra aos
subsídios dos deputados estaduais e distritais e dos vereadores. Nos Municípios, o
subteto é o subsídio do Prefeito. Estabeleceu-se, ainda, como subteto para os
membros do MP, Procuradores e Defensores Públicos, o subsídio dos
Desembargadores do TJ. Vale salientar que o valor do que deve estar sentido no teto
abrange a remuneração e o subsídio, os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais
ou de qualquer outra natureza. Além disso, a regra do teto atinge os ocupantes de
cargos, funções e empregos públicos da administração, direta, autárquica e
fundacional, membros dos Poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios,
detentores de mandato eletivo e demais agentes políticos. Aplica-se também às
empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias que receberem
recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para
pagamento de despesas de pessoal ou custeio em geral (art. 37, § 9°, CF).
Vale ressaltar que o STF vinha entendendo que “as vantagens pessoais
percebidas antes da entrada em vigor da EC 41/2003 não se computam para fins de
cálculo do teto constitucional” (MS 27565, j. 18.10.2011). Nesse caso, reconheceu-se
a procurador da república aposentado o direito de, a partir da data da impetração,
continuar a receber, sem redução, o montante bruto que percebia anteriormente à EC
41/2003, até a sua total absorção pelas novas formas de composição de seus
proventos. Porém, o mesmo STF reconheceu a eficácia imediata do abate-teto sobre
salários e proventos de servidores públicos ativos e inativos e a inclusão de
vantagens pessoais no teto remuneratório, em decisão que entendeu por bem “fixar a
tese de que o teto de remuneração estabelecido pela Emenda Constitucional 41/2003 é
de eficácia imediata, submetendo às referências de valor máximo nela fixadas todas
as verbas remuneratórias percebidas pelos servidores de União, estados e municípios,
ainda que adquiridas sob o regime legal anterior” (RE 609.381, j. 02.10.2014).
d) proibição de vinculação ou equiparação: é vedada a vinculação ou equiparação
de quaisquer espécies remuneratórias para efeito de remuneração dos servidores; o
STF entende violada essa regra quando se vincula o reajuste de vencimentos ao
incremento da arrecadação de ICMS (RE 218.874/SC) ou que vincula o reajuste do
subsídio do governador ao reajuste concedido aos servidores (ADI 3491); o mesmo
tribunal editou a Súmula Vinculante 37, tratando, ainda, da proibição de aumento de
vencimento dos servidores com fundamento na isonomia (“Não cabe ao Poder
Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores
públicos sob o fundamento de isonomia”); vide, a respeito, a decisão proferida pelo
STF no RE 592.317/RJ, j. 28.08.2014;
e) irredutibilidade: os subsídios e os vencimentos são irredutíveis (art. 37, XV, CF);
o STF entende que fere esse princípio o aumento na carga de trabalho do servidor sem
o consequente aumento na remuneração (RE 255792/MG); entende também que o
princípio é violado quando se desconta a remuneração de servidor afastado de suas
funções por responder por processo penal em face da acusação de cometimento de
crime funcional (RE 482.006); entende ainda que a aplicação do teto remuneratório
previsto na EC 41/2003 não fere direito adquirido nem o princípio da
irredutibilidade, eis que que os excessos eventualmente percebidos fora dessas
condições, ainda que com o beneplácito de disciplinas normativas anteriores, não
estariam amparados pela regra da irredutibilidade, ressaltando, ademais, que o
pagamento de remunerações superiores aos tetos de retribuição, além de se contrapor
a noções primárias de moralidade, de transparência e de austeridade na administração
dos gastos com custeio, representaria gravíssima quebra da coerência hierárquica
essencial à organização do serviço público (RE 609.381, j. 02.10.2004);
f) proibição de indexação: o STF editou a Súmula Vinculante n. 42, com o seguinte
teor: “É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores
estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária”;
g) publicação obrigatória: “os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
publicarão anualmente os valores do subsídio e da remuneração dos cargos e
empregos públicos” (art. 39, § 6°, CF).
h) direitos dos ocupantes de cargos públicos: o § 3° do artigo 39 da Constituição
dispõe que se aplica aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7°,
IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX.
Confira o disposto no incisos citados do art. 7° da CF: IV e VII (salário mínimo),
VIII (décimo terceiro salário), IX (remuneração de trabalho noturno superior à do
diurno), XII (salário-família ao trabalhador de baixa renda), XIII (jornada diária não
superior a 8 horas e semanal não superior a 44 horas, facultadas compensações), XV
(repouso semanal remunerado), XVI (hora extra superior em pelo menos 50% da hora
normal), XVII (férias anuais, com 1/3 a mais de remuneração), XVIII (licença à
gestante de 120 dias), XIX (licença-paternidade), XX (proteção do mercado de
trabalho da mulher), XXII (redução dos riscos do trabalho) e XXX (proibição de
diferença de salário, função ou admissão por discriminação).
6.13.Aposentadoria
Consiste na transferência para a inatividade remunerada, cumpridos certos
requisitos. Vejamos os tipos de aposentadoria:
Por invalidez: deve ser invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais
ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave contagiosa ou incurável, na forma da lei.
Compulsória: aos 75 anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição. Antes a aposentadoria em questão se dava aos 70 anos. Porém, a EC
88/2015 estabeleceu que essa aposentadoria passava a se dar aos 75 anos para
ministros do STF, dos Tribunais Superiores e do TCU, podendo o legislativo estender
para as demais carreiras públicas essa regra, o que acabou sendo feito pelo
Congresso Nacional, de modo que agora a aposentadoria compulsória se dá aos 75
anos para todos os cargos públicos.
Voluntária: a pedido do interessado.
a) com remuneração proporcional ao tempo de serviço: aos 65 anos/homem e 60
anos/mulher;
a) com remuneração integral: aos 60 anos/homem (mínimo de 35 anos de
contribuição) e 55 anos/mulher (mínimo de 30 anos de contribuição).
As aposentadorias mencionadas ficam condicionadas a que o agente tenha tempo
mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e 5 anos no cargo efetivo
em que se dará a aposentadoria.
No caso de professor que comprove exclusivo e efetivo magistério na educação
infantil/ensino fundamental/ensino médio reduz-se em 5 anos a idade e o tempo de
contribuição para a concessão de aposentadoria voluntária integral. Nesse tema o STF
entende que, “salientando que a atividade docente não se limita à sala de aula, e que a
carreira de magistério compreende a ascensão aos cargos de direção da escola, o
Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para
conferir interpretação conforme, no sentido de assentar que as atividades
mencionadas de exercício de direção de entidade escolar e as de coordenação e
assessoramento pedagógico também gozam do benefício, desde que exercidas por
professores” (ADI 3.772/DF – g.n.).
Vale consignar que a Constituição abre espaço para o fim da aposentadoria com
limite na remuneração integral. Confira-se a redação trazida pela EC 20/1998 ao § 14
do art. 40: “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que
instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores
titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões
a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata
o art. 201”. O § 15 do mesmo artigo diz que a lei complementar disporá sobre as
normas gerais para instituição do regime de previdência complementar em questão.
A possibilidade citada não saiu do papel, daí porque o constituinte derivado
editou a EC 41/2003 limitando o valor dos benefícios previdenciários dos agentes
públicos e determinando a instituição de previdência complementar fechada, de
natureza pública e na modalidade de contribuição definida.
Assim, dispôs o texto constitucional que os proventos serão calculados
considerando as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor
aos regimes de que tratam os arts. 40 e 201 da CF, na forma da lei (art. 40, § 3°),
estabelecendo como limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral do
art. 201 a quantia de R$ 2.400,00, reajustada a partir da publicação da EC 41/2003
pelos índices aplicados aos benefícios do regime geral (art. 5°, EC/1941).
Quanto à previdência complementar dos servidores públicos, foi criada na esfera
federal pela Lei 12.618/2012, sobre a qual vale fazer os seguintes apontamentos:
a) essa lei entrou totalmente em vigor, quanto ao Poder Executivo, com a edição do
Decreto 7.808, publicado em 21 de setembro de 2012 (vide art. 33 da Lei
12.618/2012), decreto esse que criou a Fundação de Previdência Complementar do
Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe); quanto ao Poder
Judiciário, com a edição da Resolução STF 496/2012, publicada em 29.10.2012; e
quanto à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal e ao Tribunal de Contas da
União, estes três órgãos celebraram, em 31.01.2013, Convênio de adesão à Funpresp-
Exe, como patrocinadores do plano sob administração desta; com isso agentes
públicos federais que ingressaram no serviço público após as datas mencionadas
passaram a ter como limite máximo de aposentadoria o previsto para o Regime Geral
de Previdência (art. 3°, I, da Lei 12.618/2012), mas com a possibilidade de
complementar esse valor com o regime de previdência complementar; porém,
servidores que tenham ingressado no serviço público até data anterior ao início da
vigência de previdência complementar poderão, mediante prévia e expressa opção,
aderir ao regime de previdência complementar (art. 1°, § 1°, da Lei 12.618/2012),
mas aplicando-se a ele o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime
geral de previdência, o que, mesmo havendo um benefício especial em favor desses
servidores mais antigos que aderirem (art. 3°, §§ 1° e 2°, da Lei 12.618/2012), fará
com que dificilmente um servidor que tenha ingressado no serviço público antes da
vigência do regime em questão tenha interesse em aderir a ele;
b) o regime de previdência complementar é aplicável não só aos servidores públicos
do Executivo em geral, como também do Judiciário, do Legislativo, Ministério
Público da União (MPU) e Tribunal de Contas da União (TCU), como também aos
membros do Judiciário, do MPU e do TCU, ou seja, atingindo juízes federais e do
trabalho, desembargadores, ministros dos tribunais superiores, procuradores da
república e do trabalho e ministros dos tribunais de contas;
c) a lei define como patrocinadores a União, suas autarquias e fundações, como
participante, o servidor titular de cargo e o membro de poder, que aderirem aos
planos de benefícios administrados pelas entidades; e como assistidos, o participante
ou o seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada (art. 2° da Lei
12.618/2012);
d) os planos de benefício da Lei 12.618/2012 são estruturados na modalidade de
contribuição definida, sendo que a alíquota que incidirá sobre o valor que superar o
benefício do regime geral da previdência (art. 16 e ss.) e será definida pelo servidor
anualmente, com o servidor e o patrocinador pagando a mesma alíquota, até o limite
de 8.5% no caso da alíquota a ser paga pelo patrocinador; assim, imaginemos que o
teto do regime geral de previdência fosse de R$ 2.400,00 (esse é o valor original
quando da reforma da previdência, mas é reajustado constantemente desde lá);
imagine agora que um servidor federal que adira ao regime de previdência
complementar ganhe R$ 8.000,00 por mês; nesse caso, sobre R$ 2.400,00 serão
devidas as contribuições correntes da União e do servidor; e sobre a diferença entre o
que ganha o servidor e o teto da previdência geral (diferença que, no caso, é de R$
5.600,00), incidirá alíquota para fazer frente à previdência complementar, sendo que
o servidor é quem define, todo ano, quanto quer pagar de alíquota (por exemplo, 7%
sobre esses R$ 5.600,00) e a União fica obrigada a contribuir com a mesma alíquota
(no caso, 7% também), não devendo a União contribuir com mais de 8,5%; já
servidores que não ganham mais do que R$ 2.400,00, também podem contribuir para a
previdência complementar, mas não haverá contribuição da União, de modo que o
benefício complementar desse tipo de servidor tende a ser proporcionalmente menor
do que o benefício de um servidor que ganha mais de R$ 2.400,00.
Além disso, a reforma constitucional estabeleceu a obrigatoriedade de os
Estados, DF e Municípios instituírem contribuição previdenciária de seus servidores,
para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário do art. 40, cuja alíquota
não será inferior à da União (11%).
Estipulou ainda a contribuição dos inativos e pensionistas, que incidirá em
percentual igual ao estabelecido para os servidores ativos, mas incidente apenas
sobre os valores que superem o limite máximo para os benefícios do regime geral
(art. 40, § 18°, CF).
No que concerne à pensão por morte, estabeleceu-se que a lei disporá sobre o
assunto e o benefício será igual, caso aposentado o falecido, aos proventos deste até o
limite do art. 201 mais 70% da parcela excedente ao limite, e, caso na ativa o
falecido, à remuneração deste até o limite do art. 201 mais 70% da parcela excedente
a este limite (art. 40, § 7°, CF). Tal disposição, todavia, não se aplica aos militares
das Forças Armadas (art. 10, EC 41/2003) e quanto aos pensionistas dos militares
dos Estados, DF e Territórios aplica-se o que for fixado em lei específica do
respectivo ente estatal.
Quanto à revisão dos benefícios previdenciários, determinou-se o fim da
paridade com a remuneração dos servidores ativos, assegurando-se apenas o reajuste
dos benefícios para preservar seu valor real, conforme critérios estabelecidos em lei
(art. 40, § 8°, CF). Tal regra também não é aplicável aos militares das Forças
Armadas (art. 10, EC 41/2003).
Ademais, é sempre bom lembrar que o STF é pacífico no sentido de que, não
havendo redução dos proventos percebidos pelo inativo, não há inconstitucionalidade
na lei que estabelece, para a carreira, o sistema de vencimento único, com absorção
de outras vantagens remuneratórias (Ag. Reg. no RE 634.732/PR). Ou seja, alteração
no regime da carreira na gera direitos aos servidores inativos, desde que não haja
irredutibilidade. Por exemplo, “desde que mantida a irredutibilidade, o servidor
inativo, embora aposentado no último patamar da carreira anterior, não tem direito
adquirido de perceber proventos correspondentes aos da última classe da nova
carreira reestruturada por lei superveniente” (RE 606.199, j. 09.10.2013). Porém, “as
vantagens remuneratórias de caráter geral conferidas a servidores públicos, por serem
genéricas, são extensíveis a inativos e pensionistas” (STF, RE 596.962/MT, j.
21.08.2014).
A lei não pode estabelecer contagem de tempo de contribuição fictício, como, por
exemplo, dizer que férias não gozadas pelo servidor equivale a 3 meses de tempo de
contribuição para efeito de aposentadoria.
O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito
de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade.
Também se contará o tempo de contribuição para o regime geral, a chamada contagem
recíproca (art. 201, § 9°, CF).
Aliás, vale ressaltar que, hoje, o requisito não é mais tempo de serviço, mas
tempo de contribuição.
O art. 8° da EC 20/1998 trazia a regra de transição para os servidores que já o
eram quando de sua edição. Agora, tal regra foi modificada pelo art. 2° da EC
41/2003, a qual também estabeleceu regra de transição para aqueles que ingressaram
no serviço público até a data de sua publicação (art. 6°, EC 41/2003).
Quanto à aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4°, da CF (p. ex., por
trabalhar em atividades insalubres), o STF, diante da mora legislativa em
regulamentar a questão, reconheceu que “enquanto não editada a lei reguladora do
direito assegurado constitucionalmente, o critério a ser levado em conta é o da Lei
8.213/1991, mais precisamente o definido no artigo 57, adotando-se os parâmetros
previstos para os trabalhadores em geral (Ag. Reg. no ARE 727.541-MS). Nesse
sentido é a Súmula Vinculante STF 33.
Quanto ao ocupante exclusivamente de cargo em comissão (ou seja, aquele não
seja servidor já com cargo efetivo), aplica-se as regras previdenciárias do regime
geral de previdência (art. 40, § 13, da CF), e não as regras acima sobre o regime
próprio de previdência do servidor público. Nesse sentido, não se aplica, por
exemplo, a regra da aposentadoria compulsória a quem tenha cargo em comissão, de
modo que uma pessoa com 80 ou 90 anos (e há casos disso) pode trabalhar no poder
público num cargo em comissão.
Por fim, importante consignar que o STF editou a Súmula Vinculante 55, com o
seguinte teor: “O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores
inativos”.
6.14.1.Garantias e princípios
a) contraditório e ampla defesa: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5°, LV, CF). Vide também a
Lei 9.784/1999, aplicável subsidiariamente às leis federal e locais que tratam do
processo disciplinar; vale salientar, que, apesar das inúmeras garantias contidas nesse
princípio, o STF, na Súmula Vinculante 5, não entende que a falta de defesa técnica
por advogado no processo disciplinar, por si só, ofenda o contraditório e a ampla
defesa; ou seja, a falta de advogado não gera a presunção de desrespeito a esse
princípio, se forem preservados os três elementos dessa garantia, que são os
seguintes: “a) o direito de manifestação (que obriga o órgão julgador a informar à
parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes);
b) o direito de informação sobre o objeto do processo (que assegura ao defendente a
possibilidade de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e
jurídicos contidos no processo); e c) o direito de ver os seus argumentos
contemplados pelo órgão incumbido de julgar (que exige do julgador capacidade de
apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas)” (STF, RE
434.059/DF);
b) juiz natural: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente” (art. 5°, LIII, CF);
c) vedação da prova ilícita: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por
meios ilícitos” (art. 5°, LVI, CF). Ex.: não é possível requerer a interceptação
telefônica em processo administrativo disciplinar (Lei 9.296/1996); porém, o STJ
admite a utilização dessa prova, em processo disciplinar, na qualidade de “prova
emprestada”, caso tenha sido produzida em ação penal, e desde que devidamente
autorizada pelo juízo criminal e com a observância das diretrizes da Lei 9.296/1996
(MS 16.146, j. 22.05.2013); de acordo com a Súmula 591 do STJ, “é permitida a
prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente
autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa”; não
se considera ilícita a prova quando feita pela própria vítima (interlocutor) de fiscal
que exigia propina, bem como não se considera flagrante preparado (mas flagrante
esperado) no caso em que a solicitação de dinheiro pelo fiscal se dera dias antes de
sua prisão (quando não mais se dependia do flagrante para a configuração do delito) e
a equipe policial apenas permaneceu alerta, sem instigar a atuação do fiscal (STJ,
RMS 19.785); também não se consideram provas ilícitas “As informações obtidas por
monitoramento de e-mail corporativo de servidor público não configuram prova
ilícita quando atinentes a aspectos não pessoais e de interesse da Administração
Pública e da própria coletividade, sobretudo quando exista, nas disposições
normativas acerca do seu uso, expressa menção da sua destinação somente para
assuntos e matérias afetas ao serviço, bem como advertência sobre monitoramento e
acesso ao conteúdo das comunicações dos usuários para cumprir disposições legais
ou instruir procedimento administrativo” (RMS 48.665-SP, DJe 5/2/2016).
d) direito ao silêncio, in dubio pro reo, presunção de inocência e ônus da prova da
Administração; por conta do princípio da presunção de inocência, não é possível
cortar remuneração preventivamente, mas é cabível o afastamento cautelar do agente;
por conta do ônus da prova da Administração não é possível que esta simplesmente
coloque o ônus da prova sobre o servidor e atue de modo tendencioso e direcionado a
culpabilizá-lo (STJ, MS 10.906);
e) gratuidade: não se pode cobrar custas do agente público;
f) oficialidade: instaurado e desenvolvido de ofício pela Administração;
g) formalismo moderado: deve-se ter em mente a instrumentalidade das formas,
respeitando sempre a ampla defesa e o contraditório; por conta disso, o STJ entende,
por exemplo, que a prorrogação motivada do prazo para a conclusão dos trabalhos da
comissão em processo administrativo disciplinar não acarreta, por si só, a nulidade
do procedimento (MS 16.031, j. 26.06.2013); por conta disso, “o excesso de prazo
para a conclusão do processo administrativo disciplinar não gera, por si só, qualquer
nulidade no feito, desde que não seja prejuízo para o acusado. Isso porque não se
configura nulidade sem prejuízo (pas de nulité sans grief)” (RMS 33.628-PE, j.
02.04.2013). Nesse sentido é a Súmula 592 do STJ;
h) motivação: a motivação já um imperativo decorrente do regime republicano, do
princípio da inafastabilidade da jurisdição (sem a motivação, como se vai exercer
esse direito, demonstrando ao Judiciário uma ilegalidade ou abuso de poder) e do
princípio da moralidade administrativa, mas esse princípio (da motivação) é ainda
mais importante quando se pratica atos que restringem ou interferem nos direitos de
terceiro; em matéria disciplinar, então, é ainda mais importante que a Administração
motive adequadamente seus atos, explicitando e explicando as razões de seu
convencimento; porém, isso não quer dizer que a Administração tem o dever de fazer
o exame detalhado de cada argumento trazido pelas partes (STF, Ag. Reg. no ARE
637.958-MG);
i) respeito aos demais princípios administrativos: o STJ determinou a anulação de
demissão certa ocasião, por ofensa aos princípios da impessoalidade (art. 37, caput,
da CF) e da imparcialidade (art. 18 da Lei 9.784/1999), pelo fato de o processo
administrativo ter sido instaurado por um dos investigados e também pelo fato de uma
das testemunhas também se tratar de investigado, tendo prestado depoimento sem o
compromisso de dizer a verdade (MS 14.233, DF).
Já no plano substancial, além do respeito aos princípios e regras administrativos
em geral, destaque-se a relevância de decidir consoante os princípios da legalidade,
d a moralidade e, mais do que nunca, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Quanto aos dois últimos princípios, o Judiciário tem, inclusive, anulado a aplicação
de penas de demissão (determinando que a Administração aplique nova pena, mas
agora proporcional), quando há violação à razoabilidade ou proporcionalidade (STJ,
RMS 29.290-MG). O Judiciário também tem anulado penas disciplinares quando se
demonstra que a autoridade apenadora comete desvio de finalidade, apenando o
servidor por perseguição ou interesse de natureza diversa, mas não prevista em lei,
por violação aos princípios da impessoalidade (e imparcialidade), moralidade e
razoabilidade (STJ, MS 14.959-DF).
6.14.2.Incidência
O processo administrativo é obrigatório para as hipóteses em que são cabíveis
sanções mais graves, tais como:
a) demissão;
b) perda do cargo;
c) suspensão por mais de 30 dias;
d) cassação da aposentadoria;
e) destituição de cargo em comissão como punição (diferente da livre exoneração).
6.14.4.Meios sumários
Sindicância: meio sumário de investigação, destinado à apuração preliminar de
fatos com dois objetivos, que devem ser vistos no prazo de 30 dias:
a) Aplicação de sanções menos severas: multa, repreensão e suspensão de até 30
dias;
b) Processo preparatório: meio de convencimento para instauração de processo
administrativo ou arquivamento da peça de instauração.
Verdade sabida: aquela testemunhada ou conhecida inequivocamente pelo
superior hierárquico e que enseja sanção leve. Alguns estatutos admitem que a partir
dela se imponha sanção, desde que se garanta ampla defesa ou contraditório. Porém,
trata-se de instituto inconstitucional, pois há de sempre de se garantir contraditório e
ampla defesa.
Termo de Declarações: servidor, confessando a falta, aceita a sanção aplicável,
desde que não se exija processo disciplinar. Também é inconstitucional, pois sempre
há de se garantir contraditório e ampla defesa.
O STF entende inconstitucional esses dois meios, sob o argumento de que não é
“admissível que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer cidadão
e de seus servidores, exerça a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, de
modo a desprezar, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa,
visto que o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida
imposta pelo Poder Público de que resultem, como no caso, consequências gravosas
no plano dos direitos e garantias individuais exige a observância da garantia do
devido processo” (ADI 2120/AM).
6.14.5.Sanções disciplinares
Normalmente, os estatutos dos funcionários públicos estabelecem as seguintes
sanções disciplinares:
a) demissão;
b) demissão a bem do serviço público;
c) suspensão;
d) advertência, repreensão;
e) multa.
Porém, o estatuto local tem liberdade para estabelecer outros tipos de sanções
disciplinares.
6.14.6.Comunicabilidade de instâncias
A regra é a da independência das instâncias cível, administrativa e criminal. A
absolvição ocorrida no juízo criminal somente se comunicará à instância
administrativa se se tratar de “absolvição por negativa de autoria” ou de “absolvição
por inexistência do fato”, e nunca se for “absolvição por falta de provas”.
De qualquer forma, o exercício do poder disciplinar pelo Estado não está sujeito
ao encerramento da perseguição criminal, nem se deixar influenciar, como se viu, por
eventual sentença absolutória nessa instância, salvo nos casos mencionados (STF, MS
23.190/RJ, j. 01.08.2013; STJ, MS 18.090-DF, j. 08.05.2013).
Deve-se acrescentar que, de acordo com a Súmula 18 do STF, “pela falta
residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a
punição administrativa do servidor público”.
7. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
7.5.Processo
São legitimados ativos o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada (art.
17). Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente (ou
ao MP) para instaurar investigação a fim de apurar a prática do ato (art. 14).
Comissão processante dará ciência ao MP e ao Tribunal de Contas da existência de
procedimento (art. 15). A Fazenda Pública, se for o caso, promoverá ações para
complementação do ressarcimento do patrimônio público (art. 17, § 2°).
Caso a ação tenha sido promovida pelo MP, aplica-se o disposto no § 3° do art.
6° da Lei 4.717/1965, chamando-se a pessoa jurídica lesada para contestar, abster-se
de contestar o pedido ou atuar ao lado do autor, de acordo com o interesse público (§
3° do art. 17).
O Ministério Público, se não for parte, será obrigatoriamente fiscal da lei, sob
pena de nulidade.
As cautelares previstas pela Lei 8.429/1992 são as seguintes:
a) Sequestro (art. 16): havendo fundados indícios de responsabilidade. O pedido
pode incluir investigação, exame e bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações
financeiras no exterior;
b) Indisponibilidade de bens (art. 7°): recairá sobre bens que assegurem
ressarcimento (arresto) e sobre o acréscimo patrimonial (pode ser sequestro);
c) Afastamento do agente público (art. 20, parágrafo único): quando a medida for
necessária à instrução processual, sem prejuízo da remuneração, podendo ser
determinada pela autoridade judicial ou administrativa competente; o STJ é claro no
sentido de que o afastamento cautelar do agente de seu cargo é excepcional e
configura-se tão somente com a demonstração de um comportamento do agente
público que, no exercício de suas funções ou em razão delas, importe efetiva ameaça
à instrução processual (REsp 895.415-BA).
Apesar de não prevista na Lei de Improbidade, é cabível também a cautelar de
exibição de documentos para fins de quebra do sigilo bancário ou fiscal do agente.
Quanto à medida cautelar de indisponibilidade de bens, tutela de urgência que
visa garantir eventual condenação pecuniária resultante de improbidade
administrativa, o STJ entende que tal medida pode alcançar bens adquiridos
anteriormente à prática do ato de improbidade (REsp 839936/PR, DJ 01.08.2007),
mesmo que se tratem de bem de família (REsp 806.301/PR, DJ 03.03.2008). Porém, o
mesmo STJ já decidiu que “os valores investidos em aplicações financeiras cuja
origem remonte a verbas trabalhistas não podem ser objeto de medida de
indisponibilidade em sede de ação de improbidade administrativa”, ressalva a
penhora dos rendimentos dessa aplicação (REsp. 1.164.037-RS, j. 20.02.2014).
O STJ também entende que a decretação da medida prescinde da individualização
de bens na petição inicial e requer apenas o fumus boni juris, estando o periculum in
mora implícito na lei (REsp 1.177.290/MT, DJ 01.07.2010), sendo possível,
inclusive, que seja determinada antes do recebimento da petição inicial da ação de
improbidade (AgRg no REsp 1.317.653-SP, j. em 07.03.2013), em medida cautelar
preparatória ou incidental, inaudita altera pars, ou seja, sem a oitiva da parte
contrária (REsp 1.078.640-ES).
Por fim, o STJ determina que a medida só incide sobre as bases patrimoniais da
futura sentença condenatória, incluído o valor de eventual multa civil (AgRg nos EDcl
no REsp 637413/RS, DJ 21.08.2009), não podendo atingir todo o patrimônio do
acusado de ato ímprobo, se não for necessário (AgRg no REsp 1.191.497-RS, j.
20.11.2012).
O procedimento previsto pela lei é o comum (art. 17), com notificação do
requerido, antes do recebimento da inicial, para oferecer resposta por escrito no
prazo de 15 dias (defesa preliminar), podendo o juiz rejeitar a ação se convencido da
inexistência do ato, da improcedência da demanda ou da inadequação da via eleita (§
8°).
O STJ ainda não se pacificou sobre a ausência de oportunidade para os réus
apresentarem defesa preliminar antes do recebimento da inicial (art. 17, § 7°, da Lei
8.429/1992) constituir cerceamento de defesa que gera nulidade absoluta do processo
desde sua origem. Há acórdãos nesse sentido (REsp 883.795/SP, DJ 26.03.2008),
mas também há decisões no sentido de que a nulidade só existirá se houver
demonstração do efetivo prejuízo (REsp 1.174.721/SP, DJ 29.06.2010).
Por fim, é importante ressaltar que a lei veda expressamente qualquer tipo de
transação, acordo ou conciliação na ação por improbidade administrativa (art. 17, §
1°, da Lei 8.429/1992). Essa disposição foi objeto da Medida Provisória 703, de 18
de dezembro de 2015, que, no ponto, revoga completamente essa proibição de
transação, acordo ou conciliação. Todavia, esta MP teve vigência encerrada e a regra
que veda a transação, acordo ou conciliação em ações de improbidade restou mantida
em nosso ordenamento jurídico.
Quanto à competência para o ajuizamento da ação de improbidade, não havendo
disposição na lei a esse respeito, é de rigor valer-se do contido nas regras gerais
sobre ações civis públicas, devendo prevalecer o disposto no artigo 2° da Lei
7.347/1985, que diz competente, de forma funcional (rectius: absoluta), o foro do
local onde ocorrer o dano, com a peculiaridade de que nas causas em que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal forem autoras, rés, assistentes ou
oponentes, a competência será da Justiça Federal, junto ao juízo da seção judiciária
que abranger a área em que se configurou o dano, dada a posição exarada pelo
Supremo Tribunal Federal a respeito, a qual deu origem ao cancelamento da Súmula
183 do Superior Tribunal de Justiça.
No que pertine à existência de foro por prerrogativa de função na ação por
improbidade, a questão acabou se esvaziando com a não submissão da maior parte
dos agentes políticos à Lei 8.429/1992. No entanto, no caso do Prefeito, como a lei
continua se aplicando a este, a questão é relevante. Nesse ponto, o STF declarou
inconstitucional a alteração feita no art. 84, § 2°, do Código de Processo Penal, que
estendia o foro privilegiado da esfera penal às ações de improbidade, que são
consideradas ações cíveis (ADI 2.797, DJ 19.12.2006). Assim, as ações de
improbidade contra os Prefeitos devem ser promovidas em primeira instância.
A sentença aplicará as sanções e determinará o pagamento ou a reversão dos
bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica (art. 18).
Vale ressaltar que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos
só produzirão efeitos com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20,
caput).
7.7.Disposições penais
A Lei 8.429/1992 tipifica, no âmbito penal, a seguinte conduta:
“Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente
público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o
denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.”
Para configurar o tipo, é necessário que alguém represente um terceiro acusando-
o de ter cometido ato de improbidade que, na verdade, não fora cometido. É
necessário que aquele que faz a representação (o autor da denúncia) saiba que o
terceiro é inocente. Sem elemento o crime não se configura. E é até bom que assim o
seja, para que as pessoas não tenham medo de representar contra terceiros por ato de
improbidade. Somente aquele que está de má-fé (por saber que o terceiro é inocente)
é que deve temer fazer uma representação nessas condições.
Interessante disposição é a prevista no parágrafo único do art. 19, que assevera
que o autor da denúncia indevida está sujeito, ainda, a indenizar o denunciado pelos
danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado. Apesar de o dever de
indenizar já ser uma consequência legal em desfavor de quem é condenado por
cometer um crime que causa danos à esfera civil de alguém (o art. 91, I, do CP
estabelece que é efeito da condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano
causado pelo crime”), a menção à indenização por danos morais e à imagem acaba
por evidenciar à necessidade de indenizar todos os danos causados à vítima da
representação.
Vale lembrar que, para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, inclusive o
penal, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou
mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14 da Lei
8.429/1992, poderá requisitar a instauração de inquérito policial, ou, no caso de
ilícito não penal, a instauração de procedimento administrativo.
8. BENS PÚBLICOS
8.5.1.Aquisição
Pode se dar por desapropriação ou por compra, a qual dependerá de prévia
licitação, salvo os casos de dispensa e inexigibilidade. Adquire-se também por dação
em pagamento, permuta, penhora e sucessão.
8.6.4.Lagos e rios
São da União os lagos e rios:
a) de terrenos de seu domínio;
b) que banhem mais de um Estado;
c) que sirvam de limite com outros países;
d) que se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, inclusive os terrenos
marginais.
8.6.5.Terrenos de marinha
São da União os terrenos de marinha.
São aqueles formados pela porção de terras banhadas pelas águas dos rios
navegáveis ou pelas águas do mar (art. 20, VII, da CF). O art. 2° do Decreto-lei
9.760/1946 os define como a faixa de 33 metros da linha do preamar médio de 1831
para a parte da terra. O particular que ocupar parte de terreno de marinha, mediante a
devida outorga (enfiteuse ou aforamento, ou mesmo mero regime de ocupação),
pagará à União taxa de Administração (art. 127 do Dec.-lei 9.760/1946). E caso o
ocupante venha a transferir a terceiros, mediante alienação a título oneroso, esse
direito sobre o bem (chamado “domínio útil”), deverá pagar o chamado laudêmio (art.
5° do Dec.-lei 2.398/1987). Aliás, o pagamento de laudêmio à União é devido não só
quando há transferência do domínio ou de ocupação, seja para terceiros, seja para
integralizar cotas de empresa, como também quando há transferência do direito a
benfeitorias no bem (AgRg no AREsp 429.801/PE, DJe 25.02.2014). Aliás, no caso
de irregularidade da ocupação, a União, independentemente de fazer a cobrança
devida pela ocupação do bem, pode buscar a anulação dos registros da ocupação,
podendo fazê-lo administrativamente (sem necessidade de ação judicial), “em razão
do atributo da presunção de legitimidade e executoriedade do ato administrativo,
justificando-se, inclusive, a inversão do ônus da prova a cargo dos” ocupantes (Resp
409.303-RS, DJ 14.10.2012).
8.6.6.Mar territorial
É da União o mar territorial, consistente na faixa de 12 milhas, contadas do litoral
continental, sobre a qual o Estado exerce poderes de soberania (art. 20, VI, da CF e
Lei 8.617/1993).
8.6.9.Ilhas
São da União as ilhas:
a) fluviais (de rios) e lacustres (de lagos) nas zonas limítrofes com outros países; as
demais são dos Estados;
b) oceânicas (no oceano);
c) costeiras (próximas à costa), excluídas as de terceiros.
9.1.2.Limitação administrativa
É a imposição unilateral, geral e gratuita, que traz os limites dos direitos e
atividades particulares de forma a condicioná-los às exigências da coletividade.
Ex.: proibição de construir sem respeitar recuos mínimos; proibição de instalar
indústria ou comércio em determinadas zonas da cidade; leis de trânsito, de obras e
de vigilância sanitária; lei do silêncio.
A limitação administrativa pode ser de três tipos: positiva (ex.: imposição de
construção de muro ou de limpar o imóvel), negativa (ex.: limitação da altura de uma
obra) ou permissiva (ex.: permitir vistoria de imóvel pelo Poder Público).
Perceba-se a identidade entre a limitação administrativa e o poder de polícia.
Enquanto o poder de polícia é a atividade condicionadora dos direitos aos seus
limites, a limitação é o próprio limite que o particular deve observar e que o Poder
Público deve levar em conta na sua atividade de poder de polícia.
Nem a limitação administrativa, nem a atividade de condicionamento dos direitos
feita pelo Poder Público (poder de polícia), ensejarão indenização ao particular,
visto que são imposições que atingem a todos igualmente, não prejudicando ninguém
especificamente, mas apenas traçando os limites do direito que cada um de nós temos.
São diferenças entre limitação administrativa e servidão: a primeira não é ônus
real, ao passo que a segunda é ônus real; aquela é gratuita (atingindo a todos),
enquanto esta é onerosa (pois atinge um bem em particular); a limitação importa e
traça deveres de não fazer (non facere), já a segunda em deveres de suportar (pati) –
suportar é mais amplo que não fazer).
9.1.3.Requisição de bens ou serviços
É o ato pelo qual o Estado determina e efetiva a utilização de bens ou serviços
particulares, mediante indenização ulterior, para atender necessidades públicas
urgentes e transitórias, ou seja, em caso de iminente perigo público.
O requisito para requisição de bens está previsto na CF, em seu artigo 5°, XXV:
no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver
dano.
São situações de iminente perigo público uma inundação, um incêndio, a falta de
alimento etc. Em caso de inundação, por exemplo, pode o Poder Público, para dar
guarida àqueles que poderão ter sua casa invadida pela água, requisitar o ginásio de
um clube particular para abrigo de tais pessoas. Após isso, o particular será
indenizado.
O fundamento do instituto consiste no estado de necessidade pública. O artigo 22,
inciso III, da CF, diz caber privativamente à União legislar sobre “requisições civis
ou militares, em caso de iminente perigo público e em tempo de guerra”. A requisição
administrativa de bens e serviços é tratada pela Lei Delegada 4/1962 e pelo Decreto-
lei 2/1966, enquanto que as requisições civis e militares em tempo de guerra estão
reguladas pelo Decreto-lei 4.812/1942.
S ã o diferenças entre desapropriação e requisição as seguintes: a
desapropriação só se refere a bens, enquanto a requisição pode ser de bens ou
serviços; a primeira é direcionada a aquisição do bem, ao passo que a segunda busca
apenas seu uso, de forma que a desapropriação visa atender a necessidades
permanentes e a requisição, a necessidades transitórias; a primeira depende de
acordo ou processo para se efetivar, a segunda é autoexecutável; a desapropriação
depende de indenização prévia, a requisição dá ensejo a indenização posterior
desde que haja dano.
9.1.5.Servidões administrativas
É o ônus real de uso imposto pela Administração a um bem particular, com
objetivo de assegurar a realização de obras e serviços públicos, assegurada
indenização ao particular, salvo se não houver prejuízo.
São exemplos de servidão os seguintes: instalação de linhas e torres de
transmissão de energia elétrica em bem particular; servidão de aqueduto; e servidão
para instalação de placas indicativas de ruas em imóveis particulares (nesse caso
geralmente não haverá dano ao particular, não se podendo falar em indenização).
Institui-se tal ônus real tal qual a desapropriação para aquisição da propriedade
de um bem. Há necessidade de ato declaratório da utilidade pública da servidão (art.
40 do Dec.-lei. 3.365/1941: o expropriante poderá constituir servidões, mediante
indenização na forma desta lei), com consequente tentativa de acordo para
indenização, que, infrutífera, ensejará processo judicial para sua instituição. Assim,
os títulos para instituição da servidão podem ser tanto o acordo administrativo como
a sentença judicial. Após isso, um dos dois será registrado no Cartório Imobiliário,
constituindo, finalmente, o direito real em tela.
A indenização segue a sorte daquela prevista para a desapropriação. A Súmula
56 do STJ tem o seguinte teor: na desapropriação para instituir servidão
administrativa são devidos juros compensatórios pela limitação do uso da
propriedade. O único cuidado que se deve ter ao ler a presente súmula é não
confundir servidão com limitação administrativa.
São diferenças gerais entre a servidão administrativa e a servidão civil: a
primeira é ônus real do Poder Público sobre a propriedade, enquanto a segunda é
ônus real de um prédio (dominante) em face de outro prédio (serviente); aquela tem
serventia pública (utilidade pública) e esta tem serventia privada (utilidade privada e
bem certo).
9.1.6.Tombamento
O tombamento pode ser conceituado como o ato do Poder Público que declara
de valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico, bens ou
locais para fins de preservação.
O instituto está regulamentado no Dec.-lei 25/1937.
Quanto ao objeto, o tombamento pode alcançar tanto bens imóveis
individualmente considerados (um prédio histórico), um conjunto arquitetônico (o
Pelourinho, em Salvador), um bairro (o Centro do Rio de Janeiro), uma cidade (Ouro
Preto) e até um sítio natural. Pode também alcançar bens móveis, como a mobília da
casa de um personagem histórico, como Santos Dumont.
Admite-se o chamado tombamento cumulativo, que é o tombamento de um
mesmo bem por mais de um ente político.
A instituição do tombamento pode ser voluntária (por requerimento do próprio
dono da coisa) ou contenciosa. A última impõe a notificação do proprietário para, no
prazo de 15 dias, impugnar, se quiser, a intenção do Poder Público de tombar a coisa.
Uma vez concluído pelo tombamento, este será feito mediante inscrição do ato num
dos quatro Livros do Tombo (Paisagístico, Histórico, Belas Artes e Artes Aplicadas).
Em se tratando de imóvel, o ato também deve ser registrado no Registro de Imóveis.
É importante ressaltar que, com a notificação do proprietário, ocorre o
tombamento provisório, que já limita o uso da coisa por seu dono.
Além de poder ser instituído por ato administrativo, o tombamento também pode
advir de ato legislativo (por exemplo, o art. 216, § 5°, da CF, pelo qual “ficam
tombados os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos
quilombos”) ou ato judicial. No terceiro caso, o juiz, diante de uma ação coletiva
(ex.: ação popular ou ação civil pública), determina a inscrição do tombamento no
Livro do Tombo.
Quanto aos efeitos do tombamento, temos, entre outros, os seguintes: a) o
proprietário deverá conservar a coisa (se não tiver recursos, deve levar ao
conhecimento do Poder Público, que fica autorizado legalmente a executar a obra); b)
o proprietário não pode reparar, pintar ou restaurar a coisa, sem prévia autorização
especial do Poder Público; c) os vizinhos não podem reduzir a visibilidade da coisa
tombada, nem colocar anúncios sem prévia autorização especial; d) o bem tombado,
se for um bem público, ou seja, pertencente a uma pessoa jurídica de direito público,
é inalienável; e) o bem tombado não pode sair do País, salvo se por prazo curto, sem
alienação, para fim de intercâmbio cultural e mediante autorização do Poder Público;
g) o proprietário do bem tombado tem direito de ser indenizado, caso sofra restrição
especial que o prejudique economicamente.
A Constituição traz uma norma especial sobre o tombamento do patrimônio
cultural ao dispor que “ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de
reminiscências históricas dos antigos quilombos” (art. 216, § 5°).
O Dec.-lei 25/1937 é de leitura obrigatória para se conhecer mais sobre o
instituto do tombamento.
9.1.8.Desapropriação
9.1.8.1.Fundamentação legal
O instituto da desapropriação está regulamentado nos seguintes diplomas:
Constituição Federal – arts. 5°, XXIV, 182, § 3°, 184, 185 e 243; Decreto-lei
3.365/1941 (utilidade e necessidade pública), Lei 4.132/1962 (interesse social),
Decreto-Lei 1.075/1970 (imissão provisória na posse em imóveis residenciais
urbanos), Lei 8.257/1991 (glebas com culturas ilegais de plantas psicotrópicas), Lei
8.629/1993 (reforma agrária), Lei Complementar 76/1993 (rito sumário de
contraditório especial para reforma agrária) e Lei 10.257/2001 (desapropriação por
interesse social como instrumento de política urbana).
9.1.8.2.Direito material
Pode-se conceituar a desapropriação como o procedimento pelo qual o Poder
Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social,
compulsoriamente adquire para si um bem certo, em caráter originário, mediante
indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de imóveis em
desacordo com a função social da propriedade, hipóteses em que a indenização far-
se-á em títulos da dívida pública.
A desapropriação é expressão do princípio da supremacia do interesse público
sobre o particular. É muito comum que entrem em choque dois interesses. De um lado,
o Poder Público, interessado muitas vezes em utilizar um dado imóvel particular para,
por exemplo, construir uma escola, um hospital ou uma repartição pública. De outro,
o particular interessado em não alienar nem ceder um imóvel do qual é titular do
direito de propriedade. Entre o interesse do Poder Público e o interesse do particular,
prevalecerá o primeiro, ou seja, o Poder Público poderá exigir que o particular
entregue o bem de sua propriedade, e, em troca, o particular terá direito de ser
indenizado, indenização que será, em regra, prévia, justa e pagável em dinheiro.
A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, não se
vinculando, portanto, ao título anterior. Isso significa, por exemplo, que as dívidas do
imóvel ficam sub-rogadas no preço pago pela desapropriação e não mais neste (art.
31 do Decreto-lei 3.365/1941). Ademais, mesmo que se tenha desapropriado imóvel
de pessoa que não era seu dono, não haverá invalidade (ou seja, não há direito de
reivindicação por terceiro – art. 35 do Decreto-lei 3.365/1941), ressalvado o direito
de o verdadeiro dono se insurgir contra o que se supunha dono do imóvel.
A competência para legislar sobre desapropriação é privativa da União (art. 22,
II, CF).
São fases da desapropriação a declaratória, em que o ente declara de utilidade
pública determinada área a ser desapropriada, e a executória, em que são tomadas
providências concretas para efetivar a manifestação de vontade anterior. Tenta-se, em
primeiro lugar, fazer um acordo com o proprietário (desapropriação extrajudicial).
Não sendo frutífera tal tentativa, ingressa-se com ação de desapropriação.
A competência para a primeira fase (competência para declarar bem de
utilidade pública ou interesse social) é dos entes políticos (União, Estados, DF e
Municípios), do DNIT (Lei 10.233/2001) e da ANEEL (art. 10 da Lei 9.074/1995).
A competência para a segunda fase (competência para executar a
desapropriação) é dos entes políticos, autarquias e fundações públicas;
concessionárias de serviço público ou entes delegados pelo Poder Público, desde que
autorizados expressamente pela lei ou pelo contrato (art. 3° do Decreto-lei
3.365/1941).
O objeto da desapropriação é qualquer bem (móvel ou imóvel, material ou
imaterial, inclusive o espaço aéreo e o subsolo), exceto moeda corrente nacional
(salvo moedas raras), pessoas e direitos personalíssimos. O objeto deve também ser
existente, preciso, certo e possível. É cabível a desapropriação do espaço aéreo e do
subsolo quando de sua utilização pelo Poder Público resultar prejuízo patrimonial ao
proprietário do solo.
Bem público pode ser desapropriado. A União pode desapropriar de todos os
entes, além dos particulares. Estados desapropriam dos Municípios e dos
particulares. Municípios, só dos particulares. Quando a desapropriação se dá sobre
bem público, além de se respeitar os limites acima, deve ser precedida de autorização
legislativa.
Por fim, vale destacar que não é possível a autodesapropriação, ou seja, a
desapropriação de bem da própria pessoa.
A declaração de utilidade pública consiste no ato pelo qual o Poder Público
manifesta intenção de adquirir compulsoriamente determinado bem submetendo-o à
sua força expropriatória. Deve-se identificar o bem, seu destino e o dispositivo legal
que autoriza o ato. Faz-se por decreto, normalmente. O Poder Legislativo pode tomar
a iniciativa, cabendo ao Executivo efetivá-la. Ao Poder Judiciário é vedado decidir
se se verificam ou não os casos de utilidade pública (art. 9° do Dec.-lei 3.365/1941).
São efeitos da declaração: a) submete o bem à força expropriatória do Estado;
b) fixa o estado dos bens, o que não significa que não possa ser vendido ou alterado
(importante, pois o Estado deverá indenizar as benfeitorias necessárias efetuadas
posteriormente; as benfeitorias úteis, por sua vez, só serão indenizadas pelo Estado se
este autorizar sua realização; as voluptuárias nunca serão indenizadas); c) confere ao
Poder Público o direito de penetrar no bem, com auxílio de força policial se o caso
(art. 7° do Dec.-lei 3.365/1941 – tal efeito demonstra a autoexecutoriedade do
Decreto); d) dá início ao prazo de caducidade da declaração.
A caducidade da declaração consiste na perda de sua validade pelo decurso do
tempo sem que o Poder Público promova os atos concretos de expropriação, ficando
inviabilizada a desapropriação. Nas hipóteses de desapropriação por utilidade
pública, o prazo de caducidade é de 5 anos (art. 10 Decreto-lei 3.365/1941). No
caso de desapropriação por interesse social, a caducidade se dá após 2 anos (art. 3°
da Lei 4.132/1962). A desapropriação por interesse social se dá quando não se
cumpre a função social da propriedade, sendo as demais por utilidade ou necessidade
pública. Caso haja a caducidade, somente decorrido 1 ano poderá haver nova
declaração sobre aquele bem.
Imissão provisória de posse é a transferência da posse do bem objeto de
desapropriação para o expropriante, já no início da lide, concedida pelo Juiz, se o
Poder Público declarar urgência e depositar, em Juízo, a favor do proprietário,
importância fixada segundo critério legal.
A indenização será sempre justa, prévia e, como regra, em dinheiro. Mas
quando não se atender à função social, seja em área urbana, seja em área rural, a
desapropriação decorrente de tal situação implicará pagamento por títulos públicos,
resgatáveis anual e sucessivamente. Vale dizer, em que pese o pagamento seja prévio,
não será em dinheiro, mas em títulos resgatáveis anualmente. Vejamos as hipóteses de
pagamento com títulos públicos:
Imóvel rural: a União é competente para desapropriá-lo quando o fundamento é o
não atendimento à função social; o pagamento é feito em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo
ano de emissão do título. Cuidado, pois as benfeitorias úteis e necessárias são
indenizadas em dinheiro (art. 184, § 1°, da CF).
Imóvel urbano: o Município é o competente para desapropriá-lo quando o
fundamento é o não atendimento à função social da propriedade (imóvel não
edificado, subutilizado ou não utilizado). Depende de lei específica, para a área
incluída no Plano Diretor, a exigência, nos termos de lei federal, de que o
proprietário promova o adequado aproveitamento do imóvel, sob pena de,
sucessivamente, determinar-se o parcelamento ou edificação compulsórios, instituir-
se IPTU progressivo no tempo, para só depois, mantida a situação, efetivar-se a
desapropriação. Nesse caso o pagamento será feito em títulos da dívida pública (de
emissão previamente aprovada pelo Senado), resgatáveis em até 10 anos, em parcelas
anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Não há previsão de pagamento em dinheiro das benfeitorias, talvez porque geralmente
não haverá benfeitoria alguma (art. 182 da CF).
Não há indenização (confisco): na expropriação de propriedades rurais e
urbanas de qualquer região, onde forem localizadas culturas ilegais de plantas
psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo, o mesmo ocorrendo com bens de
valor econômico apreendidos em decorrência de tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins e da exploração de trabalho escravo. Há, portanto, o confisco de tais
bens, que serão utilizados em projetos sociais (assentamentos, cultivos, instituições,
recuperação, fiscalização etc.).
A justa indenização compreende o valor de mercado do imóvel, abrangendo os
danos emergentes e os lucros cessantes do proprietário. Inclui juros moratórios,
compensatórios, correção monetária e honorários advocatícios. Os juros moratórios,
segundo a MP 2.183-56/2001, correm a partir de 1° de janeiro do exercício seguinte
ao que o pagamento deveria ser feito. Os juros compensatórios são contados desde o
momento da imissão antecipada na posse, pois, a partir daí, o proprietário não mais
terá a disponibilidade do bem, devendo ser compensado por isso. A correção
monetária é contada desde a realização do laudo pericial que fixa o valor do bem
expropriado. Os honorários são fixados tendo por base de cálculo a diferença entre o
oferecido pelo Poder Público e o fixado pelo Poder Judiciário.
Consuma-se a desapropriação com o pagamento da indenização, pois a
Constituição diz que a desapropriação requer prévia (e justa) indenização. É
importante saber qual o momento em que se consuma a desapropriação, a fim de
concluir-se até quando o Poder Público pode dela desistir. Destarte, pode-se desistir
da desapropriação até o último momento anterior ao do pagamento da indenização.
Deve-se ressaltar que eventuais danos causados ao particular devem ser ressarcidos.
Desapropriação por zona é aquela de área maior do que a necessária à
realização de obra ou serviço, para abranger zona contígua a ela, tendo em vista
reservá-la para o futuro ou revendê-la, se extraordinária valorização for
decorrência da desapropriação a ser efetuada. Ou seja, consiste em desapropriar
área maior do que a necessária naquele momento, com a finalidade de garantir espaço
para realização de obras no futuro ou com o objetivo de revender a área maior
desapropriada, quando houver valorização muito grande do local, a fim de não causar
enriquecimento sem causa ao antigo proprietário. A declaração de utilidade deve
compreendê-las, mencionando qual é para revenda e qual será para o
desenvolvimento da obra (art. 4° do Decreto-lei 3.365/1941). Parte da doutrina
defende que o Poder Público deveria, no caso de valorização, cobrar o tributo
contribuição de melhoria, já que se trata de alternativa menos gravosa ao proprietário,
entendimento não compartilhado pela jurisprudência do STF.
Direito de extensão consiste na faculdade do expropriado de exigir que na
desapropriação se inclua a parte restante do bem que se tornou inútil ou de difícil
utilização. Deve ser exercido quando da realização do acordo administrativo ou no
bojo da ação de desapropriação, sob pena de se considerar que houve renúncia.
Segundo o art. 20 do Dec.-lei 3.365/1941, a contestação somente poderá versar
sobre dois pontos: a) vício do processo judicial; b) impugnação do preço. Qualquer
outra questão deverá ser decidida por ação autônoma.
Quanto ao vício do processo judicial pode-se alegar, em preliminar, tanto
defeitos processuais (ausência de pressupostos processuais) como aqueles relativos à
ação (ausência de condição de ação).
Quanto à impugnação ao preço, o que se permite é discutir o quantum ofertado
pelo Poder Público na sua petição inicial.
Por outro lado, pode o particular exercer o direito de extensão, ou seja, o direito
de exigir que na desapropriação se inclua a parte restante do bem que se tornou
inútil ou de difícil utilização, na própria contestação, apresentando outra avaliação
do bem, abrangendo a integralidade do imóvel, e não apenas a parte incluída no plano
de desapropriação, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
O fundamento jurídico desse direito também é a norma constitucional que
determina a fixação da justa indenização (art. 5°, XXIV). Isso porque, caso o
expediente da desapropriação parcial com esvaziamento econômico da área
remanescente não fosse impedido, a justa indenização, por vias transversas, estaria
sendo prejudicada.
Não bastasse isso, há diversas outras normas repelindo esse tipo de conduta e
conferindo ao prejudicado o direito de extensão. Por exemplo, há a Lei Complementar
76/1993, que dispõe sobre o procedimento sumário de desapropriação para fins de
reforma agrária, e que contempla expressamente, em seu art. 4°, o direito de extensão.
Retrocessão importa no direito do ex-proprietário de reaver o bem
expropriado que não foi utilizado em finalidade pública. O requisito aqui é o desvio
de finalidade, a chamada tredestinação, utilizando-se o bem expropriado em fim não
público. Não configura o instituto a utilização do bem em destinação distinta da
prevista no decreto expropriatório, quando a nova finalidade for de interesse público.
9.1.8.3.1.Competência
O foro competente para o julgamento de ação de desapropriação é o da situação
da área desapropriada. No caso da Justiça Federal, a regra permanece, ou seja, é
competente o juízo federal onde se situa o imóvel objeto da demanda.
9.1.8.3.2.Legitimidade
a) Ativa: podem propor a ação de desapropriação as pessoas competentes para a fase
de execução da desapropriação (vistas acima), ou seja, os entes políticos, as
autarquias e as fundações públicas, as concessionárias de serviço público e os entes
delegados pelo Poder Público também poderão, desde que autorizados expressamente
por lei ou por contrato (art. 3° do Dec.-lei 3.365/1941);
b) Passiva: sofre a ação de desapropriação o proprietário do bem.
9.1.8.3.3.Petição inicial
A petição inicial conterá:
a) preenchimento dos requisitos previstos na legislação processual civil;
b) oferta do preço;
c) exemplar do contrato, ou do jornal oficial, em que foi publicado o decreto (serve
cópia autenticada);
d) planta ou descrição do bem e suas confrontações.
9.1.8.3.5.Contestação
Segundo o art. 20 do Dec.-lei 3.365/1941, a contestação somente poderá versar
sobre dois pontos: a) vício do processo judicial; b) impugnação do preço. Qualquer
outra questão deverá ser decidida por ação autônoma.
Quanto ao vício do processo judicial pode-se alegar, em preliminar, tanto
defeitos processuais (ausência de pressupostos processuais) como aqueles relativos à
ação (ausência de condição de ação).
Quanto à impugnação ao preço, o que se permite é discutir o quantum ofertado
pelo Poder Público na sua petição inicial.
É importante ressaltar que, caso o particular queira exercer o direito de extensão,
ou seja, o direito de exigir que na desapropriação se inclua a parte restante do bem
que se tornou inútil ou de difícil utilização, poderá fazê-lo na contestação,
apresentando outra avaliação do bem, abrangendo a integralidade do imóvel, e não
apenas a parte incluída no plano de desapropriação. Segundo o STJ, “o pedido e
extensão formulado na contestação em nada ofende o art. 20 do Decreto-lei
3.365/1941” (Resp. 882.135/SC, DJ 17.05.2007, e Resp. 816.535/SP, DJ
16.02.2007).
O fundamento jurídico desse direito também é a norma constitucional que
determina a fixação da justa indenização (art. 5°, XXIV). Isso porque, caso o
expediente da desapropriação parcial com esvaziamento econômico da área
remanescente não fosse impedido, a justa indenização, por vias transversas, estaria
sendo prejudicada.
Além disso, há diversas outras normas repelindo esse tipo de conduta e
conferindo ao prejudicado o direito de extensão. Por exemplo, há a Lei Complementar
76/1993, que dispõe sobre o procedimento sumário de desapropriação para fins de
reforma agrária, e que contempla expressamente, em seu art. 4°, o direito de extensão.
Para Carvalho Filho, “essas leis mais novas demonstram, à evidência, que o
legislador nunca quis banir o direito de extensão do ordenamento jurídico. Ao
contrário, restabeleceu-o expressamente em outras leis como que para indicar que em
todos os casos de desapropriação, e presentes os mesmos pressupostos, é assegurado
ao proprietário usar de seu direito de extensão”. (Manual de Direito Administrativo,
18a edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 770, 2007).
Para Celso Antônio Bandeira de Mello pode-se discutir, ainda, no bojo da ação
expropriatória, vícios na declaração de utilidade pública, inclusive desvio de
finalidade: “se o proprietário puder objetivamente e indisputavelmente demonstrar
que a declaração de utilidade pública não é um instrumento para a realização dos fins
a que se preordena, mas um recurso ardiloso para atingir outro resultado, o juiz
deverá reconhecer-lhe o vício e, pois, sua invalidade; cumpre que tal apreciação
possa ser feita até mesmo na ação expropriatória, que, se assim não fora, de nada
valeria ao particular demonstrar-lhe o vício posteriormente, pois, uma vez integrado o
bem, ainda que indevidamente, ao patrimônio público – ex vi do art. 35 do Decreto-
lei 3.365/1941 –, a questão resolver-se-ia por perdas e danos, donde ser ineficiente
tal meio para garantir ao proprietário despojado a proteção estabelecida no art. 5°,
XXIV, da Carta Magna” (Curso de Direito Administrativo, 24a edição, São Paulo:
Malheiros, pp. 866-7, 2007).
Cuidado, pois é excepcional a possibilidade de discutir a questão referida no
parágrafo anterior, na ação de desapropriação. Como regra, esse tipo de questão deve
ser objeto de ação própria.
9.1.8.3.6.Procedimento
Na fase judicial a desapropriação se desenvolve segundo o seguinte
procedimento:
a) petição inicial, com os requisitos já mencionados, e eventual requerimento de
imissão provisória na posse;
b) havendo requerimento de imissão provisória na posse, o juiz deve tomar as
providências mencionadas (fixar valor para depósito e proceder à imissão na posse);
c) ao despachar a inicial o juiz deverá tomar duas providências:
c1) determinar a citação do réu; c2) designar um perito de sua livre escolha para
proceder à avaliação dos bens;
d) feita a citação, a ação seguirá o rito comum
9.1.8.3.7.Sentença
A sentença deverá tratar dos seguintes assuntos:
a) das impugnações processuais alegadas em preliminares;
b) do quantum indenizatório, que deverá ser fixado levando em conta o valor de
mercado do bem (a Constituição fala em “justa indenização”), os danos emergentes e
os lucros cessantes, a partir do livre convencimento do juiz em face das avaliações do
perito e das argumentações das partes e de seus assistentes técnicos;
c) dos consectários legais, tais como juros compensatórios, juros moratórios,
correção monetária, custas e despesas processuais e honorários advocatícios.
Sobre os valores principais e os consectários legais, no caso de desapropriação
se efetivar, temos o seguinte:
a) valor de mercado do bem: o juiz deverá arbitrar quantia que corresponda ao valor
do mercado do bem, com todas as benfeitorias que já existiam no imóvel antes do ato
expropriatório; quanto às benfeitorias feitas posteriormente, serão pagas as
necessárias e as úteis, estas quando realizadas com autorização do expropriante. Se
houver desapropriação de parte de um imóvel, tornando a parte remanescente
economicamente inviável, pode-se pedir indenização pelo valor total do bem,
exercendo o chamado direito de extensão;
b) danos emergentes e lucros cessantes: aqui entram os valores que o juiz pode
arbitrar para desmonte e transporte de equipamentos instalados e em funcionamento
(art. 25, parágrafo único, do Dec.-lei 3.365/1941), os valores devidos ao proprietário
da coisa que tiver fundo de comércio próprio no local (ponto comercial), os valores
relativos à valorização ou depreciação de eventual área remanescente, pertencente ao
réu (art. 27, caput, do Dec.-lei 3.365/1941), dentre outros; quanto aos lucros
cessantes, deve-se tomar cuidado para que não haja cumulação indevida deles com
juros compensatórios (STJ, Resp. 509.854/RS, DJ 17.04.2007);
c) juros compensatórios: esses juros são devidos quando o Poder Público
promove a imissão provisória na posse do imóvel. Nessa circunstância, o
expropriado poderá levantar parte do valor depositado em juízo, mas só receberá o
valor total (de mercado) do seu bem após a sentença definitiva; é sobre a diferença
entre o valor total do bem e o valor ofertado por ocasião da imissão provisória na
posse da coisa que incidirão os juros compensatórios. São juros justos, pois o
proprietário da coisa, ao se ver desprovido dela, deixa de poder auferir renda com o
bem, sendo correto que receba juros compensatórios quanto a essa diferença. Assim,
os juros compensatórios são contados da imissão na posse (art. 15-A do Dec.-lei
3.365/1941, acrescentado pela MP 2.183/2001). A medida provisória referida
estabeleceu, também, que os juros compensatórios seriam “de até 6% (seis por cento)
ao ano”; todavia, o STF, na ADI 2.332-2, retirou a eficácia da expressão “até” (ou
seja, os juros compensatórios serão de exatos 6% ao ano) e também determinou que a
base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada
entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença (STF, ADI
2332/DF, 17.05.2018);
d) juros moratórios: esses juros são devidos quando há atraso, pelo Poder Público,
do pagamento que deverá efetuar pela desapropriação. Como o pagamento, de regra, é
feito por precatório, esse atraso só passa a existir “a partir de 1° de janeiro do
exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art.
100 da Constituição” (art. 15-B do Dec.-lei 3.365/1941); o mesmo dispositivo
estabelece que esses juros serão de 6% ao ano. Esse dispositivo não foi alterado pelo
STF;
e) correção monetária: é contada desde a realização do laudo pericial que fixa o
valor do bem expropriado;
f) custas e despesas processuais: são de responsabilidade do Poder Público os
honorários periciais, no caso de o valor por ele oferecido ser majorado pelo
magistrado;
g) honorários advocatícios: os honorários serão fixados entre 0,5 e 5% da diferença
entre o valor oferecido pelo Poder Público e o valor fixado pelo Poder Judiciário
(art. 27, § 1°, do Dec.-lei 3.365/1941, com a redação dada pela MP 2.183-56/2001),
diferença que deve ser atualizada. No mesmo parágrafo do art. 27, havia previsão de
que os honorários não poderiam ultrapassar os R$ 151 mil; todavia, na ADI 2.332-2 o
STF também retirou eficácia da expressão, na havendo mais esse limite de R$ 151
mil. É importante ressaltar que na base de cálculo dos honorários advocatícios devem
ser incluídas as parcelas devidas a título de juros moratórios e compensatórios,
também devidamente atualizados, nos termos da Súmula 131 do STJ.
9.1.8.3.8.Recursos
Na desapropriação, cabem os recursos à moda do que ocorre nas ações de rito
comum. Assim, a título de exemplo, da decisão interlocutória cabe agravo, ao passo
que da sentença terminativa ou de mérito cabe apelação. Das decisões proferidas
pelos Tribunais Estaduais ou Federais, cabem, por exemplo, recurso especial ou
recurso extraordinário.
No que concerne aos efeitos do recurso de apelação, temos as seguintes regras
(art. 28 do Dec.-lei 3.365/1941):
a) se interposta pelo expropriado: terá efeito apenas devolutivo;
b) se interposta pelo Poder Público: terá efeito devolutivo e suspensivo.
Por fim, é fundamental lembrar que, no caso de a sentença condenar a Fazenda
Pública em quantia superior ao dobro da oferecida na petição inicial, ficará sujeita ao
duplo grau de jurisdição.
9.1.8.3.9.Desistência da desapropriação
Conforme já escrito, pode-se desistir da desapropriação até o último momento
anterior ao do pagamento da indenização. Deve-se ressaltar que os danos causados ao
particular devem ser ressarcidos. Assim, a desistência só se efetivará se o Poder
Público: a) fizer o pedido antes de ultimada a desapropriação; b) ressarcir o
expropriado de todos os danos que tiver; c) pagar as despesas processuais; d)
devolver o bem. Porém, “é ônus do expropriado provar a existência de fato
impeditivo do direito de desistência da desapropriação.” (REsp 1.368.773-MS, DJe
02.02.2017).
Todavia, o STJ vem entendendo que há um quinto requisito que deve ser
atendido, qual seja, o de que não tenha havido substanciais alterações no imóvel por
parte do Poder Público, tornando impossível a restituição no estado em que se
encontrava antes da imissão provisória (STJ, REsp 132.398/SP – Min. Hélio
Mosimann, DJ 19.10.1998).
9.1.8.3.11.Pagamento integral
Efetuado o pagamento integral do valor da indenização, será expedido mandado
de imissão na posse, valendo a sentença como título para registro no Registro de
Imóveis.
9.1.8.4.Retrocessão
Infelizmente, é muito comum o Poder Público desapropriar um imóvel e não
utilizá-lo posteriormente numa atividade de interesse público. Em algumas vezes, o
Poder Público simplesmente não utiliza o imóvel. Em outras, utiliza, mas em
atividades que não são de interesse público.
O Superior Tribunal de Justiça vem, em matéria de desapropriação, fazendo a
distinção entre tredestinação lícita e tredestinação ilícita.
A tredestinação consiste na mudança de destinação de um imóvel desapropriado.
Como se sabe, quando se expede o decreto expropriatório, é necessário indicar a
finalidade daquela desapropriação que se deseja fazer. Assim, indica-se no decreto se
a finalidade é construir uma escola, construir um hospital, construir casas populares,
alargar uma via pública etc. A tredestinação ocorre quando a Administração Pública,
de posse do imóvel desapropriado, acaba utilizando-o em finalidade distinta da
prevista inicialmente.
Ocorre que essa mudança de finalidade pode se dar para atender outra demanda
de interesse público. Um exemplo dessa situação é a desapropriação de uma área
para construir uma escola e depois acabar construindo um hospital. Nesse caso, tem-
se a tredestinação lícita, não sendo possível questionar a desapropriação realizada e
os atos subsequentes.
Outra possibilidade é a de a Administração mudar a finalidade da desapropriação
realizada para o fim de atender uma demanda que não é de interesse público. Um
exemplo é desapropriar uma área para construir uma escola e depois ceder essa área
para um comerciante local montar uma loja de venda de automóveis. Nesse caso, tem-
se a tredestinação ilícita, que autoriza a nulidade do ato consequente e a retomada da
coisa pelo anterior proprietário, que tem o direito de retrocessão.
Nesses casos, fica a dúvida: o antigo proprietário poderá reivindicar o imóvel de
volta, devolvendo os valores que tiver recebido, terá direito a uma mera indenização
ou não terá direito algum?
Para responder a essa pergunta, temos que tratar do instituto da retrocessão.
Pelo conceito tradicional, retrocessão importa no direito do ex-proprietário de
reaver o bem expropriado que não foi utilizado em finalidade pública. O requisito,
como se viu, é o desvio de finalidade, a chamada tredestinação, utilizando-se o bem
expropriado em finalidade não pública. Não configura o instituto a utilização do bem
em finalidade distinta da prevista no decreto expropriatório, quando a nova finalidade
for de interesse público.
A primeira regra sobre o assunto foi o art. 1.150 do CC/1916, cujo texto era
imperativo: o Poder Público oferecerá o imóvel ao ex-proprietário, caso não tenha o
destino que deu origem à desapropriação, pelo preço que o foi. Apesar da
imperatividade do texto, dando a entender tratar-se de direito real do antigo
proprietário, por estar o dispositivo no capítulo do direito pessoal de preferência, foi
muito forte a corrente no sentido de que o direito do ex-proprietário era meramente
pessoal.
Sobreveio o art. 35 do Decreto-lei 3.365/1941, cuja redação não permite a
reivindicação do bem, após desapropriado. Com a entrada em vigor desse decreto-
lei, ganhou força a tese de que a retrocessão tratava-se de mero direito pessoal do
antigo proprietário.
Todavia, alguns acórdãos do STF também reconheceram o caráter de direito real
do ex-proprietário.
O STJ, por sua vez, já há alguns anos entende tratar-se de direito real o direito do
ex-proprietário, conforme se vê do seguinte acórdão: Edcl. no REsp 623.511/RJ, DJ
26.09.2005.
Há três temas bastante polêmicos que devem, ainda, ser aclarados.
O primeiro é concernente ao seguinte ponto: quando o imóvel não é utilizado em
finalidade alguma pelo Poder Público, qual é o prazo para se considerar o bem não
utilizado para fins de exercício do direito de retrocessão?
A resposta a essa pergunta depende da modalidade de desapropriação envolvida:
a) na desapropriação por interesse social, prevalece a tese de que o prazo é de 2
anos, visto que, segundo o art. 3° da Lei 4.132/1962, é o prazo para que o Poder
Público adote “as providências de aproveitamento do bem expropriado”;
b) na desapropriação para reforma agrária, o art. 16 da Lei 8.629/1993 estabelece o
prazo de três anos, contados da data de registro do título translativo de domínio, para
que o órgão expropriante destine a respectiva área aos beneficiários da reforma
agrária;
c) na desapropriação por descumprimento da função social em imóvel urbano, o art.
8° da Lei 10.257/2001 dispõe que o Município tem o prazo de cinco anos para
proceder ao adequado aproveitamento do imóvel, contado de sua incorporação ao
patrimônio público;
d) na desapropriação por utilidade ou necessidade públicas, não há, na lei, prazo
máximo para a ocupação do bem pelo Poder Público, prevalecendo a tese de que o
prazo, então, será de 5 anos, mantendo-se a harmonia com o prazo de caducidade do
decreto expropriatório, à moda do que acontece para esses dois prazos na
desapropriação por interesse social.
O segundo ponto é relativo ao prazo para ingressar com a ação de retrocessão.
Prevalece o entendimento de que se deve utilizar o prazo prescricional previsto para
os direitos reais. Como o art. 205 do CC não faz distinção entre ações reais e
pessoais, deve-se utilizar o prazo geral previsto no dispositivo, que é de 10 anos. Se
o entendimento prevalecente fosse de que a retrocessão é direito pessoal, o prazo
seria o previsto para ações indenizatórias contra o Poder Público.
O último ponto diz respeito à autonomia da ação que deverá ser aforada. Nesse
sentido, é pacífico que se deve ingressar com ação própria, não sendo possível
aproveitar a ação de desapropriação originária.
Por fim, é importante ressaltar que “ao imóvel desapropriado para implantação
de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, não se dará outra
utilização nem haverá retrocessão” (art. 5°, § 3°, do Dec.-lei 3.365/1941).
Confira acórdão do STJ reconhecendo o caráter real do direito de retrocessão, e,
consequentemente, que o prazo prescricional respectivo é o das ações de natureza
real:
“1. A jurisprudência desta Corte e do STF adotou corrente no sentido de que a ação de retrocessão é de
natureza real e, portanto, aplica-se o art. 177 do CC/1916 e não o prazo quinquenal de que trata o Decreto
20.910/1932. 2. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 2006.01546994, DJ 14.03.2007).
9.1.8.6.Desapropriação indireta
Infelizmente, é comum que o Poder Público se aproprie de bem particular sem
observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. O nome dessa
situação é desapropriação indireta, que também pode ser conceituada como a
abusiva e irregular apropriação do imóvel particular pelo Poder Público, com sua
consequente integração no patrimônio público, sem obediência às formalidades e
cautelas do processo de expropriação e que abre ao lesado o recurso à via judicial
para ser indenizado.
Perceba que para configurar o instituto da desapropriação indireta não basta o
mero apossamento administrativo, ou seja, não basta uma invasão do Poder Público,
por seus agentes, em um imóvel particular. É necessário que haja uma invasão somada
a uma utilização do bem numa situação de interesse público.
Um exemplo bem comum da desapropriação indireta é a utilização de uma área
particular para construção de um trecho de uma estrada.
Apesar da abusividade do procedimento, o Poder Público tem direito de ser
mantido no bem, preenchido o requisito de sua utilização em atividade de interesse
público. O fundamento desse direito é o próprio art. 35 do Dec.-lei 3.365/1941, que
assegura que “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não
podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de
desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e
danos”. Trata-se do princípio do fato consumado.
Também fundamentam o instituto o art. 5°, XXIV, da CF, e o art. 15, § 3°, do
Decreto-lei 3.365/1941. O primeiro porque determina o pagamento de indenização
justa quando ocorre desapropriação, o que deve ocorrer tanto para aquela que
respeita as regras jurídicas e, principalmente, para aquelas feitas de modo abusivo e
irregular. E o segundo dispositivo porque estabelece valer para a desapropriação
indireta a disciplina dos juros compensatórios, em matéria de desapropriação, quando
houver imissão provisória na posse.
O particular prejudicado tem direito de ingressar com ação de indenização por
desapropriação indireta.
A legitimidade ativa para a demanda é do proprietário do imóvel. Por envolver a
perda da propriedade, há decisões que entendem ter a ação natureza real, de modo
que o cônjuge do proprietário deve participar da demanda (STJ, REsp 64.177, DJ
25.09.1995).
A legitimidade passiva da ação é da pessoa jurídica de direito público
responsável pela incorporação do bem ao seu patrimônio.
Sob o argumento de que a ação se funda em direito real sobre o imóvel, há
decisões do STF no sentido de que a competência é do foro do local onde ele se
encontra (STF, RE 111.988). O STJ vem julgando nesse sentido (STJ, CC 46.771-RJ,
DJ 19.09.2005).
O prazo prescricional para ingressar com a ação de indenização por
desapropriação indireta, nos termos da Súmula 119 do STJ, é de 20 anos. O
fundamento da súmula é que esse é o prazo para a usucapião extraordinária de bens
imóveis, sob a égide do antigo Código Civil (arts. 550 e 551). Todavia, no atual CC,
o prazo da usucapião extraordinária é de 15 anos, como regra, e de 10 anos, quando o
possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado
obras ou serviços de caráter produtivo, conforme o art. 1.238 do CC.
A indenização deve abarcar os seguintes pontos:
a) valor de mercado do bem: observar o mesmo item da desapropriação direta; se
houver desapropriação indireta de parte de um imóvel, tornando a parte remanescente
economicamente inviável, pode-se pedir indenização pelo valor total do bem,
exercendo o chamado direito de extensão;
b) danos emergentes e lucros cessantes: observar o mesmo item da desapropriação
direta;
c) juros compensatórios: aqui, os juros compensatórios são devidos desde a
ocupação do imóvel pelo Poder Público. Os juros incidirão sobre o total de
indenização, uma vez que, diferente da desapropriação direta, não há diferença entre o
valor fixado na sentença e o valor ofertado, pois aqui não se fala em valor ofertado;
os juros, aqui, terão o mesmo percentual dos juros compensatórios na desapropriação
direta, ou seja, serão de exatos 6% ao ano, nos termos do art. 15-A, § 3°, do Dec.-lei
3.365/1941, declarado constitucional pelo STF (ADI 2332/DF, 17.05.2018), ficando
superada assim, a Súmula 618 do STF;
d) juros moratórios: esses juros são devidos quando há atraso, pelo Poder Público,
do pagamento que deverá efetuar pela desapropriação. Como o pagamento, de regra, é
feito por precatório, esse atraso só passa a existir “a partir de 1° de janeiro do
exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art.
100 da Constituição” (art. 15-B do Dec.-lei 3.365/1941); o mesmo dispositivo
estabelece que esses juros serão de 6% ao ano, mas ele não foi alterado pelo STF;
e) correção monetária: é contada desde a realização do laudo pericial que fixa o
valor do bem expropriado;
f) custas e despesas processuais: são de responsabilidade do Poder Público os
honorários periciais, inclusive quanto ao adiantamento das quantias para fazer frente a
essas despesas (STJ, REsp 788.817, j. 19.06.2007);
g) honorários advocatícios: o Dec.-lei 3.365/1941 dispõe que, à moda do que ocorre
na desapropriação direta, os honorários serão fixados entre 0,5 e 5% da diferença
entre o valor oferecido pelo Poder Público e o valor fixado pelo Poder Judiciário
(art. 27, §§ 1° e 3°, do Dec.-lei 3.365/1941, com a redação dada pela MP 2.183-
56/2001); todavia, como não há diferença entre valor fixado pelo juiz e valor ofertado
pelo Poder Público, já que este se apoderou do bem sem seguir os trâmites legais,
devem incidir os honorários sobre o valor total da condenação, prevalecendo os
parâmetros previstos na legislação processual civil, conforme lição de José
Fernandes Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 18a edição, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 767). É importante ressaltar que na base de cálculo dos
honorários advocatícios devem ser incluídas as parcelas devidas a título de juros
moratórios e compensatórios, também devidamente atualizados, nos termos da Súmula
131 do STJ.
10.2.Modalidades de responsabilidade
Conforme vimos no item anterior, a responsabilidade do Estado, como regra, é
objetiva, fundada no risco administrativo.
Porém, a jurisprudência vem reconhecendo que, em alguns casos, a
responsabilidade estatal é subjetiva, fundada na culpa administrativa.
Assim sendo, pode-se dizer, hoje, que há duas modalidades de responsabilidade
civil estatal.
A primeira modalidade é a responsabilidade objetiva. Trata-se da regra em
matéria de responsabilidade do Estado, nos termos do art. 37, § 6°, da CF. A
responsabilidade é objetiva em três situações:
a) por conduta comissiva do Estado: nesse caso pode-se dizer que o Estado causou
materialmente um dano, já que atuou positivamente (comissivamente), o que faz
incidir o texto do art. 37, § 6°, da CF, que não reclama conduta culposa ou dolosa
para que o Estado responda civilmente por danos causados a terceiros; são exemplos
de condutas comissivas a bala perdida de um policial, a agressão feita por agente
público com arma da corporação, a transfusão de sangue contaminado com HIV em
hospital público, a interdição indevida de um estabelecimento comercial, um acidente
com um carro oficial dirigido de modo imprudente, dentre outros. O art. 37, § 6°, da
CF estabelece que essa responsabilidade objetiva alcança as pessoas jurídicas de
direito público (entes políticos, mais entidades com natureza autárquica) e as pessoas
jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos;
b) por atividade de risco estatal: nesse caso, temos situações em que não se sabe
muito bem se o Estado age numa conduta comissiva ou omissiva; por exemplo,
imagine um depósito de explosivos das Forças Armadas, que acaba por pegar fogo,
gerando inúmeros danos na vizinhança. Perceba que pouco importa se a conduta
estatal é comissiva ou omissiva, pois como a atividade de armazenar explosivos é
uma atividade de risco, aplica-se o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código
Civil, para efeito de responsabilizar o Estado objetivamente; vale ressaltar que
qualquer pessoa, de direito público ou de direito privado, responde objetivamente
por danos causados por atividades de risco que pratiquem;
c ) por condutas omissivas específicas: para o STF a responsabilidade estatal por
condutas omissivas específicas é objetiva; ex: agressão física a aluno por colega em
escola pública.
A segunda modalidade é a responsabilidade subjetiva. Trata-se de exceção em
matéria de responsabilidade do Estado. A responsabilidade será subjetiva em três
situações:
a) por conduta omissiva genérica do Estado: nesse caso não se pode dizer que o
Estado causou materialmente um dano, pois uma omissão não é capaz de “causar”
coisa alguma, situação que impede a aplicação da responsabilidade objetiva prevista
no art. 37, § 6°, da CF, que se aplica quando o Estado, por seus agentes, “causa” um
dano a terceiro; por outro lado, não é possível simplesmente aplicar o Código Civil
nesse tipo de situação (omissiva), pois esse Código é fundado em princípios de
Direito Privado, e a responsabilidade estatal deve ser fundada em princípios de
Direito Público; assim sendo, em caso de conduta omissiva do Estado, esse
responderá subjetivamente, mas com fundamento na culpa administrativa e não na
culpa do funcionário público. A culpa administrativa ocorre quando se demonstra que
o serviço é defeituoso (a chamada “falta do serviço”), ou seja, quando se demonstra
que o serviço: i) não funcionou, ii) funcionou atrasado ou iii) funciona mal; tal
apreciação é feita levando-se em conta o que legitimamente se espera do serviço
estatal. São exemplos de condutas omissivas estatais que costumam gerar
responsabilidade por envolver serviço defeituoso o não recapeamento de ruas pelo
Poder Público, propiciando acidentes automobilísticos; a falta de limpeza de bueiros
e córregos, propiciando alagamentos e deslizamentos de imóveis; a morte de detento
ocasionada por outro detento, salvo casos em que seja impossível a tomada de
providências do Estado para evitar a morte de um detento, hipótese em que fica
rompido o nexo causal da sua omissão com o resultado danoso (STF, RE 841526/RS,
j. 30.03.2016); a ausência de fiscalização ambiental pelo Estado, propiciando danos
ambientais; a existência de animal em estrada, causando acidente; a falha no
semáforo, causando acidente; o acidente em sala de aula de escola pública,
machucando aluno; dentre outros. Todavia, a jurisprudência não costuma
responsabilizar o Estado por atos causados por um fugitivo da prisão, que, tempos
depois da fuga, comete crimes, causando danos a terceiros; por enquanto, o STF e o
STJ vêm entendendo que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva; vale
ressaltar que o STF tem decisão no sentido de que a responsabilidade estatal por atos
omissivos específicos é objetiva; um exemplo de caso de omissão específica do
Estado é a agressão física a aluno por colega, em escola estadual, hipótese em que a
responsabilidade estatal será objetiva, com base na Teoria do Risco Administrativo
(STF, ARE 697.326 AgR/RS, DJ 26.04.2013); não se pode confundir umaconduta
omissiva genérica (ex: o Estado não conseguir evitar todos os furtos de carros), com
uma conduta omissiva específica (ex: o Estado ter o dever de vigilância sobre
alguém e não evitar o dano); no primeiro caso, o Estado responde subjetivamente, só
cabendo indenização se ficar provado que o serviço foi defeituoso (ex: um policial
presencia um furto e nada faz); no segundo caso, o Estado responde objetivamente,
não sendo necessário perquirir sobre se o serviço estatal foi ou não defeituoso;
b) por condutas omissivas ou comissivas de pessoas jurídicas de direito privado
estatais exploradoras de atividade econômica: essas pessoas não são alcançadas
pela responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6°, da CF; dessa forma, a
regulamentação de sua responsabilidade cabe ao direito privado e este, como regra,
estabelece a responsabilidade civil subjetiva, em que a pessoa jurídica só responderá
se um agente seu agir mediante conduta culposa ou dolosa (art. 186 do Código Civil).
Todavia, o caso concreto pode envolver situação que gere responsabilidade objetiva,
não pela Constituição Federal, mas pela legislação infraconstitucional; por exemplo,
se a pessoa jurídica em tela causar dano em virtude de atividade de risco, responderá
objetivamente (art. 927, parágrafo único, do CC); o mesmo acontecerá se se tratar de
uma relação de consumo (por exemplo, a relação entre o Banco do Brasil e seus
clientes);
c) quanto à responsabilidade civil do agente público: nesse caso, o próprio art. 37,
§ 6°, da CF estabelece que o agente público só responderá por danos causados a
terceiros se agir com culpa ou dolo e, mesmo assim, apenas em ação regressiva
movida pelo Poder Público, não sendo possível que a vítima ingresse com ação
indenizatória diretamente contra o agente público que lhe causar dano.
10.13.Responsabilidade subsidiária
O Estado responde subsidiariamente pelos danos causados pelas seguintes
pessoas que estiverem atuando em atividades que ele mesmo deveria prestar: a)
pessoas jurídicas de direito público da Administração Indireta (autarquias, fundações
públicas, agências reguladoras e associações públicas); b) pessoas jurídicas de
direito privado prestadoras de serviço público; c) pessoas jurídicas de direito
privado executoras de obra pública, por danos decorrentes dessa obra.
Há de se ressaltar que a responsabilidade subsidiária, para acontecer, depende da
impotência econômica ou financeira da entidade estatal.
10.14.Prescrição
Até pouco tempo atrás não havia controvérsia alguma sobre qual era o prazo
prescricional para o exercício da pretensão indenizatória em face do Estado.
Doutrina e jurisprudência eram uníssonas no sentido de que esse prazo era de 5
anos, nos termos do art. 1° do Decreto 20.910/1932, que regula a prescrição contra a
Fazenda Pública.
Porém, com a entrada em vigor do atual Código Civil, que estabelece que o prazo
prescricional para ações indenizatórias é de 3 anos (art. 206, § 3°, V), uma forte
corrente passou a considerar que esse prazo também deveria ser aplicado às ações
indenizatórias em face da Fazenda Pública. Isso porque o art. 10 do Decreto
20.910/1932 prevê que o prazo de 5 anos nele previsto “não altera as prescrições de
menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às
mesmas regras”. Dessa forma, como o prazo previsto no Código Civil é, atualmente,
um prazo “menor” do que o de 5 anos previsto no Decreto mencionado, dever-se-ia
aplicar o prazo previsto no Código, fazendo com que a prescrição de ações de
reparação civil em geral tivesse prazo de 3 anos contra a Fazenda Pública.
A questão hoje é bastante controversa.
Porém, o STJ, que estava bastante dividido, tem-se encaminhado no sentido de
que o prazo continua de 5 anos (AgRg no Ag 1.364.269, DJ 24.09.2012). O argumento
da primeira turma é no sentido de que o prazo de 5 anos é um prazo histórico, previsto
em norma especial e igual a uma série de outros prazos de prescrição previstos para o
exercício de pretensão indenizatória de outras naturezas em face do Estado (EResp
1.081.885/RR, rel. Hamilton Carvalhido, DJ 01.02.2011). Ao contrário, o prazo
previsto no Código Civil é prazo destinado a regular as relações de Direito Privado.
Pra resolver de vez a questão, em recurso repetitivo restou estabelecido pelo STJ
que as ações patrimoniais passivas ou ativas de que seja parte a Fazenda Pública
regem-se pelo prazo prescricional previsto no Decreto 20.910/1932. Vale a pena
replicar ementa a respeito do tema: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA
A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL.DECRETO 20.910/1932.
QUINQUENAL. TEMA OBJETO DE RECURSO REPETITIVO. SÚMULA 168/STJ.
INCIDÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a
prescrição contra a Fazenda Pública é quinquenal, mesmo em ações indenizatórias,
uma vez que é regida pelo Decreto 20.910/1932. (AgRg nos EAREsp 53471 / RS,
relator Ministro Humberto Martins, 1a Seção, j. 27.02.2013).
Há de se aguardar, agora, como se posicionará a jurisprudência em relação à
responsabilização civil de pessoas jurídicas que causarem danos à Administração
por condutas definidas na Lei 12.846, de 1° de agosto de 2013. Parece-nos que, de
acordo com essa lei, a prescrição da pretensão do Poder Público de buscar a
reparação civil no caso mencionado (de pessoa jurídica cuja conduta incida no art. 5°
da lei), voltará a ser de 5 anos, nos termos de seu art. 25, caput. Apesar de a lei ter
usado uma terminologia totalmente inadequada (“prescrição da infração”), parece-nos
que dispositivo citado não fez distinção entre a aplicação de sanções civis (como a
de reparação civil, que, inclusive, envolve verdadeiro prazo prescricional) e
administrativas (que, em verdade, envolve prazo decadencial, apesar de ser comum a
lei usar a palavra “prescrição” para abranger prazos decadenciais também), de modo
que o prazo prescricional de 5 anos se aplicaria tanto às sanções civis, como às
sanções administrativas para as pessoas jurídicas que praticarem condutas definidas
no art. 5° da Lei 12.846/2013.
Ainda em relação à questão da prescrição, há dois casos específicos em que o
prazo prescricional para a ação indenizatória está definido por existir regra especial
estabelecendo tais prazos, sem que haja exceção quanto à sua aplicação. O primeiro é
prazo para ingresso de ação indenizatória por desapropriação indireta (prazo
prescricional de 10 anos) e o segundo é para ingresso de ação indenizatória por
restrições decorrentes de atos do Poder Público (prazo prescricional de 5 anos – art.
10 do Dec.-lei 3.365/1941).
Por fim, de rigor lembrar que há três casos de imprescritibilidade da pretensão de
reparação civil, quais sejam: a) ressarcimento do erário por dano causado por ato de
improbidade doloso; b) ressarcimento de dano ambiental; c) ressarcimento de danos
por perseguição política, prisão e tortura durante a ditadura militar. Quanto a esse
último caso, vide, por exemplo, o AgRg no Ag 1.428.635, julgado pelo STJ em
02.08.2012.
Vale, também, uma palavra sobre o termo a quo da contagem do prazo
prescricional.
No caso, esse prazo é contado da data do fato ou do ato lesivo. Todavia, caso o
dano tenha sido causado por conduta considerada crime na esfera penal, o prazo
prescricional começará a fluir a partir do trânsito em julgado da ação penal (STJ,
AgRg no Ag 1383364/SC, DJ 25.05.2011).
11.1.Finalidades ou objetivos
A Administração Pública, para cumprir suas tarefas, precisa realizar muitos
contratos. A maior parte deles envolve aquisição de bens, serviços e obras. Mas há
também situações em que a Administração aliena bens ou faz permissões e
concessões.
No entanto, é fundamental que a Administração Pública, previamente à
contratação, siga um procedimento destinado a preservar certos princípios. Esse
procedimento tem o nome de licitação.
A Lei 8.666/1993, em sua redação original, dispunha que a licitação tinha por
finalidade atender aos seguintes objetivos (art. 3°, caput): a) garantir a observância
do princípio da isonomia; b) garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração.
A simples existência de um processo de licitação já evita que interessados em
contratar com a Administração Pública sejam excluídos dessa possibilidade, o que
preserva o princípio da igualdade. Além disso, a existência de concorrência entre
interessados, por si só, já é capaz de obrigá-los a formular a mais vantajosa proposta
possível, o que atende ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Mas como tais finalidades da licitação devem ser buscadas da maneira mais
efetiva possível, não basta que a licitação seja procedimento obrigatório para
contratações da Administração Pública. É necessário, também, que todas as regras do
procedimento sejam direcionadas ao máximo atendimento desses objetivos.
Um exemplo de regra que visa a garantir o princípio da isonomia é a que veda a
criação de requisitos de habilitação que não estejam dispostos no art. 27 e seguintes
da Lei 8.666/1993.
Um exemplo de regra que visa a garantir a proposta mais vantajosa para a
Administração é a que estabelece, na modalidade pregão, que os licitantes, depois de
apresentadas suas propostas, terão oportunidade de fazer lances verbais com vistas a
se chegar a melhor proposta possível (art. 4°, VIII, da Lei 10.520/2002).
A Lei 12.349/2010 alterou o art. 3°, caput, da Lei 8.666/1993, criando uma
terceira finalidade para a licitação, qual seja: promover o desenvolvimento nacional
sustentável.
Exemplo de regra que visa a promover o desenvolvimento nacional sustentável é
a que estabelece que, em caso de empate, terão preferência as propostas relativas a
bens e serviços produzidos no País (art. 3°, § 2°, II, da Lei 8.666/1993).
Em resumo, a licitação tem três finalidades: a) garantir a isonomia; b) garantir a
proposta mais vantajosa para a administração; c) promover o desenvolvimento
nacional sustentável.
11.2.Legislação
A regra-matriz da licitação encontra-se no art. 37, XXI, da Constituição Federal,
in verbis: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços,
compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta,
nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e
econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.
Repare que a regra-matriz traz, pelo menos, os seguintes princípios licitatórios:
a) princípio da obrigatoriedade da licitação, pelo qual qualquer contrato deve ser por
ela precedido, ressalvados os casos especificados na lei;
b) princípio da isonomia, pelo qual se deve assegurar “igualdade de condições a
todos os concorrentes”, bem como só se permitirá exigências de qualificação
“indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, de modo a garantir que
interessados na licitação não sejam excluídos sem justa causa;
c) princípio da indisponibilidade, pelo qual só se permitirá exigências de
qualificação “indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, o que
garante o maior número possível de licitantes, medida que tende a fazer com que haja
maior concorrência e, consequentemente, melhores propostas;
d) princípio da proporcionalidade, também decorrente da ideia de que só se permitirá
exigências de qualificação “indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações”, o que faz com a Administração não faça exigências que não sejam
estritamente necessárias para cumprir as finalidades do processo de licitação;
e) princípio do devido procedimento administrativo, pelo qual as contratações da
Administração devem ser feitas mediante processo de licitação pública, o que faz
com que fique reduzida a discricionariedade da Administração, que deve seguir ritos
e regras previstos em lei.
Uma vez estabelecida a regra-matriz da licitação, a Constituição Federal tratou de
dispor sobre quem tem competência para legislar nessa matéria. Nesse sentido, o art.
22, XXVII, da CF estabelece que compete privativamente à União legislar sobre
“normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as
administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as
empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III”.
Assim, a CF elegeu a União como responsável, privativamente, pela edição de
normas gerais sobre licitação.
Normas gerais sobre licitação são aquelas que tratam de questões que
reclamam tratamento homogêneo em todo o País. Já as normas especiais sobre
licitação são aquelas que tratam de questões que requerem tratamento peculiar no
âmbito do ente local ou aquelas que envolvam a operacionalização da aplicação da
lei geral no ente local.
Argumentando ofensa à competência da União, o STF entendeu inconstitucional
uma lei do Distrito Federal que criava, no âmbito da licitação, restrições a empresas
que discriminarem na contratação de mão de obra (ADI 3.670, DJ 18.05.2007). O
Pretório Excelso também entendeu inconstitucional lei do estado do Rio Grande do
Sul que criava, também no âmbito da licitação, preferência a licitantes que usassem
softwares livres ou sem restrições proprietárias (ADI 3.059, DJ 20.08.2004).
Por outro lado, na ADI 927, o STF entendeu que as disposições da Lei
8.666/1993 que tratam da doação de bem imóvel e da permuta de bem móvel têm
aplicação apenas à União, já que as questões relativas ao destino de bens públicos
estão ligadas ao autogoverno dos demais entes políticos quanto ao seu patrimônio
público, envolvendo questão de interesse local a justificar certas normas especiais
por parte destes.
Outra decisão do STF a favor de lei local considerada constitucional em face da
competência da União para editar normas gerais sobre licitação foi a que aprovou
legislação municipal que proibia agentes políticos e seus parentes de contratar com o
município. Asseverou-se que, diante das leis gerais da União, estados e municípios
podem legislar para complementar tais normas e adaptá-las às suas realidades. O STF
também assentou que a referida norma municipal foi editada com base no art. 30, II,
da CF, e em homenagem aos princípios da impessoalidade e moralidade
administrativa, bem como com prevenção a eventuais ao interesse público e ao
patrimônio do município, sem restringir a competição entre os licitantes (RE
423560/M, j. 29.05.2012).
Outro ponto importante sobre o disposto no art. 22, XXVII, da CF é o fato de ter
sido feita uma ressalva para as empresas públicas e sociedades de economia mista,
que devem obedecer ao art. 173, § 1°, III, da CF, introduzida pela EC 19/1998.
Esse dispositivo tem o seguinte teor: “§ 1° A lei estabelecerá o estatuto jurídico
da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que
explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de
prestação de serviços, dispondo sobre: (…) III – licitação e contratação de obras,
serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.”
Essa lei somente sobreveio no ano de 2016 (Lei 13.303/2016, que trata da
licitação e dos contratos das empresas estatais nos arts. 28 e seguintes). Assim,
durante mais de 20 anos as estatais tiveram que obedecer às normas da Lei
8.666/1993, sendo que agora devem obediência à Lei 13.303/2016, que traz
regulamentação extensa e detalhada de tudo que envolve a licitação e os contratos das
empresas estatais, de modo que a Lei 8.666/1993 não deve ser mais aplicada, salvo
quanto à sua regra de transição (prazo de 24 meses para adaptação de regras e
aplicação da lei anterior a licitações e contratos iniciados ou celebrados até o final
desse prazo) e nas exceções trazidas na novel lei, como no caso de aplicação das
normas penais previstas na Lei 8.666/93 (art. 41).
O art. 175 da CF também trata do instituto da licitação quando dispõe que a
concessão e a permissão de serviços públicos devem se dar “sempre através de
licitação”.
Resta, agora, tecer umas palavras sobre a licitação na legislação
infraconstitucional.
Nesse sentido, confira as principais leis que fazem referência ao instituto:
a) Lei 8.666/1993, a mais importante delas, traz normas gerais sobre licitações e
contratos da Administração Pública;
b) Lei 10.520/2002, que trata da licitação na modalidade pregão; o Decreto
3.555/2000 regulamenta o procedimento do pregão na esfera federal; o Decreto
5.450/2005 define o procedimento a ser adotado no pregão eletrônico;
c) Lei Complementar 123/2006, que, em seus arts. 42 a 49-A, contém normas sobre
licitação, favorecendo as microempresas e empresa de pequeno porte;
d) Lei 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas –
RDC;
e) Lei 11.488/2007, que, em seu art. 34, determina a aplicação da Lei Complementar
123/2006 às sociedades cooperativas;
f) Lei 8.987/1995, que trata da permissão e concessão de serviço público, inclusive
quanto à licitação cabível à espécie;
g) Lei 11.079/2004, que trata das parcerias público-privadas, inclusive quanto à
licitação cabível à espécie;
h) Lei 12.232/2010, que trata da licitação quanto aos contratos de serviços de
publicidade;
i) Lei 9.472/1997, que estabelece novas modalidades licitatórias para a ANATEL, o
pregão e a consulta (art. 54);
j) Lei 9.648/1998, que dispensa a licitação para a celebração de contratos de
prestação de serviços com as organizações sociais;
k) Lei 11.107/2005 que, regulamentando os consórcios públicos, dobra o limite de
valor para a contratação direta por essas entidades;
l) Lei 13.019/2014, com as alterações feitas promovidas pela Lei 13.204/2015, que,
ao regulamentar a celebração de parcerias com organizações da sociedade civil,
regulamenta o processo seletivo denominado “chamamento público”, que tem por
finalidade escolher a entidade que celebrará o respectivo termo de colaboração ou
termo de fomento;
m) Lei 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da
sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
11.3.Princípios da licitação
O art. 3° da Lei 8.666/1993 estabelece os seguintes princípios da licitação: a)
legalidade; b) impessoalidade; c) moralidade; d) igualdade; e) publicidade; f)
probidade administrativa;g) vinculação ao instrumento convocatório; h) do julgamento
objetivo; e e) os princípios correlatos.
Para guardar, lembre-se de que há quatro princípios da Administração
(legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade) mais os seguintes: igualdade
(que já está no conceito de impessoalidade), probidade (que já está no conceito de
moralidade), vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo. O
princípio da eficiência não está expresso no art. 3° da Lei 8.666/1993, mas,
naturalmente, aplica-se à licitação, já que está expresso na Constituição Federal (art.
37, caput).
O princípio da legalidade impõe que a Administração só faça, numa licitação, o
que a lei determina ou autoriza. Assim, não pode a Administração desconsiderar o
disposto na Lei 8.666/1993, criando, por exemplo, novas regras sobre dispensa de
licitação, modalidades de licitação novas, tipos de licitação novos, dentre outras.
O princípio da impessoalidade impõe que a Administração trate os licitantes de
modo igualitário, não promovendo perseguições ou favorecimentos indevidos. Esse
princípio também impõe que seja respeitado o princípio da finalidade, o que faz com
que a licitação não possa ser utilizada para outras finalidades que não as três que o
instituto tem, quais sejam, garantir a isonomia, garantir a proposta mais vantajosa para
a Administração e promover o desenvolvimento nacional sustentável.
O princípio da igualdade, contido no princípio da impessoalidade, tem efeito
relevante no que diz respeito às restrições que a Administração faz a que certas
pessoas contratem com ela. Ademais, o princípio também incide quando a
Administração quer ter direitos adicionais aos que já estão estipulados como
cláusulas exorbitantes. Por conta disso, a Administração não pode inventar novas
cláusulas exorbitantes que não estejam expressamente permitidas em lei, sob pena de
ferir não só o princípio da legalidade como também o da igualdade. Há casos,
todavia, em que é possível restringir a participação de certas pessoas em
procedimentos licitatórios, das cooperativas na licitação para a contratação de
prestação de serviços com locação de mão de obra, quando o trabalho, por sua
natureza, demandar necessidade de subordinação, ante os prejuízos que podem advir
para a Administração Pública caso o ente cooperativo se consagre vencedor no
certame e não cumpra suas obrigações (REsp 1.204.186, DJ 29.10.2012).
Os princípios da moralidade e da probidade impõem que a Administração
Pública aja sempre de forma honesta, proba, leal e de boa-fé. O princípio impede, por
exemplo, que haja favorecimento indevido a algum licitante, o que também é vedado
pela aplicação do princípio da impessoalidade. Impede, também, que a
Administração se valha de sua condição privilegiada para fazer exigências indevidas
do licitante ou contratante. Certa vez tomei conhecimento de uma situação em que um
órgão público, que deixou em aberto vários pagamentos a uma empresa fornecedora,
condicionou a emissão de um atestado de cumprimento da obrigação por parte desta
para apresentar declaração dando por quitados todos os débitos dos órgãos públicos.
No caso, a fornecedora acabou aceitando essa situação surreal, pois precisava desse
atestado para participar de outro certame licitatório. A conduta da Administração
Pública, no caso, foi lastimável e merece total reprovação, pois viola o princípio da
boa-fé objetiva, corolário do princípio da moralidade.
O princípio da publicidade impõe uma série de providências em matéria de
licitação. Uma delas é a exigência de que seja publicado em diário oficial e em jornal
de grande circulação aviso contendo o resumo dos editais, inclusive com indicação de
onde os interessados poderão ler seu texto integral (art. 21 da Lei 8.666/1993). Outra
exigência é a de que todas as compras feitas pela Administração sejam objeto de
publicidade em órgãos de divulgação ou em quadro de avisos de amplo acesso
público (art. 16 da Lei 8.666/1993). As contratações sem licitação (licitação
dispensada, dispensabilidade e inexigibilidade) também serão objeto de publicação
na imprensa oficial, no prazo de 5 dias, como condição de eficácia dos atos (art. 26
da Lei 8.666/1993). Será obrigatória audiência pública nas licitações cujo valor
estimado for superior a R$ 150 milhões (art. 39 da Lei 8.666/1993). Além disso, a
publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa
oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela
Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer
no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja seu valor, ainda que sem ônus
(art. 61, parágrafo único, da Lei 8.666/1993). Atos que afetem direitos dos licitantes
serão publicados na imprensa oficial, caso os prepostos destes não estiverem
presentes nos atos respectivos (art. 109, § 1°, da Lei 8.666/1993). Os Tribunais de
Contas e os órgãos integrantes do sistema de controle interno poderão solicitar para
exame, até o dia imediatamente anterior à data do recebimento das propostas, cópia
do edital de licitação já publicado (art. 113, § 2°, da Lei 8.666/1993). Os órgãos da
Administração poderão expedir normas relativas aos procedimentos operacionais a
serem observados na execução das licitações, no âmbito de sua competência,
observadas as disposições da Lei 8.666/1993, sendo que tais normas, após aprovação
da autoridade competente, deverão ser publicadas na imprensa oficial (art. 115 da Lei
8.666/1993). As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e
demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União editarão
regulamentos próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições da
Lei 8.666/1993. Os regulamentos mencionados, no âmbito da Administração Pública,
após aprovados pela autoridade de nível superior à que estiverem vinculados os
respectivos órgãos, sociedades e entidades, deverão ser publicados na imprensa
oficial (art. 119 da Lei 8.666/1993).
Em que pese todo esse dever de publicidade, na modalidade de licitação convite
não será necessária a publicação de aviso do edital na imprensa e em jornal de grande
circulação. Aliás, nessa modalidade de licitação sequer há edital. O que existe é a
elaboração de uma carta-convite, que será enviada a pelo menos três fornecedores,
convidando-os a participar de licitação e oferecer proposta para a Administração. A
publicidade à qual se reduz esse convite é a publicação desse instrumento
convocatório em local apropriado da Administração (art. 22, § 3°, da Lei
8.666/1993).
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório determina que, além das
disposições legais, a Administração deve seguir, rigorosamente, os termos do edital
ou do convite. Assim, todas as disposições do instrumento convocatório têm de ser
seguidas, sejam as que tratam dos requisitos de habilitação e dos critérios de
julgamento da licitação, sejam as que tratam dos termos em que serão celebrados o
futuro contrato administrativo. No mesmo sentido do princípio da vinculação ao
instrumento convocatório estão também as regras da “vinculação ao termo que
dispensou ou declarou inexigível a licitação” e da “vinculação à proposta do licitante
vencedor”, nos termos do art. 55, XI, da Lei 8.666/1993 (“a vinculação ao edital de
licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do
licitante vencedor”). Um exemplo de aplicação desse princípio foi a decisão do STJ
que manteve decisão administrativa de excluir licitante de certame licitatório em
virtude de atraso de dez minutos após o horário previsto no edital para o início da
sessão (REsp 421.946-DF).
O princípio do julgamento objetivo se dirige a dois momentos da licitação.
Primeiro quanto à estipulação dos critérios de julgamento. Nesse sentido, o art. 40,
VII, da Lei 8.666/1993 impõe que o edital indique, obrigatoriamente, critério de
julgamento, com disposições claras e parâmetros objetivos. Segundo, quanto ao
julgamento em si, que será feito em momento posterior. Nesse sentido, “no julgamento
das propostas, a Comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no
edital ou convite”, sendo “vedada a utilização de qualquer elemento, critério ou fator
sigiloso, subjetivo ou reservado que possa ainda que indiretamente elidir o princípio
da igualdade entre os licitantes” (art. 44, § 1°, da Lei 8.666/1993). Ademais, “o
julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o
responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os
critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores
exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e
pelos órgãos de controle” (art. 45 da Lei 8.666/1993). A lei está tão preocupada com
o dever de julgamento objetivo que há vários outros dispositivos reforçando a sua
necessidade: arts. 30, § 8°, 31, §§ 2° e 5°, 42, § 5°, 46, § 1°, I, § 2°, I, e § 3°, todos da
Lei 8.666/1993.
11.5.4.Dispensa de licitação
O art. 24 estabelece trinta e quatro hipóteses de dispensa de licitação. Para
facilitar a compreensão, classificaremos essas hipóteses em cinco grupos.
11.5.4.5.Outros casos
VII. quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente
superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os
fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo
único [§ 3°] do art. 48 da Lei 8.666/1993 e, persistindo a situação, será admitida a
adjudicação direta dos bens ou serviços por valor não superior ao constante do
registro de preços, ou dos serviços;
VIII. para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens
produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração
Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência
da Lei 8.666/1993, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no
mercado;
IX. quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos
casos estabelecidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de
Defesa Nacional;
XII. nas compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no
tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes,
realizadas diretamente com base no preço do dia;
XVI. para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso
da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de
serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou
entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;
XIV. para a aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional
específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem
manifestamente vantajosas para o Poder Público;
XVII. para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou
estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia
técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de
exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;
XVIII. nas compras ou contratações de serviços para o abastecimento de navios,
embarcações, unidades aéreas ou tropas e seus meios de deslocamento quando em
estada eventual de curta duração em portos, aeroportos ou localidades diferentes de
suas sedes, por motivo de movimentação operacional ou de adestramento, quando a
exiguidade dos prazos legais puder comprometer a normalidade e os propósitos das
operações e desde que seu valor não exceda ao limite previsto na alínea “a” do inciso
II do art. 23 da Lei 8.666/1993;
XIX. para as compras de material de uso pelas Forças Armadas, com exceção de
materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a
padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, aéreos e
terrestres, mediante parecer de comissão instituída por decreto;
XX. na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins
lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração
Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o
preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
XXI. para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa e
desenvolvimento, limitada, no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte
por cento) do valor de que trata a alínea “b” do inciso I do caput do art. 23;15
XXII. na contratação de fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás
natural com concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da
legislação específica;
XXIII. na contratação realizada por empresa pública ou sociedade de economia
mista com suas subsidiárias e controladas, para a aquisição ou alienação de bens,
prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com
o praticado no mercado;
XXV. na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica – ICT ou
por agência de fomento para a transferência de tecnologia e para o licenciamento de
direito de uso ou de exploração de criação protegida;
XXVI. na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com
entidade de sua administração indireta para a prestação de serviços públicos de
forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em
convênio de cooperação;
XXVII. na contratação da coleta, processamento e comercialização de resíduos
sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva
de lixo, efetuados por associações ou cooperativas formadas exclusivamente por
pessoas físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como catadores de
materiais recicláveis, com o uso de equipamentos compatíveis com as normas
técnicas, ambientais e de saúde pública;
XXVIII. para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País,
que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional,
mediante parecer de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do
órgão;
XXIX. na aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos
contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de
paz no exterior, necessariamente justificadas quanto ao preço e à escolha do
fornecedor ou executante e ratificadas pelo Comandante da Força;
XXX. na contratação de instituição ou organização, pública ou privada, com ou
sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão
rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na
Agricultura Familiar e na Reforma Agrária, instituído por lei federal;
XXXI. nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3°, 4°, 5° e
20 da Lei 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de
contratação dela constantes;
XXXII. na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos
estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei 8.080, de 19 de
setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive
por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica;
XXXIII. na contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a
implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para
consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa
renda atingidas pela seca ou falta regular de água;
XXXIV. para a aquisição por pessoa jurídica de direito público interno de
insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que,
regimental ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração
pública direta, sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão,
desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação,
inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos,
ou em parcerias que envolvam transferência de tecnologia de produtos estratégicos
para o Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos do inciso XXXII deste artigo, e
que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei,
desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado;
XXXV – para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de
estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à
segurança pública. (Incluído pela Lei 13.500, de 2017).
11.5.5.Inexigibilidade de licitação
O art. 25 da Lei 8.666/1993 dispõe que a licitação é inexigível quando houver
inviabilidade de competição. O mesmo dispositivo apresenta um rol exemplificativo
(três hipóteses) de casos em que existe tal situação.
11.6.Fases da licitação
11.6.1.Fase interna
O procedimento licitatório importa numa sucessão de atos com vistas à escolha
do vencedor do certame.
Essa sucessão de atos pode ser dividida, num primeiro momento, em duas
grandes etapas, quais sejam: a fase interna e a fase externa da licitação.
A fase interna consiste no conjunto de preparativos feitos no interior da
Administração, prévios à publicação do edital ou ao envio da carta-convite.
Dentre os principais atos da fase interna, destacam-se os seguintes:
a) abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e
numerado;
b) solicitação de contratação com indicação sucinta do objeto, ou seja, o órgão
interessado indicará a necessidade de se fazer a compra, da contratação de serviço,
da contratação de obra etc.;
c) verificação acerca da existência de dotação orçamentária para a despesa, ou
seja, verifica-se se há previsão orçamentária para a contratação solicitada pelo órgão
interessado;
d) verificação do impacto orçamentário-financeiro, ou seja, verifica-se se, no
momento, há recursos financeiros disponíveis;
e) autorização para abertura de licitação e designação de comissão especial de
licitação, de leiloeiro ou de responsável pelo convite, de acordo com o caso;
f) realização de audiência pública, quando for o caso; essa audiência é necessária
quando o valor estimado para uma licitação ou conjunto de licitações com objetos
similares (simultâneas ou sucessivas) for superior a R$ 150 milhões (são simultâneas
aquelas que têm objetos similares e com realização prevista em intervalo de até 30
dias; são sucessivas aquelas com objetos similares, cujo edital da mais recente tenha
data anterior a 120 dias do término do contrato resultante da licitação antecedente);
g) elaboração ou finalização do texto da minuta do edital;
h) exame e aprovação da minuta do edital pela assessoria jurídica da
Administração; vale lembrar que o STF entende que o parecer da assessoria jurídica
tem natureza jurídica de decisão (parecer vinculante), o que faz com que o assessor
jurídico responda por qualquer irregularidade no edital que tiver aprovado;
i) aprovação do edital; ou seja, autoridade competente deverá apreciar a minuta e
aprovar o edital.
Antes de passarmos para a fase externa da licitação, vale tratar um pouco sobre
as pessoas que dirigirão os trabalhos numa licitação.
Nesse sentido, o art. 51 da Lei 8.666/1993 estabelece que a licitação será
processada e julgada por comissão permanente ou especial de, no mínimo, 3 (três)
membros, sendo pelo menos 2 (dois) deles servidores qualificados pertencentes aos
quadros permanentes dos órgãos da Administração responsáveis pela licitação. Ou
seja, só um membro pode ser daqueles que têm cargo em comissão.
No caso de convite, a Comissão de licitação, excepcionalmente, nas pequenas
unidades administrativas e em face da exiguidade de pessoal disponível, poderá ser
substituída por servidor formalmente designado pela autoridade competente.
A Comissão para julgamento dos pedidos de inscrição em registro cadastral, sua
alteração ou cancelamento será integrada por profissionais legalmente habilitados no
caso de obras, serviços ou aquisição de equipamentos.
Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos
os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver
devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido
tomada a decisão.
A investidura dos membros das Comissões permanentes não excederá a 1 (um)
ano, vedada a recondução da totalidade de seus membros para a mesma comissão no
período subsequente.
No caso da modalidade concurso, o julgamento será feito por uma comissão
especial integrada por pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da
matéria em exame, servidores públicos ou não.
11.6.2.Fase externa
Uma vez que a minuta do edital estiver aprovada, passa-se à fase externa da
licitação, fase essa que tem os seguintes momentos:
11.6.2.2.Habilitação
11.6.2.2.1.Conceito
A expressão “habilitação” ora é utilizada para designar um procedimento (uma
série de atos, portanto), ora é utilizada para designar um ato administrativo só.
Na sua acepção procedimental, a habilitação é o conjunto de atos destinados a
apurar a idoneidade e a capacitação de um sujeito para contratar com a
Administração Pública.
Já na acepção de ato administrativo, a habilitação é o ato pelo qual a
Administração Pública decide se um sujeito é dotado da idoneidade necessária
para a participação na licitação.
Em termos práticos, essa fase licitatória tem por fim verificar se o interessado
tem idoneidade e capacitação para vir a contratar com a Administração Pública. O
foco aqui não é verificar qual interessado tem a melhor proposta comercial (isso é
visto na fase de julgamento e classificação), mas se o interessado tem aptidão para vir
a ser contratado pela Administração Pública.
A Constituição Federal, em seu art. 37, XXI, acaba por trazer duas disposições
sobre a habilitação, que são as seguintes: a) “processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”; e b) processo de licitação
em que só se permite “exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis
à garantia do cumprimento das obrigações”.
O princípio da igualdade admite certas restrições à participação de interessados
na licitação. Um exemplo é uma licitação para fornecimento de combustível para uma
Prefeitura, em que o edital estabelece que só poderão participar do certame postos de
gasolina que estejam situados até 15 km do pátio de carros da Prefeitura. Trata-se de
limitação lícita, pois, se um posto de gasolina muito distante ganhar o certame, a
Prefeitura gastará muita gasolina para ir ao posto abastecer os carros.
No caso relatado, a restrição à participação tem pertinência. Porém, há várias
situações em administrações públicas no País que criam restrições impertinentes e,
portanto, violadoras do princípio da igualdade. Confira, a respeito, a seguinte decisão
do STF: “LICITAÇÃO PÚBLICA. Concorrência. Aquisição de bens. Veículos para
uso oficial. Exigência de que sejam produzidos no Estado-membro. Condição
compulsória de acesso. Art. 1° da Lei 12.204/1998, do Estado do Paraná, com a
redação da Lei 13.571/2002. Discriminação arbitrária. Violação ao princípio da
isonomia ou da igualdade. Ofensa ao art. 19, II, da vigente Constituição da República.
Inconstitucionalidade declarada. Ação direta julgada, em parte, procedente.
Precedentes do Supremo. É inconstitucional a lei estadual que estabeleça como
condição de acesso a licitação pública, para aquisição de bens ou serviços, que a
empresa licitante tenha a fábrica ou sede no Estado-membro” (STF, ADI 3583, DJ
13.03.2008).
As exigências, além de atender à isonomia, devem estar previstas em lei
(princípio da legalidade) e ser indispensáveis à garantia do cumprimento das
obrigações pelo interessado. Confira decisão do Tribunal de Contas da União (TCU),
que se deparou com exigência em edital não prevista em lei:
“Além disso, para a habilitação de interessado em participar de licitação só pode
ser exigida a documentação exaustivamente enumerada nos arts. 27 a 31 da Lei de
Licitações e Contratos, onde não há menção à necessidade de comprovação de que a
empresa não tenha entre seus sócios participante de outra entidade que esteja em
situação de inadimplência em contratação anterior com a Administração Pública.”
(TCU, Acórdão 991/06, DOU 26.06.2006).
11.6.2.2.2.Momento
Após a publicação do edital, segue-se um prazo para os interessados na licitação
apresentarem dois envelopes para a Administração. O primeiro envelope é composto
dos documentos que comprovam a idoneidade e a capacitação do licitante
(documentos de habilitação) e o segundo traz documento com a proposta comercial do
licitante (documentos de proposta).
A fase de habilitação consiste justamente em abrir o envelope contendo os
documentos de habilitação e em verificar se o interessado atende às qualificações
necessárias à participação no certame.
Resta saber em que momento isso deve ser feito, ou seja, quando é que ocorre a
fase de habilitação.
Como regra, a habilitação ocorre logo após o recebimento dos dois envelopes
mencionados e antes da abertura dos envelopes com a proposta (art. 43 da Lei
8.666/1993). Em outras palavras, a habilitação normalmente ocorre após a publicação
do edital e antes da fase de julgamento e classificação.
O procedimento de habilitação envolve os seguintes atos:
a) os documentos poderão ser apresentados em original, por qualquer processo de
cópia autenticada por cartório competente ou por servidor da administração ou
publicação em órgão da imprensa oficial (art. 32);
b) os envelopes serão abertos e os documentos apreciados (art. 43, I);
c) os licitantes presentes e a comissão rubricarão todos os documentos (art. 43, § 2°);
d) os licitantes que demonstrarem os requisitos de qualificação serão habilitados;
e) os licitantes que não demonstrarem os requisitos de qualificação serão
inabilitados;
f) caso não haja recurso por parte dos inabilitados, serão devolvidos a estes os
envelopes fechados contendo as respectivas propostas; havendo recurso, os envelopes
fechados só serão devolvidos quando e se o recurso for denegado (art. 43, II);
g) a inabilitação posterior de um licitante só poderá acontecer se houver fatos
supervenientes ou se fatos que já ensejavam a inabilitação só forem conhecidos após
o julgamento;
h) após a fase de habilitação, não cabe desistência de proposta, salvo por motivo
justo decorrente de fato superveniente e aceito pela comissão (art. 43, § 6°);
i) se todos os licitantes forem inabilitados, a Administração poderá fixar aos licitantes
o prazo de 8 dias úteis para a apresentação de nova documentação escoimada das
causas referidas que levaram à inabilitação, facultada, no caso de convite, a redução
deste prazo para três dias úteis (art. 48, § 3°).
N a tomada de preços, o momento da habilitação é um pouco diferente. Isso
porque, nessa modalidade, só poderá participar da licitação aquele que já esteja
previamente cadastrado ou que apresente os documentos para o devido cadastro até o
3° dia anterior à data do recebimento das propostas.
Assim, na tomada de preços temos a chamada habilitação prévia e não a
habilitação preliminar, que é aquela que ocorre após o edital (e que é a regra, como
vimos).
Num primeiro momento, só pode participar da tomada de preços quem já esteja
previamente cadastrado, ou seja, que já tenha a documentação de habilitação já
apresentada à Administração.
Os arts. 34 a 37 da Lei 8.666/1993 tratam dos registros cadastrais, que são muito
comuns nos órgãos e entidades da Administração Pública que realizam
frequentemente licitações. O registro cadastral deve estar permanentemente aberto aos
interessados, devendo a unidade responsável proceder, no mínimo anualmente, ao
chamamento público para a atualização dos registros existentes e ingresso de novos
interessados, sendo autorizado que unidades administrativas utilizem registros
cadastrais de outros órgãos ou entidades da Administração Pública.
O interessado que já tem registro cadastral receberá um documento cujo nome é
“certificado de registro cadastral” (art. 32, § 2°, da Lei 8.666/1993), o qual será
apresentado quando for participar de uma tomada de preços.
Já o interessado em participar de uma tomada de preços que não estiver
previamente cadastrado tem a possibilidade de participar da licitação desde que
atenda às condições exigidas para cadastramento até o 3° dia anterior à data do
recebimento das propostas. Ou seja, publicado o edital de uma tomada de preços, o
interessado deverá correr para conseguir seu cadastramento, nos termos dos arts. 34 a
37 da Lei 8.666/1993 e das demais regras locais, até o momento acima referido.
Caso a comissão do certame ou a comissão de cadastramento, no momento do
recebimento dos envelopes com a proposta, não tenha tido tempo ainda de analisar se
os documentos apresentados para cadastro são suficientes, deverá a comissão de
licitação receber a proposta sob condição, vale dizer, condicionada à regularidade do
cadastro solicitado, que será verificada em seguida. Nesse caso, procede-se de modo
semelhante à concorrência, pois a comissão vai ter que parar e verificar a
qualificação antes de abrir os envelopes das propostas, podendo marcar outra data
para tanto, se for o caso.
Já quanto ao convite, ao concurso, ao leilão e ao fornecimento de bens para
pronta entrega, pode-se dispensar, no todo ou em parte, a documentação dos arts. 28
a 31. Ou seja, na prática, seguem o critério de habilitação preliminar, mas, em alguns
casos, pode a Administração dispensar todas ou algumas das exigências de
qualificação. No entanto, a regularidade do interessado com a Seguridade Social é
exigência de qualificação que não pode ser dispensada em hipótese alguma, nos
termos do art. 195, § 3°, da CF.
Por fim, no pregão temos uma inversão de fases. Primeiro é aberto o envelope
com as propostas comerciais, passando à existência de lances verbais e a uma
negociação com o melhor classificado e depois é aberto o envelope com os
documentos de habilitação do melhor classificado no certame (art. 4°, XII, da Lei
10.520/2002). Ou seja, primeiro vem a fase de julgamento e classificação e depois a
de habilitação. Aqui, fala-se em habilitação posterior.
Em resumo, o momento da habilitação, em regra, é logo após a publicação do
edital (habilitação preliminar), mas se dará antes do edital na tomada de preços
(habilitação prévia) e após o julgamento e classificação no pregão (habilitação
posterior).
11.6.2.3.Julgamento e classificação
Essa fase consiste na verificação objetiva da conformidade das propostas com
os critérios previamente estabelecidos, bem como na ordenação da melhor para a
pior para a Administração.
Nessa fase, deve a Administração abrir os envelopes que contêm as propostas
comerciais dos licitantes.
Vale lembrar que, aqui, as propostas também devem ser rubricadas pelos
licitantes presentes e pela comissão (art. 43, § 2°, da Lei 8.666/1993).
As propostas devem ser analisadas, em primeiro lugar, quanto à sua aptidão.
Havendo vícios na proposta, o licitante será desclassificado.
Confira os vícios que ensejam desclassificação:
a) vício formal: consiste no descompasso da proposta com as regras e padrões
estipulados no edital ou na lei. Dentre os vícios formais está a existência de proposta
que faz referência à proposta de outro (ex.: “a proposta da empresa é R$ 0,01 centavo
mais barata que a proposta mais barata dos demais licitantes”);
b) vício material: consiste no descompasso da proposta com o objeto licitado. Um
exemplo é uma licitação para adquirir papel A4, mas que recebe uma proposta para
papel A3;
c) vício quanto à exequibilidade: consiste na existência de proposta de valor
insuficiente para cobrir os custos do fornecedor. Imagine uma licitação para
comprar combustível, em que o fornecedor vencedor oferece o preço de R$ 1,39 para
fornecer gasolina, tendo a Administração feito pesquisa de preço e encontrado como
valor de mercado a quantia de R$ 2,90; ora, com um preço desses, ou a gasolina é
roubada ou é “batizada”; esse preço é manifestamente inexequível. A lei exige que a
proposta seja manifestamente inexequível para que seja desclassificada, devendo-se
levar em conta os parâmetros estabelecidos no § 1° do art. 41 da Lei 8.666/1993;
d) outros vícios: não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários
simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e
salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato
convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se
referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais
ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração (art. 44, § 3°, da Lei
8.666/1993).
Quando todos os licitantes são inabilitados, quando todas as propostas forem
desclassificadas, a Administração poderá fixar aos licitantes o prazo de 8 dias úteis
para a apresentação de outras propostas escoimadas de vícios, facultada, no caso de
convite, a redução deste prazo para 3 dias úteis.
Em seguida à verificação de vícios nas propostas, deve a Administração julgar
aquelas consideradas aptas, procedendo-se, depois, à classificação das que forem
aceitas.
Não se considerará qualquer oferta de vantagem não prevista no edital ou no
convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo perdido, nem preço ou
vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes.
O julgamento e a classificação variarão de acordo com o tipo de licitação (menor
preço, maior lance, melhor técnica etc.), tema que será visto em item adiante.
11.6.2.4.Homologação
A homologação é o ato pelo qual se examina a regularidade do procedimento
licitatório.
A autoridade competente (por exemplo, o Secretário Municipal de
Administração) deve verificar a regularidade do procedimento e, estando este em
ordem, deve homologar o certame licitatório.
11.6.2.5.Adjudicação
A adjudicação é o ato pelo qual se atribui o objeto do certame ao vencedor da
licitação.
Como regra, a adjudicação é feita após a homologação (art. 43, VI, da Lei
8.666/1993).
Porém, na modalidade de licitação pregão, primeiro é feita a adjudicação e,
depois, a homologação (art. 4°, XXI e XXII, da Lei 10.520/2002).
São efeitos da adjudicação os seguintes:
a) o direito de o adjudicatório não ser preterido, caso a Administração faça a
contratação;
b) a vinculação do adjudicatário à proposta por ele feita;
c) a liberação dos demais licitantes para retirar documentos e levantar garantias.
Apesar da vinculação do adjudicatário, decorridos 60 (sessenta) dias da data da
entrega das propostas, sem a convocação para a contratação, esse ficará liberado dos
compromissos assumidos (art. 64, § 3°, da Lei 8.666/1993).
A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o
instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza
o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades
legalmente estabelecidas (art. 81 da Lei 8.666/1993).
11.7.Modalidades de licitação
11.7.1.Concorrência
A expressão “modalidades” significa “procedimento”, “rito”. Não se deve
confundir modalidade de licitação (concorrência, tomada de preços, convite etc.) com
tipo de licitação (menor preço, melhor técnica etc.). A primeira, como se viu, diz
respeito ao procedimento a ser seguido pela Administração. O segundo diz respeito
ao critério de julgamento a ser seguido pela Administração.
A concorrência pode ser conceituada como a modalidade destinada a
transações de grande vulto e a casos especiais elencados na lei, que permite a
participação de qualquer interessado que, na fase inicial de habilitação, comprove
possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital.
Essa modalidade tem destinação obrigatória para os contratos de:
a) grande vulto, ou seja, para obras e serviços de engenharia de valor superior a R$
1,5 milhão (em valores atualizados, superior a R$ 3,3 milhões – vide Decreto
9.412/2018), e, quanto às compras e demais serviços, de valor superior a R$ 650 mil
(em valores atualizados, superior a R$ 1,43 milhão – vide Decreto 9.412/2018);
b) compra de imóveis, de qualquer valor;
c) alienações de imóveis, de qualquer valor; vale salientar que também se admite o
leilão para alienação de imóveis adquiridos em processos judiciais e por dação em
pagamento (art. 19 da Lei 8.666/1993);
d) alienação de móveis, quando estes forem avaliados em valor superior a R$ 650
mil; se o valor for inferior a essa quantia, pode-se usar a modalidade tomada de
preços ou leilão (art. 17, § 6°, da Lei 8.666/1993);
e) concessões de direito real de uso (art. 23, § 3°, da Lei 8.666/1993);
f) concessões de serviço público (art. 2°, II, da Lei 8.987/1995);
g) licitações internacionais, de qualquer valor; vale salientar que, nas licitações
internacionais, é cabível também a tomada de preços, quando o órgão ou entidade
dispuser de cadastro internacional de fornecedores, bem como convite, se não houver
fornecedor do bem ou serviço no País (art. 23, § 3°, da Lei 8.666/1993);
h) aquisição de bens por sistema de registro de preços (art. 15, § 3°, I, da Lei
8.666/1993): vale salientar que o registro de preços também pode ser feito por meio
da modalidade pregão (art. 11 da Lei 10.520/2002); o Sistema de Registro de Preços
é um procedimento que a Administração pode adotar perante compras rotineiras de
bens padronizados (ex.: material de escritório, medicamentos): presumindo que
adquirirá tais bens múltiplas vezes, a Administração abre licitação, e aquele que
oferecer a cotação mais baixa terá seus preços registrados para quando a
Administração precisar; não se trata de modalidade de licitação, já que inclusive é
precedida de uma (concorrência ou pregão), mas de procedimento a ser feito para
situações de fornecimento contínuo.16
Essa modalidade tem destinação facultativa para os casos em que couber
modalidade licitatória de menor expressão, tais como tomada de preços e convite (art.
23, § 4°, da Lei 8.666/1993).
A concorrência tem como principais características as seguintes:
a) prazos maiores: o prazo mínimo entre a publicação do aviso do edital e o
recebimento das propostas é de 30 dias, como regra, e de 45 dias se o contrato a ser
celebrado contemplar o regime de empreitada integral ou quando a licitação for do
tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço” (art. 21, § 2°, I, “b”, e II, “a”, da Lei
8.666/1993); há de se lembrar que o prazo é contado da última publicação do aviso
do edital; além disso, na contagem do prazo, deve-se excluir o dia do início e incluir
o dia do vencimento (art. 110 da Lei 8.666/1993);
b) universalidade: a concorrência admite a participação de qualquer interessado que
atenda, na fase inicial de habilitação preliminar, os requisitos de qualificação
previstos no edital (art. 22, § 1°, da Lei 8.666/1993), ou seja, não é necessário que o
interessado esteja previamente cadastrado para participar da concorrência, daí
porque se fala em acesso universal ao certame; todavia, na fase de habilitação, aquele
licitante que não cumprir os requisitos de qualificação será inabilitado;
c) habilitação preliminar: conforme já mencionado, a habilitação, na concorrência, é
feita logo após a publicação do edital e antes do julgamento das propostas, daí porque
se fala em habilitação preliminar, diferente da tomada de preços (habilitação
prévia) e do pregão (habilitação posterior).
11.7.2.Tomada de preços
A tomada de preços pode ser conceituada como a modalidade destinada a
transações de médio vulto, que só permite a participação de interessados
devidamente cadastrados ou que atendam às condições do cadastro até o 3° dia
anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação
(art. 22, § 2°, da Lei 8.666/1993).
Essa modalidade tem destinação prevista para os contratos de:
a) médio vulto, ou seja, para obras e serviços de engenharia de valor até R$ 1,5
milhões (em valores atualizados, até R$ 3,3 milhões – vide Decreto 9.412/2018), e,
quanto às compras e demais serviços, de valor até R$ 650 mil (em valores
atualizados, até R$ 1,43 milhão – vide Decreto 9.412/2018);
b) licitações internacionais, quando o órgão ou a entidade dispuser de cadastro
internacional de fornecedores, bem como convite, se não houver fornecedor do bem
ou serviço no País (art. 23, § 3°, da Lei 8.666/1993).
Essa modalidade tem destinação facultativa para os casos em que couber o
convite, modalidade licitatória de menor expressão (art. 23, § 4°, da Lei 8.666/1993).
Existe uma proibição muito séria, que tem em mira evitar fraudes na utilização
das modalidades licitatórias.
É vedada a utilização da modalidade “tomada de preços” para parcelas de uma
mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no
mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o
somatório de seus valores caracterizar o caso de concorrência, exceto para as
parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas
de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço (art. 23, § 5°, da Lei
8.666/1993).
A ideia da lei é evitar fracionamentos de contratos para que se utilize tomada de
preços quando caberia concorrência.
A tomada de preços tem como principais características as seguintes:
a) prazos intermediários: o prazo mínimo entre a publicação do aviso edital e o
recebimento das propostas é de 15 dias, como regra, e de 30 dias quando a licitação
for do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço” (art. 21, § 2°, II, “b”, e III, da Lei
8.666/1993); há de se lembrar que o prazo é contado da última publicação do aviso
do edital; além disso, na contagem do prazo, deve-se excluir o dia do início e incluir
o dia do vencimento;
b) prévio cadastro: o interessado em participar da licitação deve já ter um registro
cadastral, ou seja, deve ter um documento cujo nome é certificado de registro
cadastral (art. 32, § 2°, da Lei 8.666/1993), documento esse que será apresentado por
ele quando for participar da tomada de preços; caso o interessado não tenha cadastro
prévio, poderá participar da licitação desde que atenda às condições exigidas para
cadastramento até o 3° dia anterior à data do recebimento das propostas; ou seja,
publicado o edital, o interessado deverá correr para conseguir seu cadastramento, nos
termos dos arts. 34 a 37 da Lei 8.666/1993 e das demais regras locais, até o momento
acima referido.
11.7.3.Convite
O convite pode ser conceituado como a modalidade destinada a transações de
menor vulto, na qual se deve convidar ao menos três interessados, cadastrados ou
não, permitida a participação de outros interessados cadastrados que
manifestarem interesse com antecedência de até 24 horas da data da apresentação
das propostas (art. 22, § 3°, da Lei 8.666/1993).
Essa modalidade tem destinação para os contratos de menor vulto, ou seja, para
obras e serviços de engenharia de valor até R$ 150 mil (em valores atualizados, até
R$ 330 mil – vide Decreto 9.412/2018), e, quanto às compras e demais serviços, de
valor até R$ 80 mil (em valores atualizados, até R$ 176 mil – vide Decreto
9.412/2018).
Aqui também existe aquela séria proibição, que tem em mira evitar fraudes na
utilização das modalidades licitatórias.
É vedada a utilização da modalidade “convite” para parcelas de uma mesma obra
ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que
possam ser realizadas conjunta e concomitantemente sempre que o somatório de seus
valores caracterizar o caso de tomada de preços ou concorrência, exceto para as
parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas
de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço (art. 23, § 5°, da Lei
8.666/1993).
A ideia da lei é evitar fracionamentos de contratos para que se utilize convite,
quando caberia tomada de preços ou concorrência.
O convite tem como principais características as seguintes:
a) prazo menor: o prazo mínimo entre a publicação do aviso edital e o recebimento
das propostas é de 5 dias úteis, contados da expedição do convite (art. 21, § 2°, IV, e
§ 3°, da Lei 8.666/1993); há de se lembrar que o prazo é contado da última
publicação do aviso do edital; além disso, na contagem do prazo, deve-se excluir o
dia do início e incluir o dia do vencimento;
b) publicidade reduzida: no convite, a publicidade se reduz à expedição de carta-
convite a pelo menos três interessados e à afixação de cópia do convite no quadro de
avisos da Administração Pública;
c) participação restrita a convidados ou cadastrados: confira as regras (art. 22, §§
3°, 6° e 7°, da Lei 8.666/1993):
c1) devem ser convidados pelo menos três interessados, cadastrados ou não;
c2) se existir na praça mais de três interessados, a cada novo convite, deve-se
chamar, no mínimo, um cadastrado que não tenha sido ainda convidado, até que todos
os cadastrados sejam convidados;
c3) quando, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos
convidados, for impossível a obtenção do número mínimo de licitantes, pode-se
convidar número menor, desde que haja a devida motivação, sob pena de repetição do
convite;
c4) interessados em participar da licitação podem fazê-lo mesmo que não tenham
sido convidados, desde que sejam cadastrados na repartição e que manifestem
interesse até 24 horas da data da apresentação das propostas; é necessário, então, que
o interessado faça um requerimento nesse prazo; a doutrina entende que só se pode
exigir prévio cadastro desse interessado não convidado se a Administração tiver
exigido habilitação no convite feito no caso concreto;
d) habilitação facultativa: a fase de habilitação não é obrigatória no convite,
podendo ser dispensada no todo ou em parte (art. 32, § 1°, da Lei 8.666/1993);
porém, a regularidade com a Seguridade Social deve sempre ser exigida, por força de
determinação prevista na Constituição Federal (art. 195, § 3°, da CF);
e) direção dos trabalhos: a regra é que a licitação pelo convite seja dirigida por uma
comissão de licitação, como nas modalidades concorrência e tomada de preços;
porém, em pequenas unidades, pode substituí-la por servidor formalmente designado
(art. 51, § 1°, da Lei 8.666/1993).
11.7.4.Concursos
O concurso pode ser conceituado como a modalidade destinada à escolha de
trabalho técnico, científico ou artístico, mediante prêmios ou remuneração ao
vencedor (art. 22, § 4°, da Lei 8.666/9193).
Essa modalidade tem destinação para a premiação de trabalhos técnicos (ex.:
concurso para a escolha do melhor projeto arquitetônico), científicos (ex.: concurso
para a escolha da melhor monografia jurídica) e artísticos (exs.: concursos para
escolha de melhores hino, brasão da cidade, fotografia, poema etc.).
O concurso tem como principais características as seguintes:
a) prazo: o prazo mínimo entre a publicação do aviso do edital e o recebimento do
trabalho pronto é de 45 dias; há de se lembrar que o prazo é contado da última
publicação do aviso do edital; além disso, na contagem do prazo, deve-se excluir o
dia do início e incluir o dia do vencimento; o prazo é grande, pois o interessado não
vai entregar uma mera proposta, mas já entregará o trabalho pronto;
b) regulamento: o edital deve, no mínimo, fazer referência ao local onde está o
regulamento do concurso; deve também indicar a qualificação exigida dos
participantes (ex.: dizer que o concurso é só para os estagiários de uma Prefeitura);
deve, ainda, traçar as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho, bem como as
condições de realização e os prêmios a serem dados ao(s) vencedor(es); se o objeto
do concurso for um projeto (ex.: projeto arquitetônico), o vencedor deverá autorizar
sua execução a qualquer tempo, segundo a conveniência da Administração;
c) habilitação facultativa: a fase de habilitação não é obrigatória no concurso,
podendo ser dispensada no todo ou em parte (art. 32, § 1°, da Lei 8.666/1993);
d) julgamento: o julgamento será feito por uma comissão especial integrada por
pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame,
servidores públicos ou não (art. 51, § 5°, da Lei 8.666/1993).
11.7.5.Leilão
O leilão pode ser conceituado como a modalidade destinada à venda de bens
móveis inservíveis, de produtos apreendidos ou penhorados, de imóveis adquiridos
em processo judicial ou por dação em pagamento e de ativos, ações e outros
direitos relacionados ao Programa Nacional de Desestatização.
Essa modalidade tem destinação indicada no conceito, valendo salientar, quanto
à desestatização, que essa é regulamentada na Lei 9.491/1997.
O leilão tem como principais características as seguintes:
a) prazo: o prazo mínimo entre a publicação do aviso do edital e a sessão de leilão é
de 45 dias; há de se lembrar que o prazo é contado da última publicação do aviso do
edital; além disso, na contagem do prazo, deve-se excluir o dia do início e incluir o
dia do vencimento;
b) tipo de licitação: como o leilão visa à alienação de bens, o tipo licitatório cabível
(critério de julgamento) é o de maior lance; esse deve ser igual ou superior ao valor
da avaliação; os lances são verbais ou mediante procedimentos tecnológicos;
c) habilitação facultativa: a fase de habilitação não é obrigatória no leilão, podendo
ser dispensada no todo ou em parte (art. 32, § 1°, da Lei 8.666/1993);
d ) direção dos trabalhos: pode ser cometida a leiloeiro oficial ou a servidor
designado pela Administração (art. 53 da Lei 8.666/1993).
11.7.6.Pregão
Essa modalidade de licitação não está prevista na Lei 8.666/1993, mas na Lei
10.520/2002. Trata-se de modalidade aplicável à Administração Pública Direta e
Indireta de todos os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios).
O pregão pode ser conceituado como a modalidade destinada à aquisição de
bens e serviços comuns, caracterizada pela inversão de fases, aumento dos
momentos de competição, celeridade, oralidade e redução de exigências para a
participação.
Essa modalidade é destinada à aquisição de bens e serviços comuns.
Bens e serviços comuns são “aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade
possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no
mercado” (art. 1°, parágrafo único, da Lei 10.520/2002).
Enfim, bens e serviços comuns são aqueles que têm especificações usuais no
mercado.
São exemplos de bens comuns os seguintes: água mineral, combustível, material
hospitalar, medicamentos, material de limpeza, móveis, veículos, computadores,
dentre outros.
São exemplos de serviços comuns os seguintes: de digitação, de manutenção, de
assinatura (de TV, revista e telefonia móvel), de copa, de garçom, de ascensorista, de
lavanderia, de limpeza, de reprografia, de vigilância, dentre outros.
O fato é que, nos dias de hoje, quase tudo tem especificação usual no mercado e,
portanto, quase tudo pode ser adquirido pela Administração mediante a modalidade
pregão.
Aliás, é bom ressaltar que não há limitação de valor para aquisição mediante o
pregão. Assim, até mesmo uma compra de milhões de reais, que ensejaria
concorrência, pode ser feita pelo pregão.
A única exigência é que se trate de bens e serviços comuns.
Nada obstante, há situações que não ensejam o uso de pregão. Um exemplo é a
contratação de uma obra. A obra não está no conceito nem de serviço, nem de compra
de bens, para fins de licitação (art. 6°, I, II e III, da Lei 8.666/1993). Como regra,
também não é possível a utilização de pregão para alienação de bens e para as
locações imobiliárias.
Serviços de engenharia, ao contrário, desde que sejam serviços com
especificações usuais no mercado, como o serviço de terraplenagem, podem ser
contratados mediante pregão.
O pregão tem como principais características as seguintes (Lei 10.520/2002):
a) prazo: o prazo mínimo entre a publicação do aviso do edital e a data para a
apresentação das propostas (data da sessão de pregão) é de 8 dias úteis (art. 4°, V);
b) tipo de licitação: menor preço (art. 4°, X);
c) direção dos trabalhos: haverá um pregoeiro e a respectiva equipe de apoio, sendo
que esta será integrada em sua maioria por servidores ocupantes de cargo efetivo ou
emprego na Administração Pública (art. 3°, IV);
d) inversão de fases: primeiro vem a fase de julgamento e depois a de habilitação;
primeiro vem a adjudicação e depois a homologação (art. 4°, VII, XII, XXI e XXII);
e) lances verbais: faz-se uma classificação provisória e depois selecionam-se as
melhores propostas (1a classificada mais propostas até 10% superiores, garantidas
três propostas diferentes) para uma fase de lances verbais, com vistas a alcançar a
proposta mais vantajosa para a Administração (art. 4°, VIII);
f) negociação do preço: o licitante que chegar à melhor proposta estará sujeito,
ainda, a uma negociação de preço que o pregoeiro fará caso o proposto não atinja um
valor aceitável (art. 4°, XI, XVI e XVII);
g) exigências vedadas: é vedada a exigência de garantia da proposta, de aquisição
de edital por interessado e de pagamento de taxas (salvo de reprografia) (art. 5°);
h) redução das exigências de habilitação (art. 4°, XIII);
i) concentração dos atos do certame na sessão de pregão: faz-se tudo na sessão,
inclusive a adjudicação do objeto do certame, se não houver recurso;
j) recurso único e oral (art. 4°, XVIII).
Quanto ao procedimento da fase externa do pregão, confira o passo a passo:
a) publicação do edital;
b) antes de iniciar a sessão pública, faz-se o credenciamento do licitante ou de seus
representantes, que devem identificar-se e, conforme o caso, comprovar a existência
de poderes para a formulação de propostas e para a prática de todos os demais atos
inerentes ao certame;
c) aberta a sessão, os interessados apresentarão uma declaração de habilitação
(declaração dando ciência de que cumprem os requisitos de habilitação) e entregarão
os envelopes contendo a proposta comercial;
d) abertura dos envelopes com a proposta comercial;
e) desclassificação de eventuais propostas com vícios;
f) elaboração de classificação provisória;
g) seleção das propostas que passarão aos lances verbais; deve-se selecionar o 1°
classificado (autor da oferta de valor mais baixo) e os autores das ofertas com preços
até 10% superiores àquela; há de se garantir, no mínimo, três propostas diferentes;
repare que não são três licitantes diferentes, mas três propostas de valor diferente, o
que faz com que, muitas vezes, haja bem mais do que três licitantes nessa fase,
bastando que haja licitantes com propostas de valor igual;
h) início de nova disputa, com lances verbais e sucessivos, até se chegar ao melhor
lance possível;
i) classificação definitiva, levando em conta também os que não foram selecionados
para os lances verbais, mas excluindo os que já foram desclassificados;
j) negociação com o autor da oferta de menor valor;
k) exame da aceitabilidade da proposta de menor valor;
l) declaração da aceitabilidade da proposta ou nova negociação com outro
classificado;
m) abertura do envelope de habilitação da oferta com preço aceitável;
n) saneamento de eventuais falhas nos documentos de habilitação;
o) declaração de habilitação do licitante que tem preço aceitável ou exame sucessivo
das ofertas subsequentes até apuração de uma aceitável e que atenda aos requisitos de
habilitação;
p) declaração do licitante vencedor;
q) consulta aos licitantes sobre o interesse em apresentar recurso;
r) adjudicação do objeto do certame ao vencedor na própria sessão de pregão, caso
não haja recurso; o recurso deve ser interposto na própria sessão de pregão (por meio
do pregoeiro), apresentando-se o motivo; em seguida, a sessão ficará suspensa e o
recorrente terá 3 dias para apresentar suas razões, seguindo-se o prazo de 3 dias para
os demais licitantes se manifestarem;
s) elaboração e subscrição da ata da sessão;
t) homologação do certame pela autoridade competente (não é o pregoeiro, mas a
autoridade superior) e publicação da decisão homologatória;
u) empenho de despesa;
v) convocação do vencedor para celebração do contrato; vale salientar que o prazo
de validade das propostas é de 60 dias, se outro não estiver fixado no edital;
x) havendo recusa do adjudicatário, negociação com os próximos classificados, até
que haja preço aceitável com condições de habilitação;
z) celebração do contrato.
Vale salientar que a Lei 10.520/2002 admite o pregão por meio eletrônico, cuja
regulamentação se encontra no Decreto 5.450/2005 para o âmbito da União.
Esse decreto dispõe que o pregão eletrônico deve ser utilizado preferencialmente
em relação ao pregão presencial.
Uma diferença básica do pregão eletrônico para o pregão presencial é o fato de
que, no primeiro, o interessado deve estar previamente credenciado no SICAF –
Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores.
11.7.7.Vedação
Por fim, vale citar que é vedada a criação de outras modalidades de licitação ou
a combinação das previstas em lei (art. 22, § 8°, da Lei 8.666/1993).
Assim, não é possível que qualquer dos entes da Administração Pública venha a
criar uma nova modalidade de licitação, ou mesmo combinar modalidades para o fim
de criar uma inédita modalidade licitatória.
Somente por meio de lei – e deve se tratar de uma lei federal, pois somente a
União poderá legislar sobre normas gerais em matéria de licitação – é que é possível
criar uma nova modalidade licitatória.
Um exemplo é o pregão, que foi criado pela Lei 10.520/2002.
Outro exemplo é a modalidade de licitação denominada consulta, que é exclusiva
da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. O art. 54 da Lei 9.472/1997
estabelece que essa agência pode utilizar o procedimento da consulta mediante
procedimentos próprios determinados por atos normativos expedidos pela agência,
desde que não seja para a contratação de obras e serviços de engenharia.
11.8.Tipos de licitação
Não se deve confundir as modalidades de licitação (ou procedimentos
licitatórios – concorrência, convite etc.) com tipos de licitação (ou critérios de
julgamento – menor preço, melhor técnica etc.).
Feita tal observação, vejamos os tipos de licitação.
11.8.1.Menor preço
Esse tipo é o mais comum em matéria de licitação. Isso porque a Administração
adquire muitos bens, e esse tipo é o adequado para as compras e aquisições estatais.
Esse tipo de licitação é compatível com as modalidades concorrência, tomada de
preços, convite e pregão.
Devem ser desclassificadas as propostas com preço simbólico, irrisório, de valor
zero ou impraticável, tanto para mais como para menos.
A lei diz que serão desclassificadas as propostas com preços manifestamente
inexequíveis ou que não venham a ter demonstrada sua viabilidade por meio de
documentação da coerência com os custos dos insumos e a produtividade.
Em caso de empate, têm preferência, sucessivamente, os bens e serviços:
a) produzidos no País;
b) produzidos ou prestados por empresas brasileiras;
c) produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e
desenvolvimento de tecnologia no País;
d) produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de
cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da
Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação.
Permanecendo o empate, far-se-á um sorteio, em ato público, para o qual todos os
licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo.
11.13.Revogação da licitação
A revogação da licitação é possível, desde que fundada em situação ulterior
aferida pela autoridade competente que a justifique, ou seja, que torne conveniente ou
oportuna a extinção do certame, sempre respeitando a ampla defesa e o contraditório
e mediante motivação.
A revogação da licitação tem efeitos ex nunc, já que, até a sua ocorrência, não
havia nenhuma ilegalidade, daí porque, se já há vencedor e a licitação for revogada
licitamente, deve-se indenizá-lo das eventuais despesas que já teve.
Caso a licitação seja revogada ilicitamente, indeniza-se o prejudicado
completamente.
11.14.Anulação da licitação
A anulação da licitação deve ser de ofício ou provocada, assegurada a ampla
defesa e o contraditório, e tem por motivo ilegalidade ocorrida no certame (art. 59 da
Lei 8.666/1993).
Anulada a licitação, o contrato também fica anulado automaticamente, se já
celebrado.
A anulação tem efeitos ex tunc, não gerando indenização, ressalvado o que o
contratado já realizou e desde que ele não tenha sido o culpado pela anulação.
Ou seja, indenizar-se-á só o que está de boa-fé e apenas quanto ao que já foi
executado, valendo lembrar que a boa-fé é presumida.
A revogação só poderá ser feita pela autoridade competente e não pelo órgão
julgador do certame, diferente do que ocorre na anulação, que pode ser feita pela
comissão ou pelas demais autoridades competentes, bem como pelo Poder Judiciário.
12.5.2.Bilaterais
São as autorizadas pela lei, sendo feitas de comum acordo entre as partes, ou por
processo judicial promovido pelo interessado, para restabelecer o equilíbrio inicial
quando houver prejuízo significativo causado por um dos seguintes fatos:
a) força maior ou caso fortuito: alteração que requer i) desequilíbrio contratual, ii)
evento lesivo consistente em força maior ou caso fortuito e iii) configuração de álea
econômica extraordinária e extracontratual (prejuízo significativo). Ex.: uma grande
chuva destrói uma obra pública em andamento, executada por uma construtora
contratada pela Administração;
b) sujeições ou interferências imprevistas: descoberta de um óbice natural ao
cumprimento do contrato na forma prevista. Ex.: descoberta de que o terreno em que
o particular deverá construir a obra contratada é rochoso, aumentando em demasia os
custos para a realização da fundação. Preenchidos os requisitos de desequilíbrio e
configuração de álea extraordinária, também se enseja a alteração bilateral;
c) fato da administração: toda ação ou omissão da Administração que se dirige e
incide direta e especificamente sobre o contrato, retardando ou impedindo sua
execução. Ex.: atraso do Poder Público na entrega do imóvel para feitura de uma obra
contratada com o particular. Esta alteração unilateral também gera, por óbvio, direito
ao reequilíbrio econômico-financeiro18. Para alteração do contrato motivada pelo fato
da administração é necessário: i) desequilíbrio contratual, ii) fato da administração e
iii) configuração de álea econômica extraordinária e extracontratual (prejuízo
significativo);
d) fato do príncipe: fato geral do Poder Público que afeta substancialmente o
contrato, apesar de não se dirigir especificamente a ele. Ex.: mudança de política
cambial por parte do Banco Central (STJ, ROMS 15.154);
e) modificação tributária: criação, alteração ou extinção de tributo ou encargo
legal que interfira diretamente nos preços (custos) para mais ou para menos (art.
65, § 5°). Assim, aumentos significativos em tributos como ISS, ICMS, IPI, dentre
outros, geram o direito à revisão contratual. Note que o aumento no imposto sobre a
renda não interfere nos custos de uma empresa, mas apenas na renda desta, não
ensejando a revisão contratual; da mesma forma, a criação da CPMF não enseja a
revisão, por não gerar um prejuízo significativo, segundo o Tribunal de Contas da
União (TCU);
f) aplicação da Teoria da Imprevisão: caso não se configure nenhuma das hipóteses
acima, é possível invocar-se cláusula genérica para alteração contratual, que requer
desequilíbrio contratual causado pela sobrevinda de fatos imprevisíveis ou
previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
execução do contrato. Vale dizer, são necessários: i) desequilíbrio contratual
ulterior, ii) imprevisibilidade ou previsibilidade de consequência incalculável e iii)
retardamento ou impedimento da execução do ajustado (prejuízo significativo). Ex.:
advento de guerra causando aumento demasiado no preço do petróleo, atingindo
contratos em curso; crise mundial aumentando muito o dólar.
Não caberá revisão contratual nos seguintes casos: a) de culpa do contratado; b)
de evento existente antes das propostas;c) de ausência de prejuízo significativo.
A jurisprudência entende que não dá ensejo à revisão contratual dois fatos: a)
dissídio coletivo, por se tratar de algo previsível (STJ, REsp 668.376), ressalvadas
situações excepcionais; b) inflação, por também se tratar de fato previsível e que é
compensado pelo instituto do reajuste e não da revisão.
O reajuste é a atualização monetária em contratos de trato sucessivo, feita a
cada 12 meses. Ele difere da revisão, pois esta decorre de evento extraordinário, ao
passo que o reajuste decorre de evento ordinário.
O reajuste tem como termo inicial a data prevista para a apresentação da proposta
do licitante (art. 40, XI, da Lei 8.666/1993 e art. 3°, § 1°, da Lei 10.192/2001), nos
termos do que decide o STJ (REsp 846.367/RS).
Em caso de atraso no pagamento, incide correção monetária mensal (Lei do Plano
Real).
Por fim, e voltando à questão da revisão contratual, caso qualquer das situações
ocorridas anteriormente leve a uma consequência tal que a revisão contratual não
consiga trazer novamente o equilíbrio originário, o contrato deverá ser extinto.
12.6.Execução do contrato
Dispõe o artigo 66 da Lei 8.666/1993 que o contrato deverá ser executado
fielmente: Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de
acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta lei, respondendo cada uma
delas pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.
O contrato administrativo, portanto, faz lei entre as partes, que devem cumpri-lo
integralmente.
Nada obstante, como se viu, tal regra sofre as seguintes exceções:
a) a Administração pode modificar unilateralmente condições contratuais;
b) nestes casos, e naqueles outros em que se configurarem hipóteses de desequilíbrio
econômico-financeiro, deve-se promover sua modificação.
Outra questão importante nesta matéria é o fato de que a Administração deverá
manter um representante para fiscalizar a execução dos contratos, enquanto o
contratado deve indicar um preposto, aceito pela primeira, para acompanhar a
execução do ajuste.
Deve-se destacar, ainda, que o contratado, na execução do ajuste, não pode
deixar de cumprir suas obrigações por suspensão do contrato de até 120 dias, bem
como por atraso no seu pagamento por até 90 dias. Vale dizer: a exceção de contrato
não cumprido não pode ser alegada pelo particular em tais condições, em que pese
poder ser alegada pelo Poder Público, se a culpa é do particular.
O contratado tem como prestação principal adimplir o objeto contratual, devendo
também: observar as normas técnicas adequadas, empregar o material apropriado,
sujeitar-se aos acréscimos e supressões legais, executar pessoalmente o objeto do
contrato (a execução é pessoal, mas não personalíssima, daí a possibilidade de
contratar terceiros para colaborar ou até para executar partes, desde que nos limites
admitidos pela Administração na execução do contrato – vide art. 72, por exemplo,
que trata da subcontratação), atender aos encargos trabalhistas, previdenciários,
fiscais e comerciais decorrentes da execução, bem como manter o preposto acima
indicado.
Vale ressaltar que, na execução do contrato, o particular é responsável pelas
obrigações que contrair, as quais não poderão ser imputadas ao Poder Público: “Art.
71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários,
fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.”
Assim sendo, a Administração não poderá ser acionada por terceiros, em virtude
de atos do contratado.
A Lei 9.032/1995, todavia, dispõe que a Administração Pública responde
solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da
inexecução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei 8.212/1991.
O TST também admite que a Administração responda por encargos trabalhistas
no caso de terceirização de serviços, como nos contratos em que a Administração faz
com empresas de vigilância, limpeza, dentre outros. Porém, a responsabilidade da
Administração é subsidiária e depende de que esta tenha agido de forma culposa na
aplicação da Lei 8.666/1993 (conforme Súmula 331 do TST, após as decisões do
STF proferidas na Rcl 8150 e na ADC 16). O STF estabeleceu que “a imputação da
culpa in vigilando ou in elegendo à Administração Pública, por suposta deficiência
na fiscalização da fiel observância das normas trabalhistas pela empresa contratada,
somente pode acontecer nos casos em que se tenha a efetiva comprovação da ausência
de fiscalização. Nesse ponto, asseverou que a alegada ausência de comprovação em
juízo da efetiva fiscalização do contrato não substitui a necessidade de prova taxativa
do nexo de causalidade entre a conduta da Administração e o dano sofrido” (RE
760931/DF, j. 30.03.2017).
Executado o contrato, esse será recebido provisoriamente pela Administração,
em até 15 dias da comunicação escrita do contratado, pelo responsável pelo
acompanhamento e definitivamente por servidor ou comissão designada pela
autoridade, após decurso do prazo de observação ou vistoria que ateste a adequação
do objeto ao contrato, tudo sem prejuízo da responsabilidade civil pela solidez e
segurança da obra ou do serviço (art. 73).
A inexecução total ou parcial do contrato enseja sua rescisão, com as
consequências contratuais e as previstas em lei ou regulamento (art. 77). O art. 78 da
Lei 8.666/1993 enumera os motivos para rescisão do contrato, dentre eles os
seguintes:
a) o não cumprimento ou o cumprimento irregular de cláusulas contratuais;
b) a lentidão no seu cumprimento, o atraso injustificado no início, a paralisação sem
justa causa e sem prévia comunicação;
c) a subcontratação não admitida no contrato;
d) o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para
acompanhamento de sua execução;
e) razões de interesse público (revogação do contrato);
f) suspensão da execução por mais de 120 dias ou atraso por mais de 90 dias; em
ambos os casos a extinção será opção do contratado, não cabendo rescisão, todavia,
se houver calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra;
g) caso fortuito ou força maior impeditivos da execução.
Os casos de rescisão serão formalmente motivados nos autos do processo
administrativo, assegurados o contraditório e a ampla defesa. Quando a rescisão não
se der por culpa do contratado (incisos XII a XVII do art. 78), esse será ressarcido
dos prejuízos que houver sofrido, tendo ainda direito à devolução da garantia,
pagamento pela execução até a rescisão e pagamento do custo da desmobilização. A
rescisão pelo não cumprimento das cláusulas contratuais acarretará, sem prejuízo das
sanções legais, na assunção imediata do objeto pela Administração, com a ocupação e
utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados na
execução do contrato necessários à sua continuidade e retenção dos créditos
decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração.
Os artigos 86 e seguintes tratam das sanções administrativas cabíveis em caso de
inexecução parcial ou total do contrato, garantida prévia defesa, servindo como
exemplo: advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e
impedimento de contratar por prazo não superior a 2 anos, declaração de
inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração enquanto durarem os
motivos da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a autoridade,
que depende de cumprimento de sanções e ressarcimento ao erário, podendo-se
aplicar as duas últimas sanções também aos profissionais que tiverem dado causa ao
ilícito.
Quanto a sanção de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração,
ela se irradia para todas as esferas de governo. Assim, na esteira de um exemplo
tirado da jurisprudência do STJ, uma empresa que tenha recebido essa sanção de um
município, por ter fornecido medicamento adulterado a este, ficará impedida de
contratar com todos os outros municípios, Estados, DF e União (Resp 520.553).
Porém, essa sanção tem efeitos futuros, ou seja, não alcança os contratos em curso
quando de sua aplicação, sem prejuízo de que, dentro de cada contrato em curso possa
haver sua rescisão por específicas inexecuções em cada contrato (STJ, MS
13.964/DF).
Quanto à possibilidade de o TCU declarar a inidoneidade de empresa privada
para participar de licitações, o STF entende que esse tribunal tem competência, na
esteira do disposto no art. 46 da Lei 8.443/1992 – Lei Orgânica do TCU (MS
30.788/MG, J. 21.05.2015).
12.7.Extinção do contrato
O contrato administrativo se extingue pelas seguintes causas:
a) conclusão do objeto ou decurso do tempo: quanto à questão da duração do
contrato, é importante que fique claro que todo contrato administrativo deve ter prazo
determinado e respeitar os créditos orçamentários; quanto aos serviços contínuos (ex.:
limpeza, vigilância merenda etc.), cabem sucessivas prorrogações, limitando-se a
contratação total a até 60 meses, sendo que, em casos excepcionais, devidamente
justificados e mediante autorização da autoridade superior, cabe outra prorrogação,
por mais 12 meses, totalizando 72 meses; já quanto a serviços relativos à segurança
nacional, o prazo máximo do contrato é de 120 meses;
b) acordo entre as partes (rescisão amigável ou bilateral): ocorre por acordo entre
as partes, desde que haja interesse público. A extinção bilateral também é chamada de
distrato;
c) culpa da Administração (rescisão judicial): a chamada rescisão judicial ocorre
por ação judicial promovida pelo particular, que não pode promover a extinção do
ajuste unilateralmente. O particular deverá trazer como fundamento o
descumprimento, por parte do Poder Público, de obrigações contratuais. Conforme já
escrito, o particular não pode alegar a exceção de contrato não cumprido até 120 dias
de suspensão do contrato e 90 dias de atraso no pagamento; a suspensão do contrato
consiste em a Administração dizer para o contratado que é para ele suspender o
cumprimento de suas obrigações, período em que também não receberá quantia
alguma; o atraso no pagamento é pior, pois o particular deve continuar cumprindo com
suas obrigações, mas nada poderá fazer para rescindir o contrato se o atraso não
superar 90 dias. Naturalmente, o contratado prejudicado pela suspensão ou atraso no
contrato poderá, posteriormente, requerer compensação financeira pelos danos que
suportar com essas condutas da Administração;
d) por vontade da Administração (rescisão unilateral ou administrativa): essa
forma de extinção é promovida pela Administração, respeitando o contraditório e a
ampla defesa, nos seguintes casos:
d1) anulação: por motivo de ilegalidade na licitação ou no contrato;
d2) revogação: por inconveniência ou inoportunidade; nesse caso, o STJ entende
o seguinte: “esta Corte Superior já se pronunciou no sentido de que a rescisão do
contrato administrativo por ato unilateral da Administração Pública, sob justificativa
de interesse público, impõe ao contratante a obrigação de indenizar o contratado
pelos prejuízos daí decorrentes, como tais considerados não apenas os danos
emergentes, mas também os lucros cessantes. Precedentes. É que, sob a perspectiva
do Direito Administrativo Consensual, os particulares que travam contratos com a
Administração Pública devem ser vistos como parceiros, devendo o princípio da boa-
fé objetiva (e seus corolários relativos à tutela da legítima expectativa) reger as
relações entre os contratantes público e privado” (REsp 1240057/AC, DJe
21.09.2011);
d3) inexecução do contrato pelo contratado.
13.4.Serviço adequado
O art. 6° da Lei 8.987/1995 impõe a que o serviço público seja adequado,
estabelecendo que serviço adequado é o que satisfaz as seguintes condições:
a) generalidade: todos devem ter acesso ao serviço, garantido o tratamento
equânime aos usuários que estiverem na mesma situação;
b) eficiência: os serviços públicos devem ser atuais e atender satisfatoriamente aos
interesses dos usuários;
c) segurança: os serviços devem ser seguros, não causando danos ao particular;
d) cortesia: os usuários devem ser tratados com urbanidade, respeito, educação e
atenção;
e) atualidade: compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das
instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e a expansão do serviço;
f) modicidade das tarifas: ou seja, as tarifas devem ter preços acessíveis. A
modicidade impõe uma tarifa acessível, o que não significa que o poder concedente
tenha que subsidiar o serviço. Se uma tarifa, para ser módica, leva o serviço a se
tornar deficitário, há de ser bem prudente em termos de responsabilidade fiscal,
podendo ser que o modelo escolhido tenha sido inadequado (já que se deve usar a
parceria público-privada quando as tarifas são insuficientes) ou que a concessionária
esteja gerindo mal o serviço. Problemas de déficit devem ser resolvidos, num
primeiro momento, pelo aumento de tarifa (sem que esta deixa de ser acessível), bem
como verificar se o edital da concessão permite que se institua outras fontes de renda,
como a publicidade. O uso de dinheiro do orçamento para cobrir tarifas deficitárias
deve ser avaliado com calma. Há casos em que isso pode se revelar injusto
socialmente, pois pessoas que não usam dado serviço podem estar tendo que
contribuir com ele (pois o dinheiro do orçamento público é de todos nós) e pessoas
com renda considerável podem estar tendo a ajuda do dinheiro do povo para cobrir
serviços públicos não usadas pelas camadas mais pobres. Um exemplo seria um
aporte de dinheiro público para marinas públicas usadas por iates privados. Se
acontecesse haveria uma grande injustiça social. Nesses casos, a tarifa cobrada dos
donos dos iates tem que cobrir o custo e lucro da respectiva concessão.
g) regularidade e continuidade: impõe que o serviço esteja sempre à disposição
para utilização coletiva. O serviço público não pode ser interrompido, mesmo em
caso de greve, quando será mantido para garantir o mínimo à população, salvo em
situação de emergência ou após aviso prévio por: a) razões de ordem técnica ou
segurança;
b) inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade. O STJ admite
o corte do serviço por inadimplemento, desde que haja comunicação prévia (REsp
783.575/RS), corte esse que pode atingir tanto os particulares, como a Administração.
Não cabe o corte, porém, em quatro casos:
i) em relação a serviços essenciais, como de um hospital ou uma creche (STJ,
AgRg no Edcl na Susp. de Liminar 606/CE);
ii) em relação a débitos antigos (STJ AgRg no Ag 88.502); apenas o débito
presente enseja o corte; débitos antigos devem ser cobrados pelas vias ordinárias;
iii) em caso de cobrança por aferição unilateral por fraude no medidor (STJ,
REsp 975.314); nesse caso, como é a concessionária que estipula o valor a ser pago,
não seria correto que ela pudesse cortar o serviço;
iv) em caso de cobrança feita junto ao atual usuário do serviço por débito
pretérito de usuário anterior; aliás, o atual usuário sequer pode ser cobrado pela
dívida do usuário anterior (STJ, AgRg no REsp 1.327.162, DJ 28.09.2012).
13.5.2.Quanto à essencialidade
a) serviços públicos: são os que a Administração presta diretamente à comunidade
por serem essenciais à sobrevivência do grupo social (exs.: defesa, polícia); tais
serviços também são chamados de pró-comunidade ou próprios do Estado;
b) serviços de utilidade pública: são os prestados pela Administração ou
concessionários, por ser conveniente que haja regulamentação e controle (exs.: luz,
gás, telefone); tais serviços são chamados de pró-cidadão ou impróprios do Estado.
13.5.4.Quanto à finalidade
a) administrativos: são os executados para atender às necessidades da
Administração ou preparar outros serviços que serão prestados ao público;
b) industriais/comerciais: são os que produzem renda para quem os presta, por
meio de tarifa ou preço público (ex.: correios); os serviços públicos econômicos,
por sua possibilidade de lucro, representam atividades de caráter mais industrial e
comercial, tais como o de energia elétrica, e normalmente são prestados pelos
particulares;
c) sociais: são os definidos pela Constituição como serviços sociais, como o de
educação, saúde etc.; os serviços públicos sociais são aqueles destinados a atender às
necessidades básicas da população, tais como assistência médica e educacional. São
serviços normalmente deficitários, que podem ser prestados pelo Estado ou por
particulares.
14.4.Poderes do concedente
A Lei 8.987/1995 estabelece que o titular do serviço público (concedente) tem os
seguintes poderes numa concessão de serviço públicos:
a) de inspeção e fiscalização: vê-se desempenho, cumprimento de deveres e de
metas;
b) de alteração unilateral das cláusulas regulamentares: respeitados equilíbrio
financeiro e os limites legais (p. ex., não pode alterar a natureza do objeto da
concessão);
c) de intervenção: em casos de comprometimento do serviço público, a
Administração pode intervir na concessionária para regularizar a situação; ex.:
intervenção em empresa de ônibus que não está desempenhando corretamente seu
papel, mesmo após notificações e aplicação de multa;
d) extinção da concessão antes do prazo: a extinção pode se dar, dentre outros
motivos, por conveniência e oportunidade do concedente para melhorar o serviço
público (encampação ou resgate), ou por falta cometida pelo concessionário
(caducidade);
e) aplicação de sanções ao concessionário inadimplente: multas, por exemplo.
14.5.PRAZO
A Lei 8.987/1995 não estabelece prazo máximo ou mínimo para a concessão de
serviço público.
Portanto, faz-se necessário que o edital de concorrência pública para a outorga da
concessão estabeleça qual será o prazo do contrato celebrado com o vencedor do
certame.
Admite-se prorrogação da concessão, desde que haja previsão editalícia.
14.8.Formas de extinção
a) Advento do termo contratual: forma usual, em que termina o prazo da concessão
e ela fica extinta. Os bens aplicados no exercício do serviço são revertidos para o
Poder Concedente, nos termos previstos no edital. Hely Lopes Meirelles denomina tal
forma de extinção como reversão, porque há retorno do serviço ao Poder Concedente.
Preferimos não tratar da hipótese por este nome, uma vez que o instituto da reversão,
que será visto a seguir, é a consequência da extinção da concessão e não uma forma
de sua extinção.
b) Rescisão judicial: forma de extinção feita a pedido de qualquer um dos
“contratantes”. Como o Poder Público pode extinguir de ofício a concessão,
geralmente a rescisão judicial será pedida pelo concessionário, por culpa do Poder
Concedente. Na ação pode-se pleitear indenização por não ter havido, ainda,
amortização do investimento feito pelo concessionário. Os serviços prestados pela
concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados até a decisão judicial
transitar em julgado. Extinta a concessão, os bens também são revertidos para o poder
público, para garantia da continuidade do serviço público, na forma prevista no
edital.
c) Rescisão consensual: mútuo acordo, com reversão dos bens da mesma forma.
d) Rescisão por ato unilateral do Poder Concedente:
d1) encampação ou resgate: é o encerramento da concessão por ato do Poder
Concedente, durante o transcurso do prazo inicialmente fixado, por motivo de
conveniência e oportunidade administrativa (espécie de revogação) sem que o
concessionário haja dado causa ao ato extintivo. Depende de lei específica que o
autorize, como forma de proteção ao concessionário e também porque geralmente
enseja grandes custos. É necessária prévia indenização, que compense o investimento
ainda não amortizado, bem como que faça frente aos lucros cessantes pela extinção
prematura do contrato de concessão, já que não há culpa do concessionário. Bens
revertem ao Poder Concedente. Ex.: fim dos bondes.
d2) caducidade ou decadência: encerramento da concessão antes do prazo, por
inadimplência do concessionário21. Depende de prévio processo administrativo, com
direito a ampla defesa, para apuração da falta grave do concessionário, processo que
só poderá ser acionado após comunicação detalhada à concessionária dos
descumprimentos contratuais referidos no § 1° do art. 38 da Lei, dando-lhe prazo para
regularização. Além das hipóteses previstas em tal dispositivo, é também causa da
caducidade a transferência da concessão ou do controle acionário sem prévia
anuência do Poder Concedente (art. 27). A declaração de caducidade será feita por
decreto do Poder Concedente. Só se indeniza a parcela não amortizada, uma vez que
houve culpa daquele que exercia o serviço público. Da eventual indenização devida
serão descontados os valores relativos a multas contratuais e danos causados pela
concessionária.
d3) anulação da concessão: é o encerramento da concessão quando esta for
outorgada com vício jurídico. Se não houve má-fé por parte do concessionário, este
terá direito à indenização pelas despesas que teve e para a amortização do
investimento.
d4) falência da concessionária: faz com que se extinga a concessão feita.
d5) extinção da empresa ou morte do concessionário: também faz extinguir a
concessão.
14.10.Responsabilidade do concessionário
Cabe lembrar aqui que o § 6° do artigo 37 da CF, que prevê a responsabilidade
objetiva do Estado, dispõe que as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras
de serviço público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros.
Daí se conclui não somente que a responsabilidade dos concessionários é
objetiva, como também que o Estado não responderá pelos danos causados por tais
pessoas jurídicas a terceiros, mas sim o próprio concessionário.
O Poder Público responderá apenas subsidiariamente (ou seja, após o
esgotamento do patrimônio da concessionária), desde que o dano tenha sido causado
na prestação do serviço público.
14.13.Parcerias Público-Privadas
14.13.1.Introdução
A tão esperada Lei da Parceria Público-Privada é mais uma etapa da chamada
Reforma do Estado, que se iniciou em meados da década de 1990, e que tinha e tem
por finalidade reduzir a participação do Estado na execução de tarefas econômicas,
próprias do particular.
São marcos dessa reforma: a) o Programa de Privatização do Governo Federal,
caracterizado pela venda de ações e de outros ativos de empresas estatais; b) a
criação das agências reguladoras, com consequente incremento das concessões de
serviços públicos aos particulares; c) e as parcerias público-privadas.
Tais parcerias foram criadas sob os seguintes argumentos:a) necessidade de
investimentos na área da infraestrutura; b) carência de recursos públicos atuais para
esses investimentos; c) desinteresse do setor privado na sua realização,
principalmente em setores incapazes de gerar remuneração direta compatível com o
custo do empreendimento.
A ideia central da parceria, portanto, é unir duas forças, a pública e a privada,
com garantias especiais e reforçadas de que o parceiro privado será efetiva e
adequadamente remunerado.
Mesmo antes da lei federal que hoje regula a matéria, diversos Estados-membros
já haviam legislado sobre o tema, como Minas Gerais (Lei 14.868/2003), Goiás (Lei
14.910/2004), Santa Catarina (Lei 12.930/2004) e São Paulo (Lei 11.688/2004).
Diante desse quadro, qual lei deverá prevalecer, a local ou a federal? A lei
federal é expressa ao dispor que se aplica à administração direta e indireta da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, e considerando que
compete à lei federal traçar normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII,
da CF), as leis locais serão aplicadas no que não contrariar as normas gerais
previstas na Lei 11.079/2004.
14.13.2.Conceito de PPP
A partir das disposições da lei, elaboramos um conceito de parceria público-
privada: é o contrato de prestação de serviços ou de concessão de serviços públicos
e de obras públicas, de grande vulto e de período não inferior a 5 anos,
caracterizado pela busca da eficiência na realização de seu escopo e pela
existência de garantias especiais e reforçadas para o cumprimento da necessária
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, financiado
pelo mercado financeiro.
Confira o conceito, agora, esquematizado:
✓ – contrato de prestação de serviços ou de concessão de serviços públicos ou
de obras públicas:
✓ – de grande vulto (igual ou superior a R$ 10 milhões, conforme estabeleceu a
Lei 13.529/2017);
✓ – de período não inferior a 5 anos;
✓ – caracterizado pela busca da eficiência na realização de seu escopo;
✓ – e pela existência de garantias especiais e reforçadas;
✓ – para o cumprimento da necessária contraprestação pecuniária do parceiro
público ao parceiro privado;
✓ – financiado pelo mercado financeiro.
14.13.3.Espécies
A lei usa a expressão “modalidades” de parceria para fazer referência ao tema.
Por ser uma expressão que indica o “procedimento licitatório” (concorrência, tomada
de preços etc.), preferimos reservar a palavra “modalidade” para tratar do
procedimento do certame para a contratação da parceria, e a palavra “espécie” para
tratar das duas formas de parceira.
A concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras
públicas em que, além das tarifas cobradas dos usuários, faz-se necessária uma
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado (art. 2°, § 1°,
da Lei 11.079/2004).
São exemplos de concessão patrocinada as relativas a concessões para o
saneamento básico, para construção e reforma de rodovias e para a consecução de
outros serviços públicos delegáveis em que as tarifas a serem cobradas não sejam
suficientes para cobrir os custos do concessionário.
A concessão patrocinada é muito parecida com a concessão de serviço público
prevista na Lei 8.987/1995. A diferença é que, na primeira, as tarifas cobradas dos
usuários do serviço (por exemplo, o pedágio de uma rodovia) não são suficientes para
cobrir os custos do serviço e a remuneração da concessionária, o que faz com que
seja necessário um “patrocínio” por parte do parceiro público (o Poder Público), que
pagará uma contraprestação ao parceiro privado (ao concessionário do serviço).
Já a concessão administrativa é contrato de prestação de serviços
(qualificados) de que a Administração seja usuária direta ou indireta (art. 2°, § 2°,
da Lei 11.079/2004).
Quando a Administração contrata a prestação de um serviço do particular, essa
contratação é regulada pela Lei 8.666/1993, tratando-se de um contrato
administrativo simples.
Porém, quando a Administração contrata serviços de que seja usuária direta ou
indireta, serviços esses que não têm como objetivo único o fornecimento de mão de
obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública, aí
sim teremos o instituto da concessão administrativa, uma das duas espécies de
parceria público-privada.
São exemplos de concessão administrativa a construção de centros
administrativos para as instalações do Poder Público, de hospitais, de escolas, de
presídios etc. Perceba-se que, em qualquer dos casos, não há tarifa a ser paga pelos
usuários, mas só contraprestação a ser paga pelo Poder Público.
Assim, na concessão administrativa temos as seguintes características:
a) não há cobrança de tarifa de usuários;
b) não cabe se tiver como objeto único o fornecimento de mão de obra, o
fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública;
c) são exemplos a construção de escolas, hospitais e presídios, desde que o
concessionário não se limite a fazer as construções, tendo também como tarefa a
administração desses equipamentos públicos.
A criação das duas concessões especiais mencionadas fez com que a lei se
referisse às demais concessões, regidas pela Lei 8.987/1995, como concessões
comuns (art. 2°, § 3°, da Lei 11.079/2004). Estas continuarão a ser utilizadas para os
casos em que as tarifas dos usuários forem suficientes para cobrir os custos do
contratado, o prazo contratual for inferior a 5 anos ou o valor do contrato, inferior a
R$ 20 milhões.
14.13.4.Diretrizes
O art. 4° da Lei 11.079/2004 elenca as diretrizes que deverão ser observadas na
contratação de parceria público-privada. Vejamos:
a) Busca da eficiência no cumprimento das missões estatais e no emprego dos
recursos públicos. Decorrem desta diretriz as regras que estabelecem:
a1) o dever de criação de critérios objetivos de avaliação de desempenho do
parceiro privado (art. 5°, VII);
a2) a realização de vistoria dos bens reversíveis (art. 5°, X);
a3) a necessidade de compartilhamento com a Administração de ganhos efetivos
do parceiro decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados
pelo parceiro privado (art. 5°, IX);
b) Responsabilidade fiscal na celebração e na execução das parcerias. Decorrem
desta diretriz as regras que estabelecem:
b1) a elaboração de estimativa de impacto-financeiro nos exercícios em que deva
vigorar a parceria (art. 10, II);
b2) a necessidade de compatibilidade entre o contrato e as leis de diretrizes
orçamentárias e do plano plurianual (art. 10, III e V);
b3) a necessidade de autorização legislativa específica para as concessões
patrocinadas em que mais de 70% da remuneração do parceiro for paga pela
Administração (art. 10, § 3°);
c) Respeito ao interesse dos destinatários dos serviços. Decorrem desta diretriz as
regras que estabelecem a necessidade de que haja previsão contratual de mecanismos
para:
c1) a preservação da atualidade da prestação dos serviços;
c2) a avaliação do desempenho do parceiro privado, segundo critérios objetivos
(art. 5°, V e VII);
d) Transparência dos procedimentos e das decisões. Decorrem desta diretriz as
regras que estabelecem:
d1) a submissão da minuta de edital a consulta pública, com prazo mínimo de 30
dias para o oferecimento de sugestões (art. 10, VI);
d2) a necessidade de fixação no contrato das penalidades aplicáveis à
Administração e aos parceiros privados (art. 5°, II), providência rara nos contratos
administrativos;
e) Repartição objetiva dos riscos entre as partes. Decorre desta diretriz a regra que
estabelece a repartição de riscos, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior,
fato do príncipe e álea econômica extraordinária (art. 5°, III);
f) Respeito aos interesses do parceiro privado. Decorrem desta diretriz as regras
que estabelecem:
f1) a vigência do contrato compatível com a amortização dos investimentos, não
inferior a 5, nem superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação (art. 5°, I);
f2) a aplicação automática das cláusulas de atualização monetária (art. 5°, § 1°);
f3) a possibilidade de as obrigações pecuniárias da Administração terem
garantias especiais, tais como vinculação de receitas, instituição de fundos especiais,
contratação de seguro-garantia, oferecimento de garantias prestadas por instituições
financeiras, organismos internacionais, e fundo garantidor e empresa estatal criados
para esta finalidade (art. 8°);
g) Diferimento dos valores a serem pagos pelo Poder Público. Decorre dessa
diretriz a regra que estabelece que a contraprestação da Administração será
obrigatoriamente precedida da entrega do serviço (art. 7°). Ou seja, primeiro o
parceiro privado faz sua parte e apenas após a Administração faz o pagamento. Não
mais se fará pagamentos mensais mediante medições dos serviços prestados. O
pagamento se dará apenas após a conclusão da obra. A lei permite que a
Administração, nos termos do contrato, efetue pagamento da contraprestação relativa
a parcela fruível de serviço objeto do contrato de parceria.
14.13.5.Características marcantes
Das sete diretrizes apontadas, as três primeiras (“a”, “b” e “c”) já estavam
adequadamente definidas em lei (vide as Leis 8.987/1995 e 8.666/1993, e a Lei de
Responsabilidade Fiscal). A quarta e a quinta (“d” e “e”) geravam uma série de
dúvidas. E a sexta e a sétima (“f” e “g”) são bem inovadoras.
A sétima diretriz é bem interessante, pois cria um modelo novo. Para fazer frente
à escassez de recursos para o presente, a Administração se reserva o direito de só
pagar sua contraprestação ao parceiro privado quando este disponibilizar o serviço
objeto do contrato. Assim, somente após a construção da escola, do hospital, do
presídio, da rodovia, é que a Administração pagará sua contraprestação. Além de não
gastar agora, a Administração se livra de uma série de transtornos decorrentes das
medições mensais para pagamento, das revisões contratuais e dos problemas na
condução e na fiscalização do contratado. Este, por sua vez, ganha em eficiência, pois
se compromete a entregar um projeto pronto.
E como o modelo resolve o problema do financiamento do particular? Afinal de
contas, como o parceiro privado conseguirá fazer tão grandes investimentos sem o
aporte de recursos pela Administração mês a mês? A solução encontrada pela lei é o
financiamento no mercado financeiro.
A lei dispõe que, antes da celebração do contrato, deverá ser criada uma
Sociedade de Propósito Específico (SPE), cuja incumbência é implantar e gerir o
objeto da parceria. Tal sociedade poderá assumir a forma de companhia aberta, com
valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. Deve obedecer a padrões de
governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras
padronizadas. A Administração não poderá ser titular da maioria de seu capital
votante (art. 9°).
Trata-se de uma sociedade criada pelo próprio parceiro privado, ou seja, pelo
vencedor do certame licitatório para a consecução de suas atividades. Há pelo menos
três vantagens na criação da SPE: a) evita a figura do consórcio na execução do
contrato, focando a cobrança da execução do serviço numa pessoa apenas; b) permite
que valores mobiliários dessas empresas sejam vendidos, atraindo investimento; c)
possibilita que a empresa consiga empréstimos em bancos de fomento, também para
atrair investimentos.
Eis o novo modelo. O parceiro privado tomará empréstimos no mercado
financeiro para realizar investimentos para o parceiro público, que somente começará
a pagar sua contraprestação após a disponibilização do serviço.
E como o modelo resolve o problema do risco em se emprestar dinheiro para
parceiros da Administração? Afinal de contas, no Brasil o Poder Público é useiro e
vezeiro em não pagar os particulares. A solução encontrada pela lei foi dar garantias
especiais e reforçadas de que o parceiro irá receber sua contraprestação e,
consequentemente, terá como pagar o mercado financeiro pelos investimentos feitos.
A questão está colocada na sexta diretriz do item anterior, que estabelece dois
princípios: a) o da garantia da amortização do investimento; e b) o da garantia da
satisfação efetiva e imediata do crédito. O primeiro se revela com a fixação de
prazos mínimos de vigência da parceria. Já o segundo, com a criação de garantias
especiais e reforçadas em favor do parceiro privado.
As garantias passam por fianças bancárias e seguros e preveem até a instituição
de um “fundo garantidor ou uma empresa estatal criada para essa finalidade” (art. 8°,
V).
Para o âmbito da União, a lei autorizou que as pessoas de direito público
correspondentes (União, autarquias, fundações públicas), seus fundos especiais e suas
empresas públicas dependentes (as duas últimas só apareceram com a Lei
12.409/2011) participem, no limite global de R$ 6 bilhões do que chamou de Fundo
Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), de natureza privada e patrimônio
próprio separado do patrimônio pessoal de seus participantes. Tal fundo está sendo
formado por aporte de bens (dinheiro, imóveis dominicais, móveis) e direitos (ações
excedentes ao necessário para o controle de sociedades de economia mista, e títulos
da dívida pública) dos participantes, também chamados de cotistas. Empresa
especializada será incumbida de avaliar os bens e direitos transferidos (art. 16).
O FGP será criado, administrado, gerido e representado, judicial e
extrajudicialmente, por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente, pela
União, que zelará pela manutenção de sua rentabilidade e liquidez (art. 17).
O estatuto e o regulamento do FGP devem deliberar sobre a política de concessão
de garantias, inclusive no que se refere à relação entre ativos e passivos do Fundo
(art. 18, caput). A garantia será prestada nas seguintes modalidades: fiança, sem
benefício de ordem para o fiador; penhor de bens móveis e hipoteca de bens imóveis,
ambos do Fundo; alienação fiduciária; garantia, real ou pessoal, vinculada ao
patrimônio de afetação do Fundo (art. 18, § 1°).
A garantia poderá ser acionada a partir do 15° dia do vencimento de título
exigível aceito pelo parceiro público. No caso de emissão de fatura não aceita, mas
também não rejeitada expressa e motivadamente, a garantia poderá ser acionada
transcorridos 45 dias de seu vencimento (art. 18, §§ 4° e 5°). A quitação do débito
pelo Fundo importará sua sub-rogação nos direitos do parceiro privado.
Se necessário, os bens e direitos do fundo poderão ser objeto de constrição
judicial e alienação para satisfazer as obrigações garantidas (art. 18, § 7°).
O FGP poderá usar parcela da cota da União para prestar garantia aos seus
fundos especiais, às suas autarquias, às suas fundações públicas e às suas empresas
estatais dependentes (art. 18, § 8°, incluído pela Lei 12.409/2011).
Toda essa sistemática de garantias especiais tem uma razão: conforme visto, o
Poder Público não costuma pagar em dia seus fornecedores, gerando grande
insegurança por parte destes, principalmente quanto à realização de grandes
investimentos. O não pagamento pela Administração ensejava a propositura de ação
judicial, com recebimento do crédito, ao final, após a expedição de precatórios.
Se de um lado, resolve o problema, de outro, a solução sofre críticas de alguns,
no sentido de que é inconstitucional, porque trata de modo diferente os credores do
Poder Público. Não satisfeitos seus créditos, uma parte dos credores (aqueles que têm
outros contratos com a Administração) deve recorrer ao Judiciário, e só receberá
após a expedição de um precatório. A outra parte (a dos que têm uma parceria
público-privada) receberá sem ter que esperar por um precatório judicial.
Críticas à parte, é bom destacar que os demais entes da federação também
poderão criar, por meio de lei, fundo com características semelhantes ou mesmo uma
empresa estatal (como foi o caso de São Paulo, que criou a Companhia Paulista de
Parcerias), uma vez que essa garantia é prevista de modo genérico (para todos os
entes políticos) no art. 8°, V, da Lei 11.079/2004.
Por fim, vale destacar um ponto bastante polêmico, que é o da possibilidade de o
edital (e o respectivo contrato) prever que se possa usar a arbitragem para a solução
dos conflitos entre os parceiros. Dispõe o inciso III do art. 11 da Lei 11.079/2004 que
tais instrumentos poderão prever “o emprego dos mecanismos privados de resolução
de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa,
nos termos da Lei 9.037, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos
decorrentes ou relacionados ao contrato”. De nossa parte, entendemos que esse
mecanismo de solução de conflitos só poderá incidir quanto a questões de ordem
estritamente técnica não jurídica, tais como questões econômicas, contábeis e de
engenharia. O princípio da indisponibilidade do interesse público impede que
decisões de ordem administrativa sejam revistas por órgão que não seja a própria
Administração ou o Poder Judiciário.
1. INTRODUÇÃO
O Estado atua de diversas formas para atender às expectativas do povo:
conduzindo a política monetária (emitindo moeda, orientando os juros no mercado),
regulamentando setores da economia (por meio das agências reguladoras, por
exemplo), administrando empresas estatais etc.
Entretanto, uma das principais formas de atuação estatal refere-se à política fiscal
ou orçamentária, relativa à prestação de serviços públicos (por meio de despesas
públicas) e à arrecadação dos recursos financeiros necessários para isso.
A principal fonte de receitas à disposição do Estado é a tributação, ou seja, o
recolhimento de tributos pelos cidadãos e sociedades, na forma da lei.
O direito tributário regula a relação jurídica estabelecida por lei entre o Fisco
(arrecadador dos tributos) e os contribuintes e responsáveis (sujeitos passivos, que
recolhem os tributos ao Fisco) no âmbito da tributação.
Gabarito de concurso público
Direito tributário é o conjunto de normas que regula o comportamento das pessoas de levar dinheiro
aos cofres públicos. (Procurador do Estado/SE – FCC – 2005)
2. TRIBUTO – DEFINIÇÃO
2.3.Tributo é prestação
O tributo é definido, pelo CTN, como prestação.
Prestação é o objeto de relação obrigacional (= aquilo que o devedor deve fazer
em relação ao credor, aquilo que o credor pode exigir do devedor).
Jurisprudência
Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: non olet. Drogas: tráfico de drogas,
envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultosos subtraídos à contabilização
regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de
sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de
entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação.
A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do
princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração
ética.
HC 77.530/RS, STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 25.08.1998.
Assim, por exemplo, a renda obtida com o tráfico de drogas deve ser tributada, já que o que se tributa
é o aumento patrimonial e não o próprio tráfico. Nesse caso, a ilicitude é circunstância acidental à
norma de tributação. No caso de importação ilícita, reconhecida a ilicitude e aplicada a pena de
perdimento, não poderá ser cobrado o imposto de importação, já que “importar mercadorias” é
elemento essencial do tipo tributário. Assim, a ilicitude da importação afeta a própria incidência da
regra tributária no caso concreto.
REsp 984.607/PR, STJ, Rel. Ministro Castro Meira, j. 07.10.2008.
Obs.: o STJ entendeu, entretanto, que pode incidir IPI, PIS e Cofins, nesse caso (o acórdão refere-
se a produto industrializado e faturamento).
3. ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS
A doutrina acrescenta que a natureza é determinada pelo fato gerador e pela base
de cálculo.
Se o fato gerador for a propriedade de veículo automotor, estaremos diante do
IPVA (imposto estadual que incide sobre esse domínio). Sua base de cálculo deve ser
o valor do automóvel, que tem direta correspondência com o fato gerador (note que a
base de cálculo quantifica o fato gerador). A base de cálculo não poderia ser a renda
do proprietário, por exemplo, o que indicaria outra natureza específica (do imposto
de renda, no caso).
Obs.: por essa razão, essa “taxa” não se sujeita ao princípio da legalidade (seus valores são fixados
por portaria ministerial).
3.3.Espécies tributárias
A doutrina clássica classificou os tributos em três espécies: impostos, taxas e
contribuições de melhoria. São essas as espécies indicadas no art. 145 da CF e no art.
5° do CTN.
Trata-se da teoria tripartida.
Mais modernamente, a teoria pentapartida reconhece a existência de duas outras
espécies tributárias: os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais
(alguns autores referem-se a contribuições parafiscais).
3.4.3.Progressividade
A progressividade das alíquotas em relação à base de cálculo, poderosa
ferramenta para graduação da tributação segundo a capacidade econômica dos
contribuintes, implica alíquotas maiores para bases de cálculo maiores – não é
simples proporcionalidade.
Veja esse exemplo fictício, com duas pessoas (Pedro e Maria) com salários de
R$ 1 mil e R$ 10 mil. Na segunda linha, hipótese de proporcionalidade, com alíquota
única de imposto sobre essas rendas. Na terceira linha, hipótese de progressividade,
com alíquota superior para cálculo do imposto incidente sobre o salário maior:
3.5.Taxas
3.5.1.Definição e tipos
A Constituição Federal prevê taxas pelo exercício do poder de polícia (=
fiscalização) ou pela prestação de determinados serviços públicos.
“Art. 145, II, da CF – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial,
de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”
Há somente esses dois tipos de taxa. Não existe, por exemplo, taxa pelo uso de
bem público.
Interpreta-se dando por constitucional a adoção, no cálculo da taxa, de um ou mais elementos da base
de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e
outra. (Magistratura Federal-4 a Região – 2010)
São as taxas de fiscalização, que deve ser efetiva, ainda que a cobrança seja
periódica (o STJ afastou a Súmula 157, admitindo taxa na renovação de licença).
Gabaritos de concursos públicos
O tributo que tem por fato gerador o exercício regular do poder de polícia, como, por exemplo, a
fiscalização dos serviços notariais e registrais, é denominado taxa. (Cartório/AP – 2011 – VUNESP)
3.5.4.Taxa de serviço
3.5.4.1.Definição e características
A taxa de serviço incide apenas no caso de serviços específicos e divisíveis.
Art. 145, II, da CF – “taxas, (…) pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e
divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;”
A Primeira Seção, ao analisar a prescrição relativa à contraprestação pelos serviços de água e esgoto,
fixou o entendimento de que “é irrelevante a condição autárquica do concessionário do serviço
público. O tratamento isonômico atribuído aos concessionários (pessoas de direito público ou de
direito privado) tem por suporte, em tais casos, a idêntica natureza da exação de que são credores.
Não há razão, portanto, para aplicar ao caso o art. 1° do Decreto 20.910/1932, norma que fixa
prescrição em relação às dívidas das pessoas de direito público, não aos seus créditos”.
EREsp 989.762/RS, STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 09.09.2009.
3.6.Contribuição de melhoria
3.6.1.Definição
Contribuição de melhoria é o tributo cujo fato gerador é a valorização imobiliária
decorrente de obra pública (art. 81 do CTN).
Trata-se de tributo vinculado a determinada atividade estatal, mediatamente
(indiretamente) voltada ao contribuinte (= obra pública que gera valorização
imobiliária).
Gabarito de concurso público
A contribuição de melhoria é instituída para fazer face ao custo de obras públicas do qual decorra
valorização imobiliária. (Magistratura Federal/3 a Região – 2010)
3.6.3.Procedimento
Não se pode esquecer que a contribuição de melhoria, sendo tributo, depende de
lei.
Ademais, é necessária a publicação prévia de edital, com informações detalhadas
a respeito da obra e da valorização esperada em relação aos imóveis, com prazo
mínimo de 30 dias para impugnação pelos interessados (art. 82 do CTN):
“Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:
3.7.Empréstimo compulsório
3.7.1.Hipóteses
Diferentemente dos impostos, taxas e contribuições de melhoria (espécies
tributárias conforme a teoria tripartida), o empréstimo compulsório não é definido
pelo fato gerador, mas sim pelas hipóteses que permitem sua instituição (determinadas
despesas extraordinárias e investimentos públicos).
Art. 148 da CF. “A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua
iminência;
II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto
no art. 150, III, b”.
3.8.Contribuições especiais
As contribuições especiais são caracterizadas por sua finalidade e não pelo fato
gerador (diferentemente, portanto, dos impostos, taxas e contribuições de melhoria).
Alguns autores referem-se a elas como contribuições parafiscais.
É comum serem classificadas como tributos vinculados a atividade estatal, ainda
que indiretamente.
Há as seguintes contribuições especiais, todas definidas por sua finalidade (arts.
149, 149-A e 195 da CF):
a) sociais;
b) intervenção no domínio econômico (CIDE);
c) interesse das categorias profissionais ou econômicas;
d) custeio de regimes próprios dos servidores;
e) custeio do serviço de iluminação pública.
3.8.1.Contribuições sociais
3.8.1.1.Definição e características
Contribuições sociais são tributos da competência da União, cuja finalidade é o
custeio da seguridade social (previdência, saúde e assistência).
Gabarito de concurso público
As contribuições de seguridade social têm natureza jurídica de tributo. (Defensoria/M G – 2009 –
FURMARC)
3.8.2.1.Definição
As CIDEs são tributos da União cujafinalidade é extrafiscal, de intervenção no
mercado.
Temos hoje no Brasil a CIDE sobre combustíveis, a CIDE sobre remessas ao
exterior e as contribuições ao Sistema “S”, por exemplo.
Ver, por exemplo, a tese de repercussão geral 227/STF: “A contribuição
destinada ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae
possui natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico e não necessita
de edição de lei complementar para ser instituída.”
As CIDEs (e as contribuições sociais):
a) não incidem sobre receitas decorrentes de exportação;
b) incidem sobre importações;
c) suas alíquotas podem ser ad valorem (tendo por base o faturamento, a receita bruta
ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro) ou específicas
(tendo por base a unidade de medida adotada).
Gabarito de concurso público
As contribuições de intervenção no domínio econômico poderão ter alíquotas ad valorem, tendo por
base o valor da operação, e, no caso de importação, o valor aduaneiro. (M agistratura/RO – 2011 –
PUCPR)
Jurisprudência
(…) A imunidade prevista no art. 149, § 2°, I, da Constituição, introduzida pela Emenda Constitucional
n. 33/2001, não alcança a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), haja vista a distinção
ontológica entre os conceitos de lucro e receita. 6. Vencida a tese segundo a qual a interpretação
teleológica da mencionada regra de imunidade conduziria à exclusão do lucro decorrente das receitas
de exportação da hipótese de incidência da CSLL, pois o conceito de lucro pressuporia o de receita, e
a finalidade do referido dispositivo constitucional seria a desoneração ampla das exportações, com o
escopo de conferir efetividade ao princípio da garantia do desenvolvimento nacional (art. 3°, I, da
Constituição). 7. A norma de exoneração tributária prevista no art. 149, § 2°, I, da Constituição
também não alcança a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de
Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPM F), pois o referido tributo não se vincula diretamente
à operação de exportação. A exação não incide sobre o resultado imediato da operação, mas sobre
operações financeiras posteriormente realizadas.
RE 474.132/SC, STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 12.08.2010.
3.8.3.1.Definição
São tributos da União, mas cobrados por entidades de classe, que ficam com os
recursos arrecadados para que possam realizar suas atividades (= parafiscalidade).
As contribuições para os conselhos profissionais (CREA, CAU, CRM, CRC etc.)
e a contribuição sindical são exemplos de contribuições de interesse de categorias
profissionais ou econômicas.
Não é o caso da contribuição confederativa, que não tem natureza tributária (não
é compulsória).
3.8.4.1.Definição
São tributos dos entes políticos (União, Estados, DF e Municípios), cuja
finalidade é o custeio dos regimes próprios de previdência dos servidores.
Perceba que, diferentemente da contribuição social, da CIDE e da contribuição de
interesse de categorias, a competência, nesse caso, não é exclusiva da União.
Jurisprudência
A Constituição de 1988 – art. 149, § 1° – define que “os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefícios destes, de
sistemas de previdência e assistência social”. O preceito viola o texto da Constituição de 1988 ao
instituir contribuição compulsória. Apenas os servidores públicos titulares de cargos efetivos podem
estar compulsoriamente filiados aos regimes próprios de previdência. Inconstitucionalidade da
expressão “definidos no art. 79” contida no artigo 85, caput, da LC 64/2002. 2. Os Estados-membros
não podem contemplar de modo obrigatório em relação aos seus servidores, sob pena de mácula à
Constituição do Brasil, como benefícios, serviços de assistência médica, hospitalar, odontológica,
social e farmacêutica. O benefício será custeado mediante o pagamento de contribuição facultativa aos
que se dispuserem a dele fruir.
ADI 3106/MG, STF, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 14.04.2010
A competência dos Estados refere-se apenas aos servidores efetivos. Abrange apenas a previdência
(antes da EC 41/2003, abrangia também a assistência social).
Assim, não pode haver cobrança compulsória para assistência à saúde.
3.8.4.2Características
A instituição da contribuição dos servidores, para custeio dos sistemas próprios
de previdência, é obrigatória para Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ademais, a alíquota cobrada não pode ser inferior à da contribuição a cargo dos
servidores efetivos da União (11%).
3.8.5.1.Definição
Tributo municipal e do DF, cuja finalidade, como o nome indica, é custear a
iluminação pública.
Os municípios sempre tentaram cobrar taxas de iluminação pública, que eram
derrubadas na Justiça, pois o serviço é uti universi.
Atendendo ao pleito das cidades, o constituinte derivado criou essa contribuição
especial, prevista no art. 149-A da CF.
3.8.5.2.Características
Pode ser cobrada na fatura de consumo de energia elétrica (o consumidor pode
ser o contribuinte).
É comum a cobrança por valores fixos, até para não se confundir com o ICMS.
4. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUJEIÇÃO ATIVA
4.1.Definição de competência
Competência tributária refere-se à possibilidade da União, dos Estados, do DF e
dos Municípios (= entes políticos, entes tributantes) instituírem, modificarem e
extinguirem tributos.
Competência tributária é a atribuição dada pela Constituição Federal à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios para instituírem, alterarem e extinguirem tributos por meio de lei
4.2.Disposições constitucionais
A CF não institui tributos, apenas fixa as competências.
Somente os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios) têm competência
tributária. Uma autarquia, por exemplo, pode até ser sujeito ativo (cobrar o tributo),
mas jamais terá competência tributária, pois nunca poderá legislar a respeito do
tributo.
O Distrito Federal acumula as competências estaduais e municipais.
Gabarito de concurso público
Cabe ao Distrito Federal, na competência que é própria de Município, instituir imposto sobre
transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. (Magistratura/DF – 2007)
4.3.Classificação tradicional
Dentre diversas classificações, há uma clássica, bastante exigida em concursos,
que divide as competências em: privativa, comum, residual e extraordinária.
A competência privativa refere-se aos impostos.
A competência comum atine aos tributos que podem ser instituídos e cobrados
por qualquer ente político, caso das taxas e das contribuições de melhoria.
A competência residual é aquela da União, prevista no art. 154, I, da CF. Somente
ela pode instituir outros impostos além daqueles previstos expressamente na
Constituição Federal (Estados, Distrito Federal e Municípios somente podem instituir
os impostos listados taxativamente na CF).
Finalmente, fala-se da competência extraordinária, também da União, para
instituir imposto por simples lei ordinária em caso de guerra externa ou sua iminência
– art. 154, II, da CF.
De acordo com o art. 154, I, da Constituição Federal, poderá a União, por intermédio da chamada
competência residual, instituir impostos, mediante lei complementar, que sejam não cumulativos e não
tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição. (Magistratura
Federal/3 a Região – 2010)
4.4.Características da competência
A doutrina costuma indicar algumas características da competência tributária (não
confunda com a classificação antes estudada, que usa terminologia semelhante).
A competência é
a) privativa: somente o ente competente pode legislar acerca de seus tributos; não há,
em regra, isenções heterônomas – art. 151, III, da CF;
b) indelegável: o ente político não pode delegar a outro a competência legislativa
(pode delegar a sujeição ativa, que veremos mais adiante, mas não a competência
tributária);
c) incaducável e irrenunciável: o decurso de tempo não afasta a competência, nem
pode haver renúncia;
d) inalterável: a legislação não pode alterar os conceitos, institutos e formas
utilizados pela CF para delimitar as competências – art. 110 do CTN;
e) facultativa: o ente político não é obrigado a instituir, efetivamente, todos os
tributos de sua competência (embora possa haver sanções no âmbito do direito
financeiro, por conta da responsabilidade fiscal).
Gabarito de concurso público
A competência tributária é indelegável, inalienável, imprescritível, irrenunciável e inalterável.
(Defensoria/PA – 2009 – FCC)
4.5.Exercício da competência
Em regra, cada ente político exerce sua competência tributária por meio de lei
ordinária.
Alguns tributos federais exigem lei complementar: empréstimo compulsório,
imposto da competência residual, outras contribuições sociais (não previstas
expressamente na CF) e imposto sobre grandes fortunas.
Medida provisória e lei delegada substituem lei ordinária, mas não lei
complementar. Por exemplo, é possível alterar a alíquota do imposto de renda por
medida provisória (substituindo a lei ordinária federal), mas não sua base de cálculo,
pois esta última deve ser regulada por lei complementar federal (art. 146, III, a, da
CF).
4.6.Conflito de competência
Há bitributação quando dois entes políticos pretendem tributar a mesma situação,
o que não é permitido, em princípio. Por exemplo, se a União cobra ITR e o
Município exige IPTU sobre o mesmo imóvel, há indevida bitributação.
H á bis in idem quando o mesmo ente político pretende tributar duas vezes a
mesma situação, o que tampouco se admite. Por exemplo, o Município cobra ITBI no
momento em que o cidadão registra a escritura de compra e venda e, posteriormente,
quando leva ao registro imobiliário.
CF, Art. 24. “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro (…)”.
4.7.Competência concorrente
A competência para instituir, modificar e extinguir tributos (competência
tributária em sentido estrito) é privativa, como visto anteriormente.
O art. 24 da CF refere-se às demais normas da tributação, especialmente aquelas
gerais, ao inseri-las na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito
Federal:
Art. 24 da CF. “§ 1° – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
Art. 146 da CF. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios;
II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(…)”.
Perceba que a União não pode invadir a competência tributária (em sentido
estrito) dos Estados, DF e Municípios, ou seja, não pode instituir, isentar, extinguir
tributos estaduais e municipais. Detém, entretanto, competência para fixar normas
gerais relativas à tributação, por meio de lei complementar (arts. 24, § 1°, e 146 da
CF):
Normas gerais são aquelas que dão uniformidade ao sistema tributário nacional,
regulando a tributação em todas as esferas da Federação. Por exemplo, as regras
atinentes a decadência, prescrição, lançamento, fato gerador, espécies tributárias etc.
4.8.Competência suplementar
A União, portanto, produz as normas gerais em matéria tributária. Aos Estados e
ao Distrito Federal cabe, nos termos do art. 24, § 2°, da CF, suplementar essa
legislação, regulando a tributação conforme as peculiaridades locais, além de exercer
efetivamente a competência tributária:
Art. 24 da CF. (…) “§ 2° – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados”.
É comum, entretanto, que a União não exerça plenamente sua competência para
legislar nacionalmente, ou seja, para produzir normas gerais em matéria tributária.
Por exemplo, perceba que compete à União, por meio de lei complementar,
determinar as bases de cálculo, os fatos geradores e os contribuintes em relação aos
impostos previstos na Constituição (art. 146, III, a, da CF). Ocorre que jamais foram
produzidas tais normas gerais em relação ao IPVA estadual.
Nesse caso de omissão do Congresso Nacional em determinar o fato gerador, a
base de cálculo e os contribuintes do IPVA, será que os Estados e o Distrito Federal
simplesmente ficam impossibilitados de instituir e cobrar seu imposto sobre a
propriedade de veículos automotores?
A resposta é negativa. Na omissão da União, cada Estado e o Distrito Federal
legislarão amplamente sobre o IPVA (= exercício da competência legislativa plena
para atender a suas peculiaridades), inclusive adentrando o campo legislativo das leis
complementares (definindo o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes do
imposto), conforme o art. 24, § 3°, da CF:
Art. 24 da CF. (…) “§ 3° – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”.
Jurisprudência
IPVA. Estado de Minas Gerais. Legalidade da cobrança, independentemente de existência de pretérita
lei complementar. Precedentes desta Corte. Agravo improvido. 1. A exação em tela se mostra
perfeitamente legal, prescindindo da edição de lei complementar, bastando, para tanto, a lei estadual,
ainda que editada anteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988. (…)
RE 262.643 AgR/MG, STF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 06.04.2010
– II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, imposto sobre grandes fortunas (art. 153 da CF)
– imposto extraordinário, imposto da competência residual (art. 154 da CF)
União – empréstimo compulsório (art. 148 da CF)
– contribuições especiais (sociais, CIDE, categorias profissionais ou
econômicas – arts. 149 e 195 da CF)
Estados e DF – ITCMD, ICMS e IPVA (art. 155 da CF)
– ITBI, IPTU, ISS (art. 156 da CF)
Municípios e DF – Contribuição para custeio dos serviços de iluminação pública (art. 149-A
da CF)
– taxas, contribuições de melhoria (art. 145, II e III, da CF)
Todos os entes – contribuição dos servidores para custeio do regime previdenciário próprio
(art. 149, § 1°, da CF)
4.10.Sujeição ativa
4.10.1.Definição e características
Sujeito ativo é o credor da obrigação tributária, quem ocupa o polo ativo da
relação obrigacional tributária. Refere-se à capacidade tributária ativa, à aptidão para
cobrar o crédito tributário.
Em regra, sujeito ativo é o próprio ente competente (União, Estado, DF ou
Município), mas o legislador pode indicar outra pessoa (normalmente autarquia) para
cobrar o tributo (= delegação da capacidade ativa).
Não há solidariedade ativa, ou seja, não há dois sujeitos ativos tributários em
relação ao mesmo tributo.
4.10.2.Desmembramento
Se houver desmembramento de Estado ou de Município, o novo ente político
criado sub-roga-se dos direitos do ente originário, aplicando sua legislação. Ou seja,
o novo Estado ou Município irá cobrar os tributos relativos aos fatos geradores
ocorridos em seu território, à luz da legislação do ente político originário, até que
produza sua própria legislação:
CTN, Art. 120. “Salvo disposição de lei em contrário, a pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo
desmembramento territorial de outra, sub-roga-se nos direitos desta, cuja legislação tributária aplicará até que
entre em vigor a sua própria”.
4.11.Delegação
O ente competente pode delegar a sujeição ativa por meio de lei:
CTN, Art. 7° “A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar
tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma
pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3° do artigo 18 da Constituição.
§ 1° A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de
direito público que a conferir.
§ 2° A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público
que a tenha conferido.
§ 3° Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da
função de arrecadar tributos”.
4.12.Parafiscalidade
H á parafiscalidade quando o sujeito ativo delegado fica com os recursos
arrecadados para realizar suas atividades essenciais.
É o caso dos conselhos profissionais, já citados (CREA, CAU, CRF, CRC etc.),
que cobram tributo federal (contribuição de interesse de categoria) e ficam com os
valores (não os repassam à União).
Repetimos que a competência tributária em relação a essas contribuições é da
União, nos termos do art. 149 da CF, ou seja, somente ela pode legislar acerca desses
tributos (a competência é indelegável). Mas quem ocupa o polo ativo da obrigação
(quem exige o tributo) é o Conselho profissional, que fica com o valor arrecadado.
Interessante anotar que a OAB é considerada serviço público independente e não
autarquia especial (como CRM, CREA etc.) – ADI 3.026/DF-STF. Seus créditos (da
OAB) têm natureza cível, não tributária – REsp 1.066.288/PR-STJ.
5. IMUNIDADES
5.1.Definição
Vimos que a Constituição fixa as competências tributárias dos entes políticos de
modo positivo, ou seja, indica quais tributos poderão ser exigidos pela União, pelos
Estados, pelo DF e pelos Municípios.
Ademais, a Constituição também delimita negativamente a competência tributária,
afastando a possibilidade de os entes políticos instituírem e exigirem tributos em
relação a determinadas pessoas ou situações.
Essa delimitação negativa da competência é o que se denomina imunidade.
5.2.Disposições constitucionais
Sempre que a CF afastar a competência, há imunidade, independentemente do
termo utilizado (isenção – arts. 184, § 5°, e 195, § 7° – ou não incidência – art. 156,
§ 2°, I).
Gabarito de concurso público
O art. 155, § 2°, inciso X, letra “d”, da CF, enuncia que o ICM S “não incidirá” sobre prestação de
serviços de comunicação nas modalidades de radiodifusão e transmissão de imagens. O dispositivo
consagra imunidade tributária. (Magistratura/PE – 2011 – FCC)
Jurisprudência
I – A imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente diretamente
sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio ente beneficiado, ou seja, na qualidade de contribuinte
de direito. II – O Município é contribuinte de fato do ICM S relativo aos bens e serviços, portanto, não
faz jus a imunidade em questão. AI 805.295 AgR/M G, STF, Rel. M in. Ricardo Lewandowski, j.
02.12.2010.
Por outro lado, caso este mesmo ente imune importe o veículo, não haverá
incidência do ICMS. Isso porque, na importação, contribuinte do imposto estadual é o
importador (é ele o contribuinte “de direito”). Veja que, se houvesse a cobrança, o
ente imune ocuparia a condição de contribuinte do imposto, o que atingiria
diretamente o seu patrimônio e é inconstitucional:
Jurisprudência
Na tributação das operações de importação, o contribuinte por excelência do tributo é o importador
(que tende a ser o adquirente da mercadoria) e não o vendedor. Há confusão entre as figuras do
contribuinte de direito e do contribuinte de fato. 2. Assim, não faz sentido argumentar que a imunidade
tributária não se aplica à entidade beneficente de assistência social nas operações de importação, em
razão de a regra constitucional não se prestar à proteção de terceiros que arquem com o ônus da
tributação.
AI 476.664 AgR/RS, STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 06.04.2010.
5.7.Imunidade recíproca
5.7.1.Previsão constitucional
A imunidade recíproca é prevista no art. 150, VI, a, da CF:
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(…)”.
5.8.1.Previsão constitucional
A imunidade dos templos é prevista no art. 150, VI, b, da CF:
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
b) templos de qualquer culto;
(…)”.
Jurisprudência
Súmula 730/STF. A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo
art. 150, VI, c, da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não
houver contribuição dos beneficiários.
5.10.1.Previsão constitucional
A imunidade dos livros, jornais e periódicos é prevista no art. 150, VI, d, da CF:
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI – instituir impostos sobre:
(…)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
(…)”.
5.12.Outras imunidades
Além das imunidades previstas no art. 150, VI, a Constituição Federal prevê
também outras:
a) Contribuição social e CIDE sobre receitas decorrentes de exportação – art. 149, §
2°, I, da CF;
b) Contribuição social de entidades beneficentes de assistência social – art. 195, § 7°,
da CF;
c) Contribuição social sobre aposentadoria e pensão concedida pelo regime geral de
previdência social (RGPS-INSS) – art. 195, II, in fine, da CF;
d) IPI e ICMS sobre exportação – arts. 153, § 3°, III, e 155, § 2°, X, a, da CF;
e) ITR sobre pequenas glebas – art. 153, § 4°, II, da CF;
f) ITBI sobre alterações societárias – art. 156, § 2°, I, da CF.
Gabarito de concurso público
Considere-se que Joaquina tenha 80 anos de idade e seja aposentada pelo RGPS. Nessa situação, não
há incidência de contribuição previdenciária sobre a aposentadoria percebida por Joaquina, em razão
de imunidade tributária específica. (Procuradoria Federal – 2007 – CESPE)
6. PRINCÍPIOS
6.2.Princípio da legalidade
6.2.1.Disposição constitucional
O princípio da legalidade tributária é expressamente previsto no art. 150, I, da
CF.
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(…)”.
Enfim, importante conhecer todos esses posicionamentos, mas é difícil falar hoje
em entendimento jurisprudencial pacífico a respeito da matéria.
Parece-nos possível, entretanto, afirmar que há necessidade de lei, mas que pode
ser genérica, sendo a obrigação acessória detalhada por norma infralegal (a
prevalecer o posicionamento do STJ no REsp 838.143/PR, que nos parece adequado).
6.3.Princípio da isonomia
6.3.1.Disposição constitucional
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (…)”.
6.4.Princípio da irretroatividade
6.4.1.Disposição constitucional
A irretroatividade tributária, que decorre também de um princípio geral do
direito brasileiro (irretroatividade das normas jurídicas), é prevista no art. 150, III, a,
da CF:
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou
aumentado;
(…)”.
Perceba, nesse exemplo, que o contribuinte não pagou o tributo na época correta
(em 2008), quando a alíquota aplicável era de 10% e a multa pelo atraso, de 20%.
Posteriormente, houve redução desses percentuais, mas apenas a multa é
minorada em favor do infrator. A alíquota do tributo será sempre aquela vigente à
época do fato gerador.
6.5.Princípio da anterioridade
6.5.1.Disposição constitucional
O princípio da anterioridade é regra peculiar do Direito Tributário, que protege o
contribuinte contra a exigibilidade imediata de tributo instituído ou majorado (não
surpresa).
Se houver instituição ou aumento, ele será exigível apenas após determinado
período (90 dias ou 1° exercício seguinte ao da publicação da lei, o que ocorrer
depois):
CF, Art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)
III – cobrar tributos: (…)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou,
observado o disposto na alínea b; (…)”.
6.5.2.Aspectos
A eficácia da norma que institui ou majora tributo se dá somente após 90 dias da
publicação (anterioridade nonagesimal) ou em 1° de janeiro do ano seguinte
(anterioridade anual), o que ocorrer depois.
Por exemplo, se o ICMS é majorado em abril deste ano, o aumento somente é
exigível a partir de 1° de janeiro do ano seguinte (anterioridade anual). Entretanto, se
o ICMS é aumentado em novembro deste ano, somente em fevereiro do ano seguinte é
que se poderá cobrar o valor a maior (anterioridade nonagesimal). Vale sempre a data
posterior.
A anterioridade refere-se somente aos casos de instituição ou majoração, não aos
de redução ou extinção. É proteção ao contribuinte, de modo que norma mais benéfica
pode ter eficácia imediata.
Como exemplo, se o ISS é reduzido em fevereiro desse ano, o benefício vale
imediatamente (não há anterioridade).
Apesar da expressão “cobrar tributos”, entende-se que se refere aos fatos
geradores, ou seja, a nova norma (que aumente ou institua tributo) aplica-se a fatos
geradores ocorridos após o período da anterioridade.
Trata-se de cláusula pétrea (direito e garantia individual), segundo o STF, não
podendo ter seu alcance reduzido pelo constituinte derivado.
Jurisprudência
1. O poder constituinte derivado não é ilimitado, visto que se submete ao processo consignado no art.
60, §§ 2° e 3°, da Constituição Federal, bem assim aos limites materiais, circunstanciais e temporais dos
§§ 1°, 4° e 5° do aludido artigo. 2. A anterioridade da norma tributária, quando essa é gravosa,
representa uma das garantias fundamentais do contribuinte, traduzindo uma limitação ao poder
impositivo do Estado.
RE 587.008/SP, STF, rel. M in. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j.02.02.2011, Repercussão Geral –
Mérito
O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a alteração do prazo para
recolhimento das contribuições sociais, por não gerar criação ou majoração de tributo, não ofende o
Princípio da Anterioridade Tributária [artigo 195, § 6°, CB/1988].
RE 295.992 AgR/SC, STF, rel. Min. Eros Grau, j. 10.06.2008
Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da
anterioridade. (Procurador do Município/Florianópolis-SC – 2010 – FEPESE)
O ICM S poderá ser aumentado no mesmo exercício financeiro em que foi publicada a lei que o instituiu
ou aumentou, quando se tratar de combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma
única vez. (Magistratura/RO – 2011 – PUCPR)
A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua consequência jurídica, a multa, evidencia
o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao
mencionado dispositivo do texto constitucional federal.
ADI 551/RJ, STF, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 24.10.2002
7. LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
7.1.Definição
O art. 96 do CTN define legislação tributária:
CTN, art. 96. “A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções
internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e
relações jurídicas a eles pertinentes”.
É expressão que corresponde àquilo que a doutrina costuma denominar fontes,
fontes formais, veículos normativos, instrumentos normativos, instrumentos
introdutórios de normas etc.
7.7.Medida Provisória
A Medida Provisória, produzida pelo Executivo, substitui a lei ordinária (jamais
a lei complementar).
Não pode tratar de matéria processual tributária.
No caso da instituição e majoração de impostos (exceto II, IE, IPI, IOF e imposto
extraordinário), produzirá efeitos apenas no exercício seguinte, se for convertida em
lei até o final do ano de sua edição (art. 62, § 2°, da CF).
Gabarito de concurso público
A M P que aumentar alíquota de imposto de renda e proventos de qualquer natureza só produzirá
efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em
que foi editada. (Magistratura/RS – 2009)
7.8.Lei delegada
O Congresso Nacional pode atender à solicitação do Presidente e, por meio de
resolução, delegar poder para produzir lei, nos termos do art. 68 da CF.
Se a delegação determinar a apreciação do projeto pelo Congresso, será em
votação única, sem emenda.
Não pode veicular matéria reservada à lei complementar.
7.10.Tratados internacionais
Os tratados ou convenções internacionais são celebrados pelo Presidente da
República (art. 84, VIII, da CF), muitas vezes por meio do plenipotenciário (seu
representante no âmbito internacional).
Posteriormente, submete-se ao referendo do Congresso Nacional (art. 49, I, da
CF), que pode aprová-lo por meio de decreto legislativo.
A seguir, o Presidente ratifica o tratado, manifestando, aos demais países, seu
consentimento.
Finalmente, o Presidente promulga o tratado por decreto, cuja publicação insere-
o no sistema jurídico nacional.
1° O Presidente da República celebra o tratado, muitas vezes por meio de plenipotenciário – art. 84, VIII, da
CF
2° O Congresso Nacional referenda o tratado, aprovando-o por decreto legislativo – art. 49, I, da CF
3° O Presidente ratifica o tratado, manifestando o consentimento aos demais países
4° O Presidente promulga o tratado, por decreto, cuja publicação insere-o no sistema jurídico interno
Nesse sentido, a FGV afirmou, em gabarito oficial, “que o STF entende que a
concessão de isenção na via do tratado não se sujeita à vedação à concessão de
isenção heterônoma, pois o âmbito de aplicação do art. 151, III, da CRFB é o das
relações das entidades federadas entre si, não alcançando a União quando esta se
apresenta na ordem externa” (XI Exame da OAB Unificado).
7.11.Decretos
Os decretos são produzidos pelo chefe do Executivo (Presidente, Governadores e
Prefeitos), normalmente referendados por Ministros ou secretários.
Regulamentam as leis e não podem ultrapassar seus limites (não há, em princípio,
decretos autônomos em matéria tributária).
Servem também para consolidar a legislação (o CTN prevê consolidação anual –
art. 212).
Excepcionalmente podem ser utilizadas para alteração de alíquotas de tributos
federais (II, IE, IPI, IOF, CIDE sobre combustíveis), embora a União, em regra, utilize
outros instrumentos normativos (portaria ministerial, por exemplo).
Não são normas complementares, como definidas pelo CTN. As normas
complementares, que veremos a seguir, estão abaixo dos decretos.
7.12.Normas complementares
Segundo o art. 100 do CTN, são normas complementares:
a) atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
b) decisões administrativas com eficácia normativa;
c) práticas reiteradas das autoridades administrativas;
d) convênios entre União, Estados, DF e Municípios.
Gabarito de concurso público
Se o secretário de Fazenda do estado do Amazonas profere uma decisão com eficácia normativa, é
correto afirmar que tal decisão somente tem efeitos jurisdicionais se assim previr a lei. (Ministério
Público/AM – 2008 – CESPE)
O parágrafo único do art. 100 do CTN traz norma importantíssima, muito exigida
em concursos:
CTN, Art. 100. “Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de
penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.
Perceba que a norma complementar, por não ser lei, não pode reduzir ou afastar
tributos. Assim, caso o Executivo produza uma norma complementar nesse sentido,
ela não será válida.
Entretanto, se o contribuinte cumpre a norma complementar posteriormente
reconhecida como irregular e paga menos tributo do que era devido, deverá recolher a
diferença, mas não poderá ser punido por isso (o erro foi do Executivo!). Nesse caso,
o contribuinte deverá pagar o tributo que não recolheu, mas não serão cobrados
multas ou juros de mora, conforme o art. 100, parágrafo único, do CTN.
Gabarito de concurso público
A observância das práticas reiteradas das autoridades administrativas livra o contribuinte da
imposição de penalidades, da cobrança de juros de mora e da atualização do valor monetário da base
de cálculo do tributo. (Magistratura/RO – 2011 – PUCPR)
8.1.Vigência
8.1.1.Distinção entre validade, vigência e eficácia
A doutrina nem sempre é harmônica na definição dos conceitos de validade,
vigência e eficácia. Apresentamos entendimento que se alinha com as normas do CTN
e da CF em matéria tributária.
Validade é a pertinência da norma ao sistema jurídico. Norma válida é a
produzida pelo órgão competente, observadas as regras aplicáveis.
Vigência é a delimitação temporal e espacial da validade da norma.
Eficácia refere-se à possibilidade de a norma produzir efeitos concretos.
8.1.3.Vigência no espaço
Em conformidade com o princípio da territorialidade, as normas têm vigência
nos limites do território do ente tributante (País, Estado, DF ou Município).
Uma norma da União aplica-se em todo o território nacional. Uma norma do
Estado vige em seu respectivo território. O mesmo vale para o DF e para cada
Município.
No âmbito federal, o IR aplica-se a fatos ocorridos no exterior, desde que haja
elemento de conexão com o Brasil. São comuns tratados contra bitributação.
No âmbito dos Estados, DF e Municípios, é possível a extraterritorialidade
conforme convênios ou normas gerais – art. 102 do CTN.
Jurisprudência
Não há violação do princípio da territorialidade quando o município competente para cobrança de ISS
exige obrigação acessória de cadastramento das empresas contribuintes quando estas possuem sede em
outro município, mas prestam serviços no município arrecadador.
AgRg no REsp 1.140.354/SP, STJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 11.05.2010
8.1.4.Vigência no tempo
A vigência no tempo é regulada pelas normas gerais do direito brasileiro – regra
de 45 dias para vacatio legis (art. 1° da LINDB).
Atualmente, as leis devem indicar quando entram em vigor (art. 8° da LC
95/1998), sendo comum a expressão “essa lei entra em vigor na data de sua
publicação”.
O tratado internacional entra em vigor no âmbito interno com a vigência do
decreto presidencial que o promulga; no âmbito externo, o tratado entra em vigor
conforme acordado ou a partir da manifestação de consentimento dos Estados.
Gabarito de concurso público
No ordenamento jurídico interno brasileiro, tratado internacional acerca de matéria tributária passa a
vigorar na data de início da vigência do decreto que o promulgar. (M inistério Público/ES – 2010 –
CESPE)
Jurisprudência
Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar
o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente.
RE 204.062/ES, STF, Rel. Min. Carlos Veloso, j. 27.09.1996
A redução ou a extinção de desconto para pagamento de tributo sob determinadas condições previstas
em lei, como o pagamento antecipado em parcela única, não pode ser equiparada à majoração do
tributo em questão, no caso, o IPVA. Não incidência do princípio da anterioridade tributária.
ADI 4.016/PR-MC, STF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.08.2008
Súmula 615 do STF. O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à
revogação de isenção do ICM.
Obs.: embora a súmula utilize o termo anualidade, trata-se do princípio da anterioridade anual, que era previsto
no art. 153, § 29, da CF/1967 conforme a EC 1/1969
Interessante anotar, entretanto, que, para boa parte da doutrina mais moderna, a
isenção afasta a incidência tributária, ou seja, não há fato gerador, nem obrigação
tributária.
Nessa linha de raciocínio, a revogação da isenção sempre corresponde à
instituição ou majoração do tributo, de modo que se submete à anterioridade.
Perceba, portanto, que há duas linhas interpretativas a respeito da revogação da
isenção e da vigência da tributação correspondente, muito embora, como visto, a
jurisprudência se incline para a primeira delas.
8.2Aplicação
8.2.1.Definição
Aplicação refere-se ao ato de vontade pelo qual determinados agentes, em face
de uma situação concreta, decidem qual a norma incidente.
8.3.Interpretação
8.3.1.Definição
Interpretar é construir o conteúdo, o sentido e o alcance das normas jurídicas a
partir da leitura dos textos legais.
Por outra linha doutrinária, interpretar é o esforço para extrair do texto legal o
significado depositado pelo legislador.
A interpretação é pressuposto para a aplicação da legislação.
8.3.2.Métodos interpretativos
Aplicam-se ao Direito Tributário os métodos interpretativos da teoria geral do
direito:
a) gramatical ou literal;
b) lógico-sistemático;
c) teleológico ou conforme a finalidade;
d) histórico.
Há, entretanto, regras específicas no CTN, que veremos mais adiante (arts. 109 a
112).
8.4Integração
Em caso de ausência de disposição expressa (lacuna), a autoridade competente
para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na ordem indicada (art.
108 do CTN):
1° – analogia
2° – princípios gerais de direito tributário
3° – princípios gerais de direito público
4° – equidade
8.4.1.Analogia
Em caso de lacuna, o intérprete busca situação fática semelhante, verifica a norma
aplicável a ela e, em seguida, adota-a para o caso analisado (= analogia).
No diagrama acima, não há lei específica regulando a situação “A” (há lacuna),
mas há uma situação semelhante (a situação “B”). Nesse caso, a lei aplicável à
situação “B” é aplicada por analogia à situação “A”.
Parte-se da premissa de que, se o legislador tivesse pensado no caso em análise,
teria fixado a mesma norma aplicável para a situação semelhante.
O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto
em lei.
Gabarito de concurso público
O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
(Magistratura/PA – 2008 – FGV)
Jurisprudência
O princípio da estrita legalidade tributária não permite dar à regra de responsabilidade tributária
alcance nela não compreendido inicialmente, nem mesmo por analogia (art. 108, § 1°, do CTN).
REsp 866.152/SC, STJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 05/08/2010
8.4.4.Equidade
Equidade é a justiça aplicada ao caso concreto.
Embora a aplicação da lei seja inafastável (dura lex sede lex – a lei é dura, mas é
a lei), é preciso reconhecer que sua aplicação cega pode implicar injustiça para todos
(summum jus summa injuria – quanto maior o direito, maior pode ser a injustiça).
O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo
devido.
Jurisprudência
No caso dos autos, tendo o acórdão recorrido assentado que os ora agravantes praticam operação de
mera comercialização de produtos no varejo, o que não gera a incidência do tributo em questão, deve
ser rejeitada a equiparação pretendida, pois, em atenção às regras de hermenêutica insertas nos art.
108, § 2°, e 111 do CTN, a equidade não pode ser aplicada para dispensar o pagamento de tributo
devido nem é possível ampliação jurisprudencial da norma que concede renúncia fiscal.
AgRg no REsp 786.079/SC, STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03.12.2009
Já vimos que os benefícios fiscais devem ser veiculados por lei específica, que
trate apenas do benefício ou do tributo a que se referem, conforme o art. 150, § 6°, da
CF:
CF, art. 150, § 6° “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido,
anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei
específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.°, XII,g” [benefícios de
ICMS dependem de convênios interestaduais].
Jurisprudência
Ademais, a criação e extensão de benefício fiscal exige lei específica (art. 150, § 6° da Constituição
Federal) e há vedação expressa à interpretação extensiva (art. 111 do CTN).
AgRg no REsp 1.226.371/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j.03.05.2011
9.1.Obrigação tributária
A obrigação tributária refere-se à relação entre o sujeito passivo e o sujeito
ativo, que surge com o fato gerador, e à prestação correspondente.
Veja uma representação gráfica da obrigação tributária, surgida com o fato
gerador, e a constituição do crédito tributário pelo lançamento (o lançamento se refere
à obrigação principal, como veremos mais adiante).
9.1.1.1.Obrigação principal
CTN, Art. 113, § 1° “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o
pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”.
9.1.1.2.Obrigação acessória
CTN, Art. 113, § 2° “A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações,
positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.
9.2.Fato gerador
10.1.Definição do CTN
O lançamento tributário, pelo qual se constitui o crédito, é definido pelo art. 142
do CTN:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo
lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.”
Se uma nova lei for publicada após a ocorrência do fato gerador de imposto não lançado por período
certo de tempo, ampliando os poderes de investigação das autoridades administrativas, o lançamento
será regido pela lei em vigor na data da feitura do lançamento. (M inistério Público/ES – 2010 –
CESPE)
Jurisprudência
O princípio da imutabilidade do lançamento tributário, insculpido no artigo 145 do CTN, prenuncia
que o poder-dever de autotutela da Administração Tributária, consubstanciado na possibilidade de
revisão do ato administrativo constitutivo do crédito tributário, somente pode ser exercido nas hipóteses
elencadas no artigo 149 do Codex Tributário, e desde que não ultimada a extinção do crédito pelo
decurso do prazo decadencial quinquenal, em homenagem ao princípio da proteção à confiança do
contribuinte (encartado no artigo 146) e no respeito ao ato jurídico perfeito.
REsp 1.115.501/SP, STJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 10.11.2010 – repetitivo
Jurisprudência
Súmula 227 do TFR. A mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão de
lançamento.
Erro de fato (permite a – a autoridade lançadora engana-se quanto à matéria tributável, pois pensou
revisão) que o motor era elétrico, mas é a diesel, com alíquota aplicável maior. Nesse
caso, pode e deve revisar o lançamento
Erro de direito (não – a autoridade lançadora interpreta erroneamente a legislação aplicável, pois
permite a revisão) sabia que o motor era a diesel, mas entendeu que se aplicava, por analogia,
benefício fiscal dado ao motor elétrico. Há erro de direito, que não admite a
revisão do lançamento
10.10.Modalidades de lançamento
Há somente três modalidades de lançamento: por declaração (ou misto), de ofício
(ou direto) e por homologação (ou autolançamento):
Lançamento por declaração – o sujeito passivo declara e o Fisco calcula o crédito e notifica para o
(ou misto) pagamento
Lançamento de ofício (ou – o Fisco faz tudo, calcula e notifica o sujeito passivo para o pagamento –
direto) ex.: IPVA, IPTU
Lançamento por
– o contribuinte faz tudo, calcula e recolhe o tributo (o Fisco só homologa) –
homologação (ou
ex.: ICMS, IPI, ISS, contribuições
autolançamento)
10.12.1.Definição
Lançamento de ofício é a modalidade em que o Fisco lança diretamente,
verificando a ocorrência do fato gerador, determinando a matéria tributável,
calculando o montante do tributo, identificando o sujeito passivo e aplicando a
penalidade (art. 149 do CTN).
Não há, nesse caso, participação direta do sujeito passivo.
O Fisco utiliza dados de cadastros, muitas vezes alimentados por declarações dos
contribuintes, mas isso não pode levar o estudante a confundir o lançamento de ofício
com o lançamento por declaração.
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da
atividade a que se refere o artigo seguinte [lançamento por homologação];
(…)”.
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
VI – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
(…)”.
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o
efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
(…)”.
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
(…)
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda
Pública.”
Obs.: esse repetitivo trata de decadência, mas deixa claro que não há homologação tácita quando:
– não ocorre o pagamento
– o pagamento ocorre com dolo, fraude ou simulação.
Ademais, para que haja lançamento de ofício subsidiário, não pode ter havido declaração prévia de débito (já
que essa declaração do sujeito passivo tem o efeito de constituir o crédito, sendo desnecessário lançamento
pelo fisco – Súmula 436 do STJ)
11.1.Definição
A sujeição passiva refere-se à ocupação do polo passivo da obrigação tributária,
à condição de devedor da prestação correspondente.
11.2.Legalidade
O sujeito passivo deve ser indicado pela lei.
No caso dos impostos previstos na CF, o contribuinte (uma das duas espécies de
sujeito passivo tributário) deve estar definido em lei complementar federal (art. 146,
III, a, da CF).
De fato, se o sujeito passivo é indicado pela lei, não haveria como um acordo
privado alterá-lo perante o Fisco.
Gabaritos de concursos públicos
Um estado, ao firmar contrato com uma empresa privada, desobrigando-a de recolher tributo devido
pela sua atividade, passou a ser responsável pelo seu pagamento. Caso não haja disposição de lei em
contrário, nenhuma convenção ou contrato tem validade para alterar o sujeito passivo de obrigação
tributária perante a fazenda pública. (Procurador do Estado/PI – 2008 – CESPE)
11.5.1.Contribuinte: exemplos
Lembre-se que contribuinte é o agente, o titular ou o beneficiário da situação que
configura o fato gerador, tendo com ela uma relação pessoal e direta.
Veja, nos seguintes exemplos, como é fácil identificá-lo, a partir dos fatos
geradores:
✓ IR: o fato gerador do imposto de renda é auferir renda, logo, contribuinte é
quem aufere a renda (agente);
✓ ICMS: o principal fato gerador corresponde à circulação de mercadoria, de
modo que contribuinte é quem promove essa circulação (agente);
✓ ISS: o fato gerador é a prestação de determinados serviços, razão pela qual
contribuinte é quem presta o serviço (agente);
✓ ITR, IPVA, IPTU: o fato gerador desses impostos é a propriedade (de imóveis
ou automóveis), de modo que o contribuinte só poderia ser o respectivo proprietário
(titular);
✓ Taxas: o fato gerador é o exercício do poder de polícia ou a prestação de
determinados serviços, logo, contribuintes são, respectivamente, o fiscalizado e o
usuário do serviço (beneficiários);
✓ Contribuição de melhoria: o fato gerador é a valorização imobiliária
decorrente de obra pública, razão pela qual contribuinte é quem percebe o aumento
patrimonial decorrente da obra (beneficiário).
11.6.Solidariedade
11.6.1.Definição
Há solidariedade no Direito Tributário quando duas ou mais pessoas ocupam o
polo passivo da obrigação tributária.
Não há benefício de ordem perante o Fisco (eventual direito de regresso é
regulado pelo direito privado), ou seja, a administração tributária pode cobrar a
totalidade do crédito de qualquer um dos sujeitos passivos solidários.
Há duas grandes distinções em relação à solidariedade do Código Civil: no
Direito Tributário, a solidariedade é somente passiva e jamais decorre da vontade
das partes.
11.6.3.Solidariedade: efeitos
O art. 125 do CTN traz os efeitos da solidariedade tributária:
“Art. 125. Salvo disposição de lei em contrário, são os seguintes os efeitos da solidariedade:
I – o pagamento efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais;
II – a isenção ou remissão de crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles,
subsistindo, nesse caso, a solidariedade quanto aos demais pelo saldo;
III – a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais.”
11.7.Capacidade tributária
11.7.1.Definição
Capacidade tributária é expressão utilizada em dois sentidos:
a) aptidão para ocupar o polo passivo da obrigação tributária, ou seja, para ser
sujeito passivo;
b) aptidão para realizar o fato gerador do tributo.
11.8.Domicílio tributário
11.8.1.Definição
Domicílio tributário é o local em que o sujeito passivo deve ser encontrado; onde
as notificações serão entregues; onde, em princípio, o tributo será recolhido (art. 159
do CTN); onde a execução será proposta.
CTN, Art. 127. “Nafalta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da
legislação aplicável, considera-se como tal:
I – quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro
habitual de sua atividade;
II – quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação
aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;
III – quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade
tributante.
(…)”.
11.9.Responsável tributário
11.9.1.Definição
O responsável (sujeito passivo indireto) é definido por exclusão: é aquele a
quem a lei impõe a obrigação tributária, sem se revestir da condição de contribuinte.
Não sendo contribuinte, não tem relação pessoal e direta com o fato gerador, mas
deve ter algum vínculo com ele.
Significa que o legislador não pode escolher qualquer pessoa para ser
responsável, pois ela tem que ter alguma relação, ainda que indireta, com o fato
gerador.
Responsável tributário é expressão utilizada somente para a obrigação principal.
11.9.3.Espécies de responsabilidade
Dentre diversas classificações doutrinárias, é bastante adotada aquela que indica
haver responsabilidade por transferência e por substituição:
✓ Transferência: a obrigação tributária surge em relação ao contribuinte, mas,
por conta de evento posterior ao fato gerador, outra pessoa passa a ocupar o polo
passivo (basicamente, os casos previstos no CTN são de transferência);
✓ Substituição: quando a obrigação já surge em relação ao responsável, pois a
lei exclui a figura do contribuinte (caso da substituição “para frente” e da retenção na
fonte).
Gabarito de concurso público
A extinta CPM F é exemplo de responsabilidade tributária por substituição, visto que, embora o fato
gerador do tributo fosse a movimentação bancária e o contribuinte era o correntista que movimentava
os próprios recursos financeiros, a lei determinava às instituições financeiras o dever de recolher o
tributo. (Procurador do Estado/PB – 2008 – CESPE)
A fábrica (substituta) recolhe não apenas o imposto devido pela venda dos carros para as concessionárias
(substituídas), mas também antecipa aquele devido sobre as vendas posteriores para os consumidores
Perceba que, nos termos do art. 150, § 7°, da CF, se o fato gerador futuro não
ocorrer (por exemplo, se o veículo é roubado na concessionária, antes da venda para
o consumidor final), o valor antecipadamente recolhido pela fábrica deve ser
devolvido pelo Fisco.
O STF entedia que a substituição tributária para a frente gerava presunção
absoluta, de forma que, se ocorrida a operação, independente do valor, não haveria
direito à restituição, assim como não haveria dever de complementação (STF, RE
266.602-5/MG, Pleno, j. 14.09.2006, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 02.02.2007).
Ocorre que em outubro de 2016 o Pleno do STF modificou esse entendimento,
fixando nova tese no RE 593.849/MG em repercussão geral, reconhecendo o direito à
restituição também no caso de o fato gerador ocorrer por valor inferior ao presumido
e que servirá de base de cálculo para o tributo recolhido na sistemática de
substituição tributária “para frente” – ver tese de repercussão geral 201/STF.
11.9.6.Responsabilidade no CTN
O CTN regula basicamente três categorias de responsabilidade:
Dos sucessores (arts. 129 – adquirentes de bens, espólio, herdeiros; sociedades resultantes de fusão,
a 133) incorporação etc.; adquirentes de fundos de comércio
De terceiros (arts. 134 e
135) – pais, tutores, administradores, inventariantes, tabeliães, sócios etc.
– responsabilidade independentemente da intenção do agente, hipóteses de
Por infrações (arts. 136 a
responsabilidade pessoal do agente, exclusão da responsabilidade pelas
138)
multas em caso de denúncia espontânea
Jurisprudência
O adquirente só deixa de ter responsabilidade pelo pagamento dos débitos anteriores que recaiam
sobre o bem, se ocorreu, efetivamente, depósito do preço, que se tornará a garantia dos demais
credores. De molde que o crédito fiscal perquirido pelo fisco é abatido do pagamento, quando da
praça, por isso que, encerrada a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo
ou responsabilidade.
REsp 1.179.056/MG, STJ, Rel. Min. Humberto Martins, j. 07.10.2010
11.9.10.1.Fusão
Na fusão, duas ou mais sociedades se unem formando uma nova. A sociedade
resultante responde por todos os débitos tributários deixados pelas que se uniram.
11.9.10.3.Incorporação
Na incorporação, uma sociedade remanescente absorve outra, que deixa de
existir. A sociedade subsistente responde por todos os débitos deixados pela extinta.
11.9.10.4.Cisão
Com a cisão, a sociedade transfere parcela de seu patrimônio para outra(s).
A transferência do patrimônio pela sociedade cindida pode ser total, hipótese em
que deixa de existir (subsistem apenas as sociedades resultantes da cisão), como no
exemplo abaixo (= cisão total). Outra hipótese é de transferência apenas parcial do
patrimônio, em que a sociedade cindida subsiste (= cisão parcial).
Nesse caso, há grande discussão, pois a Lei das Sociedades Anônimas (posterior
ao CTN) prevê que os atos societários podem dispor sobre os haveres e os deveres
assumidos por cada uma das sociedades resultantes.
O Fisco entende que, em regra, as sociedades subsistentes respondem
solidariamente pelos créditos tributários deixados pela cindida.
Há jurisprudência reconhecendo a solidariedade especificamente entre a
sociedade resultante da cisão e a empresa cindida originária que continue a existir:
Jurisprudência
A empresa resultante de cisão que incorpora parte do patrimônio da outra responde solidariamente
pelos débitos da empresa cindida. Irrelevância da vinculação direta do sucessor do fato gerador da
obrigação.
REsp 970.585/RS, rel. Min. José Delgado, j. 04/03/2008
Obs.: nesse caso, a nova empresa instalou-se no imóvel em que funcionava a devedora e passou a exercer a
mesma atividade, mas não se comprovou a aquisição do estabelecimento empresarial (ônus do fisco)
Obs.: Nesse caso houve análise da responsabilidade dos tabeliães pelo ITCMD, concluindo-se que, apesar de o
art. 134 do CTN fazer referência à solidariedade, a responsabilidade é subsidiária.
Exemplos:
✓ João não recolhe o IR devido por seu filho Pedro. Posteriormente, o Fisco não
consegue cobrar o débito do contribuinte (de Pedro), pois o filho não tem mais
patrimônio: o pai responde pela dívida tributária;
✓ Responsável pelo registro de imóveis não exige a comprovação do
recolhimento do ITBI, conforme a legislação municipal, antes de registrar a
alienação: se não for possível cobrar o contribuinte, o titular do cartório responde
pelo débito.
Gabarito de concurso público
Quando do registro da escritura pública de venda e compra, o Oficial do Registro de Imóveis tem o
dever legal de fiscalizar o recolhimento do imposto incidente sobre a operação. Se o registro acontecer
sem o recolhimento do imposto de transmissão devido, o Oficial responderá solidariamente com o
contribuinte, no caso de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal por este,
pelo tributo devido sobre o ato de transmissão praticado em razão de seu ofício. (Cartório/AP – 2011 –
VUNESP)
Súmula 430 do STJ: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a
responsabilidade solidária do sócio-gerente.
Para que fique claro: simplesmente deixar de pagar o tributo não é considerado
ilegalidade apta a gerar a responsabilidade do administrador da sociedade devedora.
Entretanto, a dissolução irregular da sociedade (sem baixa na junta comercial e nos
registros fiscais, por exemplo) implica descumprimento da legislação que rege a
matéria, levando à responsabilidade tributária do administrador.
Como já dito, essas normas dos arts. 134 e 135 do CTN são consideradas gerais,
a serem observadas pelo legislador ordinário que venha a criar nova modalidade de
responsabilidade de terceiros, conforme o art. 128 do CTN.
Jurisprudência
2. O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade tributária,
como a do art. 135, III, bem como diretrizes para que o legislador de cada ente político estabeleça
outras regras específicas de responsabilidade tributária relativamente aos tributos da sua competência,
conforme seu art. 128. 3. O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas
“as pessoas expressamente designadas por lei”, não autoriza o legislador a criar novos casos de
responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN, tampouco
a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em caráter geral
pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma.
RE 562.276, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 03.11.2010, Repercussão Geral – Mérito
Obs.: no caso analisado, haveria inconstitucionalidade também pela confusão patrimonial entre sociedade e
sócio, em violação ao direito à propriedade e à iniciativa privada (arts. 5°, XXII, e 170, parágrafo único, da CF).
11.9.15.3.Denúncia espontânea
O legislador busca incentivar o recolhimento espontâneo do tributo, ainda que a
destempo, antes de qualquer atividade fiscalizatória.
Como incentivo, afasta a exigência das multas. É o benefício da denúncia
espontânea, previsto no art. 138 do CTN:
CTN, Art. 138. “A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o
caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela
autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento
administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração”.
2 – A entrega extemporânea das referidas declarações é ato puramente formal, sem qualquer vínculo
com o fato gerador do tributo e, como obrigação acessória autônoma, não é alcançada pelo art. 138
do CTN, estando o contribuinte sujeito ao pagamento da multa moratória devida.
AgRg no REsp 884.939/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.02.2009
12.1.Introdução
Após o surgimento da obrigação tributária, o natural seria a constituição do
crédito e seu pagamento.
Entretanto, há casos de exclusão, em que, apesar do surgimento da obrigação
tributária, afasta-se a possibilidade de constituição do crédito.
Além do pagamento, há outras modalidades de extinção.
Finalmente, há hipóteses em que a exigibilidade do crédito fica suspensa (não
pode ser cobrado durante determinado período).
A suspensão e a exclusão do crédito não dispensam o cumprimento das
obrigações acessórias.
12.2.Tabela-resumo
É importante memorizar as modalidades de suspensão, extinção e exclusão do
crédito tributário, previstas no CTN.
– moratória
– depósito integral
– reclamações e recursos administrativos
Suspensão
– liminar em MS
– liminar ou tutela antecipada em outras espécies de ação
– parcelamento
– pagamento
– compensação
– transação
– remissão
– prescrição e decadência
Extinção – conversão de depósito em renda
– pagamento antecipado e homologação do pagamento
– consignação em pagamento
– decisão administrativa irreformável
– decisão judicial transitada em julgado
– dação em pagamento de imóveis
– isenção
Exclusão
– anistia
Repare que moratória é modalidade de suspensão e remissão é modalidade de
extinção.
Ademais, perceba que há apenas duas modalidades de exclusão: isenção e
anistia.
Muitas vezes os examinadores exigem esse conhecimento.
Gabaritos de concursos públicos
De acordo com o Código Tributário Nacional são modalidades de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário: concessão de medida liminar ou tutela antecipada e depósito do montante integral.
(Procurador do Estado/RO – 2011 – FCC)
A suspensão do crédito tributário não ocorre em casos de: consignação em pagamento. (Procurador do
Estado/PB – 2008 – CESPE)Nos termos do Código Tributário Nacional, é modalidade de suspensão
de exigibilidade do crédito tributário a: moratória. (Auditor Fiscal/RJ – 2008 – FGV)
São modalidades de extinção do crédito tributário: prescrição, decadência, transação, conversão do
depósito em renda e consignação em pagamento. (Magistratura Federal/3 a Região – 2010)
Obs.: nesse caso, discutiu-se no STF se havia incompatibilidade com a ADI 2405-MC/RS.
Interessante notar que gabarito oficial da FGV (em exame da OAB-2a fase,
2011.1) adotou o entendimento de que existem somente as modalidades previstas no
CTN (art. 141 do CTN), sendo inviável a criação de outras por lei ordinária.
Embora persista esse debate, não há qualquer dúvida em relação especificamente
à decadência e à prescrição tributárias, que, por força de previsão expressa no art.
146, III, b, da CF, somente podem ser veiculados por lei complementar federal, nos
termos da Súmula Vinculante 8 do STF.
Gabarito de concurso público
O prazo de 10 (dez) anos para a cobrança das contribuições previdenciárias foi julgado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, resultando em súmula vinculante. (M agistratura/PR –
2010 – PUC/PR)
12.3.Instituição de benefícios
O CTN prevê modalidades, mas muitas delas exigem lei de cada ente tributante
(moratória, parcelamento, compensação, transação, remissão, dação de imóveis em
pagamento, isenção e anistia).
Interessante lembrar que o art. 150, § 6°, da CF dispõe que “qualquer subsídio ou
isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido
mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as
matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo
do disposto no art. 155, § 2.°, XII, g”, da Constituição (exigência de convênio
interestadual para concessão de benefícios relativos ao ICMS).
Excepcionalmente, a União pode conceder moratória em relação a tributos de
outros entes e benefícios de ICMS são concedidos por convênio interestadual, como
já dito.
Tratados internacionais (GATT, OMC) em regra apenas garantem o mesmo
tratamento tributário ao similar importado (não concedem benefícios). Ou seja, a
isenção de ICMS para pescados pode ser dada pelos Estados e Distrito Federal, mas
admite-se que o tratado internacional firmado pela União garanta que o peixe
importado goze do mesmo benefício fiscal.
12.5.Suspensão: moratória
12.5.1.Definição de moratória
Moratória é a ampliação do prazo de pagamento, favor legal que adia a
exigibilidade do tributo.
Há entendimento (adotado pelo CESPE em determinados gabaritos, como
veremos mais adiante) de que a moratória é concedida antes do vencimento
(distinção com parcelamento, que seria concedido após o vencimento).
A rigor, moratória concedida após o vencimento tem apenas o efeito de afastar a
exigência de penalidades e juros pelo pagamento posterior.
Por outro lado, se ainda não ocorreu o vencimento, basta norma infralegal para
adiá-lo (não se trata de matéria reservada à lei, conforme entendimento do STF).
Gabarito de concurso público
A moratória deve ser concedida por lei do ente político competente para a instituição de tributo,
significando dilação do prazo para pagamento do crédito. (Procurador do M unicípio/Teresina-PI –
2010 – FCC)
12.5.3.Delimitação da moratória
A moratória pode ser restrita a determinada região, ou a determinada classe ou
categoria de sujeitos passivos (art. 152, parágrafo único, do CTN).
Gabarito de concurso público
No que respeita à moratória, conforme disciplinada no Código Tributário Nacional, é correto afirmar
que a lei que a conceder pode circunscrever expressamente a sua aplicação a determinada classe ou
categoria de sujeitos passivos. (Magistratura/MT – 2009 – VUNESP)
Situação Consequência
– O crédito tributário deve ser pago com juros moratórios e penalidades
O beneficiário agiu com dolo, – O tempo entre a concessão e a revogação do benefício não conta para
fraude ou simulação fins de prescrição do direito à cobrança (não corre prescrição contra o
Fisco)
– O crédito tributário deve ser pago com juros moratórios, mas sem
O beneficiário não agiu com
penalidades
dolo, fraude ou simulação
– A revogação só pode ocorrer antes do término do prazo para cobrança,
(houve simples erro)
que não para de fluir (corre prescrição contra o Fisco)
12.6.Suspensão: parcelamento
12.6.1.Definição
O parcelamento é espécie de moratória em que a exigibilidade do crédito fica
adiada (suspensa até data futura), qualificada pela possibilidade de pagamentos
periódicos (art. 155-A do CTN).
Como já dito, o CESPE apresentou gabaritos no sentido de que a moratória
(mesmo parcelada) é concedida antes do vencimento, enquanto o parcelamento é
posterior ao vencimento.
Gabarito de concurso público
Um contribuinte inadimplente de determinado tributo requereu na secretaria de fazenda o pagamento
integral do débito, incluindo os juros e multas, em parcelas mensais e iguais, o que foi aceito pelo fisco.
O contribuinte requereu o instituto denominado parcelamento, uma vez que o débito já está vencido.
(Ministério Público/RO – 2008 – CESPE)
12.6.2.Características do parcelamento
Aplicam-se ao parcelamento subsidiariamente as regras da moratória (art. 155-A,
§ 2°, do CTN).
Salvo disposição contrária, o parcelamento refere-se apenas aos créditos já
constituídos ou com lançamento iniciado à data da lei ou do despacho concessivo.
Ainda que a lei estenda o benefício, o crédito deve estar constituído para o
efetivo parcelamento (normalmente exige-se confissão pelo contribuinte).
Jurisprudência
Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever
judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos
tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida
pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo,
simulação e fraude).
REsp 1.133.027/SP, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell, j. 13.10.2010 – repetitivo
Súmula 373 do STJ. É ilegítima a exigência de depósito prévio para admissibilidade de recurso
administrativo.
Entretanto, caso o devedor opte por fazer o depósito judicial, não poderá levantá-
lo antes do trânsito em julgado, com mérito favorável a ele. Assim, ainda que o
depósito seja prerrogativa do sujeito passivo que implica suspensão da exigibilidade
do crédito, depois de realizado não pode ser revertido livremente.
Jurisprudência
2. O direito – ou faculdade – atribuído ao contribuinte, de efetuar o depósito judicial do valor do
tributo questionado, não importa o direito e nem a faculdade de, a seu critério, retirar a garantia dada,
notadamente porque, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário, ela operou, contra o réu, os
efeitos próprios de impedi-lo de tomar qualquer providência no sentido de cobrar o tributo ou mesmo
de, por outra forma, garanti-lo.
3. As causas de extinção do processo sem julgamento do mérito são invariavelmente imputáveis ao
autor da ação, nunca ao réu. Admitir que, em tais casos, o autor é que deve levantar o depósito
judicial, significaria dar-lhe o comando sobre o destino da garantia que ofereceu, o que importaria
retirar do depósito a substância fiduciária que lhe é própria.
4. Assim, ressalvadas as óbvias situações em que a extinção do processo decorre da circunstância de
não ser a pessoa de direito público parte na relação de direito material questionada, o depósito
judicial somente poderá ser levantado pelo contribuinte que, no mérito, se consagrar vencedor. Nos
demais casos, extinto o processo sem julgamento de mérito, o depósito de converte em renda.
EREsp 227.835/SP, STJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, j. 09.11.2005
Veja, por esse precedente citado, que o STJ admite apenas uma hipótese em que o
sujeito passivo pode levantar o depósito mesmo sem vencer a demanda no mérito:
quando o juiz entender que o Fisco litigante não é o sujeito ativo tributário (o depósito
não pode, evidentemente, ser convertido em renda em favor de quem não é titular do
crédito).
Gabarito de concurso público
O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro e
somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.
(Magistratura/SC – 2008)
12.10.Extinção: pagamento
12.10.1.Definição
No Direito Tributário, pagamento refere-se à entrega de dinheiro ao Fisco e é a
modalidade básica de extinção do crédito tributário.
12.10.2.Características do pagamento
A imposição de penalidade não afasta a obrigação de pagamento integral do
crédito (art. 157 do CTN).
O pagamento não importa presunção de quitação das demais prestações ou de
outros créditos tributários (art. 158 do CTN).
Gabaritos de concursos públicos
O pagamento do crédito tributário não resta ilidido pela imposição de penalidade por descumprimento
da legislação tributária. (Procurador do Município/Teresina-PI – 2010 – FCC)
Quando o pagamento é total, não importa na presunção de pagamento de outros créditos referentes ao
mesmo tributo ou a outros. (Procurador do Estado/CE – 2008 – CESPE)
[O pagamento] Quando parcial, não importa presunção de pagamento das prestações em que se
decomponha. (Auditor Fiscal/MS – 2006 – FGV)
12.10.3.Local do pagamento
Se a legislação não dispuser em contrário, o pagamento é feito na repartição do
Fisco localizada no domicílio do sujeito passivo (art. 159 do CTN). Veja, para fins
de comparação, a regra civilista do art. 327 do CC.
12.10.4.Formas de pagamento
O pagamento é efetuado em dinheiro, cheque ou vale postal (nestes últimos casos,
a legislação pode exigir garantias). No caso do cheque, a rigor, somente com o
recebimento do dinheiro pelo Fisco (compensação do título) é que se considera
extinto o crédito (art. 162, § 2°, do CTN).
A lei pode prever pagamento em estampilha, papel selado ou processo mecânico,
o que não é comum atualmente.
12.10.5.Vencimento e atraso
Se a legislação não fixar a data de vencimento, será 30 dias após a notificação do
lançamento (trata-se, portanto, de regra subsidiária – art. 160 do CTN). Lembre-se
que o vencimento do tributo não depende de lei (pode ser fixado e alterado por norma
infralegal).
A legislação pode conceder desconto pela antecipação do recolhimento pelo
sujeito passivo.
O atraso implica juros de mora, independentemente do motivo, com penalidades e
execução de garantias (art. 161 do CTN).
Gabarito de concurso público
O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo
determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de qualquer
medida de garantia prevista na legislação. (Magistratura/PR – 2008)
Se a lei não indicar outro, os juros moratórios serão de 1% ao mês (outra regra
subsidiária).
Caso o sujeito passivo tenha dúvida razoável em relação à tributação, pode
formular consulta ao próprio Fisco. Se a consulta for apresentada, na forma da
legislação, antes do vencimento, não haverá multa ou fluência de juros até a resposta
pela autoridade fiscal (ou seja, o sujeito passivo pode aguardar a resposta antes de
pagar o crédito em discussão).
12.10.6.Imputação em pagamento
Se houver mais de um débito vencido, do mesmo sujeito passivo em relação ao
mesmo sujeito ativo, a administração deve observar a imputação, nessa ordem (art.
163 do CTN):
a) débitos por obrigação própria, depois os relativos a responsabilidade tributária;
b) contribuição de melhoria, depois taxas, por fim impostos;
c) ordem crescente dos prazos de prescrição;
d) ordem decrescente dos montantes.
Gabaritos de concursos públicos
Nessa situação, a referida imputação deve-se dar, primeiramente, quanto aos débitos oriundos de
obrigação própria e, em segundo lugar, aos decorrentes de responsabilidade tributária. (Procurador
Federal – 2010 – CESPE)
Considere que Gustavo possua débitos vencidos relativos ao imposto sobre a renda correspondente aos
períodos de 2003 e de 2005, que, juntos, totalizem R$ 9.000,00. Considere, ainda, que, intencionando
regularizar sua situação perante o fisco, Gustavo efetue o pagamento de parte desse valor. Nessa
situação hipotética, a autoridade tributária, ao receber o pagamento, deverá determinar a respectiva
imputação, na ordem crescente dos prazos de prescrição. (Advogado da União/AGU – CESPE – 2009)
12.11.2.Compensação no Judiciário
Jurisprudência
Súmula 212 do STJ. A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou
por medida liminar cautelar ou antecipatória.
CTN, art. 170-A. “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação
judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial”.
Jurisprudência
Súmula 213 do STJ. O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à
compensação tributária.
Perceba, pela Súmula 213 do STJ, que o Superior Tribunal de Justiça, muito
peculiarmente, reconhece o pedido declaratório no mandado de segurança para fins de
compensação. Trata-se de mandado de segurança impetrado preventivamente, para
resguardar a compensação a ser realizada pelo sujeito passivo e impedir a autuação
fiscal posterior.
Entretanto, se o sujeito passivo já realizou a compensação por sua conta e risco,
nos termos da legislação aplicável, não cabe impetrar o writ apenas para convalidá-
la:
Jurisprudência
Súmula 460 do STJ. É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária
realizada pelo contribuinte.
Ainda que superado este óbice, a Primeira Seção pacificou o entendimento de que a lei aplicável na
compensação é aquela vigente à época do ajuizamento da ação, não podendo a causa ser julgada à
luz do direito superveniente, já que os novos preceitos normativos condicionam a sua aplicação ao
atendimento de requisitos outros que não constaram da causa de pedir nem foram objeto de exame nas
instâncias ordinárias.
AgRg no Ag 1.422.316/DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. 18.10.2011
Obs.: nada impede, entretanto, que o interessado pleiteie a compensação à luz da nova lei na esfera
administrativa, por meio de outro pedido, ou mesmo que proponha outra demanda judicial, com o novo
fundamento.
12.12.Extinção: transação
CTN, Art. 171. “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação
tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e
consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso”.
12.13.Extinção: remissão
12.13.1.Definição
Remissão (do verbo remitir) significa perdão do crédito tributário.
Não confundir com remição, do verbo remir, resgatar.
Gabarito de concurso público
A remissão é ato de autoridade administrativa dotada de expressa autorização legal; a remição, por
seu turno, é ato de resgate que pode ser realizado pelo particular em relação a bem penhorado em
execução fiscal. (Magistratura Federal – 4 a Região – XII – 2005)
12.14.Extinção: decadência
12.14.1.Definição
Decadência é a perda do direito de o Fisco constituir o crédito tributário (lançar)
pelo decurso do prazo de 5 anos (art. 173 do CTN).
É indicada pelo CTN como modalidade de extinção do crédito tributário (muito
embora ocorra antes de sua constituição, impedindo o lançamento).
As normas relativas à decadência e à prescrição tributária devem ser veiculadas
exclusivamente por lei complementar federal, nos termos do art. 146, III, b, da CF.
Por essa razão, o STF declarou inconstitucionais dispositivos de lei ordinária que
fixavam prazos decadenciais e prescricionais relativos a contribuições sociais
(Súmula Vinculante 8 do STF).
Jurisprudência
Súmula Vinculante 8 do STF. São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5° do Decreto-lei n.
1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei n. 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de
crédito tributário.
Obs.: as contribuições previdenciárias são tributos e a matéria – prescrição e decadência tributárias – é
regulada por lei complementar, de modo que se aplicam os prazos quinquenais do CTN.
Para que não haja dúvida: há somente prazos decadenciais e prescricionais de 5
anos, previstos no CTN.
Gabarito de concurso público
Nos casos de tributos que não estão sujeitos a lançamento por homologação, o direito de a Fazenda
Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados do primeiro dia do
exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. (Auditor Fiscal/RJ – 2008 –
FGV)
Jurisprudência
A jurisprudência desta Corte entende que nas exações cujo lançamento se faz por homologação,
havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador
(art. 150, § 4°, do CTN). Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo
ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN.
AgRg no Ag 1.216.911/RS, STJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, j. 03.05.2011
Nesse caso, o quinquênio é contado a partir do fato gerador (não do primeiro dia
do exercício seguinte).
12.15.Extinção: prescrição
12.15.1.Definição
É a perda do direito de o Fisco cobrar o crédito tributário, pelo decurso do prazo
de 5 anos (art. 174 do CTN).
É indicada pelo CTN como modalidade de extinção do crédito tributário, ou seja,
não apenas afasta o direito à cobrança, mas também atinge o próprio direito material
(o crédito tributário).
Por essa razão, se houve prescrição, posterior pagamento realizado pelo sujeito
passivo é indevido, cabendo pedido de restituição (note a diferença em relação ao
direito privado).
Gabarito de concurso público
A dívida tributária prescrita que ainda assim seja paga poderá ser devolvida. (M agistratura/RO –
2011 – PUCPR)
Pela actio nata, o prazo somente flui a partir do momento em que o Fisco pode
cobrar o tributo.
Assim, após a notificação do lançamento, se não há impugnação, o prazo começa
a partir do vencimento.
Jurisprudência
Apenas com o transcurso do prazo da notificação para o sujeito passivo da obrigação tributária
efetuar o pagamento é que nasce o direito do Fisco de ajuizar ação de cobrança. Assim, só há falar em
prescrição no momento em que o direito de ação for exercitável (princípio da actio nata).
AgRg nos EDcl no REsp 1.225.654/RJ, STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 10.05.2011
12.15.3.Interrupção da prescrição
Interrompem a prescrição (art. 174, parágrafo único, do CTN):
a) despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal;
b) protesto judicial;
c) qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
d) qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento
do débito pelo devedor.
Interrompido, o prazo recomeça a fluir desde o início.
Perceba que o despacho do juiz que ordena a citação interrompe o prazo.
O STJ, ao interpretar o dispositivo do CTN cotejando-o ao art. 240, § 1°, do
NCPC, entendeu que a interrupção da prescrição pela citação (pelo despacho que a
ordena, no caso) retroage à data da propositura da ação, ainda que proferida por juízo
incompetente:
Jurisprudência
O Codex Processual, no § 1°, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação,
retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas
pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à
prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito
executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.
REsp 1.120.295/SP, STJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 12.05.2010 – repetitivo
Assim, o Fisco deve se acautelar para iniciar a execução fiscal em tempo hábil,
ou seja, em menos de 5 anos contados da constituição do crédito.
Porém, se há demora na citação por sua culpa exclusiva, não há essa
retroatividade, ou seja, pode ser reconhecida a prescrição:
Jurisprudência
Ainda que se entenda em sentido contrário, é firme a orientação da Primeira Seção desta Corte de que
não retroage a prescrição à data da propositura da ação, conforme o art. 219, § 1°, do CPC [art. 240,
§ 1°, do NCPC], quando a demora na citação é imputada exclusivamente ao Fisco.
AgRg no AREsp 167.198/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 21.06.2012
12.20.Exclusão: modalidades
O CTN prevê apenas duas hipóteses de exclusão do crédito tributário, ou seja,
situações em que ocorre o fato gerador, surge a obrigação tributária, mas o crédito é
excluído (não pode ser constituído pelo Fisco).
Essas duas únicas modalidades de exclusão são a isenção e a anistia, que somente
podem ser concedidas por lei específica, que regule apenas o benefício ou o tributo –
art. 150, § 6°, da CF.
Gabarito de concurso público
A isenção e anistia, pelo CTN, são causas de exclusão do crédito tributário, isto é, no primeiro caso o
contribuinte fica exonerado do pagamento do tributo e no segundo da penalidade imposta. (Ministério
Público/SC – 2010)
12.21.Exclusão: isenção
12.21.1.Definição
Lembre-se de que a isenção é uma das duas modalidades de exclusão do crédito
tributário (a outra é a anistia – art. 175 do CTN).
O CTN trata a isenção como dispensa do pagamento: há fato gerador e obrigação,
mas o Fisco não pode constituir o crédito (ele é excluído).
A doutrina mais moderna entende que a isenção delimita negativamente a norma
de incidência: não há fato gerador, nem obrigação tributária, em relação à situação ou
ao sujeito isento.
Essa distinção tem relevância ao se discutir a vigência da norma que revoga a
isenção (vimos isso ao estudarmos a vigência da legislação tributária).
Gabaritos de concursos públicos
Ocorre a isenção tributária quando, mesmo havendo fato gerador e obrigação tributária, exclui-se a
constituição do crédito tributário. (Procurador do Município/Aracaju – 2008 – CESPE)
A dispensa, por questão de política fiscal, de pagamento de tributo regularmente devido caracteriza
isenção. (Magistratura Federal – 1 a Região – 2005)
Qualquer isenção ou subsídio relativos a impostos só poderão ser concedidos por meio de lei
específica, que regule exclusivamente a respectiva matéria. (Ministério Público/RO – 2008 – CESPE)
O governador desse estado não poderia ter enviado para a casa legislativa projeto contendo matéria
sobre isenção de ICM S sem que antes houvesse deliberação sobre o assunto por parte dos outros
estados e do DF, que deveriam anuir com a concessão. (Procurador do Estado/PI – 2008 – CESPE)
12.22.Exclusão: anistia
12.22.1.Definição
Anistia é o perdão das infrações (art. 180 do CTN), referindo-se apenas às
penalidades pecuniárias (diferente da remissão, que é perdão de todo o crédito).
12.22.2.Delimitação da anistia
A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência
da lei concessiva e não se aplica (art. 180, I e II):
a) a atos tipificados criminalmente ou como contravenção;
b) a atos praticados com dolo, fraude ou simulação;
c) salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio.
Suponha que uma lei isente de IPTU os proprietários de imóveis nascidos há mais 60 anos. Nessa
situação, tal isenção deve ser efetivada por despacho da autoridade administrativa, em requerimento
com o qual o interessado prove o cumprimento dos requisitos previstos na lei. (M inistério Público/AM
– 2008 – CESPE)
12.22.4.Concessão limitada
A anistia pode ser concedida limitadamente (art. 181, II, do CTN):
a) às infrações relativas a determinado tributo;
b) às infrações punidas com penalidades pecuniárias até determinado montante,
conjugadas ou não com penalidades de outra natureza;
c) a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a
ela peculiares;
d) sob condição do pagamento de tributo no prazo fixado pela lei que a conceder, ou
cuja fixação seja atribuída pela mesma lei à autoridade administrativa.
Gabaritos de concursos públicos
É inadmissível um estado conceder anistia em caráter limitado a multas de contribuintes que tenham, no
mínimo, certa idade. (Ministério Público/SE – 2010 – CESPE)
13.1.Introdução
13.1.1.Competências relativas a impostos
A Constituição Federal indica expressamente os impostos da competência de
cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Lembre-se que essa indicação é taxativa, exceto para a União, que detém a
chamada competência residual (somente ela pode instituir outros impostos além
daqueles previstos expressamente na CF), conforme o art. 154, I, da Constituição
Federal.
Veja a seguinte tabela, que indica os impostos da competência de cada ente
federado, para estudo e memorização:
– II, IE, IR, IPI, IOF, ITR, imposto sobre grandes fortunas (art. 153 da CF)
União – imposto extraordinário, imposto da competência residual (art. 154 da CF)
Estados e DF – ITCMD, ICMS e IPVA (art. 155 da CF)
Municípios e DF – ITBI, IPTU, ISS (art. 156 da CF)
13.1.2.Lançamento
Basicamente, todos os impostos são lançados por homologação, com exceção do
IPVA e do IPTU na maior parte dos Estados e Municípios, que são lançados de ofício
(depende da lei local).
RITR, art. 48. “O lançamento do ITR é procedimento de competência privativa da autoridade administrativa,
que se opera de ofício ou por homologação, destinado à constituição do crédito tributário.
(…)
Art. 50. Caso o sujeito passivo deixe de tomar as iniciativas necessárias ao lançamento por homologação pela
Fazenda Pública, esta deve proceder à determinação e ao lançamento de ofício do crédito tributário”.
13.1.3.Regra-matriz de incidência
A regra-matriz de incidência é uma ferramenta interessante para o estudo dos
impostos em espécie.
Quando falamos de fato gerador, até aqui, referimo-nos ao critério material
(auferir renda, ser proprietário, promover a circulação). Entretanto, para que haja a
incidência, além do critério material, há os critérios especial e temporal.
Somente quando se observam os três critérios do antecedente da regra-matriz
(material, espacial e temporal) é que há incidência, devendo ser verificados, então, os
dois critérios do consequente da regra-matriz (pessoal e quantitativo).
Por exemplo, para que haja incidência do ICMS goiano, é preciso que o
empresário promova a circulação da mercadoria (critério material), no território do
Estado de Goiás (critério espacial), considerando-se o momento da saída da
mercadoria do estabelecimento (critério temporal). Nesse caso, o critério pessoal
corresponde ao sujeito passivo (quem promove a operação) e ao sujeito ativo (Estado
de Goiás); o critério quantitativo refere-se à alíquota (18%, por exemplo) que é
multiplicada pela base de cálculo (valor da operação).
Como outro exemplo, para que haja incidência do IPVA paulista, é preciso que
alguém seja proprietário de um veículo automotor (critério material), no território do
Estado de São Paulo (critério espacial), considerando-se o primeiro dia de cada ano
(critério temporal). Nesse caso, o critério pessoal corresponde ao sujeito passivo
(proprietário do automóvel) e ao sujeito ativo (Estado de São Paulo); o critério
quantitativo refere-se à alíquota (4%, por exemplo) que é multiplicada pela base de
cálculo (valor do veículo).
Ao estudarmos esses critérios para cada um dos impostos, teremos analisado os
principais aspectos de cada tributo.
13.2.Impostos da União
13.2.1.Imposto de importação – II
13.2.1.1.Critério material do II
O critério material do II é a entrada de mercadoria estrangeira no território
nacional.
Inclui entrada de bem que será posteriormente exportado (embora haja benefícios
fiscais e regimes especiais, como o chamado drawback).
A bagagem trazida pelo viajante é abrangida pelo critério material, podendo
haver tributação.
Não inclui simples passagem pelo território, como, por exemplo, quando um
avião de carga estrangeiro faz apenas escala no Brasil, seguindo viagem para o
destino final em outro país. Nesse caso, não há falar em incidência do II.
O STJ afastou a incidência em caso de importação ilícita, em que é aplicada a
pena de perdimento (o importador perde o bem):
Jurisprudência
No caso de importação ilícita, reconhecida a ilicitude e aplicada a pena de perdimento, não poderá ser
cobrado o imposto de importação, já que “importar mercadorias” é elemento essencial do tipo
tributário.
REsp 984.607/PR, rel. Ministro Castro Meira, j. 07.10.2008
13.2.1.2.Critério espacial do II
O II refere-se a todo o território nacional, correspondendo ao território
aduaneiro. Ou seja, a entrada de bem estrangeiro em qualquer ponto do território
brasileiro está abrangido pela tributação do II.
13.2.1.3.Critério temporal do II
A incidência do II ocorre no momento da entrada no território nacional,
considerada como sendo:
a) a data do registro da declaração de importação (= início do despacho aduaneiro);
b) o dia do lançamento, no caso de remessa postal e de bagagens;
c) outras regras do art. 73 do Regulamento Aduaneiro – RA.
Jurisprudência
I. – Fato gerador do imposto de importação de mercadoria despachada para consumo considera-se
ocorrido na data do registro na repartição aduaneira competente, da declaração apresentada pelo
importador (art. 23 do Decreto-lei 37/1966). II. – O que a Constituição exige, no art. 150, III, a, é que
a lei que institua ou majore tributos seja anterior ao fato gerador. No caso, o decreto que alterou as
alíquotas é anterior ao fato gerador do imposto de importação.
AI 420.993 AgR/PR, STF, rel. Min. Carlos Velloso, j. 31.05.2005
13.2.1.4.Critério pessoal do II
Sujeito ativo do II é a União.
Contribuinte do II, conforme o art. 22 do CTN, é:
a) o importador ou equiparado; e
b) o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados.
13.2.1.5.Critério quantitativo do II
As alíquotas do II podem ser ad valorem (= percentual a ser multiplicado pela
base de cálculo, alterável por ato infralegal) ou específica (quantia em reais a ser
multiplicada por uma unidade de medida).
Elas podem ser alteradas por norma infralegal, pelo próprio Executivo, nas
condições e limites fixados pela lei. É um tributo de carga fortemente extrafiscal, de
intervenção no mercado.
A base de cálculo é (i) o valor aduaneiro (preço normal) conforme GATT ou (ii)
a unidade de medida (no caso da alíquota específica). O CTN cita também (iii) o
preço da arrematação.
Quando a legislação prevê que o II será calculado pela multiplicação da alíquota
de 10% sobre o valor aduaneiro do produto importado, estamos diante de uma
alíquota ad valorem.
Entretanto, se a legislação prevê o cálculo do II pela multiplicação de R$ 10,00
por cada contêiner de produto, trata-se de alíquota específica.
Gabarito de concurso público
A base de cálculo do imposto sobre importações, quando a alíquota seja ad valorem, é o valor
aduaneiro, ou seja, o valor pelo qual foi realizado o eventual negócio jurídico referente à importação.
(Magistratura Federal – 5 a Região – 2007 – CESPE)
13.2.2.Imposto de Exportação – IE
13.2.2.1.Critério material do IE
O critério material do IE é a saída de mercadorias nacionais ou nacionalizados
do território nacional.
13.2.2.2.Critério espacial do IE
O IE refere-se a todo o território nacional, correspondendo ao território
aduaneiro.
13.2.2.3.Critério temporal do IE
O IE incide na data do registro de exportação (= início do despacho aduaneiro).
13.2.2.4.Critério pessoal do IE
Sujeito ativo é a União.
Contribuinte é o exportador ou equiparado.
13.2.2.5.Critério quantitativo do IE
A alíquota pode ser ad valorem (alterável por ato infralegal) ou específica
(quantia em reais), como no caso do II.
Elas podem ser alteradas por norma infralegal, pelo próprio Executivo, nas
condições e limites fixados pela lei. É um tributo de carga fortemente extrafiscal, de
intervenção no mercado.
A base de cálculo é (i) o preço normal que o produto ou similar alcançaria, ao
tempo da exportação, em uma venda em condições normais de livre concorrência ou
(ii) a unidade de medida (no caso de alíquota específica).
13.2.3.Imposto de renda – IR
13.2.3.1.Princípios específicos do IR
O IR submete-se aos princípios da:
a) generalidade: o imposto atinge todas as pessoas, sem distinção;
b) universalidade: o imposto abrange todas as rendas e proventos apurados no
período;
c) progressividade: as alíquotas devem ser maiores, conforme maiores sejam as
bases de cálculo.
É vedado “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional
ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos
rendimentos, títulos ou direitos” (art. 150, II, da CF).
13.2.3.2.Critério material do IR
Em relação ao critério material, o IR incide sobre a aquisição da disponibilidade
econômica ou jurídica:
a) de renda, que é o produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos;
b) de proventos de qualquer natureza, que são acréscimos patrimoniais não
compreendidos no conceito de renda.
O salário, por exemplo, é renda, pois é produto do trabalho. O aluguel recebido é
renda, já que é produto do capital (exploração do patrimônio imobiliário).
Um prêmio de loteria, embora não seja produto do capital ou do trabalho de quem
aufere (não é renda, portanto), é provento de qualquer natureza, tributável pelo IR,
pois implica acréscimo patrimonial.
São irrelevantes: denominação da renda, do rendimento, localização, condição
jurídica ou nacionalidade da fonte, origem e forma de percepção.
O Judiciário vem entendendo que as indenizações por danos morais, além
daquelas por danos emergentes, não se submetem ao IR.
Jurisprudência
Súmula 498 do STJ. Não incide imposto de renda sobre a indenizaçãopor danos morais.
Súmula 463 do STJ. Incide imposto de renda sobre os valores percebidos a título de indenização por
horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo.
Súmula 386 do STJ. São isentas de imposto de renda as indenizaçõesde férias proporcionais e o
respectivo adicional.
Súmula 215 do STJ. A indenização recebida pela adesão ao programade incentivo à demissão
voluntária não está sujeita à incidência doimposto de renda.
Súmula 125 do STJ. O pagamento de férias não gozadas por necessidade de serviço não está sujeito à
incidência do Imposto de Renda.
Jurisprudência
As verbas concedidas ao empregado por mera liberalidade do empregador quando da rescisão
unilateral de seu contrato de trabalho implicam acréscimo patrimonial por não possuírem caráter
indenizatório, sujeitando-se, assim, à incidência do imposto de renda.
REsp 1.102.575/MG, STJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 23.09.2009 – repetitivo
O tema referente à incidência do imposto de renda sobre os juros de mora já foi amplamente discutido
pela Primeira Seção, por ocasião do julgamento do recurso especial repetitivo n. 1.227.133-RS, no
qual, objetivamente, se decidiu que: Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais
vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial, por força de lei específica de
isenção referente às verbas discutidas naquela ocasião (art. 6°, inciso V, da Lei n. 7.713/1988).
AgRg EDcl REsp 1.132.119/RS, STJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 27.03.212
Considere que certa sociedade cooperativa, formada por professores de língua estrangeira, tenha
auferido vultosa quantia monetária proveniente de suas aplicações financeiras. Nesse caso, a
sociedade cooperativa deve recolher o imposto de renda sobre o resultado das referidas aplicações.
(Procuradoria Federal – 2007 – CESPE)
Obs.: perceba que, mesmo que o candidato não conheça em detalhes a legislação do imposto de renda, é
possível aferir se houve ou não acréscimo patrimonial e, consequentemente, se incidiu ou não o IR
13.2.3.3.Critério espacial do IR
O IR incide sobre rendas e proventos auferidos em qualquer lugar do mundo,
desde que haja elemento de conexão com o território nacional (domicílio do
contribuinte, localização da fonte etc.).
Há acordos internacionais para evitar bitributação, além de regra no regulamento
do IR no sentido de que, se o contribuinte já pagou IR em outro país, em relação a
uma renda auferida por lá (por exemplo, aluguel de imóvel localizado no exterior),
poderá abater o valor recolhido, reduzindo o imposto de renda devido ao Fisco
brasileiro.
Em outras palavras, ainda que não haja acordo internacional, permite-se abater
valores recolhidos a título de IR a outros países, relativo a fonte localizada no
exterior, desde que haja reciprocidade (art. 103 do RIR).
13.2.3.4.Critério temporal do IR
O IR refere-se a rendas, proventos e lucro apurados durante o ano civil.
O fato gerador é pendente durante o exercício, concluindo-se no último instante
do dia 31 de dezembro.
Assim, para apuração do valor devido, leva-se em consideração todo acréscimo
patrimonial ocorrido entre o primeiro instante do dia 1° de janeiro até o último
instante do dia 31 de dezembro de cada ano (= ano-base).
Por essa razão, há autores que consideram o fato gerador como periódico. Outros
estudiosos, por outra aproximação, defendem que o IR incide apenas no último
instante do dia 31 de dezembro do ano-base.
Há incidências exclusivas e antecipações. Por exemplo, sobre os rendimentos
financeiros (aplicações em instituições financeiras) o IR incide exclusivamente na
fonte (ou seja, não entra no posterior ajuste anual, feito no momento da declaração).
O art. 43, § 2°, do CTN, buscando tributar a renda auferida no exterior, determina
que a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade,
nesse caso, para fins de incidência do IR.
CTN, art. 43, § 2° “Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as
condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste
artigo”.
13.2.3.5.Critério pessoal do IR
Sujeito ativo é a União.
CTN, art. 45. “Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de
atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos
tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de
responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam”.
13.2.3.6.Critério quantitativo do IR
As alíquotas do IR são ad valorem (%) e progressivas, ou seja, há percentuais
maiores para bases de cálculo maiores.
A base de cálculo do IR é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou
dos proventos tributáveis.
No caso das pessoas jurídicas, a base de cálculo corresponde ao lucro (real,
presumido ou arbitrado) observado no ano-base (determinadas despesas autorizadas
por lei são subtraídas das receitas auferidas no exercício).
No caso das pessoas físicas, a base de cálculo é o rendimento líquido anual (os
rendimentos, menos determinadas despesas previstas em lei).
Produto Alíquota
Cigarros 300%
Chopp 40%
Batom 22%
Automóvel 1.0 7%
Medicamentos 0%
Feijão e arroz NT (não tributado)
Nos termos da orientação firmada por esta Suprema Corte, o direito ao creditamento do montante do
IPI cobrado na aquisição de insumo ou matéria-prima que será utilizado em operação da qual resulte a
saída de bem desonerado depende de expressa autorização legal.
AI 843.665 AgR/RS, STF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 06.03.2012
Operação Descrição
Dinheiro a ser restituído no futuro, empréstimo, linha de crédito, cheque
Crédito especial, desconto de títulos
Câmbio Troca de moedas
Seguro Cobertura de risco, álea
Títulos e valores mobiliários Emitidos por empresas, negociados no mercado próprio)
Ouro ativo financeiro ou
cambial Investimentos, lastro cambial (ouro-mercadoria submete-se ao ICMS)
13.2.5.2.Critério espacial
O IOF refere-se às operações realizadas no território brasileiro, embora nem
sempre seja fácil identificar isso.
Jurisprudência
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido da constitucionalidade do inciso I do
art. 1° da Lei 8.033/1990, que trata da incidência do IOF sobre transmissão ou resgate de títulos
mobiliários, públicos e privados, inclusive de aplicações de curto prazo, tais como letras de câmbio,
depósitos a prazo com ou sem emissão de certificado, letras imobiliárias, debêntures e cédulas
hipotecárias.
RE 287.628 AgR/PR, STF, rel. Min. Ayres Britto, j. 06.03.2012
No julgamento do RE n. 190.363/RS, o Plenário desta Corte assentou que, nas operações com ouro,
como ativo financeiro ou instrumento cambial, incide IOF apenas na operação de origem.
RE 181.849 AgR/RS, STF, rel. Min. Dias Toffoli, j. 08.05.2012
13.2.6.4.ITR e IPTU
Veja a seguinte representação gráfica para compreender bem o âmbito de
incidência do ITR, em relação ao do IPTU.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não afronta o princípio
constitucional da não cumulatividade a sistemática para compensação do ICMS resultante da aquisição
de bens para o ativo fixo conforme previsto na LC 102/2000.
AI 667.826 AgR/SP, STF, rel. Min. Ayres Britto, j. 13.03.2012
13.3.1.2.Benefícios fiscais
Isenções, incentivos e benefícios fiscais devem ser concedidos e revogados
mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal (por convênio interestadual),
na forma da lei complementar (regra que procura evitar a “guerra fiscal”) – art. 155, §
2°, XII, g, da CF e art. 1° da LC 24/1975.
Para que fique claro: o Estado ou o DF não podem isoladamente conceder
benefício fiscal de ICMS, devendo submeter sua intenção aos demais Estados (art.
155, § 2°, XII, g, da CF).
Gabarito de concurso público
Qualquer benefício fiscal concedido ao tributo de ICM S depende de deliberação entre os estados e o
DF, o que é pressuposto para a criação da legislação específica. (Magistratura/AL – 2008 – CESPE)
Essa norma visa a minorar a guerra fiscal, ou seja, a competição predatória entre
os entes federados, que passam a reduzir agressivamente a tributação para atrair
investimentos que, em princípio, seriam alocados em outro Estado.
Para a realização do convênio de ICMS, todos os Estados e o DF devem ser
convocados para a reunião do CONFAZ.
Para a concessão de benefícios exige-se unanimidade dos presentes na reunião e,
depois, ratificação por todos os Estados e o DF em 15 dias.
Para revogação total ou parcial, é necessária aprovação de 4/5 dos presentes na
reunião do Confaz e, depois, ratificação por 4/5 em 15 dias.
Interessante anotar que a jurisprudência do STF é pacífica no sentido da
invalidade de benefícios fiscais concedidos sem prévia aprovação pelo CONFAZ. O
STJ, entretanto, decide que enquanto o STF não afastar especificamente a lei estadual
em análise, os outros Estados (e o DF) devem respeitar os creditamentos
eventualmente realizados pelos contribuintes com base na legislação impugnada (ou
seja, o STF deve declarar inconstitucional cada uma das leis estaduais que fixam
benefícios sem convênio interestadual, ou talvez fixar o tema em Súmula Vinculante, o
que vem sendo cogitado).
Jurisprudência
Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao ICM S, de
modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio
intergovernamental no âmbito do CONFAZ.
ADI 2.345/SC, STF, rel. Min. Cezar Peluso, j. 30.06.2011
Entretanto, o colegiado reviu esse entendimento para impor a observância do crédito fictício pelo
Estado de destino, acolhendo a tese de que a inconstitucionalidade deve ser previamente declarada em
ADIn específica, relativa à lei do Estado de origem.
RMS 32.453/MT, STJ, rel. Min. Herman Benjamin, j. 07.06.2011
Na importação, ainda que o importador não seja contribuinte usual do ICMS (por
exemplo, pessoa física que traz veículo do exterior para uso próprio) deve recolher o
imposto.
Em regra, entretanto, o imposto é devido quando há efetiva atividade de
circulação de mercadoria, dentro da cadeia de produção e consumo dessa mercadoria.
É por isso que o ICMS não incide quando a seguradora vende bens salvados (um
veículo que teve perda total, por exemplo, e fica com a seguradora, já que o antigo
proprietário recebeu o valor do seguro).
Jurisprudência
Súmula Vinculante STF 32. O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras.
[Incide ICM S] na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio.(Magistratura/GO
– 2009 – FCC)
13.3.1.9.Operações interestaduais
As alíquotas interestaduais, menores que as internas, são aplicadas nas vendas
realizadas para adquirentes localizados em outros Estados (ou DF), não importa se
esses destinatários sejam contribuintes ou não do imposto.
Note que a partir da Emenda Constitucional 87/2015 todas as operações
interestaduais, inclusive para destinatário não contribuinte do ICMS, sujeitam-se à
alíquota interestadual. Antes disso, somente a operação destinada a contribuinte
sujeitava-se à alíquota interestadual menor. Essa alteração ocorreu por conta do forte
pleito dos Estados majoritariamente adquirentes de mercadorias, não fornecedores,
que acabavam sendo prejudicados pelas vendas interestaduais diretas a consumidores
localizados em seus territórios, situação bastante comum nas vendas pela internet, por
exemplo.
A partir dessa nova sistemática, o Estado (ou DF) de origem fica com o valor
referente à alíquota interestadual e o Estado (ou DF) de destino fica com a diferença
entre sua alíquota interna e a interestadual.
Entretanto, é muito importante saber que essa modificação trazida pela EC
87/2015, em relação às vendas para não contribuintes localizados em outros Estados
(ou DF), será gradual, conforme o art. 99 do ADCT, ficando concluída apenas em
2019:
“Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2° do art. 155, no caso de operações e prestações que
destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto
correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de
origem e de destino, na seguinte proporção:
I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o
Estado de origem;
II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para
o Estado de origem;
III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para
o Estado de origem;
IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o
Estado de origem;
V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.”
Perceba que o total recolhido aos Fiscos paulista e amazonense foi R$ 18,00 (R$
7,00 + R$ 11,00), o que corresponde à alíquota interna incidente sobre o preço final
(= 18% de R$ 100,00).
Quando o estabelecimento revende a mercadoria no Estado de destino, ele terá se
creditado em percentual menor que a alíquota interna, de modo que recolherá mais
imposto do que pagaria se tivesse adquirido o bem no próprio Estado.
Perceba que a alíquota interestadual permite a divisão da receita do ICMS entre o
Estado de destino e o Estado de origem. Quanto menor for a alíquota interestadual,
menos recursos ficam na origem e mais recursos ficam no destino.
Por essa razão, quando a operação interestadual é realizada de um Estado
considerado mais desenvolvido economicamente (Sul, Sudeste, excluindo o ES) para
um que seria menos desenvolvido (outras regiões e ES), a alíquota interestadual é
menor (7%), o que favorece estes últimos (Estados considerados menos
desenvolvidos economicamente).
Gabarito de concurso público
Nas operações interestaduais entre contribuintes do ICM S o destinatário deve se creditar da alíquota
interestadual e se debitar da alíquota interna. (Magistratura/SC – 2010)
A jurisprudência do STF firmou orientação no sentido de que, mesmo antes da EC 42/2003 – que
incluiu o § 6°, II, ao art. 155 da CF –, já era permitida a instituição de alíquotas de IPVA diferenciadas
segundo critérios que não levem em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo, por não
ensejar a progressividade do tributo. É o que se observa no caso dos autos, em que as alíquotas do
imposto foram estabelecidas em razão do tipo e da utilização do veículo.
RE 601.247 AgR/RS, STF, Min. Ricardo Lewandowski, j. 29.05.2012
13.4.1.4.IPTU e ITR
Veja a seguinte representação gráfica, que distingue as áreas submetidas à
incidência do ITR federal e do IPTU municipal.
Lembre-se que o ITR incide excepcionalmente sobre imóveis localizados dentro
da área urbana, desde que utilizados em exploração de atividade extrativa vegetal,
agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do Dec.-lei 57/1966 – REsp
1.112.646/SP repetitivo). Isso afasta, por consequência, a tributação municipal (não
incide IPTU, ou haveria bitributação).
13.4.2.6.Imunidades do ITBI
O art. 156, § 2°, I, da CF fixa imunidade em relação a determinadas transmissões
de bens ou direitos no bojo de operações societárias (integralização de capital,
fusões, incorporações, cisões etc.), desde que a atividade preponderante da sociedade
adquirente não seja a exploração imobiliária:
CF, art. 156, § 2° “O imposto previsto no inciso II [ITBI]:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em
realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou
extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e
venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (…)”.
Ademais, conforme o art. 184, § 5°, da CF, são imunes em relação ao ITBI as
transferências de imóveis desapropriados para reforma agrária.
Importante destacar que, nos termos do art. 150, § 3°, in fine, da CF e,
especificamente, da Súmula 75 do STF, sendo vendedora uma autarquia, a sua
imunidade fiscal não compreende o Imposto de Transmissão inter vivos, que é
encargo do comprador (a imunidade recíproca jamais aproveita a particulares).
Jurisprudência
As operadoras de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde) realizam prestação
de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, previsto no art. 156, III, da
CRFB/88
RE 651703/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 29/09/2016
Se o serviço, previsto na LC 116/2003, é prestado com fornecimento de
mercadoria, incide ISS sobre o preço total, exceto se a própria lista fizer ressalva.
13.4.3.3.Incidências do ISS
Em regra, incide ISS na produção de softwares, medicamentos manipulados,
cartões magnéticos personalizados e sob encomenda (na comercialização de bens
“de prateleira” incide o ICMS).
Por exemplo, se vou até a loja e compro um sistema operacional “na caixa”,
incidirá o ICMS, pois se trata de mercadoria. Entretanto, se contrato um programador
para fazer um aplicativo específico para minha empresa (personalizado e sob
encomenda), incidirá o ISS.
Incide ISS na industrialização sob encomenda (matéria-prima fornecida
exclusivamente pelo contratante do serviço), não o IPI.
É comum, por exemplo, que uma pedreira envie blocos de pedra para uma
indústria, encomendando o corte do produto em peças menores, para serem usadas
como piso residencial. A indústria realiza os cortes e devolve as pedras para a
pedreira. Nesse caso, a indústria realizou um serviço, incidindo exclusivamente o
ISS.
Incide ISS sobre os serviços dos tabeliães e notários, mesmo sendo serviço
público delegado com cobrança de taxa (emolumentos).
Incide também sobre o leasing financeiro e o lease back.
Não incide ISS, entretanto, sobre operações de industrialização por encomenda
de embalagens, destinadas à indústria ou ao comércio, pois, nesse caso, ainda que
haja personalização e encomenda, o STF entendeu tratar-se de insumo industrial,
sujeito ao ICMS.
Gabaritos de concursos públicos
Compete aos municípios instituir o ISS sobre o leasing financeiro, uma vez que o leasing é contrato
complexo e não se confunde com contratos de aluguel, compra e venda ou com operação de crédito.
(Defensoria Pública da União – 2010 – CESPE)
Obs.: O STF pacificou o entendimento de que incide ISS sobreleasing financeiro e lease back, embora
não incida na modalidade leasing operacional – ver RE 547.245/SC
O Supremo Tribunal Federal inclinou-se pela orientação de que os serviços de registros públicos,
notariais e cartorários embora públicos, não são imunes ao ISSQN. (M agistratura/SP – 2009 –
VUNESP)
De acordo com o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB/1988, a alíquota mínima
do ISS é de 2%. (Auditor Fiscal/RJ – 2008 – FGV)
14.1.Introdução
O crédito tributário corresponde a receita pública, privilegiada em relação aos
créditos privados.
Para assegurar o recebimento do crédito pelo Estado, o CTN enumeragarantias,
mas a listagem não é taxativa (art. 183 do CTN).
Tudo isso decorre da indisponibilidade e da supremacia do interesse público.
Gabarito de concurso público
As garantias e privilégios do crédito tributário decorrem da noção de verticalidade que marca a
relação jurídica tributária. (Magistratura/SP – 2009 – VUNESP)
A lei pode prever expressamente outras garantias (reais, fianças etc.), em função
da natureza ou das características de cada tributo, o que é comum no caso de
parcelamentos, compensações e moratórias.
A natureza das garantias dadas ao crédito não altera sua natureza, nem a da
obrigação tributária.
A legislação que cria novas garantias é aplicada no momento do lançamento a
fatos geradores pretéritos, exceto se houver atribuição de responsabilidade tributária
a terceiros – art. 144, § 1°, do CTN.
14.6.Preferência geral
Em atenção ao princípio da supremacia do interesse público em relação ao
privado, o crédito tributário prefere a qualquer outro, exceto aos trabalhistas e
acidentários (art. 186 do CTN).
Ou seja, o pagamento dos tributos e penalidades pecuniárias é prioritário em
relação a qualquer outro, salvo os trabalhistas e acidentários.
Sua cobrança não se sujeita ao concurso de credores ou à habilitação em falência,
recuperação, inventário ou arrolamento.
14.7.Preferência na falência
Embora o crédito tributário não precise ser habilitado na falência, sua preferência
é bastante mitigada nesse caso. De fato, o juiz da falência determinará o pagamento de
diversos outros créditos e, apenas se sobrar recursos da massa, permitirá a quitação
dos tributários.
Na falência, há determinados créditos que são extraconcursais, isto é, não entram
no concurso de credores e são pagos antes. Em regra, são as dívidas assumidas
durante o processo de recuperação judicial e da própria falência. Isso inclui os
tributos cujos fatos geradores ocorreram após a quebra.
Gabarito de concurso público
Segundo o CTN, os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo
de falência são considerados extraconcursais. (Magistratura/PA – 2008 – FGV)
Dentre os créditos concursais, ou seja, basicamente aqueles relativos ao período
anterior à quebra, há uma ordem de preferência, de modo que aqueles mais abaixo
somente serão pagos se sobrar dinheiro após o pagamento dos anteriores (art. 186 do
CTN e art. 83 da Lei 11.101/2005).
Ordem de classificação dos créditos na falência
(art. 83 da LF)
1° – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por
credor, os decorrentes de acidentes de trabalho. Também os créditos equiparados a trabalhistas, como os
relativos ao FGTS (art. 2°, § 3°, da Lei 8.844/1994) e os devidos ao representante comercial (art. 44 da Lei
4.886/1965)
2° – créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado (será considerado como valor do bem
objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em
bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado)
3° – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas
tributárias
4° – com privilégio especial (= os previstos no art. 964 da Lei 10.406/2002; os assim definidos em outras leis
civis e comerciais, salvo disposição contrária da LF; e aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de
retenção sobre a coisa dada em garantia)
5° – créditos com privilégio geral (= os previstos no art. 965 da Lei n 10.406/2002; os previstos no parágrafo
único do art. 67 da LF; e os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária da LF)
6° – créditos quirografários (= aqueles não previstos nos demais incisos do art. 83 da LF; os saldos dos créditos
não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento; e os saldos dos créditos
derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput do art. 83 da LF).
Ademais, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários
7° – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as
multas tributárias
8° – créditos subordinados (= os assim previstos em lei ou em contrato; e os créditos dos sócios e dos
administradores sem vínculo empregatício)
Lembre-se que os créditos extraconcursais (= basicamente os surgidos no curso do processo falimentar, que
não entram no concurso de credores) são pagos com precedência sobre todos esses anteriormente
mencionados, na ordem prevista no art. 84 da LF: (i) remunerações devidas ao administrador judicial e seus
auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a
serviços prestados após a decretação da falência; (ii) quantias fornecidas à massa pelos credores; (iii) despesas
com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do
processo de falência; (iv) custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido
vencida; e (v) obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos
termos do art. 67 da LF, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após
a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 da LF.
Perceba que, na falência, o crédito relativo ao tributo fica abaixo dos trabalhistas
(até 150 salários-mínimos) e acidentários e dos créditos com garantia real (até o
valor do bem gravado). As multas tributárias ficam ainda mais abaixo, depois dos
créditos quirografários.
Gabarito de concurso público
No processo falimentar, o crédito tributário não tem preferência sobre os créditos com garantia real,
no limite do valor do bem gravado. (Procurador da Fazenda Nacional – 2007 – ESAF)
14.11.Vedação de contrato
A contratação com a administração ou a participação em concorrência depende
de quitação de todos os tributos devidos à Fazenda interessada, relativos à atividade
a ser contratada (salvo se expressamente autorizado por lei) – art. 193 do CTN.
Outro meio indireto de garantir, ou pelo menos favorecer, o recebimento dos
créditos tributários pelo Fisco.
15.1.Introdução
Administração tributária é expressão que se refere aos órgãos da administração
pública relacionados à fiscalização e à cobrança dos tributos, abrangendo as
atividades de lançamento, inscrição em dívida, execução fiscal, análise de pedidos de
compensação, parcelamento e de outros benefícios fiscais.
Trata-se de aspecto essencial do Poder Público, pois garante a existência de
recursos necessários ao próprio funcionamento do aparato estatal, observando-se a
impessoalidade, a transparência e o tratamento isonômico em relação a todos os
contribuintes.
Por essa razão, o constituinte prestigiou a administração tributária no art. 37,
XVIII e XXII, da CF, nos seguintes termos:
CF, art. 37. (…) XVIII – “a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de
competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei; (…)
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades
essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos
prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o
compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (…)”.
Jurisprudência
A atividade de lançamento é privativa de fiscais de carreira, nos termos do art. 37, XXII, da
Constituição Federal. O Secretário de Fazenda secunda o Governador na elaboração e implantação
das políticas fiscais, o que não se confunde com lançamento e cobrança de ICMS.
AgRg RMS 18.140/RJ, Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009
15.2.Fiscalização
15.2.1.Legislação relativa à fiscalização
A legislação relativa à fiscalização, que define a competência e os poderes das
autoridades, aplica-se a todas as pessoas, naturais ou jurídicas, contribuintes ou não,
inclusive às imunes e isentas (art. 194 do CTN).
Não se aplicam à fiscalização disposições legais que limitem ou excluam o
direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos e papéis dos sujeitos
passivos e sua obrigação de exibi-los (art. 195 do CTN).
Jurisprudência
Não há falar em inexistência de dever de prestar informações relativas a operações de compra e venda
e aluguel de imóveis [DIM OB], já que as administradoras de bens e os corretores são obrigados, nos
termos do art. 197, III e IV, do CTN.
No mundo atual, em que as declarações fiscais são enviadas quase que exclusivamente por meio
eletrônico, pela rede mundial de computadores, seria inadequado interpretar o vetusto art. 197 do CTN
no sentido de que a Secretaria da Receita Federal deveria solicitar informações individualmente, por
intimações escritas em papel.
REsp 1.105.947/PR, Min. Herman Benjamin, j. 23.06.2009
15.2.4.Sigilo fiscal
Não podem ser divulgadas informações obtidas em razão da fiscalização sobre a
situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros, nem sobre a
natureza e o estado de seus negócios ou atividades, exceto nos casos de (art. 198, §
1°, do CTN):
a) requisição judicial;
b) solicitação de autoridade administrativa, para investigação do sujeito passivo por
prática de infração administrativa, mediante regular processo, com entrega pessoal
mediante recibo e preservação do sigilo.
Outros casos em que se admite a divulgação (art. 198, § 3°, do CTN):
a) representação fiscal para fins penais;
b) inscrição em dívida ativa;
c) parcelamento ou moratória;
d) assistência mútua e permuta de informações entre os Fiscos federal, estaduais,
distrital e municipais, para fiscalização dos respectivos tributos, na forma de lei ou de
convênio;
e) a União pode permutar informações fiscais com Estados estrangeiros, conforme
tratados.
Gabaritos de concursos públicos
Visando a garantia da preservação do sigilo, no caso de intercâmbio de informações sigilosas, no
âmbito da Administração Pública, a entrega da informação à autoridade solicitante deve ser feita
pessoalmente, mediante recibo, e desde que exista processo regularmente instaurado. (Procurador do
Estado/SC – 2009)
A Fazenda Pública pode divulgar as informações econômicas e financeiras do sujeito passivo, para
investigação administrativa, desde que apurada em procedimento administrativo instaurado.
(Magistratura/SP – 2008)
É permitida a divulgação, por parte da Fazenda Pública, de informação obtida em razão do ofício
sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo, mediante requisição de autoridade
judiciária no interesse da justiça. (Procurador do Estado/SC – 2010 – FEPESE)
15.3.Dívida ativa
15.3.1.Inscrição e características
Após o vencimento, o crédito tributário é inscrito em dívida ativa pela
procuradoria.
É importante ressaltar que há dívida ativa tributária e não tributária – art. 2° da
Lei 6.830/1980. Ou seja, mesmo créditos públicos de natureza não tributária (multas
administrativas, por exemplo) são inscritas em dívida ativa.
A dívida regularmente inscrita goza de presunção relativa de certeza e liquidez e
tem efeito de prova pré-constituída (art. 204 do CTN).
A presunção pode ser ilidida (afastada) por prova inequívoca, a cargo do sujeito
passivo ou do terceiro a que aproveite.
A fluência de juros de mora não afasta a liquidez do crédito inscrito (art. 201,
parágrafo único, do CTN).
Gabaritos de concursos públicos
A inscrição do crédito tributário na dívida ativa e a consequente expedição da certidão é pressuposto
para a cobrança por meio de execução fiscal. (Magistratura/PB – 2011 – CESPE)
A presunção de certeza e liquidez de que goza a dívida ativa regularmente inscrita é sempre relativa. A
cobrança de juros de mora feita administrativamente pela fazenda pública não impede, de maneira
nenhuma, a inscrição do título como dívida ativa e sua execução. (Procurador do M unicípio/Aracaju –
2008 – CESPE)
A execução fiscal é o único local adequado para discussão judicial da Dívida Ativa, salvo as hipóteses
de mandado de segurança, da ação de repetição do indébito e da ação anulatória do ato declarativo
da dívida. (Procuradoria Distrital – 2007) – [obs.: literalidade do art. 38 da Lei 6.830/1980]
É possível prosseguir a execução da parte válida da CDA se, por meros cálculos aritméticos, for
possível aferir os valores.
AgRg REsp 1.216.672/SC, STJ, Min. Castro Meira, j. 19.06.2012
A emenda ou substituição da Certidão da Dívida Ativa são admitidas diante da existência de erro
material ou formal, não sendo possível, entretanto, a alteração do sujeito passivo da obrigação
tributária.
REsp 880.724/BA, STJ, Min. Luiz Fux, j. 23.10.2007
A Fazenda Pública, na execução fiscal, poderá substituir a Certidão da Dívida Ativa até a prolação da
sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material e formal, vedada a modificação
do sujeito passivo da execução. (Magistratura/SC – 2010)
15.3.4.Certidões negativas
A lei pode exigir que a prova de quitação dos tributos, quando exigível, seja feita
por certidão negativa, emitida pelo Fisco por requerimento do interessado, contendo
todas as informações para sua identificação, domicílio fiscal, ramo de negócio ou
atividade, e período a que se refere (art. 205 do CTN).
A certidão deve ser emitida em até 10 dias do requerimento, nos termos em que
foi pedida.
Cabe certidão positiva com efeito de negativa no caso de créditos não vencidos,
com exigibilidade suspensa ou de execução garantida por penhora efetiva e suficiente
(art. 206 do CTN).
Jurisprudência
1. Não se reveste de ilegalidade a determinação de que a expedição de certidão positiva com efeito de
negativa esteja condicionada à penhora de bens suficientes que garantam o débito exequendo, posto
que a exegese do art. 206 do CTN conspira em prol do interesse público.
2. Para ser reconhecido o direito à Certidão Negativa de débito, não basta o oferecimento de bens à
penhora. É necessário seja a mesma efetivada, garantindo o débito.
REsp 408.677/RS, STJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 27.08.2002
NÃO será expedida a certidão positiva de débitos com efeitos de negativa quando os débitos forem
objeto de execução fiscal na qual foi apresentada apenas exceção de pré-executividade. (Procurador
do Estado/RR – 2006 – FCC)
16.1.Introdução e denominação
É comum distinguir-se procedimento fiscal do processo administrativo fiscal,
especialmente no dia a dia da administração tributária.
Procedimento fiscal refere-se à fiscalização em sentido estrito, que é a atividade
do auditor fiscal atinente à análise de livros, registros, notas, estoques do sujeito
passivo e que eventualmente termina com a lavratura do auto de infração (lançamento
de ofício).
O início do procedimento fiscal deve ser documentado, sempre que possível, nos
livros fiscais exibidos. Se em documento separado, deve ser dada cópia autenticada
para o fiscalizado – art. 196 do CTN.
A legislação fixará prazo máximo para conclusão da fiscalização.
Processo administrativo fiscal é aquele iniciado com a impugnação ao
lançamento (= fase litigiosa do procedimento, na terminologia do art. 14 do Decreto
70.235/1972) ou com a consulta formulada pelo interessado.
É comum referir-se a processo administrativo também em relação aos pedidos de
concessão ou de reconhecimento de benefícios fiscais (parcelamentos, isenções,
anistias etc.), regimes especiais de tributação, compensações etc.
Gabaritos de concursos públicos
Processo administrativo tributário é o conjunto de atos decorrentes da relação jurídica estabelecida em
contraditório, entre a administração fazendária e o sujeito passivo de obrigação tributária ou de outro
dever jurídico. (Auditor Fiscal/MS – 2006 – FGV)
Conforme o Decreto n. 70.235, de 06 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo
fiscal, a impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento administrativo fiscal.
(Procurador do Estado/SC – 2010 – FEPESE)
16.2.Objetivo e princípios
Por meio do processo administrativo fiscal, busca-se uma decisão da
administração tributária a respeito da impugnação feita pelo sujeito passivo,
mantendo, modificando ou afastando o lançamento, ou ainda a resposta à consulta
formulada.
Como já dito, admite-se que há processo administrativo fiscal também nos casos
em que a legislação prevê procedimento para concessão de benefícios fiscais,
compensações, parcelamentos etc. Nesse caso, o sujeito passivo busca o deferimento
do pedido, com reconhecimento ou concessão do benefício pleiteado.
No processo administrativo fiscal devem ser observados os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, da CF).
Veja o seguinte gabarito da ESAF, que indica de maneira bastante didática os
mais importantes princípios específicos que orientam o processo administrativo
fiscal:
Gabarito de concurso público
Livre convencimento: o julgador não está adstrito à conclusão apresentada como resultado da
diligência solicitada, podendo dele divergir, desde que fundamentadamente.
Contraditório e ampla defesa: se no curso do processo ocorrer alteração da fundamentação legal,
devolve-se ao sujeito passivo o prazo para impugnação.
Oficialidade: iniciado o processo, compete à própria administração impulsioná-lo até sua conclusão,
diligenciando no sentido de reunir o conhecimento dos atos necessários ao seu deslinde.
Verdade material: a autoridade julgadora tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos
os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos
considerados pelos sujeitos. (Auditor da Previdência Social – 2002 – ESAF)
Não tendo ocorrido recusa ou sonegação de documento ou informação por parte do sujeito passivo, o
ônus da prova do ilícito é da fiscalização. Um indício, isoladamente, não é meio de prova que autorize
o lançamento. A presunção legal relativa inverte o ônus da prova. Em se tratando de presunção legal
absoluta, qualquer prova em contrário apresentada pelo sujeito passivo não será considerada.
(Auditor Fiscal da Previdência Social – 2002 – ESAF)
16.3.Características
A legislação de cada ente regula o procedimento e o processo administrativo
fiscal.
No âmbito federal, temos o Decreto 70.235/1972 e a Lei 9.784/1999 (esta é
norma geral, relativa a todos os processos administrativos, não apenas aos fiscais).
Em atenção ao direito de petição e aos princípios do contraditório e da ampla
defesa, não podem ser exigidos depósitos ou garantias como condição para a
impugnação administrativa (início do processo) ou para os recursos administrativos,
conforme a Súmula Vinculante 21 do STF e a Súmula 373 do STJ. Por essa razão, a
exigência do arrolamento de bens no processo administrativo fiscal federal (art. 33, §
2°, do Dec.-lei 70.235/1972) foi afastada pelo STF (ADI 1.976/DF).
Gabarito de concurso público
É inconstitucional a exigibilidade do arrolamento de bens no valor equivalente a 30% da exigência
fiscal, prevista pelo Decreto 70.235/1972, como pressuposto de admissibilidade do recurso voluntário
na esfera administrativa federal, conforme procedência do pedido na ADI 1976/07. (Magistratura/MS
– 2008 – FGV)
A proposição de Ação Anulatória, estando em curso Execução Fiscal, é possível, mas a suspensão da
exigibilidade do débito só se fará mediante prova do depósito integral do seu valor. (Magistratura/PA
– 2009 – FGV)
Obs.: a rigor, é possível também antecipação de tutela em anulatória, com efeito de suspensão da
exigibilidade do crédito
17.4.Mandado de segurança
O mandado de segurança (MS) impugna ato ilegal praticado por autoridade que
ofende direito líquido e certo.
O MS pode ser preventivo ou repressivo, devendo ser impetrado, nesse último
caso, em até 120 dias após o ato coator.
Quando o impetrante se opõe ao lançamento, o prazo é contado da respectiva
notificação.
Não cabe MS contra lei em tese (Súmula 266 do STF).
É preciso prova pré-constituída, pois não há dilação probatória, ou seja, o
impetrante deve provar todos os fatos documentalmente, já com a petição inicial.
O MS em si, assim como as ações ordinárias, não suspende a exigibilidade do
crédito tributário. Para isso, é preciso que o juiz conceda liminar ou que seja
realizado depósito integral em dinheiro.
Cabe MS para declarar o direito à compensação, mas não para convalidar a
compensação já realizada (Súmulas 213 e 460 do STJ).
17.5.Consignação em pagamento
O sujeito passivo pode consignar judicialmente o valor do crédito tributário nos
casos de (art. 164 do CTN):
a) recusa de recebimento, ou subordinação ao pagamento de outro tributo ou de
penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;
b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem
fundamento legal;
c) exigência, por mais de uma pessoa, de tributo idêntico sobre o mesmo fato gerador.
A consignação só pode se referir ao valor que o consignante se propõe a pagar,
ou seja, o autor deve depositar o que ele acha correto, ainda que inferior ao montante
cobrado pelo Fisco.
A ação não suspende a exigibilidade do crédito, exceto se o depósito
corresponder ao valor exigido.
Não cabe consignatória para a realização de parcelamento.
A extinção do crédito somente ocorre no caso de procedência, com conversão do
depósito em renda.
Se a consignatória for julgada improcedente, ainda que em parte, o crédito é
cobrado com juros de mora e multas.
17.6.Repetição de indébito
17.6.1.Aspectos gerais
A ação de repetição de indébito é uma ação ordinária condenatória para que o
Fisco devolva valores indevidamente recolhidos (art. 165 do CTN).
A ação independe de comprovação de erro ou de prévio protesto, ou seja, se
alguém pagou tributo indevido ou a maior, presume-se o erro (não se imagina que
houve doação, por exemplo).
Gabarito de concurso público
O pagamento do crédito tributário quando indevido, gera ao sujeito passivo o direito à restituição,
ainda quando o pagamento tenha se dado independentemente de prévio protesto, desde que requerido
administrativa ou judicialmente no prazo legal. (Procurador do Município/Teresina-PI – 2010 – FCC)
Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar
relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem
legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no
tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICM S sobre a demanda contratada e não
utilizada.
O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de
26.04.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica aos casos de fornecimento de
energia elétrica.
REsp 1.299.303/SC, rel. Min. Cesar Asfor, j. 08.08.2012, repetitivo
17.7.Cautelar Fiscal
A cautelar fiscal é detalhadamente regulada pela Lei 8.397/1992.
Serve para garantir que o Fisco receba os valores devidos pelo sujeito passivo na
Execução Fiscal (garantia de efetividade da execução).
Pode ser proposta após o lançamento (regra) e, excepcionalmente, antes da
constituição do crédito.
É preciso (art. 3°): (i) prova literal da constituição do crédito e (ii) prova
documental de algum dos casos previstos no art. 2° da Lei.
“Art. 2° A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não
tributário, quando o devedor:
I – sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a obrigação no prazo
fixado;
II – tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da obrigação;
III – caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens;
IV – contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;
V – notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:
a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade;
b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros;
VI – possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por cento do seu
patrimônio conhecido;
VII – aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente,
quando exigível em virtude de lei;
VIII – tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;
IX – pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito.”
Na medida cautelar fiscal, o requerido será citado para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o
pedido, indicando as provas que pretenda produzir. (Magistratura/PR – 2008)
É admitida a substituição da medida cautelar fiscal decretada, a qualquer tempo, pela prestação de
garantia correspondente ao valor da prestação da Fazenda Pública. (Procurador do Estado/SC –
2010 – FEPESE)
17.8.3.Garantia e penhora
Para garantir a execução, o executado pode:
a) efetuar depósito em dinheiro;
b) oferecer fiança bancária;
c) nomear bens à penhora (a partir do mais líquido);
d) indicar bens oferecidos por terceiros à penhora, desde que aceitos pela fazenda.
O executado pode requerer a substituição do bem penhorado por dinheiro ou
fiança, o que será deferido. Qualquer outra substituição dependerá da concordância
do Fisco.
Se o executado não garantir a execução, o Fisco pode requerer a penhora on-line
ou a penhora de outros bens.
Gabarito de concurso público
Tendo em vista o disposto na Lei n. 6.830, de 22.09.1980, que trata da execução fiscal, não ocorrendo
o pagamento nem a garantia da execução legalmente prevista, a penhora poderá recair em qualquer
bem do executado, exceto, unicamente, os bens e rendas que a lei declara absolutamente
impenhoráveis. (Procurador do Estado/SC – 2009)
O juiz deferirá pedido da fazenda de substituição do bem penhorado por qualquer
outro, independentemente da ordem de liquidez, ou de reforço da penhora insuficiente.
Perceba que, no caso do pedido de substituição formulado pelo Fisco, não será
necessária a concordância do executado.
Jurisprudência
Se há penhora efetivada, esse fato não é suficiente para obstar apenhora on-line a pedido da Fazenda
exequente, uma vez que asubstituição do bem penhorado é prerrogativa que lhe é asseguradapor lei
especial.
AgRg Ag 1.221.342/SP, rel. Min. Benedito Gonçalves, j.12.04.2011
17.8.4.Embargos à execução
Garantida a execução, o executado poderá oferecer embargos no prazo de 30 dias
contados (i) do depósito, (ii) da juntada da prova da fiança bancária ou (iii) da
intimação da penhora.
No prazo para embargos, toda a matéria de defesa deve ser alegada, as provas
requeridas, os documentos juntados, além do rol de testemunhas.
Não se admite reconvenção ou compensação e as exceções (salvo suspeição,
incompetência e impedimento) serão arguidas como preliminar.
No caso da compensação, o que não se admite é o executado pleitear a extinção
do crédito no curso da execução. Por outro lado, pode comprovar que o crédito já foi
extinto por compensação no âmbito administrativo ou em demanda judicial anterior,
antes do ajuizamento da ação de execução embargada, nos termos da lei do próprio
ente tributante (isso é possível).
Jurisprudência
6. Consequentemente, a compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito
executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a
presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos
os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e
da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário.
REsp 1.008.343/SP-repetitivo, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 09.12.2009
17.8.6.Exceção de pré-executividade
O executado pode, excepcionalmente, opor-se à execução sem garantia do juízo,
por meio de exceção de pré-executividade, desde que alegue matérias cognoscíveis
de ofício (ordem pública) que não demandem dilação probatória.
Jurisprudência
Súmula 393 do STJ. A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às
matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.
17.8.7.Prescrição
A prescrição comum (antes da execução) pode ser conhecida de ofício (Súmula
409 do STJ).
Assim, se o juiz percebe que a execução foi proposta depois dos 5 anos contados
a partir do lançamento (art. 174 do CTN), deverá declarar de ofício a prescrição.
Interrompem a prescrição (art. 174, parágrafo único, do CTN):
a) despacho do juiz que ordena a citação em execução fiscal;
b) protesto judicial;
c) qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
d) qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento
do débito pelo devedor.
Interrompido, o prazo recomeça a fluir desde o início.
Ao estudarmos as modalidades de extinção do crédito tributário, vimos que o
despacho do juiz que ordena a citação interrompe o prazo prescricional (art. 174,
parágrafo único, I, do CTN).
O STJ, ao interpretar o dispositivo do CTN cotejando-o ao art. 240, § 1°, do
NCPC, entendeu que a interrupção da prescrição pela citação (pelo despacho que a
ordena, no caso) retroage à data da propositura da ação:
Jurisprudência
O Codex Processual, no § 1°, do artigo 219 [art. 240, § 1°, do NCPC], estabelece que a interrupção da
prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as
alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco
interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do
ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.
REsp 1.120.295/SP, STJ, Rel. Min. Luiz Fux, j. 12/05/2010 –repetitivo
Assim, o Fisco deve se acautelar para iniciar a execução fiscal em tempo hábil,
ou seja, em menos de 5 anos contados da constituição do crédito.
Porém, se há demora na citação por culpa exclusiva do Fisco, não há essa
retroatividade, ou seja, pode ser reconhecida a prescrição:
Jurisprudência
Ainda que se entenda em sentido contrário, é firme a orientação da Primeira Seção desta Corte de que
não retroage a prescrição à data da propositura da ação, conforme o art. 219, § 1°, do CPC [art. 240,
§ 1°, do NCPC], quando a demora na citação é imputada exclusivamente ao Fisco.
AgRg no AREsp 167.198/DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 21.06.2012
Isso não se confunde com a prescrição intercorrente, que corre durante o processo
de execução.
17.8.8.Prescrição intercorrente
Se o devedor ou bens não forem localizados, o juiz suspenderá o processo por até
1 ano, período em que não corre a prescrição, abrindo vista à fazenda (não é
necessária sua intimação, quando ela mesmo requer a suspensão), nos termos do art.
40 da Lei 6.830/1980.
Jurisprudência
1. Esta Egrégia Corte tem decidido que são prescindíveis as intimações da Fazenda Pública das
decisões que suspendem ou determinam o arquivamento do feito executório, a pedido do próprio órgão
público. Precedentes.
(…)
AgRg AREsp 10.703/RS, STJ, Min. Castro Meira, j. 17.11.2011
17.8.9.Abandono
O STJ também já admitiu a decretação de abandono da execução por inércia do
Fisco, após intimação regular, independentemente de requerimento do interessado (até
porque, muitas vezes nem há citação), afastando, portanto, o disposto na Súmula 240
do STJ.
Jurisprudência
A inércia da Fazenda exequente, ante a intimação regular para promover o andamento do feito e a
observância dos artigos 40 e 25 da Lei de Execução Fiscal, implica a extinção da execução fiscal não
embargada ex officio, afastando-se o Enunciado Sumular 240 do STJ, segundo o qual “a extinção do
processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do réu”. Matéria impassível de
ser alegada pela exequente contumaz.
REsp 1.120.097/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 13.10.2010, repetitivo
18.1.Introdução
Além das receitas tributárias próprias, decorrentes das respectivas competências
tributárias, os Estados e o DF contam com parcela das receitas relativas à
competência da União.
De modo semelhante, os Municípios retêm ou recebem parte das receitas
tributárias da União e dos respectivos Estados.
Essa repartição de receitas é fixada na CF.
Apresentaremos a seguir as regras objetivas para a repartição de receitas,
lembrando que isso é muito exigido em concursos.
Para auxiliar na memorização, veremos listagens e diagramas.
Estados e DF
20% do imposto da competência residual
Municípios
50% ou 100% do ITR
Municípios
50% do IPVA
Municípios
25% do ICMS
18.5.Resumo
Veja o seguinte resumo, com os percentuais de tributos federais e estaduais
pertencentes a Estados e Municípios.
Pertencem aos Estados e ao DF:
Estados e DF
100% do IR na fonte
Estados e DF
20% do imposto da competência residual
Estados e DF
30% do IOF sobre ouro
Municípios
50% ou 100% do ITR
Municípios
50% do IPVA
Municípios
25% do ICMS
Municípios
70% do IOF sobre ouro
Por ocasião do julgamento do RE 572.762 (rel. Min. Ricardo Lewandowski, o Tribunal Pleno (DJe
publicado em 05.09.2008), decidiu que o repasse de parcela do ICM S devida aos Municípios não pode
ficar sujeita aos planos de incentivo fiscal do Estado, sob pena de violar o sistema constitucional de
repartição de receitas.
RE 531.566 AgR/SP, STF, Min. Joaquim Barbosa, j. 09.06.2009
19.1.Definição e características
O Simples Nacional é um regime único de arrecadação de impostos e
contribuições federais, estaduais e municipais (art. 146, parágrafo único, da CF).
O ingresso no Simples Nacional é opcional para o contribuinte.
Pode haver condições de enquadramento diferenciadas por Estado.
O recolhimento é unificado e centralizado, com distribuição imediata das
parcelas dos demais entes, vedada retenção ou condicionamento.
A arrecadação, fiscalização e cobrança são compartilhadas, com cadastro
nacional único de contribuintes.
Gabarito de concurso público
O regime único de arrecadação permitirá o direito de opção para o contribuinte. A lei complementar
poderá estabelecer condições de enquadramento diferenciadas por estado. No regime único, o
recolhimento será unificado e centralizado. No regime único, a distribuição da parcela de recursos
pertencentes aos respectivos entes federados será imediata. (Magistratura/AC – 2008 – CESPE)
Contribuições Sociais
CSLL, COFINS, PIS/PASEP, CPP (patronal)
Imposto Estadual
ICMS
Imposto Municipal
ISS
Há, entretanto, diversas incidências excluídas do regime, listadas no art. 13, § 1°,
da LC 123/2006, como IR sobre aplicações financeiras, ICMS e ISS na substituição
tributária etc., que devem ser estudadas pela leitura da Lei.
19.9.Fiscalização e cobrança
A fiscalização é compartilhada pelos Fiscos federal, estaduais, distrital e
municipais. Os Estados podem delegar competência aos Municípios.
Os processos administrativos são julgados pelo ente responsável pela autuação,
embora se admitam convênios entre os entes federados. Os Municípios podem delegar
competência aos respectivos Estados.
As consultas são respondidas pela União, pelos Estados (quando relativas ao
ICMS) e pelos Municípios (quando relacionadas ao ISS).
A inscrição e a cobrança são feitas pela União, permitindo-se convênios, com
delegação de competência a Estados (em relação ao ICMS) e a Municípios (quanto ao
ISS).
Gabarito de concurso público
Os créditos tributários oriundos da aplicação da lei complementar 123/2006, que instituiu o Simples
Nacional, serão apurados, inscritos em Dívida Ativa da União e cobrados judicialmente pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que pode delegar aos Estados e Municípios,
mediante convênio, a inscrição em dívida estadual e municipal e a cobrança judicial de tributos
estaduais e municipais a que se refere essa lei. (Magistratura/PA – 2008 – FGV)
As ações dos contribuintes são movidas, em princípio, contra a União, sendo que
os demais entes devem prestar-lhe auxílio. Se a ação versar exclusivamente acerca do
ICMS ou do ISS, deverá ser proposta contra o respectivo Estado ou Município. Os
mandados de segurança são impetrados contra a respectiva autoridade fiscal (pode
ser estadual ou municipal).
8. DIREITO EMPRESARIAL
Henrique Subi
1.1.Empresário
Com o advento do Código Civil (CC) de 2002, abandona-se a teoria dos atos
de comércio sobre a qual se fundava o Direito Comercial e alarga-se o grupo de
destinatários das respectivas normas, agora modernizadas pela adoção formal no país
d a teoria da empresa nascida na Itália. Assim, o Direito Empresarial deixa de
acolher apenas os comerciantes, definidos em rol exaustivo, e abraça os
empresários, definidos em conceito aberto pelo CC.
O art. 966 do CC define empresário como aquele que exerce profissionalmente
atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de
serviços. Para a caracterização do empresário, portanto, é necessária a concorrência
de diversos elementos:
a) Profissionalismo: dizemos que determinada pessoa exerce um trabalho
profissionalmente quando o faz com habitualidade, ou seja, em caráter não eventual,
com frequência (ex.: a pessoa que vende seu próprio carro para outro particular
unicamente quando está interessada em adquirir outro, não pode ser considerada um
empresário do ramo de venda de veículos); pessoalidade, o que significa dizer que o
empresário é aquele que exerce a atividade em nome próprio (empresária é a pessoa
jurídica que figura como parte contratante e assume as responsabilidades pelo
negócio e não seu eventual preposto – gerente, administrador – ou mesmo o sócio que
por ela assina); e monopólio das informações, sendo profissional aquele que detém
os conhecimentos indispensáveis para a realização das atividades, cabendo a ele
decidir quais desses dados podem ou devem chegar ao conhecimento dos
consumidores e demais figuras do mercado (ex.: insumos necessários, tecnologia
empregada, riscos na utilização do produto ou serviço etc.);
b) Atividade econômica: para o Direito Empresarial, atividade econômica é aquela
com fins lucrativos, que não devem jamais ser confundidos com o imprescindível
superávit que qualquer atividade busca para perpetuar-se. Caracteriza-se a finalidade
lucrativa com a incorporação do lucro contábil da atividade ao patrimônio pessoal
do empresário individual, ao titular da empresa individual de responsabilidade
limitada ou com a divisão deste entre os sócios da pessoa jurídica empresária. Ex.:
uma ONG vende habitualmente doces caseiros para obter receita e financiar
programas assistenciais. Para que essa organização sobreviva em seu intento, é
fundamental que as receitas sejam maiores que as despesas. Porém, se o superávit é
reaplicado na própria atividade, proporcionando assistência social a um número
maior de pessoas, não estamos diante de uma sociedade empresária;
c) Organização: só é empresário aquele que organiza os quatro fatores de
produção para o exercício de sua atividade econômica: capital, que são os
investimentos realizados no momento da constituição da empresa e os aportes
financeiros exigidos ao longo de sua existência no mercado; mão de obra, pois o
empresário não trabalha sozinho, ele deve contratar empregados ou colaboradores
que o auxiliem na atividade (a qual, lembre-se, ele exercerá sempre em nome
próprio); insumos, que podem ser conceituados como os bens que o empresário
reúne e utiliza para consecução de seus objetivos; e tecnologia, não
necessariamente de ponta, mas o pleno conhecimento, pelo empresário, dos métodos e
dados importantes para a qualidade dos produtos ou serviços oferecidos .
Acompanhe o seguinte exemplo: suponha um senhor que ganha a vida fazendo e
vendendo pastéis em uma feira livre. Ele investe dinheiro em seu pequeno negócio
(capital) e com ele compra ingredientes, temperos, estufa, panelas (insumos); a fim de
conseguir atender a demanda da feira, contrata ajudantes para fritar os pastéis e anotar
os pedidos dos clientes (mão de obra); e o sucesso de suas vendas depende
diretamente do quanto ele conhece da arte de fazer pastéis, como a quantidade de
fermento na massa, a temperatura correta do óleo ou quanto tempo o recheio dura na
geladeira antes de estragar (tecnologia);
d) Produção ou circulação de bens ou serviços: trata-se, a nosso ver, do coração do
conceito, pois de nada adianta alguém exercer profissionalmente uma atividade
econômica organizada se esta atividade não se enquadrar em um dos objetos
previstos no CC. São eles: indústria (produção de bens), comércio (circulação de
bens), prestação de serviços (produção de serviços) e agenciamento (circulação de
serviços – agente é o empresário que aproxima o prestador de serviços do
interessado em contratá-lo, sendo exemplos o agente de viagens e o agente de
determinado artista famoso que negocia o local e o valor das apresentações).
Se estivermos tratando de uma sociedade por ações, regularmente instituída na
forma da Lei 6.404/1976, ela será sempre empresária, pouco importando sua
tipicidade ao conceito analisado, por força do art. 982, parágrafo único, do CC.
1.1.1.Atividades não empresárias por determinação legal
Em suma, e como regra, basta avaliarmos se a atividade exercida pela pessoa
física ou jurídica enquadra-se no conceito que estaremos diante de um empresário.
Todavia, o CC exclui diretamente do Direito de Empresa as atividades intelectuais,
de natureza científica, literária ou artística. Isso impõe que advogados, contadores
(atividades científicas), escritores (atividade literária) e pintores ou músicos
(atividades artísticas), por mais que exerçam profissionalmente tais atividades,
incorporando todos os demais elementos do art. 966, por expressa determinação legal
não serão considerados empresários.
Esses afazeres são considerados, juntamente com quaisquer outros que não se
vinculem ao conceito, atividades econômicas civis, cujo regime jurídico será aquele
previsto no Direito das Obrigações.
Aquele que exerce, por conta própria, atividades econômicas civis é chamado de
profissional liberal.
Já a sociedade que não puder ser considerada empresária, por sua atividade não
se enquadrar no conceito do art. 966 ou por expressa exclusão legal, será chamada de
sociedade simples.
Existe, entretanto, uma possibilidade para que as atividades intelectuais sejam
empresárias: basta que constituam elemento de empresa,
Existe, entretanto, uma possibilidade para que as atividades intelectuais sejam
empresárias: basta que constituam elemento de empresa, como previsto na parte
final do parágrafo único do art. 966 do CC. Não há consenso na doutrina sobre o
que se deve entender como “elemento de empresa”. É possível reconhecer ao menos 3
(três) correntes:
a) Teoria da absorção ou do exercício conjunto de atividades: uma das razões
do debate é a supressão de parte do artigo do Código Civil Italiano quando da
tradução do dispositivo, lembrando que a lei peninsular foi usada de modelo para o
nosso Código. Compare:
1.1.2.Configuração do empresário
Qualquer pessoa pode, em determinado momento, decidir lançar-se em alguma
atividade empresária para auferir lucros com ela. Deve apenas escolher se o fará
sozinho ou dividindo as responsabilidades e ganhos com terceiros.
A pessoa física que exerce sozinha, em nome próprio, atividade empresária é
denominada empresário individual. Cuidado aqui: o empresário individual está
“sozinho” porque prefere não ter sócios, mas deve sempre organizar mão de obra,
contratando empregados e prepostos para que seja considerado empresário!
A principal característica do empresário individual é a ausência de separação
patrimonial entre a atividade empresária e seu patrimônio pessoal. Isso implica que o
empresário individual responde ilimitadamente pelas dívidas da empresa.
Com o advento da Lei 12.441/2011, foi criada uma nova forma de exercício de
empresa: a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), espécie de
pessoa jurídica cujo capital social é totalmente subscrito e integralizado por uma
única pessoa física. O art. 980-A do Código Civil é vago ao dizer somente “uma
única pessoa”, porém a natureza da EIRELI impõe, a nosso ver, a dedução de só as
pessoas físicas podem titularizá-la. Nossa posição é reconhecida pelo
Departamento de Registro de Empresa e Integração (DREI), órgão nacional
responsável pela normatização do registro de empresas no país, que editou o
“Manual de Registro da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada -
EIRELI” em 20141. O Manual é expresso, em seu item 1.2.11 que “não pode ser
titular de EIRELI a pessoa jurídica”.
Parte da doutrina, contudo, entende diversamente, adeptos à interpretação literal
do art. 980-A do CC. Há liminares concedidas em 1a instância anotando que a
instrução normativa do DREI teria extrapolado sua função jurídica ao proibir algo que
a lei não proíbe. Aguardemos outras manifestações judiciais, a consolidação da
jurisprudência ou eventual alteração na legislação do DREI. Até lá, é fato que as
Juntas Comerciais negam registro a EIRELI titularizada por pessoa jurídica.
Com a atribuição da personalidade jurídica, forçoso reconhecer a autonomia
patrimonial e negocial à EIRELI, e será ela, a pessoa jurídica, a ser considerada
empresária, e não seu titular.
São requisitos para a constituição da EIRELI (art. 980-A do CC):
a) Capital social de, no mínimo, 100 salários mínimos;
b) A pessoa física que constituir a EIRELI somente poderá figurar em uma única
pessoa jurídica desta modalidade;
c) Aplicação supletiva das normas que regem a sociedade limitada.
O novel dispositivo legal atribui, ainda, à EIRELI a remuneração decorrente da
cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que
seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
Não poderíamos deixar de ressaltar o fato de que, apesar de seu pouco tempo de
existência jurídica, a EIRELI já é alvo de uma série de críticas por parte da doutrina.
À guisa de exemplo, anotamos que tramita no STF a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 4637, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS)
alegando, em síntese, que a exigência mínima de 100 salários mínimos para a
constituição do capital da EIRELI é inconstitucional, por violar a proibição de
vinculação do salário mínimo para qualquer fim (prevista no art. 7°, IV, da CF) e
limitar a livre-iniciativa (art. 170 da CF), pois exige um poder econômico
incompatível com a maioria dos pequenos empresários nacionais.
Se a atividade, por outro lado, for exercida em conjunto de duas ou mais
pessoas, dividindo-se os riscos do negócio, estaremos diante de uma sociedade
empresária. Mais uma vez, atenção! Empresária é a pessoa jurídica, a sociedade, e
não os sócios, diante da personalidade distinta que a pessoa jurídica ostenta diante de
seus fundadores.
Sabemos que o termo sociedade está vinculado ao estudo das pessoas jurídicas
no CC, sendo deste gênero uma das espécies. Surge, então, uma questão relevante: e
as demais espécies de pessoas jurídicas, podem ser consideradas empresárias?
Para responder a essa indagação, basta visitarmos o conceito de cada uma delas
no Código. Diz o art. 53 que as associações são uniões de pessoas organizadas para
fins não econômicos, o que afasta sem rodeios a chance de serem consideradas
empresárias; a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais,
culturais ou de assistência (art. 62, parágrafo único), novamente uma exclusão direta
da atividade empresária; as organizações religiosas, por sua própria natureza,
também não são voltadas para a produção ou circulação de bens ou serviços com fito
de lucro; e, por último, os partidos políticos destinam-se a assegurar, no interesse
do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os
direitos fundamentais definidos na Constituição Federal (art. 1° da Lei
9.096/1995).
Restam, então, a empresa individual de responsabilidade limitada e a sociedade.
A primeira analisamos acima, dentro do contexto do empresário individual, e
obviamente pode ter natureza empresária. Quanto às pessoas jurídicas que se
constituem pela união de duas ou mais pessoas com um objetivo comum, nota-se que a
utilização do termo sociedade empresária não foi à toa. Dentre estas, ela é a única
que se destina ao exercício de atividade econômica e a partilha dos resultados entre
os sócios.
1.1.4.Empresário casado
Cônjuges podem ser sócios um do outro, exceto se casados pelos regimes da
comunhão universal ou da separação obrigatória de bens. Motivo: na comunhão
universal, a sociedade não existiria verdadeiramente, seria uma ficção, dado que a
total comunicação do patrimônio dos cônjuges, no qual se inserem as quotas sociais,
impediria a caracterização da autonomia do patrimônio social e a divisão da
responsabilidade entre eles. As quotas do marido pertenceriam também à mulher e
vice-versa, tornando ambos, ao mesmo tempo, proprietários da totalidade do capital.
Já na separação obrigatória, a constituição de uma sociedade poderia servir como
instrumento de fraude ao isolamento do patrimônio dos nubentes imposto pela lei.
A regra deve ser observada indiferentemente para as sociedades empresárias ou
sociedades simples (STJ, REsp 1058165/RS, DJ 14/04/2009) e abrange tanto a
constituição originária da sociedade quanto a participação derivada, isto é, o ingresso
superveniente de cônjuge em sociedade de que outro já participa (Enunciado 205
JDC/CJF).
Atente para o fato de que a sociedade entre cônjuges casados pelo regime da
separação convencional de bens é totalmente permitida. A vedação opera apenas nos
casos previstos no art. 1.641 do CC.
Ainda que não se trate de sociedade entre cônjuges, insta frisar que o empresário
casado (seja individual, titular de empresa individual de responsabilidade limitada ou
administrador de sociedade empresária) não sofre qualquer diminuição em seus
poderes de administração da empresa. Não se exige outorga uxória ou marital,
qualquer que seja o regime de bens, para a alienação ou oneração de imóveis que
integrem o patrimônio da empresa, considerando a autonomia existente entre este e o
patrimônio do empresário. Ele não estará alienando bem particular, razão pela qual
fica afastada a participação do cônjuge como condição de eficácia do ato.
1.2.Registro
A atividade empresária, além de ser um fato jurídico, é, sem sombra de dúvidas,
um fato econômico de grande relevância, considerando seu potencial para gerar
empregos, aumentar a oferta de produtos e serviços e incentivar o crescimento
econômico do país, colocando mais recursos em circulação.
Nessa situação, o empresário irá estabelecer relações com inúmeras pessoas,
como empregados, fornecedores e consumidores.
É por isso que a regularidade da atividade empresária depende da formalidade
do registro, que se presta a dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia aos atos jurídicos das empresas (art. 1°, I, da Lei 8.934/1994). Com efeito,
as características do registro conferem a segurança jurídica necessária para que as
pessoas que pretendam contratar com determinado empresário possam verificar a
conveniência de fazê-lo diante das informações ali constantes.
1.3.Escrituração
É o dever imposto pela lei ao empresário, à empresa individual de
responsabilidade limitada e à sociedade empresária de manter seu sistema de
contabilidade em dia e conforme as melhores técnicas contábeis. A escrituração da
empresa é concretizada através dos livros empresariais, que podem ser divididos em:
a) Livros obrigatórios, que devem ser escriturados por todos os empresários e
sociedades empresárias, sob pena de, não o fazendo, sofrerem as respectivas sanções.
Há duas espécies de livros obrigatórios:
a1) Livros obrigatórios comuns, que são impostos a todo e qualquer tipo de empresa.
Atualmente, o único desta espécie é o Livro Diário; e
a2) Livros obrigatórios específicos (ou especiais), que devem ser escriturados
apenas se ocorrerem determinadas situações. Ex.: o Livro Registro de Duplicatas é
obrigatório somente para as empresas que emitem esta espécie de título de crédito,
desde que não se utilizem do sistema de emissão escritural previsto na Lei n°
13.775/2018;;
b) Livros facultativos (ou acessórios), que, como o próprio nome indica, servem
para auxiliar o empresário na administração da atividade, mantendo um registro mais
detalhado de suas operações. Não há sanções pela não escrituração de um livro
facultativo. Ex.: Livro Caixa.
Considerando que a escrituração deve seguir o padrão contábil, é regra que ela
seja realizada por um profissional que detenha os conhecimentos técnicos
necessários, denominado contabilista ou contador, regularmente inscrito em seu
conselho profissional. O art. 1.182 do CC abranda essa exigência na hipótese de não
existir contabilista na localidade onde a empresa está estabelecida. Nesta situação,
poderá o empresário indicar pessoa de sua confiança que repute hábil a efetuar a
escrituração conforme a lei.
O dever de escrituração abrange também a obrigação de levantar anualmente o
balanço patrimonial e o de resultado econômico. Trata-se de documentos contábeis
que demonstram a atual situação patrimonial da empresa, como uma radiografia. O
balanço patrimonial traz em seu bojo o total do ativo, do passivo e o patrimônio
líquido da empresa, esmiuçados, cada um deles, em rubricas padronizadas por lei. O
balanço de resultado econômico (ou demonstração da conta de lucros e perdas ou
ainda, como conhecida na prática por força da Lei das Sociedades por Ações,
demonstração do resultado do exercício) apresenta, pormenorizadamente, as
receitas e despesas contabilizadas no período, apurando a existência de lucro ou
prejuízo na empresa.
Os livros empresariais, dada sua importância, recebem um tratamento
diferenciado quanto a seu valor probatório e confidencialidade. Com efeito, estando a
escrituração em ordem e os livros devidamente autenticados pela Junta Comercial, os
lançamentos neles constantes fazem prova a favor do empresário. Isso quer dizer que
eventuais créditos neles registrados servem como prova de que a obrigação realmente
existe. Ressalte-se que não configuram títulos executivos, tão somente elementos
probatórios para o processo de conhecimento.
Em contrapartida, a existência de vícios intrínsecos ou extrínsecos na
contabilidade derruba a eficácia probatória dos livros em benefício do empresário,
sendo sempre hábeis a provar contra ele.
É importante lembrar, ainda, o princípio da indivisibilidade da escrituração, que
determina, quando regulares, que os lançamentos contábeis sejam considerados como
uma unidade. Em outras palavras, se houver nos livros fatos escriturados favoráveis e
outros prejudiciais aos interesses do empresário, todos deverão ser considerados
como prova pelo juiz (art. 419 do NCPC). Ao empresário, porém, será lícito provar
que os dados constantes da contabilidade não correspondem à verdade dos fatos por
meio de outros documentos (art. 417 do NCPC).
No que toca à confidencialidade, os arts. 1.190 e 1.191 do CC deixam claro que a
obrigação de exibição dos livros depende de mandado judicial unicamente para
dirimir as questões relativas à sucessão, comunhão ou sociedade, administração à
conta de outrem ou falência e, conforme previsto no art. 105 da Lei n° 6.404/1976
(Lei das Sociedades por Ações), quando houver atos violadores da lei ou do estatuto
social ou fundada suspeita de irregularidades graves atribuídas a qualquer dos órgãos
da companhia, em pedido subscrito por acionistas representantes de, no mínimo, 5%
do capital social. Na mesma esteira, destacamos que a apreensão dos livros somente
se dará em caso de recusa na apresentação. Nota-se, portanto, que nem mesmo a
autoridade judicial, fora dos casos expressamente previstos em lei, pode determinar a
exibição compulsória dos livros empresariais.
Questão interessante se coloca sobre o acesso das autoridades fazendárias aos
livros empresariais no exercício da fiscalização. Naturalmente, a proibição de acesso
aos livros a elas não se aplica (art. 1.193 do CC e 195 do CTN), pois, se assim não
fosse, estaríamos esvaziando o poder de fiscalização da Fazenda Pública, tornando-o
inócuo. Veja-se, a propósito, a Súmula 439 do STF: “estão sujeitos à fiscalização
tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame aos pontos
objeto da investigação”.
A parte final do verbete sumular merece atenção, tendo em vista que deixa claro
que a Fazenda, mesmo podendo muito, não pode tudo. A obrigação tributária
acessória de franquear acesso aos livros está vinculada à potencial descoberta de
tributos a pagar pelo contribuinte. O STJ já decidiu que a fiscalização municipal não
pode exigir a exibição dos livros de empresário que não é contribuinte do ISS (STJ,
REsp 539084/SP, DJ 18/10/2005).
1.4.Prepostos
São quaisquer pessoas contratadas pelo empresário que atuam no interesse da
empresa, representando-a perante terceiros . Não percamos de vista que uma das
características da atividade empresária é a pessoalidade, razão pela qual o preposto
atua sempre em nome da empresa.
Os atos do preposto, desde que praticados dentro dos limites da atividade da
empresa, trazem obrigações ao preponente (o empresário), independentemente de
autorização escrita se o ato foi celebrado dentro do estabelecimento. Para os
prepostos que atuam fora deste é necessária a atribuição de poderes por escrito.
A responsabilidade civil dos prepostos, no caso de suas ações causarem danos a
terceiros, depende da verificação do elemento subjetivo do ilícito. Se agiram com
culpa, a responsabilidade é do empresário-preponente, que terá ação de regresso
contra o preposto. Caso tenham agido com dolo, sua responsabilidade será solidária
com a empresa.
O preposto não pode, ainda, negociar por conta própria ou de terceiro ou praticar
quaisquer atos de operação econômica do mesmo gênero de seu preponente. Ex.: um
funcionário de uma loja de roupas não pode, em seu tempo livre e aproveitando-se da
clientela e do conhecimento adquirido em seu emprego, passar a vender roupas em
seu próprio nome. Se o fizer, deverá indenizar o preponente (que poderá, inclusive,
reter o lucro das operações ilícitas efetuadas) e ainda poderá incorrer em crime
contra a ordem econômica diante da concorrência desleal.
1.4.1.Gerente
O CC individualizou dois prepostos, considerando a importância da atividade por
eles exercida. O primeiro deles é o gerente, preposto de confiança do empresário
nomeado para, permanentemente, praticar quaisquer atos necessários ao exercício
dos poderes que lhe foram outorgados.
É possível que o preponente limite os poderes do gerente. Entretanto, para que tal
providência tenha eficácia perante terceiros, deve obrigatoriamente estar averbada na
Junta Comercial, salvo se ficar provado que o terceiro dela tinha conhecimento.
O gerente é autorizado a estar em juízo em nome do empresário quanto às
obrigações resultantes do exercício de sua função (art. 1.176 do CC).
A responsabilidade civil do gerente, em regra, é solidária com a do preponente
para atos praticados dentro dos limites de seus poderes e ligados à sua função (art.
1.175 do CC). Será pessoal, todavia, em situações desvinculadas de seu emprego,
como, por exemplo, nos casos de infidelidade quando constar como depositário de
penhora judicial (STJ, RHC 18089/SP, DJ 08/09/2005).
1.4.2.Contabilista
É o preposto responsável pela escrituração da empresa. Os lançamentos
efetuados por ele consideram-se, salvo comprovada má-fé, como se o próprio
empresário os tivesse feito. De outra banda, a responsabilidade do contabilista será
pessoal, solidária com a do preponente, em caso de lançamentos incorretos na
escrituração determinados pelo empresário e que sejam de seu conhecimento (art.
1.177 do CC). Com isso, podemos resumir as hipóteses de responsabilidade civil do
contabilista conforme o seguinte quadro:
1.5.Nome empresarial
1.5.1.Conceito
É a designação pela qual o empresário e a sociedade empresária são
conhecidos nas suas relações de fundo econômico. Da mesma forma que o nome
civil da pessoa natural, o nome empresarial individualiza a empresa perante seus
clientes, fornecedores e colaboradores. É o elemento identificador da empresa no
mercado.
1.5.2.Espécies
O direito brasileiro acolhe duas espécies de nome empresarial:
a) firma, baseada no nome civil do empresário individual, do titular de empresa
individual de responsabilidade limitada ou de um, alguns ou todos os sócios de
sociedade empresária. Pode, opcionalmente, trazer o ramo de atividade da empresa.
Tem dupla função: além de identificar a empresa, é também a assinatura que deve ser
aposta nos documentos que obriguem o empresário. Ex.: os sócios da sociedade
empresária que gire sob a firma “Paulo da Silva & Cia. Ltda.” devem criar uma
assinatura que contemple este nome, incluindo todos os seus elementos constituintes
(“& Cia. Ltda.”);
b) denominação, aplicável à empresa individual de responsabilidade limitada ou à
sociedade empresária, pode basear-se no nome civil do titular ou dos sócios ou
qualquer outro elemento linguístico, vulgarmente conhecido como “elemento
fantasia”. Deve, obrigatoriamente, adotar o ramo de atividade da empresa. Difere
também da firma por não se constituir em assinatura da empresa. Ex.: os sócios da
sociedade empresária que gire sob a denominação “Carcará Serviços Técnicos Ltda.”
devem assinar, cada um, sua própria assinatura civil.
Sociedade em conta de
participação – Não usa nome empresarial, pois sua existência não é divulgada.
– Somente firma
Sociedade em nome – Nome civil de um, alguns ou todos os sócios
coletivo – Se faltar o nome de alguém, deve conter o elemento “e companhia” por
extenso ou abreviado (“& Cia.”)
– Somente firma
Comandita simples – Nome civil de um, alguns ou todos os sócios comanditados
– Se faltar o nome de algum dos sócios comanditados, deve conter o
elemento “e companhia” por extenso ou abreviado (“& Cia.”)
– Firma ou denominação
– Se firma: segue as regras da Sociedade em Nome Coletivo
Sociedade Limitada – Se denominação: deve constar o ramo de atividade
– Sempre deve constar o elemento “limitada” por extenso ou abreviado
(“Ltda.”)
– Firma ou denominação
– Se firma:
a) Nome civil de um, alguns ou todos os sócios diretores ou administradores
com responsabilidade ilimitada
Comandita por ações b) Se faltar o nome de algum deles, deve constar o elemento “e companhia”
por extenso ou abreviado (“& Cia.”) no final do nome
– Se denominação, deve constar o ramo de atividade
– Sempre deve constar o elemento “comandita por ações” por extenso ou
abreviado (“C.A.”)
– Somente denominação
– Deve constar o ramo de atividade
– Deve constar o elemento “sociedade anônima”, em qualquer parte, ou
Sociedade anônima “companhia”, no início ou no meio do nome (nunca no final), por extenso ou
abreviado (“S.A.” ou “Cia.”)
– Pode usar, como exceção, nome civil do fundador ou de pessoa que
concorreu para o bom êxito da sociedade
1.6.Estabelecimento empresarial
1.6.1.Conceito
O estabelecimento é conceituado como todo complexo de bens organizado pelo
empresário, por empresa individual de responsabilidade limitada ou sociedade
empresária para o exercício da empresa (art. 1.142 do CC). Antigamente era
denominado fundo de comércio.
No dia a dia, tendemos a usar o termo “empresa” e “estabelecimento” como
sinônimos, apesar de não o serem. “Empresa” é a atividade econômica exercida, ao
passo que “estabelecimento” é o local onde ela é exercida. É a base física da
empresa.
O estabelecimento é composto por bens corpóreos (mesas, balcões,
computadores…) e incorpóreos (título, marcas registradas, clientela…). Tais coisas,
isoladamente, para pouco serviriam. Porém, quando o empresário, valendo-se de sua
experiência e visão de negócios, reúne esses bens de forma organizada para deles
usufruir com intuito de lucro, eles passam a ser considerados como um único corpo
que possui valor econômico superior à soma de cada um de seus componentes
separadamente. É o que denominamos aviamento.
Quanto à natureza jurídica, o estabelecimento é uma universalidade de fato, uma
vez que a unificação dos bens e de sua destinação ocorre pelo e no interesse do
empresário. Notadamente, possui valor econômico, ainda mais ao se considerar o
aviamento, o qual deve ser mensurado em caso de dissolução parcial da sociedade e
apuração de haveres do sócio retirante (STJ, REsp 907014/MS, DJ 11/10/2011).
1.6.2.Alienação do estabelecimento
O estabelecimento, como já dito, possui valor econômico autônomo e pode, em
razão disso, ser objeto de contrato específico de alienação, mantendo-se a empresa
em nome do proprietário original. O contrato de alienação de estabelecimento
empresarial chama-se trespasse.
Não se perca de vista, de outro lado, que o estabelecimento, exatamente por
integrar o ativo do empresário, é garantia de seus credores para o pagamento do
passivo e como tal pode ser objeto de penhora total ou parcial. Desse modo, a
inevitável redução do ativo imobilizado operada com a venda do estabelecimento
deve ser avaliada e aprovada pelos credores para ser eficaz.
Por essa razão, o contrato de trespasse é celebrado entre alienante e adquirente,
mas apresenta uma condição de eficácia perante os credores caso ao alienante não
restem bens suficientes para solver seu passivo: estes devem ser notificados da
pretensão da avença e aprová-la, expressa ou tacitamente, no prazo de 30 dias (art.
1.145 do CC). Caso o empresário-alienante não deseje depender de seus credores
para ratificar a venda do estabelecimento, deve pagar a todos ou demonstrar que
mantém patrimônio suficiente para a quitação de seu passivo.
O trespasse realizado sem as formalidades acima, ou seja, sem a satisfação pelo
pagamento ou aprovação dos credores, configura ato de falência (art. 94, III, “c”, da
Lei 11.101/2005). O STJ já decidiu que a alienação de parte essencial do
estabelecimento que o descaracterize como local de comércio ou indústria também
configura o ato de falência (STJ, REsp 33762/SP, 26/02/1997).
Exsurge, ainda, como exigência para a eficácia perante terceiros da alienação, do
usufruto e do arrendamento do estabelecimento o seu registro na Junta Comercial e
sua publicação no Diário Oficial.
O adquirente do estabelecimento sucede o alienante em todas as dívidas
regularmente contabilizadas, bem como nas obrigações trabalhistas e tributárias. É
dever do interessado em comprar a unidade produtiva verificar o passivo do
empresário, pois será responsável pelo adimplemento das obrigações, desde que
regularmente registradas nos livros – o que é natural diante da inviabilidade de
exigir-se do novel proprietário do estabelecimento o pagamento de dívidas inscritas
somente na contabilidade paralela (“caixa 2”), a qual, além de proibida, nunca seria
franqueada pelo alienante.
No que toca ao passivo trabalhista e tributário, destes não se exige o lançamento
contábil para a responsabilização do adquirente, cabendo a este a avaliação do risco
(STJ, AgRg no Ag 1225408/PR, DJ 23/11/2010).
Vale lembrar que somente as dívidas vinculadas ao estabelecimento objeto do
trespasse é que serão sucedidas pelo adquirente e não todo o passivo do vendedor.
Já o alienante, mesmo com a plena validade e eficácia do contrato, continuará
responsável solidário pelas dívidas contabilizadas pelo prazo de um ano, contado:
a) da publicação, para as dívidas vencidas no momento da celebração; e
b) do vencimento, para aquelas que estavam a vencer depois de fechado o acordo.
Como efeito implícito do trespasse, estabelece o art. 1.147 do CC a cláusula de
não restabelecimento, que impõe ao alienante a obrigação de não voltar a exercer a
mesma atividade em outro estabelecimento na mesma localidade pelo prazo de 05
anos. Leia-se “mesma localidade” como “mesmo município”, conforme aponta a
doutrina majoritária. A regra é posta para coibir a concorrência desleal, considerando
que o alienante poderia carregar consigo a clientela se pudesse restabelecer-se na
mesma cidade, diminuindo sobremaneira o faturamento do estabelecimento vendido.
Não se questiona, de toda forma, a natureza dispositiva da norma, podendo o contrato
de trespasse dispor diferentemente.
1.6.3.Proteção ao ponto
O ponto empresarial é o local específico onde se encontra o estabelecimento, o
endereço onde ele se instala. Não se confunde com o próprio estabelecimento, que é
o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos organizados para o exercício da
empresa, porque é dele parte integrante, sendo um de seus elementos imateriais.
Muitas vezes, o ponto possui valor econômico de grande vulto, pois a localização
do estabelecimento é determinante, por exemplo, no volume e na captação da
clientela. Em face disto, a lei protege o ponto explorado pelo empresário.
Notadamente, se o empresário escolhe como ponto um imóvel seu, a proteção
decorrerá da Constituição Federal e de todas as normas garantidoras do direito de
propriedade. Adicione-se a garantia de que, em caso de desapropriação, a
indenização a que faz jus o proprietário deve incluir o valor do ponto e não apenas o
imóvel.
Proteção específica do Direito Empresarial está prevista na Lei 8.245/1991.
Trata-se da renovação compulsória do contrato de locação.
Temos, então, a hipótese de exploração de empresa em imóvel alheio, através de
contrato de locação. Com o passar do tempo, o ponto empresarial vai ganhando força,
fazendo com que mais e mais pessoas frequentem o local diante de sua visibilidade.
Com a aproximação do fim do prazo de locação, haverá, potencialmente, um conflito
de interesses: o locatário quer manter-se no local, pois trabalhou para construir a boa
imagem da empresa e parte dela se funda no ponto; e o proprietário percebe que,
agora que todos conhecem seu endereço, pode oferecer o imóvel à locação por um
preço mais valorizado. Nesse embate, sobressai o interesse do empresário ou o
direito de propriedade?
Optou a lei pela primeira opção. O empresário terá direito à renovação da
locação, ainda que contra a vontade do proprietário, desde que:
a) O contrato tenha sido celebrado por escrito;
b) O contrato tenha prazo determinado de 05 anos, podendo o locatário somar
vários contratos para atingir o mínimo exigido, desde que todos tenham sido
celebrados por escrito e com prazo determinado. Não impede o exercício do direito o
curto espaço de tempo entre cada renovação, tendo sido reconhecido como curto o
lapso de um mês, mas não os prazos de seis, sete, doze ou vinte e quatro meses (STJ,
AgRg no REsp 61436/SP, DJ 16/03/2006);
c) Esteja o empresário explorando o mesmo ramo de atividade há, no mínimo, 03
anos ininterruptamente até a propositura da ação;
d) A ação renovatória deve ser ajuizada entre um ano e seis meses antes do fim
do contrato, sob pena de decadência. Basta, para obstar a caducidade, a
protocolização do pedido no foro competente (STF, AgRg no REsp 866672/MG, DJ
19/06/2007).
Atendidos aos requisitos, a renovação será concedida pelo prazo do último
contrato celebrado, respeitando-se o máximo de 05 anos (STJ, REsp 693729/MG, DJ
22/08/2006).
Reitere-se que o direito à ação renovatória é garantido ao empresário, restando
desprotegido, portanto, o ponto daqueles que exercem atividades civis não amparadas
pelo Direito Empresarial nos termos do art. 966 do CC (profissionais liberais e
sociedades simples).
De outra banda, o direito de propriedade do dono do imóvel, apesar de mitigado,
não é totalmente suprimido. Em face da propositura de uma ação renovatória de
locação, eventualmente caberá ao locador a exceção de retomada, defesa processual
baseada em uma das seguintes situações:
a) Necessidade de realizar obras que importem em radical transformação do
imóvel por imposição do Poder Público;
b) Realização de obras de valorização do imóvel;
c) Retomada do imóvel para uso próprio, para fins não empresariais;
d) Transferência de estabelecimento empresarial existente há mais de um ano, de
cuja empresa o locador, o cônjuge, ascendente ou descendente do proprietário seja
sócio com maioria do capital. Ainda assim, deve a empresa do locador ou de pessoa
de sua família explorar outro ramo de atividade, exceto se a locação do imóvel
compreender, inafastavelmente, o próprio estabelecimento (ex.: posto de gasolina –
STJ, REsp 4144/SP, DJ 04/02/1991);
e) Proposta melhor de terceiro, sendo que o atual locatário sempre terá preferência
para ofertas iguais;
f) Insuficiência na proposta do locatário, ou seja, o valor que este pretende pagar
não se coaduna com o atual valor de mercado do imóvel; e
g) Não preenchimento dos requisitos da ação renovatória ou sua protocolização
fora do prazo legal.
Independentemente da possibilidade do locador retomar o imóvel, é preciso
verificar se assistirá direito de indenização ao locatário pela perda do ponto.
Vejamos o quadro sinótico abaixo:
2. DIREITO SOCIETÁRIO
2.1.Conceito de sociedade
Na sociedade, as pessoas reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou
serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados.
Fundamenta-se a existência das sociedades na dificuldade natural do exercício de
determinadas atividades econômicas. Diante de sua complexidade, as pessoas
percebem que não conseguiriam alcançar o sucesso sozinhas, buscando alguém com
projetos similares para dividir os riscos e os benefícios do negócio.
2.1.1.Personalidade jurídica
A sociedade é uma pessoa jurídica de direito privado (art. 44, II, do CC). Disso
exsurge que ela possui tríplice titularidade jurídica, a saber:
a) Titularidade negocial, que a transforma em sujeito de direitos autônomo, distinto
da pessoa dos sócios que por ela praticam o ato;
b) Titularidade processual, uma vez que pode ser parte em processo judicial; e
c) Titularidade patrimonial, pois a criação da sociedade implica no surgimento de
uma massa patrimonial que lhe é própria, também distinta do patrimônio dos sócios
que a compõem.
Há, não obstante, sociedades que não adquirem personalidade jurídica, chamadas
d e sociedades não personificadas. Basta, por ora, sabermos que elas existem,
deixando o detalhamento de suas características para mais adiante.
2.3.6.Quanto à nacionalidade
a) Sociedade nacional: é aquela organizada conforme a lei brasileira e que tenha
sede no País;
b) Sociedade estrangeira: as que têm sede em outro país ou que se constituam
conforme legislação alienígena. Não podem funcionar no Brasil sem autorização do
Poder Executivo.
2.3.7.Quanto ao controle
a) Sociedade controlada: sociedade de cujo capital outra sociedade possua a
maioria dos votos nas deliberações e o poder de eleger a maioria dos
administradores;
b) Sociedade coligada (ou filiada): sociedade em cujo capital outra sociedade
tenha participação de 10% ou mais, sem controlá-la;
c) Sociedade de simples participação: sociedade em cujo capital outra sociedade
tenha participação de menos de 10%.
2.5.1.Linhas gerais
O ato constitutivo sujeito a registro nas sociedades contratuais, como vimos, é o
contrato social. Para que seja admitido pela Junta Comercial, porém, é
imprescindível a verificação da concorrência de determinados requisitos:
a) Requisitos dos contratos em geral: como qualquer outro contrato, o contrato
social demanda agente capaz (os sócios devem estar no pleno gozo da capacidade
civil e não serem impedidos de exercer empresa), objeto lícito (o objeto social, a
atividade a ser exercida, não pode ser proibida por lei) e forma prevista ou não
prescrita em lei (no caso, o contrato social deve ser escrito e visado por advogado);
b) Pluralidade de sócios: não se concebe sociedade sem que haja ao menos dois
sócios. A fim de que surja a autonomia patrimonial da sociedade, é basilar que mais
de uma pessoa contribua para a formação do novo patrimônio, caso contrário
estaremos diante de um empresário individual;
Não obstante, a legislação prevê duas situações excepcionais em que se permite a
existência de apenas um sócio: a unipessoalidade temporária, quando se autoriza que
o único sócio restante (por falecimento ou retirada dos demais) continue a exercer a
empresa pelo prazo de 180 dias, findo o qual deve restabelecer a pluralidade no
quadro social ou requerer sua transformação em EIRELI sob pena de, se não o fizer,
responder ilimitadamente pelas dívidas sociais (extingue-se a sociedade e a pessoa
passa a ser vista como empresário individual); e a companhia subsidiária integral,
prevista no art. 251 da Lei 6.404/1976, uma espécie de sociedade por ações cujo
único acionista é uma sociedade brasileira.
c) Constituição de capital: todos os sócios devem participar da constituição do
capital social, com dinheiro, bens ou serviços (a contribuição com serviços é
admitida apenas na sociedade simples pura e na cooperativa);
d) Participação nos lucros e nas perdas: é nula qualquer disposição contratual que
exclua sócio da divisão dos resultados da empresa, sejam eles positivos (lucros) ou
negativos (prejuízos). Deve-se atentar para o fato de que a vedação legal refere-se à
exclusão do sócio da repartição dos resultados. Nada impede que se pactue uma
distribuição diferenciada para determinados sócios, desde que todos recebam ou
arquem com uma parte dos lucros ou das perdas, respectivamente, nos termos do
contrato.
Ao lado dessas, o contrato social deve conter, ainda, as demais cláusulas
obrigatórias previstas no art. 997 do CC.
Lembramos, por fim, que toda sociedade se funda em um pressuposto fático
denominado affectio societatis, que pode ser definido como o vínculo gerado pela
empatia existente entre os sócios, fazendo com que cada um acredite que necessita
da presença dos demais para que a empresa tenha sucesso. Não se trata de amizade
ou afeição pessoal entre os sócios, mas sim de afeição profissional, baseada na
confiança e na qualidade do trabalho desenvolvido. Os sócios podem, eventualmente,
ser inimigos pessoais por motivos políticos, filosóficos etc., porém enquanto
entenderem que a empresa somente continuará dando certo com a presença do outro,
por mais indesejável que ela seja, subsistirá a affectio societatis.
A quebra da affectio implica a dissolução parcial da sociedade (Enunciado 67
JDC/CJF).
2.5.2.Sociedades simples
a) Noções gerais
Já conhecemos a bipartição das sociedades em simples e empresárias,
implicando que as primeiras não se submetem ao regime jurídico empresarial. O que
justifica, então, seu estudo nessa disciplina? O fato de suas normas serem de
aplicação supletiva para as sociedades empresárias.
A sociedade simples pode adotar, se quiser, um dos tipos sociais previstos no
CC para as sociedades empresárias (nome coletivo, comandita simples ou limitada),
estudados adiante. Se assim preferir, seguirá o regramento estabelecido para o tipo,
com aplicação supletiva das suas normas; caso contrário, trata-se de sociedade
simples pura ou propriamente dita, que se submete exclusivamente às normas da
sociedade simples aqui estudadas.
Os sócios da sociedade simples pura têm responsabilidade ilimitada,
resguardado o benefício de ordem, porém não solidária, ou seja, o sócio não
responde por toda a dívida social. Sua responsabilidade fica adstrita à proporção de
sua participação no capital social.
A lei presume, no silêncio do contrato, tratar-se de sociedade “de pessoas”,
vedando-se o ingresso de terceiros por alienação ou sucessão de quotas sem o
consentimento dos demais sócios.
A sociedade simples é a única que aceita a figura do sócio de indústria
atualmente. O parcialmente revogado Código Comercial trazia uma espécie de
sociedade denominada “sociedade de capital e indústria”, na qual um ou alguns
sócios integralizavam o capital social em dinheiro (o sócio de capital) e um ou alguns
dos demais contribuíam apenas com serviços (o sócio de indústria).
O sócio de indústria deve prestar seus serviços exclusivamente junto à sociedade,
sob pena de exclusão e suspensão no repasse dos lucros. Esses, aliás, serão
calculados sobre a média do valor das quotas existentes.
b) Deliberações dos sócios
Os sócios tomarão suas decisões mediante deliberação por maioria do capital
social (vence a posição defendida pelos sócios que somem maior parcela do capital).
Havendo empate, considera-se a votação por cabeça (vence a posição defendida pelo
maior número de sócios). Persistindo o empate, a decisão caberá ao juiz.
c) Administração
A administração da sociedade simples, por sua vez, pode ser cometida a sócio
(ou a vários deles) ou a terceiro estranho ao quadro social. Em qualquer hipótese, o
administrador pode ser nomeado no próprio contrato social ou por instrumento
separado, que será averbado na Junta Comercial sob pena do administrador responder
pessoal e solidariamente com a sociedade. Os poderes conferidos no próprio contrato
social são irrevogáveis, salvo por justa causa comprovada judicialmente. Os poderes
conferidos por ato separado podem ser revogados a qualquer momento.
Não podem ser nomeados administradores: condenados a penas que vedem,
ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; condenados por crime
falimentar (Lei 11.101/2005), prevaricação (art. 319 do CP), peita ou suborno
(corrupção ativa e passiva – arts. 317 e 333 do CP), concussão (art. 316 do CP),
peculato (art. 312 do CP), crime contra a economia popular (Lei 1.521/1951),
contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), contra as normas de defesa
da concorrência e contra as relações de consumo (Lei 8.137/90), crimes contra a
fé pública (arts. 289 a 311 do CP) e contra a propriedade (arts. 155 a 186 do CP).
A responsabilidade dos administradores é subjetiva, devendo ser provado o dolo
ou culpa pelo prejuízo causado. Nesse tópico, importante lembrar que o CC adotou a
teoria ultra vires (art. 1.015, parágrafo único), que determina que a sociedade não
responde pelos atos praticados com excesso de poderes pelo administrador , desde
que:
c1) A limitação dos poderes estava regularmente registrada na Junta Comercial,
presumindo-se seu conhecimento diante da publicidade do Registro Público de
Empresas Mercantis;
c2) Provada que a limitação era conhecida do terceiro que contratou, por qualquer
outro meio;
c3) Tratava-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade ,
ou seja, à realização do objeto social.
O STJ defende, de outro lado, a boa-fé do terceiro que contratou, imputando,
nesse caso, a responsabilidade também à sociedade (REsp 704546/DF, DJ
01/06/2010).
d) Dissolução parcial
Por fim, cumpre destacar as hipóteses de dissolução da sociedade contratual, seja
ela simples pura ou empresária. Após longa construção doutrinária e jurisprudencial,
o CC positivou, ao lado da dissolução total (que opera a extinção da pessoa
jurídica), a dissolução parcial da sociedade (encontrada na lei sob a epígrafe
“resolução da sociedade em relação a um sócio”), que consagra o princípio da
continuidade da empresa. Com efeito, até o início da vigência do CC em 2003, a lei
civil dispunha que se determinado sócio não mais concordasse com os rumos da
atividade, poderia requerer a dissolução total desta, apurando-se seus haveres.
Porém, a jurisprudência já reconhecia que a quebra da affectio societatis não deveria
levar à extinção da sociedade se os demais integrantes desta manifestassem interesse
em continuá-la. Deveria apenas ser retirado o sócio descontente, pagando-lhe o que
de direito.
Consagrada a dissolução parcial, encontramos no CC os seguintes fundamentos:
d1) Vontade de sócio: situação imposta pela ausência superveniente da affectio
societatis. Manifestando um dos sócios sua intenção em retirar-se, deve informar aos
demais com 60 dias de antecedência, em se tratando de sociedade por prazo
indeterminado; se a sociedade for a prazo certo, a retirada somente pode ocorrer
comprovada judicialmente justa causa;
d2) Exclusão de sócio: possível nos casos de ausência de integralização do capital
pelo sócio nos termos estipulados no contrato (o chamado sócio remisso); falta grave
no cumprimento de suas obrigações e incapacidade superveniente;
d3) Falência de sócio: se pessoa jurídica;
d4) Morte de sócio: se pessoa física. Nesse caso, é necessário verificar se o contrato
social permite a entrada dos herdeiros ou não, pois na primeira hipótese não haverá
dissolução da sociedade, a não ser que não interesse àqueles o ingresso na empresa;
d5) Liquidação forçada de quota: determinada judicialmente após requerimento de
credor particular do sócio, a fim de que seja usado para o adimplemento desta
obrigação (art. 1.026, parágrafo único, do CC).
A dissolução parcial pode dar-se na via judicial, extrajudicial ou mesmo de
pleno direito. Para facilitar a visualização, acompanhe o quadro abaixo:
Hipótese Via
– Extrajudicial, se a sociedade é de prazo indeterminado e respeitada a
antecedência de 60 dias
Vontade de sócio
– Judicial, provando-se a justa causa, se a sociedade é de prazo
determinado
– Extrajudicial, para o sócio remisso
Exclusão de sócio – Judicial, se fundada na prática de atos graves ou incapacidade
superveniente
Falência de sócio – De pleno direito
– Extrajudicial, inexistindo conflitos entre os sócios supérstites e os
herdeiros
Morte de sócio
– Judicial, havendo lide a ser solucionada (ex.: recusa dos sócios em
proceder à apuração de haveres)
Liquidação forçada de quota – De pleno direito
2.5.5.Sociedade limitada
a) Noções gerais
É a sociedade contratual mais comum nos dias de hoje, por impedir a extensão da
responsabilidade pelas dívidas empresariais sobre o patrimônio dos sócios sem
obrigá-los a curvar-se à larga burocracia das sociedades por ações. Conceitua-se
como a sociedade na qual os sócios têm sua responsabilidade limitada ao valor de
suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital
social.
O capital social, como em qualquer sociedade contratual, é dividido em quotas
(ou cotas), que podem ser todas do mesmo valor ou não (o que é bastante incomum na
prática) e são divididas entre os sócios no momento da criação da sociedade. Diz-se
que, com a assinatura do ato constitutivo, os sócios subscrevem o capital social na
proporção ajustada.
Deve seguir à subscrição o repasse de bens, dinheiro ou créditos dos sócios para
a sociedade, fazendo nascer o patrimônio desta, já distinto do patrimônio pessoal dos
contratantes. Esse ato denomina-se integralização do capital social e é o marco
divisor da responsabilidade pessoal dos sócios, pois, nos termos da lei, estes
respondem apenas pelo capital subscrito e não integralizado de forma solidária.
Acompanhe este exemplo prático: Alberto, Bruno e Carlos resolvem constituir
uma sociedade limitada. Para tanto, estabelecem, no contrato social, que o capital é
de R$ 100.000,00 dividido em quotas iguais de R$ 1.000,00 cada uma. No ato,
Alberto subscreve 50 quotas (total de R$ 50.000,00 do capital social), Bruno
subscreve 30 quotas (total de R$ 30.000,00 do capital) e Carlos subscreve 20 quotas
(total de R$ 20.000,00 do capital).
Ato contínuo, Alberto integraliza sua parcela do capital transferindo para a
pessoa jurídica a propriedade de um terreno no valor de R$ 50.000,00. Bruno
integraliza sua parte em dinheiro, aplicando R$ 30.000,00 num fundo de
investimentos em nome da sociedade. Carlos, por sua vez, informa aos demais que
não detém no momento recursos financeiros bastantes para integralizar sua parte,
deixando acertado que o fará dentro de um ano.
Assim, a empresa começa a funcionar e, naturalmente, contrairá dívidas. Se o
patrimônio social não for suficiente para saldá-las, poderão os sócios ser alcançados
no limite do capital subscrito e não integralizado, ou seja, até o montante de R$
20.000,00, que é a parte de Carlos. Essa responsabilidade é solidária, respondendo
todos os sócios pelos R$ 20.000,00, e também limitada, pois qualquer centavo acima
deste valor não poderá ser cobrado nem mesmo dos sócios, devendo o credor arcar
com o prejuízo.
Perceba, então, que, com a total integralização do capital social, nada mais
poderá ser cobrado dos sócios. Ressalvadas as hipóteses de desconsideração da
personalidade jurídica, restando débitos mesmo após a venda de todo o ativo na
dissolução total da sociedade, os credores nada poderão exigir.
Frise-se que, no nosso exemplo, o sócio que eventualmente quitar a dívida no
lugar de Carlos (o sócio remisso), terá direito de regresso contra este.
Por conta dessa sistemática, é vedada a participação de sócio de indústria (art.
1.055, § 2°, do CC), uma vez que é inviável a limitação de sua responsabilidade por
este não contribuir com patrimônio para o capital social. Afinal, o sócio de indústria
está sempre integralizando sua parte na sociedade enquanto presta os serviços a que
se propôs.
Inexistindo disposição contratual expressa, a limitada é considerada sociedade
“de pessoas”. Pode ser administrada por sócio ou terceiro designado (que deve ser
pessoa física – Enunciado 66 JDC/CJF), ambos no próprio contrato social ou através
de instrumento separado que deve ser levado a registro.
b) Normas supletivas
Inovou o CC ao permitir aos sócios optar pela legislação que queiram aplicar
supletivamente às sociedades limitadas. Caso o contrato social seja silente a respeito,
aplicar-se-ão as normas da sociedade simples. Todavia, podem os sócios estabelecer
expressamente que a sociedade limitada em questão será regida supletivamente pela
Lei das Sociedades por Ações (LSA – Lei 6.404/1976).
Cumpre sublinhar que as duas legislações não se excluem automaticamente: não
são os sócios obrigados a adotar apenas uma ou outra regulamentação supletiva. Pode
o contrato social elencar individualmente os pontos em que se valerá da LSA,
deixando os demais assuntos para o ordenamento da sociedade simples (Enunciado
223 JDC/CJF).
c) Deliberações dos sócios
Existem duas formas dos sócios tomarem as decisões sobre questões relevantes
atinentes à sociedade: a assembleia e a reunião. A forma deve estar fixada no
contrato social.
A primeira, assembleia, é extensamente regulamentada pelo CC, devendo ser
observada uma série de formalidades sob pena de nulidade na deliberação, tais como:
publicação do ato convocatório por três vezes no Diário Oficial e em jornal de grande
circulação, disponibilização prévia dos documentos relativos à prestação de contas
dos administradores, registro da ata na Junta Comercial, entre outras.
A assembleia será a forma de deliberação obrigatória para as limitadas com
mais de 10 sócios.
Sendo assim, para as sociedades que podem optar, há a possibilidade das
deliberações serem tomadas em reunião. A principal diferença desta para a
assembleia é o fato dos sócios serem livres para dispor sobre suas regras no contrato
social. A reunião se dará segundo as formalidades estabelecidas pelos sócios.
Ocorre que, para tanto, os sócios devem estabelecer expressamente a reunião
como forma de deliberação e, mais ainda, devem elencar todas as regras que serão
seguidas para as tomadas de decisões. Isso porque, considerando que o art. 1.079 do
CC determina a aplicação das normas relativas à assembleia supletivamente para a
reunião quando o contrato for omisso, a ausência de explicitação daquilo que os
sócios queiram que seja diferente, ou menos burocrático, cairá por terra e eles serão
obrigados a agir conforme manda a lei para a assembleia. Exemplo: se os sócios
querem que a convocação para a reunião seja dada por telefone, isso deverá estar
disposto no contrato. Caso negativo, terão de publicar a convocação no Diário Oficial
e em jornal de grande circulação.
d) Quorum de votação
Em regra, as decisões são tomadas em reunião ou assembleia com base em
maioria simples, ou seja, pela maioria de votos dos presentes, sendo o valor de cada
voto proporcional à participação no capital social.
Havendo empate, urge avaliar quais as regras de aplicação supletiva
estabelecidas para a limitada na hipótese do contrato social nada dispor sobre o
assunto. Sendo as da sociedade simples, já vimos que se calcula o desempate por
sócio votante, todos com igual valor (voto por cabeça); persistindo o empate, devem
recorrer ao Poder Judiciário. Se forem aplicadas as regras da LSA, esta determina, no
art. 129, § 2°, que nova assembleia (ou reunião) seja realizada no prazo mínimo de
dois meses para discutir apenas a matéria da divergência. Persistindo o empate,
submete-se o caso ao juiz.
Sem prejuízo, a lei estabelece alguns assuntos que demandam maioria qualificada
para a aprovação:
d1) Unanimidade dos sócios: nomeação de administrador não sócio quando o capital
social não esteja totalmente integralizado;
d2) 3/4 do capital social: modificação do contrato, incorporação, fusão e dissolução
da sociedade e a cessação de seu estado de liquidação;
d3) 2/3 do capital social: nomeação de administrador não sócio com o capital
totalmente integralizado e destituição do administrador sócio nomeado no contrato
social;
d4) metade do capital social: designação e destituição do administrador sócio,
determinação do modo de remuneração do administrador (sócio ou não) e pedido de
recuperação judicial (consta ainda no inciso VIII do art. 1.071 do CC a concordata,
que deve ser interpretada como o novo instituto da recuperação).
As decisões tomadas com base na lei ou no contrato social vinculam todos os
sócios, inclusive os ausentes e eventuais dissidentes. Em contrapartida, decisões que
afrontem a lei ou o contrato responsabilizam apenas aqueles que votaram
favoravelmente a elas, de forma ilimitada, devendo os dissidentes fazer constar
expressamente na ata sua contrariedade diante da postura da maioria, sob pena de
serem igualmente responsabilizados pelos atos ilícitos praticados ou por eventuais
danos causados a terceiros. Vemos aqui efeitos semelhantes ao da desconsideração
da personalidade jurídica, razão pela qual não se cogita de sua decretação diante dos
resultados práticos serem iguais (Enunciado 229 JDC/CJF).
Caso os sócios deliberem pela modificação do contrato, incorporação ou fusão
da sociedade, o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade nos trintas
dias subsequentes à assembleia ou reunião, liquidando-se sua participação na
sociedade conforme as regras da dissolução parcial. É o chamado direito de recesso.
e) Conselho Fiscal
É órgão facultativo da sociedade limitada, que pode ser constituído para
acompanhar e fiscalizar os trabalhos dos administradores e liquidantes da
sociedade. O Conselho Fiscal tem poderes para examinar os livros empresariais,
convocar assembleia na omissão dos administradores e elaborar pareceres
indicativos para as deliberações sociais.
Se constituído, será ocupado por três ou mais integrantes e seus respectivos
suplentes, que podem ser sócios ou não, aplicando-se as mesmas limitações do acesso
ao cargo de administrador. Outrossim, também não podem participar do Conselho
Fiscal membros de outros órgãos da sociedade ou de outra por esta controlada,
empregados de quaisquer delas, bem como cônjuges ou parentes até o terceiro grau
destas pessoas.
Em consagração ao princípio da defesa das minorias societárias, os detentores
de menos da metade do capital social têm o direito de eleger, separadamente, um dos
membros do Conselho Fiscal.
f) Aumento e diminuição do capital social
O capital social, foi dito alhures, é a base do patrimônio societário, seu próprio
alicerce, uma vez que consubstancia o investimento dos sócios na criação da
sociedade empresária. É salutar que o tamanho do capital social corresponda ao vulto
da atividade exercida, porque o capital social é garantia dos credores, dado que
integra o patrimônio social.
Sendo assim, é natural que o capital social possa ser alterado ao longo da
existência da sociedade. Para que seja aumentado, o único requisito é que ele já
esteja totalmente integralizado. Os sócios terão direito de preferência na aquisição
das novas quotas sociais.
Já sua diminuição é autorizada apenas se houver perdas irreparáveis ou for
excessivo em relação ao objeto social.
Na primeira hipótese, que ocorrerá somente após a integralização do capital, os
sócios suportarão as perdas mediante diminuição proporcional no valor das quotas.
Na segunda, os sócios receberão de volta o valor excedente ou o terão descontado de
eventuais dívidas existentes. Nesse caso, podem os credores quirografários contestar
a decisão em até 90 dias, situação que sobrestará a eficácia da deliberação dos
sócios até que seja realizado o pagamento ao credor.
Independentemente da motivação, a alteração do capital social implica alteração
do contrato, devendo, portanto, ser levada a averbação.
g) Exclusão de sócio minoritário
Além das hipóteses de dissolução parcial da sociedade já estudadas no item
2.5.2, “d”, plenamente aplicável às sociedades limitadas, o art. 1.085 do CC
colaciona mais uma: a possibilidade dos sócios representantes da maioria do capital
s o c i a l excluírem, extrajudicialmente, sócio que esteja pondo em risco a
continuidade da empresa em virtude de atos de inegável gravidade. Tais atos são
aqueles contrários à lei ou ao contrato, como a ruptura do dever de fidelidade,
negligência na defesa dos interesses sociais, uso da pessoa jurídica para a consecução
de benefícios particulares em detrimento dos demais sócios, entre outros.
Para que seja imposta, a possibilidade de exclusão do minoritário por decisão
assemblear deve estar prevista no contrato social, sendo-lhe sempre assegurada a
ampla defesa.
Havemos de ter cuidado para não confundir os institutos do art. 1.085, ora
estudado, e do 1.030, que trata da exclusão judicial de sócio majoritário. Com efeito,
o art. 1.030 é plenamente aplicável à sociedade limitada se esta tiver por regramento
supletivo o da sociedade simples. Mas as possibilidades serão diversas: na hipótese
do art. 1.030, a maioria dos demais sócios (votando por cabeça) podem deliberar
pela exclusão judicial de qualquer sócio, inclusive majoritário; no art. 1.085, sócios
detentores da maioria do capital social podem determinar, se assim previsto no
contrato, a exclusão extrajudicial do sócio minoritário.
h) Dissolução
Aplicam-se irrestritamente à sociedade limitada as normas de dissolução parcial
e dissolução total estudadas sobre a sociedade simples, independentemente da
regência supletiva da LSA, em virtude da natureza contratual da limitada.
2.6.3.Sociedade anônima
Também chamada de companhia, a sociedade anônima é espécie de sociedade
institucional, cujo capital está dividido em ações e a responsabilidade dos sócios é
limitada à subscrição destas.
Seu regime jurídico não se encontra no CC, sendo que o próprio estabelece que
as sociedades anônimas serão regulamentadas em lei especial. E andou bem ao fazê-
lo, pois o vulto das atividades exercidas pelas companhias, bem como a
especificidade de suas obrigações societárias e tributárias, não condizem com o
regramento de uma lei geral como o CC.
A lei em questão é a Lei 6.404/1976 (LSA), com as importantes alterações
trazidas pela Lei 11.638/2007.
Dissemos anteriormente, e ora reiteramos, que a sociedade anônima é empresária
por força de lei e deverá adotar, obrigatoriamente, denominação como nome
comercial. Lembramos que o fato de girar sob denominação não proíbe a companhia
de utilizar nome civil de sócio fundador ou daquele que contribuiu de forma
decisiva para o sucesso da empresa sem que isso desnature a natureza jurídica de
denominação do nome.
Cabe ao estatuto social indicar, com precisão, o objeto social da companhia,
sendo permitido que este se restrinja à participação societária em outras empresas. É
o que conhecemos na prática como holding. Tal situação (a participação em outras
sociedades), ainda que não prevista expressamente no estatuto, é sempre permitida
para a realização do objeto estatuído ou para a obtenção de benefícios fiscais
(instrumento de planejamento tributário).
a) Responsabilidade dos sócios
A sociedade anônima tem como característica estruturante a responsabilidade
dos sócios limitada à integralização das ações subscritas. Isso significa que o sócio
responde exclusivamente pelo valor das ações que se comprometeu a adquirir. Uma
vez pago, nenhuma dívida social ou de outro sócio poderá atingi-lo.
Este é um aspecto importante, pois é o que diferencia os sócios da companhia
daqueles que estabelecem uma sociedade limitada. Nesta última, todos os sócios
respondem solidariamente pela integralização do capital, tendo apenas direito de
regresso contra o remisso. Na S.A., cada sócio responde exclusivamente pela
integralização de suas ações e nada mais, o que o transforma, sob certo prisma, mais
em investidor do que em sócio, considerando que não tem nenhuma relação ou
responsabilidade pelos atos de seus pares.
b) Classificação das companhias
Nos termos do art. 4° da LSA, as sociedades anônimas podem ser abertas ou
fechadas.
Companhia aberta é aquela que está autorizada a negociar seus valores
mobiliários (ações, debêntures, bônus de subscrição etc.) no mercado a eles
dedicado. Companhia fechada, por conseguinte, é aquela cujos valores mobiliários
não estão admitidos a transitar pelo mercado. Perceba que não é a efetiva
negociação de seus papéis que dita a classificação da S.A., mas o fato da negociação
ser ou não admitida.
É claro que a tendência da sociedade aberta, após cumprir todos os requisitos e
burocracias necessárias para obter a autorização, é pulverizar seu capital junto a
investidores, ao passo que, na companhia fechada, dada a inexistência da autorização
governamental, suas ações estarão sempre nas mãos dos sócios fundadores, sendo
transmitidas por contratos particulares de compra e venda. Ressaltamos apenas que
não é esse o critério legal de classificação.
Essa distinção traz importantes consequências, dado que companhias abertas e
fechadas têm tratamento distinto na LSA em diversos pontos distribuídos pelo texto
legal. Ademais, a diferença é estrutural. A sociedade anônima aberta tem perfil
ostensivamente institucional, tendo papel importante na economia nacional diante da
captação de recursos junto à poupança popular e pelo constante controle estatal
existente sobre elas. As fechadas, por seu turno, resguardadas as diferenças jurídicas
já estudadas, aproximam-se das sociedades contratuais, pois a ausência de
autorização para negociar seus valores mobiliários no mercado impõe uma relação
mais estreita entre os sócios, baseada na mútua confiança. Não estamos falando de
outra coisa que não a affectio societatis.
Mas não descuidemos: tanto a companhia aberta quanto a fechada, a despeito do
agora exposto, são conceituadas e classificadas como sociedades institucionais.
A autorização necessária para as sociedades anônimas abertas negociarem seu
capital e outros papéis na Bolsa de Valores deve ser requerida junto à Comissão de
Valores Mobiliários – CVM, autarquia federal criada pela Lei 6.385/1976 com o
objetivo de regulamentar e supervisionar o mercado de capitais segundo as diretrizes
estabelecidas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional – CMN. A
ideia matriz de sua criação é a proteção do investidor e do próprio mercado
financeiro contra práticas abusivas dos controladores das companhias. Reconhece-se
nisto, inclusive, a natureza de direito metaindividual, sendo possível o manejo de
ação civil pública para a remediação de eventuais atos ilícitos que ofendam o
interesse coletivo dos investidores (Lei 7.913/1989).
c) Constituição da companhia
O procedimento de constituição de uma sociedade anônima é escalonado,
comportando três fases:
c1) Requisitos preliminares: previstos nos arts. 80 e 81 da LSA, são obrigatórios
tanto para as companhias abertas quanto para as fechadas. Envolvem a subscrição
por, pelo menos, duas pessoas de todas as ações que compõem o capital social; a
realização imediata em dinheiro de no mínimo 10% do capital social; e o depósito
no Banco do Brasil ou qualquer outra instituição financeira autorizada pela CVM
desta parcela de dinheiro integralizada.
c2) Constituição propriamente dita: a depender se tratamos de uma S.A. aberta ou
fechada, esta etapa segue caminhos diametralmente opostos.
Nas companhias abertas, temos a chamada constituição continuada (ou
sucessiva) em virtude de também ser subdividida em atos escalonados. Configura um
procedimento voltado para a lisura da subscrição pública do capital, própria desta
modalidade de sociedade por ações.
Inicia-se com o registro prévio da companhia em organização na CVM e com a
contratação obrigatória de instituição financeira como intermediária; autorizada pela
autarquia a emissão pública de ações, serão estas oferecidas ao público, que devem
subscrevê-las junto à instituição financeira intermediária; por fim, com a subscrição
de todo o capital social, devem os fundadores convocar a assembleia constituinte,
onde os sócios deliberarão e aprovarão o estatuto social por maioria do capital e
elegerão os membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal.
As companhias fechadas operam sua constituição de forma mais simples,
denominada constituição simultânea, tendo em vista que a subscrição de todo o
capital social é particular, restrita aos sócios fundadores. Eles podem fazê-la através
de assembleia geral ou por escritura pública. Num ou noutro caso, o projeto de
estatuto aprovado ou a escritura pública, respectivamente, devem ser assinados por
todos os sócios.
c3) Providências complementares: da mesma forma que os requisitos preliminares,
estas providências são comuns a ambos os tipos de S.A.. Traduzem-se no registro do
estatuto social mediante arquivamento na Junta Comercial e, se o caso, a
transferência dos bens imóveis que o subscritor tenha entregado para formação do
capital social.
d) Valores mobiliários
Sabemos que a companhia aberta está autorizada a emitir valores mobiliários e
negociá-los no mercado de capitais. Mas o que se entende por valores mobiliários?
São títulos representativos de investimentos financeiros relacionados à
sociedade anônima emissora, que utiliza a receita proveniente de sua negociação
para a consecução de seu objeto social. Já o investidor busca, com a compra do
título, obter ganho financeiro sobre o valor investido, recuperando um montante maior
do que pagou.
Os títulos são negociados no Mercado de Valores Mobiliários (MVM), também
conhecido como mercado de capitais, que, conforme ensina Waldo Fazzio Júnior, é
“um complexo operacional que compatibiliza os interesses de aplicadores de
recursos e tomadores, de forma direta ou por meio de intermediários ” (in “Direito
Comercial”, São Paulo: Atlas, 2009, p. 187).
O MVM é composto, basicamente, de duas instituições jurídicas: a bolsa de
valores e o mercado de balcão. A primeira, constituída como associação civil de
diversas corretoras de valores, é supervisionada pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) e tem por objetivo propiciar às companhias e aos investidores um
ambiente livre e aberto para a negociação de seus papéis. Opera, portanto, o mercado
secundário de valores, porque esses já foram postos em circulação anteriormente.
Já o mercado de balcão é “o conjunto de operações praticadas fora de Bolsa,
por meio de instituição financeira habilitada para atuar no mercado de capitais ou
por seus agentes autônomos. (…) É a negociação direta de valores mobiliários, sem
mediação da Bolsa.” (ibidem, p. 189). Agentes autônomos do mercado de capitais
são as corretoras de valores. O mercado de balcão, logo vê-se, opera nos mercados
primário e secundário, porque a emissão inicial de valores (mercado primário) deve
ser feita através de instituições financeiras autorizadas, podendo também realizar
transações de compra e venda de títulos posteriormente à sua emissão (mercado
secundário).
Existem diversos valores mobiliários que podem ser emitidos pelas companhias.
Estudaremos apenas os cinco de maior importância.
d1) Ações
São parcelas representativas do capital social da empresa . Ao adquirir uma
ação, a pessoa física ou jurídica torna-se sócio da companhia.
O valor da ação pode ser expresso de diversas maneiras. O estatuto social pode
dar-lhes um valor nominal, que nada mais é do que o quociente da divisão do capital
social pelo número de ações emitidas. Ele não é obrigatório, mas, se constar do
estatuto o preço de emissão da ação, que é o valor pago por quem a subscreve, não
poderá ser inferior a ele. Fala-se, ainda, em valor patrimonial, que representa a
participação efetiva do acionista junto ao patrimônio líquido da empresa,
constituindo o valor a que este tem direito na liquidação da sociedade; e valor de
negociação, que é aquele obtido pelo acionista quando transfere suas ações para
um comprador interessado.
As ações podem, ainda, ser categorizadas pela companhia: ações ordinárias são
aquelas que garantem ao acionista os direitos comuns de qualquer sócio, como o
voto em assembleia e a participação nos lucros e nas perdas, sem qualquer limitação
ou restrição; ações preferenciais, que garantem ao seu titular certas vantagens,
como a prioridade na distribuição dos lucros ou no reembolso do capital , porém
podem trazer restrições a direitos, inclusive o de voto. É obrigatória a emissão de
ações ordinárias pela companhia e as preferenciais sem direito a voto não podem
ultrapassar 50% do total das ações emitidas; e ações de fruição, assim consideradas
aquelas que já foram amortizadas pela companhia para o acionista, devolvendo-lhe o
valor de seu investimento conforme aquilo que teria direito em caso de liquidação da
companhia. Devem ser autorizadas pelo estatuto por ou assembleia-geral
extraordinária.
d2) Debêntures
São valores mobiliários que garantem ao seu titular um direito de crédito de
médio ou longo prazo contra a companhia pelo valor e nas condições estabelecidas
na escritura de emissão (taxa de juros, prazo para resgate, conversibilidade em
ações etc.).
Em outras palavras, a debênture representa um empréstimo de numerário para a
S.A.. Necessitando esta captar valores no mercado, em vez de emitir ações e, assim,
expandir seu capital e quadro social, a companhia pode valer-se da debênture,
oferecendo-a àqueles que se interessarem pelo retorno financeiro deste empréstimo.
Por se assemelhar bastante ao contrato de mútuo, o debenturista, figurando como
o mutuante, quem empresta o dinheiro, poderá ver seu crédito garantido por bens
pertencentes ao ativo da sociedade ou não. Normalmente, quanto maior a segurança
do negócio, atrelando-o a garantias reais, menor o retorno financeiro; por outro lado,
quanto maior o risco, pela ausência de garantias, maior a taxa de juros e o ganho do
debenturista.
Com isso em vista, a LSA prevê quatro espécies de debêntures: com garantia
real, cujo pagamento está vinculado a um bem dado em garantia real (ex.: imóvel
hipotecado em nome do debenturista); com garantia flutuante, quando o debenturista
tem preferência na liquidação do ativo da companhia, mas não pode impedir a
alienação de qualquer parte deste patrimônio como operação normal da empresa;
quirografárias, ou seja, sem qualquer garantia; subquirografárias, as quais, em caso
de liquidação da companhia, serão pagas com preferência unicamente sobre os
sócios.
d3) Bônus de subscrição
Garantem ao seu titular preferência na subscrição de novas ações quando
estas forem emitidas pela companhia. Trata-se da aquisição de um direito de
preferência normalmente oferecido em conjunto para aqueles que acabam de
subscrever ações ou debêntures, conferindo-lhes uma vantagem adicional futura e
fidelizando-os junto à sociedade como investidores.
d4) Commercial paper
São títulos representativos de empréstimos tomados pela companhia no curto
prazo, sendo esta sua principal diferença em relação às debêntures. O commercial
paper tem como prazo de resgate, no mínimo, 30 e, no máximo, 180 dias.
d5) Partes beneficiárias
Representa uma exceção na lista apresentada de valores mobiliários por ser
exclusivo das sociedades anônimas fechadas. As partes beneficiárias visam a
conferir, ao seu titular, direito de crédito eventual sobre a participação nos lucros
da empresa, limitado a 10% do lucro total.
Note que o detentor da parte beneficiária não se torna sócio. Ele apenas tem
direito de, havendo lucro contábil apurado pela companhia, participar dele na
proporção estipulada no título mobiliário. O único direito privativo dos acionistas,
além da distribuição do lucro, que acompanha a parte beneficiária é o de fiscalizar os
atos dos administradores, exatamente para conferir efetividade à participação nos
resultados.
São comumente utilizadas como remuneração por serviços prestados por sócios,
pelos fundadores ou mesmo por terceiros, podendo o estatuto social prever sua
conversibilidade em ações.
e) Direitos e deveres do acionista
Como sócio da companhia, ao subscrever ações desta a pessoa física ou jurídica
recebe, incontinenti, um plexo de direitos e deveres relacionados a esta condição e,
portanto, indissociáveis de sua relação com a S.A..
O principal dever do acionista é a integralização das ações subscritas. Se não o
fizer no prazo ajustado, será constituído em mora de pleno direito, podendo a
companhia, a sua escolha: promover ação de execução para cobrança do débito,
somado aos juros e multa estabelecidos no estatuto (sendo que esta última não pode
ser superior a 10% do valor devido), servindo o boletim de subscrição como título
executivo extrajudicial; ou mandar vender as ações do subscritor em Bolsa de
Valores, por conta e risco deste.
A rigor, a S.A. pode promover as duas diligências cumulativamente (art. 107, §
3°, da LSA).
Podemos lembrar, ainda, o dever de votar no interesse da sociedade, reputando
a LSA como abusivo o voto tendente a causar dano à companhia ou a outros
acionistas ou a obter vantagem indevida. O acionista que assim proceder estará
sujeito à responsabilização pelos danos que seu voto vier a causar para a sociedade,
ainda que não tenha saído vencedor.
Quanto aos direitos do acionista, podemos elencar como fundamentais:
participação nos lucros da empresa; participação naquilo que restar do ativo da
companhia após sua liquidação com o pagamento de todo o passivo, na proporção das
ações que possuir; fiscalização dos atos dos administradores; preferência na
subscrição de novas ações, de partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures
conversíveis em ações e bônus de subscrição; retirada da sociedade (o chamado
direito de recesso) em caso de aprovação de alterações do estatuto social com as
quais não concorde, recebendo na retirada o valor patrimonial de suas ações.
Perceba que o direito de voto não pode ser elencado como um direito
fundamental de todos os acionistas diante da existência das ações preferenciais , que
podem limitar o exercício deste.
É importante destacar, também, a figura do acionista controlador. Trata-se da
pessoa física ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, que é
titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de forma permanente, a maioria dos
votos nas deliberações em assembleia e o poder de eleger a maioria dos
administradores (art. 116 da LSA). É imprescindível, para sua caracterização, que o
acionista controlador utilize efetivamente seu poder para dirigir os negócios sociais.
A figura do acionista controlador pode advir do fato de estarmos falando do
acionista majoritário, mas o controlador com este não se confunde, pois o que
importa é a titularidade da maioria das ações com direito a voto. Mais ainda, o
acionista controlador pode possuir apenas uma ação, de natureza simbólica, bastando
que seja apoiado por outros sócios representantes da maioria do capital com direito
de voto através de um acordo de acionistas, estudado a seguir.
O acionista controlador é responsável pelos danos que cause à companhia ou aos
seus sócios por atos praticados com abuso de poder. O art. 117, § 1°, da LSA traz rol
exemplificativo de atos considerados abusivos. É indispensável a prova do dano,
porém não se perquire sobre a intenção subjetiva do controlador, caracterizando-se,
portanto, a responsabilidade objetiva por seus atos (STJ, REsp 798264/SP, DJ
06/02/2007).
f) Acordo de acionistas
Conceitua-se como um pacto celebrado entre dois ou mais acionistas que, uma
vez registrado junto à sede companhia, obriga esta a respeitá-lo.
Os acionistas são livres para ajustarem o que bem entenderem no cotidiano da
atividade empresarial, estando tais relações protegidas pelas regras aplicáveis aos
contratos em geral. Quando este acordo versar sobre compra e venda de ações ou
preferência na aquisição, exercício do direito de voto ou concessão ou alteração do
poder de controle, estaremos diante do acordo de acionistas referido pela LSA, que
deve ser arquivado na sede da empresa e, a partir de então, vincula os atos dos
signatários e da própria companhia. Em razão disso, em caso de pretensão judicial de
execução de acordo de acionistas não respeitado pelas partes ou pela sociedade, esta
deverá integrar o polo passivo da ação, porque terá de suportar os efeitos da decisão
(STJ, REsp 784267/RJ, DJ 21/08/2007).
O acordo de acionistas é um contrato plurilateral, dado que congrega interesses
convergentes na colaboração de todos os participantes, outorgando direitos e deveres
a todos, bem como resta sempre aberto à adesão de novos signatários; e parassocial,
pois devem respeito aos requisitos de validade dos contratos em geral e seguem o
regime jurídico do Direito Civil, a despeito de seu objeto ser especificamente
regulamentado pelo Direito Empresarial. Há, ainda, posicionamento jurisprudencial
de que, em sociedades de economia mista (que necessariamente se revestem da forma
de sociedade anônima), é ilegal a extinção de acordo de acionistas por decreto do
Chefe do Poder Executivo, por ofensa ao contraditório e ao devido processo legal
administrativo (STJ, RMS 18769/PR, DJ 02/12/2004).
Exemplo clássico da vinculação da sociedade após o registro do contrato em sua
sede é aquele da estipulação de preferência de um sócio na compra de ações
pertencentes a outro. Caso não se cumpra o acordo, sendo as ações vendidas a
terceiro que não o titular da preferência, a companhia não poderá registrar a
transferência das ações realizada ao arrepio do acordo de acionistas, sendo garantido
ao prejudicado o manejo de ação judicial para execução específica da avença.
g) Órgãos da sociedade anônima
Para viabilizar a administração da empresa de grande vulto normalmente exercida
pela companhia, a LSA prevê a criação de quatro órgãos voltados, cada um, para
determinado aspecto do gerenciamento da atividade. Podem ser obrigatórios, como a
assembleia-geral, ou facultativos em determinados casos, como o Conselho de
Administração. Ademais, os órgãos previstos em lei não são os únicos possíveis de
serem criados. A sociedade pode, no seu interesse, criar outros tantos quanto repute
necessário para auxiliar na direção dos negócios.
g1) Assembleia-geral
Órgão obrigatório e mais importante da companhia, constitui-se da reunião de
todos os sócios, com ou sem direito a voto, para deliberação e decisão de qualquer
negócio relativo ao objeto da companhia ou de resoluções que julgarem
convenientes à sua defesa e desenvolvimento.
Como se vê, a LSA garante à assembleia-geral amplos poderes sobre a
administração da companhia, podendo ela decidir sobre qualquer assunto de interesse
desta. Outrossim, existem questões que somente podem ser discutidas e decididas
pela assembleia-geral. Trata-se de competência privativa, prevista no art. 122 da
LSA, sendo a única hipótese de delegação para os administradores o pedido urgente
de autofalência ou recuperação judicial, mas sempre ad referendum da assembleia.
A competência para convocação será do Conselho de Administração, quando
houver, ou dos diretores, devendo respeitar uma antecedência mínima de 08 dias nas
companhias fechadas e 15 dias nas companhias abertas. As formalidades de
convocação podem ser desconsideradas se todos os acionistas estiverem presentes.
Considera-se instalada a assembleia em primeira convocação se estiverem
presentes representantes de, no mínimo, um quarto do capital social. Em segunda
convocação, a assembleia ocorrerá com qualquer número de presentes. As votações,
como regra, são tomadas por maioria simples de votos, sendo que cada ação ordinária
dá direito a um voto. Além de outros artigos esparsos, a LSA exige quorum
qualificado de maioria absoluta para a deliberação dos assuntos previstos no art. 136.
O acionista detentor de ações preferenciais sem direito a voto conserva intacto
seu direito de participar da assembleia, podendo manifestar-se a qualquer momento
(direito de voz).
A assembleia-geral pode reunir-se por duas razões: anualmente e
obrigatoriamente nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício
social (que coincide com o ano civil), para discussão das demonstrações financeiras
do ano anterior; destinação do lucro e pagamento de dividendos; eleição dos
administradores e do Conselho Fiscal, se o caso; e aprovação de correção da
expressão monetária do capital social. Trata-se da assembleia-geral ordinária
(AGO).
Ao seu lado, é possível a convocação de assembleia a qualquer momento, para
discussão de qualquer assunto que não seja privativo da AGO. Hipótese esta na qual
estaremos diante da assembleia-geral extraordinária (AGE). Nada obsta que AGO e
AGE sejam realizadas na mesma data, hora e local, bem como reduzidas a termo na
mesma ata, a qual deverá indicar a natureza dúplice da reunião de sócios
(assembleia-geral ordinária e extraordinária – AGOE).
g2) Conselho de Administração
Como o nome sugere, compete ao Conselho de Administração, quando existir,
fixar as diretrizes gerais da administração da companhia, manifestando-se sobre
assuntos estratégicos e sobre atos ou contratos a serem firmados nos termos do
estatuto, bem como eleger, destituir e fiscalizar o trabalho dos diretores. Com estes
não se confundem na medida em que os membros do Conselho não podem representar
a S.A. perante terceiros ou praticar atos concretos de gestão.
O Conselho de Administração é obrigatório nas companhias abertas e nas
sociedades de economia mista. Nas companhias fechadas, ele é facultativo.
Caso seja criado pelo estatuto social, será composto de, no mínimo, três
conselheiros, eleitos dentre os acionistas pela assembleia-geral e por ela destituíveis
a qualquer tempo para um prazo máximo de 03 anos, permitida a reeleição.
g3) Diretoria
Cabe aos diretores a representação da companhia e a prática de quaisquer atos
de gestão, conforme descritos no estatuto social.
Haverá, no mínimo, dois diretores, eleitos pelo Conselho de Administração ou,
na sua falta, pela assembleia-geral para um mandato de 03 anos, permitida a
reeleição, podendo ser acionistas ou não.
Até 1/3 dos membros do Conselho de Administração poderá atuar
cumulativamente como diretor.
g4) Conselho Fiscal
É órgão obrigatório, porém não necessariamente permanente, em todas as
sociedades anônimas, com a função de fiscalizar os atos dos administradores
(conselheiros e diretores), opinando sobre as contas prestadas por estes, sobre as
demonstrações financeiras e outros assuntos a serem debatidos pela assembleia-
geral.
É composto por no mínimo 03 e no máximo 05 membros, acionistas ou não,
eleitos pela assembleia-geral, para cumprir suas funções até a próxima AGO, quando
poderão ser reeleitos. A função de membro do Conselho Fiscal é indelegável.
Aos membros dos três últimos órgãos listados (Conselho de Administração,
Diretoria e Conselho Fiscal) são impostos os deveres de diligência (conduta prudente
no desempenho das funções), de lealdade (atuação conforme os interesses da
companhia e não pessoais) e de informar (publicidade dos atos na forma da lei ou do
estatuto). Todos eles responderão pelos atos ou omissões que causarem prejuízo à
companhia se tiverem agido com dolo ou culpa no exercício de suas atribuições.
Fundamento Hipóteses
– Término do prazo de duração
– Quando expressamente previsto no estatuto
– Deliberação da assembleia-geral
De pleno direito – Unipessoalidade incidental, não restituída a pluralidade de acionistas até a
AGO do ano seguinte
– Extinção da autorização para funcionar
– Incorporação, fusão ou cisão total
– Anulação dos atos de constituição
Por decisão judicial – Impossibilidade comprovada de alcançar seu objetivo social
– Decretação da falência
– Nos casos e na forma previstas em leis especiais (ex.: falta de autorização
Por decisão administrativa
para negociação de ações no mercado)
3. TÍTULOS DE CRÉDITO
3.1.Conceito
A lei civil define título de crédito como o documento necessário para o
exercício do direito literal e autônomo nele contido (art. 887 do CC). Esclarecendo
melhor, o título de crédito representa uma obrigação jurídica de cunho patrimonial
assumida por alguém, sendo que o credor, a fim de exigir o cumprimento desta no
vencimento, deve apresentar o título ao devedor.
Mais do que isso, o título de crédito, como regra, consubstancia a própria
obrigação, caracterizando sua abstração. Exemplo: não importa por qual razão a
pessoa possui um cheque assinado por terceiro em mãos, ela terá direito ao valor nele
escrito quando da apresentação na instituição financeira. Uma vez colocado em
circulação, sendo transmitido a terceiro, o título se desvincula da relação jurídica que
lhe deu origem. Suponha que Alberto pague suas compras no açougue com um cheque
e, posteriormente, o dono do açougue entregue o mesmo cheque para um de seus
fornecedores, Benedito. Alberto terá de pagar o dinheiro representado no cheque a
Benedito, mesmo nunca o tendo visto antes na vida. Credor e devedor se unem
exclusivamente pelo título, por isso diz-se que este é abstrato.
Esta regra, todavia, pode ser limitada pelas partes, que expressamente vinculam a
emissão do título de crédito a outra obrigação. Bastante comum a prática de constar
discriminadamente no contrato que as parcelas serão pagas mediante a quitação das
notas promissórias emitidas no mesmo ato pelo devedor. Nesse caso, desde que o
credor não negocie o título de crédito, mantendo-o consigo, continua o signatário das
promissórias autorizado a alegar a exceção de contrato não cumprido, por exemplo,
e não honrar os valores representados pelos títulos.
O estudo dos títulos de crédito recebe o nome de Direito Cambiário (ou
Cambial).
3.2.2.Princípio da literalidade
Pode ser exigido do devedor apenas o que constar, literalmente, no título de
crédito, seja o valor, as condições de pagamento ou garantia ou o prazo de
vencimento. Pactuando as partes esta ou aquela cláusula relevante para o
adimplemento da obrigação, deve esta ser escrita na cártula, sob pena de mostrar-se
inexigível no futuro;
3.4.2.Quanto à forma
a) Vinculados: tanto os requisitos materiais (de conteúdo) quanto os formais
(tamanho, disposição das informações) são estabelecidos pela lei. É o caso do
cheque e da duplicata;
b) Não vinculados (ou de forma livre): apenas os requisitos materiais estão
previstos em lei. Podem assumir qualquer forma, ou seja, serem representados em
qualquer papel, de qualquer tamanho, bastando que expressem o conteúdo exigido
pela norma. Entram aqui a nota promissória e a letra de câmbio.
3.4.3.Quanto à estrutura
a) Ordem de pagamento: existem três pessoas envolvidas na relação cambial
original. O sacador (ou emitente) emite o título de crédito determinando que sacado
pague ao tomador (ou beneficiário) determinada quantia. Não desnatura a ordem de
pagamento o fato de sacador e tomador serem a mesma pessoa. É a estrutura da letra
de câmbio, do cheque e da duplicata.
b) Promessa de pagamento: existem duas pessoas envolvidas na relação cambial
original. O sacador emite o título prometendo pagar ao tomador determinada quantia.
Aplica-se à nota promissória.
3.4.5.Quanto à circulação
a) Ao portador: transmite-se com a simples tradição, a entrega física da cártula a
terceira pessoa. Caracteriza-se pela ausência de indicação do tomador. Atualmente, o
único título autorizado a ser emitido “ao portador” é o cheque de valor inferior a R$
100,00;
b) Nominais “à ordem”: por indicar quem é seu beneficiário original, caso este
deseje transferir o crédito representado no título para terceiro deverá fazê-lo
formalmente. Sua circulação está, destarte, autorizada através da relação cambial
conhecida por endosso, que transmite ao novo credor todos os direitos relativos ao
título. Estudaremos as regras aplicáveis ao endosso mais adiante;
c) Nominais “não à ordem”: sua circulação não está autorizada, ao menos não por
relações cambiais. Quer o sacador evitar a circulação do título, mantendo-se
vinculado apenas ao beneficiário original expressamente indicado. Trata-se de
cláusula excepcional, pois afronta a própria natureza do título, e, portanto, deve estar
expressa. Caso seja feito o endosso, este não será considerado como tal, mas sim
cessão civil de crédito, ou seja, relação de Direito Civil e não de Direito Cambiário.
Sua diferença para o endosso será analisada junto com este.
Afaste-se, desde já, antiga dúvida sobre a correta aplicação dos termos nominal
e nominativo: título de crédito que indica o tomador é nominal; título nominativo é
espécie de título nominal, em que a transferência de titularidade, para ser eficaz
perante o emitente, depende de registro em livro empresarial próprio (ex.: certificado
de ações).
*Segundo iterativa jurisprudência do STJ, é de ser reconhecido como instituto equivalente ao aval o acordo
celebrado em instrumento separado vinculado a título de crédito, evitando-se apegos excessivos ao formalismo
(REsp 200421/ES, DJ, 25/09/2000). No mesmo sentido a Súmula 26 do Pretório Superior: “o avalista do título de
crédito vinculado a contrato de mútuo também responde pelas obrigações pactuadas, quando no contrato figurar
como devedor solidário”.
Costuma-se dizer que o avalista é devedor igual ao avalizado, isto é, ele se
obriga no título no mesmo status daquele que garante: se avaliza a obrigação do
aceitante, será tratado também como devedor principal; se avaliza o sacador ou
qualquer endossante, será equiparado a coobrigado. A principal implicância dessa
regra é a necessidade (para os coobrigados) ou desnecessidade (para o devedor
principal) do protesto para serem incluídos no polo passivo da cobrança da dívida.
O aval é dado pela simples assinatura do avalista no anverso do título. Pode ser
feito no verso, desde que identificado o ato pela expressão “em aval” ou qualquer
outra equivalente.
Regra importante decorre do princípio da autonomia das relações cambiais no
que tange ao aval. Ele é considerado como uma relação autônoma diante daquela
assumida pelo avalizado. Isso significa que, mesmo sendo declarada nula, por
qualquer motivo, a obrigação do avalizado (é pessoa absolutamente incapaz, por
exemplo), subsiste a obrigação do avalista. Segue-se o mesmo raciocínio em caso de
falência do avalizado, caso seja pessoa jurídica.
Denomina-se aval antecipado aquele dado em prol do sacado antes que este
aceite a letra. Igualmente em face da autonomia do aval já mencionada, o aceite do
sacado não é requisito para a validade do aval. O avalista continua obrigado ao
pagamento independentemente da postura do sacado, ou seja, poderá ser compelido a
pagar o valor garantido mesmo que o sacado recuse o aceite.
Tal como o endosso, o aval pode ser em preto ou em branco, conforme
identifique ou não o avalizado, respectivamente. O aval em branco considera-se dado
em favor do sacador. Nos termos da Súmula 189 do STF: “Avais em branco e
superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos”. Isso significa que, se dois
ou mais avalistas lançam sua assinatura na cambial sem indicar o avalizado,
considera-se que são todos avalistas do sacador (aval simultâneo), e não avalistas de
outros avalistas (aval sucessivo).
A LU permite o aval parcial (ou limitado), quando o avalista garante apenas
parte da dívida. Diante do princípio da literalidade, deve a parcela garantida constar
expressamente no próprio título.
Reconhece-se, da mesma forma, o aval dado após o vencimento da dívida
cambial como válido. Não o será, todavia, o aval exarado após o protesto do título.
Por fim, sobre a necessidade de outorga marital ou uxória para a validade do aval
prevista no art, 1.647, III, do CC, destaque-se que o STJ firmou posição no sentido
contrário, ou seja, dando à lei civil interpretação sistemática para afastar a
obrigatoriedade da manifestação do cônjuge (REsp 1.526.560/MG, j. 16/05/2017).
d) Pagamento do título
Para tratarmos das variadas situações que podem ocorrer no momento do
pagamento da cártula, considere o esquema abaixo como exemplo geral:
3.8.2.Nota promissória
Diferentemente da letra de câmbio, a nota promissória é uma promessa de
pagamento, e não uma ordem. Disso decorre que o próprio sacador é o devedor da
quantia representada pelo título:
3.8.3.Cheque
Regulado pela Lei 7.357/1985, cheque é o título de crédito que representa
ordem de pagamento à vista do sacador contra banco ou instituição financeira.
Como ordem de pagamento, estabelece relação jurídica cambiária entre três pessoas,
mas aqui temos uma característica peculiar quanto ao sacado: trata-se de instituição
financeira regularmente inscrita no Banco Central.
Disso decorre, ao contrário da letra de câmbio, que o sacado só pode ser pessoa
jurídica e deve existir um relacionamento anterior entre este e o sacador. Enquanto
nos demais títulos de crédito não se pressupõe que os credores e devedores
cambiários tenham antes se obrigado mutuamente por qualquer motivo, para a emissão
de um cheque é imprescindível que o sacador seja correntista do banco sacado, ou
seja, que já exista um contrato que vincula a ambos antes mesmo da emissão da
cártula.
Outra característica diferenciadora do cheque, a qual não deixa de ser uma
decorrência lógica da regra anterior, é o fato do banco sacado não arcar com o
pagamento do título. O dinheiro entregue pela instituição financeira ao tomador no
momento em que este apresenta o cheque para pagamento pertence ao sacador do
título, que anteriormente o depositou no banco para sua segurança pessoal. A ordem
não é dada, a rigor, para que o sacado quite a dívida, mas sim para que o banco retire
da conta corrente do sacador o dinheiro suficiente para pagar o título.
Não obstante, é totalmente possível que sacador e tomador sejam a mesma
pessoa. É a hipótese do correntista sacar um cheque em seu próprio favor para
depositá-lo em outra instituição financeira onde também possui aplicações.
Além disso, é salutar recordar que o cheque é título não causal, podendo ser
emitido em qualquer hipótese e com completa autonomia sobre a relação jurídica
obrigacional que o embasa, e de forma vinculada, devendo sua impressão seguir as
diretrizes colocadas na Resolução 885/83 do Banco Central. É por isso que todos os
cheques que conhecemos, não importa de qual banco ele seja, têm todos o mesmo
tamanho, formato e informações impressas. Diferentemente da letra de câmbio e da
nota promissória, que podem ser emitidas em qualquer papel, digitadas ou
manuscritas, desde que contenham os requisitos essenciais estudados, só vale como
cheque o documento com as características materiais e formais elencadas pelo Banco
Central.
São requisitos específicos do cheque: a palavra cheque no corpo do texto e
escrita na mesma língua deste; a ordem incondicional de pagar quantia em dinheiro; o
nome do banco ou da instituição financeira a quem a ordem é dirigida (sacado); o
local de pagamento, sendo considerado, na falta, o lugar do estabelecimento do
banco sacado e, também não constando este, no lugar da emissão; o local da emissão,
sendo considerado aquele escrito junto ao nome do emitente, se houver; a data da
emissão, podendo ser preenchida pelo credor até a apresentação do título; e a
assinatura do sacador.
O valor a pagar representado pelo cheque deve ser escrito em algarismos e por
extenso, conforme o modelo aprovado pelo Banco Central. Caso exista qualquer
divergência entre os valores numérico e por extenso, prevalece este último. Se forem
escritos valores diferentes mais de uma vez (seja numericamente, seja por extenso),
prevalece o menor.
Conceitualmente, o cheque se paga à vista, ou seja, seu vencimento se dá no
momento da apresentação ao banco sacado. Considera-se não escrita qualquer
cláusula que imponha prazo diferente de pagamento (art. 32 da Lei 7.357/1985),
sendo, portanto, totalmente ineficaz (veja item e5 abaixo).
a) Aceite
O cheque não admite aceite, porque o banco, ainda que ocupe a posição de
sacado, não tem obrigação cambial.
Como vimos, o dinheiro utilizado para pagamento da cártula pertence ao sacador,
cabendo ao sacado unicamente a custódia do numerário e sua entrega ao legítimo
portador do título. Dessa forma, ele não se responsabiliza pelo seu pagamento,
devendo, em caso de falta de provisão de fundos, o tomador cobrar o valor devido do
emitente do cheque.
Não podemos confundir a espécie denominada cheque visado (item e1, abaixo)
com aceite, dado que naquela hipótese o banco também não assume qualquer
obrigação cambial, conforme se verá.
b) Endosso
Atualmente, o cheque é o único título de crédito que se permite que seja emitido
ao portador, desde que seu valor não ultrapasse R$ 100,00. Na prática, todavia, este
limite não é observado diante da possibilidade do legítimo possuidor preencher de
boa-fé os requisitos faltantes na cártula, o que acaba permitindo que o cheque,
qualquer que seja o valor, circule livremente (“ao portador”) e a pessoa que desejar
resgatá-lo no banco complete-o com seu nome no instante do depósito.
Sendo nominal, o cheque circula por endosso, que deverá ser incondicional, em
preto ou em branco. O modelo de cheque em circulação no País tem incluída por
padrão a cláusula “à ordem”, a fim de consagrar a facilidade de circulação que é
ínsita aos títulos de crédito. Nada obsta, contudo, que o sacador risque o texto da
cláusula, transformando o cheque em nominal “não à ordem” e, assim, restringindo a
possibilidade de endossos. No mais, aplicam-se todas as regras estudadas para a letra
de câmbio.
Cumpre destacar que a conhecida limitação a um endosso por cheque advinha da
Lei 9.311/1996, que instituiu a CPMF. Com a extinção desse tributo em 2007, restou
revogada a mencionada lei e com ela a regra de limitação dos endossos. Desde então,
não há qualquer restrição à circulação do cheque.
Especificamente em relação à cadeia de endossos no cheque, é farta a
jurisprudência do STJ sobre o tema, ressaltando que é dever tanto do banco sacado
quanto do banco que apresenta o cheque na câmara de compensação verificar a
regularidade da cadeia de endossos, sob pena de responderem solidariamente pelos
prejuízos causados em face da aceitação de cheque endossado irregularmente (REsp
989076/SP, DJ 30/03/2011; REsp 1007692/RS, DJ 17/08/2010; EREsp 280285/SP,
DJ 28/06/2004).
c) Aval
Ao cheque serão aplicadas as regras já estudadas sobre o aval para a letra de
câmbio, anotando que o aval em branco presume-se dado ao sacador e que o banco
sacado é proibido de ingressar na relação cambiária como avalista de quem quer
que seja.
d) Pagamento do título
Sendo ordem de pagamento à vista, o cheque vence no momento de sua
apresentação para pagamento no banco sacado, que pode pagá-lo em dinheiro para o
apresentante ou, a pedido deste, creditá-lo na respectiva conta bancária que possua.
Não se permite, por outro lado, que o credor retenha o título pelo tempo que
desejar antes de apresentá-lo. Confere-lhe a lei prazo para tanto: 30 dias para cheques
de mesma praça e 60 dias para cheques de praças diferentes. A praça em questão é a
de emissão do cheque quando comparada com a do estabelecimento do banco sacado.
Assim, se consta no cheque como local de emissão o mesmo município da agência
bancária onde o sacador mantém suas economias, o prazo de apresentação é de 30
dias. Se forem municípios diferentes, 60 dias.
O transcurso do prazo sem apresentação da cártula impõe a perda do direito de
cobrança de eventuais coobrigados e seus avalistas e o endosso feito depois disso
terá efeito de mera cessão civil de crédito (endosso póstumo). Outrossim, o tomador
também não poderá responsabilizar o sacador caso não existam mais fundos na conta
por circunstância alheia à vontade deste (ex.: falência do banco responsável pela
conta corrente, confisco das reservas pelo Governo). Perceba que não é a simples
falta de fundos, por dolo ou mero descontrole nas contas pessoais, que exclui a
responsabilidade do sacador e seus avalistas. Nesses casos, continua o beneficiário
habilitado a manejar a competente ação de execução contra os devedores da cártula
até que se dê a prescrição desta (STF, Súmula 600).
Se, muito embora findo o prazo, houver fundos disponíveis na conta do
correntista, o banco pagará o cheque. Diga-se que, para haver recusa de pagamento,
deve o sacado fundar-se em motivo justo, tais como: falta de provisão de fundos,
ausência de requisito essencial, incongruência da assinatura, contraordem ou sustação
etc..
e) Espécies de cheque
A Lei 7.357/1985 e os costumes empresariais aceitam uma variedade de tipos de
cheque, cada um com uma certa função:
e1) Cheque visado
O emitente do cheque nominal ou qualquer pessoa que legitimamente o possua,
desde que ainda não tenha recebido qualquer endosso, pode requerer da instituição
financeira sacada que esta verifique a existência de fundos na conta do sacador e,
havendo-os suficientes, reserve o valor da cártula para pagamento quando da
apresentação. Para formalizar o ato, o banco lança no título um visto, assinatura ou
qualquer outra forma de declaração juntamente com a data no verso da cártula. A este
título damos o nome de cheque visado.
Como antes mencionado, não se pode confundir o visto lançado pelo banco com o
ato cambiário do aceite. O visto não gera qualquer obrigação cambial e, por isso, não
torna o banco devedor do pagamento da dívida. Sua obrigação é unicamente de
bloquear o valor na conta para entregá-lo ao credor no momento do pagamento.
Entretanto, caso o banco vise o cheque, mas não reserve o numerário, se não
houver mais fundos suficientes quando o tomador apresentar o cheque para
pagamento, o banco deve pagar, mantendo seu direito de regresso contra o
correntista. Isso não faz do sacado um garantidor do pagamento. Aplica-se a ele, no
caso, uma sanção pelo descumprimento de sua obrigação legal.
A reserva fica garantida durante o prazo de apresentação do cheque. Vencido este
sem qualquer notícia do credor requerendo o pagamento, o banco libera a quantia
bloqueada para uso do sacador.
e2) Cheque administrativo
Espécie de cheque no qual sacador e sacado são a mesma pessoa, ou seja, uma
instituição financeira. Deve ser, obrigatoriamente, nominal e admite, como seus
congêneres, a oposição de contraordem de pagamento em caso de desacordo
comercial (STJ, REsp 290935/RJ, DJ 15/10/2009).
O cheque administrativo é aquele emitido pelo banco contra si mesmo,
obrigando-se a pagar por ele quando apresentado pelo legítimo possuidor. Sua
vantagem está na certeza de liquidez, pois seu pagamento advém das reservas
financeiras do próprio banco.
e3) Cheque para ser creditado em conta
Trata-se de cláusula inserida no cheque pelo sacador que visa a proibir seu
pagamento em dinheiro pelo banco sacado, podendo exclusivamente ter seu valor
creditado na conta corrente do beneficiário.
Para sua caracterização, basta que o emitente escreva a expressão “para ser
creditado em conta”, ou qualquer outra equivalente, no anverso do cheque, no sentido
transversal. Com isso, o credor não poderá receber o pagamento pelo cheque em
dinheiro no caixa, devendo obrigatoriamente depositá-lo em sua conta.
A ideia é garantir maior segurança ao sacador, que poderá sempre buscar a
identificação da pessoa para quem foi pago o título.
e4) Cheque cruzado
Tem exatamente a mesma função do cheque para ser creditado em conta, qual
seja, a proibição do pagamento direto, em dinheiro, ao apresentante, forçando sua
liquidação através de depósito bancário para posterior identificação do beneficiário
caso necessário.
O cheque cruzado se caracteriza pela aposição de duas linhas transversais
paralelas no anverso do cheque. O cruzamento pode ser em preto (ou especial), caso
o emitente ou qualquer outro possuidor legítimo identifique, entre as linhas
transversais, o nome do banco onde o cheque deve ser apresentado, ou em branco (ou
geral), quando não constam tais informações, podendo o cheque ser apresentado para
pagamento em qualquer instituição financeira.
e5) Cheque pré-datado (ou pós-datado)
Talvez esta seja a modalidade de cheque mais comum no mercado, mas é fato que
ela não encontra respaldo na legislação. Define-se como um costume empresarial,
no qual o emitente inclui no cheque cláusula que garante a existência de fundos em
data futura, aceitando o tomador apresentá-lo apenas quando da chegada da data
combinada. Caracteriza-se com a expressão “bom para” ou qualquer outra
equivalente no anverso da cártula.
A Lei 7.357/85 opõe-se literalmente à existência do cheque pré-datado, pois
conceitua o cheque como ordem de pagamento à vista e reputa não escrita qualquer
menção em contrário (art. 32). Isso significa que a pessoa que saca um cheque nessas
condições fecha um “acordo de cavalheiros” com o tomador, acreditando que este não
apresentará o cheque antes da data marcada. Porém, se o fizer, o banco ignora a
cláusula (pois se considera como não escrita) e paga o valor se houver fundos.
Não se pode negar, de outra sorte, a força do costume no nosso ordenamento
jurídico, fonte de direito prevista, inclusive, no art. 113 do CC. Tanto é que o STJ
editou a Súmula 370, que reconhece no cheque pré-datado uma fonte de direitos e
obrigações: “caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-
datado”. É necessário esclarecer, por outro lado, que a responsabilidade civil
alcançará apenas o tomador original do cheque pré-datado que o colocou em
circulação antes da data pactuada. Por força da regra da inoponibilidade das
exceções pessoais a terceiros de boa-fé, o endossatário que deposita o cheque pré-
datado que recebeu de outrem antes do termo combinado entre as partes originais não
pratica ato ilícito, desde que, obviamente, atue de boa-fé (a pré-datação não estava
expressa no título, por exemplo).
3.8.4.Duplicata
Título de crédito criado no Brasil pela Lei 5.474/68, a duplicata é conceituada
como ordem de pagamento emitida pelo empresário em decorrência de contrato de
compra e venda de mercadoria com pagamento a prazo superior a 30 dias ou
prestação de serviços.
Do conceito podemos extrair que a duplicata é ordem de pagamento, que cria a
estrutura de duas relações jurídicas já conhecida. Devemos destacar as
peculiaridades da duplicata: o sacador do título é o credor da dívida, o comerciante
ou prestador de serviços, e o sacado aquele que deve pagar a obrigação a prazo. Isso
ocorre porque sacador e tomador são a mesma pessoa, ou seja, o comerciante emite
a duplicata determinando que o sacado, seu cliente, pague-lhe a quantia devida no
prazo combinado:
Além disso, a duplicata é título causal, de forma que só pode ser emitida em face
de uma compra e venda de mercadoria na qual se pactue o pagamento com prazo
superior a trinta dias ou prestação de serviços. É emitida pelo próprio empresário em
seu favor para que ele tenha a possibilidade de negociar mais facilmente esse crédito
a ser satisfeito no futuro para obter capital de giro, por exemplo.
Finalizada a compra e venda, o vendedor deve emitir uma fatura, documento
empresarial que relaciona as mercadorias negociadas individualizadas em
quantidade, natureza e preço. Com base nessa fatura, ele sacará a duplicata,
ordenando o pagamento ao sacado, que não é ninguém menos que o comprador.
Trata-se, ainda, de título de forma vinculada, sendo seu formato e conteúdo
regidos pela própria Lei 5.474/1968, que elenca seus requisitos específicos: a
denominação duplicata; data de emissão; número de ordem; número da fatura da
qual a duplicata foi extraída; vencimento, que só pode ser em data certa ou à vista;
nome e domicílio do vendedor e do comprador; valor a pagar, em algarismos e por
extenso; local do pagamento; cláusula “à ordem”, sendo proibida a emissão de
duplicata “não à ordem” (a cláusula pode ser aposta posteriormente por endossante);
a declaração pelo comprador do reconhecimento da dívida, a ser assinada quando
do aceite; a assinatura do sacador, que é o vendedor da mercadoria.
Obviamente, o vendedor ou prestador de serviços não é obrigado a emitir
duplicatas para toda venda ou prestação de serviços a prazo que realizar. Porém, ela
é o único título de crédito que pode ser emitido vinculado a uma fatura. Optando o
empresário pela emissão da duplicata, ele deverá manter, como livro empresarial
obrigatório, o Livro de Registro de Duplicatas.
A Lei 13.775/2018 inaugurou no Brasil a duplicata escritural, emitida de forma
eletrônica por meio de entidades devidamente autorizadas pelo Poder Público. Sua
adoção libera o empresário da escrituração do Livro Registro de Duplicatas (art. 9°
da Lei 13.775/2018). No mais, os requisitos e critérios de validade são os mesmos
dos títulos em papel.
a) Aceite
Outra característica intrínseca e exclusiva da duplicata é o fato do aceite ser
obrigatório pelo sacado. Com efeito, por representar uma obrigação nascida em um
contrato de compra e venda ou prestação de serviços, é natural que o adquirente
(agora sacado) seja compelido a pagar o que combinou por força do contrato. A
emissão da cártula é uma liberalidade do fornecedor para que ele possa negociar esse
crédito no mercado, de forma que sua existência vincula o sacado.
Sendo assim, deve o sacador encaminhar a duplicata para aceite no prazo máximo
de 30 dias contados da emissão. Se o vencimento for à vista, o aceitante deve
devolvê-la com seu aceite e acompanhada do pagamento. Caso contrário, tem o prazo
de 10 dias para remetê-la de volta ao sacador após a prática do ato cambiário
(aceite).
O sacado é obrigado a devolver a duplicata. Todavia, por ser título de aceite
obrigatório, ainda que ele não a remeta de volta ao sacador, considerar-se-á realizado
o aceite e vinculado o sacado como devedor principal. Diante dessas possibilidades,
temos três tipos de aceite da duplicata:
a1) Aceite ordinário: quando sacado apõe seu aceite na cártula e devolve-a ao
sacador;
a2) Aceite por comunicação: quando o sacado não devolve a duplicata, mas
comunica o sacador de seu aceite;
a3) Aceite por presunção: com ou sem devolução do título, reputa-se aceito com o
recebimento das mercadorias ou serviços pelo adquirente.
Se o sacado não devolver nem comunicar ao sacador seu aceite, poderá este
promover o protesto por falta de aceite ou por falta de devolução do título. A
ausência destes atos, contudo, não retira o direito ao protesto por falta de
pagamento, se o caso. De toda forma, o protesto será obrigatório para o exercício do
direito de crédito contra os coobrigados.
A recusa ao aceite somente será legítima e aceita nos casos de avaria ou não
recebimento das mercadorias ou serviços; vícios, defeitos e diferenças na quantidade
ou na qualidade do produto ou serviço; e divergência nos prazos e preços ajustados.
Nessas hipóteses, o sacado devolve a duplicata sem aceite juntamente com as razões
escritas de sua recusa.
b) Endosso e aval
Para o endosso e para o aval, aplicam-se as regras já estudadas para a letra de
câmbio, anotando-se apenas que o aval em branco presume-se dado à pessoa de cuja
assinatura o avalista lançar a sua logo abaixo. Se incabível a aplicação da regra,
considera-se avalizado o sacado.
c) Pagamento do título
Não há novidades diante de tudo que já foi estudado para os demais títulos.
Devedor principal é o aceitante e seus avalistas, coobrigados são os endossantes e
seus avalistas, contra os quais o protesto do título, seja por falta de aceite, de
devolução ou de pagamento, é obrigatório.
Mas, e se o sacado não devolve a duplicata? Como fica o protesto (e a futura
execução) diante do princípio da cartularidade?
A Lei 5.474/68 determina que o protesto seja realizado, em caso de aceite por
comunicação, através da carta que indica o aceite. Se aceite por presunção, tira-se o
protesto de acordo com o comprovante de recebimento das mercadorias . Faltando
qualquer destes documentos, ocorre o chamado protesto por indicação, hipótese na
qual o sacador enuncia ao Tabelião as características da duplicata emitida e não
aceita ou devolvida, servindo a certidão de protesto inclusive como título executivo
extrajudicial.
d) Triplicata
Ocorrendo a perda ou extravio da duplicata original, o art. 23 da Lei 5.474/1968
permite a emissão de uma segunda via (ou cópia), que recebe o nome de triplicata e
detém os mesmos efeitos do documento original.
O costume empresarial aceita a emissão de triplicata em caso de ausência de
devolução do título ao sacador, que a envia, então, a protesto. Aliás, costuma-se
emitir a triplicata sempre que o comprador retém a duplicata. Perceba-se que não se
trata de hipótese de perda ou extravio, faltando-lhe embasamento legal, porém não
há porque negar-se validade ao costume se não há prejuízo para as partes interessadas
(art. 113 do CC).
3.9.Ação cambial
A grande vantagem do credor com a emissão de um título de crédito é o fato dele
se constituir como um título executivo extrajudicial (art. 784, I, do NCPC),
prescindindo, portanto, sua cobrança judicial de prévia ação de conhecimento. A ação
de execução de título de crédito, pelo seu não pagamento no prazo, denomina-se
ação cambial.
Sujeito ativo da ação cambial é o legítimo possuidor do título, que
presumivelmente detém o crédito nele representado. Sujeito passivo é o devedor
principal do título, bem como qualquer coobrigado, desde que o credor tenha
promovido o protesto no prazo legal . Isso porque a obrigação cambial é solidária,
podendo ser cobrada integralmente de qualquer das pessoas constantes do título.
Aquele que pagar, naturalmente, terá direito de regresso contra o devedor principal ou
outro coobrigado que lhe seja anterior na cadeia de circulação da cártula, como já
vimos.
É competente o foro do local do pagamento indicado no título. Na sua falta,
deve ser observada a regra supletiva para cada título, analisada individualmente
quando do estudo de cada um deles.
A apresentação da cártula original, completa em seus requisitos e sem rasuras, é
documento essencial à propositura da ação cambial, devendo a inicial ser rejeitada
na sua falta. Admite-se, excepcionalmente, a execução sem a juntada do título caso
este esteja servindo de prova em outro processo, situação na qual o documento será
substituído por certidão do cartório onde corre aquele processo atestando que o título
original realmente encontra-se acostado àqueles autos.
É importante frisar que hipótese semelhante pode ocorrer com a ação cambial
para cobrança de duplicata, dado o costume do devedor de não devolvê-la ao sacador
após o aceite. Isso ocorrendo, servirá como título executivo a própria certidão do
protesto por falta de aceite ou de devolução do título. Em caso de aceite por
presunção, valerá o comprovante de entrega da mercadoria devidamente assinado
pelo aceitante.
Promovida a ação cambial, o executado defende-se através dos embargos à
execução. Terá, porém, limitada a matéria de defesa a defeitos formais do título,
exceções pessoais contra o exequente, falsidade da assinatura ou ausência de
requisito essencial para propositura da ação. Note que a natureza executiva da ação
cambial não autoriza a produção de provas ou o questionamento do direito de crédito.
O ônus da prova será sempre do executado.
3.10.Prescrição
Vencido o título, nasce para o titular do crédito a pretensão de executá-lo via
ação cambial, que se extingue com a prescrição, no prazo estabelecido pela LU ou nas
leis específicas.
Para a letra de câmbio e a nota promissória, aplicam-se os seguintes prazos: 03
anos, para a cobrança contra o devedor principal ou seus avalistas; 01 ano, para a
cobrança contra qualquer dos coobrigados; 06 meses, quando se tratar de direito de
regresso do coobrigado que pagou, querendo voltar-se contra outro coobrigado. A
execução contra o devedor principal seguirá sempre o prazo mais largo de 03 anos.
À duplicata aplicam-se os mesmos prazos, com exceção do direito de regresso
dos coobrigados uns contra os outros, que será de 01 ano.
No que tange ao cheque, os prazos são mais curtos: serão sempre de 06 meses,
seja contra o sacador, endossantes ou no direito de regresso de um coobrigado
contra outro.
Os títulos de crédito atípicos, regulamentados pelo CC, prescrevem no prazo de
três anos, em qualquer hipótese, conforme previsto no art. 206, VIII, do mesmo
diploma legal.
O termo inicial do prazo prescricional também varia de acordo com a situação:
contra o devedor principal, conta-se do vencimento do título, caso esse seja em data
certa, ou do fim do prazo de um ano para apresentação para pagamento, caso seu
vencimento seja a certo termo da vista (STJ, REsp 824250/SE, DJ 26/04/2011);
contra os coobrigados, a partir do protesto; no caso da ação de regresso, o prazo
inicia na data do pagamento.
Prescrita a ação cambial, ainda será cabível a propositura de ação de
conhecimento com base no locupletamento sem causa do devedor principal do título,
prevista no Decreto 2.044/1908, para a letra de câmbio, nota promissória e duplicata,
e na Lei 7.357/1985, para o cheque (Enunciado 463 JDC/CJF).
Não obstante, exsurge como opção para o portador de título prescrito a ação
monitória. Afinal, a cártula não deixa de ser um documento escrito. A prescrição
desnatura sua eficácia executiva, mas ele continua a representar uma obrigação
contraída pelas partes de pagar determinada soma em dinheiro. É, inclusive,
entendimento sumulado do STJ, estampado no Verbete 299: “É admissível ação
monitória fundada em cheque prescrito”.
4.1.Conceito
Direito Industrial, ou Direito sobre a Propriedade Industrial, pode ser definido
como o conjunto de normas jurídicas que regulamenta a produção intelectual das
pessoas, determinando os requisitos para sua proteção contra o uso indevido e a
exclusividade na exploração econômica por um certo período de tempo.
A fim de estimular a inovação e a evolução humana, o ordenamento jurídico
garante que aquele que desenvolver algo novo, produto de sua própria criação, terá
sobre esta produção direitos de exclusividade no uso, podendo proibir, ainda que
judicialmente, qualquer pessoa de utilizar ou mencionar sua obra sem sua expressa
autorização.
Nota-se, então, que o Direito Industrial é parcela do já conhecido direito de
propriedade, pois o autor ou inventor relaciona-se com sua obra como o titular do
domínio de qualquer outro bem. É por isso que a propriedade intelectual está
igualmente prevista na CF, no art. 5°, inciso XXIX, que dispõe: “a lei assegurará aos
autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem
como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de
empresa e a outros signos distintivos”.
A proteção sobre a propriedade intelectual resulta na criação de dois institutos
jurídicos: a patente e o registro. Em nosso dia a dia é muito comum ouvirmos, ou
mesmo utilizarmos, a expressão: “tal escritório trabalha com marcas e patentes”.
Havemos de ter cuidado, pois assim dizendo estamos confundindo continente com
conteúdo. Marca é uma das criações humanas que pode ser objeto de registro, logo
não pode andar ao lado da patente como se fosse instituto análogo. Melhor, e o
correto, é dizer que o tal escritório é especialista em “patentes e registros”.
Patente é o privilégio de utilização concedido para uma invenção ou modelo de
utilidade, criações que, conforme se explicará melhor adiante, são novidades que
antes não estavam disponíveis para a sociedade. Já o registro volta-se à proteção do
uso dos desenhos industriais e das marcas, conceitos abstratos que identificam e
individualizam produtos e serviços do empresário em relação aos demais
concorrentes.
A patente e o registro são concedidos após a análise dos requisitos legais pelo
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal criada em 1970,
a qual teve suas funções revistas com a edição da Lei 9.279/1996, que hoje cuida
entre nós do Direito Industrial. Cabe ao INPI, em linhas gerais, executar, em âmbito
nacional, as normas que regulam a propriedade intelectual e manifestar-se sobre a
conveniência da assinatura ou retificação de tratados internacionais sobre a mesma
matéria.
4.2.2.Natureza jurídica
A patente e o registro são considerados coisas móveis para todos os efeitos.
4.3.Patentes
4.3.1.Invenção
É a criação de algo novo, até então desconhecido da sociedade, originário da
atividade intelectual humana. O ser humano, diante de uma necessidade, tende a
procurar uma solução para facilitar sua vida. Algumas pessoas têm a aptidão de criar
coisas para suprir essas necessidades. Ex.: em algum momento da história, alguém
ficou cansado de ter de esperar várias horas para que a carne cozinhasse e ficasse
macia para consumo. Fruto de sua atividade criativa, inventou a panela de pressão e
poderia ter patenteado sua obra.
4.3.2.Modelo de utilidade
Pode ser definido como o item que, agregado a outro já existente, implica
aumento de sua utilidade, permitindo uso mais amplo, mais seguro ou mais
econômico do produto. Perceba que não se trata de invenção propriamente dita
porque o modelo de utilidade não existe por si mesmo, sendo obrigatoriamente
vinculado a produto já industrializado. Ainda assim, é ato inventivo do gênio humano
e, como tal, merece proteção autônoma àquela do produto melhorado. Ex.: usando a
panela de pressão que alguém inventou e mandou produzir em massa, um cozinheiro
notou que, caso a válvula entupisse, a panela explodia. Resolveu, por isso,
desenvolver um modelo de utilidade para que a panela se tornasse mais segura,
criando a válvula de segurança acoplada na tampa.
4.3.3.Requisitos da patente
Para ser patenteável, a invenção e o modelo de utilidade devem contar,
cumulativamente, com os seguintes requisitos:
a) Novidade: o produto a ser patenteado deve ser novo, assim entendido aquele cuja
elaboração não está compreendida no estado da técnica. Explicando melhor, ainda
que fosse até então totalmente desconhecido do sujeito criador, a invenção ou modelo
de utilidade não pode ser algo já dominado pelos peritos na área. A Lei 9.279/1996
considera, também, estado da técnica tudo aquilo que já foi divulgado ou tornado
acessível ao público;
b) Inventividade: além de novos, a invenção ou o modelo de utilidade não podem ser
mera decorrência do estado da técnica, isto é, devem ir além da simples aplicação
lógica de regras ou combinações já existentes. Decorre de atividade inventiva o
produto que espelha um verdadeiro progresso na área do conhecimento;
c) Possibilidade de industrialização: somente pode ser objeto de patente aquilo que é
também suscetível de produção industrial, consideradas as possibilidades atuais da
indústria, nacional ou internacional. Não será concedido o privilégio, por exemplo,
para o protótipo de um carro voador que necessita, para sua construção, de minerais
encontrados apenas no solo lunar;
d) Ausência de impedimentos: a Lei 9.279/1996 estabelece limites para a concessão
de patentes de invenções e modelos de utilidade, ainda que supridos os requisitos
anteriores. São impedidas as patentes de produtos ofensivos à moral, aos bons
costumes, à segurança ou à saúde públicas; substâncias resultantes de
transformação do núcleo atômico (radioativas); e seres vivos. Estes últimos,
excepcionalmente, podem ser objeto de patente se apresentarem características que a
espécie não alcançaria em condições naturais. É o caso dos organismos geneticamente
modificados – OGM – também conhecidos como transgênicos.
4.3.4.Procedimento
A apresentação do pedido de patente é denominada depósito e deve ser feito no
INPI acompanhado dos documentos indicados na lei.
Recebido o pedido, o INPI o manterá em sigilo pelo prazo de 18 meses, após o
qual será publicado e restará disponível para análise de qualquer interessado (o
pedido, não a patente propriamente dita). A etapa da publicação é omitida quando se
tratar de patente de interesse para a segurança nacional, ficando o pedido sob sigilo
por todo o procedimento.
Passe-se, então, para a análise dos requisitos e, verificada a patenteabilidade,
será concretizada a concessão da patente através da respectiva carta-patente, único
documento hábil a comprovar o privilégio de exploração econômica daquele produto.
Não é demais lembrar que no Brasil vigora o princípio da anterioridade da
patente, que determina que o titular do privilégio será aquele que primeiro obteve a
concessão da patente, retroagindo os efeitos desta à data do depósito do pedido. Isso
significa que, se alguém iniciar a exploração indevida do produto ou processo
patenteado antes da emissão da carta-patente, deverá, ainda assim, indenizar o titular
desta pelos prejuízos causados.
Sobre este assunto, o Brasil é signatário de um tratado internacional conhecido
como União de Paris, que determina a igualdade de direitos e obrigações entre
nacionais e estrangeiros no processamento e nos prazos da patente, bem como a
verificação da prioridade da patente entre países signatários do pacto. Por exemplo,
se um estrangeiro comprova que obteve uma patente em seu país, e esta nação é
também signatária da União de Paris, pode o titular da patente estrangeira requerer o
reconhecimento de sua prioridade no INPI, desde que o faça no prazo de 12 meses.
4.3.5.Prazo
A patente de invenção garante o privilégio para seu titular pelo prazo de 20 anos,
contados da data do depósito. A lei estabelece, no entanto, um prazo mínimo para o
benefício, considerando a demora natural no processamento do pedido: 10 anos,
contados da data da concessão.
Em se tratando de modelo de utilidade, os prazos são menores: 15 anos, contados
do depósito, sendo no mínimo 07 anos de usufruto do privilégio, a partir de sua
efetiva concessão.
Não há qualquer hipótese de prorrogação de prazo.
4.3.6.Licença compulsória
Mencionamos anteriormente que, por ingressar a patente no patrimônio do titular,
este pode negociá-la livremente, inclusive abrindo seu uso para terceiros mediante
contrato, que se denomina licenciamento. Aqui, licenciamento voluntário.
Há situações, contudo, em que o titular é obrigado a promover o licenciamento,
diante do interesse público e da função social que deve ser exercida pela patente.
Nestes termos, ocorre o licenciamento compulsório quando o titular exercer os
direitos da patente de forma abusiva, principalmente pelo abuso de poder
econômico (ex.: aumento arbitrário dos lucros); pela ausência de industrialização do
produto no território nacional; e pela comercialização insatisfatória da produção
segundo as necessidades do mercado, ou seja, o titular disponibilizar a oferta do
produto em quantidades muito inferiores à demanda nacional.
O art. 71 da Lei n° 9.279/1996, por sua vez, autoriza o Poder Executivo Federal,
em caso de emergência nacional ou interesse público, declarar a utilidade da patente
e determinar seu licenciamento compulsório de ofício, estabelecendo o prazo de
vigência da licença e a possibilidade de prorrogação. O Decreto n° 3.201/99, que
regulamenta o artigo 71 da LPI, e abre ainda a possibilidade do próprio Estado
explorar a invenção objeto da patente licenciada (art. 9°), normalmente através da
constituição de empresas públicas ou sociedades de economia mista.
É importante frisar que não estamos falando de quebra de patente, que se
configura com a violação do direito do titular do privilégio. As hipóteses
supratratadas continuam se caracterizando como licenciamento, razão pela qual o
dono da patente será remunerado pelos empresários que buscarem a exploração do
produto ou processo patenteado através do licenciamento compulsório.
4.3.7.Extinção da patente
São hipóteses de extinção da patente, situação na qual o produto ou processo
antes protegido passam para o domínio público:
a) Término do prazo, também chamado de extinção natural da patente, lembrando
sempre do prazo mínimo garantido por lei contado da concessão da patente;
b) Caducidade, que se opera dois anos após a primeira licença compulsória. Ou
seja, determinada a licença compulsória, se ao longo de dois anos continuarem
presentes os motivos que ensejaram sua decretação, a patente se extinguirá por
caducidade;
c) Renúncia à patente, possível apenas se o ato não causar prejuízos a terceiros (ex.:
pessoas físicas ou jurídicas que obtiveram a licença para exploração do titular do
privilégio);
d) Falta de pagamento da “retribuição anual”, que é a taxa de manutenção da
patente devida ao INPI enquanto ela estiver em vigor;
e) Falta de representante no Brasil, nas hipóteses em que o titular da patente for
domiciliado no exterior.
As hipóteses de extinção da patente são todas definitivas, com exceção da falta de
pagamento da retribuição anual. Nesse caso, o titular da patente pode requerer sua
restauração no prazo de três meses da notificação da extinção se promover o
pagamento da taxa faltante.
4.4.Registro
4.4.1.Desenho industrial
Desenho industrial, ou design, é a forma utilizada para a fabricação de
determinado objeto, abrangendo seu formato, as linhas do desenho e suas cores,
cuja reunião cria um conjunto estético passível de ser aplicado na industrialização
de um produto. Exemplos comuns de desenhos industriais registráveis são aqueles
utilizados para a fabricação de veículos.
Para ser admitido a registro, é necessário que o desenho industrial seja novo, ou
seja, o resultado visual criado não esteja compreendido no estado da técnica
(valendo aqui o mesmo conceito que aprendemos para as patentes); seja original, não
repetido, que não se confunde com outros desenhos já conhecidos ; e não haja
impedimento legal, pois, nos termos da Lei 9.279/1996, não serão registrados os
desenhos ofensivos à moral, aos bons costumes, à honra ou imagem das pessoas,
aqueles atentatórios à liberdade de consciência e formas comuns, vulgares ou
necessárias.
É imperioso ter em mente que novidade e originalidade são requisitos diferentes:
a novidade preocupa-se com a técnica, o conhecimento dos peritos do setor sobre o
assunto, ao passo que a originalidade é eminentemente estética, cuidando unicamente
do apelo visual criado pelo design.
4.4.2.Marca
Pincelamos o conceito de marca ao tratar de sua diferença em relação ao nome
empresarial e ao título do estabelecimento (item 1.5.5, supra). Marca é o designativo
visualmente perceptível (símbolos, expressões ou desenhos) que identifica
determinado produto ou serviço do empresário. Pela marca, o consumidor conhece o
produto que está comprando, suas qualidades e diferenças em relação aos outros
produtos, sendo que muitas vezes ignora quem é o fabricante ou prestador do serviço.
Nisto se fundamenta a proteção da marca através do registro, pelo inegável valor
comercial que possui no mercado.
São requisitos indispensáveis para o registro da marca: a novidade relativa, não
se exigindo que o designativo seja absolutamente novo – o que deve ser nova é sua
utilização como elemento identificador de determinado produto ou serviço; a não
colisão com marca notória, as quais, ainda que não registradas, têm sua proteção
assegurada pela União de Paris (ex.: Coca-Cola); e a ausência de impedimento
legal, uma vez que a lei proíbe o registro, além daquilo que seja ofensivo à moral e
aos bons costumes, de brasões ou emblemas oficiais, de letras, algarismos ou datas
sem elementos diferenciadores suficientes ou ainda a reprodução ou imitação de
elemento característico de título de estabelecimento ou nome empresarial de
terceiros, a fim de evitar confusão junto aos consumidores (Lei 9.279/1996, art. 124).
É mister colocar que a proteção conferida pelo registro da marca é também
relativa, pois está restrita à categoria empresarial na qual seu titular se insere
(princípio da especialidade ou da especificidade). Na prática, o INPI divide as
atividades empresariais em grupos, garantindo a exclusividade no uso da marca
apenas em relação a outros integrantes da mesma categoria. No mesmo diapasão, não
há presunção absoluta de prejuízo pelo uso indevido de marca registrada, cabendo ao
titular do registro provar o dano causado (STJ, REsp 333105/RJ, DJ 02/06/2005).
4.4.4.Procedimento
Aplica-se ao registro, no que couber, as mesmas regras estudadas para a
concessão de patentes, inclusive as anotações concernentes à União de Paris,
alterando-se, unicamente, que o pedido de prioridade elaborado por estrangeiro deve
ser feito no prazo de 06 meses quando se tratar de registro.
4.4.5.Prazo
O registro de desenho industrial vigora pelo prazo de 10 anos, contados da data
do depósito, e pode ser prorrogado por até 03 períodos sucessivos de 05 anos cada.
A retribuição devida ao INPI pela concessão do registro incide a cada prazo
quinquenal.
Para a marca, o prazo de registro inicial é também de 10 anos, contados do
depósito do pedido, porém pode ser prorrogado sucessivas vezes por igual período,
sem limite de vezes. Exige a lei, unicamente, que o pedido de extensão do prazo seja
efetuado sempre no último ano de vigência do registro. A retribuição ao INPI é
decenal, ou seja, devida a cada 10 anos.
4.4.6.Extinção do registro
A extinção do registro dá-se nas mesmas hipóteses já estudadas para a patente:
término do prazo, sem o requerimento da prorrogação, quando possível; caducidade,
apenas no caso de marca, que se opera se sua exploração econômica não for iniciada
no prazo de 05 anos contados da concessão, se houver a interrupção desta exploração
por 05 anos consecutivos, ou pela alteração substancial da marca; renúncia ao direito
conferido pelo registro; ausência de pagamento da retribuição; e ausência de
procurador habilitado no Brasil, caso o titular do registro seja domiciliado no
exterior.
4.5.Quadro sinóptico
Para bem fixar os conceitos aprendidos neste capítulo, acompanhe o quadro
apresentado abaixo:
5. CONTRATOS EMPRESARIAIS
5.1.Noções gerais
A sistemática dos contratos empresariais (ainda chamados por grande parte da
doutrina nacional de “contratos mercantis”, por motivos históricos) em nada diverge
da teoria geral dos contratos válida para todo o Direito Civil.
Afinal, em termos práticos, considera-se contrato empresarial aquele no qual
ambas as partes são empresárias. Não há uma lista específica separando contratos
empresariais de contratos civis. A identificação de um e outro é feita para a
caracterização das partes. Se tanto o polo ativo quanto o polo passivo da avença são
ocupados por pessoas físicas ou jurídicas que se enquadram no conceito de
empresário previsto no art. 966 do CC, estaremos diante do contrato empresarial.
Caso negativo, será contrato civil.
Repise-se que, na prática, tal distinção gera pouquíssimos efeitos. Aplicamos a
ambas as categorias os mesmos princípios, a saber: função social do contrato, boa-
fé objetiva e pacta sunt servanda, sendo igualmente possíveis os reconhecimentos
da cláusula rebus sic stantibus e a alegação da exceção de contrato não cumprido.
Todos estes temas são abordados pelo Direito Civil e têm a mesma eficácia no
Direito Empresarial.
Há de se ter cuidado com apenas um detalhe: a possibilidade de incidência do
Código de Defesa do Consumidor, o que afasta o regime jurídico empresarial. É
possível que credor e devedor da obrigação sejam empresários e o contrato seja
regido pelo Direito do Consumidor. Isso ocorrerá quando o empresário adquirente do
produto ou serviço for o seu destinatário final sem que este se integre à cadeia
produtiva, bem como pela hipossuficiência nas informações disponíveis sobre o
produto ou serviço (STJ, REsp 814060/RJ, DJ 06/04/2010).
5.2.1.Contrato de fornecimento
Configura-se o fornecimento com a negociação de cunho geral sobre compras e
vendas sucessivas, mantendo-se as mesmas condições para todas elas, durante
determinado período de tempo. Assim, temos um contrato de fornecimento quando,
por exemplo, o dono de uma padaria firma um pacto com determinado atacadista para
fornecimento de refrigerantes para seu comércio. Neste contrato, constará que a
padaria irá celebrar “n” contratos de compra e venda com aquele atacadista,
adquirindo “x” latas de refrigerante em cada uma delas, sempre com preço e forma de
pagamento predeterminados.
Podemos definir o contrato de fornecimento como a aglutinação de diversos
contratos de compra e venda. A vantagem de sua celebração é o aumento no poder de
barganha na negociação entre as partes, podendo o comprador exigir um preço menor
para os produtos diante da garantia que regularmente os adquirirá com o seu
fornecedor.
5.2.3.Incoterms
São cláusulas relativas à responsabilidade de cada parte no transporte da
mercadoria objeto da compra e venda. Criados para padronizar os contratos
internacionais, os incoterms têm hoje aplicação irrestrita nas transações empresariais
porque representam, com precisão, a extensão da responsabilidade do comprador e
do vendedor.
Existem treze incoterms catalogados pela Câmara de Comércio Internacional de
Paris em 1936, escalonados em ordem crescente de responsabilidade do vendedor.
Apresentamos abaixo suas siglas e significados:
a) EXW – Ex Works: o comprador assume, com exclusividade, os riscos e
responsabilidades do transporte. Cabe ao vendedor apenas notificá-lo da data e local
onde a mercadoria está à disposição para retirada;
b) FCA – Free carrier: a responsabilidade do vendedor extingue-se no momento em
que este entrega a mercadoria desembaraçada para exportação aos cuidados do
transportador no local indicado pelo comprador;
c) FAS – Free alongside ship: cabe ao vendedor a colocação da mercadoria ao lado
do meio de transporte designado, cessando suas obrigações no cais ou plataforma,
competindo ao comprador ou transportador por ele contratado a colocação da
mercadoria a bordo;
d) FOB – Free on board: o vendedor garante a entrega da mercadoria dentro do
navio ou outro meio de transporte indicado pelo comprador, arcando também com os
gastos do desembaraço para exportação, quando for o caso. O transporte em si e as
despesas da importação, se aplicáveis, são de responsabilidade do comprador;
e) CFR – Cost and freight: o vendedor assume as despesas relativas ao transporte da
mercadoria até o local de destino (porto, aeroporto ou garagem) indicado pelo
comprador, inclusive aquelas decorrentes da exportação, quando for o caso. Ao
comprador restam as despesas da importação, se aplicáveis, e o risco de avaria ou
dano ocorrido durante o transporte;
f) CIF – Cost, insurance and freight: bastante similar a CFR, sendo acrescida a
responsabilidade do vendedor também pela contratação do seguro de transporte,
retirando o risco de perdas do comprador;
g) CPT – Carriage paid to: o vendedor assume os riscos de levar a mercadoria até o
transportador designado, mas arca com os custos do transporte até o porto, estação ou
aeroporto indicado pelo comprador;
h) CIP – Carriage and insurance paid to: bastante similar ao CPT, com o acréscimo
dos custos do seguro do transporte ao vendedor;
i) DAP – Delivered at port: o vendedor deve colocar a mercadoria à disposição do
comprador ainda a bordo do meio de transporte no porto, aeroporto ou estação
designado, cabendo ao adquirente o descarregamento e o desembaraço de importação;
j) DAT – Delivered at terminal: o vendedor leva a mercadoria até o ponto de destino
designado pelo comprador (retirando-o do porto, aeroporto ou estação), mas sem
arcar com os custos do desembaraço de importação (a mercadoria, normalmente, é
levada a um recinto alfandegado – “porto seco”);
k) DDP – Delivered duty paid: cabe ao vendedor entregar as mercadorias no
estabelecimento empresarial designado pelo comprador, respondendo pelo transporte,
despesas de exportação e importação, se o caso, e riscos advindos da movimentação
da carga, mediante a contratação de seguro.
5.5.1.Evolução histórica
A origem do contrato de arrendamento mercantil é um tanto incerta. Há diversas
passagens na História identificadas pelos doutrinadores como as primeiras
manifestações de negócios jurídicos semelhantes ao leasing. Rodolfo de Camargo
Mancuso encontra-o já na Babilônia, sob a égide do Código de Hamurabi, na Grécia e
em Roma. Sua posição, porém, mostra-se um tanto extremada. É claro que as
civilizações antigas são, em grande monta, o berço do Direito Privado, mas atribuir-
lhes a idealização do contrato de arrendamento mercantil parece-nos exagerado.
Para outros, o leasing tem origem com o Lend and Lease Act do governo norte-
americano. Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, os EUA concordaram em
fornecer armamentos aos países aliados sob a condição deles serem adquiridos ou
devolvidos ao final da guerra. Essa “opção de compra” realmente é uma marcante
semelhança com o arrendamento mercantil que conhecemos hoje, contudo
concordamos com Maria Helena Diniz ao refutar esse dado como a semente do
leasing. Afinal, tratou-se de um ato político, não um negócio jurídico.
Enfim, a primeira vez que o contrato em comento foi celebrado nos moldes
comerciais foi em 1952, no estado americano da Califórnia, por D. P. Boothe Jr., que
era um empresário do ramo de alimentos. Ele celebrou com o governo dos EUA um
contrato de fornecimento de gêneros alimentícios para o exército de seu país e
percebeu, logo depois, que não possuía maquinário suficiente para atender à demanda.
Teve a ideia, então, de oferecer a um banco que adquirisse os bens em nome próprio e
permitisse seu uso mediante uma contraprestação periódica, considerando que não
possuía bens suficientes para dar em garantia de um empréstimo. A instituição
financeira concordou com a proposta e seu sucesso fez com que D. P. Boothe Jr.
abrisse a U. S. Leasing Company, responsável pela divulgação do novo modelo de
negócio em todo o mundo.
No Brasil, o leasing foi introduzido na década de 60, ainda sem qualquer
normatização. Seu fundamento era basicamente a liberdade de contratar e a autonomia
da vontade, permitindo às partes celebrá-lo independentemente de previsão legal.
Todavia, sua popularização chamou a atenção das autoridades fazendárias, que
exigiram ao menos sua regulamentação para fins fiscais. Com isso, foi editada a Lei
n° 6.099/1974, que tratou oficialmente do arrendamento mercantil no país pela
primeira vez. Seguiram-lhe diversas normatizações infralegais, principalmente
oriundas do Banco Central do Brasil, que buscaram ampliar a concretude das normas
aplicáveis ao leasing. Atualmente, além do mencionado diploma legal, o leasing é
regulado pela Resolução n° 2.309/1996 do BACEN.
5.5.2.Conceito
O leasing está previsto na Lei 6.099/1974 e pode ser definido, grosso modo,
como um contrato de aluguel no qual o locatário tem, ao final do prazo estipulado,
a opção de devolver o bem, renovar a locação ou comprar a coisa, deduzido do
preço o valor já pago a título de aluguel.
Explicando melhor, no leasing uma pessoa física ou jurídica (o arrendatário),
diante da necessidade de uso de determinado bem, entra na posse direta da coisa que
pertence e continua pertencendo ao arrendador (obrigatoriamente pessoa jurídica),
mediante uma contribuição mensal. Possibilita-se, assim, ao empresário valer-se do
bem que precisa sem ter de dispor do valor para uma compra e venda.
A empresa arrendadora, segundo parâmetros estabelecidos pelo Banco Central,
deve ser sociedade anônima ou instituição financeira previamente autorizada pela
autarquia em ambos os casos. Ademais, deve constar na denominação utilizada pela
empresa a expressão “arrendamento mercantil”.
Além das partes do contrato, arrendador e arrendatário, há ainda a figura do
fornecedor, que é o empresário que fornece o bem objeto do arrendamento. Nada
obsta que ele se confunda com o arrendador, ou seja, que esse realize o negócio
jurídico com um bem que já é de sua propriedade, desde que isso ocorra na
modalidade de leasing financeiro, que estudaremos a seguir (art. 13 da Resolução n°
2.309/1996 do BACEN).
5.5.3.Elementos do contrato
Estão previstos no art. 5° da Lei n° 6.099/1974:
a) Prazo do contrato: o leasing deve ser celebrado, necessariamente, por prazo
determinado;
b) Valor da contraprestação e a periodicidade do pagamento: a remuneração
devida à arrendadora não precisa ser mensal, porém o intervalo de pagamento
também não poderá exceder um semestre, como regra geral, ou um ano em caso de
atividades rurais;
c) Opção de compra ou renovação do contrato: para a validade da cláusula, a
faculdade deve ser atribuída ao arrendatário;
d) Preço para opção de compra ou critério para sua fixação.
Além desses itens, a Resolução n° 2.309/1996 do BACEN ainda exige:
e) A completa descrição do bem arrendado, que pode ser móvel ou imóvel;
f) As despesas e encargos adicionais;
g) Condições para eventual substituição dos bens arrendados;
h) Demais responsabilidades que vierem a ser convencionadas, entre elas as
decorrentes de uso indevido do bem, contratação de seguro, danos causados a
terceiros e ônus por vícios dos bens arrendados;
i) Atribuição de poder de fiscalização da arrendadora em relação à conservação
dos bens arrendados, podendo exigir a adoção de providências indispensáveis à
sua preservação;
j) Responsabilidade do arrendatário em caso de inadimplemento (cuja multa não
poderá ultrapassar 2% do valor em atraso), destruição, perecimento ou
desaparecimento dos bens arrendados;
k) A possibilidade do arrendatário transferir os direitos e obrigações do contrato
a terceiro, desde que com anuência expressa da entidade arrendadora.
5.5.4.Modalidades de leasing
5.5.4.1.Leasing financeiro
É aquele em que as contraprestações e demais pagamentos previstos no
contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a
arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual de
operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; as
despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à
operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; e
o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo
ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
Esse longo enunciado representa o art. 5° da Resolução n° 2.309/1996 do
BACEN, que conceitua oficialmente a modalidade do arrendamento mercantil
financeiro. Seu conhecimento é essencial para fins de concurso público, por isso não
pudemos evitar sua transcrição. Por outro lado, o conceito não é tão difícil quanto
parece.
O cerne do arrendamento mercantil financeiro é o trecho que diz “a arrendadora
recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual de operação e,
adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos”. Isso significa
que é a própria arrendadora que adquire o bem e transfere sua posse direta ao
arrendatário e o valor cobrado deverá gerar lucro para a arrendadora. Em outras
palavras, o que mais interessa aqui é o ganho econômico com o contrato, por isso é
chamado de leasing financeiro. Normalmente, é celebrado por instituições que se
destinam exclusivamente a celebrar contratos de arrendamento mercantil.
O leasing financeiro deve ser celebrado com prazo mínimo de 2 anos, caso a
vida útil do bem seja igual ou inferior a 5 anos, e prazo mínimo de 3 anos para os
demais bens. Exercida a opção de compra antes desse interregno, o contrato de
leasing se desnatura e passará a ser tratado como uma compra e venda mercantil com
pagamento a prazo.
5.5.4.2.Leasing operacional
É aquele no qual as contraprestações a serem pagas pela arrendatária
contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua
colocação à disposição da arrendatária, não podendo o valor presente dos
pagamentos ultrapassar 90% do custo do bem; o prazo contratual seja inferior a
75% do prazo de vida útil econômica do bem; o preço para o exercício da opção de
compra seja o valor de mercado do bem arrendado; e não haja previsão de
pagamento do Valor Residual Garantido – VRG (art. 6° da Resolução n° 2.309/1996
do BACEN), que é uma parcela a ser paga durante a execução do contrato com a
finalidade de amortizar o valor devido ao final caso se exerça a opção de compra.
Salta aos olhos a maior limitação que incide no regulamento do leasing
operacional. Nessa modalidade, que alguns autores chamam de leasing impuro ou
atípico, a intenção das partes é mais voltada à transferência da propriedade do bem
ao arrendatário ao final do contrato. O núcleo do negócio é a utilização e aquisição
do bem pelo arrendatário, por isso leasing operacional. Aproxima-se da locação,
porque a obrigação de preservação e manutenção do bem é da instituição
arrendadora, dela se diferenciando na medida em que o pagamento das
contraprestações periódicas serve de abatimento do preço de compra em caso do
exercício dessa opção.
O leasing operacional deve ser celebrado com prazo mínimo de 90 dias e prazo
máximo equivalente a 75% da vida útil econômica do bem. Essa “vida útil
econômica” é dada por regulamentos e instruções da Secretaria da Receita Federal do
Brasil, que estabelecem em quanto tempo cada espécie de bem perde totalmente seu
valor de mercado. Tecnicamente, esse período é conhecido como depreciação.
Alguns autores, como Fran Martins, ainda distinguem o leasing financeiro e o
leasing operacional a partir da possibilidade de rescisão unilateral do contrato,
proibida no primeiro e possível, mediante aviso prévio, no segundo.
5.5.4.3.Leasing de retorno
Também conhecido como sale and lease back, cession-bail ou
retroarrendamento, nada mais é do que uma variação do leasing financeiro, na qual o
bem arrendado é de propriedade do arrendatário, que transfere a propriedade para
o arrendador, mas mantém a posse direta com base no contrato de arrendamento
entre eles celebrado.
5.5.4.4.Leasing impróprio
Também conhecido como self leasing ou leasing consigo mesmo, é a espécie de
arrendamento mercantil celebrado entre pessoas vinculadas, assim entendidas aquelas
coligadas ou interdependentes, direta ou indiretamente , nos termos do art. 27 da
Resolução n° 2.309/96 do BACEN.
Subdivide-se em self leasing por vinculação, onde ocorre propriamente o
contrato entre diferentes pessoas, porém vinculadas uma a outra, e manufacture
leasing, celebrado diretamente entre o fornecedor do bem e o arrendatário.
Ambas as hipóteses não são reconhecidas no Direito brasileiro como
modalidades de arrendamento mercantil válidas, por força, respectivamente, do art.
28, incisos I e III, da Resolução n° 2.309/1996 do BACEN. Isso significa que, uma
vez celebradas, não terão o mesmo tratamento tributário ou empresarial previsto para
as demais modalidades.
5.6.Contratos de colaboração
Sob esta larga rubrica, encontram-se os contratos nos quais um empresário
(colaborador) atua no sentido de criar ou ampliar o mercado de determinado
produto ou serviço fabricado ou prestado por outro empresário (fornecedor) . A
função do colaborador é levar o produto ou serviço do fornecedor até onde o
consumidor em potencial está, investindo em publicidade, estoques e estratégias de
vendas em troca de uma remuneração.
Os contratos de colaboração podem ser divididos entre contratos por
aproximação e contratos por intermediação. Existe uma única diferença entre eles:
nos contratos por aproximação, o colaborador nada adquire do fornecedor. É o caso
d a comissão e da representação. Já na intermediação, o colaborador adquire o
produto do fornecedor para revendê-lo, como ocorre, em regra, na distribuição.
5.6.1.Comissão
N a comissão empresarial, um empresário (comissário) obriga-se a realizar
negócios em prol de outro (comitente), mas em nome próprio. Em outros termos: o
comissário, mediante remuneração, celebra contratos com terceiros cujo objeto é o
produto ou serviço fornecido pelo comitente. Mas quem figura no contrato como parte
é o comissário, obrigando-se perante o terceiro pelo adimplemento da avença. O
comitente, muitas vezes, fica anônimo, por razões estratégicas.
A linha entre a comissão e o mandato é muito tênue: separa-os apenas o fato do
comissário obrigar-se perante terceiros , contratando em seu próprio nome, ao passo
que o mandatário, desde que aja dentro dos limites dos poderes que lhe foram
outorgados, atua em nome do mandante e, por isso, não se responsabiliza pelo
cumprimento do acordo.
No mais, os contratos são idênticos, aplicando-se a disciplina legal do mandato à
comissão.
Não se deixe esquecer que o negócio fechado pelo comissário é feito em prol do
comitente e é a este que pertence, em princípio, o risco. Caso, por exemplo, o
terceiro que comprou produtos através de acordo com o comissário não pague o
combinado no prazo, o prejuízo é do comitente. O comissário continua a fazer jus a
sua remuneração.
Essa regra, contudo, pode ser excepcionada por expressa determinação das
partes. Trata-se da cláusula del credere, pela qual o risco do inadimplemento é
transferido para o comissário, que responde solidariamente com o terceiro.
Obviamente, a remuneração nesse caso tenderá a ser maior. Anote-se que os demais
riscos, como vícios na coisa ou evicção, continuam entregues ao comitente.
Comissão é também o nome da remuneração devida ao comissário pelo seu
trabalho, devida, repita-se, mesmo que o terceiro não cumpra sua parte no acordo,
exceto se presente a cláusula del credere.
5.6.3.Distribuição
O contrato de distribuição não difere da representação, exceto por dois aspectos:
primeiro, na distribuição, o distribuidor tem à sua disposição (posse direta) as
mercadorias do distribuído, enquanto que, na representação (ou agência), o
representado as mantém consigo até o adimplemento da obrigação pactuada com
terceiro (art. 710 do CC).
Segundo, enquanto a representação é necessariamente um contrato de colaboração
por aproximação, porque o representado não tem poderes para fechar o negócio em
nome do representante, a distribuição pode assumir duas figuras distintas: a
distribuição-aproximação e a distribuição-intermediação.
A distribuição-aproximação, mais difícil de ser vista na prática, opera-se nos
mesmos moldes da representação, porém tendo o distribuidor a posse direta das
coisas a serem vendidas. Os bens ficam em seu poder a título de depósito.
Na distribuição-intermediação, mais comum, por sua vez, o distribuidor adquire
os produtos do distribuído para revendê-los. Atua, destarte, em nome próprio e
obriga-se perante terceiro porque é proprietário das mercadorias vendidas. É o
exemplo dos postos de combustíveis.
Pela similitude, aplicam-se à distribuição as mesmas regras estudadas sobre a
representação, exceto quando se tratar de distribuição-intermediação de veículos
automotores. Para este setor da economia existe a Lei 6.729/79 (com as alterações
realizadas pela Lei 8.132/1990), que denomina tal contrato como concessão
comercial. Vem daí o termo usual do cotidiano “concessionária de veículos”. Nesta
hipótese, o CC é usado apenas como legislação supletiva, devendo ser observados os
ditames da legislação especial.
6. DIREITO FALIMENTAR
6.1.Resumo histórico
É sabido que a Lei 11.101/2005, doravante denominada apenas Lei de Falências
(LF), revogou expressamente o Decreto-lei 7.661/1945. Tal alteração legislativa
trouxe importantes evoluções para o Direito Falimentar.
A principal delas foi o acolhimento integral da teoria da empresa, estampada no
CC, garantindo a aplicação de seus benefícios a todos aqueles que sejam
considerados empresários. A legislação anterior, elaborada sob a vigência do vetusto
Código Comercial, creditava o regime jurídico falimentar apenas aos comerciantes,
apesar da jurisprudência, ao longo das décadas, ter ampliado substancialmente seu
campo de incidência.
Outrossim, foi extinta a concordata, sendo criada em seu lugar a recuperação da
empresa. A diferença é tanto teórica quanto prática: inicialmente, verificamos que a
criação do instituto da recuperação, em substituição à concordata, demonstra que a LF
preocupa-se em bem diferenciar a empresa economicamente viável da inviável. Às
empresas viáveis, que lhes seja dado o direito de tentar se recuperar após um período
de crise econômica; às inviáveis, a falência.
Na prática, os conceitos se afastam ainda mais: a concordata previa apenas a
dilação do prazo de vencimento das dívidas, em uma fórmula engessada que, no mais
das vezes, em nada ajudava a empresa a não falir; a recuperação, veremos
detalhadamente adiante, prevê a liberdade de elaboração do plano de recuperação.
Atendidos a certos requisitos legais, o empresário em dificuldade é livre para elencar
as diligências necessárias para sua recuperação, submetendo sua proposta aos
credores. Nada mais correto, afinal são eles os principais interessados no
recebimento de seus créditos, sendo certo que, com a quebra do devedor, a chance de
recebê-los diminui consideravelmente.
6.3.2.Ministério Público
Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945, o Ministério Público deveria
acompanhar integralmente todos os processos de falência e concordata ajuizados,
entendendo-se que sua presença como custos legis era inafastável diante do interesse
público envolvido na falência de qualquer empresa.
O projeto de lei aprovado, que resultou na atual LF, trazia comando no mesmo
sentido. Entretanto, o artigo foi vetado pelo Presidente da República, questionando a
existência de um interesse público geral no procedimento falimentar e igualmente
visando a uma celeridade maior no processamento da quebra e da recuperação.
Com isso, a atuação do Parquet fica restrita aos casos expressamente previstos
na LF, que relacionam, em apertada síntese:
a) impugnar o quadro-geral de credores antes de sua homologação ou promover sua
alteração através de ação de rito ordinário (se já homologado);
b) requerer a substituição do Administrador Judicial e de membros do Comitê de
Credores nomeados em desacordo com a lei;
c) ser intimado do deferimento da recuperação judicial e da decretação da falência;
d) recorrer, através de agravo, da decisão que concede a recuperação judicial;
e) propor ação revocatória;
f) ser intimado de todo e qualquer ato de alienação de ativos, podendo inclusive
impugnar a arrematação;
g) pronunciar-se sobre a prestação de contas do Administrador Judicial no
encerramento da falência.
6.3.3.Administrador judicial
Pessoa de confiança do juiz e nomeada por este para administrar o complexo
de bens e dívidas do empresário falido (massa falida) durante o processo de
falência ou para acompanhar a execução do plano de recuperação, no caso de
recuperação judicial da empresa. Será, preferencialmente, advogado, economista,
administrador de empresas, contador ou pessoa jurídica especializada. Nesse último
caso, a sociedade deve indicar o nome do profissional responsável pela condução do
processo, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz (art. 21 da LF).
A figura do administrador judicial vem para substituir duas outras previstas na
legislação anterior, que denominava síndico o responsável pela administração da
falência e comissário o indivíduo designado para acompanhamento da concordata.
Suas funções permanecem, essencialmente, as mesmas. Acontece que na atual LF
ambos levam o mesmo nome.
Suas atribuições estão previstas no art. 22 da LF, divididas entre as atribuições
comuns na recuperação judicial e na falência (inciso I), exclusivas da recuperação
judicial (inciso II) e exclusivas da falência (inciso III). Todas elas estão inseridas no
conceito apresentado.
Para exercê-las, o administrador judicial tem direito de receber remuneração
fixada pelo juiz, em montante não superior a 5% do valor devido aos credores da
empresa em recuperação ou do valor de venda dos bens na falência. Se o devedor em
crise for microempresa ou empresa de pequeno porte, o limite da recuperação do
administrador judicial é reduzido a 2%. Essa diminuição ocorre porque a
remuneração do administrador judicial é paga pelo devedor ou sua respectiva massa
falida.
Destacamos, ainda, que compete ao administrador judicial a elaboração do
quadro-geral de credores , que é a lista de pessoas físicas e jurídicas que
comprovaram possuir créditos junto ao falido ou empresário em recuperação,
relacionados discriminadamente pelo valor desses créditos e sua classe (trabalhistas,
credores com garantia real e os demais, reunidos em uma só classe junto com os
quirografários).
Vale ressaltar, ainda, que o administrador judicial é o vínculo da empresa falida
ou em recuperação com o juiz. Ele tem poderes de convocar a assembleia-geral de
credores sempre que entender necessário para a tomada de decisões que afetem o
interesse destes e pode, para bem exercer seu ofício, contratar auxiliares ou empresas
especializadas com autorização judicial, sob pena dele próprio responder pela
remuneração desses profissionais.
O administrador judicial pode ser substituído pelo juiz, quando tiver de afastar-
se de suas obrigações por motivos justificados (ex.: para tratar da própria saúde),
hipótese em que receberá sua remuneração proporcionalmente aos serviços prestados.
Situação diferente é a destituição do administrador judicial. Aqui, estamos falando de
sanção para o administrador omisso ou negligente no cumprimento de seus deveres. O
juiz pode destituir o administrador sempre que entender que este não agiu com a
diligência necessária. Há, outrossim, uma hipótese legal específica de destituição:
caso o administrador não apresente seus relatórios obrigatórios no prazo previsto em
lei (art. 23, parágrafo único, da LF).
Destituído o administrador judicial, ele perde o direito à remuneração . Efeito
idêntico ocorrerá quando as contas finais apresentadas pelo administrador forem
reprovadas pelo juiz, decisão que servirá de título executivo para indenização da
massa falida.
6.3.4.Assembleia-geral de credores
Em poucas palavras, definimos a assembleia-geral de credores como o órgão
colegiado formado por todos os credores do falido ou do devedor em recuperação
judicial, reunido para deliberar sobre questões afetas aos interesses daqueles.
A despeito de sua importância, e também de sua competência exclusiva para
decisão de alguns temas, não há previsão de convocação obrigatória da assembleia-
geral no processo de falência. Ela será convocada pelos próprios credores
(representantes de, no mínimo, 25% dos créditos de determinada classe) ou pelo
administrador judicial quando as circunstâncias justificarem. Já na recuperação, há
convocação obrigatória para a aprovação do plano de recuperação elaborado pelo
devedor, exceto se este for microempresa ou empresa de pequeno porte que opte pelo
plano previamente estabelecido pela LF, conforme se verá.
A assembleia-geral se instala, em primeira convocação, se estiverem presentes
credores que representem mais da metade dos créditos de cada classe. Em segunda
convocação, os trabalhos se iniciam com qualquer número de credores.
É possível que um credor seja representado por outra pessoa na assembleia. Em
se tratando de mandato específico, o procurador deve entregar o instrumento de
procuração ao administrador judicial até 24 horas antes daquela prevista para
instalação da assembleia. Podem, ademais, os sindicatos de trabalhadores
representarem seus membros nas assembleias, desde que apresentem, até 10 dias
antes, lista nominal dos trabalhadores que pretendem representar. Na eventualidade
do mesmo credor constar da lista de mais de um sindicato, até 24 horas antes da
assembleia ele deve indicar por qual deles quer ser representado, sob pena de não ser
representado por nenhum (art. 37, § 6°, inciso I, da LF).
Como já aventado, uma vez instalada a assembleia-geral, os credores são
divididos em quatro classes: credores trabalhistas e com créditos decorrentes de
acidente de trabalho; credores com garantia real; credores com privilégio geral e
especial, credores quirografários e credores subordinados; e credores que se
enquadrem como microempresa ou empresa de pequeno porte. Como regra, as
deliberações são aprovadas pela maioria simples dos créditos presentes,
independentemente de classe. O voto de cada credor é proporcional ao valor do
crédito, isto é, cada real em crédito vale um voto.
Para que serve, então, a divisão dos credores em classes? Algumas deliberações
exigem que a matéria seja votada separadamente em cada classe, sendo aprovada
pela maioria dos créditos em cada uma delas, para ser considerada aprovada. São
exemplos a formação do Comitê de Credores e a votação do plano de recuperação
judicial.
Podem votar todos os credores assim reconhecidos pelo quadro-geral elaborado
pelo administrador judicial, mesmo que este ainda não tenha sido homologado pelo
juiz.
Por fim, é importante trazer à baila o ditame do art. 40 da LF, que proíbe a
concessão de liminares para suspender ou adiar a realização de assembleia-geral em
virtude da pendência de discussão judicial sobre a existência do crédito, seu valor ou
classificação. O artigo é polêmico, porque aparentemente destoa do princípio da
indeclinabilidade da jurisdição, previsto no art. 5°, inciso XXXV, da CF. A maioria
dos autores acusa-o de inconstitucionalidade. Não obstante, ainda não existem
posicionamentos dos Tribunais Superiores sobre o tema.
6.3.5.Comitê de Credores
O Comitê de Credores é um órgão colegiado simplificado, formado por
representantes das três classes de credores, com o objetivo de fiscalizar o trabalho
do administrador judicial e manifestar suas opiniões nos casos previstos em lei.
É formado por um membro e dois suplentes escolhidos em cada classe de
credores. Atenção, pois aqui as classes são divididas diferentemente: trabalhistas e
créditos decorrentes de acidente de trabalho; credores com garantia real e com
privilégio especial; credores quirografários e com privilégio geral; credores que se
enquadrem como microempresas ou empresas de pequeno porte. Não é obrigatório
que todas elas estejam representadas no Comitê, afinal é possível que no caso
concreto sequer existam credores de uma ou outra classe.
Nas deliberações do Comitê, cada classe tem direito a um voto, decidindo-se
por maioria. Em caso de empate, decidirá o administrador judicial e, se este não
puder votar (porque o Comitê delibera sobre sua destituição, por exemplo), o empate
será dirimido pelo juiz.
Aplicam-se aos membros do Comitê as mesmas regras previstas para o
administrador judicial no que tange à substituição e destituição.
A criação do Comitê é facultativa. Na sua ausência, suas atribuições serão
desempenhadas pelo administrador judicial.
6.4.Falência
6.4.1.Conceito
Falência é o estado de insolvência do devedor empresário, caracterizada pela
insuficiência no valor de seus ativos (bens e direitos patrimoniais) para o
pagamento de todo seu passivo (obrigações vencidas e vincendas), ainda que por
mera presunção legal.
A falência é decretada através de processo judicial de competência do foro da
Justiça Estadual da comarca do principal estabelecimento do devedor. Perceba
dois pontos importantes: um, a competência é sempre da Justiça Estadual Comum, não
havendo previsão de competência da Justiça Federal para julgamento de processos
falimentares; dois, a competência não se estabelece pela sede do devedor, mas sim
pelo seu principal estabelecimento, que é aquele em que se concentra o maior
volume de negócios (há entendimento doutrinário no sentido de que o conceito
abrange, na verdade, o local de onde partem as decisões empresariais – Enunciado
466 JDC/CJF). Na hipótese de empresa estrangeira, deve-se avaliar qual de suas
filiais no território nacional é aquela com maior movimentação.
Através do processo de falência, instala-se o concurso de credores (daí porque
o processo falimentar é também chamado de concursal), cujo objetivo é o pagamento
proporcional de todas as dívidas, evitando-se a preferência de alguns no recebimento
exclusivamente porque cobrou primeiro o devedor em detrimento de outros cujas
dívidas venceriam posteriormente. Sendo de mesma classe, os credores receberão
conjuntamente na proporção de seus créditos.