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Introdução ao Direito Digital: a Lei do Processo

Eletrônico
Gabriel Zanetti Alves
OBJETIVOS DA UNIDADE
 bullet
Apresentar o histórico do Direito Digital;
 bullet
Elucidar como surgiu a ideia da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de
2006 (Lei do Processo Eletrônico);
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Comentar os pontos mais importantes da Lei 11.419/2006; 
 bullet
Mostrar alterações que ocorreram no Direito brasileiro para atender às
mudanças trazidas pela Lei 11.419/2006;
 bullet
Explicar a figura do jus postulandi no processo eletrônico;
 bullet
Explicar o que é estelionato judicial;
 bullet
Processo eletrônico como forma de combater fraudes processuais;
 bullet
Explanar os benefícios trazidos pelo processo eletrônico.
Introdução ao Direito Digital
Seção  3 de 7

Nesta unidade, vamos abordar alguns pontos essenciais para a compreensão


da matéria e, assim, teremos uma base da história de como foi implementada a
Lei nº 11.419, promulgada em 19 de dezembro de 2006, conhecida como Lei
do Processo Eletrônico: com qual intuito se desenvolveu essa lei, quais as
necessidades apresentadas à época para que fosse possível sua implementação,
como foi essa implementação, como os tribunais efetivaram seus sistemas
eletrônicos, quais os impactos da lei, como sua aprovação foi vista pela OAB,
quais remédios constitucionais foram impetrados contra ela e quais as
decisões do STF sobre o assunto.

Faremos uma análise da Lei, trazendo os artigos mais relevantes e fazendo a


conexão destes com as leis vigentes naquele momento, as alterações no
Código de Processo Civil para que não houvesse conflito entre as normas e
algumas dificuldades que as exigências dos sistemas implementados trazem
para o cidadão que busca seu acesso, já que nem todas as pessoas que
procuram o Judiciário possuem acesso à internet.
Abordaremos a Lei do Processo Eletrônico como forma de combate às fraudes
e os problemas de transparência que existiam nos sistemas eletrônicos de
distribuição dos processos, que acabaram por gerar dúvidas relativas à
segurança desses sistemas – e como os novos sistemas foram utilizados para
corrigir esse tipo de questão.

Analisaremos os benefícios trazidos pelos sistemas eletrônicos ao Judiciário

brasileiro, que agora tem uma ferramenta muito mais eficiente na

produtividade e com menor custo, o que auxilia os servidores a terem maior

qualidade de vida no ambiente de trabalho.

Veremos também quais as decisões mais relevantes em relação a essa Lei,


como os tribunais superiores entendem as demandas relacionadas ao tema,
jurisprudências atuais referentes ao estelionato judicial e como o combate a
esse tipo de crime está sendo feito com o auxílio dos sistemas eletrônicos.
ONCEITO DE DIREITO DIGITAL
Por ser uma área em extrema ascensão, encontramos diversos conceitos
referentes ao assunto: cada autor acaba por seguir uma definição própria. No
entanto, apesar de suas diferenças e peculiaridades, os conceitos acabam por
convergir para um mesmo sentido.

Adotaremos, então, a seguinte definição de Direito Digital: o Direito Digital


resulta da relação bidirecional do Direito e da Ciência da Computação,
desenvolvendo novas tecnologias e legislações para que as duas ciências se
adaptem aos novos desafios no mundo contemporâneo. Ele regulamenta todas
as novas relações jurídicas desenvolvidas no mundo virtual – entre elas, as
transações e as obrigações firmadas por meio de contratos virtuais que
utilizam certificação digital para validação jurídica. 

Com esses novos tipos de contratos firmados por meio tecnológico, em


ambiente virtual, surgiu a necessidade dessa nova vertente do Direito, que,
como várias outras, acaba por necessitar do auxílio de outras ciências para
suprir pontos que fogem de seu escopo de estudo. Assim, com o surgimento
desses novos métodos de contratos e obrigações oriundos do meio digital,
surgem também novos delitos, novas fraudes, que também necessitam de uma
resposta do Estado. A fim de que a persecução penal possa ser eficiente, as
ciências computacionais são aliadas fundamentais para o desenvolvimento de
novas técnicas de investigação, atuantes na análise forense computacional.
SURGIMENTO DO DIREITO
DIGITAL

O Direito Digital surge com o fenômeno da internet, com o intuito de


resguardar a vida íntima da pessoa, tutelando seus dados, que, no mundo
digital, acabam por refletir sua vida pessoal. 

Existem alguns registros de crimes cometidos em computadores na década de


1970, nos quais o agente sempre era o técnico de informática. Com o passar
dos anos, alterou-se o perfil criminológico do autor, e, nos anos 80, além dos
técnicos, também faziam parte desse grupo os colaboradores de instituições
financeiras – o que era óbvio, pois, até então, somente essas pessoas tinham
conhecimento técnico e acesso aos dispositivos para que pudessem transgredir
as leis (SILVA, 2000).

Silva (2000) também nos explica que com o crescimento do mercado de


informática e a facilidade em obter os equipamentos, esses seletos grupos que
dispunham de conhecimento e oportunidade acabaram por não ser mais os
principais criminosos. Na verdade, nas décadas seguintes, qualquer pessoa
passou a tornar-se criminoso potencial.

No entanto, apesar dessa alteração do grupo criminológico, ainda hoje, 90%


dos crimes cibernéticos são cometidos por colaboradores das próprias
empresas. É um fenômeno que não exige muito estudo para ser explicado pelo
simples fato de o agente ter fácil acesso às informações dos bancos de dados,
facilitando, também, o cometimento do crime (SILVA, 2000).

No Quadro 1, podemos ter uma ideia do panorama histórico das leis criadas
para proteção de dados e do quanto são recentes.
Mesmo com muitos estudos sobre esse tema, ainda não há consenso, entre os
doutrinadores, quanto à classificação e os tipos de crimes cibernéticos – mas,
de forma geral, todas as definições acabam por englobar praticamente os
mesmos crimes, como podemos ver no exemplo:

Alguns principais exemplos são: fraude por e-mail e pela internet; fraude de identidades,
quando informações pessoais são roubadas e usadas; roubo de dados financeiros ou
relacionados a pagamento de cartões; roubo e venda de dados corporativos; extorsão
cibernética, que exige dinheiro para impedir o ataque ameaçado; ataques de ransomware,
um tipo de extorsão cibernética; cryptojacking, quando hackers exploram criptomoedas
usando recursos que não possuem; espionagem cibernética, quando hackers acessam dados
do governo ou de uma empresa. Esses crimes podem se dividir em dois grupos: atividade
criminosa que visa computadores ou atividade criminosa que usa computadores para
cometer outros crimes (KASPERSKY, [s.d.]).

Com a evolução tecnológica, nossas vidas cotidianas acabam por ser regidas,
praticamente por inteiro, pelo uso de computadores, celulares e outros meios
de comunicação digital. Dessa maneira, o Direito Digital se faz necessário,
seja em nossa vida privada (com as redes sociais, por exemplo), seja em nossa
vida financeira (com aplicativos de bancos ou com todas as nossas transações
bancárias e de compras on-line, que hoje acabam por ser uma tendência global
e se encaminham para o comércio digital por completo, inclusive por conta da
pandemia de Covid-19, que acelerou ainda mais esse processo de digitalização
do mundo contemporâneo).
Apesar de o Direito Digital, ainda, não ser reconhecido como uma área
autônoma do Direito, como o Civil ou o Penal, existe a tendência de que acabe
por ser reconhecido como tal, por sua complexidade e por atuar de forma
célere, acompanhando as constantes mudanças no mundo virtual. A tecnologia
da informação é considerada uma das ciências de evolução mais rápida, e sua
mutação constante faz com que o Direito como hoje conhecido e utilizado se
torne totalmente obsoleto para acompanhar essa mudança.

Enquanto uma nova tecnologia de algoritmo ou até mesmo um novo software


é lançado e, em poucos meses, já se torna obsoleto ou uma nova criptografia é
criada e, em poucos dias, já existem relatos de que foi “quebrada”, o Direito
acaba por não conseguir acompanhar essa evolução frenética: para que uma
lei seja criada, existe todo um trâmite burocrático, e, nos casos em que o
Estado precisa de uma resposta a algum novo tipo de crime por meio de
sistema cibernético, o Direito Penal acaba por trazer essa resposta de maneira
tardia.

Temos como exemplo o caso da atriz Carolina Dieckmann, que, em 2011 foi
vítima de uma invasão de hackers em seu computador, no qual havia algumas
fotos íntimas que acabaram publicadas. Após uma grande repercussão
midiática do seu caso, houve a apresentação de um projeto de lei no mesmo
ano, quando a Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 foi aprovada,
descrevendo esse novo tipo de crime, alterando o artigo 154 e incluindo os
artigos 154-A, 154-B, 266 e 298 no Código Penal.

Na atualidade, o Direito Digital é tão relevante que, em 2005, a CIA (Agência

Norte-Americana de Inteligência) criou uma versão da famosa Wikipedia com

o intuito de fomentá-la com conteúdo voltado à inteligência e espionagem,

conhecida como Intellipedia. Essa página pode ser acessada por 16 agências

norte-americanas de inteligência, e seus usuários a alimentam e trocam

informações, classificadas em três níveis de segurança: top secret, secret,

e sensitive but unclassified (ultrassecreto, secreto e sensível, mas não

confidencial, respectivamente).
Para ter acesso a esse sistema de inteligência, é necessário ter credenciais de
acesso válidas, o que pode ser feito no próprio sistema intranet das agências
com o uso do cartão de identificação na estação de trabalho, ou remotamente
com uso de uma VPN. Fica evidente que o acesso por qualquer pessoa não
autorizada é proibido (SZOLDRA, 2016).
COMO SURGIU O PROJETO DE LEI
DO PROCESSO ELETRÔNICO
Segundo Petersen (2019), antes mesmo de se imaginar um sistema digital que
abarcasse todo o Judiciário brasileiro, mais precisamente na década 1990 já
começavam a surgir tecnologias para auxiliar o andamento dos processos, como
foi o caso da implementação de alguns sistemas de gestão processual nos quais
já havia o sorteio eletrônico de processos, trazendo enormes benefícios à época.
Esses sistemas podem ser considerados os primeiros rascunhos do que hoje se
conhece por processo eletrônico.

Com todas as dificuldades e morosidade que os processos físicos traziam para


o sistema judiciário, como os custos com armazenagem, conservação e
translado e até mesmo algumas doenças causadas pelo excesso de poeira e
bolor que se acumulavam, a Associação dos Juízes Federais do Brasil,
AJUFE, encaminhou um anteprojeto de lei à Comissão de Legislação
Participativa da Câmara dos Deputados, que o aprovou sem restrições.

Esse projeto teve como principal objetivo aumentar a eficiência do Judiciário


com o auxílio das tecnologias atuais. Antes da entrada em vigor da lei, não
havia a possibilidade de consultar os processos de maneira remota, com o uso
da internet: apenas era possível presencialmente, o que acabava por trazer
muitas dificuldades aos operadores do Direito (OLIVEIRA, 2013).

Figura 1. A implantação do processo judicial eletrônico modificou a forma como os


operadores do Direito trabalham. Fonte: TJRR. Acesso em: 23/06/2020.

Imagine que você é advogado na cidade de São Paulo e precisa consultar um


processo que tramitava em Fortaleza. Além da distância física, imagine que
você tivesse certa urgência em verificar algum despacho, movimentação do
processo ou algum documento anexado... Mesmo se deslocando até o cartório
onde o processo se encontrava, teria a possível demora para o cartorário
atender todas as pessoas e encontrar seu processo, que, muitas das vezes,
sequer estaria disponível, pois poderia estar na “fila” na mesa do juiz para ser
julgado.

Com essa dificuldade que se tinha antes da entrada em vigor da Lei e da


implementação dos sistemas digitais pelos tribunais, foi desenvolvido o
projeto, que não teve dificuldades em ser aprovado, tendo em vista os
inúmeros benefícios que traria: muito mais celeridade, redução significativa
nos custos e redução dos riscos de se perder algum documento anexado ao
processo para quase zero (OLIVEIRA, 2013).

Para que os tribunais pudessem implementar seus sistemas e atender à nova


Lei de Processo Eletrônico, tramitou concomitantemente outra Lei, a de nº
11.280, de 16 de fevereiro de 2006, que alterou diversos dispositivos do CPC
que estava em vigor na época, como descreve o preâmbulo:

Altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489 e 555 da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos à incompetência relativa, meios
eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia,
carta precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos; e revoga o art. 194 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

A Lei 11.280/2006 cuidou da alteração do artigo 154, incluindo um parágrafo


único no antigo Código de Processo Civil de 1973 para que abrisse margem
de liberdade a fim de que cada tribunal decidisse a implementação da forma
que melhor lhe conviesse, trazendo para o CPC a seguinte redação:

Art. 154 - Código de Processo Civil – Os atos e termos processuais não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que,
realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. 

Parágrafo único – os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a


prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meio eletrônico, atendidos os
requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra
Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP Brasil. § 2º - Todos os atos e termos do
processo podem ser produzidos, transmitidos e armazenados e assinados por meio
eletrônico, na forma da lei.

Os primeiros tribunais a implementarem o sistema de processo eletrônico


foram o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o
Tribunal Regional Federal da 3ª e 4ª Região, logo após entrarem em vigor as
leis supracitadas (OLIVEIRA, 2013).
Análise dos pontos mais relevantes da Lei 11.419/2006
Seção  4 de 7

A Lei 11.419/2006 é curta, muito simples de entender e não demanda muito


tempo para ser lida. Não trataremos dela por completo, pois muitos artigos
não serão relevantes no nosso estudo, portanto, vamos focar apenas os de
maior interesse para análise, os que realmente trouxeram algo de novidade
para o Direito brasileiro. Concomitantemente às leis que trazemos aqui,
buscaremos os entendimentos jurisprudenciais para melhor compreensão do
que estamos tratando e as consequências jurídicas práticas que a inobservância
destes pode acarretar para o operador do Direito.

No seu primeiro artigo, a Lei já traz sua abrangência em relação à tramitação,


comunicação e transmissão dos dados e movimentações processuais, e, no seu
parágrafo 1º, explicita que todas as searas deverão utilizar-se dos meios
eletrônicos, em todos os graus de jurisdição; ou seja, todas as possibilidades
de buscar assistência judiciária deverão ocorrer por meio eletrônico.

O parágrafo 2º trata da definição dos termos, e aqui temos algumas


divergências quanto aos benefícios e as dificuldades que a Lei trouxe.
Vejamos:

III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação


inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por
Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei
específica;
b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos respectivos.

Figura 2. Captura de tela do Manual do Usuário Interno, retirada do site do PJe. Fonte: PJe.
Acesso em: 23/06/2020.

Logo, todo advogado e qualquer outra pessoa que queira ter acesso ao
Judiciário, além dos servidores públicos abarcados por essa mesma exigência,
precisam ter uma assinatura digital, o que acaba gerando mais um gasto. Além
disso, essa assinatura é intransferível. Dessa maneira, caso um advogado
esteja como patrono de uma das partes, mesmo com procuração o autorizando
em anexo, terá de incluir qualquer documento tendo sua assinatura digital no
momento do envio. Caso outro o faça, mesmo que tenha sua assinatura no
documento escrito, será considerada nulidade relativa, e o magistrado abrirá
prazo para que se sane esse problema.

Já se tornou jurisprudência a nulidade da falta da assinatura digital: caso não


seja sanada pelo advogado no prazo, qualquer que seja a peça processual, esta
será considerada inexistente, conforme julgados aqui colacionados:

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AgInt no AREsp 790442/SC - Agravo Interno No Agravo


Em Recurso Especial 2015/0247120-0 Relator(a) Ministro
Antonio Carlos Ferreira;

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AgRg no AREsp 725.263/RO, Rel. Ministro Raul Araújo,
Quarta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 27/05/2016;

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AgInt no REsp 1802216 / SP - Agravo Interno No Recurso


Especial - 2019/0065417-9;

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AgInt no AREsp 1148514 / AM - Agravo Interno No


AgravoO Em Recurso Especial - 2017/0194706-0;
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AgInt no REsp 1711048 / SP - Agravo Interno No Recurso
Especial - 2017/0301226-3.
Então, muito cuidado ao assinar um documento via certificado digital para

outra pessoa, ou vice-versa: o documento será considerado inexistente caso

não se sane esse vício.

O artigo 2º traz o requisito da assinatura eletrônica nos atos processuais e o


cadastro obrigatório nos tribunais no qual o operador atuará.

Já o artigo 3º trata dos prazos considerados no sistema eletrônico de petição –


todos os atos são considerados no dia do envio sem limite de horário, mas
atenção aos fusos horários de que os tribunais fazem parte, para que não se
envie um documento fora do prazo.

O artigo 4º trata da criação do Diário da Justiça Eletrônico de cada tribunal e


dos atos de publicidade e intimação que serão feitos através deles. A
contagem do prazo de publicação será sempre no dia útil subsequente ao da
publicação no Diário Eletrônico.

O artigo 5º trata das intimações e seus meios. Toda intimação será feita por
meio do endereço eletrônico cadastrado para consulta do processo. Será
considerada feita a citação no dia útil subsequente ao dia em que for
consultado o processo por parte do advogado. Caso não haja nenhum tipo de
consulta dentro de 10 dias corridos a partir do envio da intimação, considerar-
se-á feita no final desse prazo. Mais uma advertência: os sistemas eletrônicos
da Justiça nem sempre enviam e-mail de citação; em alguns estados, apenas
publicam no Diário Oficial; então, é preciso ter atenção às publicações e aos
prazos, consultando regularmente os processos, já que a própria Lei dispensa a
publicação em órgão oficial.

Figura 3. Modelo de carta de citação eletrônica. Fonte: RODRIGUES, 2016.

O artigo 6º trata das citações que poderão ser feitas por meio eletrônico.

O artigo 8º define que cada tribunal poderá desenvolver seu próprio sistema
eletrônico, mas também obriga todos os atos a serem assinados digitalmente,
como forma de maior segurança e transparência.

O artigo 9º novamente trata das citações, intimações e notificações que devem


ser feitas por meio eletrônico, apenas definindo melhor o já exposto no artigo
5º.

O artigo 10 foi fundamental para a economia de tempo e celeridade dos


processos, pois explicita que não é necessária intervenção humana para
algumas movimentações eletrônicas. O artigo também diz, em seu parágrafo
primeiro, que os envios serão tempestivos até a meia-noite do último dia do
prazo.

No artigo 11, temos a presunção de veracidade dos documentos juntados


eletronicamente, mas é necessária atenção, pois todos os originais dos
remetidos ao tribunal deverão ser armazenados até o trânsito em julgado da
sentença, ou até o prazo final para interposição de ação rescisória, caso seja
admitida.

No artigo 12, vemos a preocupação com os documentos físicos nos processos


digitais, pois, além de tratar da segurança dos sistemas de armazenamento
digital, o artigo faz referência aos processos físicos já existentes no parágrafo
5º, dando a possibilidade das partes em buscar os documentos originais que
estão em juízo para poder armazená-los caso queiram, demonstrando a clara
intenção de não haver mais armazenagem de processos físicos nos tribunais.

Outro ponto que chama atenção é o caso do parágrafo 2º, que deixa claro que
cada tribunal pode decidir por seu sistema eletrônico, mostrando que podem
não ser compatíveis entre si. Caso isso ocorra, o tribunal terá de transformar o
processo eletrônico, que será remetido a outro tribunal com sistema diferente e
não compatível em processo físico, porém isso vai totalmente contra o intuito
da Lei, de diminuir o consumo de papel e espaço físico.

O artigo 14 traz um grande debate, pois, para serem auditados alguns


procedimentos que devem ser imparciais, como o sorteio de distribuição do
processo, o código de programação deveria ser aberto – assim, qualquer um
teria acesso, como prevê a Lei. Isso, porém, não ocorre, pois a grande maioria
dos sistemas dos tribunais têm programação de código fechado e apenas a
empresa que vendeu a plataforma tem acesso ao código, o que dificulta uma
auditoria externa.

No artigo 18, encontramos a referência com a alteração do artigo 154 do


Código de Processo Civil à época, dando liberdade para os tribunais adotarem
os sistemas que melhor os atendiam, como já ilustramos no tópico referente ao
surgimento da Lei de Processo Eletrônico.

Para finalizar, o artigo 22 traz a vacatio legis da referida Lei, que dispunha de
um prazo de 90 dias para a entrada em vigor.

EXPLICANDO

A expressão vacatio legis vem do latim, e sua tradução direta é

“vacância da lei”. Nada mais é do que o prazo que a lei percorre entre

sua publicação e a entrada em vigor. O prazo pode vir expresso na

própria lei; caso contrário, adota-se o disposto no art. 1º da LINDB,

que é de 45 dias depois da sua publicação. Existe também a

possibilidade de não se cumprir uma vacatio legis, quando, no texto

legal, está disposto: “esta Lei entra em vigor na data de sua

publicação”.

AÇÕES QUE DISCUTIRAM A


CONSTITUCIONALIDADE DA LEI
11.419/2006 
Logo que a Lei 11.419/2006 entrou em vigor, no ano de 2007, o
Conselho Federal da OAB ingressou com uma ação direta de
inconstitucionalidade (ADI nº 3880) no STF, com pedido de liminar
contra os dispositivos da referida Lei, com a alegação de que estavam
sendo feridos os princípios da proporcionalidade, da publicidade,
além dos preceitos constitucionais que tratam da OAB, também os
artigos 5º, caput, XII, LX, 84, IV e 133 da CF (STF, 2007).

EXPLICANDO

A ADI é um "remédio constitucional". É uma ação que visa à

declaração da inconstitucionalidade de uma lei, ou parte dela. É um

instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, cabível

no caso de norma em tese, ao contrário do mandado de segurança, que

somente será admitido no caso de lesão ou ameaça concreta a direito

líquido e certo do impetrante.

Foi questionada, entre outros pontos, a extinção do diário impresso em papel


devido à criação do Diário da Justiça Eletrônico, além da utilização de meios
digitais para intimação dos atos processuais. Esses elementos geraram
preocupação para a entidade devido ao número de pessoas que efetivamente
têm acesso a computadores no Brasil, uma vez que o Comitê Gestor da
Internet apurou que 66,68% dos brasileiros sequer utilizaram alguma vez a
rede mundial de computadores (STF, 2007).

Desse modo, essas alterações e a extinção das publicações em meio físico


trariam prejuízo à maior parte da população, que não teria acesso às
publicações no meio digital, infringindo o princípio da publicidade.

Outro questionamento relevante foi a exigência do prévio cadastramento dos


advogados nos tribunais nos quais exerceriam a profissão para o processo
eletrônico. Foi destacado que é exclusiva da OAB a função de credenciar os
advogados para exercer a profissão, não havendo necessidade de qualquer
outro tipo de credenciamento (STF, 2007).

Por fim, a OAB sustentava que a regulamentação que a Lei autoriza ao


Judiciário tratar é de competência exclusiva do Presidente da República,
ferindo a competência (STF, 2007). O STF julgou o caso em 2020, em uma
sessão virtual no dia 14 de fevereiro, decidindo por unanimidade a
improcedência da ação, como vemos a seguir:

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou improcedentes os


pedidos formulados, declarando a constitucionalidade dos artigos impugnados da Lei
11.419/2006, nos termos do voto do Relator. O Ministro Marco Aurélio acompanhou o
Relator com ressalvas. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o
Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 14.2.2020 a 20.2.2020.

Outros questionamentos surgiram durante algumas mudanças na Lei, como foi


o caso dos advogados de São Paulo, que impetraram um mandado de
segurança (MS nº 32888) contra a Resolução do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) nº 185/2013, que instituía o Sistema PJe (Processo Judicial Eletrônico)
como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais,
além de estabelecer parâmetros para sua implementação. Foi feito pedido de
liminar para suspensão de eficácia dessa resolução.

Nos autos, fixa-se um prazo para que os tribunais apresentem os cronogramas

de implantação com lapso temporal de 120 dias. A OAB-SP alegou que essa

resolução acaba por limitar o acesso à Justiça, por não abrir outra opção ao

jurisdicionado em acessar ao sistema “uma vez que vedada a utilização de

qualquer outro sistema de peticionamento eletrônico” (BOLETIM JURÍDICO,

2014).

O que fundamentou a OAB-SP ao impetrar o MS foi que o PJe imposto pelo


CNJ ocorreu um ano após o Tribunal de Justiça de São Paulo ter
implementado seu sistema próprio, o que fez com que todos os advogados de
São Paulo e os escritórios investissem em tecnologia para se adequarem a esse
sistema e obter treinamento para o uso do mesmo, além do valor de R$ 300
milhões gastos pelo poder público na implementação do sistema. A entidade,
por meio de nota, publicou que “não é razoável que o CNJ modifique a
orientação em tão curto espaço de tempo” (STF, 2014), e prossegue:

É ilegal ato coator que obriga os advogados de São Paulo a não mais se utilizarem do
sistema adotado do Tribunal de Justiça, impedindo-os de promover estudos, planejamento,
desenvolvimento e teste, inviabilizando o pleno funcionamento do sistema eleito
originariamente, em detrimento desse essencial serviço à cidadania que é a prestação
jurisdicional.

A ministra Rosa Weber acabou por indeferir o pleito, aplicando a Súmula 266
do próprio Supremo Tribunal Federal, que traz em seu texto: “não cabe
mandado de segurança contra lei em tese” – e negou trâmite ao MS nº 32888.
A ministra afirmou que os autores não apontaram, na demanda, ato concreto
que ameaçasse direito líquido e certo, requisito para mandados de segurança, e
somente demonstraram, na ação, “pretensão voltada ao reconhecimento da
inconstitucionalidade de resolução do CNJ” (STF, 2014).

Também houve outro requerimento ao CNJ para que fossem feitas 63


modificações no PJe. Dessa vez, o presidente da OAB – na época, Marcus
Vinicius Furtado Coêlho – disse que a implementação do sistema na Justiça
do Trabalho apresentava muitas falhas e ocasionava sérios problemas para os
operadores do Direito. Disse ainda que a entidade era a favor de um sistema
único de peticionamento, já que, também na época, havia 46 sistemas distintos
– e era complicado a um advogado habituar-se à maioria deles, tendo em vista
as peculiaridades de cada plataforma.

Uma das solicitações de Marcus Vinicius, a de número 8 da lista, foi a de


obrigar os tribunais a instalarem equipamentos de acesso ao sistema para a
população em geral, a fim de que pudessem consultar seus processos, além da
presença de servidores para que auxiliassem as pessoas quando necessário
onde havia tramitação de processos eletrônicos.
O PROCESSO JUDICIAL
ELETRÔNICO NA JUSTIÇA DO
TRABALHO (PJE-JT)
De todas as áreas do Judiciário no Brasil, a mais demandada normalmente era a
Trabalhista, pelo menos antes da entrada em vigor da nova Lei nº 13.467, de 13
de julho de 2017 (conhecida como “reforma trabalhista”), que diminuiu
drasticamente o número de novos processos, com redução de 34% do montante
total entre os anos 2017 e 2018: 2.630.522 contra 1.726.009, respectivamente,
quase um milhão a menos (REDAÇÃO RBA, 2019).
Para demonstrar melhor o valor percentual dos dados, o IBGE, em 2009,
realizou uma pesquisa denominada Características de vitimização e acesso à
Justiça no Brasil, com 12,6 milhões de entrevistados que relataram ter
ingressado com algum tipo de ação judicial; 23,3% afirmaram que buscaram a
Justiça do Trabalho para buscar uma solução de sua lide; a seara do Direito de
Família representou 22% dos entrevistados; e 12,6%, a área criminal
(OLIVEIRA, 2013).

O Supremo Tribunal Federal, em 6 de outubro de 1994, determinou, por meio


de liminar, que é dispensável a atuação do advogado, não sendo requisito
fundamental nas ações que envolvem Justiça do Trabalho, Juizados Especiais
e Justiça de Paz (ADI nº 1.127-8) (SOUZA FILHO; SODRÉ; SILVA, 2015).

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, no dia 29 de março de 2010,


o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST)
e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) celebraram um acordo,
firmado pelo Termo de Acordo de Cooperação Técnica sob o número
51/2010, determinando a adesão ao processo judicial eletrônico pela Justiça
do Trabalho. Nesse mesmo dia, foi assinado o Acordo de Cooperação Técnica
nº 01/2010, que firmava a integração do projeto nos tribunais.

 Figura 4. Captura de tela do PJe TRT. Fonte: Redação Trabalhista Legal. Acesso em:
23/06/2020.

Cuiabá (MT) foi a cidade onde o projeto-piloto foi instalado pela primeira
vez, em 10 de fevereiro de 2011. Em um primeiro momento, foram
priorizadas as ações de execução, e, após treinamento dos colaboradores e
desenvolvimento, foi implementado o sistema. Após o aprimoramento,
também foram implementadas, para uso do sistema, as cidades de Navegantes
(SC), Caucaia (CE) e Várzea Grade (MT). Dessa maneira, houve a expansão e
a implementação em 1ª e 2ª instâncias, de maneira concomitante (CSJT,
2013).

Somente em 23 de março de 2012, o Conselho Superior da Justiça do


Trabalho estabeleceu o PJe-JT (Processo Judicial Eletrônico na Justiça do
Trabalho), por meio da Resolução nº 94, trazendo em seu primeiro artigo:
Art. 1º. A tramitação do processo judicial no âmbito da Justiça do Trabalho, a prática de atos
processuais e sua representação por meio eletrônico, nos termos da Lei 11.419, de 19 de dezembro
de 2006, serão realizadas exclusivamente por intermédio do Sistema Processo Judicial Eletrônico da
Justiça do Trabalho - PJe-JT regulamentado por esta Resolução.

Como se observa, todos os processos deverão ser apresentados por meio


eletrônico, o que pode trazer dificuldades para os que necessitam do auxílio
judicial para suas demandas, mas não tenham acesso à internet; ou que
tenham, mas não cumpram com os requisitos para o cadastro da petição
inicial, como veremos mais à frente. 
DIFICULDADES DO JUS
POSTULANDI NO PROCESSO
ELETRÔNICO
Jus postulandi  é o meio em que uma pessoa que pretende ingressar
com uma ação no Poder Judiciário o faz sem o auxílio de um
advogado, peticionando e fundamentando seu pedido por conta
própria. Esse instituto é conhecido na esfera da Justiça do Trabalho ,
pois, nos Juizados Especiais, normalmente um
servidor auxilia no desenvolvimento da
petição inicial com um certo conhecimento
técnico, e, nas audiências, normalmente se institui um advogado
dativo, por meio do convênio com a Defensoria Pública que atua no
tribunal.

Em 2010, o jus postulandi acabou por ser limitado na Justiça do Trabalho, e,


até então, não havia nenhum tipo de limite para atuação em causa própria.
Conforme o artigo 791 da CLT, tanto o empregador quanto o empregado
tinham seus direitos assegurados e podiam atuar no processo sem nenhum
limite, do início ao fim.

Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a


Justiça do Trabalho e acompanhar suas reclamações até o final.

Além do supracitado, o artigo 4º da Lei nº 5.584, de 26 de junho de 1970, faz


referência ao jus postulandi:

Art. 4º. Nos dissídios de alçada exclusiva das Juntas e naqueles em que os empregados ou
empregadores reclamarem pessoalmente, o processo poderá ser impulsionado de ofício pelo
Juiz.

Até que, em 2010, o TST limitou a atuação do Jus Postulandi por meio de


súmula:

O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do


Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação
cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do
Trabalho.
Entretanto, a Constituição Federal, no seu artigo 133, trata explicitamente da
obrigatoriedade do advogado como participante da Justiça:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da


justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei. 

Logo, verifica-se, em um primeiro momento, que tal previsão constitucional


impossibilitaria a CLT de cumprir o instituto do jus postulandi, uma vez que
este seria considerado como não recepcionado pela Constituição.

Entretanto, não é esse o entendimento dos tribunais, que não apenas aceitam o
instituto, como já manifestaram esse entendimento em diversas sentenças,
como vemos nas jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região – STJ, REsp 1027797/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ.
23/02/2011 (SOUZA FILHO; SODRÉ; SILVA, 2015).

Mesmo com a figura do jus postulandi ainda existindo, percebe-se que o


mesmo encontra em desuso, tendo em vista todas as dificuldades encontradas
para exercer um direito, seja pelos sistemas de informatização, seja pelo
requisitos para ingressar no sistema e poder peticionar de forma remota, além
do pouco conhecimento sobre o assunto (SOUZA FILHO; SODRÉ; SILVA,
2015).
Fraudes no sistema de distribuição dos processos
Seção  5 de 7

O sistema de distribuição de processos nos tribunais já era feito por meio de


sorteio eletrônico bem antes de entrar em vigor a Lei do Processo Eletrônico, e,
nessa época, já se levantavam diversas questões de confiabilidade, o que, às
vezes, trazia certa dúvida, por haver meios de burlar os sistemas que existiam.

No TJRJ, houve algumas suspeitas, quando em 2004, foi aberto um processo


de investigação interno para apurar uma denúncia por meio de um mandado
de segurança impetrado pelo grupo Telecom Itália ao presidente do TJRJ na
época, alegando estranheza de que um de seus processos havia sido
distribuído ao desembargador Marcus Tullius Alves, da 9ª Câmara Cível, já
que não estava obedecendo ao critério do sorteio automático e, muito menos,
levando em conta que o mesmo não tirava férias ou licença nos últimos dois
anos que se passavam (CONJUR, 2004).

Além do exposto, ainda se contestou, no mandado de segurança, supostas


irregularidades na distribuição de outros recursos. O Grupo Opportunity
levantou suspeita sobre o escritório patrono ter recorrido e o recurso ter sido
distribuído manualmente para o desembargador Edson Scisinio, da 14ª
Câmara (CONJUR, 2004).

Após a abertura de investigações internas, foram afastados das funções cinco


funcionários do setor que estavam responsáveis pelo sistema de distribuição, e
13 processos que tinham suspeita de terem sido distribuídos de forma
intencional para algum magistrado foram redistribuídos (CONJUR, 2004).

Ainda em 2004, agora no TRTSP, o Ministério Público Federal ingressou com


uma ação cautelar para que fosse aberta uma investigação por meio de uma
auditoria no sistema de distribuição de processos do TRT 2ª Região, com a
suspeita de havia irregularidades na distribuição dos processos de 1ª instância,
ações rescisórias e mandados de segurança (MICHAEL, 2005).

Pelo menos 22 processos tinham fortes indícios de terem sido beneficiados


pela manipulação de distribuição manual, demonstrando clara parcialidade do
julgador e do interessado em que fosse julgado por aquele magistrado.

Também houve suspeita de irregularidade na distribuição dos processos no


Tribunal de Justiça do Pará, segundo matéria publicada no final de 2008,
época em que já estava em vigor a Lei do Processo Eletrônico. Na ocasião, o
CNJ enviou especialistas para analisar suposto esquema que envolvia
escritórios de advocacia na distribuição de processos na segunda instância. A
desembargadora Maria Helena Ferreira foi quem denunciou as supostas
irregularidades. A denúncia sustentava que um grupo de escritórios sempre
acabava com seus recursos distribuídos para os mesmos desembargadores e,
coincidentemente, sempre havia decisões favoráveis.
Maria Helena Ferreira, em entrevista concedida a um jornal, disse: “Isto não é

novo, mas precisa ter um basta, porque há desembargadores que acabam

perdendo seu tempo nesses julgamentos”. Declarou, ainda, que estava sendo

ameaçada de processo (CONJUR, 2008).

Mais recentemente, em 2018, pesquisadores da Universidade de Brasília


(UnB) publicaram um relatório que identificou fragilidades no sistema de
distribuição de processos do Supremo Tribunal Federal. Esse documento foi
publicado no Diário da Justiça Eletrônico 193/2018.
No mesmo documento, faz-se ressalva de que não foi esgotado o sistema a
ponto de atestar que não é confiável – mas evidenciou-se que existe uma
fragilidade que o torna suscetível à manipulação no resultado de sorteio para
distribuição de processos. 

O documento afirma que o sistema contém alguns mecanismos de


compensação que tornam igualitárias as distribuições, mas que acabam
envolvendo algumas variáveis que tornam ainda mais complexa a questão. Há
também a ressalva de que o sistema utilizado, o PJe, utiliza código de
programação fechado, impossibilitando atestar com precisão. Além disso, o
parecer informa que o modelo de distribuição individual dos processos
fragiliza o sistema, na medida em que o torna mais suscetível à manipulação
no resultado do sorteio (OLIVEIRA, 2019)
Entendimento e jurisprudência sobre o estelionato judicial
Seção  6 de 7

Este é mais um tema em que a doutrina se divide e até mesmo os tribunais ainda
não entraram em consenso, apesar de a grande maioria dos julgados penderem
para o reconhecimento da atipicidade da conduta. Os casos, porém, merecem
especial atenção, pois cada um tem suas peculiaridades. Reuni algumas decisões
para melhor visualizarmos essas diferenças.

Temos o caso do advogado que foi condenado pelo famoso “estelionato


judicial”, enquadrado no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal, pois
induziu a erro a Justiça quando ajuizou ações fraudulentas por meio do
processo eletrônico. Foi assim que decidiu a 4ª Seção do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, ao negar provimento a embargos infringentes, que
buscava o reconhecimento da atipicidade da conduta.

O réu foi sentenciado com base na denúncia do Ministério Público Federal,


que tinha os elementos probatórios dos delitos cometidos. Foram anexados
aos processos 13 documentos adulterados de clientes que o réu representava,
além de alegações de que a União devia valores a ex-militares. Todas essas
ações estavam baseadas em procurações falsas, e todos os documentos foram
carregados no sistema de processo eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região,
o E-proc (MARTINS, 2015).

Ao final do processo, o réu foi sentenciado pelo crime previsto no artigo 171,
parágrafo 3º, combinado com os artigos 14, inciso II, e 71, por 10 vezes; e no
artigo 298, pela prática do crime previsto no artigo 304, combinado com o
artigo 71, por três vezes, todos do Código Penal. Em suma: estelionato
cometido em detrimento de entidade assistencial na forma tentada e de
maneira continuada; e falsificação de documento particular com o emprego de
papéis falsificados ou alterados (comprovantes ‘‘frios’’ de endereços), de
maneira continuada. As penas: quatro anos, cinco meses e 20 dias de prisão no
regime semiaberto e pagamento de multas, de acordo com o site que veiculou
a notícia (MARTINS, 2015).

Apesar de o julgamento conter duas teses que se colidem, prevaleceu a do


crime. A tese vencida que declara atípica a conduta delituosa do estelionato
judicial – no caso, o voto do desembargador Victor Luiz dos Santos Laus –
fundamenta que, pela falta de consenso na doutrina e pelo fato de o Ministério
Público ter enquadrado o advogado apenas na conduta de uso de documento
falso, considerava-se atípica a conduta pelos seguintes motivos:
‘‘inidoneidade presuntiva’’ do julgador para ser enganado, impossibilidade de
considerar sentença judicial como uma ‘‘vantagem ilícita’’ e existência de
tipos penais específicos para a proteção da administração da Justiça
(MARTINS, 2015).

Na fundamentação do desembargador João Pedro Gebran Neto, porém, ficou


caracterizado o crime de estelionato, que ele enxerga como um tipo penal
aberto, como já se havia manifestado no Acórdão nº 5000858-
94.2011.404.7118, do dia 19 de dezembro de 2014:

O artigo 171 do CP constitui tipo aberto, de forma que a obtenção da vantagem pode ser
efetuada por qualquer meio fraudulento. Assim, a ação judicial movida fraudulentamente
pode configurar o delito em questão, qualificado pela jurisprudência como estelionato
judiciário.  

Essa discussão já havia sido pacificada pela 4ª Seção do TRF-4, da qual fazem
parte os desembargadores da 7ª e 8ª turmas, especializada em matéria penal,
refutando a tese da atipicidade do estelionato judicial como o do processo
citado acima, de acordo com a posição do desembargador Marcelo Malucelli:
“A conduta de quem usa de ardil para manter o Poder Judiciário em erro é
grave e merece a atenção do Direito Penal, pois lesa a dignidade da função
jurisdicional do Estado” (MARTINS, 2015).

Não se deve confundir com a atipicidade que é amplamente reconhecida pelos


tribunais superiores no caso de se fomentar as demandas com alegações falsas,
que acabam sendo excluídas do crime de estelionato judicial. Nesse caso,
porém, foi utilizado meio ardil para ludibriar o Judiciário, utilizando-se
documentos e demandas inexistentes, o que torna a ação um potencial
ofensivo para efetiva manutenção da Justiça. Claro que esse entendimento e
posição dos tribunais superiores podem ser alterados com o tempo.

Em outros casos que apenas contenham alegações falsas nas demandas, o


Judiciário entende ser cabível a atipicidade da conduta e fundamenta que a
ação cível e as consequências nessa esfera são suficientes para combater esse
tipo de prática, levando em conta que o Direito Penal deve ser usado apenas
em ultima ratio, como vemos nas seguintes decisões, nas quais foi
reconhecida a atipicidade material da conduta pela fundamentação de que as
condutas do agente não caracterizavam os pressupostos do estelionato judicial,
que são: uso do processo para auferir lucros ou vantagem indevida, fraudando
ou usando de ardil para ludibriar a Justiça e, importante, que tenha a ciência
dessas atitudes. Como as condutas do advogado configuraram apenas
infrações civil e administrativa, estas devem ser combatidas por leis próprias
(Ação Penal nº 023634-39.2011.8.26.0196; HC 435.818/SP, Rel. Ministro
Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 11/05/2018).

Em outra demanda de mesmo teor, a fundamentação da atipicidade foi de que


o processo já engloba a possibilidade de as partes produzirem provas no
exercício do contraditório e ampla defesa. Assim, já existem recursos e
instrumentos para combater esse tipo de infração, não podendo ser alegado
que o magistrado foi induzido a erro. Esse tipo de conduta deve ser combatido
pelos meios expostos em lei específica, como condenação do litigante de má-
fé ao pagamento de multa, além da possível punição disciplinar no âmbito do
Estatuto da Advocacia (RHC 88.623/PB, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 13/03/2018, DJe 26/03/2018).
Benefícios do processo eletrônico no combate às fraudes processuais
Seção  7 de 7

Mesmo com alguns pontos que geram debates, um aspecto considerado


unânime é que o processo eletrônico trouxe consigo uma arma muito eficiente
no combate às fraudes cometidas nos processos, originando celeridade e
conseguindo algo que, há pouco tempo, não poderia se imaginar: análise rápida e
precisa dos processos nas varas onde tramitam, em todas outras varas dos
estados e até mesmo em todos processos que tramitam em todo o Brasil.

Um dos exemplos é o do advogado que foi preso durante a audiência em que


era patrono, no estado do Rio de Janeiro, no dia 25 de maio de 2016, acusado
de cometer os crimes de estelionato, documento falso, falsidade ideológica e
formação de quadrilha.

O modus operandi era o mesmo, e a juíza suspeitou de o advogado já ter outra


audiência com o mesmo pedido, mesmas provas e mesmos fatos. Foi, então,
que pesquisou no sistema eletrônico de dados do tribunal e percebeu que, em
várias outras ações, ele ora atuava como advogado, ora como autor da
demanda, e todas as provas eram as mesmas, inclusive com mesmas fotos,
como vemos na descrição de um dos sites que veicularam a notícia: 

A violação de uma mala e o roubo de um relógio Rolex no valor de R$12.500,00 – a juíza


descobriu que em todos os processos as provas eram iguais: declaração de venda com o
mesmo número de série do Rolex e fotografias iguais da suposta mala danificada (TJRJ,
2016).
A juíza Flávia Machado, da 5ª Turma Recursal, deu uma entrevista coletiva,
no próprio Tribunal (TJRJ), contando detalhes: 

O que chamou atenção é que a autora da ação dizia que sua


bagagem teria sido violada e os pertences desaparecido,
totalizando prejuízo de R$ 17 mil. Inicialmente, ela ganhou a
ação em primeira instância, mas quando o processo chegou à
Turma Recursal, verificamos que a mesma autora tinha outro
processo igual. Fizemos uma busca mais específica e
constatamos que a declaração de venda do objeto que teria sido
roubado era igual em todos os processos. Tudo indicava que se
tratava de uma fraude, principalmente a repetição dos fatos.
Temos conhecimento de pelo menos três processos fraudulentos
ajuizados por este advogado (TJRJ, 2016).

Em 2016, também no TJRJ, houve a descoberta de fraudes processuais que


foram coordenadas: 14 ações parecidas foram ingressadas no sistema, do
mesmo autor; apenas alguns dados eram diferentes, como sobrenomes
alterados e números de CPF. Descobriu-se que o autor “inventava” os casos
de dano para que lucrasse com as indenizações, o que somente foi descoberto
pela facilidade de cruzamento de dados por parte dos sistemas automatizados
(AMAERJ, 2017).

Com isso, o Comitê Antifraude do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro


estava comunicando os magistrados de possíveis fraudes nas ações que lhes
eram distribuídas. Por meio do uso de técnicas de inteligência artificial,
criaram uma tecnologia que detecta padrões comportamentais, indicando
possíveis anormalidades. Todo esse desenvolvimento teve auxílio dos
departamentos de Informática e Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro – PUC-Rio (AMAERJ, 2017).

Um item que é obrigatório para qualquer movimentação nos sistemas


eletrônicos processuais, por parte de advogados, magistrados e servidores de
tribunais, é o certificado digital, que foi escolhido por ser altamente seguro e
evitar fraudes. Evidentemente, nenhum sistema é totalmente seguro, mas, após
anos de uso e de teste, o certificado mostrou-se com alto nível de segurança.
Por esse motivo, o CNJ o elegeu como requisito obrigatório (CONJUR, 2014).

CURIOSIDADE
O sistema de certificação digital utilizado nos sistemas de processo

eletrônico pode ser instalado na própria carteira de identificação do

advogado, emitida pela OAB, trazendo maior praticidade, já que a

mesma tem fé pública e pode ser utilizada também como documento

de identificação civil, necessitando apenas de um leitor conectado ao

computador. O sistema pode ter validade de três anos e é o mesmo

aceito em várias operações feitas pela internet, como, por exemplo, o

sistema da Receita Federal, que exige uma certificação digital, além

de todos os tribunais.

Esse certificado digital, que pode ser fornecido por meio de dispositivo
criptografado de token, pen drive e com o chip da carteira da OAB de
identificação do advogado, é baseado em Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira (ICP-Brasil), que envolve entidades públicas e privadas
responsáveis por emitir esse certificado (CONJUR, 2014).

A facilidade da certificação digital está no fato de que todos os tribunais


aceitam a mesma, não sendo necessária a aquisição de outra chave para
tribunais diferentes, além da já citada validade de três anos.

O certificado deve ser emitido em nome do próprio advogado e não é aceito


em nome de sociedade de advogados. Qualquer das partes do processo
também pode adquirir o certificado digital para ter acesso às movimentações
do processo, bastando fazer cadastro na plataforma do tribunal (CONJUR,
2014).
SINTETIZANDO

Vimos o conceito de Direito Digital, que é a unificação das ciências jurídicas


e da computação, buscando uma maior eficiência e agilidade nas trocas de
informações, utilizando-se todos os benefícios tecnológicos de que se tem
alcance para otimizar o mundo jurídico. 
Também temos o lado de toda essa evolução tecnológica e a vivência quase
que diária de nossa imersão no mundo digital. Precisamos, portanto, de leis e
regulações que tragam maior segurança jurídica, necessárias para que o
mundo digital não se torne um “mundo sem leis”. É possível utilizar
legislações já existentes ou, em alguns casos, criar novas leis que tragam essa
segurança.

Outro aspecto importante é o tráfego de informações que necessitam de algum


tipo de validação jurídica, sendo utilizadas, para isso, chaves de autenticação
chamadas de certificados digitais. 

Todo esse avanço trouxe muitos benefícios e celeridade para os operadores do


Direito e grande economia para o Estado, que já não necessita mais de um
armazenamento físico e nem mesmo de muitos servidores para atender às
necessidades logísticas dos processos em papel. 

Sendo os sistemas informáticos usados primeiramente para os sorteios de


distribuição de processos nas varas, acabaram por ser os precursores na
implementação do processo eletrônico, que veio com a necessidade de mais
velocidade e eficiência por parte dos tribunais – e hoje vemos que está
cumprindo sua função.

Como todos os avanços tecnológicos, estes acabaram acompanhados por


novos tipos de crimes, como o ocorrido com a atriz Carolina Dieckmann, que
culminou na criação de tipos penais descritos nos artigos 154-A e B, 266 e
298 do Código Penal.

Vimos que o projeto que originou a Lei de Processo Eletrônico surgiu de uma
iniciativa da AJUFE, com o principal objetivo de tornar o Judiciário mais
célere e eficiente, assim como resolver o problema de armazenagem e as
dificuldades logísticas dos processos físicos. Além disso, houve alteração no
Código de Processo Civil para atender às novas diretrizes de cada tribunal e
para implementar seus sistemas informáticos.

Fizemos uma análise dos pontos de maior importância da Lei 11.419/2006,


tratando especialmente dos artigos: 1º, que gerou algumas discussões acerca
da acessibilidade das pessoas que não tinham à disposição um meio de acesso
à internet e da certificação digital para assinatura eletrônica, que é pessoal e
intransferível; 3º, referente ao horário para realização dos atos processuais no
ambiente virtual; 4º, que trata da criação do Diário da Justiça Eletrônico; 5º, 6º
e 9º, sobre as intimações e citações; 8º, que deu liberdade para que os tribunais
desenvolvessem seus sistemas eletrônicos; 10º, que retirou a intervenção
humana por parte dos tribunais nas movimentações eletrônicas; 11º, que
trouxe a presunção de veracidade dos documentos enviados; 14º, um dos mais
controversos, pois indica a utilização de sistemas de código aberto, o que
acabou não ocorrendo na prática; e o 22º, que tratou da vacatio legis,
importante instituto de vigência das leis.

Trouxemos algumas discussões que ocorreram na época da entrada em vigor


da Lei, com ADI e MS para discutir sua constitucionalidade, tendo em vista
que alguns institutos, como o do jus postulandi, acabaram tornando-se mais
difíceis de serem exercidos pelos cidadãos.

Outros aspectos relevantes foram as fraudes que ocorriam nos sistemas de


distribuição dos processos, problema este que aparentemente foi sanado com a
entrada do processo eletrônico, pois os sistemas acabam por ser muito mais
complexos e difíceis de burlar, trazendo maior segurança jurídica.

E, por fim, os benefícios que os sistemas eletrônicos implementados nos


tribunais foram, além da distribuição de processos: esses sistemas acabaram
por se tornar excelentes mecanismos de combate a fraudes processuais, pois
trouxeram a possibilidade de pesquisar milhares de processos
simultaneamente, evitando, assim, que existissem vários processos iguais
tramitando.

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