Eletrônico
Gabriel Zanetti Alves
OBJETIVOS DA UNIDADE
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Apresentar o histórico do Direito Digital;
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Elucidar como surgiu a ideia da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de
2006 (Lei do Processo Eletrônico);
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Comentar os pontos mais importantes da Lei 11.419/2006;
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Mostrar alterações que ocorreram no Direito brasileiro para atender às
mudanças trazidas pela Lei 11.419/2006;
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Explicar a figura do jus postulandi no processo eletrônico;
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Explicar o que é estelionato judicial;
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Processo eletrônico como forma de combater fraudes processuais;
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Explanar os benefícios trazidos pelo processo eletrônico.
Introdução ao Direito Digital
Seção 3 de 7
No Quadro 1, podemos ter uma ideia do panorama histórico das leis criadas
para proteção de dados e do quanto são recentes.
Mesmo com muitos estudos sobre esse tema, ainda não há consenso, entre os
doutrinadores, quanto à classificação e os tipos de crimes cibernéticos – mas,
de forma geral, todas as definições acabam por englobar praticamente os
mesmos crimes, como podemos ver no exemplo:
Alguns principais exemplos são: fraude por e-mail e pela internet; fraude de identidades,
quando informações pessoais são roubadas e usadas; roubo de dados financeiros ou
relacionados a pagamento de cartões; roubo e venda de dados corporativos; extorsão
cibernética, que exige dinheiro para impedir o ataque ameaçado; ataques de ransomware,
um tipo de extorsão cibernética; cryptojacking, quando hackers exploram criptomoedas
usando recursos que não possuem; espionagem cibernética, quando hackers acessam dados
do governo ou de uma empresa. Esses crimes podem se dividir em dois grupos: atividade
criminosa que visa computadores ou atividade criminosa que usa computadores para
cometer outros crimes (KASPERSKY, [s.d.]).
Com a evolução tecnológica, nossas vidas cotidianas acabam por ser regidas,
praticamente por inteiro, pelo uso de computadores, celulares e outros meios
de comunicação digital. Dessa maneira, o Direito Digital se faz necessário,
seja em nossa vida privada (com as redes sociais, por exemplo), seja em nossa
vida financeira (com aplicativos de bancos ou com todas as nossas transações
bancárias e de compras on-line, que hoje acabam por ser uma tendência global
e se encaminham para o comércio digital por completo, inclusive por conta da
pandemia de Covid-19, que acelerou ainda mais esse processo de digitalização
do mundo contemporâneo).
Apesar de o Direito Digital, ainda, não ser reconhecido como uma área
autônoma do Direito, como o Civil ou o Penal, existe a tendência de que acabe
por ser reconhecido como tal, por sua complexidade e por atuar de forma
célere, acompanhando as constantes mudanças no mundo virtual. A tecnologia
da informação é considerada uma das ciências de evolução mais rápida, e sua
mutação constante faz com que o Direito como hoje conhecido e utilizado se
torne totalmente obsoleto para acompanhar essa mudança.
Temos como exemplo o caso da atriz Carolina Dieckmann, que, em 2011 foi
vítima de uma invasão de hackers em seu computador, no qual havia algumas
fotos íntimas que acabaram publicadas. Após uma grande repercussão
midiática do seu caso, houve a apresentação de um projeto de lei no mesmo
ano, quando a Lei nº 12.737, de 30 de novembro de 2012 foi aprovada,
descrevendo esse novo tipo de crime, alterando o artigo 154 e incluindo os
artigos 154-A, 154-B, 266 e 298 no Código Penal.
conhecida como Intellipedia. Essa página pode ser acessada por 16 agências
confidencial, respectivamente).
Para ter acesso a esse sistema de inteligência, é necessário ter credenciais de
acesso válidas, o que pode ser feito no próprio sistema intranet das agências
com o uso do cartão de identificação na estação de trabalho, ou remotamente
com uso de uma VPN. Fica evidente que o acesso por qualquer pessoa não
autorizada é proibido (SZOLDRA, 2016).
COMO SURGIU O PROJETO DE LEI
DO PROCESSO ELETRÔNICO
Segundo Petersen (2019), antes mesmo de se imaginar um sistema digital que
abarcasse todo o Judiciário brasileiro, mais precisamente na década 1990 já
começavam a surgir tecnologias para auxiliar o andamento dos processos, como
foi o caso da implementação de alguns sistemas de gestão processual nos quais
já havia o sorteio eletrônico de processos, trazendo enormes benefícios à época.
Esses sistemas podem ser considerados os primeiros rascunhos do que hoje se
conhece por processo eletrônico.
Altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489 e 555 da Lei nº 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, relativos à incompetência relativa, meios
eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia,
carta precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos; e revoga o art. 194 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
Art. 154 - Código de Processo Civil – Os atos e termos processuais não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que,
realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
Figura 2. Captura de tela do Manual do Usuário Interno, retirada do site do PJe. Fonte: PJe.
Acesso em: 23/06/2020.
Logo, todo advogado e qualquer outra pessoa que queira ter acesso ao
Judiciário, além dos servidores públicos abarcados por essa mesma exigência,
precisam ter uma assinatura digital, o que acaba gerando mais um gasto. Além
disso, essa assinatura é intransferível. Dessa maneira, caso um advogado
esteja como patrono de uma das partes, mesmo com procuração o autorizando
em anexo, terá de incluir qualquer documento tendo sua assinatura digital no
momento do envio. Caso outro o faça, mesmo que tenha sua assinatura no
documento escrito, será considerada nulidade relativa, e o magistrado abrirá
prazo para que se sane esse problema.
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AgRg no AREsp 725.263/RO, Rel. Ministro Raul Araújo,
Quarta Turma, julgado em 10/05/2016, DJe 27/05/2016;
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O artigo 5º trata das intimações e seus meios. Toda intimação será feita por
meio do endereço eletrônico cadastrado para consulta do processo. Será
considerada feita a citação no dia útil subsequente ao dia em que for
consultado o processo por parte do advogado. Caso não haja nenhum tipo de
consulta dentro de 10 dias corridos a partir do envio da intimação, considerar-
se-á feita no final desse prazo. Mais uma advertência: os sistemas eletrônicos
da Justiça nem sempre enviam e-mail de citação; em alguns estados, apenas
publicam no Diário Oficial; então, é preciso ter atenção às publicações e aos
prazos, consultando regularmente os processos, já que a própria Lei dispensa a
publicação em órgão oficial.
O artigo 6º trata das citações que poderão ser feitas por meio eletrônico.
O artigo 8º define que cada tribunal poderá desenvolver seu próprio sistema
eletrônico, mas também obriga todos os atos a serem assinados digitalmente,
como forma de maior segurança e transparência.
Outro ponto que chama atenção é o caso do parágrafo 2º, que deixa claro que
cada tribunal pode decidir por seu sistema eletrônico, mostrando que podem
não ser compatíveis entre si. Caso isso ocorra, o tribunal terá de transformar o
processo eletrônico, que será remetido a outro tribunal com sistema diferente e
não compatível em processo físico, porém isso vai totalmente contra o intuito
da Lei, de diminuir o consumo de papel e espaço físico.
Para finalizar, o artigo 22 traz a vacatio legis da referida Lei, que dispunha de
um prazo de 90 dias para a entrada em vigor.
EXPLICANDO
“vacância da lei”. Nada mais é do que o prazo que a lei percorre entre
publicação”.
EXPLICANDO
de implantação com lapso temporal de 120 dias. A OAB-SP alegou que essa
resolução acaba por limitar o acesso à Justiça, por não abrir outra opção ao
2014).
É ilegal ato coator que obriga os advogados de São Paulo a não mais se utilizarem do
sistema adotado do Tribunal de Justiça, impedindo-os de promover estudos, planejamento,
desenvolvimento e teste, inviabilizando o pleno funcionamento do sistema eleito
originariamente, em detrimento desse essencial serviço à cidadania que é a prestação
jurisdicional.
A ministra Rosa Weber acabou por indeferir o pleito, aplicando a Súmula 266
do próprio Supremo Tribunal Federal, que traz em seu texto: “não cabe
mandado de segurança contra lei em tese” – e negou trâmite ao MS nº 32888.
A ministra afirmou que os autores não apontaram, na demanda, ato concreto
que ameaçasse direito líquido e certo, requisito para mandados de segurança, e
somente demonstraram, na ação, “pretensão voltada ao reconhecimento da
inconstitucionalidade de resolução do CNJ” (STF, 2014).
Figura 4. Captura de tela do PJe TRT. Fonte: Redação Trabalhista Legal. Acesso em:
23/06/2020.
Cuiabá (MT) foi a cidade onde o projeto-piloto foi instalado pela primeira
vez, em 10 de fevereiro de 2011. Em um primeiro momento, foram
priorizadas as ações de execução, e, após treinamento dos colaboradores e
desenvolvimento, foi implementado o sistema. Após o aprimoramento,
também foram implementadas, para uso do sistema, as cidades de Navegantes
(SC), Caucaia (CE) e Várzea Grade (MT). Dessa maneira, houve a expansão e
a implementação em 1ª e 2ª instâncias, de maneira concomitante (CSJT,
2013).
Art. 4º. Nos dissídios de alçada exclusiva das Juntas e naqueles em que os empregados ou
empregadores reclamarem pessoalmente, o processo poderá ser impulsionado de ofício pelo
Juiz.
Entretanto, não é esse o entendimento dos tribunais, que não apenas aceitam o
instituto, como já manifestaram esse entendimento em diversas sentenças,
como vemos nas jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região – STJ, REsp 1027797/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ.
23/02/2011 (SOUZA FILHO; SODRÉ; SILVA, 2015).
perdendo seu tempo nesses julgamentos”. Declarou, ainda, que estava sendo
Este é mais um tema em que a doutrina se divide e até mesmo os tribunais ainda
não entraram em consenso, apesar de a grande maioria dos julgados penderem
para o reconhecimento da atipicidade da conduta. Os casos, porém, merecem
especial atenção, pois cada um tem suas peculiaridades. Reuni algumas decisões
para melhor visualizarmos essas diferenças.
Ao final do processo, o réu foi sentenciado pelo crime previsto no artigo 171,
parágrafo 3º, combinado com os artigos 14, inciso II, e 71, por 10 vezes; e no
artigo 298, pela prática do crime previsto no artigo 304, combinado com o
artigo 71, por três vezes, todos do Código Penal. Em suma: estelionato
cometido em detrimento de entidade assistencial na forma tentada e de
maneira continuada; e falsificação de documento particular com o emprego de
papéis falsificados ou alterados (comprovantes ‘‘frios’’ de endereços), de
maneira continuada. As penas: quatro anos, cinco meses e 20 dias de prisão no
regime semiaberto e pagamento de multas, de acordo com o site que veiculou
a notícia (MARTINS, 2015).
O artigo 171 do CP constitui tipo aberto, de forma que a obtenção da vantagem pode ser
efetuada por qualquer meio fraudulento. Assim, a ação judicial movida fraudulentamente
pode configurar o delito em questão, qualificado pela jurisprudência como estelionato
judiciário.
Essa discussão já havia sido pacificada pela 4ª Seção do TRF-4, da qual fazem
parte os desembargadores da 7ª e 8ª turmas, especializada em matéria penal,
refutando a tese da atipicidade do estelionato judicial como o do processo
citado acima, de acordo com a posição do desembargador Marcelo Malucelli:
“A conduta de quem usa de ardil para manter o Poder Judiciário em erro é
grave e merece a atenção do Direito Penal, pois lesa a dignidade da função
jurisdicional do Estado” (MARTINS, 2015).
CURIOSIDADE
O sistema de certificação digital utilizado nos sistemas de processo
de todos os tribunais.
Esse certificado digital, que pode ser fornecido por meio de dispositivo
criptografado de token, pen drive e com o chip da carteira da OAB de
identificação do advogado, é baseado em Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileira (ICP-Brasil), que envolve entidades públicas e privadas
responsáveis por emitir esse certificado (CONJUR, 2014).
Vimos que o projeto que originou a Lei de Processo Eletrônico surgiu de uma
iniciativa da AJUFE, com o principal objetivo de tornar o Judiciário mais
célere e eficiente, assim como resolver o problema de armazenagem e as
dificuldades logísticas dos processos físicos. Além disso, houve alteração no
Código de Processo Civil para atender às novas diretrizes de cada tribunal e
para implementar seus sistemas informáticos.