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RESUMO1
Este artigo tem por objetivo incentivar reflexões a respeito da área de computação, a
partir da perspectiva de análise da decolonialidade no contexto brasileiro. Estudos da
temática mostram que tecnologias computacionais reproduzem diferentes formas de
colonialidade. Dessa forma, essa proposta busca compreender como as tecnologias
computacionais, no contexto do Brasil, se viram modificadas historicamente pelo
colonialismo. Utilizando como metodologia uma breve pesquisa bibliográfica, com
natureza exploratória, este estudo visa estimular pesquisas futuras e permitir reflexões
sobre o tema para pensar nas possibilidades de uma perspectiva decolonial na área.
PALAVRAS-CHAVE
*A permissão para fazer cópias digitais ou impressas de parte ou de todo este trabalho para uso pessoal ou em sala de aula
é concedida sem taxa, desde que as cópias não sejam feitas ou distribuídas para lucro ou vantagem comercial e que as
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deste trabalho devem ser respeitados. Para todos os outros usos, entre em contato com o proprietário / autor(es).
INTRODUÇÃO localidade, território, faixa etária, ocupação, deficiência etc, ou seja, as experiências e
atravessamentos dos corpos subalternizados [59], valorizando-os a partir do seu locus social [15,
Considerando as Tecnologias da 50] e não os deslocando a partir da construção imagética do Outro na negação/oposição de si [12,
Informação e Comunicação (TICs) como um dos 15]. Dessa forma, a reflexão neste breve estudo está centrada na perspectiva da decolonialidade.
fenômenos da prática tecnocientífica pós-colonial Trata-se de incentivar a análise de temáticas relacionadas aos efeitos do uso de TICs em diferentes
[3, 56], nos últimos anos, alguns intelectuais têm áreas e aprofundar de que forma tais tecnologias computacionais têm potencializado e perpetuado
se destacado na interseção da computação2 com discriminações a partir de uma matriz colonial de poder [38], configurando assim a necessidade do
estudos pós-coloniais, como é, por exemplo, o pensamento decolonial3.
caso da Etnocomputação [15], da Teoria Crítica De acordo com Oliveira [42], o termo “decolonial” deriva de uma perspectiva teórica,
da Tecnologia [23] e da Computação Pós- fazendo referência às possibilidades de um pensamento crítico a partir dos subalternizados pela
Colonial [30, 43]. Diante disso, surge outro olhar modernidade ocidental e capitalista. Na esteira dessa perspectiva, surge a necessidade da
corroborante e que tem sido foco de investigação reconstrução ontológica e epistemológica [3, 9] na computação a partir de um projeto teórico
e expansão científica: os estudos decoloniais [48]. voltado para o pensamento crítico de forma transdisciplinar [57], transmoderna [19] e pluriversal
Nesse contexto, quando miramos em estudos [22]. O que se caracteriza também como agência política [45] para se contrapor de forma
decoloniais em computação, podem ser citados, epistêmica e ôntica às tendências acadêmicas dominantes de perspectiva eurocêntrica e anglo-
dentre outros: Adam [1], Ali [3], Arora [6], Chan saxônica [15, 60] de construção do conhecimento históricossocial e tecnocientífico.
[13], Couldry e Mejias [16], Dourish et al. [17], Indo mais adiante, Ballestrin [8] nos atenta sobre a frouxidão conceitual quando termos
Draude [18], Haas [28], Lyons et al. [33], são usados como sinônimos, ou quando são mal traduzidos perdendo seu sentido original [2, 45].
Mohamed et al. [36], Milan e Treré [39], Noble Segundo a autora brasileira [7], a partir da teorização de Catherine Walsh, a expressão
[41], Ricaurte [49], Silva et al. [57], Tupinambá “decolonial” não pode ser confundida com “descolonização”. Em termos históricos e temporais,
[60], Wong-Villacres et al. [62]. esta última indica uma superação do colonialismo; por seu turno, a ideia de decolonialidade atua
Baseando-se nessas perspectivas, este no sentido da superação da tríplice modernidade/colonialidade/imperialidade [7, 8, 38], a qual
trabalho busca fomentar a compreensão da ainda nos dias de hoje permanece em seu modus operandi [1, 17, 41, 58], com a intenção de
constituição das tecnologias computacionais e de provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir quando pensada na luta contra
seus dados e informações como prisma da uma monocultura do saber e do rigor do saber [54, 55].
geração de conhecimento [21], bem como as suas Proveniente do autor Syed Mustafa Ali [3], o termo Computação Decolonial4 refere-se a
implicações históricossociais quando cruzadas a uma proposta teórica muito recente nas periferias (bordas, fronteiras, margens) da computação,
raça, etnia, gênero, sexualidade, classe, religião, que coloca em primeiro plano questões de geopolítica e corpo-político, este último aqui designado
como agência política [45], a fim de expor a persistência de estruturas modernas/coloniais no
2Neste estudo, usamos o termo “computação” como campo período pós-moderno/pós-colonial contemporâneo. Deste modo, a Computação Decolonial prisma
cientifico, não a reduzindo a concepção, desenvolvimento e um compromisso com a práxis decolonial e o que pode ser descrito como uma orientação técnico-
utilização de tecnologias de software e hardware, mas como
ciência que é e que anseia por compromisso social, e política de "código aberto" - apesar das assimetrias de poder. Ali [3] provoca e convida à
portanto, também englobando como observado nos trabalhos participação e contribuição para o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que é cauteloso
aqui citados e nas mais diversas áreas do conhecimento:
Estudos de Ciência e Tecnologia - ECT (Science and
quanto a possível cooptação no mainstream da computação.
Technology Studies - STS); estudos em Ciência, Tecnologia e
Sociedade - CTS (Science, Technology and Society - STS) e 3 Também referido conceitualmente por Decolonial Thinking.
Humanidades Digitais (Digital Humanities - DH). 4 Também referido conceitualmente por Decolonial Computing.
Nesse sentido, cabe salientar que no da arte de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico-conceitual. Além disso, pode
mesmo período que Ali enunciava esse conceito, contribuir no debate de determinadas temáticas limitadas ou inaugurais [26], levantando questões
o colombiano Jesus Portilla [46] também buscava e colaborando na aquisição e atualização do conhecimento em curto espaço de tempo. Trata-se de
traçar o pensamento decolonial aos processos de um método mais suscetível a vieses de seleção dos autores dada a análise da literatura científica na
ensino em relação à dependência tecnológica. Ele interpretação e análise crítica dos autores. Contudo, Gil [25] afirma que a principal vantagem da
afirma que, do ponto de vista local, o professor pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de
de computação possuía um quadro teórico- fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. No caso, tal
prático limitado ao conteúdo, mesmo que escolha ocorreu diante da necessidade de método que permitisse uma visão mais geral do objeto de
existisse a possibilidade de explorar a estudo.
criatividade dos alunos a partir da práxis, o que, O processo de coleta do material foi realizado de forma não sistemática no período de
em última instância, representaria um agosto de 2020 a setembro de 2020. Foram realizadas buscas a partir da palavra-chave "decolonial",
crescimento significativo da sociedade onde em títulos, resumos ou palavras-chave. Considerando a gama de idiomas, os aqui observados
ocorresse essa situação particular. foram o português, o espanhol e o inglês. As bases de dados científicas exploradas foram: ACM
Sendo assim, conforme Ballestrin [8] Digital Library, Arvix.org, IEEE Xplore, SBC OpenLib (SOL), emerald.com, AIS eLibrary (AISeL), br-
reitera, a identificação dos povos de acordo com ie.org, mdpi.com, frontiersin.org e Periódicos Capes5. Estes materiais foram sumarizados, lidos na
suas faltas ou excessos é uma marca íntegra e analisados criticamente focalizando os trabalhos da base do pensamento decolonial e
fundamental da diferença colonial, produzida e estudos em computação com essa abordagem. Incluiu-se ainda como fonte de pesquisa
reproduzida pela colonialidade do poder [38, 47], bibliográfica a literatura cinza ou cinzenta [44].
do saber [32] e do ser [34]. E, portanto, expondo
assim a necessidade de criar um espaço para COMENTÁRIOS
profissionais de computação trabalharem além
dos limites do eixo anglo-saxônico e europeu, Primordialmente, uma das razões pela quais mais estudos são necessários nessa área, é
sendo considerados estes, países de primeiro que as TICs que permeiam nossas vidas podem enfatizar e reforçar a ideia errada - racismo,
mundo [20]. Isso porque tais países foram se sexismo, capacitismo, classismo etc - se forem comercializadas sem prognóstico aferido
constituindo ontologicamente ao longo dos corretamente [1, 13, 16, 17, 30, 41, 58, 61]. Especialmente, pois as pessoas tendem a realizar
séculos, a partir de seu etnocentrismo como comportamentos sociais regulares em suas interações com o computador, como se o computador
modelo de sociedade, academia, indústria, fosse outra pessoa [30], mesmo que essa abordagem, de certo modo, já tenha sido considerada na
epistemologias, técnicas, metodologias e práticas. área de Interação Humano-Computador (IHC) [27, 31, 43, 62].
Logo, demonstrando a necessidade de Neste estudo foram encontrados poucos trabalhos, especialmente nas bases científicas de
desenvolver novos olhares voltados para as produção brasileira, que explicitamente atribuem o pensamento decolonial como um dos pilares da
epistemologias do sul [55]. construção de tecnologias computacionais. Entretanto, isso não implica necessariamente que não
existam grupos e linhas de pesquisa que tenham caráter decolonial em suas produções como
MÉTODO mostraremos a seguir.