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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

TARCÍSIO DOS SANTOS

RELIGIÃO E ALCOOLISMO - ESTUDO DA PRÁTICA


PASTORAL DA IGREJA METODISTA FRENTE A SÍNDROME
DA DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL À LUZ DO CREDO SOCIAL.

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2010
TARCÍSIO DOS SANTOS

RELIGIÃO E ALCOOLISMO - ESTUDO DA PRÁTICA


PASTORAL DA IGREJA METODISTA FRENTE A SÍNDROME
DA DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL À LUZ DO CREDO SOCIAL.

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo,
Faculdade de Humanidades e Direito, como
parte dos requisitos para obtenção do titulo
de Mestre em Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2010
FICHA CATALOGRÁFICA

Sa59r Santos, Tarcísio dos


Religião e alcoolismo : estudo da prática pastoral da Igreja Metodista
frente a síndrome da dependência do álcool à luz do credo social /
Tarcísio dos Santos -- São Bernardo do Campo, 2010.
150fl.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de


Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo
Bibliografia

Orientação de: Geoval Jacinto da Silva

1. Credo social – Igreja Metodista 2. Práxis 3. Alcoolismo –


Aconselhamento pastoral I. Título
CDD 287.0981
A dissertação de mestrado sob o título “Religião e Alcoolismo - Estudo da Prática
Pastoral da Igreja Metodista Frente a Síndrome da Dependência do Álcool à
Luz do Credo Social”, elaborada por Tarcísio dos Santos foi apresentada e
aprovada em 21 de setembro de 2010, perante banca examinadora composta pelos
professores Doutores Geoval Jacinto da Silva (Presidente/UMESP), Blanches de
Paula (Titular/UMESP) e Zila Van Der Meer Sanchez (Titular/UNIFESP).

__________________________________________

Prof. Dr. Geoval Jancinto da Silva


Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________

Prof. Dr. Jung Mo Sung


Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Práxis Religiosa e Sociedade
Linha de Pesquisa: Interfaces da práxis religiosa com a filosofia e as ciências
humanas.
Dedico este trabalho ao meu pai Aroldo dos Santos, pessoa
honesta e trabalhadora que após ter voltado à vida sóbria,
não mediu esforços para acompanhar-me na caminhada,
incentivando e motivando a continuar no caminho.

Dedico a minha mãe Margarida Cruz dos Santos, sempre


presente, reconhecendo os meus dons e valorizando-os em
tudo que construí ao longo da vida.

Dedico a minha esposa Maria Aparecida Vieira Salomão


que nos últimos meses tem exercido continuamente o fruto
da paciência em meu favor, por ser companheira, amiga e
pessoa tão amada e querida. Declaro a ti o meu amor.

Dedico a meu filho Gustavo e a minha filha Anna Flávia


por serem bênção em minha vida e marcarem os meus
passos na busca do conhecimento e do crescimento
intelectual.
AGRADECIMENTOS

Sou grato a Deus por ter me escolhido para participar ativamente na


construção do Seu Reino, sou grato por ter Ele me abençoado durante o
tempo de preparação, dando-me condições para cumprir com todas as
minhas obrigações acadêmicas, sou grato por seu imenso amor.
Deixo também registrado o quanto sou grato àqueles e àquelas que
estiveram do meu lado no decorrer deste trabalho de estudos e pesquisas,
dispensando-me carinho, atenção, paciência e muita alegria. Temperos
importantes na construção do conhecimento que visa responder questões
postas, e mais, abrir caminhos para novas reflexões. Neste sentido agradeço
a todos os meus familiares, em especial a meus filhos Gustavo e Anna
Flávia.
Agradeço aos irmãos e irmãs, membros da Igreja Metodista em
Capivari – SP que a todo o tempo apoiaram e respeitaram o meu
investimento acadêmico. Através desta comunidade agradeço a toda Igreja
Metodista.
Agradeço ao Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva pela amizade,
paciência e compreensão durante o trabalho de orientação. E através dele
agradeço a todos os colaboradores da Pós Graduação em Ciências da Religião
da UMESP, e também a CAPES pela concessão da bolsa, pois sem este apoio
financeiro não seria possível realizar esta pesquisa.
E em especial, eu agradeço a minha querida e amada esposa Maria
Aparecida Vieira Salomão por me dar o privilégio de ter a sua companhia
durante a caminhada, por me aplaudir quando acertava, por me questionar e
me impulsionar quando desanimava, por contribuir na leitura e correção
deste trabalho, a ela meus sinceros agradecimentos e a declaração de todo o
meu amor...
No tratamento dos males sociais temos por norma:
combater tenazmente o mal e amar profundamente o ser
humano atingido por ele, propiciando-lhe os meios de
redenção e recuperação. Visando o bem-estar individual e
social propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Combate tenaz e decidido aos vícios causados por


tóxicos e narcóticos que envenenam o homem e males que
corrompem a sociedade.
a) ao alcoolismo que tira completamente o homem do
raciocínio normal e avilta sua personalidade.
b) [...]

Credo Social da Igreja Metodista do Brasil - 1960


SANTOS, Tarcísio dos. Religião e Alcoolismo - Estudo da Prática Pastoral da Igreja
Metodista Frente a Síndrome da Dependência do Álcool à Luz do Credo Social. São
Bernardo do Campo. Universidade Metodista de São Paulo, 2010. Dissertação de
Mestrado em Ciências da Religião. Orientação de Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva.

RESUMO

O trabalho de pesquisa, situado na área de Práxis Religiosa e Sociedade analisa


criticamente o Credo Social da Igreja Metodista, documento que completou o seu
primeiro centenário no ano de 2008, cujo teor é apresentar a responsabilidade social
da Igreja Metodista como norteador das ações pastorais frente às questões sociais.
Tendo-o como referencial busco fundamentar uma práxis pastoral direcionada a
prevenção e ao acompanhamento dos portadores da síndrome da dependência do
álcool, problema que atinge um sem número de pessoas, independente da idade e
sexo ou cultura. A pesquisa traz a conotação da dependência do álcool vinculada à
saúde, interpretando-a como doença que necessita de acompanhamento e cuidado,
desvinculando-a do desvio moral. Para tal, busca respaldo entre diversas fontes
como os Alcoólicos Anônimos que desenvolvem respeitado trabalho neste âmbito,
relacionando seus preceitos às fundamentações do Credo Social. A relevância da
pesquisa está em demonstrar a posição da Igreja Metodista em combater
veementemente o vício do álcool, evitando-o, bem como preconizando que todos
sejam abstêmios, possibilitando a construção de novas práxis pastorais para este
novo século iniciado pelo Credo Social. O trabalho é desenvolvido em três capítulos
que respectivamente trazem a história do Credo Social desde sua criação, as
diferentes edições pelas quais passou, sua importância em relação ao combate aos
vícios, dentre outras relevâncias na vida da igreja e da comunidade. Trata do álcool
como bebida e sua trajetória histórica, suas conceituações conforme a Organização
Mundial de saúde, culminando nas consequências da dependência. Finalizando, o
terceiro capítulo traz a correlação dos dois anteriores, fundamentando a práxis
pastoral, ressaltando ações e posturas pertinentes adotadas pela Igreja Metodista ao
longo dos anos em relação ao uso de bebidas alcoolicas, bem como contextualiza o
Credo Social na postura e práxis pastoral.

Palavras Chaves: Credo Social, Síndrome da Dependência do Álcool, Práxis,


Pastoral.
SANTOS, Tarcísio dos. Religion and Alcoholism - Study of the pastoral practice of
the Methodist Church towards the Alcohol Dependency Syndrome from the Social
Creed. São Bernardo do Campo. Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
Master Thesis of Science in Religion. Orientation by Prof. Dr. Geoval Jacinto da
Silva.

ABSTRACT

The research work done in Religious Praxis and Society critically analyses the Social
Creed of the Methodist Church, a document that completed it´s first centennial in the
year of 2008, whose content presents the social responsability of the Methodist
Church as a guide to the pastorals deeds regarding social issues. Having it as a
guide line, I intend to ground a pastoral praxis directed to the prevention and
monitoring of the people affected by the Alcohol Dependency Syndrome, a problem
that strikes an endless number of people, regardless of age, sex or culture. The
research combines the inferred meaning of alcohol dependency and health,
interpreting it as a moral deviation. For such, it seeks support among numerous
sources such as the Alcoholics Anonymous, that develop an esteemed work in this
context, relating its precepts to the groundings of the Social Creed. The relevance of
the research is in the fact that it demonstrates the Methodist Church´s emplacement
fighting vehemently the alcohol addiction, avoiding it as well as alleging everyone to
be teetotaler, allowing the construction of new pastorals praxis in this new century
initiated by the Social Creed. The work is developed in three chapters which
respectively bring the history of the Social Creed since its creation, the different
editions it went through, its importance regarding the fight against addiction, among
other relevances in the life of both the church and the comunnity. It refers to alcohol
as a beverage and also to its historical path, its conceptualizations according to the
World Health Organization, culminating in the consequences of its dependency. In
conclusion, the third chapter brings the correlation of the previous chapters,
fundamenting the pastoral praxis, highlighting pertinent actions and attitudes used by
the Methodist Church throughout the years regarding the use of alcoholic drinks, as
well as contextualizing the Social Creed in the position and pastoral praxis.

Key words: Social Creed, Alcohol Dependency Syndrome, Praxis, Pastoral.


10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO _____________________________________________________12

CAPÍTULO I - Credo Social da Igreja Metodista: Sua História e Desenvolvimento _17


1.1 Credo Social - Sua história ____________________________________________ 19
1.2 Credo Social – Uma leitura contemporânea _______________________________ 29
1.3 Credo Social - Sua importância na vida e missão da Igreja ___________________ 36
1.4 Credo Social – Norteador para o combate aos vícios ________________________ 44

CAPÍTULO II - Do Alcoolismo à Síndrome da Dependência do Álcool __________50


2.1 O álcool como bebida – Uma linha histórica _______________________________ 52
2.2 Alcoolismo, doença e suas conseqüências. _______________________________ 57
2.2.1 Uma conceituação________________________________________________________ 57
2.2.2 Conceituação segundo a OMS ______________________________________________ 59
2.2.3 As consequências da síndrome da dependência do álcool ________________________ 62

2.3 A Síndrome da Dependência do Álcool ___________________________________ 64


2.3.1 Conceito clínico e fundamentação científica____________________________________ 64
2.3.2 Por que é importante compreender a síndrome da dependência?___________________ 65

2.4 Alcoólicos Anônimos - apoio a recuperação do alcoolista. ____________________ 66


2.4.1 A Vida de Bill Wilson ______________________________________________________ 67
2.4.2 Compartilhar e partilhar a recuperação________________________________________ 71
2.4.3 Oração da Serenidade – Uma forma de se manter próximo ao Poder Superior ________ 78

CAPÍTULO III - O Credo Social da Igreja Metodista: Fundamento Para Uma Práxis
Pastoral Voltada a Síndrome da Dependência do Álcool_____________________83
3.1 Práxis e pastoral – Conceitos norteadores ________________________________ 84
3.1.1 Pastoral – Uma ação comunitária ____________________________________________ 84
3.1.2 Práxis – Uma ação transformadora __________________________________________ 87

3.2 Igreja Metodista e suas ações diante da síndrome da dependência do álcool _____ 93
3.2.1 Matérias que tratam o tema do álcool no Expositor Cristão ________________________ 94
3.2.2 Matérias sobre o álcool em outros documentos ________________________________ 106
3.2.3 Cruz de Malta: Outubro de 1960 – Um estudo completo _________________________ 110

3.3 Credo Social – Fundamentos para uma práxis pastoral voltada a síndrome da
dependência do álcool __________________________________________________ 113
11

CONSIDERAÇÕES FINAIS __________________________________________117

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICAS _____________________________________120


Bibliografia de Referência para a Irmandade dos Alcoólicos Anônimos ______________ 130
Periódicos ___________________________________________________________________ 131
Sites ________________________________________________________________________ 131

ANEXOS ________________________________________________________133
ANEXO A – Credo Social da Igreja Metodista Episcopal, Sul - 1918 _________________ 133
ANEXO B – A Atitude da Igreja Metodista do Brasil Perante o Mundo e a Nação 1934 _ 134
ANEXO C – O Credo Social da Igreja Metodista do Brasil- 1934 ____________________ 136
ANEXO D – Regras Gerais ____________________________________________________ 137
ANEXO E – Credo Social da Igreja Metodista do Brasil - 1960 ______________________ 138
ANEXO F – Credo Social da Igreja Metodista no Brasil 1970 _______________________ 142
ANEXO G – Decreto Nº 6.117, de 22 de maio de 2007 ____________________________ 146
12

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa, que se insere na área de Práxis Religiosa e Sociedade


do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista
de São Paulo, se propõe analisar a práxis pastoral tendo referencial o Credo Social
para tratar problemas referentes à Síndrome da dependência do álcool. O Credo
Social é um documento que expressa a doutrina social da Igreja, que abarca, dentre
muitos fatores sociais a questão dos vícios e suas implicações.
É importante considerar que os vícios são problemas que afetam a sociedade
e segundo a redação do item 12 do quinto tópico do referido documento, Problemas
Sociais: que traz a seguinte afirmação, “devem ser alvo de combate tenaz já pelos
efeitos danosos sobre os indivíduos como também pelas implicações sócio-
econômicas que acarretam ao País” (CREDO SOCIAL, In: CÂNONES, 2007, p.59).
O Credo Social é meu objeto de interesse, especialmente no que trata dos
“problemas sociais”, desde meu ingresso na Igreja Metodista. Isso se deve à minha
história de vida que é acentuada por ser filho de um alcoolista em recuperação,
membro de Alcoólicos Anônimos - AA há 41 anos, hoje um dos homens mais velhos
de AA em nosso país. Este fato, aliado aos ensinamentos recebidos desde minha
infância, me despertou para o cuidado dos portadores da síndrome da dependência
do álcool e outras drogas, porém, somente em 1990 dei início, efetivamente ao
trabalho voluntário de apoio e acompanhamento às pessoas que desejavam
abandonar os vícios.
Os caminhos percorridos pela humanidade na atualidade são marcados pelo
excesso em todas as suas ações. Excessos como a dependência do álcool e outras
drogas. O jogo se alastrando por toda parte, prostituição, adultério, sem deixar de
falar na corrupção que consome os governos e as instituições. Diante deste quadro,
o alcoolista, portador da síndrome da dependência do álcool, tem a sua vida
comprometida, apresenta alterações de comportamento, deficiências físicas,
mentais e espirituais. Vive situações caóticas que dificultam os seus
13

relacionamentos e o seu convívio em sociedade. É considerado um problema social


grave.
Para melhor compreensão do quadro formado pelo uso excessivo do álcool
como bebida é necessária a leitura de alguns dados estatísticos como elementos
motivadores para ações efetivas no cumprimento do que propõe o Credo Social.
Em 30 de dezembro de 2002, a Revista Época publicou um artigo
denominado Movidos a Álcool, uma matéria assinada por João Luiz Vieira e Beatriz
Velloso que trata do consumo de álcool entre os jovens brasileiros. Naquele ano
existiam 500 milhões de dependentes de álcool no mundo, e, ressaltava que entre
10 e 15% da população apresentava propensão à dependência.
Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Educação
(UNESCO) com 50 mil estudantes brasileiros do ensino fundamental e médio,
mostrou que 34,8% deles tomam bebidas alcoólicas – o que representa um
contingente de 17,4 milhões de jovens.
O Brasil apresenta hoje cinco milhões de portadores da síndrome da
dependência do álcool, e é importante ressaltar que o consumo de bebidas
alcoólicas é o principal fator de redução da nossa expectativa de vida. Entre os
pesquisados, um terço declara que sua iniciação à bebida aconteceu entre os 10 e
12 anos e, na década de noventa a média de iniciação era de 14 anos. Outro dado
alarmante é o fato de que 34% dos alunos entre 10 e 18 anos consumiram álcool
pela primeira vez em suas residências, sendo o mesmo, oferecido pelos pais
(VIEIRA e VELLOSO, 2002).
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID
detectou que 0,9% dos estudantes de escolas públicas nas dez principais capitais
brasileiras têm acesso dificultado a compra de bebidas. No segundo Levantamento
Domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil – 2005, o CEBRID
detectou que a faixa etária onde aparecem as maiores porcentagens de
dependentes foi a de 18 a 24 anos de idade (19,2%). Quanto à distribuição de
dependentes entre os sexos, constata-se que a porcentagem de dependentes do
sexo masculino é de três vezes a do feminino, no total e nas idades acima dos 24
anos. Por outro lado, a estimativa da população dependente de Álcool nas 108
cidades com mais de 200 mil habitantes é de 6.268.000 pessoas. (GALDURÓZ,
2007).
14

Estes são dados alarmantes, e, aliados à intenção de trabalhar com pessoas


que sofrem os problemas do álcool, esta pesquisa começou a esboçar-se e tomar
corpo, e, para desenvolvê-la foi necessário um conjunto de procedimentos que
começa com uma pesquisa bibliográfica, seguida pela leitura de textos de
orientações teórico-metodológicas e levantamento de informações necessárias para
o trabalho. Além de análise de publicações da Igreja Metodista como segue: Credo
Social, Cânones, Atas e Documentos, Expositor Cristão, Cartilhas, Revista Cruz de
Malta.
Para a elaboração desta pesquisa, isto é, identificar o Credo Social da Igreja
Metodista como fundamento para a práxis pastoral voltada à síndrome da
dependência do álcool, o método utilizado foi o histórico crítico que segundo Eva
Maria Lakatos tem a seguinte definição:
[...] consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do
passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as
instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes
componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural
particular de cada época (LAKATOS & MARCONI, 1983, p.79).

Cabe ainda explicitar as partes constitutivas desta dissertação que consiste


em três capítulos, que seguem a seguinte contextualização.
O primeiro capítulo tem o objetivo de apresentar o Credo Social da Igreja
Metodista, suas bases históricas e seu desenvolvimento ao longo dos anos. Este
capítulo subdivide-se nos seguintes subitens: “Credo Social - Sua história”, onde é
apresentado o percurso histórico para o surgimento e a aplicação do mesmo. Outro
subitem, o “Credo Social – Uma leitura contemporânea”, apresenta uma leitura nas
várias edições do Credo Social destacando pontos que tratam os problemas sociais,
entre eles os causados pelo consumo excessivo do álcool como bebida. O terceiro
subitem, intitulado “Credo Social - Sua importância na vida e missão da Igreja”, é um
exercício de leitura, nos quais os passos vão se sucedendo. Aqui, em especial, fala-
se da construção de uma Igreja Metodista que surge no Brasil de colonização
Católica Romana, que, até meados do século XX, manteve-se relacionada
diretamente aos interesses de uma minoria, sustentando em sua forma de culto a
opressão e exploração dos menos favorecidos. Fechando o capítulo, o quarto
subitem, o “Credo Social – Norteador para o combate aos vícios” desenvolve uma
breve reflexão a partir do texto atual do Credo Social, destacando a ação da Igreja
15

em relação às pessoas vitimadas pelos problemas sociais, oferecendo a libertação e


a autopromoção integral.
O segundo capítulo traz uma leitura do alcoolismo até a síndrome da
dependência do álcool, interpretando os conceitos e analisando dados referentes ao
álcool como bebida. Este capítulo se subdivide em subitens também, sendo o
primeiro o “O álcool como bebida – Uma linha histórica”, onde foi pesquisado a
história referente ao consumo de álcool pelo ser humano, bem como o
reconhecimento do consumo excessivo do mesmo na forma de bebida como uma
doença e não um problema moral como se pensava antigamente. O segundo
subitem, o “Alcoolismo, doença e suas consequências”, busca conceituar o
alcoolismo como a síndrome da dependência do álcool e apresenta uma
conceituação de doença segundo a OMS e também suas consequências. O terceiro
subitem, “A Síndrome da Dependência do Álcool”, se ocupa em desenvolver um
trabalho de conceituação clínica, fundamentação científica e a importância de se
entender o conceito de dependência como forma de trabalhar a conscientização de
que a bebida alcoólica é uma substância que causa dependência. Após a
conceituação da síndrome da dependência do álcool e a identificação dos vários
danos causados pela bebida alcoólica o capítulo é encerrado com a apresentação
do subitem, “Alcoólicos Anônimos - AA - apoio a recuperação do alcoolista”, com a
finalidade de exemplificar a ação desenvolvida no grupo de apoio como uma práxis
pastoral diretamente ligada ao alcoolista em recuperação.
O terceiro capítulo, por reconhecer que a pesquisa utilizará ferramentas da
Teologia Prática apresentada por Casiano Floristan, foi dividido em três subitens,
cujo primeiro, “Práxis e Pastoral – Conceitos Norteadores”, desenvolve um breve
histórico e a conceituação de pastoral e práxis religiosa. Como a proposta é
identificar uma práxis pastoral no Credo Social da Igreja Metodista voltada aos
problemas sociais provocados pelo consumo do álcool como bebida, é apresentada
de forma sucinta, o significado etimológico de práxis, a utilização e compreensão do
termo, o conceito filosófico, e mais especificamente, seu conceito segundo Casiano
Floristan. No segundo subitem, “Igreja Metodista e suas ações diante da síndrome
da dependência do álcool”, apresenta uma leitura das ações da Igreja através das
suas publicações nos anos em que se marca efetivamente o Credo Social, 1908,
ano em que foi criado. São considerados também os anos, 1918, ano em que foi
assimilado pela Igreja Metodista no Brasil, 1930 e toda a década de 30, momento da
16

autonomia da Igreja, 1960 e toda a década de 60, momento de grandes mudanças


sociais vividas no Brasil e no mundo e 1970 e os anos subsequentes, em que
aconteceu a última alteração do Credo Social.
Neste momento foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica detalhada em
documentos da Igreja Metodista, como: Expositor Cristão - jornal mensal da Igreja
Metodista, Cartilhas publicadas pelas Juntas Gerais da Igreja que visam orientar
para a vida e missão da Igreja e a Revista Cruz de Malta, que é uma revista para
aulas da escola Bíblica Dominical, direcionada às salas de adultos. O último tópico
do capítulo busca fundamentar uma práxis pastoral voltada a síndrome da
dependência do álcool a partir do Credo Social da Igreja.
Desta forma, a pesquisa desenvolveu-se e foi apresentada, e para finalizar,
as considerações finais trazem as impressões obtidas através de todo o percurso do
trabalho e apresentam, sem a pretensão de esgotar o assunto, desafios
relacionados à práxis pastoral a partir do Credo Social com vistas ao cuidado e a
prevenção da síndrome da dependência do álcool. Tais desafios são relevantes se
possibilitarem repensar as práxis pastorais desenvolvidas pela Igreja nos dias atuais
ou até mesmo despertarem o interesse pelo tema.
17

CAPÍTULO I

CREDO SOCIAL DA IGREJA METODISTA: SUA HISTÓRIA E


DESENVOLVIMENTO

A Igreja Metodista afirma sua responsabilidade cristã pelo bem-estar integral


do ser humano como decorrente de sua fidelidade à Palavra de Deus
expressa nas Escrituras do Antigo e Novo Testamento. Esta consciência de
responsabilidade social constitui parte da preciosa herança confiada ao povo
metodista pelo testemunho histórico de João Wesley. O exercício dessa
missão é inseparável do Metodismo Universal ao qual está vinculada a Igreja
Metodista por unidade de fé e relações de ordem estrutural estabelecidas nos
Cânones (CÂNONES, 1998 - artigo 4º, p. 47).

O Credo Social em vigor foi aprovado pelo 10.º Concílio Geral em 1970/71 e
atualizado em 1997 no 16.º Concílio Geral, e tem como base um documento
semelhante elaborado em 1918 pela Igreja Metodista Episcopal do Sul (EUA). O
Credo Social pretende ser uma formulação da Doutrina Social ou da
responsabilidade da Igreja Metodista no Brasil diante das questões socais.
O Credo Social é divido em cinco partes: 1) nossa herança; 2) bases bíblicas;
3) a ordem político-social e econômica; 4) responsabilidade civil; e 5) problemas
sociais.
Sobre a “nossa herança” – A Igreja Metodista afirma sua responsabilidade
cristã pelo bem-estar integral do ser humano em obediência a palavra de Deus, que
se constitui parte da herança confiada ao povo metodista pelo testemunho de João
Wesley. O exercício dessa missão é inseparável do Metodismo Universal,
participando assim, a Igreja da unidade cristã e serviço mundial do CMI - Conselho
Mundial de Igrejas, do Ciemal (Conselho de Igrejas Evangélicas Metodistas da
América Latina e Caribe), e do Clai (Conselho Latino Americano de Igrejas), em
18

função disso mantém o lema: “Vamos unir ciência e piedade vital há tanto tempo
separadas” (IGREJA METODISTA – CÂNONES, 2007, p: 50).
2) As “bases bíblicas” – Cremos em Deus; cremos em Jesus Cristo; cremos
no Espírito Santo; cremos que o Deus único estava em Cristo; cremos no Reino de
Deus e sua justiça; cremos que o evangelho é poder de Deus que liberta
completamente todas as pessoas; cremos que a comunidade cristã universal é serva
do Senhor; cremos que são bem-aventurados/as todos os humildes de espírito, os
que sofrem, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os que praticam a
misericórdia, os simples de coração, aqueles que trabalham pela paz, que são
perseguidos por causa da justiça e do nome do Senhor. Cremos que a lei e os
profetas se cumprem; cremos que ao Senhor pertence a terra e sua plenitude;
cremos que o culto verdadeiro a Deus é o que manifesta a vivência do amor na
prática da justiça.
3) “A ordem político-social e econômica” – A plena realização da natureza
social do ser humano só é alcançada na vida em comunidade. A ordem econômica
como resultante do conjunto das atividades humanas, a necessidade da existência
do Estado para garantir a ordem social, como saúde, segurança, educação, moradia
e lazer, direitos de todo cidadão, cabe ao ser humano administrar a terra e todos os
seus recursos. A Igreja é chamada por Deus para estar em meio à comunidade e
estar a serviço dela. Nós, Igreja Metodista, consideramos a presente situação da
humanidade, como responsabilidade social, em que Deus criou os povos para uma
família universal promovendo uma reconciliação em Jesus que é fonte da justiça, da
paz e da liberdade entre as nações, tratando a causas da pobreza no mundo,
acabando com as disparidades culturais, sociais e econômicas. É importante
promover uma digna distribuição de renda. Para isto, a Igreja Metodista reconhece
os relevantes serviços prestados pela Organização das Nações Unidas na defesa
dos Direitos Humanos e recomenda como oportunos a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e o documento sobre Desenvolvimento e Progresso Social,
adotado pela Assembleia em dezembro de 1969.
4) Sobre a “responsabilidade civil” – Tem a Igreja Metodista a tarefa docente
de capacitar os membros de suas congregações para o exercício pleno da
cidadania, visando servir ao Brasil, sendo, desta forma, uma sociedade consciente
de suas responsabilidades. Neste propósito, a Igreja adota a Declaração Universal
dos Direitos Humanos criando meios para as ações políticas, proteção jurídica,
19

liberdade de expressão, fazendo com que família, igreja, associação recebam


proteção do Estado e a revelação da soberania de Deus encarnada em Jesus Cristo
sobre todas as autoridades e poderes da sociedade.
5) Os “problemas sociais” – Considerados como causa e efeito da
marginalização passiva ou ativa das pessoas estando diretamente relacionados às
carências básicas do ser humano. A Igreja Metodista considera o ser humano como
a imagem e semelhança de Deus, por isso, é digno de todos os valores e recursos.
Trata também de questões familiares como planejamento familiar, educação de
filhos, administração do lar. Tem no Evangelho recursos de natureza ética para
acolher casais sem o amparo da legislação vigente, tratar a prostituição, atender
crianças e adolescentes desamparados e/ou em situação de risco, rever as
questões das imagens, textos e outros meios que trazem prejuízos a formação
intelectual do ser humano, além de combater os vícios diversos que escravizam o
homem e a mulher e rever o tratamento dado aos reclusos em presídios. A Igreja
Metodista no tratamento dos problemas deseja: “Amar efetivamente as pessoas
caminhando com elas até as últimas consequências para a sua libertação dos
problemas e sua autopromoção integral” (IGREJA METODISTA – CÂNONES, 2007,
p: 60).

1.1 Credo Social - Sua história

Para ler a história do Credo Social é preciso voltar ao século XVIII, em


especial na Inglaterra, berço do movimento metodista, conforme escreve
Heitzenrater:
Os metodistas de Oxford, no início da década de 1730, quase todos homens
da universidade, haviam gasto boa parte de seu tempo, dinheiro e energia no
ministério de misericórdia para com o pobre – educando as crianças nos
albergues, levando alimento aos necessitados, fornecendo lã e outros
materiais com os quais as pessoas pudessem fazer roupas e outras coisas
duráveis para usar ou vender. Esta ênfase particular em ‘amar o próximo’ e
seguir o exemplo de Cristo (que ‘andou por toda a parte fazendo o bem’, Atos
10:38), continuou a caracterizar o metodismo, quando ele entrou no
reavivamento (HEITZENRATER, 1996, p. 125).

Durante muitos anos, as sociedades religiosas formadas sob as práticas


metodistas consideraram a assistência aos pobres como sendo parte de suas ações
missionárias, deixando claro que as marcas distintivas de um metodista eram “o
20

amor a Deus e o amor ao próximo”. Esta era a base da teologia prática de João
Wesley, numa busca constante em responder a questão: “Você ama e serve a
Deus”? Wesley escreve em seu diário, aos 80 anos de idade:
Nesta época do ano geralmente distribuímos carvão e pão entre os pobres da
sociedade. Mas agora considerava que precisavam de roupas também. De
modo que neste e nos quatro dias seguintes, eu andava a pé pela cidade e
mendiguei duzentas libras esterlinas, para vestir àqueles mais necessitados.
Mas era trabalho árduo, porque a maioria das ruas estavam cheias de neve
derretendo, que muitas vezes vinha até o tornozelo; de modo que os meus
pés ficavam ensopados de manhã até a tarde. Agüentei mais ou menos bem
até sábado à tarde; mas então fiquei com uma desinteria terrível (Journal, 4-
1
1-1785) .

Ainda sobre o amar ao próximo, ao escrever sobre a perfeição cristã, Wesley


insistia que os crentes não ficassem apenas na contemplação, mas, ao contrário,
que se dedicassem ao envolvimento e a prática do amor, como escreve Barbieri: “do
amor que se recebe de Deus e que deve ser exercido no contato com o próximo”
(BARBIERI, 1983, p. 9). Compartilhar o amor de Deus com o próximo era uma
exigência vivenciada por Wesley, era o meio para exercer o amor proposto por
Cristo.
A valorização do amor por Wesley pode ser vista através da sua série de
sermões denominados Sermão da Montanha. Barbieri cita as observações sobre
Mateus 5:13-16, onde Jesus diz que os discípulos devem ser “sal da terra e luz do
mundo”:
Esforçar-me-ei por mostrar que o cristianismo é essencialmente uma religião
social; e que reduzi-la tão só a uma expressão solitária é destruí-la, e que
ocultar esta religião é impossível e completamente em oposição ao propósito
do seu Autor [...] Por cristianismo ou entendo o método de adorar a Deus
como foi pregado ao homem por Jesus Cristo [...] Quando digo: esta é
essencialmente uma religião social, digo que não só ela precisa da sociedade
para existir, mas que não pode subsistir, de nenhuma forma, sem ela; isto é,
que deve viver e conviver entre seres humanos [...] É do designo de Deus
que cada cristão esteja colocado em ponto visível, de onde possa projetar luz
ao seu redor, de tal maneira que possa testemunhar claramente a natureza
da religião de Jesus Cristo (WESLEY, In: Barbieri, 1983, p. 9).

A esperança de Wesley era que as Sociedades Unidas viessem a


desenvolver ações que pudessem colaborar com costumes sóbrios e éticos no
processo de transformação da “sociedade libertina, corrompida, irreligiosa, sem
senso moral pessoal e social, onde existiam, naturalmente, exceções de nível
honroso”, conforme afirma Barbieri. A obrigação do metodista era:

1
Ação Leiga e a Preocupação Social da Igreja – 11 Estudos para os Metodistas que buscam uma participação
relevante na atualidade brasileira. Secretários Gerais da Igreja – 1962. págs. 50-51.
21

A de se abster do mal e ser fator de renovação moral e espiritual na


sociedade, compartilhando e eliminando a dor, combatendo a perversão dos
valores morais, sentindo-se, também, responsável por promover o bem estar
geral. Essa vida de disciplina rigorosa foi, durante muitos anos, bastante
rígida. Cada membro das Sociedades Unidas era examinado a respeito de
sua conduta, pelo menos, cada mês. Isto era feito na ‘classe’ ou ‘bands’
(célula) onde pertencia o membro da Sociedade. Se o membro não vivia
conforme o decoro esperado, estava sujeito a ser eliminado da Sociedade
Unida (BARBIERI, 1983, p. 10).

Wesley desenvolvia junto com os demais membros do movimento metodista


ações que visavam o bem estar e a libertação da opressão experimentada pelo povo
a sua volta. Iam a lugares que não eram frequentados pelo clero da Igreja Oficial
Inglesa, geralmente encontrados em “habitações imprestáveis, nos cárceres fétidos,
entre os condenados à morte, entre os prisioneiros de guerra, entre viúvas e órfãos,
nas escolas para as crianças pobres de ambos os sexos” (BARBIERI, 1983, p. 13).
O resultado deste trabalho era quase sempre recompensador, como escreve
Barbieri...
Acharemos, com o correr do tempo, que muitos desses pobretões,
resgatados do vício e da vadiagem, redimidos por Cristo, convertiam-se em
homens e mulheres dadivosos, ganhando honestamente tudo o que
pudessem, poupando para distribuir generosamente tudo o que fosse
possível (BARBIERI, 1983, p.13).

Por causa de suas ações e ensinamentos, Wesley chegou a ser chamado de


“o apóstolo da santidade social”, e, tinha ele uma prática coerente e de destaque
segundo descreve Josgrilberg:
A partir de uma prática coerente com sua visão, Wesley faz uma síntese nas
relações do indivíduo com a sociedade. Basta atentarmos para a amplitude
da preocupação wesleyana e sua presença social por meio da educação
(escolas, escolas dominicais, bibliotecas públicas, publicações, manuais de
ensino), atendimento médico aos carentes, socorro aos pobres (famintos,
órfãos, viúvas, desempregados), expressões públicas de indignação face à
escravidão, e muitas outras formas. O significado de indivíduo e de social no
século XVIII é anterior aos desenvolvidos pela Sociologia e pela Economia
Política. É de se ressaltar, porém, que Wesley, leitor voraz como era, lera
Hobbes, Locke, Rousseau, e tinha razoável informação dos inícios dos
estudos econômicos na Inglaterra (como, por exemplo, dos fisiocratas
ingleses) (JOSGRILBERG, 2009, p: 50).

Wesley ocupou-se em apresentar uma religiosidade que promovia as pessoas


na relação com o outro, ou seja, no social, em oposição ao sistema experimentado
em seu século, em que a cultura europeia trazia a ideia de que, embora sendo um
ente social, o indivíduo seria capaz de transcender a sociedade, assim como
apresenta Josgrilberg: “O indivíduo tipificado pela Renascença e pela Época
22

Moderna é um indivíduo com direitos próprios e contratuais, o que o torna mais um


cidadão de responsabilidade legal que, uma vez satisfeita, o libera para cuidar
exclusivamente de si” (JOSGRILBERG, 2009, p:51).
O indivíduo é o centro das relações sociais para Wesley, logo o social passa
pela socialização do indivíduo e isto se daria através da educação, cuja finalidade
era formar o indivíduo para cumprir suas funções sociais. Diante disto, a escola
torna-se o espaço de promoção do aperfeiçoamento humano para a sociedade,
conforme diz Josgrilberg.
A religião social e a santidade social, em consonância com a encarnação
social do evangelho, fazem Wesley subentender que a missão do cristão está
vinculada a uma missão de cidadania: a “reformar a nação” e o “espalhar a
santidade bíblica por toda a terra” revelam que para Wesley a nação e todas
as sociedades humanas não ficam fora do processo salvífico e estão
implicadas, por conseqüência, nele; não era uma idéia totalmente estranha ao
puritanismo que um indivíduo santo poderia fermentar toda uma nação
(JOSGRILBERG, 2009, p: 58).

O social para Wesley está no processo de socialização, ou seja, o resgate da


presença social na individualidade, o viver em grupo no grupo. Para ele, a santidade
pessoal acontece quando há também santidade social. “Processo formador e
circular que vai da sociedade ao indivíduo, especialmente por meio da educação
disciplinar e outros cuidados que a sociedade garante às pessoas (saúde, por
exemplo); e o indivíduo para a sociedade por meio de associações e grupos, que
retornam como serviços que fortaleçam a própria sociedade em sua
responsabilidade pelos indivíduos” (JOSGRILBERG, 2009, p: 61).
Antes de dar sequência nesta linha histórica segue um resumo estimativo da
obra social de João Wesley, citado por Barbieri quando escreveu sobre A Ação
Social do Metodismo Primitivo,
Wesley estava intensamente interessado em questões sociais. Isso nos
mostram os seus constantes folhetos, onde advogava medidas drásticas. No
folheto ‘Pensamento a respeito da presente escassez de provisões’,
publicado em 1773, ele descreve vividamente a miséria do povo e condena a
dissipação e o luxo como algumas das causas da escassez. Ele teria proibido
toda destilação de álcool, reprimindo por lei todo luxo, elevado os impostos
aos ricos, revisado as listas civis para eliminar todas as jubilações viciosas.
No seu folheto de 1776 sobre a guerra entre a Inglaterra e as Colônias recém
emancipadas da América do Norte, condena a maldade e a loucura de
solucionar questões internacionais por meio da guerra. A respeito das
riquezas (e o crime de conseguí-las através de meios abusivos: jogos de
azar, desonestidade, preços excessivos e concorrência desleal), ele declara:
‘Ninguém deveria obter lucros por subtrair bens do seu próximo, sem merecer
o castigo do inferno’.
A abolição da escravidão (na Inglaterra) foi o resultado do avivamento
metodista e da filantropia que inspirou por causa da ênfase que João Wesley
23

dava à doutrina da salvação universal e da igualdade de todos os homens


perante Deus. A escravidão era considerada como a soma execrável de
todas as vilezas. Uma de suas últimas cartas foi para o parlamentar inglês
Wilberforce – que estava batalhando no Parlamento pela abolição da
escravatura e quem, finalmente, obteve que assim fosse.
Ele e seu irmão (Carlos) lutaram pela reforma das prisões que eram mantidas
em condições miseráveis.
Antecipou quase todas as formas adotadas no serviço social que hoje levam
a cabo as missões urbanas do Metodismo na Inglaterra: casas para
operários, esquema de trabalho para desempregados, bancos e escritórios
para empréstimos aos pobres, consultório médicos, etc. Ele mesmo construiu,
ao longo de sua vida, com cerca de 30.000 libras esterlinas provenientes do
produto da impressão de literatura – quase toda a sua lavra. (Notas copiadas
de ‘A New History of Methodism’ Vol. I, pags. 224, 225, Hoddor and
Stoughton. London, 1909) (In: BARBIERI, 1983, p. 14-15).

O protestantismo e o individualismo cresceram juntos no Ocidente. A doutrina


da salvação por eleição divina e o conversionismo evangélico enfatizavam a
salvação individual e nela se baseavam. O Evangelho Social (Social Gospel) da
virada do século XIX para o XX foi uma reação a isso, constituindo-se na mais
significante contribuição dos EUA para o desenvolvimento da reflexão teológica e da
ação pastoral das Igrejas, assim como os movimentos comunitários que deflagraram
uma produção teológica intensa na Europa, de cuja produção a obra de Bonhoeffer2
é apenas um exemplo.
O Evangelho Social é o movimento que serviu de base para a construção do
documento que, ainda hoje, norteia as ações das comunidades cristãs frente às
questões sociais. Ele caracterizou-se por uma dupla ênfase, que são: uma função
mais ampla da Igreja e uma crítica crescente dos sistemas e ideologias da ordem
vigente. Influenciado pelo liberalismo teológico, mas distinto do mesmo em vários
aspectos, foi uma resposta à crise urbana, ocasionada pelo crescimento econômico,
pois,
Os Estados Unidos também foram palco de grandes mudanças no século
XIX. Após a Guerra de Sucessão (Guerra Civil norte-americana) e até o fim
da I Guerra Mundial, houve uma expansão muito forte do capitalismo sem
empecilho algum. Isso pode ser exemplificado com o surgimento de novas
organizações empresariais de grandes corporações, monopolizando o poder.
Com isso, também houve um crescimento demográfico rápido e
desordenado. Logo, os EUA recebem migração de diversos lugares do
mundo. Ambos se defrontaram com as igrejas despreparadas com os

2
Dietrich Bonhoeffer (Breslau, 4 de fevereiro de 1906 – Berlim, 9 de abril de 1945) foi um teólogo, pastor
luterano, membro da resistência anti-nazista alemã e membro fundador da Igreja Confessante, ala da igreja
evangélica contrária à política nazista. Sua obra mais famosa, escrita no período de ascensão do nazismo foi
"Discipulado" (Nachfolge) na qual desenvolve a polêmica acerca da teologia da graça, fundamento da obra de
Lutero. (Consultado em http://pt.wikipedia.org/wiki/Dietrich_Bonhoeffer no dia 16 de março de 2010)
24

desafios de seu tempo. As regras eram prisioneiras da ideologia dominante.


3
Isso justificava um duplo contraste social.

O Evangelho Social foi um movimento de grande importância no


protestantismo norte-americano por aproximadamente cinquenta anos (1880-1930).
Walter Rauschenbusch4 (1861-1918) foi o principal teórico do movimento. Era um
pastor batista e professor de seminário e escreveu o livro O Cristianismo e a Crise
Social, que tornou-o nacionalmente famoso em 1907.
Rauschenbusch foi responsável por trazer a tona o problema social sob
enfoque cristão no início do século XX. Sem seus escritos e discursos não seria
possível transformar a forma como os cristãos e pessoas seculares concebiam o
Reino de Deus.
O Evangelho Social pretendia dar uma resposta bíblica e cristã à situação de
abandono experimentada pelos trabalhadores e imigrantes que viviam nos cortiços
das grandes cidades. Insistia em conceitos como “a implantação do reino de Deus
na terra” e a importância de uma “sociedade redimida”. O movimento tendia a dar
uma ênfase excessiva à transformação da sociedade. Via a missão cristã no mundo
principalmente em termos de ação social e tinha um otimismo pouco realista em
relação ao ser humano, o que pode ser visto claramente na citação a seguir:
Em 1892, Rauschenbusch e alguns amigos formaram um grupo chamado A
Irmandade do Reino. A carta do grupo declara que “o Espírito de Deus está
se movendo homens em nossa geração para uma melhor compreensão da
idéia do Reino de Deus na terra”, e que sua intenção era “para restabelecer
esta idéia no pensamento da Igreja, e para ajudar na sua realização prática
no mundo”. Em um panfleto, Rauschenbusch escreveu: “Porque o Reino de
Deus foi abandonado e abrangente como o principal objetivo do cristianismo,
e sua salvação, foi substituída por ela, portanto, os homens tentam salvar
suas próprias almas e egoísmo são indiferentes para a evangelização do
5
mundo”.

José Carlos de Souza em sua palestra durante a 57ª Semana Wesleyana


discorre sobre o pensamento cristão praticado por Rauschenbusch dizendo o
seguinte:
Rauschenbusch estabeleceu uma distinção entre o que chamou de “antigo
evangelho da salvação” e “o novo evangelho do Reino de Deus”. Diz ele,
“Não se trata de levar indivíduos para o céu, mas transformar a vida aqui na
terra na harmonia do céu”. Ele expressa a restauração da antiga fé que em
3
Consultado em http://josegeraldomagalhaesjunior.blogspot.com/2008/05/ii-parte-credo-social.html no dia 10
de dezembro de 2008.
4
Walter Rauschenbusch (04 de outubro de 1861 - 25 de julho de 1918) foi um teólogo cristão e ministro batista.
Ele foi uma figura-chave no Evangelho Social movimento no EUA. (Consultado em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dietrich_Bonhoeffer no dia 16 de março de 2010)
5
Consultado http:// wikipédia.org/wiki/Walter Rauschenbusch em 16 de dezembro de 2008.
25

algum processo da história se perdeu. “O povo de Deus nunca se eximiu de


sua responsabilidade ou criação em geral, mas principalmente frente aos
excluídos, pobres, mulheres, crianças, oprimidos e rejeitados. Portanto, o
6
credo social é tido como um elemento fundamental da herança cristã”.

Rauschenbusch assume em 1897 a cátedra de História da Igreja no seminário


onde havia se formado. No exercício do magistério, seu pensamento ligado as
condições de vida das pessoas menos favorecidas tomou corpo na formação do
grupo conhecido como “Fraternidade do Reino” (Brotherhood of the Kingdom), “cujo
objetivo era difundir o compromisso social e dar a conhecer à sociedade as
condições de vida da população empobrecida” (SOUZA, 2009, p: 75).
No ano de 1907, Rauschenbusch torna-se conhecido por suas ideias e suas
propostas diante do contexto social em que vivia, através de suas obras, sobretudo
Christianity and Social Crisis (1907); For God and the People: Prayers of the Social
Awakening (1910); Christianizing the Social Order (1912); e A Theology for the
Social Gospel (1917), textos que sempre aproximaram a vida devocional a uma forte
paixão social.
Em 1908, a Igreja Metodista Episcopal [IME] formula o credo social,
“originalmente com o nome: a Igreja e os problemas sociais” (RENDERS, 2007, p:
170). Era um texto composto por três partes, a saber, a introdução que a apresenta
e explica os desafios, bem como também define, a partir do pensamento neo-
testamentário, os critérios para o trabalho. Como mensagem central, o texto destaca
onze afirmações que expressam temas ligado às condições de trabalho e do estilo
das lutas de trabalho onde “A Igreja Metodista compromete-se com direitos iguais e
justiça completa para todos os seres humanos em cada momento das suas vidas”.
Sustentar o compromisso dentro das estruturas da igreja é o último tópico do Credo
Social aprovado em 1908. Infelizmente, nos primeiros anos do século XX, as ideias
existiram somente no papel, como um documento, sendo apenas uma proposta e
não efetivamente parâmetros para um compromisso seguro diante dos problemas
sociais da época.
No ano de 1918, a Igreja Metodista Episcopal do Sul [IMES], adotou o credo e
que passou a ser difundido em solo brasileiro através dos cânones. Em 1922 o
Credo Social foi colocado na “Parte Especial” dos cânones, passando então a ser
um documento balizador da “Comissão de temperança e serviço social”.

6
Consultado http://josegeraldomagalhaesjunior.blogspot.com/2008/05/ii-parte-credo-social.html em 10 de
dezembro de 2008.
26

Durante os primeiros anos do século XX os/as metodistas brasileiros/as foram


movidos/as por um forte desejo de se constituírem em Igreja autônoma, devido ao
fato de todas as iniciativas, decisões e responsabilidades, estarem nas mãos dos
missionários norte-americanos. O processo de autonomia contou com a presença
dos/as leigos/as da igreja ao lado dos ministros brasileiros, até que no dia 02 de
setembro de 1930, foi promulgada a autonomia da Igreja Metodista do Brasil,
conforme a declaração:
Considerando que a Comissão Conjunta deu todos os passos necessários
para a convocação do Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil e
convocou o mesmo para a cidade de São Paulo em dois de setembro do ano
de nosso Senhor Jesus Cristo de 1930; Nós, os membros da Comissão
Conjunta, rendendo graças a Deus por sua direção e pelo espírito de
cooperação que reinou em nossas deliberações, declaramos aberto o
primeiro Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, e declaramos que os
membros e ministros da Igreja Metodista Episcopal do Sul, no Brasil, passam,
por este ato, a ser membros e ministros da Igreja Metodista do Brasil; que a
Igreja Metodista Episcopal do Sul deixa de existir no Brasil, e que a Igreja
autônoma, por esta proclamação, fica constituída. Cidade de São Paulo, 2 de
7
setembro de 1930.

Neste momento, ainda sofrendo a influência de um dos representantes norte-


americanos do movimento da temperança, o bispo James Cannon Junior, que teve a
oportunidade de participar do processo de autonomia, fez uma declaração dizendo
sobre a importância que o evangelho social teria sobre a Igreja autônoma:
... O bispo declarou que é de fato muito importante e significativo que na
primeira reunião pública sob a direção do seu Concílio Geral [...] a Igreja
Metodista do Brasil mostrasse enfaticamente sua atitude para com o
Evangelho social de Jesus, colocando-se assim em linha de frente com o
Metodismo desde os dias de Wesley (RENDERS, 2007, p: 171).

Após esta declaração o Credo Social passou então a ocupar a Parte I dos
Cânones da Igreja no Brasil, na secção “Das Doutrinas e Costumes”.
No ano de 1934, a Igreja Metodista era compromissada com o anúncio pleno
do Reino de Deus, e sentindo a necessidade de declarar suas atitudes e missão
perante a nação e o mundo, bem como reconhecendo sua responsabilidade na
solução dos enormes e graves problemas morais e espirituais, buscando tornar mais
clara a sua visão. Então publica em seus Cânones, no artigo 3º:
Visto que a Igreja de Deus foi devidamente comissionada para apresentar
Jesus Cristo a cada geração como o único meio de solucionar os problemas
humanos e para trabalhar a fim de que a Ele todas as coisas se sujeitem, a

7
Atas da Comissão constituinte, São Paulo, 28 de agosto a 2 de setembro. São Paulo: Imprensa Metodista, p. 15-
23; In: Caminhos do Metodismo no Brasil – 75 anos Autonomia; 2005, p. 17.
27

Igreja Metodista do Brasil considera os problemas de uma nova e justa


orientação industrial e social como um desafio à sua comissão e, por isso,
interpretando o Evangelho, tanto para o indivíduo como para a sociedade,
declara-se solidária com os demais ramos da Igreja de Cristo na defesa dos
seguintes princípios, que constituem o seu Credo Social: (IGREJA
METODISTA - CÂNONES, 1934, p: 32)

No ano de 1960, no Concílio Geral, a Igreja Metodista vinculada à sua


tradição e ao Metodismo universal inteiramente interessada no bem estar social do
povo brasileiro, reafirmava sua posição como “guardiã das liberdades humanas e da
ordem social e econômica, de acordo com os princípios cristãos” (CÂNONES, 1960,
p: 105). Diante disto apresenta suas afirmações como o Credo Social mais completo
ao longo de todo o século XX, contendo os seguintes tópicos:
I – Nossa Herança
II – Base Teológica
III – Ordem Político-social Econômica
IV – Males Sociais
V – Responsabilidades Civis
VI - Ecumenismo
VII – Proclamação – Ordem. Esta proclamação segue abaixo:
O VIII Concílio Geral que aprovou este Credo Social ordena que o mesmo
seja apresentado às igrejas, pelos pastores, ao menos uma vez por ano,
oralmente ou em forma impressa. Que em cada igreja se organize uma
classe de estudos do Credo Social e que os metodistas se esforcem para por
em prática os princípios e sugestões nele exarados. Que ministros da Igreja
Metodista por palavras e atos, prestigiem a expressão da Igreja contida neste
credo e sejam eles mesmos a encarnação destes princípios em suas
paróquias (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1960, p: 169).

Durante a próxima década a Igreja Metodista se norteou por este princípio,


sendo que em 1970, “no auge da ditadura militar os impulsos do texto da Doutrina
Social tornaram-se uma proposta encaminhada pela Junta Geral de Ação Social ao
X Concílio Geral (1970/1971)” (RENDERS, 2003, p: 65), já com uma redação mais
objetiva e com a alteração e exclusão de alguns tópicos, o X Concílio Geral da Igreja
Metodista decidiu que o Credo Social passa a expressar a Doutrina social da Igreja,
permanecendo assim até os dias atuais. Sobre a apresentação deste documento o
então secretário publica no Expositor Cristão de 15 de março de 1971 a
apresentação do mesmo, onde escreve...
CREDO SOCIAL

Apresentação
28

A Junta Geral de Ação Social da Igreja Metodista procurou realizar,


durante o último qüinqüênio, um estudo cuidadoso do Credo Social em sua
relação direta com as Escrituras e com as situações sociais novas dentro da
nossa sociedade brasileira atual.
O resultado deste estudo foi encaminhado ao X Concílio Geral da
Igreja para sua discussão e aprovação. A decisão do referido Concílio foi
além de nossa expectativa, pois deliberou o plenário que o Credo Social da
Igreja fosse incorporado à Constituição da mesma e constasse do conjunto
doutrinário que define o pensamento da Igreja Metodista em nosso País.
Ao publicarmos este documento de ética social e ao entregarmos aos
irmãos mais esta ferramenta de testemunho de nossa fé, desejamos assinalar
o fato de que alguns critérios de capital importância governaram a
reformulação do Credo Social da Igreja Metodista. Entre eles se destacam os
seguintes:
a) A necessidade de uma noção mais completa da ação de Deus,
segundo a totalidade das Escrituras, como fundamento, motivação e
propósito da ação social da Igreja;
b) A necessidade de uma concepção mais bíblica de Igreja, seu
‘locus’ na economia de Deus e sua relação com os poderes, as realidades
temporais e os problemas humanos;
c) A necessidade de uma concepção ética do mundo e do trabalho
humano, possibilitando uma atitude realista e amadurecida da Igreja para
com os valores temporais e os grandes desafios da atualidade para a Fé
Cristã.
Esperamos humildes em Deus nosso Senhor e Pai, que este esforço
da Junta Geral de Ação Social da Igreja, a experiência que ele encerra, os
seus propósitos definidos pela Palavra de Deus, seja realmente útil para o
fortalecimento de nossa fé em Jesus Cristo equipando-nos melhor para o
desempenho do ministério cristão no mundo presente.

Fraternalmente,

João P. Daronch da Silva


Secretário Geral

São Paulo, 3 de março de 1971 (EXPOSITOR CRISTÃO, 15 de


março de 1971, p. 9).

A decisão de que o Credo Social fosse incorporado à Constituição da Igreja


foi efetivada ao longo dos tempos, sendo que nos Cânones de 1970/71, 1974 e 1978
apenas mencionaram o Credo Social, não publicando o texto, sendo este publicado
separadamente.
Somente em 1982 é que, conforme dito pelo Renders, em seu artigo
publicado pela revista Caminhando nº 20, Um Precursor do PVM na época da
Autonomia, como base para a implantação do Plano Vida e Missão – PVM é que foi
impresso nos Cânones por inteiro.
Nos Cânones de 2007, o Credo Social vem na Parte Geral e ocupa sozinho o
terceiro capítulo, sendo o Artigo 4º - “A doutrina social da Igreja Metodista se
expressa no Credo Social, objeto de decisão do X Concílio Geral, conforme segue”
29

(IGREJA METODISTA - CÂNONES, 2007, p:49), sendo assim um documento que


deva ser estudado e praticado pela Igreja.

1.2 Credo Social – Uma leitura contemporânea

Sendo a ideia central na construção do Credo Social a condução dos cristãos


a uma prática voltada ao exercício do amor, em que o respeito à vida humana é o
elemento norteador das ações de uma comunidade de fé, no caso a Igreja
Metodista. Desta forma penso que cabe ler os textos publicados a seu tempo e tecer
alguns comentários sobre os mesmos.
Antes, porém, quero conceituar o termo pastoral, uma vez que no contexto
brasileiro segundo Silva, “a pastoral deixa de ser uma ação do povo de Deus voltada
para dentro da comunidade, para ser uma ação do povo no espaço maior, onde
eventos acontecem na realidade cotidiana” (SILVA, 2003, p: 80). “É uma ação
intencional, sistemática e organizada coletivamente. É fruto do esforço missionário
da Igreja que busca mudanças, vislumbrando novos tempos na perspectivas do
Reino messiânico de Deus” (CASTRO, 2000, p: 105).
Com enfoque seguem as várias versões do Credo Social da Igreja Metodista,
a partir da versão do Credo Social8 do Conselho Federal de Igrejas [dos EUA] de
1908, traduzida por José Carlos de Souza e publicada pela EDITEO9, na seção de
documentos do texto Sal da Terra e Luz do Mundo – 100 Anos do Credo Social
Metodista.
Credo Social do Conselho Federal de Igrejas [Dos EUA] 1908

Nós julgamos como dever de todo o povo cristão preocupar-se diretamente


com certos problemas industriais práticos. Para nós, parece que as Igrejas
devem lutar:

• Por direitos iguais e justiça completa para todos os homens em todas


as posições da vida. (1)
• Pelo direito de todos os homens à oportunidade de auto-sustento, um
direito que deve ser sempre, sábia e fortemente, assegurado contra
usurpações de todo tipo.

8
Tradução: José Carlos de Souza, provavelmente, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs de 1908. O Credo
Metodista original contém as partes 1 a 9 mais uma aplicação da Regra Aurea METHODIST EPISCOPAL
CHURCH. The Doctrine and Discipline of the MEC. New York/Cicinnati: 1908, p. 479-481 [§59 / The Church
and the social problems]. In: Sal do Mundo e Luz da Terra – 100 Anos do Credo Social Metodista, São Bernardo
do Campo - SP, 2009, p. 167.
9
Editora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista
30

• Pelo direito dos trabalhadores a certa proteção contra as privações


resultantes da repentina crise da mudança industrial.
• Pelo princípio de conciliação e arbítrio nos conflitos industriais. (2)
• Pela proteção do trabalhador contra máquinas perigosas, doenças
ocupacionais, enfermidades e mortalidade. (3)
• Pela abolição do trabalho infantil. (4)
• Pela regulamentação das condições de trabalho para mulheres como
salvaguardar necessária à saúde física e moral da comunidade. (5)
• Pela supressão do “sistema de exploração”. (6)
• Pela redução gradual e racional das horas de trabalho ao ponto prático
mais baixo e para aquele grau de lazer para todos, que é condição
para a vida humana mais elevada. (7)
• Pela liberação de um dia de trabalho em sete. (8)
• Por um salário suficiente à vida, como o mínimo em toda indústria, e
pelo mais elevado salário que cada indústria possa pagar. (9)
• Pela divisão mais equitativa dos produtos da indústria que puder,
enfim, ser divisada.
• Pela provisão apropriada para trabalhadores idosos e para aqueles
incapacitados em acidentes.
• Pela redução da pobreza.

Aos trabalhadores da América e aqueles que, pelo esforço organizado, estão


buscando aliviar as cargas esmagadoras dos pobres, e reduzir as privações e
sustentar a dignidade do trabalho, esse conselho envia a saudação de
fraternidade humana e a penhora de simpatia e de ajuda numa causa que
pertence a todos que seguem a Cristo.

O conteúdo do texto é explicito. É um texto voltado às melhores condições de


trabalho, melhor salário, melhores condições de vida para os trabalhadores,
erradicação do trabalho infantil e condições dignas de trabalho para as mulheres. É
um texto direcionado aos trabalhadores da América com vistas a obter, através da
presença pastoral, dignidade no trabalho para os cristãos.
A partir deste texto, a Igreja Metodista Episcopal Sul, em 1918, publicou o
Credo Social (ANEXO A), em que considerava o seu compromisso e sua
responsabilidade em “interpretar a Jesus e seu Evangelho” a todas as gerações.
Diante do processo de industrialização e a forma com que este impactava a vida
humana, era necessário que a Igreja atuasse diretamente no contexto social, como
diz o parágrafo introdutório:
Considerando que a Igreja de Deus está divinamente comissionada a
interpretar a Jesus Cristo e seu evangelho a cada geração sucessiva e a
trabalhar a fim de que todas as coisas sejam trazidas à Sua sujeição; e
considerando que os problemas de um novo ajuste industrial e redenção
social que esta geração é forçada a considerar constituam um desafio à Igreja
para asseverar o senhorio de Jesus Cristo na vida social, bem como na vida
individual, para interpretar o evangelho a esta geração em termos sociais,
bem como em termos individuais; logo, estamos ao lado de nossos irmãos,
31

representados no Concílio Federal das Igrejas de Cristo na América,


10
batalhando:

A Igreja Metodista Episcopal Sul ao redigir o Credo, além de manter a


preocupação com as questões do trabalho, como o Credo do Conselho Federal de
Igreja, ela sinaliza a responsabilidade social com a família, a criança, a mulher, as
ações que provocam a pobreza e promove o direito à dignidade na vida humana, o
amparo aos idosos, a moradia e a saúde.
Por ser objeto desta pesquisa e também por ter sido publicado dentro do
contexto da “Lei Seca”11, cuja a preocupação do governo era o de proibir a
fabricação, a venda, o transporte, a importação e a exportação de bebidas
alcoólicas, quero destacar o item 7 do Credo Social da Igreja Metodista Episcopal
Sul, que apresenta a bebida alcoólica com causadora de danos ao indivíduo,
afirmando que a Igreja, comunidade de fé, tem responsabilidade diante do mal
causado pelo consumo excessivo de bebida alcoólica.
7. Pela proteção do indivíduo e da sociedade contra os danos sociais,
12
econômicos e morais de negócio em bebidas alcoólicas.

Indicar no Credo Social uma ação contrária aos danos sociais causados pela
bebida alcoólica era na verdade uma forma de proporcionar a manutenção dos bons
costumes e moral religiosa.
A Igreja Metodista do Brasil, a partir de sua autonomia no ano 1930, manteve
a sua preocupação com as questões sociais, fato que poder ser observado no
discurso do bispo James Cannon Junior13 com o tema A Igreja e o Evangelho Social,
especialmente quando afirma que o amor fraternal e base para a transformação da
sociedade, que deve ser aplicado em todas as relações industriais, internacionais e
sociais, declara também que:
É de facto muito importante e significativo que na primeira reunião publica sob
a direcção do seu Concílio Geral (...), a Igreja Methodista do Brasil mostrasse

10
IGREJA METHODISTA EPISCOPAL, SUL. Doutrinas e Disciplinas da Igreja Methodista Episcoal, Sul,
1918. Edição brasileira. São Paulo: Casa Publicadora Methodista, 1919, p. 404-405 [§808]. Versão adaptada ao
português atual.
11
O aditamento à Constituição norte-americana, (art. XVIII, seção I) aprovado em 17 de dezembro de 1917 e
ratificado em 29 de janeiro de 1919, conhecido como a "Lei seca", que proibiu o fabrico, a venda, o transporte, a
importação e a exportação de bebidas alcoólicas. (Consultado em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3251 em 27 de abril de 2010).
12
IGREJA METHODISTA EPISCOPAL, SUL. Doutrinas e Disciplinas da Igreja Methodista Episcoal, Sul,
1918. Edição brasileira. São Paulo: Casa Publicadora Methodista, 1919, p. 404-405 [§808]. Versão adaptada ao
português atual.
13
Bispo James Cannon Junior, bispo presidente do I Concílio Geral da Igreja Metodista, de 28 de agosto a 2 de
setembro de 1930, Concílio que declarou a autonomia da Igreja Metodista do Brasil.
32

emphaticamente sua atitude para com o Evangelho social de Jesus,


colocando-se assim em linha de frente com o Methodismo desde os dias de
Wesley. (IGREJA METODISTA DO BRASIL. Actas da Comissão Constituinte,
1930) (In: RENDERS, 2003, p. 61).

Este pensamento permeou as ações da nova Igreja até que em 1934, o 2º


Concílio Geral da Igreja Metodista no Brasil viesse a publicar em suas Atas, o texto
apresentado pelo Presbítero Hugh Clarence Tucker14 e aprovado no dia 16 de
janeiro de 1934, que declara a sua atitude e sua missão frente aos problemas
morais e espirituais que impactam as relações sociais na nação brasileira e no
mundo.
A Atitude da Igreja Metodista do Brasil perante o Mundo e a Nação15 (ANEXO
B), descreve a postura e a consciência da Igreja diante dos problemas sociais, onde
a Igreja reconhece as dificuldades e as limitações para a atuação e apresenta a
necessidade de estudar os problemas sociais contemporâneos e manter-se
informada sobre as transformações sociais e industriais. Define que sua contribuição
frente aos problemas sociais é a facilitação no processo de compreensão dos
acontecimentos afirmando que:
A visão do Reino de Deus deve elevar-nos acima das correntes da história e
das mudanças complexas do mundo de modo que, com vistas elevadas,
possamos observar os interesses humanos antagônicos e voltar novamente
ao seio da vida humana para fazer a nossa parte pela cristianização da
ordem social com nova coragem e fé renovada. Combatemos a tentação de
fugir da vida, com seus problemas e lutas para nos enclausurarmos na
religião pessoal.
Confiantes de que os valores supremos que determinam a vida do mundo são
éticos e espirituais levamos aos homens e mulheres as boas novas do
Evangelho, que são o remédio das nações (IGREJA METODISTA -
CÂNONES, 1934, p: 96).

Deixava claro que a atuação da Igreja era com base nos ensinamentos
cristãos e na expansão da pregação do Evangelho na nação e no mundo.

14
Hugh Clarence Tucker (1857-1956) Gastou a maior parte de sua operosa vida no Brasil. Um dos homens
fortes da Igreja Metodista, gozava da confiança da Junta de Missões e do bispo John Cowper Granbery, o
primeiro bispo metodista a vir ao Brasil (1886), de quem era genro. Representava a Junta de Missões em
reuniões mundiais e no Brasil e era uma das figuras mais importantes do movimento ecumênico no mundo. No
dia 16 de setembro de 1886, Tucker, juntamente com James L. Kennedy e John William Tarboux, fundou a
Conferência Anual Brasileira. No ano seguinte, com quase dois anos à frente de uma igreja onde congregava-se a
colônia norte-americana, no Rio de Janeiro, aceitou o convite e foi nomeado secretário da Sociedade Bíblica
Americana, com escritório nesta cidade. Sua incumbência: divulgar a Bíblia Sagrada, pois, às vésperas da
Proclamação da República, o campo, em breve, estaria aberto às missões protestantes. Consultado em
http://www.metodistavilaisabel.org.br/artigosepublicacoes/descricaobiografias.asp?Numero=587 no dia 20 de
abril de 2010
15
Reconhecer a responsabilidade na solução dos enormes e graves problemas morais e espirituais que defrontam
a nação e o mundo, sob as forças divinas para a execução da tarefa era o principal objetivo do texto.
33

Por outro lado, os Cânones de 1934 apresentam logo no seu início o Credo
Social da Igreja Metodista do Brasil (ANEXO C), junto com os Artigos de Religião16 e
as Regras Gerais17 (ANEXO D), no capítulo Das Doutrinas e Costumes, secção III.
Um texto que funde princípios e apresenta uma postura mais abrasileirada na forma
de interpretar o compromisso da igreja com os problemas sociais.
Art. 3 - Visto que a Igreja de Deus foi devidamente comissionada para
apresentar Jesus Cristo a cada geração como o único meio de solucionar os
problemas humanos e para trabalhar a fim de que a Ele todas as coisas se
sujeitem, a Igreja Metodista do Brasil considera os problemas de uma nova e
justa orientação industrial e social como um desafio à sua comissão e, por
isso, interpretando o Evangelho, tanto para o indivíduo como para a
sociedade, declara-se solidária com os demais ramos da Igreja de Cristo na
defesa dos seguintes princípios, que constituem o seu Credo Social: (IGREJA
METODISTA DO BRASIL - CÂNONES, 1934, p.32).

As publicações nas Atas do Concílio Geral e os Cânones de 1934,


expressam um desejo de estudar o assunto e também de agir na busca de soluções
para os problemas sociais. Esta postura norteou os passos da Igreja durante 26
anos, antes de uma nova reformulação, que aconteceria em 1960. Neste intervalo
em 1946 é criada a Ordem das Diaconisas para a obra educativa, social e
evangelizante da Igreja.
No ano de 1960, o Credo Social foi completamente reformulado, além de ter
sido transferida sua alocação nos Cânones, onde nas versões anteriores era
inserido na parte Das Doutrinas e Costumes, agora é colocado no final como anexo.
Construído em sete tópicos, sendo que seis estão diretamente ligados a participação
dos metodistas na realidade da nação e do mundo nesta década, cabia a Igreja

16
Os artigos da Religião é um termo normalmente utilizado para os padrões da doutrina da Igreja Metodista
Unida. Os artigos resultam da abridgment dos Trinta e nove artigos da Igreja da Inglaterra por John Wesley
preparados para utilização no American Igreja Metodista Episcopal organizado em 1784; Wesley reduziu o
Trinta e nove artigos de vinte e quatro. O organizando uma conferência aditado o vigésimo quinto artigo (artigo
23 º) expondo as relações da Igreja com o recém-formado governo americano. Este artigo substituído artigo
XXXVII do Livro de Oração Comum, uma declaração da autoridade do monarca britânico durante a Igreja,
sabiamente, que Wesley tinha omitido a partir da sua lista. Consultado em http://mb-
soft.com/believe/tthm/methodar.htm no dia 28 de abril de 2010.
17
Embora esquecidas ou nem mesmo conhecidas pela população de nossa Igreja, as REGRAS GERAIS
constituem-se numa importante recomendação para os que assumem o nome de metodistas. Elas surgiram no
início do Movimento Metodista, mais propriamente logo depois do aparecimento das primeiras sociedades.
Como todos eram membros da Igreja Anglicana, essas sociedades agrupavam, para estudos bíblicos,
confraternização e ajuda mútua, todos aqueles que estavam apreciando a mensagem de João Wesley e de seus
auxiliares diretos. Na realidade, embora houvesse a recomendação de participação nos cultos da Igreja
Anglicana, as sociedades funcionavam como uma espécie de congregação ou igreja local. Nas primeiras
sociedades, o contato íntimo e freqüente entre Wesley e os membros das sociedades, não fez necessário o
estabelecimento de regras. Consultado em http://www.metodistavilaisabel.org.br/docs/REGRAS-GERAIS-
Bispo-C%C3%A9sar.pdf no dia 28 de abril de 2010.
34

rever detalhadamente sua posição frente às questões sociais em que estava


inserida.
O Credo Social da Igreja Metodista do Brasil – 1960 (ANEXO E), apresenta a
Herança recebida do metodismo norte-americano e também de John Wesley, além
de conclamar “todos os seus adeptos a colocar toda sua vida, suas atividades, suas
posses e suas relações de conformidade com a vontade de Deus” (IGREJA
METODISTA - CÂNONES, 1960, p: 234). Sua Base Teológica é definida a partir dos
ensinos de Jesus que nos ordena a amar ao próximo como a nós mesmos, além de
afirmar suas crenças em Deus, em Jesus como seu único Filho e também no ser
humano como descendência de Deus, além de tratar das questões patrimoniais
como sendo todas oriundas de Deus e por isto ao homem é dada a tarefa de
administrar de forma justa os bens para que sejam sempre usados a serviço de
Deus. No que diz respeito a Ordem Política, o texto afirma que a Igreja Metodista
não identifica o cristianismo com nenhum sistema político-social e econômico e
manifesta sua leitura em relação ao processo de urbanização e as crises que este
processo traz consigo, como as ações voltadas a habitação, saúde, educação, lazer,
condições de trabalhos e salários dignos, como também a necessidade de manter o
apoio a população que permanece na zona rural, e, para orientar a Igreja o texto
apresenta 23 itens; sobre os Males Sociais o texto define:
Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações do erro, da
ignorância, do pecado, que deturpam a personalidade, arruínam a vida e
trazem mal-estar pra a comunidade.
A Igreja Metodista do Brasil sempre se opôs a eles, combatendo-os
veementemente: pela palavra falada e escrita, pelas atitudes e ações. A
abstinência e a posição histórica de nossa igreja.
Não se coadunam, pois, com o sistema de vida que pregamos e vivemos: o
alcoolismo, tabaquismo, os narcóticos de qualquer natureza, assim também a
prostituição, a má literatura, o jogo de azar, a guerra e a pena de morte e tudo
mais que destoa, de acordo com espírito do ensino de Jesus.
No tratamento dos males sociais temos por norma: combater tenazmente o
mal e amar profundamente o ser humano atingido por ele, propiciando-lhe os
meios de redenção e recuperação (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1960,
p: 238).

Na sequência trata das Responsabilidades Civis e ressalta que os membros


da Igreja sejam instruídos a usufruírem dos seus direitos e cumprirem com seus
deveres de cidadãos/ãs levando ao convívio social a contribuição do Evangelho.
Também afirma seus princípios diante do Ecumenismo, uma vez que “o metodismo
sempre se caracterizou pelo espírito ecumênico, pela tolerância e respeito à opinião
alheia”. E, no seu último tópico ordena Nossa Ordem – Ler, Estudar, Aplicar:
35

O VIII Concílio Geral que aprovou este Credo Social ordena que o mesmo
seja apresentado às igrejas, pelos pastores, ao menos uma vez por ano,
oralmente ou em forma impressa. Que em cada igreja se organize uma
classe de estudos do Credo Social e que os metodistas se esforcem para por
em pratica os princípios e sugestões nele exarados. Que ministros da Igreja
Metodista por palavras e atos prestigiem a expressão da Igreja contida neste
credo e sejam eles mesmos a encarnação destes princípios em suas
paróquias (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1960, p: 241).

Não se tem registros de que o Credo Social de 1960 tenha sido base como
ação pastoral a partir da ordem nele contida. No ano 1968, a Junta Geral de Ação
Social, publica o texto Doutrina Social, instrumento para revisar o Credo Social. Este
buscou entre outras questões responder:
Como viver na sociedade atual? Como praticar a justiça visando o bem
comum? Como organizar uma sociedade que ministre às necessidades
fundamentais do homem, que sirva o homem em vez de procurar ser servida
pelo homem transformado em objeto, em coisas? (...) Que significa a
presença da Igreja nessa situação? Qual a missão dos cristãos num tempo
como este? Estamos disponíveis à Palavra de Cristo para este tempo?
(DOUTRINA SOCIAL, 1968, p: 4).

Diante do trabalho desenvolvido o texto da Doutrina Social foi encaminhado


pela Junta Geral de Ação Social e tornou-se proposta ao X Concílio Geral
(1970/1971), sendo aceito, e, no texto dos Cânones ele é indicado como segue:
Art. 4º - A doutrina social da Igreja Metodista se expressa no Credo Social, já
publicado em separado, objeto de decisão do X Concílio Geral (IGREJA
METODISTA - CÂNONES, 1974, p. 88).

Ou seja, o Credo Social da Igreja Metodista – 1970 (ANEXO F), é publicado


em separado aos Cânones da Igreja, apresenta uma conotação voltada ao bem
estar, a dignidade e a promoção da vida. O texto não traz a ordem para que seja
lido, estudado e aplicado, porém é claro e abrangente:
A Igreja Metodista não só deplora os problemas sociais que aniquilam as
comunidades e os valores humanos, mas orienta a seus membros no
tratamento dos problemas dentro das seguintes normas e critérios:
a) Propugnar por mudanças estruturais da sociedade que permitam a
desmarginalização social dos indivíduos, grupos e das populações;
b) Trabalhar para obter dos que já desfrutam das oportunidades normais de
participação sócio-econômica e cultural e dos que têm a responsabilidade do
poder diretivo da comunidade, uma mentalidade de compreensão e de ação
eficaz para erradicação da marginalidade;
c) Oferecer às pessoas vitimadas pelos problemas sociais a necessária
compreensão, o apoio econômico e o estímulo espiritual para sua libertação,
a orientação individualizada, respeitando sempre a sua autodeterminação;
d) Pautar-se em normas técnicas atualizadas e específicas a cada situação -
problema, no tratamento das mesmas, utilizando os recursos comunitários
especializados;
e) Amar efetivamente as pessoas caminhando com elas até as últimas
conseqüências para a sua libertação dos problemas e sua autopromoção
integral (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 2007, p: 60).
36

O texto é menos entusiasta do que o texto de 1960, como disse, não ordena,
aponta as questões e defini as crenças, mas não propõe ações, transformação, não
há uma intencionalidade clara. É um texto rico em detalhes, erudito e distante da
realidade social em que as igrejas locais estão inseridas. Um dos destaques é que o
item que trata do Ecumenismo é excluído. No entanto, é possível afirmar a influência
de seu conteúdo na elaboração dos Planos Quadrienais e posteriormente no Plano
Para a Vida e Missão da Igreja aprovado no XIII Concílio Geral, que aconteceu de
18 a 28 de julho de 1982 em Belo Horizonte, quando foi novamente impresso na
integra nos Cânones da Igreja.
É desse período o trabalho Doutrina Social da Igreja Metodista do Brasil
(1968), o famoso “livrinho lilás” editado por João Parayba Daronch da Silva,
na época secretário-executivo da Junta Geral de Ação Social. O Credo Social
da Igreja, aprovado pelo Concílio Geral de 1960 e reafirmado em 65
acompanhado de comentário, é o conteúdo central dessa publicação, que
apresenta uma síntese da herança e da base teológica metodista, uma
avaliação da ordem político-social-econômica, dos males sociais, das
responsabilidades civis e uma visão do espírito ecumênico que caracteriza o
metodismo. Em 1971, uma nova versão do Credo Social foi aprovada pelo
Concílio Geral da Igreja Metodista. Todo esse processo vai ser reafirmado no
Plano para a Vida e a Missão, com as devidas revisões e ampliação de
horizontes (RIBEIRO & LOPES, 2002, p: 11).

Após esta data, o Credo Social ao lado do PVMI eram vistos como textos
básicos da Igreja Metodista no Brasil. Nos anos seguintes, o Credo Social sofreu
pequenas revisões, e o texto que encontramos nos Cânones da Igreja Metodista
2007, mantém praticamente o mesmo teor de sua aprovação em 1970/71.

1.3 Credo Social - Sua importância na vida e missão da Igreja

Apresentar a importância do Credo Social na vida e missão da Igreja é, na


verdade, um exercício de leitura, aonde os passos vão se sucedendo, em especial
na construção de uma Igreja Metodista, que surge em um país de colonização
Católica Romana, que até meados do século XX, manteve-se relacionada
diretamente aos interesses de uma minoria, sustentando em sua forma de culto a
opressão e exploração dos menos favorecidos.
37

O artigo Expansão da Fé e do Império luso: principal meta do descobrimento,


de Frederico R. Abranches Viotti, publicado pela revista Catolicismo18 em
comemoração aos 500 anos do Brasil, apresenta detalhes da intenção do império
português de não só expandir seus negócios com a Índia, como também, converter
os povos encontrados pelos navegantes. Neste artigo, o autor descreve detalhes da
preparação para o envio da expedição que chegaria às margens da terra de Vera
Cruz, de frente para o Monte Pascoal. No dia oito de março de 1500 reuniu-se, na
capela da Ermida de São Jerônimo, na cidade de Lisboa, toda a corte e os membros
da expedição que iriam sair em viagem para a celebração da missa a Nossa
Senhora de Belém, onde:
Após o Sermão, pronunciado à luz de tochas, D. Diogo benzeu uma bandeira
de Ordem de Cristo – Ordem Militar originária dos Cavaleiros Templários da
Idade Média – e, retirando-a do centro do altar, a entregou a El-Rei. D.
Manuel passou-a então a Pedro Álvares Cabral, colocando-lhe também na
cabeça uma barrete bento, que o Papa lhe mandara. Depois, fez-se uma
solene procissão de relíquias e cruzes para acompanhar Cabral ao batel que
o levaria à sua nau – a nau capitânia. Seguiu à frente o Bispo, ladeado dos
acólitos e precedido do porta-cruz e dos capitulares; acompanhavam-no os
freires de Cristo, com as tochas na mão. El-Rei faz as recomendações finais.
Elevam-se estandartes e bandeiras. Retinem e silvam trombetas, atabaques,
flautas e rufam os tambores. No dizer de João Barros “não parecia mar, mas
campo de flores, com a prol daquela mancebia juvenil, que embarcava”
(CATOLICISMO, 2000, p:22).

Após a celebração e a partida da expedição, o mesmo artigo trata do clima


religioso a bordo, da inspiração da Páscoa como primeira denominação no Brasil e
também descreve detalhes da missa no nascimento da nação. Sobre a primeira
missa escreve Viotti:
Convocada toda a tripulação, fez-se um enorme cortejo de mais de 1000
homens. “cantando em maneira de procissão”, com os estandartes da Ordem
de Cristo bem erguidos à sua frente, os homens seguiram até o local “onde
nos parecera melhor fincar a Cruz, para ser melhor vista”. Vários índios logo
se juntaram à procissão e ajudaram a carregar a Cruz diante da qual renovar-
se-ia o Santo Sacrifício do Calvário, ato que ficou imortalizado na História
como A Primeira Missa.
Após a celebração, Frei Henrique distribuiu várias cruzes de estanho aos
indígenas: “pelo que o padre Frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a
um por um, lançava a sua [cruz] atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha
primeiro beijar e alevantar as mãos” (CATOLICISMO, 2000, p: 25).

18
CATOLICISMO publicação mensal da Editora Padre Belchior de Pontes LTDA. Que tem como jornalista
responsável a Jornalista Mariza Mazzilli Costa do Lago, registrada na DRT-SP sob o nº 23228.
38

Também na edição comemorativa dos 500 anos do Brasil da revista Voz


Missionária19, o jornalista Percival de Souza, escreve um artigo com o nome O Brasil
Encoberto, trazendo-nos a memória a primeira celebração religiosa em solo
brasileiro, e diz: “A gente pode imaginar o desembarque, a missa celebrada por
Coimbra, a cruz feita de pau-brasil. A poeira da História atravessa a noite dos
tempos e completa 500 anos”20, lembrando-nos da presença dos cristãos Católicos
Romanos já na chegada dos europeus em nossas terras.
No mesmo artigo, O Brasil Encoberto, já escrevendo para o nosso século,
Percival escreve:
“A riqueza primitiva, pau-brasil, quase acabou-se. Tem de ser substituída pela
luz e pelo sal do evangelho, pelo amor e pela paz, pela solidariedade e
testemunho, pela vontade de mudar e transformar, pelo destemor de
converter e dignificar. Sentimentos que são vontade do Senhor, expressa nas
21
Sagradas Escrituras”.

Os trabalhos metodistas no Brasil no início do século XX, realizado através


das missões da Igreja Metodista Episcopal do Sul – IMES se deu primeiro com os
migrantes norte americanos, alemães e italianos. Porém, o interesse era em
conquistar os “nativos” de fala portuguesa, que por sua vez, era a porção pobre da
população brasileira, geralmente trabalhadores rurais, residentes nas fazendas,
chácaras e sítios. Além destes, embora não tenham registros de trabalhos
específicos voltados à evangelização dos escravos recém libertados, Reily escreve
que “os metodistas não realizaram nenhum trabalho entre os escravos negros”
(REILY, 1990, p. 73). Mesmo assim há evidências de uma significativa presença de
negros nas igrejas metodistas, como escreve:
Mas se não houve nenhum trabalho metodista entre os escravos e, depois da
emancipação, nenhuma missão específica aos negros, há evidência de um
significativo peso de negros nas congregações metodistas, o que sugere uma
ligação estreita entre cor e pobreza (REILY, 1990, p. 74).

Os metodistas eram na verdade trabalhadores rurais, onde as mulheres


trabalhavam lado a lado com seus maridos, crianças e jovens lidavam na lavoura
auxiliando na produção do sustento familiar. Embora o nome das paróquias ou
19
Voz Missionária é uma publicação trimestral da Igreja Metodista destinada às Sociedades Metodistas de
Mulheres e às famílias em geral sob a responsabilidade da Confederação das Sociedades Metodistas de
Mulheres. Registrada no 1º Oficial de Registro de títulos e documentos e cível de pessoas jurídicas sob o nº 483
livro B nº 1 de matricula de oficinas impressoras, jornais, revistas e outros periódicos. Fundada em 18 de
setembro de 1929.
20
Voz Missionária, Ano 70 – I Trimestre de 2000, p. 20, 2000.
21
Voz Missionária, Ano 70 – I Trimestre de 2000, p. 21, 2000.
39

circuitos fossem dados em conformidade com as cidades, os trabalhos eram


geralmente rurais, como escreve Reily:
O nome do circuito geralmente é de uma cidade, quando, na realidade, era
comum que grande parte dos membros morava na zona rural. O Presbítero
Presidente escreveu sobre o trabalho metodista, em Capivari, SP, assim:
‘Sempre insisti com os obreiros na necessidade de enfatizar o trabalho nas
partes rurais, pois são de longe as mais prometedoras. O povo da cidade é
tão indiferente’ (REILY, 1990, p. 74).

Neste mesmo período encontramos a existência de duas Igrejas com


características urbanas, uma no Rio de Janeiro e outra em Belo Horizonte. A do Rio,
localizada no bairro do Jardim Botânico era uma igreja voltada a operários da
indústria têxtil e a de Belo Horizonte, uma igreja que por muitos anos se reuniu em
uma residência um pouco melhor do que um casebre compostas por militares. Disto
podemos concluir que ambas eram Igrejas de trabalhadores/as dos centros urbanos.
Duncan Alexander Reilly escrevendo sobre Os Metodistas no Brasil (1889-
1930) diz: “Enquanto o metodismo fazia sua penetração no meio dos pobres, os
quais constituíam a grande massa da população brasileira, ele percebia claramente
que havia outras classes que deveriam ser atingidas, as classes dominantes ou
dirigentes, os ricos, os intelectuais” (REILY, 1990, p: 75). No início o trabalho com as
classes dominantes se deu através da educação, e fora implantado com vistas a
proporcionar, mesmo que sem a conversão, o ensino de princípios éticos cristãos
aqueles/as que governariam os caminhos da nação.
No tempo da autonomia da Igreja, é importante destacar o surto nacionalista
com manifestações sócio políticas de nosso país, como por exemplo, o tenentismo
na década de 20. Outro ponto a destacar é a condição sócio econômica da liderança
clériga e leiga da Igreja composta de uma nova classe média. Isto acontece
concomitantemente com acontecimentos marcantes na História do Brasil. O
Professor Rui de Souza Josgrilberg afirma que “Está nas veias do metodismo
wesleyano ligar a mensagem aos problemas sociais pátrios e mundiais. Wesley
vinculou a evangelização ao trabalho de superar os vícios e os males sociais do
povo inglês e à construção de uma Inglaterra mais justa, mais cristã, mais livre e
melhor. No Brasil esta preocupação pela pátria veio no bojo do projeto liberal
missionário” (JOSGRILBERG, 1990, p: 125).
A Igreja autônoma que surge como Igreja Metodista do Brasil nos anos 30 é
diretamente relacionada a este contexto. Sendo assim, identificar a prática social por
40

ela realizada ao longo dos tempos é uma tarefa que se dá através do compreender
claramente os eventos ocorridos a partir da realidade humana. O Rev. Hugh
Clarence Tucker no texto sobre a “Atitude da Igreja Metodista do Brasil perante o
Mundo e a Nação”, por ele apresentado ao II Concílio Geral no ano de 1934 e
aprovado no dia 16 de janeiro de 1934, discorre sobre os:
Problemas Sociais
Não podemos deixar de manifestar a consciência cristã perante os problemas
sociais, econômicos e industriais. O misticismo isolado da sociedade,
indiferente aos sofrimentos do homem, não serve para o mundo moderno. O
Evangelho que nós pregamos é uma força social transformadora.
Combatemos o materialismo, o amor ao lucro, a avareza, o nepotismo, o
egoísmo. Urge que os raios X dos ensinos de Jesus penetrem o íntimo de
nossa civilização. O amor deve ser aplicado em todas as organizações da
vida humana e a religião, a força centralizadora da vida diária.
Reconhecemos a grande dificuldade que há na solução dos graves
problemas sociais e a necessidade dos conselhos de técnicos especializados
nos respectivos assuntos. É nosso dever, todavia, estudar os problemas
sociais contemporâneos e estar informados das transformações sociais e
industriais que se realizam hoje. Este vasto campo exige pesquisas e
educação especializada. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para
estudar tais questões à luz da ciência. A contribuição especial da Igreja no
campo social é perfeitamente clara: é a de facilitar uma compreensão mais
viva dos acontecimentos e dar uma perspectiva mais larga e mais clara em
meio da confusão reinante. A visão do Reino de Deus deve elevar-nos acima
das correntes da história e das mudanças complexas do mundo de modo
que, com vistas elevadas, possamos observar os interesses humanos
antagônicos e voltar novamente ao seio da vida humana para fazer a nossa
parte pela cristianização da ordem social com nova coragem e fé renovada.
Combatemos a tentação de fugir da vida, com seus problemas e lutas para
nos enclausurarmos na religião pessoal. Confiante em que os valores
supremos que determinam a vida do mundo são éticos e espirituais, levamos
aos homens as boas novas do Evangelho, que são o remédio das nações
(IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1934, p: 95-97).

O Credo Social, como doutrina social da Igreja Metodista, tem sido o


parâmetro utilizado para a leitura-interpretação e também como elemento base para
responder às realidades sociais onde está inserida a Igreja local, nos bairros, nas
vilas e cidades. Josué Adam Lazier, afirma que o Credo Social é a "formulação e
concepção da responsabilidade da igreja e sua membresia, frente à sociedade e as
questões que a envolvem” (LAZIER, 2008, p:106), em que as Bases Bíblicas se
apresentam como um texto litúrgico fazendo com que se evidenciem a compreensão
que a Igreja tem de mundo e sua responsabilidade diante das questões sociais.
A ideia principal que sustenta a importância do Credo Social, elaborada no
ano de 1930, a partir da aceitação do Credo Social da Igreja Metodista Episcopal Sul
como parte de sua base eclesiológica é:
41

Visto que a Igreja de Deus foi devidamente comissionada para apresentar


Jesus Cristo a cada geração como o único meio de solucionar os problemas
humanos e para trabalhar a fim de que a Ele todas as cousas se sujeitam, a
Igreja Metodista do Brasil considera os problemas de uma nova e justa
orientação industrial e social como um desafio à sua comissão, e, por isso,
interpretando o Evangelho tanto para o indivíduo como para a sociedade,
declara-se solidária com os demais ramos da Igreja de Cristo na defesa dos
seguintes princípios, que constituem o seu Credo Social (IGREJA
METODISTA - CÂNONES, 1930, p: 11).

Diante desta ideia, a Igreja Metodista do Brasil deu os seus primeiros passos
até a década de 60, quando o Concílio Geral aprovou um Plano para o Quinquênio
intitulado: A Igreja Local no Plano de Deus. Os secretários gerais, com a finalidade
de ajudar a Igreja viver a ênfase para o ano de 1962 – A Igreja Local e Sua Cultura
Bíblica e Religiosa, escreveram 11 estudos para os metodistas com o título de Ação
Leiga e a Preocupação Social da Igreja, uma forma de definir claramente o
ministério do leigo e a importância do Credo Social para a ação da Igreja neste
tempo.
Período de grandes e rápidas transformações sociais, a Igreja experimentou
tempos de esperança, crises e contradições. Realizou-se nesta década quatro
Concílios Gerais, marcados pelo desejo ardente de construir uma igreja tipicamente
brasileira, inserida no contexto do povo, pronta para ajudar na superação das
estruturas dominantes, não esquecendo que esta década foi também marcada pelo
golpe militar e a perseguição política. Neste contexto nos Concílios Gerais de 1960 e
1970/71, o Credo Social sofreu alteração com o intuito de atualizá-lo diante das
necessidades vivenciadas pelo povo.
Em 1960, o Credo Social foi reformulado sendo ampliado e organizado em
sete itens, um documento que enfatizava a busca pela justiça social, política e
econômica, era, segundo Lazier,
um documento de grande abrangência e de uma abertura no interior da Igreja
no sentido de conceber a sua missão de forma contextualizada, profética,
sinalizadora da vida, educativa e formadora da cidadania e de perceber as
oportunidades de cumprimento da missão que a Igreja professava de forma
concreta e relevante (LAZIER, 2008, p:107).

Ainda sobre o Credo Social aprovado em 1960, existe o que chamo de


apresentação do documento, o texto Doutrina Social da Igreja Metodista do Brasil,
do então secretário executivo da Junta Geral de Ação Social da Igreja Metodista,
João Parayba Daronch da Silva, daquele período eclesiástico. Nele, são
42

apresentados os dois documentos que expressam o esforço da Igreja Metodista em


ligar a fé cristã com a vida concreta da sociedade, segundo o próprio auto.
O primeiro por ele destacado são as Regras Gerais que datam do século
XVIII na Inglaterra, documento que se baseia nos costumes e tradições metodistas,
significando que os metodistas devem também apoiar nas tradições e costumes no
exercício da vida cristã em relação com o meio em que vive. O outro documento é o
Credo Social, documento que pretende ser a formulação da doutrina social ou da
responsabilidade da Igreja Metodista do Brasil no que diz respeito a promoção da
vida e da dignidade humana.
Destaco algumas das afirmações do então Secretário da Junta Geral de Ação
Social, João Parayba Daronch da Silva no decorrer da década de 60:
A fé cristã, resposta de Deus, implica, por sua natureza, o encontro com o
próximo na situação histórica [...]. O próximo aparece em uma situação de
pobreza estrutural: é pobre não por mera insuficiência pessoal para sair da
pobreza, mas por causa das estruturas sociais dentro das quais existe. Este
“próximo” exige do cristão, que toma a sério as implicações de sua fé, uma
atuação em sociedade que o liberte dessa pobreza estrutural mediante
mudanças, não só de sua situação individual, mas das estruturas que o
22
tornaram pobre!

Precisamente, na repercussão social da pregação de Wesley e dos leigos do


metodismo primitivo, é que se pode avaliar a amplitude de sua visão do
Evangelho e dos problemas humanos. Sua luta incessante contra a corrupção
política, a luxúria e avareza dos ricos, o desemprego, a escravidão, a guerra
e sua desumanidade, a escola como privilégio de minoria, o alcoolismo como
força de degeneração da personalidade, é que mostram a visão social do
pioneiro do metodismo. Assim, o teste mais relevante para avaliarmos o
pensamento social de Wesley como Evangelista é o impacto de sua
23
mensagem na sociedade da Inglaterra.

Exatamente esta é a significação do Credo Social da Igreja Metodista do


Brasil: uma tomada de consciência dessa responsabilidade social em termos
da situação brasileira; iluminada essa consciência e essa responsabilidade
pelo discernimento do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Negar a
responsabilidade social do cristão só é possível, para a Igreja Metodista do
24
Brasil, negando-se o Evangelho e a tradição do metodismo no mundo.

O X Concílio Geral da Igreja Metodista realizado em 1970 novamente alterou


o Credo Social, incluindo-o como parágrafo do artigo 4º da Constituição, no item
intitulado Das Doutrinas, ficando assim o artigo 4º - “A doutrina social da Igreja
Metodista se expressa no Credo Social” (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1970,

22
Junta Geral de Ação Social. Doutrina Social da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo, SP: Imprensa
Metodista, 1968, p. 4-5
23
Junta Geral de Ação Social. Doutrina Social da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo, SP: Imprensa
Metodista, 1968, p. 10.
24
Junta Geral de Ação Social. Doutrina Social da Igreja Metodista do Brasil. São Paulo, SP: Imprensa
Metodista, 1968, p. 11.
43

p:11). Esta alteração apresenta uma nova característica teológica, em que a Igreja
se dispõe a viver a vontade de Deus no mundo, e, sobre isto escreve Clory Trindade
Oliveira:
A inclusão da expressão ‘a doutrina social da Igreja Metodista se expressa no
Credo Social’ é resultado natural da mudança de teologia, que se coloca ao
dispor da ação de Deus no mundo (OLIVEIRA, 1982, p: 41).

Sob este novo enfoque o Credo Social é contextualizado com a realidade do


povo brasileiro, que vivia sob um forte regime militar, dois anos após o fechamento
da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, a perseguição de membros da igreja
pelo regime, deletados, inclusive por irmãos na fé metodista. O novo Credo Social
agora visa nortear as ações da Igreja a partir de temas como a justiça social e
econômica, democracia, compromisso com a população carente e marginalizada,
direitos humanos e a viabilização para a promoção humana. O metodismo brasileiro
passava a exercer uma nova consciência social, a partir da:
Maior abertura da Igreja para a sociedade e para a cultura brasileiras,
aproximou-a da realidade nacional, em termo de predominância da classe
pobre e oprimida no país. O revigoramento do Credo Social, a formulação de
uma doutrina social, o preparo de um documento sobre o sistema de
educação Metodista, voltado para o pobre, a assinatura do novo contrato de
cooperação com a Igreja Metodista norte-americana, consagrando a opção
pelos pobres, tudo isto e outras providências e práticas, indicam uma nova
consciência do Metodismo brasileiro (OLIVEIRA, 1982, p: 45-46).

O Credo Social é um documento inspirador para os planos quadrienais e


posteriormente, no ano de 1982, para o Plano para a Vida e Missão da Igreja –
PVMI25 , documento em que a Igreja define sua forma de relacionar com o meio
social a sua volta, visando demonstrar através de ações cristãs no contexto social as
orientações descritas no Credo Social, conforme Cláudio de Oliveira Ribeiro:
Em 1978, em Piracicaba, o XII Concílio Geral estabelece um novo plano
quadrienal (1979-1982), com o tema “Unidos pelo Espírito Metodistas
Evangelizam”, cujas ênfases indicavam a necessidade de uma inserção mais
positiva da igreja na sociedade, tendo em vista os valores do reino de Deus e
de sua justiça. Em 1981, a Igreja Metodista conclui a Consulta Nacional sobre
a Vida e a Missão da Igreja, pensada como forma de marcar os cinqüenta
anos da autonomia da Igreja Metodista (1930-1980). Ela indicou a
necessidade de um plano que pudesse nortear a ação missionária da igreja a
partir de uma perspectiva integral, participativa e que reafirmasse a
responsabilidade social cristã, já anteriormente indicada no Credo Social
(RIBEIRO, 2005, p: 26).

25
IGREJA METODISTA, Cânones 2007, p. 55 e 92.
44

O Credo Social serviu de sustentação em muitas ações da comunidade


metodista, entre elas o movimento dos jovens universitários na década de sessenta,
período em que o país passava por uma crise política diante da revolução militar. Os
metodistas, embasados em suas afirmações de fé no Evangelho e com o Credo
Social nas mãos, agiam corajosamente na denúncia das “injustiças, opressões,
cerceamento da liberdade, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos políticos.
Também era a base para as propostas de construção de uma sociedade em que
todos pudessem viver com dignidade”.26
A importância do Credo Social na vida e missão da Igreja Metodista é
proporcionar aos seus membros o conhecimento necessário para transformar o
mundo, visando sempre o Reino de Deus na terra. Assim como afirma o Credo: “A
Igreja Metodista reconhece sua tarefa docente de capacitar os membros de suas
congregações para o exercício da cidadania plena. O propósito primordial dessa
missão é servir ao Brasil através da participação ativa do povo metodista na
formação de uma sociedade consciente de suas responsabilidades” (IGREJA
METODISTA - CREDO SOCIAL, 1999, p: 23)

1.4 Credo Social – Norteador para o combate aos vícios

Um dos males que impactaram a condição moral do povo no final do século


XIX e início do século XX nos EUA, e que de certa forma fez com que os cristãos se
mobilizassem no sentido de atuarem diretamente nas questões sociais, está ligado a
questão dos vícios, em especial o consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Dentro
do contexto em que os governantes e legisladores da época, digo, no início do
século XX, apresentaram um aditamento à Constituição norte-americana, (art. XVIII,
seção I) que foi aprovado em 17 de dezembro de 1917 e ratificado posteriormente
em 29 de janeiro de 1919, que proibiu a fabricação, a venda, o transporte, a
importação e exportação de bebidas alcoólicas, amplamente divulgada como a “Lei
seca”. Infelizmente esta lei não alcançou o êxito esperado, pois na contra mão, os
grupos mafiosos se fortaleceram com o tráfico e o contrabando de bebidas
alcoólicas, afetando e muito a moral e os bons costumes, bem como a facilitação da

26
JORGE HAMILTON SAMPAIO, in. http://www.metodistadosul.edu.br/pastoral/noticias.php Consultado em
11 de dezembro de 2008.
45

exploração e das populações marginalizadas.


... a fundação da Federação Metodista para o Serviço Social, em dezembro
de 1907, por um grupo socialmente engajado de pastores da Igreja Episcopal,
com destaque para Frank Mason North (1850-1935). Para eles, constituía-se
em verdadeiro escândalo a indiferença, quando não a cumplicidade, das
igrejas cristãs em relação às condições desumanas a que eram submetidos
os trabalhadores, incluindo as crianças, as mulheres e a massa de imigrantes
e suas famílias, presas fáceis de industriais interessados apenas em
maximizarem os seus negócios. Seus esforços intentavam responder
concretamente ao desafio de vivenciar o amor de Deus, sob tais
circunstâncias, junto das populações marginalizadas, tanto social quanto
religiosamente (SOUZA, 2009, p: 65).

Ao lermos as várias versões do Credo Social da Igreja Metodista, observamos


que desde a sua primeira versão o tema da bebida alcoólica ou do alcoolismo está
presente como um mal a ser combatido, e, assim aparece na publicação de 1918 do
Credo Social da Igreja Metodista Sul.
Considerando que a Igreja de Deus está divinamente comissionada a
interpretar a Jesus Cristo e seu evangelho a cada geração sucessiva e a
trabalhar a fim de que todas as coisas sejam trazidas à Sua sujeição; e
considerando que os problemas de um novo ajuste industrial e redenção
social que esta geração é forçada a considerar constituam um desafio à Igreja
para asseverar o senhorio de Jesus Cristo na vida social, bem como na vida
individual, para interpretar o evangelho a esta geração em termos sociais,
bem como em termos individuais; logo, estamos ao lado de nossos irmãos,
representados no Concílio Federal das Igrejas de Cristo na América,
batalhando:
7. Pela proteção do indivíduo e da sociedade contra os danos sociais,
27
econômicos e morais de negócio em bebidas alcoólicas.

A preocupação estava voltada a proteção do indivíduo e da sociedade diante


dos danos causados pelo consumo excessivo da bebida alcoólica. Destaco que este
dano era abrangente e prejudicava não só a moral e os relacionamentos sociais,
mas também impactava as questões econômicas.
Quando o Presbítero Hugh Clarence Tucker apresentou o documento “A
Atitude da Igreja Metodista do Brasil Perante o Mundo e a Nação” ao segundo
Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil em 1934, uma das afirmações no que
diz respeito ao problemas sociais é que “o Evangelho que nós pregamos é uma
força social transformadora. Combatemos o materialismo, o amor ao lucro, a
avareza, o nepotismo, o egoísmo. […] O amor deve ser aplicado em todas as
organizações da vida humana e a religião, a força centralizadora da vida diária”. E
27
IGREJA METHODISTA EPISCOPAL’ SUL. Doutrinas e Disciplinas da Igreja Methodista Episcoal, Sul,
1918. Edição brasileira. São Paulo: Casa Publicadora Methodista, 1919, p. 404-405 [§808]. Versão adaptada ao
português atual.
46

diante disto define que é dever da igreja “estudar os problemas sociais


contemporâneos”.
É lícito pensar que, após a aprovação do texto apresentado pelo Presbítero
Tucker, a decisão de inserir nos Cânones da Igreja Metodista do Brasil o Credo
Social foi o pontapé inicial para além de estudar os problemas sociais também neles
atuarem diretamente. Assim no que diz respeito a bebida alcoólica diz assim o texto
no item 5 do Art. 3 dos Cânones 1934.

5. Proteção do indivíduo e da sociedade contra os prejuízos sociais,


econômicos e morais do comércio e uso de bebidas alcoólicas e tóxicas e
da prática de jogo e da prostituição.

A Igreja Metodista, naquele momento, considerava os problemas sociais


como um desafio à sua comissão e entendia que era necessário agir na defesa e na
proteção do indivíduo e da sociedade contra os prejuízos causados pela
dependência do álcool e outras drogas, além de apresentar como um mal social
também o jogo e a prática da prostituição. Esta anotação foi mantida até o ano de
1960, quando recebeu uma nova redação e uma nova denominação.
O Credo Social da Igreja Metodista do Brasil – 1960 foi sem dúvida nenhuma,
o que melhor expressou a questão dos vícios e da dependência do álcool, que
praticamente ocupou um item completo do texto, intitulado Males Sociais.
IV. MALES SOCIAIS

Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações do erro, da


ignorância, do pecado, que deturpam a personalidade, arruínam a vida e
trazem mal-estar pra a comunidade.
A Igreja Metodista do Brasil sempre se opôs a eles, combatendo-os
veementemente: pela palavra falada e escrita, pelas atitudes e ações. A
abstinência e a posição histórica de nossa igreja.
Não se coadunam, pois, com o sistema de vida que pregamos e
vivemos: o alcoolismo, tabaquismo, os narcóticos de qualquer natureza,
assim também a prostituição, a má literatura, o jogo de azar, a guerra e a
pena de morte e tudo mais que destoa, de acordo com espírito do ensino de
Jesus.
No tratamento dos males sociais temos por norma: combater
tenazmente o mal e amar profundamente o ser humano atingido por ele,
propiciando-lhe os meios de redenção e recuperação. Visando o bem-estar
individual e social propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Combate tenaz e decidido aos vícios causados por tóxicos e narcóticos


que envenenam o homem e males que corrompem a sociedade.

a. Ao alcoolismo que tira completamente o homem do raciocínio normal e


avilta sua personalidade.
b. Ao tabaquismo que se torna dia a dia um vício grandemente danificador,
tanto que invade praticamente todas as idades do homem e da mulher.
c. Aos narcóticos que viciam o homem, incapacitando-o para a realização
47

de uma vida normal na sociedade.


d. À prostituição que é desrespeito e verdadeiro insulto à dignidade
humana, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
e. À má literatura que através de linguagem imprópria e argumentos falsos
traz influencias negativas, notadamente para a infância e a juventude.
f. Aos maus programas de cinema, radio e televisão, pelos prejuízos
morais causados ao individuo e a sociedade.
g. Ao jogo que é o mais triste retrato de uma sociedade em desintegração
pelo alheiamento aos valores que lhe garantem estabilidade e
progresso.
h. À guerra como solução inadequada aos problemas humanos, de acordo
com o espírito do ensino de Jesus.
i. Repúdio incondicional a toda espécie de preconceito racial e religioso.

2. Apoio decidido ao esforço educacional que se fizer, com o objetivo de:

a. Pregar a abstinência como norma de conduta e dar instrução sobre os


efeitos dos vícios e males sociais.
b. Estudar as causas dos males sociais, removendo-as para combatê-las.
c. Ensinar que a pureza do corpo e do espírito, de acordo com a ética do
ensino de Jesus, é sistema de vida próprio dos seus seguidores.
d. Proclamar a grande necessidade de redimir, de amar e salvar
especialmente aqueles que andam desgarrados como ovelhas sem
pastor, vitimas das diferentes manifestações dos males sociais.
e. Expor as vantagens da boa literatura, do bom cinema e do bom rádio e
boa televisão como agentes poderosos na formação do caráter e da
conduta em sociedade.
f. Promover por todos os meios ao alcance uma educação que de respeito
e decoro pessoal ao espírito de compreensão e bem-estar social
(IGREJA METODISTA - CÂNONES, 1960, p:156)

Neste texto fica clara a posição da Igreja em relação aos vícios e a


dependência alcoólica. Ele define como ação da Igreja o “combate tenaz” e o “apoio
decidido ao esforço educacional” visando proporcionar respostas efetivas na solução
dos males sociais. Destaco a forma clara que escreve-se sobre a postura da Igreja,
opondo-se aos vícios, combatendo-os através da “palavra falada e escrita, pelas
atitudes e ações. A abstinência e a posição histórica de nossa Igreja” afirmando
ainda que “não se coadunam, pois, com o sistema de vida que pregamos e vivemos:
o alcoolismo, tabagismo, os narcóticos de qualquer natureza, assim também a
prostituição, a má literatura, o jogo de azar, a guerra e a pena de morte e tudo mais
que destoa, de acordo com espírito do ensino de Jesus”. Outro ponto a destacar é
que a Igreja em 1960 se dispõe a combater o alcoolismo, reconhecendo que o
mesmo é responsável por “tirar completamente o homem do raciocínio normal e por
aviltar sua personalidade”, podendo assim causar danos irreparáveis ao usuário/a, a
família e a sociedade em geral.
Esta formatação, infelizmente, permaneceu apenas por dez anos, num tempo
em que a Igreja Metodista no Brasil passou em conjunto com a sociedade brasileira
48

por momentos marcantes de crises e sofrimentos, falo do golpe militar, dos


confrontos, dos exílios, do fechamento da Faculdade de Teologia, a postura dos
jovens diante do novo, de uma liberdade acentuada ao consumo de álcool, tabaco e
outras drogas, além do sexo livre.
O X Concílio Geral de 1970 decide que o Credo Social é responsável por
expressar a Doutrina Social da Igreja Metodista. A primeira vista isto denota um
ganho, principalmente no que diz respeito a ação da Igreja frente a questão social.
Porém, o texto foi reformulado e transformou-se numa publicação especial, digo,
fora dos Cânones da Igreja. Nele os problemas sociais são “manifestações
patológicas do organismo social como um todo; originam-se de situações estruturais
da sociedade e da mentalidade das pessoas conduzindo-as a condições de vida
infra-humanas e produzindo a marginalização sócio-econômica e cultural de
indivíduos e populações” (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 2007, p: 57) Por isto,
neste texto, a Igreja Metodista considera que:
12. Dentre os problemas que afetam a sociedade estão os chamados vícios
como: o uso indiscriminado de entorpecentes, a fabricação, comercialização e
propaganda de cigarros, bebidas alcoólicas, a exploração dos jogos de azar,
que devem ser alvo de combate tenaz já pelos efeitos danosos sobre os
indivíduos como também pelas implicações sócio-econômicas que acarretam
ao País (IGREJA METODISTA - CÂNONES, 2007, p: 58)

Este texto sofreu pequenas alterações e revisões ao longo dos tempos. A


Igreja manteve a sua proposta de orientar seus membros no tratamento dos
problemas respondendo aos critérios estabelecidos na formatação de 1970. No que
diz respeito aos vícios e a dependência alcoólica a Igreja oferece “às pessoas
vitimadas pelos problemas sociais a necessária compreensão, o apoio econômico e
o estímulo espiritual para sua libertação, a orientação individualizada, respeitando
sempre a sua autodeterminação”; e tem como princípio cristão o “amar efetivamente
as pessoas caminhando com elas até as últimas consequências para a libertação
dos problemas e sua autopromoção integral”. Diante disto, a questão dos vícios e
da dependência alcoólica exige da Igreja uma postura mais eficaz, ou seja, a
necessidade de dar vida as palavras e construir a partir do conhecimento e das
experiências, políticas emancipadoras28, assim como afirma Pedro Demo (2003,
p.84). Daí a necessidade de retornar ao texto do Credo Social da Igreja Metodista,

28
DEMO, Pedro. Pesquisa: Princípio científico e educativo. São Paulo, SP: Cortez, 2003, p: 84
49

reler, reescrever, e porque não reelaborá-lo com vistas a uma aplicação plausível na
vida e missão da Igreja.
50

CAPÍTULO II

DO ALCOOLISMO À SÍNDROME DA DEPENDÊNCIA DO


ÁLCOOL

O segundo capítulo deste trabalho tem o objetivo de apresentar um extrato


dos caminhos percorridos pelo consumo do álcool como bebida ao longo dos
tempos. Bebida alcoólica conforme o anexo I do Decreto Lei n.º 6.117 de 2007
(anexo VII).
... é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0,5 grau Gay-Lussac
ou mais de concentração, incluindo-se aí bebida destiladas, fermentadas e
outras preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de
preparações farmacêuticas que contenham teor alcoólico igual ou acima de
0,5 grau Gay-Lussac.

Para isto, seguem-se dados referentes a este consumo no Brasil,


constando uma linha histórica do álcool, a consideração como doença o consumo
excessivo de bebidas alcoólicas, e, por fim, uma leitura sobre a proposta dos
Alcoólicos Anônimos como uma pastoral de ação em favor dos alcoolistas em busca
da recuperação.
No II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil,
realizado em 2005, nas 108 maiores cidades do país, com o objetivo de pesquisar
sobre o consumo do álcool e outras drogas, quase oito mil brasileiros foram
entrevistados. Identificou-se que o álcool foi a droga mais utilizada dentre os
entrevistados.
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD afirma que, de
acordo com...
... a Organização Mundial de Saúde, a cada ano, cerca de 2 bilhões de
pessoas consomem bebida alcoólicas, o que corresponde a 40% da
51

população mundial acima de 15 anos de idade, e cerca de 2 milhões de


pessoas morrem em decorrência das conseqüências negativas do uso do
álcool (por ex., intoxicações agudas, cirrose hepática, violência e acidentes
de trânsito). Somente na América Latina e região do Caribe, estima-se que
10% das mortes e incapacitações estão relacionadas ao consumo de bebidas
alcoólicas.
Estudos realizados em 2006, pela Secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas – SENAD em parceria com a Unidade de Pesquisas em Álcool e
Drogas (UNIAD), da Universidade Federal de São Paulo, verificou-se em
amostra 1152 adultos brasileiros que faziam uso do álcool, 45% tinham
problemas decorrentes do beber, no momento da pesquisa ou no passado,
sendo 58% homens e 26% mulheres (SENAD, 2010, p. 88).

Esta constatação abre precedente para uma análise dos danos causados pelo
álcool. Os problemas atribuídos ao uso do álcool podem ser vistos na Tabela 1 a
seguir apresentada pelo II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas
Psicotrópicas no Brasil (CARLINI et.al. 2006), realizado em 2005, nas 108 maiores
cidades do país. O componente que aparece em primeiro lugar com 11,4% refere-se
à tentativa de parar ou diminuir o uso de álcool. A seguir aparece a perda de
controle com 9,1% das respostas.

Tabela 129

* PROBLEMAS DECORRENTE AO USO DE ÁLCOOL


1 – Gastou grande parte do tempo para conseguir o álcool, usar ou recobrar dos efeitos?
2 – Usou quantidades ou freqüência maiores do que pretendia?
3 – Tolerância (maior quantidade para produzir os mesmos efeitos)?
4 – Riscos físicos sob o efeito ou logo após o efeito do álcool?
5 – Problemas pessoais (familiares, amigos, trabalho, polícia, emocionais)?
6 – Quis diminuir ou parar o uso de álcool?

Ainda sobre o II Levantamento Domiciliar foi constatado que o uso da bebida


alcoólica no decorrer da vida, nas 108 maiores cidades do País, “foi de 74,6%,
porcentagem inferior a de outros países (Chile com 86,5% e EUA, 82,4%). O menor
uso de álcool ocorreu na região Norte do país (53,9%) e o maior no Sudeste
29
II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, realizado em 2005, nas 108
maiores cidades do país. (2006, p. 48)
52

(80,4%). A estimativa de dependentes de álcool foi de 12,3% para o Brasil; no


Nordeste as porcentagens atingiram quase 14%. Em todas as regiões observaram-
se mais dependentes de álcool para o sexo masculino”30.
A bebida alcoólica, além de ser um sério problema de saúde pública é
também um grave problema de ordem social, isto porque tem sido o responsável,
em grande parte, pela desestruturação familiar, acidentes e mortes no trânsito,
violência nas mais diversas formas, seja a violência contra a mulher, contra criança e
adolescente ou a prática do abuso sexual.
O consumo inadequado de bebidas alcoólicas tem produzido efeitos
deletérios em diversos setores da vida dos bebedores. Além das
complicações físicas e psiquiátricas, muitos problemas sociais e legais
relacionados a esse consumo têm sido amplamente registrados.
A interface entre o consumo de bebidas alcoólicas e o comportamento
violento ou agressivo tem sido matéria de intensas pesquisas em todo o
mundo. Embora a associação direta seja difícil, é possível sugerir que o
consumo inadequado de bebidas alcoólicas esteja relacionado a crimes
violentos. Todavia, outros fatores criminógenos sempre devem ser
considerados (BALTIERI & CORTEZ, 2009, p. 140).

Isso tem despertado grande interesse nas várias áreas do conhecimento


como a medicina, psicologia, psiquiatria, serviço social, teologia e a ciências da
religião.
Pode se então precisar que o alcoolismo é um conjunto de problemas
relacionados, e, como conjunto, impacta diretamente nas várias áreas da vida
humana, na saúde física e mental do alcoólico, nos seus relacionamentos sociais
com a família e com a sociedade a sua volta. O próximo tópico trata dos caminhos
históricos percorridos pelo álcool como bebida e abre o entendimento para uma
melhor compreensão do alcoolismo.

2.1 O álcool como bebida – Uma linha histórica

O álcool, derivado do árabe alkuhl, que significa essência, constitui-se em um


excremento da levedura, fungo com grande apetite por doces. Quando a levedura
encontra o mel ou os açúcares das frutas, cereais, ou mesmo batatas, libera uma
enzima que converte os açúcares destes materiais em dióxido de carbono e álcool.
Este processo é conhecido como fermentação.
30
Idem. (2006, p. 399)
53

Conforme Paula e Pires (2002), o álcool etílico é um líquido volátil, incolor e


com odor e sabor característicos, produzido pela fermentação do caldo da cana, de
cereais, ou raízes. As primeiras bebidas alcoólicas produzidas pelos homens foram
cerveja e vinho, pelo fato da facilidade, pois estes produtos dependem apenas do
processo de fermentação.
Anthony apresenta que a ingestão de bebidas alcoólicas vem há mais de
quatro mil anos como segue:
Os primeiros indícios do consumo humano de bebidas alcoólicas que
continham etanol podem ser encontrados em vasos Paleolíticos e há
evidências sobre o aproveitamento humano dessas bebidas há cerca de
quatro milênios. Em todas as aparições, o escopo do consumo do álcool na
história antiga é essencialmente global, refletindo a facilidade relativa da
produção de álcool (p. ex., pela fermentação de frutas e vegetais cultivados
localmente, mesmo antes da descoberta dos processos de destilação)
(ANTHONY, 2009, p. 3).

A utilização do álcool como medicamento e bebida é extensa e muito antiga.


Pesquisas afirmam que há milhares de anos a humanidade utiliza-se do álcool em
cerimônias religiosas e em espaços de celebração e recreação.
J. Santo-Domingo (in: Fortes, 1991:1) nos informa sobre as origens da bebida
alcoólica, o absinto, por exemplo, pelo homo erectus há aproximadamente
250000 anos; J. Santo-Domingo considera a existência possível de um
consumo alimentar ritual nos períodos paleolíticos tardios (30000 a.C.) e, com
certeza, o consumo a partir do período neolítico (8000 a 10000 a. C.)
(MARIANO, 1999, p. 16).

Esta é, sem dúvida, a afirmação mais antiga que apresenta o uso do álcool.
Depois, a afirmação mais corrente é que o álcool vem sendo usado desde os anos
6000 a. C. aproximadamente. Segundo Fortes, no Egito pré-dinástico, já havia
cervejas provenientes de diferentes cereais, desde 3400 a. C. As antigas tradições
religiosas e posteriormente os gregos sustentavam em suas práticas a adoração a
deuses ligados a bebida alcoólica. Um exemplo destes deuses foi Dionísio o então
deus do vinho. Isto porque...
O vinho, por sua vez, dentro da cosmovisão das antigas tradições, tinha o
significado da imortalidade, pois a seiva, que é a essência do vegetal,
simbolizava ‘penhor da ressurreição e imortalidade’ (MARIANO, 1999, p. 17).

Na tradição bíblica o uso do vinho ocupa lugar de destaque em meio ao povo


judeu. O vinho era usado nas celebrações do povo para marcar a alegria e a
segurança de que o Senhor os estava abençoando, isto fica claro nos textos de
Isaías 65,8 – “Assim diz o SENHOR: Como quando se acha mosto num cacho de
54

uvas, dizem: Não o desperdices, pois há bênção nele, assim farei por amor de meus
servos, que não os destrua a todos”. O salmista afirma que o vinho alegra o coração
do homem [Sl 104:15]. No Novo Testamento temos a famosa transformação da água
em vinho em Caná da Galileia, narrada pelo evangelista João no seu segundo
capítulo como segue: “E, logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não
sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a
água), chamou o mestre-sala ao esposo”. [Jo 2:9]
Provavelmente os romanos, que em suas festas faziam menção ao deus
Baco pela criação do vinho, foram os responsáveis pela regulamentação da
produção e divulgação do vinho em toda a Europa, fazendo dele um fenômeno e
permitindo a sua comercialização em alta escala durante os primeiros séculos da era
cristã, conforme descreve Mariano:
Na Europa, devido à destilação, o consumo de bebida alcoólica aumentou
rapidamente (Fortes, 1991:6). Os italianos conheceram o vinho por volta do
século II a. C. Nessa mesma data, na Itália o consumo cresceu
significativamente face à expansão da uva e da produção do vinho. (Fortes,
1991:4) (MARIANO, 1999, p. 17).

O processo de destilação de bebida alcoólica é descrito de forma cientifica


por volta dos anos 800 pelo alquimista Jabir ibn Hayyan (Geber), foi ele quem
inventou o alambique, que é o equipamento utilizado até hoje para a realização da
destilação de bebidas alcoólicas. Os árabes foram os responsáveis pela introdução
deste processo na Europa, sendo que depois no século XII os cristãos
mediterrânicos iniciaram o desenvolvimento do processo de industrialização na
fabricação do vinho.
Por muito tempo o uso excessivo do álcool foi visto como um desvio de
caráter ou como um problema moral, daí a manifestação da religião afirmando que a
embriaguez era um grande pecado e que os fieis precisavam livrar-se dele para uma
vida saudável com a divindade. A partir da segunda metade do século XVIII, com o
processo da Revolução Industrial e as mudanças sofridas neste tempo, no que diz
respeito ao comportamento social na Europa, o consumo excessivo de bebida
alcoólica passa a ser visto como doença e responsável pela desordem social,
principalmente pela fome e a miséria. Clarissa Mendonça Corradi-Webster, em sua
dissertação de mestrado - Uso Problemático de álcool entre pacientes psiquiátricos
ambulatoriais, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/ USP
escreve que:
55

Em 1804, na Inglaterra, Thomas Trotter ampliou a discussão, colocando a


embriaguez como uma ‘doença da mente’, que como doença deveria ser
tratada por um médico, outro pesquisador importante da época, o norte-
americano Benjamin Rush, também chamou a embriaguez de ‘doença’ ou ‘de
transtorno da vontade’ (CORRADI-WEBSTER, 2004, p. 4).

O alcoolismo é termo usado, a partir da segunda metade século XIX, para


identificar o uso abusivo de bebida alcoólica, pelo médico sueco Magnus-Huss, “que
se aprofundou no estudo do tema, adotou medidas de controle e prevenção do
alcoolismo que serviram de modelo para os países vizinhos” (FORTES, 1991, p. 6).
No ano de 1885, o Parlamento sueco vota uma lei proibindo a destilação do álcool e
ordenando a comercialização de bebidas, junto a outras medidas das da Ligas de
Temperança, foram responsáveis pela sensível redução do consumo de bebidas
entre os suecos.
O alcoolismo nas Américas é praticado bem antes da colonização europeia.
Os índios da América Central e do Sul já conheciam bebidas alcoólicas obtidas a
partir da fermentação do suco de várias frutas e também dos caldos extraídos das
raízes de mandioca. Infelizmente, o homem branco fez uso da bebida alcoólica
destilada, para adquirir de forma escusa, as propriedades dos nativos, causando
assim danos sociais irreparáveis.
A história do álcool e alcoolismo nos Estados Unidos da América é marcada
pela presença dos cristãos puritanos que ...
... aceitavam a princípio o uso do álcool: bebidas alcoólicas eram produzidas
e somente os excessos eram combatidos. Com o passar dos anos, foram-se
tornando cada vez mais rígidos, culminando em atitudes radicais, como
aconteceu com a aprovação da lei Volstead, em 1919, combatendo a
intemperança e voltando-se para a abstinência total. No entanto, frente às
conseqüências desastrosas da aplicação da lei tão rígida, renderam-se ante a
evidência dos fatos e, após algum tempo, revogaram a lei, cuja implantação
tinha absorvido grande soma de dinheiro, e retornaram a uma legislação mais
moderna e tolerante (FORTES, 1991, p. 7).

Nesta mesma época, durante o século XX, muitos países passaram a


estabelecer os dezoito anos como a idade mínima para o consumo de bebida
alcoólica. Em 1952 é oficializada a identificação do alcoolismo como doença na
primeira edição do DSM-I (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Discorders)
(Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), e posteriormente no ano
de 1967, este conceito foi incorporado pela Organização Mundial de Saúde à
Classificação Internacional das Doenças (CID-8).
56

No CID-8, os problemas relacionados ao uso de álcool foram inseridos dentro


de uma categoria mais ampla de transtornos de personalidade e de neuroses.
Esses problemas foram divididos em três categorias: dependência, episódios
de beber excessivo (abuso) e beber excessivo habitual. A dependência de
álcool foi caracteriza pelo uso compulsivo de bebidas alcoólicas e pela
manifestação de sintomas de abstinência após a cessação do uso de
31
álcool.

Os índios brasileiros, antes da chegada dos portugueses já faziam uso de


bebidas fermentadas como o cauim, do tupi ka’wi, gerada a partir da mandioca
cozida ou suco de frutas. O caju e o milho eram usados na preparação destas
bebidas. Durante o processo de colonização foram inseridas no Brasil bebidas como
os vinhos, cervejas, aguardentes e outros destilados, até então desconhecidos pelos
nativos. Com a instalação dos primeiros engenhos para a moenda da cana de
açúcar na produção de açúcar e álcool facilitou o acesso da população mais pobre à
aguardente, conhecida desde então como cachaça, obtida da fermentação e
destilação da borra do melaço. Fortes citando Souto Maior e Gilberto Freyre dizem
que a cachaça era oferecida aos trabalhadores escravos, hora com finalidades
medicinais, hora como forma de alegrá-los nos feriados e dias de festas religiosas
(FORTES, 1991, P. 8).
Souto Maior aponta os senhores de engenho como os mais responsáveis
pela difusão do consumo de alcoólicos entre os negros escravos. De qualquer
forma, a cachaça, destilado de alto teor alcoólico, contribuiu bastante, pela
popularidade alcançada em todo o país (conhecida por numerosa sinonímia
em diferentes regiões) e pelo preço muito acessível, para o agravamento da
alcoolização da população brasileira (FORTES, 1991, p. 8).

Como vimos até aqui, desde os primórdios da humanidade a ingestão do


álcool como bebida tem acompanhado o desenvolvimento sócio-cultural e
econômico da população mundial. Com o passar dos tempos e com o uso abusivo
das bebidas alcoólicas todas as sociedades sentiram a necessidade na busca de
meios para combater o alcoolismo.
Deve ser salientado, também, que as informações mais antigas já
registravam, além das embriaguezes comuns, certos tipos especiais de
reação aos alcoólicos em determinadas pessoas, assim como o modo de elas
se relacionarem com eles a longo prazo. Na Medicina grega, Hipócrates já
havia descrito a loucura alcoólica e proibira, como veneno, o uso de álcool
pelos epilépticos. É curioso salientar que, sob o ponto de vista médico,
sempre houve uma posição ambivalente da Medicina, em diferentes épocas,
frente ao problema: empregando alcoólicos para fins medicinais e outras

31
http://www.cisa.org.br/categoria.html?FhIdTexto=25ff28cda5f109c71bb2387dd75df853 consultado no dia 26
de maio de 2010. Conforme citação extraída de Diagnostic Criteria for Alcohol Abuse and Dependence –
National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) - Alcohol Alert, No 30, 1995
(http://pubs.niaaa.nih.gov/publications/aa30.htm)
57

vezes proibindo-os categoricamente. Podemos afirmar que essa ambivalência


veio até aos nossos dias (FORTES, 1991, p. 9).

2.2 Alcoolismo, doença e suas consequências

A relação humana com o álcool na forma de bebida ao longo dos tempos foi
responsável pela formulação de conceito, percepção e o julgamento moral sobre o
consumo excessivo. Durante um longo tempo, a embriaguez foi vista como um
desvio de conduta moral e religiosas. Os excessos eram vistos de forma
preconceituosa como pecado, em que o usuário era possuído por forças do mal;
como falta de caráter ou totalmente desprovido de força de vontade para vencer o
vício. Os aspectos relacionando o abuso no consumo de álcool às questões de
saúde vieram a tona nos últimos dois séculos, o século XIX e o século XX.
Para tratar do alcoolismo seguem-se três tópicos, o primeiro visando uma
conceituação do tema; o segundo tópico discorre sobre o alcoolismo como doença
segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde e o terceiro tópico apresenta uma
visão generalizada das consequências do alcoolismo.

2.2.1 Uma conceituação

O alcoolismo pode ser visto como uma dependência emocional e orgânica do


álcool, causada pela ingestão de bebidas alcoólicas, manifestada na compulsão e na
necessidade de beber cada vez mais. A dependência do álcool é tanta que,
ingerindo o primeiro gole, o alcoólico não consegue parar até chegar ao estado da
embriaguez. Ou seja, perde o controle sobre suas emoções e ações, não tendo
assim controle sobre a quantidade de bebida a ser ingerida.
Após realizar uma releitura no conceito dado pela OMS - Organização
Mundial de Saúde para o alcoolismo, Fortes afirma que o alcoolismo é uma
farmacodependência, pois apresenta as seguintes características: 1) dependência
psíquica em grau variável; 2) dependência física bem definida; 3) certo grau de
tolerância irregular e incompleta; 4) complicações somáticas e psíquicas muito
graves, variáveis de pessoa para pessoa e dependentes da evolução.(FORTES,
1991, p.11-12)
58

... como uma farmacodependência, pois geralmente se observa que o etilista


tende a aumentar progressivamente as doses ingeridas e, por outro lado,
quando interrompe completa e bruscamente a ingestão do álcool, apresenta,
em intensidade muito variável, o grave conjunto de sinais de sintomas físicos-
psíquicos que integram a síndrome de abstinência alcoólica” (FORTES, 1991,
p. 12).

O alcoolismo é uma dependência que não pode ser vista como vício ou
pecado, também não dá para dizer que seja uma falta de caráter ou fraqueza moral.
É na verdade uma doença incurável segundo a Organização Mundial de Saúde –
OMS, que pode ser tratada e prevenida.
Segundo Fortes, o brilhante pesquisador E. M. Jellinek, define o alcoólatra
como um bebedor excessivo, cuja dependência do álcool chega a ponto de
acarretar-lhe perturbações mentais evidentes, manifestações que afetam a saúde
física e mental, as reações individuais, o comportamento social, por isso necessita
de tratamento. E Jellinek também apresenta a seguinte definição para o alcoolismo
como sendo “qualquer uso de bebidas alcoólicas que ocasiona prejuízos ao
indivíduo, à sociedade ou a ambos” (FORTES, 1991, p.19).
Outro pesquisador citado por Fortes, o francês P. Fouquet, que caracterizou
os seus pacientes, considerando os três fatores que integram a síndrome alcoólica:
1) fator psíquico, uma predisposição mental que vai desde um distúrbio de
personalidade mais simples até alterações psiquiátricas mais graves; 2) fator
tolerância, que possibilita ao indivíduo absorver quantidades maiores ou menores de
alcoólicos com consequências variáveis de pessoa para pessoa; 3) fator tóxico, de
ordem humoral, que sanciona os efeitos do etanol sobre o organismo (FORTES,
1991, p. 20-21).
Os trabalhos de Fouquet contribuíram para distinguir melhor os aspectos
clínicos da farmacodependência e estabelecer uma diferenciação entre a
‘síndrome alcoólica e as formas paraxística do alcoolismo. [...] os ‘alcoolitos’
dotados de elevado grau de tolerância e que, depois de numerosos anos de
consumo elevado, vão apresentar complicações viscerais sob a dependência
tirânica do tóxico. Para o autor, esses casos representam aproximadamente a
metade dos alcoólatras existentes (FORTES, 1991, p. 21).

Fortes ao apresentar o “conceito de alcoolismo crônico”, segundo Anibal


Cipriano da Silveira Santos, publicado pela Revista Paulista de Medicina – 1965,
descreve que segundo o autor, o conceito deve ser estendido a três classes de
pacientes, como segue:
1) Toxicofilia propriamente dita, como dinamismo primário do uso
imoderado de álcool; a gratificação é fundamental sobre um substrato de
59

inferioridade psicopática com duas alternativas: a) compensação de


dificuldades emocionais (personalidades psicopáticas inseguras e instáveis),
b) em função de incapacidade conativa (personalidade psicopáticas
astênicas);

2) Toxicofilia alcoólica, como refúgio neurótico-intoxicação habitual


como defesa contra insuficiência subjetiva -, também com duas alternativas:
a) alcoolismo habitual, como expressão masoquista e b) alcoolismo crônico,
fenômeno de compensação neurótica;

3) Alcoolismo crônico por desordem instintiva, como os que recorrem à


intoxicação por desvio instintivo adquirido, exemplificando com os casos das
pessoas que sofreram encefalite tipo epidêmico na infância (FORTES, 1991,
p. 23).

Em 1976, a Assembleia Mundial de Saúde, substituiu a expressão alcoolismo


pelo título de “síndrome de alcooldependência”, sendo registrado na Classificação
Internacional de Doenças (CID – 9) e cuja definição é: “Um estado psíquico, e,
habitualmente também físico, resultante de tomar álcool, caracterizado por uma
conduta e outras respostas que sempre incluem compulsão para tomar álcool de
uma maneira contínua ou periódica, com o objetivo de experimentar efeitos
psíquicos, algumas vezes para evitar as manifestações produzidas pela ausência,
podendo estar presente ou não a tolerância”.
O termo alcoolismo no Brasil utilizado para denominar os usuários bebedores-
problemas e os dependentes de álcool foi em 1990 substituído por alcoolistas
(BRASIL. M.S.,1990).

2.2.2 Conceituação segundo a OMS

A conceituação da OMS classifica o alcoolismo como uma toxicomania ou


farmacodependência, em que o alcoólatra tende a aumentar progressivamente as
doses ingeridas e quando interrompe completa ou bruscamente a ingestão,
desenvolve vários sinais e sintomas físico-psíquicos, que caracterizam a Síndrome
de Abstinência Alcoólica.
É uma doença de natureza complexa, cujo tratamento é preciso recorrer a
processos profiláticos e terapêuticos de grande amplitude. Já os alcoólatras são
bebedores excessivos, cuja dependência do álcool chega a ponto de acarretar-lhes
perturbações mentais evidentes, manifestações que afetam a saúde física e mental,
cujas reações individuais e o comportamento social exigem atenção e tratamento.
60

Desde a década de 60, o programa de saúde mental da OMS tem-se


empenhado em melhorar o diagnóstico e a classificação de transtornos mentais,
além de trabalhar a definição de termos relacionados. Naquela época foram
realizados vários encontros com a finalidade de estudar os conhecimentos
produzidos até então sobre o tema, envolvendo representantes de diversas áreas do
conhecimento. Deste trabalho, foram apresentadas numerosas propostas usadas no
rascunho da 8ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID – 8).
Atualmente, estamos na 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças
(CID – 10), que é utilizado nas descrições clínicas e nos diagnósticos das doenças
pelo sistema de saúde pública em nosso país. Também é utilizado no Brasil o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM – IV), da Associação
Psiquiátrica Americana.
Ambos os sistemas classificatório refletem nos seus critérios para
dependência os conceitos de Síndrome de Dependência do Álcool,
propostos, inicialmente, por Edward e Gross, em 1976. Interessante é que o
diagnóstico da Síndrome de Dependência do Álcool pode estabelecer níveis
de comprometimento ao longo de um contínuo, entre o nunca ter
experimentado até o gravemente enfermo, considerando os aspectos do grau
de dependência relacionado com o grau de problemas (SENAD, 2010, P. 39).

A conceituação da Síndrome da Dependência do Álcool conforme


apresentada pelos cientistas Edwards e Gross na década de 70, descreve os
seguintes sinais e sintomas:
Estreitamento de repertório – na dependência avançada, o ato de beber
torna-se diário e ocorre sempre no mesmo horário, para manter alto o nível de álcool
no sangue, o padrão de consumo torna-se rígido, previsível e refratário ao dia ou
horário da semana, ao tipo de companhia ou ao estado de humor pessoal.
Saliência do beber – a prioridade na vida do alcoolista é a manutenção da
ingestão do álcool.
Aumento da tolerância ao álcool – a tolerância é demonstrada pela pessoa
dependente ao manter a capacidade de seguir sua rotina com um nível de álcool no
organismo, não prejudicando suas ações.
Síndrome da abstinência – apresenta sintomas que incluem: náuseas,
sudorese, sensibilidade ao som, zumbido nos ouvidos, coceira, câimbras
musculares, perturbações do humor, perturbações do sono, alucinações, convulsões
epilépticas e um quadro completamente desenvolvido de delirum tremens.
61

Alívio ou evitação dos sintomas de abstinência – é uma prática de ingerir


bebida alcoólica logo pela manhã no horário do café ou no meio da noite com vistas
a aliviar a síndrome da abstinência incipiente.
Consciência subjetiva da compulsão por beber – é manifestada no desejo
incontrolado por beber que o alcoolista experimenta, é definida pela falta ou perda
do controle diante da vontade de beber.
Reinstalação da síndrome da dependência – um dos aspectos mais
intrigantes desta condição é que uma síndrome que pode ter levado anos para se
desenvolver pode ser integralmente reinstalada em 72 horas após o alcoolista voltar
a beber ou até antes disso.
A Síndrome da Dependência do Álcool pode ser facilmente identificada
através dos critérios apresentados pelo DSM-IV e o CID-10. A Tabela 2, a seguir
mostra claramente esta comparação.

Tabela 232
DSM-IV CID-10
Padrão mal-adaptativo de uso, levando a Três ou mais das seguintes manifestações
prejuízo ou sofrimento clinicamente ocorrendo conjuntamente por pelo menos 1
significativos, manifestados por 3 ou mais dos mês ou, se persistirem por períodos menores
seguintes critérios, ocorrendo a qualquer que 1 mês, devem ter ocorrido juntas de
momento no mesmo período de 12 meses: forma repetida em um período de 12 meses:
1) Tolerância, definida por qualquer um dos 1) Forte desejo ou compulsão para
seguintes aspectos: consumir a substância;
a) Uma necessidade de quantidades 2) Comprometimento da capacidade de
progressivamente maiores para controlar o início, término ou níveis de
adquirir a intoxicação ou efeito uso, evidenciado pelo consumo freqüente
desejado; em quantidades ou períodos maiores que
b) Acentuada redução do efeito com o o planejado ou por desejo persistente ou
uso continuado da mesma esforços infrutíferos para reduzir ou
quantidade. controlar o uso;
2) Abstinência, manifestada por qualquer 3) Estado fisiológico de abstinência
dos seguintes aspectos: quando o uso é interrompido ou reduzido,
a) Síndrome de abstinência como evidenciado pela síndrome de
característica para a substância; abstinência característica da substância
b) A mesma substância (ou uma ou pelo uso desta ou similar para aliviar
substância estreitamente relacionada) ou evitar tais sintomas;
é consumida para aliviar ou evitar 4) Evidência de tolerância aos efeitos,
sintomas de abstinência. necessitando de quantidades maiores
3) A substância é freqüentemente para obter o efeito desejado ou estado de
consumida em maiores quantidades ou intoxicação ou redução acentuada destes
por um período mais longo do que o efeitos com o uso continuado da mesma
pretendido. quantidade;
4) Existe um desejo persistente ou 5) Preocupação com o uso, manifestado
esforços mal-sucedidos no sentido de pela redução ou abandono das atividades
reduzir ou controlar o uso. prazerosas ou de interesse significativo

32
Tabela 1: Comparação entre os critérios para dependência da DSM-IV e CID-10 (SENAD, 2010, p.44)
62

5) Muito tempo é gasto em atividades por causa do uso ou do tempo gasto em


necessárias para a obtenção e utilização obtenção, consumo e recuperação dos
da substância ou na recuperação de seus efeitos;
efeitos. 6) Uso persistente, a despeito de
6) Importantes atividades sociais, evidências claras de conseqüências
ocupacionais ou recreativas são nocivas, evidenciadas pelo uso
abandonadas ou reduzidas em virtude continuado quando o sujeito está
do uso. efetivamente consciente (ou espera-se
7) O uso continua, apesar da consciência que esteja) da natureza e extensão dos
de ter um problema físico ou psicológico efeitos nocivos.
persistente ou recorrente que tende a ser
causado ou exacerbado pela substância.

2.2.3 As consequências da síndrome da dependência do álcool

Este tópico tem o objetivo de apresentar um olhar sobre as consequências


médicas, psiquiátricas, psicológicas e sociais do alcoolismo, lembrando que as
consequências do alcoolismo são claramente definidas, e, desta forma destaca-se
as consequências negativas relacionadas ao abuso do álcool.
Os efeitos decorrente do uso crônico do álcool no organismo humano podem
ser identificados claramente pelos exames físicos como hepatomegalia, hipertensão
arterial sistêmica, tremores, arritmia cardíaca, neuropatias periféricas, atrofia
testicular, perda de pelos, ginecomastia33, aranha vasculares34 e pelagra35. Ainda
sobre as consequências médicas cabe ressaltar os danos causados pelo álcool
quando ingerido em excesso durante a gravidez. As mulheres que fazem uso de
álcool durante e após a gestação expõem diretamente seus filhos/as a riscos e
limitações. “O recém-nascido de uma alcoolista mama pouco, é irritável,

33
Crescimento excessivo das glândulas mamárias masculinas, em alguns casos incluindo desenvolvimento até o
estágio em que é produzido leite, geralmente associado com transtornos metabólicos que levam a acumulação de
estrogênio, deficiência de testosterona, e hiperprolactinemia. Uma forma branda pode desenvolver-se
transitoriamente durante a puberdade normal.
Consultado em dia 02 de junho de 2010 no Dicionário Digital de termos médicos 2007, disponível em
http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_08490.php
34
Pequeno angioma formado por arteríola com ramificações centrífugas, dando conformação de uma pequena
aranha, de cor avermelhada, que desaparece com a compressão, aparecendo com mais freqüência em mulheres e
pessoas de pele branca. Consultado em dia 02 de junho de 2010 no Dicionário Digital de termos médicos 2007,
disponível em http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_08490.php
35
1 - Doença devida à carência de vitamina PP, observada nas populações que se nutrem essencialmente de
milho ou de outros cereais pobres em nicotinamida. 2 - Doença carencial de niacina (ácido nicotínico) que se
manifesta por perturbações digestivas (diarréia, falta de apetite, constipação), perturbações cutâneas (rubor nas
partes do corpo geralmente expostas ao sol, descamação), pele áspera, de cor acastanhada, perturbações nervosas
(tremores, insônia e outros). Consultado em dia 02 de junho de 2010 no Dicionário Digital de termos médicos
2007, disponível em http://www.pdamed.com.br/diciomed/pdamed_0001_08490.php
63

hiperexcitado e hipersensível, tem tremores e fraqueza muscular, tem alteração do


padrão de sono, transpira muito e pode ter apneia” (SENAD, 2010, p.94).
As consequências psiquiátricas são identificadas em reações provocadas pela
abstinência, como o delirium tremens, alucinações alcoólicas e amnésias. O delirium
tremens é “um quadro dramático caracterizado, antes de mais nada, por uma
alteração da consciência (desorientação no tempo e no espaço), o que o diferencia
do delírio que é um distúrbio do pensamento sem alterações da consciência [...] o
quadro é acompanhado de tremores intensos” (Elkis in: MARIANO, 1999, p. 31). As
alucinações são geralmente marcadas pela visão de animais e vultos, além da
afirmação contínua de estar ouvindo vozes, alucinações auditivas. E as amnésias
são vistas no alcoolista quando apresenta pequenos apagões, blackouts, após o
consumo de bebida alcoólica não conseguindo se lembrar do que fizera.
A personalidade do alcoolista pode ser alterada devido ao consumo excessivo
de bebida alcoólica, esta alteração corresponde a consequência psicológica. O
alcoolista passa a agir com insegurança, passividade, ou seja, passa a viver a mercê
da situação.
As consequências sociais são, sem dúvida nenhuma, as que mais ganham
destaque nos dias atuais, isto porque impactam diretamente no convívio social de
toda a humanidade. Miranda, citando Bertolote, escreve: “os aspectos sociais
associados ao consumo do álcool não só constituem parte integrante deste
complexo sindrômico, como podem mesmo constituir seus elementos mais
relevantes e preocupantes, em determinadas fases” (MIRANDA, 1999, p.32). As
consequências sociais não atingem somente o alcoolista, atingem também sua
família, seus amigos, seu trabalho e o meio em que vive. Sobre o impacto que a
Síndrome de Dependência do Álcool causa à sociedade destaco a violência.
Sabe-se que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas é um facilitador para a
violência deixando o alcoolista vulnerável às ações de violência e ao mesmo tempo
pronto a cometer um ato violento. Estudos realizados no Brasil pelo Centro Brasileiro
de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), “apontaram que 52% dos
casos de violência doméstica estavam ligados ao consumo de álcool pelo
espancador” (SENAD, 2010, p. 95), sem contar a violência no trânsito causada pelo
uso de bebida alcoólica antes de dirigir. Diante disso, o álcool é considerado um
problema de saúde pública e requer ações de diversos níveis.
64

Dentre as sequelas provocadas pela dependência está a ruptura com todos


os vínculos anteriores, o que frequentemente produz muito sofrimento, levando a um
processo de marginalização, violência, abandono, agressividade, sem falar nos
problemas de saúde decorrentes do excesso na utilização. Milhares de pessoas
morrem vítimas do uso excessivo do álcool e situações associadas à dependência.
É eminente a devastação que o uso de tal substância causa, tanto em quem a
utiliza, quanto nos que estão em seu entorno.
Após a conceituação e a identificação das consequências do alcoolismo é
importante destacar que o alcoolismo, hoje tratado como uma Síndrome de
Dependência do Álcool é uma doença, segundo a OMS, que impacta em várias
áreas da vida humana e que entre as muitas consequências pode levar a morte.

2.3 A Síndrome da Dependência do Álcool

Síndrome de Dependência é:
Conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se
desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa,
tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de
controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas conseqüências
nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de
outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por
vezes, a um estado de abstinência física.
A síndrome de dependência pode dizer respeito a uma substância psicoativa
específica (por exemplo, o fumo, o álcool ou o diazepam), a uma categoria de
substâncias psicoativas (por exemplo, substâncias opiáceas) ou a um
conjunto mais vasto de substâncias farmacologicamente diferentes (CID-10 /
F-10)

Diante da citação da Classificação Internacional de Doenças podemos


simplificar a conceituação dizendo que síndrome é um agrupamento de sinais e
sintomas. Passamos a distinguir então a Síndrome da Dependência do Álcool
segundo o conceito clínico, a fundamentação científica e os elementos individuais da
síndrome da dependência.

2.3.1 Conceito clínico e fundamentação científica

Edwards afirma que “uma síndrome é uma formulação clínica descritiva, cuja
causa ou patologia não pode ser determinada, pelo menos em um primeiro
65

momento” (EDWARDS, 2005, p. 56). Sendo assim, para apresentar um conceito e


uma fundamentação científica da Síndrome da Dependência do Álcool é necessário
validar a dependência e destacar bases neurobiológica.
Buscando validar a Síndrome da Dependência do Álcool vários autores
apresentaram suas contribuições, porém a maioria veio “de estudos epidemiológicos
amplos conduzidos com instrumentos padronizados ou métodos de entrevista (Grant
e cols., 1992; Cottler, 1993; Rapaport e cols., 1995)”, chegando a conclusão que a
síndrome é “uma realidade, não uma ilusão do olho clínico. Isso não significa que,
em termos psicométricos, todos os elementos estejam igualmente ‘bem-amarados’
dentro da síndrome” (EDWARDS, 2005, p. 56).
A Síndrome da Dependência do Álcool é, ainda hoje, motivo de muito estudo
e desafia múltiplas ciências, segundo Edwards:
Seu estudo continua então a desafiar múltiplas ciências, cuja união de
esforços de pesquisa busca a refutação ou a confirmação do que,
anteriormente, não passava de intuição clínica. No entanto,
independentemente dos avanços científicos futuros, nunca se deve perder de
vista que a compulsão, um sentimento invasivo, indesejado e egodistônico,
ocupa o centro da experiência vivencial do dependente (EDWARDS, 2005, p.
57).

2.3.2 Por que é importante compreender a síndrome da dependência?

O fato de que o álcool é uma droga que produz dependência muitas vezes
surpreende tanto o paciente quanto a família. Daí, compreender claramente esta
síndrome é na verdade apresentar meios para uma reação diante da situação antes
mesmo que esta se agrave causando danos em alguns casos até irreparáveis.
A importância de se entender o conceito de dependência é, no ponto de vista
da saúde pública, uma forma de trabalhar a conscientização de que a bebida
alcoólica é uma substância que causa dependência.
A população precisa saber mais sobre os perigos e os sinais de perigo, o que
a dependência pode significar para eles mesmos ou para alguém em sua
família, no trabalho ou alguém que encontrar no bar. O conhecimento sobre a
dependência de álcool deveria tornar-se parte da conscientização social
geral, mas é igualmente importante que a sociedade entenda que os
problemas como álcool também ocorrem comumente sem dependência
(EDWARDS, 2005, p. 68).

A avaliação do grau de dependência é relevante para a forma ideal de


tratamento, evitando assim as consequências causadas pela abstinência, além de
66

possibilitar um regime de monitoramento no decorrer do tratamento conhecendo a


gravidade da recaída, como afirma Edwards:
Partindo do senso comum, faz sentido que dependentes que bebem mais
devam dispor de mais cuidados terapêuticos, ser mais prontamente
internados e receber um acompanhamento mais intensivo. Entretanto,
algumas pesquisas não sustentam essa proposição (Edwuars e Taylor, 1994)
(EDWARDS, 2005, p. 69).

Após a identificação de que o uso excessivo do álcool como bebida causa


danos ao usuário e também a sociedade em que está inserido. O tópico a seguir
apresenta um modelo de apoio a recuperação do alcoolista como forma de
tratamento para a síndrome da dependência do álcool.

2.4 Alcoólicos Anônimos - apoio a recuperação do alcoolista.

Por ser uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas


experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar
outros a se recuperarem da síndrome da dependência do álcool. Por se pautar num
princípio transcendente, permitindo o alcoolista conceber a divindade na forma em
que foi ensinado e reconhecendo a existência de um Poder Superior. E por ter como
propósito primordial a manutenção da sobriedade, como também ajudar outros
alcoolistas a alcançar a sobriedade. O Alcoólicos Anônimos será utilizado como
exemplo de apoio e recuperação do alcoolista, bem como a identificação da práxis
pastoral.
Considerando que a irmandade do Alcoólicos Anônimos - AA crescia e o
desejo de auxiliar a um número cada vez maior de alcoolistas os fundadores William
Griffith Wilson (Bill) e Dr. Robert Holbrook Smith (Bob), publicaram no ano de 1939,
o Livro Azul de AA, Alcoólicos Anônimos. O livro traz uma gama diversificada de
assuntos, contendo uma declaração médica a respeito do AA, também os
testemunhos de vida dos fundadores Bill e Bob, uma afirmação de que há solução
para a doença do alcoolismo, e, trata também a respeito dos agnósticos, como
funciona o AA, sobre o cônjuge e a família do alcoolista e por fim apresenta as
perspectivas para a vida de alcoolista em recuperação.
O alcoolista tem uma história pregressa que sustenta sua dependência,
geralmente iniciada na infância, com o foco no cuidado paterno, materno, ou familiar.
67

Pode também ser marcado pelo convívio comunitário, religioso, amigos e amigas de
infância, histórias do período escolar, o primeiro emprego, primeira/o namorada/o,
etc. Um copo é antecedido por uma história que serve de justificativa para a
bebedeira.
Com base neste raciocínio, segue uma analise da permanência do alcoolista
em tratamento através da Sala de AA, bem como os efeitos experimentados no
convívio e sob os cuidados da irmandade. Como pano de fundo é relevante
considerar a história de William Grifth Wilson, conhecido por Bill Wilson, co-fundador
do AA e sua vivência.

2.4.1 A Vida de Bill Wilson

Bill, um jovem oficial, foi enviado para servir na guerra na cidade de Nova
Inglaterra. Sentia-se lisonjeado por ser tratado como um herói por sua ação, o que o
leva a diversas comemorações sempre regadas pela bebida, desconsiderando as
advertências recebidas de seus familiares sobre o mal do álcool.
Ao voltar para casa passou a estudar Direito no curso noturno e a trabalhar
como investigador numa companhia de seguros e começava uma corrida para o
êxito. Em pouco tempo estava em Wall Street, centro financeiro dos Estados Unidos
da América, atuando ativamente. Além de Direito estudou Economia e Comércio.
Uma operação bem sucedida trouxe-lhe lucros de vários milhares de dólares, e daí
por diante passara a viver uma vida de sucesso.
Por volta dos anos de 1920, a bebida ocupava parte de sua vida social, onde
eram gastos milhares de dólares em clubes e bares. Tinha um enorme círculo de
amigos de bebedeira. Neste momento a frequência no beber começa a tomar
proporções mais graves, bebia durante o dia e praticamente todas as noites.
Quando era advertido por seus amigos, estes não mais serviam e se afastava,
tornando-se finalmente um solitário.
Em outubro de 1929, sob os efeitos da queda da Bolsa de Valores em Nova
Iorque, se viu arruinado financeiramente, perdendo quase todo o seu patrimônio.
Isso deu início a um ciclo de bebedeira que aumentava a cada dia. Em meio a tudo
isto, mudou-se para o Canadá, e na primavera seguinte já estava recuperado de
seus fracassos financeiros, mas o álcool fez com que seu amigo que o acolhera o
68

abandonasse e novamente caiu em ruína. Foi viver com os pais de sua mulher.
Desempregado, passou os próximos cinco anos embriagado, sendo cuidado por sua
mulher que trabalhava em um estabelecimento comercial, e sempre que chegava
em casa cansada o encontrava bêbado.
O álcool deixou de ser luxo para se tornar uma necessidade cada vez maior e
agora, a dependência já estava instaurada. Bebia cerca de duas ou três garrafas de
gin caseiro por dia. Vivia nos bares e restaurantes, fazendo dívidas que eram pagas
com pequenas operações financeiras. Veio a tremedeira e a necessidade de beber
cada dia mais, e mais cedo. Mesmo assim pensava que podia controlar a situação,
passava períodos sem beber com a finalidade de dar esperanças a sua esposa.
As coisas iam cada vez pior, perdeu a sogra, a casa, sua esposa e o sogro
adoeceram. Perdeu boas oportunidades por causa da bebida, inclusive o seu retorno
ao mercado financeiro.
No ano de 1932 estava decidido a parar, embora já tivesse tentado outras
vezes sem sucesso, porém de certa forma sentiu que agora era a hora de parar com
a bebedeira. Entre uma tentativa e outra, o remorso, o horror e o desespero da
manhã seguinte eram inevitáveis. Faltava-lhe coragem para lutar. Tinha na cabeça
uma confusão e um terrível sentimento de calamidade iminente. Não era capaz de
atravessar a rua com medo de cair e de ser atropelado. Fracassado e sem forças
para recomeçar vem o súbito desejo de suicidar, conforme afirma,
O espírito e o corpo são dois mecanismos prodigiosos, porque os meus
resistiram a esta agonia mais dois anos. Nas alturas em que o terror e a
loucura me assaltavam de manhã, chegava por vezes a roubar à minha
mulher o pouco dinheiro que tinha. Outras, cambaleava com tonturas para
uma janela aberta ou para o armário dos remédios onde havia veneno,
amaldiçoando-me por ser fraco. As fugas da cidade para o campo e do
campo para a cidade eram formas de escape que a minha mulher e eu
procurávamos. Houve uma noite em que a tortura mental e física foram tão
infernais, que eu temi atirar-me da janela. Consegui, no entanto, arrastar o
meu colchão para o andar de baixo no caso de decidir saltar de repente. Um
médico veio ver-me e deu-me um sedativo forte. No dia seguinte estava a
beber gin com o sedativo. Esta mistura ia dando cabo de mim. Receava-se
que eu enlouquecesse, e eu também. Comia pouco ou quase nada quando
bebia e tinha dezoito quilos a menos do peso normal (BILL. In: JUNAAB,
2009, p.36-37).

Desta experiência em diante foram muitas idas e vindas a hospitais e clínicas


psiquiátricas, onde conheceu um médico que lhe explicou que estava gravemente
doente física e mentalmente.
Informaram a minha mulher, já exausta e desesperada, que tudo terminaria
por uma deficiência cardíaca durante um acesso de delirium tremens ou que
o meu cérebro ficaria irreversivelmente afectado dentro de um ano. Ela teria
69

em breve que entregar-me a um asilo ou a uma agência funerária (BILL,


2009, p.37-38).

E em novembro de 1934, Bill foi procurado por um velho amigo que passara
pela mesma situação. Este encontro ele narra da seguinte forma:
A porta abriu-se e ali estava ele com um ar fresco e radioso. Havia
qualquer coisa de indefinível no seu olhar. Estava inexplicavelmente
diferente. O que lhe teria acontecido?
À mesa servi-lhe um copo. Ele não o aceitou. Desapontado mas com
curiosidade, perguntava-me o que se passaria com ele. Não era o mesmo.
"Então, o que se passa?", perguntei-lhe.
Olhou-me a direito nos olhos. Sem rodeios e a sorrir, disse: "Tenho
religião".
Fiquei pasmado. Com que então era isso: o verão passado, doido por
causa do álcool e agora, presumia eu, tontinho com a religião. Tinha aquele
ar sonhador. Sim, não havia dúvida de que o homem estava alucinado.
Deixá-lo-ia pregar à vontade! Além disso, o meu gin iria durar mais do que o
seu sermão.
Mas ele não fez sermão nenhum. De um modo muito natural, contou como
dois homens se tinham apresentado no tribunal para persuadir o juiz a
suspender a sua sentença. Tinham exposto uma ideia religiosa muito simples
e um programa prático de acção. Isto tinha-se passado há dois meses e o
resultado era evidente. Funcionava!
Ele tinha vindo para me passar a sua experiência - se eu quisesse
aproveitá-la. Senti-me assustado mas interessado. É claro que estava
interessado. Tinha de estar porque estava desesperado.
Falou durante horas. Memórias da minha infância vieram-me à ideia.
Parecia estar sentado na encosta da colina, como naqueles domingos
tranquilos, a ouvir a voz do pregador. Recordei a promessa de temperança
que nunca cumpri. Lembrei-me do desprezo sem malícia do meu avô para
com pessoas da igreja e para com os seus modos de proceder; da insistência
com que afirmava que existia uma música celestial, mas negando ao
pregador o direito de lhe impor o modo de como a ouvir; da coragem com que
falava de tudo isto mesmo antes de morrer. Estas recordações surgiam do
passado e faziam-me sentir um nó na garganta.
Tinha sempre acreditado num Poder superior a mim mesmo. Tinha
reflectido muitas vezes sobre estas questões. Eu não era ateu.
[...]
Mas o meu amigo sentado à minha frente, afirmava categoricamente que
Deus tinha feito por ele o que ele não tinha conseguido fazer por si próprio. A
sua vontade humana tinha falhado. Os médicos tinham-no declarado
irrecuperável. A sociedade estava prestes a encarcerá-lo. Tal como eu, ele
tinha admitido a derrota total. Então, ele fora literalmente ressuscitado dos
mortos, subitamente retirado dum monte de escombros humanos e elevado a
um nível de vida que ele jamais tinha conhecido!
Este poder tinha origem nele? Claro que não. Não tinha existido nele mais
poder do que havia em mim naquele momento, e em mim, não havia
absolutamente nenhum.
Foi o que me desarmou. Começou a parecer-me que as pessoas
religiosas afinal tinham razão. Eu presenciava algo a atuar num coração
humano que tinha realizado o impossível. Nesse mesmo momento revi
drasticamente as minhas idéias sobre milagres. Tanto pior para as minhas
noções do passado; à minha frente, do outro lado da mesa, estava um
milagre. Ele proclamava em voz alta boas novas.
Apercebi-me de que a transformação do meu amigo era muito mais do que
uma simples reorganização interior. Ela estava alicerçada numa base
diferente. As suas raízes mergulhavam num solo novo.
70

Apesar do exemplo vivo do meu amigo, havia ainda em mim vestígios dos
meus velhos preconceitos. A palavra Deus continuava a inspirar-me certa
antipatia, e este sentimento agravava-se perante idéia de um Deus pessoal.
Esta noção desagradava-me. Podia aceitar conceitos como os de uma
Inteligência Criadora, um Espírito Universal ou Espírito da Natureza, mas
opunha-me à noção de um Czar dos Céus, por mais carinhoso que fosse o
seu reino. Desde então tenho falado com dezenas de pessoas que partilham
as mesmas idéias.
O meu amigo sugeriu o que então parecia uma idéia original, "Porque não
escolhes a tua própria concepção de Deus?"
Esta afirmação tocou-me muito fundo. Derreteu a montanha de gelo
intelectual, à sombra da qual tinha vivido e tremido durante muitos anos.
Estava por fim à luz do sol.
Era só uma questão de ter boa vontade para crer num Poder superior a
mim mesmo. Não era preciso mais nada para começar. Percebi que o
crescimento podia partir deste ponto. Com base numa total boa vontade
poderia edificar o que via no meu amigo. Conseguiria? Claro que sim!
Deste modo convenci-me de que Deus se preocupa conosco, seres
humanos, desde que O queiramos suficientemente. Ao fim de muito tempo,
vi, senti e acreditei. A camada de orgulho e preconceito que me tapava os
olhos desapareceu. Surgiu-me um novo mundo.
O verdadeiro significado da minha experiência na Catedral tornou-se-me
então claro. Por um breve instante tinha sentido a necessidade e o desejo de
Deus. Tinha tido a humilde vontade de O encontrar, e Ele veio. Mas em
breve, o sentimento da sua presença dissipou-se com os clamores
mundanos, essencialmente com os que me habitavam. E assim tinha sido
desde sempre. Que cegueira a minha.
No hospital tiraram-me o álcool pela última vez. O tratamento parecia
indicado porque tinha indícios de delirium tremens.
Aí ofereci-me humildemente a Deus, tal como eu então O concebia, para
que fizesse de mim o que quisesse. Pus-me sem reservas sob a Sua
proteção e orientação. Admiti pela primeira vez que só por mim não era nada;
que sem Ele estava perdido. Sem medo encarei os meus pecados e dispus-
me a que o meu novo Amigo os removesse pela raiz. Desde então nunca
mais voltei a beber (BILL. In: JUNAAB, 2009, p.38-43).

Passa então a desenvolver ações que sustentem sua nova vida. Dispõe-se a
corrigir todos os erros que tinha cometido contra as pessoas, tinha em seu coração o
desejo enorme de reparar todos os danos causados da melhor maneira, sempre
respaldado pelo desejo de obedecer fielmente a vontade de Deus. A prática da
oração era uma constante e havia um modelo de oração, como dizia ele, “nunca
devia rezar para mim próprio, exceto na medida em que os meus pedidos tivessem
utilidade para outros”. A cada dia sua crença no poder de Deus era acrescida,
vivendo a boa vontade, a honestidade e humildade, tudo isto demonstrado em seus
pensamentos e suas ações. Tal vivência trouxe paz e serenidade.
A divulgada história de Bill pelas salas de AA, bem como em outros grupos
anônimos, não difere dos demais participantes, que também, da mesma forma
contabilizam prejuízos pelo uso descontrolado do álcool ou de outra substância
química qualquer.
71

Bill, logo após sua decisão de viver sóbrio diz, “Aí me ofereci humildemente a
Deus, tal como eu então O concebia, para que fizesse de mim o que quisesse. Pus-
me sem reservas sob a Sua proteção e orientação. Admiti pela primeira vez que só
por mim não era nada; que sem Ele estava perdido. Sem medo encarei os meus
pecados e dispus-me a que o meu novo Amigo os removesse pela raiz. Desde então
nunca mais voltei a beber” (BILL. In: JUNAAB, 2009, p.48). Ter serenidade para
aceitar, coragem para mudar e sabedoria para escolher são considerações claras
que marcam a sua conversão.
Segundo Paul Tillich36, pode-se descrever a conversão como sendo,
... conversão como a passagem do estado latente para o estado manifesto da
comunidade espiritual, pela qual o seu caráter específico expressa-se
claramente. Não há conversão absoluta, mas há conversão relativa antes e
depois do evento central do kairos, do momento da virada decisiva, momento
extático produzido pelo Espírito. (...) Cada vez um kairos está presente como
tempo da experiência religiosa. Isso expressa o fato que a comunidade
espiritual está relacionada tanto com a cultura e a moralidade quanto com a
religião, e que, lá onde o Espírito está em ação, vive-se sempre também uma
reviravolta radical. A conversão como kairos não está vinculada nem ao
tempo de Jesus nem ao tempo da igreja. O kairos acontece no seio de uma
experiência existencial subjetiva antes ou depois de um evento central
37
subjetivamente determinado.

A expressão da fé está na existência de um “Poder Superior”, de um Deus


soberano, ao qual deve ser entregue o controle da vida. Essa forma de pensamento
é o que sustenta os grupos de apoio – Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos
entre outros. Somente pelos caminhos da fé é que se adquire a perseverança para
alcançar a sobriedade. Esta é considerada um estado de espírito que só se alcança
por meio da humildade, da serenidade e da fé. Desta forma é possível a redenção.

2.4.2 Compartilhar e partilhar a recuperação

Lembro-me de minha infância e de todas as vezes que ouvi meu pai dizer a
respeito da dependência da bebida alcoólica e o mal que esta causava na vida dos
homens e mulheres. Acompanhei meu pai por alguns lugares aonde ele, como

36
Paul Johannes Oskar Tillich nasceu em 20 de agosto de 1886 em Starzeddel na Prússia Oriental. Estudou
sucessivamente a filosofia e a teologia em Berlin, Tübingen e Halle, sendo contemporâneo de Karl Barth e
Rudolf Bultmann. Suas teses foram dedicadas à filosofia religiosa de Schelling. Ordenado pastor em 1912,
participou da Primeira Guerra Mundial como capelão de guerra. Até 1933 lecionou em Berlin, Marburg,
Dresden, Leipzig e Frankfurt, onde sucedeu a Max Scheler em 1929.
37
Etienne HIGUET, in http://www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio07 consultado em 12 de dezembro de
2008
72

representante de AA, ia com a finalidade de iniciar um grupo de AA. Uma dessas


viagens apresento para ilustrar o diálogo com a dependência do álcool.
Na década de setenta, ainda com nove anos de idade, fui levado por meu pai
a um povoado chamado Marinhos, próximo a cidade de Moeda-MG. Era uma
comunidade de pouco mais de mil habitantes, cuja atenção e o cuidado social
estavam a cargo da comunidade católica romana, através de uma irmandade que
nos dias de hoje possivelmente fosse denominada de pastoral comunitária ou algo
semelhante. Acompanhados pela responsável por aquela iniciativa, fomos até a sala
onde posteriormente iria funcionar a Sala do AA.
Meu pai organizou as cadeiras e colocou sobre a mesa toda a literatura que
havia levado para apresentar aqueles/as que viriam para participar da reunião,
inclusive uma placa em acrílico escrita: “Evite o primeiro gole”.
Meu pai iniciou a reunião seguindo a literatura do AA e convidou os presentes
para acompanharem a Oração da Serenidade como segue: “Concedei-nos Senhor a
serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem
para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”.
Após um breve comentário sobre a oração, ele passou a testemunhar sobre sua vida
e sua condição de alcoólatra e todo o mal que havia sofrido por causa da bebida.
Por ser a primeira reunião e o grupo ali presente vivenciava tudo pela primeira
vez, passou a falar sobre a história do AA, sobre os fundadores Bill e Bob.
Apresentou a literatura que norteia as reuniões, o famoso Livro Azul, Livro dos Doze
Passos e das Doze Tradições. Ia mostrando cada livro e reforçava a importância de
conhecer plenamente todo aquele material. Na sequência, o padre que assistia
aquela comunidade, teve a oportunidade de abençoar a sala e acolher aos que
mostraram desejo de ingressarem na irmandade e encerrou a reunião convidando a
todos/as para que em pé acompanhassem novamente a oração da serenidade.
Ficamos naquele local por quatro dias e durante estes dias meu pai dirigiu
quatro reuniões, realizou várias visitas e acompanhou o ingresso de vários homens
e mulheres naquele grupo que acabara de nascer.
Isto tudo aconteceu provavelmente quando o meu pai já alcançava
aproximados sete anos de sobriedade, e já tinha a sua história pregressa como
alcoolista em recuperação para contar e compartilhar com todos e todas, que como
ele, vinham sofrendo do mal que a dependência proporcionava.
73

Com este tempo no AA, meu pai já havia passado por todos os passos da
recuperação, os famosos Doze Passos38, já havia admitido sua impotência perante o
álcool. Tinha retomado sua fé em Deus e a partir disto buscava viver a Sua vontade.
Tinha desenvolvido um inventário moral, pediu perdão por suas faltas e por todo o
mal que causou sob os efeitos do álcool, permitindo a Deus remover todos os seus
defeitos de caráter. Buscava em Deus o livramento para suas imperfeições. Tinha
consigo claramente a relação de todas as pessoas que havia prejudicado e se
dispôs a reparar os danos causados. Voltava sempre ao seu inventário e se
necessário retificava-o, sempre mantendo um contato contínuo com Deus através
das orações. Respeitar incondicionalmente a vontade de Deus em sua vida era uma
preocupação constante. Desta forma estava cumprindo o décimo segundo passo
que afirma, “tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos,
procura transmitir esta mensagem aos alcoólatras e praticar estes princípios em
todas as suas atividades”.39
Testemunhar a mudança, levar a outros a resposta que um dia recebera é o
ponto de apoio na vida dos que sofriam o mesmo mal, é o resultado da experiência
vivenciada a partir do diálogo, aonde o amor, a humildade e a fé no homem, viessem
a proporcionar a confiança e o restauro da esperança. Isto porque esta se perdeu
num determinado momento. Jung Mo Sung diz que:
“Quem não tem esperança de nada, não pode conhecer nada de novo, pois
está fechado no que existe e não se abre para nenhuma novidade. Quem tem
esperança deseja algo que ainda não existe e, por isso, é capaz de ver as
insuficiências do mundo e as sementes do novo que estão germinando. Ao
mesmo tempo, o conhecimento dos limites, das carências e das possibilidade
do mundo atual fortalece a esperança de um mundo que supere em todo ou
em parte esses limites e problemas e mostre os caminhos do novo que está
brotando e florescendo. Por isso, é importante conhecermos as
características fundamentais do mundo em que vivemos hoje, para que esse
conhecimento marcado pela esperança alimente a nossa esperança” (SUNG,
2005, P:29).

A experiência vivenciada por aquele/a que sofre a Síndrome da Dependência


do Álcool é na verdade, aquela que altera significativamente o curso de sua vida.

38
O Programa de Doze Passos (twelve-step program) foi criado nos Estados Unidos em 1935 por William
Griffith e Doutor "Bob" Smith, inicialmente para o tratamento de alcoolismo e mais tarde estendido para
praticamente todos os tipos de tratamento de dependência química. Trata-se da estratégia central da grande
maioria dos grupos de autoajuda para o tratamento de dependências químicas ou compulsões, sendo mais
conhecidos no Brasil os Alcoólicos Anônimos, grupos relacionados como Al-Anon/Alateen, voltados às famílias
de alcoólatras e Narcóticos Anônimos. Consultado em 16 de julho de 2009
http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_de_12_passos
39
12º Passo dos Doze Passos de AA.
74

Proporciona mudanças, bem como a possibilidade de mudanças tanto na vida social


quanto na vida interior da pessoa. Pode também desenvolver experiências
transcendentais como a sensação de estar sob o cuidado de Deus tanto na vida
pessoal quando na vida do grupo de convivência.
Para Paul Ricoeur, toda palavra tem seu significado não só em si mesma,
mas também no efeito que ela proporciona no leitor ou ouvinte, interferindo,
influenciando e alterando suas emoções e promovendo novo comportamento ou
ações.
Desta forma, fica evidente que o alcoolista quando abordado por uma pessoa
sóbria tende a se defender através das palavras, assim como aquele/a que o aborta
também tenta o convencer através das palavras. Ricoeur chega a dizer que a
palavra tem o poder transformador que faz com que o caído se levante. Em suas
palavras: “Cuando nace la palabra, las cosas se transforman em lo que ellas son y
El hombre se pone de pie” (RICOEUR, 1968, p:159).
As duas dimensões da palavra para Paulo Freire; ação e reflexão, que se
interelacionam mutuamente, ou seja, a dimensão da ação na palavra sem a reflexão
é um ativismo e, a dimensão da reflexão na palavra sem a ação é transformado em
“palavreria, um verbalismo, ou blábláblá”. O diálogo somente acontece sob a
“palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, [...] por
isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros,
num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais” (FREIRE, 1987,
p:44).
Considerando todo o contexto contemplado e em face de tudo que foi
salientado, é possível dizer que a palavra, adquirindo o verdadeiro significado para o
qual foi dita, quer seja por quem a proferiu ou por quem a ouviu, cria a oportunidade
e abre portas diante do novo, aquilo que era até então desconhecido vem à tona e a
possibilidade de ampliar diferentes e novos horizontes fica estabelecida, dando
ânimo e esperança a quem já não via a luz no fim do túnel.
A base para todo o processo de compartilhar nas salas de AA é, sem dúvida
nenhuma, é o desenvolvimento dos Doze Passos, neles são incentivados os
caminhos para as reparações dos erros cometidos, a meditação praticada em grupo
ou individualmente. A história pessoal do alcoólico, antes e depois da recuperação,
evidencia três ideias pertinentes:
(a) Que era alcoólico e não conseguia governar as sua própria vida.
75

(b) Que provavelmente nenhum poder humano teria conseguido aliviar o


seu alcoolismo.
(c) Que Deus poderia e o faria se Ele fosse procurado.
A relação plena com Deus ou como dizem os AAs, o Poder Superior, é o
princípio básico para que o alcoolista possa desenvolver o programa dos Doze
Passos. Sendo assim há necessidade de um encontro com Deus e a necessidade
da conversão segundo William James que afirma:
converter-se é regenerar-se, receber a graça, sentir a religião, obter uma
graça, são tantas outras expressões que denotam o processo, gradual ou
repentino, por cujo intermédio um eu até então dividido, e conscientemente
errado, inferior e infeliz, se torna unificado e conscientemente certo, superior
e feliz, em conseqüência de seu domínio mais firme das realidades religiosas.
Isto, pelo menos, é o que significa a conversão em termos gerais, quer
acreditemos quer não, que se faz mister uma operação divina direta para
produzir uma mudança natural dessa ordem (JAMES, 1995, p. 126).

Voltar-se a Deus e entregar-se completamente à Sua vontade é o ponto de


partida para o programa de recuperação dos Doze Passos como segue:
1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que as nossas vidas
se tinham tornado ingovernáveis.
2. Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos nos poderia
restituir a sanidade.
3. Decidimos entregar a nossa vontade e a nossa vida aos cuidados de
Deus, como O concebíamos.
4. Fizemos, sem medo, um minucioso inventário moral de nós mesmos.
5. Admitimos perante Deus, perante nós próprios e perante outro ser
humano a natureza exata dos nossos erros.
6. Dispusemo-nos inteiramente a aceitar que Deus nos libertasse de todos
estes defeitos de caráter.
7. Humildemente Lhe pedimos que nos livrasse das nossas imperfeições.
8. Fizemos uma lista de todas as pessoas a quem tínhamos causado danos
e dispusemo-nos a fazer reparações a todas elas.
9. Fizemos reparações diretas a tais pessoas sempre que possível, exceto
quando fazê-lo implicasse prejudicá-las ou a outras.
10. Continuamos a fazer o inventário pessoal e quando estávamos errados
admitíamo-lo imediatamente.
11. Procuramos através da oração e da meditação melhorar o nosso contacto
consciente com Deus, como O concebíamos, pedindo apenas o
conhecimento da Sua vontade em relação a nós e a força para a realizar.
12. Tendo tido um despertar espiritual como resultado destes passos,
procuramos levar esta mensagem a outros alcoólicos e praticar estes
princípios em todos os aspectos da nossa vida (JUNAAB, 2008).

Paul E. Johnson ao escrever sobre a conversão no tópico Reavivamento e


Sobrevivência do texto Psicologia da Religião, discorre a relação entre a conversão
e o cumprimento dos passos do programa de AA:
Esses passos são características da conversão, como está concebida neste
capítulo. Os conflitos dessas pessoas intensificaram-se numa luta
desesperada, chegando a uma crise em que são incapazes de negar que
76

estão destruindo a si próprios e suas relações com aqueles a quem amam e


estimam acima de tudo. Até que ponham de lado o orgulho ilusório e admitam
honestamente sua inabilidade para controlar seus conflitos sozinhos,
continuam repetindo fracasso após fracasso. Quando essas lutas os levam a
ver a profundeza de sua necessidade finita, eles começam a procurar um
poder maior como sua única esperança. Podem não compreender esse poder
misterioso, mas chegam à decisão de transformar suas vidas e entregá-las
aos cuidados do grupo que os afiançam. Dessa procura pela finalidade
suprema vem uma reação estímulo demonstrada na preocupação que lhes
apresentam os alcoólatras abonadores. Então quando lhes chegam nova vida
e poder, através de tais relações, podem ver como o crescimento se torna
possível através da devoção interpessoal. “Eu” solicitará “Tu” para evoluir na
realização maior das potencialidades maduras (JOHNSON, 1964, p. 127).

Cumprir com todos estes passos não é uma tarefa simples, sendo assim a
vivência com Deus após o encontro faz com que o alcoolista, agora em recuperação
lance-se cada vez mais nos braços do Poder Superior a fim de conseguir um
crescimento espiritual. Segundo os AAs, eles buscam o progresso espiritual e não a
perfeição. Os princípios que enunciam são guias para progredir e o que pretendem é
o progresso espiritual e não a perfeição espiritual.
A experiência vivenciada por um alcoolista é, na verdade, aquela que altera
significativamente o curso de sua vida. Embora esta experiência aconteça
geralmente em uma sala de AA, pode ser vista como uma experiência religiosa, isto
porque trata do interior e do exterior da pessoa convertida, tanto na dimensão
humana quanto na dimensão transcendental. Proporciona mudanças na sua vida
interior e também na vida social. Pode também desenvolver experiências
transcendentais como a sensação de estar sob o cuidado de Deus tanto na vida
pessoal quando na vida do grupo de convivência. Johnson afirma que a conversão
não transformará tudo instantaneamente é necessário a experiência, o convívio,
sendo dado um passo a cada vez, como segue:
É evidente, na seqüência desses passos, que nenhuma conversão
transformará tudo instantaneamente para sempre. Aquele que procura deve
dar um passo após o outro, não importa quão doloroso ou difícil possa ser.
Terá de tornar-se peregrino dedicado a distantes metas que exigem
experimentos contínuos na devoção fiel ao objetivo principal ao qual se
entrega. Ele falhará e deslizará de volta aos velhos e familiares passos
descendentes que o conduziram anteriormente a seu malogro. Então, deve
fazer um inventário minucioso e destemido de si mesmo, confessando a Deus
e a outro ser humano a natureza exata de seu mau procedimento. Após tais
tropeços, deve chegar ao ponto em que está desejoso de que Deus remova
esses defeitos e pedir-lhe que o faça. Deve, sistematicamente, abandonar os
erros que inflige a outros na medida do possível, para que suas relações
humanas possam ser sólidas e construtivas. Precisará praticar a meditação e
prece, diariamente, a fim de defrontar o Tu e reunir força e orientação para
prosseguir no estágio seguinte da jornada. Deve dirigir-se constantemente até
outros necessitados e dedicar suas energias generosamente a auxiliá-los em
sua jornada para uma vida melhor (JONHSON, 1964, p. 128).
77

Permanecer no grupo, frequentar as Salas de AA e procurar vivenciar os


Doze Passos são as formas de sustentação para uma vida sóbria a cada dia. Desta
forma o alcoolista em recuperação não consegue ver-se fora da irmandade. É neste
convívio que busca apoio e espiritualidade para vencer o plano das 24 horas de
sobriedade:
O plano das 24 horas é muito flexível. Podemos começá-lo de novo a
qualquer momento, seja onde for. Em casa, no trabalho, num bar ou num
quarto de hospital, às 4 da tarde ou às 3 da manhã, podemos decidir não
tomar uma bebida durante as 24 horas ou nos 5 minutos que se seguem.
Continuamente renovado, este plano evita a fraqueza de métodos, como a
"lei seca" ou os juramentos solenes. Tanto um período de abstinência como
uma promessa chegam a um fim, conforme planejados – de modo que nos
sentíamos livres para beber de novo. O dia de hoje, porém, está sempre ao
nosso alcance. A vida é diária; o dia de hoje é tudo o que nós temos; e
qualquer pessoa pode passar um dia sem beber.
Em primeiro lugar, procuramos viver no presente só para não beber – e
vemos que isto funciona. Uma vez que esta idéia se torne uma parte da
nossa maneira de pensar, vemos que viver a vida por períodos de 24 horas é
também uma forma eficaz e satisfatória que se aplica para lidar com muitas
outras questões (JUNAAB, 2007,p.18).

Considerando o plano das 24 horas é importante dizer que após o encontro


no grupo com a intenção de abandonar a bebida alcoólica, uma experiência de
conversão, o alcoolista em recuperação exercita a cada dia uma nova conversão.
Desta forma permanece em comunhão com seus familiares, amigos, com a
irmandade de AA, com a sua comunidade religiosa e principalmente com Deus, ou
segundo a concepção de AA, com o Poder Superior.
Cabe ressaltar ainda que esta experiência pode ser "reforçada" ou "motivada”
por grupos sociais e situações. Isso pode ser o caso em situações tão diversas
como grupos de auto-ajuda, cultos e campanhas religiosas de evangelização, etc. A
motivação cognitiva e emocional é frequentemente usada para "incentivar" a
conversão nos indivíduos e grupos abertos, ou os que buscam a mudança (pessoas
que estão experimentando um conflito interno).
Os efeitos da mudança de rumo, comportamento ou porque não dizer da
conversão, dependem de fatores de personalidade, da necessidade percebida, do
desejo, das circunstâncias sociais, da profundidade da necessidade, ou do conflito
percebido e da presença contínua de reforço social. Daí a permanência dos
alcoolistas em recuperação sob “Poder Superior” no exercício dos Doze Passos e na
prática da Oração da Serenidade que discorro a seguir.
78

2.4.3 Oração da Serenidade – Uma forma de se manter próximo ao


Poder Superior

Deus conceda-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso


modificar; Coragem para modificar as coisas que posso, e Sabedoria para
saber a diferença. Vivendo um dia de cada vez; Desfrutando um momento por
vez; Aceitando as dificuldades como o caminho da paz; Tomando, como ele
fez, este mundo pecaminoso como ele e, não como eu gostaria que fosse;
Confiando em que ele fará todas as coisas certas se eu submeter-me a sua
vontade. Que eu possa ser razoavelmente feliz nesta vida; E infinitamente
feliz com ele para sempre na próxima. Amém.
Reinhold Niebuhr (1892 – 1971)

A Oração da Serenidade tornou-se uma das mais apreciadas no mundo todo.


Ela é divulgada nas mais variadas formas, como marcadores de páginas de livros,
placas, adesivos de pára-choques e até mesmo antologias de poesias inspiradoras.
Milhões de pessoas a oram todos os dias nas reuniões de recuperação dos Doze
Passos nos grupos anônimos como AA (alcoólicos anônimos), NA (narcóticos
anônimos), por exemplo, bem com outros milhões de pessoas a utilizam para
enfrentar os problemas estressantes da vida. Estas palavras proporcionam uma
profunda união do/a homem/mulher com Deus ou Poder Superior.
A Oração da Serenidade completa não é muito conhecida, talvez por ser mais
difícil de lembrar e de orar do que a versão mais breve. Philip St. Romain afirma no
prefácio de seu livro Oração da Serenidade, “quando li pela primeira vez essa
versão mais longa, fui imediatamente tocado pela perspicácia e sabedoria que
encerra, e então a decorei”.
A autoria da Oração da Serenidade é duvidosa. Há quem diga que ela tem
sua origem nos antigos povos gregos, outros acham que ela saiu da pena de um
poeta anônimo inglês e há ainda os que a atribuem a São Francisco de Assis. Há
também os que acham que foi escrita por um oficial da marinha americana, de
origem não identificada, porém o mais provável e mais aceitável pela maioria dos
que a conhecem é que sua autoria seja atribuída ao teólogo protestante americano,
o senhor Reinhold Niebuhr40 (1892- 1971), que lecionou durante anos no Union
Theological Seminary. As linhas iniciais da Oração constituem a base de um sermão

40
Um dos mais destacados teólogos protestantes do século XX, conhecido por ser envolvente nas questões
públicas e por seu pensamento sobre a ética. Dizia que apesar do homem estar caído, ele é responsável pelos seus
atos e por isso é um ser livre. Se referia a Cristo como a chave do mistério da existência humana e o símbolo do
amor eterno. Via a verdade apresentada na Bíblia, mas não a encarava como elemento metafísico. Na política,
reconhecia as irracionalidades do homem, mas buscava meios de dar racionalidade e direção a ele.
79

que ele fez em 1934 e foi provavelmente adaptada pelos Alcoólicos Anônimos na
década de 40. Uma coisa é certa, a Oração da Serenidade revela uma sabedoria de
vida, que, se cultivada, revela o melhor da existência humana.
A versão conhecida e utilizada para abrir e fechar as reuniões dos grupos
anônimos é:
“Conceda-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que
não posso modificar, coragem para modificar as que eu posso e sabedoria
para distinguir uma das outras”.

O pedido na oração é por serenidade, que significa paz interior, tranquilidade,


harmonia e calma. O evangelista João escreve: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou, não vo-la dou como o mundo dá. Não se turbe o vosso coração, nem se
atemorize”. [Jo 15:27]. Ao clamar por serenidade o orante se apresenta desejoso da
paz que vem de Deus, (Poder Superior), deseja também ter habilidade para alcançar
êxito em todas as suas investidas no mundo relacional, no mundo material e no
mundo secularizado41.
A serenidade, que é a imunidade a todas as dependências, caracteriza-se por
sentimentos de tranqüilidade, gratidão, contentamento, afeição aos outros, e
por uma profunda paz interior. Quando as pessoas estão serenas, não
necessitam satisfazer desejos para se sentirem completas (BAILEY, 1996,
p.13).

Adquirindo serenidade, o homem/mulher passam a experimentar o


aconselhamento de Jesus, descrito pelo evangelista Mateus, "Não vos ponhais
inquietos pelo dia de amanhã. A cada dia basta o seu mal" [Mt 6:34]. Viver em
serenidade é reconhecer que as adversidades, os problemas, bem como os
obstáculos são oportunidades de aprendizado e crescimento interior.
Buscando uma melhor compreensão é importante uma leitura passo a passo
da Oração da Serenidade como forma de interpretá-la.
“Aceitar as coisas que não posso modificar” – O orante, confortado pela paz
interior vivenciada na serenidade, ao manifestar seu desejo em aceitar o mundo ao
seu redor tal como é, bem como reconhecendo sua impossibilidade frente à
realidade existente ao seu redor, demonstra segurança e por que não dizer,
esperança. Praticar esta oração no contexto da dependência química, frente ao

41
A secularização de uma sociedade pode ser entendida, em um sentido literal, como um processo pelo qual a
religião deixa de ser o aspecto cultural agregador, transferindo para uma das outras atividades desta mesma
sociedade este fator coercitivo e identificador. Ela faz com que tal sociedade já não esteja mais determinada pela
religião. Nas relações da Igreja com o Estado, é o processo de devolução de algo que, por razões de ordem
histórica, estava submetido ao domínio religioso.
80

processo de recuperação é declarar através da palavra42 a aceitação, uma vez que a


serenidade tem o poder para mudar todos os aspectos da vida humana.
“Coragem para modificar as que eu posso”, uma vez que a serenidade é a
base para se obter coragem para alterar percursos, projetos e sonhos. A afirmação
de que sem a serenidade tais coisas não são possíveis, não é exagerada. Isto
porque, coragem é a habilidade de confrontar o medo, a dor, o perigo, a incerteza ou
intimidação. Podendo ser física e moral, a coragem é a confiança em momentos de
temor ou situações difíceis, é a força motivadora no enfrentar da vida. Sem a paz
interior, sem a capacidade para articular corretamente o raciocínio pela
ocasionalidade de algum mal mental, não estando sereno, o ser humano não tem
condições para desenvolver as ações que lhe são solicitadas em seu dia a dia.
Paul Tillich em seu texto a Coragem do Ser, propõe o conceito de Coragem
como auto-afirmação "a despeito de", a despeito daquilo que tende a impedir o eu de
se afirmar...
... Ansiedade e coragem têm caráter psicossomático. São biológicas, tanto
como psicológicas. Do ponto de vista biológico poder-se-ia dizer que medo e
ansiedade são as ameaças do não-ser a um ser vivente, produzindo
movimentos de proteção e resistência a esta ameaça. A auto-afirmação
biológica implica na aceitação destas ameaças. Sem esta auto-afirmação a
vida não pode ser preservada. Quanto mais força vital um ser possui, mais é
capaz de afirmar-se a despeito dos perigos anunciados pelo medo. A auto-
afirmação biológica pede um equilíbrio entre coragem e medo. Se as
advertências do medo não produzem efeito, a vida desaparece. A coragem
de ser é uma função da vitalidade. Coragem é a possibilidade dependente,
não do poder da vontade ou do discernimento, mas de um dom que precede
à ação. Não se pode comandar a coragem de ser e não se pode obtê-la
43
obedecendo a um comando.

Uma vez que a coragem é descrita como o poder para vencer o medo, este
medo pode ser visto como um sentimento que proporciona um estado de alerta
diante do receio e das ameaças físicas ou psicológicas. Nas últimas décadas, a
psicologia e a filosofia existencialista têm proporcionado uma decisiva distinção
entre medo e ansiedade. Ambos os sentimentos provocam sensações de distúrbios
e desconfortos mentais. Buscar a serenidade como base para uma vida corajosa é
sim um princípio ativo na vida do dependente em recuperação, sendo possível ver
mudanças não só em seu comportamento, mas também no mundo ao seu redor.

42
Segundo Gusdorf a função da palavra, na sua essência, não é uma função orgânica, mas uma função intelectual
e espiritual. A palavra designa a realidade humana, tal como ela se manifesta na expressão, não há função
psicológica, nem realidade social, mas afirmação da pessoa, de ordem moral e metafísica.
43
http://almanaque.folha.uol.com.br/filosofiatillich.htm consultado em 03 de janeiro de 2009.
81

“Sabedoria para distinguir uma das outras” – segundo o autor do livro de


Provérbios “Feliz é o homem que acha sabedoria, e o homem que adquire
entendimento; pois melhor é o lucro que ela dá do que o lucro da prata, e a sua
renda do que o ouro” (Prov. 3:13-14). A oração por sabedoria faz com que a pessoa
possa distinguir o bem e o mal, distinguir as coisas boas em detrimento das ruins na
vida humana, distinguir o que promove a vida daquilo que traz a morte. Thiago
apresenta como orientação pastoral: “... se algum de vós tem falta de sabedoria,
peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e não censura, e ser-lhe-á dada” (Tiago
1:5).
Platão concebia a sabedoria como:
A virtude superior, paralela à classe superior dentro da Cidade ideal e à parte
mais elevada da alma na divisão tripartida desta. No entanto, esse filósofo
admitiu também outros significados de sabedoria; por exemplo, a sabedoria
como a arte no sentido da habilidade para praticar uma operação. A diferença
entre ambos os significados consiste em que enquanto no primeiro caso se
trata de uma sabedoria superior, no último caso é uma sabedoria inferior. De
fato, no primeiro caso temos apenas uma sabedoria entre outras. Além disso,
em certa ocasião (como no Fédon, 96A), Platão falou da sabedoria como de
uma investigação das coisas naturais. O predomínio do significado teórico de
sabedoria alcançou sua máxima expressão em Aristóteles, quando
considerou a sabedoria como a ciência dos primeiros princípios, e a
identificou com a filosofia primeira (metafísica). A sabedoria é a união da
razão intuitiva com o conhecimento rigoroso do superior ou das primeiras
causas e princípios. Por isso o nome Sofia se refere ao teórico ou
contemplativo, ao contrário do vocábulo prudência, que se refere ao prático
ou ativo (FERRATER-MORA, 2001, 2570).

Sabedoria é o dom que nos permite discernir qual o melhor caminho, a melhor
ação frente às diversas situações experimentadas na vida humana. O significado da
sabedoria é bem mais abrangente na Bíblia do que no contexto extra bíblico. Muitos
intérpretes admitem a sabedoria bíblica em termos meramente racionais, como
capacidade intelectual atribuída a Deus e aos seres humanos. Seria uma faculdade
cognoscitiva que capta e compreende conteúdos inteligíveis sem produzir novos
dados de conhecimento.
Sendo assim, praticar a Oração da Serenidade, quer seja no início como no
encerramento das reuniões dos grupos anônimos é manifestar um desejo de poder
exercer seguramente a aceitação, a coragem e a sabedoria, sempre no sentindo
primeiro de cada um destes conceitos. O desejo é adquirir constantemente a
serenidade necessária para... aceitar, exercer a coragem e ter sabedoria é na
verdade uma ação experimentada pelo alcoolista em recuperação com vistas a
82

poder compartilhar a sua recuperação e manifestar a sua submissão a Deus, na


formar em que o compreende.
Tendo considerado o Credo Social, bem como o transitar entre o alcoolismo e
a síndrome da dependência do álcool e encerrando com a experiência dos
Alcoólicos Anônimos como uma pastoral de cuidado aos alcoolistas. O capítulo a
seguir reflete sobre a práxis pastoral da Igreja Metodista, a partir da assimilação do
Credo Social desde 1918, como norteador da ação social da Igreja ao longo dos
anos.
83

CAPÍTULO III

O CREDO SOCIAL DA IGREJA METODISTA: FUNDAMENTO


PARA UMA PRÁXIS PASTORAL VOLTADA A SÍNDROME DA
DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL

Em 2003, Renders publicou na revista Caminhando44 o artigo, cujo título é,


Credo e Compromisso Sobre o uso litúrgico e a designação do Credo Social da
Igreja Metodista, que contempla a história, o significado e a designação do Credo
Social. Neste artigo é apresentado a:
importância da vida litúrgica para a formação contínua de uma identidade
eclesiástica e de identidade pessoal não pode ser subestimada. A Igreja
Metodista expressou essa convicção por meio da renovação do Ritual
Metodista em 2001. Um Credo Social pode ajudar a esclarecer um aspecto
da identidade eclesiástica no lugar mais apropriado para isso, no culto. A falta
da parte litúrgica do Credo Social no Ritual reflete, de certo modo, a sua
notável ausência em termos gerais na igreja. O compromisso social de
pessoas e organismos eclesiásticos não nasce de repente. Ele representa
uma plantinha frágil e literalmente indefesa, que sofre muitas influências
hostis à sua existência. Se não for continuadamente nutrido, lembrado,
explicado e celebrado, ele não sobrevive ou não é vivenciado. Além disso, um
Credo Social pode contribuir para a reconciliação interna da Igreja Metodista.
Ele une em si a ênfase na glorificação de Deus e na promoção da cidadania.
Um Credo Social poderia ser um ponto de encontro da “geração louvor” e da
“geração movimento social” (RENDERS, 2003, p: 68).

Segundo Renders, “o compromisso social de pessoas e organismos


eclesiásticos não nasce de repente”, referindo-se ao significado do Credo Social
para a comunidade de fé praticante e envolvida com o metodismo de nosso tempo.
Conhecer os ensinamentos bíblicos e as passagens exortativas ao exercício do
amor ao próximo não são suficientes quando não se desenvolve relações e
conhecimentos para que este amor seja praticado e experimentado no contexto da

44
CAMINHANDO – Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Universidade Metodista de São
Paulo – UMESP, uma publicação semestral.
84

Igreja e também onde esta está inserida. Assim, pensar o Credo Social como
fundamento para uma práxis pastoral voltada à síndrome da dependência do álcool
é identificar ações efetivas no cuidado e atenção a todos que sofrem este mal.
Com a finalidade de fomentar uma leitura do credo social sob a ótica da práxis
religiosa segundo Casiano Floristan45, neste capítulo proponho um caminho a partir
de três pontos, de forma a possibilitar uma aproximação do tema, a construção de
conclusões e um despertar para novos desafios. O primeiro ponto a ser visto é a
conceituação que Casiano Floristan desenvolve para o termo práxis, uma vez que o
termo nem sempre é corretamente utilizado. O segundo ponto apresentará uma
leitura da práxis pastoral da Igreja Metodista voltada à síndrome da dependência do
álcool através de suas publicações, e, concluindo, uma fundamentação a partir do
Credo Social para uma práxis pastoral voltada para a síndrome da dependência do
álcool.

3.1 Práxis e pastoral – Conceitos norteadores

3.1.1 Pastoral – Uma ação comunitária

O termo pastoral dentro do senso comum é diretamente ligado a imagem do


pastor de ovelhas. João Batista Libânio (1982), ao escrever sobre O que é pastoral,
afirma que isto acontece a partir dos textos bíblicos que, tanto no Antigo como no
Novo Testamento, a expressão de cuidado, de atenção e de comprometimento são
representados na ação praticada pelo pastor. Nos Evangelhos, a imagem do pastor
ganha novo significado a partir de Jesus ao se assumir como o Bom Pastor, que
vela e conhece suas ovelhas pelo nome e está pronto a dar sua vida por elas. No
artigo Práticas Pastorais na Bíblia - Paradigmas para a prática pastoral da Igreja,
hoje, Silva discorre sobre a afirmação de ser Jesus o Bom Pastor, dizendo que:

45
Teólogo espanhol. Sacerdote em 1956 e doutorado pela Universidade de Tuebingen (1959). Desde 1960
dedicou-se ao ensino na Pontifícia Universidade de Salamanca. Ele é autor, entre outras obras, a teologia
pastoral (1968), A tarefa da evangelização cristã (1978), foi o diretor da pastoral coletiva Conceitos
Fundamentais (1983).
85

Portanto, toda prática pastoral requer uma vida de comunhão entre o pastor e
os seus discípulos, é na comunhão que se estabelece o vínculo de
conhecimento e dos limites da pessoa, e na comunhão que se conhece o
bom pastor e é por ele conhecido: Eu sou o bom pastor; conheço as minhas
ovelhas, e elas me conhecem a mim (Jo. 10.14). Nesta declaração Jesus
reafirma o conhecimento individual, através da voz (Jo 10.4) por um
conhecimento de vida em comunidade, onde flui o Espírito que fortalece a
relação de amor e de convivência. O segundo elemento essencial na prática
pastoral a partir do “bom pastor” está relacionado com a dimensão da
unidade através de seus discípulos, com o ‘bom pastor’. Ele amplia os
horizontes e afirma que haverá um só rebanho e um pastor, que vai
construindo uma comunidade marcada por outros participantes, onde o
vínculo determinante é o amor: Ainda tenho outras ovelhas, não deste
aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então
haverá um rebanho e um pastor (Jo 10.16) (SILVA, 2002, p. 168)

Segundo a tradição bíblica, para Libânio, a pastoral “está intimamente ligada


[...] a ideia de autoridade, de desvelo, de companhia, de relação interpessoal e
finalmente de entrega de si até o dom total da vida àqueles que se serve”. (LIBÂNIO,
1982, p. 22)
Neste mesmo sentido Silva afirma que:
Conhecer o rebanho e ser conhecido pelo mesmo a partir da voz e pastorear,
continuam sendo os desafios para as práticas pastorais de hoje. Guiar,
prover, vigiar fortalecendo o rebanho, buscando sua unidade é a tarefa da
prática pastoral que continua presente até que se cumpra a promessa:
Quando aparecer o supremo pastor, recebereis a coroa imarcescível da glória
(I Pe 5.4) (SILVA, 2002, p. 174).

Com este enfoque o termo pastoral inicialmente foi utilizado dentro dos limites
católicos na década de sessenta, muito mais como função da comunidade que
compõe a Igreja do que como função do ministro que a dirige. Júlio Santa Ana
escreve que passou-se a refletir sobre o termo pastoral como forma de pensar a
função da Igreja na sociedade e também na busca de estratégias buscando
transmitir o Evangelho. Como segue:
... surge a necessidade de se levar mais em conta o pensamento católico,
que enfatiza a dimensão coletiva, comunitária, de ação pastoral como um
conjunto de atividades promovidas por diversos ministérios, que procura
harmonizar-se e se complementar visando dar um testemunho mais integrado
do Evangelho e do Reino de Deus no mundo. Esta concepção da igreja não
somente é mais bíblica, mas – e precisamente por isso mesmo – é mais
acorde com a doutrina do sacerdócio universal dos crentes, que foi tão
firmemente sustentada pelos reformadores do século XVI. Ou seja, o conceito
de pastoral não pode reduzir-se a um só ministério, a um só carisma: é algo
que, de alguma maneira, relaciona-se com toda a vida e a missão da
comunidade dos crentes (SANTA ANA, 1985, p. 33-34).
86

Orlando Costas caracterizando a pastoral evangélica na América Latina,


afirma as seguintes características: É uma pastoral de repetição; uma pastoral
profissional e eclesiocêntrica;
É uma pastoral de repetição porque a maioria dos textos publicados são de
origem norte-americana ou europeus. Cujos norte-americanos apresentam
conteúdos pragmáticos e tecnocráticos, quer dizer: discorrem sobre a prática do
ofício pastoral: como celebrar bodas e ofícios fúnebres, pregações, etc. E os
europeus conteúdos teológicos e classistas, interessados por fundamentos bíblicos
e teológicos da pastoral a luz das diferentes tradições, trabalham mais a questão da
homilética e liturgia (COSTAS, 1975, p.79).
É uma pastoral profissional e eclesiocêntrica uma vez que quando se fala em
teologia pastoral nos círculos evangélicos “se pensa de imediato no pastor e no seu
cuidado com a Igreja. O pastor é, às vezes, visto em temos profissionais”46 isto não
tem nada a ver com o seu subsídio, mas sim, com um exercício personalizado, ou
seja, está centrado na pessoa que exerce a função de pastor. Costa escreve que
“raras vezes ouvimos falar nos nossos círculos evangélicos de um trabalho pastoral
da Igreja para o mundo, da ação pastoral do seminário teológico, a agência de
serviço social cristão, a sociedade missionária, o grupo evangelístico, a comissão de
educação cristã, etc. Porque a obra pastoral tem uma conotação pessoal, nutritiva e
consoladora, orientada no cuidado espiritual da comunidade de fé”.47
Sobre este caráter profissional e eclesiológico da pastoral evangélica, Emilio
Castro escreve:
Temos visto a atividade pastoral como aquele esforço tendente a capacitar a
igreja para o cumprimento da missão de acompanhar os propósitos
libertadores de Deus. Ou seja, em termos gerais, o serviço pastoral se fará
através da comunidade cristã. Porém temos de reconhecer que existe
também um contato direto pastor-comunidade secular e que teremos que
analisar em que medida (se através do serviço pastoral direto o se por via de
símbolos e na totalidade da comunidade cristã) o pastor prove um serviço
48
diretamente relacionado com a sua vocação a toda comunidade secular
(CASTRO, 1974, p.107).

46
Se piensa de inmediato en el pastor y en su cuidado de la iglesia. El pastor es, a la vez, visto em términos
professionales. (COSTAS, 1975, p. 81)
47
De ahí que, con algunas excepciones, raras veces oímos habrar em nuestros círculos evangélicos de la labor
pastoral de la iglesia para el mundo, de la accíon pastoral del seminário teológico, la agencia de servicio social
cristiano, la sociedad misionera, la agrupación evengelística, la comisión de educación cristiana, etcétera. Porque
la obra pastoral tiene una connotación personal, nutritiva y consoladora, orientada hacia el cuidado espiritual de
la comunidad de fe. (COSTAS, 1975, p.81-82)
48
Hemos visto la actividad pastoral como aquel esfuerzo tendiente a capacitar a la iglesia para el cumprimento
de esa misión de acompañar los propósitos libertadores de Dios. O sea que, em términos generales, el servicio
pastoral se hará a través de la comunidad Cristiana. Pero tenemos que reconocer que existe también un contacto
directo pastor-comunidad secular y que tendremos que analizar en qué medida (sea a través del servicio pastoral
87

Certo é que, a ação pastoral não pode corresponder apenas aos que tem a
vocação pastoral específica. Uma vez que a Igreja tem uma responsabilidade
pastoral diante do mundo, Paulo escreve aos Efésios: “Aquele que desceu é
também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas.
E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para
evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo”; (Ef 4:10-12)
“acentuando o caráter pastoral (ministerial) de todos os santos” (COSTAS, 1975,
p.82).
Na tradição cristã protestante o termo pastoral não é muito utilizado no Brasil,
onde geralmente utiliza-se “ministério” para descrever ações de cuidado e serviço.
Silva em seu artigo Pastoral Urbana: A construção de sinais de esperança em
situações de desesperança, faz uso da definição de Castro para afirmar que:
Pastoral é a ação do povo de Deus na realidade cotidiana, onde, na relação
tempo/espaço, o ser humano se encontra. A preocupação básica da pastoral
é a eficácia e a relevância da fé cristã. Pastoral é também ação intencional,
sistemática organizada e coletivamente (SILVA, 2008, p. 15).

Diante desta afirmação podemos pensar que o protestantismo vem buscando


assimilar o termo no propósito de oferecer respostas aos anseios da humanidade
nas áreas da vida humana, quer seja física, emocional ou espiritual. Santa Ana
afirma que a “pastoral deve reconhecer sua relação com aqueles aspectos da vida
humana, onde há tensões, das quais as de caráter político são de suma importância.
É ao povo seguidor de Jesus, formado por aqueles que hoje integram seu
movimento (...), que compete cumprir a função pastoral” (SANTA ANA, 1985, p. 38).
O povo de Deus no exercício da pastoral tem como “objetivo bíblico, teológico e
pastoral a criação de sinais de esperança em situação de desesperança” (SILVA,
2008, p. 15)

3.1.2 Práxis – Uma ação transformadora

Tendo localizado o termo pastoral nos limites bíblicos e históricos penso que
se faz necessário olhar para o termo com os óculos de Casiano Floristan que, de

directo o sea por via de símbolos y en la totalidad de la comunidad Cristiana) el pastor provee un servicio
directamente relacionado con su vocación a toda la comunidad secular. (CASTRO, 1974, p. 107)
88

forma direta escreve que a práxis se transforma em pastoral sendo uma ação
reflexiva e uma ação libertadora, uma práxis transformadora. Deve ser desenvolvida
pela Igreja com o objetivo de alcançar o Reino de Deus, desde aqui na terra. “O
projeto pastoral de Jesus tem como categoria central a imagem do Reino de Deus,
algo que é desejado historicamente, mas não se identifica a limitar-se ao mundo,
pois tem uma dimensão utópica, futura” (FLORISTAN, 1983, p. 29).
Sendo a pastoral uma práxis transformadora conforme a definição de
Floristan, faz-se necessário também conceituar práxis. Isto porque existe um
considerável número da literatura na atualidade que faz o uso da palavra práxis, e
porque não dizer o número de autores e autoras que usam o termo. Groome49,
buscando as raízes filosóficas como uma via práxis de conhecimento fazendo a
seguinte afirmação, “a palavra, contudo, é usada (e mal usada) de diversas
maneiras”. A tradução da palavra do inglês pode significar a ação ética decidida,
intencional e reflexivamente escolhida, e, desta forma o ideal é recorrer ao original
grego para melhor compreensão.
O termo práxis (πραξις) no grego vem de longa tradição filosófica e designa a
ação entendida no campo das relações humanas, da moral e da política. Konder
afirma:
A palavra práxis provém do grego antigo: πραξις. O termo, ao que parece não
era muito preciso; comumente, designava a ação que se realizava no âmbito
das relações entre as pessoas, a ação intersubjetiva, a ação moral, a ação
dos cidadãos. Era, com certeza, diferente da poésis, que era a produção
material, a produção de objetos (KONDER, 1992, p.97).

Afirma também:

Práxis e teoria são interligadas, interdependentes. A teoria é um momento


necessário da práxis; e essa necessidade não é um luxo: é uma característica
que distingue a práxis das atividades meramente repetitivas, cegas,
mecânica, abstrata. Adolfo Sanches Vázquez formulou com clareza a
distinção: “Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. A práxis
é a atividade que, para se tornar mais humana, precisa ser realizada por um
sujeito mais livre e mais consciente. Quer dizer: é a atividade que precisa da
teoria (KONDER, 1992, p.116).

Segundo Vaz, “a práxis humana não se pode conceber racionalmente como


movida pela vis a tergo50 de uma necessidade exterior” (VAZ, 2004, p.52).

49
Thomas Groome é professor de teologia e educação religiosa no Boston College. Ele é o autor de Educação
Religiosa cristã, amplamente considerado como o mais importante e influente trabalho contemporâneo sobre o
tema, e da partilha de Fé, um trabalho fundamental sobre cristã ministério.
50
Expressão latina que significa força que impulsiona ou impele, por exemplo, o sangue nos vasos.
89

É necessário lembrar que a reflexão ética no Ocidente a partir dos


pensadores Platão51 e Aristóteles52 “pressupõem as peculiaridades semânticas do
termo práxis, cuja significação primordial diz respeito de um lado ao ato do sujeito,
ao seu realizar-se na ação e pela ação e, de outro, à perfeição ou excelência que o
ato tem em sim mesmo” (VAZ, 2004, p. 85-86).
Relacionando a práxis a perfeição Vaz escreve:
No caso da práxis, com efeito, a perfeição (perfectum, o que é realizado)
refere-se primeiramente ao ato e não a um produto do ato como no caso do
fazer (poiein): a manifestação do ato no efeito que dele resulta é como a
efusão da sua plenitude e não o complemento de uma indigência ou a
satisfação de uma carência. É necessário ter presente esse substrato
semântico para se compreender plenamente as concepções platônicas e
aristotélicas da práxis (VAZ, 2004, p. 86).

A práxis em sua origem possui uma história fundada nas atividades que se
realizam entre os seres humanos em suas diferentes manifestações, diferentemente
de poésis, atividade ligada à produção humana de objetos, isto segundo Aristóteles.
Groome diz que “para Aristóteles, práxis é uma atividade da pessoa total – cabeça,
coração e estilo de vida” (GROOME, 1985, p. 234).
Para Aristóteles, o filósofo deve “elaborar a forma própria da theoria que
deverá guiar a práxis. Assim, no modelo aristotélico, a razão prática enquanto razão
da práxis alcança um estatuto peculiar que a torna uma teoria prática exatamente
como teoria da práxis” (VAZ, 2004, p. 96).
Depois de analisarmos a origem histórica da palavra práxis é necessário
examinar como esta expressão é usada atualmente. Observa-se que a práxis
mantém o sentido original: as múltiplas dimensões do relacionamento humano
adquirem na contemporaneidade, a partir da crítica Marxista, um caráter
revolucionário, ação humana transformadora do mundo.
Isto porque para Marx53 a emancipação e a liberdade só podem ser postas
em prática pela práxis humana dentro da história. Groome afirma que Marx não
define claramente práxis, porém chega a dizer que práxis para Marx significa: “a
51
Platão (em grego: Πλάτων, transl. Plátōn, "amplo", Atenas, 428/427 – Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e
matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia
em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor,
Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da
filosofia ocidental.
52
Aristóteles (em grego: Ἀριστοτέλης, transl. Aristotélēs; Estagira, 384 a.C. – 322 a.C.) o famoso filosofo
clássico, é o autor grego que com maior freqüência usa a palavra práxis em seus textos. Ele também faz esta
diferenciação do termo práxis e poésis.
53
Socialista alemão Karl Heinrich Marx, (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de março de 1883), cursou
Filosofia, Direito e História nas Universidades de Bonn e Berlim e foi um dos seguidores das idéias de Hegel.
90

atividade auto-iniciada e auto-criadora dos seres humanos, que é feita intencional e


reflexivamente e que transforma a realidade social no sentido da emancipação
humana” (GROOME, 1985, p. 254).
Casiano Floristan a fim de pensar o conceito da práxis, discorre sobre a
dicotomia entre a práxis e a teoria, e afirma que em nenhum caso deve-se separar a
teoria e a prática, nem tão pouco elas devem se afrontar,
Entre a teoria e a práxis há uma ralação dialética, permanentemente
dinâmica, às vezes conflitiva, porém que deve resolver-se em forma de
sínteses ao modo de superação. Sem esquecer a primazia da práxis sobre a
teoria e que a teoria está em função da práxis (FLORISTAN, 1993, p. 177).

Ao reconhecer a práxis, Floristan faz a seguinte afirmação: “nem toda


atividade ou ação do homem é práxis, embora, toda práxis é uma atividade ou ação
humana”. A atividade humana é “ação consciente sobre um projeto ou resultado
ideal e que finaliza com um resultado real” (FLORISTAN, 1993, p. 179). Para ele, a
práxis possui as seguintes características: 1) Ação criadora e não meramente
reiterativa; 2) Ação reflexiva e não exclusivamente espontânea; 3) Ação libertadora e
de nenhum modo alienante; 4) Ação radical e não meramente reformista.
(FLORISTAN, 1993, p. 179-180)
A práxis é uma ação criadora quando adquire certo grau de consciência
crítica no agente que atua, ou seja, no indivíduo, e certo nível de criatividade e
inovação. O ser humano tem que criar, não pode ficar apenas na repetição ou
imitação do existente.
A práxis é ação reflexiva no sentido em que supera o nível espontâneo da
prática, existe a necessidade da crítica nas ações humanas. O homem ou a mulher
devem conhecer bem o que querem, o que buscam, aonde vão, etc. Agir
criticamente faz com que transformações aconteçam a seu tempo e com a devida
intenção.
A práxis é ação libertadora no momento em que proporciona transformação
real do mundo natural ou social fazendo com que a realidade seja nova, mais
humana e livre, nunca alienante.
A práxis é ação radical e tem a intenção de transformar a organização e a
direção da sociedade, modificando as relações econômicas, políticas e sociais. A
práxis política é a forma mais elevada da práxis radical, pois seu objetivo é
transformar as raízes das bases econômicas e sociais em que se assenta o poder
das classes dominantes para construir uma nova sociedade.
91

Sendo assim os cristãos exercem a práxis de forma a promover através dos


princípios bíblicos a transformação e a promoção humana no mundo e a partir do
mundo. Desta forma, para legitimar a práxis segundo Floristan “é necessário verificá-
la, aprová-la e criticá-la desde as perspectivas ideológicas, econômicas e políticas”
(FLORISTAN, 1993, p. 180), fazendo isto será possível identificar a ética existente
na práxis, quando...
Os cristãos colocam um ponto de referência na indicação prévia, que é a
palavra de Deus interpretada pelas Igrejas e admitida pela fé. Mas, essa
“axiologia” se baseia em um relato de práxis de salvação no qual se faz
presente Deus em Jesus Cristo. A definição surge na ação própria da
salvação. Por isso, sem a práxis da fé ou sem a práxis a luz da fé não é
possível a auto-compreensão cristã (FLORISTAN, 1993, p. 180).

Para melhor compreensão proponho uma análise, segundo Floristan, dos


tipos de práxis, que são divididas em três diferentes níveis, sendo, a primeira a
práxis natural; a segunda a práxis no âmbito social e a terceira a práxis humana.
A práxis natural pode ser vista na transformação da natureza, inclui a matéria
e se localiza no espaço, também chamada de práxis técnica e econômica, tem a
função de servir as necessidades humanas a partir do que se encontra na natureza.
A práxis no âmbito social tem a ver com o universo da política de libertação
ou de emancipação. É uma ação global que modifica as estruturas da sociedade
tornando-a mais livre e justa. A práxis é desenvolvida em três áreas da vida humana,
o trabalho e a produção (movimentos sindicais), movimentos civis, entendendo com
isto a sociedade civil organizada, hoje o terceiro setor como as “ONGs” -
Organizações não governamentais, as comunidades religiosas, etc., e, por fim os
partidos políticos e os seus exercícios no contexto social.
A práxis humana pode ser vista não só a partir do desenvolvimento biológico
do homem/mulher, mas principalmente como sócia, que influencia e é influenciado,
assim, desenvolvendo sua personalidade livre da alienação que impede a aplicação
de suas habilidades no exercício de sua capacidade. Como exemplo posso citar a
práxis artística, a práxis cientifica e a práxis simbólica ou de transformação dos
símbolos. Balbinot estudando Paulo Freire54, discorre sobre a práxis dialógica que se
aplica a ação pedagógica, evidenciando que “trabalho e diálogo constituem duas

54
Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de setembro de 1921 — São Paulo, 2 de maio de 1997) foi um
educador e filósofo brasileiro. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a
escolarização como para a formação da consciência. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história
da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.
92

dimensões essenciais da natureza humana e devem ser compreendidas de maneira


interligada” (BALBINOT, 2006, p.143).
Ao analisar o diálogo como práxis, Balbinot escreve:
O diálogo, como práxis, somente é quando está sendo com o estar sendo do
ser humano e do mundo. Ele assume um caráter dialético, segundo o qual
não pode ser sem estar sendo. É praticamente impossível, a partir dessa
ótica, buscar pela ação educativa o ser mais sem agir no mundo, sem
dialogar, sem dizer o mundo, sem relacionar o que se diz com a situação
concreta-existencial do que está sendo dito, com o sujeito que pronuncia e
com o sujeito que reconhece esta pronúncia, pois o que se diz é dito a e por
si mesmo e para alguém. Daí que, de um lado, a ação educativa não possa
ser definida apenas pelo verbo ser (ela é), mas deste em relação dialética
com o verbo estar (ela está sendo) e, de outro, não possa ser concebida
como uma relação unilateral, o que implicaria sua não-mediaticidade reflexiva
por meio do diálogo (BALBINOT, 2006, p.149).

Pensar a fé cristã na manifestação da práxis religiosa ou porque não dizer da


práxis cristã, é também uma forma de identificar a práxis dialógica, uma vez que a fé
se dá na comunhão, no viver junto, no compartilhar. Isto promove vida e
crescimento, trás esperança conforme afirma Floristan...
A práxis da esperança e do amor ao próximo constitui um momento interno e
essencial da fé. Na práxis cristã está presente sempre de novo na história o
evento da salvação de (em) Cristo e essa presença cresce no conhecimento
da fé. Portanto, a esperança no sentido escatológico da fé, tanto como a
caridade (amor) se confere uma dimensão comprometida e comunitária
(FLORISTAN, 1993, p. 186).

Isto, uma vez que a verdade de Deus no crente é manifestada pela fé, a
práxis cristã se dá no exercício da fé, ou mais, no resultado que esta fé proporciona
na vida do crente, por isto a necessidade da realização das obras na vida daquele/a
que se diz cristão/ã. “Cristão é quem pratica o amor na medida em que o amor muda
as relações sociais mediante ações e práxis realmente humanas”. (FLORISTAN,
1993, p. 186) Ou seja, cristão/ã é aquele/a que atua segundo a práxis de Jesus,
Assim, o crente, enquanto homem que crê, não pode aceitar uma práxis fora
de sua fé, nem há de exigir que o não crente necessite de fé para sua práxis.
A autonomia do mundo exigida pela racionalidade, não se opõe, para o
crente, a soberania de Deus. E, somente através da práxis no mundo, se
encontra a Deus como realidade última do mundo, já que Deus se faz
presente no homem, em especialmente no oprimido que anseia por uma
libertação e que se dispõe a consegui-la (FLORISTAN, 1993, p. 190-191).

Apesar de sua verossimilhança, práxis e prática55 não são termos sinônimos,


mas diferentes. Práxis como visto na tradição filosófica adquire na modernidade o

55
Uma informação importante, segundo FLORISTAN, na língua espanhola práxis e prática são termos
sinônimos. KONDER, afirma que na língua alemã os dois termos comportam também o mesmo sentido.
93

sentido de atividade social transformadora do mundo. A Prática não deixa de ser


também uma atividade, é, todavia, uma atividade diferente da práxis, ela se refere a
atividade pela atividade, tem a ver com o repetitivo, não objetiva nenhuma
transformação, como é próprio do caráter da práxis. No dizer de Vázquez, “toda
práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis” (VAZQUEZ, 1977, p. 185). E
por fim, afirma este autor, a “prática se basta a si mesma, e o ‘senso comum’ situa-
se passivamente, numa atividade acrítica, em relação a ela” (VAZQUEZ, 1977, p.
210).
“A atividade humana é, portanto, atividade que se orienta conforme os fins, e
estes só existem através do homem, como produtos de sua consciência.
Toda ação verdadeiramente humana exige certa consciência de um fim, o
qual se sujeita ao curso da própria atividade” (VAZQUEZ, 2007, p. 222).

Concluindo, a perspectiva apresentada por Casiano Floristan, em sua


conceituação é a práxis religiosa, contudo não descarta as demais práxis, a filosófica
e educacional. O autor deixa claro que concorda com as demais práxis e busca
aplicar seu conceito na vida religiosa. Retomando, Práxis Religiosa para Floristan é
a “ação criadora e não meramente reiterativa; é a ação reflexiva e não
exclusivamente espontânea; é a ação libertadora e não alienante e por fim é a ação
radical e não meramente reformista”.

3.2 Igreja Metodista e suas ações diante da síndrome da


dependência do álcool

Uma vez que a Igreja Metodista no Brasil assimilou em grande parte o


pensamento e as práticas dos missionários norte-americanos aqui chegados na
segunda metade do século XIX, e por ter sido este um período de grandes
transformações na América do Norte, principalmente no que diz respeito ao
consumo de bebida alcoólica, faz-se necessário uma análise das ações
desenvolvidas pela comunidade metodista ao longo dos anos diante deste mal.
Como é costume, as ações pastorais da Igreja Metodista são apresentadas
na forma de documentos, dentre os quais: Expositor Cristão - um periódico mensal
de circulação nacional; Pastorais dos Bispos; Planos Quadrienais; Cartilhas
Instrutivas publicadas pelas Juntas Gerais; Revista Cruz de Malta; utilizados nesta
pesquisa através da leitura dos exemplares publicados nos anos de 1908 (ano da
94

criação do Credo Social), 1918, 1930, alguns anos da década de sessenta e o ano
de 1970. Estes anos correspondem aos que o Credo Social foi acolhido pela Igreja
Metodista no Brasil; ano da autonomia; anos que antecederam e o ano em que
recebeu a redação que está em vigor até os dias de hoje; respectivamente.
Com vistas a identificação de informações sobre a ação e reação da Igreja no
que diz respeito ao consumo da bebida alcoólica e também dos ensinamentos sobre
o estudo e a aplicação do Credo Social nas ações missionárias. Segue o resultado
de um trabalho de leitura dos documentos acima citados, respeitando uma ordem
cronológica.

3.2.1 Matérias que tratam o tema do álcool no Expositor Cristão

Em janeiro de 1908 o Expositor Cristão apresenta As Regras da Egreja com o


objetivo de fazer com que a comunidade vivesse um ano em harmonia com os
princípios da Igreja, afirmando que estas regras estavam embasadas nos textos
bíblicos e que exprimiam a vontade de Deus a respeito da vida humana. Assim as
regras são introduzidas:
“Resisti ao mal, andae no caminho de rectidão e soffrei, qual bom saldado,
tudo quanto vos possa sobrevir de desagradável e acabrunhador, por amor
de Jesus”. Eis as nossas Regras Geraes como se acham em nosso livrinho
de Doutrina e Disciplina, que todo o bom methodista deve possuir e estudar
(Auto não identificado. In: Expositor Cristão, 02 de janeiro de 1908, p. 3).

Neste texto é destacado em primeiro lugar o que não se deve fazer, ou seja, o
que se deve evitar para ter uma vida saudável diante da comunidade e de Deus,
entre estas regras está: “Não fazendo mal algum, evitando males de toda a sorte,
especialmente os que são mais geralmente praticados, tais como, - Embriagar-se,
ou tomar bebidas alcoólicas a não ser em casos de necessidade” (Autor não
identificado. In: Expositor Cristão, 02 de janeiro de 1908, p. 3).
No exemplar seguinte do Expositor Cristão do dia 09 de janeiro de 1908, é
apresentada uma matéria na sessão temperança sobre O Alcoolismo na Inglaterra,
onde trata da questão desastrosa provocada pelo alcoolismo e deixa de ser um
problema acadêmico e passa a ser um problema de ordem política, como segue: “O
atual governo está disposto a encetar a campanha contra a maior praga que afflige
aquelle paiz” (09 de janeiro de 1908, p. 3). Embora o texto manifeste o desejo
daquele país em seguir ações adotadas recentemente em outros como Estados
95

Unidos, Japão e Finlândia para a igreja brasileira ele serve apenas como alerta sutil
sobre os danos que o uso e a comercialização de bebidas alcoólicas causam à
sociedade de um modo geral. Este artigo não pode ser visto oficialmente como uma
ação orientadora para os crentes metodistas.
No início de fevereiro O. Carnut publica no Expositor Cristão, um artigo
denominado de Vinho fermentado e vinho sem álcool. Neste discorre sobre a
existência do teor alcoólico nos vinhos citados nas Sagradas Escrituras, em diálogo
com a afirmação de alguns abstinentes de seu tempo, considerando a reflexão sobre
a existência ou não do álcool no vinho utilizado na Santa Ceia. Esta discussão
permanece em outros exemplares do Expositor Cristão, e, no mês de abril ele
publica Os ensaios bíblicos relativos ao vinho, onde apresenta vários textos bíblicos
que destacavam o consumo do vinho, como se vê abaixo a introdução do artigo:
Encontramos na Bíblia, relativo ao vinho, um abundante material histórico do
povo hebreu. Era um povo viticultor importante que tinha suas leis,
observâncias e costumes relativos aos vinhedos, colheitas, etc. para elles o
vinho era, como ainda é considerado por muitos, não só nos paizes vinícolas,
mas em todo o mundo civilizado, um alimento de summa importância
(CARNUT, O. In: Expositor Cristão, 09 de abril de 1908, p. 4).

No dia 23 de abril de 1908, o Expositor publica que: “Nos E.U.A há 6 estados


em que a manufatura e venda de bebidas alcoólicas é prohibida por lei. Em outros
estados há muitos municípios onde, com a lei de Local Option, existe a mesma lei
prohibitiva. Assim talvez a metade de toda a área povoada do paiz gosa desta
proteção legal contra os perigos de bebedice”. Da mesma forma de outras notícias,
esta não vem acompanhada de nenhuma reflexão e também não apresenta a
posição da Igreja no Brasil.
Carnut encerra sua série de artigos sobre o vinho na publicação do Expositor
do dia 07 de maio de 1908, com o seguinte título: As precipitações e os exemplos de
abstinência na Bíblia, onde discorre sobre alguns exemplos de abstinência e
também da precipitação em interpretar o texto bíblico para forçar a abstinência do
leitor. Ele cita como exemplo de abstinência genuína o...
Exemplo dos rechabitas e Jonadab, que conheceram o grande benefício
resultante da mesma e livremente a abraçaram. ‘E puz diante dos filhos dos
rechabitas taças cheias de vinho, e copos, e disse-lhes: Bebei vinho. Porém
elles disseram: Não bebemos vinho; porque Jonadab, filho de Rechad nosso
pae, nos mandou, dizendo: Não beberei vinho, nem vós, nem vossos filhos
perpetuamente, nem edificareis casa, nem semeareis semente, nem
plantareis vinha, nem a possuireis; mas habitareis em tendas, todos os
vossos dias, para que vivaes muitos dias sobre a face da terra, em que vós
96

andaes peregrinando’ (Jerem. 35:5-7) (CARNUT, O. In: Expositor Cristão, 07


de maio de 1908, p. 2).

Neste último artigo ele deixa claro que a sua intenção não é apresentar-se a
favor ou contra o beber vinho, é, porém, uma forma de esclarecer que não se pode
usar os textos Bíblicos para afirmar uma posição. Uma vez que a Igreja Metodista no
Brasil neste tempo manifestava-se contrária ao consumo do álcool como forma de
bebida, Carnut encerra assim o seu estudo:
Terminamos, pois, este estudo resumido, sobre o vinho na Bíblia, em que
unicamente fomos verificar os factos que se nos offerecem... tal qual como
Ella se acha na mão do povo, sem recorrermos a outros livros, guiando-nos
unicamente pela lógica e bom senso, para mostrar que outra interpretação
sem forçá-la, não se pode dar a toda estas passagens que examinamos e
pela quaes verificamos, que na Bíblia não há referencia de vinho sem álcool,
que o uso do vinho era geral e que também há diversos exemplos de
abstinência.
Porém, para que não se argumente, com este material a favor do uso
moderado, e contra a abstinência, e para que ninguém me possa accusar de
incoherente, como parece a primeira vista, escreverei em breve um artigo
sobre ‘A abstinência baseada na Palavra de Deus’ (CARNUT, O. In: Expositor
Cristão, 07 de maio de 1908, p. 3).

No exemplar seguinte vem um artigo de J. R. Carvalho intitulado Temperança,


onde busca explicar o tema e propor uma posição clara para os crentes metodistas
em relação a bebida alcoólica. Assim escreve:
... Temperança significa moderação, porém como a moderação não é
bastante para a perfeita abstenção, precisamos de outro meio cujo effeito
realize o nosso ideal.
Em nossa última licção de temperança referindo-nos ao texto áureo, que
dizia: ‘No seu fim morderá como a cobra, e como o basilisco picará’,
demonstramos por estas palavras, quão mortifra é na verdade qualquer
bebida alcoolisada seja ella qual for, mesmo fraca e suave ao paladar de
quem a bebe (CARVALHO, J. R. In: Expositor Cristão, 14 de maio de 1908, p.
2).

A tônica do texto é dizer que a bebida alcoólica é nociva ao ser humano e


distancia-o da vontade de Deus, sendo traiçoeira e danosa. Ele encerra o artigo
dizendo: “Eis porque nos animamos a publicar estas linhas cujo fim é, não só
despertar os methodistas, como todo o irmão em Christo, a se absterem totalmente
do grande dragão que devora o corpo e alma da humanidade” (CARVALHO, J. R. In:
Expositor Cristão, 14 de maio de 1908, p. 2).
Após estes escritos o tema do alcoolismo voltou a aparecer no Expositor
Cristão do dia 27 de agosto, na publicação do artigo de Alcides Carneiro, sob o título
de O Alcoolism. De todos os textos apresentados até então este é o mais desafiador
97

e porque não dizer provocador. Nele, o autor desperta os ministros para uma
tomada de posição, pois assim como ele mesmo diz: “Dia a dia, na proporção que se
desenvolve o progresso material de nosso país, na mesma proporção desenvolve-se
o consumo de bebidas alcoólicas, ceifando vidas ainda ao florescer e levando a
ruína completa caracteres de muita gente” (27 de agosto de 1908, p. 3). Neste texto
ele destaca a presença do álcool como influenciador da violência física contra
pessoa e também do grande índice de mortes por ele provocadas. Questiona
também a posição da Igreja Católica, principalmente o seu envolvimento com o
poder público e o porquê dela não se manifestar contrária a este mal. Depois conclui
o texto com uma pergunta:
E vós, ministros do Evangelho? Dar-se-á caso que se estenda a vós a
mesma pergunta? Ah! si não nutríssimos a certeza de que vos estais
incompatibilizando com muitos commerciantes de bebidas por não
consentirdes a sua comunhão com a Egreja; si não estivéssemos convicto de
que muitas vezes préagaes a uma congregação limitada por não quererdes
acceitar no seio da Egreja os bicheiros e jogadores, accusar-vos-iamos da
mesma falta de caridade do espírito e de sentimentos patrióticos; e d’aqui,
sob a dor pungente de ver homens robustos de toda a classe social,
alcoolizados, vomitando impropérios, baixando a condição dos brutos
irracionaes; d’aqui , envolto nas tristezas, que nos vão n’alma de brazileiros e
de christão, ao ver bandos de crianças e grande parte de nossa mocidade já
tão cedo gastos pelo álcool; d’aqui vos rogamos, em nome do bem-estar de
nosso povo, incrédulo ou religioso, catholico ou protestante; em nome do bem
estar futuro de nossa Pátria, que combataes cheios de coragem patriótica,
enfrentando as perseguições de alguns sacerdotes da Egreja Romana, que
combataes, sob o Estandarte de Jesus Christo, o alcoolismo e o jogo, que
são os factores proeminentes nos males sociais (CARNEIRO, A. In: Expositor
Cristão, 27 de agosto de 1908, p. 3).

No mês seguinte, Carneiro volta a escrever sobre o alcoolismo e desta vez


chamando toda a comunidade para lançar-se contra o consumo da bebida alcoólica,
descrevendo que “os vícios são o flagello da humanidade; quando um individuo
atira-se a qualquer vicio e, em pouco, começa a sentir as consequências inevitáveis
de sua desgraça, innumeras causas são apresentadas como justificativas do seu
mal, e logo no seio de sua família começa a transparecer um movimento estranho,
cujo epilogo é o pranto constante e o desespero” (24 de setembro de 1908, p. 4). A
sua afirmação fica clara no texto, para ele é tarefa de cada um combater os vícios
em especial o alcoolismo. Este foi o último artigo publicado no ano de 1908 sobre o
tema do alcoolismo.
Passando para o ano de 1918, ano em que o Credo Social foi assimilado pela
Igreja Metodista Episcopal’ Sul e consequentemente adotado pelas Igrejas
brasileiras. Neste ano existe uma preocupação muito grande com o tema, visto que
98

em várias publicações do Expositor Cristão aparece o tema sob o título da


Temperança. Cabe então ler e analisar alguns destes com vistas a observar as
propostas apresentadas nestes artigos.
Já no primeiro exemplar do ano aparece um artigo assinado por Christian
Advocate, onde fala da proibição do álcool como bebida em alguns países da
Europa e também da aprovação no Congresso Americano de um projeto de emenda
à Constituição daquele país proibindo a fabricação ou a venda de bebidas alcoólicas
dentro do seu território.
S. A. B.56 publica em 21 de fevereiro uma nota com o título O Álcool – caso: O
álcool em julgamento, neste texto ele apresenta uma lista de onze afirmações
contrárias ao álcool como bebida, com segue abaixo:
1ª A Lei: ‘O trafico em licores não tem o direito inerente de existir’.
2ª Os Tribunaes: ‘A bebida alcoólica é a causa principal de crimes e pobreza’.
3ª Os Médicos: ‘A bebida alcoólica é a causa principal das doenças’.
4ª O Commercio: ‘A bebida alcoólica produz incompetência e inefficiencia’.
5ª O Lar: ‘A bebida alcoólica destróe a felicidade e a prosperidade’.
6ª A Egreja: ‘A bebida alcoólica é o inimigo principal da religião’.
7ª A Escola: ‘A bebida alcoólica é o inimigo principal da educação’.
8ª A Maternidade: ‘A bebida alcoólica envenena as fontes de vida’.
9ª A Economia: ‘A bebida alcoólica desperdiça viveres e rouba o trabalho’.
10ª A Conservação: ‘A bebida alcoólica é sempre destrutiva, nunca
construtiva’.
11ª O Patriotismo: ‘A bebida alcoólica tem desqualificado uma grande
porcentagem de moços chamados à bandeira, e como diz o general Lenard
Wood, é o inimigo mais terrível do soldado’.
Sentença: ‘A bebida alcoólica, devido a este testemunho, precisa ser banida
da raça humana’. Adaptado do Christian Advocate por S.A.B. (Expositor
Cristão, 21 de fevereiro de 1918, p. 6).

Já no mês de março é dado sequência a publicação de uma série de artigos


na coluna Temperança, deixando sempre claro que o álcool e o inimigo maior da
humanidade e ressalta a importância de enfrentá-lo com vistas a sua extinção.
Assim como diz Mario Brant no artigo Os piores inimigos publicado em 28 de março:
A muitos parecerá hoje uma utopia sonhar o Brasil liberto do álcool,
emancipado da ‘cachaça’. Mas ha três annos também era impossível prever
que os Estados Unidos reformariam a sua Constituição para extinguir o
fabrico, commercio, importação e consumo de bebidas alcoólicas (BRANT, M.
In: Expositor Cristão, 1918, p. 4-5).

Em 9 de maio, a coluna Temperança trás um artigo sem assinatura que trata


a Bebida Espirituosas – afirmações espantosas de eminnetes brasileiros. Um texto
que descreve a forma em que o Brasil está lidando com o mal da bebida alcoólica e

56
Identificação conforme a fonte de pesquisa: Expositor Cristão de 21 de fevereiro de 1918.
99

os impactos que esta causa na saúde do povo brasileiro. Discorre sobre as


consequências do uso abusivo do álcool no organismo segundo pesquisas médicas
realizadas ao redor do mundo. Este artigo serve mais que um alerta ao leitor do que
uma orientação propriamente sobre como tratar a questão. Na mesma linha, no
próximo exemplar publicado, Walter G. Borchers apresenta um relato sobre o que
dizem os médicos da França sem relação a bebida espirituosa. Neste texto são
apontados sete notas sobre o dano causado pelo alcoolismo, e, como ilustração,
segue apenas o último item: “Para resumir, as bebidas espirituosas constituem o
mais terrível inimigo da saúde do individuo, da felicidade da família e da
prosperidade nacional” (16 de maio de 1918, p. 6). Este artigo provocou uma reação
do Sr. Theodomiro G. Campos, que fez questão de comentá-lo e responder
positivamente ao mesmo, assumindo um desejo de combater os males causados
pelo álcool e para isto ele apresenta alguns trechos de uma palestra realizada no
Quartel General da Brigada Policial do Rio de Janeiro, pelo então Capitão Carlos da
Silva Reis, denominada: O demônio do álcool. Na sua conclusão ele faz questão de
destacar que “os vícios são indesculpáveis n’um verdadeiro crente em Christo”.
Novamente no dia 27 de junho é publicada uma pequena nota sobre as
bebidas espirituosas e a resistência, de Walter G. Borchers, referindo-se a
resistência física do alcoolista. Não foi uma nota orientadora, foi sim, porque não
dizer, apenas uma informação curiosa. Em 04 de julho, outra nota com o título: As
bebidas espirituosas reduzem o valor militar do soldado, mais um alerta sobre a
diminuição dos reflexos e habilidades daqueles que fazem uso excessivo da bebida
alcoólica. Na sequência publicou no outro exemplar do dia 11 de julho, o artigo O
uso das bebidas espirituosas reduz a força intelectual do bebedor, onde trata do
resultado de pesquisas realizado por um professor da Universidade de Christiana,
realizada entre os alunos e a sua capacidade de decorar, após uso ou não da
bebida. No início do mês de agosto apresenta uma afirmação de que As bebidas
espirituosas prejudicam a saúde e aumentam a mortalidade, também resultado de
uma pesquisa cientifica. Posteriormente, no início de setembro, novamente ele
apresenta um artigo, também resultado de uma pesquisa, sob o título: As bebidas
espirituosas e a degenerescência, em que verificou-se que o alcoolista está mais
sujeito a enfermidades crônicas e a problemas de saúde mental do que pessoas que
não bebem. A conclusão deste artigo foi apresentado no exemplar da semana
100

seguinte, destacando os males sociais causados pelo uso excessivo da bebida


alcoólica.
Em 28 de novembro, Walter volta a escrever na coluna Temperança e desta
vez com a intenção de chamar a atenção da sociedade para o fato de que a partir de
janeiro do ano seguinte entraria em vigor a proibição do álcool em 25 Estados da
América do Norte, além de apresentar o extrato de uma matéria do jornal Estado de
São Paulo, escrita por Mario Pinto Serva, em que escreve que o “alcoolismo é talvez
o maior inimigo da humanidade e, mais que qualquer outro fator, causador de
miséria, de sofrimento e de necessidade”. Neste artigo ele desafia ao leitor a...
...combater o alcoolismo na razão direta da violência com que elle victima
tantos entes humanos que poderiam ser úteis ao paiz, à família e a si mesmo.
Uma medida legislativa pode, pois, salvar milhares de vidas, restituir
a felicidade a muitos lares, desarmar o braço de muitos assassinos, evitar
milhares de crimes, melhorando as condições Moraes da sociedade,
diminuindo a população dos hospícios e das cadeias (BORCHERS, W. G. In:
Expositor Cristão, 28 de novembro de 1918, p. 3).

O último artigo ligado a coluna da Temperança está datado de 19 de


dezembro com uma pequena nota sob a afirmação de que O uso do álcool agrava a
moléstia.
Nenhuma outra anotação foi registrada pelo Expositor sobre o alcoolismo
neste ano. Cabe destacar que na sua maioria apenas dois textos foram vistos como
exortativos e orientadores ao leitor, digo ao crente metodista sobre a necessidade de
se manter abstêmio ao álcool como bebida.
No ano em que o Credo Social foi colocado na parte especial dos Cânones, o
ano de 1922, nenhuma anotação sobre o alcoolismo foi encontrada no Expositor
Cristão.
Passo assim a analisar o ano de 1930, o então ano da autonomia da Igreja.
No mês de fevereiro o Expositor Cristão transcreve na íntegra um artigo da Sra.
Eunice G. Weaver sobre uma de suas viagens e o encontro com o Dr. William E.
(Pussy-foot) Johnson. Nele, ela escreve a respeito de como este ilustre
conferencista apresenta uma palestra em alto mar para aqueles/as que estavam a
bordo. O texto apresenta a visão do conferencista sobre o mal do álcool como
bebida e da necessidade de evitá-lo e respaldou-se em dados concretos de que
após a Lei da Temperança nos Estados Unidos as classes proletárias passaram a
viver uma vida melhor e mais prósperas.
101

Já no dia 19 de março é apresentado um testemunho de D. M. Wolf, sob o


título Porque meu pae se tornou abstinente, onde o autor descreve o motivo que
levou o seu pai a abandonar de vez a bebida alcoólica, escreve ele:
Ora, as bebidas não me attraem. Posso beber ou deixar de beber,
mas o mesmo talvez não se dê com meu filho.
Ai de mim, se elle criar amor as bebidas alcoólicas. Não quero que
meu exemplo seja a causa de sua perdição. Não beberei mais, com o auxilio
de Deus. Assim fez meu pae, e eu sempre senti grande respeito por elle,
porque se tornou um abstinente por amor de mim (WOLF, D. M. In: Expositor
Cristão, 19 de março de 1930, p. 5).

O mesmo exemplar traz uma matéria com o título Testemunho valioso que
enfatiza uma tentativa de convencimento de que a Lei Seca não alcançou o seu
objetivo e que a mesma não é viável lá nos Estados Unidos. Este artigo afirma que
isto não é verdade e tem a finalidade de exortar aos crentes que não devam
desanimar de buscar a abstinência também em solo brasileiro.
Em 02 de abril, D. Menezes Wolf, apresenta um testemunho sobre o uso da
bebida alcoólica ressaltando o dano causado pela mesma na vida de um jovem que,
acostumado com a bebida dentro de sua casa, foi obrigado a abandonar tudo por
causa da dependência. Neste texto destaco a introdução que diz: “É opinião de
muitos que beber um pouco não faz mal algum; não se lembram. Porém, de que se
estão envenenando aos poucos e satisfazendo um desejo que pode acarretar
tristeza aos seus queridos e desgraça para si mesmo” (02 de abril de 1930, p. 6).
Só um pouco, este é o título de uma brincadeira publicada em 18 de junho, e,
conta o texto que:
Um senhor rogava a um amigo, que costumava exceder-se nas bebidas, que
assignasse um voto para deixar esse vicio. – O senhor bebe? Perguntou-lhe
o amigo. – Só um pouco, foi a resposta. – E depois de beber esse pouco, o
senhor tem vontade de beber mais? – Absolutamente não; se assim
acontecesse, não beberia nem um pouco. – Portanto o senhor bebe o
suficiente para satisfazer? – Assim suponho. – Eu também bebo o sufficiente
para me satisfazer. O Senhor deseja um pouco, e bebe pouco. Eu desejo
muito, e bebo muito. O senhor podia mais facilmente abandonar o seu
“pouco” do que eu o meu “muito”, e, no entanto, o senhor quer que eu me
abstenha, enquanto o senhor se satisfaz (Autor não identificado. In: Expositor
Cristão, 18 de junho de 1930, p. 5).

Cabe ressaltar que este texto não tem nenhum cunho orientador, mas sim
uma crítica ao momento em que se fala de abstenção do álcool como bebida. Em
contrapartida o exemplar publicado no final do mês de julho traz um artigo que fora
publicado no jornal secular denominado A Repressão ao Alcoolismo buscando
102

informar sobre uma proposta de lei que circulava no Congresso Nacional sobre o
consumo de bebida alcoólica no Brasil, em que existe a afirmação:
Não teremos a lei secca, de certo, mas daremos um grande passo de ordem
social procurando, tanto quanto possível, restringir o uso das bebidas no
Brasil, o que se poderá desde logo conseguir por meio de taxações
prohibitivas (Autor não identificado. In: Expositor Cristão, 30 de julho de 1930,
p. 4).

No mês de agosto entre algumas notas, pode-se destacar duas notícias


ligadas ao álcool como bebida, a primeira é adoção de vinho sem álcool para a
ministração da Santa Ceia em Zurich – Suíça por dois motivos, sendo o primeiro
para que antigos embriagados não tornem aos vícios despertados pelo vinho com
álcool da Santa Ceia, e o segundo por ser um fato generalizado nas Igrejas
Metodistas e evangélicas livres da Suíça. A outra notícia tem a ver com o projeto de
lei que tramitava na Câmara dos Deputados, visando dificultar o uso do álcool
potável e auxiliar a produção do álcool-motor. A mesma matéria volta à tona no
exemplar de 24 de setembro, desta vez desafiando a religião do país a apresentar
suas ações contra o uso excessivo do mesmo, visto que as religiões permitiam o uso
do álcool como bebido em suas festividades. Depois destas notícias somente
aparece uma nova nota em 12 de novembro do mesmo ano quando destaca a
medida de emergência no estado do Rio de Janeiro com a proibição absoluta da
venda de bebidas alcoólicas, sob a justificativa:
O reconhecimento formal, por parte das autoridades, de que o álcool é um
perigo nessas occasiões ha de levar todo o nosso povo a pensar que elle é
perigoso em qualquer tempo e logar. Foi pela proibição durante a guerra civil
nos Estados Unidos que chegaram a conclusão de que o álcool deveria ser
banido do território americano para sempre (Autor não identificado. In:
Expositor Cristão, 12 de novembro de 1930, p. 8).

No dia 17 de dezembro, a Junta Regional de Temperança e Serviço Social,


publicou um relatório contendo dez itens de ação para as Igrejas locais, dentre elas
o destaque é para a adoção do Credo Social, assim como transcrito abaixo:
CREDO SOCIAL: Recomendamos que mostraremos solidariedade da Igreja
Methodista do Brasil ao Concílio Geral das Igrejas de Christo na América,
adoptando o Credo Social da referida organização (Junta Regional de
Temperança e Serviço Social. In: Expositor Cristão, 1930, p. 8).

No ano da autonomia da Igreja Metodista no Brasil como apresentado acima


não se vê nenhuma ação concreta no que diz respeito ao combate ao álcool como
103

bebida, embora tenha algumas poucas citações sobre o tema no universo de 52


exemplares.
Na década de sessenta muitas coisas aconteceram, sendo também esta
década norteada, a meu ver, pelo Credo Social mais completo da história da Igreja
Metodista no Brasil. Desta forma segue a analise do Expositor Cristão publicado no
decorrer dos anos de 1967, 68 e 69 como antecessores aos anos setenta.
Em 1967, ano do centenário da Igreja no Brasil, merece destaque o Expositor
Cristão, publicado no mês de agosto por trazer uma página completa com as
informações da Junta Geral de Ação Social, suas diretrizes para o quinquênio, bem
como a conceituação de ação social. No centro da página um quadro que apresenta
os males sociais extraídos do Credo Social de 1960 em que a proposta é combater
tenazmente os vícios, dentre eles o “alcoolismo que tira completamente o homem do
raciocínio normal e avilta sua personalidade”
Em 1968 apenas uma matéria sobre motoristas alcoolizados. Uma pesquisa
sobre os riscos que correm aqueles que bebem e depois saem a dirigir, marca o
tema no Expositor Cristão do mês de novembro. Em contrapartida, já no primeiro
exemplar de 1969 há uma página inteira dedicada aos danos do álcool no
organismo. Nesta matéria encontra-se pela primeira vez a publicação da posição da
Igreja Metodista em relação à bebida alcoólica. Como escreve Charles Wesley Clay:
A posição histórica da Igreja Metodista tem sido de combate constante às
bebidas alcoólicas de toda e qualquer espécie, sendo que nas ‘Regras
Gerais’ estabelecidas por João Wesley, aparece um item condenando
especificamente o tomar bebidas alcoólicas ou participar do negócio das
mesmas.
Alguns acham que hoje em dia este item de nossas ‘Regras Gerais’ deve ser
retirado dos nossos Cânones. Não concordo, de modo nenhum, com os que
assim pensam (CLAY, C. W. In: Expositor Cristão, 15 de janeiro de 1969, p.
6).

Além desta afirmação, Clay apresentou outros três pequenos textos para
justificar sua posição contrária à supressão do combate ao alcoolismo como regra
para os/as metodistas, cujos títulos são: Posição Corajosa de João Wesley; O álcool
como bebida não é ‘pra frente’ é prejudicial mesmo e; Álcool como remédio, só para
doentes, nunca para os sãos, demonstrando uma orientação clara sobre o uso
excessivo do álcool.
Na publicação de 15 de fevereiro, a Eula Kennedy Long responde a um
parágrafo de um artigo sobre a educação ministerial, que fora publicado em 01 de
outubro de 1968 no Expositor Cristão, em que o autor do artigo escreve que os
104

missionários das gerações anteriores, procuraram ser em nossa terra, “um


testemunho através de uma série de proibições. Esse moralismo negativo e legalista
nos apresenta ao mundo não como aqueles que querem trazer um evangelho
vivificante, mas como proibicionistas” (Autor não identificado. In: Expositor Cristão,
1969, p. 1). Em resposta a esta afirmação, Long apresenta uma reação severa e
muito contundente, alegando que embora o autor do artigo não tenha citado, dizia
ele respeito ao fumar, beber e jogar. Diante disto ela escreve:
E, afinal de contas, porque é embaraçoso ou vergonhoso o metodista
declarar que a sua igreja não deseja vê-lo, como um membro ativo, fumar,
beber, e jogar. Ao contrário, deve declarar com orgulho legítimo e convicção
sincera, que considera o seu corpo digno de respeito, veículo do Espírito
Santo, e que não quer escravizá-lo com vícios que só trazem inferioridades
físicas e espirituais.
Moralismo legalista? Proibições?
O próprio Deus não hesitou em revelar-se ao homem por meio de proibições,
desde o Jardim do Edem até a Moisés, quando lhe entregou os dez
mandamentos negativos. Mandamentos e lei que Jesus Cristo disse que não
veio abolir mas cumprir (LONG. In: Expositor Cristão, 15 de fevereiro de
1969, p. 2)

O primeiro trimestre do ano de 1969 a revista da Escola Dominical, na


chamada Tribuna livre de Em Macha, trouxe uma questão para que os metodistas
pudessem opinar sobre se a Igreja deve permitir o uso do álcool em pequena
quantidade? Esta pergunta indignou um aluno, que enviou ao Expositor Cristão uma
carta com o objetivo de engrossar fileiras com o Rev. Charles Wesley Clay no
combate ao uso indiscriminado do álcool como bebida, que foi publicada sob o título:
Carta Aberta ao ilustre Servo do Deus Altíssimo Rev. Charles Wesley Clay, no dia
15 de maio 1969.
No ano de 1970, ano do Concílio Geral que aprovou o Credo Social em vigor
até os nossos dias, o Expositor traz no mês de fevereiro uma matéria tratando a
respeito de uma postura do Congresso Nacional, no que tange a um projeto de lei
apresentado pela Comissão de Saúde da Câmara que visa regulamentar as
propagandas veiculadas no rádio e na televisão referentes à bebida alcoólica,
destacando que este é “primeiro passo para controlar o vício em nosso País”. Nesta
matéria trata-se também de outras drogas, denominando-as de entorpecentes.
Merece destaque o fato de esta matéria vir assinada pela Secretaria Geral de Ação
Social, em que pese ser esta a primeira vez que um departamento da Igreja, e não
uma pessoa, manifesta a sua posição sobre o álcool na forma de bebida através do
Expositor Cristão, como segue:
105

A Secretaria Geral está oficiando ao Senhor Presidente da Câmara dos


Deputados, encarecendo a relevância do Projeto da Comissão de Saúde,
dando-lhe integral apoio, contando como absolutamente certa a sua
aprovação, bem como sugerindo que na iniciativa dessa natureza tenha a
mais larga divulgação possível e seja uma verdadeira cruzada educativa.
Bom é que tal iniciativa seja levada pelos colegas aos jornais de suas cidades
com comentários relacionados à doutrina Social da Igreja Metodista no Brasil.
Mui fraternalmente,
Secretária Geral de Ação Social (Secretaria Geral de Ação Social. In:
Expositor Cristão, 15 de fevereiro de 1970, p. 13 e 16).

Durante o mês de abril houve duas manifestações publicadas sobre o tema,


uma pequena nota transcrita do jornal O ESTADO, publicada no dia 15, com um
conteúdo muito radical em que é apresentada uma proposta para as autoridades a
fim de que determinem a esterilização compulsória dos alcoólatras incorrigíveis, e
outra no dia 30 de abril, quando é publicada uma carta de apoio enviada ao
Deputado Aldo Fagundes, escrita pelo Bispo José Pedro Pinheiro, transcrita
abaixo...
Carta do Bispo Pinheiro

Ao
Deputado Dr. Aldo Fagundes
Câmara dos Deputados

Caro Dr. Aldo,


Chega do meu conhecimento por intermédio da nossa JUGAS o
projeto de n.º 1588/68, da Comissão de Saúde, da qual o distinto irmão é o
presidente.
Li-o e a sua justificativa, para concluir, como cristão e como
metodista, que ele já vêm tarde, ou melhor, na hora em que os prejuízos
causados pelo alcoolismo já não são reclamados somente pelos sofredores
de suas terríveis conseqüências e seus descendentes, mas a Ciência
mesma, que pesquisa e chega a resultados alarmantes, vem apenas reformar
e afirmar aquilo que os ‘abstinentes’ como nós vimos pregando e ensinando
desde longa data, quiçá desde João Wesley e suas ‘Regras Gerais’ para as
Sociedades Metodistas.
Como regra social e de bom viver já vamos perdendo terreno em face
de uma propaganda multimilionária. Resta, agora, o poder público, por leis
sábias, por cobro ao malefício aceito como prova de bom gosto.
Queira aceitar, como os seus companheiros de Comissão, os meus
parabéns e os meus votos, em nome do Metodismo Sulino, para que a
Egrégia Câmara, inspirada por Deus nos mesmos sentimentos de amor ao
Brasil, ajude a livrar as gerações de amanhã, de um grave engano que não
encontrará remédio.

Saudações Cristãs
José Pedro Pinheiro, Bispo (PINHEIRO. In: Expositor Cristão, 30 de
abril de 1970, p. 11).
106

Cabe ressaltar que a manifestação do Bispo Pinheiro deixa claro que os


metodistas são abstinentes e que combatem o alcoolismo através da pregação e do
ensino aos seus membros e a sociedade em geral.
Depois disto em forma de testemunho escreve Lenildo F. Magdalena uma
crônica sobre o Sr. Antônio Muniz, um homem que sofria as consequências do vício
do álcool, como morar na sarjeta, viver mendigando, e depois de ter sido acolhido
por mãos caridosas passa a frequentar a Igreja Metodista da Rua Flaquer, na busca
de uma vida sóbria e sob os cuidados de Deus. Este Texto foi publicado no dia 15
de junho com o título de O banco era a minha cama; a pinga, minha companheira.
O exemplar do Expositor de 15 de agosto de 1970, contém a Mensagem
Episcopal ao décimo Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil. Nesta mensagem
os bispos destacam a importância do serviço na vida da Igreja a favor do
homem/mulher diante de suas necessidades, através de ações mais do que ação
paliativa. Para isto apresenta o Credo Social como o norteador destas ações,
destacando a importância do seu ensino e constante estudo.
Já no ano de 1971, ano em que foi concluído o X Concílio Geral da Igreja, o
Expositor Cristão não publica nada sobre o alcoolismo, embora neste ano tenha sido
publicado na íntegra o Credo Social que fora aprovado no exemplar de 15 de março.
Após esta pesquisa através da leitura dos exemplares do Expositor Cristão
publicados nos anos mencionados acima, penso que a posição da Igreja sempre foi
de abstinência e combate ao álcool como bebida.

3.2.2 Matérias sobre o álcool em outros documentos

Além do Expositor Cristão a Igreja Metodista apresentou outros textos que de


forma direta ou indireta destacavam a posição da Igreja sobre o combate ao uso do
álcool como bebida, passo agora a destacar alguns destes.
No ano de 1935, a Junta Geral de Educação Crista da Igreja Metodista no
Brasil publica o texto do Rev. Epaminondas Moura, um folhetim com o nome
Informações para Candidatos e Crentes Novos, e, nele descreve claramente que os
novos crentes precisam fazer em seus primeiros passos...
8- Largai todas as bebidas alcoólicas que levam tantas pessoas a ruína,
miséria e perdição; deixai outros vícios, o fumo, etc. ‘O vinho é escarnecedor,
a bebida forte alcoroçadora; e todo aquele que neles errar nunca será sábio’.
107

(Prov. 20:1) ‘Bom é não... beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu
irmão tropece, ou se escandalize, ou se enfraqueça’ (Romanos 14:21)
(MOURA, 1935, p. 8).

No ano de 1962, os Secretários Gerais da Igreja Metodista, publicaram um


livreto voltado a formação do laicato intitulado Ação Leiga e a Preocupação Social
da Igreja. Nele é apresentado um calendário de atividades para o ano, onze estudos
para serem desenvolvidos na comunidade, dentre eles sete estudos sobre o Credo
Social. No que diz respeito a bebida alcoólica o texto apresenta um destaque
quando estuda os males sociais a partir de um testemunho como segue:
Há poucos dias andando numa das principais ruas da cidade de São
Paulo, encontramos com um senhor não estanho, de roupa suja e em
farrapos, corpo curvado e cabeça baixa, e de passo incerto. Ele estava
caminhando sem prestar atenção aos demais pedestres e aos automóveis
inumeráveis que ali passavam, colocando em perigo sua vida.
Tentamos lembrar onde o havia encontrado antes lembramos que há
quase dois anos numa reunião de culto em casa particular o encontramos um
tanto sob a influência do álcool, onde a convite do dono da casa, estava para
assistir a um trabalho de evangelização. Após o culto tivemos uma conversa
demorada sobre seus problemas e angústias. Tentamos achar-lhe uma
colocação, pois, disse-nos estar apto para trabalhar com vidraceiro, mas
mesmo achando uma possível colocação, ele não compareceu para uma
entrevista. Assim, alguns dias depois veio até ao nosso escritório, com uma
outra conversa dizendo que queria ir para Santos, onde tinha parentes e onde
o emprego era mais fácil. Depois de conversar outra vez durante bastante
tempo, cometemos o engano de entregar-lhe dinheiro suficiente para comprar
a passagem. Passados dois dias apenas, o cidadão voltou, desta vez com
roupa bastante esfarrapada, com uma grande ferida na cabeça e uma
desculpa daquelas...
Em ocasiões posteriores tentamos encaminhá-lo à Associação dos
Alcoólatras Anônimos e ao Serviço Social do Estado. Todas as tentativas
malograram. Por fim tivemos que dizer a ele que sem um pouquinho de
vontade própria, nada mais podíamos fazer para ajudar o seu caso. Daí
então, perdemos contato por completo, até esse dia recente que nos
encontramos com ele, agora, um exemplo ainda mais triste de um ser
humano em decadência (SECRETÁRIOS GERAIS DA IGREJA METODISTA,
1962, p. 68).

Após apresentarem o testemunho, o estudo afirma a posição contrária da


Igreja em relação aos vícios como diz o Credo Social. A “Igreja Metodista do Brasil
sempre se opôs a eles, combatendo-os veemente, pois não se coadunam com o
sistema de vida que pregamos e vivemos”. E dizem: “Sim, somos decididamente
contra qualquer praxe ou hábito que reduza uma vida humana, dádiva de Deus, à
ruína”.
O estudo levanta uma questão que é: somos contra o quê? A resposta é
veemente, somos contra os males sociais. Outras questões são incitadas neste
estudo, tal como esta a seguir,
108

O que é que a sua igreja poderá fazer para ajudar indivíduos desajustados
que buscam um refúgio, através da prática de vícios? (SECRETÁRIOS
GERAIS DA IGREJA METODISTA, 1962, p. 74).

Outra publicação que destaco é o Plano Quadrienal 1979 a 1982, em cujo


texto uma das áreas contempladas é a ação social. No VII capítulo, o texto
apresenta o Plano para as áreas de vida e trabalho, onde, como meio de ação para
o desenvolvimento do trabalho a Igreja é orientada a realizar denúncia pública e
oficial daquilo que vicia, como se segue, “[...] do uso dos meios de comunicação
como instrumento de propaganda de males sociais (bebidas alcoólicas, fumo,
exploração do sexo, violência, jogos de azar, loterias, etc.), que contribuem para
destruição da saúde física, mental, social e espiritual do ser humano” (PLANO
QUADRIENAL 79-82, 1978, p. 22).
A Igreja Metodista, através do Conselho Geral publicou em 1980, as Ênfases
Metodistas no Ministério Pastoral na série Documentos – 1, um texto publicado pelo
Departamento Editorial da Imprensa Metodista. Neste texto, o corpo pastoral da
Igreja é chamado a atuar nas mais diversas áreas da vida humana e para tal é
alertado com informações. O capítulo III, trata das áreas que exigem atuação
ministerial, dentre elas a social, onde é transcrito a parte do Credo Social que
discorre sobre os Problemas Sociais.
Odilon M. Chaves publicou em 1982, um pequeno livreto denominado O
Metodismo e a Baixada, onde descreve alguns estudos referentes ao ser crente
metodista para a região da baixada Fluminense, e, um dos itens abordados foi o
Credo Social. De forma prática ele apresenta tópicos e discorre um pouco sobre os
mesmos. Na página 20, ele transcreve parte do tópico que diz respeito aos vícios no
Credo Social, como segue: “Os vícios e jogos de azar devem ser alvo de combate,
tanto pelos efeitos danosos, como pelas implicações sócio-econômicas que
acarretam ao país”; (CHAVES, 1982, p. 20).
Em 1984, o Conselho Geral da Igreja Metodista, na preparação para o
Encontro Nacional de Pastores/as solicitou a Faculdade de Teologia da Igreja
Metodista que elaborasse um material com vistas a nortear as discussões sobre o
Plano para a Vida e Missão da Igreja, que depois de pronto foi publicado como o
nome de Espiritualidade na Missão. Neste texto, o Professor Geoval Jacinto da
Silva, discorre em seu artigo A Busca de Linhas Específicas de Evangelização, que
“a evangelização é uma arte de comunicar o amor de Deus”, e para isto ele
109

apresenta um tópico onde a evangelização é praticada na forma da ação social.


Embora não apresente diretamente o tema do alcoolismo, pode-se entender que na
busca do cuidado e da libertação de tudo o que escraviza o ser humano, a
evangelização pode sim atuar diretamente no combate ao consumo danoso do
álcool. Como escreve:
O PVMI diz que o objetivo da evangelização é: Libertar a pessoa e a
comunidade de tudo que a escraviza e conduzi-las à plena comunhão com
Deus e com o próximo (Lc 4, 18-19). A verdadeira ação evangelizadora
‘precisa, por intermédio de Jesus Cristo, salvar o ser humano de seu dilema
espiritual, purificar sua mente, soerguer o seu coração e curar o seu corpo’.
Isto significa que o Evangelho deve alcançar o homem em sua totalidade. É
preciso considerar o bem-estar como pessoa e, para tanto, propiciar-lhe uma
sociedade compatível com os direitos humanos. No cumprimento de sua
vocação, a igreja é chamada a denunciar os poderosos e principados, o
pecado e a injustiça; a consolar viúvas e órfãos, curando e restaurando os
que foram feridos e a celebrar a vida em meio à morte. Ao realizarmos, em
nome de Cristo, a ação social, estaremos anunciando o Evangelho (Jo 20.21)
(SILVA, 1984, 33).

Uma ação mais efetiva sobre a síndrome da dependência do álcool foi uma
cartilha publicada pelo Ministério Regional de Prevenção às Drogas da 1ª Região
Eclesiástica da Igreja Metodista no decorrer da década de noventa. Esta cartilha
tinha o objetivo de apresentar orientações básicas para a Igreja no sentindo da
prevenção ao uso indevido de drogas. Nesta cartilha os autores se ocuparam em
realizar uma conceituação básica das drogas apresentando os efeitos danosos
causados pelo uso indevido, discorreram sobre as causas e as consequências do
uso de drogas, concluindo com uma orientação de prevenção para as famílias.
A cartilha é um instrumento no processo de capacitação, e, Paulo Lockmann,
assim a apresenta:
Este material busca ser um instrumento no processo de capacitação para
que, como comunidade missionária a serviço do povo, possamos
testemunhar a vitalidade do evangelho frente aos desafios enfrentados por
nossas comunidades. A prevenção ao uso indevido de drogas é uma das
responsabilidades sociais que temos, como filhos e filhas de Deus, no
processo de implantação do seu Reino, pois somos chamados e chamadas a
ações que dignifiquem o ser humano em sua plenitude (LOCKMANN, s/d, p.
5).

Após sua autonomia no ano de 1930, a Igreja Metodista, sob o forte desejo de
expandir suas ações missionárias em solo brasileiro buscou proporcionar aos seus
membros a instrução para que suas ações fossem coerentes e uniformes,
processadas de forma intencional, sistemática e organizadas coletivamente, em
seus Concílios Gerais.
110

Considerando o exposto é possível inferir que a Igreja Metodista não


desenvolveu, em suas ações, um combate exaustivo em relação ao consumo
indevido do álcool como bebida, como está sugerido nas Regras Gerais e no Credo
Social. Não foi dada a devida atenção ao tema que continua degradando a vida
humana provocando grande mal a sociedade, a questão da síndrome da
dependência do álcool.

3.2.3 Cruz de Malta57: Outubro de 1960 – Um estudo completo

A revista Cruz de Malta é um instrumento de comunicação da Igreja Metodista


publicada desde 1928, e trata-se de uma literatura direcionada aos jovens
metodistas e vem sendo responsável por apresentar artigos sobre o álcool e seus
malefícios. Dentre eles, destaco o publicado na edição de abril-maio-junho do ano
de 1968, que traz um artigo do Prof. Emílio Mira y Lopes, sobre o uso imoderado de
bebidas alcoólicas com o título Álcool e Psique, que tem o objetivo de apresentar os
impactos do álcool no organismo e na vida humana, especialmente nos
relacionamentos sociais. Porém é a publicação de outubro de 1960 que merece
destaque, pois relaciona o Credo Social com a questão da bebida alcoólica, e, sobre
este ressalto importantes questões.
O então secretário geral de Ação Social da Igreja Metodista do Brasil, o Dr.
Roberto Davis, publica um artigo denominado Por que os metodistas são contra o
álcool? Neste artigo busca esclarecer as razões que levaram os metodistas a uma
campanha em favor da abstinência e contrários ao consumo de bebidas alcoólicas.
O autor inicia o texto com uma citação da versão do Credo Social publicada em
1960, onde destaca a seção Males Sociais, em especial o item que segue:
Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações do erro, da
ignorância, do pecado, que deturpam a personalidade, arruínam a vida e
trazem mal estar para a comunidade. A Igreja Metodista do Brasil sempre se
opôs a eles, combatendo-os veementemente pela palavra falada e escrita e
pelas atitudes e ações. A abstinência é a posição histórica de nossa igreja
(CREDO SOCIAL, In: DAVIS, 1960, 12).

57
Revista Cruz de Malta – Publicada desde 1928. Órgão oficial das Sociedades Metodistas de Jovens, registrado
conforme lei de imprensa. Publicação mensal da Junta Geral de Educação Cristã da Igreja Metodista do Brasil.
Diretor responsável: José G. Campos. Diretor-Redator-Chefe: William R. Schisler Filho.
111

Com o objetivo de responder a questão apresentada, Davis desenvolve a


primeira parte do texto tratando da abstinência e a posição histórica da Igreja
Metodista em relação ao assunto. Cita Reily, a partir dos escritos no diário de João
Wesley, lembrando que o álcool representava um dos maiores males sociais na
Inglaterra do século XVIII, como se segue:
João Wesley dizia que ficava atônito ao ver como o tráfego de bebidas podia
ser apoiado numa terra civilizada; os seus efeitos eram tão óbvios [...] Muitos
argumentavam que o governo precisava do rendimento do álcool na forma de
impostos; mas Wesley comparava este rendimento ao dinheiro para a um
homicida por ter assassinado o seu semelhante [...] ‘blood money’. Havia, às
vezes, falta de cereais na Inglaterra; Wesley demonstrava que a fabricação
de bebidas era uma das causas principais desta falta. Alguns fabricantes
defendiam a sua prática, dizendo que a bebida era necessária como remédio
para os enfermos; Wesley fez um desafio para que alguém procurasse
encontrar, no país inteiro, 10 fabricantes que estivessem fabricando as suas
bebidas exclusivamente para o uso medicinal. Ele proibiu os membros das
sociedades metodistas de tomar qualquer bebida alcoólica, a não ser com
receita do médico; não permitiu que os pregadores o tomassem por qualquer
motivo. Em vez de remédio, o Pai do Metodismo encarou o álcool como um
veneno que ameaçava a destruição da moral e do vigor do povo inglês (A
Influência do Metodismo na Reforma Social na Inglaterra no Século XVIII, de
Duncan A. Reily) (DAVIS, 1960, p.12-14).

A partir desta citação, Davis então explica a postura da Igreja Metodista em


relação a outras igreja evangélicas, uma vez que estas não adotavam a mesma
posição dos metodistas no que diz respeito a abstinência, afirmando que “alguns
acham que por ser a nossa posição histórica, não quer dizer que ela é aplicável à
nossa situação atual”, diante desta posição ele então desafia os metodistas dizendo:
Neste caso como em muitos outros referentes aos problemas sociais, a nossa
tarefa é a de julgar a nossa posição de acordo com o espírito dos ensinos de
Jesus. Isso nos obriga a examinar os fatos científicos sobre o álcool, à luz da
Bíblia. Em tal confronto o nosso alvo é buscar a verdade e não apenas
proteger a todo custo uma posição tradicional do metodismo (DAVIS, 1960, p.
14).

O artigo continua discorrendo sobre alguns fatos, a definição de álcool pela


ciência que além de ser “um líquido, sem cor volátil, de cheiro picante, de sabor
ardente, inflamável”, é também prejudicial ao organismo humano quando ingerido
em grande quantidade. Outro fato é a busca da resposta à pergunta: Por que o
homem bebe? Ele mesmo responde, “sem errar que o homem não é levado a ingerir
bebida alcoólica pelo gosto da bebida”, e apresenta claramente que o que leva o
homem a beber é o efeito do álcool sobre o organismo humano, anestesiando as
suas faculdades, retirando-lhe a auto-crítica, “tão necessária e essencial a uma vida
culta”.
112

Anestesiando a esta nossa auto-crítica, o homem torna-se aparentemente


mais livre, menos enquadrado, mais a vontade, muito embora não sejam
realistas mas, sim fantasiosas as horas que o indivíduo passa sob a influência
anestésica do álcool. São horas agradáveis, é bem verdade, em que o
homem foge da realidade para a fantasia, mas a sua volta para a realidade é
das mais bruscas e severas (DAVIS, 1960, p. 16).

Continua a resposta apresentando a influência social em que a pressão do


grupo, da sociedade, leva os mais jovens a experimentarem a bebida alcoólica, e,
mediante o prazer ocasionado pelo efeito provocado pelo álcool passa a repeti-lo
mais vezes chegando a dependência. De forma trágica ele conclui a resposta
afirmando que, a dependência do álcool leva as pessoas a viverem sem lar e sem
trabalho, como ele escreve: “O seu lar é a rua. O seu trabalho é mendigar. A sua
vida gira em torno do álcool” (DAVIS, 1960, p. 17).
Neste artigo, em 1960 ele já aponta a posição da ciência que define o
alcoólatra, ou alcoolista como um doente, assim conforme definição atual, a
síndrome da dependência do álcool, como ele escreve: “Quanto mais a ciência e
medicina estudam esses casos, tanto mais classificam-nos não como hábito apenas,
mas, como doença” (DAVIS, 1960, p. 17).
Pela importância que este artigo tem neste trabalho de pesquisa segue a
transcrição da conclusão do mesmo, pois ela apresenta a posição da Igreja em
relação a bebidas alcoólicas:
1- É, sem dúvida, nossa responsabilidade cristã, viver sempre dentro da
capacidade máxima que Deus nos deu. Qualquer coisa que destoa da nossa
eficiência, e que prejudica o nosso trabalho e que atrapalha o nosso
testemunho como cristãos, sem dúvida alguma, é contra a majestade Divina.
É justamente por isto que o álcool, quando ingerido pelo homem, destrói
exatamente a parte mais nobre do homem, pois destrói-lhe a capacidade
dada por Deus de ser Sua Imagem. Através do uso do álcool, essa imagem é
temporariamente apagada e a sua eficiência é prejudicada.
2- Precisamos lembrar que nós não vivemos isolados uns dos outros.
Os nossos atos individuais influem sobre o nosso próximo. Cristo disse que
seria melhor para uma pessoa, responsável pela queda de um outro mais
fraco, que uma pedra lhe fosse atada ao seu pescoço, e ela fosse lançada no
fundo do mar.
Às vezes temos a tentação de raciocinar, ou pelo menos achar que nós
somos suficientemente fortes para dominar o álcool e não cair no alcoolismo.
Entretanto, cabe-nos lembrar como cristãos que, talvez, pelos nossos atos
influenciaremos os que nos acatam e nos imitam e que essas pessoas
poderão cair na desgraça de uma vida dominada pelo álcool, através do
nosso testemunho. Somos os guardadores do nosso próximo. Precisamos
levar em conta esse fato.
3- A posição histórica da Igreja Metodista a favor da abstinência, é, sem
dúvida alguma, a posição mais acertada. Dentro dela não há perigo.
Obedecendo-a, não prejudicamos os dons que Deus nos deu. Seguindo-a, o
nosso testemunho permanece fiel. Acatando-a, a nossa influência sofre o
nosso próximo é a melhor que possa ser nesse sentindo.
113

4- Enfatizamos a importância de um lar cristão, um lar em que reine o


amor, que forme filhos com ausência dos problemas de personalidade, dos
complexos e dificuldades decorrentes de um lar infeliz. Num lar cristão assim,
não são geradas pessoas propensas a tornarem-se alcoólatras. Nesse lar
crescem pessoas sadias, bem ajustadas, para quem o álcool não representa
uma tentação; pessoas que não sentem a necessidade de fugir dos seus
sentimentos de inferioridade; pessoas que se sentem completas, sem a
influência dos efeitos anestésicos do álcool na sua vida, no seu corpo, na sua
personalidade.
5- Desejamos destacar a posição da Igreja Metodista quanto às pessoas
que se acham viciadas pelo álcool. O Credo Social de 1960 diz: ‘No
tratamento dos males sociais temos por norma combater tenazmente o mal e
amar profundamente o ser humano atingido por ele, e propiciando-lhe os
meios de redenção e de recuperação’. Mais tarde diz: ‘A Igreja dá o seu apoio
decisivo ao esforço educacional que se fizer com o objetivo de: a) pregar a
abstinência como norma de conduta e dar interpretação sobre os efeitos dos
vícios e dos males sociais; b) estudar as causas dos males sociais,
removendo-as para combatê-las; c) ensinar que a pureza do corpo e do
espírito, de acordo com a ética dos ensinos de Jesus, é sistema de vida
próprio dos seus seguidores; d) proclamar a grande necessidade de redimir a
alma e salvar especialmente aqueles que andam desgarrados como ovelhas
sem pastor, vítimas das diferentes manifestações dos males sociais.
Jesus disse que veio ao mundo para buscar e salvar aqueles que se
haviam perdido. Também disse que o que precisa de médico é o doente, não
o são. A responsabilidade da Igreja é de amar os que se acham dentro do
vício do álcool. Para os amar, precisamos entendê-los, precisamos
reconhecer o que leva o homem a fugir dos seus problemas através do
álcool. Se a nossa atitude é apenas de condenação e de farisaísmo perante
tal pessoa, não a ajudamos, mas, sim nos separamos da possibilidade de
ajudar a pessoa necessitada. Que Deus nos auxilie a amar a esses
pecadores, como Ele os ama (DAVIS, 1960, p. 19-20).

O texto do secretário da Junta Geral de Ação Social da Igreja Metodista o Dr.


Roberto Davis, foi, sem dúvida nenhuma, o único publicado pela Igreja que faz uma
leitura fiel ao Credo Social da época e que apresenta pistas seguras para se manter
a postura abstinente do metodista.

3.3 Credo Social – Fundamentos para uma práxis pastoral


voltada a síndrome da dependência do álcool

Após a leitura dos documentos impressos produzidos pela Igreja no decorrer


do tempo em que o Credo Social é a expressão escrita da doutrina social da Igreja,
e visto que, embora se tenha varias anotações, apenas uma é interpretação prática
do Credo Social como instrumento orientador para o combate aos vícios, digo ao
consumo excessivo do álcool como bebida.
O Credo Social pode contribuir para uma aproximação sensível do crente com
o Evangelho do Senhor Jesus, “ele une em si a ênfase na glorificação de Deus e na
114

promoção da cidadania”, conforme afirma Renders. Isto faz com que o exercício da
fé seja praticado de forma coerente e diretamente ligada ao que se aprende no
convívio de fé cristã.
Trazendo a memória a conceituação do termo pastoral, uma vez que no
contexto brasileiro segundo Silva, “a pastoral deixa de ser uma ação do povo de
Deus voltada para dentro da comunidade, para ser uma ação do povo no espaço
maior, onde eventos acontecem na realidade cotidiana” (SILVA, 2003, p: 80). “É uma
ação intencional, sistemática e organizada coletivamente. É fruto do esforço
missionário da Igreja que busca mudanças, vislumbrando novos tempos na
perspectivas do Reino messiânico de Deus” (CASTRO, 2000, p: 105).
Realizar uma leitura do Credo Social com vistas a garimpar uma práxis
pastoral e missionária é uma tarefa desafiadora e estimulante, isto porque o
documento é rico em detalhes e também em pistas para um viver digno, coerente e
no contexto da dependência alcoólica, um viver sóbrio. Uma vez que a presente
pesquisa busca uma aproximação entre o teórico e prático, apresentando uma
práxis a partir do Credo Social voltada ao cuidado pastoral diante da dependência
alcoólica, analisarei apenas uma ação apresentada no 12º tópico do Item V –
Problemas Sociais, com vistas a conceituação de práxis religiosa feita por Casiano
Floristan, considerando o seguinte enfoque,
1. A práxis é ação criadora e não meramente reiterativa. Para que a ação seja
criadora é necessário certo grau de consciência crítica no agente que atua e
um certo nível de criatividade que reflita no realizado. A práxis criadora é
inovadora frente às novas realidades ou novas situações. O ser humano é
desafiado a criar ou inventar, não basta repetir ou imitar os resultados.
2. A práxis é ação reflexiva e não exclusivamente espontaneidade. A práxis
criadora exige uma elevada reflexão de consciência critica. Para superar o
nível de espontaneidade da prática é necessário um alto grau de reflexão.
Necessitamos ser críticos: saber o que buscamos e a aonde vamos,
entretanto, cautelosos nos passos que damos. Por isso a transformação em
muitos aspectos não poderá ser nem tão rápida, nem tão radical como às
vezes imaginamos.
3. A práxis é ação libertadora e não alienante. A ação humana é práxis na
medida em que se ajusta a um projeto de libertação. O fim de toda atividade
prática ou de toda práxis é a transformação real do mundo natural ou social,
cuja realidade deve ser uma nova realidade mais humana e mais livre.
4. A práxis é ação radical e não meramente reformista. A práxis propõe
transformar a organização e direção da sociedade, mudando as relações
econômicas, políticas e sociais. Como a sociedade está dividida em classes
sociais, nasce uma luta de classes entre si. Assim emerge a atividade
política, que é a luta objetiva nutrida de ideologia. A práxis política alcança
sua forma mais elevada na práxis radical, a saber, a que intenta transformar
115

na raiz as bases econômicas e sociais na qual se assenta o poder das


58
classes dominantes para construir uma nova sociedade .

Vale considerar que práxis é ação e esta ação pode ser vista como criadora,
reflexiva, libertadora e por fim radical. A seguir passo a analisar uma afirmação
cristã sustentada nos documentos da Igreja como uma ação que deve ser
desenvolvida literalmente, ou seja, cumprida por todos os metodistas brasileiros.
Segue-se o tópico 12 do Item V – Problemas Sociais do Credo Social.
12 - Dentre os problemas que afetam a sociedade estão os chamados vícios,
como: o uso indiscriminado de entorpecentes, a fabricação, comercialização e
propaganda de cigarros, bebidas alcoólicas, a exploração dos jogos de azar,
que devem ser alvo de combate tenaz já pelos efeitos danosos sobre os
indivíduos como também pelas implicações sócio-econômicas que acarretam
ao País.

Reconhecer e enunciar os vícios como problemas que afetam a sociedade


pode ser uma ação criadora, a partir do momento em que se afirma que o uso
excessivo destas substâncias acarreta o mal tanto aos usuários quanto aos que
estão a sua volta, e, a partir daí criar respostas que auxiliem e promovam mudanças
de comportamento na vida daquele/a que fazem o uso, como também na vida
daqueles/as que fabricam e comercializam tais substâncias.
A identificação dos vícios proporciona uma ação reflexiva, porque,
considerando que em nossos dias tanto a fabricação quanto a comercialização de
substâncias como o tabaco e álcool são lícitos, apresentá-los como únicos a
prejudicarem a saúde humana não é o suficiente. Devemos, como diz Floristan “ser
críticos: saber o que buscamos e aonde vamos, entretanto, cautelosos nos passos

58
1. La praxis es la acción creadora y no meramente repetitivo. Para ser creativo es necesario grado de
conciencia crítica en el agente que actúa y un cierto nivel de creatividad que refleja el lugar. La praxis creativa es
innovador en la cara de las nuevas realidades o situaciones nuevas. El hombre es el desafío de crear o inventar,
no simplemente repetir o imitar a los resultados.
2. Praxis es la acción y no sólo la espontaneidad reflexiva. La praxis creativa exige una mayor conciencia de la
reflexión crítica. Para superar el nivel de la espontaneidad de la práctica requiere un alto grado de reflexión.
Tenemos que ser críticos: buscamos conocer y hacia donde vamos, sin embargo, cauto en los pasos que damos.
Por lo tanto la transformación en muchos aspectos puede ser ni tan rápido ni tan radical como a veces se
imaginaba.
3. Praxis no es alienante y liberación de la acción. La acción humana es la praxis en el que quepa un proyecto de
liberación. El final de cada actividad o práctica de cualquier práctica es la verdadera transformación del mundo
natural o la realidad social que debe ser una nueva realidad más humana y más libre.
4. Praxis es la acción radical y no meramente reformista. La Praxis propone transformar la organización y
dirección de la sociedad, el cambio de las relaciones económicas, políticas y sociales. Cómo es la sociedad
dividida en clases sociales, se plantea una lucha de clases entre ellos. De esta manera surge la actividad política
que es la lucha de la ideología alimentada objetivo. La práctica política alcanza su máxima expresión en la praxis
radical, a saber, que trata de transformar la raíz social y económica cimientos sobre los que descansa el poder de
las clases dominantes para construir una nueva sociedad. (FLORISTAN, 1993, p. 179-180)
116

que damos. Por isso a transformação em muitos aspectos não poderá ser nem tão
rápida, nem tão radical como às vezes imaginamos”.
Combater os vícios é uma ação libertadora, isto porque toda ação que visa a
extinção de qualquer forma de dependência é libertação transformadora, é viver
livremente no mundo natural e social.
Analisar os efeitos danosos que os vícios, no caso a síndrome da
dependência do álcool, causam nos indivíduos bem como as implicações sócio-
econômicas que acarretam ao país no combate destes é uma ação radical, uma vez
que a práxis religiosa propõe transformar a organização e direção da sociedade,
mudando as relações econômicas, políticas e sociais.
Desta forma, reconhecer o tópico 12 e cumpri-lo é práxis religiosa, isto porque
nele está contido a ação criadora, reflexiva, libertadora e por fim radical, segundo o
pensamento de Casiano Floristan.
117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As observações feitas até, aqui somente fazem sentido se forem uma


contribuição que possibilite repensar as práxis pastorais desenvolvidas pela Igreja
nos dias atuais.
O ponto referencial deste trabalho foi a análise do Credo Social da Igreja
Metodista, a expressão da doutrina social da Igreja, frente às questões dos vícios,
em especial o consumo de bebidas alcoólicas, bem como o estudo da conceituação
da síndrome da dependência do álcool e o exemplo de pastoral vivenciado pelos
Alcoólicos Anônimos. Também houve uma pesquisa significativa nas publicações da
Igreja Metodista nos anos em que o Credo Social esteve em destaque, em especial
os textos que trataram sobre a postura e as ações pastorais da Igreja Metodista no
que diz respeito ao consumo excessivo do álcool como bebida.
Desta forma, com os resultados obtidos, e, objetivando apresentar algumas
considerações relevantes para a práxis pastoral fundamentada no Credo Social
voltada a prevenção e apoio a pessoa portadora da síndrome da dependência do
álcool em nossos tempos, sem, contudo querer esgotar o assunto e nem ter a
pretensão de fornecer receitas do fazer ideal. Antes, a intenção é levantar pistas que
possam estimular a leitura, a reflexão, e, principalmente as práxis pastorais entre os
grupos religiosos, mediante aos graves danos causados pelo álcool.
É possível inferir que nem sempre a práxis pastoral da Igreja se concretizou a
partir de suas iniciativas doutrinárias ou teológicas. Os escritos apresentam a
intenção da Igreja, seu sentimento e desejo, embora sejam necessários, registros
claros da efetividade das ações, pois quando o serviço é prestado por amor, importa,
sobretudo, o maior bem que se possa fazer a quem o recebe.
O homem, por natureza, é um ser que vive no grupo, sendo assim não se
pode cuidar das suas necessidades pessoais subtraindo-o das circunstâncias em
que ele vive. Todas as ações significativas para o indivíduo são de caráter social. A
vida em comunidade é importante na determinação do comportamento do indivíduo.
118

Assim sendo, se pretende cumprir a doutrina social da Igreja Metodista a partir do


Credo Social, prevenindo e atendendo aos portadores da síndrome da dependência
do álcool, além de combater efetivamente os vícios como problema social, não se
pode deixar de promover, concomitantemente, a dignificação da pessoa e das
estruturas da sociedade.
Ao pensar uma práxis pastoral para a Igreja deve-se ter em mente que esta
não se poderá restringir a ações pontuais, como ações assistenciais de alcance
imediato, ineficazes como solução para os problemas causados pelo álcool na forma
de bebida, mas deve-se ampliar as preocupações e esforços até incluírem o
combate às causas de tais angústias.
Mas, quais seriam então as implicações práticas dessas considerações?
Como dar vida ao texto? A resposta a essas indagações conduzem ao fim deste
trabalho e ao início da significação do Credo Social neste tempo, principalmente
numa proposta de releitura ou até mesmo revisão no seu conteúdo. A seguir alguns
apontamentos pertinentes.
A Igreja Metodista sempre atuou diretamente no cuidado pleno do ser
humano, tanto do indivíduo quanto do meio onde está inserido, pois, existe uma
ocupação constante dos seus membros leigos e clérigos na busca de uma vida
melhor para toda a humanidade. Essas iniciativas, além de prestarem relativo
serviço ao povo, ilustram eloquentemente a sua mensagem de amor. Desta forma,
cabe dizer que a Igreja deve, lendo o seu Credo Social, delimitar claramente:
a) A responsabilidade da Igreja local no que tange o consumo do álcool como
bebida e da consequente síndrome da dependência do álcool é a de inculcar nos
seus membros a postura escrita em seus documentos, uma vez que, ainda hoje,
preza pela abstinência. É fazê-los entender que o ideal do amor os faz responsáveis
pela condição de vida terrena à sua volta. Esta é uma tarefa para o púlpito, para a
Escola Dominical, para os Institutos Teológicos e Seminário. Tanto o Credo Social,
como o tema dos danos causados pelo álcool necessitam de maiores
esclarecimentos, por isto devem ser alvo de estudos e pesquisas constantes,
apresentando seus resultados através de mensagens, conferências, debates, retiros,
etc.
b) Identificando a responsabilidade social da Igreja diante dos danos
causados pelo álcool como bebida, a Igreja deveria estimular seus membros a
relacionar a mensagem cristã com o problema na comunidade, o que pressupõe o
119

seu estudo carinhoso e objetivo. Além dos instrumentos e circunstâncias já


mencionados, poder-se-ia promover visitas a bairros e regiões onde o consumo
alcoólico seja exacerbado, para observação “in loco”. Outros locais a serem
visitados seriam os ambulatórios, hospitais psiquiátricos, centros terapêuticos, os
CAPS-ad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, e também as Salas de
Alcoólicos Anônimos, instituições que se dedicam ao tratamento e acompanhamento
das pessoas portadoras da síndrome da dependência do álcool. Especialistas,
técnicos, observadores e estudiosos poderão comunicar os seus conhecimentos
sobre o tema, capacitando melhor a comunidade de fé para o cuidado e a
prevenção.
c) O consumo do álcool impõe a sociedade mundial uma carga de agravos
indesejáveis e extremamente dispendiosos, que acometem os indivíduos em todas
as áreas de sua vida. O papel nocivo que o álcool nos oferece deu origem a uma
gama extensa de respostas políticas para o enfrentamento dos problemas
decorrentes de seu consumo. Desta forma, a Igreja poderia envolver-se ativamente
na produção de publicações explicativas e instrutivas sobre o tema; desenvolver
palestras dentro e fora dos limites do Templo, como em Clubes de Serviços e
Escolas; abrir clínicas pastorais de aconselhamento; apoio financeiro eventual;
encaminhamento a hospitais e centros terapêuticos; assistência jurídica, etc.
d) Poderia a Igreja envolver-se em ações culturais promovidos pela
comunidade ou mesmo promove-las para a comunidade, participando diretamente
na conscientização dos danos causados pelo uso abusivo do álcool como bebida.
Esta participação pode ser praticada através de apresentações musicais, teatro,
biblioteca ambulante e outras formas de cultura conforme a realidade da Igreja local.
e) A Igreja, representada pelos seus Oficiais deve manter um laço de amizade
e companheirismo com as autoridades locais, levando não só o amor de Deus, mas
a sua disposição de com elas cooperarem no serviço do povo. Essa atitude, além de
sua extraordinária significação moral e espiritual, poderia tornar-se ponto de partida
de uma cooperação profícua para a dignificação e melhoria da comunidade,
principalmente no combate aos vícios.
Concluindo, o que foi apresentado não pode ser visto como um roteiro
obrigatório, muito menos como um parâmetro final, é certo que pode ser ampliado e
melhorado. São apenas pistas. Mas, “convém que eu faça as obras daquele que me
120

enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar”. (João 9:1) A
tarefa que se põe é imensa e de extrema urgência.
A Igreja não pode cruzar os braços, e muito menos agir como se desferindo
socos ao vento, temos de ter sempre na memória a afirmação feita por Lacerda no
ano de 1948, quando se referia as questões sociais de seu tempo, assim escreve:
Enquanto um desgraçado trouxer a marca do cativo no pulso, toda a raça
estará no cativeiro; sempre que um indivíduo permanecer na podridão do
vício, a humanidade se arrastará na lama; todo o tempo que uma criatura de
Deus carecer de pão, o gênero humano se achará faminto; enquanto um
homem for objeto de exploração econômica pelo homem, o mundo não terá
um homem livre… Enquanto não levantarmos o último que estiver caído
todos nós estaremos no chão (LACERDA. In: Lessa, s/d, p. 49).

Diante a esta, torna-se de extrema importância uma mudança de postura,


uma vez que a práxis pastoral acontece no relacionamento entre pessoas, não
apenas no texto escrito. Sendo assim, existe a necessidade de se fazer conhecido o
Credo Social da Igreja Metodista, documento que deve ser estudado e interpretado
pela comunidade, o mesmo deve ser interiorizado, e seu texto deve assumir vida
através dos seus leitores.
A Igreja preparada deve agir preventivamente, realizar intervenções breves
com vistas a obtenção de efeitos benéficos que ultrapassam as suas populações-
alvo. Repensar a práxis pastoral voltada as pessoas portadoras da síndrome da
dependência do álcool deve contemplar formas de intervenção precoce, dentro de
uma perspectiva de redução de danos, o que impactaria positivamente o problema e
sobre o custo direto e indireto associado ao consumo de álcool.
Embora tenha se utilizado do máximo de material disponível e confiável como
fonte documental para análise, a pesquisa representa ainda um começo da
caminhada, uma vez que estamos ainda no primeiro centenário do Credo Social e
cada vez mais sujeito aos impactos causados pelo álcool na forma de bebida.
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Expositor Cristão, Edições de 1908; 1918; 1930; 1967; 1968; 1969; 1970 e 1971.
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133

ANEXOS

ANEXO A

Credo Social Da Igreja Metodista Episcopal, Sul - 191859

Considerando que a Igreja de Deus está divinamente comissionada a interpretar a Jesus


Cristo e seu evangelho a cada geração sucessiva e a trabalhar a fim de que todas as coisas sejam
trazidas à Sua sujeição; e considerando que os problemas de um novo ajuste industrial e redenção
social que esta geração é forçada a considerar constituam um desafio à Igreja para asseverar o
senhorio de Jesus Cristo na vida social, bem como na vida individual, para interpretar o evangelho a
esta geração em termos sociais, bem como em termos individuais; logo, estamos ao lado de nossos
irmãos, representados no Concílio Federal das Igrejas de Cristo na América, batalhando:

1. Por direitos iguais e a justiça completa para todos os homens em todas as camadas da
sociedade;
2. Pela proteção da família, por meio do padrão único e igual da pureza, leis uniformes sobre
o divórcio, a regulação apropriada dos casamentos, e residências convenientes.
3. Pelo mais pleno desenvolvimento possível de toda criança, especialmente pelo
fornecimento da instrução e diversão convenientes.
4. Pela abolição do trabalho das crianças.
5. Por uma regulação das condições de trabalho para mulheres de tal forma que a saúde
física e moral da comunidade seja salvaguardada.
6. Pela proteção e prevenção de pobreza.
7. Pela proteção do indivíduo e da sociedade contra os danos sociais, econômicos e morais
de negócio em bebidas alcoólicas.
8. Pela conservação da saúde.
9. Pela proteção do trabalhador contra mecanismos perigosos.
10. Pelo direito de todos os seres humanos à oportunidade de manutenção própria, pela
proteção deste direito contra toda a espécie de usurpação, e pela proteção dos
trabalhadores contra os danos penosos de trabalhos forçados.
11. Por uma provisão apropriada para a velhice dos trabalhadores e para aqueles
incapacitados por desastres.
12. Pelos direito dos patrões e empregados de igualmente se organizarem para meios
adequados de conciliação e arbitragem no caso de disputas industriais.
13. Pela folga semanal do trabalho.
14. Pela redução gradual e razoável das horas do trabalho até o ponto mais baixo possível, e
por aquele grau de descanso para todos que é a condição para a vida humana mais
elevada.
15. Por um salário suficiente à vida como o mínimo em toda a indústria, e pelo salário mais
elevado que cada indústria possa pagar.
16. Por uma força declarativa sobre a aplicação dos princípios cristãos quanto à aquisição e
uso de propriedade, e pela divisão mais justa possível dos produtos da indústria que
possa finalmente ser descoberta.

59
IGREJA METHODISTA EPISCOPAL, SUL. Doutrinas e Disciplinas da Igreja Methodista Episcoal, Sul,
1918. Edição brasileira. São Paulo: Casa Publicadora Methodista, 1919, p. 404-405 [§808]. Versão adaptada ao
português atual.
134

ANEXO B

A Atitude Da Igreja Metodista Do Brasil Perante O Mundo E A Nação 193460


Considerando que a Igreja Metodista do Brasil é uma organização independente e que este
Concílio representa o espírito da Igreja, sentimos a necessidade de declarar nossa atitude e missão
perante a nação e o mundo.
Reconhecendo nossa responsabilidade na solução dos enormes e graves problemas morais
e espirituais que defrontam a nação e o mundo, nós nos revestimos de forças divinas para a
execução da tarefa a que nos propomos e, procurando manifestar as convicções que mantemos,
esperamos tornar mais clara a nossa própria visão.

O Mundo

Jamais nos esqueceremos do caráter universal de nossa missão. Pertencemos a uma ordem
espiritual livre de preconceitos raciais, em que não se exclui o grego ou o judeu, o escravo ou o livre,
porque Cristo é tudo e está em todos.
O mundo contemporâneo é poderoso demais para ser enfrentado por uma Igreja dividida.
Portanto, nos alegramos com o espírito de cooperação internacional numa escala até então
desconhecida e nos unimos com as Igrejas de outras nações em comunhão fraternal nas coisas do
Espírito.
Notamos com tristeza profunda o precipício para o qual as nações armadas estão se atirando.
Por isso chamamos a atenção da Igreja para o combate aos preconceitos de raça, à má vontade, aos
ódios, às vinganças, ao imperialismo, ao espírito materialista do amor ao lucro e a todas as medidas
tendentes à guerra, e mobilizamos as energias espirituais da Igreja no sentido de um entendimento
internacional e esforços construtivos em prol da amizade e da paz. Fazemos um apelo para que
sejam reduzidos rigorosamente os armamentos e que haja uma cooperação econômica internacional.
Sintamos os laços espirituais que nos prendem aos que amam sinceramente o Senhor Jesus
em todo o mundo e manifestemos nossa solidariedade aos irmãos do Continente Americano. O fato
de que nações irmãs americanas não conseguem viver em paz é motivo de verdadeira humilhação
para nós.
Esperamos jamais ver um conflito de nações irmãs neste continente. Faremos todo o possível
para facilitar as relações internacionais e o espírito de cooperação no Continente Americano.

A NAÇÃO

É com imenso prazer que afirmamos que somos uma Igreja Nacional, hospitaleira para com
todos, mas independente do domínio e direção estrangeira, composta de cidadãos e Cidadãs
brasileiros, leais ao seu país.
Estamos dentro do melhor de nossa história, de nossas tradições, de nossa cultura e de
nossa vida nacional. Como Igreja, não pedimos favores, nem considerações especiais, mas exigimos
os direitos de uma Igreja livre, num Estado livre, sem qualquer discriminação. Nossa língua e cultura
são latinas, mas nosso sangue é variado; estamos formando um novo tipo racial brasileiro. Sentimo-
nos felizes com a tradição e política brasileiras da igualdade de raças e de oportunidades e
condenamos qualquer preconceito racial.
Como Igreja nacional, é nosso ideal sermos os primeiros no patriotismo, no sacrifício e na
lealdade; estamos prontos a servir nosso país em todos os tempos, auxiliando o povo desta terra, tão
ricamente abençoada por Deus, a ser um povo livre, honesto, eficiente e feliz.

PROBLEMAS SOCIAIS

60
IGREJA METODISTA DO BRASIL. Atas do 2° Concílio Geral. Porto Alegre, 4 a 19 de janeiro de 1934. São
Paulo: Imprensa Metodista, p. 95-97. Documento apresentado pelo presbítero Hugh Clarence Tucker e aprovado
no dia 16 de janeiro de 1934. Ibidem, p. 31-32 e 35. Versão revisada com adequações ao português atual.
135

Não podemos deixar de manifestar a consciência cristã perante os problemas sociais,


econômicos e industriais. O misticismo isolado da sociedade, indiferente aos sofrimentos humanos,
não serve para o mundo moderno. O Evangelho que nós pregamos é uma força social
transformadora. Combatemos o materialismo, o amor ao lucro, a avareza, o nepotismo, o egoísmo
Urge que os raios X dos ensinos de Jesus penetrem o íntimo de nossa civilização. O amor deve ser
aplicado em todas as organizações da vida humana e a religião, a força centralizadora da vida diária.
Reconhecemos a grande dificuldade que há na solução dos graves problemas sociais e a
necessidade dos conselhos de técnicos especializados em respectivos assuntos. É nosso dever,
todavia, estudar os problemas soco contemporâneos e estar informados das transformações sociais
e industriais que se realizam hoje. Este vasto campo exige pesquisas e educação especializada.
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para estudar tais questões à luz da ciência.
A contribuição especial da Igreja no campo social é perfeitamente clara: é a de facilitar uma
compreensão mais viva dos acontecimentos e dar uma perspectiva mais larga e mais clara em meio à
confusão reinante.
A visão do Reino de Deus deve elevar-nos acima das correntes da história e das mudanças
complexas do mundo de modo que, com vistas elevadas, possamos observar os interesses humanos
antagônicos e voltar novamente ao seio da vida humana para fazer a nossa parte pela cristianização
da ordem social com nova coragem e fé renovada. Combatemos a tentação de fugir da vida, com
seus problemas e lutas para nos enclausurarmos na religião pessoal.
Confiantes de que os valores supremos que determinam a vida do mundo são éticos e
espirituais levamos aos homens e mulheres as boas novas do Evangelho, que são o remédio das
nações.

A IGREJA

As Igrejas evangélicas do Brasil sentem cada vez mais a sua responsabilidade em face de
todos os grandes problemas que agitam o mundo e que interessam ao nosso país e à sociedade.
Unidas fundamentalmente no Espírito de Jesus Cristo, na orientação comum e na mesma esperança,
o espírito de fraternidade e cooperação as aproxima cada vez mais.
É tempo de se estreitarem ainda mais os laços fraternais, de modo que as Igrejas,
estimuladas pela grandeza de uma só tarefa superior e gloriosa, possam, unidos os corações e dadas
as mãos, cooperar entusiasticamente em prol do bem espiritual e temporal dos brasileiros e
brasileiras.
136

ANEXO C

O Credo Social Da Igreja Metodista Do Brasil- 193461

Art. 3 - Visto que a Igreja de Deus foi devidamente comissionada para apresentar Jesus
Cristo a cada geração como o único meio de solucionar os problemas humanos e para trabalhar a fim
de que a Ele todas as coisas se sujeitem, a Igreja Metodista do Brasil considera os problemas de uma
nova e justa orientação industrial e social como um desafio à sua comissão e, por isso, interpretando
o Evangelho, tanto para o indivíduo como para a sociedade, declara-se solidária com os demais
ramos da Igreja de Cristo na defesa dos seguintes princípios, que constituem o seu Credo Social:

1. Direitos iguais e justiça rápida e econômica para todas as pessoas, em todas as camadas
sociais.
2. Proteção à família, exigindo-se o mesmo grau de pureza, tanto para o homem quanto para
a mulher; preparo educativo para o casamento e para a vida doméstica, e leis que
possibilitam o divórcio em termos dos ensinos do Senhor Jesus.
3. Abolição do emprego da criança em trabalho que lhe prejudique o desenvolvimento natural
e a provisão adequada para a sua proteção e educação física, espiritual, intelectual e
moral.
4. Regulamentações das condições do trabalho para as mulheres de modo que seja
salvaguardada a saúde física e moral da sociedade.
5. Proteção do indivíduo e da sociedade contra os prejuízos sociais, econômicos e morais do
comércio e uso de bebidas alcoólicas e tóxicas e da prática de jogo e da prostituição.
6. Conservação da saúde individual e disseminação dos conhecimentos higiênicos que visam
ao bem-estar da família e da sociedade.
7. Proteção do operariado contra maquinismos perigosos e contra todas as enfermidades e
prejuízos provenientes de trabalho.
8. Direito de todas as pessoas a uma oportunidade de manutenção própria; proteção deste
direito contra toda a espécie de usurpação, e proteção do operariado contra os malefícios
de trabalhos forçados, a fim de minorar e prevenir o desenvolvimento da pobreza.
9. Legislação apropriada que garanta o sustento doia operário/a na velhice, ou no caso de
acidente, ou falta de trabalho.
10. Direitos de patrões e empregados igualmente se organizarem para a ação social e para
facilitar os meios de conciliação e arbitragem no caso de disputas industriais; obrigação de
ambos trabalharem para o bem público, e encorajamento de organizações cooperativas
entre os agricultores e outros grupos.
11. Descanso semanal e redução gradual e razoável das horas de trabalho até o mínimo
praticável com o fim de um melhor ajustamento das condições econômicas da vida.
12. Salário necessário ao sustento de todo/a operário/a, urbano ou rural, como o mínimo na
indústria e na lavoura, e propugnação pelo salário máximo que a indústria e a lavoura
possam pagar.
13. Aplicação prática dos princípios cristãos à aquisição e uso de propriedades e divisão a
mais equitativa possível dos produtos da indústria e da agricultura.
14. Extensão, à família do/a lavrador/a, de todas as oportunidades primárias, culturais e de
assistência social que as populações urbanas gozam.
15. Repúdio da guerra, redução drástica dos armamentos, ajuste pacífico das controvérsias
internacionais e construção de uma nova ordem mundial de cooperação e boa vontade.
16. Habilitação dos/as cristãos/ãs para o exercício de seus deveres e direitos cívicos,
notadamente, o do voto.

61
IGREJA METODISTA DO BRASIL. Cânones da Igreja Metodista. São Paulo, SP: Imprensa Metodista,
1934, p. 32-33 [Cap. I; sec. III]. Versão revisada com adequações ao português atual.
137

ANEXO D

Regras Gerais62

CAPÍTULO II

Dos COSTUMES

(*) Redação dada pelo X Concílio Geral, realizado em 1971 (2ª Sessão/RJ)

Art. 3° - Como fez João Wesley, no seu tempo, seu pronunciamento em documento que
chamou Regras Gerais, código de conduta cristã para as pessoas que o procuraram em busca de
conforto espiritual, no desejo da salvação e santidade, assim a Igreja Metodista, adaptando a cada
época a sua linguagem, conserva os mesmos princípios, os quais recomenda a todos os seus
membros, como prática de vida, a saber:

1. Não praticar o mal.


2. Zelosamente, praticar o bem.
3. Atender às ordenanças de Deus.

Fundamentada nesses princípios, a Igreja confia que os metodistas preservem a sua tradição
e continuem a ser reconhecidos como pessoas de vida regrada. Os metodistas são:

· moderados nos divertimentos;


· modestos no trajar;
· abstêmios do álcool como bebida;
· empenhados no combate aos vícios;
· observadores do Dia do Senhor, especialmente dedicado ao culto público, ao cultivo
espiritual, pelo estudo da Bíblia, e ao descanso físico;
· observadores dos preceitos da Igreja e dos meios de graça que ela oferece, participando
dos ofícios divinos e da Ceia do Senhor;
· praticantes do jejum e da oração individual e em família;
· honestos em negócios;
· fraternais nas relações de uns com os outros;
· tolerantes e respeitadores das idéias e opiniões alheias;
· praticantes de boas obras;
· benfeitores dos necessitados;
· defensores dos oprimidos;
· promotores da instrução secular e religiosa;
· e operosos na obra de evangelização.

62
(CÂNONES, 2007, p. 47-48)
138

ANEXO E

Credo Social Da Igreja Metodista Do Brasil - 196063

I. NOSSA HERANÇA

A Igreja Metodista do Brasil, organizada como igreja autônoma em 1930, e vinculada ao


Metodismo universal por suas relações fraternais e de ordem estrutural estabelecidas nos Cânones,
está profundamente interessada no bem-estar social do povo brasileiro. Este seu interesse tem base
nos evangelhos, nas obras de João Wesley o organizador da Igreja Metodista e na tradição metodista
que tem sido mantida secularmente em todo o mundo.
A Igreja Metodista do Brasil neste momento histórico por que passa a pátria brasileira,
reafirma sua posição tradicional, como guardiã das liberdades humanas e da ordem social e
econômica, de acordo com os princípios cristãos.
Outrossim, concita a todos os seus adeptos a colocar toda sua vida, suas atividades, suas
posses e suas relações de conformidade com a vontade de Deus.

II. BASE TEOLÓGICA

A Igreja Metodista do Brasil encara a complexidade dos problemas hodiernos de acordo com
o espírito do ensino de Jesus. Ele nos ordena a amar ao próximo como a nós mesmos. Esta ordem
nos impõe a busca da justiça para o nosso próximo. Silenciar, pois, em face das necessidades, da
injustiça e da exploração é negar a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Cremos que Deus é Pai de toda a raça humana, que Jesus Cristo é Seu Unigênito Filho e que
os homens são todos irmãos.
Cremos que o homem é de valor infinito como filho de Deus.
Cremos que 'ao Senhor pertence a terra e a sua plenitude' e, portanto, nossas capacidades,
nossos bens, nossos talentos, tudo que possuímos, vem do Criador e deve ser usado para o serviço
de Deus.
Cremos que a comunidade cristã é essencial para o desenvolvimento da pessoa humana, em
sua plenitude.
Cremos que o pecado, tanto individual como coletivo está sob o julgamento divino e que a
graça de Deus é suficiente para a redenção da vida humana, em todos os seus aspectos quando
buscamos em penitência e fé realizar a vontade de Deus.
Cremos no valor real das pessoas aos olhos de Deus e que assim devemos nós encará-las.
Julgamos as instituições e suas práticas pela maneira como influem elas na pessoa humana.
Existe opressão em muitos setores da nossa sociedade.
Nosso propósito é a emancipação dos oprimidos e a busca dos meios de enriquecimento e
redenção da humanidade. Aceitando o principio bíblico que Jesus morreu para a redenção do
homem, cremos que é nosso dever viver para ajudá-lo a libertar-se do pecado e de tudo que o possa
prejudicar ou destruir. Em virtude dos princípios acima enumerados, a Igreja Metodista do Brasil
assim se expressa:

III. ORDEM POLÍTICO-SOCIAL ECONÔMICA

A Igreja Metodista do Brasil não identifica o cristianismo com nenhum sistema político-social e
econômico. Julgamos o conteúdo e os métodos de qualquer sistema, segundo o Evangelho, de
acordo com o espírito do ensino de Jesus.
Acreditamos que é dever da Igreja não somente salvar o indivíduo, mas contribuir para que a
sociedade em que ele vive seja dirigida e orientada pelos princípios cristãos.
A sociedade brasileira está se caracterizando cada vez mais pela vida industrial e urbana. A
cidade é um centro poderoso para o bem ou para o mal e suas populações mutáveis necessitam de
orientação cristã e do poder curativo da religião.

63
IGREJA METODISTA DO BRASIL. Atas, registros e documentos do VII Concílio Geral. De 10 a 20 de
julho de 1960. Instituto Granbery (Juiz de Fora, MG). São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1960, p.
105-169.
139

Por outro lado, o Brasil pela sua vasta extensão territorial inexplorada não pode ignorar a
importância da zona rural como fonte de riqueza e produção. Para o campo voltam às vistas os
órgãos governamentais e para ele a Igreja Metodista deve atentar.
Como pleno reconhecimento da nossa mordomia perante Deus e da responsabilidade a Ele
devida, somos a favor da aquisição de propriedade para uso próprio, por processos cristãos.
A família moderna está lutando com grandes dificuldades: tensões criadas pela situação
mundial. Habitação inadequada. Desmembramento devido às rápidas transformações no organismo
social e influência maléfica da maioria sobre as crianças e a juventude. O resultado de tudo isto se
evidencia no aumento do número de lares desfeitos, de desquites, de delinquência juvenil, de
desajustados de toda classe e da frouxidão dos costumes. É somente quando a família cumpre suas
mais elevadas funções e é realmente cristã que seus membros podem sobrepor-se a todas as
dificuldades e ajudar a afastar as ameaças que pesam sobre os lares. A família cristã é aquela em
que os pais vivem a vida cristã e praticam a presença de Deus de tal maneira que os filhos,
normalmente aceitam a Deus como a suprema realidade da vida.
Julgamos que todo o adulto deve ocupar-se, na medida de sua capacidade, em alguma
atividade produtiva para o bem-estar coletivo. Qualquer que seja o ramo de sua atividade ele a deve
encarar como um chamado de Cristo e seu trabalho diário, a esfera de seus serviços prestados a
Deus, através do próximo, contribuindo deste modo para o avanço do Reino de Deus.
As raças foram criadas por Deus para melhor adaptação do homem ao meio ambiente.
Constitui, pois, grave ofensa ao espírito criador de Deus todo o qualquer preconceito de raça.
Consideramos contrários ao princípio cristão o conceito de salário em que as famílias dos
operários e demais trabalhadores possam satisfazer apenas os requisitos mínimos de subsistência.
Os direitos do homem, como criatura de Deus feita à sua imagem e semelhança vão muito além
desse nível.
Os metodistas brasileiros na mais alta consciência de seus deveres para o próximo lutarão
para que se dê aos trabalhadores um salário justo, compatível com a dignidade humana.
Propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Direitos iguais e justiça rápida e econômica para todos os homens.


2. Proteção do indivíduo família pelo estabelecimento de padrões de moral elevada a ser
exigida tanto do homem como da mulher.
3. Educação cristã e orientação da juventude para as responsabilidades do matrimônio,
exercício da paternidade e administração do lar.
4. Exigência de exame pré-nupcial.
5. Legislação civil que vise a solução do problema dos lares desfeitos pelo desquite - e a
moralização da vida social em face dos casos de segundas uniões ilegais.
6. Provisão de habitação adequada para todas as famílias, tanto nos perímetros urbanos
como rurais.
7. Regulamentação e proteção do trabalho da mulher, especialmente da mulher mãe, e
providencia social que lhe assegure proteção física, social e moral.
8. Abolição do emprego de menores em condições que prejudiquem seu desenvolvimento
normal e sua educação espiritual, física, intelectual e moral.
9. Proteção da criança e dos adultos de enfermidades, da subnutrição, de hábitos e vícios
que atentam contra sua saúde.
10. Regulamentação do trabalho, e direito de todos os homens a uma oportunidade de
manutenção própria.
11. Proteção do operário contra toda usurpação e exploração injusta e acidentes do trabalho.
12. Descanso semanal e ajustamento razoável das horas de trabalho.
13. A santificação do Domingo.
14. Salário que garanta a subsistência do trabalhador rural e urbano e de suas famílias, em
circunstancias que assegurem a dignidade da pessoa humana.
15. Previdência social que assegure ao homem uma aposentadoria condizente com suas
necessidades reais e proteja o trabalhador em caso de acidente ou falta de trabalho.
16. Direito de patrões e empregados se organizarem para ação social coletiva, a fim de
facilitar os meios de conciliação e arbitragem em casos de disputas.
17. Direito de greve como intangível, devendo os operários em greve ser amparados em suas
necessidades. Também os operários devem ser orientados a fim de não exercerem esse
direito ilegitimamente.
18. Dever de patrões e empregados trabalharem pelo bem-estar publico.
140

19. Um programa educativo que leve o homem do campo à consciência de suas relações
com Deus, como o solo e com todas as riquezas naturais, bem como à consciência de
seus deveres para com a família, a Igreja e o bem-estar da comunidade.
20. Melhor distribuição das terras agricultáveis e contra toda a forma de exploração do
trabalhador rural.
21. Extensão à família do lavrador todos as oportunidade educacionais e assistência
necessárias ao seu bem-estar moral e material.
22. Direito da propriedade privada sem o comprometimento com acumulo de riquezas que
não sejam usados para o bem da comunidade.
23. Legislação e providências governamentais combinado com o esforço dos cristãos no
sentido de aliviar o sofrimento humano; prover assistência ao necessitado e buscar, por
todos os meios cristãos, a extinção do desemprego, da vadiagem e das condições que
levam à pobreza e à miséria.

IV. MALES SOCIAIS

Males Sociais são os diferentes vícios e as manifestações do erro, da ignorância, do pecado,


que deturpam a personalidade, arruínam a vida e trazem mal-estar pra a comunidade.
A Igreja Metodista do Brasil sempre se opôs a eles, combatendo-os veementemente: pela
palavra falada e escrita, pelas atitudes e ações. A abstinência e a posição histórica de nossa igreja.
Não se coadunam, pois, com o sistema de vida que pregamos e vivemos: o alcoolismo,
tabaquismo, os narcóticos de qualquer natureza, assim também a prostituição, a má literatura, o jogo
de azar, a guerra e a pena de morte e tudo mais que destoa, de acordo com espírito do ensino de
Jesus.
No tratamento dos males sociais temos por norma: combater tenazmente o mal e amar
profundamente o ser humano atingido por ele, propiciando-lhe os meios de redenção e recuperação.
Visando o bem-estar individual e social propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Combate tenaz e decidido aos vícios causados por tóxicos e narcóticos que envenenam o
homem e males que corrompem a sociedade.
a. Ao alcoolismo que tira completamente o homem do raciocínio normal e avilta sua
personalidade.
b. Ao tabaquismo que se torna dia a dia um vício grandemente danificador, tanto que
invade praticamente todas as idades do homem e da mulher.
c. Aos narcóticos que viciam o homem, incapacitando-o para a realização de uma vida
normal na sociedade.
d. À prostituição que é desrespeito e verdadeiro insulto à dignidade humana, de acordo
com o espírito do ensino de Jesus.
e. À má literatura que através de linguagem imprópria e argumentos falsos traz influências
negativas, notadamente para a infância e a juventude.
f. Aos maus programas de cinema, radio e televisão, pelos prejuízos morais causados ao
individuo e a sociedade.
g. Ao jogo que é o mais triste retrato de uma sociedade em desintegração pelo
alheiamento aos valores que lhe garantem estabilidade e progresso.
h. À guerra como solução inadequada aos problemas humanos, de acordo com o espírito
do ensino de Jesus.
i. Repúdio incondicional a toda espécie de preconceito racial e religioso.

2. Apoio decidido ao esforço educacional que se fizer, com o objetivo de:


a. pregar a abstinência como norma de conduta e dar instrução sobre os efeitos dos vícios
e males sociais.
b. Estudar as causas dos males sociais, removendo-as para combatê-las.
c. Ensinar que a pureza do corpo e do espírito, de acordo com a ética do ensino de Jesus,
é sistema de vida próprio dos seus seguidores.
d. Proclamar a grande necessidade de redimir, de amar e salvar especialmente aqueles
que andam desgarrados como ovelhas sem pastor, vitimas das diferentes
manifestações dos males sociais.
e. Expor as vantagens da boa literatura, do bom cinema e do bom rádio e boa televisão
como agentes poderosos na formação do caráter e da conduta em sociedade.
141

f. Promover por todos os meios ao alcance uma educação que de respeito e decoro
pessoal ao espírito de compreensão e bem-estar social.

V. RESPONSABILIDADES CIVIS

Como indivíduos, pertencemos a uma sociedade organizada que se rege por leis civis. Nesta
sociedade devemos estar habilitados para o cumprimento dos nossos deveres e o exercício dos
direito no uso dos privilégios que se nos oferecem.
A Igreja Metodista do Brasil instrui os seus membros no sentido de serem elementos
integrados na vida nacional, onde devem levar a contribuição do Evangelho de Jesus Cristo.
Como Igreja propugnamos, pois, pelo seguinte:

1. Liberdade de imprensa e de credo político e religioso, como direitos que assistem ao ser
humano grupado em sociedade, sempre que esta liberdade não fira direitos alheios, não
cause mal-estar coletivo, de acordo com o espírito do ensino de Jesus.
2. Exercício do voto dentro dos padrões de ética de Cristo.
3. Patriotismo sadio e construtivo como filosofia política, visando o desenvolvimento da vida
do País, salvaguardando o espírito de boa vizinhança que deve fazer com que vejamos os
seres humanos como uma si família e a cooperação com instituições de âmbito
internacional apoiadas nos postulados cristãos de liberdade, igualdade e fraternidade.

VI. ECUMENISMO

A Igreja Metodista do Brasil é uma em sua natureza essencial. Cremos que esta unidade
essencial deve se refletir na sua estrutura.
O metodismo sempre se caracterizou pelo espírito ecumênico, pela tolerância e respeito à
opinião alheia. A Igreja participa ativamente dos movimentos de cooperação interdenominacional. Em
alguns países a Igreja Metodista já encontrou o caminho para tomar parte em programas de união
que resultaram na formação, com outras igrejas cristãs, da Igreja Unida do Canadá, a Igreja Unida do
Japão e da Igreja Cristã do Sul da Índia.
A Igreja Metodista do Brasil é parte integrante do Conselho Mundial de Igrejas.
Seu fundador João Wesley tinha uma visão universal da obra da Igreja quando disse: "A
minha paróquia é o mundo". Ele mesmo considerava todos os crentes como irmãos e por isto dizia:
"Se teu coração é reto perante Deus como é o meu coração, dá-me a tua mão, somos irmãos".
O ecumenismo não somente manifesta a unidade da Igreja, mas é a prova da fraternidade
dos crentes e seu testemunho de fé perante o mundo.
Com esta atitude responde a Igreja à oração sacerdotal de Jesus, quando disse:
"que eles sejam um... para que o mundo creia que tu me enviaste". Em vista do exposto
propugnamos pelo seguinte:

1. Estreitamento dos laços de amizade com as denominações irmãs, através da troca de


informações, encontro com líderes e participação nos movimentos especiais de
confraternização.
2. Promoção de trabalhos em conjunto nos setores social, educativo e evangelístico.

VII. PROCLAMAÇÃO - ORDEM

O VIII Concílio Geral que aprovou este Credo Social ordena que o mesmo seja apresentado
às igrejas, pelos pastores, ao menos uma vez por ano, oralmente ou em forma impressa. Que em
cada igreja se organize uma classe de estudos do Credo Social e que os metodistas se esforcem
para por em pratica os princípios e sugestões nele exarados. Que ministros da Igreja Metodista por
palavras e atos prestigiem a expressão da Igreja contida neste credo e sejam eles mesmos a
encarnação destes princípios em suas paróquias.
142

ANEXO F

Credo Social Da Igreja Metodista No Brasil64 1970


A Doutrina social da Igreja Metodista se expressa no Credo Social, objeto de decisão do X
Concílio Geral, conforme segue:

NOSSA HERANÇA

1. A Igreja Metodista afirma sua responsabilidade cristã pelo bem-estar integral do homem
como decorrente de sua fidelidade à Palavra de Deus expressa nas Escrituras do Antigo e Novo
Testamentos.
2. Essa consciência de responsabilidade social constitui parte da preciosa herança confiada
aos meto distas pelo testemunho histórico de João Wesley.
3. O exercício dessa missão é inseparável do Metodismo Universal ao qual está vinculada a
Igreja Metodista por unidade de fé e relações de ordem estrutural estabelecidas nos Cânones.
4. A Igreja Metodista participa dos propósitos de unidade cristã e serviço mundial, do
Conselho Mundial de Igrejas.
5. No presente século de gigantesco progresso científico e tecnológico, a Igreja Metodista
reafirma a verdade proclamada por João Wesley no século XVIII na Inglaterra: "Vamos unir ciência e
piedade vital há tanto tempo separadas".

BASES BÍBLICAS

1. Cremos em Deus, Criador de todas as coisas e Pai de toda a família humana, fonte de todo
o Amor, Justiça e Paz, autoridade soberana sempre presente.
2. Cremos em Jesus Cristo, Deus Filho que se fez homem como cada um de nós, amigo e
redentor dos pecadores, Senhor e Servo de todos os homens, em quem todas as coisas foram
criadas.
3. Cremos no Espírito Santo, Deus defensor, que conduz os homens livremente à Verdade,
convencendo o mundo do pecado, da justiça e do juízo.
4. Cremos que o Deus único estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, criando uma
nova ordem de relações na História, perdoando os pecados dos homens e encarregando-nos do
ministério da reconciliação.
5. Cremos no Reino de Deus e sua Justiça que envolve toda a criação, chamando todos os
homens a se receberem como irmãos participando em Cristo da nova vida de plenitude.
6. Cremos que o Evangelho, tomando a forma humana em Jesus de Nazaré, filho de Maria e
de José, o carpinteiro, é o poder de Deus que liberta completamente o homem, proclamando que não
existe nenhum valor acima da pessoa humana, criada à imagem e semelhança com Deus.
7. Cremos que a comunidade cristã universal é serva do Senhor; sua missão nasce sempre
dentro da missão do seu único Senhor que é Jesus Cristo. A unidade cristã é a dádiva de sacrifício do
Cordeiro de Deus; viver divididos é negar o Evangelho.
8. Cremos que são bem-aventurados os humildes de espírito, os que sofrem, os mansos, os
que têm fome e sede de justiçam os que praticam a misericórdia, os simples de coração, os que
trabalham pela paz, os que são perseguidos pela causa da justiça e do nome do Senhor.
9. Cremos que a Lei e os Profetas se cumprem em amar a Deus com todas as forças da
nossa vida e em amar ao nosso próximo como a nós mesmos. Pois, ninguém pode amar a Deus e
menosprezar a seu irmão.
10. Cremos que ao Senhor pertence a terra e a sua plenitude, o mundo e todos os que nele
habitam; por isso proclamamos que o pleno desenvolvimento humano, a verdadeira segurança e
ordem sociais só se alcançam na medida em que todos os recursos técnicos e econômicos e os
valores institucionais estão a serviço da dignidade humana na efetiva justiça social.

64
IGREJA METODISTA. Cânones da Igreja Metodista 2007. São Paulo: Cedro, 2007, p. 49-60
143

11. Cremos que o culto verdadeiro que Deus aceita dos homens é aquele que inclui a
manifestação de uma vivência de amor, na prática da justiça e no caminho da humildade junto com o
Senhor.

A ORDEM POLÍTICO-SOCIAL E ECONÔMICA

1. A natureza social do homem procede da ordem da criação e significa que sua plena
realização só é alcançada na vida em comunidade.
2. A comunidade familiar, resultante da natureza humana, a ordem econômica resultante do
conjunto das atividades humanas de produção, consumo e comércio de bens, e a ordem política
expressam exigências da própria ordem da criação divina.
3. O Estado é exigência básica não só para a defesa da vida e liberdade da pessoa humana,
mas para a promoção do bem-comum mediante o desenvolvimento da justiça e da paz na ordem
social.
4. Em cada época e lugar surgem problemas, crises e desafios através dos quais Deus
chama a Igreja a servir. A Igreja, guiada pelo Espírito Santo, consciente de sua própria culpabilidade
e instruída por todo conhecimento competente, busca discernir e obedecer a vontade de Deus nessas
situações específicas.
5. A Igreja Metodista considera, na presente situação do País e do mundo, como de particular
importância para sua responsabilidade social o discernimento das seguintes realidades:
a) Deus criou os povos para constituírem uma família universal. Seu amor reconciliador em
Jesus Cristo vence barreiras entre irmãos e destrói toda forma de discriminação entre os homens. A
Igreja é chamada a conduzir todos a se receberem e a se afirmarem uns aos outros como pessoas
em todas as suas relações: na família, na vizinhança, no trabalho, na educação, no lazer, na religião
e no exercício dos direitos políticos.
b) A reconciliação do mundo em Jesus Cristo é a fonte da justiça, da paz e da liberdade entre
as nações; todas as estruturas e poderes da sociedade são chamados a participar dessa nova
ordem. A Igreja é a comunidade que exemplifica essas relações novas do perdão, da justiça, e da
liberdade, recomendando-as aos governos e nações como caminho para uma política responsável de
cooperação e paz. c) A reconciliação das nações se torna especialmente urgente num tempo em que
países desenvolvem armas nucleares, químicas e biológicas, desviando recursos ponderáveis de fins
construtivos e pondo em risco a humanidade.
d) A reconciliação do homem em Jesus Cristo torna claro que a pobreza escravizadora em
um mundo de abundância é uma grave violação da ordem de Deus; a identificação de Jesus Cristo
com o necessitado e com os oprimidos, a prioridade da justiça nas Escrituras, proclamam que a
causa dos pobres do mundo é a causa dos seus discípulos.
e) A pobreza de imenso contingente da família humana, fruto dos desequilíbrios econômicos,
de estruturas sociais injustas, da exploração dos indefesos, da carência de conhecimentos, é uma
grave negação da justiça de Deus.
f) As excessivas disparidades culturais, sociais e econômicas negam a justiça e põem em
perigo a paz, exigindo intervenção competente com planejamento eficaz para vencê-Ias.
g) É injusto aumentar a riqueza dos ricos e poder dos fortes confirmando a miséria dos
pobres e oprimidos. Os programas para aumentar a renda nacional precisam criar distribuição
eqüitativa de recursos, combater discriminações, vencer injustiças econômicas e libertar o homem da
pobreza.
h) No individualismo e no coletivismo, tanto quanto em programas de crescimento econômico
e progresso social, encontramos os riscos de humanismos parciais. Urge que se promova o
humanismo pleno. A plena dimensão humana só se encontra nas novas relações criadas por Deus
em Jesus Cristo.

6. A Igreja Metodista reconhece os relevantes serviços da Organização das Nações Unidas


no aprimoramento e defesa dos Direitos do Homem, assim como seus esforços em favor da justiça e
da paz entre as nações. Recomenda como extremamente oportunos a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e documento sobre Desenvolvimento e Progresso Social, adotado pela Assembléia
em dezembro de 1969.

RESPONSABILIDADE CIVIL

1. A Igreja Metodista reconhece que é sua tarefa docente, capacitar os membros de suas
congregações para o exercício de uma cidadania plena.
144

2. O propósito primordial dessa missão é servir ao Brasil através da participação ativa do


povo metodista na formação de uma sociedade consciente de suas responsabilidades.
3. A sociedade consciente de suas responsabilidades desenvolve-se em três níveis básicos:
a) De responsabilidade da comunidade como um todo perante Deus, especialmente na
criação de condições de igual participação de todos os seus membros;
b) De responsabilidade do cidadão para com a justiça e a ordem pública na comunidade;
c) De responsabilidade dos que exercem o poder perante o poder.
4. Nesse propósito a Igreja adota a Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirma os
critérios definidos no relatório especializado do Conselho Mundial de Igrejas em sua II Assembléia
reunida em Evanston ( EUA) em 1954, nos seguintes termos:
a) Criação de canais adequados de ação política a fim de que o povo tenha a liberdade de
escolher seu governo;
b) Proteção jurídica a todos contra prisões arbitrárias e quaisquer atos que interfiram em
direitos humanos;
c) Liberdade de expressão legítima de convicções religiosas, éticas e políticas;
d) A família, a igreja, a universidade, associações com fundamentos próprios, demandam
proteção do Estado e não o controle estatal em sua vida interna.
5. A soberania de Deus revelada na encarnação de Jesus Cristo sobre todas as autoridades e
poderes da sociedade é a garantia última, reconhecida ou não, da responsabilidade do homem para
com o seu semelhante.

PROBLEMAS SOCIAIS

Problemas sociais são manifestações patológicas do organismo social como um todo;


originam-se de situações estruturais da sociedade e da mentalidade das pessoas conduzindo-as a
condições de vida infra-humana e produzindo a marginalização sócio-econômica e cultural de
indivíduos e populações.
Os problemas sociais são causa e efeito da marginalização passiva ou ativa das pessoas, e
dizem respeito às carências nos setores básicos de Alimentação, Educação, Habitação, Saúde,
Cultura, Carência de Fé Cristã, Recreação, Trabalho, Comunicação Social, Seguro Social, e as
manifestações da conduta humana que se opõem às normas estabelecidas por determinada
sociedade. Os problemas sociais são próprios de uma determinada comunidade em determinada
época e, por isso, precisam ser analisados dentro do contexto sócio-econômico e cultural específico.
A Igreja Metodista considera que:

1. O homem como pessoa criada à imagem e semelhança de Deus é a realidade para a qual
devem convergir todos os valores e recursos da sociedade.
2. A pessoa humana é membro do corpo social e dele simultaneamente agente e sujeito.
3. A sociedade é um todo social, sujeito permanentemente à influência de fatores que o
modificam, que o pressionam impondo mudanças profundas no comportamento humano.
4. Para que uma sociedade traduza o sentido cristão de humanidade é necessário que, a par
com a mudança das estruturas sociais, se processe uma transformação da mentalidade humana. O
sentido cristão de humanidade só pode ser alcançado em uma sociedade na qual as pessoas tenham
vida comunitária, consciência de solidariedade humana e de responsabilidade social.
5. Individualismo e massificação são causas graves de problemas sociais; ambos negam o
Evangelho porque despersonalizam o homem.
6. A comunidade familiar expressa exigências fundamentais da criação divina. A família está
sujeita a insegurança econômica e a tensões e desajustamentos que acompanham as mudanças
sócio-culturais. O planejamento familiar é um fator essencial, dele resulta a paternidade consciente, o
ajustamento entre os cônjuges, a educação dos filhos, a administração do lar.

A Igreja Metodista aceita e recomenda o uso dos recursos da medicina moderna para o
controle da natalidade, quando não contrariam a ética cristã.
O sexo, na ética cristã, é considerado dádiva de Deus à vida por ele mesmo criada. A
orientação sexual é uma responsabilidade da Família, da Igreja e das Instituições Educacionais.

7. O desquite é solução inadequada aos casais que se separam. O Evangelho concede à


Igreja recursos de natureza ética para acolher em seu seio casais constituídos sem amparo da
legislação vigente. A Igreja reconhece a urgente necessidade de uma legislação civil que, respeitada
a ética cristã, solucione o problema dos lares desfeitos mediante novo casamento.
145

8. A prostituição é grave alienação da pessoa humana exigindo tratamento responsável. No


tratamento da prostituição, que constitui grave problema na sociedade brasileira, é impossível
ignorar-se um complexo de fatores como fonte causadora da mesma: limitações de ordem pessoal,
estruturas defeituosas da sociedade, carências culturais econômicas, dupla moral sexual, lenocínio,
exploração do sexo nos meios de comunicação social.
9. No Brasil constata-se a existência de grande contingente de crianças desatendidas em
suas necessidades básicas de alimentação, habitação, cuidados com a saúde, amor e compreensão,
educação, proteção e recreação. Essas carências da primeira infância são, via de regra, irreversíveis.
É de inadiável urgência no Brasil a tomada de providências que visem o cumprimento dos Direitos da
Criança que foram proclamados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de
1959.
10. A juventude é predominante na população brasileira, representando alta potencialidade e
dinamismo no processo de desenvolvimento do País. Suas aspirações e seus problemas apresentam
exigências imperativas. O desenvolvimento sócio-cultural, econômico e político do Brasil não pode
prescindir do concurso de sua juventude, que é decisivo.
11. Meios de comunicação social: letra, som, imagem (livros, rádio, filmes e televisão) que
contribuem poderosamente para a educação do povo, estão trazendo também muita influência
negativa que deforma as mentes e agride a sociedade.
12. Dentre os problemas que afetam a sociedade estão os chamados vícios como: o uso
indiscriminado de entorpecentes, a fabricação, comercialização e propaganda de cigarros, bebidas
alcoólicas, a exploração dos jogos de azar, que devem ser alvo de combate tenaz já pelos efeitos
danosos sobre os indivíduos como também pelas implicações sócio-econômicas que acarretam ao
País.
13. Os presídios devem ser para reeducação e tratamento dos indivíduos e para tal precisam
estar devidamente equipados e organizados. É direito da pessoa humana receber, em qualquer lugar
e circunstância, o tratamento condizente com a natureza e a dignidade humana.

A Igreja Metodista não só deplora os problemas sociais que aniquilam as comunidades e os


valores humanos, mas orienta a seus membros no tratamento dos problemas dentro das seguintes
normas e critérios:
a) Propugnar por mudanças estruturais da sociedade que permitam a desmarginalização
social dos indivíduos, grupos e das populações;
b) Trabalhar para obter dos que já desfrutam das oportunidades normais de participação
sócio-econômica e cultural e dos que têm a responsabilidade do poder diretivo da comunidade, uma
mentalidade de compreensão e de ação eficaz para erradicação da marginalidade;
c) Oferecer às pessoas vitimadas pelos problemas sociais a necessária compreensão, o
apoio econômico e o estímulo espiritual para sua libertação, a orientação individualizada, respeitando
sempre a sua autodeterminação;
d) Pautar-se em normas técnicas atualizadas e específicas a cada situação - problema, no
tratamento das mesmas, utilizando os recursos comunitários especializados;
e) Amar efetivamente as pessoas caminhando com elas até as últimas conseqüências para a
sua libertação dos problemas e sua autopromoção integral.
146

ANEXO G

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 6.117, DE 22 DE MAIO DE 2007.

Aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispõe


sobre as medidas para redução do uso indevido
de álcool e sua associação com a violência e
criminalidade, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI,
alínea “a”, da Constituição,

DECRETA:

o
Art. 1 Fica aprovada a Política Nacional sobre o Álcool, consolidada a partir das conclusões do
Grupo Técnico Interministerial instituído pelo Decreto de 28 de maio de 2003, que formulou propostas
para a política do Governo Federal em relação à atenção a usuários de álcool, e das medidas
aprovadas no âmbito do Conselho Nacional Antidrogas, na forma do Anexo I.

o
Art. 2 A implementação da Política Nacional sobre o Álcool terá início com a implantação das
medidas para redução do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade a
que se refere o Anexo II.

o
Art. 3 Os órgãos e entidades da administração pública federal deverão considerar em seus
planejamentos as ações de governo para reduzir e prevenir os danos à saúde e à vida, bem como as
situações de violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na
população brasileira.

o
Art. 4 A Secretaria Nacional Antidrogas articulará e coordenará a implementação da Política
Nacional sobre o Álcool.

o
Art. 5 Este Decreto entra em vigor na data da sua publicação.

o o
Brasília, 22 de maio de 2007; 186 da Independência e 119 da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Tarso Genro
Fernando Haddad
Marcia Bassit Lameiro da Costa Mazzoli
Marcio Fortes de Almeida
Jorge Armando Felix
147

Política nacional sobre o álcool


I - OBJETIVO

1. A Política Nacional sobre o Álcool contém princípios fundamentais à sustentação de


estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao consumo de álcool,
contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à
saúde e à vida causados pelo consumo desta substância, bem como as situações de violência e
criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população brasileira.

II - DA INFORMAÇÃO E PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO QUANTO AO CONSUMO DO ÁLCOOL

2. O acesso e recebimento de informações sobre os efeitos do uso prejudicial de álcool e sobre


a possibilidade de modificação dos padrões de consumo, e de orientações voltadas para o seu uso
responsável, é direito de todos os consumidores.

3. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a proteção dos segmentos


populacionais vulneráveis ao consumo prejudicial e ao desenvolvimento de hábito e dependência de
álcool.

4. Compete ao Governo, com a colaboração da sociedade, a adoção de medidas discutidas


democraticamente que atenuem e previnam os danos resultantes do consumo de álcool em situações
específicas como transportes, ambientes de trabalho, eventos de massa e em contextos de maior
vulnerabilidade.

III - DO CONCEITO DE BEBIDA ALCOÓLICA

5. Para os efeitos desta Política, é considerada bebida alcoólica aquela que contiver 0.5 grau
Gay-Lussac ou mais de concentração, incluindo-se aí bebidas destiladas, fermentadas e outras
preparações, como a mistura de refrigerantes e destilados, além de preparações farmacêuticas que
contenham teor alcoólico igual ou acima de 0.5 grau Gay-Lussac.

IV - DIRETRIZES

6. São diretrizes da Política Nacional sobre o Álcool:

1 - promover a interação entre Governo e sociedade, em todos os seus segmentos, com ênfase
na saúde pública, educação, segurança, setor produtivo, comércio, serviços e organizações não-
governamentais;

2 - estabelecer ações descentralizadas e autônomas de gestão e execução nas esferas federal,


estadual, municipal e distrital;

3 - estimular para que as instâncias de controle social dos âmbitos federal, estadual, municipal e
distrital observem, no limite de suas competências, seu papel de articulador dos diversos segmentos
envolvidos;

4 - utilizar a lógica ampliada do conceito de redução de danos como referencial para as ações
políticas, educativas, terapêuticas e preventivas relativas ao uso de álcool, em todos os níveis de
governo;

5 - considerar como conceito de redução de danos, para efeitos desta Política, o conjunto
estratégico de medidas de saúde pública voltadas para minimizar os riscos à saúde e à vida,
decorrentes do consumo de álcool;
148

6 - ampliar e fortalecer as redes locais de atenção integral às pessoas que apresentam


problemas decorrentes do consumo de bebidas alcoólicas, no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS);

7 - estimular que a rede local de cuidados tenha inserção e atuação comunitárias, seja
multicêntrica, comunicável e acessível aos usuários, devendo contemplar, em seu planejamento e
funcionamento, as lógicas de território e de redução de danos;

8 - promover programas de formação específica para os trabalhadores de saúde que atuam na


rede de atenção integral a usuários de álcool do SUS;

9 - regulamentar a formação de técnicos para a atuação em unidades de cuidados que não


sejam componentes da rede SUS;

10 - promover ações de comunicação, educação e informação relativas às conseqüências do


uso do álcool;

11 - promover e facilitar o acesso da população à alternativas culturais e de lazer que possam


constituir alternativas de estilo de vida que não considerem o consumo de álcool;

12 - incentivar a regulamentação, o monitoramento e a fiscalização da propaganda e publicidade


de bebidas alcoólicas, de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveis ao consumo de
álcool em face do hiato existente entre as práticas de comunicação e a realidade epidemiológica
evidenciada no País;

13 - estimular e fomentar medidas que restrinjam, espacial e temporalmente, os pontos de venda


e consumo de bebidas alcoólicas, observando os contextos de maior vulnerabilidade às situações de
violência e danos sociais;

14 - incentivar a exposição para venda de bebidas alcoólicas em locais específicos e isolados


das distribuidoras, supermercados e atacadistas;

15 - fortalecer sistematicamente a fiscalização das medidas previstas em lei que visam coibir a
associação entre o consumo de álcool e o ato de dirigir;

16 - fortalecer medidas de fiscalização para o controle da venda de bebidas alcoólicas a


pessoas que apresentem sintomas de embriaguez;

17 - estimular a inclusão de ações de prevenção ao uso de bebidas alcoólicas nas instituições


de ensino, em especial nos níveis fundamental e médio;

18 - privilegiar as iniciativas de prevenção ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas nos


ambientes de trabalho;

19 - fomentar o desenvolvimento de tecnologia e pesquisa científicas relacionadas aos danos


sociais e à saúde decorrentes do consumo de álcool e a interação das instituições de ensino e
pesquisa com serviços sociais, de saúde, e de segurança pública;

20 - criar mecanismos que permitam a avaliação do impacto das ações propostas e


implementadas pelos executores desta Política.

Conjunto de medidas para reduzir e prevenir os danos à saúde e à vida, bem como as situações de
violência e criminalidade associadas ao uso prejudicial de bebidas alcoólicas na população brasileira
149

1. Referente ao diagnóstico sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil:

1.1. Publicar os dados do I Levantamento Nacional sobre os Padrões de Consumo do Álcool na


População Brasileira, observando o recorte por gênero e especificando dados sobre a população
jovem e a população indígena;

1.2. Apoiar pesquisa nacional sobre o consumo de álcool, medicamentos e outras drogas e sua
associação com acidentes de trânsito entre motoristas particulares e profissionais de transporte de
cargas e de seres humanos.

2. Referente à propaganda de bebidas alcoólicas:

2.1. Incentivar a regulamentação, o monitoramento e a fiscalização da propaganda e publicidade


de bebidas alcoólicas, de modo a proteger segmentos populacionais vulneráveis à estimulação para o
consumo de álcool;

3. Referente ao tratamento e à reinserção social de usuários e dependentes de álcool:

3.1. Ampliar o acesso ao tratamento para usuários e dependentes de álcool aos serviços do
Sistema Único de Saúde (SUS);

3.2. Articular, com a rede pública de saúde, os recursos comunitários não governamentais que
se ocupam do tratamento e da reinserção social dos usuários e dependentes de álcool.

4. Referente à realização de campanhas de informação, sensibilização e mobilização da opinião


pública quanto às conseqüências do uso indevido e do abuso de bebidas alcoólicas:

4.1. Apoiar o desenvolvimento de campanha de comunicação permanente, utilizando diferentes


meios de comunicação, como, mídia eletrônica, impressa, cinematográfico, radiofônico e televisivo
nos eixos temáticos sobre álcool e trânsito, venda de álcool para menores, álcool e violência
doméstica, álcool e agravos da saúde, álcool e homicídio e álcool e acidentes.

5. Referente à redução da demanda de álcool por populações vulneráveis:

5.1. Intensificar a fiscalização quanto ao cumprimento do disposto nos arts. 79, 81, incisos II e III,
e 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente;

5.2. Intensificar a fiscalização e incentivar a aplicação de medidas proibitivas sobre venda e


consumo de bebidas alcoólicas nos campos universitários;

5.3.Implementar o “Projeto de Prevenção do Uso de Álcool entre as Populações Indígenas”,


visando à capacitação de agentes de saúde e de educação, assim como das lideranças das
comunidades indígenas, para a articulação e o fortalecimento das redes de assistência existentes nas
comunidades e nos municípios vizinhos;

5.4. Articular a elaboração e implantação de um programa de prevenção ao uso de álcool


dirigido à população dos assentamentos para a reforma agrária, bem como o acesso desta população
aos recursos de tratamentos existentes na rede pública e comunitária.

6. Referente à segurança pública:

6.1.Estabelecer regras para destinação de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública


(FNSP) e do Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD) para os Municípios que aderirem a critérios pré-
definidos pelo CONAD para o desenvolvimento de ações que visem reduzir a violência e a
criminalidade associadas ao consumo prejudicial do álcool.

7. Referente à associação álcool e trânsito:


150

o
7.1. Difundir a alteração promovida no Código de Trânsito Brasileiro pela Lei n 11.275, de 7 de
fevereiro de 2006, quanto à comprovação de estado de embriaguez;

7.2.Recomendar a inclusão no curso de reciclagem previsto no artigo 268 do Código de Trânsito


Brasileiro, de conteúdo referente às técnicas de intervenção breve para usuários de álcool;

7.3. Recomendar a revisão dos conteúdos sobre uso de álcool e trânsito nos cursos de formação
de condutores e para a renovação da carteira de habilitação;

7.4. Recomendar a inclusão do tema álcool e trânsito na grade curricular da Escola Pública de
Trânsito;

7.5. Elaborar medidas para a proibição da venda de bebidas alcoólicas nas faixas de domínio
das rodovias federais.

8. Referente à capacitação de profissionais e agentes multiplicadores de informações sobre


temas relacionados à saúde, educação, trabalho e segurança pública:

8.1. Articular a realização de curso de capacitação em intervenção breve para profissionais da


rede básica de saúde;

8.2. Articular a realização de curso de prevenção do uso do álcool para educadores da rede
pública de ensino;

8.3. Articular a realização de curso de capacitação para profissionais de segurança de pública;

8.4. Articular a realização de curso de capacitação para conselheiros tutelares, dos direitos da
criança e do adolescente, de saúde, educação, antidrogas, assistência social e segurança
comunitária;

8.5. Articular a realização de curso de capacitação para profissionais de trânsito;

8.6. Articular a realização de curso de capacitação em prevenção do uso do álcool no ambiente


de trabalho.

9. Referente ao estabelecimento de parceria com os municípios para a recomendação de ações


municipais:

9.1. Apoiar a fiscalização dos estabelecimentos destinados à diversão e lazer, especialmente


para o público jovem no que se refere à proibição de mecanismos de indução ao consumo de álcool:

9.1.1. Incentivar medidas de proibição para a consumação mínima, promoção e degustação de


bebidas alcoólicas;

9.1.2. Incentivar medidas de regulamentação para horário de funcionamento de


estabelecimentos comerciais onde haja consumo de bebidas alcoólicas;

9.2 Apoiar os Municípios na implementação de medidas de proibição da venda de bebidas


alcoólicas em postos de gasolina;

9.3 Incentivar o estabelecimento de parcerias com sindicatos, associações profissionais e


comerciais para a adoção de medidas de redução dos riscos e danos associados ao uso indevido e
ao abuso de bebidas alcoólicas:

9.3.1. Incentivar a capacitação de garçons quanto à proibição da venda de bebidas para


menores e pessoas com sintomas de embriaguez;
151

9.3.2. Estimular o fornecimento gratuito de água potável nos estabelecimentos que vendem
bebidas alcoólicas;

9.4. Promover e facilitar o acesso da população a alternativas culturais e de lazer que possam
constituir escolhas naturais e alternativas para afastar o público jovem do consumo do álcool.

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