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O RANCOR DA HISTÉRICA

M. Masud R. KHAN
Em todas as culturas o histérico usou uma máscara que reflete tanto a
moralidade manifesta quanto as aspirações sexuais mais escondidas do
ethos de uma época. É assim que foi ora identificado com as bruxas e
queimado, ora santificado e celebrado. Foi somente no século XIX que
Charcot estabeleceu o estatuto do histérico, reconhecendo uma síndrome
clínica específica digna de atenção. Entretanto, na condição do histérico,
até mesmo Charcot não via mais do que uma exibição psiquiátrica
espetacular.
Incumbiria ao gênio de Freud definir a natureza e o caráter desse
mal. E Freud chegou a isso respeitando a "resistência" do histérico a ver
conhecido seu mal, bem como sua recusa e má vontade em cooperar com
sua própria análise. Freud postulara que o não-saber do paciente era, de
fato, um não-querer saber: concluiu que era "um não-querer que podia ser
mais ou menos consciente". Todos sabemos que Freud começou por
atribuir esse não-saber a episódios de sedução sexual real na infância, antes
de relacioná-lo com fantasias de sedução recalcadas que o paciente
expressava, então, através de uma linguagem somática, mas dos quais
recusava tomar consciência, psiquicamente.

Ao longo da história, a sexualidade bizarra dos histéricos foi


estigmatizada como o traço característico de suas personalidades. A
novidade, na abordagem freudiana, foi que ao determinar a etiologia dos
sintomas histéricos Freud isolou o papel predominante quase exclusivo da
sexualidade infantil, o que modificou inteiramente a maneira de abordar o
problema. Não se deveria mais maltratar o histérico considerando-o como
um mentiroso psicopata ou um gozador depravado, mas como um
indivíduo tentando enfrentar experiências de seu primeiro desenvolvimento
que, por um lado, ficavam muito além dos meios à disposição da
personalidade nascente e para as quais, por outro lado, encontrava pouca
compreensão no meio familiar.

Desde os primeiros escritos de Freud sobre a histeria, quer dizer, há


quase oitenta anos, não tivemos muita coisa na literatura que nos permita
compreender melhor o histérico. Pelo contrário, seu estatuto clínico foi
confundido com o de problemas mais graves da personalidade. Minha
hipótese aqui será de que o histérico, quando dos primeiros anos de sua
infância, responde as falhas de cuidados maternos suficientemente-bons e
tem um desenvolvimento sexual precoce. As primeiras angústias e os
primeiros afetos engendrados pela falha de um ambiente de sustentação e
suporte (holding) apropriado e a ameaça que isso resulta para a coesão do
ego nascente são conjurados pela intensificação, bem como pela
exploração, dos aparelhos sexuais do ego-corpo. É por isso que, desde o
início, estabelece-se uma dissociação entre a experiência sexual e a
utilização criativa das capacidades do ego.
São essa dissociação e a técnica específica utilizada para enfrentar a
excitação e a ansiedade, que conferem a essa personalidade, quando da
idade adulta, o caráter sexual bizarro e particular que marca ao mesmo
tempo seu comportamento e sua sintomatologia.
Se na vida adulta o histérico responde à angústia através da
sexualização, emprega para isso (nas relações de objeto) os aparelhos
sexuais do ego-corpo ao invés do modo de relação afetivo e das funções do
ego. A promiscuidade e as inibições que marcam essas experiências sexuais
são o resultado disso. O histérico tenta realizar, utilizando os aparelhos
sexuais, o que os outros realizam graças ao funcionamento do ego. Isso
vale para seu desejo ardente de experiência sexual, desejo que só combina
com sua incapacidade de manter uma relação amorosa ou de alimentar-se
dela. É por isso que, na experiência que têm de si mesmos, os histéricos
vivem num estado psíquico de rancor perpétuo. Eles sentem que alguma
coisa fica fora de seu alcance ou que seus desejos não são reconhecidos
pelo que são. Aquilo que na experiência infantil era uma incapacidade do
ego nascente - a criança não recebendo proteção adequada do ambiente em
que vive - na vida adulta é projetado e experimentado como uma recusa dos
outros de reconhecerem seus desejos (em grande parte sexuais) e de
satisfazê-lo. Todos os histéricos, homens e mulheres, acreditam
sinceramente que se suas aspirações e seus desejos sexuais fossem
gratificados, ficariam curados. Atribuem sua incapacidade de chegar a essa
gratificação com um parceiro à impossibilidade desse parceiro de aceitá-los
totalmente, e de amá-los.
Se é verdade que o histérico, quando de seu primeiro
desenvolvimento psico- sexual, substitui a exploração sexual do ego-corpo
ao desenvolvimento das funções do ego, podemos então compreender por
que ele se mostra fundamentalmente ambivalente e hostil diante das
capacidades de seu ego interior, mas testemunha também uma má vontade
hostil e invejosa em relação a todo funcionamento do ego no objeto amado,
quando da vida adulta. A promessa do potencial do ego do histérico
contribui largamente para seu charme, tanto como paciente quanto na
sociedade. Mas esse potencial é constantemente sabotado,
inconscientemente, em proveito da solução sexual. O histérico não cessa de
lutar contra as bases que poderia encontrar no seu ego.
A histeria é, antes de tudo, uma doença que encontra seu
caráter e sua forma na puberdade, o que vem confirmar minha hipótese,
porque na puberdade a luta entre a sexualidade e o funcionamento do ego
conhece uma nova confrontação crítica; e a escolha do histérico recai
inevitavelmente na solução sexual.
Essa escolha é pré-condicionada pelas experiências infantis. Daí a
onipresença intrusiva das fantasias infantis sexuais pre-genitais, bem como
genitais, e seu deslocamento para as funções do ego na formação da
identidade do histérico. Por essa razão, ele procura resolver novas tarefas
da vida de maneira todo-poderosa e, através da imaginação sexual e de uma
cumplicidade com os adultos, suplica-lhes que se encarregarem das
necessárias funções do ego. Sua excessiva dependência com relação ao
objeto amado adulto é uma técnica que consiste em delegar as funções do
ego pessoal a fim de viver através da solução sexual. E mesmo quando o
histérico encontrou essa solução em alguém, isso nunca dura. Termina
inevitavelmente, em razão de sua lógica inata e escondida, em rancor e
queixas. Por quê?
A resposta para essa questão é triplice. Minha experiência clínica
faz-me pensar que na puberdade as histéricas não descobrem a sexualidade
genital como uma coisa nova, que ofereceria uma nova possibilidade a
seus egos-corpos. No desenvolvimento sexual de sua infância houve fuga
para uma sexualidade "genital" prematura que era um meio de enfrentar a
imaturidade do ego. Essa sexualidade "genital" é, necessariamente,
sobrecarregada de impulsos e de fantasias pré-genitais. Assim, a
sexualidade nascente na puberdade não é uma surprêsa para o histérico e
não enriquece sua personalidade como uma nova experiência, mas revifica
todos os sistemas fantasistas pré-genitais, e mantem um conflito agudo com
o código moral e os valores que o indivíduo assimilou no caminho. Nesse
clima interior conflitado o histérico vive a si mesmo como uma "vítima"
das forças instintivas e dos preconceitos morais sentidos como não sendo
de sua própria criação. A única solução possível parece ser o "agir". Mas
em razão da dissociação entre a fantasia sexual e as funções do ego, os
histéricos ficam passivos, na expectativa, esperando alguém que os ajudará
a "agir" esse amálgama estranho de sexualidade pré-genital e genital que é
o deles.
Tratando perversos, um fato impressionou-me sempre, o de que,
frequentemente, seus cúmplices (suas vítimas) eram mulheres histéricas. O
histérico necessita, por assim dizer, de uma facilitação sexual da parte do
outro para poder agir suas fantasias sexuais latentes ou recalcadas. É por
isso que sente-se sempre inocente em tudo o que, na sua vida, é atualizado
como sexual. Tem o sentimento de que fazem como ele mais do que ele
faz, que pecam mais contra ele do que ele mesmo é pecador.
Ademais, consciente e abertamente, é raro que o histérico procure
um objeto com vistas a uma experiência sexual explícita. O desejo e a
intenção sexuais são expressos mais como uma implicância e uma
provocação, do que como uma necessidade que reconheceria em si mesmo
A revindicação de gratificações sexuais afirma-se, frequentemente, quando
a relação de objeto azeda e o objeto amado começa a desesperar de
encontrar com ele uma emoção mútua. Quando suas relações terminam, o
histérico, da maneira mais triste e mais irônica, descobre a verdadeira
necessidade que navega no início. O que procura através da solução sexual
é essencialmente a facilitação de um funcionamento inapropriado do ego.
É essa dissociação fundamental entre o ego-corpo e as funções do
ego que cria um outro estado desastroso para o histérico. O sucesso da
solução sexual significa, inconscientemente, a castração das capacidades do
ego. A rendição sexual ao objeto acarreta, para o ego, a ameaça de
aniquilação, donde a recusa absoluta do histérico diante do objeto
procurado e desejado.
Chegamos agora ao segundo fator que milita contra o sucesso da solução
sexual com um objeto exterior. Em todo modo de relação de objeto entre o
histérico e os outros há um desconhecimento fundamental. O objeto lê nos
gestos do histérico, a expressão de aspirações e desejos sexuais e responde
neste sentido, enquanto que estes são antes de tudo uma linguagem
simbólica do corpo procurando expressar as necessidades primitivas de
solicitude e proteção. É por isso que a experiência sexual constitui, para o
histérico, uma traição de confiança e uma exploração brutal do potencial
sexual. Uma paciente, cuja tumultuosa aventura com um homem muito rico
terminava, expressava assim seu rancor: "O que eu precisava era de ser
amada, e tudo o que consegui obter foi ser tratada como uma puta".
Essa desconfiança em relação ao objeto gratificante adulto é
pré-condicionada no histérico pelo caráter das primeiras experiências
infantis. As necessidades corporais foram satisfeitas, mas as necessidades
do ego não foram nem reconhecidas, nem facilitadas, o que era essencial.
Ademais, o histérico projeta sua própria traição do processo do ego através
de um desenvolvimento sexual precoce com os objetos adultos numa nova
situação. Nesse contexto, a essência de seu rancor é que o novo objeto de
amor não conseguiu distinguir entre os desejos do Id e as necessidades do
ego.
Isso leva-me a expor a terceira razão pela qual a solução sexual é um
fracasso para o histérico. Uma das contribuições decisivas de Freud para a
epistemologia da experiência humana é de ter estabelecido que os sintomas
histéricos são uma comunicação e que esse modo de comunicação tem sua
própria gramática no funcionamento psíquico humano. Freud soube
decifrar como os sintomas histéricos comunicam os sistemas de desejos
recalcados e inconscientes, largamente originados na sexualidade infantil.
Winnicott acrescentou a essa hipótese uma outra dimensão quando
distinguiu os sistemas de desejos inconscientes (Id) dos sistemas de
necessidades inconscientes (ego). Sua tese é que os sistemas de desejos
podem ser tratados por processos intrapsíquicos, quer dizer, deslocamento,
projeção e recalque, enquanto os sistemas de necessidades reclamam uma
facilitação exterior afetiva e a sustentação do ambiente familiar ao qual
incumbe prodigar certos cuidados para que as capacidades nascentes do
ego da criança tornem-se, com o tempo, progressivamente capazes de se
objetivarem de maneira autônoma. Tentando compreender a natureza do
funcionamento afetivo e psíquico das crianças delinquentes, Winnicott
introduziu o conceito de tendência anti-social.
Grosso modo, a hipótese a Winnicott é de que se pode
encontrar tendência anti-social em todos os distúrbios da personalidade. A
presença dessa tendência indica que "houve uma verdadeira privação" na
primeira infância do indivíduo. Essa privação é ligada às boas experiências
na vida da criança, que conhecem, assim, uma ruptura ou se perdem
durante um lapso no qual a criança não é capaz de conservar a lembrança
do que havia sido bom e positivo. Mais tarde, o indivíduo "agirá" essas
experiências traumáticas através da tendência anti-social. O que caracteriza
essa tendência é um "elemento que obriga o ambiente familiar a ser
importante" e, ademais, implica a esperança e representa uma tendência à
auto-análise.
O conceito dessa tendência anti-social é para nós muito precioso
porque nos permite compreender a condição do histérico. Parece-me que o
histérico exprime a tendência anti-social exclusivamente através das
experiências sexuais. Quando do processo de desenvolvimento, o histérico
safou-se atavés de um desenvolvimento sexual precoce, como uma
providência paliativa, o que Winnicott chamou de a falha da mãe "que não
pôde suprir as necessidades do ego" da criança. É o que faz da sexualidade
adulta do histérico não tanto o veículo da gratificação instintiva, mas um
idioma que lhe permite comunicar a privação e uma técnica para exprimir a
esperança de que o objeto saberá curar a dissociação ao decifrar as
necessidades do ego inconscientemente expressas no que se apresenta
como uma complacência sexual manifesta e na procura do isso.
Os histéricos são bem conhecidos por seu dom particular em achar
os objetos que lhes convém, mas isso unicamente, para mantê-los no
fracasso e desconcertá-los. A "promessa" da personalidade histérica traz em
si mais uma esperança do que um desejo ou uma capacidade.
Voltarei agora à hipótese inicial de Freud sobre o papel do trauma
real - a sedução na etiologia da histeria. Há mesmo um trauma real na
etiologia, a falha da mãe em suprir as necessidades do ego da criança. A
criança trata a si mesma desse trauma, através da exploração sexual das
experiências do ego-corpo, com o que estabelece o modelo de base que
valerá para toda situação de stress e de conflito que o histérico conhecerá
ulteriormente. Essa autocura condiciona tanto a utilização dos objetos,
como as capacidades de ego do histérico.
Se o histérico iniciou o processo de terapia analítica, ele o encurralou
também seus últimos limites. Nesse dez últimos anos, numerosos analistas
colocaram em questão sua analisabilidade. Elisabeth Zetzel, com uma
grande pertinência, definiu bem o estatuto atual do histérico na psicoterapia
analítica quando diz que os histéricos "podem ter desenvolvido uma
neurose de transferência intensa, hiper-sexualidade, mas que existem neles
poucos traços de uma situação analítica estável. Nenhum deles parece ter
feito um progresso autêntico no sentido da resolução analítica de seus
problemas reais".
Penso que a razão disso é nossa incompreensão do modo de
comunicação do histérico, que comunica consigo mesmo e com os outros
através da formação de sintomas. Sua capacidade de criar, manifestar e
explorar os sintomas encobre sua total incapacidade de utilizar o
funcionamento mental psquico, bem como a afetividade na relação consigo
mesmo e com o objeto.
Anna Freud avançou a idéia de que, nos perversos, o medo central é o
da rendição emocional ao objeto. No histérico, o medo fundamental é o da
rendição psíquica ao objeto. Suas passividade e sugestibilidade induzem-
nos a êrro clínico na avaliação verdadeira da negatividade em relação ao
funcionamento psíquico. O rancor do histérico defende-o, além do mais, da
ajuda que gostaríamos de trazer-lhes, para permitir-lhes enfrentar essa
incapacidade. O histérico coloca as pessoas que o circundam em estado de
agir sobre ele, ou por ele, mas permanece inacessível a um diálogo psíquico
e a uma colaboração mútua.
Se é verdade, como suponho, que no processo de desenvolvimento
na infância o histérico substituiu pelo desenvolvimento sexual precoce a
integração do egó, podemos então pensar que o medo da rendição psíquica
comporta para ele a descoberta de que nele só existe um funcionamento
criativo ou uma afetividade muito pobres. Esse "branco" constituiu a
condição essencial do histérico e milita antes de tudo contra uma utilização
positiva do processo analítico para o conhecimento de si e a
personalização. A histeria não é tanto uma doença, mas uma técnica
consistindo a permanecer em um "branco", como um ausente de si, com
sintomas que são substitutos e permitem camuflar essa ausência.
Uma questão coloca-se então: o que, no histérico, durante a primeira
relação mãe-filho, tornou necessário um "branco" e provocou essa ameaça
de rendição psíquica? Em outros termos, por que a vida interior do histérico
torna-se um cemitério de recusas?
Evocarei uma análise em curso, de uma mulher casada, para
esclarecer a natureza da perturbação mãe-filho subjacente à recusa que
opõe a histérica ao modo de relação ao objeto, e isso em beneficio de uma
hiper-sexualização das gratificações parciais de objeto.
Após um ano de uma análise muito produtiva, que tinha ajudado a
paciente a compreender grande parte de suas dificuldades, relativas, por um
lado, à frigidez sexual, e, por outro, a inibições intelectuais, o processo
clínico chegou de repente a um ponto morto. Durante as seis últimas
semanas ela foi incapaz de falar na análise. Paralelamente, seus sintomas de
frigidez reapareceram em sua vida conjugal; ficou também incapaz de abrir
um livro. A inércia invadia seu comportamento, na análise e na vida
exterior. A idealização hiper-sexual que me testemunhava transformou-se
em uma denegação passiva: tornei-me tão inútil quanto qualquer outra
pessoa até então em sua vida. Ficou igualmente incapaz de comer, o que
me conduziu a interpretar que a regressão tinha chegado a um modo oral
muito arcaico, que traduzia seu desejo por mim, onde minha função como
pessoa, trazendo compreensão e insight, era vivida por ela como uma
ameaça a seu bem-estar.
Essas interpretações tiveram pouco efeito; ela continuou a punir-me,
vindo regularmente e observando um silêncio cheio de rancor. Acabou
dizendo, durante uma sessão, que uma imagem hipnagógica a tinha
alarmado. Não era um sonho. Nessa imagem ela chupava meu falo. Mas
quando tomava consciência disso, percebeu igualmente que enquanto
pessoa total eu não estava presente: havia somente um falo. Foi-me
possível, então, dizer-lhe que era incorporando-me pela felação -
incorporação sexual e regressiva de objeto parcial - que ela conseguia
manter-se, rejeitando-me ao mesmo tempo como uma pessoa ameaçadora.
Ela pôde então lembrar-se, num contar cheio de vida, que, desde a mais
tenra infância, fora consciente dos cuidados indulgentes que sua mãe lhe
prodigava, particularmente quando a alimentava; mas tomou igualmente
uma consciência aguda de um certo estado emocional de sua mãe, do qual
precisava proteger-se. Graças a esse material, do qual não posso trazer aqui
toda a complexidade, podemos postular que, na infância, o histérico toma
muito cedo consciência do humor subjetivo da mãe, humor que faz intrusão
na função "cuidadora". Nessas circunstâncias, a criança sexualiza uma
relação de objeto parcial (gratificação pelo seio ou seus substitutos) para
recusar essa intrusão provocada pela emotividade da mãe e uma relação
próxima demais às quais as capacidades do ego nascente não podem
enfrentar. É esse medo da reciprocidade que detona no histérico uma luta
que durará toda a sua vida entre a procura e a excitação dos objetos, por um
lado, e sua recusa no ato mesmo de gratificação. É por isso que pude dizer
que o mundo interior do histérico é um cemitério de recusas. Ademais,
como Freud mesmo sublinhou, o histérico por excelência lembra-se por
repetição. As lembranças que o histérico guarda de sua primeira infância
são lembranças principalmente somáticas, relativas aos cuidados maternais
e não se prestam nem à elaboração psíquica, nem a verbalização. Daí a
demanda que fazem os histéricos, na situação clínica, de uma gratificação
sexual. E, como essa demanda não pode ser satisfeita, sua tendência à
passagem ao ato.
É essa orientação da sensibilidade do histérico que leva o processo
analítico a seus limites. A proteção do ego que os cuidados materiais
maternos conseguiram fornecer às necessidades do recém-nascido e da
criança pequena, acompanhou- se, no caso do histérico , por um excesso de
intru são pessoal por parte da mãe; as satisfações encontram-se assim
idealizadas como uma experiência certa, pois que nela há um começo e um
fim. Em oposição, as necessidades do ego da criança escondem- se ou
exprimem-se apenas através dos desejos do Id, o que instaura uma
confusão perpetua na experiência subjetiva dos histéricos, entre o que são
os verdadeiros desejos do Id e as necessidades do ego. Na vida adulta, e
particularmente na situação analítica, o que começa como uma demanda de
relação de objeto, indo no sentido da compreensão de si, transforma-se
muito cedo numa reivindicação confusa de suas satisfações. Nesse
contexto, a função interpretativa do analista é vivida pelo histérico como
um ataque fálico ou uma sedução. É por isso que o histérico deve recusar a
relação total e retornar à segurança que lhe oferece esse "branco" que é ao
mesmo tempo a negação de si e do objeto.

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