Abstract: This paper seeks to highlight the importance of religious and cultural practices in the
formation of different territorialities and how these, politically and symbolically, delineate a territory.
São Pedro dos Pescadores’ feast, at Jurujuba, in the city of Niterói, RJ, has a historical maritime
procession that constitutes in its itinerary, a territory. The transportation of catholic devotion symbols
establishes a way of cultural control, politically and religiously, reaffirming São Pedro’s devotion. This
devotion to São Pedro produces and re-produces cultural and religious practices that reaffirm
historical narratives about the neighborhood’s biography, drawing its own territory in the city, the
Feast. This feast will be our example to evidence the importance of the proposal.
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apropriação do espaço, através do seu uso para a busca de recursos de
subsistência e sobrevivência, é uma das formas de enraizar o poder simbólico no
território.
2
Relato disponível no site do Governo do Estado do Rio de Janeiro, disponível em
<http://www.rj.gov.br/web/sedrap/exibeconteudo?article-id=2017991> . Acesso em: 10 jun. 2017.
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pescadores de Jurujuba em 1923, os comandantes Aragão, Ernani e Sacadura
deram inicio a primeira procissão marítima em torno da enseada de Jurujuba,
atraindo milhares de pessoas em todo o entorno para observarem esse itinerário
simbólico.
Ainda segundo Ribeiro (2013), a devoção ao Santo Padroeiro dos Pescadores
existe desde 1901, onde foi realizada a primeira procissão terrestre em homenagem
ao santo. Através de pesquisas realizadas no jornal O Fluminense, periódico da
cidade de Niterói, foi possível encontrar relatos de uma procissão marítima em
homenagem ao santo, desde 1913 (NOTICIAS religiosas, 1913, p.1). Independente
de uma data exata, o fundamental aqui é compreender a formação de um território
pela prática devocional, a mesma que constituiu as práticas culturais/religiosas que
delinearam uma territorialidade a partir de fronteiras porosas (CLAVAL, 1999),
sempre num movimento de permeabilidade de experiências simbólicas, espirituais e
sociais enfatizando a dimensão territorial da cultura, das práticas culturais-religiosas.
O presente trabalho busca elucidar a importância das práticas
culturais/religiosas na formação de territórios simbólicos na cidade, o exemplo em
tela, a Festa de São Pedro dos Pescadores, será o ponto de partida deste artigo. A
procissão marítima será a prática cultural/religiosa exemplificada, e mostrar-se-á
como esse itinerário, que, “por razões religiosas, políticas e culturais, assume uma
dimensão simbólica que fortalece a identidade” do bairro em tela (BONNEMAISON,
2012, p. 292), semiografa uma territorialidade na cidade de Niterói, “constituindo um
território que transporta a produção dos símbolos, como uma forma de controle
cultural, religioso e politico” (CORRÊA, 2004, p.17), reafirmando a devoção a São
Pedro.
Segundo Guarinello (2001, p. 972) “a Festa produz identidade” e essa mesma
identidade, “é dada pelo compartilhamento do símbolo que é comemorado”; Castells
(1999, p.22) considera identidade, como “o processo de construção de significado
com base em um atributo cultural”. O atributo cultural de Castells (1999) e o símbolo
que é comemorado de Guarinello (2001) retratam a devoção a São Pedro, que
define uma identidade coletiva inscrita na memória festiva.
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Hoje, a festa possui grande apelo turístico, devido principalmente à
diminuição do número de religiosos católicos e o aumento do número de religiosos
protestantes no bairro. Existe uma disputa evidente, como salienta Sousa (2010, p.
87) apud ALMEIDA et al ( 2016, p. 357) de que a memória festiva sendo “fruto de
uma disputa de sentidos, negocia e elege as narrativas válidas sobre a biografia de
um espaço”, e mesmo o bairro não sendo mais, majoritariamente católico, o atributo
cultural (CASTELLS, 1999), base da identidade histórica do bairro, prevalece sobre
outras formas de significado. A partir das entrevistas realizadas no bairro,
direcionada aos moradores, que, mesmo professando outras religiões,
demonstraram a importância simbólica e econômica da festa de São Pedro. Nesse
ensejo, vamos a Festa!
Possui o maior complexo contínuo de fortes do país (Fig. 2), formado por
Forte de Santa Cruz da Barra, São Luiz, Pico, Barão do Rio Branco e Imbuí que são,
inclusive, abertos a visitação, como forma de atrativo turístico nos dias de hoje. No
inicio da ocupação portuguesa, os Fortes serviam de proteção contra tentativas de
outros países de se apropriarem da cidade do Rio de Janeiro/ Brasil.
Ainda carrega rugosidades, pois foi historicamente preservado por ter, em seu
processo de ocupação, indígenas, colônia de pescadores e hoje, possui um grande
potencial de atividade de maricultura (Fig. 3). A presença dos povos indígenas e
posteriormente a colônia de pescadores corrobora para uma compreensão de que o
território é forjado numa dialética entre as práticas essenciais a sobrevivência (a
Pesca), ou seja, a relação de trabalho e uso da terra e, as relações sociais e
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culturais apreendidas e construídas pelas representações míticas de um
determinado grupo social.
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dias de comemoração, dependendo da estratégia de organização da festa, sempre
iniciando ou terminando no dia do santo celebrado.
Interessante na história da Festa, é que o relato jornalístico aponta que em
1913 aconteceu uma procissão marítima que saiu do Saco de São Francisco e
percorreu toda a enseada de Jurujuba. Até 1913 o bairro delimitado como Jurujuba
se estendia da sua atualidade até o bairro que hoje é São Francisco, analisemos o
mapa na Figura 4.
É possível identificar no mapa que logo após o bairro de Icaraí, lê-se: praia de
Jurujuba. A atual porção de terras que hoje compreende os bairros de Jurujuba,
Charitas e São Francisco eram apenas um território, o de Jurujuba. Ao longo dos
anos, devido a mudanças políticas na cidade de Niterói, esse amplo território
reduziu-se e hoje compreende apenas uma pequena parte destas terras, terras de
São Pedro.
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de seu território e ser, dentro de Niterói, refúgio em meio ao caos urbano niteroiense,
Jurujuba é hoje um território-lugar próprio repleto de signos e significados -
representado nas mais variadas formas, seja pela Festa, seja pelas suas belas
paisagens ambientais e culturais. Assim, o modo de vivenciar e experimentar a
Festa também mudou.
Festejar é um ato solene. “É a suspenção das regras da vida normal, o
esquecimento de suas hierarquias, a sua inversão mesmo: é por isso que estão
disfarçadas, que zombam dos poderosos, parodiam-nos, queimando-os às vezes em
efigie.” (CLAVAL, 2014, p.8) É a solenidade de um cotidiano diferente, é sair-se de si
mesmo para encontrar-se a si.
Nas palavras de Ferreti (2007):
A festa religiosa ocorre em determinados momentos do calendário da
comunidade e se repete periodicamente. Constitui oportunidade para
expressar a capacidade de organização, a criatividade popular, a
devoção, o lazer. Nas festas a comunidade se revitaliza, se recria, se
encontra e se vê como um todo. (FERRETI, 2007, p.1,2)
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majoritariamente devoto a São Pedro, essa condução não era, digamos, “difícil”.
Existia por parte da comunidade, principalmente dos pescadores, um apreço por
colaborar financeiramente para a realização desta.
O apreço e a consciência da importância simbólica da Festa ainda existem,
segundo entrevistas realizadas pela autora no mês de abril de 2016, constataram-se
algumas respostas3 que demonstram essa consciência simbólica coletiva. O que
representa a Festa de São Pedro pra você e para o bairro? Essa foi a pergunta feita
aos moradores, algumas respostas:
Fidel, sem religião, morador há trinta anos, responde: “não
representa nada”. Mas afirma: “é tradição em relação à igreja –
comemora o padroeiros dos pescadores”.
Condessa, evangélica, moradora há onze anos, diz: “representa
distração e lazer, por se difícil ter outra coisa”. Destaca: “é uma festa
simbólica e atrai muitos turistas e aumento de renda”
Barão, católico, morador há 67 anos, afirma que a Festa representa:
“símbolo do lugar, animação, chama a atenção dos outros, se findar
(a festa), acaba o lugar”.
Marta, espírita, moradora há 28 anos, responde que “a festa é um
meio de divertimento por não ter nada além da festa e da procissão”.
Alanis, católica, moradora a 58 anos, afirma que participou da festa
durante a sua adolescência, e que a realização da festa já faz parte
da vida cotidiana e é sempre bem-vinda. A festa, pra ela, ajuda a
divulgar a cidade e possui importância religiosa.
(Entrevistas Realizadas na rua, em abril de 2016, grifos nosso)
3
Os nomes dos entrevistados foram modificados para preservar suas identidades.
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discurso identitário orienta estas escolhas, de tornar normal, lógico,
necessário, inevitável, o sentimento de pertencer, com uma forte
intensidade, a um grupo. (...) O discurso tem tarefa de definir o
grupo, fazer passar de estado latente àquele de “comunidade” em
que os membros são persuadidos a terem interesses comuns, a ter
alguma coisa a defenderem juntos (MARTIN, 1994, p.23).
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território guarda os elementos mais recônditos e, ao mesmo tempo,
contribui para exteriorizar os significados de uma dada cultura. No
território estão presentes as cristalizações de símbolos, memórias,
valores que encarnam o sentido primordial da cultura. Porém, ele
mesmo não pode ser interpretado como uma demarcação rígida e
intransponível. O território também representa uma fronteira de
comunicação de culturas, reclamando a presença do Outro como
possiblidade de realização renovada da experiência social.
(BARBOSA, 2004, p. 100 e 101).
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