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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
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Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (PPGRI/UNILA). Especialista em Direito Constitucional
pela Universidade Regional do Cariri (URCA) em 2019. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza
(UNIFOR) em 2017. Pesquisador integrante do Núcleo de Pesquisa em Política Externa Latino-Americana
(NUPELA) e do Centro de Estudos Sócio-Políticos e Internacionais da América do Sul (CESPI/América do Sul).
Advogado. Participa da Comissão da Diversidade Sexual e Gênero (CDSG) da Ordem dos Advogados do Brasil -
Secção do Ceará (OAB-CE).
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Neste sentido, vide International Organization for Migration – IOM. World Migration Report 2020. Geneva:
2020. Disponível em: https://publications.iom.int/es/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso em: 07 out 2020.
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mundo em 2019, o que corresponde a 3,5% da população mundial. Ainda de acordo com o
documento, 41 milhões de pessoas estão internamente deslocadas e outras quase 26 milhões de
pessoas são refugiadas. Já o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR
(2020) divulgou que existem 41,3 milhões de deslocados(as) internos(as), 25,9 milhões de
refugiados(as) e 3,5 milhões de solicitantes de refúgio. O ACNUR concluiu ainda que o número
de refugiados(as) cresceu mais de 50% nos últimos 10 anos e que 52% deles(as) são crianças.
O documento revelou que 57% dos refugiados(as) do mundo são da Síria, do Afeganistão e do
Sudão do Sul; os três países que mais acolhem são Turquia, Paquistão e Uganda.
No continente americano, as migrações também são um fenômeno observável, tendo
despertado a atenção o aumento do fluxo migratório para os Estados Unidos da América,
principalmente originado do chamado triângulo norte, passando pelo México, até atingir a
fronteira sul. O debate sobre a construção do Muro de Trump (atual presidente dos EUA) gerou
polêmicas e deu visibilidade ao tema. Na América do Sul, de modo específico, as migrações
passaram a ser observadas a partir do terremoto haitiano (2010) e do incremento do fluxo
migratório de trabalhadores(as) de países andinos: precisamente, peruanos(as) para o Chile e
bolivianos(as) para o Brasil.
Na sequência, um novo fluxo migratório tornou-se notório a partir da guerra na Síria
e da primavera árabe de 2011, além do aprofundamento da crise venezuelana durante o governo
de Nicolás Maduro. O Brasil, que entre o século XIX e o início do século XX, recebeu um
contingente considerável de imigrantes europeus, como italianos e alemães, e japoneses (apenas
para destacar as comunidades de mais destaque) passa, no século XXI, a receber outro tipo de
fluxo migratório e um número considerável de pessoas na categoria de refugiados(as). Nesse
contexto, o objetivo geral do trabalho é refletir sobre o processo de integração local dos(as)
refugiados(as) no Brasil.
A incursão metodológica que possibilita a realização desta investigação será
direcionada por abordagens de pesquisa qualitativa e por método dedutivo. O procedimento
metodológico é bibliográfico e documental, já que será feito a partir do levantamento de
referências teóricas e documentos oficiais já analisados e publicados.
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados
temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou
opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não
queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do
país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele,
em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e
generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de
nacionalidade para buscar refúgio em outro país.
de subjetividades que vão muito mais além do aparato legal, mas implicam um olhar sobre a
alteridade, a identidade, o pertencimento.
O que alicerça, portanto, o acolhimento de refugiados(as) pelos Estados aborda a
fronteira erguida entre inclusão e exclusão, admissão e rejeição, indivíduos ou grupos
desejáveis e indesejáveis; ao mesmo tempo, enseja vulnerabilidade, indefinição e incerteza a
esses migrantes internacionais forçados. Tal fronteira separa aqueles(as) que serão inseridos(as)
na ordem social, cultural, econômica e política estatal, aqueles que terão direito a ter direitos,
dos(as) que não serão contemplados(as) (NYERS, 2005).
Os(as) refugiados(as) são vistos como outsiders, uma vez que vêm de fora; são
estrangeiros(as), por não pertencerem à nação, por serem estranhos(as) aos códigos
compartilhados e informados pela identidade cultural, social, étnica, religiosa, linguística da
comunidade de destino (BAUMAN – SAYAD, 2005 – 2008).
A construção da definição jurídica e política de refugiado(a) remonta ao contexto da
Europa do pós-guerra. A partir da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951,
cunhou-se o termo refugiado(a) como aquele(a) que possui fundado temor de perseguição por
razões de raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou por opiniões políticas.
A decisão do Estado de reconhecer e receber refugiados(as) envolve múltiplos e
complexos fatores, os quais abarcam tanto política externa como doméstica. O país receptor
pode utilizar o acolhimento de refugiados(as) como instrumento para deslegitimar o país de
origem, ao rotulá-lo como perseguidor, repressor ou violador de direitos humanos (MOREIRA,
2014). Pode favorecer a entrada de refugiados(as) de determinadas origens, em virtude de
questões sociais, étnicas, culturais, políticas ou econômicas, em detrimento de outras, e/ou
perceber a presença dos(as) refugiados(as), sobretudo em grande contingente, como pesado
encargo socioeconômico ou como ameaça à segurança ou à identidade nacional (MOREIRA,
2014).
A construção da definição jurídica e política de refugiado(a) remonta ao contexto da
Europa do pós-guerra. O Brasil foi o primeiro país da América do Sul a ratificar, no ano de
1960, a Convenção Internacional de 1951, relativa ao Estatuto do Refugiado. Em razão das
limitações, temporais e geográficas, evidenciadas na referida Convenção, foi estabelecido, em
1967, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que propositava alcance mais amplo à
definição do termo “refugiado”. Tal documento foi assinado pelo Brasil no ano de 1972.
Posteriormente, o País assinou a Declaração de Cartagena, de 1984, um documento
regional que influenciou a associação entre o conceito de refúgio e o de direitos humanos,
especificamente o de direito humanitário na América Latina. É fundamental ressaltar que essa
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Texto original: “Brazil attaches great priority to the protection of migrants, refugees and stateless persons. It is
party to the 1951 Refugee Convention and its 1967 Protocol, to the 1954 Convention on Stateless Persons and to
the 1961 Convention on the Reduction of Statelessness, and has submitted the accession to the Convention on the
Rights of Migrant Workers for Congressional approval”.
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A Constituição deveria ser um símbolo de repactuação social e democrática do País, porém, seus princípios
constitucionais confrontavam com o legado autoritário que a Lei nº 6.815/80 havia trazido dos anos de opressão
vividos pelo Brasil. O tema é complexo, mas, durante 37 anos, a referida lei (fundamentada no paradigma da
segurança nacional e da proteção ao mercado de trabalho interno) produziu efeitos no ordenamento jurídico
brasileiro até, finalmente, ser revogada pela Lei nº 13.445/17.
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Com base nesses princípios, pode-se afirmar que os alicerces da concessão do refúgio,
vertente dos direitos humanos e espécie do direito de asilo, são expressamente
assegurados pela Constituição Federal de 1988, sendo ainda elevados à categoria de
princípios de nossa ordem jurídica. Sendo assim, a Constituição Federal de 1988
estabelece, ainda que indiretamente, os fundamentos legais para a aplicação do
instituto do refúgio pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse sentido, além de obrigar o Brasil a zelar pelos direitos humanos e a respeitá-los,
a concessão do refúgio seria uma forma de efetivação dos dispositivos constitucionais, de modo
que os princípios estariam sendo cumpridos e a igualdade estaria assegurada, o que gera
segurança jurídica sobre o tema. É importante salientar que o(a) refugiado(a), uma vez
reconhecido(a) pelo País, goza de igualdade perante os(as) brasileiros(as) natos(as) e
naturalizados(as), uma vez que é detentor(a) dos direitos sociais preceituados pelo artigo 6º da
CRFB/88, mas não tem direito de votar nem de ser votado(a), o que incita uma complexa e
necessária discussão sobre sua cidadania.
O Brasil, em 1997, estabeleceu uma lei específica para os(as) refugiados(as): a Lei nº
9.474, de 22 de julho de 1997, que estabeleceu os critérios para se atribuir o status de
refugiado(a) e que também determinou o procedimento para o devido reconhecimento dessa
condição. A lei é responsável pela criação do CONARE, órgão administrativo que trata do tema
no país.
A Lei nº 9.474/97 foi produzida a partir do Programa Nacional de Direitos Humanos,
de 1996, e elaborada pelo governo brasileiro em conjunto com o ACNUR (PNDH, 1996). A
referida legislação é conhecida como umas das mais avançadas do mundo e é pioneira na
América Latina, “[...] sendo usada como parâmetro para inúmeros outros países, pois traz uma
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Em relação às causas que motivam a fuga, estas são de difícil solução e podem se
perpetuar por anos, por isso foram estabelecidas algumas respostas, capazes de conferir ao
refugiado(a) a possibilidade de viver dignamente e em segurança, mesmo em situações de
vulnerabilidades. O ACNUR trabalha com três iniciativas – repatriação voluntária5,
reassentamento solidário6 e integração local7 –, que fazem parte do compromisso assumido pelo
Brasil ao assinar a Convenção de 1951, positivado pela Lei nº 9474/97.
O Brasil tem sido um país bastante procurado por indivíduos em situação de refúgio.
Sempre considerado por sua diversidade cultural e composição multiétnica, o país foi
edificando sua identidade a partir de ideias como “democracia racial” e “homem cordial”,
presentes nos debates propostos, respectivamente, pelo antropólogo Gilberto Freyre e
historiador Sérgio Buarque de Holanda, pensadores do Brasil e da formação da sociedade
brasileira.
A sociedade brasileira, contudo, também é uma das mais violentas do mundo, e essa
violência é parte inerente do nosso processo de colonização, o qual gerou práticas e dinâmicas
excludentes, elitistas e pautadas na construção do projeto colonial e modernizador europeu que
incluía a escravidão e, dessa forma, a sujeição de outros indivíduos e povos, cuja cultura foi
sublimada e cujos corpos foram objetificados.
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A repatriação voluntária é o retorno seguro ao país de origem, segundo a vontade e conveniência do(a)
refugiado(a).
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O reassentamento solidário é a transferência de refugiados(as) a um terceiro país seguro realizada mediante
acordo entre o país e o ACNUR.
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A integração local é o objeto desta pesquisa e será abordada mais adiante.
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O conceito de raça cósmica surgiu no livro La Raza Cósmica de autoria do mexicano José Vasconcelos Calderón.
O autor defende que na América Latina se formaria uma nova raça, em um processo de mestiçagem sobretudo
espiritual. Através de uma inversão semântica no conceito de raça, o autor apresenta uma nova proposta de
identidade latino-americana, com o fim político de legitimar as nações do continente e de se opor ao imperialismo
estadunidense (ASCENSO, 2013).
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Art. 43. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados
deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de documentos
emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e
consulares. Art. 44. O reconhecimento de certificados e diplomas, os requisitos para
a obtenção da condição de residente e o ingresso em instituições acadêmicas de todos
os níveis deverão ser facilitados, levando-se em consideração a situação desfavorável
vivenciada pelos refugiados.
características peculiares. Como o poder público não tem estrutura para acolhimento nem
planos arrojados de integração para os(as) refugiados(as), fica sob a responsabilidade da
sociedade civil, de instituições religiosas, ONGs e associações de refugiados(as) fazer esse
trabalho. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2015),
em parceria com o Ministério da Justiça, alguns gargalos sobre o processo de integração foram
revelados:
Não obstante, como explica Mahlke (2017, p. 244), “todos esses obstáculos podem ser
resumidos em um único problema: a falta de uma estrutura de acolhimento adequada,
acompanhada de políticas públicas direcionadas para a população refugiada”. A igualdade para
todos(as) apresentada pela CRFB/88 refere-se à igualdade de direitos e oportunidades e, para
isso ocorrer, é necessário considerar a condição especial dos(as) refugiados(as) e promover
ações para que essa igualdade seja atingida (Mahlke, 2017).
A população migrante e, em especial, refugiada já enfrenta as barreiras linguísticas e,
muitas vezes, não conta com uma rede de apoio em seu novo país. Seu ponto de partida já é
consideravelmente mais desafiador. Constata-se a existência de novas e distintas fronteiras para
uma efetiva integração em uma nova sociedade. Os desafios culturais impostos pelo idioma e a
dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e a serviços, conforme vislumbrado no gráfico 1,
também podem ser considerados efeitos de uma investida discriminatória, segregacionista, que
impede a integração de refugiados(as) à sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, a política migratória revelou, sem dúvidas, muitos avanços. Apesar dos
erros e da inoperância administrativa, o País mostrou-se assertivo ao assinar os acordos
internacionais para proteção dos refugiados. Internamente, no período democrático, houve a
criação de um sistema jurídico migratório audacioso, porque garantiu a pluralidade de direitos
aos refugiados, mas ainda com resquícios da ideologia da segurança nacional, timidamente
mascarada por políticas públicas pouco eficientes. O país conta com um aparato legislativo
muito importante, porém falta vontade política para que a lei seja efetivada de forma correta.
Outro problema enfrentado e evidenciado na pesquisa é que, teoricamente, os
refugiados deveriam ser bem recebidos nos países de destino, porém isso nem sempre acontece.
A falta de políticas públicas para integração dos refugiados gera outros desafios, como a
xenofobia e a carência de acesso aos serviços públicos. A dificuldade de integrá-los a sociedade
brasileira pode ser interpretada como uma grave violação aos direitos humanos dos refugiados.
Finalmente, este breve texto buscou concentrar-se nas dificuldades e nos dilemas
vivenciados por migrantes refugiados(as) no Brasil. Foi possível perceber que, apesar dos
avanços legais importantes, as fronteiras a serem cruzadas ainda são consideráveis de acordo
com a problemática que envolve a integração desses indivíduos à sociedade brasileira. A
inclusão social, a equidade e a observação dos direitos humanos, no sentido da percepção da
dignidade da pessoa humana para relações interpessoais mais horizontais e solidárias, ainda
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merecem ser objeto de políticas públicas específicas, as quais visem a essas populações em
condição de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
CRISP, Jeff. The local integration and local settlement of refugees: a conceptual and
historical analysis. New Issues in Refugee Research. Geneva: UNHCR, 2004.
IOM, International Organization for Migration –. World Migration Report 2020. Geneva:
2020. Disponível em: https://publications.iom.int/es/system/files/pdf/wmr_2020.pdf. Acesso
em: 07 out 2020.
MAHLKE, Helisane. Direito Internacional dos refugiados: novo paradigma jurídico. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2017. p. 311.
NYERS, Peter. Rethinking refugees: beyond states of emergency. New York; London:
Routledge, 2005.
VASCONCELOS, José. The cosmic race; La raza cósmica. Los Angeles: Centro de
Publicaciones, California State University, 1979.
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ABSTRACT