Você está na página 1de 17

CONSTITUIÇÃO

E TRIBUTAÇÃO

Magnum Koury de Figueiredo Eltz


Revisão técnica:

Gustavo da Silva Santanna


Bacharel em Direito
Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional
e em Direito Público
Mestre em Direito
Professor em cursos de graduação e pós-graduação em Direito

C756 Constituição e tributação / Magnum Koury de Figueiredo


Eltz... [et a l.] ; [revisão técnica: Gustavo da Silva
Santanna]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018.
346 p. : il. ; 22,5 cm

ISBN 978-85-9502-404-5

1. Direito constituciona l. 2. Direito tributário. I. Eltz,


Magnum Loury de Figueiredo. II.Título.
CDU 34(091)

Cata logação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147


Princípios constitucionais
tributários
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a importância dos princípios constitucionais tributários.


 Analisar os princípios constitucionais tributários.
 Aplicar o tratamento do Supremo Tribunal Federal aos princípios
constitucionais tributários.

Introdução
Os princípios constitucionais tributários são uma espécie de subcategoria
dos princípios constitucionais em geral. Eles estabelecem os valores e as
balizas das regras do ordenamento jurídico no âmbito de determinados
ramos do Direito.
Neste capítulo, trataremos da importância desses princípios, estu-
dando cada um deles e também o seu tratamento no Supremo Tribunal
Federal (STF).

Importância dos princípios


constitucionais tributários
Os princípios constitucionais são a base axiológica de todo o sistema legal.
Eles representam os valores eleitos pela comunidade constituinte do Estado
para servir como baliza para a aplicação das regras presentes no ordenamento
jurídico e também são fundações para a criação dessas mesmas regras.
Os princípios constitucionais tributários, por sua vez, são a base do Sistema
Tributário Nacional (STN), servindo como referência para a criação de nor-
104 Princípios constitucionais tributários

mas e para a definição de limites do poder de tributar, além de constituírem


fundamentos interpretativos para a aplicação de normas dessa natureza.
Segundo Carvalho (2012, p. 229):

Sendo objeto do mundo da cultura, o direito e, mais particularmente, as normas


jurídicas estão sempre impregnadas de valor. Esse componente axiológico,
invariavelmente presente na comunicação normativa, experimenta varia-
ções de intensidade de norma para norma, de tal sorte que existem preceitos
fortemente carregados de valor e que, em função do seu papel sintático no
conjunto, acabam exercendo significativa influência sobre grandes porções
do ordenamento, informando o vector de compreensão de múltiplos segmen-
tos. Em Direito, utiliza-se o termo “princípio” para denotar as regras de que
falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam
importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar
o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do
mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.

Assim, para o autor os princípios possuem quatro funções distintas


(CARVALHO, 2012):

1. norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo;


2. norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos;
3. valores inseridos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas
considerados independentemente das estruturas normativas;
4. limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém,
sem se considerar a estrutura da norma.

De acordo com Carvalho (2012, p. 229), “[...] nos dois primeiros, temos
‘princípio’ como ‘norma’; enquanto nos dois últimos, ‘princípio’ como
‘valor’ ou como ‘critério objetivo’”. Quanto ao uso desses princípios como
norma privilegiada independentemente das estruturas normativas, ou seja,
no seu uso eminentemente hermenêutico, Amaro (2006, p. 213, grifos do
autor) expõe que:

Costuma-se falar, também, ao invocarem-se os princípios para suprir lacunas


da lei, em analogia juris, a par da analogia legis. Nesta, busca-se uma nor-
ma para suprir a lacuna; naquela, a solução para a lacuna acha-se por meio
de processo lógico de conformação do regramento do caso concreto com o
conjunto do direito vigente, o que supõe que se invoquem os princípios inte-
grantes desse sistema, e não uma norma; a utilização de certa norma posta
no sistema traduziria hipótese de analogia legis.
Princípios constitucionais tributários 105

Dessa forma, os princípios se configuram como normas conformadoras do sistema


por meio da ponderação dos valores que permeiam as normas em conflito, seja por
estarem em hierarquias distintas ou isonômicas. O conflito entre as normas é resolvido
com base na ponderação dos princípios dos seus postulados.

A função do princípio enquanto norma privilegiada e portadora de valor


expressivo é orientar o sistema jurídico, de maneira que a legislação infracons-
titucional ou a constitucional de ordem normativa avalorativa devem seguir
as diretrizes superiores fornecidas pelos princípios do ordenamento jurídico.
Nessa mesma perspectiva, porém com função específica, operam os princípios
que definem os limites objetivos do sistema, delineando as fronteiras da apli-
cação das normas constitucionais e infraconstitucionais por eles difundidas.
Por fim, o limite objetivo como fonte de regras hierárquicas fortes estipula
limites bastante objetivos ao sistema infraconstitucional, como verificaremos
adiante, durante o estudo específico dos princípios do Direito Tributário.

Princípios constitucionais tributários


Reconhecida a importância dos princípios constitucionais tributários para
esse campo de estudos do Direito e apontadas as suas quatro funções princi-
pais, passaremos ao estudo dos princípios reconhecidos pela doutrina como
diretrizes básicas do sistema tributário.
O primeiro princípio elencado pela doutrina e pela própria Constituição
Federal (BRASIL, 1988) ao definir os limites do poder de tributar é a legali-
dade. Considerando que estudamos um ramo do Direito Público, não poderia
ser diferente, uma vez que os limites do poder estatal principiam na legitimi-
dade concedida pelo processo legislativo ao estabelecer o nexo legitimador
da representação do povo. Essa representação se dá por intermédio das casas
constitucionalmente competentes na expedição de diplomas legais em sentido
estrito, ou seja, que passam pelo devido processo legislativo.
O princípio da legalidade tributária está prescrito no art. 150, I, da Consti-
tuição como um eco do mandamento presente no art. 5º, II (BRASIL, 1988).
Contudo, Carvalho (2012, p. 247-248) assevera que:
106 Princípios constitucionais tributários

Aquele imperativo ganha feição de maior severidade, como se nota da redação


do art. 150, I [...], qualquer das pessoas políticas de direito constitucional
interno somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz
de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a
alíquota, mediante a expedição de lei.

A respeito da legalidade estrita, denominada tipicidade estrita, o autor


afirma que (CARVALHO, 2012, p. 248):

O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre


a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que
isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo
os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação
obrigacional.

Segundo Amaro (2006, p. 111), “[...] o princípio é informado pelos ideais


de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à
administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e
de quem cobrar tributos”.
Para Carvalho (2012, p. 248), o princípio da anterioridade não existe
mais no Direito Positivo brasileiro, “[...] de tal sorte que uma lei instituidora
ou majoradora de tributos pode ser aplicada no ano seguinte, a despeito
de não haver específica autorização orçamentária”. Por isso, ele propõe
que falemos em princípio da anualidade, visto que “[...] é suficiente que
o diploma legislativo seja publicado no tempo que antecede ao início do
exercício financeiro em que se pretenda efetuar a cobrança da exação criada
ou aumentada” (CARVALHO, 2012, p. 248).
Por outro lado, a anterioridade é identificada por Amaro (2006) na exigência
constitucional ou legal de que ela seja anterior ao exercício financeiro da incidência
do tributo, conforme previsto no art. 150, III, da Constituição (BRASIL, 1988).
Além disso, como alerta o autor (AMARO, 2006), a Emenda Constitucional (EC)
nº. 42, de 19 de dezembro de 2003, acrescentou a mencionada alínea c, que veda
a cobrança de tributo antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei
que instituiu ou aumentou o tributo, o que ficou conhecido como anterioridade
nonagesimal. Ela é identificada como um princípio em si mesmo, conforme
Carvalho (2012, p. 249) ao sustentar que a anterioridade nonagesimal “[...] objetiva
implementar o sobreprincípio da segurança jurídica, de modo que o contribuinte
não seja surpreendido com exigência tributária inesperada”.
Além dos princípios da anualidade e da anterioridade nonagesimal, soma-
-se a irretroatividade tributária, prevista no art. 150, III, da Constituição
Princípios constitucionais tributários 107

(BRASIL, 1988). Esse princípio limitador do poder de tributar reforça o


conteúdo axiológico do art. 5º, XXXVI, da própria Carta Magna, que veda
a tributação “[...] em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da
vigência da lei que os houver instituído ou aumentado” (CARVALHO, 2012,
p. 251). A esse respeito, Amaro (2006) comenta que:

O texto não é feliz ao falar em fatos geradores. O fato anterior à vigência


da lei que institui tributo não é gerador. Só se pode falar em fato gerador
anterior à lei quando esta aumente (e não quando institua) tributo. O que
a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que
criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não
gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a
lei da época de sua ocorrência.

Portanto, a lei que aumenta ou institui impostos não incide sobre fatos
anteriores à sua vigência.
Carvalho (2012) identifica, na hipótese de incidência e na base de
cálculo, o princípio próprio da tipologia tributária, pois, “[...] ao binô-
mio, o legislador constitucional outorgou a propriedade de diferençar as
espécies tributárias entre si, sendo também operativo dentro das próprias
subespécies”. Para o autor (CARVALHO, 2012, p. 253), “[...] o vulto cons-
titucional desse princípio advém da linguagem empregada no art. 154, I,
figurando, desse modo, entre os implícitos. Tudo por entendermos que a
disjunção ‘ou’ há de ser substituída pelo conjuntor ‘e’, como imperativo
do sistema”, de modo que:

Insinua desmentir a procedência dessa assertiva o teor do art. 4º do Código


Tributário Nacional, ao dizer que “a natureza jurídica específica do tributo é
determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação”, fazendo crer que a
singularidade de um único elemento (a hipótese de incidência) teria o condão
de definir o tipo do gravame fiscal. A contrariedade, porém, é facilmente
contornável, bastando atinar à distribuição hierárquica das normas dentro do
sistema e à inconteste superioridade do critério constitucional com relação a
qualquer outro veiculado por proposições normativas subalternas, como é o
caso da regra posta no citado art. 4º da Lei nº. 5.172/66.

Outro princípio limitador do poder de tributar, inerente à condição


do Direito Público, é a proibição do tributo com efeito de confisco. Para
caracterizá-lo, Baleeiro (2005, p. 571) retoma a obra O espírito das leis de
Montesquieu, de 1748, na qual o filósofo define que:
108 Princípios constitucionais tributários

Pode-se aumentar os tributos na maior parte das repúblicas, porque o cidadão,


que acredita pagá-los, a si mesmo, tem a vontade de pagá-los pois detém ordi-
nariamente o poder, em razão da natureza do governo [...]. No Estado despótico,
não se pode aumentá-los porque não se pode aumentar a servidão extrema.

Ao demonstrar que a compensação pelo peso elevado dos tributos é a


liberdade e ao alertar contra os possíveis abusos ocorrentes nas democracias,
o texto de Montesquieu permanece atual. Todavia, Carvalho (2012, p. 254)
alerta que o valor semântico da expressão “efeitos confiscatórios” pode ser
interpretado de maneira temerariamente aberta, sendo que “[...] a temática sobre
as linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decididamente
não foi desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina
está ainda por ser elaborada”.
O princípio da capacidade contributiva está expresso ao lado do princípio
da personalização no art. 145, § 1º, da Constituição (BRASIL, 1988). Para
Amaro (2006, p. 138):

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados


segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identifi-
car, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Segundo o autor, o “[...] brocardo quer de cada um o tributo adequado a


sua capacidade contributiva ou capacidade econômica, traduzindo aplicação
do milenar princípio suum cuique tribuere” (AMARO, 2006). Em outras pa-
lavras, o contribuinte realiza o pagamento do tributo conforme a sua condição
econômica, que, de acordo com Carvalho (2012, p. 255-256), é “[...] o critério
comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente
impositivo”, ainda que o seu conteúdo seja igualmente controverso na aplicação
prática da proporcionalidade entre o tributo e a capacidade do sujeito.
Outro princípio particularmente ligado à prática administrativa da tribu-
tação que foi identificado por Carvalho é a vinculabilidade da tributação.
O autor (CARVALHO, 2012, p. 257-258) defende que a doutrina sustenta que
“[...] nos confins da estância tributária, hão de existir somente atos vinculados,
fundamento sobre o qual exaltam o chamado princípio da vinculabilidade da
tributação”. No entanto, ele alerta que a prática não reflete essa teoria:

O exercício da atuosidade administrativa, nesse setor, se opera também por


meio de atos discricionários, que são, aliás, mais frequentes e numerosos. O
Princípios constitucionais tributários 109

que acontece é que os expedientes de maior importância, aqueles que dizem


mais de perto aos fins últimos da pretensão tributária, são pautados por uma
estrita vinculabilidade, caráter que, certamente, influenciou a doutrina no
sentido de chegar à radical generalização (CARVALHO, 2012, p. 257-258).

Dessa forma, ainda que a vinculabilidade seja uma métrica em relação aos
atos de tributação de maior relevância, esse princípio não corresponde a uma
regra absoluta na prática do STN.
Quanto à vedação à guerra fiscal, Carvalho (2012) destaca dois princípios
centrais:

 uniformidade geográfica;
 não discriminação tributária em razão da procedência ou do destino
dos bens.

Segundo o autor, o primeiro surge explícito na redação do art. 151, I, da


Constituição e “[...] em termos afirmativos, se traduz na determinação im-
perativa de que os tributos instituídos pela União sejam uniformes em todo
o território nacional” (CARVALHO, 2012, p. 258-259). A sua função é vedar
eventuais distinções ou preferências relativas a algum estado, ao Distrito
Federal ou a algum município em prejuízo dos demais. O princípio da não
discriminação tributária em razão da procedência ou do destino dos bens, por
sua vez, “[...] significa que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar
seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou o local para
onde se destinem” (CARVALHO, 2012, p. 258-259), com previsão no art. 152.
Em acréscimo aos princípios já mencionados, Carvalho (2012) refere o prin-
cípio da territorialidade da tributação como um terceiro pilar da harmonia que
o ordenamento planificou pela circunscrição dos efeitos jurídicos da lei tributária
à pessoa política que a editou. Assim, a lei federal é influenciável por todo o
território brasileiro, as leis estaduais e do Distrito Federal pelas suas fronteiras
regionais e as leis municipais pelos seus respectivos espaços geográficos.
Agrega-se ao princípio da territorialidade a vedação à delegabilidade
da competência tributária como uma garantia do contribuinte, devendo a
lei tributária corresponder à pessoa política que recolhe o tributo instituído
conforme as competências definidas pela Constituição Federal (CARVALHO,
2012, p. 260-261). Esse princípio se excetua à parafiscalidade exercida pelas
pessoas jurídicas do Direito Público e demais entidades previstas pelo art. 7º
do Código Tributário Nacional (CTN) (BRASIL, 1966).
Além dos princípios gerais instituídos pela Constituição Federal, Amaro
(2006) menciona ainda princípios e regras específicos de determinados impos-
110 Princípios constitucionais tributários

tos, com destaque para Imposto de Importação (II), Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) e Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Entre
eles, há o princípio da não cumulatividade referente a (AMARO, 2006):

 Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e ICMS, conforme o art.


153, § 3º, III e o art. 155, § 2º, I;
 impostos da União, conforme o art. 154, I;
 contribuições sociais, conforme o art. 195, §§ 4º e 5º na redação da EC
nº. 42/2003 e o art. 154, I.

De acordo com o autor, “[...] a não-cumulatividade obriga a que o tributo


plurifásico, incidente em sucessivas operações seja apurado sobre o valor
agregado em cada uma delas, ou (no sistema adotado em nossa legislação) seja
compensado com o que tenha incidido nas operações anteriores” (AMARO,
2006, p. 148).
Ademais, o IPI também é caracterizado pelo já mencionado princípio da
seletividade no que se refere à essencialidade do produto, conforme o disposto
no art. 153, § 3º, I, da Constituição (BRASIL, 1988). Esse artigo define a
progressividade em relação aos bens suntuosos ou supérfluos e a redução no
caso de produtos essenciais. Além disso, conforme Amaro (2006, p. 149), “[...]
o item IV do art. 153 (acrescido pela EC nº. 42/2003) quer que a lei ‘reduza
o impacto’ do IPI sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do
imposto”. Ele acrescenta que a seletividade é “[...] obrigatória para o IPI, é
permitida em relação ao ICMS” (AMARO, 2006), conforme a redação do art.
155, § 2º, III, da Constituição (BRASIL, 1988).
O Imposto de Renda (IR) “[...] também é informado por princípios cons-
titucionais específicos: generalidade, universalidade e progressividade”
(AMARO, 2006, p. 149), conforme o disposto no art. 153, § 2º, I, da Consti-
tuição (BRASIL, 1988). Assim, Amaro (2006, p. 149) defende que “[...] esse
tributo deve, em princípio, atingir todas as pessoas e todas as manifestações
de renda, incidindo com alíquotas tanto maiores quanto maior for a capacidade
econômica do contribuinte”, o que é identificado pelo próprio autor como um
desdobramento do princípio geral da capacidade contributiva.
O IPTU é pautado pela progressividade conforme o valor do imóvel, de
acordo com o art. 156 (BRASIL, 1988), que permite ainda a seletividade do
imposto em relação à localização e ao uso do imóvel, conforme o seu § 1º,
I e II. Já o ITR prevê a seletividade em função da produtividade da terra,
conforme o art. 153, I (BRASIL, 1988).
Princípios constitucionais tributários 111

Finalmente, Amaro (2006) identifica certos princípios decorrentes da


ordem econômica, como o tratamento diferenciado para empresas de pequeno
porte constituídas pela lei brasileira, conforme o art. 170, IX, e o inventivo
aos reinvestimentos de lucros do capital estrangeiro no País, previsto no art.
172 (BRASIL, 1988). O autor também atenta para a igualdade de tratamento
entre empresas públicas, privadas, sociedades de economia mista e outras
entidades que exploram a atividade econômica, conforme o art. 173 da
Constituição (BRASIL, 1988).

Princípios constitucionais tributários


no Supremo Tribunal Federal
Como estudamos anteriormente, os princípios tributários são importantes
regras e valores que compõem a interpretação legal do Sistema Tributário,
além de constituírem as fundações da formulação e aplicação da tributação
em determinado território. Nesta seção do capítulo, entenderemos qual
é o papel desses princípios na discussão jurídico-tributária a partir de
decisões do STF.
Com relação ao princípio da anterioridade nonagesimal, ao analisar a
majoração pelo Poder Executivo cumprindo funções extrafiscais, ou seja,
com finalidade de cumprimento de princípios e regras que fogem ao simples
vínculo de suprimento de necessidades financeiras da atividade estatal, mas
que visa o incentivo ou desincentivo de outras atividades, o STF concluiu que
a extrafiscalidade não é suficiente para afastar a anterioridade nonagesimal,
uma vez que se aplica a qualquer tributo (BRASIL, 2018, p. 4):

Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. PIS e COFINS.


Alteração de coeficientes de redução de alíquota pelo Poder Executivo.
Majoração indireta. Anterioridade nonagesimal.
Observância. 1. A Corte possui o entendimento de que não só a majoração
direta de tributos atrai a aplicação da anterioridade nonagesimal, mas também
a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais.
O simples fato da contribuição ao PIS e da COFINS serem majoradas pelo
Poder Executivo, nas hipóteses em que isso se mostra possível, não afasta a
incidência do art. 195, § 6º da Constituição. Afinal, se a lei que majora essas
exações quer elas tenham ou não função extrafiscal é obrigada a observar
anterioridade nonagesimal, com igual razão é obrigado a respeitá-la o regu-
lamento autorizado que aumenta o valor desses tributos (ato normativo que
tem a generalidade e a abstração de uma lei).
112 Princípios constitucionais tributários

Dessa forma, o STF compreende que os princípios constitucionais tributários não são
exclusivos de determinadas modalidades (à exceção da seletividade, progressividade
e demais características próprias, como visto), independentemente da sua finalidade.

Já sobre a vedação ao confisco, ao analisar a necessidade de pagamento do


excesso tributado em virtude da utilização do regime de presunção do valor
de operação frente a diferenças apontadas pela produção real, o STF interpre-
tou que a presunção do regime tributário escolhido é relativa. Isso porque a
praticidade tributária não pode ir ao encontro dos interesses do contribuinte
se ele puder comprovar distinções reais entre a base de cálculo presumida e
a base de cálculo realmente verificada.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO


TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E
SERVIÇOS - ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA OU
PARA FRENTE. CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO DO EXCESSO. BASE DE
CÁLCULO PRESUMIDA. BASE DE CÁLCULO REAL. RESTITUIÇÃO
DA DIFERENÇA. ART. 150, §7º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
REVOGAÇÃO PARCIAL DE PRECEDENTE. ADI nº. 1.851.
1. Fixação de tese jurídica ao Tema 201 da sistemática da repercussão geral:
“É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Merca-
dorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária
para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
2. A garantia do direito à restituição do excesso não inviabiliza a substituição
tributária progressiva, à luz da manutenção das vantagens pragmáticas hauridas
do sistema de cobrança de impostos e contribuições.
3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na hipótese de vio-
lação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios
da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a
arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS.
4. O modo de raciocinar “tipificante” na seara tributária não deve ser alheio
à narrativa extraída da realidade do processo econômico, de maneira a trans-
formar uma ficção jurídica em uma presunção absoluta.
[...] Uma interpretação restritiva do §7º do artigo 150 da Carta Constitucional,
para fins de legitimar a não restituição do excesso, representaria injustiça
fiscal inaceitável em um Estado Democrático de Direito, fundado em legí-
timas expectativas emanadas de uma relação de confiança e justeza entre
Fisco e Contribuinte. Em suma, a restituição do excesso atende ao princípio
que veda o enriquecimento sem causa, tendo em conta a não ocorrência da
materialidade presumida do tributo (BRASIL, 2016a, p. 25).
Princípios constitucionais tributários 113

Nesse caso, o STF entendeu que a interpretação restritiva para legitimar a


não restituição do excesso configuraria enriquecimento sem causa do Estado,
expressamente contrário ao princípio da vedação ao confisco. No entanto,
o princípio de vedação é a própria garantia de que o cidadão não terá o seu
patrimônio injustamente realocado ao erário estatal.
Por fim, ao analisar a legalidade das contribuições aos conselhos pro-
fissionais, o STF chegou às seguintes conclusões sobre a aplicabilidade dos
aumentos por meio de normativas internas desses órgãos:

 deve haver lei prévia para a legitimação das cobranças;


 a lei que institui as cobranças deverá prever o teto das contribuições
exigíveis pelos conselhos.
EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Princípio
da legalidade. Contribuições. Jurisprudência da Corte. Legalidade suficien-
te. Lei nº 11.000/04. Delegação aos conselhos de fiscalização de profissões
regulamentadas do poder de fixar e majorar, sem parâmetro legal, o valor das
anuidades. Inconstitucionalidade. 1. Na jurisprudência da Corte, a ideia de
legalidade, no tocante às contribuições instituídas no interesse de categorias
profissionais ou econômicas, é de fim ou de resultado, notadamente em razão
de a Constituição não ter traçado as linhas de seus pressupostos de fato ou o fato
gerador. Como nessas contribuições existe um quê de atividade estatal prestada
em benefício direto ao contribuinte ou a grupo, seria imprescindível uma faixa
de indeterminação e de complementação administrativa de seus elementos
configuradores, dificilmente apreendidos pela legalidade fechada. Precedentes.
2. Respeita o princípio da legalidade a lei que disciplina os elementos essenciais
determinantes para o reconhecimento da contribuição de interesse de categoria
econômica como tal e deixa um espaço de complementação para o regulamento.
A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo
com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e
complementariedade (...) 4. O grau de indeterminação com que os dispositivos
da Lei nº 11.000/2000 operaram provocou a degradação da reserva legal (art.
150, I, da CF/88). Isso porque a remessa ao ato infralegal não pode resultar em
desapoderamento do legislador para tratar de elementos tributários essenciais.
Para o respeito do princípio da legalidade, seria essencial que a lei (em sentido
estrito) prescrevesse o limite máximo do valor da exação, ou os critérios para
encontrá-lo, o que não ocorreu (BRASIL, 2016b).

O STF regularizou critérios para o exercício dos tributos parafiscais admi-


nistrados pelas próprias entidades que prestam serviços de ordem pública para
determinar o conteúdo do princípio da legalidade nesses casos. A determinação
acontece por meio dos requisitos de previsibilidade dos critérios e do teto de
aferição das contribuições, ao passo que protege certo grau de discricionariedade
114 Princípios constitucionais tributários

para a autorregulação dos conselhos profissionais no aumento dessas contri-


buições por intermédio de normativas que atendam às exigências da legislação.
Em resumo, o STF age como guardião dos princípios constitucionais de
três formas:

 ao identificar a aplicabilidade dos princípios ao tema em questão;


 ao ponderar sobre os princípios em conflito no caso concreto;
 ao ditar o conteúdo dos princípios vagos que permeiam o STN.
Princípios constitucionais tributários 115

AMARO, L. Direito Tributário brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BALEEIRO, A. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 dez. 2016.
BRASIL. Lei nº. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.
Brasília, DF, 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.
htm>. Acesso em: 29 mar. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 593.849 Minas Gerais. Relator:
Ministro Edson Fachin. 19 out. 2016a. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/pro-
cesso/verProcessoPeca.asp?id=311549379&tipoApp=.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 704.292 Paraná. Relator:
Ministro Dias Toffoli. 19 out. 2016b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/pro-
cesso/verProcessoPeca.asp?id=312323728&tipoApp=.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma Ag. Reg. no Recurso Extraordinário
1.081.068 Paraná. Relator: Ministro Dias Toffoli. 06 mar. 2018.
CARVALHO, P. B. Curso de Direito Tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Leituras recomendadas
ALEXANDRE, R. Direito Tributário esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método, 2016.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Altera o Sistema Tri-
butário Nacional e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc42.htm>. Acesso
em: 05 abr. 2018.
MONTESQUIEU, C. S. O espírito das leis. São Paulo: Saraiva, 1996.
PEZZI, A. C. G. Dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e limites à tributação no
Estado Democrático de Direito. 2006. Dissertação (Mestrado) — Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

Você também pode gostar